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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
O CONTROLE JUDICIAL DO MÉRITO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí
ACADÊMICA: ANDRESSA FARINON
São José (SC), novembro de 2004
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
O CONTROLE JUDICIAL DO MÉRITO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação da Professora MSc. Carla Cristina Seemann Schütz. ACADÊMICA: ANDRESSA FARINON
São José (SC), novembro de 2004
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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
O CONTROLE JUDICIAL DO MÉRITO DOS ATOS
ADMINISTRATIVOS DISCRICIONÁRIOS
ANDRESSA FARINON
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em
Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José, 09 de novembro de 2004
Banca Examinadora:
_______________________________________________________ Prof.(a) MSc. Carla Cristina Seemann Schütz - Orientadora
_______________________________________________________ Prof. Dr. Luiz Henrique Urquhart Cademartori - Membro
_______________________________________________________ Prof. MSc. Luiz Magno Pinto Bastos Júnior - Membro
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DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia:
A minha mãe Luiza, que com apoio, incentivo, compreensão e,
principalmente, amor, em todos os momentos, foi responsável
direta pelo êxito desta dura caminhada.
A meu pai Walcir, pelas primeiras noções de responsabilidade,
persistência e orgulho de uma etapa cumprida.
A Deus pela saúde, força e sabedoria em todos os momentos que
necessitei.
5
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, em especial a minha mãe, pela presença constante,
pelo apoio incondicional e pelo amor infinito e fortificante.
Agradeço a minha orientadora, Professora MSc. Carla Cristina Seemann
Schütz, pela atenção, aconselhamentos e incentivo permanente durante a pesquisa.
Agradeço ao professor Perci Freitas pelo tempo dispensado na correção
metodológica deste estudo.
Agradeço a Taline, Kristian, Wanderlei, Marciéli e Cristiane, colegas da
Assessoria Jurídica Regional do Banco do Brasil pelo apoio e compreensão nos momentos
que precisei.
Agradeço ao chefe Gilmar, ao supervisor jurídico Marcus Antônio e à gerente
Cecília, todos da Assessoria Jurídica Regional do Banco do Brasil por todas concessões
efetuadas para realização deste trabalho.
Agradeço, enfim, a Deus pela saúde e força ao longo desta jornada e por ter
colocado todas essas pessoas em minha vida.
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“... O Direito, como ele é, é a expressão dos mais fortes, não dos
mais justos. Tanto melhor, então, se os mais fortes forem também
os mais justos”.
Norberto Bobbio
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RESUMO
Este estudo tem como objetivo principal verificar a possibilidade de o Poder Judiciário controlar o mérito do ato administrativo discricionário, bem como, constatar um controle amplo e substancial dos atos administrativos, contrastando-os com a principiologia constitucional e básica do direito administrativo brasileiro. Durante muito tempo, sustentou-se na doutrina e jurisprudência brasileiras, que o Poder Judiciário deveria limitar-se ao exame de legalidade do ato administrativo discricionário, sendo-lhe vedado à análise do mérito. Porém, após um desenvolvimento e crescimento das atividades administrativas ao longo do tempo, propiciando abusos e extrapolações na utilização dos poderes e prerrogativas concedidos à Administração Pública pela lei, houve uma evolução na doutrina com o intuito de limitar cada vez mais a discricionariedade administrativa e submetê-la ao controle judicial. Assim, algumas teorias surgiram no afã de ampliar este controle e, após a promulgação da Constituição Federal de 1988, mais parâmetros foram colacionados ao ordenamento jurídico de modo que a inércia do Poder Judiciário em não apreciar o mérito do ato administrativo não mais se justifica. Palavras-chaves: Administração Pública, ato administrativo discricionário, controle, mérito, Poder Judiciário.
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RIASSUNTO
Questo studio ha come obiettivo principale quello di verificare la possibilità del controllo da parte del Potere Giudiziario del merito dell’atto amministrativo discrezionale, oltre a constatare un controllo ampio e sostanziale degli atti amministrativi, contrastandoli con i principi costituzionali e basilari del diritto amministrativo brasiliano. Per molto tempo, si è argomentato, nella dottrina e nella giurisprudenza brasiliane, che il Potere Giudiziario dovrebbe limitarsi all’esame della legalità dell’atto amministrativo discrezionale, essendogli vietata l’analisi del merito. Tuttavia, dopo di uno sviluppo e di un aumento delle attività amministrative al lungo degli anni, propiziando abusi dell’utilizzazione dei poteri e delle prerogative concessi all’Amministrazione Pubblica dalla legge, c’è stato uno sviluppo della dottrina nel senso di limitare sempre di più la discrezionalità amministrativa e sottometterla al controllo giudiziale. Così, alcune teorie sono sorte con lo scopo di aumentare questo controllo e, dopo la promulgazione della Costituzione Federale di 1988, altri parametri sono stati aggiunti all’ordinamento giuridico e quindi l’inerzia del Potere Giudiziario in non apprezzare il merito dell’atto amministrativo non si giustifica più. Parole-chiavi: Amministrazione Pubblica, atto amministrativo discrezionale, controllo, merito, Potere Giudiziario.
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SUMÁRIO
RESUMO..............................................................................................................................7
RIASSUNTO ........................................................................................................................8
SUMÁRIO............................................................................................................................9
INTRODUÇÃO..................................................................................................................10
1 O ESTADO, O GOVERNO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA................................13
1.1 A EVOLUÇÃO DO ESTADO MODERNO: DO ESTADO DE POLÍCIA AO ESTADO DE DIREITO .......................................................................................................15
1.1.1 O Estado Democrático de Direito ........................................................................18 1.1.2. O Conceito, os elementos e os poderes estatais ...................................................19
1.2 A FUNÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A FUNÇÃO DE GOVERNO .....22 1.2.1 A caracterização da função política ou de governo..............................................25 1.2.2 A função administrativa em face dos poderes e princípios norteadores da Administração Pública .................................................................................................26
2 O MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO ...............................33
2.1 A DISCRICIONARIEDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS...............................35 2.1.1 Os elementos do ato administrativo......................................................................38 2.1.2 O ato administrativo vinculado e o ato administrativo discricionário: contraposição...............................................................................................................43
2.2 A CARACTERIZAÇÃO DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO..............................................................................................................45
2.2.1 O mérito administrativo: ato discricionário x ato vinculado ................................46 2.2.2 O binômio oportunidade e conveniência do ato administrativo discricionário .....48
3 A LIMITAÇÃO DO EXERCÍCIO DO PODER JUDICIÁRIO NO CONTROLE DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO......................................51
3.1 O PANORAMA DO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ....................54 3.1.1 O controle interno e o controle externo...............................................................57 3.1.2 O controle judicial ...............................................................................................59
3.2 O CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO ......62 3.2.1 O controle judicial da legalidade do ato administrativo discricionário ................64 3.2.2 O controle judicial do mérito do ato administrativo discricionário ......................70
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................79
REFERÊNCIAS.................................................................................................................81
10
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por finalidade maior verificar a incidência da ação do Poder
Judiciário quando este se depara com a contestação de um ato administrativo parcialmente
formado por elementos oriundos da subjetividade do administrador .
A complexidade do caso concreto e a insuficiência da lei em tudo prescrever acabam
por possibilitar que a Administração Pública tome decisões e edite atos administrativos
baseados em critérios de oportunidade e conveniência.
A definição do Estado como Democrático e de Direito o fez atender ao interesse
público em qualquer circunstância e a submeter-se ao ordenamento jurídico vigente, não
podendo o Estado no exercício das suas faculdades discricionárias afrontar os direitos e
garantias individuais dos cidadãos.
A eficaz e eficiente garantia dos direitos individuais está em relação direta com a
importância que é dada ao controle jurisdicional sobre os atos praticados em nome do
interesse público e no uso do juízo subjetivo do administrador, daquilo que é mais oportuno e
conveniente, numa dada situação indefinida ou não prevista na lei.
Assim, vislumbra-se destacar que a escolha do tema deste trabalho, deu-se com o
intuito de verificar a incidência do controle pelo Poder Judiciário não só nos aspectos
vinculados, mas também, no mérito dos atos discricionários, contribuindo desta forma para
efetivar uma Administração melhor, mais justa e coerente com as expectativas dos
administrados.
Neste sentido, o caráter social da pesquisa está inserido na oportunidade de
conhecimento e análise crítica do cidadão frente aos atos da Administração Pública,
contribuindo para a democracia brasileira, pois o aperfeiçoamento do Estado de Direito é
tarefa permanente e de todos.
Quanto à importância científica destinada ao tema, há de se avaliar o estudo que será
feito a respeito da incidência de controle judicial no mérito do ato administrativo, ou seja, no
juízo subjetivo do administrador, trazendo à baila a procura de novos e mais eficientes meios
de ação do administrado no controle do poder do Estado.
No que tange a relevância jurídica do tema, esta se mostra implícita na
responsabilidade que o Poder Judiciário possui perante a construção de uma Administração
Pública mais democrática, pois é ao Judiciário que a Constituição Federal confia a tarefa de
11
restaurar a submissão da ação administrativa ao ordenamento jurídico, portanto é ao Judiciário
que o administrado recorre quando a Administração Pública se mostrou abusiva, injusta e
ilegal.
A doutrina clássica estabeleceu o mérito do ato administrativo como limite ao controle
da Administração Pública pelo Poder Judiciário. Aqueles que defendem essa tese afirmam que
o juiz não pode verificar o mérito do ato administrativo, devendo apenas pronunciar-se acerca
da legalidade, a fim de não se intrometer em atividade privativa da Administração, o que
representaria a invasão de um Poder na esfera de outro, a violação do princípio da separação e
independência dos poderes.
Contudo, esta pesquisa procura demonstrar a insuficiência da doutrina tradicional, que,
embora no passado tenha atendido os anseios e finalidades daquela época, hoje se encontra
ultrapassada, em desconformidade com os avanços democráticos surgidos ao longo do tempo
e com a nova ordem constitucional vigente.
Longe de pretender exaurir o tema, a presente monografia estabeleceu como objeto de
estudo o ato administrativo discricionário, tendo como objetivo principal a verificação da
possibilidade de controle de seu mérito pelo Poder Judiciário, principalmente através dos
princípios constitucionais e dos princípios básicos do direito administrativo brasileiro.
A técnica de investigação utilizada foi baseada no método e indutivo, buscando
realizar o objetivo apresentado a partir da leitura e do levantamento de documentos
pertinentes ao assunto e da pesquisa bibliográfica realizada acerca do tema com o auxílio da
técnica da especificação de categorias teóricas e seus conceitos operacionais.
Com este propósito a pesquisa foi estruturada em três capítulos. O primeiro capítulo
tratará dos conceitos de Estado, Governo e Administração Pública, da evolução do Estado
Moderno e da Administração, bem como da caracterização da função administrativa; os
poderes e os princípios que norteiam a Administração Pública.
No segundo capítulo, analisar-se-á o ato administrativo discricionário, enfatizando
seus elementos formadores com o intuito de caracterizar seu mérito traduzido no binômio
oportunidade e conveniência.
Finalmente, no terceiro capítulo, procura-se identificar a incidência do controle do
Poder Judiciário no mérito do ato administrativo discricionário, explanando-se um panorama
geral de controle da Administração Pública, os modos e formas desse controle, dando
destaque ao controle judicial do ato administrativo discricionário, dividindo-o em controle de
legalidade e de mérito.
12
Cabe salientar que não se tem a intenção de esgotar a matéria tratada, a qual encontra-
se em plena fase de transição, o que se pretendeu foi contribuir para o debate e reflexão da
discricionariedade e do seu controle judicial.
13
1 O ESTADO, O GOVERNO E A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
O exame dos atos discricionários da Administração exige, de plano, a delimitação de
certos conceitos que estão intimamente interligados com a mesma, pois falar de
Administração Pública, compreendendo suas funções e atividades, implica no conhecimento
dos conceitos de Estado e de Governo, bem como suas inter-relações.
Meirelles (2004, p.59) enfatiza que é no conceito de Estado que se concentra toda a
concepção moderna de organização e funcionamento dos serviços públicos a serem prestados
aos administrados pela Administração Pública.
Proporcionar uma definição satisfatória de Estado1 foi e sempre será tarefa árdua e
complexa, pois seu conceito é dinâmico e se diversifica ao longo da história, assim pode-se
considerar Estado, hodiernamente, como um fenômeno sócio-político e histórico que engloba
o Poder Executivo, composto pelas atividades governamentais e administrativas e os poderes
Legislativo e Judiciário. (CADEMARTORI, 2001, p.27)
Moreira Neto (2001, p.21) define o Estado como sendo uma instituição juspolítica que
concentra poder e o exerce sobre pessoas e bens em seu território e onde alcance sua ordem
jurídica, para realizar sua destinação, qual seja servir aos interesses públicos2.
Outrossim, o conceito de Governo tem haver com expressão política de comando, de
iniciativa, de fixação de objetivos do Estado e de manutenção da ordem jurídica, atuando
mediante atos de soberania com autonomia política na condução dos negócios públicos.
(MEIRELLES, 2004, p.64)
Assim, a expressão Governo é utilizada para designar o conjunto de Poderes e órgãos
constitucionais responsáveis pela função política do Estado, com a incumbência de zelar pela
direção suprema e geral do Estado, determinando seus objetivos e estabelecendo suas
diretrizes.
Meirelles (2004, p. 64) adverte que “Governo e Administração são termos que andam
juntos e muitas vezes confundidos, embora expressem conceitos diversos nos vários aspectos
em que se apresentam”.
Como se vê, a noção de Governo está relacionada com função política de comando, de
iniciativa e de estabelecimento de objetivos e diretrizes do Estado. Não se confunde com o
1 Neste tópico será abordado um conceito de Estado apenas para fins de comparação com os conceitos de Administração Pública e Governo, pois o mesmo será tratado mais a fundo no item 1.1.2 deste capítulo. 2 Ao contrário de particular, segundo Silva (1984, p. 498): “é o que assenta em fato ou direito de proveito coletivo geral. Está relacionado a todos os fatos ou a todas as coisas que se entendam em benefício comum ou para proveito geral, ou que se imponham por uma necessidade de ordem coletiva”
14
conceito de Administração Pública em sentido estrito que vem a ser o aparelhamento de que
dispõe o Estado para a realização das políticas de Governo.
A Administração Pública em sentido amplo abrange tanto os órgãos governamentais
(Governo), aos quais cabe traçar os planos e diretrizes de ação, quanto os órgãos
administrativos, subordinados de execução (Administração Pública em sentido estrito), aos
quais incumbe executar os planos governamentais. A Administração Pública em sentido
amplo, portanto, compreende tanto a função política, que estabelece as diretrizes
governamentais, quanto à função administrativa, que as executa3. (DI PIETRO, 1998, p. 49)
O conceito de Administração Pública em sentido estrito não alcança a função política
de Governo, de fixação de planos e de diretrizes governamentais, mas tão somente a função
propriamente administrativa, de execução de atividades administrativas
A expressão Administração Pública4 ainda pode ser considerada sob dois sentidos: o
sentido formal, subjetivo ou orgânico e o sentido material, objetivo ou funcional. (DI
PIETRO, 1998, p. 49)
Em sentido formal, conceitua-se Administração Pública como o conjunto de agentes,
órgãos e pessoas jurídicas destinado à execução das atividades administrativas,
correspondendo assim, a todo o aparelhamento de que dispõe o Estado para a consecução das
políticas traçadas pelo Governo. (DI PIETRO, 1998, p. 49)
Em sentido objetivo, a expressão administração pública (grafada com iniciais
minúsculas, pois cuida da atividade administrativa propriamente dita) consiste na própria
atividade administrativa executada pelo estado por meio de seus órgãos e entidades. É a
função administrativa que incumbe, predominantemente ao Poder Executivo. (DI PIETRO,
1998, p. 53)
Anote-se que, ao contrário do sentido formal, que leva em consideração os sujeitos
que exercem a atividade administrativa, a noção material de Administração Pública consiste
na própria atividade que é exercida por aqueles órgãos e pessoas jurídicas encarregados de
atender às necessidades coletivas.
Com bastante propriedade Meirelles (2004, p.64) ainda esclarece uma acepção
operacional e global para a Administração Pública:
[...] em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado
3 Os conceitos de função política e função administrativa serão tratados mais adiante no item 1.2 deste Capítulo. 4 No presente trabalho, a expressão Administração Pública será empregada no seu sentido estrito, próprio, voltado para os órgãos que desempenham funções administrativas, que executam as atividades administrativas.
15
preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas.
Assim, a intimidade dos conceitos de Estado, Governo e Administração Pública se
inter-relacionam e se complementam à medida que a Administração Pública é o instrumento
de que dispõe o Estado para por em prática as opções políticas do Governo, através de suas
atribuições e nos limites legais de sua competência executiva (assuntos jurídicos, técnicos,
financeiros ou de conveniência e oportunidade administrativas) não dispondo de qualquer
faculdade política sobre a matéria. (MEIRELLES, 2004, p. 65)
A Administração Pública integra a organização estatal, e sendo assim, o modo de ser e
atuar do Estado e os seus valores refletem na configuração dos conceitos, poderes e institutos
inseridos no âmbito da atividade administrativa. Portanto, para melhor compreender a atuação
da Administração Pública é necessário o conhecimento dos aspectos fundamentais do Estado
em geral, bem como sua evolução no decorrer da história e do Estado tal como vem
caracterizado na Constituição do País. (MEDAUAR, 2000, p. 21)
1.1 A EVOLUÇÃO DO ESTADO MODERNO: DO ESTADO DE POLÍCIA AO ESTADO
DE DIREITO
A Administração Pública, se estruturou, tal como hoje é conceituada, a partir da
formação do Estado de Direito, mas isso não quer dizer que em épocas anteriores não
houvesse Administração Pública, pois onde existe Estado, existem órgãos responsáveis pelo
exercício da função administrativa. Porém, é no Estado Moderno que surgiu a idéia de
submissão da Administração Pública à lei, como garantia das liberdades do cidadão. (DI
PIETRO, 1991, p. 11)
Acerca da relação da Administração Pública com o Estado de Direito escreve Medauar
(2000, p.24):
O direito administrativo vincula-se à concepção de Estado de direito, justamente porque fixa normas para as atividades da Administração, que é um dos setores do Estado. Somente sob inspiração da idéia de Estado de direito seria possível fixar preceitos que protegem direitos dos indivíduos, perante a Administração, limitando o poder das autoridades.
A primeira etapa do Estado Moderno é o chamado Estado de Polícia, cuja forma de
governo adotada era a monarquia absoluta. Nesse período, como assevera Cademartori (2001,
p. 37), “o direito do rei para administrar era quase ilimitado, até porque não existia uma
divisão de poderes autônomos para separar as funções estatais, estando todas elas, e a própria
idéia de Estado, fundidas na pessoa do monarca”.
16
Assim, a Administração Pública, não estava vinculada a limitações legais, ou seja a
qualquer tipo de norma que limitasse a sua atividade, a não ser àquela que proviesse do
monarca, sendo o puro arbítrio deste a única limitação existente. (DI PIETRO, 1991, p.13)
No intuito de combater esse poder absoluto do príncipe, doutrinadores alemães
elaboraram a teoria do fisco, que teve especial relevância no âmbito do controle judicial da
Administração Pública, pois defendiam que o patrimônio público não pertencia ao Estado,
mas sim ao fisco, uma pessoa jurídica de direito privado, diversa do Estado, trazendo como
conseqüência à submissão do fisco aos tribunais. (DI PIETRO, 1993, p.12)
Na segunda etapa do Estado Moderno, surgiu o Estado de Direito, que em sua primeira
fase, pelas influências dos ideais do liberalismo, voltados para as garantias de liberdade do
cidadão constantemente ameaçadas pelo despotismo esclarecido, denominou-se de Estado
Liberal de Direito. (DI PIETRO 1991, p. 14)
A respeito do Estado Liberal de Direito, escreve Medauar (1992, p. 76):
O Estado do século XIX agrupa indivíduos autônomos, independentes, livres, dotados de igualdade política e jurídica. Como oposição ao Estado absoluto consagraram-se liberdades e garantias de liberdades e direitos dos indivíduos: estes de súditos, deveriam ascender ao grau de cidadão.
Segundo Di Pietro (1991, p.14), ao Direito foi atribuído o papel de garantir as
liberdades individuais, reconhecendo que o Poder é limitado por um Direito superior, por isso
a denominação de Estado de Direito.
A mesma jurista assevera que foi no Estado de Direito a consagração do princípio da
legalidade, quando substituiu-se a vontade do rei como fonte de todo o direito pela idéia da lei
como resultante da vontade geral. Assim, adotou-se o princípio da separação de poderes,
tirando do Poder Executivo a capacidade de elaborar leis gerais, já que estas constituem
expressão da vontade geral representada pelo Parlamento; ao Executivo compete apenas editar
atos singulares previamente disciplinados em lei.
Cademartori (2001, p. 47) faz alusão à nova corrente que surge paralelamente com o
Estado Liberal de Direito: o constitucionalismo, que reconhecia na Constituição um meio de
proteção e garantias das liberdades do cidadão, estabelecendo limitações às prerrogativas dos
governantes.
No âmbito da Administração Pública, esta tinha seus litígios apreciados pelos
Tribunais, submetendo-se as mesmas leis que os particulares, devido ao princípio da
separação dos poderes e da legalidade. Porém este último era entendido de forma mais liberal
do que atualmente, cabendo à Administração fazer, de acordo com as palavras de Di Pietro
17
(1991, p. 19) “não só o que a lei expressamente autorizasse, como também tudo aquilo que a
lei não proibisse”.
Na segunda fase do Estado de Direito, já em meados do século XIX, surge o Estado
Social de Direito, em oposição ao Estado Liberal, que, devido ao não intervencionismo,
acabou por gerar conseqüências desastrosas na economia e na sociedade. (DI PIETRO, 1991,
p. 20)
Assim uma nova concepção de valores é definida à medida que se atribui ao Estado a
responsabilidade de proporcionar à todos liberdade, segurança, igualdade jurídica e condições
essenciais de vida, primando pelo bem-estar da população.
Neste sentido, corrobora os ensinamentos de Di Pietro (1991, p. 20) :
Não mais se pressupõe a igualdade entre os homens; atribui-se ao Estado a missão de buscar essa igualdade; para atingir essa finalidade, o Estado deve intervir na ordem econômica e social para ajudar os menos favorecidos; a preocupação maior desloca-se da liberdade para a igualdade.
