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Novelas de Faroeste
Volume IV
L P Baçan
Copyright © 2015 L P Baçan
Todos os direitos reservados. Este livro ou
parte dele não pode ser reproduzido ou
usado de qualquer outra forma nem
divulgado sem a expressa autorização do
autor, exceto o uso de partes para referência
ou comentários.
ISBN 978-1-329-81616-9
Lulu Press, Inc. 3101 Hillsborough St, Raleigh, NC 27607
2015
O Velho e Selvagem Oeste No Velho e Selvagem Oeste, o saloon era
o local mais movimentado e frequentado da
cidade. Ali aconteciam shows, dança, jogo e
muitas brigas. Ali se encontravam mocinhos
e bandidos, pistoleiros e desafiantes,
mulheres bonitas e perigosas. A maior parte
das histórias de faroeste passava por ele.
Dos ambientes mais simples e rudes aos
mais sofisticados, todos, indistintamente
acolhiam moradores e forasteiros, cada um
com sua história, cada um com seu destino.
Famosos pistoleiros criaram fama nesse
local. Outros ali encontraram a morte, na
boca esfumaçada de um Colt. A fumaça da
pólvora negra era o manto lúgubre que
cobria mais um morto. Um punhado de
serragem era jogado sobre a poça de
sangue. Uma rodada gratuita de uísque
barato era servida e minutos depois
ninguém mais se lembrava do ocorrido.
Afinal, o Oeste era mesmo um lugar
selvagem e as Novelas de Faroeste mostram
isso.
Obrigado a Matar
Na fronteira conhecida do oeste, no final
do século passado, a grande riqueza era o
gado, espalhado pelas pradarias, livres das
cercas de arame farpado ainda.
Com o sumiço dos búfalos, sobrou
totalmente para as reses a fartura das
pradarias, onde um clima propício, com
chuvas nas horas certas e uma terra fértil,
ajudaram a consolidar riquezas e a posse da
terra.
A prosperidade ajudou a formar cidades e
a tornar a figura do vaqueiro algo
glamoroso. Para estes, o dinheiro era farto,
o emprego garantido e as viagens, apesar de
duras, pontilhadas de aventuras e lindas
mulheres em cada cidade por onde
passavam.
Muitos ganharam dinheiro e passaram de
empregados a patrões. Outros viveram a
vida simplesmente, sem preocupação com o
futuro. Ninguém imaginava que dias negros
poderiam um dia ameaçar toda aquela
prosperidade que era a tônica da fronteira.
Em 1885, porém, a natureza se vingou da
invasão desenfreada de suas terras. Após
um inverno rigoroso, a primavera não
trouxe as chuvas como esperado. Apenas
um vento constante, morno, que crestava a
terra, impedindo que a grama brotasse.
O que a princípio pareceu apenas um
atraso, foi se transformando numa
calamidade. O gado estava ameaçado de
morrer de fome no pasto. Sem outra
alternativa, os rancheiros tiveram de
começar a vender o gado.
Levas de compradores vinham do Leste
para aproveitar o preço baixo. O que para
eles significava fortuna, para os rancheiros
era a ruína.
De uma média de quarenta dólares por
cabeça, na época, o preço da cabeça de gado
foi despencando para menos do que dez.
Lotes inteiros eram arrematados por preços
aviltantes e transformados em carne para
abastecer o Norte e o leste do país, mais
rico e industrializado.
Os ranchos começaram a despejar nas
estradas do Oeste bandos de vaqueiros
desempregados, desesperados, sem futuro,
sem profissão. A única coisa que sabiam na
vida era cavalgar, lidar com o gado e usar
uma arma. Quando as duas primeiras
perderam o sentindo como profissão,
restou-lhe apenas a terceira opção.
O Território do Wyoming foi devastado
por essa nova praga. Em plena primavera de
1885, no auge da crise, Ned Sinclair e Tony
Kansas, dois vaqueiros do Rancho
Shoshone, levavam uma centena de cabeças
de gado para um local conhecido como
Roca do rato, onde o Rio Pólvora e os
canyons por ele escavados impediam a ação
do vento e criava sua própria primavera.
Ali havia grama boa e alta para o gado.
— Ei, Tony! Veja só como eles comem!
— exclamou Ned, cruzando uma das pernas
sobre a sela do cavalo.
Tony fechou a saída de uma desgarrada e
empurrou-a na direção da água.
A rês farejou a grama e desembestou a
sua procura.
— Mais um pouco e teriam morrido de
fome — falou Tony. — Como sabia deste
lugar?
— Nasci em Cásper, sabia? Conheço
cada buraco de rato e toca de cobra desta
região. Não há um esconderijo por aqui que
eu não saiba como entrar ou sair. Este aqui
mesmo, chamado de Toca do Rato, já foi
abrigo de criminosos nos velhos tempos. Os
índios shoshones se escondiam aqui, após
seus ataques. Para defender um lugar como
este você não precisa de muita gente. Basta
espalhar bons atiradores nas gargantas e
ravinas e ninguém ousará entrar aqui.
— Tem razão! Isto aqui é um labirinto!
Ainda bem que você conhece a saída.
Ned desmontou, tirou a sela de seu
cavalo, depois o soltou para pastar. Tony
fez o mesmo.
A noite não tardaria a chegar. Trataram
de fazer a comida. Na fogueira cercada por
pedras, Ned aqueceu o feijão com toucinho,
fritou ovos e fez café, enquanto Tony
passava água nos pratos e nas colheres
toscas de madeira.
Comeram com apetite, depois arrumaram
os cobertores, junto às selas, que serviriam
de travesseiro. As primeiras estrelas
despontavam no céu sem nuvens.
Tomavam café, enquanto conversavam.
— Estas desgarradas são as últimas que
haviam por aqui — disse Tony. — Quando
as levarmos para o rancho, com certeza o
patrão levará toda a manada para o leilão.
— Não quero pensar nisso — comentou
Ned, aproveitando a luz da fogueira para
enrolar um cigarro.
— Acho que seremos demitidos, Ned —
opinou Tony.
— Não... Claro que não! Somos os
melhores que o patrão tem, Tony... E
depois, como eu me casaria com Mary Lee?
Sem emprego o pai dela jamais
consentiria...
— Não me venha com essa de novo. Eu
vou me casar com Mary Lee, não você! —
protestou Tony, atirando uma pedra sobre o
amigo, que riu divertido da reação do outro.
Ficaram em silencio, olhando o céu e as
estrelas que iam surgindo aos montes, à
medida que a claridade do sol desaparecia
por completo.
— O que faremos se ele nos despedir,
Ned? — perguntou Tony, angustiado. —
Não sei fazer mais nada.
— Não seremos despedidos, homem. Que
diabos! — protestou Ned, irritado.
Na verdade, nem ele tinha tanta certeza
disso. Vinham trabalhando duro havia uns
dois anos naquele rancho, certos de que
poderiam se fixar por ali.
Naquele ano poderiam tirar uma
porcentagem em gado, para começarem
suas próprias criações. Após algum tempo,
teriam dinheiro para comprar um pedaço de
terras.
Diziam que em breve o governo abriria as
terras da Faixa Cheyenne, em Oklahoma.
Poderiam se candidatar. Eram sonhos, mas
bem embaçados.
Ninguém esperava, porém, aquele golpe
da natureza.
— Por que você se chama simplesmente
Tony Kansas? — perguntou Ned, tentando
mudar o rumo da conversa.
— Não lhe contei ainda?
— Não, não que eu me lembre.
— Fui criado num prostíbulo, às margens
do Rio Kansas, em Kansas City, na divisa
com o Missouri. As mulheres que me
criavam me chamavam de Tony. Como
estavam sempre em constante movimento,
quando eu tinha cinco anos ninguém se
lembrava mais quem fora a minha mãe ou
quem seria o meu pai. Deram-me, então, o
sobrenome de Kansas, em homenagem à
cidade e ao Estado.
— E nunca conheceu mesmo seus pai?
— Não. Na certa meu pai era um
vaqueiro como eu, mas não como meus
filhos serão.
— Como assim?
— Meus filhos não serão vaqueiros.
Quero ir para o leste, Ned, aprender uma
profissão por lá e ficar. Lá tem escolas para
as crianças. Eles podem ser qualquer coisa
só estudando...
— Não seja tolo, Tony. O futuro está
aqui, nesta região, no Oeste do país. O Leste
está velho. Só serve para políticos e
preguiçosos.
Tony respirou fundo. Lembrava-se das
mulheres que conhecera no prostíbulo onde
havia morado até ter idade para sair pelo
mundo.
Elas falavam das grandes cidades do
Leste, dos prédios imponentes, de mármore
branco que feriam o olhar ao sol. Contavam
da elegância das mulheres, do
cavalheirismo dos homens e dos
acontecimentos sociais constantes, onde
pessoas se encontravam e se conheciam.
Nada como aquela vastidão solitária,
onde um homem podia virar bicho e
esquecer como falar, de tanta solidão.
— Se formos despedidos, não voltarei
para Cásper até conseguir um outro trabalho
— afirmou Ned, admitindo, finalmente, o
risco.
— Por que não?
— Porque não poderei me aproximar de
Mary Lee sem ter um trabalho.
— Se ela o ama...
— Você não entendeu, Tony! Como vou
sustentá-la?
— Ela não ama você! — falou Tony,
aborrecido. — Por isso, nem precisa se
preocupar com isso, está bem?
— Ela me ama sim e você vai ver.
Quando eu conseguir um novo trabalho, eu
me caso com ela.
— O que fará com o dinheiro que temos a
receber do patrão?
— Estou preocupado com isso.
— Por quê?
— Porque transformamos o dinheiro em
cabeças de gado. Com a queda do preço,
levamos na cabeça direitinho.
— E se não vendermos? E se deixarmos
o gado aqui?
— Em pouco tempo as pastagens daqui
se acabariam e nós teríamos que vender do
mesmo jeito.
— Diabos, Ned! que azar! — suspirou
Tony.
— Põe azar nisso, Tony! Põe azar nisso!
A noite estava quieta. O gado se
mantinha em silencio, tranqüilo naquele
oásis, após dias sem um bom pasto. A lua
foi surgindo, enorme no céu, jogando
claridade na pradaria. O marulhar da água
era o único som a embalar os dois cowboys.
Ned dormia com o chapéu sobre os olhos
e um cobertor sobre o corpo. Apesar do
calor do dia, as noites eram frias. Com a
mão sob o cobertor ele segurou a coronha
da sua Winchester e apontou o cano na
direção de Tony, cutucando-o.
Tony pigarreou, dando a entender que
também estava alerta. Passos abafados
soaram na areia que margeava o rio. O gado
se agitou inquietamente. O som de uma
Winchester sendo engatilhada se tornou
nítido dentro da noite.
— Agora, Tony! — gritou Ned, girando o
corpo para o lado.
A bala se encravou no couro da sela,
onde, instantes antes, estava a cabeça do
vaqueiro.
Tony havia feito o mesmo e corria agora
para trás de uma pedra. Uma bala
ricocheteou na rocha, soando tetricamente.
O gado começou a se mover de um lado
para outro, assustado.
— Cuide do gado, Tony! — avisou Ned,
disparando seu rifle certeiramente.
Um homem caiu para trás, dentro do rio.
O corpo foi flutuando lentamente rio
abaixo. O silencio voltou a reinar na Toca
do Rato. Os dois vaqueiros mantiveram suas
posições. O gado foi se aquietando de novo.
— Ned, está vendo alguma coisa?
— Há, pelo menos, mais dois deles.
— Quem são?
— Desesperados, bandoleiros de
estradas...
— Vaqueiros desempregados... —
ajuntou Tony, com amargura.
O silencio continuou. Os atacantes
noturnos se mantiveram nas sombras das
rochas, protegidos. Tony e Ned também não
deixaram seus abrigos, atrás das rochas.
— Vamos passar a noite toda aqui? —
perguntou Tony.
Ned engatilhou seu rifle.
— Ei, vocês! Por que não dizem logo o
que querem e nos deixam dormir? —
indagou.
Nenhuma resposta quebrou o silencio.
— Querem comida? Pois temos aqui o
bastante — falou Tony.
— Queremos o gado — respondeu
alguém, em algum ponto próximo dos dois.
— Negativo! Parte deste gado é nossa.
Nada feito! — respondeu Ned.
— Podemos ficar aqui a noite toda —
argumentou o outro.
— Nós também.
— Podemos matar todo o gado também
— continuou o outro, disparando.
Uma rês surgiu e dobrou os joelhos,
ficando se debatendo na relva, próxima do
rio.
— Maldito! — gritou Ned.
— Ned, eles podem matar todo o gado —
disse Tony.
Ned olhou para a rês que ainda se
debatia, ferida de alguma forma, mas não
mortalmente. O animal iria sofrer muito
ainda, antes de estrebuchar.
— Por que não termina o que começou?
Não vê que o animal está sofrendo? —
gritou Ned.
— Ned, que diabos! — repreendeu-o
Tony. — A rês pode estar ferido só de
raspão.
— Fique quieto, Tony. Eles estão
blefando!
— Como assim?
— Gastaram sua última bala.
— Como pode ter certeza.
Ned pensou por instantes, depois gritou:
— Está bem, vocês podem levar o gado.
— Joguem fora as armas — ordenaram
aos dois.
Ned e Tony jogaram os rifles.
— Joguem os Colts também — ordenou a
voz.
— Não estão conosco. Ficaram junto à
cela, podem ver, se quiserem.
A paisagem permaneceu inalterada por
algum tempo. Depois, dois homens saíram
detrás de uma rocha, à esquerda do rio, e
um outro apareceu na outra margem.
Traziam rifles em suas mãos, mas Ned
não ouvira nenhum deles sendo
engatilhados.
Seu Colts estava preso no cinto, na
barriga. Esperava que Tony tivesse feito o
mesmo.
Os três começaram a se aproximar. Um
deles estava no meio do rio, quando os
outros dois afastaram os cobertores com os
canos de suas armas.
Ergueram os cinturões dos dois rapazes.
— Foi uma armadilha! — gritou um
deles.
Todos os três se imobilizaram, apertando
nervosamente seus rifles, sem esboçarem o
menor gesto de ataque.
— Eu não avisei? — comentou Ned,
deixando seu esconderijo com o revolver na
mão. — Quem atirou naquela rês? —
perguntou.
— Ele! — apontaram os dois para o
homem no meio do rio.
Ned apontou o revolver para ele e
disparou duas vezes. Uma o atingiu no
peito, outra na barriga, enquanto caía. Seu
corpo desceu lentamente o rio, boiando com
os braços e pernas abertas.
— Ned! Por que fez isso, diabos! —
indagou Tony, surpreso com a atitude do
amigo.
— Quem atira numa rês como ele fez não
passa de um animal e deve morrer como um
animal — respondeu o rapaz.
Estava diante dos outros dois. Tinham a
barba crescida e as roupas sujas e rasgadas.
Pareciam que estava na estrada havia muito
tempo.
— Quem são vocês? — perguntou.
— Vaqueiros... Despedidos...
— Não ganharam nada? Não sobrou nada
dos dias de trabalho?
— Gastamos com uísque e mulheres —
lamentou um deles, com voz chorosa. —
Estamos em apuros agora. Com fome, sem
dinheiro, sem nada. Apenas cavalos magros
e estas armas sem balas.
— Diabos! — praguejou Ned, olhando
aqueles dois e vendo neles o destino dele e
de Tony.
Era um homem orgulhoso e aquilo não
entrava em sua cabeça. Não podia estar
condenado a roubar e matar como aqueles
pobres coitados. O destino não podia ser tão
cruel com eles.
— O que vamos fazer com vocês? —
indagou ele, andando nervosamente de um
lado para outro.
Aqueles dois eram algo que ele não
gostaria de ter visto nem conhecido.
Engatilhou o Colt.
— O que vai fazer, Ned? — indagou
Tony.
Ned parou na frente dos dois homens.
Levantou o revolver e o apontou para atesta
do primeiro, apertando o gatilho.
O homem deu um salto para trás e seus
miolos se espalharam na relva.
O segundo olhou atônito para o cano
esfumaçante do Colt, voltando para ele.
Viu apenas a língua de fogo surgindo do
cano e algo quente bater violentamente
entre seus olhos.
Tudo escureceu. Quando seu corpo caiu
junto o de seu parceiro, já estava morto.
Ficaram ali, imóveis, as caras cobertas de
sangue olhando a lua pela última vez.
Tony estava atônito, olhando o amigo,
que começava a remuniciar o revolver, frio
como se nada tivesse acontecido.
As previsões se confirmaram. Após
levarem o gado para o rancho, Tony e Ned
souberam que seriam despedidos, assim
como o restante dos vaqueiros.
Os leilões na cidade estavam rendendo o
mínimo. Lotes estavam sendo vendidos a
sete dólares por cabeça. Os dois, que tinham
dez cabeças de gado cada um com o patrão,
ao invés de quatrocentos dólares cada um,
terminaram com setenta: muito pouco para
quem pretendia começar um rancho.
Estavam no alojamento, os dois, deitados
em suas camas. Os outros vaqueiros
arrumavam suas coisas. começavam a
partir. Ninguém tinha um rumo certo. Eram
homens acostumados a lidar com o gado.
Não sabiam fazer outra coisa.
— O que tem em mente, Ned? —
indagou Tony.
— Não sei... Ir para Powder River,
talvez.
— Powder River? Por quê?
— Não vou aparecer em Cásper com
setenta dólares no bolso. Como vou poder
olhar Mary Lee nos olhos e lhe dizer que
não poderemos nos casar ainda?
— O que há para nós em Powder River?
— Não sei, vamos descobrir. Tem
alguma idéia melhor?
— Pensei em ir para o Leste... —
respondeu Tony, sonhando.
— Está doido! O que vai fazer lá?
— Não sei, vou descobrir — riu ele.
— Você tem o traseiro acostumado
demais ao lombo de um cavalo, Tony.
Como acha que vai conseguir viver sem
isso? Vai se acostumar a dormir numa
cama? O que um bronco como você poderá
fazer no Leste para viver?
— Talvez eu tenha lá as mesmas
oportunidades que aqui. Sou um cowboy,
mas ninguém está contratando cowboys.
Terei de fazer qualquer outra coisa. Tanto
faz aqui como no Leste.
— É, tem lógica — respondeu Ned,
ficando pensativo por algum tempo.
Ele é Tony formavam uma boa dupla e já
estavam juntos havia algum tempo.
Jamais haviam discutido e se entendiam
perfeitamente bem. Conheciam o seu
trabalho e eram valentes.
— Vamos fazer uma coisa, então — disse
Ned.
— Diga o que é?
— Vamos até Powder River ver como
andam as coisas. Tentaremos encontrar
algum trabalho por trinta dias. Se não
conseguirmos nada até lá, você poderá ir
para o Leste.
— Diabos, Ned! E, trinta dias terei gasto
até meu último centavo e não terei dinheiro
para pagar minha passagem de trem.
— Quanto é a passagem?
— Devo gastar uns cinqüenta dólares até
Washington.
— Então está certo. Eu lhe dou os
cinqüenta dólares.
— Como?
Ned enfiou a mão no bolso da camisa e
retirou um pequeno saco de couro
vermelho. Jogou-o para Tony, que o aparou
no ar.
— Que diabos é isto? — indagou,
supresso.
— Abra!
Tony fez o que ele pedia. Abriu o
saquinho de couro para encontrar dentro o
anel de noivado que Ned havia comprado
para presentear Mary Lee.
— Ficou mais maluco do que já é? —
indagou, com indignação, guardando o anel
e devolvendo-o ao amigo.
— Veja bem, Tony! Se eu não arrumar
um bom emprego por aqui, vou embora
para a Califórnia ou para Oklahoma. Mary
Lee jamais iria comigo. Seu pai não
deixaria e ela jamais o desobedeceria. É
uma garota de princípios. Sem ela, para que
me serve o anel? Ele deve valer pelo menos
uns cento e vinte dólares. Paguei três reses
por ele. Dará para você ir para Washington
e até voltar, caso se arrependa —
argumentou Ned, devolvendo o saquinho
para Tony. — Fique com ele. É a sua
garantia de ida para Washington.
— Não posso ficar com ele, Ned. Você
sabe disso. Está me chantageando, caramba!
— Estou falando sério. Acha que eu
brincaria com algo tão sério para mim como
o amor de Mary e a sua amizade, Tony?
Tony encarou o amigo. Sabia quando
Ned falava sério.
— Está certo, seu doido! Eu topo!
Quando partiremos?
— Se sairmos agora, chegaremos a
Powder River no meio da noite, se a lua
ajudar. A tempo de tomar uma cerveja no
Frontier Saloon.
— Irrah! — gritou Tony, saltando da
cama.
— Irrah! — correspondeu Ned, fazendo o
mesmo.
Menos de meia hora depois os dois
estavam a caminho, cruzando com
cavaleiros com ar cansado e aparência de
derrotados. Eram os desesperados, alijados
de seus empregos pelo tempo inclemente.
No meio do caminho, já ao escurecer,
pararam num riacho para dar água aos
cavalos.
Havia um grupo enorme de homens
acampados ali, reunidos ao redor de
fogueiras, repartindo os últimos pedaços de
carne assada.
Não longe dali, os restos de uma rês
indicavam o que estava sendo a refeição
deles.
— Não querem aproveitar, amigos? —
convidou um deles. — Parece que estão no
mesmo barco que nós.
Os dois foram até lá e se sentaram diante
da fogueira. Apanharam um pedaço de
carne cada um. O cheiro estava delicioso.
— De onde estão vindo? — indagou o
desesperado.
— Da direção de Cásper. Pretendemos ir
para Powder River — respondeu Ned.
— Se esperam encontrar trabalho por lá,
desistam. Estão vendendo tudo. Gado e
terras. Nunca vi tamanho desespero. Os
rancheiros estão se mudando para a
Califórnia. Muitos estão indo para
Oklahoma, na esperança de ganhar um
pedaço de terra do governo. Tem gente do
Leste que ficará podre de rico quando as
primeiras chuvas chegarem.
— Por que os rancheiros estão vendendo?
Por que não esperam as chuvas? —
indignou-se Tony.
— Porque todos têm empréstimos nos
Bancos e os Bancos pertencem a gente do
Leste. Estão pressionando para que os
empréstimos sejam pagos ou tomarão as
terras. Em desespero, os rancheiros estão
vendendo por qualquer preço, apenas para
pagar o Banco, o que dá na mesma. De uma
forma ou de outra, o pessoal do Leste é que
fica com as terras.
— Demônios! Então está correndo muito
dinheiro em Powder River! — exclamou
Ned, vendo naquilo algum tipo de
oportunidade.
— Nada disso — respondeu o
desesperado. — Apenas papéis, garoto!
Apenas papéis e nada de dinheiro. —
Aproveitem o café, ele não vai durar toda
noite.
Os dois se serviram. A carne havia
perdido o sabor para os dois rapazes.
— Para onde estão todos indo? —
perguntou Tony.
— Ninguém sabe... Bandos estão se
formando... Está acontecendo todo tipo de
coisas. Há uma semana, um rancho próximo
de Powder River foi atacado por um bando
de desesperados. Não apenas saquearam
comida, armas e munições, como também
atacaram a mulher e três filhas do rancheiro.
A garota caçula tinha treze anos. Foi um
inferno, homem! Dois dos desesperados
foram pegos, justamente os cabeças.
Amarraram um laço nas pernas dele e as
pontas foram entregues a dois cavaleiros.
Fizeram o Passeio do Inferno com eles,
arrastando-o por sobre pedras e cactus.
Quando já estavam quase morrendo,
penduraram os dois numa árvore.
Finalizaram fazendo tiro-ao-alvo com seus
corpos. Coisa feia de se ver, homem! Feia
mesmo!
— Se forem a Powder River, afastem-se
do Frontier Saloon — gritou um dos
homens.
— Por quê? Pretendíamos ir lá tomar
uma cerveja — respondeu Ned.
— O uísque tem mais água que meu
cantil, a cerveja é choca, as mulheres são
doentes e os jogadores de pôquer são todos
ladrões. Não facilite no Frontier Saloon...
— Principalmente porque ele pertence ao
xerife da cidade — completou outro.
— Venham conosco — propôs outro. —
Vamos nos juntar ao bando de Butch
Cassidy, no Buraco no Muro. Lá ninguém
nos pegará e ficaremos ricos roubando o
dinheiro dos homens do Leste que viajam
nas diligências e nos trens.
— Sim, dizem que no Buraco no Muro há
de tudo, uma verdadeira cidade, com uísque
honesto e mulheres de verdade. Nada lá é de
segunda. Todos sãos bem vindos ali —
comentou um velhote que tentava mastigar
um pedaço de carne usando apenas as
gengivas.
— Não, não posso fazer isso, pessoal.
Minha garota me espera e confia em mim.
Só se casará comigo se eu tiver um trabalho
honesto. — opinou Ned.
— Não existe trabalho honesto no Oeste
para gente como nós, garoto. Acabou-se. A
única coisa que temos para usar ainda é isto
— afirmou o desesperado, batendo a mão
no coldre, onde reluzia um Colt.
— Acho que vou arriscar minhas
chances. Eu e meu parceiro aqui — decidiu
Ned. — Obrigado pela carne, pelo café e
pela conversa, pessoal.
— Se mudar de idéia, vai nos encontrar
no Buraco no Muro.
— E onde é isso?
— Basta procurar, garoto. Basta procurar
e vai achar.
Buraco no Muro era dos esconderijos
mais comentados da época, onde Butch
Cassidy, Sundance Kid e seu bando
descansavam entre seus assaltos. Para lá
rumavam todos os desesperados em busca
de trabalho, o único trabalho que lhes
restava naquele Oeste devastado: o uso dar
armas.
— Buraco no Muro, Bah! — disse Ned,
com desprezo. — Se eu tivesse que me
esconder de alguém, iria para a Toca do
Rato. Lá tem água, comida, pasto para os
cavalos e nem um Exército conseguiria me
tirar de lá. Por que acha que deixei aquela
meia dúzia de reses lá?
Tony olhou para o amigo sem entender.
— Enquanto você dormia, separei seis
reses prenhas e as levei para o interior da
Toca do rato. Se um dia precisar de um
esconderijo, sei que terei boa comida a
minha espera lá.
— Que diabos tem em mente, Ned? —
estranhou Tony.
— Nunca se sabe, meu amigo. Nunca se
sabe — respondeu Ned, esporeando seu
cavalo.
A noite seguia em frente. A lua se
instalara no céu, brilhante como um sol,
derramando claridade na pradaria
ressequida, onde o vento levantava ondas de
poeira.
Após mais algum tempo de viagem,
avistaram Powder River, com suas ruas
iluminadas por lampiões e seus cassinos e
cantinas fervilhantes.
Situada às margens do Rio South Fork,
Powder River tinha também no gado sua
principal fonte de riquezas e, como todas as
demais cidades, sofria a ação do tempo
inclemente.
Desesperados enchiam suas ruas,
misturando-se aos homens do Leste,
emissários e compradores de gado e terras,
como abutres se alimentando dos despojos.
Nos saloon, deles eram os melhores
lugares, em frente ao palco, onde as garotas
dançavam só para eles, exibindo suas
roupas íntimas e deixando no ar promessas
de prazer e pecado.
Pistoleiros da pior espécie os cercavam,
garantindo sua segurança. Nenhum deles
andava sem ao menos três homens armados
ao seu lado.
Afastados, os desesperados se
encostavam nas paredes e no balcão,
bebendo uísque barato e olhando de longe o
show das garotas que, noutros tempos,
dançavam só para eles.
Os dois rapazes pararam diante do
Frontier Saloon, no exato momento em que
um homem de terno, com chapéu preto de
abas retas trazia, preso em seu braço direito,
o pescoço de um cowboy bêbado.
Chutou-o da porta do saloon, fazendo-o
cair na poeira. O cowboy rolou, tentando se
levantar, mas estava bêbado demais.
Procurou a arma em seu coldre, mas ele
estava vazio.
O homem na porta era Blackhat Bill, o
xerife de Powder River, o homem que fizera
da lei um instrumento a seu favor. Impunha
a ordem como desejavam os munícipes, mas
tirava vantagens de todas as formas
possíveis.
— E então, rapazes? Têm dinheiro? —
indagou aos dois.
— Sim, temos nosso dinheiro —
respondeu Ned, demonstrando logo sua
antipatia pelo homem da lei.
— Neste caso, sejam bem vindos.
Entrem. Encontrarão bom uísque, cerveja
gelada e as garotas mais lindas do sul do
Wyoming. Se forem homens de coragem,
poderão também arriscar sua sorte no
pôquer. Muitos fizeram fortuna em meu
saloon.
— Aposto como você foi um deles —
comentou Ned, baixinho, descendo do
cavalo.
— Ned, não seja idiota! Você ouviu o
que aqueles homens nos disseram.
— Vou entrar e tomar um cerveja, Tony,
conforme tinha prometido a você — disse
Ned, decidido.
Tony conhecia aquele tom de voz.
quando Ned o adotava, significava que
alguma coisa não o tinha agradado.
Estava claro que aquele xerife e seu
saloon haviam provocado seu amigo.
Neste caso, nada havia a ser feito a não
ser acompanhá-lo e tentar mantê-lo fora de
encrencas.
O que não era nada fácil.
— Quero uma dose do uísque que o
xerife toma — disse Ned, junto ao balcão.
O barman olhou-o desconfiado. Não
longe dali, o xerife ouvira o pedido. Riu e
fez um sinal para o barman. Depois foi se
sentar numa das mesas de pôquer.
Ned provou o uísque.
— Prove, Tony! É do bom — disse,
pegando a garrafa que o barman deixara
sobre o balcão e servindo uma dose para o
parceiro.
Pagou pela garrafa. Encheu mais um
copo e saiu pelo saloon, olhando os quadros
que decoravam as paredes, as garotas no
palco, os homens de terno cercados por
pistoleiros e a mesa de pôquer, onde o
xerife jogava com outros dois homens.
Foi até lá. Tony suspirou, olhando para
cima, esperando a ajuda de algum santo.
Ned estava mesmo à procura de encrenca.
O diabo é que iria achá-la ali, não havia
dúvidas.
Foi atrás dele.
— Que tal procurarmos um lugar para
passar a noite? — disse Tony a ele.
— Veremos isso na hora certa, Tony.
Não se aflija.
Conhecia aquele tipo. Era esquentado e
fácil de ser depenado. Bastava provocá-lo
um pouco.
— E então, amigo? Vai só ficar olhando?
— cutucou o xerife.
— Só estamos de passagem, xerife —
respondeu Tony, antes que Ned dissesse
alguma coisa.
Ned olhou para o amigo demonstrando
que não gostara da intromissão.
— Eu resolvo minhas paradas, Tony.
Você sabe disso — comentou em voz baixa.
— Vamos embora, Ned. Eu conheço sua
reação. Vai se dar mal aqui. Vamos
procurar outro local, caramba!
— E aí, garoto! Seu amigo cuida de sua
vida para você? — provocou o xerife,
acendendo um cigarro e jogando a fumaça
para o alto, na direção de Ned.
Tony percebeu que Ned estava sendo
provocado. Só seu amigo não via isso.
— Está bem, xerife! Está bem —
concordou Ned, pondo a garrafa e o copo
sobre a mesa.
Retirou todo o seu dinheiro e o colocou
de lado, demonstrando que tinha cacife para
jogar.
— Muito bom! Vamos ver como se saí
com as cartas — falou o homem da lei,
dando-lhe o baralho para cortar.
Tony fechou os olhos. Sabia o que Ned ia
fazer.
Tony fora criado num prostíbulo, cercado
por trapaceiros de toda a espécie. Com os
jogadores havia aprendido a arte de
trapacear. Com os pistoleiros, a de atirar e,
com as mulheres, a de amar.
Ensinara algumas coisa a Ned. Entre elas,
a arte de mexer no baralho, de encadear as
cartas, deixando o jogo armado e propício.
No desenrolar da disputa que se travava
na mesa, Ned ganhava sempre que punha a
mão no baralho, fosse para cortá-lo ou para
dar as cartas.
De uma forma ou de outra, usando toda a
sua habilidade, ele conseguia boas mãos,
que lhe rendiam um punhado de dólares ao
final.
Quatro jogadores avançaram noite a
dentro. O xerife era o mais tranqüilo deles,
não se importava quando perdia, sempre
que Ned ganhava.
O xerife ganhava as mãos que carteava
ou cortava. Apenas ele e Ned pareciam
conhecer o segredo daquele baralho.
Por fim, os dois homens foram
depenados, tendo Ned e o xerife ganho todo
o dinheiro deles.
— Bem, acho que só sobramos nós,
garoto — disse o xerife, coma r satisfeito.
— Ned, é hora de parar. Você ganhou
uns duzentos dólares aí, não abuse da sorte
— recomendou Tony.
— Está é a minha noite, Tony. Eu sinto a
sorte me favorecendo. Posso ganhar os
quatrocentos dólares que preciso para me
casar com Mary Lee. Não vou parar.
— É assim que se fala, garoto! Só que vai
ser um jogo até o fim, até que um de nós
fique sem dinheiro, está bem?
O xerife riu, divertido com a piada.
— Vamos jogar lá dentro. É mais
sossegado e estaremos livres de
aborrecimentos. Além disso, poderá
experimentar também a cerveja que só eu
bebo — disse o xerife, levantando-se.
Havia feito um sinal para dois de seus
auxiliares, que se adiantaram e foram para a
sala dos fundos.
— Ned, é loucura! — insistiu Tony.
— Não se preocupe, amigo! Vou sair
daqui rico, pode estar certo disso —
afirmou Ned.
Os dois foram na direção apontada pelo
xerife. Tony entrou primeiro na sala. O
xerife depois. Ned foi o último. Assim que
entrou, um dos auxiliares do xerife aplicou-
lhe um murro na nuca, jogando-o no
assoalho.
Tony levou a mão ao Colt, mas um dos
auxiliares já apontava uma espingarda de
cano duplo na sua direção.
— Fique quietinho ou espalho seus
miolos naquela parede — disse o auxiliar.
— Por que isso? — indagou Ned,
aturdido, pondo-se de joelhos, ainda sem
entender o que houvera.
— Apenas um mal entendido, filho —
disse o homem da lei, inclinando-se sobre
Ned, como se fosse ajudá-lo a se levantar.
Ao invés disso, seu punho bateu
pesadamente no queixo do rapaz, jogando-o
para trás, na madeira do assoalho.
— Maldito! — rugiu Tony, avançando
contra o xerife.
O auxiliar atrás dele bateu-lhe nos rins
com a coronha da espingarda. Tony sentiu
que o ar havia sido sugado daquele lugar.
Seis joelhos se dobraram contra a sua
vontade. Nova coronhada atingiu o
músculo, entre o pescoço e o ombro,
fazendo-o gemer e imobilizar o braço
direito.
O xerife não deu tréguas para Ned.
Chutou-lhe as costelas com o bico de sua
boca.
O rapaz gemeu, rolando no assoalho,
tentando se safar dos golpes, até ver-se
encurralado contra a parede.
O homem da lei chutou-lhe o estômago,
depois o rosto, que se cobriu de sangue.
— Pare! Vai matá-lo! — conseguiu gritar
Tony, ainda sem fôlego e sem pernas para
se levantar.
O xerife respirou fundo e se afastou,
enquanto Ned procurava, com esforço, se
sentar, com as costas apoiadas na parede.
— O que eu fiz? — indagou, a boca
babando sangue.
O xerife apanhou um copo de cerveja que
um dos auxiliares deixara sobre a mesa de
jogo. Bebeu um gole, depois se voltou e
atirou o copo contra o corpo de Ned, que
gemeu de novo com o impacto.
— Bastardo! Idiota! Quem pensa que é?
— gritou o xerife irritado.
— O que eu fiz? — balbuciou Ned de
novo.
Tony se arrastava pelo assoalho, na
direção do amigo.
O xerife chutou-o para o lado e foi
agarrar Ned pelos colarinhos, erguendo-o
contra a parede.
Bateu com o corpo dele algumas vezes
contra a madeira.
— Quem pensa que é para vir na minha
cidade, no meu saloon, trapacear? E da
forma como trapaceou? Felizmente eles
estavam de olho em mim, por isso você
pôde roubar à vontade. Enganou aqueles
trouxas, mas não a mim. Passe-me todo o
dinheiro agora — ordenou o homem da lei.
— Setenta dólares me pertence, e...
— Acabam de ser confiscado para
pagamento de multa por desacato — cortou-
o o xerife, tomando-lhe todas as notas que
trazia nos bolsos.
Jogou-o no assoalho. Levantou Tony em
seguida e fez o mesmo, deixando-os sem
dinheiro.
As armas já lhes haviam sido tiradas.
— Levem os dois para a cadeia e
apliquem neles um pouco do corretivo de
Powder River. Depois ponham-nos sobre
seus cavalos e os expulsem da cidade —
ordenou o homem da lei.
Os auxiliares agarraram os dois rapazes
pelo pescoço e os levaram, pelos fundos, até
a cadeia, alguns metros abaixo do saloon.
Lá os dois foram amarrados contra as
grades da cela. Suas camisas foram tiradas.
Os auxiliares estalaram sua chibatas.
Os estreitos chicotes de ponta fina,
flexíveis ao extremo, quando bem usados,
deixavam marcas para toda a vida.
Os auxiliares provaram que sabiam usá-
los. As costas dos dois rapazes foram
transformadas em carne viva.
Quando terminaram a surra, jogaram-nos
na cela. Um balde de água fria e salgada foi
atirada sobre as costas deles.
— Vamos deixar seus couros curtirem
um pouco, depois viremos para levá-los
para fora da cidade — disse um deles.
— Certo! Vamos tomar a última cerveja
da noite — propôs o outro.
Os dois saíram, deixando os dois rapazes
arrasados no fundo da cela.
As costas ardiam, além do efeito das
pancadas que haviam levado na sala dos
fundos do saloon.
— Maldita hora em que fui lhe ensinar
aqueles truques com o baralho, Ned! —
murmurou Tony, sentindo os músculos das
costas se repuxarem, de tanta dor.
— Eu estava indo bem, não? — ironizou
Ned, agarrando-se às grades para se erguer.
Conseguiu ficar em pé. O sangue escorria
de seu rosto e de suas costas.
— Malditos! Juro como vão me pagar por
isso, Ned. Eu juro. Não sou um animal para
ser tratado assim. Se eu visse um homem
espancando um animal como eles fizeram
conosco, Tony, eu o mataria. É isso que eles
merecem — falou ele, com dificuldade,
cuspindo sangue a todo momento.
— Se nós sairmos vivos daqui já será
uma grande coisa, Ned.
— Ficaram com nosso dinheiro...
— E com nossas armas também...
— Malditos! Mil vezes malditos!
Ficaram em silencio por alguns instantes,
ofegantes e doloridos.
Depois tentaram se mover e cada
movimento resultava num gemido de dor.
Ouviram conversa lá fora e o barulho de
cavalos.
Os dois auxiliares entraram e pareciam
muito satisfeitos, após o último drinque da
noite.
— Tirem as botas e os cinturões —
ordenou um deles.
— Por que isso? — indagou Ned.
— Para onde vão não precisarão delas.
Nem dos cavalos nem das armas —
explicou o homem, rindo com satisfação.
— Não podem fazer isso — argumentou
Tony.
— Não só podemos como vamos fazer —
disse o outro, apanhando o chicote
novamente. — Façam o que nós dissemos
— gritou.
Os dois rapazes não tiveram alternativa.
Primeiro deixaram cair os cinturões. Depois
se sentaram, com dificuldade, para tirar as
botas.
Cada um deles trazia uma faca escondida
ali. Ao retirarem as botas, puseram as facas
dentro das meias.
— Querem as meias também? — indagou
Ned, com ironia.
— Não, isso aí está cheio de pulgas e
piolhos — disse um dos homens, abrindo a
cela.
Apontaram suas espingardas para os dois.
— Vamos saindo. Os cavalos estão lá
fora. Vamos dar um passeio, garotos —
explicou um dos auxiliares e os dois riram
com satisfação.
Quando Ned e Tony passaram por eles,
foram novamente golpeados nos rins pelas
coronhas das espingardas.
Gemeram, caindo de joelhos no assoalho.
— Isso foi apenas para vocês não
pensarem em bancar os espertinhos — riu
um dos auxiliares.
— Vamos andando. Não temos a noite
toda — falou o outro, empurrando-os.
Os dois rapazes deixaram a cadeia. Lá
fora seus cavalos os esperavam. Nas selas,
ao invés dos rifles, havia uma pá em cada
uma.
— Vão precisar fazer um pequeno buraco
rapazes, mas será coisa breve — disse um
deles.
— Imagino o que seja — comentou
Tony, montando.
Ned fez o mesmo. O grupo desceu a rua
principal, passou diante do saloon, diante do
qual estava o xerife, fumando sorridente.
— Voltem sempre que puderem, rapazes
— falou, acenando cinicamente.
— Eu voltarei! Prometo! — respondeu-
lhe Ned e seu tom de voz era cheio de
rancor.
— Mortos não voltam jamais —
argumentou um dos auxiliares, cutucando as
costelas de Ned com o cano da espingarda,
fazendo-o gemer e se curvar na sela.
— Sempre em frente! — ordenou o
outro.
Os dois rapazes cavalgaram na frente,
seguindo pela estrada. Já não havia mais
movimento. Pela posição da lua no céu, a
madrugada ia pela metade e o sol não
demoraria a surgir.
— Para onde vão nos levar? — quis saber
Ned, sentindo que o frescor da madrugada
reanimava seu corpo dolorido.
— Não interessa! Vá cavalgando. Nunca
vi ninguém com tanta pressa de morrer —
respondeu um deles.
Cavalgaram por meia hora, até passarem
perto de um riacho.
— Entrem ali! — apontou um deles, com
o cano da arma.
Deixaram a estrada e entraram por uma
trilha que foi dar às margens do riacho.
— Vejam como sou bonzinho. Estou até
facilitando as coisas para vocês. Verão
como será fácil cavar nesta terra mole —
comentou o auxiliar.
— Somos muito gratos por isso —
respondeu Ned, desmontando do lado
aposto do cavalo, de forma que seu animal
ficasse entre ele e os auxiliares do xerife.
Tony fez o mesmo. Quando puderam,
retiraram as facas das meias e as
esconderam no cinto, por debaixo da
camisa.
— Peguem as pás e comecem a cavar —
ordenaram.
— Onde? — quis saber Ned.
— Onde quiser, diabos! É você que vai
ficar aí mesmo.
Ned enfiou a pá na terra úmida e
levantou, atirando-a para o lado. Tony o
imitou.
Na segunda vez, Ned jogou a pá para o
lado e se inclinou sobre o buraco quer mal
começara a ser aberto.
— Que diabos! Tem ouro nesta terra? —
indagou, fingindo surpresa.
— Mas... É ouro mesmo, Ned! — ajuntou
Tony.
— Que história é essa de ouro? —
apressou-se em perguntar um dos auxiliares,
jogando seu cavalo sobre os dois rapazes,
que se afastaram.
Os dois homens saltaram dos animais
para examinar o local. Ned deu um tapa no
chapéu do mais próximo, segurou-o pelos
cabelos e pôs a faca em sua garganta.
— Que pena! Não é ouro! — brincou ele.
Tony havia feito o mesmo com o outro
auxiliar.
— Ajoelhem-se! — ordenou Ned.
— Por favor! Não nos mate! —
choramingou um deles.
Ned chutou a costela do seu prisioneiro,
fazendo-o cair de joelhos, soluçando.
— Vamos amarrá-los e deixá-los, Ned —
sugeriu Tony.
Ned respirou fundo. Seu corpo todo doía.
Suas costas estavam lanhadas. A camisa se
colava ao sangue coagulado e cada
movimento provocava dor.
Fora tratado pior que um animal. Sentira-
se um lixo nas mãos daqueles homens,
como se sua vida não valesse um níquel.
Um verme teria tido mais compaixão.
— Meu amigo tem coração mole... —
começou a dizer.
— Obrigado, senhor! — apressou-se em
dizer o homem que Ned segurava.
— Mas eu não! — completou o rapaz e
sua faca deslizou de orelha a orelha do seu
prisioneiro que, a principio, não entendeu o
que tinha acontecido.
Ned continuou segurando sua cabeça
pelos cabelos. Ele apenas balançou o tronco
de um lado para outro, numa dança
grotesca, até imobilizar-se.
— O que fez, Ned? — indagou Tony,
horrorizado com o gesto do amigo.
Ned não respondeu. Voltou-se para o
homem que Tony mantinha imobilizado e
encostou a faca em sua barriga.
— Levante-se! — ordenou Ned.
O outro o obedeceu imediatamente.
Tremia. Não conseguia segurar os
intestinos. O mal cheiro provocou uma
careta em Ned.
— Covarde! — murmurou o rapaz. —
Solte o cinturão! — ordenou.
O outro o atendeu. Tony recuou alguns
passos, observando passivamente o que
acontecia.
Aquele não era o amigo dele. Não era o
homem que ele conhecia. O homem a sua
frente era um desesperado do pior tipo.
— Ned, deixe-o ir embora! — pediu
Tony.
— Não! Ele viu o que fiz. Além disso,
matei um homem ontem à noite porque ele
fez mal a uma rês. Este aqui me tratou pior
que a um animal. Não merece a minha
compaixão.
— Ned... — ia insistir Tony.
— Por Deus, não! — suplicou o auxiliar,
antes de compreender que o que tocava seu
peito não era mais a ponta da faca, mas a
guarda que separava a lamina do cabo.
Abaixou a cabeça e ficou olhando a faca
toda enterrada em seu peito.
A mancha de sangue começou a se
alastrar. Ele levantou a cabeça para Ned.
Seus olhos estavam baços e sem vida.
Ned torceu o cabo da faca para um lado e
depois para o outro. O homem a sua frente
vomitou sangue, caindo de joelhos.
O rapaz pôs seu pé dele e o empurrou
para trás, retirando a faca, que ficou
gotejando sangue.
O auxiliar ficou olhando para a lua,
enquanto seus olhos iam pouco a pouco
perdendo o brilho, até se fecharem, num
espasmo mais forte.
— Ned! Você ficou louco? — indagou
Tony.
— Não, Tony. Você ainda não me viu
louco. Vai ver só quando eu pegar aquele
xerife — falou o rapaz, começando a retirar
o cinturão do cadáver a sua frente.
Os dois rapazes haviam lavado as roupas
manchadas de sangue e banhado seus
corpos feridos.
Tony havia conseguido conter a fúria de
Ned, que acabou concordando em pensar
melhor.
Na realidade, Ned estava apenas fazendo
planos. Nada lhe tiraria o gosto da vingança.
Fizeram uma fogueira para secar as
roupas. Armaram-se com os revolveres e
com as espingardas tiradas dos auxiliares,
cujos corpos eles haviam atirado na água e
empurrado rio abaixo.
— Sorte sua que o xerife não encontrou o
anel, Tony — disse Ned.
— É a única coisa que temos agora.
— Encontrei alguns dólares nos bolsos
deles, mas nada comparado ao que o xerife
nos tomou.
— Por mim eu me dou por satisfeito —
comentou Tony, aliviado. — Estou vivo e
isso me basta.
— Viver não é tudo, Tony.
— Como não?
— Quando lhe tiram o emprego, os
sonhos, a esperança, o amor, seu dinheiro,
sua dignidade, então o que resta? Que vida é
essa? — indagou Ned, com amargura.
— Calma lá, parceiros! Não fale assim!
Temos cavalos, temos armas e munição e
temos o anel. Podemos ir para qualquer
parte do Oeste.
— Não vou para onde me empurram,
Tony! Nunca! Aprendi a ir apenas para
onde quero ir.
— Os tempos não são fáceis, amigo.
Muita coisa mudou.
— Não para mim.
Uma voz embriagada cortou a noite. Um
cavaleiro vinha pela estrada, cantarolando
alguma coisa.
Ned apanhou o Colt e apenas de ceroulas
correu na direção da estrada.
Tony, sem ter como detê-lo, armou-se e
correu no encalço dele.
— O que é? — indagou Ned, de tocaia à
beira da estrada.
Uma charrete vinha na direção da cidade.
Junto ao bêbado que cantava estava um
pistoleiro. A cavalo, atrás deles, outro
pistoleiro.
— Estamos com sorte. Deve ser um
comprador de gado ou de terras. Deve estar
cheio do dinheiro — falou Ned, impaciente.
— O que pensa fazer? — surpreendeu-se
Tony.
— Vou pegar a minha parte neste butim
— falou Ned. — Parem! — ordenou, sem
se levantar.
Os pistoleiros imediatamente sacaram
suas armas, sem localizar, porém, quem os
interpelava.
— Quem está aí? — indagou o bêbado na
charrete.
— De onde estão vindo? — quis saber
Ned.
— Do rancho de Mama Dallas, onde
estão as mulheres mais bonitas do
Wyoming — respondeu o homem na
charrete. — O que querem? Se procuram
diversão, é só seguir pela estrada. Quando
ver luzes e ouvir música, é lá!
— Soltem as armas. Isto é um assalto! —
ordenou Ned, abaixando-se.
No momento seguinte, os pistoleiros
atiraram a esmo na direção deles. As balas
assobiaram ao redor dos dois.
O cavalo que puxava a charrete disparou,
derrubando o pistoleiro e o passageiro na
poeira.
Isso deixou livre o primeiro alvo. Ned
apertou o gatilho e o chapéu do homem a
cavalo voou para o alto, enquanto o
cavaleiro caía para trás, sem a parte de cima
da cabeça.
O pistoleiro no chão procurou sua arma
no meio da poeira. Ned disparou contra as
costas dele, jogando-o de boca na terra.
O bêbado se levantou, cambaleando, com
as mão para cima.
— Não me mate! Não me mate! —
repetia.
— Cadê o dinheiro? — quis saber Ned,
revistando-o.
Sentiu, sob a camisa do outro, a cinta
contendo dinheiro. Rasgou-lhe a camisa e
puxou o cinturão, cheio de repartições, onde
estavam maços de notas.
— Rapaz! O que é isto? — surpreendeu-
se Ned.
— Por favor, é todo o meu dinheiro! Vou
comprar gado... Não podem ficar com isso...
— Comprar gado? Verdade? E quanto
está pagando por cabeça? — perguntou-lhe
Ned, com desprezo.
— Estou esperando ainda... O preço vai
baixar... — comentou o outro, assustado.
— E quando vai começar a comprar?
— Quando chegar a cinco dólares...
