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15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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15 ANOS DO PROGRAMA DE EDUCACcedilAtildeO FISCAL DO ESTADO DO CEARAacutememoacuterias e perspectivasISBN ndash 978-85-66674-01-9Copyright copy 2014 Ediccedilotildees Fundaccedilatildeo Sintaf
Direitos desta ediccedilatildeo reservados para
Fundaccedilatildeo Sintaf de Ensino Pesquisa Desenvolvimento Tecnoloacutegico e CulturalRua Padre Mororoacute 952 CentroCEP 60015-220 ndashndash Fortaleza CE ndashndash BrasilE-mail fundacaofundacaosintaforgbrwwwfundacaosintaforgbr
Secretaria da Fazenda do Estado do Cearaacute Avenida Alberto Nepomuceno 2 CentroCEP 60055-000 ndash Fortaleza CE ndash BrasilE-mail educacaofiscalsefazcegovbrwwwsefazcegovbr
Os conceitos e opiniotildees emitidos neste livro satildeo de inteira responsabilidade dos autores natildeo repre-sentando a opiniatildeo dos coordenadores organizadores e editores
Este E-book foi editado segundo as normas do Acordo Ortograacutefico da Liacutengua Portuguesa aprovado pelo Decreto Legislativo nordm 54 de 18 de abril de 1995 e promulgado pelo Decreto nordm 6583 de 29 de setembro de 2008
1ordf Ediccedilatildeo ndashndash 2014
Programaccedilatildeo Visual e Capa Rachel Mota Lima
Ficha de Catalogaccedilatildeo na Fonte Mordf da Conceiccedilatildeo G Lemos ndash CRB-3853
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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SumaacuterioPREFAacuteCIO 7
APRESENTACcedilAtildeO 9
PARTE I ndash EacuteTICA E CIDADANIA NO SERVICcedilO PUacuteBLICO 11
1 EDUCACcedilAtildeO FISCAL ITINERANTE UM RELATO DE EXPERIEcircNCIA NA SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO DO CEARAacute 12 Argemiro Torres NetoGermana Parente Neiva Belchior
2 PROGRAMA DE EDUCACcedilAtildeO FISCAL NO BRASIL ENFATIZAR O GASTO PUacuteBLICO 20Denise Lucena Cavalcante
3 EacuteTICA NAS RELACcedilOtildeES TRIBUTAacuteRIAS 31 Hugo de Brito Machado Segundo
4 REFLEXOtildeES CONCEITUAIS E PRAacuteTICAS DO PROGRAMA ESTADUAL DE EDUCACcedilAtildeO FISCAL NO CEARAacute 47 Imaculada Maria Vidal da Silva
PARTE II ndash TRIBUTACcedilAtildeO E CIDADANIA FISCAL 63
5 A RIQUEZA AO ALCANCE DE TODOS OS TRIBUTOS 64 Alberto Amadei Neto
6 EFICIEcircNCIA DA ADMINISTRACcedilAtildeO TRIBUTAacuteRIA E REDUCcedilAtildeO DA POBREZA 105 Flaacutevio Ataliba Flexa Daltro BarretoCarlos Eduardo dos Santos Marino
7 INCONGRUEcircNCIAS DA POLIacuteTICA TRIBUTAacuteRIA NO BRASIL E O SEU CONTRIBUTO PARA A CRISE DA RELACcedilAtildeO DE TRIBUTACcedilAtildeO 132Francisco Ferreira Chagas Juacutenior
8 INFLUEcircNCIA DOS FATORES ECONOcircMICOS NA ARRECADACcedilAtildeO DA CONTRIBUICcedilAtildeO DE MELHORIA NOS MUNICIacutePIOS BRASILEIROS 151 Joseacute Flaacutevio da Silva
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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9 CIDADANIA FISCAL O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS 166Marciano Buffon
10 O PROCESSO DE CODIFICACcedilAtildeO DO DIREITO TRIBUTAacuteRIO BRASILEIRO 188 Osvaldo Joseacute Rebouccedilas
11 O ORDENAMENTO JURIacuteDICO E AS ANTINOMIAS TRIBUTAacuteRIAS O LITIacuteGIO IDEOLOacuteGICO-INTERPRETATIVO ENTRE O FISCO OS TRIBUNAIS SUPERIORES E A DOUTRINA 204Tonny Iacutetalo Lima Pinheiro
12 PARA ALEacuteM DA ARREDACACcedilAtildeO A TRIBUTACcedilAtildeO COMO INSTRUMENTO DE REDUCcedilAtildeO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS 220 Victor Hugo Cabral de Morais JuniorGermana Parente Neiva Belchior
PARTE III ndash CARGA TRIBUTAacuteRIA REFORMA TRIBUTAacuteRIA E JUSTICcedilA FISCAL 233
13 REFORMA TRIBUTAacuteRIA COM JUSTICcedilA FISCAL E SOCIAL 234 Antocircnio Gilson Aragatildeo de CarvalhoLucas Mouratildeo Aragatildeo
14 TRANSPAREcircNCIA EFICIEcircNCIA E SIMPLICIDADE A SERVICcedilO DA JUSTICcedilA FISCAL PROPOSTAS SUTIS DE REFORMAS TRIBUTAacuteRIAS 250 Fernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba
15 CARGA TRIBUTAacuteRIA BRASILEIRA Eacute ELEVADA MITO OU VERDADE 264 Jurandir Gurgel Gondim Filho
16 REFORMA TRIBUTAacuteRIA DESENVOLVIMENTO ECONOcircMICO E JUSTICcedilA FISCAL NO BRASIL DIAGNOacuteSTICO E PERSPECTIVAS 286 Marcelo Lettieri Siqueira
PARTE IV ndash CONTROLE SOCIAL E NOVAS MIacuteDIAS 300
17 CIDADANIA FISCAL E NOVAS MIacuteDIAS 301 Debora Bezerra de Menezes Serpa MaiaAna Ceciacutelia Bezerra de Aguiar
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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PARTE V ndash EDUCACcedilAtildeO FISCAL NO ENSINO DESAFIOS E PERSPECTIVAS 346
20 A EDUCACcedilAtildeO FISCAL SOB A OacuteTICA DO ALUNO DA ESCOLA PUacuteBLICA ESTADUAL DO CEARAacute QUE PARTICIPA DO PROJETO BOLSA EDUCACcedilAtildeO FISCAL E CIDADANIA 347 Amilca Alves do NascimentoMirizana Alves de Almeida
21 AVALIACcedilAtildeO DO PROGRAMA DE EDUCACcedilAtildeO FISCAL DESAFIOS LIMITES E VIVEcircNCIAS DA PRAacuteTICA DOCENTE 362 Ana Cleiane Carneiro de OliveiraFernando Joseacute Pires de Sousa
22 A EXPERIEcircNCIA DA EDUCACcedilAtildeO A DISTAcircNCIA NO CENTRO DE EDUCACcedilAtildeO FISCAL PARA A CIDADANIA DA ESCOLA FAZENDAacuteRIA DE SAtildeO PAULO E O CURSO DE DISSEMINADORES DE EDUCACcedilAtildeO FISCAL 379Augusto Jeronimo Martini
23 IMPLEMENTACcedilAtildeO DO PROGRAMA NACIONAL DE EDUCACcedilAtildeO FISCAL NAS ESCOLAS ESTADUAIS SOB COMPETEcircNCIA DA CREDE 3 397 Erlane Muniz de Arauacutejo Martins
24 PROGRAMA DE EDUCACcedilAtildeO FISCAL DE FORTALEZA UM LEGADO DE CIDADANIA 408 Leonardo Costa de Almeida
25 EDUCACcedilAtildeO FISCAL ldquoSEFAZrdquo NA CIDADE CONSTITUCIONAL 421 Marcelo Arno Nerling
26 A PERCEPCcedilAtildeO DOS PROFESSORES SOBRE O CURSO DE DISSEMINADORES DA EDUCACcedilAtildeO FISCAL NO MUNICIacutePIO DE ICOacute-CE 445 Maria Nahir Batista Ferreira
POSFAacuteCIO 459
18 A EVOLUCcedilAtildeO DOS ESFORCcedilOS DE TRANSPAREcircNCIA NA GESTAtildeO PUacuteBLICA NO CEARAacute 314 Joseacute Joaquim Neto Cisne
19 A EVOLUCcedilAtildeO DA TRANSPAREcircNCIA DAS CONTAS PUacuteBLICAS E DO CONTROLE SOCIAL NO BRASIL A EXPERIEcircNCIA DO IBEF NO CEARAacute 337 Osvaldo Euclides de ArauacutejoSandra Maria Olimpio Machado
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Prefaacutecio O Programa Nacional de Educaccedilatildeo Fiscal objetiva a conscientizaccedilatildeo dos cidadatildeos sobre a fun-
ccedilatildeo social dos tributos e de sua responsabilidade no controle da aplicaccedilatildeo desses recursos por meio
do exerciacutecio da cidadania buscando assim a construccedilatildeo de uma sociedade mais livre justa e solidaacuteria
preconizada na Constituiccedilatildeo Federal
No acircmbito do Estado do Cearaacute o Programa Estadual de Educaccedilatildeo Tributaacuteria (PET) foi instituiacutedo
por meio do Decreto nordm 253261998 Em seguida tendo em vista a importacircncia que o tema adquiriu
neste Estado o Decreto nordm 289002007 criou a Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal (Ceduf) na estrutura organi-
zacional da Secretaria da Fazenda (Sefaz) passando o Programa a ser chamado de Programa Estadual
de Educaccedilatildeo Fiscal (PEF) nos moldes estabelecidos pelo Programa Nacional de Educaccedilatildeo Fiscal (PNEF)
Dessa forma a criaccedilatildeo da Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal no organograma desta Secretaria da Fazen-
da ocorreu antes mesmo do Protocolo 052007 firmado durante o Encontro Nacional de Administra-
dores Tributaacuterios (Enat) que incentiva e sensibiliza os Estados a incluir uma unidade especiacutefica em suas
organizaccedilotildees fazendaacuterias destinada a desenvolver as atividades da Educaccedilatildeo Fiscal
Participar do processo de inserccedilatildeo de valores eacuteticos e da mudanccedila de perspectiva do papel da
sociedade na gestatildeo puacuteblica eacute o grande desafio do PEF aliando-se por conseguinte agrave missatildeo desta
Secretaria da Fazenda de ldquocaptar e gerir os recursos financeiros para o desenvolvimento sustentaacutevel do
Estado e promover a cidadania fiscalrdquo
Ao longo de duzentos anos de histoacuteria a Administraccedilatildeo Tributaacuteria cearense tem buscado pro-
mover o processo de crescimento e modernizaccedilatildeo do Estado incrementar as condiccedilotildees de vida da
populaccedilatildeo mediante a captaccedilatildeo dos recursos a serem aplicados nos diversos setores da sociedade
bem como melhorar a relaccedilatildeo entre Fisco contribuinte e sociedade o que gera impacto na qualidade
da receita e do gasto conscientizando a coletividade acerca do dever fundamental de pagar tributo
Verifica-se portanto que o Programa de Educaccedilatildeo Fiscal ocupa posiccedilatildeo relevante natildeo apenas
no acircmbito da Administraccedilatildeo Tributaacuteria mas se revela como uma importante poliacutetica de governo ao
priorizar o ator e o sujeito social que eacute foco desta gestatildeo o cidadatildeo
Em 2013 a Educaccedilatildeo Fiscal do Cearaacute completou 15 anos sendo o momento oportuno de re-
forccedilar os acertos e refletir sobre novas estrateacutegias para permitir a sustentabilidade do Programa Satildeo
vivenciados novos paradigmas e novos conceitos o que impotildee um novo perfil de servidor e de gestatildeo
puacuteblica bem como novos mecanismos de sensibilizaccedilatildeo e empoderamento do tema pela sociedade
Este livro reuacutene artigos acadecircmicos sobre temas abordados pela Educaccedilatildeo Fiscal e experiecircn-
cias bem sucedidas que marcaram a histoacuteria do PEF Cearaacute sendo uma das accedilotildees comemorativas do
seu aniversaacuterio de 15 anos Os estudos trazem interessantes abordagens tendo em vista a aacuterea de
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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formaccedilatildeo e de atuaccedilatildeo dos autores natildeo seguindo necessariamente o entendimento que vem sendo
adotado por esta Administraccedilatildeo Tributaacuteria O conhecimento eacute um processo nunca esgotado estando
em constante construccedilatildeo por isso a importacircncia de o Fisco estar aberto e reflexivo ao olhar da socie-
dade A Educaccedilatildeo Fiscal eacute um instrumento de diaacutelogo com a coletividade em suas diversas instacircncias
fortalecendo a legitimaccedilatildeo do tributo o acesso agrave informaccedilatildeo e ainda o controle social
Natildeo podemos deixar de expressar nossa alegria diante do interesse dos servidores e pesqui-
sadores em relaccedilatildeo ao tema e ainda nossa gratidatildeo aos teacutecnicos e professores que gentilmente
aceitaram o nosso convite em participar da obra contribuindo ainda mais com um enfoque cientiacutefi-
co do livro Agradecemos ainda a parceria da Fundaccedilatildeo Sintaf pelo seu compromisso com a cultura
e a pesquisa natildeo apenas no acircmbito da classe fazendaacuteria mas pelas accedilotildees voltadas a toda sociedade
bem como a AAFEC que possibilitou a diagramaccedilatildeo deste e-book que foi feita pela artista graacutefica
Rachel Lima
Aproveitamos a oportunidade para destacar o valoroso trabalho desenvolvido pela equipe da
Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal na disseminaccedilatildeo do PEF e em especial na conduccedilatildeo deste E-book desde a
sua iniciativa divulgaccedilatildeo do edital seleccedilatildeo e formataccedilatildeo dos artigos
Esperamos que a obra possa contribuir com o debate dos temas abordados pelo PEF e com a
disseminaccedilatildeo da cidadania fiscal
Fortaleza 20 de marccedilo de 2014
Joatildeo Marcos Maia
Secretaacuterio da Fazenda do Estado do Cearaacute
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Apresentaccedilatildeo No Estado do Cearaacute o Programa de Educaccedilatildeo Fiscal eacute desenvolvido na Sefaz por intermeacutedio da Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal (Ceduf) tendo completado em 2013 15 anos de existecircncia O trabalho eacute realizado em parceria com a Secretaria da Receita Federal do Brasil da 3ordf Regiatildeo da Prefeitura Mu-nicipal de Fortaleza por meio das Secretarias de Financcedilas e Educaccedilatildeo do Municiacutepio da Secretaria de Educaccedilatildeo do Estado e do Centro Regional da Esaf (Centresaf) que constituem o Grupo de Educaccedilatildeo Fiscal Estadual (Gefe) Apesar de o termo ldquocidadania fiscalrdquo ser ainda pouco difundido na literatura e na Administraccedilatildeo Puacuteblica eacute indiscutiacutevel que seu conteuacutedo ultrapassa uma visatildeo meramente fiscalista Eacute preciso romper o dogma de que o conhecimento do tributo eacute algo distante e complexo limitado aos teacutecnicos e es-pecialistas em Tributaccedilatildeo e Financcedilas Puacuteblicas De nada adianta o conhecimento adquirido se ele natildeo eacute compartilhado principalmente com a sociedade que eacute a detentora legiacutetima do dever fundamental de pagar tributo e de fiscalizar a utilizaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos Antes de servir ao puacuteblico o servidor eacute cidadatildeo O servidor puacuteblico fazendaacuterio eacute importante para que o Estado possa efetivamente realizar a justiccedila social principalmente no acircmbito do Estado do Cearaacute jaacute conhecido por seus inuacutemeros problemas sociais Dessa forma ao fazer parte do corpo fun-cional da Administraccedilatildeo Tributaacuteria deve-se ter em mente a dupla funccedilatildeo que exerce cidadatildeo e agente do Fisco Foi exatamente dentro dessa perspectiva que surgiu a ideia do E-book da vontade de poder compartilhar entendimentos visotildees e percepccedilotildees diferentes (e muitas vezes ateacute contraditoacuterias) acerca dos temas abordados pelo Programa de Educaccedilatildeo Fiscal Acreditamos que o conhecimento eacute liberta-dor e que estar aberto ao ldquonovordquo eacute um desafio de todo ser humano e principalmente da Administra-ccedilatildeo Puacuteblica A Administraccedilatildeo Tributaacuteria por ser uma instituiccedilatildeo puacuteblica quase bicentenaacuteria que cuida dos recursos financeiros da sociedade tem assim sua missatildeo fortalecida ao publicar uma obra que conteacutem estudos e relatos de experiecircncia sobre a Educaccedilatildeo Fiscal O livro possui 25 (vinte e cinco) artigos divididos em cinco eixos temaacuteticos (i) Eacutetica e cidadania no serviccedilo puacuteblico (ii) Tributaccedilatildeo e cidadania fiscal (iii) Carga tributaacuteria reforma tributaacuteria e justiccedila fis-cal (iv) Controle social e novas miacutedias e por fim (v) Educaccedilatildeo fiscal no ensino desafios e perspectivasAgradecemos a participaccedilatildeo dos autores que tiveram seus trabalhos selecionados pela Comissatildeo Ava-liadora Amilca Alves do Nascimento Ana Ceciacutelia Bezerra de Aguiar Ana Cleiane Carneiro de Oliveira Antocircnio Gilson Aragatildeo de Carvalho Carlos Eduardo dos Santos Marino Debora Bezerra de Menezes Serpa Maia Erlane Muniz de Arauacutejo Martins Fernanda Mara de Oliveira Macedo Carneiro Pacobahyba Fernando Joseacute Pires de Sousa Francisco Ferreira Chagas Juacutenior Germana Parente Neiva Belchior Joseacute Flaacutevio da Silva Joseacute Joaquim Neto Cisne Leonardo Costa de Almeida Lucas Mouratildeo Aragatildeo Maria Nahir Batista Ferreira Mirizana Alves de Almeida Osvaldo Euclides de Arauacutejo Osvaldo Joseacute Rebouccedilas Sandra Maria Olimpio Machado Tonny Iacutetalo Lima Pinheiro e Victor Hugo Cabral de Morais Junior
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Destacamos que o livro conta tambeacutem com relatos de experiecircncia de accedilotildees desenvolvidas pela Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal da Sefaz apresentados por Argemiro Torres Neto Germana Parente Neiva Belchior e Imaculada Maria Vidal da Silva Agradecemos ainda os teacutecnicos e pesquisadores que aceitaram o nosso convite em participar do livro Alberto Amadei Neto (Receita Federal do Brasil) Augusto Jeronimo Martini (Escola Fazendaacuteria de Satildeo Paulo) Denise Lucena Cavalcante (Universidade Federal do Cearaacute e Procuradoria da Fazenda Nacional) Flaacutevio Ataliba Flexa Daltro Barreto (Universidade Federal do Cearaacute e Instituto de Pesquisa e Estrateacutegia Econocircmica do Cearaacute) Hugo de Brito Machado Segundo (Universidade Federal do Cearaacute) Jurandir Gurgel Gondim Filho (Secretaria de Financcedilas do Municiacutepio de Fortaleza) Marcelo Arno Ner-ling (Universidade de Satildeo Paulo) Marcelo Lettieri Siqueira (Receita Federal do Brasil) e Marciano Buffon (Universidade do Vale do Rio dos Sinos) Por fim nossa gratidatildeo agrave Fundaccedilatildeo Sintaf e agrave AAFEC pela parceria e a toda a equipe que com-potildee a Ceacutelula de Educaccedilatildeo de Fiscal pelo compromisso com o e-book mas ainda por acreditar que sua produccedilatildeo seria possiacutevel Noacutes que fazemos a Educaccedilatildeo Fiscal vivemos a pedagogia do ideal do afeto do conhecimento e da cidadania Afinal toda grande conquista nasce de um sonho E eacute com muita emoccedilatildeo que com-partilhamos nosso sonho com todos nossos autores e leitores na esperanccedila de que a obra estimule o diaacutelogo entre Fisco e Universidade e contribua para a realizaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas voltadas agrave cida-dania fiscal Boa leitura a todos e a todas
Fortaleza 10 de marccedilo de 2014
Argemiro Torres NetoCoordenador do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
Orientador da Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado do Cearaacute
Sandra Maria Olimpio MachadoSecretaacuteria Executiva da Fazenda do Estado do Cearaacute
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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PARTE I
EacuteTICA E CIDADANIA NO SERVICcedilO PUacuteBLICO
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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EDUCACcedilAtildeO FISCAL ITINERANTE UM RELATO DE EXPERIEcircNCIA NA SECRETARIA
DA FAZENDA DO ESTADO DO CEARAacute
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 A Educaccedilatildeo Fiscal na Secretaria da Fa-zenda do Estado do Cearaacute 2 O Projeto Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante 3 Resultados obtidos Consideraccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
O Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute (PEF) objetiva a conscientizaccedilatildeo dos cida-
datildeos sobre a funccedilatildeo social dos tributos e de sua responsabilidade no controle da aplicaccedilatildeo desses
recursos por meio do exerciacutecio da cidadania buscando assim a construccedilatildeo de uma sociedade mais
livre justa e solidaacuteria
Em 2013 a Educaccedilatildeo Fiscal do Cearaacute completou 15 anos sendo o momento oportuno de re-
forccedilar os acertos e refletir sobre novas estrateacutegias para permitir a sustentabilidade do Programa Ateacute
porque satildeo vivenciados novos paradigmas e novos conceitos o que impotildee um novo perfil de servidor
e de gestatildeo puacuteblica
Apesar dos expressivos resultados que o PEF tem conseguido no Estado de onde se destacam
escolas ONGs comunidades e instituiccedilotildees de ensino superior3 o Programa tem tido dificuldade de
alcanccedilar o puacuteblico interno em especial os servidores e colaboradores da Sefaz que essencialmente
devem ser educadores fiscais o que releva um aparente paradoxo O senso comum incluiacutedo o corpo
funcional do Fisco estadual eacute de que a praacutetica da Educaccedilatildeo Fiscal estaacute limitada agrave exigecircncia do docu-
mento fiscal e que uma Administraccedilatildeo Tributaacuteria deve exclusivamente se preocupar com a arrecada-
ccedilatildeo Eacute difiacutecil perceber e internalizar o que significa a funccedilatildeo social do tributo bem como a essecircncia de
ser um servidor cidadatildeo
1 Auditor Fiscal da Receita Estadual Orientador da Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal da SefazCe e Coordenador do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute E-mail argemirotorressefazcegovbr2 Auditora Fiscal Juriacutedica da Receita Estadual Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina Mestre em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute Professora universitaacuteria E-mail germana_belchioryahoocombr germanabelchiorsefazcegovbr 3 Os relatoacuterios com todas as atividades realizadas e os resultados obtidos pelo Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute podem ser visualizados no siacutetio da SefazCe wwwsefazcegovbreducacaofiscal
Argemiro Torres Neto1
Germana Parente Neiva Belchior2
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Diante disso surgiu o Projeto Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante cujo objetivo eacute despertar criticamente
o corpo funcional da Secretaria da Fazenda acerca dos temas abordados pela Educaccedilatildeo Fiscal e refletir
como e em que medida o PEF pode ser inserido no exerciacutecio das funccedilotildees e no cotidiano da Adminis-
traccedilatildeo Tributaacuteria
A metodologia utilizada para elaboraccedilatildeo deste trabalho eacute descritiva exploratoacuteria e puramente
indutiva com abordagem qualitativa na medida em que busca explicar o Projeto Educaccedilatildeo Fiscal Itine-
rante apontar sua justificativa metodologia desenvolvimento e principais resultados obtidos Nessa
linha como se trata de um relato de experiecircncia eacute importante ressaltar que o foco natildeo seraacute teoacuterico
mas essencialmente praacutetico
Em um primeiro momento seraacute feito um breve escorccedilo histoacuterico acerca do Programa de Educa-
ccedilatildeo Fiscal no acircmbito da Secretaria da Fazenda do Estado do Cearaacute para em seguida analisar o desen-
volvimento do Projeto Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante Por fim seratildeo expostos os resultados obtidos com
as visitas realizadas a fim de que se possa refletir como o Projeto pode influenciar uma mudanccedila de
comportamento funcional bem como a dinacircmica da gestatildeo fazendaacuteria
1 A EDUCACcedilAtildeO FISCAL NA SECRETARIA DA FAZENDA DO ESTADO DO CEARAacute
Por ocasiatildeo da 82ordf Reuniatildeo do Conselho Nacional de Poliacutetica Fazendaacuteria (Confaz) sobre Ad-
ministraccedilatildeo Tributaacuteria em Fortaleza foi celebrado em 1996 o Convecircnio de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica que
inseriu o tema ldquoEducaccedilatildeo Tributaacuteriardquo como uma diretriz a ser desenvolvida pelos Fiscos
Em 1997 ocorreu a criaccedilatildeo do Grupo Nacional de Educaccedilatildeo Tributaacuteria (GET) com a participaccedilatildeo da
Secretaria da Fazenda do Estado do Cearaacute que vinha de uma experiecircncia anterior com o Projeto ldquoCi-
dadatildeo desde pequenordquo conhecido como ldquoABC da Cidadaniardquo realizado nas escolas do municiacutepio de
HorizonteCe (RIVILLAS VILARDEBOacute MOTA 2010)
No acircmbito do Estado do Cearaacute o Programa Estadual de Educaccedilatildeo Tributaacuteria (PET) foi instituiacutedo
por meio do Decreto nordm 253261998 Em seguida tendo em vista a importacircncia que o tema adquiriu
neste Estado o Decreto nordm 289002007 (CEARAacute 2007) criou a Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal (Ceduf) na
estrutura organizacional da Secretaria da Fazenda passando o Programa a ser chamado de Programa
Estadual de Educaccedilatildeo Fiscal (PEF) nos moldes estabelecidos pelo Programa Nacional de Educaccedilatildeo
Fiscal
Participar do processo de inserccedilatildeo de valores eacuteticos e da mudanccedila de perspectiva do papel
da sociedade na gestatildeo puacuteblica eacute o grande desafio do PEF aliando-se por conseguinte agrave missatildeo da
Secretaria da Fazenda para o quadriecircnio 2011-2014 de ldquocaptar e gerir os recursos financeiros para o
desenvolvimento sustentaacutevel do Estado e promover a cidadania fiscalrdquo
Verifica-se portanto que o Programa de Educaccedilatildeo Fiscal ocupa posiccedilatildeo relevante natildeo apenas
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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no acircmbito da Administraccedilatildeo Tributaacuteria cearense mas se revela como uma importante poliacutetica de Esta-
do ao priorizar o ator e o sujeito social o cidadatildeo
Apesar de o termo ldquocidadania fiscalrdquo ser polissecircmico e complexo ainda pouco difundido na lite-
ratura seu conteuacutedo ultrapassa uma visatildeo meramente fiscalista focando-se em uma moral tributaacuteria
(TIPKE 2012) Cidadania fiscal eacute portanto um conceito bem mais amplo do que cidadania tributaacuteria
Inicia na essecircncia da cidadania perpassando a legitimaccedilatildeo do tributo e a moral tributaacuteria o que re-
forccedila sua qualificaccedilatildeo enquanto dever fundamental (BUFFON 2009) Passa ainda pelo controle social
dos recursos puacuteblicos sendo a questatildeo do gasto uma importante vertente da cidadania fiscal
Natildeo basta pois arrecadar Eacute importante reforccedilar a tributaccedilatildeo como instrumento de desenvolvi-
mento e natildeo apenas uma simples fonte de receita sendo a educaccedilatildeo fiscal um mecanismo para discu-
tir alguns dos principais problemas apontados no atual sistema tributaacuterio brasileiro tais como evasatildeo
fiscal estruturas impositivas regressivas bem como a funccedilatildeo extrafiscal tributo que gira em torno do
bem estar social e de melhoria da qualidade ambiental (CORBACHO CIBILS LORA 2013)
No Estado do Cearaacute o Programa de Educaccedilatildeo Fiscal eacute desenvolvido na Sefaz por intermeacutedio
da Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal (Ceduf) tendo completado 15 anos de existecircncia O trabalho eacute realizado
em parceria com a Secretaria da Receita Federal do Brasil da 3ordf Regiatildeo da Prefeitura Municipal de For-
taleza por meio das Secretarias de Financcedilas e Educaccedilatildeo do Municiacutepio da Secretaria de Educaccedilatildeo do
Estado e do Centro Regional da Esaf (Centresaf) que constituem o Grupo de Educaccedilatildeo Fiscal Estadual
(Gefe)4
Elaborar a poliacutetica econocircmico tributaacuteria do Estado administrar a Fazenda Puacuteblica (tributaccedilatildeo
arrecadaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo) e gerenciar o sistema de execuccedilatildeo orccedilamentaacuteria financeira contaacutebil e
patrimonial da Administraccedilatildeo Puacuteblica satildeo as atribuiccedilotildees institucionais da Receita Estadual do Cearaacute
conforme consta do art 2ordm do Decreto nordm 29201 de 28 de fevereiro 2008 que aprova o regulamento
interno da Sefaz (CEARAacute 2008)
A legislaccedilatildeo tributaacuteria deve ser clara e transparente cuja interpretaccedilatildeo deve ser acessiacutevel agrave so-
ciedade e natildeo apenas aos teacutecnicos A elaboraccedilatildeo de um parecer juriacutedico e de uma informaccedilatildeo fiscal
deve ter como foco o interesse puacuteblico primaacuterio qual seja da sociedade e natildeo de grupos especiacuteficos
atendidos os princiacutepios da legalidade impessoalidade moralidade publicidade e eficiecircncia Deve-se
aplicar diuturnamente a Constituiccedilatildeo Federal Lei Maior de um Estado que estaacute acima de decretos
regulamentos e regimes especiais de tributaccedilatildeo tendo em vista o princiacutepio da supremacia da Consti-
tuiccedilatildeo tatildeo difundido na literatura e no Judiciaacuterio brasileiro
Eacute preciso portanto refletir acerca da funccedilatildeo do servidor puacuteblico e do papel que exerce no Esta-
do bem como ele pode (e deve) desempenhar as suas atividades de forma eacutetica e eficiente A celeri-
4 O Acordo de Cooperaccedilatildeo Teacutecnica nordm 0012013 (SefazSeducSefinSRBCentresaf) assinado em 20 de dezembro de 2013 institucionalizou o Grupo de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute com o objetivo de implantar executar e monitorar o PEF
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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dade e a eficiecircncia do processo administrativo tributaacuterio a maacutecula ao ldquojogo de influecircncia e de favoresrdquo
a transparecircncia das informaccedilotildees o combate agrave corrupccedilatildeo a fiscalizaccedilatildeo adequada a racionalidade e o
controle social do gasto puacuteblico e a excelecircncia no atendimento e no tratamento dispensados aos con-
tribuintes satildeo alguns valores que devem ser incorporados e seguidos natildeo apenas por uma imposiccedilatildeo
legal mas principalmente por ser uma obrigaccedilatildeo moral
Por outro lado a previsatildeo da Educaccedilatildeo Fiscal no Planejamento Estrateacutegico da Sefaz (2011-
2014) como um projeto prioritaacuterio natildeo eacute por si soacute suficiente para a transformaccedilatildeo de uma nova
cultura tributaacuteria por isso que o empoderamento do tema pelos servidores eacute emergencial O PEF natildeo
eacute impositivo devendo ser internalizado aos poucos a partir de um processo de legitimaccedilatildeo que eacute di-
nacircmico e contiacutenuo o que justifica a necessidade de accedilotildees endoacutegenas
2 O PROJETO EDUCACcedilAtildeO FISCAL ITINERANTE
Diante da necessidade de difundir os temas abordados pelo PEF para o puacuteblico interno o Se-
cretaacuterio da Fazenda Joatildeo Marcos Maia aprovou por intermeacutedio da Comunicaccedilatildeo Interna nordm 017 de
13 de maio de 2013 enviada pela Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal o Projeto Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante como
uma accedilatildeo comemorativa dos 15 anos do PEF Cearaacute Em seguida o Projeto foi ratificado pelo Comitecirc
Executivo da Sefaz em Reuniatildeo Ordinaacuteria ocorrida no dia 6 de agosto de 2013
O objetivo do Projeto eacute disseminar de forma criacutetica e reflexiva os conteuacutedos da Educaccedilatildeo Fiscal
no local de trabalho do servidor e do colaborador fazendaacuterio No momento em que o agente do Fisco
incorporar a essecircncia da Educaccedilatildeo Fiscal eacute possiacutevel a praacutexis do PEF e por conseguinte uma nova cul-
tura tributaacuteria
Ao considerar a dificuldade que os servidores e colaboradores tecircm de se ausentar do seu local
de trabalho bem como o deslocamento para os que trabalham nas unidades do interior do Estado o
Projeto Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante eacute desenvolvido por meio de visitas in loco Dessa forma a equipe da
Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal se dirige agraves unidades fazendaacuterias para dialogar sobre os temas abordados
pela Educaccedilatildeo Fiscal com os colegas
As visitas duram cerca de 1 hora e ocorrem durante o horaacuterio de expediente normal tendo sido
agendadas previamente com a gerecircncia de cada setor Nas unidades de atendimento como ocorre com
as Ceacutelulas de Execuccedilatildeo Tributaacuteria as visitas ocorrem durante o horaacuterio interno de 730h agraves 830h a fim
de que natildeo prejudique o atendimento ao puacuteblico que inicia agraves 830h Jaacute nas demais unidades o horaacuterio
eacute combinado com o gestor de modo que seja compatiacutevel com o exerciacutecio das atividades funcionais
Cada servidor recebe um kit do PEF contendo folder laacutepis bloco de anotaccedilotildees e marcador de
paacutegina Satildeo apresentados tambeacutem outros materiais pedagoacutegicos que satildeo utilizados nas escolas uni-
versidades ONGs e cursos a distacircncia
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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A metodologia se daacute por meio de slides com problematizaccedilotildees a fim de que os servidores re-
flitam sobre o conteuacutedo e exponham de maneira informal suas percepccedilotildees individuais e coletivas O
conhecimento natildeo eacute imposto mas construiacutedo a partir da participaccedilatildeo dos colegas numa abordagem
construtivista (FREIRE 1987) Os servidores da Ceduf estimulam o diaacutelogo de modo que se cria um
ambiente favoraacutevel a discussotildees e interaccedilatildeo entre os participantes
Satildeo feitas as seguintes indagaccedilotildees (i) Qual eacute a relaccedilatildeo da tributaccedilatildeo com a cidadania (ii) Qual
eacute a percepccedilatildeo do indiviacuteduo em relaccedilatildeo ao Estado (iii) O que vocecirc entende por Educaccedilatildeo Fiscal (iv) O
que significa ser servidor cidadatildeo (v) O que a cidadania tem a ver com as suas atividades na Sefaz (v)
Como ser um colaborador da Educaccedilatildeo Fiscal
A ideia eacute que com o desenvolvimento das respostas a partir da discussatildeo no grupo o partici-
pante possa elaborar um juiacutezo loacutegico dedutivo e reflexivo da Educaccedilatildeo Fiscal partindo do geral para
o especiacutefico Ao final espera-se que o servidor saia motivado a desenvolver a Educaccedilatildeo Fiscal nas suas
atividades funcionais motivo pelo qual satildeo distribuiacutedas fichas de colaboradores para diagnosticar
quem tem interesse em contribuir com o PEF
3 RESULTADOS OBTIDOS
No ano de 2013 o Projeto foi desenvolvido em 11 (onze) unidades na seguinte ordem Ceacutelula
de Execuccedilatildeo Tributaacuteria de Sobral Ceacutelula de Execuccedilatildeo Tributaacuteria da Aacutegua Fria Ceacutelula de Execuccedilatildeo Tri-
butaacuteria da Barra do Cearaacute Ceacutelula de Execuccedilatildeo Tributaacuteria do Centro Ceacutelula de Execuccedilatildeo Tributaacuteria da
Parangaba Ceacutelula de Execuccedilatildeo Tributaacuteria de Messejana Ceacutelula de Substituiccedilatildeo Tributaacuteria e Comeacutercio
Exterior Ceacutelula de Execuccedilatildeo Tributaacuteria de Caucaia Ceacutelula de Execuccedilatildeo Tributaacuteria de Maracanauacute Ceacutelula
de Gestatildeo Fiscal dos Macrossegmentos Econocircmicos e Ceacutelula de Gestatildeo Fiscal dos Setores Econocircmicos
Ao total foram 251 (duzentos e cinquenta um) servidores e colaboradores que participaram do Proje-
to demonstrando estarem abertos e disponiacuteveis para conhecer os temas abordados5
Apoacutes a realizaccedilatildeo das visitas foram encaminhadas por e-mail as seguintes perguntas aos par-
ticipantes (i) ldquoComo vocecirc avalia o Projeto Educaccedilatildeo Fiscal Itineranterdquo e (ii) ldquoEm que medida o Projeto
Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante influenciou a sua percepccedilatildeo em relaccedilatildeo ao Programa de Educaccedilatildeo Fiscalrdquo
Dentre as manifestaccedilotildees recebidas destaca-se a opiniatildeo dos servidores da Ceacutelula de Execuccedilatildeo Tri-
butaacuteria (Cexat) da Parangaba6 ldquoO Projeto Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante eacute um instrumento importante
agrave sociedade criando condiccedilotildees para uma relaccedilatildeo harmoniosa entre o Estado (fisco) e os cidadatildeos
sensibilizando-os para a funccedilatildeo socioeconocircmica de arrecadaccedilatildeo de tributosrdquo Destacaram ainda que
ldquoas parcerias com outros oacutergatildeos como CRC Secretaria de Educaccedilatildeo TCM e Escolas foram de muita im-
5 Segundo a Ceacutelula de Informaccedilatildeo e Normas (Cenor) em consulta realizada no dia 20 de janeiro de 2014 no Sistema PDF a Sefaz possui 1541 servidores em atividade e 1356 servidores aposentados6 A compilaccedilatildeo das respostas dos servidores da Cexat Parangaba foi encaminhada pela colega Dulcicleacuteia Gomes Palheta
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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portacircncia para que os jovens e adultos tenham uma consciecircncia eacutetica e justa com o trato da aplicaccedilatildeo
dos recursosrdquo
O servidor Manoel Ferreira Lima Neto lotado na Ceacutelula de Execuccedilatildeo Tributaacuteria (Cexat) de Mes-
sejana expocircs o seguinte ldquoAvalio de forma positiva este trabalho de esclarecimento da importacircncia da
Educaccedilatildeo Fiscal e desejo que este projeto se estenda agraves escolas O Projeto ampliou meu conhecimento
sobre o assunto pois tinha uma visatildeo muito fiscalrdquo
Os servidores Carlos Eduardo Marino e Joselias Lopes lotados na Ceacutelula de Gestatildeo Fiscal dos
Macrossegmentos Econocircmicos (Cemas) destacaram a importacircncia do envolvimento da sociedade nas
accedilotildees da Educaccedilatildeo Fiscal
A iniciativa da Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal eacute fundamental para que os servidores da Se-cretaria da Fazenda compreendam a necessidade das accedilotildees desenvolvidas no acircmbito da Educaccedilatildeo Fiscal principalmente as externas A atividade de arrecadar e fiscalizar eacute estigmatizada por alguns setores sociais Desta forma buscar o apoio da sociedade eacute de grande importacircncia para a Administraccedilatildeo Tributaacuteria Para tanto eacute preciso levar aos agentes sociais informaccedilotildees quanto aos benefiacutecios gerados pelo uso dos valores arrecadados bem como esclarecer que a evasatildeo fiscal aleacutem de privar o Estado dos seus recursos resulta no enriquecimento indevido do sonegador
Na Ceacutelula de Gestatildeo Fiscal dos Setores Econocircmicos (Cesec) a servidora Ana Paula Bezerra Pi-nheiro lotada na Setorial Alimentos afirmou que o Projeto ldquotem tudo a ver com a nossa missatildeo de servidor puacuteblicordquo Acrescentou ainda que
O Projeto Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante foi muito elucidativo Durante a apresentaccedilatildeo pu-demos refletir melhor sobre a relaccedilatildeo da cidadania com a tributaccedilatildeo os fundamentos da educaccedilatildeo fiscal a minha relaccedilatildeo como servidor puacuteblico com a educaccedilatildeo fiscal o que a sociedade espera de noacutes servidores e o que podemos oferecer para que esta sociedade cresccedila e se fortaleccedila atraveacutes da cidadania
Questionado sobre a influecircncia do Projeto para a percepccedilatildeo interna do Programa de Educaccedilatildeo
Fiscal o gestor da Cesec Raimundo Frutuoso de Oliveira Junior apontou a necessidade de desmistifi-
car o PEFHaacute na Sefaz principalmente nas atividades fiscalizatoacuterias um desconhecimento das atividades-meio desenvolvidas na nossa casa sendo que a Educaccedilatildeo Fiscal natildeo foge a este paradigma O que o Projeto Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante faz eacute desmistificar tal Pro-grama demonstrando a sua importacircncia institucional e social funcionando tambeacutem como um meio de incentivo para o engajamento dos servidores fazendaacuterios nestas atividades Por isso entendo que o Projeto eacute de importacircncia extrema para a Sefaz por albergar a funccedilatildeo social da nossa instituiccedilatildeo
Em 2014 pretende-se concluir as visitas nas outras unidades da Capital e fomentar o processo
de interiorizaccedilatildeo do PEF Aleacutem disso a equipe da Ceduf retornaraacute aos locais inicialmente visitados a
