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Noções fundamentais da concepção sistêmico-funcional de linguagem. A LSF no âmbito do Funcionalismo. Funcionalismo e Discurso 1º semestre de 2015 Prof. Dr. Paulo Roberto Gonçalves Segundo (FFLCH-USP) [email protected]

Noções fundamentais da concepção sistêmico-funcional de

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Page 1: Noções fundamentais da concepção sistêmico-funcional de

Noções fundamentais da concepção sistêmico-funcional de linguagem. A LSF no

âmbito do Funcionalismo.

Funcionalismo e Discurso

1º semestre de 2015

Prof. Dr. Paulo Roberto Gonçalves Segundo (FFLCH-USP)

[email protected]

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As perspectivas funcionalistasButler (2003: 29)1. A linguagem é primariamente um instrumento de comunicação humana em

contextos sociais e psicológicos situados.2. Rejeição, total ou parcial, da alegação de que o sistema linguístico (a ‘gramática’)

seja arbitrária e autocontida(autônoma), ou seja, defendem-se explicações funcionais em termos de fatores cognitivos, socioculturais, psicológicos e diacrônicos.

3. Rejeição, total ou parcial, da alegação de que a sintaxe é autocontida (autônoma), ou seja, defende-se que a estruturação semântica e pragmática são centrais, ao passo que a sintaxe é vista como um dos meios de expressão de significados, sendo, ao menos, parcialmente motivada por esses significados.

4. Reconhecimento do caráter não discreto das categorias linguísticas (fluidez categorial, prototipia, etc.) e, em geral, da importância da dimensão cognitiva.

5. Interesse pela análise de textos e de seus contextos de uso.6. Forte preocupação com questões tipológicas.7. A adoção de uma visão construcionistas – em vez de adaptacionista – acerca da

aquisição (ou aprendizagem) de linguagem.

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As perspectivas funcionalistasNuyts (1992; 1993)

1. Função informativa

2. Função intencional

3. Função socializante

4. Função contextualizante

Espectro de teorias funcionalistas

Gramática do Papel e da Referência (RRG) – Van Valin; van Valin e LaPolla

Gramática Funcional (FG) – Dik

Gramática Discursivo-Funcional (FDG) – Hengeveld e Mackenzie

Linguística Sistêmico-Funcional – Halliday; Halliday e Matthiessen

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Linguística Sistêmico-Funcional: preparando o terreno

“I am not really interested in the boundaries between disciplines, but if you pressedme for one specific answer, I would have to say that for me linguistics is a branch ofsociology. Language is a part of the social system […]” (Halliday, 1978: 38-9).

O programa da teoria envolve uma abordagem da língua como um recursosociossemiótico, enfatizando os modos pelos quais a linguagem empodera os falantespara, por um lado, extrair sentido da realidade e, por outro, criar concepções dessarealidade, negociando-as na interação social.

Segundo Butler (2008), trata-se de uma abordagem que oferece ricos insights acercado impacto de fatores socioculturais na estruturação da linguagem e do papel desta naconfiguração das práticas sociais, tanto no que se refere à sua manutenção quanto noque tange à sua contestação.

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Concepção de línguaHalliday (2009): a língua consiste em um sistema semogenético, ou seja, umsistema capaz de criar significado.

Mathiessen (2009): a língua configura-se em um sistema dinâmico aberto queatua como recurso tanto para a reflexão quanto para a ação.

1. Dinâmico a mudança processa-se de acordo com o contextoecossocial no qual opera.

2. Aberto ao mudar, novas opções e características emergem emresposta às novas demandas.

3. Reflexão a língua como potencial de significado associado àconstrução da experiência humana.

4. Ação a língua é um potencial de significado capaz de viabilizar oestabelecimento de relações sociais e a interação entre agentes sociais para acontinuidade da práxis.

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Princípios de organização sistêmica

Segundo Halliday (2009), são cinco os princípios que guiam asdimensões de organização do sistema:

1. a realização;

2. a organização metafuncional;

3. a organização paradigmática dos sistemas;

4. a organização sintagmática das estruturas;

5. a instanciação.

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Níveis de Estratificação e o Princípio de Realização1 Níveis de estratificação externos à linguagem2 e 3 Níveis de estratificação internos à linguagem2 estrato do conteúdo; 3 estrato da expressão

Denomina-se realização o processo de codificação/construção eativação que ocorre entre os estratos do contexto e do conteúdo (1-2),por um lado, e o processo de sinalização/manifestação que se instauraentre os estratos do conteúdo e da expressão (2-3), por outro.

