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A breve história de um jornal alternativoA voz alternativa na imprensa paraibana
No final da década de 1970, o Brasil
passou por momentos decisivos na sua
história. Com o enfraquecimento da
ditadura, após mais de dez anos de
intransigência, o país atravessou um lento
processo de transição rumo à democracia. Foi
nessa época que as leis que ajudaram no
processo de abertura política começaram a
entrar em vigor, fazendo com que a oposição
buscasse mais espaço. Embora a abertura
política tenha se dado em 1982, alguns anos
antes a imprensa já tinha conquistado, aos
poucos e a duras penas, uma discreta
liberdade de expressão.
Apesar dessas evoluções, voltadas
para a redemocratização do país, o Brasil
estava longe de ser livre e muitos dos direitos
dos cidadãos não eram efetivamente
respeitados. Foi nessa conjuntura favorável
que os jornais alternativos aproveitaram para
se difundir. Muitos foram lançados e outros,
já existentes, ganharam mais espaço, a
exemplo de O Pasquim, Opinião e
Movimento.
Na Paraíba, especificamente, o cenário
era idêntico. Impulsionado pelos modelos do
sul do país, foi criado, em 1979, mais um
jornal alternativo. Na segunda quinzena de
dezembro o primeiro número do periódico
foi parar nas bancas da capital do estado.
O Furo, como fora denominado, foi
idealizado pelo publicitário Alberto Arcela,
pelo advogado Marcos Pires, pelo artista
gráfico Richard Muniz e pelo então estudante
de comunicação Marcos Nicolau – jovens
paraibanos que, inconformados com o
modelo de democracia vigente no país,
tentavam combater as imposições desse
sistema de forma consciente e séria.
O nome, sugerido por Marcos Pires,
objetivava passar a idéia do furo jornalístico.
Todavia, seus idealizadores não se
preocuparam muito com a profundidade do
OFURO
No final da década de 1970 o país vivenciava um período derepressão. Nesse momento, jovens de um dos Estados maispobres do Brasil, resolvem protestar de forma consciente e
criam O Furo, um jornal alternativo regional, emboraabordasse em suas páginas temas nacionais e internacionais.O periódico foi sucesso de público, por essa razão desagradouo governo militar. Sua trajetória meteórica se deve, além do
insucesso com os militares, à falta de recursos dos seusidealizadores.
Marina Almeida
2
seu significado, a intenção mesmo era criar
um espaço livre na imprensa da época.
A publicação conseguia misturar
jornalismo de conteúdo sério com uma certa
dose de irreverência, mesclando tiras e
charges com entrevistas de cunho
extremamente político.
As entrevistas eram o carro-chefe do
periódico e traziam sempre nomes que,
apesar de excluídos da mídia tradicional,
tinham grande representatividade na
sociedade paraibana. “Os entrevistados, na
maioria das vezes eram brasileiros alijados
dos meios de comunicação tradicionais, a
exemplo de Gregório Bezerra – recém
chegado do exílio – e Dom Hélder Câmara”,
ressaltou Alberto Arcela.
Além de Gregório Bezerra e Dom
Hélder Câmara, outras entrevistas que
mereceram destaque de capa foram as
concedidas pelo Arcebispo Dom José Maria
Pires, Humberto Lucena e Miguel Arraes.
Na opinião do publicitário Alberto
Arcela, um fato que mereceu destaque e se
tornou um momento de grande emoção foi a
entrevista concedida pelo Arcebispo Dom
Hélder – veiculada na terceira edição – que
estava fora da mídia há bastante tempo por
pressão do governo militar. Isto porque, foi
concedida no Seminário do Miramar, no
intervalo de um encontro de bispos. “Todas
as entrevistas foram importante para nós.
Mas a entrevista com D. Helder foi mesmo
emocionante para toda a equipe”, lembrou.