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fim de discutir temas especiacuteficos sugeridos pelos servidores e captar o niacutevel de internalizaccedilatildeo da Edu-
caccedilatildeo Fiscal
Diante da boa aceitaccedilatildeo do Programa pelo puacuteblico interno seraacute oferecido em 2014 um Curso
de Formaccedilatildeo de Facilitadores em Educaccedilatildeo Fiscal com o propoacutesito de aprofundar o conhecimento do
PEF e capacitar servidores para disseminar a Educaccedilatildeo Fiscal em sua unidade e para a sociedade civil
fortalecendo assim o grupo de colaboradores do PEF
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Antes de servir ao puacuteblico o servidor eacute cidadatildeo O servidor puacuteblico fazendaacuterio eacute essencial
para que o Estado possa efetivamente realizar a justiccedila social principalmente no acircmbito do Estado
do Cearaacute jaacute conhecido por seus inuacutemeros problemas sociais Dessa forma ao fazer parte do corpo
funcional da Administraccedilatildeo Tributaacuteria deve-se ter em mente a dupla funccedilatildeo que exerce cidadatildeo e
agente do Fisco
A Educaccedilatildeo Fiscal necessariamente perpassa por todas as dimensotildees de uma Administraccedilatildeo
Tributaacuteria devendo assim ser disseminada para (e pelo) os atores que fazem o Fisco cearense
Os depoimentos relataram a importacircncia do Projeto Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante e ressaltaram a
mudanccedila de percepccedilatildeo em relaccedilatildeo ao PEF A cultura institucional ainda eacute fiscalista mas novos cami-
nhos se abrem a partir do momento em que o servidor se mostra disponiacutevel para conhecer aprender e
vivenciar a cidadania fiscal Ateacute porque a legitimidade e a sustentabilidade do Programa de Educaccedilatildeo
Fiscal dependem de sua incorporaccedilatildeo pelo servidor fazendaacuterio Por ser uma mudanccedila de cultura eacute um
processo gradual e contiacutenuo
Dentro dessa perspectiva as entidades representativas dos servidores do Fisco cearense Sindica-
to dos Fazendaacuterios do Cearaacute (Sintaf) Associaccedilatildeo dos Auditores e Fiscais do Tesouro do Estado do Cearaacute
(Auditece) Associaccedilatildeo dos Aposentados Fazendaacuterios do Cearaacute (Aafec) e Uniatildeo dos Funcionaacuterios Fazen-
daacuterios do Estado do Cearaacute (UFFEC) exercem um importante papel para desenvolver a Educaccedilatildeo Fiscal
Sob a perspectiva de um sindicalismo social e cidadatildeo e natildeo simplesmente corporativo elas podem
disseminar a Educaccedilatildeo Fiscal como uma accedilatildeo institucional fomentando a essecircncia do servidor cidadatildeo
Eacute preciso romper o dogma de que o conhecimento do tributo eacute algo distante e complexo limi-
tado aos especialistas em Tributaccedilatildeo e Financcedilas Puacuteblicas De nada adianta o conhecimento adquirido
se ele natildeo eacute compartilhado principalmente com a sociedade que eacute a detentora legiacutetima do dever
fundamental de pagar tributo e de fiscalizar a utilizaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos
Por fim eacute importante que o servidor no exerciacutecio de sua cidadania controle e fiscalize os atos
da Administraccedilatildeo Puacuteblica zelando pela coisa puacuteblica e fortalecendo a eacutetica institucional
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REFEREcircNCIAS
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TIPKE Klaus Moral Tributaacuteria do Estado e dos Contribuintes Porto Alegre Sergio Antocircnio Fabris
2012
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PROGRAMA DE EDUCACcedilAtildeO FISCAL NO BRASIL ENFATIZAR O GASTO PUacuteBLICO
Denise Lucena Cavalcante1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 Aleacutem da arrecadaccedilatildeo 2 O enfoque dos PEFacutes no necessaacuterio cumprimento das finalidades estatais 3 A caricatura do Estado Fiscal na imagem do leatildeo fazendaacuterio 4 A educaccedilatildeo fiscal em prol do servidor fazendaacuterio o novo perfil do servidor puacuteblico Consideraccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
Analisando os programas de educaccedilatildeo fiscal no Brasil percebemos que eles evoluiacuteram bas-
tante nos uacuteltimos anos e bem agiram quando ampliaram seus objetivos transpondo a arrecadaccedilatildeo
e passaram a enfocar tambeacutem como meta a atuaccedilatildeo no cuidado da sociedade em relaccedilatildeo ao papel
econocircmico e social dos tributos englobando esclarecimentos formais sobre a aplicaccedilatildeo dos recursos2
Cumprir essa tarefa poreacutem natildeo eacute faacutecil principalmente quando haacute outros oacutergatildeos estatais praticando
atos diaacuterios de desperdiacutecio corrupccedilatildeo e maacute gestatildeo dos recursos auferidos do suor de cada brasileiro
A sociedade natildeo se satisfaz com as informaccedilotildees dos valores arrecadados pelo Fisco uma
vez que o crescimento do Paiacutes ocorre abaixo do esperado Frequentemente os cidadatildeos brasileiros
expotildeem sua insatisfaccedilatildeo no momento do pagamento de seus tributos O mecircs de janeiro represen-
ta bem esta afirmaccedilatildeo pois eacute a ocasiatildeo em que se cobram os impostos anuais como IPTU e IPVA
Em abril temos novas manifestaccedilotildees de rejeiccedilatildeo social com a declaraccedilatildeo do Imposto de Renda Satildeo
momentos bem contingentes em que a populaccedilatildeo brasileira se manifesta em relaccedilatildeo agrave tributaccedilatildeo
do Paiacutes Logo em seguida parece que se esquecem de tudo e voltam a sua rotina diaacuteria Como bem
acentua Ricardo Lobo Torres (1991 p 151) no Brasil sempre foi muito tecircnue a resistecircncia agrave opressatildeo
tributaacuteria tanto na via do pensamento como das soluccedilotildees institucionais Daiacute a importacircncia de os fis-
cos persistirem em seus programas para atuarem como parceiros da sociedade brasileira no combate
1 Poacutes-Doutora pela Universidade de Lisboa Doutora pela PUCSP Professora de Direito Tributaacuterio e Financeiro da gradua-ccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo (UFC) Procuradora da Fazenda Nacional E-mail denilucfortalnetcombr2 Na apresentaccedilatildeo do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal da SefazCE tem-se ldquoO Programa de Educaccedilatildeo Fiscal - PEF se fun-damenta na conscientizaccedilatildeo dos cidadatildeos sobre o papel econocircmico e social dos tributos Econocircmico quando se volta agrave funccedilatildeo de otimizaccedilatildeo da receita puacuteblica social quando se volta para aplicaccedilatildeo desses recursos objetivando benefiacuteciar a populaccedilatildeordquo Disponiacutevel em httpwwwsefazcegovbrcontentaplicacaointernetprogramas_campanhasgeradosproje-to_apresentacaoasp Acesso em 12 jan 2014
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agrave corrupccedilatildeo e maacute utilizaccedilatildeo dos recursos puacuteblicos
Merece aplausos a Secretaria da Fazenda do Estado do Cearaacute que ampliou sua missatildeo ante-
riormente focada na arrecadaccedilatildeo tributaacuteria passando a considerar como meta a captaccedilatildeo e geraccedilatildeo
de recursos financeiros para o desenvolvimento sustentaacutevel do Estado e promover a cidadania fiscal
Da mesma forma enaltecemos o trabalho da Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal da SefazCE na ediccedilatildeo
de obra comemorativa aos 15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal no Cearaacute de que temos a honra
de participar e exprimir algumas reflexotildees e sugestotildees para os passos seguintes desse Programa de
sucesso
1 ALEacuteM DA ARRECADACcedilAtildeO
Insistimos na ideia que o orccedilamento puacuteblico tem que ser assunto esclarecido e debatido social-
mente3 A sociedade brasileira natildeo pode mais permanecer silente e afastada das decisotildees financeiras
do Paiacutes A ideia do orccedilamento como um direito de participaccedilatildeo cidadatilde remonta agrave Idade Meacutedia e sem-
pre satildeo alvos de criacuteticas o forccedilado distanciamento popular e os constantes conflitos entre o Direito e
o Poder como jaacute denunciava Paul Laband em sua claacutessica obra sobre o Direito Orccedilamentaacuterio4
O orccedilamento eacute uma previsatildeo de receitas e despesas puacuteblicas Quanto agraves receitas a maior parte
eacute oriunda dos tributos e soacute cabe ao cidadatildeo pagaacute-los e caso natildeo o faccedilam o Estado jaacute tem todos os
meios devidos para efetivar a devida cobranccedila inclusive pela via judicial mediante a Execuccedilatildeo Fiscal
(Lei n 683080) Isto jaacute estaacute devidamente organizado pelo Poder Puacuteblico
Jaacute em relaccedilatildeo agraves despesas natildeo obstante tenha expressamente previsto na Lei de Responsabi-
lidade Fiscal5 que a previsatildeo dos gastos deveraacute sempre constar nos planos orccedilamentaacuterios na praacutetica
sabemos que tais orccedilamentos natildeo satildeo cumpridos
O orccedilamento tem como uma das suas principais finalidades a regulaccedilatildeo do gasto puacuteblico e
essa regulaccedilatildeo deve tambeacutem ser feita por intermeacutedio do controle social6 Dado que a receita e a
despesa natildeo podem estar em desacordo eacute preciso que o controle da sociedade atue com lentes de
aumento para checar as contas puacuteblicas e o estiacutemulo dos oacutergatildeos vinculados agrave arrecadaccedilatildeo tais como
3 Sobre o tema ver CAVALCANTE 2006 4 ldquoEsta exaltacioacuten eminentemente poliacutetica del Derecho presupuestario hacieacutendolo sobresalir de las restantes teoriacuteas juriacutedi-co-puacuteblicas no ha sido en modo alguno beneficiosa para el conocimiento desapasionado y objetivo del mismo Los deseos y afanes poliacuteticos consiguieron imponerse y llevar a la confusioacuten a la concepcioacuten juriacutedica pese a los esfuerzos hechos para mantenerse en el plano del Derecho positivo La vinculacioacuten de los ideales poliacuteticos a las deducciones del Derecho positivo es causa de los mayores perjuicios tanto para la poliacutetica como para el conocimiento del Derecho Para la consecucioacuten de los objetivos poliacuteticos es francamente peligroso entregarse a la ilusioacuten de poseer ya positivamente como derecho lo que se cree estar obligado a formular como imperativo en favor de una provechosa organizacioacuten del Estadordquo (LABAND 1979 p 3) 5 ldquoArt 15 Seratildeo consideradas natildeo autorizadas irregulares e lesivas ao patrimocircnio puacuteblico a geraccedilatildeo de despesa ou assun-ccedilatildeo de obrigaccedilatildeo que natildeo atendam o disposto nos arts 16 e 17 Art 16 A criaccedilatildeo expansatildeo ou aperfeiccediloamento de accedilatildeo governamental que acarrete aumento da despesa seraacute acompanhado de I - estimativa do impacto orccedilamentaacuterio-financeiro no exerciacutecio em que deva entrar em vigor e nos dois subsequumlentes II - declaraccedilatildeo do ordenador da despesa de que o au-
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os programas de educaccedilatildeo fiscal torna-se muito importante
Entendemos que os programas de educaccedilatildeo fiscal devem insistir tambeacutem no esclarecimento
da programaccedilatildeo da despesa puacuteblica antecipando-se assim ao proacuteprio controle das despesas jaacute efe-
tuadas e permitindo a participaccedilatildeo social na programaccedilatildeo preacutevia de tais despesas
A informaccedilatildeo eacute essencial para o controle social E a era da transparecircncia fiscal exige a utiliza-
ccedilatildeo de condutores eficientes para a compreensatildeo das informaccedilotildees estatais Simplesmente disponi-
bilizar dados contaacutebeis incompreensiacuteveis de informaccedilotildees puacuteblicas natildeo alcanccedila o objetivo da lei da
transparecircncia fiscal7
2 O ENFOQUE DOS PEFrsquoS NO NECESSAacuteRIO CUMPRIMENTO DAS FINALIDADES ESTATAIS
Os programas de educaccedilatildeo fiscal devem primar cada vez mais para a questatildeo do cumpri-
mento das obrigaccedilotildees estatais Os avanccedilos devem ser notados pela sociedade caso contraacuterio ela
continuaraacute desacreditada no que concerne agraves poliacuteticas fiscais E essa tarefa natildeo eacute nada faacutecil quando
a sociedade natildeo estaacute satisfeita e os direitos sociais natildeo estatildeo sendo cumpridos pelo Estado Satildeo
constantes as piadas nos meios de comunicaccedilatildeo e o Estado fica sem argumentos quando a realidade
comprova sua ineficiecircncia como nos exemplos a seguir
mento tem adequaccedilatildeo orccedilamentaacuteria e financeira com a lei orccedilamentaacuteria anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orccedilamentaacuterias sect 1o Para os fins desta Lei Complementar considera-se I - adequada com a lei orccedilamentaacuteria anual a despesa objeto de dotaccedilatildeo especiacutefica e suficiente ou que esteja abrangida por creacutedito geneacuterico de forma que somadas todas as despesas da mesma espeacutecie realizadas e a realizar previstas no programa de trabalho natildeo sejam ultrapassados os limites estabelecidos para o exerciacutecio II - compatiacutevel com o plano plurianual e a lei de diretrizes orccedilamentaacuterias a despesa que se conforme com as diretrizes objetivos prioridades e metas previstos nesses instrumentos e natildeo infrinja qualquer de suas disposiccedilotildees sect 2o A estimativa de que trata o inciso I do caput seraacute acompanhada das pre-missas e metodologia de caacutelculo utilizadas sect 3o Ressalva-se do disposto neste artigo a despesa considerada irrelevante nos termos em que dispuser a lei de diretrizes orccedilamentaacuterias sect 4o As normas do caput constituem condiccedilatildeo preacutevia para I - empenho e licitaccedilatildeo de serviccedilos fornecimento de bens ou execuccedilatildeo de obras II - desapropriaccedilatildeo de imoacuteveis urbanos a que se refere o sect 3o do art 182 da Constituiccedilatildeordquo6 Assim expotildee Ricardo Lobo Torres (2000 p 9) ldquoUma das caracteriacutesticas principais do constitucionalismo atual eacute a sua abertura para a participaccedilatildeo social e para o pluralismo de interesses Sob a influecircncia do princiacutepio da subsidiariedade que sinaliza no sentido do primado da sociedade sobre o Estado o orccedilamento se abre para a participaccedilatildeo social durante a sua elaboraccedilatildeo execuccedilatildeo e controle aleacutem de se deixar tocar pelas demandas em torno dos direitos difusos promovidas por oacuterccedilatildeos societais em movimento que comeccedila a ganhar corpo nos uacuteltimos anosrdquo7 Sobre o tema ver CAVALCANTE 2013 p 119-137
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A desordem das poliacuteticas fiscais estaacute frequentemente demonstrada nas charges contemporacirc-
neas E essas tambeacutem satildeo expressotildees de manifestaccedilatildeo social e natildeo devem ser ignoradas As charges
com sua plasticidade anaacuterquica tambeacutem representam os desabafos cotidianos e como bem assinala
Slavoc Zizek (2008)8 a verdade tem a estrutura de ficccedilatildeo Se os desenhos acima tivessem a foto real
de cidadatildeos e governantes atuais certamente a nossa reaccedilatildeo seria bem diferente e bem mais revol-
tante poreacutem em forma de piada rimos ingenuamente da nossa proacutepria desgraccedila
A sociedade deve ficar alerta para a importantiacutessima questatildeo da adequada aplicaccedilatildeo dos recur-
sos puacuteblicos e este eacute um espaccedilo que os programas de educaccedilatildeo fiscal devem enfatizar cada dia mais
Quando o alerta para a tributaccedilatildeo e o gasto puacuteblico vem dos proacuteprios oacutergatildeos estatais eles ficam com
maior credibilidade Exemplo que merece ser aqui citado eacute a campanha do Sindicato dos Procuradores
da Fazenda Nacional intitulada ldquoQuanto custa o Brasilrdquo9 que informa o peso da carga tributaacuteria nos
produtos e serviccedilos consumidos pela sociedade brasileira muito bem representado pela formiguinha
trabalhadora carregando o peso dos tributos
8 ldquo lsquoA verdade tem a estrutura da ficccedilatildeorsquo ndash haacute exemplo melhor dessa tese que os desenhos animados em que a verdade sobre a ordem social existente eacute mostrada diretamente de uma maneira jamais permitida no cinema narrativo com atores lsquode verdadersquo Pensemos na imagem de lutas agressivas entre animais nos desenhos animados a luta impiedosa pela so-brevivecircncia armadilhas e ataques violentos a exploraccedilatildeo dos outros como parasitas Se a mesma histoacuteria fosse contada num longa metragem com atores lsquode verdadersquo sem duacutevida seria censurada ou descartada por ser ridiacutecula e excessivamente pessimistardquo (ZIZEK 2008 p 456)9 Disponiacutevel em lthttpwwwquantocustaobrasilcombrgt Acesso em 14 jan 2014
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O principal meacuterito da campanha eacute esclarecer a sociedade a respeito do custo dos tributos inde-
vidamente oculto nas relaccedilotildees de consumo sendo muito uacutetil na implementaccedilatildeo da Lei n 127412012
ao determinar que por ocasiatildeo da venda ao consumidor de mercadorias e serviccedilos deveraacute constar
dos documentos fiscais ou equivalentes a informaccedilatildeo do valor aproximado correspondente agrave totali-
dade dos tributos federais estaduais e municipais cuja incidecircncia influi na formaccedilatildeo dos respectivos
preccedilos de venda Infelizmente ateacute o momento referida lei natildeo estaacute tendo o cumprimento devido
3 A CARICATURA DO ESTADO FISCAL NA IMAGEM DO LEAtildeO FAZENDAacuteRIO
O Estado contemporacircneo atravessa uma grande crise de moralidade decorrente de vaacuterios mo-
tivos dentre os quais destacamos a atuaccedilatildeo ineficiente das instituiccedilotildees agravada pelos inuacutemeros atos
de corrupccedilatildeo que hoje satildeo divulgados diariamente pela imprensa brasileira
O Estado Democraacutetico de Direito tem que ser levado a seacuterio e qualquer imagem que o destorccedila
deve ser esquecida como o siacutembolo do leatildeo fazendaacuterio Se for necessaacuterio um desenho figurativo do
fisco contemporacircneo devemos pensar em outro e nos livramos definitivamente da desgastada ima-
gem do leatildeo fazendaacuterio E sobre isto jaacute haviacuteamos nos manifestado
O Direito Tributaacuterio tambeacutem tem que se adaptar aos novos paradigmas da poacutes-mo-dernidade minimizando seu aspecto coercivo e burocraacutetico e muitas vezes ameaccedila-dor conforme exposto pelo proacuteprio siacutembolo da Receita Federal do Brasil que ainda hoje eacute a figura do ldquoleatildeordquo como animal representativo deste oacutergatildeo A simbologia leo-nina eacute completamente incompatiacutevel com o atual Estado Democraacutetico de Direito aleacutem de prejudicar a imagem do Fisco que insiste em uma figura propagandista da deacutecada de setenta onde ainda reinava a ditadura militar no Brasil As grandes mudanccedilas no sistema tributaacuterio brasileiro devem comeccedilar nos pequenos detalhes (sugere-se desde logo a extinccedilatildeo do inapropriado siacutembolo do leatildeo) partindo da mudanccedila burocraacutetica dos balcotildees de atendimento dos oacutergatildeos fazendaacuterios ateacute a reafirmaccedilatildeo dos princiacutepios constitucionais tributaacuterios (CAVALCANTE 2011 p 251)
De uma vez por todas o leatildeo natildeo eacute uma imagem adequada ao Estado fiscal O leatildeo eacute feroz e
considerado o rei da selva O Estado natildeo eacute uma selva e o fisco natildeo eacute a realeza Natildeo estamos mais na
Idade Meacutedia Aliaacutes nem na Antiguidade o leatildeo tinha uma imagem positiva Dante Alighieri em sua
memoraacutevel obra Divina Comeacutedia ao discorrer sobre as principais transgressotildees humanas utilizou
alegoricamente o leatildeo como siacutembolo da violecircncia10
Infelizmente essa figura do leatildeo fazendaacuterio eacute tambeacutem destaque do programa Cidadania Fiscal
10 E assim comenta o tradutor da obra Iacutetalo Mauro ldquoDante se encontra perdido numa acuteselva selvagemacute que representa o resultado do extravio da certa via da virtude Apoacutes uma noite inteira de anguacutestia ele consegue escapar da selva mas eacute impedido seguidamente por trecircs feras Alegoricamente ele natildeo estaacute livre da investida das trecircs transgressotildees principais
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onde o ldquoleatildeozinhordquo eacute o iacutecone do Programa Nacional de Educaccedilatildeo Fiscal11 voltado para o puacuteblico de
7 a 14 anos O Programa Nacional de Educaccedilatildeo Fiscal ndash PNEF eacute de oacutetima qualidade e visa a alcanccedilar
os educandos do Ensino Fundamental por meio da linguagem virtual A mensagem ali repassada eacute
adequada e oportuna contudo consideramos a insistecircncia na figura leonina totalmente indevida
(Canto XI versos 22-66) que satildeo incontinecircncia violecircncia e fraude exemplificada pelas trecircs feras respectivamente a onccedila o leatildeo e a loba que o impediam de seguir o caminho do monte que ele avista iluminado jaacute pelo Sol da Graccedila divinardquo (ALI-GHIERI 1998 p 25)11 Disponiacutevel em lthttpleaozinhoreceitafazendagovbrgt Acesso em 13 jan 2014
(Iacutecone utilizado na paacutegina eletrocircnica da Receita Federal do Brasil)
O ldquoleatildeozinhordquo realmente natildeo convence e soacute aumenta o desgaste da imagem do Fisco prevale-
cendo nas ilustraccedilotildees abundantemente encontradas nos perioacutedicos nacionais
A educaccedilatildeo fiscal deve focar seus esforccedilos cada vez mais na recuperaccedilatildeo da imagem do Fisco e
evitar siacutembolos que possam gerar polecircmicas Os servidores fazendaacuterios contemporacircneos que atuam
com zelo e dedicaccedilatildeo natildeo merecem isto Natildeo podemos mais deixar que imagens antigas de servido-
res ineficientes e de um Estado arbitraacuterio ainda sejam exaltadas Eacute preciso enfatizar que os atuais ser-
vidores fazendaacuterios assumiram seus cargos em decorrecircncia de rigorosos concursos puacuteblicos Sabem o
que devem fazer e seu trabalho deve ser reconhecido por seus meacuteritos
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4 A EDUCACcedilAtildeO FISCAL EM PROL DO SERVIDOR FAZENDAacuteRIO O NOVO PERFIL DO SERVIDOR PUacuteBLICO
Constatamos que muitas das criacuteticas feitas ao servidor puacuteblico decorrem de atos que eles rea-
lizaram no estrito cumprimento do dever legal uma vez que o ato administrativo eacute vinculado As leis
fiscais confusas e duacutebias transformam os funcionaacuterios em verdadeiros ldquobodes expiatoacuteriosrdquo de uma
poliacutetica fiscal mal elaborada conforme bem denuncia Klaus Tipke (2002 p 97)
Ahora bien si las leyes tributarias son injustas la Administracioacuten tributaria vinculada por dichas leyes no puede producir justicia alguna Por el contrario cuanto maacutes se apliquen tales leyes injustas maacutes sufriraacute la justicia tributaria Puesto que ndash injustamente ndash muchos contribuyentes no atribuyen los defectos de las leyes tributarias al lejano y anoacutenimo legislador sino al funcionario de Hacienda es eacuteste quien recibe los golpes y se convierte en ldquochivo expiatorio de una poliacutetica fiscal maltrechardquo Los responsables en el poder legislativo y en el ejecutivo esperan que los funcionarios actuacuteen como si no existiera defecto alguno
Outro ponto questionaacutevel satildeo as metas contemporacircneas da gestatildeo de governo exigidas por
vezes de agentes poliacuteticos que desconhecem a estrutura operacional dos proacuteprios oacutergatildeos de arreca-
daccedilatildeo distorcendo a funccedilatildeo dos agentes fiscais As metas com base na produtividade por exemplo
podem ser extremamente infrutiacuteferas O que eacute ser produtivo num oacutergatildeo de arrecadaccedilatildeo controle e
fiscalizaccedilatildeo Emitir autos de infraccedilatildeo Arrecadar a qualquer custo Julgar volumes de processos com-
plexos de qualquer jeito Se a produtividade representar nuacutemeros assim ocorreraacute
Quem atua diretamente na administraccedilatildeo fazendaacuteria sabe muito bem do que aqui falamos
A complexidade de cada caso eacute o que determina o tempo de execuccedilatildeo do trabalho A eficiecircncia do
serviccedilo puacuteblico deve ser medida em cada caso e natildeo por mera produtividade Em cada situaccedilatildeo o
servidor tem que observar os direitos fundamentais do cidadatildeo-contribuinte as limitaccedilotildees ao poder
de tributar previstas na Constituiccedilatildeo a lei para o caso concreto enfim um trabalho minucioso e
complexo que exige teacutecnica e conhecimento profundo do sistema juriacutedico Natildeo fosse a necessidade
de observar todo o sistema partindo das premissas constitucionais faacutecil seria o trabalho e prova-
velmente jaacute estaria delegado para um veloz programa de informaacutetica afinal o computador eacute mais
raacutepido do que a mente humana Os dados numeacutericos natildeo representam a realidade do bom serviccedilo
A mentalidade que predomina hoje com base na produccedilatildeo natildeo eacute compatiacutevel agrave complexidade do
serviccedilo da administraccedilatildeo fazendaacuteria
Outro grande equiacutevoco que temos visto se alastrar na administraccedilatildeo fazendaacuteria eacute a comparaccedilatildeo
do Estado com uma grande ldquoempresardquo e consequentemente o cidadatildeo-contribuinte como um mero
ldquoconsumidorrdquo A relaccedilatildeo entre Estado e cidadatildeo natildeo se encerra no Coacutedigo do Consumidor vai muito
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mais aleacutem Os agentes poliacuteticos de passagem deveriam entender mais da Constituiccedilatildeo Estado natildeo eacute
empresa privada e o governante natildeo eacute seu dono O Estado existe em funccedilatildeo da sociedade e seu poder
eacute limitado pelos direitos individuais servindo estes de barreiras riacutegidas ao poder estatal Assim prevecirc
a saacutebia liccedilatildeo de Geraldo Ataliba (1985 p 139)
A cidadania corresponde portanto um feixe de privileacutegios decorrentes da condiccedilatildeo da titularidade da coisa puacuteblica Desses os mais conspiacutecuos estatildeo na imunidade juriacute-dica aos excessos estatais no direito agrave resistecircncia aos abusos na prerrogativa de res-ponsabilizar os agentes excessivos e no direito agrave tutela jurisdicional contra os mesmos A cidadania criando o poder ao mesmo tempo estabelece quais os seus limites ou o periacutemetro dentro do qual tal poder haacute de circunscrever-se Assim a plenitude do prin-ciacutepio em mateacuteria de direito puacuteblico assume radical universalidade quando se trata de mateacuteria constitucional (definiccedilatildeo das liberdades puacuteblicas e organizaccedilatildeo do poder agrave vista de sua promoccedilatildeo e proteccedilatildeo mediante organizaccedilatildeo estatal) As liberdades puacuteblicas inscritas na Constituiccedilatildeo satildeo as mais expressivas balizas ao poder do Estado Configura usurpaccedilatildeo constitui-se na mais grave violaccedilatildeo constitucional o exerciacutecio ndash seja pelo Legislativo seja pelo Executivo seja pelo Judiciaacuterio ndash de ato de poder de todo tipo ou de qualquer ato de forccedila voltado contra os cidadatildeos ultrapassando essas mesmas barreiras
A prevalecircncia exagerada do Estado gestor enseja seacuterias distorccedilotildees inclusive do Direito que tem
sido reduzido a um simples saber tecnoloacutegico como bem ressalta Teacutercio Sampaio Ferraz Junior (2007
p 429)12 ldquomesmo o direito na loacutegica do Estado gestor eacute mero instrumento de atuaccedilatildeo de controle
de planejamento tornando-se a ciecircncia juriacutedica um verdadeiro saber tecnoloacutegicordquo
O servidor puacuteblico hoje tem que ir aleacutem da teacutecnica Haacute de ter uma visatildeo global conhecer o
sistema ser cortecircs ser eficiente aacutegil enfim satildeo tantas as exigecircncias que ele se encontra pressionado
por todos os lados De uma parte o cidadatildeo-contribuinte exigindo o devido tratamento e velocidade
das atuaccedilotildees e de outra o gestor exigindo resultados a qualquer custo E qual eacute o investimento que
estaacute sendo feito para estes ldquosuperfuncionaacuteriosrdquo que satildeo pressionados para cumprir horaacuterio executar
eficientemente suas tarefas suprir as deficiecircncias materiais de suas reparticcedilotildees resolver casos com-
plexos em instituiccedilotildees que sequer tecircm bibliotecas especializadas atuar em processos digitais com
12 E assim conclui com propriedade o autor ldquoEm conclusatildeo aplicando analogicamente Arendt podemos dizer por uacuteltimo que o Estado gestor burocraacutetico e tecnocraacutetico tem por imagem adequada agrave estrutura da cebola em cujo centro em uma espeacutecie de espaccedilo vazio acha-se o liacuteder ou melhor a lideranccedila E o que quer que a lideranccedila faccedila quer se integre no organismo poliacutetico como uma hierarquia de competecircncia ou oprima seus suacuteditos como um tirano ela o faz de dentro e natildeo de fora para cima Todas as partes extraordinaacuterias muacuteltiplas do movimento desse todo as organizaccedilotildees de frente poliacutetica as sociedades profissionais os efetivos dos partidos e a organizaccedilatildeo partidaacuteria as formaccedilotildees de elite e os grupos de policiamento relacionam-se de tal maneira que cada uma delas constitue camadas da cebola isto eacute mundo exterior para a cada interna e mundo interior para externa A cebola ou o poder tecnocraacutetico proporciona a cada uma de suas camadas a ficccedilatildeo de mundo normal ao lado de uma consciecircncia de ser diferente dele A estrutura de uma cebola torna enfim o Estado um sistema organizacional do poder agrave prova de choque contra a fatualidade do mundo real o que quer que aconteccedila ele eacute necessaacuteriordquo (FERRAZ JUacuteNIOR 2007 p 429)13 No capiacutetulo A BABA DA LESMA o personagem Dom Rigoberto desabafa ao seu chefe ldquoEmbora eu saiba de sobra que o
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equipamentos ultrapassados e ainda levar trabalhos extras para concluir em casa
Temos de admitir que muitos de noacutes conhecemos alguns servidores que seguem agrave risca a ima-
gem cocircmica descrita pelo gecircnio de um precircmio Nobel de literatura Mario Vargas Llosa do servidor
embrutecido pela rotina burocraacutetica de sua reparticcedilatildeo que se arrasta em seus dias compridos com
uma uacutenica motivaccedilatildeo a aposentadoria Este perfil asfixiante do personagem Dom Rigoberto13 deve
ser evitado a qualquer custo
Felizmente entretanto o modelo ldquoDom Rigobertordquo estaacute a cada dia sendo exceccedilatildeo na ad-
ministraccedilatildeo fazendaacuteria Ao contraacuterio desse estereoacutetipo enfraquecido encontramos hoje uma seacuterie
de jovens servidores entusiasmados com suas funccedilotildees e que lutam constantemente por melhores
condiccedilotildees de trabalho Quem conhece bem o serviccedilo puacuteblico sabe que natildeo haacute mais espaccedilo para
acomodaccedilatildeo Hoje predomina a proatividade Precisamos adequar o Estado para esta nova geraccedilatildeo
Esses satildeo os jovens que atuam na administraccedilatildeo puacuteblica com domiacutenio da informaacutetica velocidade do
pensamento e novos meacutetodos
Natildeo podemos tambeacutem limitaacute-los a uma estrutura arcaica e gerida pela Era da escrita Os jovens
servidores comumente satildeo exiacutemios operadores dos sistemas virtuais Quando mencionamos aqui esta
questatildeo da tecnologia eacute para alertar aos programas de educaccedilatildeo fiscal a abrir um campo de debate
sobre uma nova eacutetica no governo eletrocircnico Boas condutas devem ser preservadas e estimuladas po-
reacutem natildeo se pode limitar o acesso agrave informaacutetica com base em suposiccedilotildees de abusos casuais Exemplo
do que aqui discutimos satildeo as redes sociais As limitaccedilotildees no serviccedilo puacuteblico a estas redes tecircm que ser
mais bem repensadas afinal a informaacutetica estaacute totalmente inserida na dinacircmica do proacuteprio serviccedilo
No acircmbito da fiscalizaccedilatildeo inclusive eacute imprescindiacutevel pois jaacute haacute alguns anos que atuamos na auditoria
computadorizada no governo eletrocircnico no e-processo enfim na Era do mundo virtual Limitaccedilotildees
generalizadas e sem paracircmetros a determinados sites nos parecem ineficazes Controlar os abusos
sim eacute o que devemos fazer Eacute preciso fazer um uso inteligente da potecircncia digital adicionando uma
dimensatildeo nova e eficiente ao serviccedilo puacuteblico contemporacircneo14 O fato eacute que natildeo podemos mais atuar
e ser geridos por padrotildees anteriores agrave revoluccedilatildeo tecnoloacutegica Os conceitos de tempo e o espaccedilo tecircm
senhor eacute um mal necessaacuterio sem o qual a vida em comunidade natildeo seria viviacutevel devo dizer-lhe que sua pessoa representa tudo o que detesto na sociedade e em mim mesmo Pois haacute pelo menos um quarto de seacuteculo de segunda a sexta-feira e das oito da manhatilde agraves seis da tarde com algumas atividades ancilares (coqueteacuteis seminaacuterios inauguraccedilotildees congressos) agraves quais me eacute impossiacutevel subtrair-me sem ameaccedilar minha sobrevivecircncia tenho sido tambeacutem uma espeacutecie de burocrata ainda que natildeo trabalhe no setor puacuteblico e sim no privado Mas assim como o senhor e por sua culpa minha energia meu tempo e meu talento (tive algum) foram em grande parte engolidos nesses vinte e cinco anos pelos tracircmites gestotildees requerimentos instacircncias e procedimentos inventados pelo senhor para justificar o salaacuterio que recebe e a escrivaninha diante da qual engorda suas naacutedegas deixando-me apenas umas migalhas de liberdade para tomar iniciativas e levar a cabo um trabalho que mereccedila chamar-se criativo Sei que os seguros (meu ramo profissional) e a criatividade encontram-se tatildeo afastados quanto os planetas Saturno e Plutatildeo no universo sideral mas essa distacircncia natildeo seria tatildeo vertiginosa se o se-nhor hidra regulamentarista lagarta tramitadora rei do papel timbrado natildeo a tivesse tornado abissal Porque mesmo no aacuterido deserto das seguradoras e resseguradoras a imaginaccedilatildeo do ser humano poderia expandir-se e dali extrair estiacutemulo intelectual e ateacute prazer se o senhor encarcerado nessa densa malha de regulaccedilotildees asfixiantes ndash destinadas a dar caraacuteter de necessidade agrave obesa burocracia que inchou ateacute estourar as reparticcedilotildees puacuteblicas []rdquo (LLOSA 2011 p 234)
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quer ser reconstituiacutedos Daiacute a importacircncia da inclusatildeo desse debate acerca do funcionalismo puacuteblico
contemporacircneo
Eacute preciso lutar contra esta realidade Os programas de educaccedilatildeo fiscal devem cada vez mais
zelar por estes servidores valorizando suas vocaccedilotildees promovendo cursos de capacitaccedilatildeo incentivan-
do-os agrave mudanccedila e agrave melhoria de suas tarefas E eacute isto o que vemos na iniciativa privada e que falta no
serviccedilo puacuteblico motivaccedilatildeo e capacitaccedilatildeo
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Neste breve ensaio pretendemos enfatizar as importantes questotildees do resgate da cidadania
fiscal e da respeitabilidade do Estado por intermeacutedio do seu servidor Essa eacute uma tarefa natildeo soacute dos
programas de educaccedilatildeo fiscal mas tambeacutem de toda a sociedade brasileira Natildeo haacute partidos nessa luta
Consideramos de enorme importacircncia que os programas de educaccedilatildeo fiscal ampliem seu enfo-
que no gasto puacuteblico pois assim engrandeceremos ainda mais a tarefa da arrecadaccedilatildeo tributaacuteria
Natildeo podemos mais enfatizar os esforccedilos somente na justificativa da arrecadaccedilatildeo quando natildeo
haacute uma contrapartida na prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos A maioria das criacuteticas na nossa atual situa-
ccedilatildeo comeccedila pela inobservacircncia dos direitos sociais pelo Estado e pela peacutessima aplicaccedilatildeo dos recursos
puacuteblicos
O papel do fisco contemporacircneo transcende a atividade arrecadatoacuteria e assim deve ser enfati-
zado Os tributos natildeo podem mais ser considerados uma perda natildeo compensada mas sim um inves-
timento nos bens coletivos
Reaver a confianccedila nas instituiccedilotildees fazendaacuterias eacute um grande desafio mas seguramente uma
meta possiacutevel Os programas de educaccedilatildeo fiscal satildeo muito importantes nessa luta pela moralidade e
eficiecircncia estatais e principalmente em demonstrar para a sociedade brasileira o fato de que isto eacute
uma missatildeo de todos pois como bem anota Tony Judt (2010 p 188) temos de reaprender a pensar o Estado sempre vivemos com ele afinal
14 Para entender a era digital recomendamos a importante leitura SCHMIDT COHEN 2013
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REFEREcircNCIAS
ALIGHIERI Dante A divina comeacutedia inferno Traduccedilatildeo e notas de Iacutetalo Eugenio Mauro ndash original em torno de 1307 Satildeo Paulo Ed 34 1998
ATALIBA Geraldo Repuacuteblica e Constituiccedilatildeo Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 1985
CAVALCANTE Denise Lucena Anotaccedilotildees sobre o sistema tributaacuterio brasileiro In ELALI Andreacute MA-CHADO SEGUNDO Hugo de Brito TRENNEPOHL Terence (org) Direito tributaacuterio homenagem a Hugo de Brito Machado Satildeo Paulo Quartier Latin 2011 p 239-255
______ Dos tributos para as financcedilas puacuteblicas ampliaccedilatildeo do foco Nomos Revista do Curso de Mestra-do em Direito da Universidade Federal do Cearaacute Fortaleza v 25 jandez 2006
FERRAZ JUacuteNIOR Teacutercio Sampaio Direito constitucional liberdade de fumar privacidade estado di-reitos humanos e outros temas Satildeo Paulo Manole 2007
JUDT Tony Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos Lisboa Ediccedilotildees 70 2010
LABAND Paul El derecho presupuestario Traduccedilatildeo de Joseacute Zamit (Original de 1871) Madrid Insti-tuto de estudios fiscales 1979
LLOSA Maacuterio Vargas Os cadernos de Dom Rigoberto Rio de Janeiro Objetiva 2011
SCHMIDT Eric COHEN Jared A nova era digital como seraacute o futuro das pessoas das naccedilotildees e dos negoacutecios Traduccedilatildeo de Ana Beatriz Rodrigues e Rogeacuterio Durst Rio de Janeiro Intriacutenseca 2013
