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* A Nota Técnica é um documento emitido pelas Unidades Organizacionais e destina-se a subsidiar as decisões da Agência. Nota Técnica n o 038/2015-SRG-SRM/ANEEL Em 19 de maio de 2015. Processo n o : 48500.006210/2014-19 Assunto: Proposta para mitigação do deslocamento de geração hidrelétrica em função do despacho de geração termelétrica fora da ordem de mérito de custo. I. DO OBJETO 1. A presente Nota Técnica tem por objetivo avaliar as propostas para mitigação do deslocamento de geração hidrelétrica em função do despacho de geração termelétrica fora da ordem de mérito de custo apresentadas pela Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica – APINE e pela Associação de Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica - ABRAGE. II. DOS FATOS 2. A APINE, por meio da Carta PRE 352/14, de 18 de novembro de 2014, encaminhou proposta para mitigação do deslocamento da geração hidrelétrica participante do Mecanismo de Realocação de Energia – MRE em função do despacho de geração termelétrica fora da ordem de mérito de custo. 3. Em 12 de fevereiro e 23 de março de 2015, foram realizadas reuniões com a referida Associação, para detalhamento da proposta e discussões. 4. A ABRAGE, por meio da Carta nº 018/2015, de 5 de março de 2015, também encaminhou proposta de mecanismo de ajuste para compensação dos efeitos da substituição da geração das usinas hidrelétricas pelas usinas termelétricas fora da ordem de mérito de custo. 5. Em 6 de março de 2015 e 24 de março de 2015 foram realizadas reuniões com a ABRAGE, também dando continuidade às discussões. III. DA ANÁLISE

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* A Nota Técnica é um documento emitido pelas Unidades Organizacionais e destina-se a subsidiar as decisões da Agência.

Nota Técnica no 038/2015-SRG-SRM/ANEEL

Em 19 de maio de 2015.

Processo no: 48500.006210/2014-19

Assunto: Proposta para mitigação do deslocamento de geração hidrelétrica em função do despacho de geração termelétrica fora da ordem de mérito de custo.

I. DO OBJETO 1. A presente Nota Técnica tem por objetivo avaliar as propostas para mitigação do deslocamento de geração hidrelétrica em função do despacho de geração termelétrica fora da ordem de mérito de custo apresentadas pela Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica – APINE e pela Associação de Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica - ABRAGE. II. DOS FATOS 2. A APINE, por meio da Carta PRE 352/14, de 18 de novembro de 2014, encaminhou proposta para mitigação do deslocamento da geração hidrelétrica participante do Mecanismo de Realocação de Energia – MRE em função do despacho de geração termelétrica fora da ordem de mérito de custo. 3. Em 12 de fevereiro e 23 de março de 2015, foram realizadas reuniões com a referida Associação, para detalhamento da proposta e discussões. 4. A ABRAGE, por meio da Carta nº 018/2015, de 5 de março de 2015, também encaminhou proposta de mecanismo de ajuste para compensação dos efeitos da substituição da geração das usinas hidrelétricas pelas usinas termelétricas fora da ordem de mérito de custo. 5. Em 6 de março de 2015 e 24 de março de 2015 foram realizadas reuniões com a ABRAGE, também dando continuidade às discussões. III. DA ANÁLISE

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* A Nota Técnica é um documento emitido pelas Unidades Organizacionais e destina-se a subsidiar as decisões da Agência.

6. Esta seção está dividida em três subseções. A primeira apresenta o entendimento da área técnica em relação aos pontos apresentados por ABRAGE e APINE quanto à origem do deslocamento da geração hidrelétrica. 7. A segunda subseção aborda a dimensão econômico-financeira do risco hidrológico, avaliando o regime de risco e retorno do negócio de geração e avaliando os efeitos ocorridos e esperados sobre os resultados dos agentes geradores. 8. A terceira subseção tece comentários específicos sobre as propostas da ABRAGE e da APINE para mitigação do problema. III.1 RAZÕES PARA O DÉFICIT DE GERAÇÃO HIDRÁULICA EM RELAÇÃO À GARANTIA FÍSICA

9. O risco hidrológico é a incerteza decorrente da inerente variação da geração por fonte hidráulica, que por sua vez está fortemente vinculada ao comportamento pluviométrico, determinante para que se afira a afluência das bacias hidrográficas e o consequente armazenamento dos reservatórios. 10. A administração do risco hidrológico possui pelo menos três dimensões. Do ponto de vista da expansão, o risco é administrado de duas formas: (i) pela estratégia de diversificação da matriz por meio da contratação de fontes que assegurem o suprimento de energia independentemente da hidrologia; e (ii) pela definição conservadora da garantia física das usinas hidrelétricas, limitando o lastro de energia firme muito abaixo da potência instalada dessas usinas. 11. Do ponto de vista da operação, a gestão do risco hidrológico é manifestada nas decisões de despacho do operador, observando o portfólio de fontes disponíveis na matriz energética e o nível de armazenamento dos reservatórios, de modo a perseguir a melhor estratégia intertemporal de uso dos recursos energéticos disponíveis - nesses incluído o estoque de água nos reservatórios -, de modo mais eficiente e ao menor custo possível, grosso modo ajustando o consumo de água em períodos de seca e o desligamento de usinas mais caras em períodos de chuva e alto armazenamento. 12. Do ponto de vista empresarial, dado que o agente privado não gerencia as decisões de operação e de expansão, esse risco é administrado pelas decisões comerciais dos agentes por meio da definição de preços, prazos, quantidades de energia vendida, fontes ofertadas e modalidade contratual, tendo em vista que o contrato de compra e venda de energia é, de acordo com a legislação setorial, o instrumento que define a alocação do risco hidrológico e sua consequente repercussão financeira nos momentos de condições hidrológicas desfavoráveis ou pluviometria abundante.

13. Em um sistema predominantemente hidrelétrico, como o brasileiro, a capacidade de geração varia bastante durante o ano e ao longo dos anos, dependendo das condições hidrológicas verificadas. Nesse caso, para que haja certo grau de confiabilidade na oferta de energia, é preciso dimensionar o parque gerador de forma a atender à demanda, mesmo em condições hidrológicas consideradas adversas, diversificando fontes de modo a suportar eventual insuficiência do parque hidrelétrico.

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14. Assim, o sistema brasileiro foi estruturado com base na complementaridade hidrotérmica, fazendo com que a decisão de geração em uma usina afete as decisões nas demais usinas e as decisões em um período de tempo interfira na decisão dos instantes seguintes. Em sistemas assim, a decisão ótima individual de despacho de um agente não necessariamente corresponde à melhor decisão global, que deve ser buscada de forma a reduzir o custo final de operação do sistema. 15. No Sistema Interligado Nacional − SIN cabe ao Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS a tarefa de gerenciar o despacho, de forma a minimizar o custo total de operação. Assim, a produção de energia elétrica de uma usina é definida diretamente pelo ONS, que considera as disponibilidades de cada usina, a quantidade de água disponível para as usinas hidrelétricas, as restrições operativas e a expectativa de custo de atendimento futuro, entre outras variáveis.

16. Para que os riscos hidrológicos dos agentes hidrelétricos fossem compartilhados, uma vez que não lhes cabe, individualmente, a decisão de quanto ou quando gerar, foi criado, por meio do Decreto 2.655, de 2 de julho de 1998, o Mecanismo de Realocação de Energia – MRE. 17. Esse Decreto estabeleceu, ainda, que o MRE incluiria regras para a alocação, entre os seus membros, da energia efetivamente gerada, que deveriam levar em conta as perdas de transmissão e se basear em um ou mais dos seguintes parâmetros: I - energia assegurada da usina1; II - capacidade instalada da usina; III - geração efetiva de energia de cada usina.

18. Pelo MRE, cada agente proprietário de usina hidrelétrica garante que receberá, a cada período de comercialização, independentemente de sua própria geração, uma fatia da soma da energia gerada de todas as usinas participantes do mecanismo, proporcional à sua garantia física.

19. Assim, se os geradores participantes do MRE, como um todo, não produzirem energia suficiente para cobrir toda a garantia física das usinas integrantes do mecanismo, esses terão um valor de energia alocada menor que suas garantias físicas, ao passo que, se produzirem um valor maior, todos terão cobertos os seus montantes de garantia física e ainda existiria uma sobra, chamada de energia secundária.

20. Essa relação entre a energia hidráulica gerada e a garantia física do MRE é chamada nas Regras de Comercialização da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE de Ajuste do MRE. Anteriormente à versão das Regras de Comercialização de 2012, esse fator era chamado de GSF (Generation Scaling Factor). 21. Assim, se, em determinado período de comercialização, as usinas participantes do MRE geraram, no total, 95% da garantia física total do MRE, o GSF é de 95% e o MRE ficou deficitário em termos de geração. Se geraram 105% da garantia física total do MRE, o GSF será de 105% e o MRE ficou superavitário.

22. É conveniente entender que os termos deficitário/superavitário referem-se à relação entre geração e garantia física, mas não com relação ao Mercado de Curto Prazo - MCP na CCEE. Para análise

1 Naquela época a quantidade de energia que um agente proprietário de uma usina poderia vender era a energia assegurada, que foi posteriormente substituído pelo conceito de garantia física.

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desse último, é necessário considerar o portfólio de contratos de compra e venda de cada agente possuidor das respectivas usinas do MRE, conforme será analisado em seção específica. 23. A seguir, estão apresentados os valores de GSF médio anual dos últimos sete anos.

Figura 1: GSF médio anual (Fonte: CCEE)

24. Verifica-se na Figura 1 que o menor valor do GSF ocorreu em 2014, que corresponde ao 9º pior ano de todo o histórico de Energia Natural Afluente – ENA2 para todo o SIN (81% da Média de Longo Termo – MLT3), 6º pior para o subsistema SE/CO e o pior para o subsistema NE. A Figura 2, a seguir, mostra as três piores séries de ENAs do SIN, em comparação com as ENAs referentes aos anos de 2001, 2014 e 2015 (verificadas até o mês de abril de 2015).

2 ENA: corresponde à valoração energética da vazão natural afluente dos aproveitamentos hidrelétricos. 3 MLT: média da ENA discretizada por mês com dados desde 1931.