Dessa forma, o Estado teve que atuar no patamar das atividades que antes eram
exercidas privativamente por particulares, o que trouxe conseqüências para o Direito, no qual
passou a ter destacado desenvolvimento no ramo publicístico. (DI PIETRO, 1991, p. 21)
Como bem destaca Medauar (2000, p. 24):
A preocupação com o social traz reflexos de peso na atividade da Administração e nos institutos do direto administrativo. A Administração passa a ter também funções de assistência e integração social, em cumprimento de exigências de justiça e dos direitos sociais declarados na Lei Maior; ocorre, assim, uma interdependência sempre mais forte entre a atuação administrativa e as necessidades da população.
Nessa fase, devido à substituição do homem como fim principal do direito, surgiu o
princípio que hoje serve de fundamento a todo o direito público: o de que os interesses
públicos têm supremacia sobre os individuais. (DI PIETRO, 1991, p.21)
Além disso, houve uma nova interpretação do princípio da legalidade, tendo uma
concepção diversa da que tinha no Estado Liberal de Direito. Sobre esse novo sentido, escreve
Medauar (2000, p. 27):
Enquanto no Estado de Direito Liberal se reconhecia à Administração ampla discricionariedade no espaço livre deixado pela lei, significando que ela pode fazer tudo o que a lei não proíbe, no Estado de Direito Social a vinculação à lei passou a abranger toda a atividade administrativa; o princípio da legalidade ganhou sentido novo, significando que a Administração só pode fazer o que a lei permite.
O Estado foi evoluindo paulatinamente e a concepção de Estado Social de Direito não
cumpriu o objetivo fundamental na conquista de valores aptos a produzir a justiça social e
assim surge um elemento novo: a participação popular no processo político, nas decisões de
18
Governo, no controle da Administração, passando ao novo estágio do Estado de Direito
chamado de Estado Democrático de Direito. (DI PIETRO, 1991, p. 29)
1.1.1 O Estado Democrático de Direito
As concepções de Estado de Direito, seja Estado Liberal de Direito, seja Estado Social
de Direito por si só não caracterizam o Estado Democrático. Nem a simples união formal dos
conceitos de Estado de Direito e de Estado Democrático significam a configuração do Estado
Democrático de Direito. Este surge como um conceito novo, aliado principalmente na idéia de
governo do povo para o povo. (SILVA, 2001, p. 123)
A partir da redação do art. 1º da Constituição Federal de 1988, o qual diz que a
República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, constata-se
que o termo democrático qualifica o Estado, o que segundo Silva (2001, p.123) “irradia os
valores da democracia sobre todos os elementos constitutivos do Estado e pois, também sobre
a ordem jurídica”
No entendimento de Silva (2001, p. 122), a concepção mais recente de Estado
Democrático de Direito, é entendida como Estado de legitimidade justa (ou Estado de justiça
material), que fundou seus alicerces numa sociedade democrática, instaurando um processo de
efetiva incorporação de todo o povo nos mecanismos do controle das decisões, e de sua real
participação nos rendimentos da produção.
O Brasil, como um Estado Democrático de Direito, respeita as normas jurídicas,
definindo os limites de sua atividade através da lei, respeitando a soberania popular e a
garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais, conforme, no preâmbulo da
Constituição da República Federativa do Brasil em vigor, já os indica:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Além desta parte introdutória, onde se afirmam os seus princípios fundamentais, a
Constituição Federal revela em vários outros dispositivos a preocupação com determinados
valores a serem observados no desempenho das funções estatais, incluindo a função
administrativa, a cargo da Administração Pública. Esta, já não está mais submetida apenas à
19
lei, em seu sentido formal, mas a todos os princípios e valores expressos ou implícitos na
Constituição Federal, relacionados com a liberdade, igualdade, segurança, desenvolvimento,
bem-estar e justiça. (DI PIETRO, 1991, p. 34)
Desta forma, os valores e normas constitucionais sobre trabalho, seguro social,
educação, proteção à família, maternidade, segurança, bem-estar, desenvolvimento e etc, são
concretizados pelo Legislativo por meio de leis e pela Administração Pública, por meio de sua
atuação nos casos concretos, resultando, segundo Di Pietro (1991, p. 37) duas conclusões:
[...] de um lado o papel socializador do direito administrativo, no sentido de que é por meio dele que se desenvolvem os princípios constitucionais consagradores dos direitos sociais e econômicos; de outro lado, a democratização do direito administrativo, na medida em que a participação popular se torna elemento obrigatório nas decisões e no controle da Administração Pública. Isto em consonância com a idéia de que ao Estado Social de Direito hoje se acrescenta um novo elemento que permite falar em Estado Social e Democrático de Direito.
Após essa breve explanação da evolução do Estado e com ele da Administração
Pública, passa-se a abordar seus elementos constitutivos e os poderes a ele conferidos na
busca de gerir o patrimônio e interesse públicos.
1.1.2. O Conceito, os elementos e os poderes estatais
Conceituar Estado dentre as várias acepções que se apresentam nas diversas correntes
doutrinárias sugere estudo minucioso acerca do tema, o que não se coaduna com o objetivo
do presente trabalho, razão pela qual serão feitas algumas breves considerações a respeito.
Neste sentido não se aparta o entendimento de Dallari (2001, p. 115):
Encontrar um conceito de Estado que satisfaça a todas as correntes doutrinárias é absolutamente impossível, pois sendo o Estado um ente complexo, que pode ser abordado sob diversos pontos de vista e, além disso, sendo extremamente variável quanto à forma por sua própria natureza, haverá tantos pontos de partida quantos forem os ângulos de preferência dos observadores.
Dentre as várias concepções formuladas ao longo do tempo, há pensadores que
erigiram conceitos segundo posição filosófica, outros utilizaram o lado jurídico e há ainda
aqueles que realçaram um conceito predominantemente sociológico.
Segundo Meirelles (2004, p. 60), o Estado considerado:
Do ponto de vista sociológico, é corporação territorial dotada de um poder de mando originário (Jellinek); sob o aspecto político, é comunidade de homens, fixada sobre um território, com potestade superior de ação, de mando e de coerção (Malberg); sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana (Biscaretti di Ruffia), na conceituação do nosso Código Civil, é pessoa jurídica de Direito Público Interno (art. 14, I).
20
A par da dificuldade de se conceituar Estado, a doutrina não diverge ao enumerar seus
elementos constitutivos: povo, território e governo soberano.
No conceito de Silva (2001, p. 102) território “é o limite espacial dentro do qual o
Estado exerce de modo efetivo e exclusivo o poder de império sobre pessoas e bens.”
Meirelles (2004, p. 609) faz alusão a povo como sendo “o componente humano do
Estado” e Governo Soberano “o elemento condutor do Estado, que detém e exerce o poder
absoluto de autodeterminação e auto-organização emanado do Povo”.
Assim, Dallari (2001, p. 118) formula um conceito de Estado em que se acham
presentes todos os elementos que o compõem, definindo o mesmo como “a ordem jurídica
soberana, a qual tem por finalidade o bem comum de um povo situado em determinado
território”.
Acrescenta ainda que:
A noção de poder está implícita na de soberania, que no entanto, é referida como característica da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo e, finalmente, a territorialidade, limitadora da ação jurídica e política do Estado, está presente na menção a determinado território.
Como se vê, não há Estado sem soberania, sem poder absoluto, indivisível, supremo e
independente, com o fito de organizar-se, de fazer cumprir suas decisões, e de conduzir-se
segundo a vontade livre de seu povo. Assim a vontade estatal apresenta-se e se manifesta
através dos Poderes Estatais. (MEIRELLES, 2004, p. 60)
Sobre poder estatal, assevera Carlin (2001, p. 30): “A soma dos poderes reunidos no
Estado denomina-se poder estatal, que, por atender a serviços públicos, também denomina-se
poder público. Poder é a aptidão do Estado de converter atos de vontade em atos eficazes”.
(grifo do autor)
Esses Poderes do Estado, segundo a clássica tripartição concebida por Montesquieu,
são o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. A Constituição Federal brasileira, em seu art. 2º,
estabelece expressamente que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário”, atribuindo a cada um dos Poderes do Estado,
determinada função típica.
Ao Poder Legislativo é atribuída a função normativa, de elaboração das leis (função
legislativa); ao Poder Executivo, a função de dar execução à lei, diante de casos concretos
(função administrativa); ao Poder Judiciário, a função de aplicar a lei aos litigantes (função
jurisdicional).
21
A partir dessa divisão de Poderes e da típica função por eles exercida, é de se
considerar que existe uma relação muito estreita entre as idéias de poder e de função do
Estado, havendo autores que sustentam ser totalmente inadequado falar em separação de
poderes, quando o que existe de fato é apenas uma distribuição de funções. (DALLARI, 2001,
p. 216)
Entretanto, no Brasil, não há exclusividade no exercício das funções pelos Poderes, ou
seja, não há uma rígida e absoluta divisão de Poderes, mas sim, preponderância na realização
dessa ou daquela função. Assim, embora os poderes tenham suas funções precípuas (funções
típicas), a própria Constituição Federal autoriza que também desempenhem funções as quais,
normalmente, pertenceriam a outro Poder (funções atípicas).
A não exclusividade no desempenho das funções estatais pelos respectivos Poderes e
a crítica na utilização da expressão separação de poderes são também referenciadas por
Cretella Júnior (1998, p. 5):
Na verdade não existe nem divisão, nem separação, mas partilha de Poderes, ou melhor, interpenetração de funções. O Estado administra pelos três poderes, embora, por excelência, a função de administrar caiba à Administração, ao Poder Executivo. Assim também o Estado julga pelos três Poderes, não obstante, por excelência, a função jurisdicional seja afeta ao Poder Judiciário. Por fim, o Estado legisla pelos três Poderes, mas a função de legislar compete, primordialmente, ao Poder Legislativo.
Como bem lembra Meirelles (2004, p. 61), o próprio Montesquieu em sua obra De
l’Esprit des Lois nunca empregou as expressões separação de Poderes ou divisão de Poderes
referindo-se à necessidade de equilíbrio entre os poderes.
Assim, dentro desta construção ideológica é fundamental distribuir-se o exercício das
funções estatais a diferentes órgãos que as desempenham (Legislativo, Executivo e
Judiciário), não de maneira privativa, mas cada um com sua função típica, e
excepcionalmente praticando atos e funções que a rigor seriam de outro Poder. É o famoso
método de freios e contrapesos, chamado pelos americanos de checks and balances, onde um
Poder limita o outro.
Acerca do tema assevera Mello (2004, p.30):
Essa solução normativa de estabelecer contemperamentos resultaria, ao menos no início, do explícito propósito de compor os chamados “freios e contrapesos”, mecanismo por força do qual atribuindo-se a uns, embora restritamente, funções que em tese corresponderiam a outros, pretende-se promover um equilíbrio melhor articulado entre os chamados “poderes”, isto é, entre os órgãos do Poder, pois, na verdade, o Poder é uno. (grifo do autor)
Dentre as três funções desempenhadas pelo Estado (função administrativa, função
legislativa e função jurisdicional), especial destaque será dado à função administrativa, que de
22
regra geral é desempenhada pelo Poder Executivo, e principalmente, pela Administração
Pública, pois é através da atividade administrativa que ocorre a expedição de atos
administrativos, objeto de estudo deste trabalho.
1.2 A FUNÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E A FUNÇÃO DE GOVERNO
Muitos são os critérios apresentados pelos estudiosos na caracterização e distinção das
funções do Estado, nos quais, conforme ensina Mello (2004, p.30), podem ser reduzidos,
fundamentalmente em apenas dois: um critério orgânico ou subjetivo e um critério objetivo,
que se subdivide em objetivo material ou substancial e objetivo formal.
O critério orgânico é aquele que se propõe a identificar a função através de quem a
produz, que é considerado muito insatisfatório, segundo Mello (2004, p.31) por inexistir uma
exata correspondência entre um dado órgão e uma certa função. Pois, como já visto
anteriormente, há apenas, em cada qual, uma predominância da atividade que lhe é típica.
O critério objetivo leva em conta a atividade, um objeto, não um sujeito como
observado no critério orgânico. Assim, o critério objetivo material busca reconhecer a função
a partir de elementos intrínsecos a ela e o critério objetivo formal reconhece a função pelas
características impregnadas pelo próprio Direito, deduzíveis do tratamento normativo que lhes
corresponda, independentemente da similitude material que estas ou aquelas atividades
possam apresentar entre si. (MELLO, 2004, p. 30)
No entendimento de Mello (2004, p.32) o critério mais adequado para identificar as
funções do Estado é o critério objetivo formal, pois em Direito uma coisa é o que é por força
da qualificação que o próprio Direito lhe atribuiu, ou seja, pelo regime que lhe outorga e não
por alguma causa intrínseca, substancialmente residente na essência do objeto, como defende
o critério objetivo material.
Assim, de acordo com o critério formal, pode-se definir as três funções do Estado
diante das características descritas pelo próprio Direito à função tal ou qual, identificando
juridicamente seus conceitos. (MELLO, 2004, p.33)
Dessa forma, a função legislativa ou normativa consiste na criação de regras legais, na
formulação ou criação de regras de direito gerais, impessoais, abstratas e obrigatórias,
destinadas a regular as relações da coletividade. (CARLIN, 2001, p. 32)
A função jurisdicional é aquela, segundo Moreira Neto (2001, p. 23) “exercida para
executar, em geral, o controle da observância da ordem jurídica em concreto e, algumas
23
vezes, em abstrato, e, ainda, quando for o caso, para executar a imposição concreta e
definitiva da vontade ordinatória nela contida”.
O mesmo jurista ainda acrescenta que “esta função se expressa pela decisão judicial,
genericamente denominada de sentença, que resulta de um ato de inteligência conjugado com
um ato de vontade, e se integra pela execução judicial, que a realizará concretamente, se
necessário, com o emprego da força” (grifo do autor).
A função administrativa pode ser definida por exclusão, como toda aquela exercida
pelo Estado, que não seja destinada à formulação da regra legal nem à expressão da decisão
jurisdicional, em seus respectivos sentidos formais. (MOREIRA NETO, 2001, p. 24)
Assim, a função administrativa é uma atividade estatal remanescente, que tem por
objetivo atender às necessidades de planejamento, decisão, execução de ações de interesse
coletivo, através de decretos, regulamentos e atos administrativos típicos. (CARLIN, 2001, p.
34)
No conceito de Gasparini (2000, p. 50), a função administrativa ou atividade
administrativa “é a gestão, nos termos da lei e da moralidade administrativa, de bens,
interesses e serviços públicos visando o bem comum”.
Mello (2004, p. 34), utilizando-se do critério formal, define função administrativa
como aquela que geralmente o Estado exerce dentro de uma estrutura e regime hierárquicos
próprios e que no sistema constitucional brasileiro caracteriza-se pelo fato de ser
desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente,
infraconstitucionais, submissos todos ao controle de legalidade pelo Poder Judiciário.
Na evolução histórica das funções e Poderes do Estado, a função administrativa é a
mais antiga, a primeira a aparecer nas relações humanas, agrupadas sob a orientação de um
chefe. Deste modo, a Administração é a relação entre subordinados e subordinantes, entre
poder de mando e o de obediência, sem o qual não seria possível a evolução da sociedade.
(CRETELLA JUNIOR, a, 1998, p. 27)
A função administrativa, excepcionalmente desempenhada pelo Poder Legislativo e
Judiciário, e de regra geral atribuída ao Poder Executivo (órgãos, entes personalizados e
agentes), consiste na atividade do Estado que editando atos administrativos, praticando fatos
administrativos5 tem o objetivo de assegurar o funcionamento dos serviços públicos
5 Ato administrativo e fato administrativo serão abordados no segundo Capítulo deste estudo.
24
administrativos, dos atos jurídicos de alcance individual e dos atos materiais6. (CRETELLA
JUNIOR, a, 1998, p. 28)
Além das funções clássicas, alguns autores fazem alusão a uma quarta função estatal: a
função política, diferenciando a atividade administrativa da que se denomina atividade de
governo.
A função política ou de governo, nas palavras de Alessi (apud DI PIETRO, 1998, p.
50) pode ser entendida como uma atividade de ordem superior, que se refere à direção
suprema e geral do estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os fins da
ação do estado, a assinalar as diretrizes para outras funções, buscando a unidade da soberania
estatal.
Assim, conforme ressalta Di Pietro (1998, p. 50), a função política compreende as
atividades co-legislativas e de direção e a função administrativa compreende o serviço
público, a intervenção, o fomento e a polícia.
Expondo a diversidade de uma e de outra, Hauriou (apud CRETELLA JUNIOR, a,
1998, p. 20, nota 12) confirma que a função administrativa consiste em realizar os problemas
correntes do público, enquanto que a função governamental consiste em resolver os casos
excepcionais que interessam à unidade política e a zelar pelos grandes interesses nacionais.
Cretella Júnior (a, 1998, p. 20) criticando o administrativista francês Maurice Hauriou,
defende que não existe tal distinção. Desse mesmo entendimento compartilha Fagundes
(1984, p.3, nota 3):
Não nos parece, porém, que haja lugar, na fisiologia do Estado atual, para uma função governativa ao lado da função administrativa. Os atos pelos quais se atendem os interesses excepcionais de que fala o eminente publicista francês não divergem, juridicamente, dos atos por que se solucionam os negócios correntes ou normais. Atenda o Poder Público a uns e a outros daqueles interesses, os atos que pratiquem terão sempre identidade de natureza jurídica. Entre eles haverá, possivelmente, diversidade de ordem política. Entretanto num como noutro caso existirão atos jurídicos cujo fim é individualizar a lei, tornando efetiva a vontade do Estado.
Assim, pode-se concluir que a separação entre os dois tipos de funções é bastante
tênue, pois os conteúdos das mesmas não se distinguem, havendo nos dois casos aplicação
concreta da lei, porém existem determinadas características da função política que a diferencia
da função administrativa, as quais serão abordadas no próximo item.
6 Segundo Cretella Júnior (a,1998, p. 24) no que se refere às funções do Estado, os atos emanados dos três poderes podem ser classificados em atos formais e atos materiais. Na acepção formal, subjetiva ou orgânica, o ato será classificado como legislativo, jurisdicional ou administrativo, conforme seja editado pelo poder Legislativo, pelo Poder judiciário e pelo poder Executivo, ao passo que, no sentido material ou substancial, é feita a abstração da fonte produtora do ato, considerando-se a medida em si e por si, em relação ao seu conteúdo
25
1.2.1 A caracterização da função política ou de governo Mello (2004, p. 35) acredita que existem atos que não se enquadram satisfatoriamente
em nenhuma das clássicas três funções estatais (Legislativa, Executiva e Judiciária), são atos
de superior gestão na vida estatal ou de enfrentamento de contingências extremas que
pressupõem, acima de tudo, decisões eminentemente políticas e por isso integram a função
que se poderia apropriadamente chamar de função política ou de governo.
A respeito desses atos assevera Oliveira (2001, p.33):
Na consecução dos fins pré-ordenados pelo sistema, o Estado tem que praticar inúmeros atos. Inicialmente, impõe-se que mantenha contatos diplomáticos com outros Estados, em absoluto pé de igualdade, assinando tratados, operando realizações comerciais etc. Resguarda-se no exercício de sua soberania, defende o próprio território e, em caso extremo, declara guerra a qualquer potência estrangeira. Situa-se no plano de direito gentílico, relacionando-se com os demais países. No âmbito interno, pode dissolver a sessão do Congresso etc. No exercício de tais atividades entende parte da doutrina que o Estado não atenda aos interesses individuais coletivizados, mas tangencia a própria vida do Estado, considerado em seu complexo e em sua unidade.
Portanto, da função política decorrem os atos políticos ou de governo, que segundo
Oliveira (2001, p. 144) possuem duas características exclusivas: são apenas praticados pelo
Chefe do Poder Executivo ou mediante expressa delegação e sua fonte de emanação é
diretamente a constituição, a exemplo da Constituição Federal vigente que em seu art. 84
oferta um elenco dos denominados atos de governo.
Neste sentido, também compartilha Di Pietro (1998, p. 51) “Alguns traços, no entanto,
parecem estar presentes na função política: ela abrange atribuições que decorrem diretamente
da Constituição e por esta se regulam e dizem respeito mais à polis, à sociedade, à nação, do
que a interesses individuais”(grifo da autora).
Como exemplo de atos políticos Mello (2004, p. 34) destaca a iniciativa das leis pelo
Chefe do Poder Executivo, a sanção, o veto, a convocação de eleições gerais, a declaração do
estado de sítio e de defesa, a decretação de calamidade pública, a declaração de guerra entre
outros.
Consoante se observa, por óbvio, esses atos não se encaixam na função jurisdicional,
não se enquadram na função legislativa, pois visivelmente são atos concretos, também não se
afeiçoam à função administrativa visto que do ponto de vista material não são atos para a
gestão concreta, prática, direta, imediata e rotineira de assuntos da sociedade, como do ponto
de vista formal, por não estarem em pauta comportamentos infralegais ou infraconstitucionais,
intrínseco, quando por sua natureza, caráter, substância ou índole peculiar se revela com traços característicos de lei, de sentença ou de ato administrativo.
26
são decisões exclusivamente políticas, o que essencialmente caracteriza a chamada função
política. (Mello, 2004, p.34-35)
Apesar de uma importante corrente de autores deixar caracterizada a função política
do Estado, os que defendem a inexistência da função política vislumbram que os atos
políticos são espécies de atos administrativos emanados da função administrativa.
Feitas essa apreciações, passar-se-á a discorrer acerca da função administrativa, que
disciplinada no Estado Democrático de Direito como atividade exercida no cumprimento do
dever de alcançar o interesse público, utiliza poderes instrumentalmente necessários e
conferidos pela ordem jurídica no seu desempenho, além de observar certos princípios que
balizam a atuação da Administração Pública.
1.2.2 A função administrativa em face dos poderes e princípios norteadores da
Administração Pública
A Administração Pública, para bem desempenhar a função administrativa e satisfazer
o interesse coletivo é dotada de certos poderes que possibilitam a realização das atividades
administrativas e privilegiam o interesse público em relação ao interesse individual.
Nesse sentido, o entendimento de Moraes (2002, p.93):
Para que seja possível a realização de suas atividades e, conseqüentemente, a satisfação do bem comum, o ordenamento jurídico confere à Administração uma gama de poderes, a fim de instrumentalizar a realização de suas tarefas administrativas. São os chamados poderes da administração ou poderes administrativos.
Di Pietro (1998, p. 74) defende que, embora seja empregado o vocábulo poder dando
impressão que se trata de uma faculdade da Administração, na verdade trata-se de poder-
dever, já que concebido pela lei ao poder público para que o exerça em benefício da
coletividade, sendo, pois, irrenunciáveis.
