9

O crime do seculo

Embed Size (px)

DESCRIPTION

trabalho de tipografia

Citation preview

02 03

O quarto recendia ao inebriante aroma de rosas que começavam a fenecer. Pétalas rosadas tombavam dos botões inchados de uma taça chinesa, sobre a superfície polida de uma escrivaninha ornolu. Ape-sar da claridade do dia, abajures cor-de-rosa permaneciam acesos e as cortinas do mesmo tom, com suas pregas volumosas, continuavam fechadas. Ninguém dormira na cama, apenas repousara. Os lençóis rosa continuavam imaculados e sem vincos. Um relógio de vermeil há longo tempo sem corda, tinha cessado o seu tique-taque, e um radio, ligado há tempo demais, perdera a sintonia. Estirada no assoalho, de rosto para baixo, caída na borda rosada de um tapete Aubusson, uma mulher de cabelo dourado, em uma camisola de renda e cetim. Estava morta. Há mais de um dia, talvez mesmo dois. Se tivesse viva, teria dito, mesmo se não lhe perguntasse que a taça chinesa pertencera um dia a Magda Lupescu; que a escrivaninha per-tencera a Maria Antonieta; que o relógio de vermeil fora dado a im-peratriz Elizabeth da Áustria pelo rei louco Ludwig da Baviera; que o tapete Aubusson tinha sido um presente da corte belga a imperatriz Carlota do México. Terem pertencido a mulher malfadadas não era tão importante para a morta como a sensação de luxo que experimentava quando repetia a historia de suas possessões. O nome da morta era Ann Grenville. Numa das paredes do quarto ficava o perverso retrato, feito por Salvador Dali, que tanto a ofendera quando ficara pronto, anos antes. Há muito segredo de quaisquer ol-hares, surpreendentemente presente agora, fitava da tela o ambiente rosado, seus cortes a faca restaurada a sua profecia realizada. Prom-etera carnificina e a carnificina se cumprira. Seu obituário, quando foi publicado, não chamava atenção. Quem não lesse sobre derrota do chanceler alemão, na primeira pagina da seção A do The New York Times, que continuava na penúltima pagina da seção D, depois das noticias econômicas e das cotações da bolsa, não o veria, pois foi La que apareceu. La estava o nome Ann Grenville, seguido da expressão “falecida”, e depois, uns poucos parágrafos, tudo

O Crime do Século

Dominick DunnePrimeira Parte

04 05

facilmente imperceptível.Pensando melhor, naturalmente, o obituário de Ann Grenville estaria provavelmente no local exato em que a velha Alice Grenville queria que estivesse, e se tivesse telefonado a um dos sulzberger, então encar-regado do Times, e solicitado explicitamente uma posição assim para o anuncio fúnebre da nora, ninguém que a conhecesse se surpreende-ria. Não teria sido o primeiro telefonema pedindo consideração para com a família. Extremamente idosa, com mais de noventa anos, Alice Grenvelle, uma das trigemias Pleydell, ainda dirigia a família, e uma das coisas que lamentava muito era que a família já fora noticia demais.O obituário dizia que Ann Grenville fora encontrada morta em seu apartamento na 5° avenida, era viúva do desportista William Gren-ville Junior, Mãe de Diantha Grenville, nora de Alice Grenville, figura filantrópica da sociedade. Tinha problemas cardíacos, cinquenta anos, e fora considerada inocente da morte do marido em 1955.Não tinha exatamente cinquenta e sete anos. Há três já não os tinha. Mais sua mentira, se e que se pode chamar assim, aproximava-se muito mais da verdade do que a idade que revelara há vinte anos, no auge de sua notoriedade, quando, com quarenta, proclamara ter trinta e dois._Senhora ., senhora Ann Grenville _ chamava um camareiro de bordo, batendo um gongo enquanto percorria os convés e salões. _ Telefone para a senhora Ann Grenville.Nenhuma cabeça voltou-se diante do nome que já tinha sido man-chete. Havia-se passado tempo demais, e ninguém no navio lembrava-se do que a revista Life chamara de “o crime do século”.Encontrei-a, alguns anos antes de sua morte, pela primeira vez em muito tempo, a bordo de um navio que ia para Alasca. Há muito af-astada da vida social, era, mesmo a bordo, uma viajante reclusa. Não era mais o centro das atenções, como a Ann Grenville de outrora; melhor dizendo, resignara-se a periferia, não só das festas, como da vida. Fiquei petrificado. O rosto, que um dia Dora lindo, estava um pouco devastado, talvez pela bebida, e adquirira a similaridade dos ros-tos femininos de meia-idade que passaram por uma cirurgia plástica. O esplendido corpo esbelto engrossara um pouco, e o cabelo dourado parecia brilhar mesmo.No entanto, ainda havia magia. Talvez a magia da memória das sema-nas de minha juventude em que ela estivera em evidencia. As roupas eram caras e simples, e seu perfume a envolvia como uma aura. As