Mas O Furo não detinha apenas esse
tom político. Longe disso. Para Marcos
Nicolau uma matéria que lhe chamou a
atenção, pelo conteúdo inusitado, foi a
“Nós não queríamos falar besteira, queríamos entrevistas de conteúdo,
queríamos um jornal com conteúdo. A repressão favorecia a seleção dos
temas, já que naquela época se proibia tudo”
OFURO
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publicada na página 20, da quarta edição,
intitulada “A liberação do sexo: os cabarés
fecham as portas”. Nessa reportagem a
equipe do jornal ouviu dona Maria Raposo,
naquela época, uma das mais antigas
profissionais do sexo da cidade de João
Pessoa, que falou sobre a era áurea dos
cabarés de outrora.
Essas entrevistas, como a maior parte
do jornal, eram elaboradas pelos próprios
ideal izadores que viabi l izavam os
entrevistados e elaboravam a pauta. Outras
tantas vezes, alguns jornalistas eram
convidados para integrar a equipe. “Alguns
colaboradores iam com a gente para as
entrevistas, mas elas seguiam nossa linha
editorial”, frisou Arcela.
Dentre esses colaboradores estão
jornalistas de renome como Marcos Tavares,
A n t ô n i o A u g u s t o Arro
xelas, Walter G a l
vão, Nonato Guedes, José Crisólogo, Anco
Marcio, Marcondes Brito, Bruno Steinbac,
Hilton Lima, Marcos Souza, Assis Angelos,
Henrique Magalhães, Carmélio Reinaldo,
Antonio Barreto Neto, Maria José Limeira e
Francisco Tadeu, sem esquecer do saudoso
Arlindo Almeida. Desse modo, não tinha
como o periódico não ter um elevado nível
intelectual.
Os temas abordados eram geralmente
ligados à situação política do Brasil e
buscavam dar voz aos que, por imposição do
modelo político vigente, não tinham como
externar seus pensamentos. “Nós não
queríamos falar besteira, queríamos
entrevistas de conteúdo, queríamos um
jornal com conteúdo. A repressão favorecia a
seleção dos temas, já que naquela época se
proibia tudo”, justificou Arcela.
Na opinião de Richard Muniz o
grande diferencial que O Furo possuía era
um espaço acessível para aqueles que
q u i s e s s e m e x p o r s u a s o p i n i õ e s ,
reivindicações e pensamentos. “Havia no
jornal um espaço aberto e livre aos políticos,
artistas, escritores, entre outros. Essa
liberdade não existia nos outros meios de
comunicação da época”, lembrou.
Contudo no jornal havia ainda espaço
para artes plásticas, cultura e música, ou seja,
os mais variados fatos daquela época.
Aqui merece ênfase a entrevista
concedida por Antônio Callado na cidade
de Areia, interior do Estado da Paraíba,
publicada logo na primeira edição de O
Furo. Nela o crítico cultural abordou
diversos temas, como censura, arte,
Nordeste e, como não poderia deixar de
ser, de política.
OFURO
4
Vale citar ainda a crônica escrita por
Alfredo Margarido veiculada na segunda
edição do jornal. À época professor da
Sorbone, na França, Margarido escreveu uma
matéria especialmente para o periódico
falando sobre a seita profética de Campina
Grande, “As Borboletas Azuis”.
Temas internacionais também tiveram
destaque em O Furo. Na terceira edição fora
publicada reportagem intitulada
“Afeganistão: o perigoso jogo da
desmistificação das estratégias”,
abordando a situação política-
econômica do Afeganistão e demais
países daquela região.
Impresso em papel jornal e em
formato de tablóide, O Furo dispunha
de peculiaridades que davam
evidência à publicação. As tiras e
c h a r g e s , p o r e x e m p l o , e r a m
desenhadas a mão, o que dava um
caráter artesanal ao periódico. Os
títulos, da mesma forma, eram
elaborados de próprio punho, fazendo
com que o periódico tivesse um
aspecto atípico, diferente da grande
imprensa tradicional. Já os textos, ante
a ausência de computadores, eram
redigidos na máquina de datilografia.
Posteriormente, esse material era reunido,
colado manualmente e enviado para
impressão na gráfica do jornal O Momento de
Jório Machado.
