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7/25/2019 O Cromossoma Y Poderá Ser Inútil Para a Reprodução Masculina - PÚBLICO http://slidepdf.com/reader/full/o-cromossoma-y-podera-ser-inutil-para-a-reproducao-masculina-publico 1/4 O cromossoma Y poderá ser inútil para a reprodução masculina  ANA GERSCHENFELD 29/01/2016 - 07:41 Sabe-se que este pequeno bocado de ADN é importante para a saúde dos homens. Mas, pelo menos no ratinho, parece ser totalmente redundante em termos reprodutivos. O cromossoma Y é a quintessência do género masculino. Só os machos o possuem e inclui genes muito importantes para a reprodução. Mas agora, uma equipa de cientistas dos EUA e de França acaba de obter, no ratinho, resultados que parecem pôr seriamente em causa esta função fundamental do cromossoma  Y – pelo menos quando se utilizam técnicas de reprodução assistida. Os seus resultados, que foram publicados esta quinta-feira (http://www.eurekalert.org/jrnls/sci/science.sciencemag.org/cgi/doi/10.1126/science.aad1795 na revista  Science , mostram que é possível restaurar a fertilidade de ratinhos machos totalmente desprovidos de cromossoma Y – e portanto supostamente inférteis – graças a outros genes, situados noutros cromossomas. Um dos ratinhos machos sem cromossoma Y  AMANDA SHELL

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O cromossoma Y poderá ser inútil paraa reprodução masculina

ANA GERSCHENFELD 29/01/2016 - 07:41

Sabe-se que este pequeno bocado de ADN é importante para a saúde dos

homens. Mas, pelo menos no ratinho, parece ser totalmente redundante em

termos reprodutivos.

O cromossoma Y é a quintessência do género masculino. Só os machos o

possuem e inclui genes muito importantes para a reprodução. Mas agora, uma

equipa de cientistas dos EUA e de França acaba de obter, no ratinho, resultados

que parecem pôr seriamente em causa esta função fundamental do cromossoma

Y – pelo menos quando se utilizam técnicas de reprodução assistida.

Os seus resultados, que foram publicados esta quinta-feira

(http://www.eurekalert.org/jrnls/sci/science.sciencemag.org/cgi/doi/10.1126/science.aad1795

na revista Science, mostram que é possível restaurar a fertilidade de ratinhosmachos totalmente desprovidos de cromossoma Y – e portanto supostamente

inférteis – graças a outros genes, situados noutros cromossomas.

Um dos ratinhos machos sem cromossoma Y AMANDA SHELL

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Mais precisamente, bastaram dois “sucedâneos” de genes do cromossoma Y

para obter espermatozóides que a seguir permitiram a esses ratinhos estéreis,

sem Y, ter filhotes. Segundo os autores do trabalho, os resultados poderão ter,

no futuro, implicações na luta contra a infertilidade masculina.

Ambos os ratinhos e os humanos possuem dois cromossomas sexuais (no seu

conjunto de 23 pares de cromossomas): as fêmeas são XX e os machos XY.

Com apenas umas centenas de genes, o cromossoma Y é hoje diminuto em

comparação com o X, mas isso nem sempre foi assim. Nos longínquos

antepassados dos mamíferos, o X e o Y eram em tudo semelhantes, formando

um verdadeiro “par”, tal como os outros 22 pares de cromossomas humanos

ainda o fazem.

Mas a dada altura, há dezenas de milhões de anos, o cromossoma Y começou a

encolher drasticamente, tendo perdido, até hoje, 97% dos seus genes iniciais.

Esta aparente fragilidade levou aliás alguns especialistas a argumentar que o

cromossoma Y tinha os dias contados. Contudo, vários estudos têm vindo a

mostrar claramente que o cromossoma Y está cá para ficar.

Porquê? Em particular, porque é vital para a própria sobrevivência do

organismo masculino e não apenas para a sua reprodução.

Assim, há uns anos, a equipa de David Page, do Instituto Whitehead (EUA),

mostrara que, na sua versão actual, o Y só reteve 19 genes dos 600 quepartilhava ancestralmente com o X – 19 genes que possuem portanto duas

cópias no ADN dos homens – uma no X e uma no Y. Para Page, isto sugeria que

esses genes eram particularmente importantes para os homens e que, como na

ausência dessa duplicação alguma coisa não correria bem, foi por isso que a

evolução se encarregou de os preservar no diminuto cromossoma Y ao longo de

dezenas de milhões de anos.

Em 2014, essa tese foi confirmada (/1633364) pela equipa de Page e outros, que

num artigo na revista Nature concluíam não só que esses 19 genes subsistem no

Y há 25 milhões de anos (o contrário da fragilidade), como também que uma

boa parte deles são activados em diversos tecidos do corpo para além do

aparelho reprodutor masculino. Ou seja: sem o Y, os homens seriam

provavelmente inviáveis – e a espécie humana ameaçada de extinção iminente.