— Cinco dólares? Você ouviu isso,
Tony? Cinco dólares por cabeça! Este
maldito aqui não sabe o trabalho que dá
criar uma rês, mantê-la no pasto, livrá-lo
dos pumas, perseguí-las nos
despenhadeiros. Maldito homem do Leste,
explorador e aproveitador! — exclamou
Ned e antes que Tony pudesse fazer alguma
coisa, enfiou o cano no Colt na boca do
prisioneiro e apertou o gatilho.
Sangue e miolos espiraram longe. Tony
ficou estático, sem poder acreditar.
— Não... Não é possível! Ned, o que está
havendo com você, demônios? — indagou
sem saber o que fazer.
— Estou pegando a minha parte.
— Está agindo como um desesperado,
homem. Não percebeu isso?
— Que seja, Tony! Mas sou um
desesperado que tem dinheiro — falou Ned,
dando de ombros e voltando para a beira do
rio.
Começou a abrir os maços de notas e a
contá-los.
— Tony, há uns vinte cinco mil dólares
aqui... Diabos, rapaz! Isto é muito dinheiro!
É todo o dinheiro do mundo! —
surpreendeu-se Ned, olhando aos eu redor.
Tony vestia rapidamente suas roupas.
— O que pensa que vai fazer? — indagou
Ned, erguendo-se. — Há muito dinheiro
aqui, Tony. O bastante para comprarmos
um rancho, para eu me casar, para fazermos
tudo que desejarmos.
— Com a lei em nosso calcanhares? —
devolveu Tony, começando a selar seu
cavalo.
— E quem saberá que fomos nós? Há
tantos desesperados nas estradas, poderia
ser qualquer um.
— Aquele xerife de Powder River não é
nenhum idiota. Quando der pela falta dos
seus auxiliares, vai começar a ligar as
coisas. Tem uma boa descrição nossa e
poderá vir em nosso encalço. O que vamos
fazer? Nos escondermos no Buraco no
Muro como os outros desesperados?
— Não, tonto! Nós temos nosso próprio
esconderijo, já se esqueceu? Podemos ir
para a Toca do Rato.
— Vá você, Ned! Eu vou embora daqui.
— Espere, não pode ir. Tem sua parte no
dinheiro e...
— Fique com tudo. É dinheiro sujo e não
quero.
— Pensei que fosse meu amigo, Tony.
— Eu era amigo de um sujeito chamado
Ned, que queria se casar com uma garota
chamada Mary Lee e ter um rancho. Acho
que esse cara morreu em algum lugar do
caminho e eu não vi. Você tomou o lugar,
foi isso.
Ned engoliu seco, abaixando a cabeça.
— É uma coisa muito dura para se dizer
para um amigo, Tony.
— Eu sei e lamento, Ned. Você fez
coisas ontem e hoje que eu jamais suspeitei
que faria. Parece que matar está no seu
sangue. Você adora isso. Você muda,
transfigura-se, torna-se selvagem e
incontrolável. Não dará certo, Ned. Adeus!
— despediu-se Tony, já montado, olhando o
amigo pela última vez.
— Para onde vai, afinal?
— Para o Leste! — afirmou Tony,
esporeando seu cavalo e se afastando dali.
Ned ficou imóvel, vendo-o sumir na
direção da estrada. O galope do cavalo foi
se perdendo na distancia. Uma sensação de
solidão terrível se abateu sobre ele.
Havia encontrado uma garrafa de uísque
no alforje de um dos auxiliares.
Abriu-a e bebeu um gole, fazendo uma
careta. Olhou os maços de notas perto da
fogueira.
Sentou-se e começou a juntá-los e a
guardá-los no cinturão com divisões.
Vestiu suas roupas e selou o cavalo. Em
breve amanheceria. Tinha dois rumos a
tomar. Afastar-se de Powder River e ir para
Cásper, ao encontro de Mary Lee e de um
futuro tranqüilo ou ir acertar suas contas
com aquele maldito homem da lei.
Pensou por instantes. Um sorriso
provocador desenhou-se em seu rosto.
— E por que não fazer as duas coisas? —
indagou-se.
O xerife Blackhat Bill bocejou e
começou a contar os maços de notas a sua
frente, enquanto bebericava um resto de sua
cerveja.
Os últimos bêbados já haviam sido
expulsos do saloon. As garotas haviam feito
suas escolhas e dormiam com seus
acompanhantes no andar superior.
O barman fechara a porta e passara a
féria para o xerife, despedindo-se.
Faltava só somar o dinheiro e levá-lo para
casa para guardá-lo com o resto.
Estava se dando muito bem. Com aqueles
homens do Leste andando de um lado para
outro, além dos vasqueiros com dinheiro no
bolso, após os acertos de contas, estava
fazendo um bom pé-de-meia.
Sabia que aquilo não ia durar para
sempre, mas, enquanto durasse, iria
aproveitar.
Logo poderia comprar um rancho inteiro
e esperar pelas chuvas para explorá-lo.
Aquele tempo ruim não iria durar para
sempre.
Nem aquela maré de sorte.
— Boa féria, xerife? — indagou Ned,
parado atrás dele.
Blackhat se voltou como um raio, a mão
descendo à procura da arma.
A coronha da espingarda de Ned desceu
com força sobre o cotovelo do homem da
lei.
Ouviu-se um estalo. Blackhat segurou o
braço e olhou. Uma lasca de osso
ensangüentada surgia de um rasgo na
manga do seu paletó.
Levantou os olhos para Ned. O rapaz
havia apanhado o chapéu preto, da abas
retas, e posto na cabeça. Servira-lhe
perfeitamente.
Blackhat abriu a boca para dizer alguma
coisa, mas não chegou a pronunciar uma
palavra.
Ned bateu-lhe com um cano da
espingarda, fazendo-o cuspir pedaços de
dentes.
— maldito! — gemeu o homem da lei,
caindo para o lado, sobre o braço
machucado.
O sangue gotejava da manga do paletó e
escorria de sua boca como uma bala
gosmenta.
Ele olhou Ned com pavor nos olhos.
— Gostei do cinturão — falou o rapaz.
— Solte-o — ordenou, apontando a
espingarda para a cara do outro.
O xerife se apressou em obedecê-lo. O
cinturão negro, com um Colt de cabo de
madrepérola caiu pesadamente no assoalho.
— Empurre-o com o pé! — ordenou o
rapaz, sendo atendido.
Não pegou a arma. Ficou olhando para o
xerife.
— Não me parece grande coisa agora,
seu bastardo, aborto da natureza! —
exclamou.
— Não me mate! Você tem que
entender...
— Você é que tem que entender que um
homem não é animal, seu imundo! —
cortou-o Ned, enfiando o cano da arma no
estômago dele.
O xerife se sobrou para frente. A coronha
da espingarda bateu-lhe no alto da cabeça,
jogando-o de boca na madeira.
— E mesmo que fosse, ainda assim
merecia respeito! — frisou o rapaz,
ajoelhando-se diante do xerife.
— Piedade! — suplicou o ferido.
— Sim, vou ter a piedade que se tem com
um animal ferido — disse Ned, segurando o
xerife pelos cabelos e erguendo sua cabeça.
Pôs o cano da espingarda na boca dele.
Apertou os dois gatilhos. Recolheu o
dinheiro da mesa, apanhou o cinturão e saiu
rapidamente pelos fundos.
Seis meses depois, numa taverna junto ao
Rio Potomac, em Washington, um homem
barbado comia avidamente um prato de
feijão com molho mexicano e uma fatia de
pão amanhecido.
Estava faminto, pois comia
desesperadamente, como se aquele fosse
sua última refeição.
Era assim que Tony se sentia, após sua
primeira semana em Washington.
Chegara de trem, numa tarde de outono,
fria demais para ele. Seu dinheiro ainda
dava para alguma coisa.
Tinha vindo aos poucos. Após vender o
anel e o cavalo, conseguiu seguir um trecho
da viagem, até sua cidade natal, Kansas
City.
Ali conseguira fazer alguns trabalhos,
como pistoleiro de homens do Leste, até
juntar o suficiente para seguir em frente.
Mal chegou à cidade, no entanto, fora
roubado. Todo o seu dinheiro simplesmente
sumiu de seus bolsos, na estação.
Havia sido depenado como um pato
ingênuo. A partir daquele primeiro dia na
cidade, apenas sofreu, passando fome,
dormindo ao relento e sendo enxotado como
um cão.
Aquela pocilga, nas docas do Rio
Potomac, era sua única saída para matar sua
fome de alguns dias.
Quando terminou, sentiu que ainda
poderia comer mais uns quatro ou cinco
pratos daqueles.
O dono da taverna se aproximou.
— Meio dólar! — disse, recolhendo o
prato.
— Não tenho dinheiro, mas posso lhe
fazer uma proposta. Dou-lhe esta arma —
disse ele, tirando o cinturão e o pondo sobre
a mesa. — É um Colt praticamente novo. Se
me voltar cinco dólares...
A resposta veio na forma de um murro
que atingiu sua testa, jogando-o para trás.
Assim que caiu, dois guarda-costas do
cantineiro surgiram e o agrediram a
pontapés.
Ele ficou no chão gemendo, enquanto o
homem examinava a arma.
— É uma bela arma. Já matou alguém
com ela?
Tony, sem fôlego, rastejou até a parede,
lutando contra a ânsia de Vômito que
ameaçava desperdiçar sua única refeição
decente, desde que chagara à cidade.
— Eu não sei... — respondeu ele,
tomando fôlego.
Tudo girava ao seu redor. Ele tapou a
boca com a mão. Não podia vomitar, não
depois de ter comido daquela forma.
— Acho que vou aceitar sua oferta,
cowboy. Fica a arma e o cinturão pela
refeição.
— Mas a arma e o cinturão valem pelo
menos dez dólares...
— Para quem? Para você? Não vendo
armas, por isso nada valem para mim.
— Devolvam-me a arma, por favor! Eu
prometo que voltarei para pagar-lhe a
refeição — pediu o rapaz, erguendo-se, com
as costas apoiadas na parede.
— Nada feito. Não me venha com
historias agora. Se eu fosse trocar comida
por promessas, seria um homem morto
agora. Vamos, dê o fora! — ordenou o
taberneiro, pondo o cinturão no quadril e
admirando-se.
— Maldito trapaceiro! — rugiu Tony,
avançando contra ele.
Seu punho atingiu em cheio o queixo do
outro, derrubando-o para trás.
Antes que pudesse continuar seu ataque,
foi seguro por trás pelos dois capangas.
O taberneiro se ergueu, esfregando o
queixo.
— É esquentado, não? Pois tenho um
bom remédio para isso. Rapazes, joguem-no
no rio. A água fria fará com que esfrie seu
ânimo.
Debatendo-se, Tony foi arrastado para
fora da taverna e levado até a beira da água.
Chutaram-no para dentro do rio.
A água fria rapidamente o reanimou, mas
Tony teve de se manter na água, pois os
capangas caminharam pelas docas,
observando-o durante algum tempo.
Começou a se congelar na água, quando
os dois homens pararam, finalmente,
conversaram por instantes, apontando na
direção de um outro, que vinha
caminhando, aparentemente embriagado.
Pela atitude dos dois, Tony concluiu que
iriam assaltar o pobre transeunte. Sentiu-se
grato por isso, pois pôde nadar para a
margem e sair. Pensou em se afastar
rapidamente. Afinal, naquela noite não
morreria de fome. Só se fosse de frio.
Parou, no entanto, pensando no homem
que, ainda que sem querer, salvara sua vida.
Retornou. Os dois capangas do taberneiro
seguiam o homem, que vestia
elegantemente e portava uma bengala.
Os dois foram se aproximando, até
emparelharem com o incauto. Empurraram-
no, então, contra uma parede.
— Passe a carteira! — disse um dos
bandidos, com uma navalha posta na
garganta do almofadinha.
Inesperadamente, a bengala subiu por
entre as pernas do agressor, atingindo seus
testículos.
Ele urrou de dor, mas seu companheiro
estava atento. Bateu no alto do chapéu coco
do homem contra a parede, fazendo-o cair
de joelhos.
Chutou-lhe, então, o rosto, fazendo sua
cabeça bater contra a madeira atrás dela.
— Maldito! Vou cortar-lhe os ovos! —
rugiu o capanga que havia sido atingido,
avançando contra o homem caído.
Tony veio com tudo. Saltou no ar e o
salto de sua bota cravou-se no rosto do
homem com a navalha, que girou o corpo
para o lado e desferiu um golpe, cortando a
perna do rapaz.
Ambos caíram nas pedras das docas. O
segundo bandido avançou sobre Tony, que
não sentira o golpe na perna.
— Calma aí, amigo! — disse o
almofadinha, enfiando a bengala entre os
pés e torcendo.
O homem desabou como um fardo,
batendo a cabeça na pedra. Tony havia se
erguido.
— Vou matá-lo! — rugiu o malfeitor,
brandindo a navalha, cuja lamina rebrilhou
diante dos olhos do rapaz.
Ele chutou com força o braço do seu
oponente. A lamina desapareceu no ar.
Naquele momento, ele pensou em Ned,
em sua fúria que, quando desencadeada,
tornava-se incontrolável.
Depois de tudo que passara nos últimos
tempos, sentia-se o mais desesperado de
todos os desesperados.
Sua bota bateu firme contra o rosto do
bandido, derrubando-o. Chutou-o, então, até
ouvir os ossos da costelas estalarem.
— Calma, assim você vai matá-lo —
alertou o almofadinha, tentando contê-lo.
— Este amaldiçoado bem que merecia —
rugiu Tony, segurando o bandido pelos
colarinhos e fazendo-o engatilhar até a beira
do rio.
Chutou-lhe o traseiro, jogando-o na água.
O outro, antes que Tony fizesse alguma
coisa, correu e se atirou na água, nadando
para longe.
— É muito valente, amigo! Salvou-me a
vida! Sou Jeff Bowie, às suas ordens!
— Tony Kansas! — respondeu o rapaz,
apertando a mão do outro.
— Tony Kansas? Nome original!
— Não me peça para contar a historia do
meu nome. É muito aborrecida — falou o
rapaz, olhando para baixo.
As luzes embaçadas dos lampiões se
refletiam no sangue que escorria de sua
perna.
Ele estranhou aquilo e se afastou um
passo. O sangue gotejando deixou uma
trilha bem marcada.
— Você se feriu? — indagou Jeff.
Tony levantou a barra da calça. Um talho
enorme vertia sangue em sua perna.
— Diabos! Aquele bastardo me cortou!
— exclamou o rapaz, examinando melhor o
estrago.
— Deixe-me ajudá-lo — prontificou-se
Jeff, ajoelhando-se diante dele.
Tirou a echarpe do pescoço e, com ela,
amarrou a perna, tentando estancar o
sangue.
O tecido branco de seda tingiu-se
lentamente de vermelho.
— Acho que o melhor será levá-lo ao
hospital — disse o almofadinha.
— Estou bem...
— Nada disso. Você foi ferido e eu me
sinto na obrigação de ajudá-lo. Vamos
cuidar disso. Depois eu lhe arrumo roupas
secas e uma bebida para aquecer. Falando
nisso, como foi que se molhou dessa forma?
Tony lhe contou o que acontecera.
— E sua arma ficou lá?
— Sim, não tive escolha.
— A arma de um homem é sua mais cara
propriedade. Vamos lá recuperá-la.
— Você me empresta meio dólar?
— Claro, aqui está — disse o outro,
entregando-lhe uma moeda.
Foram até a taverna. Quando Tony
avançou na direção do taberneiro, este fez
menção de apanhar uma arma atrás do
balcão.
Jeff, no entanto, abriu seu paletó e
mostrou o cabo de sua arma, fazendo um
sinal negativo com a cabeça.
— Aqui está seu meio dólar. Devolva-me
a arma.
O taberneiro viu naquilo a chance de
lucrar.
— Você disse que a arma e o cinturão
valiam pelo menos dez dólares.
Tony estendeu os braços e o agarrou
pelos colarinhos, puxando-o por cima do
balcão.
O taberneiro trouxe, em sua mão, um
cassetete. O golpe endereçado à cabeça de
Tony, no entanto, foi o rapaz soltou-o,
quando metade de seu corpo já havia
ultrapassado o balcão.
— Maldição! — berrou o comerciante,
caindo de boca no assoalho.
Quando se virou, Tony pesou-lhe no
pulso que segurava o cassetete, obrigando-o
a soltá-lo. Apanhou a arma e bateu com ela
na testa do outro.
Um filete de sangue começou a escorrer
do meio dos cabelos dele.
— Trato feito! — disse o homem,
cruzando os braços diante do rosto.
Tony o soltou e foi espiar atrás do balcão.
Seu cinturão estava lá. apanhou-o e o
afivelou no quadril.
— Não o vi usando uma arma —
observou Tony, quando caminhavam lá fora
já.
— Uso um coldre sob o braço. É mais
prático — mostrou ele.
— Estranho. Não é difícil para sacar?
— Não, quando se acostuma. Além disso,
quando você tem de correr atrás de alguém,
ele fica mais firme e não atrapalha tanto
quanto os coldres comuns.
— Correr atrás de alguém? Por quê?
— Força da profissão.
— O que você é, um policial?
— Mais ou menos...
— Mais ou menos como?
— Sou uma espécie de Delegado Federal,
com jurisdição em todos os territórios
americanos, do Atlântico ao Pacífico.
— Puxa! Isto é ser importante, não?
— Alguns o consideram! — afirmou Jeff,
com orgulho.
Tony foi levado a um hospital, onde sua
perna foi costurada e um curativo foi
aplicado.
— Terá de voltar amanhã para vermos
isso de novo — determinou o médico.
— Diabos! Como farei isso? — reclamou
Tony.
— Por que diz isso? — quis saber Jeff.
— Por nada — respondeu o rapaz,
mostrando constrangimento.
— Já sei, não tem onde ficar, não é?
— É, já que mencionou o fato...
— Pois ficará comigo. Tenho uma casa
aqui perto e moro sozinho, com uma criada
que mantém tudo limpo e cozinha a melhor
comida na região do Potomac.
Tony não se sentia na condição de rejeitar
uma oferta como aquela.
— Está bem, mas quando o médico me
der alta, eu vou embora — decidiu ele.
— Para mim tudo bem — concordou
Jeff, examinando-o com o canto dos olhos.
No local onde trabalhava necessitavam de
homens como Tony, decididos, bons nos
punhos e nas armas, curtidos pelo sol do
Oeste.
Para domesticar aquela região feroz,
apenas homens como ele, que a conheciam.
Para Jeff, não havia dúvidas de que Tony
era de lá. Seu modo de se vestir, o jeito de
falar, a pele queimada, tudo indicava isso.
Só que havia percebido que o rapaz era
muito arredio. Iria devagar com ele.
Afinal, era reconhecido por ser muito
convincente em seu trabalho.
— De que região você é do Oeste? —
indagou Jeff, enquanto caminhavam por
uma rua tranqüila, num bairro residencial da
cidade.
— Wyoming.
— Norte, Sul, que lado?
— Sul, na região de Cásper.
— Cásper? — surpreendeu-se Jeff. —
Saiu de lá há muito tempo?
— Por quê? — indagou, desconfiado.
— Aquela região tem estado em pé de
guerra desde uns seis meses para cá.
— Saí de lá antes disso, quando
começaram os leilões de gado. Meu patrão
foi um dos primeiros a vender.
— Uma pena. Foi um período difícil,
cujos reflexos se estendem até hoje. As
terras foram compradas por pura
especulação. Estão paradas. Não há venda,
não há produção. Com o inverno se
aproximando, o caos será maior ainda.
Estão comprando comida a preço de ouro
por lá. isto quem pode pagar, porque quem
não pode está indo embora ou se mudando.
Tony se manteve em silencio. Pensou em
Ned e na loucura daquela noite.
Era algo que queria esquecer. Fugira de
lá justamente por isso. Jamais voltaria
àquele lugar.
The Blackhat Bunch ou quadrilha do
Chapéu Preto era temida e procurada na
região que ia de Douglas, a Leste de Cásper,
até Powder River, onde ela começara sua
onda de crimes que já se estendia por mais
de seis meses.
Na terra devastada e explorada, a
quadrilha encontrara abrigo e proteção junto
à população, que via nos homens do Leste
os coiotes que devoravam os despojos
daquela terra.
Os assaltos eram dirigidos apenas aos
almofadinhas e aproveitadores. Nenhum
cidadão ou cidadã havia sido roubado. Eram
sempre postos de lado e não passavam pelos
vexames a que os outros eram submetidos.
Tudo começara em Powder River,
quando o xerife Blackhat Bill fora morto,
em seu saloon, ao amanhecer.
Seu chapéu preto e seu coldre da mesma
cor haviam sido roubados pelos seus
assassinos.
Outros roubos foram realizados. Um
homem com um chapéu preto, de abas retas
e um cinturão negro estava sempre presente.
Com o tempo, os outros passaram
também a usar o mesmo tipo de chapéu e de
cinturão, confundindo-se num só homem.
Nos ranchos, nos poucos que haviam
resistido à invasão dos ladrões do leste,
chapéu pretos eram afixados no alto dos
celeiros, indicando que, ali, os quadrilheiros
encontrariam proteção.
A lei tentou se aproveitar disso,
preparando armadilhas para os membros da
quadrilha.
O resultado foi que os celeiros eram
incendiados, bem como a fazenda e o que
havia de plantação ainda.
Os xerifes das cidades da região se viram
impotentes para conter a onda de crime.
Agentes da Pinkerton chegaram a circular
pela região, mas não lograram resultados.
Comentavam, agora, que os governo
mandaria Delegados Federais, os melhores,
para combater a quadrilha.
Ninguém julgava que eles conseguiriam,
principalmente os homens que ocupavam
uma cantina na estrada entre Clenrock e
Blate, a mesma que levava de Douglas a
Cásper.
— Dizem que eles levam as armas sob os
braços — comentou um dos homens no
balcão, bebendo uísque.
— Sabem por que? — indagou Ned, no
centro de todos eles.
— Não, não sei! — respondeu um.
— Por quê, Ned? — quis saber outro.
— Porque as armas deles têm cheiro de
morte — explicou o rapaz, mas ninguém
entendeu a piada.
Ele riu sozinho, olhando as caras de
idiotas de seus parceiros.
— Vocês não têm senso de humor —
reclamou ele, terminando seu uísque.
Bateu o copo no balcão. O taberneiro se
apressou em servir. Um homem surgiu na
janela da taverna.
— Ned, a diligência vem aí — avisou.
— Muito bem, rapazes! Vamos depenar
esses patos — avisou ele.
Um ritual acontecia ali dentro. Os
homens tiraram lanços pretos de seus bolsos
e amarraram diante no rosto, cobrindo do
nariz para baixo.
Puseram chapéus pretos. Ajuntaram
cinturões pretos nos quadris e ficaram a
postos.
A diligência parou, envolvida num
nuvem de poeira.
— Muito bem, pessoal! Concedo cinco
minutos para vocês esticarem as pernas,
enquanto trocamos os cavalos — gritou o
cocheiro.
Quando saltou da diligencia, um vulto
surgiu no meio da poeira com uma
Winchester na mão e o golpeou na cabeça.
A mesma sorte teve o guarda, quando
saltou do outro lado. Quando a poeira
assentou, os passageiros, que haviam
começado a descer, viram uma fileira de
dez homens diante deles, apontando armas.
Todos usavam chapéu, lenço e cinturão
pretos.
— A Quadrilha do Chapéu Preto! —
exclamou em uníssono todos eles.
Ned começou a rir, seguido pelos seus
homens. Em toda parte, em todos os
assaltos, a reação era a mesma.
— Como vão, senhores e senhoras? —
cumprimentou ele.
Com o tempo, havia se acostumado a
diferenciar os homens e mulheres da região
dos abutres do Leste.
Naquela diligencia, por exemplo, havia
um casal de velhos da região, com dois
netos.
Um homem gordo, de casaca e corrente
de ouro prendendo o relógio e cara de
aproveitador.
Pela suas silhueta, Ned podia adivinhar o
tamanho do cinturão de dinheiro que ele
trazia oculto na barriga.
— Você — apontou ele. — Tire a roupa.
— Mas... — gaguejou o outro.
Ned enterrou-lhe o cano de Seul Colt na
barriga e puxou o cão do gatilho para trás.
— Mata ele, moço! O tempo todo ele
veio falando como esta região é miserável e
não prestava para nada — disse a velhinha,
indignada.
— Verdade? — indagou Ned, olhando o
homem do Leste nos olhos.
— Não... Por favor... Eu estava
brincando...
Não chegou a terminar. A bala atravessou
sua barriga, jogou sangue na porta da
diligencia e foi se encravar no assento
empoeirado.
A velhinha olhou para Ned e sorriu
agradecida.
A carruagem parou nos fundos do
imponente prédio do Congresso americano,
conhecido como Capitólio.
Para Tony, ter percorrido aquelas ruas
famosas e cheirando a Historia fora algo
deslumbrante.
Nada ficava a dever às narrativas que
ouvia atentamente quando era garoto, no
prostíbulo onde fora criado.
— Aqui se reúnem os nomes mais
importantes do país — disse Jeff,
conduzindo o deslumbrado rapaz pela
escadaria, até a entrada.
— O que estamos fazendo aqui? —
indagou Tony, desconfiado.
Jeff havia feito muitas perguntas sobre a
região de Cásper, como que testando-o
sobre o assunto.
Depois falara em oferecer-lhe um
emprego, mas não explicara a natureza
desse emprego.
— Você não queria conhecer o
congresso? — retrucou Jeff, sem lhe dar
muita atenção.
Penetraram numa ampla sala, com teto
totalmente decorado e olhas de arte nas
paredes.
O piso era feito de blocos alterados,
construindo um desenho intricado, mas cujo
resultado final era belíssimo.
Jeff empurrou Tony para uma sala de um
dos corredores que saíam do salão de
entrada.
Um homem barbudo, atrás de uma
escrivaninha, levantou-se e sorriu ao
reconhecer Jeff.
— Jeff, seu bastardo, como vai? —
indagou, cumprimentando-o efusivamente.
— Muito bem, senador. Espero que o frio
de ontem à noite não tenha afetado sua gota
— respondeu ele.
— Eu já nem ligo. Depois que conheci o
uísque do Kentucky, nada mais se
incomoda. Mas o que o traz aqui?
— Senador, este é Tony Kansas, chegado
há pouco tempo do oeste. É da região de
Cásper. Conhece toda aquela região.
— Verdade? — indagou o homem,
voltando-se para o rapaz.
— Jeff exagera.. Fui vaqueiro por lá...
— Sabe usar uma arma?
— Sim, sei.
— E está disposto a aceitar o cargo?
Jeff pigarreou, chamando a atenção do
senador.
— Na verdade, não adiantei nada ao
Tony, senador.
— Então sentem-se, vamos conversar.
— A que cargo está se referindo? — quis
saber Tony.
— No seu devido tempo, meu rapaz. No
seu devido tempo — acalmou-o o político.
Se não ainda, meu nome é Lane Sheridan e
sou senador do Wyoming no congresso dos
Estados Unidos.
— Já ouvi falar a seu respeito, senador —
comentou o rapaz.
— Espero que tenha ouvido só boas
coisas — riu o senador. — Mas estou
preocupado com nosso estado, Tony,
principalmente com a região de Cásper.
— É o bando de Sundance Kid? —
indagou o rapaz.
— Esse é um dos problemas, só que
Sundance Kid e seus homens são mais
refinados. Não que não sejam um problema.
São e dos grandes. O que está
incomodando, realmente, pela violência
gratuita, pelo crueldade e pela
desumanidade de suas ações é o bando do
Chapéu preto.
— Bando do Chapéu Preto? — estranhou
Tony, tentando imaginar quem seriam eles.
— Começaram a agir na primavera deste
ano, no auge da crise do gado. Limitam-se a
assaltar e matar homens e mulheres do
Leste, compradores, negociantes, seja lá o
que for, desde que seja do Leste.
— E por que o nome?
— Deve ter ouvido falar de Blackhat Bill,
o xerife de Powder River — falou o
senador.
Tony esfriou por dentro, engolindo seco.
Ainda conservava nas costas as cicatrizes
daquela noite.
— Eu o conheci pessoalmente e posso lhe
dizer que não era muito amistoso. Tenho a
lembrança dele em minhas costas.
— Como assim?
— O xerife tinha métodos pouco
ortodoxos de reabilitação de presos —
explicou Jeff.
— Não sei o que Jeff quis dizer com isso,
mas Blackhat Bill costumava chicotear os
presos, depois de tomar-lhe todos os
pertencer. Finalizava mandando expulsá-los
da cidade, só que os pobres coitados eram
levados para fora da cidade e abrigados a
cavar a própria sepultura. Isto eu sei porque
passei pela experiência e consegui sair com
vida — contou Tony.
— Fantástico! Você conheceu mesmo
tudo por lá — comentou o senador.
— Não me digam agora que Blackhat
mudou de lado e formou uma quadrilha —
disse Tony.
— Não, pelo contrário. Blackhat mudou
foi de posição. Da vertical foi para a
horizontal. Descansa em Boot Hill, a Colina
dos Pés Juntos em Powder River. Foi morto
naquela primavera. O assassino lavou seu
chapéu preto e seu cinturão. Desde então,
essa tem sido a marca registrada da
quadrilha, por isso o nome.
Tony ficou pensando em Ned, mas não
poderia ter sido ele. Estava com muito
dinheiro, não precisava ter voltado a
Powder River só para matar o xerife.
Depois, pensando melhor e se lembrando
daquela noite fatídica, acho que sim, que
Ned teria sido bem capaz de ter feito aquela
proeza.
— Um sem número de pessoas já foram
mortas naquela região, Tony. Os outros
congressistas têm me pressionado, exigindo
providencias. Falaram em mandar a
cavalaria para a região, mas isso seria o
caos, com o povo à beira da revolta após
toda a crise econômica e a perda do gado e
das terras. Preciso de um agente, um agente
dos bons, que conheça, a região e tenha
amigos por lá para me ajudar a desbaratar
essa maldita quadrilha. O que me diz? —
finalizou o senador.
Tony olhou para ele e depois para Jeff.
— Não, de forma alguma. Eu prometi a
mim mesmo que jamais voltaria àquele
lugar, senador. Nada deixei lá, senão os
melhores anos de minha vida. Vi a miséria e
o desespero tomando conta daquelas terras,
antes tão férteis e verdes. Não quero
estragar ainda mais a boa lembrança que
ainda tenho de lá.
— Tony, o vento que soprou na
primavera não acabou apenas com os
pastos. Fez nascer uma erva daninha das
piores, que se alastra sobre aquela terra e
vai acabar por levá-la ao caos. Muitas vidas
poderão ser poupadas...
— Vidas de gente do Leste, que não
conhece nem ama aquela terra...
— Tony, o Leste sempre foi o ponto de
partida para a construção deste país. Não
podemos nos esquecer disto. O que teria
acontecido àquela gente se não surgissem
homens do Leste para comprarem o gado,
ainda que a preço aviltante? As reses teriam
morrido nos pastos e isso teria sido em
frigoríficos e podem retornar à própria
região para alimentar o povo faminto.
Percebeu a injustiça que essa quadrilha está
cometendo?
Tony não respondeu. Ficou pensando no
que o senador dissera. Tinha sua lógica,
vista de longe agora e após todo aquele
tempo. Mesmo assim, era difícil imaginar-
se voltando para lá.
— Por que a lei não consegue apanhar
essa quadrilha? — indagou ao senador.
— São esperto e contam com a proteção
de todos os moradores de lá. Além disso,
possuem um esconderijo que ninguém sabe
ainda onde é...
— O Buraco no Muro?
— Não, dizem que mais inexpugnável
que o Buraco no Muro, mas mais
apropriado para um esconderijo. Boa água,
pasto, plantações, cabanas abrigadas do
vento e da chuva, uma verdadeira fortaleza.
Conhece, ao menos, algum lugar assim por
lá?
Pensou consigo mesmo. O senador falava
de algo parecido com a Toca do Rato.
— Há muitos lugares assim por lá,
senador. Muitos mesmo — descartou ele.
— Senador, fale do pagamento —
sugeriu Jeff, percebendo que seria difícil
convencer Tony usando argumentos como a
preocupação com a lei e a ordem ou com a
vida de gente do Leste.
— Bem, Tony! Não sei qual é a sua
intenção, mas Washington é uma cidade
cara para se viver. Já tem um lugar para
ficar?
— Ele está em minha casa, por enquanto
— explicou Jeff.
— Mas sairei logo, conforme combinado
— falou Tony.
— Já tem um emprego ou coisa assim?
— Não...
— Um capital para mantê-lo, então?
— Não...
— Um parente ou alguém para mantê-lo,
eu suponho?
— Também não. Na verdade, senador, só
tenho a roupa do corpo e, mesmo assim, foi
dado por Jeff. Pretendo arrumar um
emprego e...
O senador riu, então ironicamente, mas
com naturalidade da ingenuidade do rapaz.
— Em Washington você só tem duas
alternativas ou trabalha para o governo ou
está condenado a morrer de fome. Estou lhe
oferecendo a chance de trabalhar para o
governo. Quando terminar este trabalho,
virá para cá e eu cuidarei para que tenha um
emprego definitivo e um bom lugar para
morar, com um salário compensador. Para
isso, no entanto, você terá de nos ajudar a
limpar aquela região...
— Não sou um homem da lei...
— Será, assim que decidir. Receberá
treinamento...
— Treinamento? Como assim?
— Homens especializados lhe ensinarão
tudo que deverá saber como um delgado
especial. Terá autonomia em seus atos e
poder decisório ilimitado. O congresso lhe
dará um documento especial, autorizando-o
a praticar todo e qualquer ato necessário à
eliminação da Quadrilha do chapéu Preto.
— O que nos diz, Tony? — indagou Jeff.
O rapaz pensava. E se fosse Ned o líder
da quadrilha? Como enfrentar o amigo?
Poderia ter de matá-lo.
Mas teria Ned chegado mesmo àquele
ponto? Seu desespero poderia ter atingido
tamanho grau? Estaria beirando a
insanidade?
Respirou fundo. Era uma decisão
importante. Voltaria ao Wyoming, mas
desta vez pela última vez. Após isso, seu
sonho de viver no Leste se concretizaria.
Era a decisão mais importante de sua
vida.
No inicio do inverno, quando as chuvas
torrenciais começaram a cair, anunciando os
rigores do frio, um homem a cavalo entrou
em Cásper.
Vestia um pesado sobretudo impermeável
e usava um chapéu branco, de abas retas e
copa achatada.
Pela aparência, deveria ter cavalgado de
Douglas até lá, sob a chuva fria.
Enquanto percorria a rua principal, seus
olhos percebiam o estranho contraste na
cidade.
Muita coisa mudara por ali,
principalmente a moda. Chapéus pretos de
todos os tipos eram a tônica.
Os homens sentados nos alpendres
cobertos em frente das lojas usavam chapéu
pretos e acompanhavam, com olhar
desconfiado, aquele forasteiro.
— Tem cara de delgado — comentou um
deles.
— Só falta usar a arma sob o braço, para
se ter certeza — acrescentou outro.
Tony Kansas não ouvia as conversas.
Apenas o bater da chuva no chapéu e o
barulho das patas do cavalo entrando e
saindo da lama da rua.
Viu o saloon, que já conhecia de outros
tempos. Nada mudara em sua fachada.
Parou em frente, desceu e amarrou o
cavalo. Subiu para o alpendre coberto,
diante do estabelecimento.
Homens de chapéu preto, que estavam
sentados em bancos ao lado da porta, se
levantaram, encarando-o.
Tony limpou os pés, retirando a lama das
botas. Depois tirou o casaco, deixando a
mostra um cinturão duplo, onde reluziam
dois Colts sem coronhas de madrepérola.
Sem se incomodar com os observadores,
ele entrou. Pendurou o chapéu e o casaco no
cabide da entrada, depois caminhou até o
balcão, fazendo tinir suas esporas no
assoalho.
— Um uísque — pediu ele, esfregando as
mãos.
— De onde vem? — indagou o barman.
— De um lugar onde barman apenas
serve bebida e não se mete na vida dos
outros — respondeu Tony, olhando-o nos
olhos.
Alguém, em alguma das mesas, riu
divertido. O barman ficou furioso. Tony
olhou pelo espelho a sua frente. Homens
com chapéu pretos pontilhavam as mesas
atrás dele.
— Como é? Vai servir ou não? —
insistiu Tony, demonstrando irritação.
O barman olhou-o bem. Depois olhou
para alguém numa das mesas, esperando,
talvez, um sinal de aprovação ou alguma
ajuda.
Tony levantou os olhos para o espelho de
novo. Um homem de chapéu preto se
levantou e caminhou na direção deles.
O rapaz se voltou para encará-lo.
— Está com algum problema, amigo? —
indagou o homem de chapéu preto.
— Você é padre, pastor, médico ou o
quê? — retrucou Tony, sem se intimidar.
— Por que pergunta isso?
— Porque você está se oferecendo para
fazer caridade. Xerife não é, pois não vejo
nenhuma estrela. Sendo assim, deixe-me
resolver meu problema aqui com o barman
— falou Tony, virando-lhe as costas.
O saloon riu, deixando o homem furioso.
Ele pôs a mão no ombro de Tony.
— Não vire as costas quando eu estiver
falando com você — disse, furioso,
obrigando-o a se virar.
Só que Tony se voltou atacando. Sua mão
foi de encontro ao queixo de seu oponente,
que estalou, fazendo-o gemer.
Somente aquele golpe teria sido
suficiente para dar uma lição no
intrometido.
Tony havia aprendido, no entanto, o
conceito de neutralizar. Nos treinamentos a
que foi submetido, neutralizar era deixar seu
oponente sem condições de reagir.
Sem nenhuma mesmo. O homem a sua
frente usava a arma no lado direito. Tony
agarrou a mão dele e firmou seus dedos
sobre o dedo indicador do outro.
Um estalido seco e o homem gemeu de
dor, com o indicador quebrado. Aquele
dedo não apertaria nenhum gatilho.
O homem recuou um passo. Tony
chutou-lhe o joelho esquerda violentamente,
derrubando-o no assoalho.
Estava neutralizando, arrastando-se na
madeira. O rapaz se voltou para o barman,
enquanto todo o saloon ficava em silencio.
— Agora, amigo, a respeito daquele
uísque...
O barman se apressou em servi-lo.
— Beba, forasteiro! É seu último uísque
— disse um homem, entrando pela porta
vaivém do saloon.
Tony entornou o copo, depois se virou
sem pressa. Um homem, jovem ainda,
usando chapéu e cinturão pretos, o
observava do outro lado do salão.
— Quem disse isso? — indagou Tony.
— Eu! — respondeu o homem parado na
porta.
— Cidade interessante esta onde
jumentos falam — comentou Tony.
— Vai gostar de saber que cadáveres
também falam aqui.
— Pode provar isso?
— Você está falando e você é um homem
morto.
O saloon estava no mais profundo
silencio, esperando o mais mortal dos
duelos.
O forasteiro não conhecia o homem a sua
frente. Estava perdido.
— Quem disse isso?
— Eu, Ned Sinclair.
— Ouvi dizer que é o maior bastardo ao
sul do Wyoming.
— Prove isso, maldito!
— Saque primeiro, seu bastardo! —
provocou Tony, à espera de um movimento
do outro.
O reencontro dos dois amigos, após todos
aqueles meses, foi emocionante.
A encenação inicial serviu apenas para
fazer com que todos no saloon rissem,
quando os dois se aproximaram um do outro
e se abraçaram.
— Seu bastardo! — disse Ned.
— Filho de uma cadela! — devolveu
Tony, enquanto Ned o empurrava na
direção do balcão.
— Do melhor para nós — ordenou Ned e
uma garrafa de uísque foi posta sobre o
balcão, junto com dois copos.
Ned serviu para os dois. Saudaram um ao
outro e beberam do melhor uísque do
saloon. Ned voltou a encher os copos.
Beberam de novo.
— Vamos com calma, amigo! — pediu
Tony, na terceira vez.
— Você ficou velho e fraco, Tony — riu
Ned, tomando o terceiro copo, depois o
quarto e o quinto.
Só então, olhando o amigo com atenção.
— Quem diria? Meu velho parceiro,
Tony Kansas! — comentou ele, batendo no
ombro do amigo.
— Ned, seu paspalho! Você não mudou
nada. Só esse chapéu preto é novo em você.
— E você não devia andar por aí com um
chapéu branco desses que esta usando —
alertou Ned.
— E por que não?
— Pode ser confundido com gente do
Leste. E continuamos não gostando de gente
do Leste como antes — afirmou Ned, em
voz alta, olhando aos eu redor.
Os outros levantaram os chapéu,
concordando com ele.
— Viu só? É unânime — ressaltou,
voltando a encher os copos.
Tomou sua dose, sem se importar se
Tony estava ou não bebendo.
Voltou a encher o seu copo.
— O tem feito? Por onde andou?
— Fui para Kansas City. Acabei ama-
seca de um bando de gente do Leste.
— Sério? Pois não diga isso a ninguém
daqui. Será seu fim.
— Era isso ou morrer de fome, Ned. Eu
não tive escolha.
— Tudo bem, o que passou, passou.
Você voltou e aqui você não passará fome.
Vai trabalhar comigo.
— Com você? O que anda fazendo?
— Tenho um rancho.
— Está brincando? — disse Tony, com
receio de perguntar como Ned o havia
conseguido comprar.
Sabia que fora com o dinheiro daquele
assalto, havia mais de seis meses atrás.
— E tem mais: estou casado! — declarou
Ned, com orgulho.
— Mary Lee? — quis saber Tony,
desconfiado.
— Ela mesma!
— Seu filho da mãe sortudo! Conseguiu,
afinal. Eu tinha certeza que ela gostava mais
de mim do que de você.
— Fanfarrão! Pois foi comigo que ela se
casou. Você deveria ter estado aqui para ser
o padrinho. Foi lindo, Tony! Lindo mesmo!
— exclamou Tony, demonstrando emoção
nos olhos marejados de lágrimas.
Fungou disfarçadamente, enquanto servia
mais uma dose. A garrafa já chagava pela
metade.
Ned jamais bebera daquela forma.
Externamente poderia não ter mudado nada.
Interiormente estava diferente, muito
diferente do velho Ned, quando o
conhecera.
As outras pessoas, nas mesas, bebiam e
conversavam. Não pareciam ter grandes
preocupações para uma cidade que deveria
estar em crise.
Ao invés disso, a bebida corria solta.
Alguns fumavam caríssimos charutos.
Outros exibiam relógios de ouro, presos
com correntes, também de ouro, nos coletes.
Ned parecia o dono do mundo. Ria e
conversava. Todos pareciam respeitá-lo.
Aquele chapéu ridículo era o mesmo que
Blackhat Bill usava naquela noite.
— Beba mais um pouco! — ordenou
Ned, empurrando o copo na direção de
Tony.
Ele entornou toda a dose. Era um
excelente uísque, mas não justificava a
maneira como Ned voltava a encher
compulsivamente os copos.
— Não foi difícil casar com ela, Tony...
Não foi mesmo — afirmou Ned, agora já
demonstrando alteração pela bebida.
Começava a falar enrolado, pensando
antes de falar, como se encontrasse
dificuldade para concatenar os
pensamentos.
— Quando o pai ela viu o meu dinheiro,
Tony, ele me entregou Mary Lee numa
bandeja! Mudou totalmente o modo de
pensar a meu respeito. Então comprei o
rancho. Hoje ele nem quer saber de onde
vem o sustento. Só lhe importa que não lhe
falte o necessário. É um homem
amargurado também. Pena, Tony! — falou
Ned, silenciando em seguida.
Ficou parado, olhando para os bicos das
botas, oscilando levemente o tronco. A mão
apertava o copo vazio.
— E Mary Lee, onde está? — indagou
Tony.
— No rancho... No meu rancho... Sabe
que devo aquele rancho a você? Metade
dele poderia ser sua — afirmou Ned,
levantando a cabeça e encarando o amigo.
— Não, Ned, ele é todo seu. Você o
conquistou. Você teve coragem para tomar
suas próprias decisões e fazer o seu destino.
Mereceu isso.
Ned começou a rir. Serviu outro copo e
bebeu, limpando a boca com a manga da
camisa.
— O que foi? — quis saber Tony.
Ned se inclinou para falar-lhe baixinho
ao ouvido.
— Você precisava ver a cara daquele
maldito quando me viu.
— De quem está falando?
— Blackhat Bill! Meti-lhe a espingarda
na boca e espalhei seu maldito cérebro por
toda a parede.
Nesse momento, um grupo de homens
entrou no saloon. Dois almofadinhas,
respingados de lama e chuva, esfregaram os
pés no assoalho para limpá-los.
Atrás deles entraram cinco pistoleiros,
gente da pior espécie, com espingardas
mexicanas nas mãos, as temíveis escopetas,
de coronha e cano curto, devastadoras a
curta distância.
Ned estremeceu. Seus olhos se injetaram
e toda a sua fisionomia se alterou.
O grupo se aproximou do balcão. Ned
olhou para o pessoal das mesas e estes
fizeram um tipo de sinal de aprovação.
— Dê-nos um litro de seu melhor uísque
— ordenou um dos almofadinhas.
— Acabou! — respondeu Ned, sem olhar
para ele.
— Como disse!
— Acabou! — respondeu Ned, agora
alterando o tom.
Os pistoleiros se movimentaram no
saloon, espalhando-se, formando um leque
diante do balcão.
Tony percebeu isso. Ned parecia estar em
outro mundo.
— Vamos embora — disse o outro
almofadinha. — Podemos beber em outro
lugar.
— E por que deveríamos? Estou vendo
no balcão uma garrafa de um bom uísque.
Por que não podemos bebê-lo?
— Por que eu disse que acabou —
respondeu Ned, ainda sem encará-lo.
Segurou a garrafa pelo gargalo e virou-a.
O uísque começou a ser derramado no
assoalho.
— Mas é muito abusado mesmo —
reclamou o almofadinha, partindo para cima
de Ned.
A garrafa estilhaçou-se em sua testa e o
sangue escorreu pelo seu rosto.
Tony percebeu as escopetas sendo
apontadas para eles. Estendeu o braço e
agarrou o segundo almofadinha, puxando-o
para frente de si e prendendo-o com uma
gravata.
Nesse ínterim já havia sacado uma das
armas e engatilhado. Ned fizera o mesmo,
quanto o almofadinha, sangrando, caía de
joelhos.
Os pistoleiros ficaram imóveis por
instantes. Depois desengatilharam as
escopetas e as deixaram cair pesadamente
no assoalho.
Ergueram lentamente as mãos. Atrás de
deles, canos de armas haviam sido
enterrados em suas costelas.
— Por que fez isso? — indagou o
almofadinha, com a cara coberta de sangue,
levantando os olhos para Ned.
— Por que não gosto de você — explodiu
Ned, chutando-lhe o peito com violência.
Tony empurrou seu prisioneiro sobre o
outro, impedindo que Ned voltasse a agredir
o primeiro.
— Calma rapazes! — disse uma voz
áspera na porta do saloon. Era o xerife,
acompanhado de meia dúzia de auxiliares.
— O que está havendo aqui, Ned? —
indagou o homem da lei.
— Eles entraram no local errado, xerife.
O xerife se aproximou dos almofadinhas
que se levantavam, lambuzados de sangue.
— Eu os alertei, cavalheiros. Se querem
beber, vão ao Virgínia Saloon, mais abaixo.
— Este é um país livre. Temos o direito
de ir onde quisermos — insistiu o primeiro
almofadinha.
— Mas é muito arrogante mesmo —
rugiu Ned, partindo de novo para cima dele.
Tony o segurou.
— Calma lá, amigo! Vamos nos
preocupar com outras coisas. Essa gente não
merece nossa preocupação.
O xerife fez um sinal para os visitantes,
ordenando-lhes que fossem embora.
Saíram, escoltados pelo homem da lei e
seus auxiliares.
— O mesmo esquentado de sempre —
comentou Tony.
— Eu os detesto. O xerife os avisou.
Acham que esses pistoleiros são proteção
suficientes para virem entrando aqui, como
se fosse deles. obrigado, rapazes! Uma dose
por minha conta!
Os outros festejaram e correram ao
balcão, onde o barman foi servindo um a
um.
Nova garrafa foi posta diante de Ned.
Ele encheu os dois copos.
— Vamos nos sentar, Ned — convidou
Tony. — Estou cansado da viagem —
argumentou, percebendo que o amigo já
estava tendo dificuldades para se manter em
pé.
Ned o atendeu. Sentaram-se. Ned bebeu
dois ou três copos seguidos. Olhou Tony.
— Você vai trabalhar para mim...
Comigo! Seremos sócios. Meio a meio.
Devo isso a você.
— Não sei sem me habituaria de novo a
trabalhar num rancho, Ned — argumentou
Tony.
— Rancho? Quem falou em trabalhar em
um rancho? — divertiu-se Ned.
— E não é para isso que está me
convidando?
— Não, nada de trabalho duro. É trabalho
de professor...
— Professor? — riu Tony, sem entender.
— Sim... Trabalho de ensinar... Ensinar
as pessoas a aprenderem onde é o lugar
delas. É simples, Tony, qualquer um pode
fazer...
— Não estou entendendo, Ned...
— Entenderá! — afirmou Ned,
debruçando a cabeça sobre os braços, na
mesa. — Depois eu lhe explicarei tudo.
Agora só vou dar uma cochilada...
No momento seguinte já ressonava,
totalmente apagado. Tony olhou-o com
preocupação.
Foi até o balcão e perguntou ao barman
onde era o rancho que Ned havia comprado.
— Lembra-se do rancho do velho Simon,
na estrada para Glenrock?
— Sim, claro. É esse?
— Esse mesmo.
— Conhece o cavalo dele?
— É um cavalo negro, com arreio negro e
enfeites de prata. Deve estar lá fora.
— Quanto lhe devemos?
— Nada — respondeu o barman.
— Nada? Como assim?
— O saloon pertence ao Ned.
— Ned é dono do saloon também?
— Ned é dono de muitas coisas por aqui.
Todos o respeitam e lhe devem favores. Se
não fosse ele, Cásper teria desaparecido,
transformada numa cidade-fantasma, na
época da seca.
— E como ele fez isso?
— Você é amigo dele?
— Sim.
— Então ele lhe dirá, se achar que você
deve saber — respondeu misteriosamente o
barman. — Ele fez algo por nós que não
tem preço: restitui-nos a dignidade. Temos
um resto de orgulho do que somos graças a
ele.
— Bem, só há uma coisa a fazer por ele
agora. Levá-lo para casa.
— Quer ajuda?
— Não, eu me viro. Já fiz isso muitas
vezes por ele, quando éramos vaqueiros.