A d e s p e i t o d e t o d a s e s s a s
adversidades O Furo possuía tiragem
quinzenal com cerca de três mil exemplares e
cada edição continha em média vinte e quatro
páginas.
Segundo Marcos Nicolau, o aspecto
que merece maior ênfase no periódico foi o
trabalho gráfico e editorial, pioneiro na
época. “Quanto aos aspectos jornalísticos, é
visível a importância do Jornal O FURO,
entretanto, ressalto um outro fator
significativo: a experimentação gráfica e
editorial. Na condição de estudante récem-
ingresso no Curso de Comunicação Social da
UFPB e mesmo já tendo
e x p e r i ê n c i a p o r t e r
trabalhado nos jornais O
Norte e Correio da Paraíba,
neste jornal alternativo
pudemos experimentar uma
produção muito rica. O
trabalho de feitura do jornal,
em boa parte artesanal,
exigia muita criatividade e
m e s m o , o u s a d i a .
P a r t i c i p á v a m o s
integralmente de todo o
processo, desde a elaboração
das pautas, passando pela
' b o n e c a ' d o j o r n a l ,
entrevistas, redação, fotos,
charges , d iagramação ,
p a g i n a ç ã o , r e v i s ã o ,
montagem de fo to l i tos
(naquela época o jornal era feito em off-set),
impressão etc.", ponderou.
Infelizmente, O Furo só durou 05
(cinco) edições, tendo a primeira edição sido
publicada em 16.12.1979 e última em março
de 1980. Apesar disso alcançou várias
cidades da Paraíba, além de outras fora do
estado, a exemplo de Recife (PE) e Natal
(RN).
“A tiragem de três mil exemplares, era um assombro para os
nossos padrões, mas insuficiente para pagar as contas” .
justificou Alberto Arcela.
OFURO
“Lembro quesempretinhaalguém quevinhaperguntar sehaviasobradoalgumexemplar, aprova é quenão tenhonenhumcomigo”,lamentaArcela.
5
E m b o r a s e m u m s i s t e m a d e
atribuições definido, O Furo organizava-se
da seguinte forma: as entrevistas eram
viabilizadas por Alberto Arcela, Antonio
Arcela, Antônio Augusto Arroxelas, Walter
Galvão, além de outros colaboradores. A
diagramação, as ilustrações, charges e
montagem eram responsabilidade de
Richard Muniz e Marcos Nicolau, que ainda
acumulava a função de secretário de redação.
As pautas, sugestões gerais e a parte editorial
era prerrogativa de Marcos Pires e Alberto
Arcela. Além desses encargos todos eles se
empenhavam na venda de anúncios.
As reuniões para a elaboração do
jornal aconteciam, quase sempre, na casa do
publicitário Alberto Arcela e como todos
aqueles que delas participavam também
possuíam outras ocupações, eram realizadas
à noite, nos feriados e finais de semana.
O Furo começou modesto, mas em
pouco tempo, contando com a boa aceitação
da sociedade, ganhou notoriedade e espaço,
passando a ser bastante disputado nas
bancas. “Lembro que sempre tinha alguém
que vinha perguntar se havia sobrado algum
exemplar, a prova é que não tenho nenhum
comigo”, lamenta Arcela.
O foco central era a juventude
paraibana, todavia seu tom pitoresco acabou
conquistado leitores de todas as idades, além
de professores, empresários, artistas locais,
entre outros. “Os que não tinham coragem de
ler na rua, compravam a edição e a
escondiam para ler em casa”, ressaltou
Richard Muniz.
Na visão dos criadores o periódico
superou as expectativas no que se refere à
quantidade de vendas, bem assim ao número
de colaboradores. “Depois do sucesso das
três primeiras edições, nós já pensávamos em
investir em uma sede própria, com placa e
tudo. O jornal circulava bem e tínhamos
bastantes colaboradores”, lembrou o referido
criador.
Todavia, essa efervescência não era
suficiente para manter O Furo. “A tiragem de
três mil exemplares, era um assombro para os
nossos padrões, mas insuficiente para pagar
as contas”, justificou Alberto Arcela.