Portanto, observa-se que os poderes administrativos são adstritos ao exercício da
atividade administrativa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, na proporção e
limites de suas competências institucionais, exercidos em consonância com a lei, podendo ser
usados isolados ou cumulativamente para a consecução do mesmo ato.(Meirelles, 2004, p.
115)
27
São considerados poderes administrativos os seguintes: poder vinculado, poder
discricionário, poder hierárquico, poder disciplinar, poder regulamentar e poder de polícia7, os
quais serão analisados individualmente, destacando-se a principal característica de cada um,
com o objetivo de entender melhor a atuação da Administração Pública.
Segundo Meirelles (2004, p. 119) poder hierárquico é aquele que “dispõe o Executivo
para distribuir e escalonar as funções de seus órgãos , ordenar e rever a atuação de seus
agentes, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores do seu quadro de
pessoal” cujo objetivo é “ordenar, coordenar, controlar e corrigir as atividades
administrativas”.
Assim, o poder hierárquico constitui-se de instrumento para que as atividades de um
órgão sejam realizadas de modo coordenado, harmônico, eficiente, com observância da
legalidade e do interesse público. (MEDAUAR, 2000, p. 137)
O poder disciplinar pode ser entendido, nas palavras de Moraes (2002, p. 95) como “a
possibilidade de a Administração Pública apurar as infrações e aplicar penalidades aos
servidores públicos e demais pessoas sujeitas as disciplina administrativa”.
O poder hierárquico tem relação direta com o poder disciplinar, uma vez que é através
do poder disciplinar que a Administração controla o desempenho das funções executivas e a
conduta interna de seus servidores, responsabilizando-os pelas faltas cometidas.
Nesse sentido, o entendimento de Meirelles (2004, p. 122):
O poder disciplinar é correlato com o poder hierárquico, mas com ele não se confunde. No uso do poder hierárquico a Administração Pública distribui e escalona as suas funções executivas; no uso do poder disciplinar e controla o desempenho dessas funções e a conduta interna de seus servidores, responsabilizando-os pelas faltas cometidas.
Para expedir decretos e regulamentos gerais que visam complementar leis, explicar o
modo e forma de sua execução ou prover situações não previstas, ao Executivo é conferido
um poder chamado de poder regulamentar.
Note-se que esse poder é exclusivo do Executivo, não podendo ser delegado, estando
previsto legalmente no art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, quando dispõe que
compete privativamente, ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para
execução da lei.
7 Esta é a classificação segundo Meirelles (2004, p. 115) o que não é uniforme na doutrina. Di Pietro (1998, p. 74) acredita que os chamados poderes vinculado e discricionário, não existem como autônomos e discorre que “a discricionriedade e vinculação são, quando muito, atributos de outros poderes ou competências da Administração.”
28
Meirelles (2004, p. 125) conceitua poder regulamentar como “a faculdade de que
dispõem os Chefes de Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos) de
explicar a lei para sua correta execução ou decretos autônomos sobre matéria de sua
competência ainda não disciplinada por lei”.
Outro importante poder conferido a Administração Pública com intuito de limitar o
exercício dos direitos individuais em prol do interesse público é o denominado poder de
polícia, previsto no art. 78 do Código Tributário Nacional8.
Em relação ao poder de polícia um conceito bastante apropriado foi formulado por
Moraes (2000, p. 96):
Poder de polícia é a faculdade concedida à Administração Pública para restringir e condicionar o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio estado, em busca da preservação da ordem pública e do estabelecimento de regras de conduta necessárias e suficientes para evitar conflitos e compatibilizar direitos.
Destacado aspecto é o que se refere à extensão do poder de polícia, que hoje é bastante
ampla, abrangendo desde a proteção moral e os bons costumes, a preservação da saúde
pública, o controle de publicações, a segurança das construções e dos transportes até
segurança nacional em particular, encontrando limites na conciliação do interesse social com
os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição Federal. (Meirelles, 2004,
p. 132)
Por fim, tem-se ainda dois poderes que merecem especial destaque por serem de suma
importância no entendimento deste estudo: o poder vinculado e o poder discricionário.
Tradicionalmente, o poder vinculado e o poder discricionário são estudados na
doutrina, de modo contraposto, o que não será diferente neste presente trabalho, visto que a
existência de um está diretamente relacionada com a ausência do outro.
Há poder vinculado quando a Administração é obrigada a tomar determinada decisão,
pois a sua conduta é inteiramente prevista na lei, não deixando margem de escolha ao
administrador.
A respeito do poder vinculado escreve Medauar (2000, p. 126):
O ordenamento confere ao administrador um poder de decisão, mas predetermina as situações e condições canalizando-a a uma só direção. Por isso, na doutrina se diz que há matérias de reserva legal absoluta, em que o vínculo da Administração ao
8Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato, em razão de interesse público concernente a segurança, á higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.
29
bloco de juridicidade é máximo. Se houver uma só solução, como conseqüência de uma norma, ocorre o exercício do poder vinculado.
Assim, a atuação da Administração se resume em verificar a existência dos
pressupostos fáticos e jurídicos que levam à prática do ato administrativo, não tendo, o
administrador nenhuma liberdade de escolha, ou qualquer avaliação da oportunidade e
conveniência9 da expedição do ato.
Ao contrário, quando é dado ao Administrador um poder de escolha da oportunidade e
conveniência para prática de atos administrativos, concedendo liberdade de valoração diante
da situação não prevista completamente em lei, está-se diante do poder discricionário.
O poder discricionário pode ser entendido como aquele concedido a Administração,
pela lei, de modo explícito ou implícito, para a prática de atos administrativos com liberdade
na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo. (Meirelles, 2004, p. 116)
Esses poderes outorgados pela lei à Administração Pública nada mais são do que
instrumentos úteis e necessários à consecução das atividades administrativas. Assim, o agente,
quando lança mão desses poderes, deve fazer nos limites da lei e respeitando os princípios
básicos que norteiam a Administração Pública.
Os princípios norteadores da Administração Pública, consagrados como espécies do
gênero norma, e positivados no corpo da Lei Maior, elevando-os a categoria de princípios
constitucionais, são de fundamental importância no controle dos atos administrativos, visto
que regulam toda atividade administrativa, toda conduta emanada do Poder Público,
tornando-se os balizadores da atuação administrativa.
Acerca dos princípios, Meirelles (2004, p. 87) discorreu:
[...] por esses padrões é que deverão se pautar todos os atos e atividades administrativas de todo aquele que exerce o poder público. Constituem, por assim dizer, os fundamentos da ação administrativa, ou, em outras palavras, os sustentáculos da atividade pública. Relegá-los é desvirtuar a gestão dos negócios públicos e olvidar o que há de mais elementar para a boa guarda e zelo dos interesses sociais.
No âmbito do direito público, os princípios também atuam como proteção da pessoa,
social ou individualmente considerada, contra eventuais extrapolações e arbitrariedades da
Administração Pública no uso dos poderes e prerrogativas que o Direito lhe confere.
(CADEMARTORI, 2001, p. 107)
Alguns dos princípios regentes da conduta da Administração Pública estão previstos
no art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, com redação alterada pela Emenda
9 Os conceitos de oportunidade e conveniência, bem como uma maior explanação deste assunto, serão devidamente tratados no segundo Capítulo deste estudo.
30
Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, quais sejam: legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência.
É importante frisar que esse dispositivo não é taxativo, ou seja, não esgota todos os
princípios jurídicos que pautam a atuação da Administração Pública. Existem vários outros
princípios jurídicos que embora não mencionados na Constituição Federal de 1988, estão
abrigados em leis esparsas, ou consagrados na doutrina e no ordenamento jurídico como um
todo.
Neste trabalho, sem o objetivo de esgotar o tema, convém discorrer, ainda que
resumidamente, acerca desses princípios constitucionais, incluindo-se nesta breve explanação
alguns dos elencados no art. 2º da Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula
o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, os quais mantém
estreita ligação com o controle dos atos administrativos discricionários efetuados pela
Administração. São eles: motivação, razoabilidade, proporcionalidade e interesse público.
O princípio da legalidade constitui pedra angular e absolutamente essencial para a
plena vigência do Estado de Direito, conforme visto anteriormente. Através dele toda a
atividade administrativa, inclusive a discricionária, fica balizada pelos ditames
legais.(COELHO, 2002, p. 15)
Segundo Meirelles (2004, p. 87), a legalidade significa que o administrador público
está, em toda a sua atividade funcional, sujeito os mandamentos da lei e às exigências do bem
comum, e deles não pode afastar-se, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à
responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.
Por sua vez, o princípio da impessoalidade traduz a idéia que o agir administrativo
haverá sempre de ser de interesse público, desvinculado de qualquer favoritismo,
discriminações, privilégios. Simpatias pessoais, políticas, religiosas ou ideológicas não podem
interferir na atividade administrativa. (MELLO, 2004, p. 104)
O princípio da moralidade relaciona-se com o elemento ético na conduta do agente,
tem haver com o dever de probidade do administrador público. Significa dizer que o agente
administrativo, como ser humano dotado de capacidade de atuar, deve, necessariamente,
distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar a ética na
sua conduta. Assim terá que decidir, além do legal e do ilegal, o justo e o injusto, o
conveniente do inconveniente, o oportuno do inoportuno, o honesto do desonesto.
(MEIRELLES, 2004, p.89)
31
O princípio da publicidade diz respeito ao dever da Administração Pública em manter
plena transparência na sua atuação. Moraes (2002, p.104), discorrendo sobre a publicidade,
diz que a mesma se faz pela inserção do ato praticado pela Administração Pública no Diário
Oficial ou por edital fixado no lugar próprio para divulgação de atos públicos, com o fim de
conhecimento do público em geral e, conseqüentemente, início da produção de seus efeitos.
Através da Emenda Constitucional nº 19/98 acrescentou-se mais um princípio no rol
dos princípios constitucionais: o princípio da eficiência, no qual determina que a atividade
administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. Através desse
princípio a função administrativa não é mais desempenhada apenas à sombra da legalidade,
exigindo-se resultados positivos e eficientes para o serviço público, satisfazendo o
atendimento das necessidades da coletividade. (MEIRELLES, 2004, p. 96)
O princípio do interesse público, também conhecido como princípio da supremacia do
interesse público, consiste, no dizer de Moraes (2002, p. 116): “no direcionamento da
atividade e dos serviços públicos à efetividade do bem comum”.
A respeito desse princípio Meirelles (2004, p. 101) enfatiza: “A primazia do interesse
público sobre o privado é inerente à atuação estatal e domina-a, na medida em que a
existência do Estado justifica-se pela busca do interesse geral”
Pelo princípio da motivação, o administrador público justifica, fundamenta a ação
administrativa, indicando os fatos que originaram o ato administrativo e os pressupostos
jurídicos que determinaram a sua prática.
Conforme Mello (2004, p. 102), o princípio da motivação:
[...] implica para a Administração Pública o dever de justificar seus atos, apontando-lhes os fundamentos de direito e de fato, assim como a correlação lógica entre os eventos e situações que deu por existentes e a providência tomada, nos casos em que este último aclareamento seja necessário para aferir-se a consonância da conduta administrativa com a lei que lhe serviu de arrimo.
Cademartori (2001, p. 113) assegura que os princípios da razoabilidade e
proporcionalidade assumem especial relevância, como balizadores no tocante ao tema do
controle dos atos administrativos discricionários.
Como princípio da razoabilidade, tem-se como aquele que objetiva aferir a
compatibilidade entre os meios e os fins, com o intuito de evitar extrapolações e abusividades
por parte da Administração Pública, lesando ou violando os direitos fundamentais. (Meirelles,
2004, p. 92)
Moraes (2002, p. 114) define o princípio da razoabilidade como “aquele que exige
proporcionalidade, justiça e adequação entre os meios utilizados pelo Poder Público, no
32
exercício de suas atividades, sejam administrativas ou legislativas, e os fins por ela almejados,
levando-se em conta critérios racionais e coerentes”.
Nem todos os autores separam os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Mello (2004, p. 101) apesar de sustentar enfoque para cada um, não deixa de observar que a
rigor o princípio da proporcionalidade é apenas uma faceta do princípio da razoabilidade.
Medauar (2002, p. 154) considera melhor englobar no princípio da proporcionalidade, o
sentido de razoabilidade. Moraes (2002, p. 114) defende que a proporcionalidade é um dos
critérios utilizados para a aplicação da razoabilidade. Já Cademartori (2002, p. 118) é
categórico em afirmar que, embora esses princípios possam ser observados numa relação
complementar ou de reciprocidade, eles não se confundem.
Em meio essas discordâncias, o princípio da proporcionalidade merece uma referência
especial, mormente para ter-se maior visibilidade da fisionomia específica de vícios que
podem macular os atos administrativos sob o aspecto de desproporcionalidade. (MELLO,
2004, p. 101).
Considera-se princípio da proporcionalidade, no entendimento de Mello (2004, p.
101), o qual enuncia a idéia “de que as competências administrativas só podem ser
validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que seja realmente
demandado para cumprimento da finalidade do interesse público a que estão atreladas”.
Portanto, quando a Administração emana um ato, deverá observar se o conteúdo do
mesmo não ultrapassou o estritamente necessário para alcançar o objetivo que fundamenta o
uso da competência. Caso extrapole o necessário, superando os limites da proporcionalidade,
o ato restará maculado de ilegitimidade.
Assim, ao desenvolver a atividade administrativa, utilizando-se de seus poderes e
sempre observando os princípios que a norteiam, os agentes públicos, servidores, órgãos,
entidades estatais, pessoas jurídicas, enfim a Administração Pública, atua no mundo jurídico
exteriorizando a vontade estatal, através de uma série de atos denominados atos
administrativos, os quais serão objeto do próximo capítulo.
33
2 O MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO
Antes de caracterizar o mérito e a discricionariedade dos atos administrativos convém
abordar o conceito de ato administrativo, sem o qual seria impossível compreender-se o
controle jurisdicional incidente sobre os mesmos, bem como identificar seus atributos
especiais que os diferenciam de qualquer outro ato jurídico praticado por particulares.
A função administrativa do Estado, já estudada no primeiro Capítulo, é levada a efeito
através da expedição de atos administrativos, entendidos estes como instrumentos de
veiculação da manifestação do poder-dever dos agentes públicos na implementação de
providências administrativas necessárias ao bem-estar da coletividade. (CADEMARTORI,
2001, p. 22)
Neste diapasão, o entendimento de Cretella Junior (a,1998, p.113):
Para atingir os fins a que se propõe e em virtude dos quais existe, o Estado precisa desenvolver ininterrupta série de atuações manifestando-se, desse modo, sua vontade, traduzida da edição de atos e concretização de fatos, projetados no mundo administrativo.
O ato administrativo é, desse modo, o meio como a Administração atua no cenário
jurídico, comunicando-se, conforme explica Cretella Júnior (a, 1998, p. 113):
Com efeito, se a comunicação do Poder legislativo com o mundo jurídico se faz mediante a lei, se o Poder Judiciário se expressa mediante a sentença, o Poder Executivo, ou melhor, a Administração, nos Três Poderes, faz sentir sua presença no mundo jurídico por meio do ato administrativo.
A doutrina é pacífica ao classificar o ato administrativo como uma espécie de ato
jurídico, do qual se diferencia essencialmente por ser destinado ao fim, ao interesse público,
porém como não há definição legal, encontrar um conceito convergente entre os estudiosos é
tarefa impossível, pois praticamente cada um desenvolveu um conceito próprio de ato
administrativo.
Moraes (2002, p. 122) a partir da definição de outros autores, desenvolve um conceito
bastante completo:
Ato administrativo é a declaração de vontade, expressa ou tácita, do Estado ou de quem lhe faça às vezes, que tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria em fiel observância à lei e sob regime jurídico de direito público, com produção de efeitos jurídicos imediatos e sempre sob a possibilidade de controle jurisdicional.
É importante salientar que existe diferença entre os conceitos de atos da
Administração e atos administrativos. Nesse norte, Mello (2004, p. 351) destaca que a
administração pratica inúmeros atos que não interessa considerar como ato administrativo,
tais como: os atos regidos pelo direito privado, os atos materiais (que não tem por fim a
34
produção de efeitos jurídicos, mas sim a realização material no exercício da função
administrativa, também chamados de fatos administrativos) e os atos políticos ou de governo
(praticados no exercício da função política e não administrativa).
Com bastante propriedade, Cretella Júnior (b,1998, p. 16) caracteriza a diferença sutil
entre atos da administração e atos administrativos, quando diz que “ato da administração é
toda atividade, jurídica ou não jurídica, que tem nascimento a partir da administração
pública”, ao passo que “ao ato jurídico da Administração, que concretiza ou titulariza
interesses públicos, damos o nome de ato administrativo”
Todavia, existem aqueles atos que não são praticados pela Administração Pública, mas
que devem ser incluídos entre os atos administrativos, por se submeterem à mesma disciplina
jurídica aplicável aos demais atos da Administração. Como exemplo, Mello (2004, p. 352)
menciona os atos relativos a vida funcional dos servidores do Legislativo e do Judiciário,
praticados pelas autoridades desses Poderes, ou as licitações efetuadas nessas esferas.
Dessa forma, conclui-se que a noção de ato administrativo é desvinculada da noção de
Administração Pública, pois nem todo ato da Administração é ato administrativo e nem todo
ato administrativo provém da Administração Pública. (MELLO, 2004, p. 352)
Feitas essas apreciações, tratar-se-á dos atributos inerentes aos atos administrativos
que os distinguem dos atos privados e lhes fornecem características próprias, além de
condições ímpares para atuação com eficácia no alcance de seus fins.
Segundo Meirelles (2002, p. 154), considera-se atributos do ato administrativo a
presunção de legitimidade, a imperatividade e a auto-executoriedade10.
Através da presunção de legitimidade os atos administrativos, assim que emanados, se
revestem de veracidade e de conformidade com o Direito até prova em contrário. Discorrendo
sobre presunção de legitimidade assevera Mello (2002, p.154):
[...] a presunção de legitimidade dos atos administrativos responde a exigências de celeridade e segurança das atividades do Poder Público, que não poderiam ficar na dependência da solução de impugnação dos administrados, quanto à legitimidade de seus atos, para só após dar-lhes execução.
Moraes (2002, p. 125) conceitua imperatividade como sendo “o atributo do ato
administrativo que garante seu integral cumprimento, a terceiros, independentemente de sua
concordância, inclusive, se necessário for, com exigibilidade coercitiva”.
10 A doutrina não é unânime em enumerar os atributos do ato administrativo. Assim Mello (2004, p. 383) considera os seguintes atributos do ato administrativo: presunção de legitimidade, imperatividade, exigibilidade e executoriedade. Moraes (2002, p. 124) aponta a tipicidade como atributo, além dos já referenciados por Meirelles.
35
Convém ressaltar que este atributo não está presente em todos os atos, apenas naqueles
que impõem obrigações perante o administrados.
Pela definição, observa-se que a noção de imperatividade se complementa com a
noção de exigibilidade, porém Mello (2004, p. 384) faz distinção entre esses conceitos,
criando outro atributo, qual seja, a exigibilidade, conforme ensina:
A exigibilidade é o atributo do ato pelo qual se impele à obediência, ao atendimento da obrigação já imposta, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para induzir o administrado a observá-la. Não se confunde com a simples imperatividade, pois, através dela, apenas se constitui uma dada situação, se impõe uma obrigação.
Por derradeiro, tem-se a auto-executoriedade que consiste, conforme preleciona
Meirelles (2004, p. 159), na possibilidade que certos atos administrativos ensejam de imediata
e direta execução pela própria Administração, independente de intervenção judicial.
O mesmo jurista ainda destaca que seria difícil a Administração desempenhar com
eficiência sua função de autodefesa dos interesses públicos se, sempre que encontrasse
resistência do particular, tivesse que recorrer ao Judiciário para remover a oposição individual
à atuação pública.
Assim, observa-se que os atributos do ato administrativos nada mais são do que
mecanismos e prerrogativas especiais com caráter instrumental, para que a Administração
Pública promova a realização de interesses públicos eficaz e eficientemente na medida que
estes sejam necessários.
Feitas essas considerações, passa-se a análise da discricionariedade administrativa que
pode estar presente em alguns atos administrativos, consoante a seguir exposto.
2.1 A DISCRICIONARIEDADE DOS ATOS ADMINISTRATIVOS
Quando a Administração emana um ato administrativo, dado que ao poder público só é
permitido fazer o que está estribado na lei, deve se ater, em primeiro lugar se esse ato está em
consonância com a mesma.
Ocorre que, a lei, ao regular as várias situações que possam vir a acontecer no mundo
real, disciplinando a conduta do agente público e regulando em termos estritamente objetivos
as situações de fato que ensejam tais condutas, não exaure com absoluta precisão as múltiplas
vertentes em que essas situações se exteriorizam.
Assim, há casos em que a regra imposta pela lei se omite em mencionar a situação de
fato, ou ao regular determinada situação, descreve-a mediante expressões que ensejam um
juízo subjetivo do administrador.
Nesse sentido, os ensinamentos de Meirelles (2004, p. 166):
36
A discricionariedade administrativa encontra fundamento e justificativa na complexidade e variedade dos problemas que o Poder Público tem em solucionar a cada passo e para os quais a lei, por mais casuística que fosse, não poderia prever todas as soluções, ou pelo menos, a mais vantajosa para cada caso corrente.
Nesses casos, a própria lei outorga aquilo que se denomina discricionariedade
dispondo ao administrador um poder-dever (poder discricionário) para decidir, de acordo com
a conveniência e oportunidade, o que melhor atende ao interesse público.
Di Pietro (1991, p. 47) ressalta que a justificação da discricionariedade encontra
fundamento no próprio ordenamento jurídico positivo, pois é a própria lei que deixa ao
administrador espaço para apreciação discricionária, trata-se do princípio da legalidade. Ainda
lembra que distante está o tempo em que a discricionariedade era vista como poder puramente
político.
Convém destacar que a discricionariedade não se confunde com arbitrariedade.
Enquanto o arbítrio é a faculdade de operar sem qualquer óbice, em todos os sentidos,
desobedecendo toda e qualquer norma jurídica, discricionariedade é a faculdade de operar
dentro de certos limites, poder concedido ao agente público para agir ou deixar de agir, dentro
do âmbito perfeitamente demarcado pela regra jurídica. (CRETELLA JÚNIOR, c, 1998, p.