TIPKE Klaus Moral tributaria del Estado y de los contribuyentes Traduccioacuten de Pedro M Herrera Molina Madrid Marcial Pons 2002
TORRES Ricardo Lobo A ideia de liberdade no Estado patrimonial e no Estado fiscal Rio de Janei-ro Renovar 1991
______ Tratado de direito constitucional financeiro e tributaacuterio Vol V o orccedilamento na Constituiccedilatildeo 2 ed Rio de Janeiro Renovar 2000
ZIZEK Slavoj A visatildeo em paralaxe Traduccedilatildeo de Maria Beatriz de Medina Satildeo Paulo Boitempo 2008
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EacuteTICA NAS RELACcedilOtildeES TRIBUTAacuteRIAS
Hugo de Brito Machado Segundo 1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 Notas preliminares e esclarecimentos ter-minoloacutegicos 2 Eacutetica e concepccedilatildeo de ser humano 3 Eacute possiacutevel dis-cutir objetivamente em torno de questotildees eacuteticas 4 Eacutetica e as rela-ccedilotildees tributaacuterias 41 Tributaccedilatildeo ideal e princiacutepios de legitimaccedilatildeo 42 Dois criteacuterios para a correccedilatildeo de diacutevidas atrasadas 43 Tributaccedilatildeo indireta e suas contradiccedilotildees 44 Unificaccedilatildeo de oacutergatildeos arrecadado-res e direito agrave compensaccedilatildeo Consideraccedilotildees finais Referecircncias
INTRODUCcedilAtildeO
Foi com satisfaccedilatildeo e alegria que recebi o convite para participar da coletacircnea em comemoraccedilatildeo
aos 15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal no Cearaacute organizada pela Secretaria da Fazenda do Esta-
do do Cearaacute em parceria com a Fundaccedilatildeo Sintaf A educaccedilatildeo eacute seguramente o principal e mais nobre
instrumento para conscientizaccedilatildeo do ser humano a respeito da necessidade de se cumprirem deveres
tarefas e obrigaccedilotildees os quais assim se efetivam muito mais eficazmente do que quando fundados
essencialmente na forccedila e na coaccedilatildeo
Parece pertinente a propoacutesito quando se cogita da razatildeo pela qual se cumprem as normas que
natildeo deve ser predominantemente o medo do castigo ou da sanccedilatildeo mas a convicccedilatildeo de que se trata
do melhor caminho perquirir-se um pouco a respeito da eacutetica em geral e no que tange especifica-
mente aos propoacutesitos desta coletacircnea da eacutetica nas relaccedilotildees tributaacuterias Afinal cuidar de fundamentos
substanciais para o cumprimento de deveres eacute algo diretamente relacionado a questionamentos so-
bre o que eacute certo e o que eacute errado bem como sobre as razotildees pelas quais se deve fazer o que eacute certo
assunto central agrave Eacutetica Eacute do que cuidaraacute este artigo
Vale notar de iniacutecio que a eacutetica nas relaccedilotildees tributaacuterias eacute tema de rara abordagem pelos que se
ocupam da tributaccedilatildeo sobretudo no Seacuteculo XX Talvez isso decorra do fato de situar-se o assunto em
zona de fronteira entre o Direito e a Filosofia levando tributaristas a tangenciaacute-lo por ser demasiada-
mente filosoacutefico e filoacutesofos a se distanciarem dele por considerarem a tributaccedilatildeo assunto demasiada-
mente aacuterido e teacutecnico (GUTMANN 2002 p 7) e ainda de influecircncia de um positivismo que indevida-
mente levou a que se evitassem as tatildeo ricas incursotildees inter ou transdisciplinares Questionamentos em
1 Mestre e Doutor em Direito Membro do Instituto Cearense de Estudos Tributaacuterios (ICET) Professor da Faculdade de Direi-to da Universidade Federal do Cearaacute de cujo Programa de Poacutes-Graduaccedilatildeo (MestradoDoutorado) eacute Coordenador Visiting Scholar da Wirtschaftsuniversitaumlt Viena Aacuteustria E-mail hugosegundogmailcom
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torno da causa ou da razatildeo de ser da tributaccedilatildeo conduziam no maacuteximo a um estudo do fato gerador
e da norma que sobre ele incidia jamais se discutindo as razotildees pelas quais referida norma teria sido elaborada e deveria ser cumpridasup2 Assiste-se poreacutem mais recentemente a um crescente interesse na academia e tambeacutem entre os aplicadores do Direito por esses temas mais substanciais o que talvez leve a um gradual preenchi-mento dessa lacuna De fato ao lado de pesquisas a respeito de questotildees formais em torno de assun-tos como anterioridade estrutura da norma tributaacuteria irretroatividade etc assiste-se a um crescente interesse por temas materiais ou substanciais como capacidade contributiva legitimidade da tributa-ccedilatildeo e justiccedila fiscal Aleacutem de diversas teses e dissertaccedilotildees que tecircm sido defendidas nos Programas de Poacutes-Graduaccedilatildeo no Paiacutes nos uacuteltimos anos pode-se apontar como excelente exemplo do que se estaacute aqui a dizer o proacuteprio Programa de Educaccedilatildeo Fiscal desenvolvido pela Secretaria da Fazenda do Esta-do do Cearaacute Nos itens que se seguem procurar-se-aacute examinar em linhas gerais o papel da eacutetica nas rela-ccedilotildees tributaacuterias e como eventual desprezo a ela pode levar agrave perda de juridicidade dessas relaccedilotildees
1 NOTAS PRELIMINARES E ESCLARECIMENTOS TERMINOLOacuteGICOS
Natildeo existem sentidos uacutenicos e imutaacuteveis para as palavras os quais possam ser objeto de inves-
tigaccedilatildeo anaacuteloga agrave de um bioacutelogo que procura um novo microrganismo na natureza Aliaacutes as palavras
tampouco tecircm um uacutenico sentido literal correto (SEARLE 2002 p 184) sendo ele em verdade aquele
que os partiacutecipes do processo de comunicaccedilatildeo a elas atribuem o qual por certo depende de usos
preacutevios dessas mesmas palavras mas que por igual podem ser gradualmente modificados agrave luz do
contexto e das circunstacircncias no acircmbito dos chamados jogos de linguagem (WITTGENSTEIN 2000)
Eacute um tanto contraproducente portanto investigar a respeito de qual seria o significado correto
da palavra eacutetica Ela pode ser utilizada como sinocircnimo de moral derivando essas duas palavras res-
pectivamente de termos em grego (ethos) e em latim (mores) entatildeo usados para designar a mesma
coisa a saber o conjunto de costumes ou comportamentos adotados em determinada sociedade
Existem poreacutem algumas realidades diferentes conquanto relacionadas que talvez justifiquem o uso
de palavras distintas em sua designaccedilatildeo Haacute um conjunto de costumes ou comportamentos adotados
em certa sociedade mas haacute tambeacutem valores ou paracircmetros de correccedilatildeo em face dos quais esses cos-
tumes ou comportamentos podem ser julgados Pode-se dizer por exemplo que na moralidade islacirc-
mica eacute considerado errado a mulher decidir os destinos de sua proacutepria vida mas que essa natildeo parece
a forma mais adequada de tratar as pessoas do sexo feminino A primeira seria uma ldquomoral positivardquo e
a segunda uma ldquomoral criacuteticardquo Poder-se-ia cogitar ainda do ramo da Filosofia (Filosofia Moral) que se
2 Como observa Ricardo Lobo Torres (2009 p 4) ldquoboa parte dos problemas das financcedilas puacuteblicas atuais no Brasil e no es-trangeiro veio do corte observado entre poder de tributar e poder de gastar ou entre direito tributaacuterio e direito financeiro que conduziu agrave irresponsabilidade fiscal e agrave proacutepria crise fiscal que desestruturou o Estado do Bem-estar Socialrdquo
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ocupa dessas questotildees sendo essa uacuteltima parcela da realidade ndash esse ramo da Filosofia ndash mais adequa-
damente designado pela palavra Eacutetica com ldquoErdquo maiuacutesculo Essa seraacute a opccedilatildeo terminoloacutegica seguida no
presente trabalho
2 EacuteTICA E CONCEPCcedilAtildeO DE SER HUMANO
Exame das ideias dos filoacutesofos que ao longo da Histoacuteria se ocuparam da Eacutetica ou da Filosofia
Moral revela que todos eles partem como premissa de uma concepccedilatildeo de ser humano Uma antro-
pologia filosoacutefica portanto estaacute na base de qualquer estudo a respeito do que seja certo e errado e
das razotildees que as pessoas tecircm para agir da forma correta
Jeremy Bentham (1996) por exemplo um dos principais expoentes do utilitarismo defende
que o criteacuterio para identificar uma conduta como justa ou correta eacute a maximizaccedilatildeo da felicidade O
que traz a maior felicidade para o maior nuacutemero de pessoas eacute o certo a ser feito Isso porque parte da
premissa de que o ser humano eacute um animal que naturalmente vive em busca do prazer e da felicidade
e tem aversatildeo agrave dor e ao sofrimento
Kant (2003) por sua vez um dos principais criacuteticos do utilitarismo e autor de um dos mais im-
portantes sistemas de Filosofia Moral do ocidente constroacutei toda a sua teoria sobre a premissa de que o
ser humano diferentemente dos outros animais e entes existentes na natureza eacute dotado de liberdade
assim entendida natildeo propriamente a possibilidade de escolher por quais meios atingir os fins que a
natureza lhe impotildee (vg comer arroz em vez de macarratildeo para matar a fome) que outros animais tam-
beacutem tecircm mas a aptidatildeo de escolher os proacuteprios fins a serem perseguidos agraves vezes ateacute em oposiccedilatildeo
aos que seus impulsos naturais indicam (pex natildeo comer mesmo estando com fome para no longo
prazo otimizar a sauacutede ou a aparecircncia fiacutesica) Isso confere ao ser humano o caraacuteter de sujeito dotado
de livre-arbiacutetrio e natildeo de mero objeto donde se deduzem maacuteximas como a de que as pessoas devem
ser sempre tratadas como fins em si mesmas (sujeitos) e nunca como meros meios (objetos) aleacutem do
conhecido imperativo categoacuterico segundo o qual o correto a fazer natildeo eacute necessariamente o que traz
felicidade ao maior nuacutemero de pessoas mas aquilo que pode ser transformado em maacutexima universal
ou seja todos poderiam agir da mesma forma Em palavras mais simples para algueacutem saber se uma
conduta eacute correta basta imaginar se seria conveniente que ela fosse adotada por todos Essa eacute uma
forma de avaliar se estamos sendo impelidos por nossos impulsos a agir de determinada forma ou se
ela eacute a maneira correta por estar de acordo com a razatildeo Furar uma fila por exemplo eacute uma conduta
que pode parecer conveniente a quem a adota circunstancialmente mas se todos a adotassem a proacute-
pria figura da fila desapareceria estabelecendo-se o caos nas situaccedilotildees nas quais se fizesse necessaacuterio
ordenar o atendimento de pessoas com igualdade o que eacute suficiente para que se conclua que a con-
duta eacute errada
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Natildeo se pretende poreacutem alongar o presente texto com incursotildees nos vaacuterios sistemas de Filo-
sofia Moral Os dois exemplos citados servem apenas para mostrar que toda concepccedilatildeo do que seja
certo ou errado envolve necessariamente uma concepccedilatildeo a respeito da natureza do ser humano
Diante disso na contemporaneidade natildeo causa surpresa que as principais contribuiccedilotildees para o estudo
desse tema sejam oriundas da biologia da neurologia da psicologia e das ciecircncias cognificas quando
se interseccionam no estudo da mente humana e datildeo origem ao roacutetulo unificador de neurociecircncia
A biologia tem mostrado de forma contundente que os sentimentos morais de empatia
cooperaccedilatildeo solidariedade e equidade foram naturalmente selecionados natildeo apenas no ser humano
mas em alguns outros mamiacuteferos superiores que vivem em grupos como lobos golfinhos e principal-
mente primatas como chimpanzeacutes e bonobos (WAAL 1996) Entre muitos outros animais eacute comum o
sentimento de proteccedilatildeo agrave prole (kin selection) pela oacutebvia razatildeo de que essa eacute a forma mais imediata
de perpetuaccedilatildeo dos genes mas entre tais mamiacuteferos a vantagem propiciada pela formaccedilatildeo de grupos
selecionou naturalmente aqueles indiviacuteduos dotados de caracteriacutesticas que favorecem a vida em gru-
po dentre as quais se destacam os sentimentos morais (GREENE 2013)
Haacute experimento que se tornou ceacutelebre exibido em palestra ministrada por Frans de Waal no
TEDsup3 que eacute bem ilustrativo dessa ideia Nele duas macaco-prego fecircmeas satildeo solicitadas a realizar a
mesma tarefa mas satildeo remuneradas de forma desigual Uma recebe pequenos pedaccedilos de pepino
e a outra uvas A que recebe pepinos fica satisfeita e poderia passar o dia inteiro realizando a mesma
tarefa e sendo recompensada com os pepinos O problema surge quando ela vecirc a colega ser remune-
rada pela mesma tarefa com uvas bem mais saborosas A injusticcedilada chega a testar a pedra para
ver se a tarefa que desempenha eacute mesmo igual agrave desempenhada pela colega ou seja para aferir se haacute
alguma justificativa para o tratamento desigual
No ser humano que tambeacutem nutre tais sentimentos a seleccedilatildeo de caracteriacutesticas que favorecem
a vida em grupo criou mecanismos ainda mais sofisticados como um sistema neuroloacutegico mais com-
plexo e com ele a linguagem propiciando que se teorize em torno dos referidos sentimentos morais
e mais importante que se construam instituiccedilotildees sociais destinadas a dar-lhes efetividade Surge
assim o Direito que natildeo tem poreacutem como se desligar inteiramente dessa sua origem Disposiccedilotildees
juriacutedicas que contrariem frontalmente sentimentos morais seratildeo com maior probabilidade desres-
peitadas Caso se fundamentem no medo na forccedila e na coaccedilatildeo e natildeo na convicccedilatildeo de que satildeo boas
para a manutenccedilatildeo da harmonia social ndash razatildeo de resto para o proacuteprio surgimento dos sentimentos
morais ndash elas aleacutem de brutalizarem o homem seratildeo no dizer de Pontes de Miranda (2000) apenas
uma revoluccedilatildeo que se retarda4
3 TED (wwwtedcom) eacute uma instituiccedilatildeo sem fins lucrativos que tem por finalidade divulgar ideias consideradas importantes A sigla deriva das palavras Technology Entertainment Design O trecho do viacutedeo com o experimento citado no texto pode ser assistido em httpyoutubelKhAd0Tyny0
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3 Eacute POSSIacuteVEL DISCUTIR OBJETIVAMENTE EM TORNO DE QUESTOtildeES EacuteTICAS
Poder-se-ia objetar diante da pretensatildeo de se estudar e considerar a Eacutetica no trato de questotildees
juriacutedicas que questotildees eacuteticas ou morais satildeo sempre muito subjetivas e emocionais natildeo podendo ser
estudadas cientificamente agrave miacutengua da possibilidade de se fazerem afirmaccedilotildees objetivas em torno
delas
Algo do que se disse no item anterior jaacute deveria afastar essa objeccedilatildeo mas em acreacutescimo po-
de-se ressaltar que mesmo quando haacute divergecircncia entre questotildees morais as pessoas apresentam (ou
pelo menos podem ser capazes de apresentar) razotildees para justificar seus pontos de vista discrepantes
Natildeo se apresentam razotildees para convencer algueacutem que sorvete de baunilha eacute mais gostoso que sorve-
te de morango ou que o azul eacute mais bonito que o amarelo mas se apresentam razotildees para convencer
algueacutem que o casamento entre pessoas do mesmo sexo deve ser (ou natildeo) permitido o que mesmo
sem entrar nessa discussatildeo aqui revela que natildeo satildeo temas assim inteirametne subjetivos como ocorre
no caso do gosto por sorvetes ou cores (BENN 1998 p 5)
Aleacutem disso tambeacutem no acircmbito das ciecircncias naturais e ateacute da Fiacutesica haacute divergecircncia Natildeo soacute
motivada por pessoas intransigentes e dogmaacuteticas desprovidas de qualquer base cientiacutefica como eacute o
caso dos que negam a evoluccedilatildeo das espeacutecies e dizem que os foacutesseis de dinossauros satildeo a prova de
que alguns animais natildeo conseguiram subir na Arca de Noeacute mas entre os proacuteprios especialistas como
fiacutesicos que divergem sobre a extensatildeo e a forma do universo por exemplo (ZIMMERMAN 2010 p 26
TERSMAN 2006 p XI) Isso natildeo significa que inexista um miacutenimo de intersubjetividade a permitir um
debate racional em torno de tais ideias Tampouco significa que se deva em tais terrenos abandonar
a ideia de verdade e o propoacutesito honesto de alcanccedilaacute-la (MARCONI 2007 p 50 e ss RESCHER 2003 p
83 HAACK 2011 p 228)5
Finalmente eacute preciso lembrar que a existecircncia de controveacutersia em relaccedilatildeo a certos assuntos natildeo
quer dizer que natildeo existam temas em torno dos quais o consenso seja possiacutevel Muitas vezez natildeo eacute ne-
cessaacuterio por exemplo saber qual eacute a justiccedila ideal se a kantiana ou a utilitarista ou a aristoteacutelica ou
qualquer outra para se concluir que determinada situaccedilatildeo vivida eacute injusta Amartya Sen (2009 p 109 e
ss) economista indiano laureado com o precircmio Nobel e que desde entatildeo parece ter se dedicado mais
agrave filosofia moral que agrave economia propriamente dita utiliza para demonstraacute-lo a chamada ldquometaacutefora da
saunardquo Para ele discutir ldquoideais de justiccedilardquo diante de certas injusticcedilas flagrantes de nossa sociedade ou
recusar o enfrentamento dessas injusticcedilas sob a consideraccedilatildeo de que a justiccedila ideal eacute de impossiacutevel de-
5 Como aponta Haack (2011 p 231) a criacutetica relativista em uacuteltima anaacutelise eacute autodestrutiva e ainda falaciosa pois natildeo se pode ldquopela investigaccedilatildeo honesta descobrir que natildeo haacute investigaccedilatildeo honestardquo Como lembra no mesmo sentido Fazzalari (2006 p 61) natildeo eacute porque a racionalidade eacute faliacutevel que devemos optar pela irracionalidade
4 ldquoToda pressatildeo que dura eacute indiacutecio certo de revoluccedilatildeo que se retardardquo (PONTES DE MIRANDA 2000 p 116)
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terminaccedilatildeo consensual eacute algo semelhante a termos algumas pessoas trancadas dentro de uma sauna
cujo termostato estaacute localizado do lado de fora Desesperadas com um calor insuportaacutevel dentro da
sauna essas pessoas comeccedilam a gritar para que algueacutem as ajude Um sujeito que por acaso passava
pelo lado de fora ouve os gritos e se dirige agrave sauna mas com a matildeo sobre o termostato afirma que soacute
poderaacute ajustar a temperatura dentro da sauna que jaacute passa dos 50 graus quando os que estatildeo dentro
dela trancados decidirem qual seria a temperatura ideal
Nessa ordem de ideias da mesma forma como natildeo se precisa decidir se a temperatura ldquoidealrdquo
eacute 18 21 ou 22 graus positivos para se saber que eacute necessaacuterio reduzir o calor de 50 graus dentro da
sauna em muitos casos natildeo eacute preciso saber qual eacute a concepccedilatildeo ldquoidealrdquo de justiccedila para se concluir que
determinada situaccedilatildeo eacute flagrantemente desigual iniacutequa e injusta e precisa ser remediada Nas linhas
seguintes algumas dessas situaccedilotildees nas quais a sauna talvez esteja passando dos 50 graus seratildeo
examinadas
4 EacuteTICA NAS RELACcedilOtildeES TRIBUTAacuteRIAS
O leitor pode estar a esta altura imaginando o que tais ponderaccedilotildees de ordem predominan-
temente filosoacutefica fazem em texto dedicado em princiacutepio ao Direito Tributaacuterio Eacute preciso lembrar po-
reacutem o que serve de fundamento ao Direito Afinal por que se cumprem as suas disposiccedilotildees Por que
no caso do Direito Tributaacuterio se cumprem as leis tributaacuterias pagando-se os tributos por elas impostos
Em verdade de fato no plano ocircntico ou do ser vaacuterios satildeo os motivos que levam as pessoas
a cumprirem as imposiccedilotildees veiculadas em normas juriacutedicas Tanto no tempo como no espaccedilo a di-
versidade eacute inegaacutevel haacutebito medo da sanccedilatildeo desejo de ser aceito pelo grupo convicccedilatildeo de que eacute
o melhor caminho etc Natildeo se pode negar poreacutem que o Direito eacute uma realidade institucional para
usar uma expressatildeo de John Searle (2005 p 104 e ss) assim entendida aquela realidade que somente
existe enquanto convencionada por seres racionais fazendo parte do que Karl Popper (2006 p 38)
convencionou chamar de mundo 3 Ele natildeo existe como os minerais como um coelho felpudo ou
como uma concha na praia por exemplo mas sim quando haacute um pacto intersubjetivo que o constitui
enquanto realidade Tal como o dinheiro ou as regras de um jogo
E para que as pessoas enxerguem uma ordem uma obrigaccedilatildeo ou um comando como algo fruto
de uma realidade institucional eacute preciso que a aceitem enquanto tal Direito que soacute ndash frise-se o ldquosoacuterdquo ndash
se impotildee pela forccedila eacute algo que equipara o homem a algo pior que muitos animais natildeo humanos ou
para usar uma metaacutefora de Arnaldo Vasconcelos (2001 p 93) como o jumento do verdureiro que
ldquoque para andar ou parar ou retroceder no caminho tem de ver o movimento do chicote ou ouvir
o silvar dele em sua proximidaderdquo Para que as pessoas vejam no conjunto de normas que integra o
Direito Tributaacuterio essa realidade institucional que elas cumprem porque reconhecem como Direito
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e natildeo apenas por conta da forccedila de quem impotildee sua obediecircncia eacute preciso que o Direito tenha um
fundamento eacutetico Eacute preciso que as normas que existam correspondam na maacutexima medida possiacutevel
agraves normas que as pessoas que a elas se submetem gostariam que existissem (MACHADO SEGUNDO
2010) Daiacute dizer-se que uma legislaccedilatildeo que estabelecesse tributaccedilatildeo mais justa seria independente-
mente de aparatos repressivos dotada de maior eficaacutecia
41 Tributaccedilatildeo ideal e princiacutepios de legitimaccedilatildeo
Tem pouco significado dizer-se que a legislaccedilatildeo que estabelecesse uma tributaccedilatildeo ideal seria
independentemente da atuaccedilatildeo de um aparato coercitivo dotada de maior grau de eficaacutecia De fato
pode-se objetar ideal para quem
Uma teoria segundo a qual o tributo ideal seria aquele com aliacutequota ldquoxrdquo incidente sobre base
ldquoyrdquo certamente seria contestada com a ponderaccedilatildeo de que tal forma de tributaccedilatildeo seria ideal para
quem a imaginou mas natildeo necessariamente para quem se submeteria a ela Aleacutem disso a idealidade
de uma tributaccedilatildeo natildeo pode ser examinada de forma divorciada de uma anaacutelise do gasto ou da des-
tinaccedilatildeo dada ao recursos com ela obtidos Daiacute falar-se atualmente em princiacutepios de legitimaccedilatildeo os
quais conduzem a uma tributaccedilatildeo considerada ideal pela sociedade que a ela se submete Em vez de
defender-se predominantemente uma tributaccedilatildeo sobre esta ou aquela base ou por esta ou aquela
aliacutequota tem-se defendido mais recentemente que a tributaccedilatildeo seja estabelecida por meios demo-
craacuteticos havendo efetiva representaccedilatildeo da sociedade natildeo apenas na elaboraccedilatildeo das leis disciplinado-
ras da relaccedilatildeo tributaacuteria mas tambeacutem nas decisotildees referentes agrave aplicaccedilatildeo dos gastos correspondentes
Mas natildeo soacute Para que a tributaccedilatildeo seja legiacutetima ou assim seja considerada por quem a ela se
submete eacute preciso que ela seja calcada em uma legislaccedilatildeo clara transparente e cobrada em relaccedilotildees
fundadas na lealdade na boa-feacute e na transparecircncia Satildeo na visatildeo de Ricardo Lobo Torres (2006 p 223-
244) os princiacutepios de legitimaccedilatildeo que fazem com que o ocircnus tributaacuterio seja aceito por quem a ele se
deve submeter incrementando consideravelmente a eficaacutecia das normas correspondentes que natildeo se
podem apoiar ndash nem devem ndash apenas ou predominantemente na repressatildeo
Eacute preciso por outras palavras natildeo apenas que o contribuinte ouccedila mas que ele se convenccedila
pela observaccedilatildeo do exemplo que a autoridade fiscal natildeo eacute sua inimiga e que a lei natildeo eacute respeitada
apenas quando isso beneficia a Administraccedilatildeo Tributaacuteria Quando isso acontecer por meio do pres-
tiacutegio aos princiacutepios de legitimaccedilatildeo antes apontados a eficaacutecia da norma tributaacuteria seraacute consideravel-
mente incrementada
Esse convencimento poreacutem natildeo eacute de faacutecil obtenccedilatildeo por conta inclusive de posturas e condu-
tas adotadas pelo proacuteprio Poder Puacuteblico Natildeo se estaacute cumpre insistir fazendo aqui referecircncia a desvios
eacuteticos (e legal) no comportamento de algum agente fiscal especiacutefico algo que tambeacutem pode ocorrer
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em relaccedilatildeo aos contribuintes Embora isso possa existir e seja induvidosamente prejudicial agrave higidez
da relaccedilatildeo natildeo eacute de tais aspectos que se estaacute aqui a tratar ateacute porque todos sabem que eles existem
e conhecem os mecanismos para combatecirc-los vez que eles acontecem em violaccedilatildeo agraves instituiccedilotildees
existentes Na verdade faz-se referecircncia neste artigo a alguns exemplos de possiacutevel falta de eacutetica ou
de lealdade institucional que eventualmente ateacute pode levar agentes a contragosto mas em obser-
vacircncia aos seus deveres funcionais a praticarem atos antieacuteticos com contribuintes os quais corroem a
relaccedilatildeo tributaacuteria
42 Dois criteacuterios para a correccedilatildeo de diacutevidas atrasadas
Opera contra o objetivo de construir uma tributaccedilatildeo ideal a instituiccedilatildeo de tratamentos ar-
bitrariamente desiguais e discriminatoacuterios entre Fisco e contribuintes quando envolvidos em situ-
accedilotildees iguais ou equivalentes Eacute o caso por exemplo da legislaccedilatildeo do Estado do Cearaacute que prevecirc
criteacuterios de atualizaccedilatildeo diferentes para diacutevidas pagas em atraso conforme o credor seja o Estado ou
o sujeito passivo
Realmente conforme os art 1ordm da ldquoNota Explicativa SEFrdquo nordm 5 de 13 de setembro de 2004 (Pro-
dinfo 2004 online) o Estado quando tem de devolver ao contribuinte valores por este pagos a maior
corrige-os por meio da Ufirce unidade fiscal de referecircncia adotada pelo Estado do Cearaacute Quando
poreacutem se trata de cobrar do sujeito passivo quantias em atraso o criteacuterio de correccedilatildeo eacute a taxa referen-
cial do Sistema Especial de Liquidaccedilatildeo e Custoacutedia (Selic) o que gera uma diferenccedila bastante expressiva
(CEARAacute 1997a RICMS art 77) De fato aleacutem de a Selic ter variaccedilatildeo superior agrave Ufirce a atualizaccedilatildeo da
primeira eacute mensal enquanto a segunda eacute atualizada apenas anualmente o que faz com que deacutebitos
pagos indevidamente e restituiacutedos ou compensados no mesmo exerciacutecio natildeo sofram correccedilatildeo alguma
A disparidade parece bastante clara assim como a falta de justificativa para ela Aleacutem da viola-
ccedilatildeo aos princiacutepios da legalidade6 e da igualdade a proacutepria noccedilatildeo eacutetica de equidade que eacute ateacute mesmo
preacute humana como se vecirc dos experimentos de Frans de Waal (1996) referidos anteriormente parece
ser malferida Com isso insista-se corroacutei-se o sentimento saudaacutevel que deveria estar subjacente agrave
relaccedilatildeo tributaacuteria segundo o qual suas disposiccedilotildees devem ser cumpridas por ser esta a soluccedilatildeo mais
correta do ponto de vista eacutetico e natildeo porque impostas pela forccedila Diante de tratamento assim incre-
menta-se no sujeito passivo de forma indevida a ideia de que o direito soacute deve ser cumprido pelo
receio da puniccedilatildeo o que obviamente faz com que ele seja violado sempre que o contribuinte imagina
que natildeo seraacute descoberto
6 Realmente o art 66 paraacutegrafo uacutenico da Lei 1267097 dispotildee que a ldquoimportacircncia de ser restituiacuteda seraacute atualizada obser-vados os mesmos criteacuterios aplicaacuteveis agrave cobranccedila de creacutedito tributaacuteriordquo o que eacute flagrantemente desrespeitado pelas normas infralegais que compotildeem a adoccedilatildeo da Ufirce na correccedilatildeo dos valores a serem pagos ou restituiacutedos ao sujeito passivo da relaccedilatildeo tributaacuteria (CEARAacute 1997b)
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43 Tributaccedilatildeo indireta e suas contradiccedilotildees
Outro claro exemplo de inadequaccedilatildeo da forma como as instituiccedilotildees juriacutedicas tratam o sujeito
passivo da relaccedilatildeo tributaacuteria no Brasil reside na chamada ldquotributaccedilatildeo indiretardquo e na forma como se
admite o exerciacutecio de direitos por parte de quem a ela se sujeita ou submete
Por razotildees de espaccedilo e de pertinecircncia temaacutetica natildeo seraacute alongada aqui a discussatildeo relativa
agrave identificaccedilatildeo dos tributos indiretos (MACHADO SEGUNDO 2011) admitindo-se a conclusatildeo a que
chegou o Superior Tribunal de Justiccedila (STJ) de que eles satildeo o ICMS7 o IPI e o ISS este uacuteltimo quando
cobrado de forma natildeo fixa8 Sabe-se que essa classificaccedilatildeo e a proacutepria conclusatildeo a que chegou o STJ
satildeo bastante fraacutegeis e tecircm uma seacuterie de inconsistecircncias mas o problema maior eacute na verdade o que
se extrai como consequecircncia da constataccedilatildeo de que um tributo eacute ldquoindiretordquo
Na repeticcedilatildeo do indeacutebito tributaacuterio se quem a pleiteia eacute o contribuinte assim entendido aquele
que legalmente eacute obrigado ao seu pagamento diz-se que a devoluccedilatildeo por mais indevido que tenha
sido o pagamento depende da prova de que natildeo houve a transferecircncia do encargo financeiro a qual
na maioria das vezes torna impossiacutevel a restituiccedilatildeo Afinal quem pagou o tributo ldquona verdaderdquo foi o
consumidor final
Se poreacutem a restituiccedilatildeo eacute postulada pelo consumidor final admitindo-se a conclusatildeo ndash de resto
altamente questionaacutevel ndash indicada no paraacutegrafo anterior diz-se que lhe falece legitimidade por natildeo
ser ele parte na relaccedilatildeo juriacutedica com o Fisco Dessa vez parece admitir-se que quem paga o tributo ldquona
verdaderdquo eacute o comerciante vendedor das mercadorias
Algo semelhante se daacute em relaccedilatildeo a vaacuterios outros assuntos sempre no plano da tributaccedilatildeo
indireta No que tange agrave inadimplecircncia por exemplo se o contribuinte natildeo recebe o preccedilo da mer-
cadoria ainda assim se diz que o tributo eacute devido pois quem o paga ldquona verdaderdquo eacute o comerciante
pouco importando se este recebeu o preccedilo ou natildeo Mas se o comerciante recebe o pagamento da
mercadoria e em seguida natildeo paga o imposto haacute quem defenda que ele estaria praticando ldquocrimerdquo
pois seria uma apropriaccedilatildeo do valor devido ao Fisco pelo consumidor final cabendo ao comerciante
apenas ldquorepassaacute-lordquo (EISELE 2001 p 91)
A incoerecircncia eacute enorme e em vaacuterios cenaacuterios Diante dela mesmo sem discutir qual dessas teses
seria a correta brota no sujeito passivo o sentimento de que o Direito eacute um mecanismo repressor que
soacute opera contra ele Algo inteiramente contraacuterio ao propoacutesito de educar o cidadatildeo quanto ao cumpri-
mento de seus deveres tributaacuterios em face do substrato eacutetico que tecircm
7 STJ 1ordf T AGA 452588SP DJ de 5 abr 2004 p 205 8 STJ 1ordf T AgRg no Ag 692583RJ j em 11 out 2005 DJ de 14 nov 2005 p 205 rep DJ de 28 nov 2005 p 208
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44 Lanccedilamento por homologaccedilatildeo e consequecircncias do erro do sujeito passivo
Outro problema que talvez seja prejudicial agrave higidez da relaccedilatildeo entre Fisco e contribuintes resi-
de nas consequecircncias do erro do sujeito passivo no acircmbito do lanccedilamento por homologaccedilatildeo
Como se sabe o lanccedilamento por homologaccedilatildeo eacute aquele no qual o sujeito passivo desenvolve
toda a atividade de determinaccedilatildeo ou acertamento do creacutedito tributaacuterio submetendo o resultado dessa
atividade ao crivo da autoridade administrativa e pagando antecipadamente a qualquer manifestaccedilatildeo
da autoridade o montante por si apurado (CTN art 150) Esse pagamento antecipado eacute a principal
caracteriacutestica do lanccedilamento por homologaccedilatildeo diferenciando-o por exemplo do lanccedilamento por
declaraccedilatildeo no qual o sujeito passivo leva certas informaccedilotildees ao conhecimento da autoridade mas soacute
depois de notificado por ela eacute que procede ao pagamento da quantia apurada (CTN art 147)
No mundo atual no acircmbito do lanccedilamento por homologaccedilatildeo eacute cada vez mais intensa a trans-
ferecircncia de atribuiccedilotildees que em tese seriam da Fazenda Puacuteblica ao sujeito passivo ligadas agrave apuraccedilatildeo
do montante devido e ao cumprimento de inuacutemeras obrigaccedilotildees acessoacuterias que visam a permitir a
fiscalizaccedilatildeo de quem as cumpre e de todos que com ele se relacionam Uma contabilidade que apure
o resultado da empresa por exemplo que surgiu em contexto inteiramente natildeo tributaacuterio eacute hoje vista
por muitos empresaacuterios sobretudo os de menor porte como uma necessidade em razatildeo do Fisco
sendo considerado um ldquobenefiacuteciordquo o regime que a dispensa a exemplo do Simples
Essa caracteriacutestica poreacutem natildeo eacute em si um mal O problema sentido por muitos contribuintes
reside nas consequecircncias de erros cometidos no cumprimento de tantas obrigaccedilotildees sobretudo no
que tange agravequelas ligadas agrave determinaccedilatildeo do creacutedito tributaacuterio quando o contribuinte comete um
erro e dele decorre pagamento de tributo inferior ao devido haacute a aplicaccedilatildeo de penalidades as quais
no caso do Fisco Federal por exemplo satildeo ordinariamente de 75 do valor do creacutedito tributaacuterio
percentual correspondente agrave multa aplicada sempre que haacute lanccedilamento de ofiacutecio e natildeo se verifica
a ocorrecircncia de fraude ou maacute feacute (que podem fazer esse percentual ultrapassar 150) conforme a
previsatildeo da Lei 943096) (BRASIL 1996 art 44 inciso I e paraacutegrafos)
Quando poreacutem do erro decorre pagamento superior ao que seria devido suprime-se do su-
jeito passivo em regra a possibilidade de questionamento administrativo Diz-se que ele natildeo poderia
defender-se de suas proacuteprias apuraccedilotildees E pior quando em juiacutezo natildeo sem algum custo o contribuinte
finalmente consegue a extinccedilatildeo do creacutedito tributaacuterio haacute decisotildees que ainda o condenam ao pagamen-
to de honoraacuterios de sucumbecircncia pois a demanda em uacuteltima anaacutelise teria decorrido de erro dele9
Veja-se que natildeo se estaacute cogitando aqui da hipoacutetese em que o sujeito passivo age de maacute feacute o
que corretamente deve ensejar a aplicaccedilatildeo de penalidades mais elevadas Trata-se de caso no qual
9 Ac un da 1ordf T do STJ ndash Resp 299621SC ndash Rel Min Joseacute Delgado ndash (20010003592-2) j em 3 mai 2001 ndash DJ de 13 ago 2001 p 73 Sobre esses entendimentos veja-se MACHADO 2003 p 73
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de boa feacute se comete um equiacutevoco sendo evidente a inequidade no tratamento quando a Fazenda
comete erro na elaboraccedilatildeo de lanccedilamento e daiacute decorre cobranccedila menor ela pode desde que natildeo
consumada a decadecircncia revisaacute-lo de ofiacutecio para cobrar as diferenccedilas (CTN art 149) E se do erro
origina-se cobranccedila maior que a devida nenhuma puniccedilatildeo se lhe aplica
Natildeo se estaacute por oacutebvio defendendo a necessidade de puniccedilatildeo indiscriminada a todo agente
fiscal que cometa erros no desempenho de sua funccedilatildeo mas apenas chamando a atenccedilatildeo do leitor para
uma evidente iniquidade no tratamento dado pelo Direito Tributaacuterio Brasileiro em regra ao erro que
tem dimensotildees muito diferentes a partir apenas de quem o comete Se diante de uma legislaccedilatildeo tatildeo
complexa e mutante ndash que natildeo eacute o contribuinte quem edita - torna-se difiacutecil aplicar a legislaccedilatildeo que
o equiacutevoco nessa aplicaccedilatildeo tenha tratamento semelhante seja ele praticado por quem exerce uma ati-
vidade econocircmica e de modo colateral tem de interpretar a lei tributaacuteria seja por quem tem por ofiacutecio
exclusivo a sua interpretaccedilatildeo e aplicaccedilatildeo como eacute o caso dos agentes do fisco
45 Unificaccedilatildeo de oacutergatildeos arrecadadores e direito agrave compensaccedilatildeo
Boa feacute lealdade e confianccedila satildeo importantes princiacutepios de legitimaccedilatildeo do tributo O efetivo
respeito a eles notadamente por parte do Poder Puacuteblico gera no sujeito passivo sentimentos que
incrementam a tendecircncia ao cumprimento dos deveres tributaacuterios Mas esses princiacutepios satildeo desrespei-
tados quando se usam no convencimento agrave populaccedilatildeo acerca da necessidade de se aprovarem certas
medidas legislativas discursos que se sabem natildeo serem verdadeiros e que logo em seguida seratildeo
descumpridos e esquecidos
Parece ter ocorrido isso na criaccedilatildeo da chamada Receita Federal do Brasil fruto da unificaccedilatildeo da
Receita Federal com a Receita Previdenciaacuteria esta uacuteltima encarregada da arrecadaccedilatildeo de contribuiccedilotildees
previdenciaacuterias
Sem entrar no meacuterito a respeito da conveniecircncia da utilidade ou mesmo da validade dessa
unificaccedilatildeo10 releva notar aqui apenas que um dos argumentos usados na defesa da necessidade
de unificaccedilatildeo para convencer setores da sociedade que contra ela se insurgiam foi o de que muitos
contribuintes possuiriam diacutevidas perante a Receita Previdenciaacuteria especialmente de contribuiccedilotildees in-
cidentes sobre a folha de pagamentos as quais poderiam ser compensadas com creacuteditos oriundos
de pagamentos indevidos feitos agrave Receita Federal e vice-versa Essa aliaacutes seria uma consequecircncia