Retornou à mesa, ergueu Ned e o pôs nos
ombros, levando-o para fora. A chuva
continuava caindo, mansamente agora.
Atravessou o amigo sobre a sela.
— Não estou morto ainda — murmurou
Ned.
— Como?
— Ainda não morri. Enquanto estiver
vivo, jamais andarei atravessado em uma
sela.
— Então acomode-se como deseja —
disse Tony.
— Não consigo.
Tony riu e foi ajudá-lo a se acomodar na
sela. Ned cruzou as mãos diante do corpo,
ajeitando-se na sela, depois esporeou de
leve seu cavalo.
Ele trotou na direção da saída da cidade.
Tony o seguiu. Passaram diante do Virgínia
Saloon.
Os dois almofadinhas estavam lá, com as
roupas manchadas de sangue e os
pistoleiros portando as escopetas.
Do outro lado da rua, na cadeia, o xerife
observava tudo atentamente.
Aquela cidade era um barril de pólvora
prestes a explodir. Quando isso acontecesse,
talvez não restasse muita coisa de Cásper
para contar historia.
Enquanto avançavam pela estrada, Tony
observava mais uma vez os campos.
Estava tudo abandonado. Não se via o
efeito da longa estiagem daquela primavera
e verão.
Com a chegada das chuvas, a vida
voltaria a circular em suas entranhas.
O inverno se encarregaria de incubar toda
aquela fertilidade que explodiria com a
chegada da próxima primavera.
Pensou no que observara no saloon. Todo
aquele desperdício e aquela ostentação não
era próprio de homens desesperados.
Nenhum deles parecia ter problemas de
dinheiro. No entanto, de onde vinha o
sustento deles?
Das terras abandonadas não era, disso ele
tinha certeza. Bastava olhar os campos.
Lembrou-se das palavras de Ned. Olhou-
o atentamente, um boneco se sustentando na
sela de uma cavalo.
Que orgulho ele poderia ter inspirado
naquela gente? Era o mesmo estourado de
sempre.
De tudo aquilo, o que mais incomodava
Tony era ter de reconhecer a verdade, algo
que ele, quando aceitara aquela missão,
desejara não confirmar.
Se Ned matara Blackhat Bill, conforme
havia dito naquela noite, então ele poderia
ser o chefe da Quadrilha do Chapéu Preto.
Só isso explicaria a tranqüilidade
daqueles homens sem terra e sem emprego
no saloon.
A Mary Lee que esperava no alpendre
não era aquela garota radiante e bonita que
Tony conhecera.
Esta tinha o sofrimento refletido nos
olhos azuis e a preocupação vincando sua
testa.
Ao reconhecê-lo, ela esboçou um sorriso,
que se desfez rapidamente ao ver o estado
em que Ned se encontrava.
— Eu o levo para dentro — disse Tony,
tomando Ned em seus ombros.
— Mary Lee.. Olhe só quem veio —
murmurou Ned, a voz enrolada e
ininteligível.
— Cale a boca e durma, Ned! Ela já me
reconheceu — disse Tony, levando-o para o
quarto onde Mary Lee os esperava.
Deitou-o, afinal. Por um momento Ned
abriu os olhos e sorriu para os dois. Depois
voltou a dormir.
Mary Lee o cobriu. Deixaram o quarto,
fechando a porta.
— Tenho bolinhos e café quentes. Venha
comigo! — convidou ela.
Tony observou que não havia nenhuma
criada na casa, o que contrastava com toda
aquela ostentação de Ned.
Se tinha dinheiro para comprar um
saloon, por que não havia criados ali? Nem
gente para trabalhar nos campos?
Enquanto Mary Lee se movia pela
cozinha, Tony a observava. Estava gravida.
A barriga já começava a dilatar-se. Sua
beleza, no entanto, em nada fora
prejudicada.
Tirando aquele ar de sofrimento, ainda
mantinha aquele mesmo fascínio de antes.
Ela sentiu os olhos dele sobre ela. serviu-
o. Sentou-se diante dele, na mesa. Olhou-a.
— Tudo bem? — indagou ele.
— Sim, não poderia estar melhor — disse
ela, sem nenhum entusiasmo.
— Não me engana, Mary Lee. O que há,
afinal?
Os olhos dela se encheram de lágrimas.
Ela apertou os lábios, evitando soluçar.
— É o Ned, Tony. Não é o mesmo
homem que nós conhecíamos. Tornou-se
amargo... Bebe demais... Vive em constante
agitação... Desde que fiquei grávida ele me
evita... Sei que se diverte com as garotas do
saloon... Mantém-me isolada aqui... Às
vezes vem, no meio da noite, e me leva para
um esconderijo qualquer e me deixa lá...
— Não vi ninguém trabalhando nos
campos, nenhuma criada aqui, nenhum
vaqueiro ou gado lá fora. Como se mantém,
Mary Lee?
— Eu não sei, Tony. Perguntei uma vez e
Ned ficou maluco comigo. Só sei que ele
está sempre com muito dinheiro, Tony.
Todos na cidade devem para ele. Quer ver
uma coisa? — indagou ela, levantando-se
indo até a sala.
Parou diante da lareira, feita de blocos de
pedra retangulares.
Moveu uma delas, retirando-a. Tony se
apressou em ajudá-la. Do buraco ela tirou
uma caixa de metal. Abriu-a.
— Não sei de onde vem tudo isso —
disse Mary Lee, mostrando jóias, relógios,
pulseiras, correntes, colares e toda sorte de
penduricalhos de ouro e pedras preciosas.
O pequeno tesouro parecia o butim de um
saqueador.
— Nem me atrevo a perguntar a ele de
onde está vindo isto. E há mais espalhado
em esconderijos pela casa.
Tony olhou para o meio da sala, onde
havia passado com Ned nos ombros.
O chapéu negro do amigo estava caído
ali. Foi lá e o apanhou.
— Não tem ao menos uma leve suspeita,
Mary Lee? — indagou ele, girando o
chapéu em sua mão.
Ela abaixou os olhos, constrangida,
retornando para a cozinha.
Tony foi ter com ela.
— Para quando é o bebê? — indagou ele,
sentando-se à mesa.
— Para daqui a cinco meses — disse ela,
enxugando disfarçadamente os olhos.
— O que ele diz de tudo isso?
— Ned? Adorou saber que ia ser pai.
Depois ficou indiferente. Às vezes ele fica
olhando para a minha barriga por um longo
tempo e eu desejaria saber o que ele está
pensando, Tony. Ele mudou muito. Muito
mesmo.
— Também notei isso.
— E você? Por onde andou? O que tem
feito?
— Fugindo daqui, Mary Lee. Na verdade,
meu sonho é viver no Leste.
— Não comente isso por aqui. É muito
perigoso — avisou ela.
— Já percebi.
A chuva continuava caindo mansamente.
Um vento frio soprou, numa lufada lúgubre.
Tony levantou a cabeça. Seus ouvidos
treinados haviam captado um som diferente,
quebrando a harmonia própria do local.
— O que foi? — assustou-se Mary Lee.
— Fique aqui — ordenou ele, indo até a
porta da sala.
Cinco cavaleiros entravam nos limites da
casa, olhando ao redor cautelosamente, mas
seguindo sempre em frente, na direção do
alpendre, onde Tony já os esperava.
Reconheceu-os logo. Eram os cinco
pistoleiros que estavam no saloon,
protegendo os almofadinhas.
Tony sabia que era encrenca pura.
Tinham vindo tirar satisfação e traziam em
suas mãos as temíveis escopetas.
Ned estava desmaiado de bêbado lá
dentro e não poderia ajudá-lo. A situação
estava crítica.
— O que querem? — indagou Tony,
tendo liberado os dois Colts, deixando-os
preparados para o saque.
Por mais rápido que fosse, no entanto, era
uma empreitada perdida. Bastaria um
disparo deles e seria cortado ao meio.
— Queremos falar com seu amigo —
respondeu um deles.
— Está lá dentro, tomando um café e não
quer ser interrompido — mentiu Tony,
tentando intimidá-los.
Os homens riram e os canos das
escopetas foram descendo lentamente, até
enquadrarem o corpo do rapaz.
— Mande-o sair ou entraremos buscá-lo
— insistiu o chefe do grupo.
— Eu não ousaria incomodá-lo. Vocês já
devem saber quem ele é — blefou o rapaz,
tentando a todo custo evitar um tiroteio.
Mary Lee seria fatalmente morta, se os
pistoleiros conseguissem seu intento. De
forma alguma deixariam testemunhas.
Os cavaleiros, então, de repente,
moveram-se com inquietação.
Tony se voltou para observar o que os
havia incomodado. Viu apenas o chapéu e o
cano de um rifle mover-se junto à janela.
Não podia ser Ned. Estava Bêbado
demais para ter acordado. Imaginou, então,
que fosse Mary Lee, tentando enganá-los.
— Você aí dentro, saía. Precisamos falar-
lhe! — ordenou um dos pistoleiros.
Em resposta, o rifle foi engatilhado. As
escopetas se moveram na direção da janela.
— Não! — gritou Tony, ao perceber o
que aconteceria.
As armas explodiram ao mesmo tempo.
Buracos enormes se abriram na parede. O
chapéu preto voou para o alto.
Os pistoleiros descanhotaram as
escopetas para recarregá-las. Tony
percebera, pelos buracos na parede, o corpo
retalhado de Mary Lee.
Suas mãos desceram velozmente em
direção às armas, sacando-as.
Neutralizar os oponentes com um tiro,
este era o objetivo. Atirar com as duas mãos
ao mesmo tempo, em alvos diferentes.
Disparar sem mirar, instintivamente.
Suas armas cuspiram fogo. A primeira
carga derrubou dois pistoleiros, cada um
com uma bala na testa.
Outros dois, assustados, deixaram cair os
cartuchos e se apavoraram.
Tiveram suas cabeças rachadas como
melões podres pelos poderosos projéteis
quarenta e cinco.
O quinto conseguira recarregar e
engatilhar. Tony se jogou para o lado,
vendo a língua de fogo cuspida pela
escopeta.
Os chumbos agrupados bateram na
parede, abrindo novo rombo.
O pistoleiro puxou as rédeas do cavalo,
empinando-o, atrapalhando a mira de Tony.
Ele atirou na coxa do cavaleiro, que girou
o cavalo e se abaixou sobre a sela.
Tony disparou de novo, pegando-o na
espinha. Ele ficou inerte sobre a sela do
cavalo, que saiu em disparada.
Uma angústia enorme invadiu o peito do
rapaz, sem coragem para entrar na casa e
constatar o terrível drama.
Ouviu um barulho lá dentro. Foi até a
porta. Ned havia tropeçado no corpo de
Mary Lee e caído.
Atônito, sujo com o sangue dela, ele
tentava entender o que havia acontecido.
Nada restara intacto do corpo dela. Seu
rosto, seu corpo e até seus braços estavam
retalhados pelos terríveis disparos das
escopetas.
— Ei, Tony! Rapaz, estou tendo um
pesadelo horrível! Você não quer me
acordar, não? — indagou pateticamente.
— Ned... Ned... — tentou dizer alguma
coisa Tony, mas não conseguiu.
Explodiu num prato convulsivo. Ned se
levantou e foi até o que restara da janela.
Olhou os corpos lá fora, os buracos dos
disparos, depois o corpo da esposa.
— Tony! Eles mataram Mary Lee. Oh,
Deus! Não! — berrou ele, num grito
animalesco e prolongado.
Anoitecia. A chuva continuava. Tony
havia enterrado sozinho o corpo de Mary
Lee, a pedido de Ned, que se trancara no
quarto desde então.
De volta à casa, Tony ficou olhando a
cruz que fincara na sepultura da garota,
numa colina perto dali. Ficando invisível no
meio da chuva e da escuridão que descia.
Tony lamentou ter voltado justo naquele
dia, justo para ser testemunha daquela
tragédia.
Os corpos dos pistoleiros jaziam na lama.
Seus cavalos estavam ali, no pátio, imóveis
na chuva.
Não sabia o que Ned faria. Se já era
estourado normalmente, o que diria numa
tragédia como aquelas?
Foi até um dos cadáveres e apanhou a
escopeta. Retirou do morto o cinturão de
cartuchos. Apanhou os outros também.
Voltou para o alpendre. Procurou um
lampião e o acendeu, pondo-o sobre a mesa
da cozinha. Começou a examinar e
selecionar os cartuchos que não se
estragado com a chuva.
Examinou a arma, limpando-a. Era uma
calibre doze, com uma coronha própria e
canos de dez polegadas.
Ouviu barulho no quarto. Levantou-se e
foi até a sala. A porta se abriu. Ned surgiu,
vestido de negro, como um fantasma na
escuridão.
— Aqueles almofadinhas mataram Mary
Lee — disse Ned, adiantando-se para a luz.
Tinha os olhos vermelhos.
— Ned, o xerife cuidará disso. Eu
testemunharei.
— Tony, a cidade é minha, o xerife é
meu. O único antro que ainda não dominei é
o Virgínia Saloon e o hotel ao lado dele.
Sabe por quê?
— Não, Ned. Por que não me conta?
— Porque é preciso deixar uma via aberta
para achegada dos homens do Leste, com
seu dinheiro e sua arrogância. Mas foi um
erro. Eu devia ter expulsado todos daqui.
Dominado esta maldita cidade. Agora vou
consertar o que já deveria ter consertado
antes — falou Ned, enigmaticamente.
Tony se interpôs entre ele e a porta.
— Ned, precisamos conversar.
— O que há para falar, Tony?
— É sobre o que está havendo aqui, sobre
você, sobre esse maldito chapéu.
— Este chapéu comprou o respeito de
todo mundo, sabia?
— O termo perfeito é esse mesmo, Ned.
Comprou o respeito. E você terá respeito
enquanto tiver dinheiro. Para isso, terá de
continuar matando e roubando. Até quando
vai conseguir isso?
— Muita gente me apoia. Você não sabe
o tamanho de minha quadrilha, Tony. Há
gente aqui na cidade e na Toca do Rato.
Você conhece o lugar.
— Você tem tanta gente com você e, no
entanto, quase foi morto ainda há pouco.
Veja o que aconteceu com Mary Lee...
— Nada aconteceu com Mary Lee, Tony.
Eu a levei à Toca do Rato. Lá ela estará
protegida. Lá nada acontecerá com ela.
— Ned, por favor, não vá!
Em resposta, Ned empurrou-o
delicadamente para o lado e passou por ele.
Saltou sobre seu cavalo.
— Diabos! — praguejou Tony, fazendo o
mesmo.
Galoparam juntos na escuridão cortada
por relâmpagos, que iluminavam as poças
de água da estrada.
— O que vai fazer, Ned?
— Vou queimar tudo aquilo.
— Não pode...
— Posso e vou fazê-lo. Devia ter feito
isso antes. Eles ficam indo e vindo, trazendo
pistoleiros, caçadores de recompensa...
— Caçadores de recompensa?
— Sim, estão se tornando cada dia mais
freqüentes em Cásper e na região.
Tony pensou, então, nos dois
almofadinhas. Por que teriam insistido em
provocar Ned?
Por que mandaram os pistoleiros para o
rancho? Na certa sabiam que Ned não teria
proteção lá, exceto ele, Tony.
E se tudo aquilo fosse uma armadilha?
Ou matavam Ned no rancho ou o deixavam
tão furioso que ele correria para a cidade.
Estourado como era, sua reação seria
previsível.
— Ned, e se tudo isso for uma armadilha
para pegá-lo?
— Se quisessem me pegar de verdade,
teriam mandado mais gente para o rancho.
Apenas tentaram. São burros.
— Vai chamar ajuda?
— Não posso.
— Não pode? — surpreendeu-se Tony.
— Por quê?
— E o respeito? Sou uma lenda para eles,
Tony...
— Lenda, Ned? De que diabos está
falando?
— Um homem esteve aqui... Um
jornalista. Escreveu uma porção de coisas
num papel. Disse que faria um livro a meu
respeito e que eu seria considerado uma
lenda, um tal de Robin do Oeste. Não sei o
que era esse sujeito, mas me soou muito
bem.
Tony não sabia se Ned estava falando
sério ou se ainda estava bêbado.
A verdade é que ele parecia disposto a
fazer o que disse que faria.
Quando chegaram à cidade, Ned foi
direto para a Virgínia Saloon.
Saltou do cavalo e entrou como um
furacão. Tony, com a escopeta em punho, o
seguiu.
Os dois almofadinhas estavam numa
mesa, a um canto do saloon. quando viram
Ned, levantaram-se, desabotoando os
paletós.
Os cabos de suas armas surgiram sob os
braços.
— Ninguém se mova ou vou espalhar
seus pedaços por todo o saloon — disse
Tony, engatilhando a arma.
— Não foi isso que Jeff e o senador lhe
pediram para fazer — falou um dos
almofadinhas.
A testa de Ned se vincou com estranheza.
Ele se voltou para olhar na direção de Tony.
— O que ele está dizendo, Tony? —
indagou Ned, atônito, fitando o amigo.
Tony também nada entendia do que
estava acontecendo. Viu, porém, homens
surgindo no corredor, vindos do pavimento
superior.
Da sala dos fundos apareceram outros.
Junto à porta aglomeraram-se mais deles.
Todos armados. Ned se sentia como um
rato na ratoeira. Tony percebeu que havia
sido usado de alguma forma, embora não
entendesse ao certo o que fora.
— Diga a ele, Tony Kansas — falou o
almofadinha. — Diga a ele que o senador
do Wyoming e o Delegado Especial Jeff
Bowie o mandaram aqui para desbaratar a
Quadrilha do chapéu Preto.
— Quem são vocês? — quis saber Ned.
— Somos a justiça para você — disse um
deles, tendo em suas mãos uma corda com
um nó de forca.
— Seus comparsas estão sendo mantidos
presos lá no saloon, Ned. Não virão ajudá-
lo. Por que não simplifica tudo soltando a
sua arma?
— Ninguém será desarmado aqui até que
eu saiba o que está acontecendo — disse
Tony, apontando a escopeta na direção dos
dois almofadinhas.
Era um gesto desesperado, na verdade,
com tantos outros armados ali.
— É simples, Tony. Eu e meu parceiro
viemos para ajudá-lo em sua missão...
— Que missão? — quis saber Ned.
— De desbaratar a Quadrilha do Chapéu
preto. Só não esperávamos que você fosse
tão amigo de Ned, como o demonstrou. Não
podíamos confiar em você. Supomos que
você jamais o trairia. Mas nos prestou um
favor, Tony, trazendo-o aqui. Todos os
amigos dele estão imobilizados lá no
saloon. Ninguém virá ajudá-lo desta vez,
Ned.
— Se sabia todo o tempo que ele era o
chefe da quadrilha, por que não o pegaram
antes? — intrigou-se Tony.
— Porque ele estava sendo útil aos
interesses dos investidores do leste. A cada
novo assalto, a cada nova morte, o preço do
gado e das terras caía mais, permitindo a
compra de grandes lotes por verdadeiras
ninharias. Quando a primavera chegar e o
gado vier para os pastos, os lucros eram
inimagináveis. Quanto a você, Tony,
poderia ter tido tudo que combinou lá em
Washington mas, ao percebemos a amizade
de vocês, achamos melhor descartá-lo. Na
realidade, você só nos seria útil para uma
situação.
— E qual seria ela?
— A de nos levar à Toca do Rato, caso
Ned fosse para lá. Só isso, nada mais.
— Prometeram-me tanto? Fizeram-me
andar tanto para voltar aqui, só para isso?
— Política, meu amigo! — falou o
almofadinha, com ironia.
— Tony, você veio aqui para me trair? —
indagou-lhe Ned, incrédulo.
— Não, Ned! Acho que vim aqui para ser
traído — comentou Tony, abaixando a
arma.
— Não me pegarão vivo! — gritou Ned,
sacando sua arma.
— Não, Ned! — gritou Tony, percebendo
a loucura de seu gesto.
— Queremos ele vivo — gritou alguém,
enquanto Ned escolhia seus alvos e ia
derrubando um por um.
Os homens tentaram se esconder, mas de
alguma forma Ned os atingia, matando-os
ou ferindo-os.
Tony decidiu ajudá-lo, apesar de
considerar aquilo uma loucura.
Alguém atingiu sua nuca com a coronha
de um revolver, derrubando-o.
Ned estava sem balas no revolver agora e
os homens caíram sobre ele, esmurrando-o e
chutando-o, jogando-o de um lado para
outro do assoalho.
— Não o matem! — gritou um dos
almofadinhas.
Tony conseguiu se erguer. Tinham lhe
tirado as armas. Ele correu para ajudar Ned.
Alguém estendeu a perna, derrubando-o.
Um outro veio e chutou-lhe a cabeça,
pondo-lhe um gosto de sangue na boca.
Uma bota pisou em seu pescoço.
— Fique quieto, imbecil, ou morrerá com
ele — alertou-o alguém.
Ned foi posto em pé. Sangrava, com o
rosto transformado numa máscara de
sangue.
Seu chapéu havia sido chutado para outro
lado do balcão.
— Ned Sinclair, hoje nós, homens do
Leste, tomamos posse definitiva de Cásper e
de toda a região. Ela nos pertence. Você é
nada agora, entendeu? Nada! — falou um
dos presentes.
Uma corda foi amarrada nos tornozelos
de Ned. Puxaram-no, derrubando-o.
A ponta foi levada para fora do saloon e
entregou a um cavaleiro, que a enrolou no
arção da sela.
O cavalo foi esporeado. O corpo de Ned
foi arrastado pelo assoalho do saloon e
puxado para fora, indo cair na lama.
Em disparada, o cavaleiro foi até o fim da
rua principal, puxando o corpo do infeliz
bandoleiro.
Retornou, outra vez, em disparada. Ned
era lama e sangue, numa mistura macabra e
chocante.
— Ele é nosso! — gritavam os homens
do leste.
— Sim, vamos enforcá-lo!
— A corda! Tragam uma corda.
Tony conseguira chegar até a rua, mas
fora seguro. Ned gemia, contorcendo-se na
lama.
Estava arrependido de ter vindo. Não
queria. Deveria ter ficado passando fome
em Washington a ter que presenciar aquilo.
Ned podia ser estourado, violento e cruel,
mas havia algo que ele detestava: ver um
animal ser maltrato.
Naquele momento, Ned não recebia o
mínimo de compaixão. Se o queriam morto,
que o fizessem de um modo digno.
Ao invés disso, queriam tripudiar sobre
seu corpo, como haviam tripudiado sobre
aquela terra.
Tony olhou rua baixo, na direção do
saloon. Homens armados vigiavam as
portas e janelas, onde se aglomeravam
chapéus pretos.
Uma porção de chapéus pretos que,
pouco a pouco, foram sendo tirados das
cabeças e postos de lado.
Ned foi erguido e socado de novo. A
corda foi passada em seu pescoço e ele foi
posto sobre seu cavalo.
Com o olhar ele procurou Tony. Ao vê-
lo, gemeu, num tom suplicante.
— Tony! Por favor! — rouquejou ele.
Olhando-o, Tony entendeu o que seu
amigo lhe pedia. Era um último pedido,
algo que ele não poderia deixar de atender.
Num movimento brusco, livrou-se dos
braços que o seguravam e sacou a arma do
homem a sua frente.
Apontou-a para a cabeça de Ned e atirou.
O corpo do rapaz voou do cavalo e foi cair
imóvel na lama.
— Maldito! Tirou o nosso prazer — falou
alguém, golpeando a nuca de Tony mais
uma vez.
Ele caiu na lama e foi chutado por
abutres decepcionados.
— Maldição! Queria ver aquele maldito
esperneando na ponta da corda — disse
alguém decepcionado.
— Bebidas por minha conta — gritou
alguém e a animação retornou ao grupo.
Foram entrando no saloon, deixando o
corpo de Ned e de Tony na lama da rua.
Aqueles que vigiavam o saloon onde os
amigos de Ned se encontravam começaram
a voltar.
Havia rendido e tomado todas as armas
deles. Um silencio momentâneo pairou na
rua, quebrado logo depois pela festa no
Virgínia Saloon. Aos poucos os homens da
cidade começaram a sair para a rua. Foram
rodeando os corpos de Ned e de Tony.
Ned era sangue e lama. Tony também,
mas não estava morto. Quando gemeu e se
moveu com dificuldade, os homens se
apressaram em erguê-lo e tirá-lo dali.
Levaram-no de volta ao saloon de Ned,
onde o lavaram e lhe deram roupas secas.
Quando conseguiu se mover, Tony foi até
o balcão, apanhou a garrafa de uísque e
encheu a boca.
Bochechou, cuspindo no assoalho.
Depois bebeu alguns goles, mais do que
normalmente beberia.
Precisava esquecer a dor em todo o seu
corpo e a visão dos olhos suplicantes de
Ned, pedindo uma morte digna.
Os homens haviam trazido o corpo de
Ned e o posto sobre uma das mesas. Sua
cabeça e suas pernas ficaram dependuradas.
Os braços abertos davam-lhe a aparência de
um estranho crucificado.
Não o haviam lavado. Alguém havia dito
que a última coisa que Ned desejaria era se
livrar daquela terra.
Agora todos se sentiam como órgãos, em
silencio, sentados cabisbaixos, enquanto,
pela rua, vinham os sons da alegria no outro
saloon.
O xerife apareceu, mas só deu uma
olhada. Era esperto o bastante para saber
quem eram os donos da cidade agora.
— Precisamos de armas — disse Tony.
— Tomaram todas as nossas armas.
— Nada sobrou?
— Só na Toca do rato, lá tem o bastante
escondido — lembrou alguém.
— Quanto tempo até lá? — indagou
Tony.
— Pelo atalho, duas horas de viagem.
— E pela trilha junto ao rio? —
continuou o rapaz.
— Umas quatro horas.
— Há gente lá?
— Pelo menos uns dez homens, algumas
mulheres e muita munição.
Tony apanhou a garrafa e bebeu de novo.
Lembrava-se da trilha do rio para a Toca do
rato.
Lembrava-se também dos olhos
suplicantes de Ned, do corpo retalhado de
Mary Lee, da arrogância de Blackhat Bill,
da superioridade dos homens no saloon,
provando que Ned fora um inocente útil nas
mãos de especuladores e aproveitadores.
Aqueles abutres não poderiam ficar
impunes.
— Ouçam o que vamos fazer — disse
ele, em voz alta. — Vamos levar o corpo de
Ned para ser sepultado na Toca do Raro.
Vocês vão na frente, levando o corpo pelo
atalho. Eu vou em seguida, levando nossos
convidados pela trilha do rio.
— Convidados? Que convidados? —
indagou um dos homens.
Tony fez um gesto, apontando rua acima,
na direção do Virgínia Saloon.
— Como vai conseguir levá-los?
— Deixem isso comigo.
Os homens se entreolharam, em dúvida.
Não conheciam direito aquele que lhes
falava.
Mas era um amigo de Ned. E os amigos
de Ned eram amigos de todos eles.
— Que diabos, homens! O que temos a
perder? Na Toca do Rato vamos poder dar o
troco a eles. Deixaremos que entrem pela
garganta até próximo do esconderijo.
Fecharemos a saída com um
desmoronamento. Eles estarão a nossa
mercê.
— Depois deles virão outros — falou
alguém.
— Cuidaremos deles um de cada vez —
disse Tony, calmamente.
O saloon ficou em silencio por instantes.
Depois, alguns homens se levantaram e
foram embrulhar o corpo de Ned com
toalhas de mesa.
Os outros ficaram indecisos por instantes.
Depois começaram lentamente a apanhar
seus chapéus pretos.
Tony esperou até que eles partissem
lentamente, um cortejo fúnebre no meio da
chuva.
Foi até o Virgínia Saloon. Empurrou a
porta e entrou. A primeira coisa que viu foi
o chapéu de Ned pendurado ao lado do
espelho.
Um silencio de morte pairou no local.
— Olha só quem está de volta —
comentou um dos almofadinhas.
— Por favor, pessoal! Eu não vim de
Washington aqui para ficar. Quero voltar
para o Leste. Vocês não podem me tirar
essa oportunidade — falou ele, suplicante,
humilhando-se.
— O que você podia fazer já fez, rapaz.
Agora não nos serve para nada.
— Talvez eu tenha uma utilidade...
Talvez eu possa fazer por vocês o que
esperavam que eu fizesse desde o
principio...
— Está falando da Toca do Rato? —
perguntou o almofadinha, levantando-se e
caminhando na direção dele.
— Sim, disso mesmo. Os homens de Ned
acabaram de sair com o corpo dele. Vão
enterrá-lo na Toca do Rato.
— E você sabe como encontrar esse
lugar?
— Eu e Ned levávamos gado para pastar
lá. Há uma trilha pelo rio, eu sei como
chegar. Há mais homens lá, muitas armas e
munições. Se vocês forem espertos, poderão
acabar de uma vez por todas com a
Quadrilha do Chapéu Preto. Antes que ela
ressurja e lhe dê mais trabalho. Esses
homens tentarão vingar Ned de alguma
forma. Com armas e munição nas mãos,
ninguém sabe do que serão capazes.
Os homens se entreolharam.
— Tem lógica. Aqui na cidade nós nos
limitamos a tomar-lhes as armas. Não
podíamos fazer um massacre. De forma ou
de outra, estaremos mal lá no Leste. Indo à
Toca do Rato, no entanto, estaremos livres
desse problema. Será uma batalha, uma
guerra, da qual sairemos vencedores.
Imaginem as honras, pessoal. Invadir a
Toca do Rato e dizimar a quadrilha toda.
— Seria ótima, Frank! — comentou
alguém, mas isso reelegeria o senador?
— Claro que sim. Assim que terminar o
inverno, levas de investidores começarão a
chegar para ocupar as terras. Estão sendo
loteados todos os grandes ranchos. O Leste
recebe imigrantes a toda hora. Precisam
arrumar terras para eles. Quem não
reelegeria o homem que foi o responsável
por livrar esta terra dos malfeitores?
— Frank tem razão, pessoal. E seríamos
recompensados por isso.
— Tudo bem — falou alguém. — Mas o
que o rapazinho aí tem a lucrar com isso?
Os homens pareceram raciocinar melhor.
Todos se voltaram na direção de Tony.
— É uma boa pergunta, rapaz. O que tem
a ganhar com isto? — indagaram.
— O senador me prometeu um emprego
no Leste e uma casa para morar. É tudo que
desejo. Morar em Washington e nunca mais
voltar a esta maldita terra.
— É, foi isso mesmo que o Jeff me
contou que o rapaz ganharia com isso —
falou um deles.
— É, vamos dar uma ajuda a ele. Afinal,
vai nos guiar à Toca do Rato.
— Isso mesmo, pessoal!
— Vamos reunir as armas...
— Precisaremos de tochas...
O saloon se transformou num corre-corre
de providencias, todas visando a invasão da
Toca do rato.
Tony ficou em pé, olhando o chapéu de
Ned, pendurado no espelho.
Caminhou na direção do balcão. O
barman lhe serviu uísque sem que ele
pedisse.
— Dê-me o chapéu! — pediu.
O barman estranhou o pedido.
— Ei, Frank!
— O que foi?
— Ele quer o chapéu?
— Para que, Tony?
— Prometi ao senador.
— Ok, pode dar a ele.
Tony apanhou o chapéu como quem
segurasse uma relíquia.
Os preparativos foram feitos como se
todos se aprontassem para uma grande festa.
À margem de toda aquela agitação, Tony
observava aqueles homens, sem entender ao
certo o que os movia.
Conhecia o gado, a terra, o mistério da
primavera e do pasto que alimentava as
reses.
Sabia conhecer as nuvens de chuva e a
aproximação de uma tempestade.
Quando o inverno se aproximava, bastava
olhar para o céu e observar os pássaros.
Tudo era tão simples e estava ao alcance
da mão. Um homem poderia ter o
necessário para viver bem uma vida inteira,
sem precisar juntar coisas, numa obsessão
incompreensível para ele, acostumado às
coisas simples.
Havia sonhado com cidades brancas, de
mármore e riqueza, como se ali estivesse a
felicidade.
Enganara-se. A ganância transformava os
homens em aves de rapina, em caçadores de
si mesmo.
Entregavam-se a uma luta continua para
amealhar posses, possuir riquezas que
jamais usufruiriam.
Tony simplesmente não entendia aquilo.
Era um homem do Oeste, apenas isso.
— Vamos lhes dar mais algum tempo
para se distanciarem — pediu Tony, quando
todos se disseram prontos para partir.
— Por quê?
— Por que vamos seguí-los com tochas e
barulho. Se perceberem isso, jamais os
pegaremos, idiotas! — explicou o próprio
Frank, antecipando-se a Tony.
— É isso mesmo, pessoal.
— Bebidas para todos, então — gritou o
barman. — Por conta do senador.
— Certo, eu endosso isso — falou Frank.
Todos foram beber junto ao balcão. Tony
se aproximou de Frank, que verificava a
carga de seu revolver.
— Você trabalha para o senador? —
indagou.
— Sim, sou parceiro de Jeff Bowie e
outros mais.
— Por que não me falaram do plano todo
antes?
— Não podíamos confiar em você. Não
sabíamos para qual lado você penderia. O
plano já estava sendo preparado há algum
tempo, mas a única coisa que atrapalhava
era que, a cada vez que Ned pressentia uma
armadilha, corria para a Toca do Rato. Por
isso você era importante. Você chegou há
pouco e não percebeu. Todo o tempo, havia
homens de chapéus pretos vigiando Ned,
protegendo-o.
— E como aqueles pistoleiros
conseguiram chegar ao rancho daquela
forma?
— Enquanto nós cuidávamos dos vigias,
algumas milhas antes, eles já haviam
partido por um caminho mais longo,
chamando a atenção da guarda de Ned e
permitindo que nós os atacássemos por trás,
neutralizando-os.
— Foi um trabalhão e tanto, mas
conseguiram, afinal. Esta terra terá um novo
dono — comentou Tony, apertando em suas
mãos a aba do chapéu de Ned, o mesmo
chapéu que fora de Blackhat Bill, o xerife
de Powder River.
Eles entraram no labirinto da Toca do
Rato pouco antes do amanhecer. A chuva os
retardara, além do uísque que haviam
levado e que bebiam como loucos.
A água havia apagado as tochas. Estavam
encharcados e loucos para se encostarem
num canto qualquer e dormir.
Tony os havia feito caminhar mais do que
o necessário. Os cavalos estavam cansados.
— Lá, sempre em frente — indicou
Tony, quando os havia levado ao ponto
ideal, de onde não poderiam se safar.
— Está bem, pessoal. Vamos pegá-los de
surpresa — gritou Frank, acordando a
turma.
— Sim, vamos lá — gritaram os
cavaleiros, sacando suas armas e disparando
pela garganta.
Tony esperou que eles fossem passando.
Quando o último se aproximou, ele bateu
com o chapéu preto na cara dele,
derrubando-o do cavalo.
— Por que fez isso? — indagou o
homem, aturdido.
— Quero suas armas — explicou Tony,
metendo o bico da bota nos dentes dele,
antes que se levantasse.
Ele caiu para trás, cuspindo lascas de
dentes e praguejando. Sua mão foi em busca
da arma, mas Tony já o chutava de novo,
batendo com o salto na testa dele.
Tony saltou e sentou-se no peito do
homem caído, prendendo-lhe os braços com
os joelhos e apertando com força seu
pescoço, até que ele parasse de se debater.
Tirou-lhe o cinturão. Correu atrás do
cavalo e apanhou o rifle.
Um ruído forte e trepidante se ouviu,
quando os bandoleiros desmoronaram a
encosta, após a passagem dos almofadinhas.
Tony saltou para seu cavalo e cavalgou
naquela direção. Assim que viu a massa de
pedras e lama, saltou do cavalo, levando o
rifle e começou a escalar as rochas.
O céu clareava palidamente. Os primeiros
tiros começaram a soar. Em momento, o
pânico se instalou no meio no meio dos
atacantes.
Eles começaram a retornar, em galope
desenfreado. No alto das ravinas, os homens
de Ned disparavam certeiramente,
derrubando um após outro.
Os sobreviventes rumavam na direção de
Tony, sobre o entulho que lhes barraria a
passagem.
Na frente vinha Frank, gritando ordens,
apavorado, já não tão seguro de si.
Preocupava-se apenas em safar. Mandava
que os outros atirassem, enquanto ele
esporeava o cavalo.
Ao ver o caminho obstruído, Frank
deteve seu animal, que fincou as quatro
patas na lama, deslizando, até imobilizar-se.
Naquele momento Tony o enquadrou na
mira de seu rifle. Atirar com rapidez e
precisão fora outra das lições.
Frank nem chegou a ver de onde viera o
tiro. A bala pegou-o de cima para baixo,
empurrando a copa do chapéu de encontro
ao crânio.
Um rombo se abriu em suas costas. Ele se
desarticulou como um boneco num show de
marionetes.
Em desespero, os atacantes da Toca do
Rato tentavam alguma reação.
Os que voltavam, eram dizimados. Os
que tentavam subir os entulhos, eram
abatidos implacavelmente.
O tiroteio cerrado continuou, enquanto a
chuva parava. Homens se escondiam atrás
de cavalos agonizantes, disparando a esmo
contra as encostas.
Lá de cima, à medida que a claridade do
dia se tornava mais presente, os homens só
tinham o trabalho de mirar e apertar o
gatilho.
Muitos nem gritavam ao serem baleados.
Simplesmente estremeciam, depois se
imobilizavam.
— Cessar fogo! — gritou alguém, após
algum tempo.
— Nós nos rendemos! — disseram
alguns dos homens do Leste, soltando suas
armas sem munição e se levantando, com as
mãos para o alto.
— Eles estão sem munição! — falou
alguém.
— Como nós, um dia! — lembrou outro.
Tony achou até que poderia intervir no
sentido de poupar as vidas daqueles
infelizes. Mas havia um bando de
desesperados naquelas encostas, cheios de
mágoa e de desejo de vingança.
Nada os deteria.
Os cavalheiros começaram a se
aproximar dos homens que haviam se
rendido.
Atiraram laços. Esporearam seus cavalos.
Arrastaram os pobres viventes pelo terreno
áspero da ravina, enquanto os demais
praticavam tiro-ao-alvo nos corpos em
suplício.
Tony desceu até seu cavalo. Preso à sela,
estava com chapéu preto de Ned.
Sem que percebesse, foi sendo rodeado
por uma por uma porção de outros homens
de chapéu preto.
Homens da lei, agentes da Pinkerton e
Delegados Federais circulavam pela região,
sem sucesso.
Numa cantina entre Glenrock e Cásper,
um bando de homens bebia junto ao balcão.
— Tony, você sabe por que os homens do
Leste usam as armas debaixo do braço? —
indagou alguém.
— Nem imagino — respondeu ele.
— Porque o sovaco deles fede quem nem
um defunto — atrapalhou-se o homem.
— Seu idiota! Não era assim que Ned
dizia.
— E como era então, sabichão?
— Tinha alguma coisa a ver com o cheiro
de morte.
— Vocês não sabem nada. O Ned dizia
que... Ah, sei lá! — confundiu-se o outro.
Tony riu e ajeitou o chapéu preto em sua
cabeça.
— Ai vem a diligência — avisou alguém,
junto à janela.
Os homens iniciaram o ritual de todas as
horas, ajeitando os chapéus pretos e
amarrando os lenços da mesma cor sobre os
narizes.
Verificaram as armas. Tony se adiantou,
ficando junto à porta.
Lá fora, envolvida numa nuvem de
poeira, a diligência parou com as rodas
deslizando travadas no pedregulho.
— Ok, gente! Dez minutos de descanso!
— alertou o cocheiro, travando o freio
numa argola de aço.
As pessoas, sufocadas dentro do
transporte, tossiram e abriram a porta,
saltando rapidamente.
Espanavam-se, enquanto a poeira
baixava. Quando tudo ficou claro, viram o
cocheiro e o guarda com as mãos para cima.
Homens espetavam rifles em suas
costelas, enquanto que outros saíam da
estação de muda, com armas nas mãos.
— Malditos! — rugiu alguém, no meio
dos passageiros.
— Os Chapéus Pretos! — exclamou
outra pessoa.
Tony se aproximou, encarando cada um
deles, sondando seus semblantes. Ali havia
passageiros do Leste e da região. Era
importante saber separá-los.
— Tudo bem, garoto? — indagou,
olhando para o pequeno que estava
boquiaberto, encarando-o.
— É Tony Kansas, não?
— Sim, por quê?
— Porque aquele sujeito é do Leste e
disse que estava vindo para comprar terras a
preço de chapéu preto.
— Fedelho intrometido! — disse o
homem, com arrogância.
Tony se voltou na direção dele.
— A preço de chapéu preto? Como é
isso?
— Esse garoto é um idiota, não sabe o
que está dizendo.
— Não sou idiota, sou de Cásper — disse
o garotinho. — Eu digo que ele está
mentindo.
Tony examinou o homem a sua frente.
Era gordo, bem cuidado, com trajes finos e
uma cintura engordada por um cinturão de
notas, com certeza.
— Tire as roupas — ordenou.
— Não pode me obrigar a isso... — ia
dizendo o homem, mas Tony o calou com
uma coronhada no estômago.
O homem caiu de joelhos, tossindo e
apertando a barriga. Olhou o garoto com
ódio.
— Você vai me pagar por isso — rosnou.
— Tire as roupas — insistiu Tony, mas o
homem se encolheu, cruzando as mãos
diante da barriga.
Tony sacou sua faca e o segurou pelo
pescoço. Pôs a ponta da faca na barriga
dele, cortando os tecidos.
Cédulas caíram na areia. Tony puxou o
cinturão.
— A preço de chapéu preto — falou
Tony, com desprezo, tirando o chapéu e
batendo com ele no rosto do homem do
Leste, que recuou.
Repentinamente, um Derringer surgiu em
sua mão.
— Mata ele, moço! — gritou o garoto.
Tony se moveu com rapidez. Sua faca
atravessou a garganta do agressor, antes que
ele pudesse engatilhar o Derringer.
— Peguem o dinheiro dele e o cofre da
diligência — ordenou Tony, saltando para
seu cavalo.
Os homens fizeram o que ele mandou.
Ele olhou para o garotinho, que sorria cheio
de admiração.
— Para a Toca do Rato, pessoal — gritou
Tony.
— Para o Toca do Ned — gritaram os
outros e saíram, levantando poeira na
estrada.
Ouro Sangrento
Findava a tarde quando Roy Dale
chegava ao último pico das Montanhas
Rochosas, o maciço que se estendia do
norte ao sul.
Respirou profundamente, enquanto
admirava os vales úmidos e férteis. Seus
olhos azuis refletiam a felicidade que sentia
ao ver os montes de San Juan ao nordeste,
os Mogollons ao sul, os Black Rangers ao
sudoeste e o Grande Cânion do Colorado a
oeste.
A exuberante beleza do panorama e o
intenso verde daqueles vales despertavam
nele novo ânimo para viver. Apesar da sua
juventude, sentia-se desiludido e triste.
Seu rosto queimado pelo sol do deserto e
a barba espessa que o emoldurava,
juntamente com aquele ar de sofrimento,
faziam-no parecer mais velho do que
realmente era.
Há muitos dias que caminhava pelas
montanhas sem se aproximar de nenhum
povoado. Este tipo de vida solitária não o
desagradava de todo, mas não restava
dúvida de que não podia continuar assim
por muito tempo.
Era do Texas e o trabalho que mais
conhecia era o de vaqueiro. Em sua terra
natal, uma aldeia de Waco, à margem
direita do Brazos, tinha a fama de valente e
decidido, hábil e preciso no uso das armas.
Suas mãos estavam sempre perto dos
Colts. Não havia ninguém que o vencesse
no revólver, na montaria, nem com o laço
num rodeio.
Um infortúnio, no entanto, afastara-o de
sua terra nata, impedindo-o de viver
tranqüilamente e de chegar a ser capataz do
rancho onde trabalhava.
Isto acontecera havia uns cinco anos
atrás. Desde então passara a andar de cidade
em cidade, sem destino certo, indiferente ao
perigo e sempre metido em encrencas.
Depois de tanto tempo absorto em suas
meditações, observando a paisagem, ele
comentou com seu animal, uma égua
vigorosa que ele chamava de Linda.
— Gosta de paisagem? — perguntou ao
animal, com um sorriso.
A égua respondeu-lhe com um relincho.
O sol descia no horizonte rapidamente.
Logo anoiteceria na montanha. Roy dispôs-
se a passar a noite ali. Preparou uma
refeição rápida, depois de ter levado sua
montaria para um abrigo natural onde havia
água e relva fresca.
Após ter comido, estendeu a manta no
chão, usando a sela como travesseiro, quase
ao lado da fogueira. Fumou um cigarro
tranqüilamente, olhando o céu estrelado,
como gostava de fazer toda noite.
Adormeceu em pouco tempo.
Acordou com o cantar dos pássaros e a
claridade brilhante das montanhas. Seu
estado de espírito melhorava naquele
cenário de calma e beleza, embalado pelo
vento.
Depois de fazer uma refeição ligeira e de
presentear sua égua com torrões de açúcar,
selou o animal e montou para descer a
encosta escarpada.
Rapidamente chegaram ao vale. A terra
estava coberta de flores e um bosque
oferecia boa madeira para construção.
Enquanto deixava que o animal pastasse,
andou sem rumo pelo vale, imaginando
como seria maravilhoso fincar raízes num
local como aquele, quase virgem e
praticamente inexplorado.
Compreendeu, porém, que aquele era um
sonho impossível. Nada o impediu, porém,
de sonhar. Mais tarde, voltou a montar e
continuou a marcha.
Após algumas horas de cavalgada, ouviu
tiros, mas não soube precisar de onde vinha,
pois os estampidos ecoavam pelo vale.
Continuou avançando com cautela, até
uma pequena elevação. Ao chegar ali, ouviu
o galope de muitos cavalos e de novos
disparos, desta vez mais próximos.
Não demorou muito para ver um
cavaleiro a galope. Roy viu o terror e a
angústia que o rosto do homem expressava
naquele momento.
Seus perseguidores não demoraram para
aparecer. Eram três e Roy percebeu logo
que a vida do homem que perseguiam não
valia um níquel furado.
— Diabos, por que as encrencas não
passam ao largo e têm que vir justo em
minha direção? — praguejou ele, incapaz de
ficar apenas assistindo o que se passava.
O espírito de aventura cobrou sua
participação. Manobrando o animal com
cuidado e perícia, partiu a galope. Em
poucos instantes estava bastante próximo
dos três homens. Nenhum cavalo se
igualava a Linda no galope rápido e
elegante.
Um dos cavaleiros virou-se ao perceber
que alguém os seguia. Sem poder caprichar
na pontaria, virou-se e disparou duas ou três
vezes contra Roy.
As balas passaram longe e Roy sacou o
Colt.
— O que está havendo, Rawlins? —
perguntou um deles, ao ver que havia um
cavaleiro perseguindo-os.
— Tem alguém querendo nos estragar a
festa — respondeu o que atirara contra Roy
— Parece ser um...
O final da frase ficou presa em sua
garganta, quando seu pescoço foi
destroçado por uma bala, jogando sangue na
crina de seu cavalo. O homem caiu
pesadamente, rolando como um saco de
batatas no chão.
— Vamos terminar logo com isso, White,
alguém está disposto a nos atrapalhar.
Rawlins a esta hora deve estar tendo um
encontro com Satanás.
— O que você disse?
— Que estamos sendo atacados por trás.
Vou ver se tenho mais sorte que Rawlins,
enquanto você continua no encalço desse
rancheiro. O cavalo dele está a ponto de
arrebentar de cansaço.
O pistoleiro estava certo. Um pouco mais
à frente, o animal caiu por terra. O cavaleiro
foi atirado à distância, e isto o salvou das
balas que lhe era dirigida.
Apressadamente procurou abrigo atrás de
seu cavalo, mas antes de conseguir fazer
isso, gritou e foi jogado para trás, caindo
com a mão no ventre, tentando estancar o
sangue que brotava generosamente.
O bandido que fizera o disparo gritou de
satisfação e apressou o galope de seu
cavalo. As balas de Roy, no entanto,
fizeram com que os dois desistissem de
qualquer outra coisa, fugindo num galope
desesperado.
Roy desistiu de ir atrás dele para socorrer
o rancheiro, mas nada pôde fazer, pois este
já estava morto. Pelas roupas que vestia,
deveria ser bastante rico.
O cowboy revirou os bolsos à procura de
algum papel que o identificasse, mas nada
encontrou. Cobriu, então, o corpo do
homem com pedras e foi apanhar sua égua,
que pastava ali perto.
Quando caminhava, tropeçou em algo.
Olhando para o chão, viu um alforje de
couro. Apanhou-o. Era bastante pesado.
Abriu-a e encontrou vários saquinhos de
couro, com as bocas amarradas firmemente
por cordões do mesmo material.
Abriu um deles. Eram pepitas de ouro
puro. Roy nunca vira tanto ouro assim
junto. Compreendeu o motivo da
perseguição.
— Que diabos! E agora? — comentou
com Linda.
Ficou imaginando o que fazer com todo
aquele ouro. Pensou no que lhe ocorrera
cinco anos antes, mas sacudiu os ombros,
achando que tudo aquilo não podia voltar a
se repetir.
Continuou indeciso, mas sua consciência
sempre falava mais alto. Nascera honesto e
tinha certeza de que morreria honesto.
Mesmo que quisesse, não conseguiria
guardar o dinheiro para si.
Precisava encontrar, agora, a quem
devolver todo aquele tesouro.
Quando Roy chegou ao terreiro do
Rancho Grant, o sol ocultava-se atrás dos
picos do Grande Cânion. Estava cansado,
faminto e suado. Seu aspecto era o de um
foragido.
Aproximou-se dos vaqueiros que estavam
sentados na cerca, com os pés apoiados no
travessão, virados para dentro do curral. No
centro, um grupo de peões rodeava um
magnífico cavalo.
— Boa tarde, amigos — disse Roy,
cumprimentando-os.
Só um deles se virou para olhá-lo com
indiferença.
— O que quer, forasteiro?
— Quero falar com o manda-chuva do
rancho — respondeu ele, de olho no
magnífico animal no centro do curral.
Ao ouvir isto, outra pessoa com roupas
de vaqueiro virou-se em sua direção. Roy
ficou espantado ao ver que se tratava de um
mulher muito bonita.
Seu cabelo ruivo era cortado tão baixo
que não era possível distinguir nela, à
primeira vista, uma mulher, com aquelas
roupas e de costas.
— Espere um momento, forasteiro. —
disse ela, ao mesmo tempo que lhe dava as
costas para apreciar as cabriolas do
garanhão que escoiceava furiosamente.