149)
Portanto, haveria atuação discricionária quando em decorrência do modo pelo qual o
Direito regulou a atuação administrativa, resulta para o administrador um campo de liberdade
em cujo interior cabe interferência de uma apreciação subjetiva sua quanto à maneira de
proceder nos casos concretos, assistindo-lhe, então, sobre eles prover segundo critérios de
conveniência e oportunidade administrativa. (MELLO, 2000, p. 9)
No conceito de Moreira Neto (1989, p. 32) “discricionariedad e é uma técnica jurídica
desenvolvida para permitir que a ação administrativa precise um conteúdo de oportunidade e
de conveniência que se produza o mérito suficiente e adequado para que se satisfaça um
interesse específico, estabelecido como sua finalidade na norma legal”.
Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao
administrador para eleger, segundo critérios de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois
comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a
solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das
expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair
objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente. (MELLO, 2000, p. 48)
Muito se tem discutido acerca da natureza da discricionariedade. Praticamente cada
administrativista desenvolve um conceito particular. Existem autores que acreditam que seja
37
um poder, outros um dever, uns que fazem alusão como sendo uma competência e ainda
aqueles que unem duas qualificações como poder-dever ou competência–dever.
Para Moreira Neto (1989, p.22) a discricionariedade trata-se de uma competência
cometida à Administração, assim como poderia ser a qualquer órgão do Estado. Uma
qualidade ou modalidade necessária para o desempenho de uma de suas funções, qual seja:
integrar a vontade da lei. Defende que a discricionariedade é una e sua função técnica é
integrar o ato abstrato no que seja necessário, em termos de interesse público, para que possa
ser executado.
Mello (2000, p.15) ensina que a idéia de discricionariedade gira em torno de dever, de
finalidade a ser cumprida e não de poder como a Ciência do Direito Administrativo quer
articular:
Em face da finalidade, alguém - a Administração Pública - está posta numa situação que os italianos chamam de “doverositá”. Isto é, sujeição desse dever de atingir a finalidade. Como não há outro meio de atingir esta finalidade, para obter-se o cumprimento deste dever, senão irrogar certo poder instrumental, ancilar ao cumprimento do dever, surge o poder, como mera decorrência, como mero instrumento impostergável para que se cumpra o dever. (grifo do autor)
Já Cretella Junior (c, 1998, p. 149) defende que a discricionariedade administrativa
existe em função do denominado poder discricionário da Administração Pública, já tratado no
primeiro Capítulo, conceituando-a como a possibilidade que tem o poder público de editar ou
deixar de editar determinado ato conforme entenda este ato conveniente ou inconveniente
para a Administração.
Figueiredo (1995, p. 127) evidenciou o conceito de discricionariedade optando pela
expressão competência-dever e pelo fato de não considerá-la um poder administrativo, mas
sim uma competência outorgada pela norma, o administrador não pode dela furtar-se. Para
essa jurista discricionariedade significa:
Competência-dever de o administrador, no caso concreto, após a interpretação, valorar, dentro de critério de razoabilidade e afastado de seus próprios “standards” ou ideologias - portanto, dentro do critério de razoabilidade geral - dos princípios e valores do ordenamento, qual a melhor maneira de concretizar a utilidade pública postulada pela norma.
Para tratar do assunto da discricionariedade, os estudiosos utilizam-se de diversos
critérios, a saber, dentre outros: o da discricionariedade nas etapas de formação do ato
administrativo, o da discricionariedade na norma jurídica, o da discricionariedade nos
elementos do ato administrativo e o da discricionariedade nos conceitos indeterminados.
Neste trabalho, estudar-se-á a discricionariedade somente nos elementos do ato
administrativo, visto que os demais critérios não são objeto da pesquisa. Então, para melhor
38
compreender o espectro e a atuação da discricionariedade nos atos administrativos, mister se
faz à caracterização e conceituação dos elementos que compõem o ato administrativo, ou seja:
competência, forma, finalidade, motivo e objeto.
2.1.1 Os elementos do ato administrativo
Para que o ato administrativo tenha validade é necessário que atenda a certos
requisitos estabelecidos em lei, sem os quais o ato será nulo. São cinco elementos11:
competência, finalidade, forma, motivo e objeto para que o ato administrativo seja válido,
constituindo a infra-estrutura do ato, portanto o ato só se tornará perfeito com a convergência
desses elementos. (CARLIN, 2001, p. 82)
Assim assevera Carlin (2001, p.82): “A perfeição do ato, enfim, confunde -se com sua
própria existência, isto é, completado o ciclo de formação do ato administrativo, com a
presença de todos seus requisitos, diz-se que o ato é perfeito, válido, acabado e eficaz”
Os publicistas, ao discorrerem sobre esse assunto, não são unânimes na utilização do
vocábulo elementos do ato administrativo. Em meio dessas discordâncias terminológicas uns
preferem requisitos, outros pressupostos, mas as diferenças dessas expressões, erigidas pelos
administrativistas, em nada implicariam nas considerações que se fazem necessárias ao
entendimento dos mesmos.12. Seguindo a generalidade de alguns autores, neste estudo
empregar-se-á como sinônimos os três vocábulos.
11 No presente trabalho adotou-se a elementação quintipartite, bastante divulgada por Meirelles (2004, p. 148) e positivada pela lei nº 4.717/65 (Lei da Ação Popular), cujo art. 2º, ao indicar os atos nulos, menciona os cinco elementos dos atos administrativos: competência, forma, objeto, motivo e finalidade. Mas na doutrina existe divergência quanto à enumeração desses elementos. Gasparini (2000, p. 56) entende que são sete os requisitos do ato administrativo: competência, finalidade, forma, motivo, conteúdo, objeto e causa. Cretella Júnior (1999, p. 279) ensina cinco elementos básicos que são: agente, objeto, forma, motivo e o fim, e enumera, além desses, a causa e o mérito. 12 Meirelles (2004, p. 148) e Gasparini (2000, p. 56) utilizam a expressão requisitos do ato administrativo. Moreira Neto (1989, p. 33), Di Pietro (1998, p. 168) e França (2000, p. 94) adotam a expressão elementos. Para Cretella Junior (1999, p. 278) a diferença entre elementos e requisitos é que os elementos contribuem para a própria existência do ato, mas apenas de modo estático, na parte estrutural ou anatômica, ao passo que os requisitos implicariam preparação e aperfeiçoamento indispensáveis para que o mesmo ato esteja apto a operar, no mundo jurídico, de maneira dinâmica, compondo a fisiologia do ato, tendo haver com validade. Explica que o agente, o objeto e a forma são elementos que, agrupados, determinam a existência do ato, enquanto requisitos são esses mesmos elementos, mas em tal estado de preparação (agente capaz, objeto lícito, forma prescrita) que presentes conferem ao ato administrativo condições necessárias e suficientes para que possa produzir os efeitos jurídicos pretendidos. Já pressuposto, seria a situação de fato ou de direito, cuja existência a lei reputa indispensável para que o ato possa ser validamente praticado, trata-se, pois, de um requisito da validade, estranho e anterior ao ato.
39
Segundo Gasparini (2000, p. 56) competência é o poder que a lei outorga ao agente
público para o desempenho de suas funções. Portanto, nenhum ato administrativo pode ser
realizado validamente sem que o agente tenha competência definida em lei.
Sabe-se que só o ente com personalidade jurídica é titular de direitos e obrigações,
então no direito brasileiro quem tem capacidade para a prática de atos administrativos são as
pessoas públicas jurídicas, ou seja, a União, Estados, Municípios e Distrito Federal. (DI
PIETRO, 1998, p. 169)
A Administração Direta, para melhor cumprir suas funções e atender o interesse
público desconcentra e descentraliza13 suas atividades e serviços, que são distribuídos entre
órgãos administrativos ou pessoas jurídicas criadas para esse fim e dentro desses, para seus
agentes, que são pessoas físicas. (DI PIETRO, 1998, p. 169)
Esses agentes é que emanam atos administrativos, cuja competência está definida na
lei. A competência é, portanto, um elemento vinculado do ato administrativo.
Meirelles (2004, p. 149) dispõe que:
Entende-se por competência administrativa o poder atribuído ao agente da Administração para o desempenho específico de suas funções. A competência resulta da lei e por ela é delimitada. Todo ato emanado de agente incompetente, ou realizado além do limite de que dispõe autoridade incumbida de sua prática, é invalido, por lhe faltar um elemento básico de sua perfeição, qual seja, o poder jurídico para manifestar a vontade da Administração.
A competência não pode ser alterada ao livre arbítrio do administrador e sendo um
requisito de ordem pública é intransferível e improrrogável por interesse das partes, mas pode
ser delegada e avocada se a lei assim o permitir. (GASPARINI, 2000, p. 56)
Como o próprio vocábulo indica, a finalidade do ato administrativo diz respeito, ao
fim que o ato deverá atingir, ou seja o objetivo a ser alcançado pelo agente quando emana um
ato. Esse fim deverá ser sempre de interesse público, de interesse coletivo.
O fim a que se destina o ato está disposto em lei, tornando esse elemento vinculado à
norma legal.
Nesse sentido, os ensinamentos de Meirelles (2004, p. 150):
A finalidade do ato administrativo é aquela que a lei indica explícita ou implicitamente. Não cabe ao administrador escolher outra, ou substituir a indicada na norma administrativa, ainda que ambas colimem fins públicos. Neste particular, nada resta para escolha do administrador, que fica vinculado integralmente à vontade legislativa.
13 Descentralizar significa atribuir a outrem (autarquias, fundações, empresas estatais, empresas privadas ou particulares individualmente) a titulariedade ou execução de serviços e atividades da Administração Pública, e desconcentrar significa repartir funções de uma entidade entre vários órgãos que compõem a mesma, com o objetivo de facilitar sua realização. (Meirelles, 2004, p. 714)
40
Portanto, é o legislador que define a finalidade que o ato deve alcançar, não havendo
liberdade de opção para o agente administrativo. Assim, conforme Di Pietro (1998, p. 174), se
a lei coloca a demissão entre os atos punitivos, não pode ela ser utilizada com outra finalidade
que não a de punição; se a lei permite remoção ex ofício do funcionário para atender a
necessidade do serviço público, não pode ser usada para finalidade diversa, como a de
punição.
No dizer de Gasparini (2000, p. 57) forma é o revestimento do ato administrativo, o
modo pelo qual o ato aparece, revela sua existência.
Meirelles (2004, p. 150) discorreu acerca da forma do ato administrativo:
O revestimento exteriorizador do ato administrativo constitui requisito vinculado e imprescindível à sua perfeição. Enquanto a vontade dos particulares pode manifestar-se livremente, a da Administração exige procedimentos especiais e forma legal para que se expresse validamente.
Assim, um ato administrativo é considerado válido em sua forma, quando o
administrador obedecer à forma exigida na lei para sua exteriorização. Pode-se afirmar que a
formalidade dominante nos atos administrativos é a escrita. (LEITE, 1981, p.24)
Não se deve confundir forma com formalidade ou procedimento do ato. Consoante
Mello (2004, p. 361), formalidade “é um modo específico de apresentação da forma, ou seja
uma dada solenização requerida para o ato”.
Meirelles (2004, p. 151) conceitua procedimento como o “conjunto de operações
exigidas para a perfeição do ato” . Cita como exemplo, a concorrência na qual existe um
procedimento que se inicia com o edital e se finda com a adjudicação da obra ou serviço; e há
um ato adjudicatório que se concretiza pela forma estabelecida em lei. Ainda, ressalva que a
forma é estática e o procedimento é dinâmico.
Numa concepção ampla inclui-se no conceito de forma, não só a exteriorização do ato,
mas todas as formalidades que devem ser observadas durante o processo de formação da
vontade da Administração, e até os requisitos concernentes à publicidade do ato14.(DI
PIETRO, 1998, p. 172).
Assim, tanto a inobservância da forma como a do procedimento produzem o mesmo
resultado, qual seja, a ilicitude do ato. Se a lei exige a forma escrita e o ato é praticado
verbalmente, ele será nulo; se a lei exige processo disciplinar para demissão do funcionário, a
falta ou o vício naquele procedimento invalida a demissão, mesmo, quando isoladamente
considerada, estiver correta. (DI PIETRO, 1998, p. 172)
14 Neste trabalho, a forma será considerada no seu sentido amplo, abrangendo portanto o conceito de formalidade.
41
Conclui-se que a forma é elemento vinculado do ato administrativo, pois não cabe a
escolha pelo administrador de qualquer forma, devendo este seguir a forma prevista em lei
para a prática do ato.
Cumpre salientar que para a revogação, invalidação ou a modificação do ato
administrativo deverá ser seguida a mesma forma do ato originário, pois a vinculação se opera
tanto para sua formação quanto para o seu desfazimento ou modificação. (MEIRELLES,
2004, p.151)
Por sua vez, os motivos são as circunstâncias e situações de fato ou de direito que
autorizam ou ensejam a realização do ato pelo agente público.
Segundo Gasparini (2000, p. 58), os motivos consubstanciam-se em situações do
mundo real devem ser levadas em consideração para o agir da Administração Pública
competente. Podem ser ações ou omissões dos agentes públicos ou dos administrados ou,
ainda, necessidades do próprio Poder Público que impelem a Administração Pública à
expedição do ato administrativo.
No conceito de Cretella Júnior (1999, p.285):
Motivo é a razão de ser do ato, algo que, no mundo administrativo, impulsiona o órgão competente da Administração a tomar certa decisão, premissa extraída da realidade, que leva à conclusão objetiva da atitude tomada. Motivo é o suporte fático da decisão, sua base, fundamento, apoio.
Não se confunde o motivo com a motivação do ato. Enquanto que o motivo é a causa
do ato, motivação é a exposição dos motivos, ou seja, é a demonstração, por escrito, de que os
pressupostos de fato realmente existiram. (DI PIETRO, 1998, p.175)
Há uma discussão na doutrina acerca da obrigatoriedade da motivação. Para alguns,
ela é obrigatória quando se trata de ato vinculado, pois nesse caso, a Administração deve
demonstrar que o ato está em conformidade com os motivos indicados na lei. Para outros a
motivação torna-se obrigatória quando se trata de atos discricionários, porque nesses casos,
sem ela, não se teria meio de conhecer e controlar a legitimidade dos motivos que levaram a
Administração a praticar o ato15. (DI PIETRO, 1998, p. 175)
Portanto, o motivo pode vir expresso na lei ou pode a lei deixar ao juízo subjetivo do
administrador a avaliação quanto à existência e/ou valoração da oportunidade e conveniência
da prática do ato.
15 Esse assunto será tratado com maior profundidade no Capítulo 3, quando será abordado o controle dos motivos dos atos administrativos pelo Poder Judiciário.
42
Daí pode-se dizer que, quando o motivo estiver expresso na lei será um elemento
vinculado do ato, ao passo que, caso não houver orientação legal, será um elemento
discricionário.
Por fim, tem-se o objeto do ato administrativo. Este, relaciona-se com o efeito prático
que o agente pretende alcançar através de sua ação direta ou indireta, é a própria substância do
ato, seu conteúdo. (CRETELLA JUNIOR, 1999, p. 282)
Carlin (2001, p.86) diz que “O objeto é o efeito jurídico que o ato produz”.
Desta forma, todo ato administrativo tem por objeto a criação, modificação ou
comprovação de situações jurídicas concernentes às pessoas, coisas ou atividades sujeitas à
ação do Poder Público, identifica-se com o conteúdo do ato através do qual a Administração
manifesta seu poder e sua vontade, ou atesta simplesmente situações preexistentes.
(MEIRELLES, 2004, p. 152)
Para que o ato administrativo seja válido, o seu objeto deve ser lícito, ou seja,
conforme a lei; possível, quer dizer, realizável no mundo dos fatos e do direito; certo, isto é,
definido quanto ao destinatário, aos efeitos, ao tempo e ao lugar e moral que se consubstancia
na premissa de que o objeto não deverá contrariar os padrões aceitos como corretos, justos e
éticos. (DI PIETRO, 1998, p. 171)
O objeto, quando pode ser escolhido pela Administração conforme seu critério de
valorização de oportunidade e conveniência, será um elemento discricionário, ao revés,
quando está descrito na lei, será vinculado.
Ante o exposto, analisando os elementos do ato administrativo, é de fácil percepção
que a discricionariedade, quando existente no ato administrativo, está localizada exatamente
nos elementos motivo e objeto do ato, que nem sempre estão disciplinados na lei.
Assim, a discricionariedade em relação aos motivos, segundo Germana de
Oliveira Moraes (apud SILVA, 2001, p. 52), ocorre nas hipóteses de a valoração desses ser
feita pelo agente público ou de inexistir na norma pressuposto de fato autorizando a conduta
administrativa e no tocante ao objeto, a discricionariedade pode manifestar-se quando a
autoridade administrativa se veja diante de várias escolhas possíveis permitidas pela norma
jurídica.
Note-se que os elementos, conforme vistos, estão presentes em todos os atos,
diferenciando-se apenas quanto à previsibilidade ou não de tais elementos na norma jurídica.
Assim, caso haja previsão de todos os elementos está-se diante de um ato chamado vinculado,
ao contrário, caso não estejam previstos todos os seus elementos está-se diante de um ato
chamado discricionário, os quais serão abordamos no próximo item.
43
2.1.2 O ato administrativo vinculado e o ato administrativo discricionário: contraposição
Antes de destacar as diferenças desses atos, bastantes significativas para este estudo,
convém ressaltar que as expressões ato administrativo vinculado e ato administrativo
discricionário são um critério de classificação dos mesmos, existindo na doutrina diversas
outras16 que não assumem relevante importância nesse trabalho e por isso não serão
abordadas.
Assim, a classificação dos atos administrativos que merece atenção, tendo em vista a
possibilidade de controle desses atos, é a que se refere quanto ao grau de liberdade de
apreciação da Administração Pública para expedi-los. Deste modo, os atos podem ser
vinculados ou discricionários.
No conceito de Gasparini (2000, p. 72):
São vinculados os praticados pela Administração Pública sem a menor margem de liberdade. A Administração Pública edita-os sem qualquer avaliação subjetiva. A lei, nesses casos, encarrega-se de prescrever, com detalhes, se, quando e como a Administração deve agir. (grifo do autor)
Nos atos denominados vinculados, não existe margem de escolha para o
administrador, pois os elementos (competência, forma, finalidade, motivo e objeto)
encontram-se minuciosamente descritos na lei e devem ser rigorosamente observados pelo
mesmo.
Sobre ato vinculado escreve Meirelles (2004, p. 164-165): “Nessa categoria de atos, as
imposições legais absorvem, quase que por completo, a liberdade do administrador, uma vez
que sua ação fica adstrita os pressupostos estabelecidos pela norma legal para a validade da
atividade administrativa”.
Enquanto que ao praticar o ato administrativo vinculado o agente está preso a norma
legal em todos os seus elementos (competência, forma, finalidade, motivo e objeto), no ato
discricionário, ele possui liberdade quanto à escolha dos motivos (oportunidade) e do objeto
(conveniência). Portanto, nos atos denominados discricionários os elementos formadores do
16 A classificação dos atos administrativos entre os publicistas não é uniforme, dado que existem vários critérios para o enquadramento dos atos administrativos em determinadas espécies, categorias ou tipos. Meirelles (2002, p. 159-173) classifica os atos administrativos quanto aos seus destinatários em gerais e individuais, quanto ao seu objeto em atos de império, de gestão e de expediente, quanto ao seu regramento em atos vinculados e atos discricionários, quanto à formação do ato em simples, complexo e composto, quanto ao conteúdo em constitutivo, extintivo, declaratório, alienativo, modificativo ou abdicativo de direitos ou de situações, quanto à eficácia podem ser nulos, válidos ou inexistentes, quanto à exeqüibilidade podem ser perfeitos, imperfeitos, pendentes ou consumados, quanto à retratabilidade podem ser irrevogáveis, revogáveis e suspensíveis, quanto ao modo de execução podem ser auto-executórios e não auto-executórios, quanto ao objetivo visado pela Administração, o ato pode ser principal, complementar, intermediário, ato-condição e ato de jurisdição e finalmente quanto os efeitos pode ser constitutivo, desconstitutivo e de constatação
44
ato não são todos vinculados, sendo apenas a competência, a finalidade e a forma previstas no
texto legal.
Assim, conforme Cáio Tácito (apud CRETELLA JÚNIOR, b, 1998, p.158), conclui-se
que não existe, rigorosamente, nenhum ato totalmente vinculado ou totalmente discricionário,
existem matizes de predominância, mais ou menos acentuados, dando importância à parte
livre ou à subordinada à manifestação administrativa.
Na doutrina existe certa relevância, certa ressalva conceitual no tocante à utilização da
expressão ato discricionário.
Meirelles (2004, p. 166) ensina que “A rigor, a discricionariedade não se manifesta no
ato em si, mas sim no poder de a Administração praticá-lo pela maneira e nas condições que
repute mais convenientes ao interesse público” e lembra nesse sentido a lição de Nunes Leal
(RDA 14/53) de que só por tolerância poderá se falar em ato discricionário, pois o certo é
falar-se em poder discricionário da Administração.
Oliveira (2001, p. 76) comenta que :
Evita-se falar em ato discricionário, afirmando-se que nunca haverá ato totalmente discricionário. Sem dúvida que a afirmação é verdadeira . Mas usa-se a expressão para designar a esfera de discricionariedade que remanesce à Administração, materializando-se ele através de conteúdo discricionário.
Nesse trabalho, utilizar-se-á a expressão ato discricionário em contraposição com o ato
vinculado, pois na expressão ato discricionário está subentendido que se trata do que o é
predominantemente, do que o é por contraste com o ato vinculado. (FAGUNDES, 1957, p.83)
Apesar dessa reserva aludida na doutrina, os administrativistas não economizam em
utilizar tal expressão o que ao entendimento de Cretella Júnior (1999, p. 247) tornou-se
tradicional: “Não só a melhor doutrina brasileira, como o direito positivo e a jurisprudência
consagraram, entre nós, a existência do ato administrativo discricionário e a legitimidade da
expressão, tradicional, feliz, precisa, técnica e indispensável”.