Para Martin & White (2005), a realização é uma escala de abstração,que envolve a recodificação de um padrão de em outro.

Hasan (2009); Taverniers (2011): Os parâmetros contextuais, ligados aações (a-b), ativam significados (2a), que, por sua vez, ativamfraseados (2b). Dialeticamente, fraseados constroem significados, quecodificam opções contextuais. Por fim, os níveis fonético-fonológicos(3a-b) sinalizam ou manifestam os fraseados.

A relação entre os dois estratos de conteúdo é governada peloprincípio de metarredundância (Lemke, 2005) e, por isso, assumecaráter probabilístico.

Page 8: Noções fundamentais da concepção sistêmico-funcional de

Organização Metafuncional da Linguagem

Halliday & Matthiessen (2004) postulam que a evolução da língua, como um sistema dinâmico e aberto, estárelacionada a seu papel intrínseco como recurso para a construção da experiência humana externa e interna epara a negociação de relações sociais, papéis discursivos e posicionamentos intersubjetivos. Esses dois modoscomplementares de construção de significados são denominados metafunção ideacional e interpessoal dalinguagem. Além disso, um terceiro componente, a metafunção textual, é concebido como responsável pormapear esses significados entre si, relacionando-os ao contexto nos quais os significados são negociados. Talfunção seria responsável por garantir a criação da tessitura (texture) — estrutura temática e informacional,além de coesão, coerência, foricidade, dentre outras possibilidades.

Segundo os autores, todo enunciado de um falante linguisticamente adulto é intrinsecamente multifuncional,apresentando uma configuração sistêmica e estrutural que permite concebê-lo como:

a. Representaçãometafunção ideacional (experiencial)

b. Negociaçãometafunção interpessoal

c. Mensagemmetafunção textual

d. Estruturaçãometafunção ideacional (lógica)

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Organização Metafuncional da Linguagem1. A língua deve interpretar o conjunto de nossa experiência, reduzindo a variedade indefinidade fenômenos do mundo ao nosso redor, e também do nosso mundo interior, além dosprocessos de nossa própria consciência, para um número de classes e fenômenosgerenciáveis: tipos de processos, eventos e ações, classes de objetos, pessoas e instituições,dentre outros;METAFUNÇÃO IDEACIONAL (EXPERENCIAL)

2. A língua deve expressar certas relações lógicas elementares, como ‘e’ e ‘ou’ e ‘se’, assimcomo aquelas criadas pela própria língua, como ‘isto é’, ‘diz’ e ‘significa’; METAFUNÇÃOIDEACIONAL (LÓGICA)

3. A língua deve expressar nossa participação, como falantes, na situação discursiva; ospapéis que nós assumimos e impomos aos outros; nossos desejos, sentimentos,posicionamentos e julgamentos;METAFUNÇÃO INTERPESSOAL

4. A língua deve fazer todas essas coisas simultaneamente, de modo que ela relacione o queestá sendo dito ao contexto do que está sendo dito, ambos em relação ao que já foi expressoe ao ‘contexto situacional’; em outras palavras, ela deve ser capaz de ser organizada em umdiscurso relevante, não somente em palavras e frases de uma gramática ou dicionário METAFUNÇÃO TEXTUAL

HALLIDAY, 1978: 21-22.

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Organização Metafuncional da Linguagem e suas relações com o contexto situacional

Uma Configuração Contextual (CC) consiste em um padrão de parâmetros contextuais que caracteriza uma dadasituação enunciativa; CC ativam registros, que podem ser definidos como padrões probabilísticos de recursossociossemióticos ideacionais, interpessoais e textuais atualizados em resposta a tais contextos, sendo aprendidosvia integração social.

Metafunção Ideacional Interpessoal TextualParâmetro contextual Campo: refere-se à natureza

da ação social, ao conjuntode atividades orientadas, emgeral, a objetivosinstitucionais globais.

Relações: concerne ànatureza da relação socialentre os participantes dainteração em termos depapéis assumidos e dediferença de poder.

Modo: diz respeito àcanalização da comunicação,ao suporte comunicativo e àsua influência na construçãosemiótica.

Atividade Oração/enunciado comorepresentação (língua comoreflexão)

Oração/enunciado comonegociação (língua comoação)

Oração/enunciado comomensagem (criação datessitura)

Principais sistemas(Hasan, 2009)

TRANSITIVIDADE, REFERÊNCIA,EXPANSÃO, PROJEÇÃO, TEMPO

SECUNDÁRIO.