joias eram, na maioria, de ouro, exceto um anel de safira e brilhantes cujo tamanho e lapidação demonstravam haver passado por varias ge-rações. Lia, fazia tapeçaria, olhava horas e fio a costa do Oregon e de Washington, fumando, tragando profundamente e atirando as pontas de cigarro no mar, sem falar com ninguém._ Espero que não tenham sido más noticias _ disse mais tarde, ao pas-sar por sua cadeira no convés._ O que? _ disse ela, como se respondesse a um intruso.Claro que sabia quem era ela, desde o primeiro instante, apesar de ter dito apenas que me parecia familiar, e nada mais, quando o homem da cadeira ao meu lado, um certo senhor Shortell, de Tacoma, per-guntou-me se sabia algo sobre ela. Uma de minhas características de que menos gosto e que sou frequentemente um poço de informações sobre pessoas que não conheço, sobretudo gente importante. Mas de fato conhecia Ann Grenville, se bem que não como amigo. Nos anos de gloria como senhora William Grenville Junior, em que seu nome aparecia constantemente na coluna de Fydor Cassati no New York Journal Ametican, e suas fotografias, tiradas por Louise Dahl-Wolf e Horst, apareciam em todas as revistas sofisticadas, nossos caminhos cruzavam-se às vezes nos salões de Nova York. Ela me evitava, e na verdade nunca confiou em mim. Senta que ela me achava capaz de ver através da encenação que era sua vida, assim como Salvador Dali a vira alem das aparências, quando pintara seu retrato._ Seu telefonema. Espero que no tenha sido más noticias _ disse.Desenvolvera uma forma de olhar para as pessoas sem estabelecer contato, como fazem as vezes as estrelas de cnema para proteger-se dos curiosos, como se estivesse decidindo se iniciava ou não uma con-versa. Foi preciso uma tragédia para dar a Ann e Billy Grenville a pro-eminência que tiveram na historia social de Nova York. Naquela épo-ca, no outubro de 1955, toda a Nova York e a maior parte dos países e do mundo trepidavam com uma impaciência horrorizada diante das revelações diárias o caso Grenville. O que e tão atraente quanto ricos e poderosos envolvidos em circunstâncias criminosas? Ate o impo-nente The New York Times e o conservador Herald Tribune pareciam tabloides escandalosos e sensacionalistas. Não fosse por isso , Ann e Billy Grenville teriam sido apenas mais um casal rico e elegante, ambos agraciados com uma bela aparência, que encantou por algum tempo a sociedade de Nova York.