Seu cavaleiro fazia um esforço
incalculável para manter-se sobre ele.
Roy ficou admirando aquele espetáculo
emocionado, mas o cavaleiro não
permaneceu montado por mais de um
minuto.
— Vejo que não há ninguém capaz de
domar este animal! — exclamou a moça.
Em seguida virou-se para Roy,
examinando-o cuidadosamente.
— O que deseja falar com o dono deste
rancho?
— Estou à procura de trabalho. Gostei
desta região e desejo ficar por aqui algum
tempo.
A maneira tranqüila e franca com que
Roy falava agradou profundamente a
proprietária do rancho, pois era ela que
realmente tratava de tudo, ainda que seu pai
fosse vivo.
Ele se ausentava muitas vezes para
negócios, ficando fora até mais de um mês.
Sabia que sua filha era capaz de dirigir os
trabalhos tão bem como ele.
— Você quer trabalho... — repetiu a
jovem com seriedade, tentando ocultar a
simpatia que sentia pelo recém-chegado,
apesar de seu aspecto. — Pela sua aparência
— continuou ela — eu diria que não está
muito acostumado ao trabalho duro e a este
tipo de coisa.
O vaqueiro que estava junto dela
gargalhou zombeteiramente. Roy limitou-se
a olhá-lo fixamente.
— Pode ser que minha aparência
demonstre isso — retrucou sem irritar-se.
— Mas sempre ouvi dizer que as aparências
muitas vezes enganam.
— Talvez tenha razão, ainda que possa
lhe assegurar que nunca erro ao julgar as
pessoas. Em todo caso... O que sabe fazer?
Acredito que conheça os trabalhos comuns
a um rancho?
— Alguma coisa — disse Roy, com
ironia.
— Gostaria de vê-lo atuando e não
apenas falando. E há outra coisa, além de
trabalho é preciso saber empunhar uma
arma. Poderia mostrar que não as utiliza
apenas como enfeite?
— Não lhe parece que está levando muito
longe as suas brincadeiras? Vim oferecer
meus serviços, não escutar ofensas
gratuitas. Pode negar-me o emprego, mas
não tem o direito de me ofender.
— Se lhe incomodam as minhas palavras
— respondeu a moça — nada o impede de
ir por onde veio. Não fui eu quem o
chamou.
— Não posso negar que é mesmo uma
moça muito mal-educada, madame.
— Cuidado com as palavras, forasteiro
— disse um vaqueiro. — Devia ter mais
amor aos seus dentes.
Os outros, que não participavam da
conversa, viraram-se intrigados.
— Não se meta nisso, Frank — disse a
moça com autoridade. — Isto diz respeito
somente a mim.
O capataz obedeceu e a moça mudou de
tom.
— Vejamos do que é capaz. Se conseguir
manter-se dois minutos sobre o lombo
daquele cavalo será contratado sem maiores
perguntas.
O rapaz pensou por instantes,
examinando o garanhão, a maneira como
ele escoiceava. Vira-o pulando e jogando a
traseira sempre para o mesmo lado.
— Trato feito, madame! — respondeu
Roy.
— Preparem o Rock de novo para
montaria! — ordenou a jovem e os
vaqueiros vibraram, na expectativa de uma
boa diversão.
— Por que fez isso? — perguntou o
capataz à sua patroa, visivelmente
contrariado.
— Porque me agradou como ele reagiu
— respondeu-lhe secamente.
Roy olhou a jovem, com um sorriso. Era
bela e alta. A roupa masculina, longe de
esconder seus encantos, mais destacava a
sua beleza.
Desmontou e entrou no curral,
aproximando-se do garanhão, que era
mantido preso por meia dúzia de vaqueiros.
— Não se exalte, diabinho! — disse Roy,
sorridente, alisando o dorso do animal com
as mãos. — Você e Linda fariam um belo
par.
— Vai alisar ou vai montar? — gritou um
dos vaqueiros e todos os outros riram junto.
Roy não se incomodou com a
provocação. Verificou se a barrigueira
estava bem presa e se a sela não estava
frouxa. Um homem poderia morrer,
montando dessa forma num animal tão
impetuoso.
— Está pronto? — perguntou um dos
vaqueiros que seguravam o cavalo.
— Sim, estou — afirmou Roy, com o pé
direito no estribo e uma das mãos no arção
da sela.
Num salto ágil e seguro, pulou para a
sela. Os vaqueiros largaram o animal. Roy
sabia como aquele cavalo reagia, por isso
dominava o animal.
Os vaqueiros, em sua maioria, desejavam
vê-lo cair ao chão. A jovem observava tudo,
emocionada e admirada. Era a força contra
a inteligência.
— Ele está mostrando saber o que é um
cavalo selvagem — disse ela a Frank.
— Mas isto não significa que ele seja um
homem recomendável.
— Não exagere. Não tem razão para
alimentar suspeitas. Além disso — falou
com ironia — você tem sido um bom
capataz. Não acredito que possa ser
superado pelo forasteiro em todas as suas
tarefas.
— Não temo o forasteiro, nem deixar de
ser capataz — respondeu de mau humor.
Enquanto conversavam, Roy caiu do
cavalo e esteve a ponto de ser pisoteado
pelo animal enfurecido. Frank deu uma boa
gargalhada. Todo o seu mau humor
desapareceu num minuto.
Roy levantou-se do chão. Rogando uma
praga e sacudindo o pó, foi em direção à
jovem. Frank ainda ria.
— Sabia que você não poderia com Rock
— disse a moça, com sua já costumeira
ironia. — Suas habilidades não foram
demonstradas e temo não poder contratá-lo.
— Vejo que tem uma grande necessidade
de ferir-me. Não acreditava que houvesse
mulheres tão bobas como você.
— Cala-se, forasteiro — disse o capataz.
— Engula essas palavras, se não quer que
eu o faça engoli-las.
Roy dirigiu-lhe um olhar duro. Mas se
conteve, dizendo:
— A esta senhorita — disse com calma
— falei o que ela merecia, o que não
constitui ofensa. Se você for parcial,
admitirá que ela não merece ser tratada com
doçura. Mas se, apesar disso, achar que é
seu dever defendê-la, terei de demonstrar-
lhe sua imprudência em desafiar-me.
Frank compreendeu que já não poderia
voltar atrás. E, pelo olhar duro de Roy, logo
percebeu que ele era difícil de ser
derrubado.
— Vejamos se apara os meus golpes com
a mesma facilidade com que usa sua
asquerosa língua.
Ao dizer isso, desferiu no rosto de Roy
um violento soco que ele não conseguiu
evitar a tempo, sendo arremessado para trás
e mantendo-se em pé com certa dificuldade.
Estava esgotado pela marcha, além do
esforço despendido com Rock. Sua
inferioridade estava apenas nisso.
Rapidamente, no entanto, tratou de
organizar sua defesa.
Manteve-se em pé e esperou que Frank o
atacasse novamente. Este o fez, confiante e
seguro de sua superioridade. Roy esquivou-
se, golpeando-o na orelha com o punho
esquerdo. Frank caiu ao chão, rolando na
poeira, não tanto pelo golpe, mas por seu
próprio impulso.
Os vaqueiros olharam-se entre si. A
jovem sorriu. Roy continuou na defensiva.
Frank continuou atacando
desordenadamente. De repente conseguiu
atingir Roy com outro soco no rosto.
O rapaz caiu e Frank preparou-se para
pisoteá-lo com o calcanhar da bota. Roy
virou-se instantaneamente e ergueu-se de
um salto. Neste instante a moça interferiu:
— Parem com essa luta! — gritou —
Separem-nos. — E virando para os
vaqueiros. — O que estão olhando,
cumpram minhas ordens, separem os dois.
Como nenhum dos homens se mexeu e
nem os dois lutadores se separaram, a moça
sacou o revólver e meteu-se entre eles, de
arma em punho.
— Já não ouvem mais as minhas ordens?
Quem manda aqui? Todos os meus
empregados têm de me ouvir e atender.
— Seus empregados sim — disse Roy.
— Mas eu não.
— Você também. Antes de começarem
esta luta idiota eu já me decidira a contratá-
lo. Lamento muito que eu tenha sido a
causadora disso tudo. Não quero que
ninguém brigue por minha causa, e muito
menos dois homens que podem e merecem
ser bons amigos.
Roy a ouvia, aturdido. Mas, atendendo a
vontade da moça, estendeu a mão ao
capataz.
Este fingiu estar distraído.
— Não ouviu as minha ordem? —
perguntou-lhe a rancheira.
De má vontade, Frank a obedeceu.
— Bravo, rapazes! — exclamou o mais
velho dos peões.
— Agora vou apresentá-lo aos meus
vaqueiros — disse ela, sorrindo. — Como é
o seu nome?
— Roy... Roy Dale.
— Bem-vindo ao nosso rancho, Roy.
Este é o capataz, vocês já se conheceram
muito bem — disse ela e, em seguida,
dirigiu-se aos outros: — Aqui está Joe
Thompson, o mais velho de nossos
empregados e o mais leal que já conheci.
— Obrigado, Srta. Evelyn! Bem vindo,
rapaz.
— Este é Jim Brand, Red Curtis, Alan
Ratfford, Tom Logan, Bucky Neal...
Roy foi-lhes apertando as mãos uma a
uma. Aquela era parte da equipe, os outros
estavam recolhendo o gado.
— Agora só resta apresentá-lo a mim —
disse sorrindo.— Meu nome é Evelyn
Grant.
— Foi um prazer tê-la conhecido, e lhe
peço que esqueça as minhas palavras de
antes. Na verdade, não desejava ofendê-la.
— Não me lembro que tenha feito isso —
disse ela sorrindo.
Depois das apresentações, os outros
foram terminar suas obrigações. Roy tinha
no olhar um brilho de satisfação.
— Frank vai lhe mostrar os alojamentos
— falou Evelyn, sempre olhando para o
recém-chegado com uma certa admiração.
Apesar dele ter sido jogado fora da sela,
ela vira a maneira como ele montava. Roy
sabia exatamente o que fazia. O cansaço, no
entanto, acabara por vencê-lo.
A garota tinha certeza de que, se havia
naquele rancho um homem capaz de montar
Rock, esse homem era Roy.
— Não quer saber do seu salário? —
ironizou Frank, enquanto os dois
caminhavam pelo pátio, na direção do
galpão onde dormiam os vaqueiros.
— Tenho certeza que será justo —
devolveu-lhe Roy, no mesmo tom, enquanto
acompanhava com os olhos a dona do
rancho caminhando para a casa principal.
Antes de subir para o alpendre, ela se
virou e olhou na direção dele. Roy sorriu de
novo, satisfeito com aquilo.
Frank, ao seu lado, olhou-o com
severidade, como que cobrando o respeito
que o vaqueiro deveria ter para com a
proprietária. Mas vira como Evelyn reagira
em relação a Roy, por isso achou melhor
ficar calado.
Roy logo ficou sabendo de tudo que se
passava no rancho. Os vaqueiros adoravam
conversar. Assim, foi informado da situação
do rancho e da rixa com os vizinhos, os
Benson, que já vinha de alguns anos.
A própria Evelyn se encarregou de
posicioná-lo a respeito do problema com os
vizinhos, uma vez que isso envolvia
diretamente os vaqueiros que, a qualquer
momento, poderiam se envolver em um
tiroteio ou se ver no meio de uma disputa
violenta.
Roy gostou da franqueza com que Evelyn
lhe falou sobre isso e de como conduzia os
negócios na ausência de seu pai, James
Grant, que se ocupava da venda e da
condução do gado até Winslow.
Segundo ela, o pai fizera a viagem para
vender o gado e de lá seguiria para Chicago
e em seguida para Barstown, a fim de
entrevistar-se com um representante da
Furnish Meat Company, a poderosa
companhia que supervisionava a compra de
gado para o principal matadouro de
Chicago.
A rixa com os Benson era devida ao
egoísmo do velho Benson, pai de um rapaz
chamado Robert Benson. O velho e o pai de
Evelyn haviam sido amigos e vieram para o
vale na mesma época, a fim de escolherem
terras vizinhas.
Os dois alimentavam planos de casar seus
dois filhos, para que todo o vale se tornasse
uma só propriedade. Grant teve sorte de em
sua propriedade correr um riacho que era
afluente do Little Colorado.
Para não prejudicar Benson ele deixou
uma parte da propriedade aberta, sem cerca,
para que este pudesse utilizar a água e
movimentar o gado com maior facilidade.
No entanto, Jack Benson resolveu cercar
toda aquela área, com a desculpa de que
isso impediria o extravio do gado. Foi então
que Grant descobriu que a intenção do outro
era manter aquele terreno como propriedade
sua.
Com ordens expressas de Grant, os
empregados destruíram a cerca e, desde
então, a animosidade entre os dois ranchos
vinha aumentando constantemente, com
alguns entreveros sérios.
Num deles havia morrido o velho
Benson. O capataz do rancho jurou
vingança, mas apesar disso as lutas tinham
se tornado mais raras, principalmente após a
volta de Robert ao rancho, depois de
formado em advocacia.
Mas a razão do regresso, Evelyn já
percebera. Só podia ser algum desgosto com
a namorada que ele arranjara no Leste, fato
que deixara Evelyn bastante irritada, pois o
seu noivado com ele era tido como certo,
antes mesmo de ele partir para estudar.
Evelyn, no entanto, sabia que a paz atual
era muito frágil. Robert Benson devia estar
tentando apossar-se do terreno, com alguma
artifício legal.
Para isso, tentaria usar sua lábia de
advogado. E a jovem tinha suas razões, pois
um empregado do rancho o vira sair do
cartório onde fora feito o registro das
propriedades.
Agora Evelyn não hesitara em contratar
mais um vaqueiro. Mas Frank ainda não
aceitara a atitude da moça.
Naquela manhã, por ordem dela, Frank e
Roy foram correr a propriedade. A jovem
queria que todos os empregados fossem
conhecidos pelo novo contratado, e que este
se inteirasse da quantidade de reses que
pastavam naquele vale.
Frank mostrou-se pouco eloqüente
enquanto cavalgavam. De vez em quando
lhe dirigia frases curtas. E uma vez
perguntou:
— Você é do Arizona?
— Não — respondeu Roy — Nasci no
Texas.
Depois de uma breve pausa, o capataz
voltou a perguntar:
— Faz muito tempo que abandonou seu
Estado?
— Alguns anos.
— O que o trouxe por aqui?
— Na verdade, não saberia dizer. Há
muito que ando de um lado para outro,
deixando quase que a escolha à vontade de
Linda. Ela é muito inteligente, a prova é que
me trouxe a este lugar magnífico.
— No Texas também há lugares
magníficos. Bons ranchos... Terra boa,
tomada dos mexicanos...
— Tomada, não: conquistada, o que é
diferente. Minha terra não me desagrada,
mas...
Roy deixou a frase pelo meio. Em sua
mente desfilaram velhas lembranças. Frank,
ao notar a seriedade do rosto do outro,
achou que alguma encrenca esperava o
rapaz em sua cidade natal.
— Talvez eu decida voltar algum dia —
disse Roy repentinamente, olhando o
capataz. — Só o que me enche de tristeza é
saber que meu retorno se fará nas mesmas
condições de minha partida. Há dez anos eu
acreditava que aquelas terras eram muito
pequenas para a minha ambição. Desejava
viver, conhecer terras distantes... — disse,
fazendo uma pequena pausa para admirar a
vista magnífica que se descortinava a sua
frente.
— E o que fez depois? — insistiu Frank,
curioso.
— Depois fui à Califórnia e tive uma
grande decepção. Em seguida para Nevada,
onde me convenci de que não adianta a
vontade de ter dinheiro, uma pá e uma
picareta...
— Muitos conseguiram fortuna em pouco
tempo.
— Eu sei. Mas os meios que eles
empregavam não são compatíveis com os
meus princípios. Eu não nasci para ser
abutre.
— E acha que no Arizona as coisas são
diferentes?
— Não. Mas há muito que desisti de me
tornar rico.
Frank parou repentinamente o cavalo e
pôs-se à escuta.
— Ouço o galope de uns cavalos.
Estamos perto do rio. Alguém deve estar
vindo das montanhas nesta direção. Vamos
nos ocultar atrás daquelas árvores.
O capataz não errara. Cinco cavaleiros
desceram pela ladeira, em direção a um
ponto onde poderiam cruzar o rio, um
pouco mais adiante.
— Se não me engano são homens de
Benson. Possivelmente tentarão passar pela
nossa propriedade. Se fizerem isto, lhes
cortaremos o caminho.
Eram realmente homens de Benson e
cruzaram o rio, indo para onde estavam
Frank e Roy. O capataz saiu de trás das
árvores e atravessou-lhes a frente.
— Como se atrevem a cavalgar por aqui?
Os homens de Benson estacaram. Frank
estava tenso. As mãos próximas do Colt.
Roy parecia alheio a questão, por seu ar
indiferente.
— O mesmo podíamos perguntar-lhe —
disse o sujeito que ia à frente do grupo.
Chamava-se Strong e era o segundo
capataz dos Benson. Sua fama era de bom
pistoleiro e difícil de perder num corpo-a-
corpo.
— Se pensam que por estarem em maior
número nos amedrontam, estão enganados
— disse Frank. — Voltem a cruzar o rio e
partam sem reclamar.
— Que razões nos dá para isso?
Apenas o capataz dos Benson terminou
de falar e ouviu-se o disparo de uma arma.
Havia sido Roy. Sua indiferença
desaparecera no momento em que viu um
dos homens de Benson com a intenção de
empunhar uma arma.
Strong manteve as mãos bem perto de
seus Colts, mas não se atreveu a sacá-los. O
que tentara fazer isso sem ser notado torcia-
se agora de dor, enquanto apertava a mão
ferida. A sua arma havia caído ao chão.
— Esperavam nos pegar desprevenidos?
— perguntou Roy — Estas razões são
suficientes para cumprir o que meu amigo
disse.
Strong puxou com raiva as rédeas de seu
cavalo e o animal empinou, rodando nas
patas traseiras. Quando já estavam do outro
lado, Strong ameaçou:
— Procurem não se mostrar da próxima
vez, pois atiraremos sem avisar.
Frank e Roy voltaram a cavalgar, assim
que os invasores se afastaram do rio.
— Você foi muito oportuno, Roy.
Confesso que me pegaram desprevenido.
— Por isso, enquanto você falava eu os
observava. Conheço muito bem este tipo de
gente.
Ficaram em silêncio. Frank cavalgava
sério e pensativo.
O capataz acalentava um sonho quase
impossível, o de casar-se com Evelyn.
Agora que Roy aparecera, via suas
possibilidades já remotas serem reduzidas a
zero. Apesar disso, devia ser-lhe grato por
lhe salvar a vida.
Naquela noite, o assunto durante o jantar
foi o encontro com os vaqueiros de Benson.
Roy recebeu os cumprimentos dos
empregados, com modéstia sincera. Poucas
vezes intervinha na conversação.
Foi Brand que mudou o tema da noite,
lembrando a grande ausência de James
Grant.
— O patrão parece estar gostando muito
de sua permanência em Barstown...
— Não há porque estranhar — retrucou
Red. — Todos sabemos que o velho gosta
de uma farrinha de vez em quando.
— No entanto — interveio Thompson —
acho que já deveria ter regressado. Nunca
ficou tanto tempo ausente sem mandar
notícias.
Roy desejava conversar com Thompson e
o seguiu quando terminaram o jantar. O
vaqueiro foi para o meio do cercado onde
estava Rock, que ele mesmo laçara.
Ao notar Roy, virou-se para ele e
perguntou:
— Veio também para ver Rock?
— Sim. Gosto muito de cavalos.
— Nossos gostos coincidem. Que acha
deste garanhão vermelho?
— É magnífico.
— É o cavalo mais bonito que já vi em
minha vida. — disse Thompson, orgulhoso.
— Tenho certeza de que será famoso na
região. Você verá. Depois de Evelyn, é o
que mais aprecio em minha vida. Meu
maior orgulho é tê-lo laçado.
Roy o ouvia, sorridente. Ao escutar o
nome da jovem, ficou sério. Aproveitou a
ocasião para tocar no assunto que o
preocupava.
— Aprecia muito Evelyn, não é verdade?
— Como se fosse minha própria filha. Eu
a vi nascer e a ensinei a montar e a manejar
o Colt. Atira como um homem.
— Foi também quem a ensinou a ser
mordaz e arrogante?
— Não. Isto ela aprendeu sozinha —
respondeu ele, rindo — Mas não é tão arisca
como parece à primeira vista. Além do
mais, foi criada no meio de gente rude. E
não concordou em ir estudar no Leste. Não
queria afastar-se do pai.
— Para viver aqui, é melhor que seja
mesmo como é.
Roy ficou silencioso. Repentinamente,
tomou de novo a palavra.
— A propósito do pai dela, Joe. O que
ouvi durante o jantar me deixou
preocupado.
— Em que sentido?
— A sua ausência prolongada. Ontem
pela manhã eu fui testemunha de um fato
que me fez pensar... É melhor eu lhe contar
tudo.
— Fale sem rodeios, rapaz.
Roy relatou tudo o que vira e fizera na
manhã anterior, antes de ir parar no rancho,
falando da perseguição e da morte daquele
homem, mas ocultando a questão do ouro
que ele encontrara e que estava escondido
agora.
— Não era aquela direção que ele devia
seguir se viesse de Winslow, mas... Quem
sabe? Amanhã eu a convencerei a procurar
saber se o viram em Winslow.
Ao sair do cercado encontraram Evelyn.
Ela seguia para junto do grupo de vaqueiros
que cantava ao som de um violão.
— Boa noite — cumprimentou a todos.
— Evelyn, queria falar com você — disse
Joe Thompson, chamando-a de lado.
— Que houve, Joe?
— Não é que tenha havido alguma coisa,
mas acho que devíamos procurar saber se
seu pai passou por Winslow ou se ainda está
lá.
— Diz isto pela demora dele?
— Sim. Esta demora já me preocupa.
— Você até parece que não o conhece.
Estou totalmente tranqüila. Aproveitou a
ocasião para fazer uma de suas costumeiras
farras. Tem direito de gozar a vida, não?
— É possível que você tenha razão. Mas
não teríamos nada a perder em investigar.
Frank seguia para o alojamento quando
viu o grupo formado por Evelyn, Joe e Roy.
Tentou passar sem saudá-los, mas a jovem o
chamou:
— Frank! Joe está preocupado com a
demora de papai. Quer que mandemos
alguém a Winslow.
— Não é má idéia. Além disso, poderiam
trazer munições. Já estamos precisando.
— E quem deve ir?
— Joe mesmo poderia ir com Alan e
Tom.
— E se Roy fosse com eles?
— Para quê?
— Podem cruzar com os Benson...
— Acha que eles fugirão apavorados ao
verem Roy? — ironizou o capataz, que não
conseguia esconder sua antipatia por Roy,
mesmo após este ter-lhe salvado a vida.
— Frank!
— Desculpe, Evelyn. É claro que Roy
poderá acompanhá-los — disse, tentando
consertar a situação, dizendo boa noite e
rumando apressadamente para o alojamento.
— É, você ainda não caiu nas boas graças
do capataz. — disse Evelyn, com ironia.
Ficou em silêncio e acrescentou:
— Ainda há pouco falou em você,
elogiando-o. Segundo me disse, você o
livrou de má situação.
— Ora, coisa sem importância. Além do
que, minha própria segurança também
estava em jogo. Tinha que fazer algo para
me proteger.
Evelyn sorriu e, despedindo-se de todos,
recolheu-se. Roy continuou ao lado dos
músicos, ouvindo seus instrumentos e suas
canções, sentindo-se tranqüilo como havia
muito não se sentia.
Era isso justamente o que o preocupava.
A aparente tranqüilidade do rancho era
ameaçada por um clima de tensão constante,
como a calmaria que precedia uma
tempestade.
O encontro com os homens do Rancho
Benson, naquela tarde, demonstrava isso.
Aqueles rapazes estavam decididos a iniciar
um tiroteio e só sua sorte e rapidez haviam
impedido que Frank e ele fossem mortos.
Havia se metido em muitas encrencas em
sua vida. Queria apenas um local onde
pudesse trabalhar. Mas as encrencas o
perseguiam. Não havia como evitá-las.
No dia seguinte, antes de clarear, os
vaqueiros designados para a viagem
partiram do rancho.
Em Winslow dirigiram-se imediatamente
para o armazém do velho Sam, bom amigo
de Grant. Joe o cumprimentou antes de
descer da carroça, depois perguntou pelo
patrão.
— Ele não está na fazenda? — respondeu
o comerciante com outra pergunta. —
Esteve aqui há quatro dias atrás e disse que
viajaria de volta na manhã seguinte. Claro
que nunca se pode afirmar o que vai pela
cabeça do maluco do Grant.
Joe olhou preocupado para Roy.
— Precisamos de algumas coisas, Sam,
aqui está a lista — disse Joe, entregando o
papel ao velho. — Mais tarde passaremos
para pegar as mercadorias.
Foram em seguida para o Marvel Saloon,
o preferido dos apreciadores do melhor
uísque da região. Apesar de ser pouco mais
de meio-dia, o saloon estava bastante cheio.
Joe e seus companheiros foram
diretamente para o balcão:
— Traga-me uma garrafa do bom —
disse Joe.
Enquanto bebiam, Roy virou-se de frente
para os fregueses que estavam nas mesas.
Era um velho hábito seu. Sempre fazia
isto, para ver se alguém o observava. Foi
quando reparou em três sujeitos sentados a
uma das mesas, olhando-o disfarçada mas
insistentemente.
Fingiu não tê-los notado e virou-se
novamente para seus companheiros.
Joe havia sugerido que percorressem
todos os saloons, tabernas e bordéis para ver
se o patrão estava em algum deles.
— Não é má idéia — assentiu Tom
Logan. — Vamos imediatamente ao Blue
Saloon. É o lugar mais indicado para
encontrar o velho. E ali a gente pode fazer
algo mais do que beber um uísque, se é que
me entendem.
Enquanto eles conversavam, houve
alguma movimentação próxima de Roy,
sem que ele percebesse. De repente, um
homem que se colocara por trás dele deu-
lhe um empurrão.
Ele se virou e constatou que era um dos
três que o haviam observando, desde que
entrara ali.
— Não há espaço suficiente no salão para
você? — perguntou com bons modos.
O outro olhou com desprezo e em
seguida cuspiu no chão.
— Falo com um homem ou com um
porco? — disse Roy, agora em um tom mais
alto.
A resposta de Roy foi um soco
inesperado na direção de seu queixo. Mas a
rapidez do rapaz o fez esquivar-se e golpear
o outro com a esquerda bem na boca do
estômago.
O soco foi desferido com a força
suficiente para derrubar um boi, fazendo o
desconhecido bufar e gemer, dobrando o
corpo para frente e caindo de cara no
assoalho.
Os fregueses, que já tinham percebido a
briga, começaram a se levantar e a abrir
espaço. Os dois amigos do homem que
brigava com Roy se aproximaram.
Um deles tratou de ajudar o companheiro
caído, que tossia e vomitava o almoço. O
outro pôs-se à frente de Roy.
— Vejo que você é amigo dos ataques à
traição — disse sem rodeios.
Roy olhou-o fixamente.
— Não sabe o que está falando nem com
quem está falando, idiota. Nunca ataquei
ninguém sem antes ser atacado.
— Diga isso a outro, mas não a mim. Eu
o estou observando desde que entrou neste
saloon.
— Se está com vontade de arrumar
confusão — disse Tom — é melhor ir
tocando a música em outro lugar, meu
velho.
— Deixe que ele fale, Tom. Deve ter
alguma coisa muito interessante a dizer,
ainda que nunca o tenha visto em parte
alguma antes.
— Claro que não. Para desgraça sua, esta
é a primeira vez que nos achamos frente a
frente. Mas isso não quer dizer que eu não o
tenha visto antes. Há alguns dias eu o
surpreendi, quando matou um homem
covardemente, depois de o perseguir até que
o cavalo dele se acabasse. Eu o reconheci
pela sua égua branca. Você é um
indesejável, um pistoleiro, e este foi seu
último copo de uísque, não vai escapar-me
— disse o homem diante de Roy,
distorcendo os fatos e acusando Roy.
— Você está louco, seu covarde? —
explodiu o rapaz, percebendo que a
encrenca novamente vinha ao seu encontro.
— Cuidado, Roy! — gritou Tom.
Simultaneamente soou um disparo. O
velho Thompson e Roy tinham em suas
mãos um Colt fumegante, enquanto o
sujeito que provocara Roy caía no assoalho
contorcendo-se de dor.
— Obrigado, Joe. Eu devo a vida a você.
Eu estava de olho nele, já imaginava quais
eram as intenções desse sujeito.
— Você foi esperto. Felizmente tem
olhos de lince e isso é necessário, se quiser
continuar vivendo por aqui.
Os outros dois pistoleiros tinham
desaparecido por entre a multidão.
Ninguém se preocupou muito com o
incidente. Os homens do velho Oeste
desprezavam a traição e os covardes. O
xerife apareceu logo depois e ficou
satisfeito com a alegação de legítima defesa,
principalmente diante de tantas
testemunhas.
Os rapazes do Rancho Grant continuaram
sua busca no Blue Saloon. Lá também não
encontraram seu patrão.
Decidiram passar a noite no hotel, e no
dia seguinte partiram bem cedo. Ainda iam
meio embriagados pela noite de farra na
cidade. Procurando pelo patrão, não
deixavam de tomar um gole em cada local
que passavam.
Estavam na metade do caminho, bem
próximos a um pequeno bosque, quando
uma detonação e a súbita parada da carroça
os fez despertar.
Estavam em campo aberto.
— Miseráveis! — gritou Joe. — Devem
ser homens dos Benson. Aposto cem
dólares.
— Eu acho que são os companheiros do
sujeito que você liquidou ontem à noite.
— Bem, não importa muito que é —
respondeu Allan. — O que interessa agora é
salvar a pele, o que vai ser muito difícil.
A única possibilidade de defesa era a
carroça. Os que estavam a cavalo
desmontaram e abrigaram-se atrás dela.
— Estamos numa ratoeira — disse Alan,
de repente. — Aqui não temos oportunidade
de defesa. Vão nos pegar com facilidade,
não temos como nos esconder por muito
tempo.
— Alan tem razão — concordou alguém.
— Eu também acho — disse Roy. —
Temos que fazer alguma coisa para arrancá-
los de refúgio onde estão, ainda que seja
arriscado para nós. A solução é fingir que
fugimos, fazendo o caminho de volta.
Assim que for possível, vamos contornar a
estrada para atacá-los por trás.
— E se não conseguirmos escapar dos
rifles? — perguntou Joe.
— Tanto faz morrer nesta ratoeira como
em campo aberto— disse Alan.
— Vamos tentar — decidiu Roy — Um
ou outro conseguirá escapar. Você, Alan, vá
para o norte, como se fosse na direção do
rancho. Eu irei em sentido oposto. Bem
afastados, daremos a volta e cairemos sobre
os atacantes.
Fizeram o que Roy propusera. Os
atacantes acreditaram que eles fugiam
atemorizados e não se preocuparam em
perseguí-los. Quando se deram conta da
manobra, já era tarde.
Roy e Alan caíram sobre os bandidos,
protegendo-se por trás das árvores. Desta
vez foram os outros que saíram em fuga.
Eram quatro sujeitos. Tinham os cavalos
bem próximos, e dois fugiram num galope
desenfreado. Mas os outros dois pagaram
bem caro sua ousadia. Roy sabia muito bem
como disparar uma arma e era implacável
com quem tentava matá-lo.
Com sua pontaria, enfiou uma bala nas
costelas de um deles, quando tentava
montar no cavalo. O outro foi atingido na
cabeça, quando se preparava para sair a
galope. Seus corpos ficaram estendidos ao
sol, na poeira.
Joe e Tom acorreram apressadamente
quando deram conta do que se passava.
— Conhece algum desses dois canalhas?
— perguntou Roy a Joe.
O vaqueiro aproximou-se dos cadáveres e
virou-os de barriga para cima com a ponta
da bota.
— Não — respondeu. — Nunca vi estes
caras por aqui. Não compreendo o interesse
que tinham em nos eliminar.
— Então deve ser a mim que eles querem
— comentou Roy, pensando naquele alforje
cheio de ouro. — Não sei bem por quê, mas
a minha vinda está perturbando alguém.
— Bem — disse Joe, secando o suor do
rosto... — Quem sabe um dia descobriremos
a razão deste ataque!
Voltaram para junto da carroça. Um dos
animais, o cavalo de Tom estava deitado
sobre a relva, com a pata sangrando.
Joe aproximou-se e examinou-lhe o
ferimento.
— Vamos tentar tirar esta bala — disse.
Amarraram as patas do animal. Roy e
Tom seguraram-lhe a cabeça. Com uma
precisão inacreditável, Joe manejou o
canivete junto ao ferimento e em poucos
segundos a bala estava em suas mãos.
Tom pegou-a e guardou-a no bolso de sua
jaqueta.
— Ainda quero ter a oportunidade de
cobrar isto — disse ele, entredentes.
Evelyn mandou chamar Frank em seu
escritório, e o esperou sentada por trás da
mesa de trabalho.
— O que houve, Evelyn?
— O que está achando do
desaparecimento de meu pai?
— Começo a ficar preocupado, e acho
que as suspeitas de Joe não eram
infundadas.
— Não tenho tanta certeza. Papai é
imprevisível, pode ter decidido ir até
Flagstaft, por exemplo. Ou ter ido fazer uma
visita aos Slade. Antes de viajar ele falou
que estava pensando em ficar alguns dias na
casa deles.
— Vamos torcer para que você tenha
razão. — fez uma pausa e continuou: —
Outra coisa é Roy. Mostrou que não é
pessoa adequada para trabalhar conosco. A
encrenca o persegue. Já lhe contaram dos
dois incidentes que tiveram na viagem?
— Sim, mas isto não é razão para o
julgarmos mal.
— Ele é um covarde. Matou um homem
sem motivos, depois baleou quem o
acusava...
— Ora, Frank, como acreditar numa
provocação destas? Além do mais, ele não
tem a menor atitude de um covarde e você,
mais do que ninguém, sabe disso...
— Vejo que não adianta tentar lhe abrir
os olhos. Você deve estar enamorada dele...
— Não, não estou. Mas se estivesse, era
problema meu, Frank.
— Está bem. Não serei o obstáculo que a
impeça de namorar o homem que pode até
ter matado seu pai — falou Frank,
destilando despeito.
Em seguida o capataz levantou-se e saiu,
sem dizer mais nada e sem olhar para
Evelyn, que ficou estupefata.
Os vaqueiros que o viram sair irritado
foram até o alojamento. Observaram-no
arrumar sua mala.
— O que houve? — perguntou-lhe Alan.
— Vou embora do rancho. Renuncio ao
meu cargo.
Roy e Joe e os outros vaqueiros entravam
no cercado naquele momento, preparando-
se para continuar a domar Rock. Roy foi o
primeiro a querer montá-lo.
Desta vez decidido a não se deixar
vencer.
Evelyn, que vinha saindo para a varanda,
passou a observá-lo. Joe a viu e
compreendeu, pelo olhar dela, o que se
passava em sua mente. Mas nada podia
fazer para ajudá-la, pelo menos por
enquanto.
Evelyn desceu as escadas e foi para junto
da cerca. Nesse instante, Rock lutava para
se livrar de Roy, que já conhecia todas as
manhas do animal e conseguia, com algum
esforço, manter-se firme na sela.
A dona do rancho sorria, admirada,
esquecendo-se, por instantes, de suas
preocupações e da ríspida conversa com
Frank. Inesperadamente, no entanto, Robert
Benson entrou cavalgando no pátio do
rancho e foi amarrar seu cavalo diante da
casa.
— É o Benson, patroa — disse um dos
vaqueiros.
— Maldito! Devia expulsá-lo a pontapés
daqui — rugiu a garota.
— Ele não viria até aqui se não tivesse
algo importante a tratar, não? — comentou
o mesmo vaqueiro.
Joe, ao lado, observava a reação de sua
patroa.
— Quer que eu vá com você, Evelyn? —
indagou
— Não, acho que ele não viria aqui se
não estivesse com o espírito desarmado.
Vou ver o que ele quer.
Roy continuava sua luta com Rock, mas
perdeu a concentração, observando aquele
homem que, no alpendre, esperava pela
aproximação de Evelyn.
Todos os vaqueiros faziam o mesmo.
Rock aproveitou-se do momento e atirou
Roy ao chão. O vaqueiro teve que rolar com
agilidade para não ficar sob as patas do
animal enfurecido.
— Dome-o, Roy — falou Evelyn,
percebendo a queda e desfazendo a tensão
que se estabelecera no ar.
Os vaqueiros trataram de imobilizar Rock
novamente.
— Vai tentar de novo, Roy? —
perguntou um deles.
— Sim, claro — concordou Roy,
segurando o cavalo pelo cabresto,
assoprando em seu focinho, depois
conversando com ele com a voz bem calma.
Em seguida voltou a montá-lo e
permanecer firme na sela. Após algum
tempo, conduzia o animal com habilidade
ao redor do curral. Rock cedera à
determinação de seu cavaleiro.
Olhou na direção do alpendre, esperando
ver Evelyn acompanhando a cena, mas não
a encontrou.
Naquele momento, ela estava em seu
escritório com Robert Benson. Com uma
amabilidade que a surpreendia, o advogado
e rancheiro disse:
— Vim para lhe propor uma trégua,
Evelyn, e para lhe assegurar que sou
absolutamente sincero nisso. No caminho,
porém, encontrei seu capataz, que
abandonava o rancho. Eu soube, então, da
terrível notícia...
— Espere um pouco! De que notícia está
falando? — interrompeu-o ela.
— Da morte de seu pai — falou ele,
demonstrando surpresa pela reação dela.
Aquilo foi dito com tanta franqueza que
Evelyn empalideceu, sem saber como
reagir. Diante de seu inimigo, porém,
esforçou-se para demonstrar firmeza.
— O que sabe sobre isso? — indagou,
num fio de voz.
— Apenas o que seu capataz me contou.
De concreto nada mais sei. Posso dizer,
porém, que estive com seu pai em Winslow.
Desde a minha volta desejava dizer a ele
que as nossas desavenças não favoreciam a
nenhum de nós. Ele concordou comigo e até
chegamos a um acordo. Eu prometi proibir
que meus homens provocassem os do seu
rancho e...
— Você esteve com meu pai em
Winslow? — cortou-o ela novamente.
— Sim, fizemos um acordo, conforme
lhe contei. Ele ia segurar seus homens, da
mesma forma que eu faria. Eu soube que
houve um incidente esses dias atrás, mas
puni severamente meus homens por terem
cruzado o rio. Pensei que já soubesse de
tudo isso, pois seu pai disse que iria
regressar ao rancho o mais depressa
possível. Se não chegou ainda, essa notícia
de que tenha sido assassinado não me
parece tão descabida assim...
Evelyn fez um esforço enorme par
manter o controle e conter as lágrimas que
teimavam em aflorar em seus olhos. Sua
preocupação com a vida de seu pai tornou-
se muito forte agora.
— O que você me disse me fez ficar
muito preocupada, Robert. Amanhã mesmo
irei a Winslow falar com o xerife.
— Frank me contou que você contratou
um novo vaqueiro...
— Sim, e o que tem ele?
— Bem, pelo que Frank me contou e pelo
que ouvi de alguns de meus vaqueiros que
estavam no saloon, naquele dia, é muito
provável que esse rapaz seja o assassino de
seu pai. Frank disse que, quando ele
chegou, trazia consigo um alforje parecido
com aquele que seu pai usava.
— Frank deve estar maluco! — descartou
a garota.
— Mas não custa verificar...
— Está bem, já fez seu papel de bom
vizinho — ironizou a garota. — Agradeço
sua visita, mas peço-lhe que se vá agora.
— Não sem antes lhe dizer uma coisa que
há muito tempo eu deveria ter dito, mas não
tive coragem — pediu ele e seu tom de voz
era convincente e aparentemente sincero.
— O que é? — perguntou ela, com
rispidez, pois não conseguia acreditar na
sinceridade dele.
— Eu sempre a admirei muito, Evelyn...
Robert poderia até estar sendo sincero na
declaração que iniciava, mas isso em nada
afetava ou emocionava Evelyn. Pelo
contrário, isso a enfurecia e enojava.
— É melhor parar! Este é um assunto em
que jamais chegaremos a um acordo.
— Por favor, Evelyn! Seja razoável e
menos cruel. Dê-me a oportunidade de
provar-lhe a sinceridade de meus
sentimentos. Eu sei que agi...
— É inútil! — falou ela, elevando o tom
de voz. — Nada sinto por você, Robert...
Exceto asco!
Ele a olhou duramente. Por momentos
sua expressão permaneceu assim, depois foi
se transformando numa careta de ódio e
desprezo que assustou a garota.
— Então é verdade o que disse o seu
capataz — começou ele, com ironia na voz.
— Não sei o que Frank possa ter-lhe
contado e, sinceramente, pouco me interessa
saber o que foi. Agora sai!
— Pois a mim o assunto interessa e
muito. Você está apaixonada pelo provável
assassino de seu pai. Por que não manda
revistar as coisas dele e encontrar esse
alforje?
— Basta! — disse ela, apanhando uma
chibata sobre a mesa e vergastando seu
vizinho.
Robert aparou o golpe com o antebraço,
mas a dor foi lancinante. Ele empurrou a
garota, derrubando-a numa poltrona. Olhou-
a como se fosse esganá-la, depois virou as
costas e saiu.
Joe, que estava no lado de fora, entrou
assim que o rancheiro saiu.
— O que houve, patroa? Por que está
chorando? Se aquele canalha a insultou —
disse ele e já ia sacando a arma.
— Não, por favor, Joe, não faça isso! —
pediu ela, levantando o rosto para ele.
Hesitou por instantes, antes de manifestar
sua preocupação.
— Joe, acho que meu pai foi assassinado!
— afirmou.
— Quem lhe disse isso? Benson?
— Frank disse sugeriu a mesma coisa...
— E o que eles sabem a esse respeito?
— Lançaram uma suspeita.
— Sobre quem?
— Roy!
— É um absurdo, Evelyn. Conheço
aquele rapaz há poucos dias, mas ponho a
minha mão no fogo por ele.
— Com certeza é uma trama, Joe, uma
calúnia infame... Roy jamais mataria meu
pai... Por que o faria? Que motivo teria para
isso?
— Concordo com você, patroa. Não
acredito que Roy seja um assassino. Se algo
aconteceu a seu pai, o Benson está por trás
disso tudo. É um canalha, como o velho. Eu
devia ir atrás dele agora mesmo e fazê-lo
confessar...
— Não, Joe, por favor! Eu insisto —
gritou ela, ao ver que ele já tomara a
decisão.
Joe não a escutou. Apressadamente ele
deixou a casa e foi para o estábulo selar seu
cavalo. Neal e Jock notaram seu semblante
alterado e se aproximaram para saber o que
estava havendo.
— Tudo indica que o patrão foi
assassinado e eu sei quem está por trás
disso. Vou matar o maldito Benson. Aquele
canalha está tentando jogar a culpa pelo
desaparecimento do velho Grant sobre Roy,
quando ele seria o único beneficiado com
isso, deixando Evelyn desamparada.
Neal foi imediatamente à procura de Roy,
contar-lhe o que estava ocorrendo. O rapaz
havia tomado um banho para se livrar da
poeira do tombo que levara de Rock.
Terminava de se vestir naquele momento.
— Joe é maluco! — exclamou e foi ao
encontro do velho vaqueiro.
— O que você quer fazer é loucura, Joe
— disse. — Não tem prova de que foram os
homens do Benson. E se alguém tiver de
fazê-lo engolir o que disse serei eu, não
você.
Joe relutou, pois estava realmente fora de
si. Roy conseguiu, finalmente, convencê-lo
a se acalmar. Em seguida foi à procura de
Evelyn, encontrando-a ainda no escritório
da casa.
Sua vontade era contar o que presenciara
no dia em que chegara ao rancho. Estava
quase certo de que o homem que vira
morrer era o pai dela.
Evelyn, no entanto, estava confusa e
abalada. Não conseguiu levantar os olhos
para ele, temendo revelar que tudo a fazia
suspeitar dele.
Desapontado, Roy deixou o escritório
sem nada comentar. Estava disposto a
deixar o rancho, por isso foi arrumar suas
coisas. Quando estava selando seu cavalo,
Joe se aproximou.
— O que está fazendo, Roy? — indagou,
surpreso.
Roy não respondeu, continuando o que
estava fazendo.
— Pretende deixar o rancho também?
— Não posso continuar aqui, se ela
acredita que eu sou realmente culpado pela
morte do pai dela — confessou o rapaz.
Quando estava pronto para partir, ele
apanhou o alforje, onde estavam o ouro.
— Preste bem atenção no que vou lhe
contar, Joe. É muito importante — pediu o
rapaz.
Joe ouviu atentamente, enquanto ele
contava o que acontecera naquele dia. Em
seguida, pegou o alforje e o pôs nas mãos
do velho vaqueiro.
— Isto não me pertence. Está tudo aí.
Nada tirei. Entregue-o a Evelyn, assim que
eu partir. Isto pode ter sido do pai dela, não
sei. Só sei que estava próximo do homem
que vi morrer.
Joe ficou perplexo. Mal Roy saiu, ele
correu mostrar o alforje a Evelyn.
— É o alforje de papai — disse ela, num
fio de voz.
— Sim, eu também o reconheci. Todo o
dinheiro da venda da boiada deve estar aí,
Evelyn.
— E agora, Joe? Como acreditar no que
Roy disse? Frank havia me falado deste
alforje...
— Está achando ainda que Roy é
culpado?
— Como não pensar outra coisa? —
falou ela, com desespero.
— Se ele matou seu pai para roubá-lo,
por que teria vindo para este rancho,
trabalhar por cinqüenta dólares por mês? E
por que teria devolvido tudo isto? —
argumentou o vaqueiro.
— Eu não sei, Joe. Eu não sei! —
explodiu ela, confusa, deixando que as
lágrimas fluíssem de seus olhos.
Quando deixou o rancho, Roy pensou
inicialmente em sumir daquela região. Mas
havia algo que o incomodava, por isso,
cedendo ao apelo da encrenca que vinha
sempre ao seu encontro, rumou para
Winslow.
Quando chegou, já era noite. Procurou
uma pensão onde ficar. Jantou, depois
resolveu ir até o Moonlight Saloon, o mais
perigoso de toda a região.
O balcão ficava de frente para a porta, na
parede dos fundos. As mesas de jogo
espalhavam-se pelo salão. Ele foi pedir um
uísque.
O bartender serviu-o. Ele tomou de um só
gole, depois jogou uma moeda sobre a
madeira. Virou-se e olhou os homens que
jogavam. Resolveu arriscar sua sorte.
Estava ficando sem dinheiro, por isso
nada melhor do que ganhar alguma coisa.
Antes de mais nada, sondou o ambiente.
Viu um homenzinho vestido como um
janota. Tinha cabelos longos e jogava
calculando as apostas.
Aquilo parecia dar resultado, pois ele
ganhava invariavelmente. Roy decidiu
seguir o jogo dele e apostar nos mesmos
números. Se ganhasse, o dinheiro viria bem
a calhar.
Quando ia apostar, percebeu que dois
homens ao lado do jogador haviam tomado
a mesma decisão. Aborrecido por ser
seguido constantemente no jogo, ele
esperou a roleta ser girada e,
inesperadamente, trocou de número.
Novamente a sorte o privilegiou e ele
ganhou, para desagrado dos dois homens,
que se olharam, enfurecidos.
O crupiê pagou a aposta ganhadora. O
homenzinho começou a recolher as fichas.
Um dos homens segurou-o pelo pulso.
— Você nos enganou! Fez com que
jogássemos no número errado.
— Mudei de idéia no último momento,
apenas isso — disse o jogador.
— Seja como for, vai nos pagar o
prejuízo!
— Você jogou e se deu mal, parceiro —
falou Roy, contornando a mesa e encarando
o homem que tentava juntar as fichas da
mesa.
— Por que se mente onde não é
chamado? — perguntou o homem, com cara
de poucos amigos.
— Não gosto de gente encrenqueira —
afirmou Roy.
— Encrenqueiro? Já verá quem é o
encrenqueiro aqui. Vou lhe mostrar o que
faço com quem se mete em meus assuntos...
Roy permaneceu na defensiva, esperando
o ataque. No momento exato ele se
esquivou do punho que vinha em sua
direção e, em resposta, acertou o nó dos
dedos violentamente no queixo de seu
agressor.
O homem foi jogado para trás como se
tivesse levado um coice de um cavalo
selvagem. Seu amigo tentou ajudá-lo,
apanhando uma cadeira e erguendo-a para
atingir as costas do vaqueiro.
Uma das garotas do saloon gritou,
alertando-o. Ele se virou a tempo de se
desviar. A cadeira arrebentou-se na mesa de
jogo. Roy enfiou a ponta da bota nas
costelas do homem.
Ele gemeu e se dobrou, caindo de joelhos
diante do vaqueiro. O primeiro deles se
erguia, ainda aturdido, e tentava sacar a
arma. Roy se antecipou, mirando seu Colt
entre os olhos do outro, tirando-lhe toda a
vontade de sacar.
— É melhor dar o fora, parceiro! Gente
da sua laia me deixa nervoso e com cócegas
no dedo — avisou.
Praguejando e jurando vingança os dois
se levantaram e, apoiando-se um no outro,
deixaram o estabelecimento.
— Você é muito valente, rapaz — disse-
lhe, agradecido, o homenzinho. — Se eu
fosse tão jovem e tão forte como você, juro
como limparia o mundo desses
aproveitadores.
— Seria um trabalho muito nobre,
senhor, mas muito difícil. Duvido que
conseguisse dar cabo de todos eles.
Enquanto falavam, entrou no saloon um
homem corpulento, com o rosto marcado
por uma profunda cicatriz. O dono do
estabelecimento foi ao seu encontro.
— Ali está um que merecia mil vezes a
forca — disse o jogador, disfarçadamente.
Roy olhou naquela direção. O grandalhão
conversava com o dono do saloon, que logo
em seguida foi ao encontro de Roy.
— Meu rapaz, importa-se de aceitar um
trago do cavalheiro que acaba de chegar?
Roy olhou para o homenzinho, que fez
uma careta de desagrado.
— Está bem — concordou Roy, intrigado
com o convite.
Foi até lá. O grandalhão chamava-se
Stevens.
— Soube que lidou facilmente com dois
malandros aqui, ainda há pouco. Sei
também que foi expulso do rancho onde
trabalhava. Está à procura de trabalho? —
ofereceu o grandalhão.