Após essas relevantes observações, pode-se considerar o ato administrativo
discricionário como aquele em que a Administração tem a faculdade de praticá-lo com
liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua
oportunidade e o modo de sua realização. (MEIRELLES, 2004, p.166)
É o ato que, embora vinculado à lei, tem livre faixa de trânsito, a critério do
administrador que para editá-lo, verifica apenas a oportunidade e/ou conveniência da medida,
utilizando-se para isso de seu poder discricionário. (CRETELLA JUNIOR, 1999, p.247)
45
2.2 A CARACTERIZAÇÃO DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO
DISCRICIONÁRIO
Dentre as inúmeras palavras técnicas que auxiliam o operador do direito no emprego
adequado de tais vocábulos, existem aquelas com conceitos específicos e diferentes para cada
ramo do direito. É o caso do vocábulo mérito, que assume diferentes significados no âmbito
do Direito Processual Civil e no Direito Administrativo.
O vocábulo mérito deriva do latim meritum, substantivo que significa ganho salário,
serviço, conduta que justifica algo. Mas, o termo pode ter outros sentidos como aqueles em
que os processualistas civis e os administrativistas lhe tem dado. (CRETELLA JÚNIOR, b,
1998, p.251)
Na acepção em que é tido na terminologia do Direito Processual, consoante Silva
(1984, p. 185) “mérito quer exprimir e designar a matéria, em que se funda, em que se baseia
principalmente a questão. Quer, então distinguir o ponto dominante da pendência, sobre a
qual deve versar a decisão. Nele é que se funda o pedido do autor”.
Esse sentido, na seara administrativa, não está de todo ausente, uma vez que há o
processo administrativo em que o mérito não deixa de ser o conteúdo da lide, a própria
substância do que se debate, a verdade que a Administração pretende apurar. (CRETELLA
JÚNIOR, 1999, p. 294)
Todavia, o sentido processual de mérito não guarda qualquer correlação com o sentido
empregado no ato administrativo discricionário. Trata-se de noções diferentes quantitativa e
qualitativamente, fazendo-se necessário abstrair qualquer conceituação de mérito do direito
processual para bem compreender e delimitar o mérito do ato administrativo. (CRETELLA
JÚNIOR, 1999, p. 252)
Segundo Cretella Junior (c, 1998, p. 154) para o Direito Administrativo, “mérito é a
indagação da oportunidade e conveniência do ato; é a zona franca em que a vontade do agente
decide sobre as soluções mais adequadas ao interesse público; é a sede do poder discricionário
do administrador, que se orienta por critérios de utilidade”.
Como explica Di Pietro (1991, p. 86), foi no direito italiano que se desenvolveu a
doutrina referente ao mérito do ato administrativo, influenciando os juristas brasileiros, que ao
tratarem do tema da discricionariedade, em regra, o relacionam com mérito.
No dizer de Meirelles (2004, p. 152-153) “O mérito administrativo consubstancia -se,
portanto, na valoração dos motivos e na escolha do objeto do ato, feitas pela Administração
46
incumbida de sua prática, quando autorizada a decidir sobre a conveniência, oportunidade e
justiça do ato a realizar.”
O mérito relaciona-se com a intimidade do ato administrativo, concernente o seu valor
intrínseco, à sua valoração sob critérios comparativos e na prática, ou seja, no caso concreto,
apresenta-se como a ponderação pessoal da autoridade administrativa sobre determinados
fatos, que a levam decidir num sentido ou noutro e até mesmo a nada decidir. (CRETELLA
JÚNIOR, 1999, p. 294)
Sobre mérito administrativo escreveu Fagundes (1968, p. 154, nota 9):
O mérito relaciona-se com a intimidade do ato administrativo, concernente ao seu valor intrínseco, à sua valorização sob critérios comparativos[...] E por isto é que os administrativistas o conceituam uniformemente, como o aspecto do ato administrativo relativo à conveniência, à oportunidade, à utilidade intrínseca do ato, à sua justiça, à fidelidade aos princípios da boa gestão, à obtenção dos desígnios genéricos e específicos, inspiradores da atividade estatal.
Assim, o estudo do mérito administrativo não é e nem pode ser uma visão objetiva do
fato, não se restringe ao aspecto jurídico, vai além dele, percorrendo o campo da Filosofia,
Sociologia, Moral, e como medida da discricionariedade, implica uma concepção axiológica
da realidade social e administrativa, abrigando não uma noção relativa do que é, mas ao que
deve ser. (CRETELLA JÚNIOR, 1977, p.75)
Para Fagundes (1951, p. 189) o mérito também contém um sentido político, vinculado
ao dever da boa administração, compreendendo todos os aspectos de conveniência e
oportunidade edificados por um juízo comparativo na adequação da lei ao caso concreto em
que vivencia a Administração.
2.2.1 O mérito administrativo: ato discricionário x ato vinculado
O mérito como elemento integrante da configuração do ato administrativo, embora
não se situe no mesmo plano dos elementos essenciais, relaciona-se com o motivo e o objeto.
E, constituindo o motivo e o objeto, elementos existentes tanto no ato administrativo
vinculado como no discricionário, defendem alguns autores que existe mérito em ambos os
atos.
Cretella Júnior (a, 1998, p. 245) afirma que “...existe o mérito tanto no ato
discricionário, como no ato vinculado. Só que, no ato vinculado, o ‘juízo de valor’ (mérito) é
dominado pelo juízo de ‘dever ser’ (vinculação), desaparecendo a opção do administrador”.
Tratando desse assunto, ainda explica:
47
No ato discricionário, em que a competência é “livre”, o administrador valora a decisão a tomar, orientando-se pelo critério da oportunidade e da conveniência[...] Tais atos envolvem sempre o mérito, a valoração, a opção, o juízo de valor do “administrador”[....] No ato vinculado, entretanto, em que a competência é “regrada”, o agente administrativo fica preso a motivos predeterminados, não podendo optar por esta ou aquela conduta[....] O mérito desse caso fica submetido a vinculação. Entendemos, assim, que, mesmo no ato administrativo vinculado, existe parcela subjacente de mérito, se bem que in potentia, não utilizável pela autoridade, por ser “absorvida” pelos demais fatores determinantes da edição do ato. Mesmo que o administrador entenda inoportuno ou inconveniente o ato, deve necessariamente editá-lo, desde que o destinatário, tenha preenchido os requisitos exigidos por lei. (grifos do autor)
Porém, há doutrinadores que divergem dessa posição, pois defendem que não se pode
classificar o mérito como um dos elementos do ato administrativo, não lhe sendo essencial
nem autônomo, nem mesmo aparece com posição própria ao lado dos pressupostos
formadores daquele. O mérito surge em conexão com o motivo e o objeto do ato.
(FAGUNDES, 1957, p. 169)
O mérito se localiza, na análise elemental do ato administrativo, nos elementos motivo
e objeto e em se falando de mérito de ato administrativo discricionário ele só existirá como
resultado do exercício da discricionariedade, como definição da oportunidade e da
conveniência, respectivamente, na função de integrar o elemento motivo e objeto.
(MOREIRA NETO, 1989, p.33)
Em outras palavras, quando houver discricionariedade, o mérito a conterá, uma vez
que ela reside justamente em seus elementos formadores (motivo e objeto), quando não
houver discricionariedade, não há de se falar em mérito, pois o legislador regulou a situação
em todos os aspectos do ato, inclusive quanto ao motivo e objeto.
Seabra Fagundes (1951, p. 07) também ensina que o mérito existe tão só nos atos
administrativos discricionários
Quando a Administração exerce competência estrita, ou seja, quando prática to vinculado, já encontra esgotado o conteúdo político (mérito) do processo de realização da vontade estatal. A medida assim tomada já foi objeto de análise e de solução pré-assumida[...] No exercer, porém, a sua atividade discricionária, o legislador não esgota as possibilidades de opção peculiares o exercício da atividade estatal. Às vezes por abstenção voluntária, outras, as mais dentre elas, pela impossibilidade de abranger satisfatoriamente, no contexto de cânones preestabelecidos, as múltiplas realidades supervenientes.
Nesse estudo, optou-se por tratar a questão exclusivamente sob o ponto de vista em
que o administrador emite juízo de valor, ou seja, quando o ato administrativo emanado
resulta de avaliações e escolhas perpetuadas pela Administração, e isto só é concretamente
possível nos atos discricionários.
48
Mesmo entendendo existir potencialmente mérito nos atos vinculados Cretella Júnior
(1977, p. 78) não deixa de observar que rigorosamente a existência só é possível em atos
discricionários:
Com efeito, se a Administração levasse em conta a oportunidade ou a conveniência, na edição do ato vinculado, estaria invadindo o terreno da legalidade. Rigorosamente, só em se tratando de discrição se pode falar do mérito, fator obrigatório na estrutura do ato administrativo discricionário. É sua medida.
França (2000, p. 103) também é categórico ao afirmar que inexiste mérito nos atos
vinculados sendo elemento privativo dos atos discricionários, pois nos primeiros o juízo de
oportunidade já foi analisado e definido pelo legislador, e por conseguinte, não existe espaço
para uma avaliação subjetiva de conveniência e oportunidade da Administração Pública no
caso concreto.
Se existe ou não mérito nos atos administrativos vinculados (mesmo que
potencialmente) e se evitam os autores o problema da definição do mérito do ato
administrativo, limitando-se à circunscrever-lhe sua área de residência (motivo e objeto),
quando se trata de agrupar os infinitos matizes em que aquele se desdobra, traduzidos na
fórmula sintética expressa pelo binômio oportunidade-conveniência, não há espaço para
divergências. (CRETELLA JÚNIOR, 1977, p.74)
A oportunidade do ato é vinculada ao motivo, à identificação e formação dos
pressupostos fáticos e jurídicos que justificam a inserção do ato administrativo no
ordenamento jurídico, ao passo que a conveniência incide sobre o objeto do ato, isto é, o
conteúdo do provimento estatal. (FRANÇA, 2000, p. 100)
2.2.2 O binômio oportunidade e conveniência do ato administrativo discricionário
Oportunidade é o termo derivado do latim opportunitas, de opportunus (cômodo,
propício), entende-se a ocasião própria, o momento favorável, o instante apropriado, para que
se faça alguma coisa, assim a oportunidade é a ocasião chegada na qual deve ser executado
aquilo que é mister fazer, pois se vê a conveniência ou o bom tempo para a execução
pretendida. (SILVA, 1984, p. 286)
Segundo Cretella Júnior (1977, p. 74, nota 34) a oportunidade, entendida como um
critério de valor:
“[...] é apreciada em relação a normas de referência, que podem variar de um indivíduo para outro e que dependem das opiniões, crenças, clarividência, estado de informação etc [...] A medida da oportunidade é, em parte, função de apreciações subjetivas e pode variar no tempo. Decisão que poderia ter parecido oportuna, no
49
momento em que foi tomada, pode revelar-se desastrosa a seguir, pois não há regras absolutas que permitam determinar sempre com o máximo de certeza, qual a decisão mais oportuna num dado momento”
No sentido jurídico, como integrante da apreciação do mérito do ato administrativo
discricionário feito pelo administrador, a oportunidade, sem fugir do conceito vulgar, mostra-
se o tempo próprio ou indicado regularmente para que os mesmos se pratiquem, a fim de que
possam ser imantados de legalidade, merecendo aprovação da coletividade.
Conveniência, derivada do latim convenientia, de convenire, é o vocábulo tido no
sentido de acordo, harmonia, conformidade, aquilo que é adequado, apropriado.(SILVA,
1984, p. 559)
A acepção jurídica do termo conveniência relacionado com o mérito do ato
administrativo, não se destoa de seu sentido coloquial, dizendo respeito a fatos, lugares,
acontecimentos, situações, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, economia, ou seja
tudo o que convêm, porque satisfaz o interesse, a comodidade, o conforto de alguém lhe
trazendo proveito e/ou utilidade.
Assim, a apreciação do mérito administrativo pelo agente envolve um sentido
teleológico, finalístico, valorativo, axiológico e subjetivo, relacionada com o binômio
oportunidade-conveniência, tanto falado na doutrina.
Nesse sentido, os ensinamentos de Cretella Júnior (1999, p. 294):
A apreciação do que é oportuno e conveniente, ou, só oportuno ou só conveniente, abrange um mare magnum de reflexões do agente ao apreciar o motivo do ato administrativo para depois editá-lo, ou abster-se disso, ponderando sobre hora, dia, lugar, equitabilidade, razoabilidade, justiça, economicidade, acerto, moralidade, injustiça, utilidade intrínseca, fidelidade aos princípios da boa gestão.
Moreira Neto (1991, p. 89) assim define os critérios de oportunidade e conveniência:
Diz que há conveniência quando o conteúdo jurídico de um ato convém à produção de um resultado que, em tese, está adequado ao atendimento de sua finalidade e há oportunidade quando, considerados os pressupostos de fato e de direito, o momento da ação é adequado à produção desse resultado que, em tese, atende sua finalidade.
Assim, a conveniência e a oportunidade são critérios utilizados na formação do mérito,
seu resultado final, a fim de satisfazer um interesse público específico previsto no texto
normativo, passando o mérito a conter todos os aspectos edificados pelo binômio
conveniência-oportunidade. (FRANÇA, 2000, p. 103)
Na dinâmica realidade na qual está inserida a Administração Pública, em se omitindo a
lei, o juízo de oportunidade é imprescindível para garantir a proximidade entre a norma e o
fato, a providência normativa e a demanda da coletividade, atribuindo-se ao administrador
poder para selecionar os fatos enquadráveis na hipótese da lei, e para formar a avaliação
50
político-jurídica que servirá de embasamento para o ato administrativo. (FRANÇA, 2000, p.
100)
A concretização do juízo de oportunidade e conveniência se dá no momento em que o
administrador elege, dentre os meios idôneos mais eficientes, proveitosos e úteis, aquele que
melhor satisfaça o interesse público.
Uma apreciação equivocada, pelo administrador, das situações de fato em que a lei não
esgota, com absoluta precisão, qual conduta adotar ou descreve-a mediante expressões que
ensejam um juízo subjetivo dele, bem como uma escolha errada dos vários objetos previstos
em lei, podem trazer como conseqüência o ato administrativo inoportuno e inconveniente.
Assim o ato, mesmo ajustado ao estrito campo da legalidade, poderá invadir a esfera
de direitos e garantias do administrado, ou desviar-se do interesse coletivo e quando isso
ocorre é o Poder Judiciário o instrumento usado para a reivindicação desses direitos
ameaçados pela Administração. (FRANÇA, 2000, p.4)
O Poder Judiciário exerce sobre quem tem a competência para o exercício da função
administrativa um controle de juridicidade, ou seja, de adequação dos atos da Administração
ao ordenamento jurídico vigente. É do Poder Judiciário a competência para a apreciação e o
deslinde dos conflitos sociais, inclusive os de natureza administrativa, consoante previsto na
Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV.
Exatamente sobre o modo e os limites do controle judicial dos atos administrativos
discricionários, que vai ocupar-se o último Capítulo.
51
3 A LIMITAÇÃO DO EXERCÍCIO DO PODER JUDICIÁRIO NO CONTROLE DO
MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO
O termo controle deriva do vocábulo francês contre-rôle, que significa registro
efetuado para posteriormente, confrontar e verificar os dados com o original, também rol dos
contribuintes de impostos do latim medieval contra rotulum, que em francês deu origem ao
contre-rôle, mais tarde abreviando-se essa expressão para controle. (MEDAUAR, 1993, p.
13)
Hoje o termo controle, habitualmente utilizado na língua portuguesa, possui diversos
significados a saber: dominação, direção, limitação, vigilância ou fiscalização, verificação e
registro. (MEDAUAR, 1993, p. 14)
No concernente a Administração Pública, o termo controle relaciona-se com a questão
da visibilidade, da transparência, da legalidade, da moralidade e eficiência no exercício do
poder estatal incumbido de alcançar a satisfação do interesse público17.
No Estado Democrático de Direito, a Administração Pública têm a responsabilidade de
efetivar os objetivos do corpo social, não podendo ser vedado o acesso do indivíduo ao
conhecimento de como, quando, onde e porque estão sendo orientados daquela ou de outra
maneira os recursos pertencentes a todos. Assim, torna-se indispensável o controle das
atividades estatais, em conformidade com a lei, pela sociedade e pelo próprio Estado, seja ele
efetuado no seio da Administração Pública, seja ele realizado por órgãos estranhos ao seu
corpo ordinário. (FRANÇA, 2000, p. 116)
Acerca da razão de existência de meios de controle da Administração Pública ensina
França (2000, p. 116):
Visa conformar analisar e retificar as ações que se reivindicam em prol do interesse público e da legalidade, segundo opção consagrada no ordenamento jurídico vigente, servindo ainda para orientar, com eficiência e objetividade, a atividade do administrador pela via mais benéfica à coletividade.
Assim, os Estados de Direito, como o Brasil, ao organizarem sua Administração,
fixam a competência de seus órgãos e agentes e estabelecem os tipos e formas de controle de
toda a atuação administrativa, para defesa da própria Administração e dos direitos dos
administrados. (MEIRELLES, 2004, p. 639)
Nesse sentido, França (2000, p. 3) ainda enfatiza: “Não há administração pública
democrática sem controle. O controle da administração pública representa um dos meios mais
17 Conforme nota de rodapé nº 2, página 12.
52
hábeis e adequados para garantia do acesso à ação estatal, fazendo-se através de diversos
meios”
Dentre todos os tipos de controle18 o mais importante é o controle externo, que se
efetua mediante pedido dos interessados, por meio do Poder Judiciário.
Com efeito, o Poder Judiciário tem a responsabilidade de averiguar a conformidade da
atuação administrativa com o ordenamento jurídico. É ao juiz que o administrado recorre
quando a Administração Pública mostrou-se ilegal.
Deste modo, a Administração Pública, tem suas ações regidas pelo que estritamente
exigir o interesse público e a vontade da lei, havendo submissão incondicional por parte dos
órgãos que organizam e mantém os bens e interesses públicos à ordem jurídica constitucional
e infraconstitucional. (FRANÇA, 2000, p. 115)
É indiscutível que o Poder Judiciário controla a Administração Pública, quanto a isso
não há o que se questionar. A questão turbulenta reside justamente nos limites desse controle,
do alcance da atuação do Poder Judiciário ou em outras palavras, até onde se pode chegar no
exame do ato administrativo discricionário?
O problema vem suscitado sobretudo quando diz respeito à matéria de legalidade e de
mérito, em confronto com um controle amplo ou restrito.
Existe na doutrina um posicionamento favorável ao controle restrito do Poder
Judiciário sobre os atos administrativos discricionários, somente circunscrito àquela noção de
legalidade como atuação conforme a Constituição Federal e à lei, ou seja, a verificação
efetuar-se-ia no âmbito da competência, forma e licitude do objeto. (MEDAUAR, 2000, p.
464)
Trata-se do entendimento da doutrina clássica, cujos argumentos são os seguintes:
impossibilidade da ingerência do Judiciário em atividades típicas do Executivo, ante o
princípio da separação de poderes, por isso o âmbito do controle pelo Judiciário ser a
legalidade em sentido estrito; os integrantes do Poder Judiciário são desprovidos de mandato
eletivo, não tendo legitimidade para apreciar aspectos relativos ao interesse público e ao
mérito do ato. (MEDAUAR, 2000, p. 464)
A respeito do objetivo da restrição ao controle dos atos administrativos pelo Poder
Judiciário, ensina Soares (1999, p. 42): “As restrições impos tas ao controle jurisdicional do
ato administrativo teriam por objetivo subtrair a administração pública à predominância do
Judiciário, ameaçadora da atuação da administração e de sua atividade peculiar”.
18 Mais adiante, no item 3.1serão abordados os tipos e meios de controle da Administração Pública.
53
Outro entendimento inclina-se por um controle mais amplo, cujo respaldo seria
justamente a separação de poderes, pois consoante Medauar (2000, p. 464) o poder detém o
poder, cabendo ao Judiciário o exercício da jurisdição e portanto o controle judicial da
Administração, incluindo os atos administrativos discricionários, conforme art. 5º, inciso
XXXV da Constituição Federal, sem que se possa cogitar de ingerência indevida.
No direito brasileiro, as posições de destacados juristas como o desembargador
Seabra Fagundes, Victor Nunes Leal e Caio Tácito assinalaram um importante passo na
ampliação do controle jurisdicional além da competência e forma do ato administrativo, para
adentrar nos motivos e fins, como integrantes da legalidade e não discricionariedade e
mérito19.(MEDAUAR, 2000, p. 464)
A partir da Constituição Federal de 1988, a tendência de ampliação do controle
jurisdicional da Administração se acentuou consideravelmente, pois o texto de 1988 está
impregnado de um espírito geral de priorização dos direitos e garantias ante o poder público.
(MEDAUAR, 2000, p. 464)
Para Medauar (200, p. 464), uma das decorrências desse espírito reside na indicação
de mais parâmetros de controle da atuação, mesmo discricionária, da Administração Pública,
tais como o princípio da moralidade e o princípio da impessoalidade. Também, o princípio da
publicidade impõe transparência na atuação administrativa, o que enseja maior controle e a
Ação Popular que pode ter como fim à anulação de ato lesivo à moralidade administrativa,
independendo, portanto de considerações de estrita legalidade.
Hoje no ordenamento pátrio, sem dúvida, a legalidade assenta em bases mais amplas e,
por conseguinte, há respaldo constitucional para um controle jurisdicional mais amplo sobre a
atividade da Administração, como coroamento de uma evolução já verificada na doutrina e na
jurisprudência antes de outubro de 1988. (MEDAUAR, 2000, p. 464)
Assim, no decorrer desse Capítulo, antes de adentrar ao tema central do presente
estudo, qual seja, o controle judicial do mérito do ato administrativo discricionário, para
entender o modo, forma e limites desse controle, será abordado o panorama no qual está
inserido o controle da Administração Pública como um todo e após o efetivo controle de seus
atos discricionários, conforme analisados a seguir.
19 Esse assunto será tratado com maior pertinência nos itens 3.2.1 e 3.2.2 deste Capítulo.
54
3.1 O PANORAMA DO CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Segundo Meirelles (2004, p. 639), no âmbito da Administração Pública controle “é a
faculdade de vigilância, orientação e correção que um Poder, órgão ou autoridade exerce
sobre a conduta funcional de outro”.
Gasparini (2000, p. 724) formula o seguinte conceito de controle da Administração
Pública “é a atribuição de vigilância, orientação e correção de certo órgão ou agente público
sobre a atuação de outro ou de sua própria atuação, visando confirmá-la ou desfazê-la,
conforme seja ou não legal, conveniente, oportuna e eficiente”.
Assim, o controle é exercitável em todos e por todos os Poderes do Estado,
estendendo-se a toda Administração e abrangendo todas as suas atividades e agentes. Bem por
isso, diversifica-se em variados tipos e formas de atuação para atingir os seus objetivos e
conforme o critério levado em conta para sua sistematização20. (MEIRELLES, 2004, p. 640)
Segundo Meirelles (2004, p. 640), os tipos e formas de controle da atividade
administrativa, considerando a precedência sobre os demais controles, a amplitude e
permanência, podem ser três principais, quais sejam: o controle administrativo, o controle
parlamentar e o controle judicial.