1,03

1,08 1,09

1,13

1,08

0,99

0,91

0,80

0,85

0,90

0,95

1,00

1,05

1,10

1,15

1,20

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014

GSF médio anual

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Figura 2: Piores Energias Naturais Afluentes do SIN em comparação com os anos 2014 e 2015

25. Além disso, verifica-se que as Energias Armazenadas – EAR4 do SIN foram baixas durante todo o ano de 2014 (Figura 3), chegando em novembro com a pior EAR já registrada, e iniciando o ano de 2015 com os mais baixos armazenamentos já registrados no período.

Figura 3: Energias Armazenadas do SIN (%EARmáx) dos últimos 16 anos. Fonte: ONS

26. É de se esperar que a geração de usinas hidrelétricas seja menor em períodos de hidrologia menos favorável e níveis de reservatórios mais baixos, o que faz com que a demanda por usinas termelétricas seja utilizada de forma mais intensa de modo a se preservar os armazenamentos.

4 EAR: energia elétrica associada ao volume armazenado em um reservatório, para cujo cálculo se considera a produtividade do reservatório e das demais usinas hidroelétricas a jusante, descontando-se o volume morto.

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27. Observa-se, assim, uma estreita relação entre as condições hidrológicas observadas em 2014 e 2015, com os baixos níveis de GSF registrados, indicando que os níveis de desempenho atuais do MRE são resultados de baixa hidrologia. Não obstante, serão analisados todos os argumentos trazidos pelas associações nos tópicos a seguir. 28. A APINE alega que um conjunto de fatores, além da baixa hidrologia, - como geração térmica fora da ordem de mérito de custo, redução da carga, geração de energia de reserva, despacho da UTE Uruguaiana e geração proveniente de importação de energia de outros países - têm reduzido a geração das usinas hidrelétricas. A APINE alega ainda que esses fatores não poderiam ser previstos pelos agentes de geração hidrelétrica, trazendo impactos econômicos perversos aos agentes do MRE e exigindo compensação. 29. A seguir, será demonstrado que esse conjunto de fatores já está previsto oficialmente pela administração pública há anos, o que contrasta as alegações aventadas pela Associação. Mudanças na matriz elétrica 30. É conhecido que a matriz elétrica brasileira vem passando por alterações ao longo o tempo. Desde o ano de 2005, os resultados dos leilões de energia para novos empreendimentos vêm demonstrando maior diversificação dessa matriz e, até junho de 2014, 45,4% da energia comercializada foi proveniente de usinas hidrelétricas e 34,28% de usinas termelétricas (biomassa, carvão mineral, gás natural e óleo diesel).

31. Outro exemplo de mudança na matriz é o aumento de energia de reserva. Desde 2008, quando foi realizado o 1º Leilão de Energia de Reserva, foram contratados 3.361 MWmed, demonstrando que esse tipo de geração também vem aumentando ao longo do tempo, tendo início há 7 anos.

32. No entanto, mesmo com a mudança na matriz elétrica brasileira ao longo dos anos, no caso das hidrelétricas, não ficou demonstrado que a geração hidrelétrica está permanentemente gerando abaixo de sua garantia física, conforme demonstrado na Figura 1, uma vez que apenas no ano de 2014 houve uma diferença mais significativa da geração em relação à garantia física.

33. Ademais, é possível os agentes setoriais obterem indicativos da mudança na matriz elétrica com muitos anos de antecedência de forma a se prepararem em termos contratuais. Tais indicativos podem ser obtidos por meio do Plano Decenal de Expansão de Energia, publicado pelo Ministério de Minas e Energia, o qual, com 10 anos de antecedência, proporciona uma visão integrada da expansão da demanda e da oferta de diversos energéticos no país. Além dele, o Plano da Operação Energética – PEN, do ONS, tem como objetivo apresentar as avaliações das condições de atendimento ao mercado previsto de energia elétrica do SIN para o horizonte do planejamento da operação energética, cinco anos à frente. Não bastasse, os leilões A-5 e A-3 são realizados, respectivamente, com cerca de 5 e 3 anos de antecedência ao início do período de entrega de energia. Geração termelétrica fora da ordem de mérito

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34. A geração termelétrica fora da ordem de mérito de custo está prevista oficialmente pela administração pública há anos. Inicialmente, destaca-se a Resolução da Câmara de Gestão da Crise Energética nº 109, de 24 de janeiro de 2002, que determinou a adoção de mecanismo de representação de aversão ao risco de racionamento5, o ONS tem respaldo legal para acionar termelétricas fora da ordem de mérito de custo econômico quando se tem armazenamentos considerados baixos. 35. Em relação à geração termelétrica fora da ordem de mérito de custo por decisão do CMSE, verifica-se que esse tipo de despacho (não definido por meio dos modelos matemáticos) foi previsto na Resolução do Conselho Nacional de Política Energética - CNPE n° 8, de 20 de dezembro de 2007. A referida Resolução foi quase integralmente substituída pela Resolução CNPE n° 3, de 6 de março de 2013, incluindo o comando que permite o despacho adicional ao indicado nos modelos computacionais. 36. Também a própria Lei n° 10.848, de 15 de março de 2004, que dispõe sobre a comercialização de energia elétrica, prevê que a operação do sistema deverá considerar mecanismos de segurança operativa, podendo incluir curvas de aversão ao risco de déficit de energia6.

37. Dessa maneira, desde muitos anos atrás, os agentes setoriais conhecem a possibilidade de haver geração termelétrica fora da ordem de mérito de custo, o que lhes permitiriam adotar medidas de proteção contra eventuais exposições no MCP.

38. Não obstante haver conhecimento prévio, ao se analisar a operação das usinas termelétricas no ano de 2014, verifica-se que a geração das usinas despachadas por segurança energética correspondeu a 1.050,47 MWmed7, enquanto a diferença entre a geração despachada por ordem de mérito de custo e a geração efetivamente verificada correspondeu a 4.604,07 MWmed8. Ou seja, a geração por segurança energética apenas supriu parte da “frustração” de geração termelétrica inicialmente programada pelo ONS.

Redução do consumo

39. Quanto à questão levantada pelos programas de redução de consumo, ressalta-se que desde a publicação da Lei nº 9.991, de 24 de julho de 2000, já existe a obrigação para as concessionárias de Distribuição aplicarem anualmente o montante de, no mínimo, 0,5% de sua receita operacional líquida em ações que tenham por objetivo o combate ao desperdício de energia elétrica, que consiste no Programa de Eficiência Energética das Empresas de Distribuição - PEE. 40. Outra Lei que atua sobre o consumo é a Lei nº 10.295, de 17 de outubro de 2001, que dispôs sobre a Política Nacional de Conservação e Uso Racional de Energia, visando a alocação eficiente de recursos energéticos e a preservação do meio ambiente. A regulamentação da Lei de Eficiência Energética foi regulamentada pelo Decreto nº 4059, de 19 de dezembro de 2001, que por sua vez instituiu o Comitê Gestor de Indicadores e de Níveis de Eficiência Energética – CGIEE, que possui entre suas

5 A Resolução CNPE 03/2013 determinou a implementação de metodologia para internalização de mecanismos de aversão a risco nos programas computacionais, que substituíram as Curvas de Aversão ao Risco – CARs introduzidas pela Resolução nº 109/2002. 6 Inciso III do § 4° do art. 1°. 7 Valor médio do período em que houve despacho por segurança energética em 2014. 8 Valor médio do ano de 2014

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atribuições, a elaboração das regulamentações específicas para cada tipo de aparelho consumidor de energia e o estabelecimento do Programa de Metas com a indicação da evolução dos níveis a serem alcançados por cada equipamento regulamentado.

41. Outra ação do governo nessa direção é o Procel - Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica - que é um programa de governo, coordenado pelo Ministério de Minas e Energia – MME e executado pela Eletrobras. Foi instituído em 30 de dezembro de 1985 para promover o uso eficiente da energia elétrica e combater o seu desperdício. As ações do Procel têm contribuído para o aumento da eficiência dos bens e serviços, para o desenvolvimento de hábitos e conhecimentos sobre o consumo eficiente da energia. 42. A própria regulação por incentivos implementada pela ANEEL no segmento de distribuição de energia tem como um de seus focos de atuação a redução das perdas de energia, o que por si só representaria uma queda na carga em função da redução do consumo perdulário existente na parcela não faturada da energia consumida. 43. Também há a Resolução Normativa 456/2000, que estabelece a obrigação de a concessionária desenvolver campanhas para “orientar sobre a utilização racional e formas de combater o desperdício de energia”9.

44. Essa questão foi levantada pelas Associações em função de programas recentes do governo, da ANEEL e das concessionárias de distribuição para incentivar a redução do consumo de energia elétrica, mas como foi demonstrado, esse tipo de preocupação com a eficiência energética que também promove redução de consumo já existe há bastante tempo. Como não poderia ser diferente.

Despacho da UTE Uruguaiana e da importação de energia da Argentina 45. Quanto à UTE Uruguaiana, a necessidade de geração de forma excepcional e temporária tem sido reconhecida por meio de Portarias específicas, como foi o caso da Portaria MME nº 28, de 10 de fevereiro de 2015.

46. A UTE Uruguaiana, foi autorizada pela Portaria MME nº 180/1997, e teve o início de operação comercial em dezembro de 2000, com 639,9 MW de capacidade instalada. Assim, trata-se de uma usina antiga, que fazia parte da configuração termelétrica do SIN. Tanto que a Portaria MME nº 303/2004, que definiu montantes de garantia física de centrais geradoras termelétricas, incluindo importação, definiu 565,1 MWmed de garantia física para a UTE Uruguaiana.

47. Em 2005, por meio da Portaria MME nº 153, a garantia física da UTE Uruguaiana foi reduzida para 217 MWmed, em função de indisponibilidade de efetiva geração motivada por falta de combustível. Além disso, a referida Portaria estabeleceu no art. 2º:

9 Inciso III do art. 100 da REN 456/2000. Essa resolução foi revogada pela REN 414/2010, que manteve em seu Anexo IV, o qual apresenta o modelo de contrato de prestação de serviço público de energia elétrica para consumidores titulares de unidades consumidoras do grupo B, o direito do consumidor de ser orientado quanto ao consumo eficiente e ao não desperdício de energia.

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“Art. 2º Caso os agentes constantes do Anexo comprovem à ANEEL a efetiva geração de energia elétrica, poderão ser restabelecidos, parcial ou integralmente, os valores de garantia física contidos na Portaria MME nº 303, de 18 de novembro de 2004.”