— Se for rentável...
— Fique por aí, eu o procuro — disse o
grandão.
Roy retornou em seguida para junto do
homenzinho.
— Pensei que fossem brigar. Aquele
grandão é amigo dos dois homens que você
expulsou daqui.
— As coisas nem sempre precisam ser
resolvidas com violência — falou Roy.
— Concordo com você. Na verdade,
detesto violência. Ela sempre tira a minha
concentração e muda a minha sorte — disse
o homenzinho e estava com a razão.
A partir daquele momento, sua sorte
sumiu como por encanto e seu
temperamento antes calmo mudou-se da
mesma maneira.
Fez uma série de apostas seguidas,
perdendo todas.
— Maldição! — gritava ele, quando a
bola não parava no número apostado. —
Para mim chega. Eu já vou — disse ele,
irritado, afastando-se.
Roy continuou jogando, já que a sorte o
favorecia. Após ter ganho dólares
suficientes para alguns dias, deixou a mesa
e foi para a pensão descansar.
Na manhã seguinte, após o desjejum,
quando saiu para andar pela cidade,
encontrou o homenzinho no alto de um
palanque de madeira improvisado na
traseira de uma carroça. Um grupo de
pessoas o ouvia com interesse.
— Senhoras, senhores, rapazes e
senhoritas, agora vou lhes oferecer um
produto maravilhoso. Algo excepcional.
Esta pomada foi elaborada por abnegados
homens de ciência, que trabalham
incansavelmente para o bem da
humanidade. Com ela estarão protegidos de
mordidas de cobras, aranhas...
Roy sorriu. Aproveitou para levar sua
égua até o ferreiro para fixar novas
ferraduras. Enquanto esperava, viu Frank e
Stevens, o grandalhão, passando juntos e
entrando numa casa logo à frente.
— Quem mora ali? — indagou ao
ferreiro.
— Normalmente fica desocupada, à
disposição do juiz itinerante. Pelo que sei,
ele está lá hoje.
Roy ficou intrigado com tudo aquilo.
Quando Linda ficou pronta, finalmente,
levou-a para o estábulo, mandou escová-la e
dar-lhe uma ração extra de aveia.
Em seguida foi para a pensão almoçar.
Assim que se acomodou, viu o homenzinho
entrar e procurar uma mesa livre. Com um
aceno de mão, Roy convidou-o para se
juntar a ele.
O homenzinho agradeceu e se sentou,
com um sorriso cansado nos lábios.
— Como foram os lucros hoje? —
indagou Roy.
— Não me incomodo com os lucros —
respondeu ele. — Faço isso apenas para me
divertir e viajar pelo país. É o tipo de vida
que me agrada.
— É um sujeito interessante. Está há
muito tempo aqui?
— Alguns dias.
— Conhece o sujeito grandalhão de
ontem, o da cicatriz na cara?
— É Stevens Forest, um cascavel de
perigoso, um fora-da-lei!
— Interessante! — comentou Roy. — Eu
o vi entrando hoje na casa do juiz
itinerante...
Os olhos do homenzinho brilharam.
— Foi bom você tocar no assunto. Deve
haver alguma coisa entre aqueles dois.
Conheço o Juiz Bradley há muito tempo.
Tenho cruzado com ele pelos condados do
Arizona todo. O que é interessante é que,
mais cedo ou mais tarde, onde está o juiz
aparece o tal de Stevens. Não sei que tipo
de arranjo há entre esses dois, mas tenho
curiosidade em saber.
— Eu também — afirmou o rapaz.
— Curiosidade?
— Na verdade, não. Tenho uma razão
especial para descobrir o que anda se
passando por aqui. Há alguns dias atrás,
presenciei o assassinato de um homem e
agora estão tentando lançar a culpa desse
crime sobre mim. Vou lhe contar em
detalhes o que houve — falou o rapaz.
Roy contou o que havia acontecido desde
que chegara à região. O homenzinho
olhava-o com preocupação, enquanto ouvia
sua história.
— Se eu fosse você, rapaz, dava o fora
logo dessa região. Isto aqui é um ninho de
cascavéis.
— Não posso me afastar agora. Se fizer
isso, estarei confirmando as acusações
falsas. E Evelyn acabará acreditando que eu
assassinei o pai dela.
— Ficarei de olhos e ouvidos abertos por
aí. Se souber de algo, eu o avisarei.
— Grato por isso — falou o rapaz,
pensando que tipo de proposta de trabalho
Stevens lhe apresentaria.
O Moonlight Saloon estava repleto
naquela noite. Stevens entrou, olhando ao
redor. Foi até o balcão, onde indagou:
— Viu aquele rapaz com quem tomei
uma bebida ontem? — indagou ao
bartender.
— Ainda não apareceu.
— Quem está lá em cima?
— Buck e Streacky. Jim Rebound acaba
de chegar.
Stevens virou-se para a porta. Um
homem, com chapéu de abas largas, rumava
na direção do balcão.
— Olá, chefe! Cheguei a tempo?
— Sim, vamos subir — convidou-o
Stevens.
Foram até uma porta ao lado do balcão,
entrando num corredor. No fundo dele via-
se uma escada que conduzia à parte de cima
da construção.
Enquanto isso, Roy e o homenzinho
também chegavam. O rapaz foi até o balcão,
enquanto o outro ia jogar.
— Esperam-no lá em cima — disse o
bartender, apontando a porta ao lado, onde o
dono do saloon esperava por ele.
Seguiu-o. Subiram os degraus até um
corredor com portas de ambos os lados. O
homem que o acompanhava levou-o até a
última delas, onde bateu com os nós dos
dedos.
Um cheiro azedo de uísque recebeu-os,
quando a porta foi aberta.
— Olá, rapaz! — cumprimentou Stevens,
olhando para Roy. — Sente-se! Tome uma
bebida conosco!
Roy obedeceu, atento a tudo o que
acontecia ao seu redor. Sentiu no ar o cheiro
de encrenca e havia indícios disso por toda
parte.
A cadeira reservada para ele punha-o no
lado oposto da porta onde, agora,
encostava-se um dos homens, com as mãos
descansando nas coronhas de seus Colts.
Roy tinha certeza de reconhecê-lo.
Stevens serviu pessoalmente o copo do
vaqueiro.
— Como deve ter observado — disse
Stevens, — aqui estão alguns dos melhores
homens com quem já trabalhei. Penso
também que conhece alguns deles, como o
velho amigo Buck, ali na porta.
— Eu me lembro muito bem de sua cara
— falou Buck. — Temos uma velha conta
para resolver — acrescentou e as mãos se
fecharam nas coronhas de seus revólveres,
que voaram para fora de seus coldres, antes
que Roy pudesse fazer um movimento.
— Acalme-se, Buck! Estamos aqui para
algo muito mais importante. Essas questões
pessoais ficam para depois — falou
Stevens, pondo-se em pé, entre Buck e Roy.
Buck hesitou, depois acalmou-se. Stevens
voltou a se sentar e encarar Roy.
— Temos uma missão muito importante,
Roy. Precisamos recuperar o ouro que
estava com James Grant, no dia em que ele
foi morto. Sabemos que o alforje foi visto
com você. Assim, o que tem a fazer e
devolvê-lo para nós.
— E se eu me negar?
— Teremos que matá-lo — respondeu
Stevens, sorrindo cinicamente. — Por outro
lado, não poderá usufruir daquele dinheiro,
pois estaremos em sua cola. Para mostrar
como somos compreensivos, vamos lhe dar
uma parte... Dez por cento, digamos!
Roy sabia que tudo aquilo era um jogo e
que Stevens jamais cumpriria aquele
acordo. Nada lhe restava fazer, no entanto,
senão fingir que aceitava tudo aquilo e
esperar o melhor momento para reagir.
Entendia agora o que Frank fazia na
companhia de Stevens naquela manhã. Na
certa o ex-capataz contara ao grandalhão
sobre o alforje.
— O ouro está escondido... Terei de ir
buscá-lo — disse o rapaz.
— Tudo bem, nós iremos com você.
— Só que não poderá ser feito esta noite.
Não conheço tão bem a região para fazer
isso. Teremos que ir ao amanhecer para
poder encontrar o local.
— Só tem que nos dar a direção.
Poderemos ganhar tempo cavalgando à
noite. Quando amanhecer, estaremos perto
— propôs Stevens, frustrando o plano do
vaqueiro.
— Acho que não me resta outra
alternativa senão obedecer. Vocês estão
com a faca e o queijo nas mãos. Vamos lá,
então.
— Certo, rapazes! Vão preparar os
cavalos. Eu e Roy desceremos em seguida.
Os homens foram cumprir as ordens.
— Não tente nenhuma gracinha, pois eu
estarei atrás de você — falou Stevens,
fazendo Roy caminhar na sua frente.
Desceram para o salão. Quando
atravessavam-no, o homenzinho veio ao
encontro de Roy, mostrando um punhado de
fichas.
— Veja, estou com sorte hoje — afirmou,
distraindo Stevens.
Roy agiu como um felino. Deu um passo
para o lado e outro para trás, enquanto
sacava sua arma. Enfiou o cano nas costelas
de Stevens.
— Fique fora, homenzinho! — pediu
Roy.
Quando o pistoleiro se deu conta do que
acontecia, estava à mercê do vaqueiro.
— A situação mudou, Stevens — falou
Roy. — Agora posso lhe dizer a verdade: o
ouro não está mais comigo, já foi devolvido
à verdadeira proprietária.
— Pagará caro por isso — afirmou o
grandalhão.
Os outros pistoleiros retornaram com os
cavalos, inclusive com a imponente égua
que pertencia ao vaqueiro. Pararam na porta
ao ver que Roy dominava Stevens.
— Vou levá-lo direto para o xerife. Vai
contar a ele o que sabe sobre a morte de
James Grant. Diga aos seus amigos para que
se afastem.
O grandalhão hesitou. Seus homens
estavam com as armas nas mãos, esperando
suas ordens.
— Atirem! O ouro está com a filha do
velho — gritou, ao mesmo tempo em que
tentava se jogar no assoalho.
Roy percebeu a intenção dele, segurando-
o pelo colarinho da jaqueta de couro,
mantendo-o a sua frente, como escudo. O
corpo do grandalhão estremeceu repetidas
vezes, enquanto as balas cravavam-se nele.
O vaqueiro respondeu ao fogo com
rapidez. Dois dos homens que estavam
parados na porta foram arremessados para
trás, indo se estatelar na poeira da rua.
A confusão foi geral no saloon, com as
pessoas se atirando no assoalho ou
escondendo-se atrás das mesas. As
bailarinas e as garotas que serviam gritavam
apavoradas.
Rapidamente os outros pistoleiros
sumiram. O homenzinho correu para junto
de Roy.
— Que diabos está acontecendo por
aqui? — indagou.
— Tenho certeza agora. Stevens e seus
homens estavam por trás do assassinato de
James Grant, o rancheiro de quem lhe falei.
Dois deles escaparam e sabem do ouro.
Temo que vão atrás de Evelyn. Com certeza
devem formar um bando. Vou até o rancho
avisá-los. Não tenho outra saída — decidiu-
se o rapaz.
Linda estava selada, diante do saloon.
Montou-a e galopou o mais rápido que
podia na noite clara. Era madrugada,
quando chegou ao rancho. Havia um
homem vigiando na porteira. Ao ouvir o
galope, armara-se e esperava.
— Abra, sou eu, Roy — disse ele, ao
reconhecer o vaqueiro. — Vá avisar os
outros. Acho que o rancho vai ser atacado.
O vaqueiro hesitou, depois atendeu. Pelo
que conhecia de Roy, sabia que ele era
honesto. O velho Joe insistia nisso.
Os dois homens correram para o
alojamento.
— Acorde, pessoal! Temos que proteger
o rancho. É uma longa história e depois eu
conto tudo. Vamos nos espalhar e esperar
por eles. Alguém vá avisar Evelyn...
— Evelyn não está. Soube que o juiz
itinerante estava na cidade e foi até lá falar
com ele a respeito do desaparecimento do
pai dela e do alforje que estava com você,
Roy — explicou Joe.
— Diabos! Por que não cruzei com ela?
Mas agora não importa. Vamos preparar
nossa defesa — decidiu o rapaz.
Os homens se posicionaram e
aguardaram. Após pouco mais de meia
hora, viram sombras se movendo pelo
pasto, vindo na direção da casa.
— Lá estão eles — apontou Roy.
Os pistoleiros vinham em silêncio,
trazendo rifles. Naquele momento, estavam
em campo aberto e era um alvo fácil.
— Fogo neles! — ordenou Roy.
A primeira descarga derrubou três dos
invasores, que ficaram se contorcendo e
gritando de dor na grama. Imediatamente
eles se dispersaram e mais alguns deles
ainda foram atingidos, até que os restantes
pudessem sumir de vista.
Roy mandou reunir os cadáveres. Entre
eles estava Buck, o assassino de James
Grant.
— Este foi o assassino de Grant — disse
o rapaz.
— É o sujeito que o empurrou no Marvel
Saloon — reconheceu Joe.
— Sim, esse mesmo.
— Fico feliz em saber de sua inocência,
meu rapaz — falou Joe, com sinceridade. —
Acho que Evelyn também se convencerá
disso. Aliás, acho que ela nunca duvidou
realmente.
— Espero que sim, Joe. Mas há mais
coisas envolvidas na morte de seu patrão e
vou descobrir isso ainda.
Evelyn havia conversado com algumas
pessoas na cidade, inclusive com vaqueiros
que haviam acompanhado seu pai, durante a
entrega da manada.
Todos foram unânimes em afirmar que o
viram com aquele alforje. Os vaqueiros
informaram terem sido pagos com ouro
também, o que reforçava a tese que ela
relutava em aceitar.
Seu coração mais e mais foi se tornando
oprimido e, por fim, não tinha mais como
não admitir que seu pai havia realmente
sido assassinado por aquele ouro.
Assim, com as informações de que
dispunha, resolveu procurar o xerife, antes
de falar com o juiz itinerante. No fundo,
apesar de todas as pistas apontarem na
direção de Roy, ela se recusava em aceitar
isso.
Não conseguia imaginar que ele fosse
capaz de assassinar alguém.
Na delegacia, contou tudo que sabia ao
xerife, inclusive suas dúvidas. O homem da
lei ouviu-a atentamente.
— Acha mesmo que esse rapaz nada teve
a ver com a morte de seu pai? Tem mesmo
certeza?
Ela hesitou.
— Percebe que, pelo que me contou, ele
passa a ser o principal suspeito, não?
— Sim, entendo, mas não pode ter sido
ele...
— Investigaremos isso. Sabe que ele se
envolveu ontem à noite num tiroteio?
— Roy? E o que houve com ele?
— Não sei, sumiu da cidade, o que torna
tudo mais complicado para ela, muito
embora tenha feito um favor para esta
cidade, matando Stevens Forest e dois de
seus capangas.
— E por que Roy teria se envolvido com
eles? — estranhou ela.
— Para isso precisamos encontrá-lo, mas
meus ajudantes já vasculharam a cidade
toda, inutilmente.
— Bom, o que acha de tudo isso, xerife.
Devo procurar o juiz itinerante?
— Não vejo motivos para isso, Evelyn.
Está tudo muito vago ainda para termos um
caso concreto nas mãos. O juiz vai se
recusar a julgar Roy com apenas essas
informações que você me passou.
— Acho que tem razão, xerife. Eu o
procurarei se souber de mais alguma coisa.
— Sim, faça isso — disse o homem da
lei, despedindo-a.
Assim que a garota saiu, ele ficou
pensativo, tentando entender toda aquela
situação. A morte de Stevens e de seus
capangas fora um alívio, mas restava ainda
algo que ele não entendia: a misteriosa
ligação de um bandido com um juiz.
Não lhe passaram despercebidas as
visitas do marginal à casa do magistrado.
Resolveu que era hora de tentar descobrir
alguma coisa a respeito.
Apanhou seu chapéu e tomou o rumo da
casa ocupada pelo juiz, um homem de
cabelos brancos e olhos bondosos, mas
tristes.
— Olá, xerife! Eu estava mesmo
querendo falar com você. O que foi aquele
tiroteio ontem à noite?
— Stevens Forest e dois de seus homens
foram baleados — falou o xerife, sondando
a reação do juiz.
Por momentos o velho ficou estupefato,
depois até sorriu, com certo alívio.
— Gente como ele não fará falta — disse,
num suspiro. — Quem o matou?
— Um jovem chamado Roy Dale, mas
isso não é tudo. O mesmo Roy está sendo
acusado de ter matado James Grant...
— Grant? O rancheiro?
— Sim, ele mesmo. Conhecia-o, não?
— Sim, claro. Mas como foi isso?
— James aparentemente foi morto por
causa de um alforje com alguns milhares de
dólares em ouro, fruto da venda de uma
enorme boiada.
— E o que o leva a crer que foi o rapaz?
— Ele estava com o alforje, muito
embora o tenha devolvido à filha do
rancheiro...
— Espere um pouco! Está me dizendo
que o ladrão devolveu o produto do roubo?
— Aparentemente.
— Então, ou ele é inocente ou se
arrependeu.
— Acho que ele é inocente — afirmou o
xerife. — Penso também que saia quem era
o verdadeiro assassino, daí seu tiroteio com
Stevens e os outros.
— Muito interessante tudo isso, xerife.
Deveria investigar melhor o caso.
— Farei isso, juiz. Assim que tiver
alguma coisa mais positiva, eu o procurarei.
— Tem três dias para isso. Se nada
conseguir até lá, partirei para o próximo
condado e só voltarei aqui em três meses,
mais ou menos.
— Verei o que posso fazer — disse o
homem da lei, despedindo-se.
Assim que ele saiu, o juiz cobriu o rosto
com as mãos e sua expressão era de
desespero. A morte de Stevens poderia ser o
alívio que já fizera por merecer, mas
infelizmente não seria assim.
O maldito contara tudo ao seu sócio, um
tal de Frank. O mesmo homem que, naquele
momento, descansava num dos quartos da
casa do juiz.
— Bom trabalho, juiz! — disse-lhe
Frank, surgindo por uma porta.
Estivera com os capangas de Stevens no
ataque ao Rancho Grant. Apenas ele e
outros cinco haviam retornado, após um
galope desesperado no meio da madrugada.
Não tinha onde se esconder nem um álibi.
Então lembrara-se do que Stevens havia lhe
contado a respeito do juiz. Ninguém poderia
lhe dar um álibi melhor que o magistrado.
— O que fizeram ontem à noite? —
indagou o Juiz Bradley.
— Nada que deva saber, juiz. O que
precisa informar é que estive hospedado em
sua casa e que jogamos cartas a noite toda.
— Não vai escapar impune a seus
crimes...
Frank gargalhou, seguro de si.
— Poupe-se de seu sermão, juiz. Olhe só
para você! Como tem coragem de me negar
impunidade? Acaso esqueceu-se que até
hoje seu crime está impune?
— Não pode me torturar mais... Durante
esses anos todos, Stevens tem se
aproveitado de mim... De minha fraqueza...
De minha condição... Jamais bebi outra
gole, depois daquela noite...
— Pois é, juiz. Agora sabe que um
homem bêbado é capaz de coisas
abomináveis... Até de espancar e matar uma
pobre garota de saloon...
— Eu não fiz isso...
— Claro que fez... Estava tão bêbado que
nem se lembrava... Mas as testemunhas
assinaram seus depoimentos. Sua sorte foi
Stevens ter se apossado deles, senão você
teria ido parar na forca, juiz.
O pobre homem, em desespero, soluçou,
mas nada podia fazer. Estava nas mãos de
Frank.
— Mais uma coisa, juiz. Trate de aceitar
a acusação contra esse tal de Roy, pelo
morte de James Grant. Descubra um jeito de
enforcá-lo logo e me livrar dessa encrenca
— ordenou Frank, antes de sair.
Foi até uma taverna, onde encontrou com
os capangas.
— Estou assumindo o posto de Stevens.
Já fiz os acertos com o juiz. Quem de vocês
está comigo? — indagou aos cinco homens.
— Diabos, Frank! Só temos nos metido
em confusão, desde que viemos para cá... —
falou um deles.
— Isso está acabando. Só peço que
fiquem calmos por alguns dias, até as coisas
esfriarem. Até lá terei pensado numa forma
de tirar proveito da situação.
Os homens concordaram. Frank saiu dali
e foi para o centro da cidade. Pensava em
Evelyn e nas suas terras. Com o pai morto e
Roy fora do caminho, poderia se aproveitar
da rixa entre os Benson e os Grant para
jogar um contra o outro. Com a ajuda do
juiz, poderia ficar com as duas
propriedades, o que seria o maior e melhor
negócio de toda a sua vida.
Gostou dessa idéia. Sentiu que as coisas
poderiam dar certo no momento seguinte.
Ao passar diante do hotel, viu dois dos
vaqueiros do Rancho Grant, com os cavalos
prontos para partir. Eram Jim Brand e Red
Curtis.
— Olá, rapazes! — cumprimentou-os. —
Estão de partida?
— Sim, vamos voltar para o rancho agora
mesmo.
— Onde está a patroa?
— Lá dentro, aprontando-se.
Frank pensou por instantes. Poderia ser
um bom momento para tentar uma
reaproximação. Agradeceu os rapazes e
entrou. Evelyn já estava de saída, com
alguns pacotes.
— Deixe-me ajudá-la — ofereceu-se ele.
Reparou que, apesar do semblante triste,
ela estava muito bonita, com roupas
femininas de montaria, em lugar das roupas
de vaqueiro que costumava usar no rancho.
— Está muito bonita, sabia? — elogiou.
— Obrigada, Frank — agradeceu ela,
aceitando a ajuda e o elogio.
Foram para a rua. Enquanto os vaqueiros
prendiam os pacotes no lombo de um
cavalo, Evelyn pensava na situação. Com a
morte de seu pai, precisaria mais do que
nunca de um capataz.
Frank havia sido sempre irrepreensível
em seu trabalho. Não tinha como
administrar uma propriedade como a sua
sem a ajuda de um homem experiente como
ele.
Achou que deveria fazer-lhe o convite.
— Frank, por que não volta para o rancho
conosco? Vou precisar de sua ajuda, agora
que não tenho mais dúvidas de que papai
está mesmo morto.
— Fala sério? — surpreendeu-se ele.
— Sim, falo sério. Não posso tocar
aquele rancho sem você.
— Isso me deixa muito feliz.
— Diga que aceita.
— Considerando que as razões de minha
partida desapareceram com a saída de Roy...
— Sim, ele também foi embora.
— Não pretende contratá-lo de novo,
pretende?
— Claro que não — afirmou ela, num fio
de voz.
— Sendo assim, dê-me tempo de ir
apanhar minhas coisas — falou ele,
exultante.
Nada poderia ser mais oportuno que o
convite de Evelyn. De volta ao rancho
poderia tramar um bom plano para se
apoderar daquelas terras.
Para garantir tudo isso, só precisava fazer
com que o juiz ficasse mais algum tempo na
cidade, até o desfecho de tudo. A melhor
forma de conseguir isso seria incriminar
definitivamente Roy Dale.
Iria pensar numa forma de conseguir isso.
Algum tempo depois cavalgavam para o
rancho. Frank ia na frente, ao lado de
Evelyn, seguidos pelos dois vaqueiros e o
cavalo de carga.
— Soube que Benson a visitou — disse o
capataz.
— Sim, queria me propor paz e
casamento ao mesmo tempo, aquele
bastardo!
— E você?
— Eu o expulsei de lá.
— Temos de tomar cuidado com ele,
Evelyn. Agora que o Sr. Grant faleceu,
Robert Benson vai tentar de todas as formas
se apossar de suas terras.
— Ele que tente isso. Declararei guerra a
ele e a todos os que o ajudarem nessa
empreitada.
— E se ele fizer uma oferta de compra?
— O rancho não está à venda, Frank.
Jamais esteve e jamais estará, enquanto eu
for viva.
Haviam cavalgado metade da manhã,
quando perceberam um cavaleiro se
aproximando.
Evelyn estremeceu, porque reconhecia
aquela égua e seu cavaleiro. Eram Roy e
Linda, vindo a galope pela estrada. Ele
esperara o dia nascer lá no rancho,
procurando pelos arredores para ver se
encontrava mais alguns dos bandidos que
haviam atacado o rancho.
Encontraram dinamite e querosene. Com
certeza pretendiam explodir e queimar o
alojamento, matando os vaqueiros para
poderem atacar com calma a casa e
vasculhá-la, à procura do ouro.
Roy surpreendeu-se ao ver Frank junto de
Evelyn, principalmente porque suspeitava
que ele era um dos que havia participado do
ataque. Tinha fugido como um coelho, mas
por que estaria de volta?
Freou sua égua diante dele, olhando-o
nos olhos.
— Você anda muito rápido, Frank, se é
que me entende — ironizou.
— Não sei do que está falando.
— Estou falando de uma porção de
amigos que você deixou lá no rancho. Eles
mandaram lembranças — frisou Roy.
— Está ficando maluco? Não sei do que
está falando... — descartou Frank.
— Claro que sabe — zombou Roy. — No
momento certo, eu provarei isso e você vai
se ver comigo.
— Estarei à espera desse momento
ansiosamente — devolveu Frank.
Roy deu-lhe as costas para encarar
Evelyn, que o olhava totalmente confusa.
Não sabia o que estava se passando.
— O que faz aqui? — indagou ela.
— Estou vindo do seu rancho...
— E o que foi fazer lá? Pensei que
tivesse partido definitivamente — falou ela,
com rispidez, tentando entender tudo aquilo.
No fundo, não estava preparada para se
encontrar com Roy. A participação dele na
morte do pai dela era algo ainda difícil de
lidar.
— Estou vindo do seu rancho, onde fui
lhe prestar um favor — informou ele, no
mesmo tom. — Talvez devesse ter deixado
que você resolvesse sozinha — completou
ele, manobrando seu animal e afastando-se
a galope, deixando a garota e Frank
pensativos, cada qual com sua cota de
preocupações.
Roy chegou a Winslow após o meio-dia.
Estava faminto, cansado e com sono. Queria
apenas um banho, uma refeição quente e
uma cama macia para dormir até se
recuperar daquela noite tão agitada.
Deixou seu animal do estábulo e
caminhou pela rua, na direção do hotel. Do
alto de seu palanque improvisado, o
vendedor de pomada milagrosa viu-o e
interrompeu sua pregação sempre igual,
saltando e indo ao encontro dele.
— E daí, Roy? O que houve no rancho?
— Matamos mais quatro deles, mas não
pegamos todos. Alguns deles escaparam e
voltaram para cá. Segui a pista deles até a
entrada da cidade.
— Se eu fosse você, virava nos
calcanhares e dava o fora daqui agora
mesmo...
— E por que deveria fazer isso?
— O xerife e seus ajudantes estão a sua
procura...
— Alguma coisa a ver com a morte do
Stevens e de seus capangas?
— Não, alguma coisa a respeito da morte
do rancheiro. Você está sendo apontado
como o assassino... Devia fugir!
Roy esfregou as mãos no rosto cansado.
Desde o princípio, deveria ter apanhado
aquele alforje de ouro e ido embora do
Estado. Poderia ter ido para a Califórnia ou
para o Oregon, onde viveria como um rei.
Mas não podia viver sem encrencas. Não
podia ficar sem ir ao encontro delas. E
quando não fazia isso, elas se encarregavam
de ir ao encontro dele.
— Não, doutor, não posso fazer isso.
Estaria assinando minha confissão de culpa.
Tenho de encarar o assunto de frente e
expor meu ponto de vista ao xerife.
— Pode ser um erro...
— Talvez não. Os homens que poderiam
me ligar ao caso estão mortos. Como o
xerife provará minha culpa?
— Eu iria um pouco mais longe — falou
o homenzinho. — Lembra-se de ter visto
Stevens e Frank entrando na casa do juiz?
— Sim, mas como isso me afetaria?
— Ninguém sabe quais eram as ligações
entre eles. Digamos que o levem a
julgamento e que o juiz esteja
mancomunado com esses assassinos. O que
vai acontecer com você?
— Tem razão — concordou Roy, mas
não conseguia pensar em nenhuma outra
alternativa. — Talvez eu devesse ter uma
conversa franca com esse juiz e tentar
descobrir.
— Não vai poder ficar circulando pela
cidade livremente — lembrou-o o
homenzinho.
— O que me sugere então?
— Deixe-me fazer isso por você — pediu
o outro, com uma expressão enigmática no
rosto.
— Você? Por que faria isso?
— Quer queira ou não, você me envolveu
nisso. Somos parceiros e quero ajudar. O
que me diz?
— Eu agradeceria se fizesse isso. Estou
mesmo morto de cansaço, incapaz de
raciocinar direito. Preciso tomar um banho,
comer e dormir...
— Faça isso. Eu verei o que posso fazer...
Mas agora é tarde para você — falou,
quando viu os ajudantes do xerife cercando-
os.
Roy pensou em reagir, mas isso só iria
complicar sua situação. O melhor a fazer
era se deixar levar pelos homens da lei e
tentar esclarecer aquela situação toda de
alguma forma.
— Você vai conversar com o juiz? —
indagou Roy ao homenzinho.
— Sim, vou fazer isso.
— Obrigado! E a propósito, você deve ter
um nome?
— Pensei que nunca fosse perguntar! —
riu o outro. — É Doutor Robles!
Roy achou que já havia ouvido aquele
nome antes, mas estava cansado demais
para pensar a respeito.
Quando Evelyn e seus empregados
chegaram ao rancho, os vaqueiros saudaram
a volta de Frank. O velho Joe foi o único
que lhe dirigiu um olhar carregado de ódio e
surpresa.
— O que houve por aqui? — quis saber a
garota.
— Eu lhe conto — falou Joe,
acompanhando-a até o escritório.
Frank fez menção de acompanhá-los, mas
o velho pediu que ele esperasse.
— Frank vai ser o capataz de novo —
frisou ela.
— Pode ser, mas gostaria de lhe contar o
que sei em particular — insistiu Joe.
— Está bem. Espera lá fora, Frank! —
determinou a jovem, estranhando o
comportamento do velho vaqueiro.
Conhecia-o havia muito tempo e confiava
nele o bastante para saber que havia um
motivo por trás daquela atitude.
— E então, Joe, o que está havendo?
Quem está aqui no rancho? — quis ela
saber.
— Como assim? — estranhou o velho.
— Encontramos Roy a meio caminho
daqui e ele disse a Frank que alguns amigos
dele, que estavam aqui, mandavam
lembranças...
— Pois é justamente sobre isso que
preciso lhe falar, Evelyn. Nesta madrugada
tivemos uma visita inesperada e nada
amistosa. Graças ao Roy, conseguimos
impedir que o rancho fosse assaltado. Pelo
que sabemos, estavam atrás do seu ouro.
Matamos quatro deles, mas outro tanto
fugiu. Entre os homens mortos, Roy
identificou o homem que matou o Sr. Grant.
— Tudo isso aconteceu na minha
ausência?
— Sim.
— E graças a Roy o assalto foi evitado?
— O assalto e a morte de nossos
vaqueiros. Os bandidos traziam querosene e
dinamite. Seria uma carnificina. Felizmente
Roy chegou antes e pudemos nos preparar
para a defesa.
— E como Roy sabia de tudo isso?
— Deixe-me lhe contar tudo que ouvi de
Roy — pediu ele.
A garota ouviu com atenção. Apenas Joe
sabia do que se passara, pois Roy confiara a
ele apenas o que sabia e quais eram as suas
suspeitas.
Os vaqueiros, que com alegria haviam
recebido Frank, na certa teriam tido outro
tipo de reação se soubessem que ele estava
envolvido no assalto.
Roy recomendara sigilo. Não queria que
essas notícias circulassem antes de uma
confirmação cem por cento positiva.
— Vou voltar imediatamente a Winslow
— decidiu Evelyn. — Lancei suspeitas
sobre Roy e preciso falar novamente com o
xerife e inocentá-lo de uma vez por todas.
— Eu lhe disse desde o princípio que se
poderia confiar naquele rapaz.
— Tem razão, Joe. Eu fui uma tola em
não ter acreditado nisso desde o princípio.
Acho que, no fundo, estava assustada...
— Assustada? Por quê? — estranhou o
velho.
— Por causa dos sentimentos que ele
despertou em mim...
— Está apaixonada por ele?
— Agora mais do que nunca! —
reconheceu ela.
— E o que vamos fazer com Frank? Roy
tem certeza absoluta que ele está envolvido
em tudo isso.
— Vamos deixá-lo aqui. Você ficará de
olho nele. Mande dois vaqueiros de
confiança se prepararem para me
acompanhar de volta à cidade.
— Está bem, mas eu ainda preferiria que
Frank fosse mandado embora.
— Não posso fazer isso, não agora, Joe,
sem provas definitivas. Acabo de contratá-
lo de volta. Talvez tenha sido um erro, mas
tudo se ajeitará, você verá.
Após a saída de Joe, Frank entrou e
tentou descobrir o que estava havendo.
Quatro de seus amigos estavam mortos,
estendidos no estábulo. Nenhum dos
vaqueiros, no entanto, suspeitava dele, mas
ficara desconfiado com a insistência de Joe
para falar a sós com Evelyn.
— E então, o que está havendo por aqui?
— indagou ele.
— Sei tanto quanto você. Esses homens
tentaram atacar o rancho e foram repelidos.
Conhece algum deles?
Uma brilhante idéia lhe ocorreu naquele
momento e Frank percebeu que aquela era a
chance que esperava para semear a
discórdia no vale.
— Para lhe dizer a verdade, eu os
conheço — afirmou ele. — Vi-os no
Moonlight Saloon, conversando com Roy e
com Robert Benson...
— Como? — surpreendeu-se Evelyn,
chocada.
— Sim, pareciam muito amigos. E
haviam outros com eles. Achei estranho que
Roy tivesse tanta intimidade com o
Benson...
Novamente a dúvida instalou-se em seu
coração.
— Sabe o que penso? — continuou ele.
— Não, não faço a menor idéia...
— Acho que Robert Benson está por trás
de tudo isso. Ele quer suas terras, Evelyn, e
já começou a agir.
— Não posso acreditar nisso...
— E quem mais teria tanto interesse em
explodir e queimar todos os nossos
vaqueiros? E se eles tivessem tido sucesso e
encontrassem você aqui, na casa? O que
teriam feito com você?
Frank conseguia ser muito convincente
em seus argumentos, fazendo balançar a
confiança que ela depositava em Roy.
Errara em relação a ele uma vez. Decidiu
que, doravante, não cometeria o mesmo
erro.
Só não queria alarmar Frank, cuja
verdadeira face ela começava a conhecer
agora.
— Você pode ter razão, Frank. Acho que
há algo que deve ser feito imediatamente e
só confio em você para isso. Pegue um
grupo de homens e examine todas as nossas
divisas com o Rancho Benson,
principalmente aquela do rio.
— E se nos encontrarmos com eles?
— Você tomará a decisão correta —
afirmou ela, torcendo para que nenhum
encontro entre os dois grupos rivais
acontecesse.
Frank foi preparar o grupo, mas
continuava de olho em Joe. Parecia ter
sentido alguma coisa soando falsa nas
palavras de Evelyn, por isso queria o velho
consigo. No momento oportuno ele o faria
falar.
Partiram logo em seguida. Evelyn
esperou que se distanciassem, depois partiu
de volta para a cidade. Queria se encontrar o
mais depressa possível com Roy e pôr um
fim em todas aquelas dúvidas que a estavam
torturando. Estava decidida a confiar nele
definitivamente, seguindo sua intuição e seu
coração.
Na delegacia da cidade, o xerife esperou
que Roy comesse alguma coisa, após
acordar, antes de interrogá-lo. Roy lhe
pedira isso por se achar esgotado, após
aquela noite tão longa.
— Sabe de que está sendo acusado, não?
— Sim, mas está enganado, xerife.
Deixe-me contar-lhe o que aconteceu
naquele dia — falou o rapaz, contando o
que sabia.
— E por que não procurou a lei, antes de
mais nada?
— Não sou daqui, xerife! Não sabia para
que lado ficava a próxima cidade. Assim,
segui em frente e fui parar justamente no
rancho que pertencia ao homem que vi
morrer. Eu não sabia quem era ele ainda,
por isso mantive o alforje escondido.
Quando tive certeza, mandei entregá-lo a
Evelyn.
O xerife terminou de enrolar um cigarro,
depois acendeu-o, usando um graveto do
fogão, sobre o qual mantinha-se aquecido
um bule de café.
— E Stevens, por que o matou?
— Stevens estava por trás dos assaltantes.
Queria apenas recuperar o ouro, forçando-
me a entregá-lo. Fiz seu jogo, até dominá-
lo. Contei-lhe a verdade. Quando seus
homens surgiram, ele gritou que o ouro
estava com a garota, ordenando que eles
atirassem. Mataram-no, mas já sabiam do
ouro, por isso foram atrás dele, no rancho.
Antecipei-me e, graças a Linda, minha
égua, cheguei pouco antes deles.
O xerife continuava fumando e olhando
pela janela.
— Não matei o pai de Evelyn, xerife —
insistiu Roy.
O xerife observava dois homens que
subiam a rua, na sua direção. Um era o
homenzinho que vendia pomada milagrosa.
O outro era o Juiz Bradley.
Tudo aquilo era muito estranho, mas não
o surpreendia. De alguma forma, o juiz
tinha alguma coisa a ver com tudo aquilo,
só não sabia onde nem como.
— Dr. Robles! — alegrou-se Roy, ao ver
o amigo entrar com o homem de cabelos
brancos.
— Este aqui é o Juiz Bradley, Roy. Acho
que ele tem alguma coisa a nos contar.
— O rapaz é inocente, xerife, pode ter
certeza disso. Stevens estava por trás de
tudo. Quando ele morreu, Frank assumiu
seu lugar. Stevens era um chantagista. Há
alguns anos atrás eu pensei ter matado uma
garota, num saloon, em Carson City.
Stevens fez tudo para me proteger, mas isso
me deixou em suas mãos. Forçava-me a
favorecê-lo e a seus amigos em todo tipo de
questões judiciais, onde podiam tirar algum
proveito. Eu me envergonho do que fiz. Um
homem da lei, acobertando criminosos, mas
tive medo de receber o mesmo tratamento
que eu dispensava aos criminosos comuns...
— E por que resolveu contar tudo isso
agora?
— O Dr. Robles é, na verdade, um agente
do governo federal, do Departamento
Correcional. Viaja este Estado cuidado para
que a lei seja cumprida e os juízes sejam
imparciais. Tem provas de que eu não matei
a garota em Carson City. Tudo foi armado
por Stevens para me chantagear. Ele
planejou tudo nos mínimos detalhes.
— Por isso eu sabia que conhecia seu
nome, doutor — falou Roy. — Disseram-
me um dia que, caso cruzasse com você e
precisasse de ajuda, era só pedir.
— E quem lhe disse isso?
— Um amigo, delegado federal.
— Como viu, não pediu e acabou
recebendo a ajuda assim mesmo.
Naquele momento chegou Evelyn,
ansiosa para esclarecer a questão. Ao ver
Roy, antes de mais nada, lançou-se nos
braços dele, apertando-o com força.
— Perdoe-me por ter duvidado de você
— pediu ela, com sinceridade na voz.
Roy abraçou-a com força, sentindo um
alívio enorme por perceber que seus
sentimentos eram correspondidos por ela.
Enquanto esclareciam a situação, os dois
vaqueiros que haviam acompanhado Evelyn
até a cidade decidiram ir tomar uma cerveja
num dos saloons.
Estavam no balcão, conversando sobre o
que Evelyn comentara durante a viagem,
uma vez que ela estava muito nervosa.
— Acha mesmo que Frank teve alguma
coisa a ver com tudo isso?
— Eu não sei. Conheço o Frank, mas não
ponho a minha mão no fogo por ele —
respondeu o outro.
Um dos amigos de Frank, remanescente
da quadrilha de Stevens, estava ao lado e
ouvia a conversa, enquanto esperava que lhe
trouxessem uma garrafa de uísque.
— Quando Evelyn libertar Roy, tenho
certeza de que ele irá atrás do Frank. Quero
estar lá para ver essa briga...
O pistoleiro voltou para junto de seus
amigos na mesa e contou o que ouvira.
— Demônios! Frank está perdido!
— Acho que deveríamos ajudá-lo —
sugeriu um deles.
— Como?
— Vamos armar uma emboscada para
esse tal de Roy. Se ele está lá na cadeia,
quando sair será um alvo fácil.
— Tem razão. Vamos pegar os rifles,
rapazes. Frank vai nos agradecer por isso.
Enquanto os pistoleiros preparavam-se,
Evelyn se certificava, afinal, da inocência
de Roy.
— E Frank, onde está agora?
— Eu o mandei verificar nossas divisas
com o Rancho Benson — explicou ela.
— Acho melhor irmos para lá — decidiu
o xerife. — É bem possível que ele inicie
uma guerra por lá, só para tirar alguma
vantagem.
— Com certeza quer os dois ranchos.
Com a ajuda do juiz, não seria difícil
conseguir isso, não é mesmo? — comentou
Roy, olhando para o magistrado, que
abaixou a cabeça, envergonhado,
confirmando.
— Vamos para lá impedí-lo —
determinou o xerife.
O grupo dispôs-se a partir imediatamente.
Os ajudantes saíram na frente. O xerife, Roy
e os outros vinham em seguida, quando uma
descarga vindo do outro lado da rua
derrubou quatro dos ajudantes e arrebentou
as vidraças da cadeia.
— Para dentro! — ordenou Roy, puxando
Evelyn e o xerife.
Este, porém, não teve sorte. Um balaço
atingiu-o no peito, jogando-o para dentro do
prédio.
Os homens caídos lá fora gemiam de dor.
Alguns apenas ofegavam, olhando o sangue
esguichar dos ferimentos em seus corpos.
As pessoas que passavam pela rua
sumiram como que por encanto. As janelas
e portas foram fechadas. O cheiro de
pólvora e morte espalhou-se pela rua
principal. O silêncio pesado só era quebrado
pelos gemidos de dor e pedidos de ajuda.
— O que está havendo? — indagou
Evelyn, aturdida, tentando estancar o
sangue que escorria do peito do xerife.
— Não sei... Com certeza os homens que
conseguiram escapar do assalto ao rancho
— opinou Roy, apanhando a Winchester
que o xerife deixara cair.
Pôs um chapéu que estava caído no cano
e levantou-o lentamente na janela. Uma bala
certeira jogou o chapéu para trás, na direção
da parede, mostrando que os emboscadores
estavam atentos e não desistiriam
facilmente de seu intento.
Roy engatilhou o rifle. Lembrou-se que
aqueles homens haviam levado querosene e
dinamite para o ataque ao rancho. Se
haviam feito a mesma coisa para aquela
emboscada, a situação era crítica para eles,
encurralados ali.
Olhou a porta aberta.
— Doutor, pode atirar por aquela janela
ali, distraindo os emboscadores?
— O que pretende fazer?
— Pegá-los de surpresa.
— Não, Roy, é perigoso! — pediu
Evelyn.
— Se eles tiverem dinamite ainda,
estamos perdidos — mencionou ele.
Foi o bastante para o doutor atendê-lo
sem pestanejar. Apanhou o Colt do xerife e,
apontando apenas o cano pela janela,
começou a disparar um tiro atrás do outro.
Roy respirou fundo e saiu como um
felino pela porta, rolando no alpendre. Ao
fazer isso, foi memorizando a posição dos
homens do outro lado da rua.
Estes, quando o viram, desviaram seus
tiros na direção dele. Roy fez fogo e atingiu
um deles na testa, fazendo-o recuar e bater
num amigo, que se desequilibrou e caiu
junto.
Ao se levantar aturdido, o pistoleiro
procurou por seu rifle e um tiro certeiro
atingiu-o nas costelas, fazendo-o gemer e
cuspir sangue imediatamente.
Os outros três esgotaram a munição de
seus rifles, sem atingir o vaqueiro.
— Ele é um demônio! — gritaram,
tentando correr para os cavalos.
Roy se ergueu e fez fogo no último deles.
A bala partiu-lhe a espinha e ele caiu como
um boneco desarticulado. Os outros dois
conseguiram chegar aos cavalos.
Sem hesitar, o vaqueiro atirou no animal,
derrubando-o sobre um dos pistoleiros. O
último ainda conseguiu firmar-se no estribo.
Quando Roy disparou, seu chapéu voou
para cima, levando consigo cabelos e
miolos do pistoleiro, que caiu como um
saco de batatas da sua sela.
Apenas um estava vivo e preso sob o
cavalo. O animal debatia-se, enlouquecido
pela dor. A cada movimento, quebrava mais
um osso do corpo do pistoleiro, que uivava
de dor, enquanto lascas de osso afloravam
em sua pele.
Ele agonizava junto com o animal.
Enquanto percorria as divisas do rancho,
Frank ia armando seu plano. Jogar Evelyn
contra Robert Benson não seria tão difícil
assim, já que a rivalidade entre eles era
antiga.
Todo o tempo, porém, preocupava-o a
vigilância que Joe exercia sobre ele. Além
disso, a expressão no rosto do velho
vaqueiro era realmente inquietante.
Precisava encontrar uma forma de livrar-
se dele também.
— Sabem, rapazes, acho que temos um
espião em nosso meio — comentou ele,
quando retornavam para o rancho, após
verificar as divisas e nada encontrar de
anormal.
— Como assim? — indagou alguém.
— Alguém que está aqui e que manda as
informações para o Benson, alertando-o.
Por isso não encontramos com nenhum
grupo deles hoje.
— Tem certa lógica — afirmou um deles.
— E como esse espião teria informado o
Benson que estávamos a caminho? —
indagou Joe, querendo pegar Frank pela
palavra.
— Eu não sei... Um sinal de espelho já
seria o bastante...
— Está ficando louco, Frank — afirmou
o velho e, naquele momento, Frank teve
certeza de que ele suspeitava.
De volta ao rancho, Frank foi à casa
principal, à procura de Evelyn, mas não a
encontrou no escritório. Estranhou isso.
— Não vai encontrá-la aí — falou Joe,
aparecendo em seguida.
— Olhe aqui, velho, já estou farto de
você me seguindo e me observando todo o
dia hoje. O que quer de mim, afinal?
— Que conte a verdade — exigiu o
velho.
— E qual é a verdade?
— Você era cúmplice de Stevens Forest.
Esteve aqui, no ataque ao rancho, para
recuperar o ouro. Na certa tem algum plano
para se apoderar das terras. Acho que ficou
ambicioso demais em muito pouco tempo,
Frank.
— E o que você sabe sobre ambição,
velho? Todo esse tempo servindo aquela
garota mimada e idiota, paparicando-a,
arrastando-me aos seus pés para que ela
olhasse para mim. Sim, sou ambicioso.
Queria me casar com ela para herdar este
rancho. Como sei que isso não será mais
possível, tentarei outros meios.
— Foi longe demais, Frank.
— Não, velho! Você é que foi longe
demais. Sabe o que vou fazer? Vou matá-lo
aqui e agora. Direi que você era o traidor.
Vou pôr um espelhinho no seu bolso, para
reforçar as suspeitas...
— Tarde demais — falou uma voz, vinda
de algum ponto do aposento.
Frank estremeceu, reconhecendo-a. A
porta, que estava entreaberta, foi
empurrada. Roy surgiu, emoldurado pelos
batentes.
— Mas que diabos! Nunca vai me dar
paz? — resmungou ele, olhando com ódio
para seu rival.
— Entregue-se, Frank. O Juiz Bradley
contou como estava sendo chantageado e
que você pretendia se apossar das terras de
Evelyn...
— Bastardo! Já me incomodou demais!
— rugiu Frank, levando a mão a sua arma.
Roy estava atento, esperando por aquele
movimento. Sacou sua arma com incrível
rapidez e disparou, atingindo o peito do seu
oponente, que deixou cair o revólver e
arregalou os olhos, enquanto recuava, até
apoiar-se na parede.
Ficou ali, olhando atonitamente,
enquanto Evelyn surgia ao lado de Roy,
abraçando-o. O casal olhava para o ex-
capataz, que agonizava.
— Eu não queria muita coisa —
murmurou e começou a escorregar
lentamente para o assoalho, deixando uma
trilha de sangue na parede.
Sentou-se e estremeceu. Vomitou sangue,
depois seu tronco tombou para frente e ele
ficou imóvel.
— Foi horrível! — exclamou Evelyn.
— Por um triz, meu amigo. Se demorasse
um pouquinho mais, esse bastardo teria me
matado.
— Não tinha perigo. Eu estava na porta,
atrás de você. Felizmente tudo acabou agora
— falou Roy.
— Sim, acho que teremos paz por aqui,
inclusive com o Benson. Depois do que vai
acontecer aqui, tenho certeza de que ele
jamais pensará em incomodar-nos de novo.
Evelyn e Roy se olharam, intrigados.
— E o que vai acontecer aqui? —
indagou a garota.
— Ora, vamos ter um patrão. Quando
pretendem se casar?
A garota olhou Roy nos olhos. Ele
pensou por instantes. Por que correr atrás de
encrencas, se podia ficar ali esperando por
elas, ao lado de uma mulher fantástica?
— O que me diz, querida? — perguntou
ele.
— Você é o patrão agora, você diz
quando — falou ela, num tom submisso.
— Nesse caso, por que não mandamos
chamar logo o Juiz Bradley e resolvemos
isso agora mesmo?
— Imediatamente, patrão — prontificou-
se Joe, saindo rapidamente.
Os dois abraçaram-se e trocaram seu
primeiro beijo de amor.
Retrato de um Pistoleiro
Os jornais do Leste haviam descoberto
um rico filão, que aguçava a curiosidade
dos habitantes das metrópoles, habituados
apenas aos roubos e crimes comuns e às
intrigas políticas.
De repente, o Oeste surgia nas páginas
diárias mitificado com heróis tratados como
verdadeiros paladinos da justiça e da lei.
Bandoleiros foram transformados de uma
hora para outra em Robin Hood da fronteira
e a vida no Oeste transformada numa
seqüência interminável de aventuras.
Muitos dos que escreviam para os jornais
jamais haviam saído das cidades do Leste e
criavam seus relatos com base no que
ouviam de testemunhas nem sempre
confiáveis.
As noticias que vinham do Oeste eram
trabalhadas e qualquer criminoso, de um
momento para outro, deixava as páginas
policiais para ganhar a admiração dos
homens e fascinar as mulheres sonhadoras.