Sem contar com o investimento
contínuo dos anunciantes, nem com o
dinheiro dos criadores, o jornal era
sustentado por pequenos anúncios vendidos
pelos próprios idealizadores. “Naquela
época eu já tinha uma agência, então
convenci alguns clientes a anunciar n'O Furo,
mas não era nada certo, às vezes tinha, outras
não” lembrou o publicitário.
O Advogado Marcos Pires corrobora
com o publicitário e acrescenta ainda a
dificuldade de vender os anúncios, “eu
OFURO
Os jornais alternativos tiveram seu auge durante o períodode regime militar, em especial na década de 70. Pode-se dizer que osurgimento deles se deu devido à articulação de três setores sociais:as esquerdas, com seu desejo de protagonizar transformações; osjornalistas buscando alternativas ao fechamento de seus espaços nagrande imprensa; e intelectuais, encurralados pelo ambienterepressivo que se instalou nas universidades.
Essa nova modalidade de jornalismo se desenvolveu namesma medida em que se fechavam os espaços na imprensacomum, reflexo do endurecimento do regime militar. Ou seja, acensura imposta pelo governo limitou os trabalhos nas redações econtribuiu para a criação de periódicos “não convencionais”,também chamados de “imprensa nanica”, que trouxerammaior liberdade de expressão e satisfação aos jornalistas.
O principal objetivo era lutar contra a intolerânciapolítica e formar uma identidade cultural focada nos valoresnacionais. Esses jornais são denominados “alternativos” por sedesviarem do caminho seguido pela grande mídia, por criticarem omodelo sócio-econômico e político vigente, por irem contra a ditadura, por denunciar torturas eviolações dos direitos humanos e exigirem mudanças sociais reais no país. Não se deixavammanipular pela estrutura de poder; eram autênticos, irreverentes e contestadores.
Diferentemente dos veículos da imprensa tradicional, os alternativos não apenasprotestaram contra o regime, mas foram os únicos veículos a insistentemente (ou escancaradamente)a denunciar suas falhas.
Fundado por Millôr Fernandes, “Pif-Paf” foi o pioneiro, em 1964. Depois vieram o “Folha daSemana”, “Bondinho”, “O Sol”, “Em Tempo”, “Coojornal”, “Opinião”, “Movimento”, “Versus”,“Ex”, “De Fato”, “Repórter”, e o famoso “Pasquim”. Durante os 15 anos foram mais de 150publicações, abordando diversos temas. Porém, a grande maioria não passava da terceira ou quartaedição.
O mais famoso jornal alternativo do Brasil, “O Pasquim”, surgiu em 1969, período em queapareceram os primeiros semanários de circulação nacional. Nessa fase, esses jornais eram marcadospela resistência política e cultural. Esse periódico era um jornal de humor (ainda que publicasseartigos “sérios”), irônico e crítico, dessa forma gerou afetividade não apenas pela postura corajosa,
mas pela empatia dos personagens que criou e pela habilidade de fazer crítica social usando oriso.
Além disso, “O Pasquim” revolucionou a linguagem dojornalismo, instituindo uma oralidade que ia além da meratransferência da linguagem coloquial para a escrita do jornal.Na Paraíba, nesse mesmo contexto, surgiu, em dezembro
1979, um alternativo que, inspirado no “Pasquim” e em outrosperiódicos, buscava da mesma forma o protesto e a ruptura com
sistema então vigente.Esse jornal, que levou o nome “O Furo”, procurou, de
maneira inteligente, e ao mesmo tempo irreverente, criticar aspráticas políticas da época. Por essa razão, durou apenas alguns
números, tendo seu fim abreviado.Hoje em dia, poucos veículos seguem esta linha. Os que
circulam são uma opção de idéias novas, trazendo uma visãodiferente acerca da realidade em que vivemos, abrindo portas aoquestionamento e norteando o processo de criticidade.