automaacutetica da unificaccedilatildeo que faria com que contribuiccedilotildees previdenciaacuterias passassem como de fato
passaram a ser tributos administrados pela Receita Federal nos termos do art 74 da Lei 943096
Tatildeo logo aprovada a unificaccedilatildeo poreacutem inseriu-se na proacutepria lei que a levou a efeito disposiccedilatildeo
proibindo a prometida compensaccedilatildeo (art 26 paraacutegrafo uacutenico da Lei 114572007)
10 Para exame especiacutefico do assunto veja-se MACHADO MACHADO SEGUNDO 2005 p 107-120
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Caso natildeo haja duacutevida a respeito da existecircncia e do montante de creacuteditos e deacutebitos reciacuteprocos
natildeo parece haver fundamento moral para se rejeitar a compensaccedilatildeo pois a uacutenica consequecircncia dessa
negativa eacute permitir que um dos polos da relaccedilatildeo cobre e receba o seu creacutedito e resista ao pagamento
do seu creacutedito (MACHADO 2009 p 450 e ss MACHADO SEGUNDO 2006 p 347) Mas aleacutem disso a
inadequaccedilatildeo moral no caso eacute ateacute maior pois se natildeo se pretendia permitir a compensaccedilatildeo de deacutebitos
referentes a tributos administrados pela Receita Federal com aqueles ateacute entatildeo submetidos agrave Receita
Previdenciaacuteria isso jamais poderia ter sido utilizado como argumento em defesa da unificaccedilatildeo
46 Natildeo cumulatividade de contribuiccedilotildees e direito ao creditamento
Finalmente pode-se apontar como exemplo de desrespeito aos princiacutepios de legitimaccedilatildeo do
tributo por parte da ordem juriacutedica brasileira a forma como tem sido conduzida no acircmbito federal a
sistemaacutetica de natildeo cumulatividade relativamente agraves contribuiccedilotildees PIS e COFINS
Realmente tais contribuiccedilotildees passaram por expressivos aumentos de aliacutequotas as quais salta-
ram de 065 e 3 respectivamente para 165 e 76 majoraccedilatildeo esta justificada pela introduccedilatildeo
da sistemaacutetica natildeo cumulativa e com ela do direito ao creditamento das contribuiccedilotildees que tenham
onerado operaccedilotildees anteriores
Com a introduccedilatildeo da sistemaacutetica poreacutem o montante arrecadado com tais contribuiccedilotildees cres-
ceu consideravelmente a demonstrar que o aumento das aliacutequotas foi maior que o necessaacuterio para
fazer face ao aproveitamento de creacuteditos Natildeo houve poreacutem posterior reduccedilatildeo dessas aliacutequotas ten-
do havido ao contraacuterio o surgimento de grande litigiosidade na relaccedilatildeo tributaacuteria em decorrecircncia de
normas infralegais editadas pela Receita Federal11 que restringem consideravelmente o direito aos
creacuteditos interpretando de maneira bastante restritiva expressotildees utilizadas na lei como eacute o caso da
palavra ldquoinsumordquo
Mesmo sem entrar no meacuterito relativo agrave possiacutevel incompatibilidade de tais restriccedilotildees com o prin-
ciacutepio da legalidade12 essa postura institucional parece subtrair uma vez mais o fundamento eacutetico da
relaccedilatildeo tributaacuteria notadamente quando em sua defesa se usa o argumento de que diversamente do
que ocorre com IPI e ICMS no PIS e na Cofins a natildeo cumulatividade natildeo eacute uma ldquoimposiccedilatildeordquo constitu-
cional podendo a legislaccedilatildeo de hierarquia inferior restringir o uso de creacuteditos sem incorrer em invali-
dade Na verdade se o aumento de aliacutequotas foi justificado porque os creacuteditos seriam aproveitados
11 Instruccedilotildees Normativas 2472002 (PIS) e 4042004 (Cofins) que procuram ldquodefinirrdquo insumo para fins de aplicaccedilatildeo do art 3ordm inciso II da Lei 108332003 (BRASIL Ministeacuterio da Fazenda Receita Federal 2002 2004)12 Eacute preciso notar que a Cofins e o PIS diversamente do IPI por exemplo natildeo incidem sobre operaccedilatildeo de saiacuteda de pro-duto mas sobre receita (WILD 2013 p 106) Assim o regime de creditamento em relaccedilatildeo agraves contribuiccedilotildees deve ser mais amplo jaacute que mais ampla eacute a base sobre a qual incidem Do contraacuterio haveria acumulaccedilatildeo A natildeo cumulatividade do IPI ateacute pode ser compatiacutevel com uma sistemaacutetica de creacutedito fiacutesico jaacute que esse imposto soacute incide sobre o que fisicamente sai do estabelecimento industrial Jaacute o PIS e a Cofins natildeo Assim a palavra ldquoinsumordquo no acircmbito dessas contribuiccedilotildeesm deve ter sua significaccedilatildeo colhida natildeo no acircmbito da legislaccedilatildeo do IPI mas na do imposto de renda tributo cuja materialidade conteacutem
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e se mesmo assim a arrecadaccedilatildeo subiu consideravelmente natildeo haacute fundamento moral (AacuteVILA 2007 p
175 e ss) para tais restriccedilotildees que natildeo deveriam ser levadas a efeito ainda que tivessem fundamento
juriacutedico do qual diga-se de passagem satildeo igualmente carentes
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A fim de que o cidadatildeo contribuinte se convenccedila e se eduque no sentido de que eacute necessaacuterio
cumprir seus deveres para com o Fisco os quais satildeo indispensaacuteveis a que se crie uma sociedade livre
justa e solidaacuteria nos termos indicados na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 eacute necessaacuterio que esses deveres sejam por ele vistos como justos e equacircnimes Isso eacute essencial para que a eficaacutecia da norma tributaacuteria seja incrementada fazendo com que dependa menos da repressatildeo estatal institucionalizada Para que essa consciecircncia se concretize poreacutem eacute imperioso que as instituiccedilotildees confiram ao cidadatildeo contribuinte tratamento equacircnime sendo inadequado que elas no plano geral e abstrato se-jam eticamente problemaacuteticas Instituiccedilotildees construiacutedas em bases natildeo eacuteticas levam agentes fiscais que tecircm atividade vinculada a agirem de forma igualmente natildeo eacutetica mesmo que com isso natildeo estejam de acordo no plano moral ou pessoal criando assim uma deslealdade institucionalizada Com isso se retira ou compromete a apontada consciecircncia no sujeito passivo de que haacute um fundamento eacutetico para o cumprimento de seus deveres fiscais corroendo a legitimidade da relaccedilatildeo tributaacuteria Natildeo se estaacute com isso incorrendo-se na ingenuidade de imaginar que o contribuinte com-porta-se sempre com honestidade e lealdade perante o Fisco e que este seria o lado maligno da relaccedilatildeo Longe disso Como dito o presente trabalho natildeo trata de possiacuteveis desvios de comportamen-to pessoais deste ou daquele contribuinte ou mesmo deste ou daquele agente fiscal os quais por certo podem existir mas contam com mecanismos institucionais para combate e controle A principal preocupaccedilatildeo aqui como se procurou mostrar satildeo as deslealdades institucionais pois elas estimulam ou incrementam as primeiras impondo a praacutetica de abusos a autoridades que natildeo gostariam de pra-ticaacute-los e despertando em contribuintes a indesejaacutevel sensaccedilatildeo de que a relaccedilatildeo tributaacuteria ainda eacute de fato e predominantemente de poder natildeo sendo errado fazer uso de meios igualmente escusos para se evadir dela
a da Cofins e a do PIS (SILVA 2009 p 28) Assim devem ser entendidos como insumos natildeo apenas as mateacuterias primas ou os materiais que fisicamente se incorporarem ao bem produzido ou ao resultado do serviccedilo prestado mas todos os custos diretos ou indiretos relacionados agrave produccedilatildeo ou agrave geraccedilatildeo da receita a ser tributada Nesse sentido confira-se OLIVEIRA 2005 p 45 e ss
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INTRODUCcedilAtildeO
Educaccedilatildeo e cidadania satildeo temas que se enredam e satildeo constantemente postos no centro do
debate na sociedade brasileira O desafio em contribuir com a formaccedilatildeo de agentes sociais que alte-
rem substancialmente sua histoacuteria mediante uma reflexatildeo participativa potildee-se como uma das metas
da educaccedilatildeo no Brasil Para tanto diversos projetos e programas foram desenvolvidos ao longo da
histoacuteria
A base para essas accedilotildees se encontra nos documentos que norteiam a poliacutetica educacional no
Paiacutes a Constituiccedilatildeo Brasileira a Lei de Diretrizes e Bases da Educaccedilatildeo Nacional (LDB) e os Paracircmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) Neles estaacute claramente explicitada a importacircncia da formaccedilatildeo para a
conquista da cidadania no processo educacional Uma educaccedilatildeo libertadora passa pelo processo de
empoderamento criacutetico e que leve a uma accedilatildeo efetiva dos atores sociais
Nesse sentido a educaccedilatildeo fiscal contribui para a reflexatildeo da cidadania e seu inter-relaciona-
mento com a tributaccedilatildeo sempre tendo por base o conhecimento para a accedilatildeo Busca-se a criacutetica em-
basada e consciente para a anaacutelise de um orccedilamento puacuteblico ou das planilhas exigidas pela Lei de
Responsabilidade Fiscal por exemplo A educaccedilatildeo fiscal aproxima do cidadatildeo conceitos antes restritos
ao Executivo ou Legislativo ou mesmo aos profissionais da aacuterea tributaacuteria contaacutebil etc
Eacute nessa perspectiva que o Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Cearaacute (PEF) se insere nas discussotildees
sobre cidadania no acircmbito da sociedade cearense em consonacircncia com o Programa Nacional de Edu-
caccedilatildeo Fiscal (PNEF) O objetivo eacute juntar educaccedilatildeo e tributaccedilatildeo o que representa grande desafio em
REFLEXOtildeES CONCEITUAIS E PRAacuteTICAS DO PROGRAMA ESTADUAL DE EDUCACcedilAtildeO FISCAL DO CEARAacute
Imaculada Maria Vidal da Silva1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 Cidadania participaccedilatildeo e controle social para compreender a Educaccedilatildeo Fiscal 2 Educaccedilatildeo Fiscal para a cida-dania 3 A Educaccedilatildeo Fiscal no Cearaacute 31 Projetos em destaque 311 Educaccedilatildeo a distacircncia 312 Seminaacuterios e palestras 313 Monitores de Educaccedilatildeo Fiscal 314 Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante 315 Cidada-nia Fiscal para Universitaacuterios 316 Noccedilotildees de Cidadania Fiscal para Moradores de Comunidades Consideraccedilotildees finais Referecircncias
1 Auditora Fiscal Adjunta da Receita Estadual Mestre em Planejamento e Poliacuteticas Puacuteblicas pela Universidade Estadual do Cearaacute Especialista em Teorias da Comunicaccedilatildeo e da Imagem pela Universidade Federal do Cearaacute E-mail imaculadavidalsefazcegovbr
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uma naccedilatildeo que secularmente alijou o cidadatildeo do seu processo de construccedilatildeo histoacuterica fomentado
pelos gestores e a elite econocircmica e poliacutetica
O Estado do Cearaacute mediante parceria entre Secretarias da Fazenda e de Educaccedilatildeo implemen-
tou o Programa de Educaccedilatildeo Fiscal (PEF) em 1998 com o intuito de levar agraves escolas puacuteblicas e privadas
a discussatildeo em torno do tema cidadania conforme estabelece o PNEF Nesses dezesseis anos diversas
accedilotildees foram realizadas com a filosofia de deixar disponiacutevel ao cidadatildeo conhecimentos de ordem tri-
butaacuteria para permitir a apropriaccedilatildeo de instrumentos para a participaccedilatildeo e o controle social
Dentro desse contexto o objetivo deste trabalho eacute refletir sobre aspectos conceituais desta-
cando algumas categorias fundantes da temaacutetica e apresentar como a teoria da educaccedilatildeo fiscal se
efetiva de forma praacutetica por meio das accedilotildees desenvolvidas pela Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal (Ceduf) da
Secretaria da Fazenda do Estado do Cearaacute (Sefaz)
Como metodologia esse ensaio se conduz por base na investigaccedilatildeo documental bem como
a partir de um levantamento bibliograacutefico do tema com enfoque nos conceitos de cidadania parti-
cipaccedilatildeo e controle social As atividades desenvolvidas pela Ceduf satildeo apresentadas como praacuteticas e
possibilidades de reflexatildeo dos caminhos que a temaacutetica envereda no seu cotidiano
O trabalho estaacute dividido em trecircs toacutepicos Para a compreensatildeo de como se conceitua a educaccedilatildeo
fiscal o primeiro momento aborda trecircs categorias fundamentais para esse entendimento cidadania
participaccedilatildeo e controle social Em seguida a educaccedilatildeo fiscal eacute apresentada como instrumento a ser-
viccedilo da cidadania no terceiro toacutepico eacute relatada a experiecircncia da Ceduf na conduccedilatildeo do Programa de
Educaccedilatildeo Fiscal da Secretaria da Fazenda do Estado do Cearaacute
1 CIDADANIA PARTICIPACcedilAtildeO E CONTROLE SOCIAL PARA COMPREENDER A EDUCACcedilAtildeO FISCAL
Para entender como se estruturam as discussotildees em torno da educaccedilatildeo fiscal necessaacuterio se faz
refletir sobre alguns conceitos baacutesicos da temaacutetica cidadania participaccedilatildeo e controle social Funda-
mentais para entender o papel do cidadatildeo como ator social
A tarefa de apreender cidadania natildeo eacute faacutecil numa naccedilatildeo cujas raiacutezes histoacutericas satildeo permeadas
pelo colonialismo e um passado escravocrata que a engendrou em pouco contato com a participaccedilatildeo
A colonizaccedilatildeo brasileira foi marcada pela usura e apropriaccedilatildeo Para avanccedilar poreacutem na conceituaccedilatildeo
e discutir cidadania no Brasil eacute primordial compreender a gecircnese histoacuterica desse termo tatildeo usado no
discurso cotidiano
Natildeo se pode comparar o conceito de cidadania vivenciado na Antiguidade claacutessica com o de
hoje As referecircncias satildeo claramente diferentes tempo espaccedilo e sociedades distintamente constituiacutedas
o que influencia as percepccedilotildees do que sejam direitos e participaccedilatildeo Hoje parece surreal imaginar uma
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decisatildeo sendo tomada em praccedila puacuteblica sem o intermeacutedio dos representantes poliacuteticos para legislar
em nome dos eleitores
Atenas um exemplo claacutessico de Cidade-Estado eacute conhecida pela participaccedilatildeo e democracia
Ressalta-se que essa participaccedilatildeo se focava no sexo masculino excluindo totalmente as mulheres
escravos e estrangeiros ou seja a democracia ateniense natildeo era tatildeo democraacutetica assim Um aspecto
positivo diz respeito a natildeo exclusatildeo dos homens menos favorecidos economicamente Nesse sentido
a participaccedilatildeo era ampla independente de poder ou status social Ressalte-se que tambeacutem natildeo existia
a noccedilatildeo de representatividade pois a democracia era direta por voto individual
Com base nesse recorte percebe-se que a cidadania era menos inclusatildeo e infinitamente mais
exclusatildeo Poucos participavam das decisotildees O conceito de cidadania era riacutegido norteado na busca
de garantir a centralizaccedilatildeo do poder como esclarece Karnal (2003 In PINSKY J PINSKY CB 2003
p 144)[] o termo cidadania foi criado em meio a um processo de exclusatildeo Dizer quem era cidadatildeo ndash ao contraacuterio de hoje em que supomos se tratar da maioria ndash era a maneira de eliminar a possibilidade de a maioria participar e garantir privileacutegios de uma mino-ria Admitir o conceito de cidadania como um processo de inclusatildeo total eacute uma leitura contemporacircnea
Importante contribuiccedilatildeo para a formaccedilatildeo do conceito de cidadania vem tambeacutem dos romanos
Diferentemente da Greacutecia onde primeiro havia as cidades e depois os cidadatildeos para os romanos era
o cidadatildeo que formava a cidadecoletividade Vale lembrar que para os romanos cidadania cidade e
Estado tinham o mesmo significado
O caminho da cidadania continua junto aos passos da humanidade As liccedilotildees aprendidas com
Greacutecia e Roma repercutem ao longo do processo histoacuterico e novos ideais surgem Um grande marco
das contribuiccedilotildees para a compreensatildeo do conceito de cidadania eacute trazido pelas chamadas revoluccedilotildees
liberais Revoluccedilatildeo Inglesa Americana e Francesa Delas emergiram conceitos accedilotildees e saberes motivo
pelo qual conhecer sobre elas eacute se apropriar de elementos decisivos no mosaico que compotildee a histoacuteria
da cidadania
As revoluccedilotildees liberais foram capitaneadas pelos burgueses e trabalhadores do campo jaacute no
processo de rompimento com o regime feudal As revoluccedilotildees liberais satildeo tambeacutem chamadas revolu-
ccedilotildees burguesas A partir das reivindicaccedilotildees dos direitos para os cidadatildeos por oportunidades eacute estabe-
lecido o surgimento do liberalismo poliacutetico e econocircmico (COELHO 2005)
Daiacute faz-se necessaacuterio destacar o conceito de cidadania liberal que natildeo busca o coletivo mas a
garantia do acesso do indiviacuteduo agrave posse e ao poder ldquoA cidadania liberal foi pois uma cidadania exclu-
dente diferenciadora de lsquocidadatildeos ativosrsquo e lsquocidadatildeos passivosrsquo lsquocidadatildeo com possesrsquo e lsquocidadatildeo sem
possesrsquo (MONDAINI apud COELHO 2005 p 15)
A primeira revoluccedilatildeo liberal foi a inglesa que teve como caracteriacutestica principal o absolutismo
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da monarquia que se revelava avassalador nas questotildees financeiras A exigecircncia do pagamento de
tributos cada vez mais pesados revoltava e causava reaccedilotildees Esse processo revolucionaacuterio inglecircs foi
longo e passou pela destituiccedilatildeo da Coroa e depois sua restauraccedilatildeo culminando com o estabelecimen-
to da maacutexima de que o parlamento governa e o rei reina
A segunda revoluccedilatildeo iniciou-se no processo de expansatildeo da Coroa Inglesa com a chegada agrave
terra batizada de Nova Inglaterra em 1620 marcando o evento no calendaacuterio mundial Era o iniacutecio
pelo menos na histoacuteria oficial dos EEUU da colonizaccedilatildeo dessa Federaccedilatildeo Com o passar do tempo e jaacute
com as financcedilas combalidas pelas guerras a Inglaterra resolveu pressionar as colocircnias localizadas no
Novo Mundo Mais uma vez as restriccedilotildees e o aumento da carga tributaacuteria promoveram ou potencia-
lizaram insatisfaccedilotildees e deflagraram revoltas
A uacuteltima e grande revoluccedilatildeo liberal do periacuteodo foi a Francesa a mais citada quando se fala em
revoluccedilatildeo por cidadania e participaccedilatildeo Especialmente pelo aspecto universal que pregava a liberdade
A Revoluccedilatildeo Francesa tem como antecedente histoacuterico um paiacutes dominado pelo poder absolutista de
seus reis A expropriaccedilatildeo mediante pesados tributos eacute um dos fatores motivadores da Revoluccedilatildeo Mais
uma vez a tributaccedilatildeo se apresenta como fator fundamental para uma revolta
A Revoluccedilatildeo Francesa eacute tema obrigatoacuterio dentro da educaccedilatildeo fiscal por dois aspectos baacutesicos
a tributaccedilatildeo exigida pelo rei com o baixo niacutevel de retorno social dos tributos e a participaccedilatildeo popular
decisiva para romper com o status quo Aqui se originam profundas discussotildees sobre a cidadania jaacute
que eacute nitidamente uma organizaccedilatildeo dos excluiacutedos e que se torna fato importante na Revoluccedilatildeo
Um instrumento histoacuterico importantiacutessimo para a cidadania eacute produzido no seio da Revoluccedilatildeo
Francesa - a Declaraccedilatildeo dos Direitos do Homem proclamada em 26 de agosto de 1789 tendo como
caracteriacutestica fundamental seu papel universal natildeo se restringindo aos franceses mas a toda uma luta
por igualdade fraternidade e liberdade humana
Feita essa recuperaccedilatildeo histoacuterica da cidadania cabe abordaacute-la com assento na concepccedilatildeo apre-
sentada por Marshall considerada um claacutessico no tema ao abordar o conceito com o foco voltado
para a conquista de direitos em trecircs dimensotildees civis poliacuteticos e sociais (COELHO 2005 p 19-20)
Marshall interpretou o desenvolvimento da cidadania por um vieacutes histoacuterico relacio-nando-a com as instituiccedilotildees e com os valores poliacuteticos O autor estudou a ampliaccedilatildeo dos direitos fundamentais e do nuacutemero de pessoas que poderiam gozar de tais direi-tos para entender como se deu o processo de ldquoextensatildeo da cidadaniardquo apoacutes as revolu-ccedilotildees burguesas [] Marshall interessava-se especialmente pelo impacto da cidadania sobre a desigualdade social e com esse objetivo em vista pensou a cidadania dividida em trecircs elementos ou dimensotildees direitos civis poliacuteticos e sociais Segundo ele cada um desses elementos surgiu em tempos (momentos histoacutericos) diferentes embora alguns processos tenham acontecido simultaneamente jaacute que o tempo natildeo pode ser pensado de forma estaacutetica
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Assim para se ter cidadania eacute na visatildeo de Marshall imprescindiacutevel a junccedilatildeo dessas trecircs verten-
tes do direito Para se ter plenitude na cidadania haacute de alcanccedilar a completude de acesso revelando-
-se uma accedilatildeo ampla para a formaccedilatildeo do cidadatildeo pleno Aquele que natildeo atinge as trecircs dimensotildees eacute
chamado de cidadatildeo incompleto e o que natildeo eacute contemplado com nenhum direito eacute o natildeo cidadatildeo
(CARVALHO 2003)
Para que essa cidadania ativa se efetive eacute necessaacuteria a accedilatildeo de agentes sociais em processos de
participaccedilatildeo de atuaccedilatildeo na busca de atendimento agraves demandas sociais uma participaccedilatildeo em cons-
tante processo de descoberta como anota Demo (2001 p 44) ldquoParticipaccedilatildeo eacute conquista eacute processo
infindaacutevel em constante vir-agrave-ser sempre se fazendo eacute uma conquista processual Natildeo pode ser en-
tendida como daacutediva nem como concessatildeo nem como algo preexistenterdquo
Destaque-se que essa participaccedilatildeo soacute se reveste de sentido quando eacute efetiva e atuante Natildeo
quando se percebe como uma ldquopossibilidaderdquo manipulada pelo poder estabelecido para dar falsa
ideia de participaccedilatildeo (DEMO 2001)
A participaccedilatildeo se efetiva na gestatildeo puacuteblica pelo exerciacutecio do controle social ou seja no acom-
panhamento pela sociedade das accedilotildees realizadas pelo Poder Puacuteblico Expressatildeo muito usada na atu-
alidade o controle social se baseia numa cidadania ativa e na participaccedilatildeo da sociedade (CORBARI
2004)
Eacute pelo controle social que se consubstancia o papel do agente social na consecuccedilatildeo das deman-
das da sociedade exigindo dos gestores puacuteblicos aquilo que lhe eacute direito e para o qual existe a figura
do Estado Destaque-se que o controle social eacute figura emblemaacutetica de processos democraacuteticos natildeo se
imaginando em regimes de exceccedilatildeo que a sociedade tenha poder de intervir (SILVA 2002)
A praacutetica do controle social vem no escopo da Constituiccedilatildeo de 1988 natildeo por acaso chamada de
Constituiccedilatildeo cidadatilde que estabelece forma de participaccedilatildeo e transparecircncia das accedilotildees de Estado (VALLE
2002 p 82)Por certo a figura do controle social da Administraccedilatildeo veio mesmo a ganhar grande impulso foi com a ediccedilatildeo da Carta de 1988 que a par de referecircncias expressas a ins-titutos proacuteprios ao atingimento dessa finalidade forneceu os mecanismos de publici-dade impostos ao Estado Com esse binocircmio acesso agraves informaccedilatildeo-meios de controle torna-se possiacutevel uma efetiva fiscalizaccedilatildeo sobre as atividades antes acobertadas por afirmaccedilotildees vagas de proteccedilatildeo ao sigilo preservaccedilatildeo da discricionariedade da admi-nistraccedilatildeo e outras
Uma das formas basilares dessa participaccedilatildeo para a cidadania passa pelo processo educacional
Uma educaccedilatildeo voltada para a formaccedilatildeo de pensadores de agentes sociais efetivos no curso da histoacute-
ria A importacircncia do processo educacional eacute assinalada por Carvalho (2003 p 11)
[] a educaccedilatildeo popular Ela eacute definida como direito social mas tem sido historica-mente um preacute-requisito para a expansatildeo dos outros direitos Nos paiacuteses em que a
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cidadania se desenvolveu com mais rapidez inclusive na Inglaterra por uma razatildeo ou outra a educaccedilatildeo popular foi introduzida Foi ela que permitiu agraves pessoas tomarem conhecimento de seus direitos e se organizarem para lutar por eles A ausecircncia de uma populaccedilatildeo educada tem sido sempre um dos principais obstaacuteculos agrave construccedilatildeo da cidadania civil e poliacutetica
A percepccedilatildeo do cidadatildeo brasileiro sobre o que satildeo seus direitos eacute turvada pela compreensatildeo
de que o Estado eacute o fornecedor desses direitos a tiacutetulo de benesse Isso se justifica pela inversatildeo da
conquista dos direitos em que os direitos sociais foram mais exaltados criando uma visatildeo paternalista
do Estado e natildeo como distribuidor de bens e serviccedilos que pertencem de fato agrave coletividade
Assim a educaccedilatildeo fiscal como fomentadora do debate em torno dos recursos puacuteblicos e da
importacircncia do controle social mediante a participaccedilatildeo cidadatilde colabora diretamente com essa educa-
ccedilatildeo libertadora e de formaccedilatildeo conducente agrave apropriaccedilatildeo de conhecimento para a praacutetica da cidadania
que deve ser marcada pela mediaccedilatildeo histoacuterico-social natildeo um arremedo de cidadania pela metade ou
outorgada pelo Estado mas sim conquistada e estabelecida pela participaccedilatildeo
Como proposta de combater esse Estado corporativo e clientelista e em busca da transposiccedilatildeo
da ldquocidadania de papelrdquo - como conceitua Dimenstein (2001 p17) acerca de garantias somente como
letra impressa em papel e que natildeo se reflete na vida cotidiana - para uma realidade presente eacute que a
educaccedilatildeo fiscal se apresenta com sua concepccedilatildeo filosoacutefica de educaccedilatildeo para a participaccedilatildeo
2 EDUCACcedilAtildeO FISCAL PARA A CIDADANIA
A educaccedilatildeo eacute sem duacutevida uma praacutetica de mediaccedilatildeo entre o ser e sua atuaccedilatildeo no meio social
O processo educacional deve transcender a mera reproduccedilatildeo de conceitos formais e a ecircnfase em con-
teuacutedos e disciplinas objetivando o debate em torno da localizaccedilatildeo do homem em sua histoacuteria como
um ser integral e natildeo limitado a datas e significados pontuais
Nesse sentido a educaccedilatildeo deve estar a serviccedilo da contestaccedilatildeo do que estaacute erroneamente es-
tabelecido propondo a alteraccedilatildeo do que natildeo eacute vaacutelido para o bem-comum da sociedade o que requer
accedilatildeo e compromisso vontade e disposiccedilatildeo dos sujeitos sociais ativos
A educaccedilatildeo fiscal eacute expressa como proposta de accedilatildeo para a cidadania voltada para a percepccedilatildeo
social na qual o cidadatildeo estaacute inserido e principalmente para o fornecimento de subsiacutedios para uma
atuaccedilatildeo consistente e de contribuiccedilatildeo para a melhoria das condiccedilotildees sociais daqueles natildeo contempla-
dos pela justiccedila social ou seja os excluiacutedos
Essa eacute a proposta da educaccedilatildeo fiscal de forma ampliada instrumentalizar o cidadatildeo para a me-
lhoria de toda a sociedade num ato de conhecer para transformar fazendo a intercessatildeo do conheci-
mento com a accedilatildeo criacutetica Conforme estabelece o documento da Escola de Administraccedilatildeo Fazendaacuteria
(Esaf) coordenadora do Programa Nacional (PNEF)
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Nesse contexto surge a discussatildeo do tema Educaccedilatildeo Fiscal visando agrave conscientizaccedilatildeo da sociedade quanto agrave funccedilatildeo do Estado de arrecadar impostos e ao dever do cida-datildeo contribuinte de pagar tributo Entretanto a Educaccedilatildeo Fiscal natildeo eacute apenas isso eacute principalmente um desafio pois se trata de um processo de inserccedilatildeo de valores na sociedade como o de percepccedilatildeo do tributo que assegura o desenvolvimento econocirc-mico e social e com o devido conhecimento de seu conceito sua funccedilatildeo e sua aplica-ccedilatildeo [] Para que haja mudanccedila de comportamento na sociedade com o despertar da consciecircncia de cidadania eacute necessaacuteria uma accedilatildeo educativa permanente e sistemaacutetica voltada para o desenvolvimento de haacutebitos atitudes e valores A Educaccedilatildeo Fiscal eacute um trabalho de sensibilizaccedilatildeo da sociedade para a funccedilatildeo socioeconocircmica do tributo Nesta funccedilatildeo o aspecto econocircmico refere-se agrave otimizaccedilatildeo da receita puacuteblica e o as-pecto social diz respeito agrave aplicaccedilatildeo dos recursos em benefiacutecio da populaccedilatildeo (BRASIL 2002 p 8)
De forma objetiva foi possiacutevel inventariar como caracteriacutesticas da educaccedilatildeo fiscal a accedilatildeo educa-
tiva sob a perspectiva participativa e inclusiva Nela eacute propicio o fato de que as mais diversas temaacuteticas
relacionadas ao tecido social sejam contempladas tais como focar a realidade atual caracteriacutesticas
dos temas transversais de um modo geral questionar e propor melhorias sociais com suporte na
participaccedilatildeo efetiva em associaccedilotildees sindicatos orccedilamento participativo senso criacutetico para interagir
e exercer o controle social e por fim ndash e com respaldo nas caracteriacutesticas anteriores ndash uma visatildeo de
cidadania ativa e plena com direitos e deveres respeitados
A seguir estatildeo listados na visatildeo da autora deste trabalho os principais obstaacuteculos para levar a
efeitos a educaccedilatildeo fiscal como tema a ser inserido no cotidiano social bem como na accedilatildeo dos atores
sociais de forma geral
Descreacutedito das instituiccedilotildees nos governantes e gestores puacuteblicos esse eacute sem duacutevida o maior
desafio a ser vencido para a praacutetica da educaccedilatildeo fiscal Por todo o ranccedilo histoacuterico de desmando inefi-
ciecircncia e ineficaacutecia a populaccedilatildeo tem seacuterias restriccedilotildees em acreditar que eacute possiacutevel mudar esse quadro
e que a sua participaccedilatildeo pode alterar essa realidade cristalizada em suas mentes passo fundamental
para uma atuaccedilatildeo mais cidadatilde Como esclarece Maria das Graccedilas Rua (apud GONCcedilALVES 2002 p 7)
ldquoA grande mudanccedila atual e que coincide com uma ampliaccedilatildeo do conceito de cidadania eacute a descoberta
de que o cidadatildeo pode influir tambeacutem na Administraccedilatildeo Puacuteblicardquo
Corrupccedilatildeo um dos maiores cacircnceres da Administraccedilatildeo Puacuteblica tornando por demais difiacutecil a missatildeo
daqueles que acreditam e praticam uma conduta eacutetica no serviccedilo puacuteblico Em geral eacute a primeira inda-
gaccedilatildeo dos increacutedulos ndash Pagar tributos e lutar para sua aplicaccedilatildeo se em verdade o dinheiro em grande
escala vai para o bolso de algueacutem Os escacircndalos sucessivos alimentam essa percepccedilatildeo
A cultura da ldquoLei de Gersonrdquo Desde a deacutecada de 1970 a expressatildeo ldquoLei de Gersonrdquo passou a ser
lugar-comum na sociedade brasileira Criada como motivo publicitaacuterio (cigarros) em que Gerson jo-
gador da seleccedilatildeo tricampeatilde mundial de futebol afirmava que gostava de levar vantagem em tudo
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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(ldquocertordquo) passou a ser considerada accedilatildeo inteligente Afinal ser esperto eacute levar vantagem sobre os ou-
tros Isso se aplica agraves praacuteticas tributaacuterias com base na sonegaccedilatildeo aos comportamentos anticidadatildeos
de furar fila ou passar em sinal vermelho
Reduzida praacutetica de participaccedilatildeo ainda estaacute em decurso no Brasil a praacutetica da participaccedilatildeo prova-
velmente em funccedilatildeo de deacutecadas de regime de exceccedilatildeo eacute preciso superar essa zona de conforto Parti-
cipar exige comprometimento e nem sempre eacute confortaacutevel Afinal apesar de todos os compromissos
pessoais e profissionais de uma jornada de trabalho e em casa eacute preciso encontrar tempo para ler
para estar ciente do que acontece no Legislativo no Executivo como estatildeo sendo aplicados os recur-
sos puacuteblicos como corrobora Joseacute Oliacutempio Bastos (apud GONCcedilALVES 2002 p 3)
Temos tendecircncia a repudiar aquilo que nos incomoda e entatildeo nos limitamos a recla-mar sem nada fazer para que a situaccedilatildeo mude Mas eacute normal ao ser humano essa acomodaccedilatildeo Resta uma atitude a quem consegue enxergar tudo isso Atitude essa que natildeo deve restringir-se agrave indignaccedilatildeo mas agrave vontade de transformar essa realidade
Falta de transparecircncia ou cultura de sombras especialmente porque os legisladores e governantes
natildeo estatildeo habituados a esse controle social proposto pela educaccedilatildeo fiscal e como tal natildeo facilitam
o acesso por meio de uma informaccedilatildeo transparente apesar da Lei de Responsabilidade Fiscal que
estabelece a prestaccedilatildeo de contas ou a Lei de Acesso agrave Informaccedilatildeo A transparecircncia eacute qualidade fun-
damental e obrigatoacuteria quando se trata de gestatildeo puacuteblica (TORRES 2005 p 243)
A transparecircncia fiscal eacute um princiacutepio constitucional impliacutecito Sinaliza no sentido que a atividade financeira deve se desenvolver segundo os ditames da clareza abertura e simplicidade Dirige-se assim ao Estado como agrave sociedade tanto aos organismos financeiros supranacionais quanto agraves entidades natildeo governamentais Baliza e modula a problemaacutetica da elaboraccedilatildeo do orccedilamento e da sua gestatildeo responsaacutevel da criaccedilatildeo de norma antielisivas da abertura de sigilo bancaacuterio e do combate agrave corrupccedilatildeo
Concepccedilatildeo de um tema voltado para mera arrecadaccedilatildeo de tributos eacute muito comum quando da abor-
dagem do tema em sala de aula para professores profissionais liberais e outros existir no contato inicial
a sensaccedilatildeo de que se trata de mais um artifiacutecio do governo para aumentar a arrecadaccedilatildeo a exemplo do
que satildeo as campanhas de troca de notas fiscais por bocircnus financeiros sorteios de casas automoacuteveis etc
Tal percepccedilatildeo acontece ateacute que se verifique natildeo se tratar simplesmente de um programa de governo ou
poliacutetico-partidaacuterio mas sim de um programa de Estado ou seja natildeo se resume a uma visatildeo imediatista
mas sim de longo prazo de mudanccedila de cultura do cidadatildeo e do gestor que deveraacute aplicar aquele tributo
no bem-estar da sociedade assim volta para a sociedade o que de fato a ela pertence
Especificidade do tema quando se aborda a educaccedilatildeo fiscal e se ressalta a importacircncia da temaacutetica
eacute comum encontrar uma resistecircncia o receio de abordar um tema aparentemente aacuterido e complexo
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Como expresso anteriormente poreacutem natildeo se trata de formar tributaristas ou expertos em orccedilamento
e sim formar pensamento criacutetico sobre os tributos o papel do governo na gestatildeo dos recursos puacutebli-
cos e como se efetiva a participaccedilatildeo popular na Administraccedilatildeo Puacuteblica Feito isso a educaccedilatildeo fiscal
teraacute realizado com sucesso sua missatildeo
Como visto superar as dificuldades eacute um grande desafio para que a educaccedilatildeo fiscal tome as-
sento nas discussotildees nacionais e locais Exige esforccedilo de todos os lados do cidadatildeo comprometido
do estudante que sonha com um paiacutes melhor do professor que tencionava alterar uma realidade
perversa dos governantes eacuteticos dos servidores puacuteblicos que acreditam que eacute possiacutevel um futuro
mais digno Assim todos seratildeo vencedores e participantes de uma sociedade com mais equidade e
justiccedila social
3 A EDUCACcedilAtildeO FISCAL NO CEARAacute
O PEF - Cearaacute nasceu em 1998 datando de 14 de agosto daquele ano a aula inaugural do Pro-
grama veiculada pela TV Cearaacute por meio do sistema de telensino que se constituiacutea numa sistemaacutetica
de aula emitida pelo sistema puacuteblico de televisatildeo na sala de aula o orientador de aprendizagem (pro-
fessor) aprofundava os conceitos apresentados em viacutedeo-aula com suporte em material de didaacutetico
(SILVA 2007 p 84-85)
Desenvolve-se formalmente a Educaccedilatildeo Fiscal no Estado do Cearaacute mediante a parceria entre
Secretaria da Fazenda do Estado Secretaria da Receita Federal do Brasil ndash 3a Regiatildeo Fiscal (SRFB)
Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF) por intermeacutedio das Secretarias de Financcedilas (Sefin) e Educaccedilatildeo
do Municiacutepio (SME) Secretaria de Educaccedilatildeo do Estado (Seduc) e Centro Regional da Esaf (Centresaf)
constituindo desta forma o Grupo de Educaccedilatildeo Fiscal Estadual (Gefe Cearaacute)
O Gefe estabelece as accedilotildees de desenvolvimento do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal com base na
filosofia e premissas do programa nacional As accedilotildees satildeo implementadas a partir do grupo e da adesatildeo
de aliados criando-se uma rede de educaccedilatildeo fiscal Ressalte-se ainda que embora se tenha um grupo
agindo em parceria cada instituiccedilatildeo tem sua autonomia de desenvolver accedilotildees especiacuteficas em sua linha
de interesse
Dessa forma seratildeo apresentadas as praacuteticas desenvolvidas pela Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal da