Após, o mesmo jurista (2004, p. 604) destaca que esses controles podem ser
qualificados da seguinte maneira: conforme seu fundamento em hierárquicos ou finalísticos;
de acordo com o momento em que são efetuados, podem ser prévios, concomitantes ou
subseqüentes; consoante ao aspecto controlado, podem ser de legalidade ou de mérito; e
finalmente, quanto à localização do órgão que os realiza podem ser internos ou externos.
O controle hierárquico é típico do poder Executivo e resulta do escalonamento
vertical dos órgãos da Administração Direta ou das unidades integrantes das entidades da
Administração Indireta, em que os inferiores estão subordinados aos superiores.
Conforme ensina Meirelles (2004, p. 640), para o exercício do controle hierárquico são
necessárias às faculdades de supervisão, coordenação, orientação, fiscalização, aprovação,
revisão e avocação das atividades controladas, além de meios corretivos dos agentes
responsáveis.
Neste norte, registra Cretella Júnior (b, 1998, p. 438):
Da hierarquia, vínculo que subordina vários órgãos da pirâmide administrativa, graduando a autoridade de cada um, deriva o poder de vigilância e o de direção, bem como o poder revisionista, pelos quais se assegura completa unidade de direção ao
20 Em que pese às diversas formas de classificação dos controles da atuação da Administração Pública, formuladas por diferentes estudiosos, para efeito desse estudo, adotar-se-á a classificação proposta por Hely Lopes Meirelles.
55
sistema [...]. A faculdade de revisão permite que a autoridade de categoria superior revogue, modifique ou confirme os atos de seus subordinados, mediante os recursos adequados.
Note-se que esse controle é diretamente decorrente do poder hierárquico da
Administração Pública, já visto no primeiro Capítulo, e em razão de sua natureza é pleno,
permanente e automático, podendo ser verificados todos os aspectos concernentes à
legalidade e ao mérito de todos os atos praticados pelos agentes ou órgãos subalternos.
Como resultado da denominada descentralização21 administrativa passam a integrar a
Administração Pública Federal, não só a União, pessoa política representante da
Administração direta (centralizada), mas também, outras pessoas jurídicas (Administração
Indireta), com autonomia administrativa e financeira, vinculadas à Administração Direta por
meio de um ministério relacionado às atividades desenvolvidas por essa pessoa jurídica.
Assim, o controle exercido pela Administração Direta sobre as pessoas jurídicas
integrantes da Administração Indireta é chamado de controle finalístico.
No conceito de Meirelles (2004, p. 641) controle finalístico “é o que a norma legal
estabelece para as entidades autônomas, indicando a autoridade controladora, as faculdades a
serem exercitadas e as finalidades objetivadas”.
Desta forma, o controle finalístico, uma vez fundamentado na relação de vinculação
entre as pessoas jurídicas e não subordinação entre órgãos e agentes, não se confunde com
controle hierárquico. É um controle limitado e teológico, restringindo-se à verificação do
enquadramento da entidade controlada no programa geral do governo e à avaliação objetiva
do atingimento de suas finalidades estatutárias. (MEIRELLES, 2004, p. 641)
Diz-se prévio, preventivo ou a priori o controle quando exercido antes do início da
prática ou antes da conclusão do ato administrativo, constituindo-se em requisito para
validade ou para a produção de efeitos do ato controlado. Como exemplo, cita Meirelles
(2004, p. 642), a autorização do Senado Federal, necessária para que a União, os Estados ou o
Município possam contrair empréstimo externo.
O controle concomitante, como o próprio nome indica, é aquele exercido durante a
expedição do ato, permitindo a verificação da regularidade na sua formação, como por
exemplo a fiscalização de um contrato administrativo. (MEIRELLES, 2004, p. 642)
O controle subseqüente, corretivo ou a posteriori no conceito de Meirelles (2004, p.
642) “é o que se efetiva após a conclusão do ato controlado, visando a corrigir -lhe eventuais
defeitos, declarar sua nulidade ou dar-lhe eficácia”.
21 Conferir nota de rodapé nº 13, página 39.
56
Ainda na classificação de Meirelles (2004, p. 642-643), tem-se, quanto ao aspecto
controlado, o controle de legalidade ou legitimidade e o controle de mérito.
Pelo controle de legalidade ou legitimidade verifica-se se o ato foi praticado em
conformidade com a lei. Ressalte-se que o controle de legalidade e legitimidade não verifica
apenas o confronto entre o ato e a literalidade da norma jurídica positivada, devem ser
atendidos também os preceitos da Administração pertinentes ao ato e os princípios básicos
norteadores da Administração Pública, conforme se viu no primeiro Capítulo.
Este controle pode ser exercido pela própria Administração que praticou o ato
(hipótese de controle interno, como se verá adiante), também pelo Poder Judiciário, no
exercício da função precípua jurisdicional, ou pelo Poder Legislativo, nos casos previstos na
Constituição (ambas hipóteses de controle externo, que também serão vistos mais adiante).
Nesse sentido, não se aparta o entendimento de Meirelles (2004, p. 642):
O controle de legalidade ou legitimidade tanto pode ser exercido pela Administração quanto pelo Legislativo ou pelo Judiciário, com a única diferença de que o Executivo exercita-o de ofício ou mediante provocação recursal, o passo que o Legislativo só o efetiva nos casos expressos na Constituição, e o Judiciário através de ação adequada.
O controle de mérito consiste na apreciação da eficiência, do resultado, da
conveniência ou oportunidade do ato controlado.
Sobre conceito de controle de mérito registra Gasparini (2000, p. 724) “O controle de
mérito é o que se preordena a verificar a conformação, ou não, da atuação administrativa com
a conveniência, a oportunidade e a eficiência da própria atuação administrativa para mantê-la
ou desfazê-la”.
Diz-se que o controle de mérito compete normalmente à Administração, e em casos
excepcionais ao Legislativo, conforme Constituição Federal, art. 49, incisos IX e X, porém
jamais ao Judiciário. Ocorre que esta posição não é pacífica na doutrina, que de longa data,
vem enfrentando o problema de definir qual a matéria dos atos administrativos cuja
apreciação pelo Poder Judiciário não representa um atentado ou usurpação da função
administrativa do órgão controlado.
Aqui não cabem outras considerações acerca do tema que será examinado com maior
profundidade, no decorrer da pesquisa, sendo importante apenas ressaltar a diferença entre o
controle de mérito e de legalidade, conforme visto acima.
Ainda, seguindo a classificação de Meirelles (2004, p. 641), tem-se o controle interno
e externo, os quais, a fim de sistematizar este estudo e melhor entender o objetivo principal
exposto na Introdução da presente pesquisa, serão tratados no próximo tópico.
57
3.1.1 O controle interno e o controle externo
O controle interno pode ser entendido como aquele exercido dentro de um mesmo
Poder, por meio de órgãos integrantes de sua própria estrutura, ou seja, é realizado pela
entidade ou órgão responsável pela atividade controlada, no âmbito da própria Administração.
(MEIRELLES, 2004, p. 641)
Sendo assim, qualquer um dos três poderes exerce o controle interno dos seus atos,
como assevera Meirelles (2002, p. 634) :
[...] qualquer controle, efetivado pelo Executivo, sobre seus servidores ou agentes é considerado interno, como interno será também o controle do Legislativo ou do Judiciário, por seus órgãos de administração, sobre seu pessoal e os atos administrativos que pratique.
Um controle caracterizado como interno, posto que é efetuado por órgãos integrantes
da mesma Administração, integrando um dos principais controles na partição de
Meirelles(2004, p. 644), é o chamado controle administrativo.
O controle administrativo, também denominado autocontrole, é efetuado pelo
Executivo e por órgãos administrativos do Legislativo e do Judiciário sobre suas próprias
atividades administrativas, com o objetivo de confirmá-las ou desfazê-las, conforme sejam, ou
não, legais, convenientes, oportunas e eficientes. (GASPARINI, 2000, p. 725)
Salienta-se que o controle administrativo típico é aquele exercido pelo Poder
Executivo sobre atos emanados de seus próprios órgãos e entidades que compõem a
Administração Pública, entretanto o Legislativo e o Judiciário também realizam o controle
administrativo, quando fiscalizam os atos administrativos editados pelos seus órgãos.
Acerca do fundamento do controle administrativo Gasparini (2000, p. 725) leciona:
O fundamento do controle administrativo reside no dever-poder de autotutela que a Administração Pública tem sobre suas atividades, atos e agentes. Esse dever-poder de autotutela é exercitado, normalmente, por órgãos superiores, em relação aos inferiores, e por órgãos especializados (controle técnico, auditorias).
De uma forma geral, o controle administrativo se dá mediante atividades de
fiscalização e de recursos administrativos, podendo ser questionados tanto aspectos de
legalidade, quanto de mérito.
Já, o controle externo da Administração é o que se efetua por órgãos estranhos à
administração, responsáveis pelo ato controlado, compreendendo o controle legislativo ou
parlamentar e o controle judicial.
O controle da Administração Pública, exercido pelo Poder Legislativo, pode ser
efetuado através do tradicional controle parlamentar, a cargo do Congresso Nacional, e
58
também pelos Tribunais de Contas, mediante competências que lhes foram atribuídas pela
Constituição Federal de 1988.
O controle parlamentar é exteriorizado por meio das fiscalizações político-
administrativas e financeiro-orçamentárias. Assim, através da fiscalização político-
administrativa, segundo Moraes (2000, p. 249) o Poder Legislativo tem a possibilidade de
questionar os atos do Poder Executivo, tendo acesso ao funcionamento de sua máquina
burocrática, a fim de analisar a gestão da coisa pública e, conseqüentemente, tomar as
medidas que entenda necessárias.
Por meio da fiscalização financeiro-orçamentária, o Legislativo exercerá, nos moldes
dos arts. 70 a 75 da Constituição Federal, à fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial da União e das entidades da Administração Direta e Indireta, quanto
à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas,
além dos sistemas internos de cada Poder, conforme visto.
A fim de sistematizar este estudo, e conforme ensinamentos de Mello (2004, p. 830),
dividir-se-á o controle legislativo em controle parlamentar direto, considerando aquele
exercido diretamente pelo Congresso Nacional e o controle pelo Tribunal de Contas, órgão
que o auxilia.
Assim, destaca-se como competência exclusiva do Congresso Nacional, nos moldes
do art. 49, inciso X da Constituição Federal, a fiscalização e o controle, diretamente, ou por
qualquer de suas Casas, dos atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta.
Consoante Mello (2004, p. 830-832), a partir da Constituição Federal, resumidamente,
o controle parlamentar direto será exercido por meio de sustação de atos e contratos do
Executivo (art. 49, V); convocação de Ministros e requerimentos de informações (art. 50);
recebimento de petições, queixas e representações dos administrados (art. 58, § 2º, IV);
convocação de qualquer autoridade ou pessoa para depor (art. 58, V); Comissões
Parlamentares de Inquérito, com poderes de investigação próprios das autoridades judiciais
(art. 58, §3º); autorizações ou aprovações do Congresso necessárias para atos concretos do
Executivo (art. 49, incisos I, XII, XIII, XVI e XVII); poderes controladores privativos do
Senado (art. 52, incisos III a IX); julgamento das contas do Executivo (art. 49, IX); suspensão
e destituição do Presidente ou de Ministros pela prática de crimes de responsabilidade (arts.
86 e 87 e incisos).
A respeito do controle parlamentar direto, escreve Moraes (2002, p. 250):
O exercício dessa função constitucional típica por parte do Congresso Nacional abrange não somente as contas de entidades públicas no âmbito dos Poderes de Estado e do Ministério Público, mas também todas as contas das pessoas físicas ou
59
entidades públicas ou privadas que utilizem, arrecadem, guardem, gerenciem ou administrem dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária; e caracteriza-se por sua natureza política, apesar de estar sujeito à prévia apreciação técnico-administrativa do Tribunal de Contas.
Para efetivação e maior eficiência na fiscalização contábil, financeira, orçamentária,
operacional e patrimonial dos entes federados, o Poder Legislativo conta com o auxílio do
Tribunal de Contas.
Questão complexa é determinar a natureza dos Tribunais de Contas perante os demais
Poderes. Não são eles órgãos do Poder Executivo, nem do Poder Judiciário, porém, conforme
doutrina dominante, os Tribunais de Contas são órgãos da estrutura do Poder Legislativo, que
o auxiliam e orientam e embora a ele não subordinados, praticam atos de natureza
administrativa, concernentes, basicamente, à fiscalização. (MORAES, 2002, p. 250)
O controle externo efetuado pelo Tribunal de Contas, é de caráter auxiliar, e suas
atribuições estão disciplinadas os arts. 70 e 71 da Constituição Federal. Segundo Meirelles
(2004, p. 678), se expressam, fundamentalmente, em funções técnicas opinativas,
verificadoras, assessoradoras e jurisdicionais administrativas, desempenhadas simetricamente
tanto pelo Tribunal de Contas da União quanto pelos dos Estados-membros, do Distrito
Federal e dos Municípios que os tiverem.
Meirelles (2004, p. 678) tece as seguintes considerações sobre o controle pelo Tribunal
de Contas:
Salvo no tocante ao controle da gestão fiscal e na forma da Lei Complementar 101/2000, a atuação dos Tribunais de Contas deve ser a posteriori, não tendo apoio constitucional qualquer controle prévio sobre atos ou contratos da Administração direta ou indireta, nem sobre a conduta de particulares que tenham gestão de bens ou valores públicos, salvo as inspeções e auditorias in loco, que podem ser realizadas a qualquer tempo.
Em seguida, analisada a forma de controle externo da Administração Pública,
realizada pelo Poder Legislativo através do controle parlamentar direto e do controle efetuado
pelo Tribunal de Contas, examinar-se-á o controle externo efetuado pelo Poder Judiciário,
considerado o mais importante, pois se efetiva mediante pedido de interessados, e estudado
separadamente no próximo tópico, dada sua relevância no desenvolvimento desta pesquisa.
3.1.2 O controle judicial
Para realizar a correção das atividades administrativas ilegais, ilegítimas ou abusivas
praticadas pelo Poder Público quando esse realiza qualquer de suas funções estatais, os
60
Estados adotam um sistema administrativo ou sistema de controle jurisdicional da
Administração. (MEIRELLES, 2004, p. 52)
Gasparini (2000, p. 742) conceitua controle jurisdicional como “o controle de
legalidade das atividades e atos administrativos do Executivo, do Legislativo e do Judiciário
por órgão dotado do poder de solucionar, em caráter definitivo, os conflitos de direito que lhe
são submetidos”.
Note-se que controle jurisdicional não é sinônimo de controle judicial, pois o controle
jurisdicional pode ser feito por órgão que não seja o Poder Judiciário, dependendo do sistema
administrativo adotado.
Atualmente existem dois sistemas de organização do controle jurisdicional da
Administração: o sistema de jurisdição dupla, também chamado de contencioso
administrativo ou sistema francês e o sistema de jurisdição única, conhecido por sistema
inglês. (MEIRELLES, 2004, p. 52)
O primeiro tipo, originário da França é caracterizado pelo caráter dúplice da
jurisdição. Todas as questões controvertidas que envolvam a Administração Pública são
submetidas à apreciação da jurisdição administrativa ou contencioso administrativo, ficando
as demais questões para à jurisdição comum. (FRANÇA, 2000, p. 119)
A respeito do contencioso administrativo, sustenta Gasparini (2000, p. 745):
O Contencioso Administrativo incumbe-se de conhecer e julgar, em caráter definitivo, as lides em que a Administração Pública é parte (autora ou ré) ou terceira interessada, cabendo a solução das demais pendências ao Poder Judiciário. Nesse sistema, vê-se que a Administração Pública tem uma justiça própria, localizada fora do Judiciário. (grifo do autor)
O sistema de jurisdição dupla é usado, embora adaptado e simplificado, em vários
países, tais como Suíça, Finlândia, Grécia, Turquia, Iugoslávia, Polônia, Itália, Alemanha e
Uruguai.
Meirelles (2004, p.55) faz duras críticas a esse sistema:
[...] entre outros inconvenientes sobressai o do estabelecimento de dois critérios de justiça: um da jurisdição administrativa, outro da jurisdição comum. Além disso, como observa Ranelletti, o Estado moderno, sendo um Estado de Direito, deve reconhecer e garantir ao indivíduo e à Administração, por via da mesma Justiça, os seus direitos fundamentais, sem privilégios de uma jurisdição constituída por funcionários saídos da própria Administração e sem garantias de independências que se reconhecem necessárias à Magistratura.
Já o sistema de jurisdição única é aquele em que o Poder Judiciário tem o monopólio
da função jurisdicional, ou seja, do poder de apreciar, com força de coisa julgada, a lesão ou
ameaça de lesão a direitos individuais e coletivos, tanto no âmbito do direito privado, como
no âmbito do direito público. (FRANÇA, 2000, p. 119)
61
Portanto, todos os litígios, sejam de natureza administrativa, seja de natureza
exclusivamente privada, são solucionados judicialmente pela Justiça Comum, pelos juízes e
tribunais do Poder Judiciário, que é o único competente para proferir decisões com autoridade
final ou conclusiva. (MEIRELLES, 2004, p. 55)
Tal sistema é originário da Inglaterra, por isso é também conhecido como sistema
inglês, e adotado por diversos países como Estados Unidos, Bélgica e Romênia.
O Brasil também adotou o sistema de jurisdição única, ou seja, o controle de deslindes
administrativos, será exercido pela Justiça Comum, no qual encontra fundamento legal, no art.
5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que proíbe a lei de excluir da apreciação do Poder
Judiciário lesão ou ameaça de direito. Assim, qualquer que seja o autor da lesão, mesmo o
Poder Público, poderá o prejudicado buscar as vias judiciais. (DI PIETRO, 1998, p. 502)
O sistema de jurisdição única respeita o princípio da separação dos Poderes, mais
precisamente entre o Poder Executivo e o Judiciário, uma vez que todos os interesses, quer do
particular, quer do Poder Público, se sujeitam a uma única jurisdição: a do Poder Judiciário;
negando a possibilidade do Executivo exercer funções materialmente judiciais, ou judiciais
por natureza, e de emprestar às suas decisões força e definitividade próprias do julgamentos
judiciários. (MEIRELLES, 2004, p. 58)
Assim, o controle judicial ou judiciário da Administração é aquele exercido
exclusivamente pelos órgãos do Poder Judiciário sobre as atividades e atos administrativos
praticados pelo Poder Executivo, pelo Poder Legislativo ou pelo próprio Poder Judiciário,
quando realizam atividades administrativas. (MEIRELLES, 2004, p. 679)
Cabe ao Poder Judiciário intervir, quando solicitada à atividade jurisdicional, no
sentido de apreciar as controvérsias e conflitos suscitados por quem se ache prejudicado frente
algum ato da Administração.
O controle judicial dos atos administrativos é feito mediante provocação do
interessado, por meio de ações específicas de acordo com o caso concreto e são as mais
variadas possíveis.
Segundo Mello (2004, p. 837), dentre as medidas judiciais intentáveis para correção da
conduta administrativa, afora as comuns ao Direito Privado, tem-se como por exemplo, as de
defesa ou reintegração de posse ou as ações ordinárias de indenização e as cautelares em
geral. O mesmo jurista destaca algumas específicas para enfrentar atos ou omissões de
autoridade pública, elencando as seguintes: habeas corpus, o mandado de segurança,
individual ou coletivo, o habeas data, o mandado de injunção, a ação popular, a ação civil
pública e a ação direta de inconstitucionalidade, por ação ou omissão.
62
Não seria pertinente aprofundar aqui o estudo de tais espécies de medidas judiciais,
apenas citadas a título ilustrativo, visto que implicaria em fuga do tema central deste trabalho,
que consiste no controle judicial dos atos administrativos dotados de mérito e a delimitação de
seu exercício, os quais serão tratados a seguir.
3.2 O CONTROLE JUDICIAL DO ATO ADMINISTRATIVO DISCRICIONÁRIO
A partir da redação do art. 1º da Constituição Federal de 1988, o qual leciona que “a
República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito”, conclui -se
que o administrador, quando pratica um ato administrativo, deve respeitar o limite legal,
consoante se caracteriza o Estado de Direito, e também deve atender o interesse público, isto
é, respeitar o Estado Democrático.
No Estado Democrático de Direito, por força do fato de que todo poder emana do
povo e da tripartição no exercício do poder, as atividades estatais, incluídas aí as
administrativas, nada mais são do que o cumprimento da vontade do povo, dos administrados.
Quando o agente público, no cumprimento de suas funções, para atender o interesse
coletivo e também à lei, realiza um ato administrativo discricionário, deve se ater em primeiro
lugar se esse ato está em consonância com a mesma, ou seja, se os seus elementos vinculados
(competência, forma e finalidade) estão conforme prescreve a lei e em segundo lugar, se o uso
de seu poder discricionário quando avaliou o mérito do ato (motivo e objeto), não invadiu a
esfera de direitos e garantias do administrado.
Caso ele não se atenha a essas premissas, os atos administrativos discricionários serão
submetidos ao controle do Poder Judiciário, com o propósito de garantir a obediência à lei e
ao bem comum, bem como o atendimento ao interesse e aos anseios da coletividade por parte
do administrador público. (SOARES, 1999, p. 21)
A respeito do controle judicial dos atos administrativos ensina Araújo (1992, p. 132):
Todo e qualquer ato administrativo poderá ser levado ao controle pelo Judiciário, seja por ações ordinárias, seja especiais, que ao faze-lo, a parte que provoca o pronunciamento do juiz, leva-o a examinar todo o ato, em seus requisitos, em seu conteúdo e em sua forma. Desse exame verificará o juiz quais os aspectos vinculados e quais os discricionários do ato.