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OFURO
Como surgiram os Jornais Alternativos
também cuidava da parte comercial e vender
os anúncios não era fácil, se alguma coisa não
deu certo com certeza foi porque não
consegui vender os espaços”, explicou.
Aliado a esse fato frise-se que os
idealizadores do periódico não dispunham
de toda liberdade que necessitavam para
escrever as matérias e realizar as entrevistas.
O tom “rebelde” e “democrata” acabou
incomodando o poder vigente. Começaram,
então, a surgir boatos de que o governo
militar estava insatisfeito com o que era
publicado n'O Furo. Outros, mais
alarmados, chegavam a falar em prisão
dos criadores. Foi aí, em meio a esse
fervor, que começaram a surgir ligações
anônimas tachadas por Richard Muniz de
“estranhas e ameaçadoras”. “Na época
surgiu alguma coisa de ligações ameaçando
alguns de nossos criadores. Eu não recebi
nenhuma dessas ligações, mas alguns dos
anunciantes também receberam e isso acabou
gerando algum receio no grupo”, afirmou
Marcos Pires.
Essas ligações foram decisivas para o
fechamento do jornal. Isto porque, quando
dirigidas aos idealizadores gerou o temor de
que algo pudesse acontecer aos mesmos ou
aos jornalistas que participassem das edições
do jornal, transformando, assim, as reuniões
de pauta e criação em cada vez mais tensas e
delicadas.
De outra forma, quando voltadas aos
anunciantes, as ligações tiveram um efeito
devastador. É que, assustados com o que
ouviam, eles passaram a retirar os anúncios
das páginas do periódico. “O FURO acabou
quando as ligações ameaçadoras foram feitas
aos nossos anunciantes e patrocinadores do
jornal. Eu me lembro que os telefones
tocava m e
quando atendíamos era um
anunciante pedindo por tudo no mundo que
não colocássemos o seu anúncio no jornal”,
comentou Richard Muniz.
As bancas que revendiam O Furo,
assim como os distribuidores receosos com o
que pudesse acontecer, também preferiram
não trabalhar com o jornal, o que dificultou
ainda mais a frágil situação vivida pelo
periódico. “Muitas bancas de revistas,
farmácias não queriam mais expor as edições.
Era o fim. Me lembro quando fui na casa de
Arcela e vi em seu quintal uma montanha de
jornal que não pôde ser comercializado. Era
mais da metade da última edição”, lamentou
o referido criador.
D e s s e m o d o , a f u g a d o s
patrocinadores, o fato dos criadores não
disporem de dinheiro para bancar O Furo,
bem assim a insatisfação do governo militar
com o tom dado à publicação, foram
empurrando o jornal para uma situação
insustentável. “Não contávamos com
OFURO
7
Charge é um estilo de ilustração que tem por
finalidade satirizar, por meio de uma caricatura, algum
acontecimento atual com uma ou mais personagens
envolvidas. A palavra é de origem francesa e significa carga, ou
seja, exagera traços do caráter de alguém ou de algo para torná-
lo burlesco. Muito utilizadas em críticas políticas no Brasil.
Apesar de ser confundido com cartoon (ou cartum), que é
uma palavra de origem inglesa, é considerado como algo
totalmente diferente, pois ao contrário da charge, que
sempre é uma crítica contundente, o cartoon retrata
situações mais corriqueiras do dia-a-dia da sociedade.
As charges foram criadas no princípio do
século XIX (dezenove), por pessoas opostas a governos ou
críticos políticos que queriam se expressar de forma jamais apresentada, para
não dizer inusitada.
Mais do que um simples desenho, a charge é uma crítica político-social onde o artista
expressa graficamente sua visão sobre determinadas situações cotidianas através do humor e da
sátira. Para entender uma charge não precisa ser necessariamente uma pessoa culta, basta estar
por dentro do que acontece ao seu redor. A charge tem um alcance maior do que um editorial, por
exemplo, por isso a charge, como desenho crítico, é temida pelos poderosos. Não é à toa que
quando se estabelece censura em algum país, a charge é o primeiro alvo dos censores.