Sefaz do Cearaacute sendo que algumas experiecircncias se datildeo em parceria com outras instituiccedilotildees e outras
satildeo de responsabilidade da Ceduf
O decreto de criaccedilatildeo do entatildeo Programa de Educaccedilatildeo Tributaacuteria (PET) de dezembro de 1998
anota a funccedilatildeo conscientizadora do Programa (CEARAacute 1998 p 1)
Art 1ordm - Fica criado o Programa Educaccedilatildeo Tributaacuteria junto agraves instituiccedilotildees de Ensino objetivando conscientizar as pessoas sobre a importacircncia do pagamento de tributos
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um dos principais deveres do cidadatildeo bem como o de esclarecer sobre o papel do Estado de arrecadar tributos e aplicaacute-los eficientemente para o desenvolvimento da sociedade
Os objetivos do entatildeo chamado PET foram elaborados nessa perspectiva da disseminaccedilatildeo de
informaccedilotildees e conhecimentos para a praacutetica da cidadania conforme estabelece seu projeto (CEARAacute
1998 p 3)Geral evidenciar que a educaccedilatildeo tributaacuteria contribui para a construccedilatildeo da cidadaniaEspeciacuteficos Esclarecer a populaccedilatildeo que o pagamento de tributos eacute um dos principais deveres do cidadatildeo e eacute dever do Estado arrecadar tributos e aplicaacute-los eficientemente para o desenvolvimento da sociedadeEstimular o exerciacutecio da cidadania sensibilizando a populaccedilatildeo para a importacircncia de acompanhar a correta aplicaccedilatildeo dos recursos arrecadados atraveacutes dos canais legais de participaccedilatildeoDespertar no estudante a consciecircncia quanto agrave exigecircncia do documento fiscal como mecanismo gerador de recursos puacuteblicos
Para fortalecer o PEF a Sefaz criou em 2007 a Ceacutelula de Educaccedilatildeo Fiscal (Ceduf) Assim a
educaccedilatildeo fiscal deixou de ser um programa desenvolvido por um setor de planejamento e passou a
fazer parte da estrutura organizacional Atualmente a Ceduf conta com 07 servidores fazendaacuterios e 03
terceirizados que tecircm como missatildeo disseminar a educaccedilatildeo fiscal no Estado do Cearaacute aleacutem do apoio
de diversos colaboradores que mesmo natildeo sendo lotados na Ceacutelula participam de accedilotildees como ca-
pacitaccedilatildeo palestras oficinas O conceito que se busca eacute o envolvimento de servidores fazendaacuterios de
setores diversos com a educaccedilatildeo fiscal
O PEF tem produzido sistematicamente materiais que instrumentalizem as accedilotildees e facilitem a
compreensatildeo da relaccedilatildeo entre tributos e cidadania observando o preceito de adequaccedilatildeo dos conte-
uacutedos ao puacuteblico e a especificidade regional garantindo a identificaccedilatildeo do participante do programa e
o conteuacutedo disponibilizado Atualmente satildeo os seguintes os materiais pedagoacutegicos utilizados
- livros de aluno e professor de ensino fundamental II
- apostila de capacitaccedilatildeo para a formaccedilatildeo de professores e servidores puacuteblicos
- viacutedeo-aulas
- desenho animado ndash ldquoA turma da Cidadaniardquo ndash em DVD com trecircs histoacuterias sobre cidadania
tributos e ICMS produzidos pela Casa Amarela ndash Universidade Federal do Cearaacute - UFC e destinados a
crianccedilas do ensino fundamental I
- revista em quadrinhos com as mesmas personagens do desenho animado
- peccedila de teatro ldquoA comeacutedia da Cidadaniardquo escrita pelo dramaturgo cearense Joseacute Mapurunga
- Jogo da Cidadania jogo de tabuleiro no qual o participante segue uma trilha com informaccedilotildees
sobre tributos e cidadania
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- Bloco de atividade caderno para realizaccedilatildeo de atividades luacutedicas envolvendo os conceitos de
educaccedilatildeo fiscal
- Cadernos impressos pela ESAF para o curso disseminadores de educaccedilatildeo fiscal
- CD com o conteuacutedo do curso Disseminadores de Educaccedilatildeo Fiscal
- Fasciacuteculos do curso Educaccedilatildeo Fiscal e Cidadania
Neste momento estatildeo em fase de produccedilatildeo novos livros didaacuteticos para alunos e professores
do ensino fundamental II ensino meacutedio e universidades fortalecendo o conteuacutedo e sedimentando o
conhecimento produzido no PEF Cearaacute
Utilizando-se desse material o PEF realiza as capacitaccedilotildees de professores promove semi-
naacuterios estaduais participa de feiras e eventos acadecircmicos recebe visita de estudantes de escolas
puacuteblicas e privadas na Sefaz forma servidores puacuteblicos no tema realiza palestras em universidades
escolas puacuteblicas e privadas associaccedilotildees empresariais e sindicais ONGS comunidades enfim nas
mais variadas situaccedilotildees nas quais existam pessoas dispostas a discutir cidadania e aprender a prati-
car o controle social
31 Projetos em destaque
Entre as atividades realizadas pela Ceduf2 algumas satildeo destacadas pelos resultados obtidos e
tambeacutem pelo pioneirismo na sua realizaccedilatildeo Os dados apresentados a seguir estatildeo contemplados nos
relatoacuterios anuais disponibilizados pela Sefaz no seu siacutetio de internet wwwsefazcegovbr
311 Educaccedilatildeo a distacircncia
O Cearaacute tem trabalhado com a formaccedilatildeo a distacircncia via internet de disseminadores de edu-
caccedilatildeo fiscal especialmente destinado a professores e servidores puacuteblicos das trecircs esferas de governo
promovida pela Esaf Trata-se de um instrumento que possibilita a participaccedilatildeo de cidadatildeos de forma
ampliada vencendo a barreira geograacutefica e de tempo Satildeo cerca de 6600 disseminadores jaacute formados
desde 2003 O Cearaacute tem 70 tutores servidores das instituiccedilotildees gestoras do PEF Cearaacute capacitados
para atuarem no acompanhamento das turmas anuais do curso Disseminadores de Educaccedilatildeo Fiscal
(DEF) Aleacutem da tutoria os servidores que atuam nessa funccedilatildeo satildeo importantes parceiros em diversas
atividades de divulgaccedilatildeo sensibilizaccedilatildeo e formaccedilatildeo em educaccedilatildeo fiscal
O curso tem atualmente 120 horasaulas dividido em cinco moacutedulos Educaccedilatildeo fiscal no con-
texto social Relaccedilatildeo Estado-sociedade Funccedilatildeo social dos tributos Gestatildeo democraacutetica dos recursos
puacuteblicos e Projetos em educaccedilatildeo fiscal
2 Informaccedilotildees sobre as atividades e os resultados obtidos pelo PEF Cearaacute e Ceduf podem ser visualizados no siacutetio da Sefaz Cearaacute wwwsefazcegovbr
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Um resultado do curso DEF eacute a implementaccedilatildeo de projetos pedagoacutegicos e planos de accedilatildeo ela-
borados pelos participantes nos quais satildeo realizadas accedilotildees de educaccedilatildeo fiscal destinadas aos mais
diversos puacuteblicos garantindo capilaridade e amplificaccedilatildeo da educaccedilatildeo fiscal corroborando a caracte-
riacutestica universal da temaacutetica A implementaccedilatildeo de projetos possibilidade aliar teoria agrave praacutetica perce-
bendo o exerciacutecio da educaccedilatildeo no seu cotidiano
312 Seminaacuterios e palestras
Os seminaacuterios e palestras constituem-se em uma das principais atividades de educaccedilatildeo fiscal
pois marcam o contato direto do PEF com o seu puacuteblico Oportunidade de dialogar e apresentar a
proposta da educaccedilatildeo fiscal para a cidadania Jaacute foram promovidos eventos em universidades esco-
las de ensino baacutesico e meacutedio sindicatos associaccedilotildees profissionais etc Desde a institucionalizaccedilatildeo da
educaccedilatildeo fiscal na Secretaria da Fazenda com a criaccedilatildeo da Ceduf as accedilotildees tecircm sido intensificadas pela
dedicaccedilatildeo exclusiva da equipe de servidores entre 2008 e 2013 foram sensibilizadas cerca de 11600
pessoas entre capital e interior do Estado
313 Monitores de Educaccedilatildeo Fiscal
A Secretaria da Fazenda assinou convecircnio com a Secretaria da Educaccedilatildeo (Seduc) em 2007
para disponibilizar estaacutegios remunerados a jovens da rede puacuteblica estadual de ensino O objetivo eacute
formar grupos para disseminaccedilatildeo junto agrave escola comunidade e famiacutelia sobre aspectos ligados agrave eacutetica
cidadania e da funccedilatildeo social do tributo A parte praacutetica do curso acontece no Programa Sua Nota Vale
Dinheiro que desenvolve um projeto voltado para a conscientizaccedilatildeo do cidadatildeo sobre a importacircncia
da exigecircncia da nota fiscal na aquisiccedilatildeo de bens e serviccedilos Ateacute o final de 2013 a Sefaz contou com a
participaccedilatildeo de 1377 estagiaacuterios
314 Educaccedilatildeo Fiscal Itinerante
Ao considerar a necessidade de sensibilizar o puacuteblico interno o Projeto objetiva disseminar de
forma criacutetica e reflexiva os conteuacutedos da Educaccedilatildeo Fiscal no local de trabalho do servidor e do colabo-
rador fazendaacuterio A ideia eacute que o puacuteblico interno possa refletir como e em que medida o Programa de
Educaccedilatildeo Fiscal pode ser inserido no exerciacutecio das suas atividades funcionais e no cotidiano No mo-
mento em que o agente do Fisco incorporar a essecircncia da Educaccedilatildeo Fiscal eacute possiacutevel a praacutexis do PEF
e por conseguinte uma nova cultura tributaacuteria O Projeto jaacute alcanccedilou 229 servidores e colaboradores
tendo sido iniciado em 2013
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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315 Cidadania Fiscal para Universitaacuterios
O projeto compreende a realizaccedilatildeo de capacitaccedilatildeo de estudantes universitaacuterios e tem por ob-
jetivo disseminar a funccedilatildeo social do tributo e seu papel para a consecuccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas de
melhoria da qualidade de vida dos cidadatildeos possibilitando a instrumentalizaccedilatildeo dos estudantes para
o exerciacutecio profissional a participaccedilatildeo e o controle social Em 2013 foi realizado em parceria com o
Conselho Regional de Contabilidade (CRC) no Cearaacute e teve 104 alunos capacitados A atividade contou
com a participaccedilatildeo do SRFB Centresaf Sefin e Tribunal de Contas do Municiacutepio (TCM) abordando os
temas referentes agraves suas responsabilidade na tributaccedilatildeo e no controle social A primeira experiecircncia
do curso foi voltada para alunos do curso de Ciecircncias Contaacutebeis ofertando uma formaccedilatildeo sintonizada
com papel social e cidadatildeo do profissional de contabilidade um dos mediadores das relaccedilotildees entre o
fisco e a sociedade
A Ceduf tambeacutem desenvolveu uma outra versatildeo do curso para alunos universitaacuterios de cursos
superiores diversos possibilitando uma visatildeo sistecircmica da tributaccedilatildeo e da cidadania O curso foi rea-
lizado em parceria com a Faculdade Ateneu e Universidade Vale do Acarauacute que formaram conjunta-
mente 109 alunos na temaacutetica
316 Noccedilotildees de Cidadania Fiscal para Moradores de Comunidades
O objetivo eacute proporcionar uma reflexatildeo inicial acerca da cidadania fiscal para moradores de co-
munidades proacuteximas agraves unidades da Sefaz no intuito de contribuir para sua emancipaccedilatildeo social e hu-
mana A partir de atividades luacutedicas os participantes vivenciam a realidade da cidadania e dos tributos
aproximando-se assim do Fisco Em 2013 foram formadas trecircs turmas sendo os alunos moradores
das Comunidades Poccedilo da Draga Moura Brasil e Graviolas todas proacuteximas agraves sedes I II e II da Sefaz
em Fortaleza somando um total de 41 participantes
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
A educaccedilatildeo fiscal mostra-se como contribuiccedilatildeo para a formaccedilatildeo cidadatilde da populaccedilatildeo brasileira
Nas mais variadas accedilotildees executadas pelo Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Cearaacute entre as quais pales-
tras seminaacuterios e cursos observa-se a reaccedilatildeo positiva aos aspectos abordados relativos aos direitos e
deveres a atividade arrecadadora do Estado e a consequente necessidade do cidadatildeo exercer o acom-
panhamento da aplicaccedilatildeo do dinheiro puacuteblico
A educaccedilatildeo fiscal se propotildee a ser um canal de acesso a esse conhecimento A sua praacutetica nos
diversos segmentos sociais a partir da disseminaccedilatildeo dos valores relativos ao exerciacutecio da gestatildeo puacute-
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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blica com eacutetica e respeito ao cidadatildeo constitui contribuiccedilatildeo relevante ao exerciacutecio do controle social
A educaccedilatildeo eacute uma ferramenta primordial em qualquer esforccedilo de transformaccedilatildeo que se queira imple-
mentar em uma naccedilatildeo
O debate sobre a educaccedilatildeo fiscal eacute assunto obrigatoacuterio natildeo soacute no sentido curricular mas tam-
beacutem como praacutetica social De fato eacute necessaacuterio discutir a educaccedilatildeo brasileira seu curriacuteculo e suas praacute-
ticas na busca de uma accedilatildeo mais libertadora e natildeo pela simples formaccedilatildeo em conteuacutedos de leitura e
operaccedilotildees matemaacuteticas A formaccedilatildeo humana somente com esses conteuacutedos eacute pobre e pouco revolu-
ciona o status quo A escola eacute espaccedilo de construccedilatildeo de uma nova realidade sem o que se estaacute fadado
ao continuiacutesmo e agrave falta de perspectivas
Tal fato por si eacute respaldo para que cada vez mais se busque a compreensatildeo de como se processa
a histoacuteria do cidadatildeo e de sua Naccedilatildeo Para cada passo dado em direccedilatildeo a uma sociedade mais justa
estaraacute em sua base o conhecimento sobre como acontece a arrecadaccedilatildeo e como se deve acompanhar
e controlar o gasto puacuteblico Este fato natildeo ocorre soacute nos gabinetes das Assembleias e cacircmaras alta e
baixa tambeacutem mas no cotidiano Para que o futuro reserve uma sociedade cada vez mais participativa
e um cidadatildeo atuante e engajado satildeo necessaacuterios conhecimento e informaccedilatildeo que vecircm nos debates
sobre cidadania Nesse aspecto a educaccedilatildeo fiscal deve colaborar de forma efetiva com esse novo Paiacutes
que se busca na equidade social e na participaccedilatildeo
O que a experiecircncia da Ceduf no Cearaacute tem registrado eacute o crescente interesse das pessoas
em acessarem o saber das questotildees tributaacuterias compreendendo como se processa a administraccedilatildeo
puacuteblica dos recursos disponibilizados pelo cidadatildeo para o fornecimento dos serviccedilos puacuteblicos a eles
destinados
Cada vez mais pulsa o desejo de participar e isso requer conhecimento do processo A educa-
ccedilatildeo fiscal se torna a cada dia mais importante A resistecircncia oriunda do descreacutedito tende a ser substi-
tuiacuteda pela vontade de aprender para transformar Sair agraves ruas como se tem visto desde 2012 tem se
tornado um haacutebito e para que se torne uma praacutetica cidadatilde eacute necessaacuterio se apropriar do conhecimento
para encontrar os equiacutevocos da gestatildeo puacuteblica e apontar novas perspectivas
Natildeo se pode falar em direitos de cidadania sem uma base financeira que os sustentem Vida em
sociedade deve pressupor solidariedade e essa eacute a funccedilatildeo do tributo
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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REFEREcircNCIAS
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15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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PARTE II
TRIBUTACcedilAtildeO E CIDADANIA FISCAL
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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A RIQUEZA AO ALCANCE DE TODOS OS TRIBUTOS
Alberto Amadei Neto1
SUMAacuteRIO 1 Os ldquosem-impostordquo 2 O fim da meada poliacutetica tributaacuteria 3 Os super-ricos e as desigualdades 4 A Constituinte e o Parlamento 5 Os sem--fortunas nenhumas 6 O diagnoacutestico do Ipea 7 Os condenados agrave ldquorepressatildeo fiscalrdquo 8 Os sem-imposto no paiacutes dos contrastes 9 Os weberianos estariam chegando 10 Os moedeiros grandes e seus pretextos falsos Referecircncias
ldquoPergunto-lhes quais satildeo as outras soluccedilotildees O livre mercado e governos autoritaacuterios natildeo resolveram o problema Natildeo sou dogmaacutetico soacute estou tentando provocar discus-satildeordquo
Rauacutel Prebisch
Para Lina Maria Vieira em testemunho da sua notaacutevel competecircncia inquebraacutevel es-piacuterito puacuteblico e extraordinaacuteria dedicaccedilatildeo enquanto Secretaacuteria da Receita Federal do Brasil onde fez subirem de relevo a educaccedilatildeo fiscal a meritocracia eacutetica a coopera-ccedilatildeo federativa o fortalecimento aduaneiro e a fiscalizaccedilatildeo dos grandes contribuintes como poliacuteticas estrateacutegicas da administraccedilatildeo tributaacuteria federal
Um imposto sobre fortunas grandes ldquoQuando a verdade natildeo puder ser mostrada nua e crua vista-a com humor e ironia Pode fazer isso Vou tentarrdquo
A Noite da Borboleta Dourada
ldquoO aumento da canalhice no Brasil eacute resultado da maacute distribuiccedilatildeo de rendardquoMillocircr Fernandes
1 OS ldquoSEM-IMPOSTOrdquo
O jornalista Janio de Freitas natildeo poderia ter sido mais feliz ao traduzir o universo dos super-ri-
cos quando repisou o fato social do Brasil ser ldquoum paiacutes tatildeo cheio de riquezas prepotentes e avarasrdquo
(FREITAS 2013)
A acumulaccedilatildeo no Brasil de grandes fortunas faz eco a um termo cunhado em 1903 (MILL 1974)
Fruto de um padratildeo cultural enraizado na arrogacircncia e luxo da Casa Grande por meio de relaccedilotildees
privilegiadas junto aos donos do poder caldeado e inserido em ldquoum ciacuterculo impermeaacutevel de poder e
mandordquo que as tornaram infensas ao manancial tributaacuterio existente exceto quanto a benesses originaacute-
1 Graduado em Administraccedilatildeo Puacuteblica pela Escola de Administraccedilatildeo de Empresas de Satildeo Paulo da Fundaccedilatildeo Getulio Var-gas com especializaccedilatildeo em Poliacutetica Fiscal e Financcedilas Puacuteblicas pela Escola Interamericana de Administraccedilatildeo Puacuteblica da Fun-daccedilatildeo Getulio Vargas do Rio de Janeiro Auditor da Secretaria da Receita Federal do Brasil E-mail albertoamadei-netoreceitafazendagovbr
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rias de estiacutemulos fiscais cambiais e creditiacutecios de toda ordem agrave custa do Eraacuterio do qual sempre foram
clientes preferenciais (FAORO 2012)
Ulysses Guimaratildees deixou-nos uma liccedilatildeo inolvidaacutevel quando desvelou ao cabo do processo
constituinte da redemocratizaccedilatildeo brasileira a razatildeo de termos marchado duas deacutecadas assombradas
pelo mandonismo autoritaacuterio e o arbiacutetrio
Dizendo-se ldquovelho nunca velhacordquo carimbou o frontispiacutecio da Carta de 88 com um sapientiacutessi-
mo vaticiacutenio ldquotraidor da Constituiccedilatildeo eacute traidor da paacutetria conhecemos o caminho maldito rasgar
a Constituiccedilatildeordquo
Infelizmente a afirmaccedilatildeo imperativa do lendaacuterio deputado federal do MDB cujo valor poliacutetico
e literaacuterio eacute memoraacutevel natildeo constou da Carta Magna
Seu pronunciamento antoloacutegico faz parte apenas das notas taquigraacuteficas daquele momento
histoacuterico encravado no dia 5 de outubro de 1988 que marca a promulgaccedilatildeo da ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo
data do reencontro preliminar e parcial do Povo brasileiro com o Estado e a Naccedilatildeo
A fortuna grande aleacutem de ser uma base tributaacuteria inexplorada sistematicamente negligencia-
da tambeacutem remete ao indispensaacutevel incremento do financiamento da coesatildeo social dentro do marco
da legitimidade constitucional de um Estado Democraacutetico de Direito
Natildeo mais sendo toleraacutevel nem sua dilaccedilatildeo e menos ainda revisitaccedilotildees como tantas outras
vezes agrave repisada polecircmica quanto agrave inconveniecircncia econocircmica da sua regulamentaccedilatildeo a pretexto
de sua presumida insignificacircncia no domiacutenio fiscal e supostos malefiacutecios agrave produccedilatildeo e circulaccedilatildeo de
mercadorias e serviccedilos
As sucessivas crises financeiras desde a quebra do Meacutexico em 1994 agrave crise global de 2008 que
motivaram inuacutemeros planos de ajustes recessivo-estruturais natildeo deixam duacutevida a respeito do cabi-
mento loacutegico e da procedecircncia macroeconocircmica do tributo sobre a grande fortuna (SMITH 2013)
Ademais o ordenamento constitucional recepcionou a legiacutetima motivaccedilatildeo da justiccedila fiscal no
capiacutetulo das financcedilas puacuteblicas apoacutes um prolongado debate na Assembleia Nacional Constituinte du-
rante o periacuteodo que medeia entre 1ordm de fevereiro de 1987 ateacute 05 de outubro de 1988 (GIFFONI 1987)
A previsatildeo constitucional do Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF) portanto emerge desse
processo partejado pela Emenda Constitucional nordm 26 de 27 de novembro de 1985 O tributo incrus-
tado no artigo 153 engastado no seu inciso VII ainda consta da Constituiccedilatildeo Federal vigente Mais
de um quarto de seacuteculo jaacute decorreu e a disposiccedilatildeo constitucional ainda natildeo logrou ser regulamen-
tada para integrar o nosso sistema tributaacuterio A heranccedila constitucional eacute de ser recuperada Natildeo de-
veria prevalecer a tese de alguns criacuteticos acendrados de que a naccedilatildeo brasileira seja desmemoriada
Tal afirmativa retrata o descaso com que se contorna o passado para manejar necessidades atuais
indesejaacuteveis
A transiccedilatildeo do Estado Novo para o sistema constitucional de 1946 ainda recendendo ao fim da
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II Guerra Mundial foi impulsionada de maneira exclusiva pelas demandas do Tesouro A partir daiacute as
circunstacircncias restritivas foram sendo vencidas por modelos e organizaccedilotildees que plasmaram o hori-
zonte tributaacuterio brasileiro (SILVA 1986)
Sobrepocircs-se nesse periacuteodo a presenccedila de Gerson Augusto da Silva na Comissatildeo Especial que
formatou o Coacutedigo Tributaacuterio Nacional em 1954
A principal das reformas a tributaacuteria da Emenda Constitucional nordm 18 de 01 de dezembro de
1965 natildeo atacou a concentraccedilatildeo da renda e da riqueza nacional ainda que haja pretendido alguma
progressividade e seletividade no redesenho da matriz tributaacuteria brasileira ensaiada gradualmente
desde 1946
Como se vecirc o processo de acumulaccedilatildeo das riquezas prepotentes e avaras simultaneamente
ao aprofundamento da distribuiccedilatildeo social desigual da renda perdura faz muito tempo e alonga-se por
um interregno bem mais largo do que as duas deacutecadas consumidas na concretizaccedilatildeo da concepccedilatildeo
gersoniana da tributaccedilatildeo nacional
O que salta aos olhos apoacutes uma mirada dos uacuteltimos 70 (setenta) anos eacute o extraordinaacuterio ecircxito
poliacutetico e magniacutefica engenhosidade econocircmica nos procedimentos de blindagem patrimonial invul-
neraacuteveis agrave fixaccedilatildeo de um tributo ou contribuiccedilatildeo social no domiacutenio das grandes fortunas
Impossiacutevel deixar de reconhecer no IGF a compatibilidade com o sentido da poliacutetica tributaacuteria
do genial Gerson Augusto da Silva ambos concatenados enquanto mecanismos de promoccedilatildeo do de-
senvolvimento na perspectiva de que quando se modificam as estruturas de rendas disponiacuteveis e dos
preccedilos relativos o instrumental tributaacuterio deve ser utilizado para auxiliar a induccedilatildeo e correccedilatildeo
dos seus resultados
Nem soacute deixamos de admitir a existecircncia de um passado constituinte como desrespeitamos
o presente ao nos deparamos com ele mesmo se a sua legitimidade seja expliacutecita no texto consti-
tucional
A inexistecircncia do IGF representa o maior exemplo da iniquidade do sistema tributaacuterio nacional
caso levadas ao peacute da letra tanto as anotaccedilotildees ortograacuteficas sobre o radical do termo do latim iniqui-tate quanto agrave formidaacutevel desigualdade da carga tributaacuteria suportada pelos brasileiros inversamente
proporcional agrave renda pessoal e agrave capacidade contributiva
Uma realidade fiscal cuja origem abissal natildeo escapou do olhar penetrante do maior constitucio-
nalista brasileiro vivo ldquoEacute a mais desumana concentraccedilatildeo de renda do mundordquo
O insigne jurista aprofunda o seu diagnoacutestico a respeito da escandalosa assimetria do processo
de acumulaccedilatildeo da riqueza no nosso Paiacutes ldquoNatildeo transgride tal inconstitucionalidade a essecircncia dos di-
reitos fundamentais de todos os graus e dimensotildeesrdquo (BONAVIDES 1999)
A indagaccedilatildeo do nonagenaacuterio jurisconsulto arranca de uma visatildeo social que abrange um espec-
tro de pelo menos seis deacutecadas e natildeo esconde sua perplexidade ldquoComo foi possiacutevel a Naccedilatildeo retroce-
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der tanto Socialmente o Brasil eacute o paiacutes mais injusto do mundo por um paradoxo sua riqueza fez seu
povo mais pobre e suas elites mais ricas numa proporccedilatildeo de desigualdade que assombra cientistas
sociais e juristas de todos os paiacutesesrdquo (BONAVIDES 1999)
O professor emeacuterito natildeo paacutera aiacute ao falar do ldquoinfortuacutenio desse povordquo cuja natureza deriva de
ldquoa classe dominante empenhar-se em aprofundar a injusticcedila social em governar unicamente para as
elites e em perpetuar o status quo de iniquumlidade e violecircncia que eacute a desonra de uma Naccedilatildeordquo
O Grande Dicionaacuterio Porto Editora trata a iniquidade como injusticcedila perversidade corrupccedilatildeo
nos costumes crime O Dicionaacuterio Houaiss diz que a iniquidade eacute ainda accedilatildeo ou coisa contraacuteria agrave
moral e agrave religiatildeo ato contraacuterio agrave justiccedila ato perverso maldade
O lapso tributaacuterio calcado na perda da memoacuteria constituinte no caso do IGF eacute claramente se-
letivo e coincide totalmente com a niacutetida percepccedilatildeo identificada ldquoparticularmente nas classes de
altas rendas do desejo de natildeo pagar impostosrdquo (FURTADO 1963)
2 O FIO DA MEADA DA POLIacuteTICA TRIBUTAacuteRIA
ldquoArbitraram-se nas passadas vaacuterios modos de tributos para remeacutedio da conservaccedilatildeo do Reino mas como esses tributos natildeo foram efetivos como estes remeacutedios saiacuteram ineficazes importa agora remediar os remeacutediosrdquo
Padre Antocircnio Vieira
ldquoO objetivo dos detentores de riqueza eacute maximizar o ganho monetaacuterio Natildeo querem maximizar o produtordquo
Gonzaga Belluzzo
Se o Tesouro Nacional natildeo pode prescindir de financiamento custeio e investimento o imposto
natildeo pode deixar de ser uma das suas fontes de abastecimento sem o que natildeo haacute Estado e muito me-
nos a prestaccedilatildeo incontornaacutevel dos serviccedilos puacuteblicos A exceccedilatildeo a tal concepccedilatildeo geneacuterica encontra-se
reduzida a alguns autores anarquistas
A tributaccedilatildeo moderna estrutura-se com fulcro em trecircs eixos articulaacuteveis Primeiramente o raso
estritamente fiscal de arrecadar recursos para cobrir as despesas puacuteblicas
Segundo o estrateacutegico essencialmente social de melhorar a distribuiccedilatildeo da renda e da riqueza
Terceiro o taacutetico basicamente funcional de orientar a poupanccedila o investimento e a produccedilatildeo
para corrigir as imperfeiccedilotildees e assimetrias congecircnitas aos mercados
O objetivo fiscal historicamente precedeu aos demais e ainda hoje muitos tributos soacute se jus-
tificam como instrumentos de arrecadaccedilatildeo como o Imposto sobre Operaccedilotildees Financeiras que foi o
sucessor pela Emenda Constitucional nordm 18 do extinto Imposto do Selo
O objetivo social estaacute contido na ideia de usar os impostos como meio de melhorar a distribui-
ccedilatildeo de renda e da riqueza de um Paiacutes e data do iniacutecio do seacuteculo passado
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O princiacutepio que desde entatildeo se firmou foi o de tributar progressivamente a renda as heranccedilas e
os ganhos de capital Qual o iacutendice ideal de progressividade do sistema tributaacuterio nacional eacute questatildeo
em tese aberta aos juiacutezos de valor
Em paiacuteses marcadamente desiguais com sinais de riqueza opulenta conspiacutecua natildeo mais deve-
ria secirc-lo face ao caso concreto do Brasil descrito como ldquoo candidato a campeatildeo mundial da desigual-
dade econocircmicardquo (HOBSBAWN 1996) Impostos fortemente progressivos inequivocamente melhoram
a distribuiccedilatildeo social da renda natildeo tanto pelo aumento da base mas pelo corte no topo pela dimi-
nuiccedilatildeo da renda disponiacutevel dos muito ricos Haacute elementos de evidecircncia empiacuterica a sublinhar Sueacutecia
e Inglaterra costumavam apresentar muitos bons iacutendices de equidade social embora suas taxas de
crescimento econocircmico correspondentes natildeo fossem altas O objetivo funcional remete ao exemplo
tradicional claacutessico atualmente subjugado aos ditames da Organizaccedilatildeo Mundial de Comeacutercio (OMC)
das tarifas aduaneiras protecionistas destinando-se a alguma finalidade econocircmica que natildeo a mera
arrecadaccedilatildeo de tributos com vistas a neutralizar as imperfeiccedilotildees do mercado no que tange agrave forma-
ccedilatildeo de poupanccedilas e agrave orientaccedilatildeo dos investimentos e da produccedilatildeo No Brasil os gravames e isenccedilotildees
tributaacuterias satildeo de cunho nitidamente funcional e alguns exemplos expliacutecitos merecem ser trazidos agrave
tona os incentivos do IRPJ aos investimentos no Norte e Nordeste bem como em turismo e reflores-
tamento agrave subscriccedilatildeo de accedilotildees de sociedades anocircnimas de capital aberto o extinto creacutedito-precircmio
do IPI agraves exportaccedilotildees a permissatildeo de deduccedilatildeo em dobro ateacute 5 do lucro das despesas feitas pelas
pessoas juriacutedicas em educaccedilatildeo e treinamento de pessoal
Oportuno trazer agrave baila um elemento filosoacutefico teoricamente todo incentivo deveria represen-
tar a contrapartida de alguma imperfeiccedilatildeo de mercado o que implica dizer que natildeo seria dado incen-
tivo a um setor soacute porque possui rentabilidade baixa Os incentivos deveriam caber apenas dentro de
uma hipoacutetese a dos custos sociais serem inferiores aos privados neutralizando as diferenccedilas (FINAN-
CcedilAS 1982) Natildeo eacute o caso por exemplo do incentivo dos ldquojuros sobre capitais proacutepriosrdquo e isenccedilatildeo aos
lucros e dividendos distribuiacutedos aos soacutecios criados em 1995
O fato social representado pelo elenco de milionaacuterios e bilionaacuterios brasileiros natildeo existentes
por exemplo haacute trinta anos eacute que centenas de bilhotildees de reais foram canalizadas para o senhorio da
Casa Grande sem que se levasse em conta a noccedilatildeo da capacidade contributiva como lastro dos bene-
fiacutecios e incentivos fiscais
Vale dizer os beneficiaacuterios das renuacutencias fiscais e precircmios tributaacuterios foram os habitantes do
ldquoBrasil de cimardquo E como soacutei secirc-lo sempre em nome do ldquoBrasil de baixordquo
Se cada um que dispotildee de capacidade de contribuiccedilatildeo para fazer frente agraves despesas puacuteblicas
natildeo o fez na justa medida em que deveria tecirc-lo feito por certo natildeo houve a reparticcedilatildeo equacircnime dos
sacrifiacutecios entre todos de sorte que com vistas agrave reforma social tambeacutem via tributaccedilatildeo cada dia que
passa tarda demasiado no ajustamento da conta fiscal dos muito ricos que sempre foram os maiores
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beneficiaacuterios do sistema tributaacuterio nacional especialmente nas uacuteltimas trecircs deacutecadas (HUGON 1967)
O princiacutepio da capacidade contributiva estaacute apoiado tanto no pensamento conservador quan-
to no revolucionaacuterio
O jovem Marx nos seus Manuscritos econocircmicos e filosoacuteficos genericamente assim o re-
sumira enquanto princiacutepio basilar ldquode cada um segundo sua capacidade a cada um segundo sua
necessidaderdquo
Jaacute Stuart Mill seu antiacutepoda percebia que ldquotampouco uma reduccedilatildeo repentina do capital teria
qualquer efeito no empobrecimento do paiacutes a menos que se tratasse de uma reduccedilatildeo muito granderdquo
isto porque ldquodepois de alguns meses existiria no paiacutes exatamente tanto capital como se nenhuma
parcela tivesse saiacutedordquo
Nos seus ldquoPrinciacutepios de Economia Poliacuteticardquo o pensador contemporacircneo de Marx que supunha
ldquocaber agraves classes mais altas o dever de pensar pelos pobres e de assumir a responsabilidade por sua
sorterdquo concluiacutea que o ldquouacutenico efeitordquo da ldquoreduccedilatildeo repentina do capitalrdquo que se poderia dar quer por
uma crise ou pela tributaccedilatildeo seria a exportaccedilatildeo de menos capital e literalmente sustenta ldquose jogaria
fora menos capital na forma de especulaccedilatildeo perigosardquo
Interessante que tal afirmativa de um conservador convicto tenha sido feita em 1893 quando
os milionaacuterios e bilionaacuterios nem de longe se comparavam ao neo-senhorio da Casa Grande mais de
um seacuteculo depois
Um sistema tributaacuterio para ser equitativo tem de ser neutro em relaccedilatildeo agrave inflaccedilatildeo Algo que natildeo
se viu mais a partir do Plano Real
Se haacute inflaccedilatildeo e haacute desde 01011995 e se natildeo haacute mais correccedilatildeo monetaacuteria e natildeo haacute desde a
mesma data surgem fortes distorccedilotildees
Os indiviacuteduos seratildeo jogados para faixas de tributaccedilatildeo cada vez mais altas do imposto progres-
sivo Como essas faixas natildeo se ajustaram no periacuteodo de 1995 a 2002 e a partir de 2003 o ajuste reco-
nhecido ficou muito abaixo da inflaccedilatildeo as rendas nominais aumentadas de acordo com a inflaccedilatildeo vatildeo
sendo empurradas para as faixas cada vez mais avanccediladas dos progressivos
Isso afeta aliaacutes muito mais a classe meacutedia natildeo os milionaacuterios e bilionaacuterios porque estes jaacute se
encontram no limite superior da progressividade
O Brasil inovou quanto agrave neutralidade relacionada agrave inflaccedilatildeo de sorte a sacrificar as rendas
mais baixas e privilegiar as altas rendas Se a inflaccedilatildeo jamais deveria ser um meio de fazer as pessoas
pagarem menos impostos ndash e isso ocorreu durante muito tempo no paiacutes em favor das classes de
altas rendas que atrasavam seus impostos para ganharem com a arbitragem financeira engordando
as suas fortunas agrave custa do Tesouro ndash no Brasil a inflaccedilatildeo tornou-se um meio de confisco generalizado
sobre as classes assalariadas de renda mais baixa porque as incluiu sistematicamente em faixas de
aliacutequotas progressivas disformes agrave sua real capacidade contributiva Isso jamais aconteceu em relaccedilatildeo
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agraves classes de altas rendas que mereceram uma plecirciade de favores e benefiacutecios voltados agrave acumulaccedilatildeo
patrimonial e agrave riqueza financeira descomunais
O inadimplemento fiscal no caso das grandes fortunas estaacute em desacordo com a histoacuteria da
evoluccedilatildeo fiscal porque contraditoriamente abraccedila a gecircnese da ldquoteoria do lucrordquo cuja concepccedilatildeo tri-
butaacuteria eacute o ldquointeresse particular ldquoe despreza a ldquoteoria da capacidade contributivardquo aonde o tributo vai
lastreado pelo ldquopropoacutesito socialrdquo (VILLELA 1987)
A arrecadaccedilatildeo tributaacuteria nacional desde meados dos anos 40 vem sendo realizada de forma
demasiado desproporcional recorrendo fortemente aos tributos regressivos indiretos responsaacuteveis
por cerca de dois terccedilos da carga fiscal Os diretos progressivos somam natildeo mais do que tatildeo-somen-
te um terccedilo As grandes transformaccedilotildees tributaacuterias ocorridas nos anos 60 a partir do golpe militar e
nos 80 apoacutes a Assembleia Nacional Constituinte configuraram um sistema tributaacuterio nacional apto a
produzir maior carga tributaacuteria com farta ampliaccedilatildeo das bases de incidecircncia contemplando potentes
instrumentos de extraccedilatildeo fiscal tanto seletivos e progressivos quanto regressivos
Ningueacutem esquece as crises cambiais do Meacutexico em 1994 na Tailacircndia em 1977 da Ruacutessia em
1998 e na Coreacuteia do Sul em 2000
Os seus impactos produziram um ldquoefeito dominoacuterdquo que atingiu duramente a economia brasilei-
ra jaacute sob forte pressatildeo fiscal desde o iniacutecio do Plano Real cuja concepccedilatildeo grosso modo poderia ser
traduzida em um uacutenico e isolado objetivo o fim do ldquoimposto inflacionaacuteriordquo
O que natildeo se esclarecia agrave populaccedilatildeo brasileira entretanto satisfeita com a mudanccedila da moeda
era ldquoo quantordquo custaria acabar com o ldquoimposto inflacionaacuteriordquo mais diacutevida puacuteblica e mais impostos
Tudo isso para fazer frente agrave vulnerabilidade externa decorrente dos fundamentos do Plano Real
(paridade fixa com o doacutelar americano juros altiacutessimos para garantir a entrada de capitais e deacuteficit co-
mercial crescente para estimular a concorrecircncia das importaccedilotildees baratas com os produtos nacionais
mantendo os preccedilos das mercadorias sempre no mesmo niacutevel ou em queda)
O enfrentamento das crises cambiais mexicana coreana tailandesa e russa somado ao ataque
especulativo agrave moeda brasileira em 1999 implicou o maior aumento de impostos praticado de uma
uacutenica vez jamais visto antes na histoacuteria republicana de 50 nas aliacutequotas da CSSL e da Cofins de
90 na CPMF e outros
O resultado foi um salto da carga tributaacuteria de 24 para 32 do PIB em apenas oito anos