06 07

_ Ate que eram _ disse ela finalmente. _ Mas noticias, quero dizer.A voz era profunda e rica e combinava com ela._ Sinto muito _ eu disse._ Minha cadela morreu em Nova York. Isso provavelmente não vai lhe parecer nem um pouco serio, mas eu era muitíssimo apegada a ela._ Sinto muito.Esboçou um sorriso e voltou a atenção novamente para o livro, para mostrar que a conversa terminara e eu voltei a minha cadeira do con-vés.Não pensem, por favor, que a espreitei ao longo dos anos, coletando informações. Não. Mas fiz, antes que o fato acontecesse, algumas an-otações ocasionais a respeito dela, e de Billy também, em meu diário.Ouvia-se musica de dança no nosso canto solitário do convés, vinda de festivais em outro lugar do navio. Notei que seu PE elegantemente calçado marcava o ritmo. Naquela ocasião ainda era possível imagi-nar aquela mulher de meia-idade, jovem e bela, uma corista com um adereço de plumas na cabeça, deslizando por um palco de boate, a amante do homens ricos, a mulher de um bem apessoado aristocrata americano, anfitriã e dama da sociedade de uma década anterior e, infelizmente, a assassina._ Lindas pernas _ disse eu em tom admirativo, omitindo a palavra “ainda” que me ocorreu.Ela deu uma risada baixa e gutural e levantou a perna no ar para olha-la, virando o PE de um lado para outro._ Nada mal _ concordou, admirando-a _ para os anos dourados._ Os anos dourados _ repeti, rindo._ Fodam-se os anos dourados _ disse ela com uma risada, dando-me a entender por seu tom quem o tão admirado charme dos anos doura-dos escapara-lhe completamente.Foi assim que começamos a conversar. Não se mostrou surpresa de que eu estivesse ali. Nem mencionou a ultima vez que tínhamos nos encontrado, em st.Moritz, quando eu a apelidara de bangue-bangue, apelido que realmente pegou. Apenas aceitou a situação. Não havia falado com ninguém durante toda a viagem e estava pronta para isso, e eu também não falara com ninguém, exceto o senhor Shortell, de Ta-coma, e estava pronto a ouvir. Falando dos livros que estávamos lendo, das peças que tínhamos visto, e das pessoas o navio._ O que você acha que ele faz, aquele de camiseta amarela, fingindo

que esta lendo Prouts?_ Como sabe que ela esta fingindo?_ E o tipo da coisa que eu costumava fazer _ respondeu e riu.Tinha dentes bonitos e uma linda boca._ Assim que me casei com meu marido, durante a guerra, minha sogra tentou fazer-me uma Grenville e me deu uma lista de cinquenta livros para ler, mas nunca consegui ler Prouts. Então, fingia que lia._ O homem de camiseta amarela e um tal do senhor Shortell, de Ta-coma. Não e mau sujeito, e acha-a fascinante. Gostaria de conhecê-lo?_ Oh, não. Prefiro evitar fazer novos conhecimentos._ Por quê? _ Tudo corre muito bem no começo e, então, de alguma forma desco-brem minha historia. Alguém lhe diz: “E a mulher que matou o mari-do”, e começam a me olhar de maneira diferente e a imaginar coisa a meu respeito. Sozinha e melhor.E mudou de assunto._ Que filme vão passar?_ Um antigo._ Qual?_ O vermelho e o negro._ Gerard Philipe. Esse eu nunca vi._ Nem eu _ respondi._ Vamos, então.E uns fatos em minha vida acontecem coincidências ou coisas muito pouco prováveis. Não sabia, pois nunca tinha visto o filme antes, que avia uma cena em O vermelho e o negro em que o marido entra no quarto da esposa de madrugada, e ela, confundindo-o com outra pes-soa, da um tiro nele, imaginem, com o plano tortuoso que tinha em mente, estar precisamente sentado com Ann Grenville no cinema do navio, assistindo a essa cena.Ann, segundo os braços da cadeira, ergueu-se ligeiramente e, estar-recida, assistiu a cena. Depois tornou a sentar-se. Eu não sabia o que dizer, e nada disse,continuando a olhar fixamente para a tela. De volta as nossas cabines, depois do filme, nenhum de nos disse pa-lavras por alguns momentos, mas não podia deixar passar a oportuni-dade que me surgira._ Sera que não falaria sobre isso, Ann? _ perguntei._ Nunca _ respondeu.