48. Somente em novembro de 2008, por meio da Resolução Normativa nº 340, a garantia física da UTE Uruguaiana foi reduzida para zero, e a disponibilidade foi considerada nula para fins de elaboração do Programa Mensal de Operação Eletroenergética – PMO. No entanto, a exemplo da Portaria 153/2005, sempre existiu a previsão de retomada da disponibilidade da UTE Uruguaiana, caso fosse comprovada capacidade de geração superior. 49. Da mesma forma, a importação de energia da Argentina realizada por meio da estação Conversora de Frequência de Garabi da Companhia de Interconexão Energética – CIEN, já estava autorizada, conforme Resoluções nº 129 e 130, ambas de 29 de abril de 1998. Além disso, foram definidas garantias físicas pelo MME, até que serem zeradas por meio da Resolução Normativa nº 224, de 20 de junho de 2006, juntamente com as disponibilidades para fins de elaboração do PMO e revisões.

50. A seguir, um quadro com as potências instaladas e garantias físicas alteradas ao longo do tempo.

Usina/Importação Potência Instalada

Garantia Física (Portaria 303/2004)

Garantia Física (Portaria 153/2005)

Garantia Física (Resolução ANEEL)

(MW) (MWmed) (MWmed) (MWmed)

UTE Uruguaiana 639,9 560 217 0 (*)

Argentina 1 1018 964,5 240,81 0 (**)

Argentina 1B 60 54,6 14,9 0 (**)

Argentina 2A 400 365,1 52,73 0 (**)

Argentina 2B 200 183,3 26,36 0 (**)

Argentina 2C 400 364,9 52,73 0 (**)

Argentina 2D 100 91,2 13,18 0 (**)

Argentina Total 2178 2023,6 400,71 0

(*) Resolução Normativa nº 340/2008 (**) Resolução Normativa nº 224/2006

51. Assim, a importação de energia por meio das Estações Conversoras de Garabi e a geração da UTE Uruguaiana estão previstas há anos, uma vez que suas disponibilidades máximas são consideradas na configuração termelétrica do SIN e, apesar de as respectivas disponibilidades terem sido anuladas nos modelos de otimização a partir de 2006 e 2008, respectivamente, a programação temporária dessas gerações sempre foi possível. Tanto é que o MME tem emitido Portarias autorizando a importação de energia elétrica por meio da Estação Conversora de Frequência de Garabi, como por exemplo as Portarias nº 178/2011, 307/2011, 456/2012, 81/2015, Além das Resoluções Autorizativas nº 1.368/2008, 1.812/2009 e 2.461/2010. No caso da UTE Uruguaiana, o MME publicou as Portarias nº 619/2012, 073/2014 e 028/2015 que declararam a necessidade de geração da usina, de forma excepcional. III.2 O EFEITO DO GSF SOB A PERSPECTIVA ECONÔMICO-FINANCEIRA

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52. Esta seção trata da dimensão econômica do risco hidrológico alegado pelos agentes. A existência do GSF é um fato, todavia, a mensuração dos efeitos econômicos e financeiros dessa geração hidráulica abaixo da garantia física para os agentes não é trivial. 53. Como relatado, o sistema elétrico brasileiro dispõe do MRE como instrumento para conciliar o despacho centralizado do ONS e o atendimento pelos agentes geradores hidráulicos dos contratos de energia firmados, conforme apresentado na subseção anterior. 54. Esse mecanismo serve ao compartilhamento do risco hidrológico e não à sua total mitigação, haja vista que para determinadas situações ele é insuficiente para atender todos os compromissos dos geradores hidráulicos10. Assim, a gestão do risco hidrológico é componente importante na análise de risco do negócio de geração hidrelétrica no Brasil. 55. Mesmo em um ano de desempenho positivo, o MRE pode ser incapaz de evitar resultados desfavoráveis para alguns geradores hidráulicos. A primeira razão para esse fato é que o resultado anual do MRE não é distribuído de maneira uniforme durante todos os meses do ano. Isso ocorre porque os diversos agentes participantes do mecanismo têm direito à sazonalização de sua garantia física de acordo com suas estratégias individuais de gestão de portfólio. 56. Além disso, a própria geração efetiva do MRE é sazonal, em função da alternância de estações climáticas, de modo que mesmo na hipótese de a garantia física do MRE ser sazonalizada de maneira uniforme (a chamada sazonalização “flat”) ou de um agente sazonalizar pela média do mercado, o comportamento do regime hidrológico ocasiona meses com resultado físico do MRE11 positivo ou negativo. 57. A segunda razão é que o Preço de Liquidação de Diferenças – PLD, que define a potencial valoração financeira dos resultados físicos do MRE, também alterna mensalmente, tendo relação inversa com o regime hidrológico. Destaca-se que essa relação do preço com o regime hidrológico é natural e esperada, pois quanto menor a geração hidrelétrica, menor a oferta de energia, implicando maior preço. 58. Essa relação implica dizer que os riscos são assimétricos, ou seja, que o potencial dano financeiro de um déficit físico não é compensado por uma sobra física de igual tamanho, pois o déficit geralmente custa mais do que o valor de venda da sobra. 59. A Tabela 1 traz um exemplo hipotético, supondo uma garantia física de 100 unidades de energia. O resultado físico do agente é negativo por 8 meses em 8 unidades de energia por mês, todavia, nos últimos quatro meses o resultado é positivo em 17 unidades por mês, de modo que o balanço anual é positivo em 4 unidades de energia. 60. O PLD, por sua vez, alterna de um valor de R$ 400 para R$ 100, variando inversamente e em conjunto com a reversão do resultado físico, atingindo uma média anual de R$ 300. Nesta hipótese,

10 O Relatório SEM/Eletrobras, de 1997, que subsidiou a criação do MRE já alertava que o mecanismo poderia ser insuficiente para determinadas situações. 11 O resultado físico do MRE aqui considerado como a diferença entre a energia alocada e a energia sazonalizada para fins do MRE.

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* A Nota Técnica é um documento emitido pelas Unidades Organizacionais e destina-se a subsidiar as decisões da Agência.

mesmo com um balanço físico anual positivo, o agente estaria exposto a um risco de perda financeira potencial de R$ 18.800.

Tabela 1 – Exemplo do risco assimétrico na valoração das sobras e déficits físicos

Mês Resultado

físico PLD

Resultado financeiro

1 -8 400 -3200

2 -8 400 -3200

3 -8 400 -3200

4 -8 400 -3200

5 -8 400 -3200

6 -8 400 -3200

7 -8 400 -3200

8 -8 400 -3200

9 17 100 1700

10 17 100 1700

11 17 100 1700

12 17 100 1700

Total 4 300 -18800

61. E como os agentes do MRE podem mitigar esse risco de perda financeira? A partir de decisões sobre o quanto comercializar da garantia física anual e sobre como sazonalizar a entrega dos contratos vendidos e da garantia física ao longo do ano, de modo a limitar as perdas financeiras máximas e aumentar os ganhos potenciais. 62. Essas decisões são relevantes, pois a exposição financeira efetiva não depende da comparação entre geração alocada pelo MRE e garantia física sazonalizada, como foi suposto no exemplo da Tabela 1, mas entre essa geração e o montante de energia destinado a entrega contratual, que, por sua vez, é limitado à garantia física anual. Ou seja, o risco máximo de perda financeira é limitado pela garantia física, mas pode ser menor, caso o agente não venda toda essa garantia. 63. Para facilitar o entendimento dos resultados de cada decisão, imagine um agente, que deixou de vender 10 unidades de energia por mês em relação à sua garantia física e que sazonalizou esta garantia e a entrega comercial da venda de maneira uniforme, conforme dados da Tabela 2. 64. Mesmo nos primeiros oito meses esse agente teria a sobra comercial de 2 unidades de energia por mês (10 que ele deixou de vender menos às 8 de déficit no resultado físico). Nos últimos quatro meses a sobra comercial seria de 27. A cada mês a sobra comercial seria liquidada pelo PLD respectivo, o que geraria um resultado financeiro anual positivo de R$ 17.200 para o exemplo hipotético.

Tabela 2 – Resultados de diferentes perfis de contratação

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Mês Resultado

físico PLD

10 GF s\ contrato

1 -8 400 800

2 -8 400 800

3 -8 400 800

4 -8 400 800

5 -8 400 800

6 -8 400 800

7 -8 400 800

8 -8 400 800

9 17 100 2700

10 17 100 2700

11 17 100 2700

12 17 100 2700

Total 4 300 17200

Tabela 3 – Situação hipotética com déficit físico

Mês Resultado

físico PLD

Perda potencial

10 GF s\ contrato

1 -9 400 -3600 400

2 -9 400 -3600 400

3 -9 400 -3600 400

4 -9 400 -3600 400

5 -9 400 -3600 400

6 -9 400 -3600 400

7 -9 400 -3600 400

8 -9 400 -3600 400

9 17 100 1700 2700

10 17 100 1700 2700

11 17 100 1700 2700

12 17 100 1700 2700

Total -4 300 -22000 14000

65. Mas, e caso o MRE tenha expectativa de geração abaixo da garantia física? A Tabela 3 apresenta os resultados. A exposição financeira saltaria para R$ 22.000 para quem vendeu toda a garantia física. O agente que deixou 10 unidades de energia livres teria seu ganho reduzido de R$ 17.200 para R$ 14.000, mas permaneceria com um ganho substancial.