(19952002) A brutalidade do ldquoajuste fiscalrdquo natildeo teve outra finalidade senatildeo absorver os efeitos da
crise cambial que praticamente espatifaria o Plano Real e elevaria o endividamento puacuteblico continua-
damente de 3 ateacute 10 do PIB em apenas oito anos (AMADEI NETO 2002) O altiacutessimo preccedilo a pagar
pelo cacircmbio sobrevalorizado e elevadas taxas de juro para manter a inflaccedilatildeo sob controle repercutiria
fortemente sobre a arrecadaccedilatildeo tributaacuteria com exigecircncias de recolhimentos cada vez maiores que im-
plicaram aumento expressivo da carga tributaacuteria De fato as consequecircncias da poliacutetica econocircmica pra-
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ticada com base no Plano Real acentuaram a perversatildeo distributiva da carga tributaacuteria intensificando
sua caracteriacutestica indireta regressiva Quaisquer avaliaccedilotildees objetivas seja de instituiccedilotildees oficiais ou natildeo
governamentais concluiriam que a tributaccedilatildeo de natureza indireta no Brasil tem sido incrementada
continuadamente nos uacuteltimos cinquenta anos e mais ainda nas uacuteltimas duas deacutecadas sem uma con-
trapartida agrave altura correspondente agrave tributaccedilatildeo direta Grosso modo enquanto a tributaccedilatildeo indireta
quase dobrou dos anos 50 ateacute hoje a direta diminuiu proacutexima agrave metade mesmo apoacutes o advento do
imposto de renda sobre as pessoas fiacutesicas
O pano de fundo teoacuterico que orienta tal situaccedilatildeo estaacute inserido na ideologia que defende a
racionalidade do mercado e acredita na importacircncia autocircnoma da moeda que deriva de teorias apa-
rentemente teacutecnicas o ldquomonetarismordquo ldquola nouvelle eacuteconomierdquo e ldquoexpectativas racionaisrdquo
Todas apresentadas como razotildees cientiacuteficas para explicar por que todos teratildeo mais vantagem
se o Estado retirar-se da economia e os capitalistas puderem tratar da acumulaccedilatildeo sem consideraccedilotildees
de ordem distributiva (PRZERWORSKI 1984)
O programa mais conhecido flagrantemente voltado para a concentraccedilatildeo de renda ndash a poliacutetica
econocircmica do governo Ronald Reagan mascarada como uma ldquoteoria de ofertardquo tendo como esteio
uma ldquocurva de Laferrdquo - foi apresentado como referecircncia universal quando natildeo passava de uma estru-
tura ancorada por interesses econocircmicos dominantes
A ldquoteoria da ofertardquo eacute o domiacutenio dos super-ricos dos ricos dos endinheirados A ldquoEra Reaganrdquo
nesse aspecto parece tecirc-la tornado hegemocircnica com apoio da ldquoEra Thatcherrdquo A satisfaccedilatildeo portanto
dos interesses materiais da ldquoburguesiardquo nos lucros seria uma condiccedilatildeo necessaacuteria para a melhora das
condiccedilotildees materiais de todos (SAMPSON 1989) O aumento da produccedilatildeo requer investimento o qual
eacute financiado pela poupanccedila que por sua vez eacute financiado pelo lucro
Portanto o lucro eacute a condiccedilatildeo do crescimento Isso explicaria por que ldquoaumentos de salaacuteriosrdquo e
gastos em ldquobem-estarrdquo seriam ldquoempecilhosrdquo ao crescimento
O mesmo raciociacutenio justificaria a natildeo tributaccedilatildeo dos super-ricos ricos e a natildeo intervenccedilatildeo go-
vernamental que restringiriam a lucratividade mesmo que tais restriccedilotildees refletissem custos sociais e
externalidades negativas
O que isso significa do ponto de vista fiscal A justificaccedilatildeo da eterna existecircncia sem imposto
algum de grandes fortunas O grosso da carga fiscal seria assim transferido sobre quem consome
toda ou quase toda a renda vale dizer os ldquocom ndash nenhumas fortunasrdquo as chamadas classes meacutedias
e de baixa renda A maioria dos administradores tributaacuterios na Ameacuterica Latina passou a receber a
partir dos anos 90 uma grande influecircncia e treinamentos voltados agrave banalizaccedilatildeo da progressivida-
de e da equidade na realizaccedilatildeo do ldquotax mixrdquo com recurso a impostos que quanto mais regressivos
tanto melhores sob o jargatildeo (aparentemente justo) do ldquotax appealrdquo de que ldquoquando todos pagam
todos pagam menosrdquo (GONZAacuteLES 2009)
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A equidade possiacutevel seria obtida com maior ecircnfase na focalizaccedilatildeo dos gastos mediante poliacuteti-
cas puacuteblicas compensatoacuterias vinculadas agraves classes de renda diminuta
Desta forma a ldquoteoria da ofertardquo reforccedilava sua accedilatildeo ideoloacutegica para providenciar a paacute de cal nas
tentativas de tributaccedilatildeo das grandes fortunas A disseminaccedilatildeo de tal ideologia eacute reconheciacutevel e cons-
tatada quando compulsados os manuais distribuiacutedos pelo FMI e BID aos gestores fiscais domiciliados
abaixo da linha do Equador responsaacuteveis pelos aparelhos estatais de arrecadaccedilatildeo (GNAZZO 1993)
Tratava-se de uma operaccedilatildeo de grande envergadura em franca ofensiva para autorizar a falta
de escruacutepulo na manipulaccedilatildeo de foacutermulas de tributaccedilatildeo que de um lado aliviariam totalmente os
super-ricos ricos e endinheirados aleacutem dos lucros das empresas e a remuneraccedilatildeo da propriedade do
capital De outro lado forccedilariam a ldquorepressatildeo fiscalrdquo agraves classes subalternas
No caso brasileiro entre 1996 e 2001 a ldquorepressatildeo fiscalrdquo chegou agraves raias do confisco pela re-
vogaccedilatildeo expliacutecita do princiacutepio da neutralidade aplicaacutevel agrave tributaccedilatildeo em relaccedilatildeo agrave inflaccedilatildeo incorrida
naquele periacuteodo Um total e flagrante desrespeito ao impedimento da incidecircncia tributaacuteria sobre ldquoper-
das inflacionaacuteriasrdquo uma indececircncia fiscal escandalosa
Como se vecirc a tributaccedilatildeo dos super-ricos ricos e endinheirados acostumou-se a andar na con-
tramatildeo da Carta Constituinte que fixara a capacidade contributiva como sendo a base principal de
suporte da pressatildeo fiscal (CATTANI OLIVEIRA 2012)
O IGF acabou tornando-se um totem fiscal amaldiccediloado por uma espeacutecie de tabu tributaacuterio
que atingiria a todos aqueles que lhe exigem o ordenamento juriacutedico correspondente sem submissatildeo
agrave interpretaccedilatildeo fiscal calcada na ldquoteoria da ofertardquo
Inadmissiacutevel desviar o olhar da siacutendrome de Burnout que se aplica ao vivenciado diuturna-
mente por milhotildees de homens e mulheres condenados a uma espeacutecie de escravizaccedilatildeo fiscal a partir
do Plano Real especialmente apoacutes o malsinado Pacote 51 baixado pelo economista ex-ministro da
Fazenda Pedro Malan no ano de 1997 quando aumentos extraordinaacuterios dos impostos indiretos fo-
ram despejados sobre os brasileiros indistintamente O entatildeo ldquoczarrdquo da Fazenda Nacional convidado a
ocupar altos cargos nas principais corporaccedilotildees financeiras privadas a exemplo de outros membros da
equipe econocircmica da Era Cardoso curiosamente prescrevera 14 anos atraacutes literalmente a aplicaccedilatildeo
de uma ldquorepressatildeo fiscal para o resto da vidardquo
Sem incluir por certo as benesses e privileacutegios da Casa Grande no receituaacuterio repressivo
Padre Vieira possivelmente faria menccedilatildeo a essa ldquorepressatildeo fiscalrdquo natildeo esquecendo por lembrar
aos fieacuteis do puacutelpito da Capela Real de Lisboa que a profecia sobre o ldquodoce inferno pela vida eternardquo
realizar-se-ia e estaria reservada aos contribuintes de baixa renda naquela que foi considerada nas
palavras do ex-deputado federal Seacutergio Miranda de saudosa memoacuteria - especialista da Comissatildeo de
Tributaccedilatildeo Orccedilamento e Financcedilas da Cacircmara dos Deputados ndash a ldquoEra Malditardquo representada pela oc-
taeteacuteride do governo do ex-presidente F H Cardoso
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A efetividade do capiacutetulo da financcedila puacuteblica sobre a tributaccedilatildeo das grandes fortunas tem como
ser assegurada sem ferir a liberdade do capital o efeito de confisco e a bitributaccedilatildeo de modo a rea-
linhar a carga tributaacuteria sobre a renda e o patrimocircnio tornando-a melhor equilibrada em relaccedilatildeo ao
consumo (CORSATTO 2002)
O IGF depois de regulamentado subiria os degraus da Suprema Corte Por que natildeo A lide per-
mitiria com absoluta independecircncia e harmonia entre os Poderes decidir cabalmente sobre o tribu-
to de obrigaccedilatildeo principal dos afortunados grandemente subsumidos aos comandos constitucionais
doutrinaacuterios administrativos e legais do ordenamento tributaacuterio nacional entatildeo completo finalmente
Certamente os Ministros do Pretoacuterio Excelso como o fizeram nos casos emblemaacuteticos da Ficha
Limpa e da Cota Racial natildeo deixariam de brindar o paiacutes com a votaccedilatildeo do Pleno afirmativa de uma
justiccedila fiscal histoacuterica mediante exegese antoloacutegica dos direitos de primeira e segunda geraccedilatildeo ba-
lanceados diante dos inesqueciacuteveis desafios do seacuteculo XXI
Oportuno a esta altura revisitar o Sermatildeo de Santo Antocircnio sobre os impostos a serem pagos
pelos Trecircs Estados nobreza clero e povo
Ouccedilamos pois o Sermatildeo de Vieira reverberando da Igreja das Chagas em Lisboa em 14 de
setembro de 1642 ldquoQuando os remeacutedios natildeo tecircm bastante eficaacutecia para curar a enfermidade eacute
necessaacuterio curar os remeacutedios para que os remeacutedios curem aos enfermos Que remeacutedio haacute para
remediar os remeacutedios Muito faacutecil diz Santo Antocircnio Vos estis sal terraerdquo O ldquoimperador da liacutengua portuguesardquo segundo Fernando Pessoa prosseguiria na sua peroraccedilatildeo
ldquoPara se curar uma enfermidade vecirc-se em que peca a enfermidade para se curarem os remeacute-
dios veja-se em que pecaram os remeacutedios Duas propriedades tecircm o sal diz Santo Hilaacuterio
conserva e mais tempera eacute o antiacutedoto da corrupccedilatildeordquo
E assim sentenciaria o maior retoacuterico do barroco portuguecircs a regra a ser trilhada ldquoTais como
isto devem ser os remeacutedios com que se hatildeo de conservar a Repuacuteblicardquo (PEacuteCORA 2001)
A retoacuterica dogmaacutetica dos opositores do IGF fugirem de um imposto fixado em Assembleia Na-
cional Constituinte eacute parecida na ecircnfase com as escaramuccedilas de Dom Marcelo Costa Bispo do Paraacute
relativamente agrave separaccedilatildeo entre Igreja e Estado em 1889 O liacuteder religioso proclamara enfaticamente
ldquoNatildeo desejo a separaccedilatildeo natildeo dou um passo natildeo faccedilo um aceno para que se decrete no Brasil o
divoacutercio entre o Estado e a Igrejardquo A alusatildeo irocircnica ao Clero eacute cabiacutevel porque evidentemente natildeo
se sustenta a ldquoimunidade fiscalrdquo sob o pretexto da liberdade de culto ao ldquoTemplo do Capitalrdquo ou da
pregaccedilatildeo liberal da Sociedade do Mont ndash Pellerin (TEITELBAUM 2012)
Nem mesmo o ldquomilagre da multiplicaccedilatildeordquo decorrente das facilidades concedidas ao processo
de acumulaccedilatildeo da riqueza e de rendas no Brasil - vale dizer sob o pretexto da intocaacutevel ldquoliberdade de
culto ao capitalrdquo - justificaria aceitar estoicamente por um lado o esquecimento de uma das compe-
tecircncias tributaacuterias da Uniatildeo equivalente agrave remissatildeo taacutecita das fortunas grandes E ao mesmo tempo
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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por outro lado contemplar indiferentemente um povo absorver o grosso da carga tributaacuteria repeti-
damente e ser esbulhado relativa e proporcionalmente pelo desbordo do princiacutepio da equidade no
sacrifiacutecio agrave sua capacidade contributiva enquanto o novo patriciado simplesmente inutiliza a justa e
constitucional medida
3 OS SUPER-RICOS E AS DESIGUALDADES
ldquoUm povo deve ser julgado natildeo pela Constituiccedilatildeo que tem mas pelo modo como potildee em praacutetica a sua Constituiccedilatildeordquo
Ruy Barbosa
ldquoA tentativa para basear um justo sistema fiscal sobre um injusto sistema de pro-priedade eacute uma tentativa para tirar uma parcela boa de um todo maurdquo
Gunnar Myrdal
Ateacute quando a desigualdade de renda sem precedentes deixaraacute de ser dissociada da ldquoincapa-
cidade dos governosrdquo poliacutetica e operacionalmente ldquopara cobrar impostos dos ricosrdquo perguntava
Jeffrey Sachs em 2011 um dos notaacuteveis economistas perfilados ao conservadorismo em mateacuteria
fiscal e monetaacuteria
Ateacute colocar em risco de morte a legitimidade da nova ordem econocircmica sacudida em seus fun-
damentos financeiros neoliberais pela crise mundial de 15 de setembro de 2008 (KRUGMAN 2012)
Ateacute onde iraacute a banalizaccedilatildeo sobre o fato econocircmico-tributaacuterio que criou no Brasil a situaccedilatildeo fis-
cal das super-riquezas sem o imposto da fortuna
O moacutevel do IGF eacute ajustar a progressividade agrave concentraccedilatildeo de riqueza no topo bem como
balancear melhor a reparticcedilatildeo social da renda entre capital e trabalho no processo de reproduccedilatildeo ca-
pitalista
Quase um quarto de seacuteculo depois ainda tergiversa-se sobre fazer cumprir o comando cons-
titucional do Imposto sobre as Grandes Fortunas Milton Santos que foi presidente da Comissatildeo de
Planejamento Econocircmico da Bahia jaacute propusera a criaccedilatildeo do Imposto de fortunas ao presidente Jacircnio
Quadros cujo mandato presidencial foi interrompido bruscamente pela renuacutencia em 1961
Uma espeacutecie de ldquoapartheid fiscalrdquo segrega o IGF do molde juriacutedico paacutetrio As suas natildeo inclusotildees
na legislaccedilatildeo brasileira regulamentaccedilatildeo impositiva e cobranccedila sistemaacutetica denotam nitidamente mais
do que supostas dificuldades teacutecnicas insuficiecircncias administrativas ou insignificacircncia arrecadadora
Hoje induvidosamente em melhores condiccedilotildees do que ontem tornou-se indispensaacutevel explo-
rar todas as formas de desconcentraccedilatildeo da renda e da riqueza da distribuiccedilatildeo do excedente econocirc-
mico de equiliacutebrio da pressatildeo fiscal sobre capital e trabalho nos paiacuteses centrais e emergentes (SZKLA-
ROWSKY 1933)
ldquoCe qursquoil y a de scandaleux dans le scandale crsquoest qursquoon srsquoy habituerdquo alertava Simone de Beau-
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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voir para a deleteacuteria consequumlecircncia do escacircndalo promovido agrave situaccedilatildeo de normalidade E a desigual-
dade de renda e riqueza no Brasil eacute mesmo escandalosa sob quaisquer paracircmetros de mensuraccedilatildeo de
apropriaccedilatildeo do excedente econocircmico
A burocracia eleita que natildeo se dedica a viabilizar a tributaccedilatildeo das grandes fortunas tambeacutem eacute
a mesma que identifica as teses capazes de reduzir as pensotildees de ex-soldados com mais de 80 anos
que combateram na II Grande Guerra como pracinhas natildeo deixando de explorar com accedilotildees rescisoacute-
rias o artigo 53 das disposiccedilotildees constitucionais transitoacuterias inscritas na Carta de Outubro
Natildeo se preocuparam em avaliar a ldquobaixa produtividade fiscalrdquo da economia de gastos puacuteblicos
de menos de mil ex-combatentes com pensotildees inferiores a R$ 300000
Nesse caso a burocracia eleita foi diligente fazendo cumprir a eliminaccedilatildeo minuciosa dos bene-
fiacutecios dos ex-pracinhas com economia aos cofres puacuteblicos proporcionalmente irrelevantes de R$ 30
milhotildees anuais Naquele outro das fortunas grandes a desiacutedia fiscal prevalece em valores bastante
maiores (MARTIN SCHUMANN 1996)
Estima-se em R$ 10 bilhotildees a mais baixa arrecadaccedilatildeo possiacutevel do IGF isto eacute o piso da previsatildeo
conservadora em face da subavaliaccedilatildeo patrimonial amplamente praticada com base nos impostos
de transmissatildeo de bens imoacuteveis e de propriedade sem a necessidade de absolutamente nenhuma
fiscalizaccedilatildeo a partir dos registros declarados existentes Neste ponto baacutesico a burocracia eleita natildeo foi
capaz de obter o mesmo padratildeo de desempenho e diligecircncia constitucional quando comparado ao
resultado sobejamente alcanccedilado no corte aos estipecircndios dos octogenaacuterios da Forccedila Expedicionaacuteria
Brasileira que lutaram na II Guerra Mundial
Ningueacutem utilizou a mesma argumentaccedilatildeo contumaz brandida em defesa da natildeo tributaccedilatildeo das
fortunas grandes o efeito fiscal de valor orccedilamentaacuterio despreziacutevel Embora o montante dos valores rei-
vindicados fosse trezentas vezes menor do que a quantia envolvida com o imposto sobre as fortunas
grandes os ex-pracinhas da FEB ainda tecircm de recorrer a liminares ordenando que a Uniatildeo lhes pague
a pensatildeo especial concedida a ex-combatentes da II Guerra Mundial O benefiacutecio pode ser acumulado
com os benefiacutecios que eles jaacute recebem por sua aposentadoria como militar mas tem sido negado
sob o argumento de que natildeo poderiam ser enquadrados legalmente como ex-combatentes porque
continuaram na ativa apoacutes participar do conflito de 1939-1945
Registram-se tais ldquodetalhesrdquo aparentemente desconexos para descortinar de um lado a minu-
decircncia com que se regulamentou o tratamento previdenciaacuterio a octogenaacuterios ex-combatentes com
pagamentos de valores ldquodespreziacuteveisrdquo comparativamente agrave justificaccedilatildeo que a arrecadaccedilatildeo do IGF eacute
complexa e de arrecadaccedilatildeo ldquoinsignificanterdquo (LASCH 1995) Natildeo se vecirc o mesmo ldquoespecialistardquo em de-
fender nenhuma tributaccedilatildeo sobre as grandes fortunas tambeacutem justificar as pensotildees especiais ao ex-
-combatentes que defenderam o solo paacutetrio ldquotatildeo cheio de riquezas prepotentes e avarasrdquo sob igual
argumento de que satildeo valores irrisoacuterios do ponto de vista fiscal (FORRESTER 2001) A propoacutesito
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John Kenneth Galbraith referiu-se no ensaio Un viaje por la economiacutea de nuestro tiempo agrave existecircncia
da ldquotendencia de la economiacutea y de otras ciencias sociales a adaptarse a las necesidades y a la menta-lidad de los miembros ricos de la comunidadrdquo Por que natildeo formular os cenaacuterios produzir os estudos e providenciar os meios aptos e haacutebeis a
fazer cumprir o dispositivo constitucional do IGF
Ateacute a Agecircncia de Notiacutecias Reuters reconhece a expertise brasileira em arrecadar impostos entre
as ldquomelhores do mundordquo O fato eacute que pouquiacutessimos impostos satildeo arrecadados do capital as mais
valias imobiliaacuterias sucessotildees etc Nada praticamente dos ricos e super-ricos A teoria da produtivi-
dade de origem alematilde com razatildeo acha que o imposto em funccedilatildeo do emprego que lhe daacute o Estado
volta agrave coletividade como meio que se resolve em maior produccedilatildeo transformando bens materiais que
satildeo os impostos em bem imateriais que satildeo os serviccedilos puacuteblicos
A teoria produtivista conclui que o imposto eacute o melhor emprego de capital Morselli diria que
se eacute certo que uma parte da receita encontra proveitoso emprego no desenvolvimento da economia
nacional a teoria haveria exagerado no otimismo (DEODATO 1967)
Keynes contudo natildeo teria duacutevida de concordar com os alematildees sobretudo em tempos de
crise econocircmica sistecircmica Wagner faz poreacutem uma didaacutetica distinccedilatildeo entre capital nacional ou social
e o capital individual O primeiro eacute toda riqueza destinada agrave produccedilatildeo O segundo eacute a riqueza posta agrave
parte do indiviacuteduo que deva servir ou natildeo agrave produccedilatildeo
Quanto ao capital individual quando descontado pelo imposto em vez de um mal eacute um bem
agrave produccedilatildeo sempre que empregado Diminui-se a riqueza de alguns acresce a riqueza nacional
Da mesma forma que nas ldquoloteriasrdquo nos ldquolucros extraordinaacuteriosrdquo nas ldquomais valias imobiliaacuteriasrdquo em
todos esses casos justifica-se ndash e assim se desmistifica sua negatividade - o imposto sobre qualquer
forma de capital
A Organizaccedilatildeo para a Cooperaccedilatildeo Econocircmica e Desenvolvimento (OCDE) jaacute indicava que o tri-
buto sobre a fortuna contribuiacutea na deacutecada de 1980 com 05 da receita tributaacuteria da Aacuteustria 041
da Dinamarca 031 da Noruega e 039 da Sueacutecia
Na deacutecada de 1980 o mundo sofria os efeitos do primeiro choque do petroacuteleo uma recessatildeo
mundial e sequer existiam telefones celulares computadores portaacuteteis Internet e transaccedilotildees financei-
ras eletrocircnicas (CEPAL 1985) Vale dizer com a economia mundial em crise continuada sem tecnolo-
gia e controles virtuais e de alcance imediato aleacutem de inuacutemeros elementos de controle cruzado para
tiacutetulos patrimocircnio e operaccedilotildees bancaacuterias inclusive controles das bolsas de valores e fundos os paiacuteses
escandinavos lograram implantar e administrar impostos calibrados em um contexto de persistente
controle efetivo da equidade fiscal
No caso brasileiro 04 da receita tributaacuteria representariam 40 bilhotildees de reais no ano calen-
daacuterio de 2013 equivalente ao montante da extinta CPMF
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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4 A CONSTITUINTE E O PARLAMENTO
ldquoA sagrada alianccedila entre os donos de terra do dinheiro e do Estado natildeo permite que nossas transiccedilotildees democraacuteticas se completemrdquo
Maria da Conceiccedilatildeo Tavares
Recentemente mais do que o corpo a memoacuteria do ex-presidente Joatildeo Goulart foi exumada
Algo simbolicamente veio agrave tona as ldquoreformas de baserdquo que o golpe de 64 abortou
Em vez de as fazerem a ditadura fortaleceu a conciliaccedilatildeo patrimonialista e o pacto das elites
endinheiradas resultando em 20 anos de arrocho salarial (CARNEIRO 2006)
Quaisquer iniciativas atuais de tributaccedilatildeo das grandes fortunas satildeo relidas como ldquoilusotildees bol-
cheviquesrdquo
Os neoliberais triunfalistas em verdade pensam apenas no passado que legitima seus privi-
leacutegios fiscais em nome de uma repressatildeo tributaacuteria direcionada exclusivamente aos detentores de
ldquonenhumas fortunasrdquo
Os donos do capital e da riqueza querem a eternidade de uma equaccedilatildeo fiscal repressiva sem
incluiacute-los Os nossos endinheirados continuam com as mesmas ideias dos golpistas de 50 anos atraacutes
Desde 1964 as benesses e privileacutegios dos super-ricos aumentaram (CHOSSUDOWSKI 1999)
Talleyrand diria dos nossos super-ricos de fortunas acumuladas pela Casa Grande ldquonatildeo apren-
deram nada natildeo esqueceram nadardquo
Eacute horrorosa a repeticcedilatildeo dos argumentos jaacute desfalecidos sob a falaacutecia do grande lsquoteoacutelogorsquo da
Economia Liberal Hayek de que os impostos sobre os ricos satildeo sempre lsquonegativosrsquo
Esse pensamento justifica e realimenta os fracassos da ordem financeira em nome do ideal da
racionalidade plutocraacutetica Um espectro ronda o IGF parafraseando Marx a irresponsabilidade fiscal
dos super-ricos (COMPARATO 2004)
Existe um conflito fundamental entre o muito que se pede e espera do poder puacuteblico jaacute o
dissera Celso Furtado na apresentaccedilatildeo do seu Plano Trienal
Natildeo por acaso o sistema tributaacuterio nacional foi modificado pela Carta de Ulysses em muitos
aspectos
Os constituintes forjaram-no encorpado conferindo-lhe a competecircncia delegada para que o
IGF quando instituiacutedo o fosse com a moldagem de lei complementar
Previamente contudo modularam-no circunscrevendo-lhe a incidecircncia inspirados na sapiecircn-
cia da deusa romana da Fortuna simbolizada com uma cornucoacutepia e um timatildeo nas matildeos cuja mito-
logia reservara-lhe o poder da distribuiccedilatildeo dos bens e da sorte
Diferentemente dos romanos no entanto natildeo deixaram a riqueza agrave mercecirc das divindades por-
que a desejaram ao alcance de todos
O criteacuterio poacutes-constituinte de modo caricato ateacute parece baseado no romance policial mais
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famoso do seacuteculo XX - O Falcatildeo Maltecircs - em torno de uma reliacutequia medieval valiosiacutessima levada em
sigilo do Oriente a Califoacuternia Sam Spade o detetive idealizado por Dashiell Hammet seria capaz de ndash
ao investigar a urdidura intrincada do IGF ndash repetir sua frase mais famosa ldquoUm grande misteacuterio deve
tirar a tampa da vida e deixar vocecirc ver como funcionardquo
O comando constitucional originaacuterio era categoacuterico quando delimitara o olhar fiscal tendo
como foco natildeo quaisquer fortunas mas aquelas grandes
De um lado estreme de duacutevida a motivaccedilatildeo constitucional a essecircncia do IGF do outro lado
sua dimensatildeo estrutural natildeo se lhe submetendo todas as fortunas Mais claro impossiacutevel
O processo de elaboraccedilatildeo constituinte cujo sumaacuterio e detalhamento podem ser identificados
nas Fontes de Informaccedilatildeo sobre a ANC de 1987 ndash Senado Federal ndash na Subsecretaria de Ediccedilotildees Teacutecni-
cas procedeu agrave inclusatildeo do IGF no Anteprojeto da Subcomissatildeo de Tributos
A siacutentese do relator constituinte da Subcomissatildeo de Tributos foi liacutempida porque a ldquotributaccedilatildeo
normal dos rendimentos ou mesmo das heranccedilas e doaccedilotildees nem sempre eacute suficiente para pro-
duzir as correccedilotildees desejaacuteveisrdquo donde defluiria a necessidade loacutegica de ldquoum novo impostordquo incidindo
sobre ldquoas situaccedilotildees anormais de riqueza acumulada e natildeo produtivardquo
Natildeo se desconsideram ocorridas algumas tentativas de movimentar o IGF pelo menos 30 pro-
jetos em tramitaccedilatildeo no Parlamento
Haacute vinte e cinco anos a despeito dos inuacutemeros de projetos de Lei apresentados em busca de
fazer cumprir a Carta de Ulysses o IGF dormita esplendidamente como um espeacutecime invertebrado
da nossa vida juriacutedica no panteatildeo sem gloacuteria e mal conservado das normas constitucionais exiladas
embora ensaiado em isoladas proposituras do sistema impositivo nacional
A aparentemente desidiosa contemporizaccedilatildeo do Executivo natildeo passou despercebida dos orga-
nismos mais judiciosos a exemplo do Instituto dos Advogados do Brasil ao constatar que o IGF ldquojaz ali
ocioso por falta de iniciativa do governordquo (CORREIO BRAZILIENSE 1996)
Indubitavelmente vaacuterias das propostas consagram certa motivaccedilatildeo de cunho proseacutelito e eleito-
ral como a utilizada para levaacute-lo agrave conta do Fundo de Combate agrave Pobreza criado pela Emenda Cons-
titucional nordm 312000 de iniciativa do Senador Antonio Carlos Magalhatildees Falta-lhes miacutenimo teoacuterico
fundamentado com embasamento teacutecnico suficiente e suporte administrativo necessaacuterio do que se
aproveitam os opositores do IGF para desqualificaacute-las sistematicamente
O exemplo de que se procura revestir a tributaccedilatildeo do IGF com traccedilos da insensatez vulgar eacute o
da sua proposiccedilatildeo enquanto soluccedilatildeo dogmaacutetica como providecircncia redentora haacutebil a erradicar final-
mente a miserabilidade endecircmica do nosso paiacutes
A questatildeo central todavia natildeo eacute essa mas outra completamente distinta Natildeo se trata de acei-
tar ou natildeo o IGF mas fixaacute-lo teacutecnica e juridicamente
Nem se o cogite como sendo uma proposiccedilatildeo ldquofora de lugarrdquo ou do ldquoseu tempordquo ao contraacuterio
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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A desarmonia do IGF com os modismos neoliberais que se espraiaram pelas concepccedilotildees fiscais
dominantes na deacutecada dos 90 natildeo tem como ser esterilizada Afinal o caldeamento dos postulados
mercantis foi processado pelos que se investiram no direito de ditar um ldquocacircnone tributaacuteriordquo baseado
no suposto gozo de um ldquostatus eclesiaacutesticordquo
A desregulamentaccedilatildeo do processo de acumulaccedilatildeo capitalista nas ondas propagadas pelo Wa-shington Consensus (WC) cujo eco se faz sentir nos paiacuteses sujeitos ao decaacutelogo sistematizado por
John Williamson dos quais a reduzida tributaccedilatildeo da renda e nenhuma da riqueza era parte dele natildeo
foi capaz de extirpar as raiacutezes do IGF em escala global embora tenha logrado ecircxito em conter sua di-
fusatildeo momentaneamente
Induvidosamente o IGF natildeo compotildee o figurino fiscal do WC daiacute natildeo faltarem escaramuccedilas para
eliminaacute-lo em vaacuterias emendas de natureza tributaacuteria
No entanto ateacute mesmo o Foacuterum de Davos natildeo tem como ignorar que a desigualdade social na
Terra aumentou e que 1 da populaccedilatildeo mundial deteacutem metade da riqueza global (CINTRA 2014)
O cumprimento do mandamento constitucional de criaccedilatildeo de um imposto concebido para
ajustar o nosso sistema tributaacuterio ao princiacutepio da isonomia e progressividade tributaacuterias de modo
a tornaacute-lo na expressatildeo popular relativamente ldquomais justordquo natildeo estaacute apenas amparado na tese que
o fundamentou vale dizer do sistema fiscal poder subtrair uma fraccedilatildeo parcelada ou uacutenica agraves ldquogran-
desrdquo fortunas do segmento plutocraacutetico brasileiro mas do Estado vir a ter mais um mecanismo agrave sua
disposiccedilatildeo para dar continuidade ao processo de desconcentraccedilatildeo social da renda apoiado na maior
equidade
Haacute tambeacutem o imperativo de maior efetividade fiscal sem concessotildees agrave visatildeo panglossiana
equivocada em havecirc-lo dimensionado como panaceacuteia porque a reduccedilatildeo das abissais desigualdades
entre os possuidores e despossuiacutedos de renda e riqueza no Brasil soacutei serem desbastadas no processo
dinacircmico do desenvolvimento sustentaacutevel e inclusivo
Isso contudo nada tem a ver com a pajelanccedila liberal de deixar imune e isento o capital desre-
gulamentado nem com a apresentaccedilatildeo vulgar do IGF sua proposiccedilatildeo dogmaacutetica enquanto providecircn-
cia redentora haacutebil a erradicar finalmente a miserabilidade endecircmica do nosso paiacutes
Ao mesmo tempo no entanto que o constituinte natildeo remeteu o IGF agrave legislaccedilatildeo ordinaacuteria de
menor quorum necessaacuterio agrave sua aprovaccedilatildeo por conta do embate vitorioso das classes dominantes na
economia e seus representantes poliacuteticos no Parlamento - em defesa de seus interesses de classe e
materiais - ainda assim reservou-lhe a criaccedilatildeo mediante o quorum qualificado da lei complementar
A retomada de iniciativas recentemente tendentes a resgatar a liturgia da legislaccedilatildeo ordinaacuteria
natildeo alcanccedilou ecircxito porquanto os detentores das maiores rendas e riqueza demonstraram mais uma
vez a sua forccedila poliacutetica hegemocircnica ao rechaccedilarem a tentativa de alteraccedilatildeo processual por a consi-
derarem um ameaccedilador atalho pelo qual o IGF pudesse ser instituiacutedo concretizando-se com sucesso
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Nesse sentido tanto o ex-presidente Lula quanto a presidenta Dilma ambos repetiram o ceri-
monial do beija-matildeo da plutocracia doirada
Suas governanccedilas jamais tentaram movimentar suas bancadas para regulamentarem o IGF A
primeira tentativa de regulamentar o IGF foi do ex-senador Fernando Henrique Cardoso com o PLS nordm
16289 aprovado no Senado dentro do figurino claacutessico da social-democracia que inspirava a linha
programaacutetica do seu partido o PSDB agravequela eacutepoca
Ao chegar agrave Cacircmara dos Deputados recepcionou emendas de tributaccedilatildeo da fortuna familiar
acima de R$ 4 milhotildees isentando-se o imoacutevel residencial instrumentos de trabalho e ativos definidos
de alta relevacircncia social ou importacircncia tecnoloacutegica estrateacutegica travejada por aliacutequotas progressivas
separadas em quatro faixas de incidecircncia 01 02 04 e 07 Mais de uma deacutecada depois no ano
2000 a Comissatildeo de Tributaccedilatildeo e Orccedilamento da Cacircmara o rejeitou
A reboque das tentativas de reforma tributaacuteria surgiu emenda constitucional transfigurando o
tributo em Contribuiccedilatildeo sobre Grandes Fortunas (CGF) vinculada agrave sauacutede puacuteblica sob o argumento
de viabilizar sua instituiccedilatildeo segundo o entendimento de que a destinaccedilatildeo mitigaria a resistecircncia dos
interesses contraacuterios
A CGF fixava trecircs aliacutequotas 05 075 e 1 O limite isentaria ateacute os R$ 11 milhotildees excetuan-
do-se o imoacutevel residencial do contribuinte
O panorama global do imposto sobre a riqueza segundo seus opositores natildeo seria viaacutevel pela
baixa participaccedilatildeo na arrecadaccedilatildeo e alto custo administrativo a cantilena de sempre Estados Unidos
Reino Unido Austraacutelia Japatildeo e Itaacutelia decidiram natildeo adotaacute-lo pelo menos por ora
O argumento do senso comum eacute que o Imposto de Renda (IR) - havido como a grande base
da arrecadaccedilatildeo tributaacuteria da maioria dos paiacuteses desenvolvidos ndash tornaria o imposto sobre a riqueza
tatildeo-somente subsidiaacuterio ao IR ndash como salvaguarda de controle a evitar a evasatildeo comparando-se o
patrimocircnio com renda declarada
Detalhe-se que esses paiacuteses aplicam aliacutequotas efetivas de IRPF em torno de 50 e ateacute maiores
sem isenccedilatildeo na distribuiccedilatildeo de lucros e dividendos que integram a renda bruta sujeita agrave tributaccedilatildeo
pela aliacutequota progressiva
A Alemanha natildeo se cercou de muitos pruridos para experimentaacute-lo Eliminou o imposto sobre
a riqueza em 1996 mas o resgatou em 2007 com aliacutequota uacutenica de 3 A Suiacuteccedila tem aliacutequotas entre
01 e 09 jaacute a Noruega parte de 09 ateacute 11 A Sueacutecia adota aliacutequota uacutenica de 15 e a Iacutendia de
1 soacute alcanccedilando bens improdutivos como joacuteias imoacuteveis automoacuteveis e obras de arte
Islacircndia e Finlacircndia aboliram o imposto em 2006 e Luxemburgo isentou as pessoas fiacutesicas em
2005 poreacutem tatildeo-somente o fizeram depois de taxarem as grandes fortunas durante quase uma deacute-
cada e coincidentemente quando os conservadores chegaram ao poder na esteira da ldquoprimavera
liberalrdquo que visitou os paiacuteses gelados em meados da deacutecada passada
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Jaacute no Brasil as anaacutelises emanadas dos simpoacutesios seminaacuterios e ensaios antecedentes aos traba-
lhos constituintes explicitavam a evidecircncia de que se impunha a incontornaacutevel necessidade do sistema
tributaacuterio ser reciclado contemplando inovaccedilotildees de diferente natureza
Ao compulsar as anotaccedilotildees dos estudos preacutevios agrave Constituiccedilatildeo vislumbra-se um elenco de pro-
videcircncias portadoras da inspiraccedilatildeo de redesenhar o mapa das incidecircncias no tocante agrave progressivida-
de da tributaccedilatildeo de sorte a dissociaacute-la do suporte tradicional exclusivamente escorado na extraccedilatildeo
fiscal da renda dos trabalhadores do setor puacuteblico e privado assalariados ou autocircnomos
A ofensiva de soprar vida agrave criaccedilatildeo do IGF com os ares da nova fase democraacutetica sensibilizou
agrave lendaacuteria Comissatildeo Afonso Arinos oficialmente denominada Comissatildeo Provisoacuteria de Estudos Cons-
titucionais da qual resultou a apresentaccedilatildeo do anteprojeto cujo conteuacutedo incorporou o IGF Origina-
riamente deve-se a iniciativa da inovaccedilatildeo do IGF ao operoso Instituto dos Advogados de Satildeo Paulo
em conjunto agrave Associaccedilatildeo Brasileira de Direito Financeiro O IGF foi submetido a intenso e abrangente
debate com a participaccedilatildeo de especialistas ao som do clamor convocatoacuterio da Assembleia Nacional
Constituinte Os teacutecnicos descortinaram a existecircncia do vasto espectro das nuances operacionais e
administrativas em relaccedilatildeo ao seu rendimento e eficaacutecia fiscal com espelho na praacutetica internacional
notadamente o sistema francecircs
Sobe de relevo a marcante influecircncia dos sistemas fiscais estrangeiros que impulsionaram a
opccedilatildeo brasileira agrave inovaccedilatildeo com sua incorporaccedilatildeo ao leacutexico tributaacuterio nacional
O equacionamento do IGF considerou as variaacuteveis claacutessicas que precedem quaisquer inovaccedilotildees
no campo das incidecircncias tributaacuterias vale dizer identificou suas possibilidades e limitaccedilotildees a partir -
como natildeo poderia deixar de secirc-lo ndash da recorrecircncia a estrangeirices enquanto referencial de modelos
paralelos Os especialistas desafiaram naquela fase preliminar a tese de Myrdal que prelecionava natildeo
ser possiacutevel fazer assentar um justo sistema fiscal sobre uma ordem socioeconocircmica onde a riqueza e
a renda fossem concentradas
Agravequela eacutepoca debruccedilaram-se em suas preocupaccedilotildees igualmente sobre a singularidade das
experiecircncias internacionais compulsando-as tanto as que natildeo se distinguiriam demasiado da nossa
realidade quanto agravequelas que deveriam obrigatoriamente ser reavaliadas na atualidade em face das
profundas diferenccedilas de configuraccedilatildeo econocircmica e social
Hoje mais do que ontem os pontos de interrogaccedilatildeo permanecem fincados em torno de qual
a melhor forma de precisar o conceito dimensional do patrimocircnio da riqueza da fortuna do piso
de isenccedilatildeo
A partir da qualificaccedilatildeo de ldquogranderdquo tornar-se-ia admissiacutevel mensurar o topo de corte onde a
contribuiccedilatildeo devesse estacionar sua imputaccedilatildeo as camadas moduladoras da progressividade o cali-
bre das suas aliacutequotas os modelos de parametrizaccedilatildeo dos valores pecuniaacuterios os meios e modos de
controle dos contribuintes e de sua administraccedilatildeo tributaacuteria especialmente fiscalizaccedilatildeo e cobranccedila