08 09

_ Mas nunca ninguém ouviu sua versão._ A morte de meu marido foi um acidente, mas ninguém acreditou em mim, só o júri. Sei que as pessoas me chamam de “a assassina”. Sei quanto meus filhos sofreram._ Sente-se aqui _ eu disse, levando-a ate um banco no convés._ Fiz um acordo com minha sogra de que nunca discutiria isso, nunca, nunca. E tenho mantendo acordo. Varias vezes por ano era arrastada pela família, por minha cunhada e minha sogra, e exibida em suas fes-tas. Isso as beatificava aos olhos de Nova York, serem tão santas com a mulheres de vida fácil que se casou com seus irmão e filho, e depois o matou. Sei que há gente que diz que fui uma prostituta. Não fui uma prostituta. Ah, sim, aceitava um presente ocasional de uma bolsa de crocodilo de um daqueles donos de confecção com quem costumava sair antes de me casar com Billy Grenville, com o acordo implícito, mas nunca manifesto de que dentro haveria uma nota de cem dólares, no começo dos anos quarenta, quando cem dólares ainda eram um bo-cado de dinheiro. Mas isso fazia parte da vida naquela época. O que há de tão errado em querer melhorar de vida? Gostaria de viver naquela fazenda onde nasci?_ Quer um drinque? _ perguntei._ Escute, Basil _ ela disse, levantando-se e caminhando ate o balaustre. _ E um erro tentar ser amigável comigo._ E?_ Pareço ter adquirido a capacidade de afastar todos de mim. Ate meus filhos.E olhou em torno, preparando-se para ir embora, a procura de bolsa, da echarpe e do livro, e, depois de pegá-los, estendeu a mão. _Bem _ disse._ E assim termina a nossa noite.Não queria que se fosse, mas não sabia como impedi-la, a não ser segurando-lhe a Mao._ Voce é uma pessoa diferente, Ann, da Ann Grenville que...- ... que flertava com um boche no Palace Hotel de St,. Moritz, um ano depois de ter matado o marido? _ perguntou, acabando a frase por mim de uma forma que eu não tencionava fazer.Senti-me corar no escuro e soltei sua Mão._ Não se pode passar tanto tempo sozinha, como tenho passado nest-es últimos anos, sem chegar a nenhuma conclusão a nosso próprio respeito _ disse, virando-se e pondo fim a nossa intimidade.

É fato que, mesmo hoje em dia, amos depois do que aconteceu, há pessoas que, no jantares de Nova York, podem contar, com detalhes vividos, toda a história daquela noite de outubro de 1955, ou pelo menos o que sabem sobre ela, pois ninguém a conhecia totalmente, exceto os dois principais personagens; um deles fora morto a tiros e o outro foi para o túmulo sem nunca, nem uma única vez, ter falado a respeito. Exceto para mim.Sim, sei que as pessoas dizem que matei Ann Grenville. Bem não ma-tei literalmente, como “ bangue-bangue, você esta morta” , mas sou responsável pelos vinte e dois seconal e o meio litro de vodca com que os engoliu, depois de ler um capítulo minha novela que sairá na revista Monsieur. Mas não me sinto absolutamente responsável. Não a chamei de Ann Grenvillhe na minha história. Chamei-a Ann Há´good. Se achou que estava escrevendo a seu respeito, foi problema dela.Nos anos em que era tão afamado na mídia por minhas amizades in-timas, embora platônicas, com algumas das grandes damas de Nova York, como Jeanne twombley e Peral Wilson, que aliás não falam mais comigo hoje em dia, e por meus requintados livrinhos, contaram-me coisas sobre Ann e Billy e a família Grenville que não teria tido como saber. Jeanne Twombley foi a única de toda a turma de North shore que fez qualquer tentativa para ver Ann depois do ocorrido. Acha ag-ora que eu a traí, mas o que estava pensando essas senhoras quando sussurravam em meus ouvidos todos os segredos de seu mundo? Afi-nal, sabiam que era um escritor. Tenho essa habilidade de fazer com que as pessoas me façam confidencias. Nem ao menos preciso me esforçar para isso. Ouço lindamente, e sei ri encantadoramente. Nunca demonstro surpresa ou consternação diante de revelações chocantes ou desalentadoras, pois isso invariavelmente inibe o narrador.A bordo daquele maldito navio, on de desejaria agora nunca tê-la visto de novo, minha própria vida estava ameaçada. Poderia até dizer que temia por ela. Não que estivesse em perigo; não estava. Pelo menos não por criminosos ou por alguma doença fatal. O que temia era que sua totalidade significasse o fracasso. Bem, houve momentos de glória, naturalmente, mas houve também muitos equívocos e mudanças de rumo ao longo do caminho a serem considerados pelos que se ocu-pavam de tais questões, e consideração era tudo a que sempre aspirei.