Poucos escritores e jornalistas foram a
fundo, descrevendo a tragédia do Oeste,
cuja conquista foi feita com armas, suor e
muito sangue. Poucos se aventuraram a ir
tão perto do perigo e a aspirar aquele cheiro
nauseante de pólvora e sangue.
Com a expansão das fronteiras, o
Governo Americano necessitou de homens
come experiência naquela região atribulada,
que fossem bons com as armas e soubessem
impor respeito.
Pistoleiros e bandidos foram
transformados em delegados federais,
prestando serviços por algum tempo em
troca da tão sonhada anistia.
Alguns não conseguiram se adaptar no
trabalho. Outros não conseguiram separar as
duas coisas, tornando-se piores ainda, agora
bandoleiros com distintivos. Poucos,
finalmente, conseguiram deixar para trás a
carreira de crimes, assumindo efetivamente
o papel de defensores da lei.
Samuel Bakley foi um desses. Num dia
calmo, no verão de 1890, ele estava em
Laramie havia dois dias, aguardando a
chegada de um telegrama muito importante
para ele.
Tentava localizar, sem sucesso, Walk
Sommers. Queria fazê-lo o mais depressa
possível. Aquela inatividade exasperava-o,
principalmente numa cidade inquieta como
era Laramie, caminho de passagem para
gente de toda espécie, vinda de toda parte.
Aquele distintivo de delegado federal
espetado no seu colete já não tinha mais
sentido. Fizera por ele o que prometera em
seu juramento, cinco anos antes. Era muito
tempo para um homem se manter alerta e
vivo, com um alvo espetado no peito,
naquela região selvagem.
Além disso, fizera tudo aquilo pela
anistia e se julgava, agora, no direito de
exigi-la. Queria ser um homem livre de
verdade, finalmente, e partir para realizar
um velho sonho.
Haveria de encontrar um lugar, no Texas,
onde se estabelecer e esquecer aquela vida
perigosa de pistoleiro a serviço da lei, uma
mescla de bandido e procurado com homem
da justiça.
Para todos os efeitos, em alguns Estados
ainda pregavam em paredes e árvores
retratos seus de procura-se. A anistia federal
iria acabar com isso de uma vez por todas,
tornando-o um homem livre.
Acostumado ao constante movimento,
aquela espera irritava-o. Felizmente no
saloon de Patty Delgado havia uma corista
muito bonita e meiga, do tipo que Sam
apreciava.
Dessa forma, conseguiu tornar a espera
menos irritante, nos braços da bela e
envolvente garota, em cuja cama ele pode,
por algum tempo, esquecer as atribulações
que o perseguiam.
— Já está aqui a cinco dias, delegado.
Espero que não tenha se cansado de mim —
disse ela, enquanto se vestia.
Sam, ainda na cama, tronco nu coberto de
pelos, braços e peito musculosos, girou
preguiçosamente a cabeça para olhá-la e
admirá-la.
Lorna tinha seios fartos e rijos, cintura
afunilada e coxas perfeitas. Desejou detê-la
e impedi-la de cobrir aquele corpo
maravilhoso.
— Eu jamais me cansaria de uma mulher
como você, querida. Sabe como fazer um
homem se sentir importante.
— E você sabe como satisfazer uma
mulher.
— E você, ainda não se cansou de mim?
— E poderia? — comentou ela, com um
sorriso malicioso nos lábios carnudos e
tentadores.
— Sabia que o pessoal fica muito
inquieto com a presença de um delegado
federal na cidade?
— Por que será? Só estou de passagem,
não pretendo criar problemas para ninguém.
Se tudo correr bem, logo serei um homem
comum sem o distintivo.
— Então partirá? — quis ela saber, com
um acento de tristeza na voz.
— Sim. Estou apenas aguardando a
chegada de um telegrama com a informação
definitiva de minha anistia.
— Vou sentir sua falta — disse ela,
terminando de se vestir. — Vamos descer?
Estou com sede.
— Eu prefiro que você vá até lá e me
traga uma garrafa. Poderíamos tomar juntos,
aqui no quarto...
— Está tão quente aqui... Não prefere
uma cerveja bem gelada? Talvez uma
partida de pôquer, para ajudar a passar o
tempo?
Samuel pensou por instantes e acabou
concordando. Espreguiçou-se
demoradamente e ruidosamente, depois
levantou-se e começou a se vestir.
— Eu o espero lá embaixo — disse ela,
saindo e deixando a porta semi-aberta.
Ele terminou de se vestir, calçando as
botas e prendendo as esporas mexicanas que
eram suas favoritas. Passou diante do
espelho para alisar os cabelos com cuidado
e assentar o chapéu.
Apanhou, então, o cinturão de coldres
duplos preso nos pés da cama e afivelou-o
nos quadris. Examinou os revólveres,
depois os guardou. tinham as coronhas com
um serrilhado interminável, lembrança de
seus tempos de pistoleiro, quase julgava
importante registrar o número de homens
que havia matado em duelos.
Aquelas pistolas eram famosas em pelo
menos cinco Estado, onde, na década
anterior, deixara um rastro de vítimas e
exibicionistas tentando provar que eram
mais rápidos nas armas.
Deixara aquela vida quando recebera o
convite para ser delegado federal. Era uma
chance única de refazer seu destino e ele a
agarrou com unhas e dentes.
Quando descia para o saloon, um silêncio
repentino se fez, alertando-o. Um
ajuntamento perto do balcão se desfez
rapidamente. Alguém dobrou e guardou
apressadamente um pedaço de papel.
Baixou um clima pesado e tensos no ar,
incômodo o bastante para aborrecer o
delegado. Sabia o que aconteceria. Não era
a primeira vez que enfrentava aquele tipo de
sensação.
— Duas cervejas — pediu ele,
observando que Lorna se mantinha à
distancia.
Era sinal de que havia encrenca a
caminho. O garçom servi-o rapidamente,
depois se afastou para o lado, fugindo da
linha de tiro. O homem ao lado de Sam, que
minutos antes havia guardado um pedaço de
papel, voltou-se lentamente para o delegado
e mediu-o da cabeça aos pés, com deboche
no sorriso.
Sam conhecia aquele sorriso. Já o vira
dezenas de vezes antes. Eram sorrisos de
homens mortos.
Encarou o homem que o fitava daquela
forma.
— Algum problema, parceiro? —
indagou.
— É Samuel Bakley, não?
— Sou — respondeu o delegado federal,
levando o copo de cerveja à boca com a
mão esquerda, enquanto a direita
permanecia sobre o balcão, pronta para
descer em busca da coronha do Colt.
Seu interlocutor ficou inquieto diante da
frieza do delegado e se voltou para a porta,
onde dois homens estavam imóveis,
portando carabinas. Vestiam capaz longas e
empoeiradas, demonstrando que estavam
havia muitos dias na estrada.
— O que quer comigo? — indagou Sam.
— Um golpe de sorte a gente ter se
cruzado, Samuel. Vejo que ainda tem suas
famosas armas — falou o outro, apontando
para os Colts com as coronhas serrilhadas.
Sam havia estendido um dos copos de
cerveja para Lorna. Ela se aproximou e o
apanhou. O barman fez um sinal para que
ela se afastasse, o que ela fez rapidamente.
Sam observava tudo com cuidado. Não
duvidava mais do que tinha pela frente.
— Quem é você e o que quer? —
indagou Sam, percebendo que as pessoas
atrás deles também se afastavam, abrindo
um corredor que levava diretamente aos
homens com as carabinas.
Percebeu que eles as apontavam baixo, na
direção de suas pernas.
— Calma, Sam, não queremos fazer mal.
Não é nada pessoal, é apenas negócio. Há
uma porção de gente em cinco Estados
querendo a sua pele...
— Já não devo nada a ninguém. Sou um
homem da lei, cumpro minha parte no trato
e estou sendo anistiado — falou ele,
apontando para o distintivo preso no seu
colete.
— De quem o roubou, Sam? — indagou
o outro, com um sorriso sarcástico nos
lábios.
Sam sentiu dentro de si aquelas velhas
reações que, em outros tempos, o faziam
jamais engolir um desaforo.
Seu corpo se retesou. Ele olhou pelo
espelho. Os homens com as armas de cano
longo continuavam à porta, apontando-as
para suas pernas.
— Escute, seu animal imbecil — disse,
em voz baixa e num tom ameaçador. —
Não gosto do que está tentando fazer.
Muitos como você tentaram bancar os
espertinhos e se transformaram num
serrilhado na coronha de meu Colt. É isso o
que deseja também?
O homem ficou sério por instantes,
depois esboçou um sorriso sem-graça.
— Deveriam ter ouvido isso, rapazes.
Bem que nos avisaram que ele era valente
— falou ele, em voz alta.
Os homens à porta riram, mas não se
descuidaram das armas.
— Escute aqui, Samuel Bakley, você é
procurado e vale mais vivo do que morto.
Se tentar reagir, estraçalhamos suas pernas.
Vai voltar conosco agora mesmo e inteiro
ou prefere voltar aos pedaços?
Sam não respondeu. Terminou de tomar a
cerveja e depositou o copo sobre o balcão.
Limpou a boca com as costas da mão e
encarou o seu provocador.
— Sugiro que fiquem bem quietinhos
agora, enquanto examino suas armas.
Aposto como conseguiu todos esses
serrilhados matando pássaros e garotos por
aí — disse o estranho, fazendo rir as
pessoas que estavam ali.
Sam respirou fundo e apoiou as duas
mãos no balcão. Seus olhos cintilaram, frios
e atentos. Quando o outro se aproximou um
pouco mais e estendeu a mão para apanhar
uma de suas armas, Sam ergueu o corpo
com rapidez.
Sua espora abriu um talho profundo no
rosto do homem, por onde o sangue
esguichou, molhando o assoalho. Ele caiu
de joelhos e rolou para o lado.
No mesmo instante, dois estrondos
soaram em uníssono. As cargas de chumbo
grosso abriram um rombo no balcão, bem
debaixo de Sam, que saltou para o outro
lado, já de armas nas mãos.
Os dois homens atiraram as espingardas
para os lados e trataram de sacar seus
revolveres.
Antes que pudessem encontrar seu alvo.
Sam surgiu no extremo do balcão,
disparando certeiramente seus Colts
infalíveis.
Cabeças racharam-se em ruídos
desagradáveis. Miolos foram se grudar à
parede atrás deles. Os olhos esbugalhados
dos dois pistoleiros ficaram fixos no teto,
enquanto a vida se esvaía de seus corpos.
Sam aproximou-se do homem que gemia,
tentando estancar o sangue que lhe escoria
pelo rosto.
— Agora, maldito! Onde estão os
pássaros e os garotos? — indagou, furioso,
agarrando-o pelos colarinhos e erguendo-o
do assoalho e olhando-o direto nos olhos.
— Piedade, Sr. Bakley — gemeu o
pistoleiro, encolhendo-se covardemente.
Sam atirou-o sobre uma das mesas,
arrebentando-a. O homem tentou rastejar
para fora do saloon. O delegado foi no seu
encalço e o fez parar, chutando-lhe os rins.
Ele gemeu e rolou no assoalho.
— Por favor... Não se mate — suplicou.
— Por que estavam atrás de mim? —
indagou Sam.
— O cartaz... O cartaz... — repetiu o
homem caído, apontando para o peito.
— Qual cartaz?
— Eu mostro... Nós o encontramos numa
árvore... Somos caçadores de recompensa...
— Deixe-me vê-lo — intimou Sam.
— Está aqui mesmo, em meu bolso —
disse o caçador, metendo lentamente a mão
dentro da capa de viagem empoeirada.
Sam observou atentamente os olhos
daquele homem aparentemente vencido. Por
momentos, um brilho de triunfo cintilou
naquele olhar acovardado.
Sem pestanejar, Sam sacou uma das
armas, rápido como um castigo de Deus,
metendo duas balas no peito do outro, que
estrebuchou e ficou imóvel, enquanto uma
poça de sangue se formava ao redor dele.
Naquele momento, o gordo xerife da
cidade entrou no saloon, acompanhando de
alguns assistentes armados até os dentes.
— Pare aí mesmo — ordenou a Sam.
— Está tudo calmo agora, xerife. Esses
homens tentaram me matar e tiveram o que
mereciam...
— É mentira! ele é um procurado pela lei
— disse o barman. — Há um cartaz de
procurado no bolso do homem que ele
matou. Não é delegado coisa nenhuma...
— É verdade isso? — questionou o
xerife, enquanto os auxiliares apontavam
suas armas para Sam.
— Já fui um homem procurado, xerife,
mas hoje estou livre da perseguição. Fui
anistiado pelo governo federal, após
cumprir meu tempo...
O xerife o olhou com desprezo.
— Nunca gostei mesmo de delegados
federais. São uma escória e nunca me
enganaram. Esse distintivo esconde um
bandido e essas armas aí não são próprias
de um homem da lei.
— Ao diabo com suas conclusões, xerife.
Goste ou não goste, terá que respeitar as
minhas credenciais.
— Mesmo que seja um homem da lei, ele
matou esse aí a sangue-frio, xerife —
insistiu o barman.
Sam fuzilou-o com seu olhar mais
glacial.
— Sim, foi isso mesmo, xerife — Ajudou
alguém que Sam não distingui na multidão.
— Baixe suas armas agora, rapazes. Você
está na mira de meus auxiliares. Não tente
nenhuma gracinha ou vai se arrepender —
intimou o xerife.
— Está cometendo um erro...
— Cometerei um pior se você não soltar
logo essas armas.
— Está bem — concordou Sam, não
gostando nada da maneira de agir daquele
xerife nem daquelas armas apontadas para
ele.
Aquilo sempre o punha nervoso.
Depositou seus Colt sobre o balcão e
encarou o homem da lei.
— Deixe-me ver suas credenciais agora
— exigiu o outro.
Sam meteu a mão no bolso do paletó e
tirou a carteira de couro envernizada, onde
havia, em geral, o selo dos Estados Unidos.
Abriu-a. Havia uma carteira, assinada pelo
presidente e uma placa de metal dourado,
com uma estrela de cinco pontas gravada
em baixo relevo, sob a qual estava escrito:
Delegado Federal.
— isso aqui tem força de lei e me livra de
imbecis como você, xerife — falou Sam,
irritado.
— Não banque o espertinho comigo,
Bakley. Você ainda está sendo acusado de
assassinato aqui, delegado federal ou não.
— É um tolo, xerife. Vai acreditar nas
palavras daquela besta ali, que só entende
de misturar água com uísque e dizer que é
bebida de qualidade?
— E por que não? eu vi, todos viram.
Você não deu a menor chance a ele. Quando
ele ia lhe mostrar o cartaz que todos nós já
vimos, você o matou. Atirou nele friamente,
xerife! — voltou a acusar o barman.
— Vá até ali e olhe na mão daquele
pistoleiro, xerife — falou Sam, com
tranqüilidade.
Embora desconfiado, o homem da lei fez
o que Sam lhe pedira. Foi até lá e puxou o
braço do caçador de recompensa, que ainda
estava metido dentro da capa de viagem.
Sua mão escorregou para o lado,
deixando cair um Colt de cano curto, que
estava num coldre auxiliar.
Sam olhou para o xerife, fazendo-o se
encolher todo diante da fúria que lia nos
olhos dele.
— Entende agora por que não pude dar
uma chance aquele idiota ali? — indagou
Sam ao xerife.
— Está tudo explicado agora, delegado...
Cometemos erros, às vezes... Acho que
entende, não?
— Ora, não me aborreça mais, xerife —
rosnou Sam, irritado, apanhando suas armas
e começando e recarregá-las.
O xerife ordenou a seus homens que
arrastassem os cadáveres para a rua. Um
dos empregados do saloon correu espalhar
serragem nas poças de sangue e depois
varrer.
— E quem vai pagar prejuízos do balcão
e da mesa? — indagou o barman.
— Cobre deles — apontou, na direção
dos cadáveres que saíam arrastados pela
porta.
— Você quebrou a mesa — insistiu o
outro.
Sam respirou fundo e se aproximou do
balcão. Apanhou uma garrafa de uísque que
estava pela metade ainda, sobre o balcão.
Examinou-a, depois perguntou:
— Quanto custa isso?
— Um dólar.
— Fico com ela, então — disse Sam,
retirando algumas moedas e pondo-as sobre
o balcão. — Um dólar, mais dois, são três...
— Por que três dólares? — quis saber o
outro.
— Dois são para o dentista...
— Que dentista? — insistiu o outro,
pateticamente.
— O que você vai visitar daqui a pouco
— respondeu Sam, com calma, dando um
murro com toda a sua raiva na boca do
barman, que foi jogado contra a prateleira
de bebidas, derrubando algumas garrafas
em sua queda.
Deixou o saloon, em seguida, irritado ao
extremo, e foi até o posto telegráfico.
— Nada ainda para mim? — indagou.
— Espere um pouco, delegado! Está
acabando de chegar — respondeu o rapaz,
conversando nas batidas no telégrafo e
anotando a mensagem que chegava.
Sam aguardou com impaciência, até que
ela se completasse. Quando a recebeu, leu
com interesse.
— Bom... Muito bom... Aquele bastardo
vai estar em Denver, então. Irei até lá —
comentou Sam, agradecendo e rumando
para o hotel.
Arrumou sua bagagem, pagou a conta,
depois foi até o saloon, despedir-se de
Lorna.
— Tão rápido assim? — choramingou
ela.
— Sim, tenho de encontrar alguém em
Denver.
— Promete que voltará para me ver?
— Talvez sim, talvez não. Se tudo der
certo, deixo esta vida de alvo e de matador a
serviço da lei. Estou cansado disso, Lorna.
Quero descansar e viver em paz agora.
— Vai precisar de uma mulher... Para
cuidar de você.
— Saberei onde procurar, se isso
acontecer — disse ele, beijando-a
gentilmente.
Foi para o estábulo apanhar seu cavalo. O
garanhão parecia estar impaciente com tanta
inatividade.
— É hora de ir, parceiro! — disse Sam,
selando-o ritualmente, depois prendendo
seu alforje na garupa.
Recompensou o garoto que cuidara do
animal e deixou a cidade lentamente.
Na varanda do saloon, Lorna acenava
tristemente.
Não muito distante de Parkville, uma
cidade na rota para Denver, havia uma
formação rochosa conhecida como Montes
Parks, cheia de intrincados labirintos e
alguns vales naturais, ocultos e alguns até
inexplorados.
Ali, em um desses vales, percebia-se
certa agitação de homens a cavalo,
retornando para o que parecia ser um
acampamento mineiro.
Por toda parte, homens armados
caminhavam com cautela, observando tudo
atentamente, acompanhando o trabalho dos
mineiradores, que eram escravizados.
O grupo de cavaleiros avançou pelo vale
até parar diante de uma construção maior.
Ao redor, espalhavam-se outras, parecendo
barracões ou dormitórios.
Um homem envergando um ultrapassado
uniforme do Exército Confederado saiu pela
porta e avançou pela varanda, até ser
iluminado pelo sol.
Trazia um chicote em uma das mãos e o
batia contra o cano alto da bota, num
movimento de puro nervosismo, ou
impaciência. Era alto e forte. Os cabelos
grisalhos contrastavam com os vastos
bigodes e os olhos de uma vivacidade
incrível.
— E então, encontraram aquele fugitivo?
— indagou aos homens que começavam a
desmontar.
— Sim, general, nós o pegamos —
respondeu o pistoleiro que liderava o grupo.
— E onde está ele, então?
— Nós o deixamos numa ravina. Ele
escorregou, quando o perseguimos...
— Diabos, Laurel! Aquele negro trabalha
bastante e eu o queria vivo. Além disso, que
lição vamos dar aos outros agora? Ele devia
servir de exemplo.
— Eu sinto muito general, mas não se
preocupe. Estamos certos de que eles não
tentarão nenhuma besteira semelhante. É só
espalhar entre eles o que aconteceu.
— Está bem, veja o que pode fazer,
então. Precisamos desses homens
trabalhando dobrado. Estamos próximos
daquele filão e quero explorá-lo o quanto
antes.
— Certo, senhor. Deixe comigo.
Precisamos mandar uma equipe buscar
suprimentos ainda hoje...
— Vá a Parkville buscá-los. Aproveite e
fale com o xerife. Talvez ele tenha algum
bom trabalho para nós. E providencie mais
dinamite também. Quero apressar o
processo.
O general ficou ali, no alpendre,
enquanto seus capangas se espalhavam pelo
acampamento. Ele respirou fundo, gozando
o ar quente da tarde. Depois desceu
lentamente a escada até o pátio.
Caminhou na direção da mina. Homem
com chicotes gritando ordens apressadas
aos mineiros.
O general passou por eles com olhar
insensível. Havia alguns negros e homens
brancos também, todos entregues ao
trabalho forçado. Suas costas estavam
despidas e viam-se nelas marcas de chicote
antigas e recentes.
Seus corpos rebrilhavam ao sol, cobertos
de suor. O esforço que faziam era
desesperador, empurrando carretes de
minério sobre os trilhos, até as peneiras
onde jorrava água em abundância.
Ali o minério era lavado e pesquisado
cuidadosamente por outros homens, sob os
olhares de meia dúzia de pistoleiros que os
vigiavam.
As pepitas encontradas eram separadas e
jogadas numa caixa de madeira. O restante
do minério bruto seguia por uma esteira até
outro barracão, onde seria pulverizado e
lavado novamente, para a coleta do ouro em
pó.
— Como está a produção, Josh? —
indagou o coronel a um homem que
inspecionava o trabalho.
— Muito bom, general. Estamos
arrancando a pele deles para chegar ao veio
principal. Ele não está distante, pelo
tamanho das pepitas que estão surgindo —
explicou o outro.
— Ótimo trabalho, Josh. Espalhe entre
eles, só para animá-los e fazê-los pensar
melhor antes de qualquer besteira, que o
negro fugitivo foi morto.
— Realmente?
— Sim, o corpo dele agora é pasto para
os abutres, numa ravina perto daqui.
Continue com o trabalho, será bem
recompensado depois, Josh — finalizou o
general, tocando com o chicote a aba larga
de seu chapéu, numa despedida.
Antes de se afastar, porém, olhou a caixa
de madeira, onde pepitas de ouro de todos
os tamanhos rebrilhavam, acentuando os
indícios de que o filão maior estava
próximo.
Samuel já estava sentado naquela
poltrona macia havia muito tempo, num
canto daquela sala ricamente decorada e por
onde passavam pessoas a todo instante,
olhando-o como se ele fosse uma espécie de
curiosidade ou enfeite rústico.
A porta a sua frente abria-se e fechava-se
a todo instante. Ele sabia que Walk
Sommers estava lá dentro, só que o tratante
maldito parecia disposto a falar com todo
mundo em Denver primeiro, antes de dar
atenção a Samuel.
Sam pôs-se em pé num salto e entrou
como um furacão, esbarrando no secretário
que o esperava para fechar a porta. Walk
Sommers levantou-se sorridente e estendeu-
lhe a mão.
— Foi um ótimo trabalho esse último que
fez, Sam — ia dizendo com orgulho.
Sam olhou-o duramente, ignorou a mão
estendida, arrancou o distintivo do peito e o
bateu sobre a mesa.
A mão estendida de Walk recolheu-se e
um sorriso maroto desenhou-se em seus
lábios.
— Dê-me logo! — ordenou Sam.
— Dar-lhe o quê, Sam?
— Aquele maldito papel que você me
prometeu. Eu fiz jus a ele. Quero a minha
maldita anistia definitiva!
— Calma, homem. Sente-se aí, vamos
conversar...
— Calma coisa nenhuma, Walk. E não
vou me sentar. Não tente me enrolar mais.
Você me mandou limpar aquela região de
uma quadrilha de ladrões de gado, mas não
disse que eram bandidos mexicanos. Tive
de enfrentar um bando enorme deles. Fiz a
minha parte. Era meu último trabalho.
Agora acabou. Vamos acertar nossas contas.
Dê-me a anistia e prometo que nunca mais
vai ouvir falar em mim. — desabafou o
delegado federal.
Walk havia apanhado o distintivo de Sam
e o examinava, como se o outro nem
estivesse ali.
— Sem perda de tempo, Walk. Quero
aquele papel agora. Pretendo dar o fora
daqui imediatamente.
Naquele momento, a porta se abriu e o
secretário fez entrar um homem com o
uniforme do Exército Americano.
— Sam, esse é o Sargento Holister, do
Forte Denver — apresentou-o Walk.
— Sim, prazer, sargento — falou o
pistoleiro rapidamente, depois se voltou
para Walk. — O papel, Sommers. Preciso
dele agora para ir embora.
Walk reclinou-se em sua poltrona e
cruzou as mãos diante do peito. Olhou Sam
com resignação. Suspirou, preparando-se
para enfrentar uma tempestade.
— Sam, ainda é cedo para você se retirar.
Precisamos de sua ajuda uma última vez —
disse e esperou a reação do outro.
Samuel Bakley olhou seu interlocutor
sem poder acreditar no que ouvia. Balançou
a cabeça de uma lado para outro, incapaz de
aceitar a proposta que recebera.
— Você é louco! Sommers! Louco se
pensa que vou fazer isso. Acabou,
entendeu? Acabou! — berrou Sam.
— Sam, por favor, estamos sem ninguém
para cuidar disso. Você é o único em quem
posso confiar agora...
— E você, por que não vai pessoalmente
cuidar disso?
— Tenho algo inadiável a resolver em
Washington. E depois, estou há muito
tempo fora disso, Sam. Perdi o jeito.
— E os outros delegados?
— O Oeste é uma região dura e perigosa,
Sam. Você sabe disso. Temos poucos
homens ainda...
— Walk, não quero saber de seus
problemas. Nos últimos cinco anos não fiz
outra coisa senão resolvê-los para você.
Tenho meus próprios problemas, sabia?
Quero resolvê-los agora.
— Está bem, Sam. Nem se eu lhe disser
que pagarei dobrado esta missão.
— Não, já consegui juntar todo o
dinheiro de que preciso.
— Certo, você manda, então. Antes de ir,
porém, quero que venha comigo primeiro.
Vamos ver duas pessoas.
— O que está tramando, Walk? Eu
conheço seus truques...
— Sem truques, eu prometo!
— Certo, combinado. Irei com você, mas
só se me mostrar o papel primeiro.
— Ele está com meu secretário, que vai
providenciar a sua divulgação nos Estados
onde você é procurado. Fique tranqüilo. Por
que eu o enganaria com isso?
— Está bem, Walk. Mas se estiver me
enganando...
— Não se preocupe. Agora vamos —
insistiu Walk. — Leve isto, por enquanto.
Ainda não se demitiu — completou ele,
estendendo o distintivo.
Sam apanhou-o e hesitou por instantes.
Depois, com uma expressão de resignação,
espetou-o no colete e seguiu Walk pelas
ruas de Denver, até o hospital local.
— Que diabos viemos fazer aqui, Walk?
— indagou Sam, intrigado.
— Tenha calma, já saberá!
Walk falou com um dos médicos, que os
acompanhou pelos corredores, até um dos
quartos.
Ali, deitado numa posição
desconfortável, um negro gemia
debilmente. O médico foi até a janela e
abriu parcialmente a persiana, iluminando
melhor o corpo encolhido.
— O que houve com ele? — indagou
Sam, ao perceber o péssimo estado em que
se encontrava o doente.
— Venha ver de perto — convidou Walk,
fazendo-o se aproximar do leito.
O homem estava deitado encolhido, de
lado na cama, com o corpo descoberto.
Dando a volta, Sam entendeu o que Walk
queria lhe mostrar.
Uma careta de surpresa e piedade
desenhou-se inesperadamente no rosto de
Sam, acostumado a ver todo tipo de
atrocidade naquele seu trabalho.
— Chicoteado?
— Sim. Algumas chibatadas cortaram a
carne até os ossos. Já tinha visto tamanha
selvageria antes?
— Diabos, mas só me lembro de ter visto
isso na Geórgia, antes da guerra.
— Este homem se arrastou precariamente
para pedir ajuda, não para ele, mas para
seus amigos, presos como escravos num
acampamento mineiro, em algum ponto dos
Montes Parks. Há negros e brancos
morrendo lá, Sam.
— É desumano, eu concordo, mas não
vejo onde isso me afeta, Sommers...
— Alguém tem que ir lá e acabar com
isso, Sam.
— E por que eu?
— É o melhor... E o único que tenho no
momento.
— Diabos, Walk! Já arrisquei minha pele
dezenas de vezes. Não tenho intenção de
fazer isso de novo. Ser um homem da lei
pode ser mais perigoso que ser um
pistoleiro procurado.
— Deixe de pensar apenas em seus
problemas, bastardo — falou Walk,
alterando a voz e demonstrando irritação.
— Vamos com calma, Walk! — alertou-o
Sam. — Somos iguais, usando estes
distintivos. Assim, não sou obrigado a
aturar seu mal humor. Fizemos um trato e
eu paguei, a duras penas, a minha parte. Por
que reluta em fazer a sua parte agora?
— Está bem, vamos nos acalmar...
Desculpe-me. Vamos conversar lá fora —
falou Walk, caminhando para a porta.
Antes de se retirar, Sam deu mais uma
olhada nas costas feridas daquele homem
que gemia na cama.
Quem quer que tivesse feito aquilo, o
fizera com ódio, com a intenção de ferir e
marcar indelevelmente. Era uma punição
cruel e desumana. Quem tinha feito aquilo
merecia a pior das mortes por tratar outro
ser humano como animal.
Walk o esperava no corredor.
— Vá tomar um banho, fazer essa barba e
comprar umas roupas decentes — intimou
Walk.
— Que diabos, homem! Quer parar de
me dar ordens? Não sou obrigado mais a
aturá-las, sabia?
— Vá para o inferno, Samuel Bakley!
Faça o que estou lhe mandando ou ponho
todos os xerifes do oeste atrás de você.
— É uma ameaça?
— É uma promessa!
Walk adiantou-se, deixando o hospital.
Sam hesitou por instantes, depois foi ao seu
encalço.
— Para que tudo isso afinal? — quis
saber.
— Vamos nos encontrar com aquela
segunda pessoa hoje à noite — disse Walk.
— Á noite? Mas eu queria estar longe
daqui até a noite — protestou Sam.
— Desista.
— E por que deveria?
— Porque estou lhe ordenando,
demônios! Enquanto você não estiver com
aquele papel nas mãos, eu ainda dou as
ordens, compreendeu bem?
— Não sou mais um delegado federal! —
gritou Sam, arrancando o distintivo e
jogando-o na poeira.
Walk encarou-o furioso. Os olhos
chisparam.
— Pare de se comportar como uma
criança mimada e apanhe isso, Sam — disse
ele e seu tom de voz não admitia recusa.
— Não! Quero aquele maldito papel e
nada mais. Dê-me e irei embora.
— Apanhe esse maldito distintivo ou não
terá nada, a não ser cartazes com sua cara
pregados em todas as árvores deste país.
Terá centenas de caçadores de recompensa
em seus calcanhares, loucos para arrancar
sua pele e ganhar a recompensa.
Por momentos Sam ficou tenso. Aquele
era o tipo de coisa que poderia tirá-lo do
sério. Pensou nos cincos anos que se
submetera às ordens de Walk, indo para
toda parte, enfrentando bandidos de toda
espécie.
Não poderia jogar tudo isso fora. Seu
futuro dependia daquele papel.
— Eu lhe prometo uma coisa, Walk
Sommers — disse Sam, apanhando o
distintivo.
— O que é?
— Quando estiver de posse daquele
papel, juro que a primeira coisa que farei
será socá-lo nessa boca sempre cheia de
ordens, entendeu?
— Faça isso, Sam! Faça isso! —
respondeu Walk, num tom de pura
aprovação.
Sam encontrou-se com Walk nos
corredores do hotel, onde estavam ambos
hospedados. Walk mediu-o dos pés à
cabeça, aprovando com um sorriso.
Sam vestia roupas novas e próprias para a
cidade, além de estar barbeado e ter cortado
os cabelos.
— Vamos a um lugar onde não serão
necessários essas pistolas — apontou Walk.
— Eu vou, elas vão. Elas ficam, eu não
vou. Compreendeu?
— Acho que tem estado caçando
bandidos por muito tempo, parceiro —
comentou Walk. — Pelo menos está
apresentável agora. Mantenha o paletó
fechado e as armas não aparecerão...
— Diabos! Lá vem você com ordens de
novo. Fiz o que me pediu. Vamos acabar
logo com isso? Tenho muito o que fazer.
Quero voltar às minhas roupas velhas,
apanhar meu cavalo e sumir daqui,
Sommers.
— Está certo, vamos acabar logo com
isso.
— Para onde vamos?
Walk não respondeu e Sam preferiu não
insistir. Desceram até o saguão do hotel e,
dali, foram para o restaurante, pouco
movimentado àquela hora que antecedia o
jantar.
Quando entraram, Walk apontou para
uma das mesas, onde estava uma jovem
muito bonita, que sorriu ao vê-lo.
— Olá, Delegado Sommers! —
cumprimentou ela.
— Srta. Russel! — exclamou ele,
tocando a aba do chapéu num cumprimento
rápido, antes de tirá-lo e pô-lo no espaldar
da cadeira.
Sam fez o mesmo e estremeceu, quando
ela voltou para ele seus olhos lindos e
expressivos, perturbadores ao extremo.
— Presumo que este é o Delegado
Bakley, não? — indagou ela e Sam
experimentou uma emoção nova ao ouvir
seu nome pronunciado por ela.
— Sim, eu mesmo — confirmou ele,
desmanchando-se num sorriso enorme.
— Sam, está é Jane Russel!
— Olá, Sam! — cumprimentou-o ela,
com um sorriso cativante nos lábios
carnudos e sensuais.
— Sam, Jane é jornalista... — ia dizendo
Walk.
— Jornalista!— interrompeu-o Sam,
fechando o rosto. — Que diabos quer fazer
comigo?
— Calma, Sam! Deixe-me explicar
primeiro...
— Não sei o que está tramando,
Sommers, mas tenho meus motivos para
não apreciar jornalistas e você sabe disso.
Não é nada pessoal, Srta. Russel... A
verdade é que nada temos a conversar um
com o outro.
— Pelo contrário, Sam. Acredite em
mim, homem! Acho que vocês dois têm
muito a conversar — acudiu Walk,
convincente.
— Como assim, diabos?
— Acho que precisa ver isso, então, Sam
— disse a garota, estendendo um livro que
deixara sobre a mesa.
— Mas... Sou eu... Não estou
entendendo... — balbuciou ele, confuso.
— É tudo que pude apurar sobre sua vida,
Sam, colhendo depoimentos aqui e ali. Foi
publicado no Leste, por um jornal de Nova
Iorque e fez muito sucesso. Conta sua vida,
até se tornar um delegado federal. O
sucesso foi tanto que desejam um segundo
livro, agora narrando suas aventuras como
delegado federal, em busca da redenção e
da anistia.
— Eu não sei... — atrapalhou-se ele,
folheando o livro, sem saber o que pensar.
— Até sei por que detesta jornalistas,
mas precisava falar com você. Pedi ao
Delegado Sommers que conseguisse um
encontro entre nós dois. Vim para cá o mais
depressa possível, quando soube que estaria
aqui.
— E o que quer exatamente de mim?
— Apenas que me conte o que enfrentou
como delegado federal.
— Há gente interessada em saber sobre
todo esse sangue esses cadáveres que deixei
para trás em nome da lei?
— Muito mais do que imagina. Mas por
que não nos sentamos? —convidou ela.
Sam se sentiu envolvido em alguma
coisa, mas não pode identificar o que era.
De repente descobria que sua vida fora
levada ao conhecimento de uma porção de
pessoas que, não satisfeitas, ainda queriam
saber mais.
— E então, aceita? Só terá que me contar
as histórias. Além disso, o jornal pagará sua
estadia, suas despesas e ainda lhe dará
algum dinheiro por conta do livro.
— Posso ganhar dinheiro com isso?
— Sim, claro que pode.
Sam olhou desconfiado para Walk,
depois para Jane, tentando descobrir o que
havia por trás daquilo. Não percebeu,
porém, nenhum sinal de tramóia ou truque.
— O que acha de pedir mil dólares, Sam?
— sugeriu Walk.
— Mil dólares? Eles pagariam mil
dólares?
— Acho uma quantia razoável. Vou
telegrafar hoje mesmo para que mandem o
dinheiro.
— Espere aí, eu não disse que aceitava —
falou Sam, ainda incomodado com tudo
aquilo.
— Além disso, Sam, quero fazer alguns
desenhos seus com suas famosas armas,
para ilustrar o livro. Esse detalhe foi algo
que agradou aos leitores na primeira
publicação.
— Desenhos? Retratos?
— Sim, algo mais refinado e honesto que
aquelas fotos que estão nos cartazes e que
usamos para ilustrar o primeiro livro. Nela
você aparece como um demônio, vestido de
negro. Quero fazer alguns desenhos e
apresentá-lo vestido de branco, como um
anjo da lei e da justiça.
— Não sei... — hesitou ele, aturdido.
Não estava convencido de toda aquela
história ainda. Sentia que por trás de tudo,
havia alguma trama de Sommers para
obrigá-lo a trabalhar novamente, só que não
conseguia perceber a ligação entre uma
coisa e outra.
Estava fora de seu ambiente. No meio da
planície ou tramando algum plano para
desbaratar uma quadrilha, Sam se sentia à
vontade. Aquele era seu mundo. Saberia
reagir conforme o estímulo recebido.
Ali, diante de Walk e de Jane, no
restaurante de um luxuoso hotel, não
conseguia entender o que pretendiam dele
afinal.
— O que me diz? — insistiu Jane.
— É uma boa oferta, Sam. Devia aceitá-
la. Mil dólares comprarão um bom rebanho
para você levar para o Texas.
— Vou pensar a respeito — descartou
Sam a principio, desejando estudar melhor
aquilo tudo.
— Será uma forma de passar o tempo,
Sam — insistiu Walk.
— Passar o tempo? Que tempo? — quis
ele saber, sentindo cheiro de truque.
— Vai demorar uma semana até que eu
possa liberá-lo com os papéis, Sam.
— Como assim?
— Todos os jornais dos cincos Estados
terão de ter publicado a anistia para que
você não seja caçado injustamente. Os
xerifes de todos os condados receberão
ordens para inutilizar todos os cartazes de
procura-se com sua cara. Enquanto isso não
acontece, é mais prudente você permanecer
em Denver por algum tempo.
Sam ia protestar, mas não encontrou
argumentou. Walk parecia estar sendo
sincero no que dizia.
— Certo, estou convencido, ficarei,
então.
— Vai me contar suas aventuras e me
deixar pintá-lo com suas famosas armas? —
indagou Jane.
— Sim, tão logo receba o meu dinheiro.
— Não poderia me dar um voto de
confiança e começar agora, contando-me
alguma coisa durante o jantar? — convidou
ela, num tom irrecusável.
— Está bem, mas você paga a conta —
disse ele.
— Trato feito, Samuel Bakley —
respondeu ela.
O que, a principio, parecia um
aborrecimento, acabou se transformando,
para Sam, nas horas mais agradáveis e
descontraídas de sua vida.
Não tinha nada com que se preocupar, a
não ser aguardar o recebimento de sua
anistia que Walk prometera para logo.
Enquanto isso, ele e Jane se tornaram bons
amigos.
Passavam o dia todo juntos. Ele contava
suas façanhas e ela anotava seguidamente.
Às vezes faziam uma pausa nas histórias
para ela esboçar um desenho. Nesses
momentos, enquanto desenhava, ela falava
de si.
Os dias passavam rápidos para o
delegado federal. Naquela tarde, Jane
insistiu em fazer um desenho dele sobre o
cavalo, em algum ponto fora da cidade, num
local tranqüilo.
Imponente sobre seu animal, Sam fazia
questão de exibir as armas que, na opinião
de Jane, eram as mais famosas no leste,
naquele tempo.
Com atenção e capricho, ela foi traçando
o esboço daquele novo retrato.
— Walk disse que sua anistia chegará
definitivamente aprovada amanhã, com a
divulgação feita a todos os Estados onde
você era procurado.
— Ótimo! Já não era sem tempo —
comentou ele, satisfeito.
— Mantenha a cabeça erguida! — pediu
ela.
— Assim? — indagou ele, rindo.
Ela continuou absorta, rabiscando o
papel, dando contornos definitivos no
desenho. Às vezes levantava a cabeça e o
olhava por algum tempo, pensativa, depois
voltava a desenhar.
— O oeste precisa de homens como você,
Sam — disse ela, após algum tempo. —
Não estou aqui há muito tempo e percebo
que a lei tem de ser imposta a ferro e fogo.
Muita gente ainda não acredita na lei...
— Por que me diz isso? — estranhou ele.
— Vi aquele negro lá no hospital —
comentou ela, com um acento de piedade na
voz doce e modulada.
— Deve ter-se metido numa grande
encrenca para apanhar daquela forma.
— Walk está desesperado com aquilo...
Não sabe como ajudar o pobre homem.
— Walk é um incompetente! Fica aí,
parado, quando já podia ter ido lá e
resolvido o caso.
— Walk está aqui ao mesmo tempo que
você — disse ela e havia um tom de leve
reprovação em sua voz.
— Eu sei, mas é obrigação dele, não
minha. Eu não precisaria de mais do que
esses poucos dias para ter ido lá e resolvido
a questão — falou ele, com convencimento.
— Verdade? — admitiu-se ela, parando
de traçar para levantar os olhos para ele.
— Por que está me olhando assim? —
encabulou-se ele.
— Não é nada... Uma pergunta idiota que
está em minha cabeça agora...
— E o que é?
— Não tenho o direito de fazê-la...
— Por favor, diz respeito a mim?
— Sim, mas...
— Eu lhe dou o direito de fazê-la. Pode
perguntar — insistiu ele.
— Está bem, você insistiu, mas não vá se
ofender. Se é assim tão fácil, por que não
vai lá e cuida do assunto? — perguntou ela,
com inocência.
Sam ia responder, mas hesitou, olhando-a
duramente, como se percebesse que tudo
aquilo não havia passado de uma manobra
de Sommers para pô-lo no caso.
Aquela historia de jornalista do Leste,
livro, historias e desenhos lhe pareceu uma
grande jogada, apenas para convencê-lo a
fazer o trabalho do outro.
— Não, não, moça! Vocês não me
convencem. Está muito enganada. Vá dizer
ao Walk que o plano dele não deu certo. Se
ele não quer ir fazer o trabalho, que mande
outro, não eu — falou ele, guardando as
armas e preparando-se para partir, ofendido.
— Você disse que não ia se zangar...
— Não sabia até que ponto você
pretendia chegar.
— Sam, você está sendo injusto.
— Injusto, mas não imbecil. Acho que
chegou a hora de me pagar aqueles mil
dólares. Amanhã pego minha anistia e dou o
fora daqui, antes que Walk tenta outra
palhaçada comigo.
Uma série de gargalhadas zombeteiras
interromperam a conversa. Ali perto, sob a
sombra de uma árvore, um grupo de três
vaqueiros chegara e riam agora da pose que
Sam fizera sobre o cavalo, para Jane
desenha-lo.
Sem, pestanejar, o pistoleiro sacou suas
armas e disparou na direção deles,
arrancando lascas da árvore.
Os três deram meia-volta e esporearam
seus cavalos, afastando-se a galope. Jane
olhava-o incrédulo.
— Sabe o que você é? Um enganador,
mentiroso, um tipo muito desprezível, um
cobarde de marca maior, Samuel Bakley.
Você é como dizem por aí: conseguiu essas
marcas na coronha das armas atirando
contra pássaros e meninos. Você não tem
fibra. Vou arrasar com você no próximo
livro, você vai ver. — declarou ela, furiosa
com ele.
— Mas espere um pouco, você não... —
ia dizendo ele, enquanto guardava os Colt
fumegantes.
— Seu grande cavaleiro! — exclamou
ela, olhando o desenho que esboçara. —
Grande cavaleiro mesmo! — arrematou,
arrancando o papel e rasgando-o.
Atirou os pedaços na direção de Sam,
depois correu apanhar seu cavalo e retornar
direto para a cidade.
Ele ficou ali, surpreso com a reação dela,
que lhe pareceu sincera. Desmontou a foi
apanhar os pedaços do desenho. Montou-os
sobre a relva. Era um bom desenho. Jane
estava mesmo caprichando.
Sorriu brevemente, depois juntou os
pedaços e foi guardá-los em seu alforje.
Voltou para a cidade, onde procurou
imediatamente Walk Sommers.
— Se está ansioso por causa daqueles
malditos papeis, eu juro como amanhã eles
estarão em suas mãos — prometeu ele.
Sam andou de um lado para outro,
inquieto. Parou junto a uma garrafa de
uísque. Serviu uma dose e tomou-a de só
gole, fazendo uma careta.
Walk esboçou um sorriso. Naqueles
cinco anos, aprendera a conhecer Sam. Este
acabou sentando-se diante da escrivaninha
ocupada por Walk, na suíte do hotel.
— Conte-me sobre aquele homem
chicoteado, Walk. O que sabe sobre ele e os
amigos dele?
— E por que você quer saber?
— Diabos! Walk! Todo o tempo você
esteve me empurrando para isso. Fale logo,
caramba!
Walk olhou-o surpreso, sem entender o
que ele dizia, mas não perdeu a
oportunidade de apresentá-lo ao caso.
— Em algum ponto nas imediações de
Parkville há uma mina oculta num daqueles
vales nos Montes Parks. Homens estão
sendo forçados a trabalhar ali em regime de
escravidão. É preciso acabar com isso,
descobrindo os culpados e punindo-os.
— É só o que tem?
— Sim, mas é mais do que o bastante
para um homem como você.
— Está certo, Walk. Vou para lá resolver
isso, mas com direito a gratificação. Posso
ter meus papeis amanhã cedo?
— Não quer que eu os leve para você, no
Texas?
— Está certo! Onde o encontro para
receber minha anistia?
— El Passo lhe parece bom?
— Sim, irei ao México comprar um
pouco de gado. Estarei lá, pode ter certeza.
Em duas semanas?
— Não vai precisar de mais tempo?
— Viajo muito depressa, Walk.
— Está certo, então. Em duas semanas.
Sam levantou-se e já ia saindo.
— Vai despedir-se dela? — indagou.
Sam o olhou carrancudo, depois virou-se
sem dizer nada e saiu batendo a porta. Foi
preparar suas coisas. Queria partir o mais
depressa possível.
Foi apanhar seu cavalo, amarrou o alforje
e o cobertor e montou. Cavalgou lentamente
pela cidade. Passou diante do hotel. Parou e
ficou olhando para a porta de entrada.
— Demônios! — praguejou ele,
desmontando e entrando.
Procurou por Jane. Informaram que ela
estava no quarto. Foi até lá. bateu e esperou.
Quando a garota abriu, Sam meteu o pé
entre o batente e a porta, impedindo-a de
fechá-la na sua cara.
— Não quero vê-lo mais na minha frente,
seu bastardo egoísta — rugiu ela, furiosa.
— Vai ter que me ouvir agora, doçura.
Você me botou em uma nova encrenca e
precisa saber disso para carregá-lo em sua
consciência — informou ele.
— De que está falando? — indagou ela,
abrandando o tom de voz.
— Aceitei a maldita missão! —
exclamou ele. — Não era isso que você
queria?
— Verdade? — surpreendeu-se ela.
— Sim. Vou enfrentar um bando de
homens perigosos e malvados que não
hesitarão em arrancar-me o couro, por sua
causa, está entendendo? Talvez tenha que
lutar contra toda uma cidade... Posso morrer
lá e ser atirado numa ravina, virando pasto
de urubus... Nem ao menos uma sepultura
digna eu terei — exagerou ele, para
impressioná-la.
— Eu não pensei que fosse tão perigoso,
Sam — disse ela, fingindo que acreditava
em todo aquele exagero.
— Irei, Jane. Era isso mesmo o que você
queria, não era? Queria me certificar antes
de ir.
— Quando vai partir?
— Já estou de saída...
— Já? — surpreendeu-se ela.
— Sim, meu cavalo está lá fora. Quero
estar nas montanhas, antes do escurecer.
— Diabos por que não me avisou antes?
— esbravejou ela.
— Pensei que não quisesse me ver mais...
— Ora, vá dando o fora daqui, Samuel
Bakley. Tenho muito o que fazer — falou
ela, empurrando-o para fora e fechando a
porta.
Sam ficou parado ali, por algum tempo,
tentando entender aquela atitude.
— Ora, com mil demônios! — exclamou
ele, surpreso. — Garotas! Ora bolas!
Apanhou seu cavalo e partiu, deixando a
cidade para trás. Sobre a sela de seu cavalo,
Sam se sentia realmente à vontade. Aquela
vida na cidade não o agradava. Era muito
complicada e o fazia se sentir preso e
tolhido.
Gostava de ar livre, da sensação de ser de
todo o oeste, daqueles planícies e pradarias,
do céu e do vento. Dormia melhor
encostado na sela e sob as estrelas do que
numa cama macia de um hotel da cidade.
Não trocaria aquela vida por nada,
concluiu, pensando agora naquela sua nova
missão. Conhecia Parkville. Passara por lá,
certa vez, seguindo a trilha do ouro da
Califórnia.
Havia um xerife encrenqueiro naquela
cidade. Sam imaginou que, após tanto
tempo, seria interessante encontrá-lo
novamente e devolver-lhe a hospitalidade.
Escurecia, quando atingiu as montanhas.
Havia algum tempo ele se voltava na sela
para olhar para trás, imaginando estar sendo
seguido.
Procurou um local onde pudesse acampar
e preparou uma fogueira. Faria frio à noite e
nada melhor que um bom fogo para um
homem se sentir melhor, aqueceu seu café e
espantar as pumas da montanha que descia
para caçar à noite.
Desvencilhou seu cavalo e o soltou para
pastar tranqüilamente durante a noite. Perto
havia um regato e o animal estaria bem.
Acomodou a sela junto a uma pedra,
estendeu o cobertor e deixou pronta sua
cama para aquela noite.
Pretendia preparar um café e um feijão
mexicano para o jantar, quando ouviu o som
de casos ferrados aproximando-se.
Ficou em alerta, sacando as armas. Todo
o tempo tivera certeza de estar sendo
seguido. Torceu para que não fosse mais um
daqueles idiotas caçadores de recompensa.
O cavaleiro desmontou e se aproximou,
sem maiores preocupações. Sam o
aguardou, oculto atrás de uma pedra.
Quando o estranho passou, Sam encostou o
revólver na nuca e engatilhou-o.
— Sam? — indagou ela.
— Jane? — surpreendeu-se ele.
— Bastardo, quase me matou de susto —
disse ela, virando-se para encará-lo. — Não
sabe ser hospitaleiro? Tem de receber todo
mundo com essas malditas armas?