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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estaqueada por seus compliances and enforcements
Uma anaacutelise prospectiva do IGF natildeo poderia ignorar a anaacutelise do primeiro dos projetos de lei
que visou agrave sua instituiccedilatildeo o PLC nordm 202-A de 1989 substitutivo ao PLS nordm 16289 aprovado com o
crivo analiacutetico das Comissotildees de Constituiccedilatildeo e Justiccedila Redaccedilatildeo e de Financcedilas do Senado Federal
A Receita Federal do Brasil modificou em 2009 o perfil dos contribuintes obrigados a declarar
o Imposto de Renda da Pessoa Fiacutesica (IRPF) ao fixar entre outros denominadores miacutenimos comuns a
propriedade a posse ou titularidade de bens superiores a R$ 30000000 (trezentos mil reais) Gros-
so modo tatildeo somente para efeitos de contextualizaccedilatildeo da ordem de grandeza dos valores patrimo-
niais por que natildeo admitir o patamar isentaacutevel das fortunas merecedoras da atenccedilatildeo do fisco federal
para demarcaccedilatildeo do piso referencial da ldquogrande fortunardquo segundo as regras de obrigatoriedade da
declaraccedilatildeo do IRPF A partir daiacute considerar-se-ia como valor liacutequido patrimonial o valor de mercado
dos bens e direitos da pessoa fiacutesica diminuiacutedo do valor das diacutevidas e empreacutestimos a ele vinculados
desde que natildeo superassem o valor do bem ou direito correspondente Os contribuintes do IGF no
substitutivo do projeto do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso passariam a ser as pessoas fiacutesi-
cas residentes ou domiciliadas no Paiacutes os espoacutelios e aquelas pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas domiciliadas
no exterior no que respeitasse ao patrimocircnio possuiacutedo no Brasil
Jaacute quanto agrave base de caacutelculo do imposto seria considerado o valor atualizado do patrimocircnio
alcanccedilado pelo IGF em 31 de dezembro do ano-base relativo ao exerciacutecio financeiro do ano em que
a declaraccedilatildeo do IRPF fosse apresentada conforme constasse da declaraccedilatildeo anual de bens e direitos
do contribuinte
A primeira declaraccedilatildeo anual de bens e direitos posterior agrave publicaccedilatildeo da Lei do IGF implicaria
ao contribuinte a obrigatoriedade de declarar os seus valores de mercado corrigido nos exerciacutecios
financeiros seguintes em conformidade agrave variaccedilatildeo acumulada do IGP-DI
A cultura inflacionaacuteria que permeava a conjuntura econocircmica certamente influenciou o entatildeo
senador Fernando Henrique a exigir atualizaccedilatildeo patrimonial adequando-a aos valores de mercado
A incidecircncia do IGF levaria em conta as participaccedilotildees no capital social da empresa as quais
seriam consideradas parcelas integrantes do conjunto patrimonial dos contribuintes em valores equi-
valentes agraves fraccedilotildees do patrimocircnio liacutequido da empresa de suas propriedades correspondentes
No caso de sociedades por accedilotildees o valor do patrimocircnio liacutequido da empresa para fins do
IGF corresponderia ao maior valor dentre os valores do patrimocircnio liacutequido conforme apurado em
balanccedilo e de mercado das accedilotildees representativas do capital social da empresa As aliacutequotas seriam
progressivas em funccedilatildeo do valor total do patrimocircnio tributado de sorte a incidirem diferencialmente
sobre os ativos considerados improdutivos e os produtivos A previsatildeo de responsabilidade solidaacuteria
da pessoa juriacutedica pelo pagamento do imposto constou do IGF sob a presunccedilatildeo de neutralizar aquelas
operaccedilotildees de incorporaccedilatildeo de bens ou direitos aos ativos que visassem agrave dissimulaccedilatildeo dos verdadei-
ros proprietaacuterios ou pretendessem apresentaacute-los subavaliados
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
83
O referido projeto caminhou no entanto com outras pernas O Senador Gomes de Carvalho foi
o autor do Substitutivo ao projeto de Lei anteriormente analisado aprovando-o de maneira a garantir
maior amplitude agraves exclusotildees da base de caacutelculo do IGF subtraindo-lhe os investimentos voltados agrave
infraestrutura de eletricidade transportes e comunicaccedilotildees com a expressa determinaccedilatildeo que fosse
remetida agrave lei ordinaacuteria a definiccedilatildeo das exigecircncias para a sua comprovaccedilatildeo
O Substitutivo ao projeto originaacuterio foi enviado agrave Comissatildeo de Financcedilas e Tributaccedilatildeo da Cacircmara
dos Deputados cuja relatoria foi delegada agrave ex-Deputada Federal pelo Partido dos Trabalhadores do
Estado do Rio de Janeiro economista Maria da Conceiccedilatildeo Tavares vencida junto aos seus pares
Mais tarde especialistas em financcedilas puacuteblicas simularam algumas projeccedilotildees para avaliaccedilatildeo da
produtividade fiscal do IGF extraiacutedas da arrecadaccedilatildeo reconhecida com base em publicaccedilotildees da Re-
ceita Federal retificando a subavaliaccedilatildeo dos imoacuteveis e rendas com base em estudos mundialmente
aferidos
O Quadro 1 apresenta essa distribuiccedilatildeo para o ano de 1999 extraiacutedo das declaraccedilotildees de im-
posto de renda Apenas 09 dos declarantes possuiacuteam renda mensal superior a R$ 10 mil e detinham
15 do patrimocircnio O mesmo percentual de 15 do patrimocircnio pertencia aos que tinham renda men-
sal entre R$ 1000 e R$ 1500 e representavam 240 do nuacutemero de declarantes Quem tinha renda
mensal acima de R$ 10 mil possuiacutea em meacutedia um patrimocircnio de R$ 1450 mil Quem ganhava ateacute mil
reais dispunha de um patrimocircnio de R$ 47 mil Uma diferenccedila de 3100 (KHAIR 2008)
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5 O SEM-FORTUNAS NENHUMAS
ldquoA eficaacutecia do sistema tributaacuterio natildeo eacute apenas uma questatildeo de legislaccedilatildeo tributaacuteria apropriada mas de eficiecircncia e integridade da administraccedilatildeo tributaacuteria e uma ad-ministraccedilatildeo eficiente formada por pessoas de grande integridade eacute o principal requisito para que se possa explorar o potencial tributaacuterio de um paiacutesrdquo
Nicholas Kaldor
A expressatildeo ldquograndes fortunasrdquo no contexto fiscal brasileiro eacute o oacutepio dos neoliberais Admite-se
que seja uma ldquosubstacircnciardquo que organiza o ldquodiscurso do lucrordquo
A sua proteccedilatildeo encobre erros crassos e mesmo justificam virar de pernas para o ar as incipien-
tes garantias sociais O pensamento da ldquovelha nova direitardquo tem de ceder espaccedilo a uma compreensatildeo
experimentada pelo mundo real Max Weber em vez de Von Mises Alexis de Tocqueville por Raimond
Aron Paul Krugmann a Milton Friedman
Nenhum propoacutesito haacute em ler Hayek durante 40 anos e aplicaacute-lo como um emplastro salvador
sobre nossas riquezas prepotentes e avaras De saiacuteda devemos aceitar o desastre do ldquoneoliberalismo
realrdquo que apresentou um caminho em linha reta agrave terra prometida da prosperidade e da eficiecircncia
econocircmica mas entregou a ldquogrande recessatildeordquo de 2009 cujo uacutenico precedente de igual magnitude eacute a
ldquogrande depressatildeordquo de 1929 que acendeu o pavio da II Guerra Mundial (GOWAN 2003)
A ser verdadeiro natildeo existir alternativa ao capitalismo a ldquonova velha direitardquo tem de dar cabo agrave
crenccedila de que os privileacutegios dos super-ricos eacute a roda que potildee o mundo a girar acende o farol dos ca-
minhos e ensina para onde se deva ir Isso faz algum sentido Somente se a aposta no futuro depender
de um privileacutegio fiscal sem a menor razatildeo exceto na concepccedilatildeo neoliberal paranoacuteica inspirada pela
onipotecircncia das grandes fortunas
Se formos agrave cata da falta de sentido das grandes fortunas privilegiadas com renuacutencias fiscais
vamos encontraacute-la em Sumer a primeira civilizaccedilatildeo conhecida haacute seis mil anos atraacutes onde hoje eacute o
Iraque
A relevacircncia dos impostos para aquela sociedade pode ser comprovada por hieroacuteglifos identi-
ficados por arqueoacutelogos em Lagash Curiosidade notaacutevel eacute a constataccedilatildeo da imposiccedilatildeo fiscal genera-
lizada e onerosa Ateacute a morte era taxada
A ldquoliberdade fiscalrdquo que foi proclamada em Sumer no reinado de Urikagina implicou o fim da
rede dos coletores de impostos resultando em uma cataacutestrofe a destruiccedilatildeo da cidade (ADAMS 2001)
A raiz do IGF remonta agrave Antiguidade Claacutessica A histoacuteria e soci-ologia tributaacuteria a identificam
no gecircnero dos impostos diretos Quanto ao imposto direto Marcus Cicero 44 AC lecionava ldquoWhen constant wars made the Roman treasury run short our forefathers often used to levy a property taxrdquo A experiecircncia na Alemanha mereceria alguma atenccedilatildeo com o Vermoegensteur o imposto sobre
a fortuna que impacta os donos de poder econocircmico e poliacutetico
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Caldeada pelo sofrimento de duas grandes guerras mundiais tem uma poliacutetica tributaacuteria que
natildeo subtrai a contribuiccedilatildeo fiscal das riquezas acumuladas do bolo orccedilamentaacuterio em funccedilatildeo de uma feacute
farisaica professada no altar da renuacutencia fiscal sobre as grandes fortunas como se estas fossem mere-
cedoras de favorecimento
Natildeo custa lembrar que a Revoluccedilatildeo Francesa combateu o imposto sobre o consumo afirmando
que ldquosatildeo as classes pobres as mais carregadasrdquo na dicccedilatildeo de Alberto Deodato
A Franccedila fez retornar o tributo sobre as fortunas em 2013
Algo que natildeo se deveria estranhar porque ateacute mesmo Adam Smith jaacute constatara em sua mag-num opus o recolhimento do imposto de capitaccedilatildeo na Franccedila ldquosem nenhuma interrupccedilatildeordquo onde as
ldquoclasses mais altas satildeo taxadas de acordo com a sua posiccedilatildeo com base em uma tarifa invariaacutevelrdquo
A Suiacuteccedila promoveu a incidecircncia sobre o patrimocircnio das pessoas fiacutesicas e juriacutedicas com as aliacute-
quotas de 1 e 2 progressivamente a partir de uma isenccedilatildeo miacutenima atualmente equivalente a R$
50000000 adicional agrave tributaccedilatildeo em bases correntes da renda e dos impostos sobre o patrimocircnio
cobrados pelos condados que descartam a conhecida tese da bitributaccedilatildeo a renda em 42 e a gran-
de fortuna a 1 cumulativamente Como se vecirc a bitributaccedilatildeo eacute uma criacutetica que natildeo saiu de moda
tatildeo-somente no Brasil e costuma ser sempre invocada para descartar o IGF sob o pretexto de que a
aquisiccedilatildeo patrimonial decorreu de rendimento anteriormente tributado Misturam-se os conceitos de
fluxo das rendas ao de estoque das propriedades para justificar a ausecircncia de competecircncia federal agrave
instituiccedilatildeo do tributo porque a incidecircncia patrimonial estaria reservada a estado e municiacutepios com
exceccedilatildeo do imposto territorial rural
Os EUA possuem o general property tax considerado seu imposto sobre a fortuna e o inhe-ritance tax desde a era colonial no entanto influenciados pelo Relatoacuterio Meade que examinou as
origens da riqueza e pela eacutetica protestante hegeliana presumiram a avaliaccedilatildeo das grandes fortunas
como sendo um problema e descartaram o IGF - mercecirc do aperfeiccediloamento do imposto sobre cessotildees
patrimoniais graciosas
O fato eacute que a desigualdade aumentou tanto nos EUA ao ponto do governo Obama pretender
reequilibrar o ldquocoacutedigo fiscalrdquo mediante aliacutequotas de impostos maiores que nas Eras Reagan e Bush
A Gratilde-Bretanha incentivou o debate parlamentar nos anos 60 Os estudos recomendaram a
instituiccedilatildeo do IGF A base parlamentar da primeira-ministra Thatcher que abraccedilara o manancial teoacuterico
neoliberal incompatiacutevel com a incidecircncia fiscal sobre os ricos sepultou o tributo (MOORE JR 1999)
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6 O DIAGNOacuteSTICO DO IPEA
ldquoA justiccedila fiscal pressupotildee tacitamente uma justa distribuiccedilatildeo da renda e da proprieda-de de qualquer ponto de vista que seja julgado o problemardquo
Wicksell
A Reforma Tributaacuteria ensaiada em 2005 deu ecircnfase mais na facilitaccedilatildeo da dinacircmica econocircmica e
foi criticada por silenciar quanto agrave acentuada regressatildeo do sistema tributaacuterio reforccedilada pela proposta
governamental Os tributos impactam bem mais as camadas sociais de rendas consideradas baixas
incidindo risivelmente sobre os ricos e super-ricos
O IRPF passaria das atuais trecircs faixas de aliacutequotas para 12 A primeira seria de 5 para quem
tem renda de R$ 126 mil a R$ 21 mil
A faixa intermediaacuteria seria de 275 para aqueles com rendimentos entre R$ 65 mil e R$ 8 mil
A uacuteltima aliacutequota de 60 atingiria quem tem renda acima de R$ 50 mil Na visatildeo do presidente do
Ipea a uacuteltima proposta de reforma tributaacuteria enviada pelo governo ao Congresso Nacional natildeo pro-
potildee mudanccedilas que promovam a justiccedila fiscal porque enfatiza tatildeo-somente a promoccedilatildeo da eficiecircncia
econocircmica a reduccedilatildeo da burocracia e a eliminaccedilatildeo de desperdiacutecios sem alterar o perfil regressivo
da arrecadaccedilatildeo
Infelizmente outra vez o Executivo natildeo procurou ldquoa justa tributaccedilatildeo antes da arrecadaccedilatildeordquo na
dicccedilatildeo do advogado e ex-auditor da Receita Federal Fernando Marsillac descartando o IGF outra vez
(REFORMA FISCAL 1992)
A novidade do estudo do Ipea diferentemente do que se verificou nos anos 90 foi considerar
que parte da justiccedila tributaacuteria poderia ser alcanccedilada sem tocar a Carta Maior A reforma tributaacuteria
poderia segundo Maacutercio Pochmann oferecer uma perspectiva melhor de avanccedilo social do ponto de
vista da justiccedila tributaacuteria ateacute mesmo com leis infraconstitucionais constituindo-se de fato o imposto
sobre grandes fortunas conforme sua sustentaccedilatildeo oral em audiecircncia puacuteblica realizada na Comissatildeo
de Diretos Humanos do Senado Federal
O enfoque evidentemente equivocado de deixar de buscar a justiccedila fiscal por intermeacutedio tam-
beacutem do sistema tributaacuterio com aplicaccedilatildeo do sect 1ordm do artigo 145 da Carta de 88 natildeo tem recebido
apoio da miacutedia em geral que desdenha do IGF e assemelhados revestindo-os de uma roupagem
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deacutemodeacute supostamente colocando-os como maleacuteficos aos jaacute pagantes do imposto sem discriminar
as diferenccedilas gritantes entre os contribuintes proporcionalmente altiacutessimas juntando-as agrave rejeiccedilatildeo
irrefletida da classe meacutedia esta sim a grande base do Imposto de Renda no Brasil A linha argumenta
tiva do Ipea trouxe o debate do IGF para o contexto de redistribuir a riqueza acumulada tornando a
tributaccedilatildeo melhor ajustada de modo agraves rendas mais baixas recolherem menos impostos sobre o con-
sumo com as rendas mais altas especialmente os mais ricos contribuindo mais mediante tributos in-
cidentes diretamente Sem sucumbir aos tradicionais argumentos agrave moda liberal as grandes fortunas
seriam submetidas ao imposto adicional em apoio e suporte agrave reduccedilatildeo das desigualdades sociais Isso
faz todo sentido em relaccedilatildeo agrave percepccedilatildeo de Wicksell completando-a porque ldquode outro modo natildeo
faria sentido falar de igualdade de prestaccedilatildeo de serviccedilo ou de contraprestaccedilatildeo de serviccedilo ou
de igualdade de sacrifiacuteciordquo
7 OS CONDENADOS Agrave ldquoREPRESSAtildeO FISCALrdquo
ldquoSatildeo atores econocircmicos que terminam por produzir suas proacuteprias regras evidente-mente adaptadas aos seus interessesrdquo
Delmas-Marty
A inclusatildeo do IGF em nossa Constituiccedilatildeo se deu em momento poliacutetico brasileiro onde podiacutea-
mos definir as correntes adversaacuterias no Congresso o que nos dias atuais eacute impossiacutevel pois temos uma
confusatildeo total entre o que antes chamaacutevamos de esquerda e direita
Esse antagonismo refletia as aspiraccedilotildees de uma maior gama de anseios sociais os quais se re-
fletiram fortemente em nosso ordenamento juriacutedico
No momento atual se haacute conhecida dificuldade de inclusatildeo do IGF pelo arranjo legislativo que
responde aos interesses das classes mais abastadas tambeacutem haacute a conjuntura econocircmica mundial que
favorece a determinaccedilatildeo constitucional de que se faccedila tal inovaccedilatildeo juriacutedica
Intrigante mas perfeitamente compatiacutevel agrave loacutegica interna do modelo de tributaccedilatildeo conformado
nos anos 90 o IGF foi discriminado negativamente abortado prematuramente marginalizado pela
sua suposta ldquobaixardquo arrecadaccedilatildeo sua ldquodificuldaderdquo de operacionalizaccedilatildeo sem que jamais tenha sido
mesmo experimentado durante um periacuteodo em que a CPMF teria sido mecanismo extremamente uacutetil
agrave sua adoccedilatildeo e controle
Curiosamente repise-se natildeo aceitam sequer a alegaccedilatildeo de ser baixa a tributaccedilatildeo dos projetos
do IGF quando os reformistas que o condenam sempre exigiram aliacutequotas moderadas nos seus libelos
acusatoacuterios da tributaccedilatildeo nacional
Ao bem da verdade o IGF tem sido afastado do caminho do livre movimento do processo de
acumulaccedilatildeo do capital e da concentraccedilatildeo social da riqueza por outro motivo subjacente e oculto
impedir o surgimento de soluccedilotildees capazes realmente de alavancar sua potencialidade dadas as ex-
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pectativas dos formuladores do nouveaux laissez faire de que as riquezas seriam multiplicadas os
capitais seriam mais centralizados e os milionaacuterios e bilionaacuterios aumentariam sua fraccedilatildeo apropriada do
excedente econocircmico Um fato social que salta agrave vista (ELIAS 2011)
Dito de outra maneira a deacutecada de 90 eacute o periacuteodo onde o planejamento tributaacuterio agressivo foi
intensamente exercitado em escala global e assim preparatoriamente antecipando-se ao ldquotax appealrdquo que a referida concentraccedilatildeo social da riqueza e da renda acabaria acarretando (LE MONDE 2012)
Se atentarmos para a questatildeo fiscal a opiniatildeo puacuteblica foi levada a ignorar o meacuterito do IGF e
com base no tratamento superficial do tributo acabou por fazer pateticamente o jogo da neoliber-
tagem fiscal conformando-se a pagar o pato do arrocho tributaacuterio
O modo como tal processo desenrolou-se pode ser compreendido se for observado atenta-
mente de uma perspectiva especial pela janela de Overton que registra como pensa a maioria da
sociedade num dado momento sobre determinado assunto Da sacada da janela miremos o caso
concreto do IGF A maioria dos brasileiros certamente eacute contra cobrar impostos sobre quem natildeo dis-
ponha de capacidade contributiva As posiccedilotildees entretanto quanto a cobrar mais impostos dos que
possuam substancial capacidade contributiva obviamente variam do absolutamente contra ao abso-
lutamente a favor O pensamento modal visto da janela eacute o maacuteximo que um poliacutetico a depender de
sua ambiccedilatildeo poderia sustentar publicamente
Evidente que um militante da tributaccedilatildeo sobre grandes fortunas poderia ser eleito deputa-
do por eleitores simpatizantes da causa mdash mas sem duacutevida alguma teria problemas para se eleger
presidente da Repuacuteblica ou senador porque dependeria inapelavelmente de generosos recursos de
financiamento privado de campanha eleitoral
Eacute possiacutevel deslocar a perspectiva de quem estaacute na janela para um lado ou para outro Isto eacute
mover a opiniatildeo puacuteblica esmagadoramente a favor da cobranccedila de imposto sobre grandes fortunas
agrave situaccedilatildeo de indiferenccedila Absolutamente sim Isso demanda trabalho de pessoas especializadas em
manipulaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica Empresas de consultoria organizadas passam a atuar na sociedade
para lhe oferecer valores que levem ao pretendido deslocamento
Mesmo quando eram favoraacuteveis os presidentes Fernando Henrique e Lula da Silva diziam que
nenhum cidadatildeo poderia gostar da coisa em si o pagar mais impostos seria um ldquoocircnusrdquo
O mesmo afirma agora a equipe econocircmica da presidenta Dilma Roussef
Repare-se que nesta intervenccedilatildeo afasta-se o IGF para debater outro tema Que outro Uma
proposta da ldquoreforma tributaacuteriardquo com vistas a suavizar as ldquocondiccedilotildees da regressividaderdquo Isso para
tentar deslocar a janela de opiniatildeo do ldquocontrardquo para o ldquomenos contrardquo ateacute chegar agrave ldquoneutralidaderdquo e
quem sabe um dia ao ldquoa favorrdquo da natildeo tributaccedilatildeo das grandes fortunas Assim sendo faz-se imperati-
vo trabalhar algum outro valor relacionado ao mesmo tema A fazer esse trabalho entra em campo um
verdadeiro exeacutercito de ldquoespecialistas em opiniatildeo puacuteblicardquo assessores de imprensa relaccedilotildees puacuteblicas
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institutos de pesquisa think tanks agecircncias de lobby e ex-ldquoservidores de Estadordquo reciclados em ldquoservi-
dores do Mercadordquo (TER-MINASSIAN 2012)
Ad argumentadum tantum vejamos a questatildeo dos alimentos natildeo-transgecircnicos Eacute evidente que
a maioria da populaccedilatildeo se oporia a que famiacutelias ficassem sem alimento algum ou sujeita a aumentos
de preccedilos pela queda na produccedilatildeo de alimentos
Se a maioria eacute contra dificilmente um poliacutetico com ambiccedilotildees nacionais abraccedilaria essa causa
Mas por que natildeo outra Por exemplo a da ldquoseguranccedila alimentar transgecircnica garantidardquo certamente
seria mais simpaacutetica e em condiccedilotildees de operar o deslocamento da perspectiva de quem estaacute na janela
de Overton
Mutatis mutandis eacute o que tem conseguido o mainstream a favor do esquecimento do IGF
As consultorias associadas financiadas pelo mercado financeiro dentro e fora do paiacutes desmora-
lizam os que procuram fazer cumprir a Constituiccedilatildeo transformando-os em sinocircnimo de desmatado-
res fiscais como se as grandes fortunas fossem uma espeacutecie de Amazocircnia Ocidental cuja natureza
devesse permanecer conservada intocaacutevel espeacutecie de reserva natural indiacutegena protegida como se os
ricos do mundo fossem uma ldquoetnia do Alto Xingurdquo ameaccedilada de extinccedilatildeo
O caso mais bem-sucedido de que se tem notiacutecia nessa aacuterea eacute o terrorismo fiscal feito contra
a tentativa de transformaccedilatildeo do IGF em Contribuiccedilatildeo Social vinculada agrave sauacutede O que se pretende
eacute ldquoditar a agendardquo O trabalho bem-sucedido eacute de amplo espectro detectado um determinado sen-
timento da sociedade que potencialmente seja ameaccedilador das fortunas grandes trabalha-se para
mudaacute-lo ou neutralizaacute-lo
O truque de manipulaccedilatildeo da opiniatildeo puacuteblica consiste numa ponta em transformar o ldquofim do
IGFrdquo numa decorrecircncia natural dos ldquodireitos da propriedaderdquo nivelando assim a plutocracia aos pro-
prietaacuterios do Programa Habitacional das Massas apoiado pela Caixa Econocircmica Federal denominado
como Minha Casa Minha Vida
As forccedilas contraacuterias ao IGF natildeo satildeo secretas nem se movem nas sombras ou satildeo administradas
por algueacutem em especial
A ldquojanela de Overtonrdquo nada tem a ver com ldquoteorias da Conspiraccedilatildeordquo As classes dominantes na
economia sempre influenciaram o debate puacuteblico as opiniotildees alheias a propaganda o trabalho dos
assessores de imprensa de imagem e administradores (DREIFUSS 1989)
Como entatildeo distinguir o ldquomelhor pensamentordquo dessa algaravia de lobbies organizados Se o
meacuterito estaacute sendo efetivamente tratado se a temaacutetica tatildeo-somente guarda algum parentesco com o
assunto principal ou se haacute um oacutebvio desvio da questatildeo central
Se o meacuterito da questatildeo natildeo estiver sendo atacado estamos desbordando para os desvios os
temas paralelos
Neste caso a rede profissional dos operadores de opiniatildeo puacuteblica entra em accedilatildeo para substituir
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a ldquoquestatildeo de meacuteritordquo no caso o privileacutegio fiscal das grandes fortunas para que a janela da opiniatildeo
puacuteblica se abra focalizada na censura geneacuterica do ldquoaumento dos impostosrdquo em louvor ao ldquocultordquo a natildeo
tributaccedilatildeo das grandes fortunas para ldquoo bem de todos e a felicidade geral da naccedilatildeordquo
As grandes empresas que financiaram o processo eleitoral dos 90 sejam no centro ou na pe-
riferia do sistema capitalista mundial rastreiam o perfil dos ex-servidores puacuteblicos e satildeo atentas aos
que podem ser usados por suas relaccedilotildees estatais de influecircncia corporativa Essa situaccedilatildeo encarna
o conceito de ldquomercado puacuteblicordquo onde os donos da riqueza e do poder recrutam seus executivos
(BENJAMIN 2002)
Franccedila Argentina e Uruguai onde o imposto sobre fortuna foi mantido a receita representada
pela arrecadaccedilatildeo do imposto em 2009 - de 16 15 63 respectivamente - tende ao crescimento
Esses paiacuteses com o passar dos anos desenvolveram uma legislaccedilatildeo e administraccedilatildeo bem detalhada
O nuacutemero de contribuintes aumentou Revertendo a tendecircncia da deacutecada de 1990 paiacuteses como Islacircn-
dia e Espanha reinstituiacuteram o imposto recentemente como resposta a crise financeira e fiscal que tem
assolado a Europa desde 2009
A tendecircncia internacional para uma maior eficiecircncia e arrecadaccedilatildeo do Wealth Tax seria o menor
nuacutemero de aliacutequotas um limite de isenccedilatildeo mais baixo a abrangecircncia de pessoas juriacutedicas a tributaccedilatildeo
especial para natildeo residentes e a presenccedila de normas contra-evasivas severas Empiricamente estudos
mostram que a concentraccedilatildeo da riqueza eacute superior agrave da renda e que numa amostra significativa de
paiacuteses para o ano 2000 25 das famiacutelias mais ricas do mundo isto eacute inseridas no grupo de 1 com
as maiores fortunas do mundo eram brasileiras Isso mostra a dimensatildeo arrecadadora e distributiva
que a instituiccedilatildeo do imposto bem aplicado desde logo poderia gerar
A anaacutelise de oito Projetos de Lei Complementar incluindo-se os dois que foram rejeitados nas
Comissotildees de Tributaccedilatildeo e Financcedilas da Cacircmara em 2000 e de Assuntos Econocircmicos do Senado em
2010 mostra que a estrutura dos projetos se caracterizava por ser pouco detalhada nas normas evasi-
vas divergindo entre si apenas com relaccedilatildeo ao limite de isenccedilatildeo e a estrutura de aliacutequotas
Esses dois uacuteltimos aspectos satildeo fundamentais na tributaccedilatildeo efetiva da fortuna e seu potencial
arrecadador e distributivo Os argumentos utilizados pelos parlamentares para rejeitarem os projetos
em 2000 e 2010 foram os mesmos baixa arrecadaccedilatildeo alto custo administrativo e a sua extinccedilatildeo em
diversos paiacuteses europeus A simples pesquisa das experiecircncias argentina e francesa com o grau de
tecnologia atual fazem da alta concentraccedilatildeo da riqueza no Brasil o objeto par excellence de que a
regulamentaccedilatildeo do imposto teraacute o resultado efetivo desejado A presunccedilatildeo a priori de que natildeo possa
vir a ser bem aplicado natildeo pode ceder agrave tentaccedilatildeo injetada pela razatildeo ciacutenica na loacutegica fiscal da maacute
alocaccedilatildeo de recursos porque cabe agraves instituiccedilotildees republicanas e ao controle social a verificaccedilatildeo das
boas praacuteticas de governanccedila e destinaccedilatildeo dos gastos puacuteblicos
As afirmaccedilotildees de Celso Furtado nos anos 60 ao apresentar seu Plano Trienal de Conceiccedilatildeo Ta-
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vares ao analisar o modelo brasileiro nos 2000 de Kautsky ao discorrer sobre a poliacutetica fiscal nos 20 e
de um Baratildeo de Cotegipe desconsolado sobre a resistecircncia patrimonial natildeo deixam duacutevidas a respeito
de quem satildeo eles de onde vem e de como se comportam quando se trata de estabelecer quem deve
pagar a conta da vida em sociedade (MARIANI 2007)
A definiccedilatildeo de Lester Thurow de que a reforma tributaacuteria eacute a arte de fazer uns pagarem pelos
outros deslocando o peso dos tributos dos ombros dos que podem mais ao costado de quem tem de
menos e apresentar essa decisatildeo poliacutetica como a mais fantaacutestica descoberta da ciecircncia das financcedilas
ainda se torna mais verdadeira quando aplicada aos que defendem abertamente o reacutequiem do IGF
A maacutexima de Lester para o sistema tributaacuterio eacute facilmente perceptiacutevel no setor financeiro Em
eacutepocas passadas o setor puacuteblico contribuiacutea para a formaccedilatildeo do capital com pelo menos 5 do PIB
parte desses recursos sendo de origem puramente inflacionaacuteria Hoje haacute consenso de que natildeo deveriacute-
amos depender da inflaccedilatildeo para financiar o investimento Ora soacute a mudanccedila na base tributaacuteria poderia
substituir o papel da inflaccedilatildeo O Plano Real fez exatamente isso A estabilizaccedilatildeo da moeda implicou
ateacute os dias de hoje e ainda por muito tempo o carregamento de elevadiacutessimas diacutevidas interna e exter-
na cujo serviccedilo deve ser pago com altas taxas reais de juros e muito mais impostos (VASCONCELOS
1995) Nenhum ministro da fazenda diz que a intensidade da ldquorepressatildeo fiscalrdquo resulta inteiramente
concentrada sobre a base da piracircmide social sem nenhum incocircmodo fiscal no topo
O ex-jurista e ex-secretaacuterio da Receita Federal Osiacuteris de Azevedo Lopes Filho resumiu a realida-
de brasileira com a qual convivera bem de perto durante 40 anos em Brasiacutelia ldquoEsse Congresso natildeo
quer tributar os ricosrdquo
8 OS SEM-IMPOSTO NO PAIacuteS DOS CONTRASTES
ldquoReconheccedilo que muito tempo decorreraacute antes que possamos incluir no orccedilamento uma taxa que assente com a devida proporcionalidade sobre todas as proprie-dades territoriais mas eacute preciso ir ensaiando a praticabilidade dessa tatildeo vulgarizada imposiccedilatildeordquo
Baratildeo de Cotegipe
Continuamos a bater recordes de desigualdade moderna e natildeo agrave antiga que como eacute de bom-tom atribuiacuteamos agraves nossas heranccedilas histoacutericas
Chico de Oliveira
Natildeo seria demasiado debitar tambeacutem agrave era republicana a profecia anunciada em 1877 contida
na exposiccedilatildeo de motivos do Ministeacuterio da Fazenda assinada pelo Baratildeo de Cotegipe
Quanto tempo ainda a decorrer para tornaacute-la absolutamente insoacutelita
Os arautos do paacutelio-liberalismo responderiam agrave primeira indagaccedilatildeo com um natildeo dogmaacutetico
Jaacute quanto agrave segunda sob a aureacuteola da modernizaccedilatildeo neoconservadora ateacute concordariam em
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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renovar quiccedilaacute por mais um seacuteculo e meio a impressatildeo estranhada do ministro da Fazenda o Baratildeo de
Cotegipe Com os 20 mais pobres da populaccedilatildeo brasileira dividindo entre si menos de 3 da renda
nacional e os 20 mais ricos cerca de dois terccedilos a onda neoliberal leva mais aacutegua ao moinho dos
sem-equidade porquanto ldquoas poliacuteticas econocircmicas e sociais neoliberais natildeo foram determinantes
para a expansatildeo econocircmica mas ampliaram a desigualdaderdquo (POCHMANN 2008)
Os super-ricos portanto que mais se beneficiaram da crise financeira mundial de 2008 nem
foram chamados ao miacutenimo sacrifiacutecio fiscal adicional no gradual processo de reduccedilatildeo progressiva
e continuada dos contrastes que crispam de violecircncia e inseguranccedila a sociedade brasileira (CARTA
CAPITAL 2012)
Vinte anos atraacutes o economista Garcia Munhoz fez uma afirmaccedilatildeo no Auditoacuterio Petrocircnio Porte-
la em novembro de 1992 que confirma a sina nacional marcante da trajetoacuteria de todos os governos
ateacute agora ldquoQuem vai pagar Eacute a questatildeo da dificuldade do sistema alocar nas pessoas de mais
alta renda uma carga tributaacuteria adicional mesmo quando se trata de impostos diretosrdquo
Stuart Mill nos seus Principles of Political Economy no seacuteculo XIX jaacute dissera e isto se aplica ao
imposto sobre as ldquograndes fortunasrdquo que ldquoa dificuldade de se fazer justiccedila plena natildeo constitui razatildeo
alguma contra o se fazer o que pudermos nesse sentidordquo como tambeacutem que a situaccedilatildeo de rendimen-
tos que tendessem ldquoconstantemente a aumentar sem qualquer atividade ou sacrifiacuteciordquo formaria um
conjunto de beneficiaacuterios ldquoque se enriquece progressivamente pelo curso natural das coisas sem que
eles mesmos faccedilam esforccedilo algum para issordquo
Lugares comuns bem verdade mas que precisam ser repetidos porque como diria Gide ldquonin-
gueacutem escutardquo
A reforma do sistema tributaacuterio brasileiro natildeo deveria mais ignorar o espectro altamente dife-
renciado da capacidade de pagamento entre as classes dominantes e subalternas
A bizarrice mais difundida pela ofensiva neoliberal defende o resumo do tributo ao seu objetivo
puramente fiscal sendo que correccedilotildees e ajustes das imperfeiccedilotildees ou assimetrias fiquem por conta e
responsabilidade do gasto puacuteblico cuja suposta qualidade do foco compensaria as distorccedilotildees inevitaacute-
veis e deliberadas na coleta Tal platitude prevaleceu a partir dos 90 sempre escorada no amplo bureau
dos interesses regrados conforme lembrado por Delmas-Marti (MOTTA 2001)
Aleacutem disso eacute igualmente contestaacutevel na ldquoteoria da ofertardquo o efeito de reduccedilatildeo das taxas de
poupanccedila e investimento quanto aos lucros em virtude da incidecircncia possiacutevel do IGF como um novo
imposto direto uma vez que natildeo haacute indicaccedilotildees que esses niacuteveis ndash de poupanccedila investimento e lucro
- tenham aumentado em virtude da baixiacutessima tributaccedilatildeo da renda e do patrimocircnio que caracteriza o
sistema tributaacuterio brasileiro
Assim sendo a recorrida tese dos impostos indiretos serem melhores propulsores do desenvol-
vimento natildeo seria sustentaacutevel porque as ldquotaxas de poupanccedila e investimentordquo natildeo aumentaram devi-
do agraves insuficientes tributaccedilotildees das rendas e dos patrimocircnios as quais ensejariam ldquoa propensatildeo para
poupar e investirrdquo (NAVARRO 2009) Um grupo de alematildees ricos lanccedilou em 2009 uma campanha para
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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reclamar a volta de um imposto sobre o patrimocircnio com objetivo do paiacutes ter mais recursos para sair
da crise A liccedilatildeo de Navarro natildeo poderia obter melhor confirmaccedilatildeo
Uma deacutecada atraacutes no ano de 2004 o sacrifiacutecio fiscal consoante a distribuiccedilatildeo social da renda
familiar estava assim discriminado consoante a tabela abaixo
Natildeo haacute a menor duacutevida de que melhor do que aguardar um eventual interes-se particular dos
detentores de grandes fortunas em levar adiante um impos-to no paiacutes ldquotatildeo cheio de riquezas prepo-
tentes e avarasrdquo eacute conscientizar a populaccedilatildeo (VIDAL 2010)
A defesa da regulamentaccedilatildeo do IGF mdash haja vista que natildeo lhe fal-ta nem a legitimidade
constitucional consistente para entendecirc-lo como fer-ramenta eficaz de cumprimento dos objetivos
socioeconocircmicos nem condiccedilotildees operacionais tecnoloacutegicas e burocraacuteticas ao implemento pela ad-
ministraccedilatildeo tributaacuteria federal ndash deveria estar na pauta dos manifestantes e redes sociais como timi-
damente ateacute se notou em algumas faixas empunhadas por jovens nos protestos de junho de 2013
no sul do Brasil
O crescimento da participaccedilatildeo dos impostos indiretos cuja fatia passou de 65 nos anos 40
do seacuteculo passado a 75 no seacuteculo presente nitidamente contribuiu agrave ocorrecircncia do fato social de
nos termos transformado no paiacutes onde a desigualdade foi deliberadamente intensificada pelo mo-
delo econocircmico
Uma deacutecada depois o aumento da carga tributaacuteria tendo por base o quadro de 2004 natildeo se
deu sobre o decil superior da piracircmide social ao contraacuterio Os 1 mais ricos beneficiaram-se da poliacute-
tica fiscal e mais ainda da poliacutetica monetaacuteria
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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9 OS WEBERIANOS ESTARIAM CHEGANDO
ldquoAfinal quem manda neste paiacutesrdquoCelso de Alencar Furtado
ldquoNatildeo haacute no mundo elites mais alienadas do que as nossasrdquo
Nelson Rodrigues
As crises financeiras que ameaccedilam a comunidade do Euro mostram a gravidade da situaccedilatildeo
social e poliacutetica de paiacuteses como Espanha Greacutecia Portugal Itaacutelia e Irlanda
As experiecircncias de duas grandes guerras e as sequumlelas de horrores ensinaram o valor essencial
de uma sociedade estaacutevel segura e ordenada ainda que os uacuteltimos 30 anos tenham sido responsaacuteveis
pela derrubada dos pilares do Estado que um dia jaacute foi denominado do Bem-Estar (GALBRAITH 1970)
Natildeo eacute de estranhar que a vertente dos direitos que o professor Paulo Bonavides definiu como
de ldquosegunda geraccedilatildeordquo passe a recrutar novos personagens a compor a cena fiscal
E natildeo como meros coadjuvantes mas reivindicando outro protagonismo - completamente dis-
tinto da mesmice e da repeticcedilatildeo dos discursos verbosos contraacuterios agrave recuperaccedilatildeo do objetivo social
do imposto - representativo de uma nova espeacutecie de ldquodireito tributaacuteriordquo vinculado agrave afirmaccedilatildeo funda-