O controle judicial dos atos administrativos, de acordo com a doutrina e jurisprudência
pátrias majoritárias, caracteriza-se por ser realizado de forma a posteriori, ou seja, após a
63
conclusão do ato impugnado, cuja desconformidade com o ordenamento jurídico somente será
apreciada se levada à apreciação judicial pela ação adequada. (FRANÇA, 2000, p. 121)
Assim, o administrado que se achar prejudicado frente a algum ato administrativo,
bem como desrespeitado em suas garantias e direitos individuais, poderá e deverá socorrer-se
ao Poder Judiciário para restauração desses direitos ameaçados pela Administração, mediante
ação específica, cujas conseqüências mais comuns, segundo Medauar (1993, p. 179), são: a
suspensão de atos ou atividades, pela qual o Poder Judiciário inviabiliza ou paralisa a
continuidade dos efeitos ilegais que eram pretendidos pela Administração, a anulação do ato
eivado de ilegalidade, ordenando que não se produzam efeitos e retirando-o do regime
jurídico-administrativo; a imposição de fazer ou deixar de fazer, a determinação judicial de
uma conduta específica para a Administração; a imposição de pagar, de honrar os débitos da
Fazenda Pública; e, a imposição de indenizar, quando suscitada a responsabilidade civil do
Estado.
Para analisar um ato administrativo discricionário e verificar a sua conformidade com
a lei, tem importância fundamental a sistematização dos elementos que compõem o ato, já
estudados no segundo Capítulo, uma vez que os vícios e defeitos que incidem sobre os
mesmos serão objeto de apreciação pelo Judiciário de forma a verificar em cada elemento sua
adequação com a norma legal.
No que diz respeito aos atos discricionários, o Judiciário pode apreciar os aspectos da
legalidade, ou seja, os elementos competência, forma e finalidade sem maiores problemas,
pois cabe apenas confrontá-los com a norma legal e assim verificar se estão de acordo com a
mesma.
No que tange aos aspectos discricionários, na análise dos elementos motivo e objeto,
os quais constituem o mérito do ato, há bastante debate na doutrina, pois desde que surgiu a
concepção de mérito, existe uma certa insistência na insindicabilidade do mesmo, e até os dias
atuais, vem-se limitando, paulatinamente e cada vez mais, a discricionariedade administrativa
com o intuito de submetê-la ao controle judicial.
Portanto, ao se pensar em ato administrativo discricionário o controle judicial dos
mesmos, entendido como à apreciação efetuada pelo Poder Judiciário quando esse é
provocado, pode efetuar-se de duas formas distintas, a saber: o controle da legalidade e o
controle do mérito.
Conforme Medauar (1993, p. 171), pode-se dizer que o aspecto da legalidade diz
respeito à conformação do ato administrativo às normas jurídicas que o norteiam e o mérito
significa a apreciação pertinente à conveniência e oportunidade do ato administrativo.
64
3.2.1 O controle judicial da legalidade do ato administrativo discricionário
No exame da legalidade cumpre ao Poder Judiciário examinar o ato administrativo
discricionário em todos os seus aspectos vinculados, quais sejam: competência, finalidade e
forma, pois estes se encontram definidos na norma, ou seja, a lei constrói o ato administrativo
discricionário com as especificações necessárias desses elementos para sua correta aplicação,
indispensáveis a plena eficácia jurídica dos mesmos.
Assim, todo o ato administrativo discricionário tem um mínimo de vinculação, pois a
lei não abdica de indicar a competência, a finalidade e a forma destes possibilitando o
controle de legalidade, meramente formalista, uma vez que a lei disciplinou o modo de atuar
do administrador quando vinculou os elementos competência, finalidade e forma.
A competência como condição primeira de validade de qualquer ato e sendo um
elemento sempre vinculado, enseja a premissa de que nenhum ato discricionário pode ser
realizado validamente sem que o agente disponha de poder legal para praticá-lo.
Conforme visto, os poderes são prerrogativas conferidas ao administrador público para
o desempenho de suas atribuições que devem visar sempre à satisfação dos interesses
coletivos. Assim, o uso desses poderes, segundo os termos e limites da lei, a moral da
atividade administrativa, a finalidade e as exigências públicas, constitui atuação correta,
normal e legítima do administrador para a consecução dos fins públicos.
Acerca da utilização e dos limites dos poderes administrativos conferidos ao agente
público, discorre Meirelles (2004, p. 108):
O poder administrativo concedido à autoridade pública tem limites certos e forma legal de utilização. Não é carta branca para arbítrios, violência, perseguições ou favoritismos governamentais. Qualquer ato de autoridade, para ser irrepreensível, deve conformar-se com a lei, com a moral da instituição e com o interesse público. Sem esses requisitos o ato administrativo expõe a nulidade.
Ocorre, porém, que nem sempre o poder é utilizado de forma adequada pelos
administradores públicos. O seu emprego pode ser desproporcional, sem amparo em lei, sem
utilidade pública. Evidentemente, a atuação nessas condições será ilícita, nula, devendo assim
ser declarada pela própria Administração Pública e pelo Poder Judiciário quando provocado.
Assim, a utilização desproporcional do poder, o emprego arbitrário da força, a
violência contra o administrado, constituem formas de abuso do poder estatal não toleradas
pelo Direito e, principalmente, nulificadoras dos atos que as encerram. (MEIRELLES, p. 108,
2004)
65
Essa atuação ilegítima, ilegal e abusiva da Administração Pública caracteriza uma das
figuras mais intoleráveis no âmbito do controle da competência outorgada ao administrador
para a perseguição do interesse público: o chamado abuso de poder.
Segundo Meirelles (2004, p. 108), ocorre abuso de poder “quando a autorid ade,
embora competente para praticar o ato, ultrapassa os limites de suas atribuições ou se desvia
das finalidades administrativas”.
Um aspecto a ser ressaltado é que o abuso de poder pode ocorrer tanto na forma
comissiva quanto na omissiva, ou seja, pode resultar de uma ação positiva do administrador,
quanto de uma omissão legal.
É o que ensina Meirelles (2004, p. 109):
O abuso de poder tanto pode revestir a forma comissiva como a omissiva, porque ambas são capazes de afrontar a lei e causar lesão a direito individual do administrado. A inércia da autoridade administrativa - observou Caio Tácito -, deixando de executar determinada prestação de serviço que por lei está obrigada, lesa o patrimônio jurídico individual. É forma omissiva de abuso de poder, quer o ato seja doloso ou culposo.
Do conceito de abuso de poder, pode-se concluir que este divide-se em duas
modalidades, em duas espécies bem caracterizadas: a ação do agente fora dos limites de sua
competência (excesso de poder) e a ação do agente, embora dentro de sua competência,
afastada do interesse público (desvio de poder).
No tocante ao elemento competência, quando esta é exercida além dos limites
estabelecidos em lei, enseja lugar a modalidade de abuso de poder denominada excesso de
poder.
Assim, ocorre excesso de poder quando o agente age fora dos limites de sua
competência administrativa, invadindo competência de outros agentes ou praticando
atividades que a lei não conferiu. Enfim, a autoridade, embora competente para praticar o ato,
vai além do que lhe permitiu a lei, exorbitando no uso de sua competência.
Como se vê, em qualquer caso, a modalidade de abuso de poder conhecida como
excesso de poder decorre de vício no elemento competência, quando esta é exercida além
daquilo que a lei permite, ensejando nulidade do ato, e sendo perfeitamente apreciada pelo
Poder Judiciário.
Nesse sentido os ensinamentos de Meirelles (2004, p. 110):
Essa conduta abusiva, através do excesso de poder, tanto se caracteriza pelo descumprimento frontal da lei, quando a autoridade age claramente além de sua competência, como, também, quando ela contorna dissimuladamente as limitações da lei, para arrogar-se poderes que não lhe são atribuídos legalmente. Em qualquer dos casos há excesso de poder, exercido com culpa ou dolo, mas sempre com violação da regra de competência, o que é o bastante para invalidar o ato assim praticado.
66
Sobre o vício relativo à competência do agente, Silva (2001, p.56) enumera sua
ocorrência:
O defeito relativo à competência do agente ocorre quando o ato é praticado (1) por usurpador de função pública, ou seja, por pessoas sem título algum ou sem estar regularmente investido exerce uma função pública, o que constitui até mesmo um ilícito penal (Código Penal, art. 328), inexistindo, então, o pressuposto subjetivo do ato, o que leva uma parte da doutrina a falar em ato administrativo inexistente; (2) com abuso de poder, caso em que se verifica uma exorbitância do agente no exercício de suas funções; (3) com invasão de poderes, hipótese em que além de atuar fora de sua esfera legítima de atuação o agente invade a de outrem.
O excesso de poder não deve ser confundido com a outra modalidade de abuso de
poder, denominada de desvio de poder ou desvio de finalidade, em que o administrador viola
o elemento finalidade do ato administrativo, por atender outro fim que não o interesse
público.
Assim como no exame do elemento competência, também na apreciação da finalidade
do ato discricionário, o Poder Judiciário comparece com o fito de controlar a legitimidade da
atuação administrativa.
Analisando a evolução histórica a respeito do controle jurisdicional da
discricionariedade administrativa, no que se refere especificamente aos atos administrativos,
esses podiam ser apreciados pelos tribunais franceses, que essencialmente verificavam os
casos de vícios de forma e/ou competência, cabendo o chamado recurso por excesso de poder,
se caso confirmassem esses vícios, havendo assim um controle dos atos quanto à legalidade
no sentido formal. (CADEMARTORI, 2001, p. 55)
No início do século XX surgiram conceitos como moralidade administrativa e boa
administração em contraposição à legalidade puramente formal, ajudando a abrir caminho
para a elaboração da teoria do desvio de poder, quando se firmou o entendimento de que o
recurso por excesso de poder compreendia não somente os vícios de competência e forma,
mas também, os vícios de finalidade de todos os atos administrativos, possibilitando, desta
forma, o controle judicial do fim de tais atos. (CADEMARTORI, 2001, p. 56)
Sobre o surgimento da teoria do desvio de poder, escreve Silva (p.54, 2001):
A teoria do detournent de pouvoir foi elaborada pelo Conselho de Estado Francês com o objetivo de estabelecer uma forma de controle sobre os atos administrativos a partir do famoso caso Lesbats, decidido em 25/02/1864 e confirmado em 7/6/1865, no qual se firmou o entendimento de que o recurso por excesso de poder, compreendia o caso em que a autoridade praticasse determinado ato no uso de seus poderes legais, porém visando a fim diverso daquele previsto na regra de competência.
67
Cademartori (2001, p.57) faz referência à discussão na doutrina de qual teria sido o
arresto pioneiro a gerar tal controle sobre o desvio de poder ou finalidade, sendo que alguns
citam o caso Lesbats, de 25/02/1864 e outros o caso Vernes de 16/05/1858, existindo ainda a
menção de que antes da jurisprudência do Conselho Francês, a justiça comum já havia
declarado a ilegalidade de um regulamento que não tinha outro fim a não ser satisfazer um
interesse privado.
No Brasil é considerado o primeiro caso em termos de controle jurisdicional dos atos
administrativos discricionários um acórdão, cujo relator foi o Desembargador do Tribunal de
Justiça do Rio Grande do Norte, Miguel Seabra Fagundes, que acolheu a noção de desvio de
finalidade na década de quarenta, rompendo com o modelo vigente àquela época.
O referido acórdão prolatado em 28/07/1948 teve como objeto um mandado de
segurança, através do qual se questionou a legitimidade do exercício do poder de polícia pela
autoridade estadual, que fixou horário para o tráfego de determinada empresa de ônibus,
vindo a prejudicá-la em benefício de sua concorrente, sem que nenhuma melhoria adviesse ao
funcionamento do serviço público de transporte coletivo. (SILVA, 2001, p. 64)
Por se tratar do primeiro caso brasileiro em termos de controle judicial dos atos
administrativos discricionários, cabe transcrever a ementa da referida decisão:
PODER DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO – ABUSO DESSE PODER – MANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO No que concerne à competência, à finalidade, e à forma, o ato discricionário está tão sujeito aos textos legais como qualquer outro. O ato que, encobrindo fins de interesse público, deixe à mostra finalidades pessoais, poderá cair na apreciação do Poder Judiciário, não obstante originário do exercício de competência livre. O ‘fim legal’ dos atos da Administração pode vir expresso ou apenas subentendido na lei. O direito que resulta, não da letra da lei, mas do seu espírito, exsurgindo implicitamente do texto, também pode apresentar a liquidez e certeza que se exigem para a concessão do mandado de segurança. (Revista de Direito Administrativo, São Paulo, v.14, p. 52, out-dez, 1948)
O acórdão em questão representou grande avanço na jurisprudência brasileira por ter
rompido com a antiga praxe da insuscetibilidade na apreciação dos atos administrativos
discricionários pelo Poder Judiciário.
Assim, a teoria do desvio de poder ou desvio de finalidade, nas palavras de Mello
(2000, p. 57) “consiste no manejo de um plexo de poderes (competência) procedido de molde
a atingir um resultado diverso daquele em vista do qual está outorgada a competência. O
agente evade do fim legal, extravia-se da finalidade cabível em face da lei”.
O desvio de poder apresenta-se em duas modalidades: a primeira é quando o agente
administrativo, usando de uma competência que em abstrato possui, busca uma finalidade
68
alheia a qualquer interesse público, atuando para alcançar um fim pessoal. Em outra
modalidade, servindo-se também, de competência que em abstrato possui, pretende atender
uma finalidade pública que, não é aquela própria, específica, da competência utilizada, tendo-
se valido de uma competência inadequada, de direito, para o atingimento da finalidade
almejada. (MELLO, 2000, p. 59)
Assim, o agente mesmo que competente deverá circunscrever-se ao uso dos meios que
o Direito reputou correspondentes à finalidade almejada. Portanto, cada ato e
conseqüentemente, cada competência para praticá-lo, são, pelas regras de Direito,
endereçadas a uma dada finalidade, não sendo, portanto, intercambiáveis.(MELLO, 2000, p.
60).
Em ambos os casos, em se tratando de um comportamento que se desvirtua do fim
legal, é uma transgressão da lei e por isso, o controle jurisdicional do desvio de poder é um
controle de estrita legalidade. De modo algum invade a margem de liberdade administrativa,
isto é, a discrição que a lei haja conferido ao agente. (MELLO, 2000, p. 57)
Do mesmo entendimento compartilha Silva (2001, p. 66): “O desv io de finalidade
incide, sobre o pressuposto teleológico do ato, o qual é fixado pela norma jurídica que
autoriza sua prática. Daí se concluir que o desvio de finalidade constitui um vício de
legalidade, ensejando a anulação do ato”.
Assim, se a finalidade é viciada ocorre o vício ou defeito, conhecido pelo nome de
desvio de poder ou desvio de finalidade, o que inutiliza irremediavelmente o ato, permitindo
ao prejudicado o recurso ao Judiciário que o anulará.(CRETELLA JUNIOR, a, 1998, p. 272)
A lei regulamentar da Ação Popular (Lei nº 4.717/65), em seu art. 2º, consignou
definitivamente o desvio de finalidade entre os casos de nulidade do ato administrativo,
considerando caracterizado quando o agente pratica ato visando a fim diverso daquele
previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência. Assim, com essa conceituação
legal, o desvio de finalidade entrou definitivamente em nosso ordenamento jurídico positivo
como causa de nulidade dos atos da Administração. (MEIRELLES, 2004, p.111)
Deste modo, a finalidade é requisito sempre vinculado do ato administrativo, assim,
quando não esteja expressa, está implícita que a finalidade almejada é sempre o interesse
público. O objetivo mediato de toda atuação pública é o interesse público. Esta finalidade
pode estar expressa ou implícita na lei, não existindo qualquer liberdade para o administrador.
Assim, o desrespeito a esse elemento conduz, não só ao vício abuso de poder na
modalidade de desvio de finalidade, mas implica também, violação direta à própria Carta
69
Política, que estatui os princípios da impessoalidade e da moralidade como norteadores de
toda a Administração Pública.
Neste sentido os ensinamentos de França (2000, p. 152):
O ato administrativo não pode conter outra finalidade senão a identificada na lei e a adequada para o caso concreto, como determina o princípio da impessoalidade. A violação da finalidade legal consiste em desrespeito ideológico ao ordenamento jurídico, na afronta ao princípio da impessoalidade, acarretando na invalidação possível do ato por desvio de poder.
No Estado de Direito, o controle da finalidade dos atos administrativos constitui uma
garantia para os cidadãos, não apenas por fornecer a segurança de que o Poder Público só
pode buscar as finalidades estipuladas nas leis, mas também, a de que ao buscá-las, terá de
cingir-se à utilização de meios que o Direito antecipadamente concebeu como sendo
adequados para o atingimento de cada uma delas.(MELLO, 2000, p. 60)
O último elemento vinculado do ato administrativo discricionário a ser analisado é a
forma, cuja inobservância vicia substancialmente o ato, tornando-o passível de invalidação,
desde que necessária à sua perfeição e eficácia. (MEIRELLES, 2004, p.151)
Segundo França (2000, p. 146), a forma é também elemento vinculado do ato
administrativo discricionário, sendo vedado ao administrador, mediante seu juízo de
oportunidade, criar forma no exercício de competência administrativa, pois a forma, no direito
público pátrio, é usualmente determinada pela lei.
Nos termos da Lei da Ação Popular (Lei 4717/65) considera-se vício de forma “a
missão ou observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou
seriedade do ato” (art. 4º, b). Assim, no que diz respeito à forma do ato, esse restará inquinado
de vício quando for violada aquela estipulada como necessária a sua prática. (SILVA, 2001, p.
74)
Acerca do vício de forma escreve Silva (2001, p. 76):
O vício de forma, por sua vez, atinge aspectos relacionados à exteriorização do ato, existindo evidentemente uma gradação quanto à essencialidade do elemento forma, devendo ser esta aferida em função do atendimento dos princípios constitucionais norteadores da Administração Pública e do respeito aos direitos do administrados.
A forma não enseja apreciação discricionária, pois ao contrário do direito privado,
onde esse elemento é deixado à autonomia da vontade do particular, no direito administrativo,
a forma usualmente é predeterminada pela lei, não cabendo à Administração Pública criar
forma através da discricionariedade administrativa. (FRANÇA, 2000, p. 98)
Deste modo, o controle judicial da legalidade do ato administrativo discricionário
dispensa a apreciação do mérito do ato, pois a supremacia da lei material e formal basta para
invalidar o ato administrativo que padece dos vícios de competência, finalidade e forma.
70
Cabe ao Judiciário, quando provocado apreciar a legalidade de um ato administrativo
discricionário e verificar a conformidade desses elementos com a lei, decretando sua nulidade
caso reconhecer que essa conformidade inexistiu.
Com efeito, os vícios relativos a esses elementos, por estarem definidos na norma, são
facilmente identificáveis pelo Juiz. Tarefa difícil é controlar as nulidades relativas a má
apreciação da oportunidade e conveniência do ato administrativo discricionário, ou seja, o seu
mérito, como se verá adiante.
3.2.2 O controle judicial do mérito do ato administrativo discricionário
Ao longo da história verdadeira batalha foi travada, com destaque do modelo francês,
no sentido de coibir a arbitrariedade administrativa. Assim, o ato inteiramente discricionário
passa a ser repudiado nas diferentes legislações, chegando-se a um ponto bastante reduzido de
discricionariedade propriamente dita do ato administrativo, a saber, o seu mérito. Entendendo-
se como tal, a valoração intrínseca do ato com vistas à delimitação de sua conveniência e
oportunidade, sempre de acordo com o interesse público. (SOARES, 1999, p. 13-14)
Conforme se viu no Capítulo 2 deste trabalho, o mérito se localiza na análise
elemental do ato administrativo, nos elementos motivo e objeto do mesmo, pois a lei pode não
definir o motivo do ato, ou quando o define, utiliza-se de noções vagas; e pode também,
prever vários objetos possíveis para atingir o mesmo fim, exigindo assim, o juízo de
oportunidade e conveniência do administrador para decidir entre as soluções, o que melhor
atende ao interesse público.
Assim, o administrador valora os motivos e escolhe o objeto do ato administrativo
discricionário, pautando-se no binômio oportunidade-conveniência, na função de integrar os
elementos motivo e objeto do ato. Por isso, diz-se que a oportunidade e a conveniência são
dimensões de mérito. (MOREITA NETO, 1989, p. 33)
Neste norte, registra França (2000, p. 103):
A conveniência e a oportunidade são elementos utilizados na técnica discricionariedade na formação do mérito, seu resultado final, a fim de satisfazer um interesse público específico contido no texto normativo. Enfim, a discricionariedade define os aspectos que devem ser deixados ao juízo de oportunidade da administração, passando o mérito a conter todos os aspectos edificados pelo binômio conveniência-oportunidade.
Para Moreira Neto (1989, p. 41) oportunidade vincula-se ao motivo do ato, sendo
oportuno quando existam e bastem os motivos de fato e de direito de sua edição, e a
71
conveniência diz respeito ao objeto do ato, dizendo-se conveniente quando a escolha do seu
objeto leva à produção de um resultado que, em tese, atende à finalidade para a qual é
praticado.
A doutrina clássica tem estabelecido o mérito do ato administrativo como limite ao
controle da Administração Pública pelo Poder Judiciário. Os que defendem essa tese
acreditam que o Poder Judiciário não pode adentrar o mérito do ato administrativo, sob pena
de substituir o juízo de valor do administrador, mais afeito às coisas da Administração, pelo
seu próprio juízo valorativo. Essa substituição caracterizaria a invasão de um Poder na esfera
de outro, a violação do princípio da separação e independência dos poderes. (SOARES, 1999,
p.14)
Todavia, o desenvolvimento e crescimento da Administração Pública ao longo do
tempo, trazendo para si uma gama cada vez maior de atividades e funções, acabou por
incentivar extrapolações, abusos e excessos na utilização de suas prerrogativas. Deste modo, a
preocupação com limites mais amplos de controle dos atos administrativos discricionários, no
combate desses abusos, vem ganhando espaço na doutrina moderna.
Assim, algumas teorias foram elaboradas no intuito de fixar limites ao exercício do
poder discricionário, de modo a ampliar a possibilidade de sua apreciação pelo Poder
Judiciário. Uma das teorias é a teoria do desvio de poder, formulada com o objetivo de
controlar a finalidade do ato administrativo e outra teoria, que tem por fito o controle de um
dos elementos do mérito – o motivo – do ato administrativo discricionário é a teoria dos
motivos determinantes.
Conforme visto, o motivo é a situação de fato ou de direito que serve de fundamento
para a prática do ato. A situação de direito é aquela descrita na lei como condição
determinante para a expedição do ato. Neste caso, estar-se diante de um ato vinculado. E a
situação de fato corresponde ao conjunto de circunstâncias que levam a Administração a
praticar o ato, deixando a cargo do administrador a avaliação quanto à existência e valoração
dos motivos, pois esses não estão previstos na lei, tratando-se de ato discricionário.