— E como eu poderia saber que era
você? E o que faz aqui? Por que me seguiu?
— E por que não?
— Ora, demônios! Estou indo para
Parkville, resolver um caso...
— E daí? Também estou indo para lá.
Pode ter uma boa história em Parkville e os
donos do jornal vão adorar isso.
— Está falando sério?
— Sim, nunca falei tão sério.
— Você é mais doida do que eu pensava
— disse ele, indo apanhar o bule para pegar
água.
— Não posso perder isso por nada, Sam.
Tem que entender. É o meu trabalho.
Imagino como o pessoal do jornal reagiria
se eu deixasse passar uma chance como
essa? vou fazer um relato ao vivo de uma
autêntica missão do Delegado Federal
Samuel Bakley...
— Eles vão vibrar, garanto — disse ele,
indo até o regato.
Ela foi atrás dele, comentando excitada
sobre todos os seus planos para aquela
historia. Sam arrumou pedras em círculo e
preparou a fogueira. Pôs a água esquentar.
Jane não parava de falar.
De repente, sem que ela entendesse, ele a
apanhou em seus braços fortes e a pôs de
volta na sela do cavalo.
— O que pensa que está fazendo?
— Mandando-a de volta. Não vamos
cavalgar juntos, mocinha. A trilha que eu
percorro é muito perigosa para você.
— Está muito enganado se...
— Diabos, mulher! — esbravejou ele. —
Será que não consegue entender o perigo?
isto aqui não é um piquenique onde você
vai se divertir e fazer desenhos. O inferno
nos espera em Parkville, entendeu?
Ela olhou-o fazendo beicinho.
— Não vejo nada mais seguro do que ir
para o inferno com você, Sam — disse ela.
— Acho que até o demônio o respeita e
teme.
— Você não sabe o que está dizendo...
— Quero ir com você. Tenho o direito de
ir.
— Que direito, Jane? quem lhe deu o
direito?
— Este é um país livre. Qualquer um
pode ir para qualquer lugar. Já leu isso em
algum lugar antes?
— Está bem, você tem razão e pode ir
para onde quiser. Só que eu tenho o direito
de escolher minhas companhias. E não
quero ser responsável por ninguém...
— É disso que tem medo? De assumir
responsabilidades?
— Ao diabo com você, Jane Russel.
Dane-se. Faça o que bem entender e não me
amole mais.
— Obrigada! — disse ela, desmontando
rapidamente.
Sam procurou ignorá-la, mas preparou
café e comida para dois. A noite caiu
rapidamente e começou a esfriar. Um
homem como ele, habituado às viagens no
lombo de um cavalo, sabia o que precisava
levar de essencial.
Mais tarde, metido embaixo de seu
cobertor de lã pura, especial para noites
frias como aquela, Sam cantarolava,
observando os constantes esforços de Jane
para se agasalhar com um pequeno e fino
cobertor.
— Não quer mesmo comer? —
perguntou ele.
— Não quero sua maldita comida...
— Tome um café, então, ainda está
quente.
— Ao diabo você, e seu café, Samuel
Bakley!
— Está bem — disse ele, puxando o
chapéu para cima dos olhos. — Não se
assuste se ouvir uivos e rugidos. É só
manter a fogueira acesa que os ursos,
coiotes, lobos e pumas não se
aproximarão...
Os olhos dela se arregalaram, enquanto
ela olhava ao redor assustada. Sam fechou
os olhos. Estava de volta ao seu mundo,
onde a regra era dormir cedo e se levantar
antes do sol.
Sabia que seria uma noite terrível para
Jane, por isso deixou uma providencial
sobra de seu cobertor para ela, caso
resolvesse se aquecer.
Ela ficou imóvel em seu lugar, junto à
fogueira. Sam fechou os olhos e logo
adormeceu. Quando os primeiros pumas
rugiram ao longe, ela jogou alguns gravetos
no fogo e correu se deitar ao lado dele.
Na manhã seguinte, quando acordou, ela
estava deitada ali, ao lado dele, abraçando-
o. Sam sorriu, levantando-se lenta e
silenciosamente para não acordá-la.
Ficou em pé, após arrumar o cobertor
sobre ela, olhando-a demoradamente.
Depois foi fazer o café e preparar o
desjejum.
Quando Jane acordou, havia um xícara de
café fumegante no seu lado.
— Há bacon e ovos na frigideira — disse
ele. — E já selei seu cavalo.
— Vamos partir tão cedo?
— Sim. Você não se esqueceu do que eu
disse, não é? É só voltar em linha reta...
Ela se pôs em pé num salto, olhando-o
furiosa.
— Não importa o que faça, Sam. Eu vou
com você. Sei que pode ser perigoso, mas
não me interessa. Vou estar lá para noticiar
isso. Não pode me negar esta chance. Por
favor!
Ele se afastou, chutando pedras, furioso,
por não encontrar um argumento capaz de
convencê-la. Jane era a maior cabeça-dura
que ele já conhecera.
— Está certo, eu a levo — falou ele. —
Sob uma condição.
— Qual? É só dizer.
— Vou nomeá-la ajudante de delegado
federal. Tenho poderes para isso.
— E o que faz um ajudante
— Obedece ordens...
— Não espera me obrigar...
— Não, nada disso. Não vou mandá-la
embora. Já que você é maluca mesmo, vou
lhe dar uma missão. Além de contar toda
esta aventura, se sairmos vivos dela, você
poderá contar também que trabalhou lado a
lado com o grande e famoso Delegado
Samuel Bakley. Satisfeita?
— Sam, vou adorar isso. Vai ser ótimo!
O que vou precisar fazer?
— Quando chegarmos lá, você vai tentar
arrumar um trabalho no saloon.
— No saloon? Terei que dançar e dormir
com aqueles homens... Jamais!
— Deixe de ser idiota, Jane. Uma garota
de saloon dança com quem ela quiser e vai
para a cama com que ela quiser. O trabalho
principal consiste em fazer um show de
dança ou canto e deixar os homens bêbados.
— Só isso?
— Sim, mas terá de ficar de ouvidos
abertos. Ouve-se e descobre-se muita coisa
num saloon, principalmente de bêbados.
Suas informações poderão ser muito úteis
para mim.
— Certo, eu aceito então.
— Agora vá comer alguma coisa. Temos
uma longa cavalgada pela frente. — disse
ele, não deixando de admirar a coragem e a
decisão daquela garota.
Ou isso ou então ela era completamente
maluca.
Na pacata delegacia da cidade de
Parkville, o Xerife Harry Late recebia a
inesperada visita do general. Como sempre,
desmanchou-se em atenção para com o
velho militar.
Ofereceu-lhe a poltrona mais confortável,
depois levou-lhe uma caneca de café, onde
despejara um pouco de uísque. O general
apreciava muito esses agrados.
— Está confortável, general? O café está
bom?
— Sim, está tudo perfeito, Harry. Você
sabe como agradar um velho cansado como
eu...
— Que é isso, general. Ainda é um
homem forte e saudável. Como vão as
coisas na mina?
— Não soube ainda?
— Bem, ouvi as explosões daqui, achei
que estavam se aproximando do veio. Vocês
o encontraram?
— O diabo, Harry! Um idiota calculou
mal a carga e fez os túneis desmoronarem.
Perdemos um tempo precioso. Vamos ter de
tirar todos os entulhos. Foi isso que me
trouxe aqui...
— Como assim?
— Preciso de mais gente.
— Ninguém mais passa por Parkville,
general, não nesta época do ano.
— Não sei... Talvez tenhamos que ir
buscar gente em Denver, mas isso pode ser
muito perigoso. Teríamos de inventar uma
boa história para atraí-los para cá, sem
mencionar a existência do ouro. Se isso
acontecesse, teríamos uma corrida e seria o
inferno.
— Quanto a isso, tem razão, general. Não
será fácil convencer gente a vir de Denver
para cá...
— Soube que uma família se fixou ao
norte, naquelas terras que eram dos Smith, é
verdade?
— Sim, um casal e três filhos moços.
Hei, é gente forte, general! — comentou o
xerife, lembrando-se do detalhe.
— Acha que pode achar um jeito de levá-
los para mim? — indagou o militar,
retirando um pequeno saco de ouro e
balançando-o, fazendo os olhos do xerife
brilharem de cobiça.
— Posso dar um jeito sim, general —
confirmou ele.
— Faça isso, Harry. Por favor! — disse o
general, com gentileza, atirando o saquinho
para o homem da lei.
— Reunirei os homens ao anoitecer e
iremos até lá. E quanto à mulher, o que
faremos com ela?
— Mulheres idosas não tem serventia
para mim, Harry. Acredito que nem para
você — falou ele, dando a entender o que
deveria ser feito. — Apareça por lá um dia
desses, Harry. Terei o máximo prazer em
retribuir sua hospitalidade.
— Farei isso em breve, general —
prometeu Harry.
O homem uniformizado se levantou.
Harry o acompanhou até a porta. Quando
olharam para a rua, algo chamou-lhe a
atenção, mais ao general que ao xerife,
inicialmente.
— Veja aquilo, Harry — apontou ele.
O homem da lei observou com atenção o
cavaleiro alto e forte que passava pela rua
naquele momento, acompanhando de uma
mulher que, sob a poeira, exibia traços de
rara beleza.
— O que me diz daquele homem, Harry?
— Parece-me muito forte e saudável, o
tipo ideal para trabalhar na mina.
— Eu o quero, Harry. Pegue-o para mim.
— E quanto à garota?
— Faça o quiser, Harry. Já estou velho
para certas coisas, mas não o bastante para
não me lembrar da utilidade de uma mulher
bonita.
O xerife riu da observação do general,
que se despediu e foi apanhar seu cavalo.
Quando montou, foi logo rodeado por seus
homens, afastando-se a galope.
Em frente ao saloon, Sam os acompanhou
com curiosidade, até que eles saíssem da
cidade.
— Viu aquilo? — comentou ele.
— Se não me engano, aquele era um
uniforme dos confederados, não?
— Sim, mas o que um graduado rebelde
estaria fazendo por aqui atualmente? E de
uniforme ainda? — resmungou Sam,
desviando os olhos para o xerife que, na
entrada da cadeia, conversava com dois
outros homens.
Qualquer coisa o alertou em relação
àquela conversa. Podia jurar, pela maneira
como olhavam, que ele e Jane eram o
assunto principal daquela conversa.
— Desmonte — ordenou ele à garota.
— Vamos entrar aí?
— Sim, por que não?
— É o saloon...
— Disso não tenho a menor dúvida. Já
traçamos nossos planos. Se você quer me
ajudar, é a única forma. além disso, poderá
traçar um interessante painel do homem do
oeste para seus leitores...
— Sob um ponto de vista muito íntimo,
não? — comentou ela, com ironia.
— Ora, não enrole, Jane — riu ele,
desmontando e puxando-a da sela.
Segurou-a pelo braço e levou-a para
dentro do saloon, quase vazio naquele
momento. Apenas dois homens
conversavam com o barman, no extremo do
balcão.
Sam respirou fundo e se preparou para a
representação.
— O que vai querer? — indagou o
barman, aproximando-se preguiçosamente.
— Quem é o dono desta espelunca? —
indagou Sam, audaciosamente.
O barman mediu-o com um sorriso
brincalhão nos lábios. Um dos homens que
estavam no extremo do balcão se
aproximou, examinando Sam da mesma
forma.
— O que deseja com o dono? — indagou.
— É você?
— Não, mas...
— Então vá chamá-lo, se o conhece.
Tenho um negócio muito interessante a
propor.
— Não sou garoto de recados —r
espondeu o outro, com desprezo.
— Isso quem decide sou eu — respondeu
Sam, abrindo a capa e o paletó, para exibir
suas armas de coronhas serrilhadas.
Os dois homens examinaram-nas
atentamente, depois trocaram olhares
respeitosos.
— O que você é? — indagou o barman.
— Não interessa. Já estão demorando
demais — irritou-se o delegado. — Vá
chamar o proprietário — ordenou ao
barman.
Nesse momento, os dois homens que
estavam falando com o xerife entraram.
Pelo modo como eles o olharam, Sam
farejou encrenca a caminho.
— O que houve, Sid? — indagou um
deles ao barman.
— O forasteiro aqui está impaciente.
Quer falar com o dono do saloon.
— Realmente? Por que não disse antes.
Nesse caso, é nosso dever levá-lo até lá, não
é? — comentou ele, e todos riram, exceto
Sam.
— Por que ele não pode vir até aqui? —
perguntou ele.
— Porque ele é o dono e, se você quiser
vê-lo, terá de vir conosco — disse um dos
homens e, logo em seguida, o outro homem
no extremo do balcão se aproximou
também.
Sam percebeu que estava rodeado por
eles.
— Jane, por favor, espere-me numa
daquelas mesas — disse ele à garota,
empurrando-a para fora da roda, de modo
que ela ficasse segura.
— E então, forasteiro? perdeu a pressa?
Não quer ver o proprietário?
— Sim, quero vê-lo...
— Nesse caso, é bom deixar aqui, com o
velho Sid, essa artilharia. O dono tem certa
aversão por amar — explicaram-lhe.
— Nada feito. Eu vou, eles vão; eles
ficam, eu fico — respondeu.
— Bem, agora estamos dispostos a levá-
lo de qualquer forma, estranho. E podemos
ficar violentos...
— Estou morrendo de medo — comentou
Sam, virando-se para pedir ao barman uma
bebida.
— Sam, cuidado! — gritou Jane.
Sam tentou se desviar da garrafa que o
barman endereçara a sua cabeça, mas a
pancada ainda o atingiu no ombro.
— Pau nele, pessoal! — ordenou o
barman.
Os quatros homens se atiraram sobre
Sam, atingindo-o com socos e pontapés. O
delegado federal, não foi, no entanto, pego
totalmente de surpresa. Sua reação foi
imediata.
Sua bota atingiu o joelho de um dos
atacantes, fazendo-o gemer e rolar pelo
assoalho.
Alguém o atingiu por trás, com uma
cadeira que se espatifou. Sam percebeu que
as coisas começavam a ficar feias para ele e
passou a atacar.
Desferiu uma potente cotovelada na
espinha do homem que o agarrara pelas
pernas, derrubando-o a seus pés. Chutou-o
com força, enquanto tentava sacar suas
armas.
Antes que pudesse usá-las, no entanto, o
barman o alertou!
— Não faça isso, forasteiro. largue isso
ou arrebento a cabeça da moça!
Sam olhou para ele. Uma espingarda de
cano duplo estava apontada para Jane e o
barman não demonstrava estar blefando.
— Obedeça! — insistiu ele.
Sem outra alternativa, Sam deixou cair as
armas. Dois homens seguraram seus braços
com firmeza, enquanto os outros dois se
postaram diante dele, olhando-o com
desprezo.
— É um valente e forte, forasteiro, mas
verá que isso só tem uma utilidade por aqui
— disse um deles.
— Sim, o trabalho duro. E não tente
bancar o espertinho porque temos meios de
amaciar carnes de pescoço como você —
completou o outro, enfiando o punho no
estômago de Sam, inesperadamente e com
toda força.
O delegado sentiu que todo o ar de seus
pulmões foi expulso com o golpe.
Antes que pudesse se refazer, no entanto,
novo golpe atingiu seus rins, fazendo seus
joelhos fraquejarem e um gosto amargo
subir-lhe à boca.
A pancada seguinte atingiu seu queixo,
jogando sua cabeça violentamente para trás.
Ele tentou se defender com os pés, mas suas
pernas pesaram como chumbo.
Os homens continuaram se revezando
naquela seqüência de golpes contra o corpo
dele, até que Sam não visse nem sentisse
mais nada.
Acordou sentindo como se uma manada
de búfalos tivesse passado sobre seu corpo.
Não sabia onde estava nem como havia
chegado até ali. e não gostava nada do que
via.
Estava numa espécie de jaula, com as
mãos e os pés firmemente amarrados. Os
olhos doíam, mas ele conseguiu mantê-los
abertos para observar as atividades de
homens empurrando vagões que saíam de
um buraco na montanha.
Guardas brandindo chicotes apressavam
os trabalhos e gritavam palavrões,
distribuindo generosa e impiedosamente
chicotadas à direita e à esquerda.
Mais adiante, pendurado num galho, o
corpo de um homem balançava-se. coberta
de sangue. As mãos estavam amarradas na
corda. De baixo dele, uma poça de sangue e
um chicote longo manchado de sangue.
Um grupo de homens deixou a casa
maior. Entre eles vinha, caminhando com
imponência, aquele general confederado
que Sam vira na cidade.
Os homens se aproximaram e pararam
diante da jaula.
— Vejo que já acordou — disse o
general. — Temi que eles o tivessem
machucado muito...
— O que está havendo por aqui, afinal de
contas? — indagou Sam, sentindo todo o
corpo doer a cada palavra que pronunciava.
— Nada de especial, meu rapaz. Quero
apenas parabenizá-lo pelo novo emprego...
— Emprego? Que diabo! eu estava à
procura de emprego...
— Que pena! agora já está empregado...
— É um velho muito engraçado mesmo
— falou Sam, com ironia e desprezo.
— Cale-se e respeite o coronel! —
ordenou um dos homens, chicoteando as
grades da jaula.
— Deixe o rapaz, Ed, pelo menos por
enquanto. Eu preciso de homens na mina.
Se ele mantiver esse gênio ruim,
cuidaremos de amansá-lo, mas não vamos
estragá-lo para o trabalho. Há muito a ser
feito ainda.
— Alguém quer me explicar o que está
havendo? O que é isto aqui, afinal?
— Isto aqui é uma mina, rapaz, se já não
o percebeu ainda. Estamos escavando para
extrair ouro. É este o trabalho que você fará
para mim.
— E se eu me recusar?
— Não fará isso — disse o general, com
severidade, apontando o corpo que pendia
da árvore.
Nada podia ser mais eloqüente que
aquele corpo. Entendia agora o que estava
se passando em Parkville e irritou-o ver-se
apanhando tão facilmente por eles.
Mais irritado ainda ficou quando viu um
dos homens que estava no saloon, usando
suas armas. Olhou-o com profundo ódio.
Era um dos que o agrediram. O outro sorriu,
diante daquele olhar, acariciando
significativamente o cabo de seu chicote.
— Trabalhe direito e será bem tratado e
alimentado. Dê-nos problemas e garanto
como o faremos se arrepender disso.
Preparem uma bola para ele — finalizou o
general, afastando-se.
Um dos homens também se afastou e foi
até um galpão, de onde retornou com uma
bola de ferro unida a uma corrente,
terminando numa algema.
Dois homens apontando as armas
engatilhadas para Sam, enquanto o terceiro
abria a porta e libertava os pés dele.
— Saia já dai! — ordenou.
Sam não teve outra alternativa senão
obedecer. Seu corpo doía a cada
movimento. Ele deixou a jaula, ainda
incapaz de se pôr ereto por causa da surra
que levara.
O homem com o bola de ferro inclinou-se
diante dele. A algema foi presa ao tornozelo
dele, sobre a bota.
— Bom, muito bom — disse o homem,
levantando-se. — Estou certo que não nos
dará trabalho com isso. Para onde o
levaremos para trabalhar. — indagou aos
outros.
— Vamos pô-lo nas escavações. Não
poderá se movimentar muito por lá e nem
precisará fazê-lo — respondeu outro.
— Apanhe a bola — ordenou outro, o
que usava as armas de Sam.
Respirou fundo e se inclinou para
apanhá-la. Sabia que qualquer tentativa de
reação naquele momento era pura loucura.
Não tinha chances.
Precisava agora se manter vivo e inteiro
para conseguir se safar dali. O empurrão
com a coronha de um rifle, seguido de uma
chicotada nas pernas não contavam, pelo
menos por enquanto.
Tinha de engolir aqueles desaforos para
se manter vivo. Tudo seria, no entanto, uma
questão de tempo para os homens que o
haviam aprisionado.
Para eles, Sam reservaria uma atenção
toda especial.
Jane sabia que a profissão de jornalista
poderia ser perigosa, mas jamais imaginaria
algo como aquilo. Após ver Sam ser
espancado selvagemente e arrastado por
fora do saloon, um homem a havia agarrado
pelo braço e a arrastado para um quarto, no
andar superior.
Ali foi empurrada rudemente para cima
de uma cama. O xerife sorriu
significativamente, olhando-a em desalinho
sobre a cama. Ela ainda apertava firme em
suas mãos a carteira com a credencial e o
distintivo de Sam, posta ali quando ele e
empurrara para fora do círculo feito pelos
seus agressores.
Com certeza ele estava prevendo tudo
aquilo e não desejou que sua identidade
fosse revelada.
— Não sei que diabos vieram fazer aqui
na cidade, garota, mas só tenho a agradecê-
los por isso — falou ele, fechando a porta
atrás de si.
Jane entendia agora todos os alertas que
Sam lhe dera sobre os perigos que poderiam
correr, só que ele não estava ali para ajudá-
la agora.
Precisava cuidar de si sozinha e, ainda
por cima, tentar encontrar aquele imbecil,
que se deixara apanhar daquela forma.
Olhou o rosto do xerife. Estava escrito
em seus olhos suas intenções. No momento
do perigo, havia coisas que um homem não
podia ensinar a uma mulher.
Jane sabia que pouco conhecia dos
costumes do Oeste, exceto o que lhe haviam
contado e o que ela havia inventado em sua
historia sobre Sam. Só que não era uma
garotinha indefesa. Era uma garota
experiente e esperta e teria de usar tudo isso
para se livrar daquela situação.
Decidida a agir da melhor maneira,
procurou não demonstrar medo, quando o
xerife se aproximou da cama.
— Estendendo-se na cama! — ordenou
ele.
Ela espreguiçou-se, sem dar-lhe atenção.
Levantou-se e foi até o espelho.
— Meu Deus! Estou horrível... Olhe
isso... Poeira... — falou, passando as mãos
nos cabelos. — Preciso de um banho
urgentemente. Pode conseguir isso, xerife?
— arrematou, olhando-o com charme e
sedução.
— Sente-se feia?
— Horrível! você deve estar achando o
mesmo, não? Um homem tão forte... Tão
charmoso como você... Não vale! Estou
muito feia para você ficar me olhando assim
— falou ela, correndo se esconder atrás de
um biombo. — Eu me recuso a falar com
você, enquanto não tomar um banho e não
trocar esta roupa suja. Estou fedendo a
cavalo e suor.
O xerife, julgando-a geniosa. Era bonita e
interessante. Limpa e bem vestida ficaria
ainda mais tentadora.
— Não está preocupada com seu amigo?
— indagou ele.
— Meu amigo? Aquele desmiolado? Não
me interessa o que aconteceu com ele. Sabe
o que ele pretendia? Vender-me para o dono
deste saloon.
— Que bastardo! Fique tranqüila! Ele
não virá aqui incomodá-la mais.
— Para onde o levaram?
— Ele foi para o trabalho — respondeu o
xerife, laconicamente, sorrindo.
Ela ficou sem entender.
— Mandarei uma das garotas vir aqui
para ajudá-la com seu banho. Logo mais, à
noite, voltarei para vê-la. Quero-a linda e
perfumada a minha espera.
— Estarei aqui, prometo! — sorriu ela,
ainda escondida atrás do biombo.
O xerife, todo convencido, saiu,
antecipando os rapazes de experimentar
uma nova garota naquela noite.
— Porco nojento! — resmungou Jane,
examinando o aposento onde se encontrava.
Não teve muito tempo para isso. Logo em
seguida a porta se abriu e uma garota
entrou.
— Olá, meu nome é Danny e me
mandaram cuidar de você. Pelo que vejo,
não exageraram. Você precisa mesmo de
um banho e de uma roupa mais condizente.
— Está bem, Danny, obrigada pela ajuda.
Danny foi até a porta e retornou,
arrastando uma banheira de metal,
deixando-a no centro do aposento. No
momento seguinte, ela e outras duas
mulheres se revezaram, trazendo baldes de
água para encher o recipiente, misturando
sempre a água, mantendo-a morna e
agradável.
— O que há com esta cidade? — indagou
Jane, quando Danny retornou, desta vez
com sabão e toalhas.
— Como assim?
— Sinto que há alguma coisa
acontecendo por aqui...
— Nada acontece em Parkville, exceto
nos sábados, quando os rapazes vêem para
cá se divertir.
— Que rapazes?
— Os rapazes da mina.
— Que mina?
— Aquela para onde levaram seu
homem...
— Refere-se ao Sam?
— Sim, se for aquele que chegou com
você. Está lá agora e não gostaria de estar
na pele dele.
— Por quê?
— Há coisas aqui que é bom nem saber,
garota. Vá se despindo agora, enquanto
trago o vestido.
— Danny, espero um pouco! — pediu
Jane, aflita. — O que vão fazer com ele lá
na mina?
Em sua mente veio-lhe a imagem daquele
homem no hospital, com o corpo retalhado
por um chicote.
— Quer mesmo saber?
— Sim, conte-me, por favor!
— Não diga que eu lhe disse essas coisas
a ninguém, principalmente ao xerife. Eles
vão acorrentar seu homem e obrigá-lo a
trabalhar. Se protestar será chicoteado. Se
tentar fugir, será morto. Se ficar doente, eles
o deixarão morrer. Assim, o melhor que tem
a fazer e esquecê-lo.
— Esquecê-lo? — retrucou Jane,
pateticamente, sentindo-se inútil diante
daquele quadro aterrador.
— Vamos, tire a roupa agora! — insistiu
Danny. — Para todos os efeitos, ele está
morto. Você está viva, porém, e terá de ser
muito esperta para continuar assim. Agrade
ao xerife. Ele é o dono do saloon. Amanhã é
sábado e o pessoal da mina estará aqui. Faça
com que eles bebam. Poderá cobrar até cem
gramas de ouro daqueles que quiserem se
deitar com você...
— Cem gramas? — surpreendeu-se ela.
— Sim, é o que uma garota nova vale por
aqui. Enquanto você for novidade,
aproveite.
— E o xerife, como é ele?
— Violento, quando contrariado, mas
sabe ser carinhoso quando quer. Gosta de
bater, mas não tem a mão pesada. Assim, se
ele a espancar, grite bem alto, como se ele
estivesse moendo seus ossos, entendeu?
Jane ficou boquiaberta olhando a outra
falar aquilo com tanta naturalidade. Não
podia admitir aquele tipo de comportamento
tão passivo, diante da tirania de um homem.
— Está falando sério mesmo, Danny?
— Sobre o xerife?
— Sim, sobre apanhar e não reagir...
A outra olhou-a com uma expressão de
puro medo no rosto. Seus olhos fixaram-se
nos de Jane, como se ela tentasse entender o
pensamento daquela recém-chegada à
cidade.
— Venha até aqui — pediu Danny,
tomando-a pela mão e levando-a até a
janela.
Apontou na direção de uma colina, não
muito afastada da cidade.
— Sabe o que é lá?
— Pelo que vejo, é um cemitério, não?
— Sim, e é para lá que vão as garotas que
tentam reagir contra o xerife. Como eu disse
a vocês, ele pode ser violento... Muito
violento...
Jane encolheu-se toda, percebendo agora
a dimensão da encrenca onde se metera.
Na semi escuridão da mina, Sam
golpeava ferozmente a muralha de entulho a
sua frente. Já nem sabia mais dizer o que
doía mais, se a surra que levara ou seus
músculos, prestes e se arrebentarem pelo
esforço constantes.
Junto dele, outros homens, igualmente
mergulhados na poeira, faziam o mesmo,
gemendo a cada novo golpe. Bem atrás,
livres da poeira e do calor insuportável,
quatro guardas, de armas nas mãos,
conversavam e riam, vigiando os
prisioneiros.
— Escutem! — disse Sam aos demais
homens com ele. — Há algum modo de
fugir daqui?
Os homens se entreolharam, balançaram
as cabeças num sinal de desânimo, depois
continuaram seu doloroso trabalho.
— Vocês não perceberam ainda, seus
idiotas? — falou ele, furioso. — ficar aqui é
morte certa.
— Esqueça! — falou um deles.
— Por quê?
— Porque tentar fugir também é morte
certa. Ninguém escapou daqui ainda.
— Enganam-se. Um homem escapou
daqui. Um negro, que deixaram jogado
numa ravina. Conseguiu se arrastar até a
estrada e ir à procura de ajuda.
— Negro? Ravina? Foi Noah, pessoal!
Tem certeza que ele está vivo? — indagou
um deles.
— Sim, foi quem falou sobre o que está
acontecendo aqui...
— Falou? E você, quem é?
— Alguém que ficou sabendo disso,
apenas isso — descartou.
Não seria prudente revelar sua verdadeira
identidade naquele momento. Pressionados
como eram, aqueles homens poderiam
vender a alma ao diabo por um pouco de
descanso.
— Acha mesmo que é possível escapar
daqui? — perguntou outro deles,
demonstrando certo interesse.
— Sim, basta planejar com cuidado.
Alguém aqui conhece bem a região?
— Todos nós conhecemos...
— Quando poderemos falar com calma?
— À noite, após o escurecer, quando nos
recolherem. Só que vamos estar cansados
demais para qualquer coisa.
— Mais força nessas picaretas, seus
molóides — gritou um dos guardas,
avançando com o chicote na mão.
Com o movimento rápido ele agitou o
látego no ar, fazendo-o ir estalar nas costas
de Sam, que sentiu o gosto de sangue em
sua boca, tamanha a dor provocada.
O sangue começou a escorrer, molhando
sua camisa. O corte ardia como fogo.
Imprimiu mais vigor na picareta, olhando
com o canto dos olhos seu agressor.
Era o mesmo que usava suas armas. Sam
debitou aquela chicotada na conta que
deveria cobrar daquele homem, tão logo
surgisse a oportunidade.
E ele não iria ficar esperando que ele
surgisse. Pelo contrário, pretendia empregar
o que lhe restava de energia para encontrar
uma forma de sair dali o mais depressa
possível.
Estava não apenas preocupado com sua
própria vida, mas com Jane, que deixara
numa grande encrenca ao permitir que ela
viesse com ele.
Quando começou a escurecer, os homens
foram recolhidos e confinados em galpões,
onde receberam um prato de uma comida
gosmenta e mal cheirosa.
— Diabos! isto é comida de porcos —
protestou Sam, deixando seu prato ao seu
lado.
— Cale-se e coma! Não é muito gostosa,
mas sustenta. Vai precisar de todas as suas
forças amanhã, homem — alertou-o um
prisioneiro ao seu lado.
Sam olhou o prato, respirou fundo e o
apanhou. Foi se sentar nos fundos dos
alojamento, junto com outros homens, todos
extenuados.
Ele notou que poucos estavam algemados
a bolas de ferro. Deveria haver algum
motivo especial e ele desejou sabê-lo.
— Acho que formamos uma equipe de
homens especiais, não? — disse ele,
apontando as bolas de ferro.
Os outros não demonstraram muito
interesse na conversa de Sam preocupados
em engolir rapidamente a comida. Todos
tinham o medo estampado em seus rostos.
— Escutem, preciso de ajuda, só isso.
Acabo de chegar aqui e não gostei do
tratamento, da comida e das instalações.
Pretendo ficar apenas o necessário e dar o
fora o mais cedo possível. Só me
respondam o seguinte: como é que se foge
daqui?
Os homens entreolharam-se e sorriram,
balançando as cabeças com incredulidade.
Quando voltaram a encarar Sam,
perceberam, pela expressão do rosto dele,
que ele falava sério realmente.
— Quer mesmo saber? — indagou um
homem barbado e muito forte.
— Sim, claro que sim — confirmou Sam,
com veemência.
— Inicialmente, livre-se dessa bola, se
puder. Em seguida, saia deste alojamento,
se conseguir. Depois, tome a trilha que fica
à esquerda da estrada da mina e corra o
mais depressa que puder.
— Só isso?
— Sim, a trilha vai levá-lo direto a
Parkville, onde o xerife lhe dará uma nova
surra e o trará de volta, isto é, se os
capangas do general não o apanharem antes.
Agora, se quiser evitar esse tipo de
aborrecimento, tome o caminho à direita da
mina. Ele o levará direto às ravinas, onde
ficará para sempre.
— Você não é muito otimista nem
animador — disse-lhe Sam, com um sorriso
desanimado.
— Quer saber de uma verdade
irrefutável, forasteiro?
— Bom, depois de tantas más noticias,
uma a mais não fará diferença alguma.
— Você acabou de chegar e ainda não
descobriu. Leva pouco tempo, posso lhe
garantir. Vou apenas antecipar para você,
estamos mortos, homem! Mortos, entendeu?
Sam encarou-o, incapaz de aceitar aquela
realidade terrível.
— Não eu, meu amigo! Não eu! pretendo
sair daqui de qualquer maneira, custe o que
custar, ou morrer tentando, então.
— Vai morrer tentando. Como se livraria
dessa bola de ferro, por exemplo?
Sam sorriu e olhou ao seu redor. Os
homens que distribuíam a comida já haviam
saído. Os outros ouviram o desafio e
olhavam para ele com interesse.
O delegado, então retirou o cinto de sua
calça e, com o pino da fivela, escavou no
orifício da algema, até que ela produzisse
um estalido.
Ele ergueu, então, a corrente, exibindo a
algema aberta, fazendo com que uma
centelha de esperança brilhasse nos rostos
daqueles homens condenados.
— O que achou? — indagou Sam ao
grandão.
— Muito bom, realmente hábil, rapaz,
mas os problemas de sua fuga apenas
começaram.
— Só preciso que me ajudem a descobrir
uma forma de superar os outros. Vocês
conhecem o lugar e a região. Só precisam
me contar o que sabem — falou ele,
voltando a fechar a algema em seu
tornozelo.
Pouco a pouco o cansaço havia dominado
os homens naquele alojamento imundo e
desconfortável. Muitos já haviam procurado
a melhor acomodação para dormirem sobre
as tábuas nuas e eram logo vencidos pelo
sono.
Sam apoiara-se precariamente a uma das
paredes, evitando que suas costas
machucadas pela chicotada tocassem a
madeira. Pensava numa forma de sair dali.
Os homens haviam tentando dissuadi-lo,
avisando que era loucura tentar.
Ele se recusava a aceitar isso. Sua
preocupação com Jane aumentava.
Continuava se sentindo responsável por ela,
apesar de ainda julgar desmiolada e
teimosa.
Se fosse esperta, poderia se arrumar
sozinha. Só que estava longe de conforto e
da proteção de uma grande cidade. Ali, no
oeste, a lei era feita visando interesses de
quem fosse o mais poderoso.
Era o que acontecia em Parkville, onde
aquele general maluco parecia mandar.
Subitamente, no silêncio cansado do
alojamento, alguém começou a rir.
— O que foi, Hollyrock? — indagou
alguém.
— O Ed, de armas novas... Vocês viram?
Parecia um palhaço mal agüentando o peso
daquele cinturão — contou o homem,
sempre rindo.
— Sim ,estava cheio de posse...
— Aposto que nem sabe como usar
armas como aquelas...
— Ele fez isso para impressionar a
namorada...
— Hoje ele terá alguma coisa grande para
mostrar para a namorada — acrescentou
outro e todo o alojamento ria, divertido com
os comentários que iam sendo
acrescentados.
Sam ouviu tudo atentamente e procurou
se aproximar do foco inicial daquela
estranha e histeria diversão.
— Quem é o Ed? — indagou Sam.
— Você é o novato?
— Sim...
— Ed é o sujeito que ficou com suas
armas...
— E ainda me deu algo em troca —
comentou Sam, sentindo a pele das costas
arder ainda.
— Ed vai todas as noites para a cidade.
Ele tem uma garota lá no saloon. Ela não
recebe mais ninguém e Ed a paga com o
ouro que rouba da mina. Mesmo assim, é
um dos homens de confiança do general,
um privilegiado.
— E esse general, quem é essa figura,
afinal de contas? — quis saber Sam,
percebendo que, agora, o pessoal parecia
mais disposto a falar.
— Ninguém sabe dele. Só o conhecemos
quando viemos para cá. Mas tem pinta de
louco, como tem. Com aquele roupa do
exército confederado, parece o próprio
senhor dos escravos, não?
— E esse Ed vai e volta toda noite? —
insistiu Sam.
— Sim, como um relógio. Sai daqui após
o jantar e retornar ao amanhecer. Aquele
maldito tem do bom e do melhor, enquanto
nós morremos aqui.
Sam pensou por instantes, vislumbrando
uma chance de escapar dali. Retirou o cinto
e, novamente, usou o pino da fivela para
abrir a algema.
Levantou-se e foi até a porta, espreitar lá
fora. Havia dois homens próximos dali,
portando espingardas.
— Diabos! — praguejou Sam.
— O que pensa que vai fazer? —
perguntou um deles.
— Dar o fora daqui, já disse. Acho que
há um meio de sair sem ser notado, pelo
menos até o dia amanhecer — explicou ele.
— Quer mesmo sair? — falou alguém.
— Não desejo outra coisa...
— Pelo telhado, você chega até o
barranco. Se estiver disposto a arriscar o
pelo, é só escapar e subir a montanha, ou
descer por ele e ir até o estábulo.
Olhou imediatamente para cima. Traves
sustentavam o teto, mas eram altas.
Precisaria de ajuda.
— Preciso que alguém me levante até
aquela viga — disse ele.
O grandão, com quem Sam havia
conversado algum tempo antes pensou por
instantes, depois se levantou e foi até lá.
Com extrema facilidade levantou Sam em
seus ombros, de onde ele pôde chegar até a
viga.
Os músculos e o corpo doíam
terrivelmente. Ele procurou um ponto onde
as telhas estavam soltas, abrindo uma
passagem por ali. Estava cansado, mas
decidido.
A preocupação com Jane e um ódio
mortal àqueles homens dava-lhe forças
extras para vencer a dor e o sofrimento. No
telhado ele respirou fundo algumas vezes,
recuperando as energias.
Viu, então, o barranco, contra o qual fora
construído o alojamento. Avançou pelo
telhado e depois, com cuidado, desceu até o
chão.
Lembrou-se do que lhe haviam dito no
interior do alojamento. Indo pela esquerda
chegaria à trilha que conduzia à cidade. Por
ali seguramente passaria Ed, em sua visita à
namorada.
Sam tinha um plano que talvez
funcionasse e o levasse inteiro até a cidade,
à procura de Jane. A idéia era bem simples.
Se conseguisse apanhar Ed e tomar seu
lugar, não teria dificuldades para passar
pelos guardas.
Observou atentamente, descobrindo a
posição de todos os guardas da noite.
Depois, evitando-os, conseguiu chegar até a
trilha que levava à cidade.
Avançou cautelosamente por ela. Num
ponto oculto dos guardas que estavam no
alto dos morros, havia uma árvore com um
dos galhos se projetando sobre a estrada.
Era o ponto ideal para a emboscada.
Apanhou um pedaço de madeira pesada e
dura e subiu rapidamente na árvore,
posicionando-se e aguardando
impacientemente.
Não precisou esperar muito. Pouco
depois, o ruído de cascos alertava-o da
aproximação de um cavaleiro. Só poderia
ser o Ed, concluiu.
O maldito havia se apossado também do
cavalo de Sam.
— Vai ter o que merece — sentenciou o
delegado.
quando o pistoleiro se aproximou, Sam
desferiu-lhe um golpe no alto da cabeça,
com tudo que lhe restava de força no corpo
ainda.
O ruído desagradável deu a entender que
a cabeça do pistoleiro fora partida. Ed
deslizou pela sela como um boneco
desarticulado, amontoando-se na poeira.
Sam saltou sobre a sela do cavalo e, dali,
para o chão. Apanhou suas armas, depois
arrastou o corpo de Ed para um local
escondido. Pegou seu chapéu e seu casaco.
Tinha pressa agora de chegar à cidade.
Jane estava apreensiva demais com a
chegada da noite, pois ela traria consigo o
xerife. Estava sozinha no quarto e usava um
vestido um tanto escandaloso para o seu
gosto, mas adequado para uma garota de
saloon.
De repente, à porta se abriu e Danny
apareceu.
— Venha, vou lhe mostrar algo — disse a
Jane, atravessando o quarto e indo até a
janela.
Jane a seguiu.
— O que está havendo? — quis saber a
jornalista.
— Eles vão sair novamente.
— Eles? Quem são eles?
— Olhe lá — apontou Danny, na direção
da cadeia.
Diante do prédio, quatro cavaleiros
montavam. Um deles era o próprio xerife.
Logo em seguida, um grupo de mais meia
dúzia de homens veio para a rua e se juntou
a eles. Levavam correntes e chicotes e
pareciam ter um objetivo determinado, pois
saíram a galope pela rua.
— O que eles vão fazer? — indagou
Jane.
— Caçar escravos. Devem estar
precisando muito de gente lá na mina.
— São caçadores de escravos? mas Não
vi nenhum negro por aqui?
— Não precisa. Há brancos que podem
fazer o mesmo trabalho que os negros. Esta
noite eles vão apanhar alguém por aí, com
certeza. Alguém que esteja de passagem
pela cidade, como seu homem, ou que tenha
chegado para se estabelecer. Será como se
tivessem sumido no ar.
— E o povo da cidade, não reclama?
— A maior parte deles está empregada
como guarda lá na mina e acha muito bom.
O general paga em ouro e todos ficam
satisfeitos.
Jane sentiu um calafrio percorre sua
espinha. A historia era absurda demais,
terrível demais, mas precisava ser contada.
Tinha de conseguir a oportunidade de
contá-la.
Pensou em Sam, na encrenca que o
metera com aqueles homens maus e se
preocupou por ele. Ficou ali, na janela,
olhando a rua, enquanto Danny se retirava e
o saloon começou a encher-se de homens.
Ficou aliviada sabendo que o xerife não
viria logo. Tinha algo sujo a fazer.
De repente, observou um cavaleiro que
descia a rua sozinho. Um arrepio percorreu-
a. Conhecia aquele jeito de se sentar na sela.
Conhecia aquela figura muito bem.
— Sam! — murmurou ela, reconhecendo
o cavalo também.
Ele parou diante do saloon. Jane abriu a
janela e pôs a metade do corpo para fora
para chamá-lo desesperadamente.
O delegado levantou a cabeça. Seu rosto
demonstrava o que fora aquele dia para ele.
— Jane! — murmurou ele, com alivio.
— Sam, que bom que esteja vivo!
— Vou tirá-la daí agora mesmo — disse
ele desmontando e entrando no saloon.
Quando entrou, o silêncio caiu sobre o
local. os homens da cidade, que não
trabalhavam na mina, levantaram a cabeça.
Um murmúrio percorreu o saloon. Logo
todos souberam quem era aquele fantasma
parado à porta.
Reconheceu dois homens que
conversavam com o barman. Haviam
ajudado a surrá-lo naquele dia. Ao vê-lo, os
homens arregalaram os olhos, incrédulos.
— Não sei como conseguiu fazer isso,
homem, mas foi a maior besteira que já fez.
— falou o barman, contornando o balcão e
surgindo com uma espingarda de cano
serrado nas mãos.
— É um imbecil, o maior imbecil que já
conheci em toda a minha vida. Fugiu da
mina e veio direto para cá — disse outro.
Os três enfileiraram-se diante de Sam. O
restante ou saiu apressadamente ou
encostou-se na parede para assistir ao
confronto.
— Onde está a garota? — indagou ele.
Naquele momento, Jane havia deixado o
quarto e avançado pelo corredor. Parou no
alto da escada, com o coração na mão ao
ver a cena lá embaixo.
Por momentos conseguiu distrair a
atenção dos homens. Sam não perdeu a
oportunidade, ao ver que ela estava bem.
Sua sede de vingança era terrível.
Seus Colts voaram para fora dos Coldres,
vomitando chumbo e fumaça. Ele disparou
duas vezes com a mão direita e uma com a
esquerda.
O barman apertou o gatilho de sua
espingarda quando estava caindo, abrindo
um rombo no teto. Sua cabeça fora aberta
por um balaço certeiro.
O homem ao seu lado rodopiou e levou a
mão ao peito, tentando estacar o sangue que
jorrava abundantemente de seu coração
traspassado.
O terceiro, também com um buraco no
peito, rodopiou e foi bater no balcão, onde
tentou se segurar, mas acabou escorregando
para o assoalho, onde estrebuchou e ficou
imóvel.
— Sam! — exclamou Jane, descendo a
escada apressadamente e correndo jogar-se
nos braços dele.
— Fizeram-lhe algum mal? — indagou
ele, guardando suas pistolas ainda
fumegantes.
— A mim não, mas vejo que judiaram de
você — observou a jovem, examinando-o.
— Isso aqui é o próprio inferno —
declarou ele. — Eu entrei nele e saí.
— Sim, é muito pior que imaginamos. O
xerife acaba de sair com mais alguns
homens. Vão caçar escravos.
— Onde?
— Numa fazenda ao norte daqui — falou
Danny, no alto da escada. — Conheço os
rapazes, já estiveram aqui, Jane. O xerife
vai acorrentá-los também...
— Pode me mostrar o caminho, moça?
— indagou Sam.
— Sim, não será difícil chegar lá,
garanto.
— Onde estão minhas credenciais e meu
distintivo, Jane?
— Vou buscá-los. Acha mesmo que está
em condições de ir atrás deles?
— Eu não perderia esta chance por nada
no mundo — assegurou ele, completando a
carga de balas de seus Colts, enquanto Jane
disparava escada acima.
Em algum ponto ao norte da cidade, o
inferno se abatia sobre aquela família. Os
quatros homens estavam acorrentados e
haviam sidos chicoteados, enquanto a velha
senhora implorava, caída aos pés do xerife.
A velha casa onde eles se abrigavam
havia sido incendiada. Os homens agora
lançavam seus laços contra os alicerces da
nova casa em construção e puxavam-nos,
derrubando-os.
— Por favor, xerife! Eles nada fizeram,
não pode permitir isso — suplicou a
mulher.
— Ora, não me amole — disse o xerife,
com rispidez, chutando-a.
— Seu animal! — gritou o chefe da
família, encontrando forças para se levantar
e correr na direção do homem da lei.
O xerife sorriu com escárnio e manobrou
seu cavalo para cima dele, quase
pisoteando-o. Um dos seus asseclas se
encarregou de chicotear novamente o
homem caído.
— Levante-se, idiota! guarde suas forças
para o trabalho que o espera amanhã —
disse.
— Prenda-nos uns aos outros. Assim não
se debaterão tanto — ordenou o xerife.
Os homens terminaram de derrubar os
alicerces da casa, depois apanharam mais
correntes e foram prendendo os capturados
entre si.
— O que pretendem fazer conosco? —
indagou um dos rapazes.
— Vão para a mina!
— Não, por favor, não os leve! não sei o
que será de mim — lamentou a mãe.
— Pois então vamos ajudá-la a decidir a
questão — falou o xerife, sacando sua arma
e, com firmeza absoluta, disparou na cabeça
da mulher.
O sangue transformou o rosto dela numa
estranha e macabra máscara. Ela caiu para
trás, boca aberta e olhos esbugalhados e
assustados.
— Maldito! — gritaram os homens da
família, tentando atacar o xerife, mas
embaraçaram-se nas correntes e caíram.
O xerife e os homens que o
acompanhavam riram da situação,
brandindo seus chicotes. Gemidos de dor e
estalos se ouviram na noite.
— Levantem-se! Ou vocês se comportem
ou vamos arrancar-lhes a pele — ameaçou o
homem da lei.
Naquele momento, guiado pelas
labaredas da velha casa que ardia, um
cavaleiro se aproximava a toda.
— Quem será? — quis saber o xerife.
— Na certa algum dos nossos chegando
atrasado para a festa — explicou um dos
pistoleiros, ainda rindo.
Como um cavaleiro do apocalipse saído
do ventre escuro da noite, Sam avançou,
com as armas em punho e a revolta em seu
coração.
— Demônios! — gritou alguém. — Ele
também usa um distintivo — observou em
seguida, quando as chamas iluminaram o
cavalo que se aproximava.
— Diabos, é aquele forasteiro, xerife!
— O que está fazendo aqui? como fugiu
da mina? — indagou o xerife, possesso.
— Seus animais nojentos, malditos
torturadores! — berrou Sam, começando a
atirar.
Suas armas dispararam com incrível
precisão. Um a um, como folhas
despregadas de uma árvore à passagem de
um vento forte, os pistoleiros foram
tombando e estrebuchando na relva.
Passou por entre os pistoleiros como um
furacão e sumiu atrás das chamas. Quando
retornou, havia remuniciado suas armas e as
postos nos coldres.
O xerife e mais três homens olhavam,
atônitos, o estrago feito. Meia dúzia deles
estava tombada, imóvel, os rostos
assustados iluminados pelas chamas.
Todos os olharem se voltaram para Sam.
— Foi um tolo em ter vindo aqui,
maldito. E esse distintivo, o que significa
isso? — falou o xerife.
Os homens começaram a rodear Sam, que
percebeu a manobra mas não se intimidou.
As rédeas estavam soltas no arção da sela.
As mãos pendiam ao lado das coronhas
serrilhadas.
— Sou Samuel Bakley, delegado federal
e estou aqui para acabar com toda essa
injustiça que estão cometendo. Pode fazer
sua escolha, xerife. Morrer aqui ou
pendurado na ponta de uma corda.
O xerife começou a rir, embora não visse
muita diversão naquela situação. Aqueles
corpos imóveis ao seu redor demonstravam
que o homem a sua frente sabia usar uma
arma.
— Tem muito peito para vir aqui assim,
delegado.
— Estou esperando sua decisão, xerife.
Solte a arma e renda-se ou o levarei para a
cidade atravessado na sela.
— Ouviram isso, rapazes? — falou o
xerife, começando a rir, como se o delegado
tivesse dito uma grande piada.
Sam esbouçou também um leve sorriso,
enquanto sacava suas armas de novo.
A primeira bala penetrou pela boca aberta
do xerife, arrebentando-lhe os dentes e
saindo pela parte de trás da cabeça, levando
sangue, miolos e cabeças.
Com sua pirueta, o homem da lei foi
jogado para trás, rolando sobre o lombo de
seu cavalo. os outros três tentaram atirar,
mas não tiveram a menos chance.
Foram arrancados das selas e atirados
para trás por certeiros balaços que vararam
seus corpos mortalmente.
— Vocês estão bem? — indagou Sam aos
prisioneiros, enquanto saltava do cavalo
para atender a mulher ferida.
— Apenas com a pele arranhada, mas
vamos viver. E ela, como está? —
preocupou-se um dos rapazes.
Com dificuldades os quatros homens se
aproximaram, lutando contra as correntes
que prejudicavam seus movimentos.
— Está morta! — declarou Sam, com
tristeza.