10 11

Sussurrava-se a meu respeito que a bebida, as drogas e a devassidão estavam interferindo em meu trabalho, que estava jogando fora meu talento pelos salões e discotecas, fazendo papel de bobo da corte. As pessoas que diziam essas coisas espalharam que era incapaz de termi-nar aquilo a que me referia sem a menor modéstia como mina obra-prima em entrevistas de televisão. Às vezes, referia-me a ela como um mosaico, outras, como uma colagem, ou ate mesmo um patiche. Obra de ficção, naturalmente, refletindo as mil facetas de minha vida que, juntas, mostrariam minha totalidade- mente corpo, coração, espírito.Sentia-me espicaçado por suas criticas. Tentando recolher os escom-bros do naufrágio de minha vida, fui para o mar repensar meu trabalho inacabado, mas as ideias não afloravam, e, então, vi Ann Grenville. Alguém do passado tentando recolher os escombros de seu naufrágio. E a ideia começou a brotar. Tanta coisa fora escrita sobre ela em todos esses anos. Não seria essa a ocasião de contar sua versão da história, de colocar as coisas em seu lugar? Ela, que fora tão vilipendiada, nunca falara em sua própria defesa. Estávamos lá, no mesmo navio, e se a situação fosse devidamente manipulada, teria que haver uma conversa. Sim, sim, sim, admito que o que fiz era errado, mas fiquei sem forças para resistir à oportunidade. Sabia, simplesmente sabia, que com o tempo ela acabaria me contando, a mim, Basil Plant, o que nunca con-tara a outro ser vivo. Sou o tipo de pessoa a quem os outros confessam seus segredos. Sempre foi assim. Eu, que consigo lembrar-me ate das vírgulas nas frases dos outro, com-ecei a relembrar a história de Ann Grenville, tal como a ouvira e lera.Quando se olham velhas fotografias de Ann Greville, nos leiloes de potros de Saratoga, por exemplo, sentada entre Ali Khan, com quem dizia-se que estava tendo um caso, e a senhora Whitney, famosa pro-prietária de cavalos de corrida, em um safári na Índia, vestida com trajes de caçada de Londres, ou no baile do marquês de Cuevas em Biarritz, coberta de joias e com um vestido da alta-costura, o que se vê é uma mulher integrada em seu mundo do marido.Olhem vocês mesmos a lista do senhor Malcolm Forbes das pessoas mais ricas da America, e verão como a riqueza do país mudou de mãos nos últimos trinta anos. Não há um Vander bilt na lista. Até mesmo Babett vam Degan não esta, nem qualquer das pessoas que aparecem nesta história. Os que ainda estão vivos continuam a perpetuar-se no registro social – exceto a pobre Esme Blad que esta no sanatório, e