MODO, MODALIDADE, TEMPO

PRIMÁRIO, AVALIATIVIDADE,ENVOLVIMENTO.

TEMA, INFORMAÇÃO, FORICIDADE,VOZ, CONJUNÇÃO.

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Níveis de Estratificação e Organização Metafuncional da Linguagem

Contexto da Cultura

Contexto situacional

Semântica-Discursiva

Léxico-Gramática

Fonologia/

Grafologia

Metafunção textual

Metafunção interpessoal Metafunção ideacional

Page 12: Noções fundamentais da concepção sistêmico-funcional de

Organização paradigmática (sistemas) e sintagmática (estruturas) da linguagem

A LSF preconiza que as relações linguísticas se efetuam em dois eixos: o paradigmáticoe o sintagmático. O primeiro é responsável pela modelação da língua em sistemas deopções, organizados pelo princípio da delicadeza ou refinamento (delicacy), ao passoque o segundo modela a língua por meio de estruturas, configuradas a partir de níveis(ranks). Entretanto, é o caráter paradigmático ou sistêmico que confere valor — ouseja, significado — à estrutura.

Em outros termos, os valores paradigmáticos são atualizados em estruturasorganizadas por níveis, que atuam sintagmaticamente, compondo o fraseado eatualizando significados.

No modelo de Sydney (Halliday), não há uma teoria sintática propriamente dita, aocontrário do que ocorre no modelo de Cardiff (Fawcett).

Importância dos olhares “de cima”, “ao redor” e “de baixo”.

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Exemplos de Sistema

Metafunção ideacional: Transitividade: Processos Mentais

mentalPROCESSO_MENTAL-TYPE

processo

TIPO-DE-EXPERIÊNCIA

superiorSUPERIOR cognitivo

desiderativo

inferiorINFERIOR perceptivo

emotivo

DIRECIONAMENTO-DA-EXPERIÊNCIA

emanente

impingente

FENOMENALIZAÇÃO especificada

não-especificada

participantePARTICIPANTE

experienciador

fenômenoCOMPLEXIDADE simples

hiperfenômeno

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Exemplos

Participante Processo Participante

A tragédia de Santa Maria enlutou o Brasil

Fenômeno: simples Mental: inferior: emotivo: impingente: especifica Experienciador

(Eu) Só posso pensar que a razoabilidade dessas pessoas estava em férias e deixou a inconsequência em seu lugar

Experienciador Mental: superior: cognitivo: emanente: especificada Fenômeno: Hiperfenômeno

(1) Só posso pensar que a razoabilidade dessas pessoas estava em férias e deixou a inconsequência em seu lugar. (Folha de S. Paulo, Painel do Leitor, 28.01.2013)

(2) A tragédia de Santa Maria enlutou o Brasil. (Folha de S. Paulo, Painel do Leitor, 01.02.2013)

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InstanciaçãoDiferente da escala de realização, que envolve ativação e construção de padrõesentre estratos, a instanciação consiste em uma escala de generalização e dizrespeito à configuração de padrões probabilísticos de recursos linguísticos quemedeiam a relação contínua entre língua como potencial – sistema –, de umlado, e língua como instância – texto –, de outro.

Ordem

semióticaLíngua

Ordens do

discursoRegistros Tipos textuais Texto

Ordem socialEstrutura

SocialPrática Social Evento social

Grau de

instanciação

Potencial

(abstrato)Subpotencial Real generalizado

Real/Instancial

(concreto)

Page 16: Noções fundamentais da concepção sistêmico-funcional de

Referências BibliográficasBUTLER, Christopher. Cognitive adequacy in structural-functional theories of language.Language Sciences, n. 30, p. 01-30, 2008.

HALLIDAY, Michael. Language as social semiotic: The social interpretation of languageand meaning. London: Edward Arnold, 1978.

HASAN, R. The place of context in a systemic functional model. In: HALLIDAY, M. A. K. &WEBSTER, J. (org.) Continuum Companion to Systemic Functional Linguistics. London:Continuum International, 2009, p. 166-189.

LEMKE, J. Textual politics: Discourse and Social Dynamics. London: Taylor & Francis,2005.

MARTIN, J. & WHITE, P. The language of evaluation: appraisal in English. NewYork/Hampshire: Palgrave Macmillan, 2005.

TAVERNIERS, M. The syntax–semantics interface in systemic functional grammar:Halliday’s interpretation of the Hjelmslevian model of stratification. Journal ofPragmatics, n.43, p. 1100-1126, 2011.