O desespero se abateu sobre os quatros
homens.
— Vocês também precisam de cuidados
— observou Sam, notando os cortes
produzidos pelos chicotes. Há um médico
na cidade?
— Sim, mas ele não ousará cuidar de nós,
quando souber o que sofremos.
— E por que não?
— Chicotadas são marca registrada por
aqui, delegado. Todos temem aquele
general, dono da mina.
— Eu estou pouco me importando com
ele. Vou libertá-los. Depois quem estiver
melhor vai comigo até a cidade para trazer o
medico.
— É um homem muito corajoso,
delegado, e nós o agradecemos por isso.
Sou John Connors e estes são meus filhos,
Zake, Billy e Morgan.
— Lamento o que aconteceu aqui e não
ter podido chegar a tempo para salvar esta
senhora. Mas prometo que isso não ficará
impune — assegurou o delegado, indo
revistar os bolsos do xerife e dos outros, até
encontrar o que procurava. — Aqui estão as
chaves dos cadeados. Livrem-se dessas
correntes.
— Não nos esqueceremos do que fez por
nós esta noite, delegado — falou John. —
Se precisar de ajuda, sabe onde encontrá-la
agora.
— É bom saber disso — respondeu Sam.
— Agora vamos, vocês precisam de
cuidados.
Billy foi destacado para acompanhar Sam
até a cidade. Lá eles se dirigiram a casa do
médico, onde o delegado bateu com
insistência na porta.
— Há alguns homens feridos por
chicotadas ao norte daqui, doutor.
Acompanhe este rapaz até lá — ordenou o
delegado, fazendo com que o outro visse
claramente seu distintivo.
O médico hesitou por instantes, olhando a
expressão marcada e dura do homem da lei.
— Está bem, já vou pegar minhas coisas
— falou o médico.
Pouco depois partia na companhia de
Billy. Sam foi para o Saloon. havia algumas
pessoas lá, atraídas pelo tiroteio de antes.
Ele passou por elas, empurrando-as com os
cotovelos. Jane correu para ele.
— Sam, você corre grande perigo. Já
foram avisar o general lá na mina...
— Certo — respondeu ele, demostrando
cansaço. — Sabe manejar uma espingarda?
— indagou ele à garota.
— Sim, mas para quê?
— Vamos para a cadeia. O xerife não vai
precisar dela mesmo. Quero que você vigie,
enquanto eu durmo.
Na mina, o general pesava
cuidadosamente os saquinhos de ouro em
pó, fechava-os e marcava seu número e
peso num livro. Foi quando chegou
informação do que estava acontecendo na
cidade.
— O que está dizendo? — indagou o
general, levantando-se possesso,
esmurrando a mesa com as duas mãos,
fazendo saltar o que estava sobre ele.
— Aquele bastardo é um delegado
federal, general. Não sei como conseguiu
escapar daqui. Ninguém deixou o
acampamento, além do Ed...
— E onde está ele agora?
— Ninguém sabe. Não chegou à cidade...
— Imbecis... Podem procurar por aí que
vão achá-lo morto. É fácil deduzir como
aquele maldito saiu daqui. Mas o que ele
está fazendo na cidade? É mais louco do
que pensei. Tudo bem, pessoal. Vamos
manter a calma. Ele está facilitando as
coisas para nós. É apenas um homem e nós
somos muitos.
— Então deixe-nos cuidar dele agora
mesmo — pediu um dos pistoleiros.
— Acha que vai poder com ele?
— Claro que sim. Levo meia dúzia de
homens e...
O general não respondeu. Sentou-se e
ficou cofiando os bigodes, enquanto
pensava.
— Eu me pergunto por que ele foi para a
cidade? Se é um delegado federal, é tudo,
menos estúpido. Por que ele foi para lá.
Alguém pode me dizer? — indagou ele,
olhando para seus homens.
Eles se entreolharam, sem saber a
resposta.
— Acho melhor pensarmos no assunto.
Reuna um grupo, os melhores homens e vá
para a cidade. Sonde tudo primeiro, antes de
agir. Pode ser que ele tenha algum tipo de
ajuda com o qual nós não contamos. Não
quero erros. Se possível, tragam-no vivo.
Quero ter o prazer de cortar-lhe o couro a
chicotadas — decretou o general.
Ainda que tentasse, Jane que não
conseguia pregar os olhos naquela noite.
Com uma enorme espingarda em suas mãos,
caminhava de um lado para outro da cadeia,
olhando a todo momento pela janela.
Sam dormia profundamente e
tranqüilamente numa das celas e ela não
conseguia entender como ele podia fazer
aquilo. Havia um silencio sinistro pairando
sobre a cidade. As ruas estavam vazias. Os
nervos da garota à flor da pele.
Suportou corajosamente aquela noite de
vigília, cheia de sobressaltos. quando a
claridade do dia surgiu, ela foi acordar Sam,
conforme ele pedira.
Ao se mover na cama, ele gemeu.
— O que foi? — quis saber ela.
— Minhas costas...
— Deixe-me ver isso — pediu ela.
Sam virou-se para o lado. Jane notou que
a camisa limpa que ele pusera na noite
anterior colara-se ao corte feito pela
chicotada.
— Rapaz, isso deve doer um bocado —
comentou ela, puxando rapidamente o
tecido e descolando-o.
— E como dói! — murmurou ele,
cerrando os dentes, sentindo o sangue
escorrer mornamente pelas suas costas.
— Acho que deve ter alguma coisa para
ferimentos por aqui — comentou Jane,
começando a vasculhar gavetas e armários.
— Depois pegue uma outra camisa para
mim. Está no alforje da sela...
— Certo — concordou ela.
Havia encontrado um pouco de uísque e
ataduras. Não era muito, mas já daria para
limpar o ferimento. Antes de ir atender
Sam, foi buscar a camisa. Ao abrir a porta,
percebeu o grupo de cavaleiros que entrava
na cidade e avançava ameaçadoramente
pela rua principal.
Correu até Sam. ao ver a expressão no
rosto dela, ele se pôs em pé num salto.
— Eles estão vindo — disse ela, num fio
de voz.
— Onde estão?
— Entrando na rua principal.
— muitos?
— Uns dez. O que vai fazer?
— Acho que vai ter de mostrar que sabe
usar aquela arma — falou ele, já com o
cinturão afivelado nos quadris e
examinando as cargas dos Colts.
Jane foi apanhar a espingarda e munição,
enquanto Sam ia até a janela contar o
número de pistoleiros que vinha ao seu
encontro.
— Sete apenas, mas me parecem muito
dispostos — comentou ele.
Os sete cavaleiros pararam diante da
delegacia. A maioria deles tinha
espingardas de cana serrado e apontavam-
nas para a porta e janelas.
— Ei, delegado! Sabemos que está aí —
disse um deles. — Tem um minuto para
sair.
— Um minuto é muito tempo —
comentou Sam, olhando-os pelo canto da
janela.
Mirou um homem que acabara de falar e
apertou o gatilho. Os olhos do pistoleiro se
esbugalharam e ele rodopiou sobre a sela,
estatelando-se na poeira.
Os outros se assustaram de procurar
abrigo. Sam ainda atingiu mais um deles na
confusão, jogando-o dentro do bebedouro
em frente à loja do outro lado da rua, ao
lado do saloon.
— Agora são cinco! — exclamou.
— Estamos encurralados — disse Jane,
assustada quando a fuzilaria começou.
— Abaixe-se e não levante a cabeça por
nada. Deixe-os gastarem munição a toa.
As balas choviam na delegacia,
arrancando lascas das paredes e quebrando
os vidros das janelas. Sam nem se
preocupou em responder ao fogo. Seria até
uma temeridade levantar a cabeça naquele
momento.
Do outro lado da rua, Josh Leigh assumiu
o comando do grupo de pistoleiros.
— Muito bem, homens. Já vimos que ele
não brinca em serviço. Bill, vá até o
armazém e traga querosene. Vamos fazer
alguma tochas e pôr fogo naquela porcaria
de delegacia.
— Mas o general o quer vivo... — avisou
alguém.
— Eu sei., Que dois de vocês com uma
rede em cima do telhado. quando o fogo e a
fumaça o forçarem a sair, quero que o
peguem.
— Grande idéia, Josh! — elogiaram,
tratando de fazer o que Josh ordenara.
Lá dentro Sam havia ouvido a ordem e
pensava numa maneira de sair daquela
enrascada.
— Delegado! — gritou Josh, que havia
ficado diante da cadeia, controlando a
situação com outros pistoleiros.
— Pode falar — respondeu Sam.
— Vou lhe dar mais uma chance.
entregue-se por bem...
Não chegou a terminar. Uma bala
assobiou por sobre sua cabeça.
— Está bem. Se quer assim, assim será,
delegado.
Lá dentro, Sam se voltou para Jane, que o
olhava assustada.
— E agora? — indagou ela.
— Calma, deixe-me pensar.
— Eles vão nos queimar aqui dentro...
— De qualquer forma, estaremos mortos
mesmos. Temos chances. Só preciso
descobrir onde está cada um deles. Só
restam cinco.
— Sam, estou morrendo de medo...
— Coragem, Jane. Está conseguindo sua
melhor história.
— Grande consolo!
Lá fora haviam preparado as tochas. Dois
homens estavam no telhado, segurando uma
rede para capturar escravos em fuga.
— Vamos lá! — determinou Josh.
Depois pistoleiros se esgueiraram juntos
as paredes vizinhas à cadeia, levando tochas
e galões com mais querosene. O destino de
Sam e de Jane parecia selado.
De repente, quatro cavaleiros fortemente
armados entraram a galope na cidade.
Traziam o ódio nos olhos e a cólera nas
mãos que empunhavam armas prontas para
abrir fogo.
Por um momento, Josh e seus homens
julgaram que erma reforços chegando. Esse
momento de distração custou-lhes as vidas.
Os quatros cavaleiros começaram a atirar.
Os dois homens sobre o telhado rolaram e
foram se estalar na poeira como frutas
podres caídas do pé.
Os que levavam as tochas tentaram se
proteger, mas não houve tempo. As balas os
atingiram pelas costas, jogando-os contra a
parede e, depois, de volta para a poeira da
rua.
Josh, aturdido, saiu para o meio da rua,
sem saber para que lado apontar sua arma.
Jimmy Connor lançou seu cavalo sobre ele,
pisoteando-o impiedosamente.
Josh ainda tentou levantar a arma, mas os
fazendeiros não lhe deram tréguas,
disparando suas armas contra ele, sem
piedade. Crivado de balas, seu corpo ficou
imóvel no chão, vertendo sangue.
Sam deixou a cadeia para receber seus
amigos.
— É um prazer vê-los de novo, amigos.
Parecem bem melhores hoje.
— Chegamos a tempo, delegado?
— Felizmente sim. Obrigado pela ajuda.
— Pois estamos aqui para isso, delegado.
Pode nomear-nos seus ajudantes.
— Será uma ajuda preciosa, John.
Obrigado! — falou Sam.
Enquanto os homens desmontavam, ele
olhou ao redor, procurando por Jane. Não a
vendo, correu para o interior da delegacia.
Ela estava caída junto da janela.
— Jane! — exclamou Sam, penalizado,
abaixando-se e examinando-a. — ela foi
ferida!
John Connors e outros chegaram em
seguida.
— Não, delegado, não está ferido —
falou o fazendeiro. — Está apenas
dormindo, por incrível que pareça.
— Dormindo? — duvidou Sam,
percebendo que ela não tinha mesmo
nenhum ferimento.
Tomou-a nos braços, então, levando-a
para uma cela e acomodando-a na cama.
Olhou-a por instantes, com ternura, depois
foi ao encontro de John e de seus filhos.
— Como vai ser agora, delegado? — quis
saber John.
— Ainda não sei, mas garanto que não
será fácil.
— O general virá com tudo contra nós,
não?
— Sim, com certeza.
— Acha que teremos alguma chance
contra ele e seus homens?
— Já provamos que sim. Vamos usar a
cabeça contra eles.
— Como assim?
— Vamos começar nos preparando. Vou
requisitar munição no armazém.
— Nós iremos buscar — prontificou-se
dois dos rapazes.
— Certo, tragam comida também. Talvez
tenhamos que ficar aqui por algum tempo.
Acham que encontraríamos mais alguma
ajuda na cidade?
— Muito difícil, delegado. Ninguém vai
se pôr contra o general por aqui. De um
modo ou de outro, todos aqui lucram com a
mina. O ouro escorrega para a mão de cada
uma das pessoas daqui. O general e seu
ouro compraram todos.
— É uma estranha cidade, corrompida e
covarde — lamentou o delegado federal.
O general recebeu a notícia de seus
pistoleiros com extrema frieza, até com uma
certa satisfação. Ficou um longo tempo
sentado em sua cadeira, fumando e
pensando, enquanto os pistoleiros, inquietos
e intrigados, aguardavam.
O militar parecia satisfeito de ver
aparecer um adversário a sua altura para
matar-lhe a saudade de antigos campanhas.
Ele se levantou, finalmente, e bateu o
cachimbo na mesa, retirando as cinzas,
antes de guardá-lo.
— Quais são as ordens, general? —
indagou um dos homens.
— Selem meu cavalo.
— Vai pessoalmente à cidade?
— Sim, vou.
Os homens se entreolharam, sem
entender. Raramente o general tomava parte
em coisas como aquela.
Percebendo, porém, a confusão que
provocara entre seus homens, ele sorriu e
explicou:
— Rapazes, esse delegado me faz
lembrar um oficial ianque que enfrentei na
guerra. Comandava um pequeno grupo de
bravos e me enfrentou com galhardia. Uma
de minhas glórias foi ter vencido em
combate aquele oficial.
— Vai comandar um ataque então?
— Não, por enquanto, não. Quero
espionar o inimigo, descobrir-lhe os pontos
fracos e os fortes, sondar o terreno onde ele
combate e só então preparar uma estratégia
para vencê-lo.
— Está bem, senhor — concordaram os
pistoleiros.
Trataram de selar seu cavalo. Momentos
mais tarde, envergando um impecável
uniforme de campanha, o general e grupo
de dez homens partiram.
— Martin, quero que os pistoleiros
fiquem acorrentados. Estaremos fora e não
quero nenhuma surpresa por aqui.
Após essas providências, o grupo partiu
na direção da cidade. O general se sentia
remoçado, com o coração novamente
pulsando e vibrando com aquela emoção
que antecedia as batalhas.
Quando se aproximaram da cidade, ele
deteve o grupo, no entanto, para surpresa
dos homens.
— Vocês esperam aqui — ordenou.
— Esperar, general — espantaram-se
todos.
— Sim. E vou sozinho até a cidade.
Quero dar o que pensar àquele delegado
federal. Dois de vocês vão comigo. Quero
que um entre pelos fundos do saloon e vigie
a delegacia. O outro se posicionará nos
fundos da cadeia, verificando as saídas.
Entendido?
— Sim, general — concordaram eles,
separando os dois homens que seguiriam
com ele.
Sem qualquer outra preocupação, ele
cavalgou confiante até a cidade, como se
estivesse num passeio. Sam e os outros
ficaram surpresos ao ver aquele antiquado
guerreiro descer pela rua principal e parar
diante do saloon.
Ali desmontou mas, ao invés de entrar,
caminhou até o meio da rua.
— Delegado! — chamou com sua voz
possante.
— Diabos! Que espécie de truque é esse?
— surpreendeu-se o homem da lei.
— Eu posso meter uma bala na cabeça
dele agora mesmo — falou um dos
Connors.
— Esperem, vamos com calma. Com
certeza ele deve estar preparando alguma.
Não viria assim, se não se sentisse seguro.
Quero que observem as janelas e os fundos.
Vejam se descobrem quantos homens ele
tem.
— Delegado, quero falar-lhe! — insistiu
o general.
Sam verificou suas armas, depois abriu a
porta lentamente, observando a rua e os
telhados. Saiu para a calçada.
— Estou aqui, o que quer de mim? —
disse, finalmente, atento a qualquer
movimento.
— É um homem esperto e digno
guerreiro, delegado. Isso me agrada muito.
— Veio aqui apenas para me elogiar?
— Poderemos conversar um pouco?
Gostaria que fosse até o saloon. A
cavalgada me deixou com sede e ainda não
tive tempo de lhe demonstrar minha
verdadeira hospitalidade — declarou ele,
para surpresa de Sam.
— Não vá, delegado. Deve ser uma
emboscada — alertou John Connors, na
porta entreaberta.
— Estão vendo mais alguém?
— Não, mas podem estar ocultos em
qualquer parte.
— Acho que ele quer apenas conversar.
Não iria se expor dessa forma. Se fossem
atirar em mim, já o teriam feito —
respondeu Sam, olhando ainda intrigado o
rosto sorridente e divertido do homem no
meio da rua.
— E então, delegado? Tem a minha
palavra de cavaleiro do Sul — insistiu o
outro.
Sam pensou por instantes. Sabia que
houvera um tempo em a palavra de um
homem do sul valia por sua honra. O
general parecia ser um homem de palavra.
— Está bem! Vamos tomar um drinque
juntos — concordou ele, avançando para a
rua.
Caminharam lado a lado até o saloon. O
delegado mantinha as mãos próximas das
armas, pronto para sacar, se fosse preciso.
Sabia que seu primeiro alvo seria o general,
caso aquilo fosse uma cilada.
O saloon estava vazio. O general foi até a
prateleira e escolheu uma garrafa. Apanhou-
a, juntamente com dois copos e levou tudo
para uma das mesas. sentou-se e empurrou
com o pé uma cadeira, fazendo um gesto
para que Sam se sentasse.
Serviu dois copos de bebida. levantou o
seu.
— Ao Sul! — brindou.
— À união! — falou Sam, tocando seu
copo no dele.
Beberam num só gole.
— Delegado, isso aqui estava por demais
monótono. Agradeço-o por ter vindo —
falou o general, servindo novamente os
copos.
— Eu não faria isso, general. Estou aqui
para acabar com sua operação...
— Isso não me preocupa, delegado. Você
está sozinho e eu tenho um pequeno
exército.
— Talvez eu não esteja tão sozinho assim
— afirmou Sam.
O general olhou-o fixamente. Sam
sustentou o olhar.
— Não posso entender por que teve de
agir dessa forma, general...
— Explorar a mina?
— Escravizar pessoas.
— Temos conceitos diferentes sobre isso,
meu caro. Convivi com a escravidão em
nossa propriedade, no sul. Era algo comum
para nós. Na guerra, lutei pela sua
manutenção e contra o absurdo cometido
por Lincoln. Como vê, escravizar pessoas é
algo que não me afeta. Acho-a necessária.
— Não haveria outro modo?
— Não, delegado, pode estar certo que
não. Homens livres roubariam pouco a
pouco meu ouro. Os escravos não podem
fazer isso. Além disso, não tenho de pagá-
los e isso torna tudo mais lucrativo,
percebeu?
— Posso denunciá-lo em Denver,
general. Seu negocio aqui está acabado.
Aposto como o comandante do forte
mandaria com satisfação uma companhia
para cá. como vê, nem preciso enfrentá-lo.
Basta que vá fazer a denuncia.
O general tomou mais um gole e sorriu
confiante.
— Para fazer isso, teria de deixar a
cidade, delgado. Esse é o seu problema
agora. Quanto à mina, vou continuar
explorando-a. Em relação a você, delegado,
sabia que vou matá-lo, mas a minha
maneira.
— Já demonstrei que sei me defender.
Acha mesmo necessário sacrificar mais
vidas?
— Guerra é guerra, delegado. Eu estava
mesmo saudoso de uma boa companhia.
Será como nos velhos tempos. Vou reviver
algumas de minhas gloriosas batalhas pelo
Exercito Confederado. Você e quem mais
que o ajude estão cercados e a minha mercê.
Espero que lutem e resistam bravamente
para valorizar a minha vitoria — finalizou
ele, levantando-se, saudando Sam com uma
continência e caminhando para a porta.
— General! — chamou-o Sam.
— Sim? — indagou ele, voltando-se
ligeiramente.
— O sul foi derrotado.
O rosto dele endureceu-se e seus olhos
destilaram mágoa e fúria.
— Não de todo, delegado. Não de todo
— comentou o general, retirando-se.
Sam tomou mais um gole de uísque,
depois foi para a cadeia. O general retornou
ao encontro de seus homens. Durante o
caminho de volta, preparava sua estratégia
de luta.
Sabia que Sam era um delegado federal e,
como todos, muito esperto e combativo.
Isso valorizava todo o empenho do general
em derrotá-lo.
— Quais são as ordens, general? —
indagou Martin.
— Já vi tudo que precisava ver. Então
encurralados naquela delegacia e vão ficar
lá. Quero que vocês desçam de dois em
dois, a cada meia hora, disparando contra a
cadeia. Vamos enervá-los e cansá-los. Ao
entardecer eu retornarei com o resto dos
homens para o ataque final. Você
comandará o pessoal, Mark. Quero que
Martin volte comigo para organizar as
coisas.
— Está bem, general — concordou Mark
Temple, que ficou comandando o grupo de
homens encarregado.
— Além disso, quero que o homem no
saloon e outro, nos fundos da cadeia,
disparem durante os intervalos das descidas,
mantendo os homens na cadeia sempre em
estado de tensão.
— Eu não queria estar na pele deles,
general.
— Nem eu, Mark. Nem eu — sorriu o
velho general, esporando seu cavalo.
A cidade estava deserta e silenciosa. O
sol inclemente sobre a rua principal. Sam e
seus amigos haviam terminado a refeição
preparada por um dos Connors. Jane
acabara de acordar.
— O que houve? — indagou ela,
surgindo sonolenta.
— Nada de especial, querida. Dormiu
bem? Como se senta?
— Estou ótima. Quem são eles?
— Os Connors, nossos amigos — disse
Sam, apresentando um por um. — Coma
alguma coisa, está delicioso.
Enquanto ela se servia, Sam foi até a
janela, onde John observava a rua.
— Quando acha que atacarão? —
indagou a Sam.
— Vão atacar antes do anoitecer.
— É um palpite?
— Quase uma certeza. À noite teríamos
mais chance de fugir.
— E por que não fazemos isso agora?
— Não iríamos longe. Aquele general é
muito matreiro. Com certeza estamos
cercados. Sair é morte certa.
— Eles são muitos. Precisamos de mais
gente para nos ajudar, mas onde conseguí-
los?
— Onde conseguir gente? — retrucou
Sam, pensando e tendo uma idéia incrível.
— Pensou em algo, delegado?
— É algo meio maluco, mas mataríamos
dois coelhos com uma só cajadada:
conseguiríamos gente para nos ajudar e
ainda deixaríamos o general furioso.
— Como? — quis saber John Connors.
Sam não teve tempo de responder. Um
tropel de cavalos e uma nuvem de poeira os
alertou, no começou da rua principal.
— São uns cinqüenta! — gritou um dos
Connors, alarmado.
Sam olhou com atenção.
— A poeira não anda na frente dos
cavalos — comentou ele, observando
melhor.
De repente, antes que alguém pudesse
impedi-lo, Sam se atirou no meio da rua,
rolando até o outro lado, já com suas armas
nas mãos, bem à frente dos cavalos que se
aproximavam.
Seus Colts vomitaram chumbo e dois
pistoleiros rodopiaram sobre suas selas,
estatelando-se na poeira. Os dois cavalos
continuaram seu trajeto, arrastando galhos e
laços na sela.
— Aí está o exército dele — gritou Sam,
antes de sentir o assobio fúnebre de uma
lata junto de sua orelha.
Atirou-se para o lado, rolando agilmente
na poeira, tentando localizar quem disparar
contra ele.
Viu o homem no alto da sacada do
saloon, engatilhando novamente o rifle e
disposto a não errar de novo. Sam não lhe
deu chance. Suas armas dispararam de novo
e o pistoleiro recuou, até bater
violentamente contra a parede e avançar
para frente, quebrando a amurada e
despencando para a rua como uma fruta
podre.
Tiros foram ouvidos nos fundos da
cadeia. Sam correu para junto de seus
amigos.
— O que está havendo?
— Há alguém disparando contra nós lá
nos fundos...
Sam pensou por instantes, depois saiu
novamente pela porta da frente. A poeira
ainda cobria a rua. Ele se esgueirou pelo
beco e viu o homem oculto atrás de uma
árvore, disparando contra as janelas dos
fundos da delegacia.
Suas armas trataram de silenciá-lo
imediatamente. O pistoleiro gemeu de dor e
soltou o rifle, cambaleando antes de cair
para trás e ficar estrebuchando.
Sam se aproximou dele.
— Por favor... Não quero morrer... —
suplicou o homem ferido.
— Devia ter pensado nisso antes de ter
entrado numa guerra — falou-lhe Sam,
metendo-lhe uma bala no meio dos olhos.
O delegado retornou para a cadeia.
— Está bem, Sam? Não foi ferido? —
indagou Jane, correndo jogar-se nos braços
dele.
— Estaria melhor se estivéssemos em
Denver e você estivesse pintando meu
retrato — disse Sam.
— Também acho — concordou ela.
— Acho que esse general tentou nos
enganar — disse Sam, soltando Jane e indo
para junto das caixas de munição recarregar
seus Colts e municiar os vazios em seu
cinturão.
— Por que diz isso, delegado? — quis
saber John.
— Não estamos tão cercados assim...
Acho até que eu poderia sair daqui e ir fazer
aquilo que me veio à cabeça.
— O que pretende fazer, Sam? —
intrigou-se Jane.
— Libertar um exército. Temos armas e
munição de sobra, mas sei onde encontrar
mais armas e munições e também homens
para usá-las contra o general.
— E se o general nos atacar durante sua
ausência? — lembrou John. — Se usar
todos os seus homens, vai nos esmagar num
piscar de olhos.
— Talvez possamos resolver isso e
ganhar um pouco de tempo. Morgan, venha
comigo — disse Sam e um dos rapazes.
Os dois correram até o armazém, de onde
retornaram com mais armas e munição,
além de uma caixa de dinamite.
— O que vai fazer com isso? — quis
saber Jane.
—Explodir, se for preciso, Jane, pode nos
dar algumas tiras de seu saiote?
— Para quê?
— Por favor! — insistiu ele.
Ela estranhou o pedido, mas o atendeu.
Sam foi amarrando pedaços de peno branco
nas bananas de dinamite. Depois foi até a
porta e as atirou, de um lado e de outro da
rua principal.
— Depois vocês fazem mais e jogam na
rua, como eu fiz. Se houver algum ataque,
atirem contra a dinamite. O pano branco é o
alvo.
— Estou certo que os deteremos com isso
por algum tempo, mas quando escurecer
não veremos as marcas para atirar nelas —
lembrou Morgan.
— Até lá espero estar de volta, rapazes,
com toda a ajuda que precisarmos.
Naquele momento, novo tropel de
cavalos e mais dois cavaleiros começavam a
descer a rua, arrastando galhos e disparando
para o alto.
— Vamos ver se deu certo — disse Sam,
apanhando um rifle. Foi até a janela e
esperou que os cavaleiros se aproximassem
na dinamite mais próxima.
No momento certo, ele abriu fogo. A
explosão jogou cavalo, cavaleiro e galhos
para o alto, como folhas ao vento. eles
caíram em seguida, ficando imóveis na
poeira.
— Ótimo! Funciona! — falou Sam.
— Tome cuidado, Sam — falou Jane,
vendo que ele se preparava para sair.
— Tomarei. Vou aproveitar a poeira que
tomou conta da rua para sair sem ser visto
— declarou ele, correndo para seu cavalo,
amarrado diante do saloon.
O general consultou tranqüilamente seu
relógio, depois voltou a guardá-lo no bolso
da farda. Observou sua espada com orgulho
e respeito. Havia acabado de poli-la.
Sobre a mesa estava seu Colt,
cuidadosamente limpo e lubrificado. O
general carregou-o, cartucho por cartucho,
depois guardou-o no coldre.
A porta se abriu e um dos homens se
apresentou. Era Martin.
— Os homens estão prontos para ir,
senhor.
— Quantos ficarão?
— Cinco.
— E os escravos?
— Agrilhoados, general. Não fugirão.
— Avisou os homens que haverá um
pagamento extra no final da batalha?
— Sim, general. Tudo conforme ordenou.
Ele guardou, então, a espada na bainha
presa à cintura, afivelou o cinturão militar e
deixou a cabana. Seu cavalo o esperava.
Montou-o pomposamente, depois olhou ao
seu redor com satisfação.
Trinta homens armados e dispostos
estavam sob seu comando, prontos para
serem levados para um vitoria naquele
entardecer em Parkville.
— Eu teria preferido não matar aqueles
homens. Seriam mais úteis na mina, mas
não posso resistir à emoção de mais uma
batalha — falou o general, dando o sinal de
partida.
Oculto atrás de algumas rochas, na saída
do vale, Sam observava a passagem da
coluna. O general e seus homens haviam se
descuidado com a guarda e pareciam não ter
pressa para chegar à cidade. Calculou que
planejavam mesmo atacar antes do
anoitecer.
Precisava se apressar, portanto. Com
cautela ele avançou, até ver os cinco
homens diante do alojamento. Os
prisioneiros estavam lá, com certeza.
Aproximou-se o máximo que pôde.
Então, repentinamente, ele se expôs
corajosamente, tomando os guardas de
surpresa. Eles tentaram engatilhar suas
armas, mas Sam foi mais rápido. O eco dos
estampidos ficou ressoando, mas a coluna
liderada pelo general não o ouvira, com o
som de tantos cascos no chão pedregoso,
provocando eco também.
Correu até o alojamento, então, entrando.
— Muito bem, pessoal! Vocês estão
livres! —a visou.
— É aquele novato que escapou —
reconheceu alguém.
— Como conseguiu? E por que voltou?
— Calma, pessoal, um de cada vez —
disse ele, vendo as chaves que prendiam os
cadeados às correntes penduradas junto à
porta, inacessíveis aos prisioneiros.
À medida que os soltava, Sam foi lhe
contando o que estava acontecendo.
— Nós o ajudaremos, Sam. Temos contas
a ajustar com o general e seus homens.
— Vamos fazer isso legalmente, pessoal.
Eu os nomeio Delegado Federais
Temporários. Juram fazer o que eu mandar?
Todos juraram.
— Deve haver um depósito de armas e
munições aqui. Armem-se e selem cavalos.
Há muitos lá no curral. Estou indo para a
cidade. Espero-os lá. Organizem-se para o
combate.
— Como faremos quando chegarmos lá?
— quis saber alguém.
— Se encontrar o general e seus homens,
fogo neles! — explicou Sam, assobiando
para que seu cavalo viesse ter com ele.
No momento seguinte ele partia para a
cidade. Fora um plano improvisado, mas era
tudo que podia dispor no momento.
Quando chegou à colina, de onde podia
observar toda a cidade, o general estranhou
não encontrar os homens que deixaria ali.
Corpos espalhados pela rua principal
indicava qual havia sido o destino deles.
Muitos estavam caídos junto a pedaços de
seus cavalos, destroçados pelas explosões
que os Connors haviam provocado.
— Que diabos aconteceu aqui? —
indagou o general. — Onde estão os
homens que deixei? — acrescentou,
olhando pelo seu binóculo novamente.
— Parece que estão todos mortos —
disse Martin, que havia observando
também.
— Diabos, mil vezes diabos! Que truque
estão usando? — comentou o general. —
Aquele bastardo é mais perigoso do que eu
imaginava.
— Quais são as ordens, general?
Ele pensou por instantes. Precisava
descobrir o que estava acontecendo ali
realmente.
— Quero um grupo de cinco homens
realizando ataques de saturação. Vão descer
e subir aquela rua, disparando contra a
cadeia. Quando seus cavalos se cansarem,
outros cinco entram em seus lugares.
Por momentos, Martin separou os
homens que comporiam o primeiro grupo.
Eles examinaram as armas, depois
aguardaram o sinal do general.
— Ao ataque! — ordenou ele, com o
dedo em riste apontando na direção da
cidade.
Os cincos cavaleiros desceram
velozmente a colina e entraram na rua
principal da cidade, avançando
resolutamente. Começaram a disparar
repetidas vezes.
Numa das janelas, Morgan Connors
dormia na mira, olho fixo no pedaço branco
de pano no meio da rua. Esperou
pacientemente, até que os homens
chegassem até ela, então apertou o gatilho.
O general e os outros homens mal
puderam acreditar em seus olhos, quando a
explosão violenta jogou homens e cavalos
para o alto.
Eles caíram aos pedaços no meio da rua e
nos telhados. Havia sangue salpicando as
paredes.
— Demônios! com mil demônios! —
vociferou o general, surpreso. —
Menosprezei aquele demônio. Ele minou
toda a rua, mas está enganado se pensa que
pode me deter.
— O que vamos fazer, general? —
indagou Martin, confuso.
— Vamos ser mais cautelosos agora.
Vamos desmontar e invadir a cidade. Quero
que bloqueiem as saídas pelos fundos da
cadeia. Quero-os presos lá dentro como
ratos numa ratoeira. Vamos nos concentrar
no saloon. Vai ser um jogo de paciência —
determinou o militar.
Morgan observou do alto da colina e
percebeu que os homens tomavam uma
estrada lateral, que os levaria para o outro
lado da rua principal, possivelmente no
saloon.
— Acho que eles estão tramando alguma
coisa — falou o rapaz.
— O que pôde ver?
— Eles se dividiram em um grupo maior,
que está vindo pelos lados do saloon e um
grupo pequeno, talvez uns cinco, vindo
pelos fundos.
— Diabos, filhos! Tenho a impressão que
isto aqui vai ferver como o próprio inferno
— comentou John.
— Acha que o delegado conseguiu o que
queria, pai? — indagou o filho mais novo.
— De qualquer forma, vamos bloquear a
porta e as janelas dos fundos e depois fazer
uma barricada aqui na frente. Vai chover
balas por aqui. Protejam as caixas de
munição e o que resta da dinamite.
Algum tempo depois, a poeira e a fumaça
provocadas pelo ataque e pela explosão
foram se assentando, melhorando
totalmente a visão do campo de batalha.
Um silencio opressivo pairava sobre a
rua. No saloon, o general falava aos seus
homens.
— Nós os temos presos lá dentro. Não
sairão pelos fundos e muito menos pela
frente...
— Vamos queimá-los? — sugeriu
alguém.
— Não seja maluco. Acabaremos com a
cidade se fizermos isso.
— É isso mesmo, rapazes — resolveu o
general. — Vamos esperar e cansá-los. Eles
terão de sair cedo ou tarde.
— A noite vaio chegar logo, general.
Precisamos fazer alguma coisa para impedir
que saíam.
— Providenciem fogueiras no meio da
rua, diante da cadeia. Joguem móveis e
madeira pela sacada do saloon, depois
atirem um lampião com combustível. Será o
bastante. Agora, enquanto um grupo faz
isso, quero que os outros dêem uma carga
de boas-vindas aos nosso amigos —
ordenou o general, sacando seu revolver e
indo até a janela, apontando para a cadeia.
Mais de duas dezenas de armas
começaram a disparar e o fizeram até que as
cargas se esgotassem. Mais de uma centena
de projéteis bateu contra as vidraças, a porta
e paredes da cadeia, como se fosse um
inferno.
Lascas e pedaços de vidro voaram.
Objetos foram atingidos, espatifando-se.
John e seus filhos, juntamente com Jane,
abaixaram-se contra o assoalho, enquanto as
balas voavam por sobre suas cabeças.
— É o bastante, homens. Recarregar! —
ordenou o general.
Naquele momento, um cavaleiro saiu do
beco ao lado do armazém e avançou para o
outro lado da rua, desmontando já na
calçada e se atirando por uma das janelas
estilhaçadas.
— É Sam! — reconheceu Jane, enquanto
o delegado voava pela janela e rolava pelo
assoalho.
A garota correu abraçar-se nele.
— Como estão as coisas por aqui? —
indagou ele, levando-a para trás da proteção
de um móvel pesado que os Connors
haviam posto ali como barricada.
— Mal, muito mal — respondeu John.
— Libertei os homens da mina. Eles
estão se armando e vão apanhar os cavalos.
Muitos estão muito fraco, mas espero que o
desejo de vingança lhes dê forças extras.
— Tomara que cheguem a tempo. O
general já nos deu as boas-vindas. Estão ali,
no saloon.
Sam arriscou uma olhada. A rua estava
vazia, exceto pelos móveis que os homens
começavam a atirar pela sacada do saloon.
— Que diabos! Acho que preparam uma
boa fogueira — comentou ele. — Gostaria
de saber exatamente qual é a estratégia
desse general maluco. Não se mostra afoito
em atacar. Não tem pressa nenhuma. Parece
acha que estamos em suas mãos. É uma
brincadeira que não me agrada nem um
pouco.
Enquanto isso, na janela do saloon, o
general olhava intrigado para a cadeia.
Reconhecera o delegado, mas não tinha a
menor idéia do que estaria ele fazendo fora
dali. Aquele homem era imprevisível, um
inimigo à altura da astúcia do general.
— Muito bem, rapazes! Vamos continuar
com a saturação. Quero grupos de cinco
homens indo às janelas e disparando na
direção da cadeia. Quando eles esgotarem a
munição, outros tomarão seu lugar e assim
por diante. Quero chumbo quente chovendo
para aqueles lados até a noite chegar —
sentenciou.
— Entendido, general — falou Martin,
começando a dividir os homens em grupos.
— Essas malditas estratégicas estão nos
matando, já perceberam? — segredou a um
de seus amigos.
— Sei disso, mas estamos nas mãos dele.
Se ao menos soubéssemos onde ele esconde
o ouro, depois de pesado e registrado...
— É o que eu gostaria de saber também.
Enquanto isso não acontece, vamos lhe
fazendo os gostos...
Os homens, em grupos, começaram a
disparar contra a cadeia, transformando-a
num inferno.
— Que será que vai acontecer agora,
delegado? — indagou John Connors,
aturdido no meio do tiroteio.
— Deixe-os gastar a munição.
— Devem ter muita...
— Mas acabarão gastando-a dessa forma.
Caso não se lembre, retiramos tudo que
havia no estoque do armazém. Nossa hora
chegará. eu prometo — falou Sam.
Enquanto anoitecia, as balas continuavam
chovendo contra a delegacia. Se aquilo
persistisse, as paredes acabariam se
esfacelando, de tanto chumbo acumulado
nelas.
De repente, cessou toda a fuzilaria e um
silencio mortal pairou.
— Delegado! — gritou a voz
inconfundível do Cavaleiro do Sul.
— Sim, general!
— Não quer negociar?
Sam pensou por instantes se teria ou não
o direito de sacrificar as vidas de Jane e dos
Connors. Talvez pudesse negociar com o
outro a vida deles.
— Sam! — gritou uma outra voz, que ele
reconheceu imediatamente.
Era de um dos prisioneiros. Durante o
tiroteio, eles haviam chegado à cidade e se
organizado. Naquele momento, tinha a
situação sob controle, aparentemente.
— O que foi? — falou Sam.
— Acabamos de chegar e cercamos o
saloon. O que quer que façamos agora?
Sam exultou. A ajuda havia sido das
melhores. No saloon, no entanto, o general,
rubro de cólera, via sua situação inverter-se.
De caçador passava a caça e não gostava
nada daquilo.
— General, quer negociar? — gritou-lhe
Sam. — Podemos conversar sobre os
termos de sua rendição?
— Nunca!
— Poupe sua vida e a de seus homens.
Estão cercados. Temos toda a munição que
havia na cidade. Poderemos mantê-lo aí até
o amanhecer e, então, desalojá-los.
— Podemos negociar em outros termos,
delegado. Venha para o meu lado. Há muito
ouro para nós dois...
— Não dará certo, general. Você está
derrotado!
— Jamais admitirei isso — berrou o
general. — O que estão esperando? Fogo!
Uma pesada fuzilaria tomou conta de
ambos os lados. Os homens do saloon
disparavam contra a cadeia e contra as
sombras lá fora. Os ex-escravos disparavam
contra as sombras que surgiam atrás das
janelas.
Balas se cruzavam, fazendo vítimas de
ambos os lados. Sam não apreciava aquilo.
Os homens que serviam ao general eram
cidadãos de Parkville, iludidos pela febre do
ouro. Os outros eram forasteiros e vítimas
inocentes da cobiça dos outros.
— Diabos! Tenho que acabar com isso!
— exclamou ele, inconformado com os
gemidos que ouvia na noite.
— Como, delegado? Estamos
encurralados! — falou John.
— Sam, acho que isto aqui pode nos
ajudar — disse Jane, surgindo com a caixa
de dinamite nas mãos.
— largue isso, garota! — berrou Sam,
lançando-se sobre ela. — Uma bala perdida
fará picadinho de nós se acertar isso.
Depois, olhando para o rosto da garota,
Sam entendeu o que ela estava sugerindo.
Apanhou algumas bananas e instalou-lhes
estopins não muito compridos. Depois foi
até a janela. Ordenou aos ex-escravos que
cessassem o fogo. Demorou algum tempo
até ser ouvido e entendido.
— General! — gritou.
— O que quer? — respondeu ele, quando
a fuzilaria diminuiu.
— Dou-lhe a última chance. Deponham
as armas e evitarão mortes inúteis.
— Aqui está a minha resposta, delegado!
— respondeu o general, voltando a abrir
fogo.
A fuzilaria recomeçou, mais intensa do
que antes. Sam apanhou uma das bananas
de dinamite, posicionando-se num ponto da
janela onde poderia fazer o arremesso. Após
tantos disparos, da janela onde poderia fazer
o arremesso. Após tantos disparos, da janela
só existia mesmo o buraco na parede.
— Jane, acenda para mim — pediu ele.
— Deixe comigo, Sam — falou ela,
apanhando o fósforo que John Connors lhe
estendeu.
As mãos dela tremiam tanto quanto a de
Sam, segurando o explosivo.
O pavio curto chiou repentinamente,
soltando fagulhas e assustando Jane, que
recuou. Sam mirou uma das janelas e
arremessou com força.
A dinamite bateu contra a parede, porém,
voltando para a rua, junto ao bebedouro de
animais. A explosão foi forte o bastante
para arrebentar o que restava de vidros nas
janelas do saloon, ferindo alguns homens.
O pânico se estabeleceu definitivamente.
Sam arremessou outra banana, desta vez
acertando a janela. Ela rolou pelo assoalho,
diante dos homens estáticos e assustados,
até os pés do general.
Com um sorriso maligno nos lábios ele a
chutou com força para frente. A dinamite
foi explodir debaixo de um grupo de
homens que havia procurado abrigo num
canto do saloon.
A carnificina chegou a chocar até o
próprio general, quando ele conseguiu se
levantar.
Olhou aturdido ao seu redor. Estava
chamuscado e atordoado pela explosão.
Seus homens gemiam. Alguns olhavam para
membros amputados, como se não
entendessem o que se passava. Outros,
imóveis, jamais entenderiam mesmo.
O general brandiu sua espada. Os homens
depunham as armas e levantavam as mãos,
à medida que os ex-escravos surgiam na
porta e nas janelas, apontando as armas.
Na cadeia, Sam percebeu que conseguira
o que pretendia. Só então se lembrou do
desejo de vingança que havia movido cada
um daqueles homens até ali.
— Não façam nada com eles! — gritou,
mas sua voz foi superada por uma outra
mais alta e mais convincente.
— Eles são nosso, pessoal! — gritou um
dos escravos.
Antes que Sam conseguisse chegar à rua,
os ex-escravos entraram no saloon e
vingaram-se de todas as humilhações e
sofrimentos que o general e seus capangas
lhes haviam causado.
O banho de sangue lavou o saloon e fez
Parkville ser conhecida no oeste como a
cidade das Viúvas.
Barbeado e limpo, Sam estendeu-se na
cama, cobrindo-se com um lençol e levando
consigo uma garrafa de uísque e uma certa
senhorita do saloon e Hotel Horseshoes.
Estava em Denver havia uma semana,
após o relatório que tivera que fazer ao
comandante do Forte, aguardando
instruções. Jane estivera sumida o tempo
todo, tratando de escrever sua historia que
possivelmente, seria a mais convincente e
eloqüente sobre o Delegado Bakley.
Ia começar a abrir a garrafa de uísque e a
desvendar os mistérios da senhorita, quando
bateram na porta e um bilhete foi
introduzido por debaixo dela.
A garota foi lá, apanhou-o e levou-o para
Sam. Eram palavras de Jane, convidando-o
para posar para o retrato que ilustraria a
capa de seu novo livro.
Ela estava lá embaixo, no restaurante,
esperando por ele. Sam apanhou algumas
notas em sua carteira.
— Conchita, faça-me um favor — pediu
ele à garota que estava com ele.
Deu-lhe o dinheiro e instruções. Ela
sorriu, saindo em seguida. Sam ficou
esperando. Parkville era uma coisa distante,
John Connors e seus filhos haviam
permanecido lá, nomeados delegados por
Sam, até que nova eleição para xerife fosse
feita. O Exército cuidaria desse detalhe.
Para Sam, aquela cidade deveria ser
varrida do mapa simplesmente, apesar de
todas aquelas viuvas ricas, que haviam se
apossado da mina do general.
Ele ouviu passos no corredor. Noutros
tempos, sacaria a arma e esperaria. Ali
apenas esperou que alguém batesse na
porta.
— Entre! — ordenou ele, simulando dor.
— Sam, você está bem? — indagou Jane,
deixando cair sua tralha de pintura e
correndo para ele. — O que você tem?
— Minhas costas... Acho que a chicotada
infeccionou...
Ela se inclinou sobre a cama para
examinar. Ele a abraçou e a puxou para si.
— Seu mentiroso! — murmurou ela,
antes que ele a calasse com um beijo.
— Tenho que ir a El Passo ao encontro
de Walk para apanhar minha anistia...
— Soube que há um bando de renegados
barbarizando naquela região...
Ele ficou perplexo.
— Aquele maldito! Tramou tudo. Quer
me levar para lá para me envolver de novo
em encrenca...
— Estou aguardando autorização do meu
editor para ir junto — falou ela.
Sam quis protestar, mas desta vez foi ela
quem o calou com um beijo apaixonado.
L P Baçan O Mago das Letras
1975: escreveu e publicou seu primeiro
livro de bolso, a novela Uma Tese
para o Amor, pela Editora Cedibra,
Rio de Janeiro, passando, daí, a
escrever mensalmente novelas por
encomenda para essa e outras
editoras.
1985: teve 11 letras incluídas no LP
Saudação ao Mato Grosso, da dupla
Estudante & Caminhoneiro.
1986: teve 6 letras incluídas no LP
Oração de Um Caminhoneiro, da
mesma dupla.
1991: participou da Coletânea do I
Concurso Nacional de Literatura da
FENAE, com um conto premiado
em 1º. lugar.
1994: participou da Antologia Os Poetas,
do V Concurso Helena Kolody de
Poesia, Governo do Paraná, Curitiba
– PR.
1995: traduziu a obra El Contuberneo
Judeo-Maçónico-Comunista, de José
Antonio Ferrer Benimelli, em 2
volumes intitulados Maçonaria &
Satanismo, para a Editora "A
Trolha".
1996: publicou a novela rural Sassarico,
sobre o fim do ciclo do café, início
da rotação de culturas (soja e trigo)
e surgimento dos bóias-frias e editou
os livros Vida Minha, de Emília
Ramos de Oliveira (biografia) e
Círculo Vicioso, de Arlene Cirino de
Oliveira.
1997: participou da coletânea Poema,
Poesia... Maçom, Maçonaria,
organizada por Mário Cardoso para
a Editora Arte Real.
1998: publicou o livro de poemas
Alchimia.
1999: publicou o livro Redação Passo a
Passo e editou o livro URAÍ - Nossa
Terra, Nossa Gente, 2 volumes, de
Emília Ramos de Oliveira.
2000: teve 2 letras incluídas no CD
Nosso Negócio É Cantar, da dupla
Márcio Rogério & Luciano e 3 letras
no CD Mais, do cantor Cícero de
Souza. Publicou, neste ano de 2000,
Brincando nos Caminhos do Senhor,
revista infantil cristã, Editora e
Gráfica Cotação da Construção,
Londrina – PR.
2001: editou e prefaciou o livro
Templários, de Lori Andrei Perez
Baçan.
2002: foi o autor da letra do hino da Loja
Maçônica Londrina, em parceria
com o músico Wilmar Cirino.
2004: organizou, editou e participou do
livro I Antologia do Portal "Cá
Estamos Nós".
2006: organizou, editou e participou do
livro II Antologia do Portal "Cá
Estamos Nós".
2007: publicou os livros A Sabedoria dos
Salmos, A Sociedade Secreta dos
Templários e O Livro Secreto da
Maçonaria, pela Universo dos
Livros Editora Ltda.
2010: publicou os livros Manual da
Futura Mamãe, Quem Disse Que
Cozinha Não è Lugar de Homem e
Receitas Naturais pela editora
Universo dos Livros. Editou o livro
de contos Solidariedade, do autor
baiano João Justiniano da Fonseca.
Produziu, dirigiu e apresentou uma
série de 7 (sete) programas
radiofônicos Vila das Artes, na
Rádio Boa Nova FM, de Pérola, PR,
sobre literatura atual.
2012: traduziu, editou e publicou o livro
A Origem do Satanismo na
Maçonaria, de Arthur Edward
Waite.
2013: traduziu, editou e publicou em
formato eletrônico os livros Carmila,
de J Sheridan LeFanu, e Teoria da
Esgrima a Cavalo, de Alex Muller,
Anjos, o Caminho de Volta, Os Olhos
do Carrasco, Novelas de Terror
(Volumes I e II) Novelas Policiais
(Volumes I a 7) e Novelas de Faroeste
(Volumes I a IX) pela Lulu Press, Inc.
e Editora Saraiva.
1975 até 2015: hoje escreveu mais de 700
livros, publicados em sua maioria
em formato de bolso, sobre os mais
diferentes assuntos, como:
romances, erotismo, palavras
cruzadas, charadas, passatempos,
literatura infantil, passatempos
infantis, horóscopos, esoterismo,
simpatias populares, rezas, orações,
intenções, anjos, fadas, gnomos,
elementais, amuletos, talismãs,
estresse, manuais práticos, religião e
outros livros de bolso com os mais
diversos temas e letras para músicas.
Já editou em formato eletrônico
mais de 1000 títulos, entre
publicações individuais e antologias,
de autores de Língua Portuguesa e
Espanhola.
Publicou ao longo dos últimos 40 anos
poemas e contos em jornais de
circulação regional. Ultimamente,
Tem traduzido e editado livros
eletrônicos e empenhado em editar
todos seus títulos em formato
eletrônico para serem
disponibilizados a seus leitores.
www.acasadomagodasletras.net