Neddie Pavenstedt, que abandonou Petale o banco para fugir com um ator de televisão a quem adotou mais tarde -, porém não são mais con-siderados ricos pelos ricos atuais. Mas no tempo sobre o qual escrevo, os Grenvilles eram considerada uma das famílias mais ricas do país.William Grenville Junior estava acostumado a muitas coisas, entre as quais a adoração era das mais frequentes. Pelo pai, pela mãe e pelas quatro irmãs que o procederam neste mundo. Tal fato nunca fora reve-lado, mas, se tivesse chegado mais cedo à fieira de crianças, certamente teriam existido menos meninas. Em uma família como os Grenvilles, filhos homens eram essenciais.Quando nasceu, recebeu do presidente Wilson, dando-lhe as boas vindas a este mundo, uma carta que, emoldurada, foi sempre pendu-rada sobre todas as camas que teve na vida. Os Grenvilles viviam em uma mansão renascentista francesa de Stanfod Whiter, encostada à 5 Avenida, em frente à da velha senhora Vanderbilt e ao lado da casa dos Stuyversants. Passavam os fins de semana em uma propriedade de duzentos hectares em Brookville, Long Island, os verões em um ban-galô de Newport, em seguida à temporada anual na Europa. Era uma vida esplêndida da qual ele emergiu esplendidamente. A ama, Templeton, o tutor, Simon Fleet, e o professor de dança, senhor Dodsworth, todos se encantavam com sua doçura, sua timidez e suas excepcionais boas maneiras. Foi por intermédio de Templeton, que tinha sido governanta de suas quatro irmãs, que adquiriu a maneira precisa de falar que o distinguiria, pelo resto da vida, das pessoas que conheceu, exceto dos poucos que haviam sido educados exatamente como ele.Com o tempo, o pai começou a sentir que o filho era adorado em excesso e que a companhia constante de quatro irmãs, que não o solta-vam e o passavam de uma para outra, poderia levá-lo a uma fraqueza de caratê. Foi mandado para a mesma escola primaria que o pai fre-quentara, cara e espartana, como preparação para a vida e as grandes responsabilidades que herdaria com o tempo.Na verdade, tinha uma veia melancólica. Ficou fascinado quando leu sobre os dois príncipes ingleses degolados na torre de Londres. Era um momento histórico que lia e relia, e que sempre o comovia, mui-tas vezes até as lagrimas. Em uma viagem precoce à Inglaterra, foi levado em excursão à torre, e ficou todo gelado quando viu a sala onde aqueles prisioneiros haviam ficado. Disse à Irma Cordelia, a mais

12 13

próxima dele em idade a temperamento, que tinha um pressentimento de que ia morrer jovem.Anos mais tarde, a memória mais vivida que tinha da casa de Nova York, onde a família passava a maior parte do tempo, era do imenso candelabro do saguão principal. Sempre passava debaixo dele com um certo temor e repetia aos novos conhecidos a história que acontecera às véspera do baile de debutante de Rosamond. Rosamond era sua Irma mais velha, que já tinha catorze anos quando ele nascera uma figura distante e glamourosa de sua infância, que se casara com um nobre inglês aos dezenove anos e fora morar em Londres. O candela-bro, sem nenhuma explicação, desabou sobre o assoalho, matando o homem que o estava limpando. As despesas de funeral e uma generosa indenização foram rápida e discretamente providenciadas, e foi feito um acordo tácito entre os da casa de quem não se fizesse qualquer menção ao fato, para não ofuscar o brilho do baile. Foi sua primeira experiência com a morte e também a primeira a cerrar fileiras. Ha-via muito o que esperar dele. Havia o banco, o Camridge Bank of New York, fundado por seu avô, do qual o pai era presidente. Havia a diretoria de uma mei dúzia de corporações. O haras Grenville e a fazenda de criação de cavalos Grenville, com cerca de mil hectares, em Kentucky, um empreendimento comercial de enorme sucesso, que produzira três vencedores do Derby de Kentucky. Era para tudo isso e mais ainda que o preparavam. Em alguma época, ele começou a ter a duvidas. Havia algo sob sua elegante timidez que se esquivava a feli-cidade, uma consciência de suas próprias limitações. Quando pensava acerca disso, o que não era frequente sentia um medo profundo de que teria sido um fracasso se não fosse o herdeiro de tais magnificências.mava-se as convenções de seu tipo de vida.Apenas Cordelia, a quarta filha, e a mais próxima em idade a Junior, compreendeu. E Bratsie também. Não tem significado para esta historia, mas tem um grande significado para caráter de Jellico Bleeker _ ou Bratsie, como era chamado por todos, exceto pela mãe, a anfitriã Edith Bleeker, que odiava o apelido _que tivesse apenas quatro dedos na mão direita. Perdera um dedo indicador durante um acidente no 4 de Julho, as dez anos, ao segurar por tempo demais uma bomba que tinha sido expressamente proibido de soltar. Em outra ocasião, mais ou menos um ano depois, pegou um dos botes da família, em Long Island, sem orientação ou qualquer