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66. Essa introdução é relevante para demonstrar que mesmo se os agentes fossem puramente hidráulicos, haveria espaço para mitigação de risco a partir de decisões de quantidade de energia vendida e de sazonalização, tanto da garantia física no MRE quanto dos montantes vendidos. 67. A realidade, entretanto, é ainda mais complexa. Na gestão de riscos do negócio de geração, inclusive do risco hidrológico, além da definição de quantidades e perfis de sazonalização, os agentes adotam estratégias de mitigação que envolvem diversificação de fontes e de clientes, vendas em modalidades contratuais diversas e administração de uma margem de segurança (hedge) para fins de comercialização que podem envolver partes relacionadas e estratégias de conglomerado. 68. A relação contratual de compra e venda de energia nada mais é do que uma relação de alocação de risco entre comprador e vendedor, nos quais as partes chegam a um perfil de contratação (modalidade contratual, prazo, preço e quantidade) compatível com as suas expectativas de maximização de utilidade, manifestada no binômio risco retorno. 69. Nesse sentido, a concretização do risco, enquanto efeito negativo a ser arcado por uma das partes do contrato é decorrente da efetiva execução contratual vis-à-vis o comportamento dinâmico do objeto pactuado, nesse caso a energia elétrica. 70. Assim, a efetivação do risco não deve ser suposta em tese, mas deve ser analisada concretamente frente aos resultados gerados. Ainda que uma decisão pretérita diferente gerasse um resultado melhor para a parte onerada, o ônus é a materialização da incerteza inerente à decisão tomada ex-ante. 71. Um agente de geração mais avesso ao risco, por exemplo, pode exigir contratos de venda mais curtos para possuir maior flexibilidade de gestão ou pode optar deliberadamente por deixar parte de sua energia descontratada para não se expor aos efeitos de períodos de crise hidrológica. Essa postura mais avessa reduz a receita esperada, não obstante crie maior previsibilidade de despesas. 72. Por outro lado, uma postura de apetite ao risco induziria a uma venda maior, menor flexibilidade e deveria ser acompanhada de maior preço, assumindo que a premissa de maximização de lucro é aplicável a qualquer decisão de negócios. A receita esperada seria maior em compensação a uma queda na previsibilidade das despesas e, portanto, dos resultados. 73. Essa discussão é importante para que se avaliem duas questões fundamentais: faz sentido separar o risco hidrológico e mensurá-lo de forma independente das demais decisões dos agentes geradores? Essa separação é coerente do ponto de vista de resultado econômico ou financeiro?

Faz sentido separar o risco hidrológico das demais decisões dos agentes geradores? 74. Os agentes submeteram informações que buscam a separação do risco hidrológico dos demais efeitos a partir da seguinte premissa:

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a) Há garantia de limitação do risco dos geradores em função do GSF menor do que 1; b) Se o risco se realizar acima do limite, os geradores devem ser compensados pela quantidade de energia equivalente multiplicada pelo preço de liquidação de diferenças - PLD, que se aplica ao MCP com o objetivo de equacionar os déficits e superávits nas posições contratadas de cada agente.

75. Em relação ao primeiro ponto destaca-se a ausência de previsão contratual, editalícia, legal ou regulamentar de limitação do risco hidrológico12. Se a limitação existe em alguma dimensão, é em decorrência de uma hipótese do gerador de quais seriam os cenários de risco esperados, pois apenas com a definição de um limite (que pode ser determinístico ou probabilístico) é possível se chegar a um resultado numérico do risco e, consequentemente, precificá-lo. 76. Todavia, como em qualquer negócio livremente pactuado, ainda que as expectativas possam limitar os resultados esperados a uma margem de flutuação, não há limitação para os resultados efetivos. Não fosse assim, nenhum negócio estaria sujeito a perdas econômicas, pois o pior cenário já teria sido considerado na aferição de sua viabilidade econômica, de modo que mesmo a realização desse cenário seria compensada pela ocorrência de cenários positivos no restante do tempo, exatamente conforme esperado pelo investidor. 77. Não obstante, para que se avance na análise de todos os argumentos, passa-se ao segundo ponto, ou seja, ainda que a limitação do risco seja uma premissa com a qual a área técnica não concorda, é preciso verificar se há robustez na conta apresentada pelos geradores também do ponto de vista conceitual. Para esse fim, será assumida a abordagem da APINE, em que o GSF inferior a 95% não deve ser arcado pelos geradores13. 78. Excluindo-se usinas em regime especial de contratação (Itaipu e UHE em regime de Cotas nos termos da Lei 12.783), a Associação estima que o GSF representou um efeito negativo de R$ 18,5 bilhões para os geradores. Para 2015 essa perda pode ser ainda maior, mesmo com a redução do PLD, pois há uma expectativa de redução do despacho hídrico que faz com que o efeito quantidade supere o efeito preço. 79. Primeiramente, as áreas técnicas entendem que a conta feita pelos geradores rompe com o pressuposto básico do negócio de geração, especialmente os de fonte hidráulica. O PLD possui uma relação inversa com a disponibilidade hidrológica. Não é compatível com o negócio que o agente tenha

12 Nesse aspecto cabe uma clara distinção em relação às medidas de desequilíbrio adotadas para fazer frente à crise econômico-financeira do segmento de distribuição de energia elétrica. O problema das distribuidoras foi analisado pela ANEEL em posse de todos os dados de receitas e custos, o que permitiu um diagnóstico efetivo das condições de cada empresa. Além disso, os custos equacionados para as distribuidoras são e sempre foram de responsabilidade do consumidor, de modo que não houve a transferência de um custo novo ao segmento consumo como querem os geradores, mas apenas uma alteração no momento de pagamento desse custo. Essa mesma lógica se aplicou ao mecanismo da CONTA-ACR, que diluiu no tempo custos de responsabilidade dos consumidores, sem alterar a responsabilidade pelo pagamento e sem inserir despesas novas. Para mais informações, sugere-se consultar os processos 48500.000502/2015-11 e 48500.001624/2014-43. 13 A ABRAGE propôs que todo o GSF deveria ser compensado, sem qualquer risco para o gerador. Os valores estimados dessa forma são ainda maiores do que os informados pela APINE.

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quantidade excedente de energia em concomitância com um preço alto no MCP, pois quantidades excedentes induziriam à queda do preço. 80. Ademais, as transações no MCP se dão em função da quantidade contratada, de modo que os únicos geradores expostos a PLD são aqueles que efetivamente venderam mais energia do que o montante disponibilizado pelo MRE em função da conjuntura hidrológica. Geradores que fizeram hedge em nível suficiente para suportar o cenário hidrológico adverso não tiveram gasto ou perda efetiva nenhuma e podem até ter auferido ganhos com o aumento do preço de liquidação de sua energia descontratada. 81. Nesse ponto, entende-se que a conta feita pelos geradores parte da premissa equivocada de que o custo de oportunidade de não se vender energia no MCP deve ser compensado,. Ou seja, mesmo geradores descontratados que já ganhariam dinheiro com o cenário hidrológico desfavorável em função de suas estratégias de negócio deveriam ser compensados, pois os ganhos que eles obteriam seriam maiores se o limite de risco a 5% de hedge tivesse sido respeitado. 82. Portanto, não faz sentido a separação do risco hidrológico dos demais resultados do agente. A estratégia de diversificação desse risco e mitigação de seus impactos envolve várias alternativas, como diversificação de fontes, escolha de modalidades contratuais, contrapartes, preços, prazos e quantidades de venda. A separação do risco hidrológico é coerente do ponto de vista do resultado econômico ou financeiro? 83. Para contribuir com a conclusão obtida na primeira pergunta é relevante a demonstração de dados que verifiquem o que ocorreu realmente em 2014, em termos econômicos e financeiros, e quais seriam os efeitos caso a perda alegada pelos geradores fosse reconhecida pela ANEEL.

Tabela 4 – Resultado dos geradores no MCP em 2014.

Exposição ao MCP 13 bi

CCGF14 4,8 bi

Itaipu 3,9 bi

Jirau 3,4 bi

Demais Geradores 0,8 bi

84. Do ponto de vista financeiro, propõe-se verificar a movimentação financeira dos geradores no MCP em 2014. A Tabela 4 apresenta essa informação. 85. Como pode ser observado, a exposição financeira dos geradores ao MCP, a qual é efetivamente liquidada a PLD, ficou em R$ 13 bilhões. Desse valor, R$ 4,8 bilhões são referentes às UHEs em regime de cotas nos termos da Lei 12.783 e R$ 3,9 bilhões são referentes à UHE Itaipu. Para essas

14 Contratos de Cota de Garantia Física instituídos nos termos da Lei nº 12.783/13.

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usinas, o regime de contratação prevê o repasse do risco hidrológico para o consumidor, de modo que a responsabilidade de pagamento foi alocada ao segmento consumo. 86. Outros R$ 3,4 bilhões são referentes à UHE Jirau, que durante o ano de 2014 esteve amparada por medida liminar, de modo que seus resultados foram repassados para pagamento pelos compradores. Ressalta-se que decisão recente da ANEEL prevê que o concessionário da UHE Jirau reverta aos consumidores os valores pagos, de modo que é possível que o déficit apontado surta efeitos na empresa e desonere economicamente o segmento consumo. 87. Os demais geradores, por sua vez, tiveram um resultado negativo de R$ 800 milhões no MCP. Os perfis de geração que tiveram resultado positivo ganharam R$ 4,8 bilhões no MCP, enquanto os perfis de geração com resultado negativo tiveram um déficit de R$ 5,6 bilhões. Vale notar que muitos agentes possuem mais de um perfil de geração, de modo que parte dos resultados positivos e negativos é anulada do ponto de vista financeiro quando se observam os agentes proprietários. 88. A Tabela 5, por sua vez, apresenta os valores da Tabela 4 distribuídos pela responsabilidade de pagamento no ano de 2014, alocados entre os geradores e os consumidores. Como pode se verificar, os geradores tiveram uma exposição bastante inferior aos R$ 18,5 bilhões alegados.

Tabela 5 – Pagantes da exposição ao MCP do segmento de geração em 2014

Pagante Valor

Consumidores 12,2 bi

Geradores 0,8 bi

89. Já a Tabela 6 demonstra que mesmo com a soma exclusiva dos resultados negativos dos geradores, ignorando o efeito da multiplicidade de perfis de geração, e acrescendo a esse resultado o desempenho da UHE Jirau, a conta é menor do que a metade do valor alegado pelos geradores. Tabela 6 – Exposição financeira dos geradores no MCP em 2014 considerando apenas perfis de geração

deficitários e a reversão dos efeitos da UHE Jirau aos consumidores

Pagante Valor

Perfis de geração deficitários 5,6 bi

Jirau 3,4 bi

Total 9,0 bi

90. Já em relação à ótica econômica é interessante observar o desempenho contábil dos geradores que disponibilizam informações financeiras ao mercado. A abordagem utilizada foi a comparação do lucro líquido de 2013 com o de 2014. O lucro líquido é uma boa medida de desempenho, pois incorpora os resultados de equivalência patrimonial de participações de grandes empresas de geração

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em Sociedades de Propósito Específico – SPE15, repercutindo efeitos da crise hidrológica no resultado também para empreendimentos novos.