Dois genes para a fertilidade

Entretanto, a equipa de Monika Ward, da Universidade do Havai (EUA) – a

autora principal do artigo agora publicado na Science – tinha por seu ladoandado a estudar qual seria a versão “minimalista” do cromossoma Y que

garantiria, em certas condições, a fertilidade de ratinhos machos. E estes

cientistas mostravam, em 2013 e também na Science, que era possível, com

técnicas de reprodução medicamente assistida, gerar descendência a partir de

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ratinhos machos com apenas dois genes activos no cromossoma Y. Os dois

genes indispensáveis chamam-se Sry, que é responsável pela formação dos

testículos; e Eif2s3y, que é essencial às primeiras fases da produção de

espermatozóides.

“Quer isso dizer que a maior parte do cromossoma Y não é necessário para a

reprodução?”, interrogara-se na altura Monika Ward. E respondera. "No estado

actual dos nossos avanços tecnológicos na reprodução assistida, quer.”

Se isto já era em si uma declaração contundente, agora os mesmos

investigadores, com a colaboração de um colega da Universidade de Aix-

Marselha (França) foram mais longe: mostraram que, mesmo na ausência

desses dois genes do Y, ainda é possível garantir a fertilidade dos ratinhos

machos.

Magia? De forma alguma: basta agir directamente, por um lado, sobre um gene-

alvo de Sry, chamado Sox9, que se encontra no cromossoma 11 destes animais;e, por outro, sobre o homólogo do gene Eif2s3y, chamado Eif2s3x – que está

presente no cromossoma X dos ratinhos machos (é um dos tais 19 genes acima

referidos). Mais precisamente: reproduzindo artificialmente a acção normal do

Sry sobre o o Sox9 e utilizando o Eif2s3x para compensar a falta do Eif2s3y,

mostraram que o cromossoma Y dos ratinhos podia literalmente ser

substituído!

Para realizar as experiências, os cientistas começaram por criar ratinhos

machos com três particularidades, obtidas por engenharia genética: uma total

ausência de cromossoma Y; um gene Sox9 activado; e um gene Eif2s3x (do

cromossoma X) sobreactivado. “O facto de aumentar assim a dose desse gene do

X [ Eif2s3x ] para além do que é normal quando ele e o seu homologo do Y estão

presentes”, explica a Universidade do Havai em comunicado, “fez com que

Eif2s3x passasse a desempenhar a função de Eif2s3y na iniciação da

espermatogénese”.

Estes ratinhos, lê-se no mesmo comunicado, desenvolveram então testículosque continham “espermatídeos redondos”, ou seja, espermatozóides imaturos

(uma vez que só a primeira fase do seu desenvolvimento fora induzida pelo gene

Sox9). A seguir, colheram estas células germinais masculinas e utilizaram-nas,

graças a uma técnica de fertilização in vitro chamada ROSI (round spermatid

injection), para fecundar ovócitos colhidos em ratinhos fêmeas. Por último, os

embriões obtidos foram implantados no útero de “mães de substituição” e daí

nasceram ratinhos. “Dos 11 embriões implantados, dez resultaram numa

gravidez e nasceram nove ratinhos”, escrevem os autores no seu artigo.

Estas crias, derivadas portanto de machos sem cromossoma Y, eram saudáveis e

tiveram um tempo de vida normal. E mais: não só as filhas destes ratinhos sem

Y eram férteis, sem haver necessidade de recorrer a qualquer técnica artificial

para se reproduzirem, como também o eram os netos dos ratinhos sem Y

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nascidos do cruzamento das suas filhas com ratinhos machos XY normais,

explica ainda o comunicado. Por outro lado, graças à técnica ROSI, os cientistas

também produziram três gerações consecutivas de machos sem Y. “Mostrámos

assim que, no ratinho, o contributo do cromossoma Y não é necessário”, diz

Monika Ward, citada no mesmo documento. “É uma boa notícia, uma vez que

sugere que existem estratégias alternativas, dentro do genoma, capazes de

entrar em acção em determinadas circunstâncias.”

A técnica ROSI ainda é considerada experimental no ser humano, devido a

questões de segurança e outras dificuldades técnicas, mas os autores esperam

que o seu trabalho incite os especialistas a reconsiderar a utilidade da técnica

para resolver problemas de infertilidade masculina.

Uma pergunta impunha-se: poderia isto implicar também que um dia, graças a

técnicas deste tipo, um casal de mulheres – ou até uma mulher sozinha –

poderia vir a gerar descendência sem qualquer intervenção masculina? “O

nosso estudo foi feito no ratinho”, respondeu-nos Monika Ward. “Embora aindanão tenhamos mostrado que duas fêmeas podem gerar descendência juntas, é

teoricamente possível que a combinação da nossa abordagem transgénica com

avanços recentes na área das células estaminais poderia permitir a um ratinho

fêmea produzir espermatozóides – e até a uma única fêmea produzir esperma e

ovócitos. No entanto, no ser humano, a situação é mais complicada e, no estado

actual do conhecimento, não podemos afirmar que seria possível, [em

particular] devido às diferenças de conteúdo genético entre os cromossomas Y

de ratinho e humanos."

A cientista acrescenta que, de qualquer maneira, “a ser possível, envolveria

extensas manipulações genéticas para conseguir fornecer as doses certas dos

genes essenciais do cromossoma X”, tal como agora foi feito no ratinho

sobreactivando o gene Eif2s3x . “Ora, por enquanto, nem sequer sabemos quais

poderão ser esses genes essenciais no ser humano.”

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