Por utilizarem o humor e a ironia como características essenciais, os jornais
alternativos foram veículos que abusaram desse gênero.
N'O Furo as charges apareceram desde sua primeira edição e criticavam, além da
situação política vivida, problemas da sociedade como na ilustração que fala sobre o aumento dos
preços, veiculada na segunda edição. No jornal as charges e ilustrações eram elaboradas de forma
artesanal e criadas pelos próprios editores do periódico.
Richard Muniz e Marcos Nicolau eram os principais responsáveis
pela elaboração, embora, os outros criadores e vários
colaboradores também tenham participado de muitas idéias
que resultaram em diversas e charges e ilustrações que
estiveram presentes no jornal, como na charge que aborda a
criação de novas legendas políticas, reproduzida na quarta
edição d'O Furo e foi elaborada por Henrique Magalhães, que
era colaborador no periódico.
Apesar do sucesso que faziam com os leitores, as charges de O
Furo também foram objetos de repressão e censura.
8
OFURO
As charges do Furo
dinheiro para fazer o jornal e o fato do
governo estar insatisfeito com a gente acabou
levando O Furo ao seu término”, finalizou
Muniz.
E mais, “tivemos consciência naquela
hora que nossos sonhos além de morrerem,
poderiam ser assassinados. Como o Furo”,
arrematou Marcos Pires.
Em verdade, ao criar o jornal os
idealizadores buscavam um espaço livre
onde pudessem mesclar crítica política e
cultura com certa dose de irreverência.
Para Arcela, a intenção d'O Furo “era
mostrar para as pessoas que sabíamos fazer
jornal e contribuir para a restauração da
democracia, mas aí era pretensão mesmo”.
Já para Marcos Pires o intuito “era
criar polêmica e criar um espaço que não
seg uisse o enquadramento da época. E
em algum momento conseguimos isso”.
De fato, para os criadores, apesar de
sua existência efêmera, o periódico obteve a
repercussão desejada. “Acho que alcançamos
nosso objetivo: barulho nessa cidade. Todo
mundo comentava nosso jornal”, lembrou o
advogado.
Na opinião do publicitário Arcela O
Furo cumpriu o papel a que se propôs. “Não
tenho dúvidas que botamos a boca no
trombone com uma melodia razoável e um
bom toque de contra-cultura”.
Com seu fim precoce, O Furo não
gerou para seus idealizadores apenas a
sensação de dever cumprido. Toda
repercussão provocada pelo periódico,
a l iada as inovações gráf i cas ne le
implantadas, despertou o interesse de outros
veículos de comunicação, a exemplo de
Marcos Nicolau e Alberto Arcela que, após o
término das atividades do jornal, receberam
convites para fazer parte de outras empresas
jornalísticas de renome estadual.
Arcela lembra dos frutos colhidos
após a experiência vivida n'O Furo.
“Estávamos começando no mercado e quase
todos eram recém-casados, com filhos e tudo
o mais. No meu caso, o tablóide chamou a
a t e n ç ã o d e A d a l b e r t o B a r r e t o ,
superintendente do jornal Correio da
Paraíba, que me convidou para assumir o
segundo caderno do diário”.
Já para Marcos Nicolau o convite
surgiu do Jornal O Momento, que na época
era um dos expoentes no cenário paraibano.
“Foi tão proveitoso que, logo em seguida fui
trabalhar no jornal O Momento, colocando
em prática todo o aprendizado de inovação
jornalística e editorial”, finalizou.
9
OFURO
10
Como surgiu a idéia de criar OFuro?
Alberto Arcela
Quem sugeriu o nome e emque ele foi inspirado?
Alberto
O Furo inspirava-se em algum outro jornal?
Alberto
Quais as atribuições de cada um dos criadores?
Alberto
: Como todosnós éramos leitores de jornaisalternativos como o Pasquim,Opinião e Movimento, a idéiasurgiu naturalmente. Talvezpor isso, O Furo não pareça tãodiretamente com o Pasquim,além do formato tablóide. Naverdade, hoje, acho que é ummix dos três político, cultural eanarquista.