Tabela 7 – Lucros líquidos dos principais geradores nacionais em 2013 e 2014

Empresa 2013 2014

AES Tietê 881 mi 449 mi

Duke 418 mi 286 mi

Copel Geração 1.079 mi 1.187 mi

Tractebel 1.437 mi 1.383 mi

CPFL Geração 311 mi 107 mi

CESP 991 mi 1.148 mi

CEMIG Geração 1.865 mi 2.074 mi

CELESC Geração 17 mi 101 mi

Eletrobras Geração 1.629 mi 331 mi

EDP Geração 215 mi 267 mi

Alupar Geração 29 mi 82 mi

Neoenergia Geração 245 mi 77 mi

Somatório 9.062 mi 7.315 mi

91. Destaca-se que o resultado econômico das empresas foi menor em 2014 em relação a 2013, mas em magnitude muito menor do que os valores alegados pelos geradores. Além disso, nenhum gerador realizou prejuízos no ano e alguns, inclusive, obtiveram aumento nos seus lucros. É preciso ressaltar ainda que os resultados demonstrados desconsideram as comercializadoras coligadas dessas empresas de geração, que podem estar sobrecontratadas para fazer hedge corporativo dos riscos de exposição ao MCP16, tendo em vista que o controle das empresas é comum. 92. A partir dessa tabela de resultados é possível fazer outra inferência para verificar que os valores alegados pelos geradores (R$ 18,5 bilhões) não possuem consistência econômica. Caso consideremos que os R$ 18,5 bilhões são perdas efetivas, seria de se esperar que esse montante afetasse o resultado das empresas. 93. Invertendo a lógica do raciocínio, caso se reconheça a necessidade de compensação dos R$ 18,5 bilhões, esse valor passaria a compor o resultado das empresas, seja como redução de custo, seja como aumento de receita. Na hipótese de se tratar de aumento de receita, os R$ 18,5 bi estariam sujeitos à incidência de PIS/COFINS, IRPJ e CSLL para serem convertidos em lucro líquido, o que

15 A questão das SPEs será discutida mais detalhadamente em seção específica. Por ora é oportuno antecipar o entendimento da área técnica de que as SPEs devem ser observadas no contexto das operações de seus proprietários. Isso porque para obter melhores condições de financiamento, as SPEs por vezes adotam posturas agressivas de venda para geração de recebíveis. Não obstante, os proprietários acomodam essa aparente agressividade no contexto de uma estratégia global de proteção que envolve outros ativos do portfólio da holding e uma gestão integrada da comercialização da energia em carteira. 16 Nesse ponto, recomenda-se como exemplo a leitura do Relatório Anual de 2014 do Grupo CPFL.

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representaria um acréscimo de R$ 11,1 bilhões no resultado dos geradores com empreendimentos hidrelétricos. 94. Considerando que os geradores descritos na Tabela 7 representam pelo menos 90% da capacidade de geração hidráulica instalada, direta ou indiretamente, a somatória do lucro líquido de 2014 sairia de R$ 7,3 bi para R$ 17,3 bi, sendo quase o dobro do resultado de 2013. Ou seja, o reconhecimento da conta apresentada pelos geradores implicaria num lucro histórico duas vezes maior do que o obtido num ano normal. 95. Em complemento as abordagens anteriores, que observam dados econômicos e financeiros, é possível ainda estimar o custo unitário das exposições ao risco hidrológico vis-à-vis a receita dos geradores, observando se as condições operacionais de geração de caixa são suficientes para fornecer o incentivo à manutenção do negócio17. 96. Para realizar essa estimativa parte-se dos dados de Itaipu para o ano de 201418, assumindo uma sazonalização comercial flat e utilizando o PLD médio mensal do subsistema Sudeste\Centro-Oeste. A escolha de Itaipu se deve ao fato de: (i) os dados serem públicos; (ii) a usina negociar 100% de sua garantia física, ou seja, não possuir qualquer hedge comercial; (iii) a usina sazonalizar sua garantia física no MRE pela média da sazonalização dos demais agentes de geração hidrelétrica. 97. Essas características permitem uma avaliação isolada dos efeitos do risco hidrológico sobre um empreendimento alavancado ao máximo na venda de sua garantia física. Ainda que, conforme argumentado anteriormente, essa dissociação do risco hidrológico não faça sentido sob o ponto de vista de gestão da carteira de negócios de um gerador, que possui diversas alternativas de diversificação, mitigação e hedge corporativo, o exemplo de Itaipu insere uma dimensão de quais os impactos máximos em projetos isolados, revelando a potencial viabilidade operacional mesmo nos casos mais extremos. 98. A aferição do custo unitário é feita de uma forma bastante simples: (i) apura-se o déficit de Itaipu no MCP em 2014, o qual se refere exclusivamente a efeitos do GSF19 dado que a usina não dispõe de estratégias de mitigação; e (ii) divide-se o déficit apurado pelo montante de energia vendida por Itaipu para aquele ano. 99. O custo unitário obtido dessa forma foi de R$ 62/MWh, valor comparável ao custo de outras usinas hidrelétricas que venderam 100% de sua Garantia Física, expurgando-se estratégias de sazonalização e observando-se apenas o efeito isolado do risco hidrológico. Se fosse considerada a

17 A importância da existência de um fluxo operacional positivo será discutida mais adiante, possuindo relação com o conceito de custo afundado. De uma forma simplificada, a recuperação do custo fixo, ainda que desejável, não é determinante para se aferir a vantagem econômica da manutenção de um negócio com fluxo operacional positivo. Mesmo que o fluxo operacional não seja suficiente para remunerar o capital investido, próprio ou de terceiros, é melhor manter o negócio com perda parcial do que parar o negócio e perder todo o custo afundado. Na seção específica serão discutidos exemplos de soluções de mercado que envolveram rearranjo de participações e dívidas para viabilizar negócios com fluxos operacionais. 18 Conforme montantes de energia definidos na Resolução Homologatória 1.664/2013 e dados de PLD obtidos no site da CCEE. 19 O GSF em 2014 foi de aproximadamente 91%, o que significa que Itaipu teve que comprar 9% de sua energia vendida no MCP, expondo-se ao PLD.

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hipótese de venda de 95% de garantia física, o que implicaria a manutenção da margem comercial de 5% alegada pelos agentes geradores como razoável, o custo unitário de 2014 seria de R$ 29/MWh. 100. Considerando que a partir de 2015 passou a vigorar um novo teto de PLD e assumindo que o teto representará o valor vigente ao longo do ano, é possível verificar que na hipótese de um GSF em 2015 igual ao de 2014, o custo unitário seria R$ 34/MWh para uma venda de 100% da garantia física e R$ 16/MWh para uma venda de 95%. 101. Por fim, ainda como uma extensão da análise do custo unitário, é possível simular uma matriz combinando cenários de GSF e níveis de contratação. Quanto maior a venda e menor o GSF, maior o custo unitário da unidade vendida. Essa matriz é demonstrada na Tabela 5.

Tabela 8 – Custo unitário por cenário de GSF e venda de garantia física

GSF/ Venda

90% 85% 80%

100% 38,85 58,27 77,70

95% 18,45 41,01 65,13

90% 0 19,42 41,13

102. Assumindo que os custos de operação, manutenção, encargos setoriais e uso de rede somam aproximadamente R$ 35/MWh20, é possível observar no pior cenário simulado (venda de 100% e GSF de 80%) o custo operacional máximo por unidade vendida é de R$ 113/MWh (77,7 +35). Dado que o preço médio de venda dos contratos por quantidade21 ao Ambiente de Contratação Regulada - ACR, líquido de PIS/COFINS é aproximadamente R$ 135/MWh22, mesmo no cenário mais crítico da simulação a margem operacional é positiva em R$ 22/MWh. Considerando o nível de hedge de 5% alegado pelos geradores como razoável, a margem operacional por unidade vendida fica em R$ 34/MWh. 103. O estudo do custo unitário identifica, portanto, que mesmo diante de um cenário hidrológico desfavorável, não há inviabilidade operacional. Não obstante, pode haver implicações negativas do ponto de vista financeiro, na medida em que os agentes operam com algum grau de alavancagem financeira e precisam pagar juros e amortizar dívidas. Todavia, como será visto adiante, problemas financeiros permitem soluções a mercado na medida em que exista viabilidade operacional. 104. Diante de todas essas argumentações, a área técnica conclui que não faz sentido a separação do risco hidrológico do resultado econômico e financeiro dos geradores e ainda que essa separação fosse possível, o impacto não seria suficiente para a inviabilização operacional do negócio.

20 Esse valor é obtido a partir dos custos médios do setor considerados na definição das receitas das usinas em regime de cotas nos termos da Lei 12.783/2013. Também foi essa a medida considerada para a elevação do piso do PLD. 21 Conforme Lei 10.848/2004 e Decreto 5.163/2004 o contrato por quantidade é aquele em que o vendedor assume o risco hidrológico. 22 Dado retirado do preço médio dos CCEAR-Q da Revisão Tarifária Extraordinária das Distribuidoras.

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* A Nota Técnica é um documento emitido pelas Unidades Organizacionais e destina-se a subsidiar as decisões da Agência.

105. Além disso, pelas comparações apresentadas, a área técnica entende que os valores apresentados pelos geradores são inconsistentes com a natureza do negócio em com a realidade de seus desempenhos em anos de hidrologia regular. O caso das Sociedades de Propósito Específico – SPE 106. Avaliando o histórico recente de empreendimentos de geração de energia elétrica, observa-se que as obras têm sido viabilizadas a partir da criação de SPEs. 107. Uma das explicações pela preferência de tal modelo de organização empresarial é a exigência dessa configuração empresarial pelos credores como condição necessária ao financiamento de projetos na modalidade Project Finance ou como pré-requisito previsto no edital de leilão de alguns empreendimentos. 108. A SPE também favorece o acompanhamento da gestão do projeto pelos credores e acionistas não controladores, uma vez que não permite a mistura entre diferentes projetos que não estejam especificados no propósito da empresa. 109. Com um único projeto, a necessidade de desembolsos de uma SPE coincide com os desembolsos do projeto, sendo usual que os acionistas realizem os aportes de acordo com o cronograma de desembolsos. 110. Isso ocorre basicamente porque não faz sentido econômico aos acionistas da empresa adiantar os recursos, pois neste caso os recursos permaneceriam no caixa da SPE ou seriam investidos numa aplicação de disponibilidade imediata, com um retorno aquém do custo de oportunidade. Além disso, deve-se considerar a inflexibilidade dos controladores para a retirada de recursos da SPE por restrições dos credores. 111. Dado o estímulo ao não acúmulo de recursos na SPE, as análises de solidez financeira considerando os recursos disponíveis na empresa perdem sentido, resultando na necessidade de avaliação conjunta da situação financeira dos controladores do empreendimento. 112. Os empreendimentos em implantação possuem a característica de um forte desembolso de capital até a entrada em operação plena da usina, decorrente da construção da estrutura física da obra, compra dos equipamentos eletromecânicos e compensações ambientais. 113. Essa etapa é seguida de uma fase de forte geração de caixa operacional decorrente do início da operação do empreendimento e o consequente recebimento das receitas de venda da garantia física. As Figuras 4 e 5 ilustram o desempenho típico do fluxo de caixa operacional e financeiro de uma usina hidrelétrica – UHE.