conhecimento real de barco a vela, e velejou não se sabe para onde. Só deram por sua falta depois de escurecer, e passaram-se doze horas ate que a guarda costeira, já quase sem esperança, avistasse a pequena em-barcação navegando sem rumo no Long Island Sound, com Bratsie, quase congelado, mas a salvo e inteiramente despreocupado com o drama que tinha causado. Suas fotos sorridentes em todos os jornais o tornaram uma espécie de herói para seus contemporâneos, entre eles Junior Grenville, de quem era o melhor amigo. O incidente reafirmou a convicção de Edith Bleeker de que seu potro selvagem precisava ser domado, e era o que ela ia fazer. A vida, em segunda, tornou-se para ele um jogo de justes de contas com a mãe. Em um elegante casamento de um parente, acompanhou-se pela nave, usando, sem que ela percebesse, um solidéu na cabeça. Balançou-se pendurado em um candelabro na escola de dança do senhor Dodsworth e foi convidado a retirar-se e não mais voltar. Registrou a pequinesa da mãe, Rose, no Registro Social de Nova York, como a senhora Rose Bleeker. Imitava qualquer caminhar ou falar defeituosos com perfeição. Decorou o ritu-al da confissão, embora não fosse católico, e confessou pecados inven-tados a um padre embasbacado. Foi o primeiro dos meninos do grupo a fumar, a roubar bebida, a se masturbar, a ser expulso da escola, ater relações sexuais com uma prostituta e a bater com o carro da família.As historias de Bratsie Bleeker sobre suas escapadas faziam o menos aventureiro Junior Grenville rolar de tanto rir. Junior adorava o amigo. Eram levadas e trazidas pelos choferes as casas das famílias Grenville e Bleeker na cidade, e as propriedades Grenville, em Brookville, e Bleek-er, em Glen Cove, no campo.Em contraste com o alto e bonitão Junior Grenville, Bratsie Bleeker era pequeno e atarracado, de cabelo louro e sempre bronzeado. Cinco gerações de Bleeker de Long Island havia-lhe-lhe dado um ar natu-ral de altivez e superioridade, frequentemente rompido pelo sorriso encantador e malicioso, que era sua contribuição pessoal a própria aparência. Entremeava sua fala de classe alta com palavras da baixa, e tinha uma habilidade única de arrancar Junior Grenville de SUS ataques de melancolia._ Você não tinha nada que explicar que aquele peido no elevador não foi você quem soltou _ disse Bratsie um dia, depois da escola. _ Nin-guém disse que foi você._ Eu me senti culpado _ disse Junior.