: Acho que foi idéia de Marcos Pires, masnão tenho certeza. A bem da verdade, tinha umduplo sentido: o furo jornalístico e o “aqui ó”, doFradim de Henfil. Mas o nome não tinha muitaexpressividade. Na realidade não queríamos passarnada, só incomodar.
: Jornais como o Pasquim, Opinião eMovimento faziam parte de nossas leituras, entãodepois que resolvemos criar um jornal alternativoas idéias dessas publicações acabaram nosinfluenciando.
: Eu cuidava das entrevistas com AntônioArcela, Arroxelas e um outro colaborador, WalterGalvão era um deles , de alguns textos e colunas edos anúncios. Richard Muniz e Marcos Nicolau dadiagramação, ilustrações e anúncios e Marcos Piresdas pautas e sugestões gerais, além da venda deespaços publicitários do jornal.
OFURO
Perfil
Alberto Luiz BarretoArcela, nasceu emJoão Pessoa no dia28 de fevereiro de1952. É formado emAdministração deEmpresas pelaUFPB. Começou suacarreia na RádioArapuan em 1970como programadormusical(discotecário).Começou a atuar nomercado publicitáriohá 30 anos com umaagência própria quese chamavaPubliarte. Ao longodesses anos Arcelaacumulou, comocriativo, váriosprêmios regionais enacionais, entre eleso ColunistasNacional e O AbrilVídeos tambémnacional. HojeArcela é sócioproprietário daagência Oficina dePropaganda queatua no mercadoparaibano há 20anos.
Entrevista com Alberto Arcela
Eu cuidavadasentrevistascom AntônioArcela,Arroxelas eum outrocolaborador,WalterGalvão eraum deles , dealguns textose colunas edos anúncios
11
Como eram organizadas as reuniões dojornal e onde elas aconteciam?
Alberto: Aconteciam quase sempre naminha casa, no Conjunto dos Jornalistas,e como todos nós tínhamos outrasocupações as reuniões acabavamacontecendo à noite, nos feriados e nosfinais de semana.
Como era confeccionado o jornal e ondeera impresso?
Alberto
O jornal circulava de quanto emquanto tempo e quantas edições forampublicadas?
Alberto
Qual a intenção quando criaram O Furo?
Alberto
Qual a reação da sociedade na época?
Alberto
: Tudo era mais difícil naquelesanos, sem o computador. Redigíamos namáquina de datilografia, desenhávamos naprancheta e depois colávamos tudo nasoficinas. O Furo tinha, em média, vinte equatro páginas, se não me falha a memória,e era impresso na gráfica do jornal OMomento, de Jório Machado.
: A publicação era semanal ecirculava em todo o Estado, porque passou aser distribuído por Garibaldi Cittadino.Nosso público-alvo era a juventude, mascreio que atingimos pessoas de todas asidades e de diferentes setores da sociedadeprofessores, empresários, o pessoal decultura, entre outros.
: Nossa intenção era mostrar para aspessoas que sabíamos fazer jornal comqualidade e contribuir para a restauração dademocracia, mas aí era pretensão mesmo.
: Surpreendentemente boa, apesar dealguns exageros da equipe, como charges demau gosto e opiniões controversas. Até osclientes que anunciavam no jornal sedivertiam mesmo não entendendo o espíritoda coisa.
Houve alguma situação concreta de ameaçacontra os criadores por parte do governomilitar?
Alberto
Como, por que e quando O Furo acabou?Alberto
: Muitos boatos e pouca ação.Soubemos, por exemplo, que o jornal seriarecolhido nas bancas, fato que nunca seconcretizou.
: Na minha opinião o jornal acaboupor falta de dinheiro, como muitas das boasidéias culturais desse país. A tiragem de trêsmil exemplares, era um assombro para osnossos padrões, mas insuficiente para pagar ascontas.
OFURO
“Todas as entrevistas foram importante
para nós. Mas a entrevista com D. Helder
foi mesmo emocionante para toda a
equipe”, lembrou.