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Figura 4: Desempenho do fluxo de caixa operacional de uma UHE durante o período de concessão.

Figura 5: Desempenho do fluxo de caixa de investimentos de uma UHE durante o período de concessão.

114. Outra característica relevante é a inviabilidade legal de liquidação dos ativos acumulados durante o período pré-operacional. Os investimentos pretéritos realizados em ativos de geração se tornam ativos vinculados ao contrato de concessão, não podendo o concessionário vender sem o aval do órgão regulador. 115. Ao conjugarmos: (i) a inviabilidade na liquidação dos ativos, (ii) o baixo investimento necessário na fase de operação da usina e (iii) a avaliação do fluxo operacional positivo após a entrada em operação, entende-se que para empreendimentos em estágio avançado de implantação não faz sentido econômico a opção de abandono por acionistas e credores. 116. A análise financeira a ser adotada pelos empreendedores consiste em utilizar a ferramenta de fluxo de caixa descontado trazendo a valor presente os desembolsos futuros e comparar com eventuais desembolsos negativos causados por eventos fora do cenário base de investimentos. 117. Com base em análises de dados específicos de agentes que manifestaram preocupações em relação ao GSF, constatou-se que a magnitude das perdas decorrentes é inferior a 15% do capital investido no empreendimento e inferior ao patrimônio líquido das SPEs e controladoras. 118. Ou seja, considerando os custos passados como custos afundados e a não alteração nos fluxos esperados de receita, a ocorrência de investimentos significativamente menores para garantir os mesmos benefícios futuros indicam a viabilidade econômica de os acionistas suportarem eventuais perdas decorrentes do cenário hidrológico desfavorável, dado que a opção de abandono é a mais custosa das alternativas quando há fluxo operacional positivo.

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119. Outro fator que poderia demonstrar sinais de perdas econômicas graves aos acionistas seria a ocorrência de perdas por impairment nos ativos de geração. A não ocorrência indica que os investimentos a custo histórico ainda são recuperáveis ao longo da vida do ativo. Avaliando as demonstrações contábeis públicas dos principais geradores por fonte hidrelétrica não foi constatado nenhum ajuste significativo no resultado em função de impairment23. 120. Não obstante, dada a alegação de alguns agentes com relação à inviabilidade corrente dos gastos de compra de energia no MCP, que estariam superiores à capacidade financeira das SPEs, elencamos a seguir, exemplificativamente, três soluções que não demandariam intervenção regulatória: (i) aporte de recursos dos controladores ou parte dos controladores, (ii) busca de um novo sócio disposto a aportar recursos e (iii) reestruturação financeira das obrigações da empresa. 121. A primeira alternativa, rotineira em empreendimentos novos, é viável e provavelmente a menos custosa, caso os sócios tenham capacidade financeira de tal aporte. Esses aportes poderiam ser realizados com a diluição de sócios sem capacidade financeira, aumentando-se a participação dos demais no empreendimento. 122. Caso um sócio considere serem excessivamente danosas as condições de diluição requeridas, ainda há a alternativa de colocar sua participação a venda. Alternativamente, existe a opção de os sócios em conjunto buscarem um novo sócio disposto a aportar recursos, diluindo todos os controladores com base no ingresso do novo acionista. 123. Não havendo interesse de novos sócios, a solução passaria por conversão de parte do endividamento oneroso das empresas em ações com a consequente diluição da participação dos atuais acionistas. Empresas do extinto grupo X, tais como OGX, OSX, MMX e MPX recentemente passaram por reestruturação financeira, mesmo com condições operacionais desvantajosas, como no caso da OGX24. 124. Em 30/04/2015, por exemplo, os credores da empresa Eneva (antiga MPX) aprovaram um plano de reestruturação que prevê a conversão de até R$ 2,4 bilhões de dívidas, que representa 100% do endividamento oneroso da empresa, em ações visando à compatibilização da capacidade de geração de caixa futura com os passivos da companhia. Em 2007, a Light passou por um processo semelhante com o BNDES, antes da aquisição pela Cemig. 125. Cabe destacar que outros setores que hoje não enfrentam problemas financeiros aparentes já passaram por processos relevantes de reestruturação financeira como é o caso do setor de papel e celulose (Aracruz e VCP, que deram origem à Fibria, e Klabin) e de alimentos processados (Sadia e Perdigão, que originaram a Brasil Foods). 126. Com a conversão de parte das dívidas da empresa em ações, a empresa ganha nova capacidade de se financiar viabilizando a obtenção de novos recursos de terceiro no curto prazo para fazer

23 Esclarece-se que o impairment não se refere há existência de lucro ou prejuízo em determinado período de apuração, ainda que tenha efeitos sobre o resultado no caso de ensejar ajuste, mas da avaliação de que o investimento não possui recuperação viável dadas as condições de fluxo de caixa do empreendimento. 24 Disponível em http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,ogx-fecha-acordo-com-credores-para-reestruturacao,173891e.

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frente aos compromissos pactuados. A Figura 6 a seguir exemplifica o comportamento do passivo em uma reestruturação financeira e a Figura 7 uma provável consequência no capital próprio.

Figura 6: Exemplo de efeito no passivo em uma reestruturação financeira.

Figura 7: Exemplo de efeito no capital próprio em uma reestruturação financeira.

127. Assim sendo, é possível retirar algumas conclusões relevantes sobre as SPEs. Primeiramente, a análise isolada do projeto não é suficiente para caracterizar a capacidade financeira da sociedade, tendo em vista ser natural nesse tipo de estrutura empresarial a necessidade de aporte dos acionistas e não haver estímulos para manutenção de caixa na SPE. 128. Também é possível perceber que há diversas alternativas de solução a mercado, sem exigência de intervenção regulatória. Vários setores já vivenciaram ocasiões de reestruturação financeira com credores ou alteração de estrutura societária. No setor elétrico mesmo há o exemplo recente da Eneva, além de outras empresas que chamam a atenção, tais como OGX.

Consequências esperadas da baixa hidrologia 129. As análises realizadas sobre os efeitos da atual baixa hidrologia demonstram que não foi possível comprovar a existência de um problema conjuntural generalizado que inviabilize o setor de geração hidrelétrica brasileiro25, nem do ponto de vista econômico, nem do ponto de vista financeiro.

25 A despeito de a crise hídrica ter se iniciado em 2013, com aprofundamento nos anos de 2014 e no começo de 2015, ranking elaborado pela EY em março de 2015 aponta o Brasil como o segundo melhor destino para investimentos em hidroeletricidade, atrás apenas da China.

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130. Não obstante, num contexto estrutural, é esperado que ocorra um realinhamento de expectativas dos agentes26, que responderá ao aprendizado decorrente do cenário hidrológico desfavorável e a eventuais sinalizações regulatórias, redefinindo seus preços de oferta em novos projetos de fonte hidráulica. 131. Essas sinalizações regulatórias podem se dar em várias esferas, mas é possível citar três encaminhamentos não excludentes, a título exemplificativo, e fazer uma análise qualitativa dessas opções aventadas:

(i) aumento do preço-teto dos leilões de UHEs, para evitar certames vazios, comportando a nova percepção do risco tomado pelo empreendedor no preço de oferta; (ii) limitação do risco hidrológico para novos empreendimentos, a partir de uma nova definição da matriz de riscos, o que evitaria aumento dos preços, mas implicaria alteração em relação à situação vigente de alocação de riscos entre comprador e vendedor; e (iii) criação de um mecanismo institucionalizado de mitigação do risco para os contratos vigentes, com expectativa de extensão desse mecanismo aos novos contratos.

132. A primeira opção parte do princípio que o problema atual é fruto de uma quebra de expectativas em relação aos riscos assumidos ex-ante em projetos já implantados ou em fase de implantação. Nessa perspectiva, não haveria imperfeições conceituais no modelo de venda dos empreendimentos hidrelétricos, de modo que, em vez de alterar-se a matriz de riscos, seria mais eficiente adequar-se o preço-teto dos novos leilões para que os agentes geradores incorporassem seu aprendizado relacionado ao cenário hidrológico desfavorável atual nas suas novas ofertas de preço de venda. 133. Esse seria o encaminhamento menos intervencionista, na medida em que manteria o risco no polo contratual capaz de gerenciá-lo, apenas ajustando o preço a ser pago pela tomada desse risco pelo vendedor. 134. A segunda opção de encaminhamento partiria do reconhecimento de que a matriz de risco atual não é mais compatível com uma relação equilibrada entre compradores e vendedores. A partir disso, o modelo dos contratos de fonte hidráulica teria que ser revisitado, limitando as obrigações do vendedor e transferindo uma parte ou a integralidade do risco ao comprador.

http://www.ey.com/Publication/vwLUAssets/Renewable_Energy_Country_Attractiveness_Index_43/$FILE/RECAI%2043_March%202015.pdf) 26 A primeira reação esperada é a redução dos deságios em leilões de novos empreendimentos hidrelétricos ou a falta de interesse no empreendimento, tornando o leilão vazio. Ilustra esse fato o preço de venda da UHE Itaocara, no 21º Leilão de Energia Nova - LEN, realizado em 30/04/2015, no valor de R$154,99/MWh contra um preço teto de R$155,00/MWh. Esse é um dos menores deságios já registrados nos leilões de energia nova para usinas hidrelétricas de grande porte, acima de 50 MW de potência instalada. Além da nova percepção de risco dos investidores em função da crise hídrica, o resultado também é explicado pelas condições de financiamento divulgadas pelo BNDES, que reduziu o financiamento da UHE Itaocara a 50% dos itens financiáveis, seguindo com sua política de estimular o mercado de debêntures. Outra explicação para o resultado foi a postura agressiva do agente, que vendeu 96% de sua garantia física para o Ambiente de Contratação Regulada – ACR, colocando-se numa posição de pouca flexibilidade e maior absorção de risco.