14 15

Com exeçao de Bratsie, os garotos de Buckley achavam Junior Gren-ville distante e pouco comunicativo e muitas vezes zombavam das maneiras elegantes e do estilo de vida de sua família que nele trans-pareciam. Junior se sentia embaraçado por ser levado e trazido diari-amente na limusine packard da família pelos treze blocos de distancia da escola, mas pai insistia nisso. Junior preferia ser deixado na esquina da Rua 73 com a Park avenue e caminhar ate a escola, porque temia a zombaria dos outros meninos, muitos dos quais tinham permissão para ir a PE, ou mesmo para tomar um ônibus. Fez um apelo a mãe para amenizar a pompa de suas chegada e saída, e o que conseguiu foi que a ama, Templeton, não o acompanhasse, e que o chofer, gibbs, não lhe abrisse a porta, para que saísse e entrasse na limusine por conta própria.Em uma sexta a tarde, quando foram busca-lo para leva-lo ao cam-po para o fim de semana, despediu-se de Bratsie Bleeker e entrou no packard. Um homem com um chapéu de aba larga que escondia par-cialmente seu rosto apareceu de súbito no meio do grupo de meninos e seguiu Junior no assento traseiro do carro. Por um instante, o menino pensou que fosse um amigo do chover, e o chofer pensou que fosse amigo dele. Foi uma manobra planejada.O homem puxou um revolver, agarrou o menino aterrorizado e ord-enou ao igualmente aterrorizado Gibbs, de quem sabia o nome, que continuasse ate a 1º Avenida e virasse para o centro, onde, em deter-minado ponto, iriam encontrar-se com o carro de um cúmplice. Tudo foi feito com tanta habilidade que nenhuma pessoa que estavam do lado de fora da escola percebeu o que tinha acontecido, nem mesmo Bratsie, que estava parado na calçada com Junior e que teria inveja durante anos porque o sequestro não acontecera com ele.Na esquina da 75º rua com 1º Avenida, Gibbs, velho e nervoso, ultra-passou um sinal vermelho enquanto pegava a nota de resgate já pre-parada que o sequestrador lhe entregou, passando a milímetros de um caminhão Gristede que cruzava a avenida. Por entre o ruído dos freios e buzinadas furiosas, um carro de policia começou a persegui-los, e encurralou a limusine contra a calçada da avenida. Mantendo a calma, o sequestrador saiu da limusine tão despercebida-mente quanto entrara, fez sinal a um taxi, entrou e foi-se para nunca mais ser visto, antes que policial chegasse do lado do chofer para haver-se com o privilegiado ocupante, que se achava, segundo estava

imaginando, acima da lei em questões de trafego. A única prova do drama que durara seis minutos, alem do menino que chorava e so as-suntado chofer, era a nota de resgate caída no chão.

16

“O Crime do Século” é uma história arrebatadora baseada em fato verídico, cuja protagonista Ursula Mertens (mais conhecida no romance como Ann Grenville) vai ao céu e ao inferno, da pobre-za à riqueza, do prestígio social à desonra. A história é contada pela testemunha ocular, o escritor Basil Plant, que conviveu de perto com pessoas da alta sociedade e conheceu, pesquisou e acompanhou Ann Grenville, que chegou a ser sua confidente nos derradeiros momen-tos da sua trágica vida. Corista nos anos 40, Úrsula some da pequena cidade rural de Pittsburg (Kansas) e muda-se para Nova York atrás de uma vida melhor e sucesso artístico, daí adota o pseudônimo de Ann Arden, que soaria melhor artisticamente para uma futura car-reira no cinema, uma vez que também detesta o nome verdadeiro. O pseudônimo começa a ser adotado definitivamente após conhecer William Granville Junior, herdeiro de uma grande fortuna, e mem-bro de uma das mais tradicionais, refinadas e ricas famílias da época. Junior, como é conhecido, se apaixona por ela. Com a oportunidade de ascender socialmente, a astuciosa e pragmática Ann casa-se com Junior mesmo contra a vontade da família Granville, e sua matri-arca Alice que a considera mais uma oportunista. Deslumbrada pela riqueza e a vida social intensa e prestigiada, Ann ignora seu passado e sua família na terra natal, e faz de tudo para ser aceita com nova estirpe no círculo restrito das tradicionais e distintas famílias da alta sociedade, mesmo tendo sua origem social contestada e tolerada pela nova família. Já como a Senhora Granville, Ann, mãe de dois filhos de Billy (até o nome do seu marido é mudado pelos interesses “de coluna social” de Ann) e com ciúme possessivo do marido, que já não a vê como antes, o casamento entra em crise. Ann se sente terrivelmente ameaçada de perder todo o prestigio social e riqueza que conquistou através dos Granville. Quando seu marido, vítima do ciúme explosivo de Ann, descobre fatos graves sobre o seu pas-sado no Kansas que podem arruiná-la, pede o dívórcio. Ann cai em desgraça socialmente após tramar contra a vida de Billy, e assassiná-lo, simulando que foi apenas um acidente com a arma, e se torna o centro de grande transtorno para si e para os que o cercam.