Quando a administração expõe os motivos que determinaram a prática do ato, ou seja
exterioriza-os demonstrando, por escrito, que os pressupostos de fato ou de direito
autorizadores do ato efetivamente existiram, diz-se que houve a motivação.
Segundo Leite (1981, p. 27) motivação “é a exposição dos motivos que induzem a
Administração a proceder a emanação do ato administrativo”.
Para Mello (2004, p. 366) motivação “é a exposição dos motivos, a fundamentação na
qual são enunciados (a) a regra de Direito habilitante, (b) os fatos em que o agente se estribou
72
para decidir e, muitas vezes, obrigatoriamente, (c) a enunciação da relação de pertinência
lógica entre os fatos ocorridos e o ato praticado”.
Na doutrina vislumbra-se uma discussão no tocante a obrigatoriedade de motivação.
Deste modo, há doutrinadores que consideram obrigatória a motivação apenas quando a lei
imponha, outros fazem-na depender da natureza do ato, quer a lei haja exigido explicitamente
sua enunciação, quer haja silenciado a respeito, e finalmente, há aqueles que entendem que a
motivação é sempre obrigatória. (MELLO, 2004, p.367)
A primeira corrente vem gradativamente perdendo força na doutrina e jurisprudência,
sendo a posição mais antiga e retrógrada, não merecendo maiores comentários.
Já a segunda corrente faz distinção da motivação nos atos administrativos vinculados e
nos atos discricionários. Para alguns, ela é obrigatória quando se trata de ato vinculado, pois
nesse caso a administração deve demonstrar que o ato está em conformidade com os motivos
indicados em lei. Para outros, ela é somente obrigatória no caso dos atos discricionários, pois
sem ela não se teriam meios de conhecer e controlar a legitimidade dos motivos que levaram a
Administração a praticar o ato. (DI PIETRO, 1998, p. 175)
A teoria dos motivos determinantes surgiu exatamente para regular os casos em que a
lei silencia a respeito da motivação, sendo de maior utilidade nos atos discricionários, pois
nos atos vinculados já se está definido na lei qual a providência qualificada como hábil e
necessária ao atendimento do interesse público. Assim, o que importa é ter ocorrido o motivo
perante o qual o comportamento era obrigatório, passando para o segundo plano a questão da
motivação. (MELLO, 2004, p. 369)
No caso de atos discricionários, o motivo não foi previsto em lei, ficando o agente
com a faculdade discricionária de praticar o ato sem motivação, mas se o fizer vincula-se aos
motivos aduzidos, sujeitando-se a obrigatoriedade de demonstrar sua efetiva ocorrência.
(MEIRELLES, 2004, p. 152)
Portanto, segundo a teoria dos motivos determinantes, quando a Administração declara
o motivo que determinou a prática de um ato discricionário que, em princípio, prescindiria de
motivação expressa, fica vinculada à existência do motivo por ela declarado.
Esse motivo indicado, entendido como a justificativa da realização do ato, deve existir
e ser legítimo, sendo assim, em havendo desconformidade entre a realidade e o motivo
declarado ou não sendo ele causa justificável, torna-se possível à declaração da invalidade do
ato pelo Poder Judiciário.
No mesmo entendimento, a respeito da teoria dos motivos determinantes, corrobora
Mello (2004, p. 370):
73
De acordo com esta teoria, os motivos que determinaram a vontade do agente, isto é, os fatos que serviram de suporte à sua decisão, integram a validade do ato. Sendo assim, a invocação de “motivos de fato” falsos, inexistentes ou incorretamente qualificados vicia o ato mesmo quando, conforme já se disse, a lei não haja estabelecido antecipadamente, os motivos que ensejariam a prática do ato. Uma vez anunciados pelo agente os motivos em que se calçou, ainda quando a lei não haja expressamente imposto a obrigação de enunciá-los, o ato só será válido se estes realmente ocorreram e o justificavam. (grifo do autor)
Com o advento da Lei nº 9.784/99, a motivação alcançou a categoria de princípio (art.
2º, inciso VII), quando esta dispõe que nos processo administrativos no âmbito da
Administração Pública Federal serão observados entre outros critérios o da “indicação dos
pressupostos de fato e de direito que determinaram a decisão”. Porém, na mesma lei, em s eu
art. 50, há um elenco de atos que deverão ser motivados nas hipóteses ali indicadas, levando à
conclusão de que exclui o dever de motivar fora dos casos que arrolou em seus incisos I a
VIII22. (MELLO, 2004, p. 369)
Assim, interpretando literalmente a redação do art. 50, alguns doutrinadores acreditam
que para tais atos, como a lei expressamente exige a enunciação da motivação, esses deverão
ser motivados pelo agente, e para outros atos, cuja lei não exigiu a exposição dos motivos,
poderão ser editados sem a respectiva motivação, embora o art. 2º haja generalizado o dever
de motivar23. (MELLO, 2004, p. 369)
Todavia, em face da evolução do Estado Democrático de Direito e dos princípios,
entre outros, do amplo acesso ao Judiciário, da ampla defesa e do contraditório, da isonomia,
da publicidade, de proporcionalidade, da razoabilidade, da moralidade e da impessoalidade, os
22 Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando: I – neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções; III – decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV – dispensem ou declarem a inexigibilidade de processo licitatório; V – decidam recurso administrativo; VI – decorram de reexame de ofício; VII – deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, ludos, propostas e relatórios oficiais; VIII – importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato administrativo. § 1º A motivação deve ser explícita, clara e congruente, podendo consistir em declaração de concordância com fundamentos de anteriores pareceres, informações, decisões ou propostas, que, neste caso, serão parte integrante do ato. § 2º Na solução de vários assuntos da mesma natureza, pode ser utilizado meio mecânico que reproduz os fundamentos das decisões, desde que não prejudique direito ou garantia dos interessados. § 3º A motivação das decisões de órgãos colegiados e comissões ou de decisões orais constará da respectiva ata ou de termo escrito. 23 Art. 2º. Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, segurança jurídica, interesse público e eficiência. § 1º Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: [...] VII – indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão.
74
administrativistas mais modernos têm realçado a obrigatoriedade de motivação expressa nos
casos em que a lei não obriga e também, nos atos administrativos discricionários, como regra
geral, construindo assim, a terceira corrente.
Neste sentido, ressalta Araújo (1992, p. 105):
Existe efetivamente, relação entre o dever de motivar e a conformação política do Estado democrático. A dignidade que se atribui, destarte, à motivação do ato administrativo tem sua tradução jurídica no regime jurídico-administrativo, componente essencial do moderno Estado, que se pretende representante e responsável perante a sociedade.
Do mesmo entendimento, compartilha Mello (2004, p. 368):
Parece-nos que a exigência de motivação dos atos administrativos, contemporânea à prática do ato, ou pelo menos anterior a ela, há de ser tida como uma regra geral, pois os agentes administrativos não são donos da coisa pública, mas simples gestores de interesses de toda a coletividade, esta sim, senhora de tais interesses, visto que,nos termos da Constituição , “todo poder emana do povo (...)” (art. 1º, parágrafo único). Logo, parece óbvio que, praticado o ato em um Estado onde tal preceito é assumido e que, ademais, qualifica-se como um “Estado Democrático de Direito” (art. 1º, caput), proclamando, ainda, ter como um de seus fundamentos a “cidadania” (inciso II), os cidadãos e em particular o interessado no ato têm o direito de saber por que foi praticado, isto é, que fundamentos o justificam. (grifo do autor)
Com efeito, a motivação clarifica o causa do ato e possibilita aos afetados por ele o
mais amplo conhecimento das razões que levaram a sua emissão, construindo o
aperfeiçoamento do exercício da função administrativa, na interpretação do ato e seu controle,
seja por parte da própria administração, seja pelo Judiciário, pelo Legislativo ou pela opinião
pública.(ARAÚJO, 1992, p. 107)
Moreira Neto (1989, p. 43), define cinco limites de oportunidade à discricionariedade,
quais sejam: a existência do motivo, pois a discricionariedade não vai ao ponto de admitir a
prática de um ato fundado em motivo inexistente; a suficiência do motivo, ou seja, nenhum
ato se sustenta em pressuposto que não baste a sua realização; a adequabilidade do motivo,
visto que os motivos devem ser adequados à natureza jurídica do ato praticado; a
compatibilidade do motivo, ou seja, a coerência entre a causa e o efeito do ato e a
proporcionalidade entre o motivo e o objeto do ato.
Logicamente a existência do fato, do motivo que ensejou a prática do ato não é
subordinada ao juízo de oportunidade e sendo o fato inexato ou sua apreciação deturpada, há
quebra da juridicidade, permitindo-se ao juiz o controle dos motivos do ato administrativo
dotado de mérito. (FRANÇA, 2000, p. 147)
75
A suficiência, adequabilidade, compatibilidade e proporcionalidade do motivo são
auferidas, principalmente, pelos princípios da proporcionalidade, razoabilidade e
moralidade24.
O princípio da razoabilidade incide sobre a oportunidade, refratando os requisitos
mínimos para que se presuma que um ato discricionário obedeceu a critérios aceitáveis do
ponto de vista racional, em sintonia com o senso normal de pessoas equilibradas, sempre
atendendo o seu fim e respeitando os direitos dos administrados. Portanto, os atos que
possuem motivos desarrazoados, bizarros, incoerentes serão judicialmente invalidáveis
(MELLO, 2004, p.99)
Ainda sobre a razoabilidade, ensina Moreira Neto (2001, p. 68): “Exige -se do
administrador público uma valoração razoável dos motivos. Se ele super ou subestimar
motivos com a intenção de produzir certo resultado (objeto), que sem isso não se justificaria,
administrará mal os interesses públicos a seu cargo”.
Sob o enfoque principiológico da proporcionalidade é necessário que a oportunidade
se apresente como aquela adequada, compatível e coerente com o objeto em tese visado.
Igualmente não é moral o ato que se paute em motivo insuficiente, inadequado,
incompatível e desproporcional.
A moralidade fundamenta-se nas regras de boa administração, na ética da conduta
administrativa, valorizando o interesse público sem invadir a esfera destinada os interesses
privados. Devendo o bom administrador tomar das práticas administrativas sem violentar
desnecessariamente o administrado quanto à conveniência ou à oportunidade do ato.
(FRANCO SOBRINHO, 1993, p. 74)
Neste sentido, leciona França (2000, p.159):
O conteúdo do ato administrativo, em respeito ao princípio da moralidade, como também ao da impessoalidade e da proporcionalidade, deve ter existência jurídica viável, compatível com o interesse público expresso na lei, sacrificando somente o necessário da esfera jurídica privada para sua concretização.
Franco Sobrinho (1993, p. 69) discorre sobre a tese da moralidade administrativa, na
qual sustenta-se no elemento moral que deve integrar forçosamente o ato administrativo.
Defende que a moralidade é aliada da eficácia, da conveniência e da eqüidade. Aparecendo, a
moral, como elemento de mérito, de juízo, contra o erro, o dolo, a violência e a arbitrariedade.
Assim, o elemento moral do ato administrativo está situado em seu mérito, pois o ato
administrativo pode apresentar-se, de forma legal, a autoridade pode ser competente, os
24 Estes foram tratados no primeiro Capítulo.
76
motivos verdadeiros, o objeto lícito, e ainda assim, ser um ato imoral em virtude da intenção
do agente ou dos valores sociais que permeiam a sociedade. (SOARES, 1999, p. 57)
No entender de Cademartori (2000, p. 121) a observância ao princípio da moralidade
“consis te numa adequação da atividade estatal aos valores basilares da sociedade, cuja
moldura jurídica são os direitos fundamentais”.
O objeto do ato administrativo discricionário, ou seja, a conveniência da escolha do
objeto também está sujeita a parâmetros de controle de juridicidade administrativa. Apesar de
o ato administrativo dotado de mérito não ser precedido de prévia estipulação do seu
conteúdo, entregando sua constituição ao juízo de conveniência do administrador, não pode
haver recepção, pelo regime jurídico-administrativo, de ato cuja providência é atentatória à
ordem jurídica, inconveniente ao interesse público. Somente um conteúdo juridicamente
aceito pode ser usado pelo administrador no exercício do dever-poder discricionário.
(FRANÇA, 2000, p. 151)
Assim existem limites de conveniência à discricionariedade, que no dizer de Moreira
Neto (1989, p. 51):
São os requisitos mínimos de escolha de conteúdo que devem estar satisfeitos para que o objeto, discricionariamente definido tendo em vista os resultados jurídicos a serem produzidos, possa atender ao interesse público específico estabelecido pelo legislador como finalidade do ato administrativo.
O mesmo jurista aponta três limites de conveniência à discricionariedade:
possibilidade do objeto, ou seja, a escolha do objeto está limitada pela sua possibilidade
jurídica e física, a conformidade do objeto, visto que a discricionariedade para a escolha do
objeto não pode pautar-se numa opção que esteja em desconformidade lógica com o interesse
público contido na regra da finalidade, e eficiência do objeto, visto que a discricionariedade
não pode ser um pretexto para decisões ineficientes.
Na tarefa de escolher um objeto dentre vários possíveis estabelecidos na norma, o
administrador também deve reger-se pelos princípios anteriormente estudados, mormente aos
princípios da moralidade, razoabilidade, proporcionalidade e eficiência.
Segundo França (2000, p. 151) a razoabilidade determina que o objeto do ato esteja
em conformidade com a finalidade pública prevista na lei material, com um grau aceitável de
eficiência e coerente com o dever da boa administração do interesse público.
Cademartori (2000, p.142) afirma que um “ato que excede o grau necessário de
atendimento o escopo legal não é razoável, pois para sê-lo, deverá respeitar não só as leis
estritamente consideradas, como também os princípios de Direito Público”.
77
A respeito da moralidade, Soares (1999, p. 53) escreve:
Pode ocorrer que, na escolha entre várias alternativas, aquela realizada pelo administrador público seja legal, atenda ao interesse público, mas, ainda assim, seja imoral, revelando-se incompatível com o princípio constitucional da moralidade administrativa. A escolha feita pelo administrador, embora formalmente legal, pode contrariar valores éticos cultivados em determinada comunidade .
Através do exame da proporcionalidade verifica-se se a providência que foi tomada,
se a escolha do objeto, perante certo evento, manteve-se nos limites necessários ao
atendimento da finalidade legal, ou então, se foi mais intensa ou mais extensa do que o
necessário.(CADEMARTORI, 2000, p.142)
Consoante o princípio da eficiência, o administrador público quando escolhe o objeto
do ato e define o motivo deve selecionar a opção ótima, a que melhor atenda a finalidade da
lei. Assim tem-se que será eficiente o administrador quando escolher a opção melhor possível,
em face dos fatos e da finalidade da lei.(SANTOS, 2003, p.205)
Pessoa (apud SANTOS, 2003, p. 204) aduz que a positivação do princípio da
eficiência, devido à amplitude de suas repercussões, atua como mais um referencial de
controle do ato administrativo discricionário, constituindo no âmbito do direito administrativo
inequívoco avanço institucional.
Atuando discricionariamente, o administrador não pode optar por um objeto que seja
de eficácia duvidosa ou então menos eficiente que outros possíveis. Doravante o Judiciário,
em vista da eficiência, e diante dos argumentos claros e técnicos, poderá dizer se o ato
administrativo praticado, embora de acordo com a lei, revelou-se, concretamente, a solução
mais eficiente. (SANTOS, 2003, p. 205)
Assim, na função de bem administrar, o administrador, quando providencia o
preenchimento da dupla dimensão do mérito, ou seja, na valoração dos motivos e na escolha
objeto do ato, só cumprirá este dever se sua atuação se proceder nos limites das possíveis
soluções concretas, respeitando não só a lei, em seu sentido formal, mas aos princípios que
norteiam a Administração Pública.
Esses limites se referem à oportunidade e conveniência do ato e estão ambas sujeitas a
parâmetros legais. Pois, conforme visto, há limites quanto à oportunidade, para integrar o
elemento motivo, e há limites à conveniência, para integrar o elemento objeto. (MOREIRA
NETO, 1989, p.34)
Portanto, a discricionariedade contida nos elementos motivo e objeto do ato atua como
competência específica para valorar corretamente o motivo dentro dos limites da lei e para
escolher acertadamente o objeto, também dentro dos limites da lei. A valoração e a escolha
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realizadas fora dos limites da lei e em desatendimento aos princípios anteriormente estudados,
maculará o ato e se isto ocorrer, o Poder Judiciário deverá anular o ato. (MOREIRA NETO,
1989, p.35)
O controle do mérito do ato administrativo discricionário se acentuou a partir da
Constituição Federal de 1988, cujo texto está imerso num propósito geral de exaltação dos
direitos e garantias frente ao poder público, além da preocupação com determinados valores a
serem observados no desempenho da função administrativa. Uma das decorrências desse
espírito, é a indicação de mais parâmetros no controle da atuação discricionária da
Administração Pública, tais como os princípios da moralidade e da impessoalidade.
(MEDAUAR, 2000, p. 464)
Em seu próprio preâmbulo, a Constituição Federal de 1988, elege o bem estar comum
um dos valores supremos a ser assegurado pelo Estado Democrático e no seu art. 3º, figura
como objetivos fundamentais, entre outros, uma sociedade livre, justa e solidária e o bem de
todos. Os atos administrativos devem estar voltados à observância de tais princípios,
atendendo ao fim maior do Estado ou seja a conquista e manutenção do bem-estar comum, a
distribuição da justiça e da paz social. (SOARES, 1999, p. 61)
Para Coelho (2002, p. 47) “o exame judicial terá que levar em conta não apenas a lei, a
Constituição, mas também os valores principiológicos do texto constitucional, os standards
da coletividade”.
Portanto, a conveniência e oportunidade do ato administrativo discricionário devem
observar tais princípios, não podendo ser o mérito algo imune ao exame do Poder Judiciário, a
quem compete verificar se o administrador, a título dos critérios de conveniência e
oportunidade, não excedeu na utilização desse poder discricionário, valendo-se de sua
faculdade de livre apreciação, de forma contrária à moralidade, à proporcionalidade e à
razoabilidade administrativa. (SOARES, 1999, p. 61)
França (2000, p. 114) também compartilha deste entendimento:
No Estado de Direito, os critérios de oportunidade e conveniência devem estar necessariamente submetidas à análise de sua compatibilidade para com o direito positivo. Se o órgão controlador, mesmo sendo de natureza jurisdicional, verifica que houve a violação ideológica da lei, nada impede, numa perspectiva dogmática, a invalidação judicial do ato administrativo portador de mérito.
Assim, vislumbra-se que o Poder Judiciário deverá se pronunciar acerca da legalidade
da apreciação do mérito do ato administrativo discricionário, pois só a Justiça poderá dizer da
conformidade e dos limites de opção do agente administrativo, proclamando as nulidades e
coibindo os abusos, caso existam.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ante a pesquisa realizada, revelando a pretensão de auferir a possibilidade de controle
judicial do mérito do ato administrativo discricionário, sem abordar, e nem poderia, num
estudo deveras sucinto, as infinitas análises que envolvem o tema, que desde seu surgimento
na doutrina até os dias atuais, revela-se bastante tormentoso entre os estudiosos, pode-se tecer
algumas considerações.
De fato, a Administração Pública tem livre escolha quanto à conveniência e
oportunidade na expedição de seus atos, mesmo sobre vigilância e controle do Poder
Judiciário, ainda assim a tem. Com efeito, não poderia ser diferente, pois, se tudo fosse
regrado e pré-estabelecido na norma (o que se mostra praticamente impossível diante das
múltiplas vertentes em que as situações concretas se exteriorizam), acabaria por engessar a
atividade administrativa, a ponto de inviabilizá-la.
A preocupação com a liberdade conferida à Administração Pública, ou seja a
discricionariedade administrativa, cresce junto com a noção de Estado de Direito e com a
consagração do princípio da legalidade, que culminou na substituição da vontade do rei como
fonte do direito, pela vontade da lei, também limitadora do poder estatal.
É próprio do Estado de Direito a proteção dos administrados contra as arbitrariedades
e os desmandos da Administração Pública, de modo que a função administrativa deve ser
desenvolvida de forma subordinada à lei e aos princípios de direito que norteiam o
ordenamento jurídico como um todo.
Assim, a idéia originária de discricionariedade como espaço totalmente livre conferido
à Administração, vem se atenuando com a evolução da sociedade. Destarte, primeiro inicia-se
com uma fase de imunidade judicial da discricionariedade, que era considerada inerente aos
atos de império da Administração Pública. No início do século XIX, o Conselho de Estado da
França recebe o recurso por excesso de poder como uma exceção à regra da imunidade
jurisdicional, primeiro nos casos de vícios de incompetência, depois com relação aos vícios de
forma. Posteriormente, elaborou-se a teoria do desvio de poder, que torna ilegal o ato quando
a Administração se desvirtua da finalidade legal. Chega-se, depois, a uma fase em que o
Judiciário passa a examinar os fatos e sua relação com os motivos, pela construção da teoria
dos motivos determinantes, ou seja, além da competência, forma e finalidade, há o controle
dos motivos do ato administrativo. Finalmente, no momento atual, já se tem plena aplicação
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da possibilidade de controle através dos princípios gerais de direito, tais como
proporcionalidade, razoabilidade, moralidade e eficiência.
Quando se trata de ampliar a zona de apreciação atribuída ao Poder Judiciário, não se
pretende substituir o juízo de oportunidade e conveniência feito pelo administrador, mais
afeito os meandros da atividade administrativa, pelo critério pessoal do juiz. Não se objetiva
sobrepor o juízo subjetivo do juiz a outro igualmente admissível, proporcional, razoável e
moral. Neste caso, pode-se afirmar que houve a intromissão indevida, violação do princípio
da separação e independência dos poderes.
Porém, em havendo a Administração Pública, fundamentado sua análise de
oportunidade e conveniência numa construção insustentável, desproporcional, desarrazoada
ou imoral, visivelmente inadequada e inoportuna para o alcance do interesse público e do fim
legal, não há impedimento algum a intervenção do Judiciário.
Num Estado Democrático de Direito, que tem a responsabilidade de assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a apatia do Poder Judiciário em não apreciar o
mérito do ato administrativo não encontra mais fundamento. A própria Constituição Federal
de 1988, em seu art. 5º, inciso XXXV aponta o Judiciário como órgão competente para a
“apreciação e o deslinde dos conflitos sociais, inclusive os de natureza administrativa” e
principalmente se mostrou inovadora em termos de controle da Administração Pública,
quando positivou alguns princípios inerentes à própria Administração Pública, fazendo com
que suas regras a respeito do tema, fossem um marco na evolução da democracia brasileira.
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