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135. Isso poderia ser feito, por exemplo, licitando-se novos empreendimentos hidrelétricos na modalidade por disponibilidade, de modo que a receita do gerador ficaria restrita ao serviço de operação da usina e amortização do capital investido, sem oportunidades de ganho na exploração de estratégias comerciais de venda de garantia física. 136. Esse encaminhamento certamente evita ou reduz a intensidade do aumento de preços, todavia, o custo final ao consumidor deve aumentar, na medida em que o comprador não possui alternativas de mitigação de risco disponíveis ao vendedor. Além disso, a atratividade do negócio se reduz, pois é extinta uma alternativa de geração de valor ao acionista, decorrente da comercialização de sua garantia física. 137. A terceira opção, por sua vez, busca a solução de problemas no caso concreto, sinalizando que, em última instância, o instrumento contratual pactuado não é absoluto e pode ser flexibilizado para contemplar soluções que agreguem o interesse público de continuidade na geração das fontes hidrelétricas com o interesse privado de obtenção de ganhos compatíveis com as expectativas assumidas. 138. Essa solução, todavia, é bastante complexa do ponto de vista de implementação, uma vez que há uma grande assimetria de informação entre os agentes e os formuladores de políticas públicas, que podem gerar comportamentos de:

(i) rent-seeking (captura de renda), no qual os agentes pressionam o governo por uma solução intervencionista, quando na verdade a solução governamental seria desnecessária e apenas alavancaria seus resultados econômicos; (ii) risco moral, na medida em que interessa a todos os agentes o recebimento de eventual auxílio governamental, todos apresentariam uma situação de crise impossível de ser solucionada, mesmo que houvesse solução a mercado ou os efeitos da crise fossem suportáveis; ou (iii) seleção adversa de novos empreendedores, na medida em que a institucionalização de um mecanismo de socorro de última instância poderia atrair agentes oportunistas e imprudentes, amparados pela expectativa de serem salvos na hipótese de adotarem estratégias excessivamente agressivas e obterem resultados indesejados.

139. Apenas análises bastante criteriosas, contemplando todos os aspectos descritos nessa Nota Técnica, admitiriam o diagnóstico de uma situação insustentável para algum caso específico e mesmo nesse caso haveria uma assimetria de informação intransponível, a saber, se há ou não, no caso concreto, uma solução viável a mercado27.

27 Na discussão sobre as SPEs foram abordadas soluções a mercado, elencando elementos conceituais dessas soluções e exemplos de aplicação. Uma maneira de mitigar parte dessa assimetria seria, por exemplo, exigir que o agente primeiramente ofertasse sua participação em determinado empreendimento ou seu controle acionário ao mercado, participando de uma solução alternativa apenas no caso de frustração da venda. Mesmo assim a assimetria não seria eliminada, tendo em vista que há alternativas de negociação com credores, que não seriam desvendadas com essa estratégia.

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140. É preciso ressaltar que, independente da escolha, qualquer solução implicará um ônus a ser suportado pelos consumidores28, na medida em que se trata de um reequilíbrio nas condições de risco, custo e benefício das partes contratadas em uma operação de compra e venda de energia. A escolha, nesse sentido, é a intensidade em que esse ônus é alocado tanto do ponto de vista financeiro quanto do ponto de vista de distribuição intertemporal29. 141. Soluções que excluam ajudas a empreendimentos implantados ou em implantação certamente são mais baratas para o consumidor, tendo em vista que reduzem o escopo e a abrangência de eventuais medidas corretivas, não obstante, num cenário extremo possam comprometer a continuidade dos serviços se não houver solução de mercado para esses casos. 142. Também é preciso notar que soluções em casos específicos dificilmente evitariam o aumento nos preços de oferta para novos empreendimentos, que seriam muito mais sensíveis a uma clara alteração na matriz de risco definida nos contratos de concessão. 143. Por fim, mesmo a imposição de um compromisso de investimento em expansão como contrapartida de uma solução em caso específico, não impediria comportamentos oportunistas, dada a necessidade de definir parâmetros de eficiência nesses investimentos, e nem evitaria o ônus ao consumidor, pois este seria chamado a financiar o compromisso de investimento assumido pelos geradores em crise. 144. Não obstante, buscando avançar nos estudos sobre o risco hidrológico e considerando que as duas primeiras alternativas de solução são de competência do Poder Concedente, resta à ANEEL estudar de maneira mais aprofundada a terceira proposta de encaminhamento30. Ressalta-se que, mesmo nessa hipótese, a área técnica que a solução deve ser economicamente neutra para o consumidor, de modo que a solução deveria ser um financiamento a taxas de mercado e com prazo certo para devolução. 145. Para tanto, a SRM encaminhou Ofícios31 aos geradores solicitando a seguinte relação de informações, a fim de averiguar se há elementos suficientes para adotar-se alguma solução regulatória em casos específicos:

“1. Tendo em vista os apontamentos realizados por essa Associação quanto à dificuldade financeira dos agentes de geração de energia elétrica expostos ao risco hidrológico, solicitamos que a ABRAGE compartilhe com seus associados a lista de informações a serem encaminhadas à ANEEL para que a agência realize uma avaliação mais precisa desses efeitos, conforme abaixo:

i. Garantia Física Total do agente, por ano, disponível para comercialização, sem perdas na rede básica, dos últimos cinco anos, se houver, e para 2015;

28 A simples extensão do prazo do contrato, por exemplo, já é onerosa, na medida em que posterga o benefício esperado ao consumidor da conversão da UHE ao regime de cotas, nos termos da Lei 12.783/2013. 29 Sob a ótica intertemporal, a existência de uma taxa de desconto adequada pode anular o ônus do consumidor no presente em troca de um benefício futuro, desde que a solução envolva a necessária contrapartida do gerador socorrido. 30 Exceto quanto a eventual compromisso de investimento, o qual constituiria política pública, extrapolando as competências da ANEEL. 31 Ofícios nº 111 e 112/2015-SRM/ANEEL, enviados a ABRAGE e APINE respectivamente.

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ii. Quantidade de energia vendida nos últimos cinco anos, se houver, e compromissos de venda para 2015; iii. Prazos dos compromissos de venda vigentes no ano de 2015 e respectivo volume de energia; v. Resultado líquido mensal do gerador em quantidade de energia e em valores financeiros nos últimos cinco anos, se houver, além dos meses já contabilizados de 2015, separando efeitos de GSF de eventuais problemas de indisponibilidade ou atraso na entrada em operação; v. Abertura de contratos com partes relacionadas, especificando preços, prazos e volumes; vi. Balanço patrimonial dos últimos três anos, se houver; vii. Empréstimos e financiamentos especificando custo, prazo, fluxo de pagamento (principal + juros), covenants e instituições financiadoras; viii. Demonstração do Resultado do Exercício dos últimos cinco anos, se houver; e ix. Em caso de SPE, descrição da estrutura societária e apresentação dos dados também para os controladores que possuem outros ativos de geração.

2. Solicitamos que as informações sejam enviadas em cópia digital (CD/DVD, pen-drive etc.). 3. Ressaltamos que o envio das informações pelos agentes é facultativo. Apenas os agentes que voluntariamente encaminharem todos os dados serão analisados.”

146. As informações foram solicitadas em caráter facultativo, de modo que apenas os agentes dispostos a abrir todas as informações solicitadas serão elegíveis a um estudo aprofundado. 147. Ressalta-se que, até esta data, nenhum agente encaminhou as informações completas, com apenas duas ocorrências de envios incompletos, aos quais foi reiterada a necessidade de complemento dos dados para que a Agência possa realizar um diagnóstico preciso da situação. III.3 PROPOSTAS DOS AGENTES PARA MITIGAR OS EFEITOS DO GSF 148. Essa seção apresenta as propostas da APINE e da ABRAGE, oficialmente apresentadas à ANEEL em relação à mitigação dos efeitos do GSF inferior a 1. Ainda que esta Nota Técnica já tenha discutido os argumentos apresentados pelas associações, discordando da abordagem do problema, das premissas e dos efeitos estimados, entende-se pertinente avaliar as propostas de solução apresentadas pelos agentes. Proposta da APINE 149. Conforme Carta PRE 352/14, a proposta da APINE refere-se ao impacto econômico das geradoras hidrelétricas pertencentes ao MRE devido à ocorrência de diferença entre a garantia física e a energia alocada do MRE motivada pelo despacho de geração termelétrica fora da ordem de mérito de custo, por razões de segurança energética, conforme segue:

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“1. Na ocorrência da diferença mencionada, o custo resultante, valorado pelo Preço de Liquidação das Diferenças — PLD, seria alocado aos agentes de consumo do Sistema Interligado Nacional, na proporção do consumo atendido pelo SIN de cada um desses agentes. 2. O custo indicado seria tratado como Encargo de Serviços do Sistema - ESS, associado ao despacho de geração termelétrica fora da ordem de mérito, devendo, dessa forma, para fins de contabilização no mercado de curto prazo, os geradores hidrelétricos participantes do MRE serem ressarcidos pelo ESS de forma proporcional a sua garantia física para participação no MRE. 3. O montante de energia termelétrica gerada fora da ordem de mérito, até o montante da diferença referida no item 1, seria apurado pela CCEE e creditado em MWh em Conta de Energia Vinculada ao Encargo de Serviço de Sistemas (Ceve). 4. Nos momentos em que se verificar energia secundária no sistema, os agentes do MRE devolveriam esta energia à Ceve, de forma proporcional a sua garantia física para participação no MRE. até o limite do montante de energia creditado na Conta. 5. A energia devolvida seria valorada ao PLD do momento da devolução, sendo o resultado descontado do resultado da contabilização de cada agente do MRE e utilizado para abatimento de ESS. 6. Eventuais vertimentos turbináveis em usinas do MRE teriam seu valor em MWh deduzidos do crédito de energia da Ceve, de forma a abater o saldo a ser compensado pelo MRE. 7. Uma vez aprovada a presente proposta, até que as regras de comercialização possam incorporá-la, entendemos que a CCEE poderia preceder seus efeitos mediante mecanismo auxiliar de cálculo.”

150. A proposta da APINE previa uma conta corrente de energia, de modo que o consumidor arcaria com o GSF em momentos de déficit de geração hídrica e seria compensado no mesmo montante de energia em cenários de geração acima da garantia física (energia secundária). 151. Esse mecanismo certamente seria desfavorável ao consumidor, na medida em que o GSF menor de com 1 está relacionado a preços altos, enquanto que a secundária está associada a períodos de PLD baixo. Ou seja, a proposta prevê uma equivalência em energia sem considerar que o valor da energia varia no tempo em função, justamente, das condições hidrológicas. 152. É importante mencionar ainda que eventuais exposições financeiras tiveram seu impacto aos geradores hidrelétricos bastante mitigado em função da redução do PLDmáx a partir de janeiro de 2015, conforme Resolução Homologatória nº 1.832, de 25 de novembro de 2014. Apesar disso, a APINE, , durante a Audiência Pública nº 054/2014, formalizou posicionamento contrário à proposta da ANEEL, conforme reproduz-se da Nota Técnica nº 002/2014-ASD-SEM-SRG/ANEEL32: 32Processo 48500.004659/2014-34

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“i) A APINE não é favorável à revisão dos limites do PLD sem o estabelecimento de metodologia amplamente debatida, que permita a definição consistente desses limites, com base em critérios conhecidos e estáveis. O estabelecimento de piso e teto do PLD tem profunda relevância estrutural para os agentes geradores existentes e para a decisão de novos investimentos em geração. ii) É inaceitável a transferência de custos de responsabilidade dos agentes de consumo, através do ESS, aos agentes de geração que não são responsáveis, nem consideraram os mesmos na viabilidade econômica de seus empreendimentos.”

153. Do ponto de vista legal, a proposta da APINE também não tem sustentação. Primeiramente, relativamente ao MRE, o Decreto nº 2.655, de 2 de julho de 1998, define, em seu art. 20, o seguinte:

Art. 20. As regras do MAE deverão estabelecer o mecanismo de Realocação de Energia - MRE, do qual participarão as usinas hidrelétricas com o objetivo de compartilhar entre elas os riscos hidrológicos.

154. Dessa disposição do Decreto, destacam-se duas importantes características do MRE: (i) somente participam do MRE as usinas hidrelétricas; e (ii) o MRE tem o objetivo de compartilhar entre as usinas hidrelétricas participantes os riscos hidrológicos, sem qualquer limitação quanto ao montante do risco. 155. Assim, não há possibilidade legal para que os consumidores de energia assumam diretamente os riscos hidrológicos cobertos pelo MRE. Do ponto de vista regulatório, portanto, esse repasse aos consumidores só poderia ocorrer caso a matriz de risco de todos os contratos de compra e venda fosse repactuada, tornando os contratos por quantidade em contratos por disponibilidade. 156. Ou seja, a proposta ensejaria quebra de contratos e repactuação de preços, dado o novo risco, contrariando ainda as condições editalícias dos leilões dos empreendimentos hidrelétricos eventualmente contemplados. 157. No que concerne aos contratos de venda de energia, denominados Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado (CCEAR), a Lei nº 10.848, de 15 de março de 2004, em seu art. 2º, § 1º, inciso I, dispõe o que segue:

§ 1º Na contratação regulada, os riscos hidrológicos serão assumidos conforme as seguintes modalidades contratuais:

I - pelos geradores, nos Contratos de Quantidade de Energia;

158. De modo mais detalhado, o Decreto nº 5.163, de 30 de julho de 2004, seu art. 28, §1º, inciso II, regulamentou o disposto nessa Lei da seguinte forma:

Art. 28. [...]

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§ 1º Deverá estar previsto no CCEAR, na modalidade por quantidade de energia elétrica que:

[...]

II - os custos decorrentes dos riscos hidrológicos serão assumidos pelos agentes vendedores.

Proposta da ABRAGE 159. A ABRAGE propôs a criação de mecanismo de ajuste, no âmbito das Regras de Comercialização da CCEE, por meio do qual os consumidores de energia se responsabilizariam por compensar o efeito suportado pelos geradores hidrelétricos em decorrência da substituição da geração de suas usinas pela das usinas termelétricas despachadas fora da ordem de mérito. 160. Da mesma forma que a APINE, a ABRAGE entende que os custos devem ser suportados pelos consumidores de energia, beneficiários da agregação de segurança proporcionada pela geração termelétrica fora da ordem de mérito de custo. Posteriormente, a quantidade de energia armazenada nos reservatórios em função dessa geração seria reconhecida sob a titularidade dos consumidores.

161. Assim, verifica-se que nas propostas das duas Associações, o consumidor deve custear as exposições dos geradores hidrelétricos no mercado de curto prazo e ainda proporcionar um ganho econômico aos agentes, conforme citado anteriormente. 162. Ocorre que, além das disposições legais já apresentadas anteriormente, a legislação também já definiu que os consumidores já assumem o risco hidrológico nos contratos por Disponibilidade33 e no caso das concessões de geração de energia hidrelétrica prorrogadas, nos termos da Lei nº 12.783, de 11 de janeiro de 2013, conforme abaixo:

Art. 1º A partir de 12 de setembro de 2012, as concessões de geração de energia hidrelétrica alcançadas pelo art. 19 da Lei nº 9.074, de 7 de julho de 1995, poderão ser prorrogadas, a critério do poder concedente, uma única vez, pelo prazo de até 30 (trinta) anos, de forma a assegurar a continuidade, a eficiência da prestação do serviço e a modicidade tarifária.

[...]

§ 5º Nas prorrogações de que trata este artigo, os riscos hidrológicos, considerado o Mecanismo de Realocação de Energia - MRE, serão assumidos pelas concessionárias e permissionárias de distribuição do SIN, com direito de repasse à tarifa do consumidor final.

163. Adicionalmente, a ABRAGE também levanta a questão das iniciativas que visam a redução do consumo e cita o art. 22 da Lei nº 10.848/2004:

33Conforme previsto no Inciso II, do parágrafo 1º do art. 2º da Lei 10.848, de 2004.

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* A Nota Técnica é um documento emitido pelas Unidades Organizacionais e destina-se a subsidiar as decisões da Agência.

“Art. 22. Ocorrendo a decretação de racionamento de energia elétrica pelo Poder Concedente em uma região, todos os contratos por quantidade de energia do ambiente de contratação regulada, registrados na CCEE, cujos compradores estejam localizados nessa região, deverão ter seus volumes ajustados na mesma proporção da redução de consumo verificado”.

164. No entendimento da Associação, independentemente da caracterização da iniciativa utilizada que resulte na redução de consumo de energia, deveriam ser enquadradas no art. 22 da Lei 10848/2001, resultando na redução dos montantes dos Contratos de Comercialização de Energia Elétrica no Ambiente Regulado – CCEAR por quantidade, na proporção da redução de consumo verificada. 165. Quanto a essa questão, tendo em vista que a eventual decretação de racionamento é de competência do Poder Concedente, não cabe à ANEEL definir o que deve ser caracterizado como racionamento de energia.

166. Por fim, é adequado disponibilizar esta Nota Técnica, que representa o entendimento das áreas com relação ao GSF, na forma de Audiência Pública, para conhecimento e contribuições dos agentes setoriais e da sociedade em geral. IV. DO FUNDAMENTO LEGAL 167. As propostas e fundamentos constantes dessa Nota Técnica estão consubstanciados nas Leis n° 9.427, de 1996, nº 10.848, de 2004, e nos Decretos nº 2.335, de 1997, nº 5.163, de 2004, e nº 5.177, de 2004.

V. DA CONCLUSÃO 168. Ante o exposto, estas Superintendências concluem que:

(i) as alegações dos geradores quanto às razões técnicas, energéticas,

econômicas e financeiras e suas propostas de mitigação para o GSF menor do que 1 não se sustentam;

(ii) os valores apresentados pelos geradores não são compatíveis com os

desembolsos efetuados e nem com os resultados obtidos no ano de 2014; (iii) problemas de inviabilidade do negócio de geração, se existirem, não são

generalizados; (iv) existem soluções de mercado alternativas a uma intervenção regulatória para

casos de inviabilidade financeira; (vi) qualquer solução representa um ônus ao consumidor, de modo que uma

solução equilibrada deve neutralizar esse ônus com um benefício futuro, exigindo uma

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* A Nota Técnica é um documento emitido pelas Unidades Organizacionais e destina-se a subsidiar as decisões da Agência.

contrapartida que dê equivalência financeira a eventual auxílio aos geradores proveniente do segmento consumo.

169. Diante das conclusões elencadas, as áreas entendem que os pedidos apresentados pela APINE e ABRAGE, consubstanciados respectivamente nas cartas PRE 352/14 e 018/2015, não devem ser acatados. 170. Considerando a repercussão envolvida com relação ao GSF no cenário atual, recomenda-se adicionalmente disponibilizar esta Nota Técnica em Audiência Pública, com o objetivo de receber contribuições dos agentes setoriais e da sociedade em geral.

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Pág.33 da Nota Técnica no 038/2015-SRG-SRM/ANEEL, de 19/05/2015.

* A Nota Técnica é um documento emitido pelas Unidades Organizacionais e destina-se a subsidiar as decisões da Agência.

VI. DA RECOMENDAÇÃO 171. Recomenda-se negar os pedidos encaminhados pela APINE e ABRAGE, respectivamente nas cartas PRE 352/14 e 018/2015, e disponibilizar esta Nota Técnica para consulta pelos agentes e pela sociedade a respeito da questão do GSF, cuja repercussão tem se ampliado substancialmente em função do atual cenário hidrológico desfavorável.

PAULO FÉLIX GABARDO Especialista em Regulação

MURILO ANTUNES BRAGA Especialista em Regulação

OTÁVIO RODRIGUES VAZ Especialista em Regulação

GENTIL NOGUEIRA DE SÁ JÚNIOR Especialista em Regulação

FERNANDO COLLI MUNHOZ Assessor - SRG

PATRÍCIA NÚBIA TAKEI Especialista em Regulação

RAFAEL COSTA RIBEIRO Especialista em Regulação

De acordo:

CHRISTIANO VIEIRA DA SILVA Superintendente de Regulação dos Serviços de

Geração

RICARDO TAKEMITSU SIMABUKU Superintendente de Regulação Econômica e

Estudos de Mercado Substituto