mental da ldquodignidade humanardquo em contraponto agrave ldquosagrada alianccedilardquo noticiada por Conceiccedilatildeo Tavares
Celso Furtado afirmou certa vez que nunca pudera ldquocompreender a existecircncia de um problema
estritamente econocircmicordquo jamais se esquecendo de interrogar a matriz de poder instalada por traacutes das
diretrizes econocircmicas (DOSMAN 2011) A poliacutetica tributaacuteria estaacute entranhada em igual contexto Pode-
riacuteamos parafrasear sua incompreensatildeo quanto aos tributos desconsiderando a compreensatildeo da exis-
tecircncia de um problema ldquoestritamente tributaacuteriordquo ou seja trata-se de dar percepccedilatildeo agrave importacircncia de
fatores natildeo tributaacuterios subjacente agrave estrutura dos sistemas fiscais Os jovens ainda estariam dispostos
a natildeo banalizar a injusticcedila fiscal Nem fazer pouco caso da indecente concentraccedilatildeo da renda social e
da riqueza no Brasil Ocorre-me entatildeo lembrar-lhe as liccedilotildees daquele que melhor pensou as condiccedilotildees
do subdesenvolvimento com suas desigualdades sociais e regionais
Caberia ao intelectual aprofundar a percepccedilatildeo da realidade social onde se ocultam os cri-
mes cometidos pelos que abusam do poder e reconhecer que o ponto de partida para as alterna-
tivas teraacute que ser inevitavelmente o aumento da participaccedilatildeo do povo nos centros de decisatildeo
(TAVARES 2000)
Os grandes grupos econocircmico-financeiros nacionais e transnacionais seus prepostos consul-
tores e especialistas constituem um soacute bloco de poder o qual natildeo faz o papel de contribuir agrave remo-
ccedilatildeo dos rolos de nuvens que embaccedilam a trilha da justiccedila fiscal Isto porque o seu papel eacute produzir a
espiral fumaceira com justificativas de que ricos natildeo devem pagar (mais) impostos Os mesmos que
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promovem ldquolas razones que siguen haciendo atractiva a la banca para los lavadores la inexistencia de un impuesto sobre la renta ni de impuestos de sucesiones ni sobre el beneficio empresarial elimi-naacutendose asiacute los controles legales de cambio bajo el supuesta confraternidad profesional del secretordquo (AGUILERA 2012)
A essecircncia da nuvem conservadora eacute constituiacuteda de presumida externalidade extraordinaacuteria
incomparaacutevel agraves atividades dos ricos como se poliacutetica industrial natildeo existisse mas por mera quimera
a criaccedilatildeo de empregos fosse a proacutepria induacutestria das fortunas grandes
Nesta hipoacutetese fantasiosa a tese seria adequada para fundamentar os resultados esperados
Nas demais mais realistas natildeo passaria daquela situaccedilatildeo ldquoem que argumentos imprecisos sobre as
enormes repercussotildees satildeo excelentesrdquo na dicccedilatildeo de Paul Krugman O mesmo bloco de poder muito
menos faraacute o papel de resgatar o IGF do limbo constitucional onde se encontra relegado nem iraacute im-
pedi-lo de ser embaralhado ao senso comum das expectativas de reduccedilatildeo da carga tributaacuteria
Ao contraacuterio porque busca misturaacute-lo aos ventos que sopram a favor da diminuiccedilatildeo do ocircnus
fiscal inflamando o clamor difuso contra ldquoquaisquer aumentosrdquo de impostos Se capazes de formular
e de imporem em escala internacional suas poliacuteticas tributaacuterias longe do alcance da progressividade
fiscal que diraacute no acircmbito nacional restrito agraves burocracias eleitas onde os opositores do IGF contam
com seus aliados naturais de classe social e de poder poliacutetico
Sem falar das administraccedilotildees tributaacuterias vale dizer das burocracias concursadas que reforccedila-
ram as simplificaccedilotildees da realidade para fins fiscais pelas linhas de forccedila fixadas pelas classes dominan-
tes na economia e seus representantes poliacuteticos no Parlamento
Garcia Munhoz natildeo foi capaz de imaginar que sua indagaccedilatildeo acabaria sendo respondida mais
tarde por uma ldquolei de responsabilidade fiscalrdquo que institucionalizou o que ele sempre temera ldquoO que
existe eacute um jogo de poder Para quecirc a Reforma Fiscal Afetou-me muito saber que haacute uma im-
posiccedilatildeo externa pelo superaacutevit fiscal para o problema da diacutevidardquo (LIMA SOBRINHO 1995)
Cerca de 30 anos depois do mal-estar acusado por Munhoz indicar um sentimento que talvez
parecesse vago o mesmo pano de fundo reapresenta-se em maior escala e intensidade quando ob-
servamos ndash pelo menos aqueles que sabem olhar e ver como lembrava Saramago no Ensaio sobre a
Cegueira - nas telas de LCD as imagens da Praccedila Sintagma em Atenas com dezenas de milhares de
manifestantes gregos rebelados em torno de um Parlamento completamente cercado em indignadas
manifestaccedilotildees de protesto contra as ldquonovas leis de austeridaderdquo
As mesmas que satildeo apresentadas em pacotes fiscais imunizantes das grandes fortunas e rendas
conspiacutecuas de quaisquer sacrifiacutecios
Uma faixa enorme pintava os sentimentos emblemaacuteticos da mobilizaccedilatildeo ateniense Aganaktis-meni Igual agrave carregada cerca de 2400 km dali pelos madrilenhos na Porta do Sol com dizeres seme-
lhantes Los indignados
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O Imposto sobre as Grandes Fortunas confirma agrave brasileira uma profecia de Ruy Barbosa ldquoAin-
da que a Constituiccedilatildeo que nos fosse dada baixasse do Olimpo feita por matildeo divina se noacutes natildeo
a cumpriacutessemos natildeo valeria nada Natildeo adiantaria nada ter vindo do ceacuteurdquo
Ruy natildeo haveria de saber que o IGF seria corpo de prova da sua profecia realizada noutra eacutepo-
ca em que a melhor resposta aos problemas adviria da reduccedilatildeo dos impostos dos ricos da liberdade
total de capitais desregulados sem tributaccedilatildeo das grandes fortunas em escala global
Um Ruy Barbosa liberal indignado perguntaria ao socioacutelogo Francisco de Oliveira Para quecirc
entatildeo Constituiccedilatildeo Meio perplexo ouviria a irocircnica resposta do socialista para preparar brioches
cuja falta levou os jacobinos a subirem as escadarias do Palaacutecio de Versalhes e mais tarde os bol-
cheviques a ocuparem os salotildees do Palaacutecio de Inverno (DEJOURS 1999) Quais os modos e em que
o passado pode ajudar-nos a construir um modelo tributaacuterio melhor Quando ateacute o mega-investidor
americano Warren Buffet engrossa o coro da maior equidade fiscal considerando que paga muito pou-
co em relaccedilatildeo agrave sua capacidade contributiva (NY TIMES 2012)
Ateacute o Herald Tribune ndash voz da conservadora elite londrina ndash reconhece que o primeiro
ministro conservador David Cameron ao renovar o expediente do rebaixamento dos impostos dos
ricos para enfrentar a crise que estremece as bases da Eurolacircndia a partir de agora teraacute pela frente o
desafio de natildeo ignorar a percepccedilatildeo entre os eleitores de que ldquohaacute austeridade para os mais pobres mas natildeo para os ricosrdquo
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10 OS MOEDEIROS GRANDES E SEUS PRETEXTOS FALSOS
ldquoAliacutequotas muito altas para os mais ricos de 50 70 ou 90 em vez da atual maacutexima de 35rdquo
Piketty-Saez
ldquoA simples loacutegica diz que devemos tributar os ricos e com vigorrdquo
Paul Krugmann
A imunizaccedilatildeo fiscal das grandes fortunas natildeo passa de um vetor eversivo A resultante eacute esse
monstro cruel a desigualdade que no paiacutes dos contrastes foi banalizada sob pretextos falsificados
Poder-se-ia dizer que a couraccedila das grandes fortunas soacute tem valor de pretexto para ainda maior
concentraccedilatildeo da riqueza e de poder obviamente como se tal pretexto pertencesse agrave ordem das
fatalidades
A desigualdade negligenciada eacute obra de seacuteculos na sociedade brasileira Ateacute quando indagaria
o socioacutelogo Chico de Oliveira (SAMPAIO 2010)
Imprevidente portanto que escape da clivagem do pensamento criacutetico no Brasil - por onde
orbitam coberturas midiaacuteticas das rebeliotildees aacuterabes e do desastre ecoloacutegico da economia do carbo-
no do surto terrorista pelo choque das civilizaccedilotildees da monumental crise social da proacutepria sauacutede do
capitalismo e do passivo de um exeacutercito de mais de 75 milhotildees de jovens desempregados ndash somente
o caudilhamento de opiniatildeo financiado e ditado pelo mercado (FIORI 1997) A corrente de opiniotildees
refrataacuterias ao IGF eacute inteiramente ofensiva agraves ideacuteias comungadas em torno da justiccedila tributaacuteria - en-
quanto centro de gravidade iniludiacutevel da piracircmide social brasileira ndash a partir da qual se impulsionaria a
configuraccedilatildeo de um futuro modelo fiscal legiacutetimo que fosse capaz de imputar os princiacutepios constitu-
cionais e eacuteticos ao sistema impositivo nacional
A sua existecircncia constitucional e sua inexistecircncia no ordenamento fiscal brasileiro eacute digna de
figurar entre nossas tiacutepicas curiosidades como o araccedilaacute-amarelo e a jabuticaba
Se Millocircr Fernandes soubesse que o governo anunciou a transferecircncia de R$ 26 bilhotildees para o
insuficiente socorro emergencial do semi-aacuterido nordestino - que viveu em 2012 a pior seca dos uacuteltimos
30 anos afetando 26 milhotildees de pessoas - enquanto o IGF arrecadaria o triplo anualmente do miacutenimo
valor alocado para mitigar o sofrimento sertanejo e aleacutem disso de que os impostos sobre a proprie-
dade se reduziram de 33 do total da carga tributaacuteria para 27 acelerando a regressatildeo que marca
o perfil de tributaccedilatildeo existente no Brasil de que maneira a verve iconoclasta dele reagiria correlacio-
nando agrave siacutendrome foacutebica do novo patriciado afortunado perante o tributo a plebe rude despossuiacuteda
e ressecada do agreste
O breviaacuterio das boas e prosaicas intenccedilotildees referentes aos milagres que as grandes fortunas
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podem obrar na expansatildeo do mercado de trabalho natildeo se prospecta na alta riqueza sem tributaccedilatildeo
compatiacutevel Natildeo reside nas fortunas grandes mas nos micros e pequenos empresaacuterios o grosso da
geraccedilatildeo dos postos de trabalho (GHANI KERR OrsquoCONNEL 2012) O fundamentalismo tributaacuterio que
sustenta a proficiente imunidade fiscal do IGF supostamente produtiva e industriosa natildeo mais deveria
amparar a incauta credibilidade na sua capacidade panegiacuterica de multiplicar a populaccedilatildeo economica-
mente ativa Ora ainda que os mais ricos fossem extraordinariamente aptos agrave geraccedilatildeo da riqueza e
habiliacutessimos ao apresentar suas performances em magia criacionista de empregos perante o mundo
do trabalho natildeo deveriam deixar de recolher muito mais tributos do que o (natildeo) fizeram pelo menos
nos uacuteltimos 30 anos
Os defensores do 1 muito ricos professam a crenccedila primitiva de que o crescimento econocircmico
eacute uma questatildeo de fervor dogmaacutetico na sua imunidade fiscal
Se repetirem a palavra vaacuterias vezes acompanhada da feacute na blindagem fiscal a economia brasi-
leira sairia do buraco senatildeo amanhatilde jaacute a partir da semana vindoura
Isso depois de mais de duas deacutecadas de hegemonia da ldquoteoria da ofertardquo (supply-side econo-mics) com a diminuiccedilatildeo das cargas fiscais sobre os super-ricos e grandes capitais natildeo se mostrarem
capazes de reverter dramaacuteticas tendecircncias recessivas reincentivando os investimentos ditos produti-
vos exatamente porque simplesmente sempre buscam maximizar o ldquoganho monetaacuteriordquo em lugar do
produto (KEYNES 1974)
O aspecto emblemaacutetico de como se tem dado o processo atual de ldquocriaccedilatildeo de riquezardquo na era
do capitalismo financeiro global pode ser observado com o empresaacuterio e investidor americano Warren
Buffett apelidado de ldquooraacuteculo de Omahardquo que mais enriqueceu em 2013 na ldquomeacutedia de 15 milhotildees de
doacutelares por horardquo segundo a pesquisa Wealth-X feita pelo banco UBS Buffett dispotildee do patrimocircnio
de 60 bilhotildees de doacutelares equivalente agrave soma do PIB da Boliacutevia e Uruguai
A sua ldquogrande fortunardquo aumentou doze bilhotildees de doacutelares apenas em 2013 O proacuteprio oraacuteculo
declarou que os super-ricos ldquowouldnrsquot mind being told to pay more in taxes as well particularly when so many of their fellow citizens are truly sufferingrdquo (CCNEWS 2011) Segundo o estudo ldquoo nuacutemero
de bilionaacuterios em 2013 eacute de 2170 pessoas cujas fortunas cresceram em meacutedia 53 no ano Desde
o iniacutecio da crise econocircmica a fortuna da parcela da populaccedilatildeo considerada bilionaacuteria simplesmente
dobrou e saltou ldquode 31 trilhotildees de doacutelares para 65 trilhotildees doacutelaresrdquo (VEJA 2013) Como se vecirc a
fatura da maior crise global desde o crash de 1929 natildeo foi paga pelas grandes fortunas e mais uma
vez o populacho ldquopagou o patordquo da totalidade do deacutebito Esta operaccedilatildeo de transferecircncia do ocircnus
tributaacuterio costumeiramente vem apresentada sob complexos caacutelculos econocircmicos capitaneados
por agecircncias de classificaccedilatildeo de riscos e departamentos dos principais bancos Estes satildeo os mesmos
personagens com as mesmas proposiccedilotildees e argumentos expendidos pelo menos nos uacuteltimos 40
anos desde o primeiro choque do petroacuteleo em 1973 e a crise da diacutevida externa da periferia capita-
lista em 1982 (THUROW 1970)
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A riqueza no Brasil goza do status da invulnerabilidade fiscal Imagine-se mais um seacuteculo adian-
te sem a regulamentaccedilatildeo do imposto correspondente agraves grandes fortunas que a Carta de 1988 aguar-
da faz 25 anos
Isso significa necessariamente preferir o nada fazer quando tudo estaacute por refazer e a ter de
aceitar a grande fortuna como heranccedila imutaacutevel quando tal situaccedilatildeo natildeo passa de um falso pretexto
a repeticcedilatildeo de mais um privileacutegio aversivo idealizado e concebido desde a Casa Grande
O sistema tributaacuterio eacute um meio de concentraccedilatildeo ou desconcentraccedilatildeo de renda e riqueza o que
depende das caracteriacutesticas de cada paiacutes
A histoacuteria da tributaccedilatildeo brasileira indica uma iacutenfima probabilidade de que a desconcentraccedilatildeo
social da riqueza e renda deflua dos impostos vigentes sobre a propriedade ITR IPTU IPVA e ITCM
O IPTU repousa na debilidade municipal para lograr uma progressividade patrimonial eficiente (Ipea
2009) O ITCM estadual tambeacutem natildeo obteria ecircxito nesse propoacutesito em face do limite superior fixado
dos 8 impeditivo agrave progressividade sem falar nas subavaliaccedilotildees
A ecircnfase quanto agrave propriedade ser decorrente de renda tributada anteriormente com a argu-
mentaccedilatildeo de se envidar esforccedilos na reduccedilatildeo das desigualdades por intermeacutedio do Imposto de Renda
natildeo tem como ser demonstrado no Brasil pela simples falta de base histoacuterica e nenhuma compro-
vaccedilatildeo econocircmica Prova disso eacute que a concentraccedilatildeo fundiaacuteria ainda eacute maior que a da renda social
o que reforccedila a tendecircncia a um processo permanente de enriquecimento geracional da Casa Gran-
de por meio de heranccedilas e rendas reduzidamente tributaacuteveis em relaccedilatildeo aos fabulosos rendimentos
natildeo-tributaacuteveis A histoacuteria brasileira ensina que o Imposto de Renda natildeo funcionou com efetividade
eficiecircncia e eficaacutecia no objetivo de melhorar a equidade Hoje e ontem haacute vaacuterios segmentos sociais
que liacutecita e ilicitamente mantecircm-se distantes da arrecadaccedilatildeo de impostos (OSIacuteRIS 2006) No Brasil
reside uma parcela significativa das famiacutelias com as maiores fortunas no mundo Para dados de 2000
que aumentaram nos uacuteltimos 15 anos cerca dos 25 das famiacutelias mais ricas do mundo satildeo brasileiras
similarmente a Espanha e Canadaacute Os paiacuteses europeus que aboliram o Imposto sobre a Riqueza na
uacuteltima deacutecada como a Aacuteustria Sueacutecia Finlacircndia e Dinamarca - e que satildeo utilizados como referecircncia
oportunista na argumentaccedilatildeo da sua obsolescecircncia fiscal para os super-ricos - somente os revogaram
apoacutes muito perseguirem e estabelecerem uma estrutura social com alto teor de equidade
Apenas aboliram o Imposto sobre a Riqueza recentemente porque em suas respectivas experi-
ecircncias fiscais longevas houvera uma tributaccedilatildeo expressiva sobre a riqueza e as transferecircncias median-
te heranccedilas e doaccedilotildees que tambeacutem foi utilizada intensamente para reduzir as desigualdades
Na Franccedila apesar do bom niacutevel de equidade devido ao tamanho de sua economia o paiacutes con-
segue ter uma arrecadaccedilatildeo eficiente do Imposto sobre a Riqueza (Wealth Tax) O Brasil com elevada desigualdade e PIB relevante tambeacutem teria condiccedilotildees de apresentar um
bom indicador arrecadador para tal imposto O padratildeo de tributaccedilatildeo do Imposto sobre a Riqueza
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pode ser modulado pela adoccedilatildeo de aliacutequota uacutenica e reduccedilatildeo dos limites de isenccedilatildeo e seria leviano
disseminar a ideia que a aboliccedilatildeo desse imposto tornou-se paciacutefica na teoria fiscal e no mundo real A
Holanda por exemplo em 2001 aumentou a arrecadaccedilatildeo do Imposto sobre a Riqueza e o nuacutemero de
seus contribuintes (GLOBO 2003)
Devido agrave crise fiscal e financeira que disseminou a atual Grande Recessatildeo Mundial cuja ori-
gem remonta a 15 de setembro de 2008 com a quebra do Banco de Investimentos norte-americano
Lehman Brothers Islacircndia e Espanha reintroduziram o imposto
O IGF francecircs (Impocirct sur les Grandes Fortunes) foi instituiacutedo na Franccedila em 1981 com efeitos a
partir do exerciacutecio fiscal de 1982 Inicialmente abrangia a propriedade de pessoas fiacutesicas e juriacutedicas
mas em 1984 foi restrito somente ao patrimocircnio das pessoas fiacutesicas
Em 1986 o imposto era pago por apenas 05 das famiacutelias francesas (84700 famiacutelias) e foi en-
tatildeo abolido pelo novo Parlamento conservador
Em 1988 no Brasil ano da promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Cidadatilde o Impocirct Solidariteacute sur la Fortu-ne (ISF) foi reinstituiacutedo pelo novo governo socialista francecircs nos moldes existentes atualmente isen-
tando os ativos previdenciaacuterios e incidindo sobre a riqueza liacutequida excedente a 800 (oitocentos) mil
euros Houve crescimento do nuacutemero de contribuintes e da arrecadaccedilatildeo do ISF entre 1992 e 2010 O
presidente francecircs enfrenta a ira por exemplo de personalidades como o ator Gerard Depardieu que
se mudou para Luxemburgo sob protesto poreacutem Franccedilois Hollande eleito em 2012 enfrenta o contra-
-ataque agrave tributaccedilatildeo dos super-ricos para somar esforccedilos em arrostar os fortes impactos da crise do
capital financeiro global Os contribuintes cresceram de 168 mil para 562 mil famiacutelias e a arrecadaccedilatildeo
foi de um bilhatildeo de euros a 45 bilhotildees (CARVALHO 2011)
A notiacutecia mais recente a propoacutesito dos ldquoMega ndash Richrdquo serem incluiacutedos no rol daqueles que de-
vem pagar mais impostos vem dos proacuteprios teacutecnicos do FMI mediante uma nota obviamente natildeo
reconhecida pela instituiccedilatildeo (KRUGMAN 2014)
No entanto eacute um sinal inconfundiacutevel de que ateacute no proacuteprio FMI haacute questionamentos so-
bre a ficccedilatildeo cientiacutefica de que tributar os mega-ricos faz mal agrave sauacutede das economias (CANADIAN
PRESS 2014)
Longe de atribuir algum pecado original agraves grandes fortunas natildeo eacute demasiado recordar da
literatura francesa dois contos claacutessicos sobre a origem da riqueza O Lrsquoauberge rouge insinua a
existecircncia de uma raiz delinquumlente O Le Pegravere Goriot conclui que ldquoo segredo das grandes fortunas
sem causa aparente consiste num crime esquecido porque perpetrado com limpezardquo O primeiro
encontra-se nos Estudos Filosoacuteficos o segundo nas Cenas da Vida Privada ambos em A Comeacutedia
Humana (BALZAC 1979)
Ao fim desta breve notiacutecia sobre a evoluccedilatildeo da natildeo tributaccedilatildeo das grandes fortunas no Brasil
creio que Platatildeo - natildeo o ateniense mas o principal personagem do romance ldquoA noite da borboleta
douradardquo - admitiria haver aleacutem da provocaccedilatildeo sem dogmatismos algum humor e ironia na tentativa
de colocar a riqueza ao alcance de todos os tributos (ALI 2011)
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EFICIEcircNCIA DA ADMINISTRACcedilAtildeO TRIBUTAacuteRIA E REDUCcedilAtildeO DA POBREZA1
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 Administraccedilatildeo Tributaacuteria 2 Anaacutelise envoltoacuteria de da-dos e o Iacutendice de Malmquist 3 Receita tributaacuteria dos municiacutepios do Cearaacute 4 Anaacutelise da base de dados 5 Anaacutelise dos resultados 6 Eficiecircncia da Administra-ccedilatildeo Tributaacuteria e reduccedilatildeo da pobreza Consideraccedilotildees finais Referecircncias
Flaacutevio Ataliba Flexa Daltro Barreto2
Carlos Eduardo dos Santos Marino3
INTRODUCcedilAtildeO
No Brasil a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 promoveu uma reforma tributaacuteria que elevou con-
sideravelmente a importacircncia das receitas proacuteprias para os entes subnacionais A carga tributaacuteria de
estados e municiacutepios entre 1988 e 2010 passou de 66 para 104 do PIB nacional Nos municiacutepios
a receita tributaacuteria de 2010 medida em percentual do PIB eacute quase trecircs vezes superior a registrada em
19884 Eacute provaacutevel que uma parte deste incremento esteja associada a uma maior eficiecircncia das admi-
nistraccedilotildees tributaacuterias municipais
Desde a estabilizaccedilatildeo econocircmica em 1994 discute-se a exaustatildeo no Brasil a necessidade de
reformas tributaacuterias tendo em algumas oportunidades o Governo Central conseguido aprovar pe-
quenas modificaccedilotildees Pouca importacircncia eacute dada a questatildeo da eficiecircncia da administraccedilatildeo tributaacuteria
Ateacute mesmo a Lei de Responsabilidade Fiscal editada em 2000 que produziu inegaacuteveis avanccedilos na
organizaccedilatildeo das financcedilas puacuteblicas nacionais conteve-se a impor limites agrave concessatildeo de incentivos e
benefiacutecios tributaacuterios Na mesma linha o sistema de reparticcedilatildeo de receitas entre os niacuteveis de governo
utilizado no paiacutes natildeo considera a eficiecircncia na arrecadaccedilatildeo como criteacuterio de rateio Assim um estado
ou municiacutepio com baixa arrecadaccedilatildeo tributaacuteria devido agrave ineficiecircncia na exploraccedilatildeo de suas bases tri-
butaacuterias natildeo sofre qualquer sanccedilatildeo no federalismo fiscal brasileiro
A pobreza eacute um fenocircmeno econocircmico persistente ao longo do tempo e para sua superaccedilatildeo eacute
necessaacuteria a adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas adequadas Em uacuteltima anaacutelise o niacutevel de pobreza pode ser
reduzido por um aumento da renda ou por uma mudanccedila na sua distribuiccedilatildeo que conduza a reduccedilatildeo
da desigualdade No caso brasileiro existem fortes evidecircncias de que o niacutevel de pobreza eacute bastante
1 Este artigo eacute uma siacutentese de Marino et alii (2013)2 Poacutes-Doutor em Economia (Harvard University) Professor da Universidade Federal do Cearaacute Diretor Geral do Instituto de Pesquisa e Estrateacutegia Econocircmica do Cearaacute (Ipece) E-mail flavioatalibaipececegovbr3 Doutor em Economia (CaenUFC) Professor e Pesquisador do Laboratoacuterio de Estudos da Pobreza (LEPCaenUFC) Au-ditor Fiscal Adjunto da Receita Estadual do Cearaacute E-mail eduardomarinocaenufcbr4 Caacutelculos proacuteprios com dados disponiacuteveis em SRF (2012) e Afonso et alii (1998)
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influenciado pelo grau de desigualdade Nesse contexto o sistema tributaacuterio brasileiro contribui para
agravar a situaccedilatildeo devido agrave alta participaccedilatildeo de impostos indiretos e regressivos Com exceccedilatildeo do
imposto de renda e do imposto sobre a propriedade rural ambos de responsabilidade da Uniatildeo os
demais impostos diretos notadamente os tributos sobre o patrimocircnio estatildeo sob a competecircncia tri-
butaacuteria de estados e municiacutepios Com a possibilidade de cobranccedila progressiva desses impostos em
tese os efeitos nocivos na economia resultantes de incrementos da arrecadaccedilatildeo municipal podem ser
suavizados ou ateacute mesmo eliminados no tocante a equidade Sendo os recursos adicionais utilizados
na produccedilatildeo de bens puacuteblicos que afetem positivamente a renda dos mais pobres pelo menos a longo
prazo existe a possibilidade de que os incrementos de eficiecircncia das administraccedilotildees tributaacuterias muni-
cipais estejam associados agrave reduccedilatildeo da pobreza
Este artigo intenciona verificar se o incremento da eficiecircncia na arrecadaccedilatildeo de impostos mu-
nicipais no Cearaacute estaacute associado agrave reduccedilatildeo da pobreza Para atingir este objetivo utiliza-se uma estra-
teacutegia empiacuterica desenvolvida em dois estaacutegios Na primeira fase avalia-se a evoluccedilatildeo do niacutevel da efi-
ciecircncia das administraccedilotildees tributaacuterias municipais no Cearaacute na uacuteltima deacutecada estimando-se fronteiras
de arrecadaccedilatildeo natildeo parameacutetricas por meio da teacutecnica de programaccedilatildeo linear de Anaacutelise Envoltoacuteria de
Dados (DEA) (Charnes et alii 1978 Banker et alli 1984) Computa-se a seguir a variaccedilatildeo da eficiecircncia
teacutecnica pura de cada municiacutepio entre os anos de 2000 e 2010 utilizando-se a decomposiccedilatildeo do Iacutendice
de Malmquist proposta em Faumlre et alii (1994) No segundo estaacutegio utilizando-se miacutenimos quadrados
ordinaacuterios verifica-se qual o efeito do incremento da eficiecircncia teacutecnica pura na proporccedilatildeo de pobres
de cada municiacutepio em 2010 usando caracteriacutesticas do municiacutepio no ano 2000 como variaacuteveis de
controle Ao final conclui-se que o incremento da eficiecircncia teacutecnica eacute significativamente negativo na
proporccedilatildeo de pobres em 2010 encontrando-se evidecircncias que a eficiecircncia teacutecnica da administraccedilatildeo
tributaacuteria estaacute associada agrave reduccedilatildeo da pobreza
Este ensaio estaacute dividido em sete seccedilotildees aleacutem desta introduccedilatildeo Na segunda seccedilatildeo apresen-
ta-se uma revisatildeo da literatura sobre administraccedilatildeo tributaacuteria A terceira seccedilatildeo discute a metodolo-
gia DEA e o Iacutendice de Malmquist Na quarta eacute feita uma anaacutelise exploratoacuteria das receitas tributaacuterias
municipais no Cearaacute identificando-se as rubricas mais relevantes Na quinta eacute feita uma discussatildeo
sobre a base de dados utilizada para estimar as fronteiras de arrecadaccedilatildeo justificando-se as escolhas
realizadas Nessa seccedilatildeo tambeacutem eacute apresentada a metodologia utilizada para a exclusatildeo de municiacutepios
atiacutepicos (outliers) A sexta seccedilatildeo apresenta os escores de eficiecircncia teacutecnica na arrecadaccedilatildeo municipal
obtidos no primeiro estaacutegio de estimaccedilatildeo Na seacutetima parte verifica-se se o incremento na eficiecircncia
arrecadatoacuteria estaacute relacionado com a proporccedilatildeo de pobres no final do periacuteodo analisado discutindo-
-se os resultados obtidos Por fim satildeo tecidas as consideraccedilotildees finais
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1 ADMINISTRACcedilAtildeO TRIBUTAacuteRIA
Mesmo considerando certo grau de altruiacutesmo no comportamento individual natildeo eacute possiacutevel ob-
ter recursos da sociedade de forma espontacircnea para o financiamento da produccedilatildeo de bens puacuteblicos
Como por definiccedilatildeo bens puacuteblicos satildeo natildeo excludentes aqueles que optarem por natildeo contribuiacuterem
com o financiamento natildeo poderatildeo ser excluiacutedos do consumo do bem Dessa forma a obtenccedilatildeo de
recursos financeiros pelo Estado por meio da tributaccedilatildeo eacute em todas as sociedades feita de forma
compulsoacuteria e impositiva sempre existindo algum tipo de sanccedilatildeo aplicada agravequeles indiviacuteduos que natildeo
efetuem o pagamento devido Logo se todo sistema tributaacuterio necessita de elementos coercitivos
surge agrave necessidade de administrar essa sistemaacutetica de coerccedilatildeo Assim se existe o tributo existe uma
entidade para administraacute-lo no sentido de verificar os valores pagos e impor penalidades para os
agentes que natildeo efetuaram o pagamento Em uacuteltima anaacutelise a administraccedilatildeo tributaacuteria eacute a entidade
governamental que tem por missatildeo adotar as poliacuteticas que reduzam a evasatildeo fiscal
Apesar de a evasatildeo fiscal ser um problema que ameaccedila a equidade a eficiecircncia e a sustenta-
bilidade de muitas poliacuteticas puacuteblicas (COWEL 1985) o tema soacute foi analisado na literatura econocircmica
a partir da deacutecada de 1970 O efeito negativo inicial da evasatildeo fiscal eacute reduzir as receitas do governo
correccedilotildees do problema que impliquem aumento da aliacutequota tributaacuteria para aqueles agentes que pa-
gam o tributo geram distorccedilotildees adicionais aleacutem de um incremento da inequidade horizontal Aleacutem
disso a maior diversidade na base tributaacuteria dos agentes em melhor situaccedilatildeo permite maiores possi-
bilidades de evasatildeo prejudicando a equidade vertical Outra ineficiecircncia derivada da evasatildeo fiscal eacute o
desperdiacutecio de recursos aplicados em atividades natildeo produtivas Se existe a evasatildeo5 uma parte dos
agentes aplicaraacute recursos em atividades que visem agrave reduccedilatildeo do tributo surgindo uma tecnologia da
sonegaccedilatildeo Por outro lado os governos aplicam recursos nos mecanismos que possibilitam a arreca-
daccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo do tributo surgindo uma tecnologia da administraccedilatildeo tributaacuteria Uma distorccedilatildeo
adicional menos oacutebvia eacute a geraccedilatildeo de incentivos para que os agentes atuem nas atividades nas quais
a sonegaccedilatildeo eacute mais faacutecil de ser praticada e mais difiacutecil de ser detectada Por uacuteltimo por seu caraacuteter
ilegal a evasatildeo fiscal incentiva e facilita a incidecircncia de outros crimes na sociedade
Inspirando-se em Becker (1968) que discutiu o comportamento criminoso sob a oacutetica econocirc-
mica Allingham e Sandmo (1972) desenvolveram um modelo econocircmico que considera a tributaccedilatildeo
sobre a renda um jogo com informaccedilatildeo assimeacutetrica no qual o contribuinte sabe qual eacute sua renda
5 Os termos evasatildeo fiscal e sonegaccedilatildeo fiscal satildeo sinocircnimos e estatildeo associados a uma atividade iliacutecita do contribuinte do tributo Em outra vertente elisatildeo fiscal (planejamento tributaacuterio) utiliza teacutecnicas legais agraves vezes duvidosas para reduzir a carga tributaacuteria Independentemente de se tratar de evasatildeo ou elisatildeo existe uma tecnologia Note-se que a existecircncia de elevado grau de elisatildeo tambeacutem eacute um indicativo de ineficiecircncia da administraccedilatildeo tributaacuteria que possivelmente opera com uma legislaccedilatildeo duacutebia e com lacunas
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enquanto a administraccedilatildeo tributaacuteria natildeo deteacutem essa informaccedilatildeo Nesse ambiente modelaram a de-
cisatildeo de sonegar de um indiviacuteduo racional avesso ao risco maximizador de sua utilidade esperada
que toma como dados a aliacutequota tributaacuteria a probabilidade de ser auditado e a penalidade aplicaacutevel
no caso de detecccedilatildeo Esse modelo tambeacutem tratava a renda como exoacutegena Note-se que por essa uacutel-
tima hipoacutetese que em termos mais gerais pode ser expressa como exogeneidade da base tributaacuteria
o modelo de Allingham e Sandmo eacute aplicaacutevel a qualquer tributo desde que os demais paracircmetros do
modelo natildeo afetem o valor que deveria servir como base de caacutelculo do tributo
Apesar de restritivo e tratar todas as variaacuteveis sob controle da administraccedilatildeo tributaacuteria como
exoacutegenas o modelo apresenta conclusotildees bastante interessantes algumas esperadas como o fato de
aumentos na probabilidade de ser auditado e na penalidade reduzirem a sonegaccedilatildeo Outros surpre-
endentes como o efeito inconclusivo de variaccedilotildees da aliacutequota tributaacuteria sobre a sonegaccedilatildeo Posterior-
mente uma pequena correccedilatildeo do modelo realizada por Yitzhaki (1974) modificou a forma como a
penalidade eacute definida e concluiu contra intuitivamente que quando se aumenta a aliacutequota reduz-se a
sonegaccedilatildeo
A racionalizaccedilatildeo da decisatildeo de sonegar pelo agente foi estendida em diversas direccedilotildees6 Kolm
(1973) em uma pequena nota referente ao modelo AS foi o primeiro a adaptar o modelo introduzin-
do elementos importantes para a discussatildeo posterior sobre administraccedilatildeo tributaacuteria No seu modelo
simples aproveitando o agente racional maximizador da utilidade esperada Kolm introduziu custos de
auditoria e bens puacuteblicos custeados com a receita tributaacuteria Os primeiros trabalhos que trataram da
tecnologia da tributaccedilatildeo de forma parcial endogeneizavam a probabilidade de auditoria (Reinganum
e Wilde 1985 Border e Sobel 1987 Mookherjee e Png 1989)
Mesmo sem considerar explicitamente qualquer tecnologia utilizada pela administraccedilatildeo tribu-
taacuteria Sandmo (1981) Slemrod e Yitzhaki (1987) demonstraram que o tamanho oacutetimo de uma adminis-
traccedilatildeo tributaacuteria deve ser superior ao definido por um modelo simples de custo-benefiacutecio Determinar
o tamanho da administraccedilatildeo tributaacuteria oacutetima de forma ingecircnua igualando a receita marginal gerada
pela adoccedilatildeo de uma fiscalizaccedilatildeo mais severa e com maior custo ao custo marginal dessa poliacutetica eacute
equivocado Eacute necessaacuterio considerar que a receita marginal eacute apenas uma transferecircncia entre os seto-
res privado e puacuteblico Para determinar o volume de recursos que devem ser aplicados na administra-
ccedilatildeo tributaacuteria o procedimento adequado seria utilizar o benefiacutecio social marginal possivelmente natildeo
mensuraacutevel mas com certeza superior a receita marginal do tributo jaacute que uma parte consideraacutevel da
receita gerada retornaraacute a sociedade na forma de bens puacuteblicos
Kaplow (1990) analisou o relacionamento entre a tributaccedilatildeo oacutetima e a poliacutetica tributaacuteria oacutetima
investigando duas poliacuteticas distintas que buscam o incremento da receita tributaacuteria A primeira seria
6 (Benjamini e Maital 1985 Yitzhaki 1987 Erard e Feinstein 1994 Myles e Naylor 1996 Kim 2003 Cowell e Gordon 1988 Cremer e Gahvari 1994)
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aumentar a aliacutequota aplicaacutevel sem qualquer custo adicional enquanto a segunda seria aumentar a efi-
ciecircncia da administraccedilatildeo tributaacuteria incorrendo em custos adicionais Nos modelos analisados pelo au-
tor utilizar recurso para incrementar a eficiecircncia da administraccedilatildeo tributaacuteria poderia ser uma estrateacutegia
oacutetima Mayshar (1991) foi o primeiro a introduzir o termo ldquotecnologia tributaacuteriardquo utilizando em seu
modelo uma funccedilatildeo de produccedilatildeo da administraccedilatildeo tributaacuteria Sanchez e Sobel (1993) caracterizaram a
soluccedilatildeo oacutetima do problema de maximizaccedilatildeo de receita enfrentado pela administraccedilatildeo tributaacuteria Mos-
traram ainda que o orccedilamento da administraccedilatildeo tributaacuteria norte-americana era subdimensionado
Besfamile e Siritto (2009) analisaram os efeitos do investimento na administraccedilatildeo tributaacuteria
concluindo que a possibilidade de investimento permite uma menor frequecircncia das auditorias um
sistema tributaacuterio mais progressivo e um setor puacuteblico mais eficiente
Uma grande literatura empiacuterica sobre evasatildeo fiscal desenvolveu-se desde o modelo inicial de
Allingham e Sandmo (1972) Uma das vertentes tenta mensurar a sonegaccedilatildeo por meacutetodos diretos
ou indiretos em diversas regiotildees e paiacuteses (Tanzi 1983 Nam et alii 2001 Jimeacutenez et alii 2010) Aleacutem
da simples mensuraccedilatildeo da evasatildeo diversos artigos buscaram verificar empiricamente as conclusotildees
relativas ao comportamento individual prescritas nos modelos teoacutericos (Clotfelter 1983 Slemrod
1985 Feinstein 1991 Alm el alii 1993 Erard e Feinstein 2010 Andreoni et alii 1998 Torgler e Sch-
neider 2009)
Um dos problemas metodoloacutegicos com as avaliaccedilotildees empiacutericas citadas anteriormente eacute o fato
do processo de seleccedilatildeo dos agentes auditados natildeo ser puramente estocaacutestico Por mais rudimentar
que seja a tecnologia adotada pela administraccedilatildeo tributaacuteria eacute provaacutevel que exista algum mecanismo
de seleccedilatildeo dos agentes mesmo que esse mecanismo natildeo seja sistematizado Essa caracteriacutestica pode
produzir um vieacutes de seleccedilatildeo comprometendo os resultados obtidos Alguns poucos trabalhos utiliza-
ram experimentos controlados nos quais os agentes foram escolhidos aleatoriamente (Slemrod et alii 2001 Kleven et alii 2011) Por outro lado diversos trabalhos utilizaram a economia comportamental
tentando simular em laboratoacuterios situaccedilotildees que envolvessem a decisatildeo de sonegar um tributo (Frie-
dland et alii 1978 Alm et alii 1992) Uma justificativa para a utilizaccedilatildeo dessa abordagem eacute o grande
nuacutemero de fatores que influenciam a decisatildeo de evadir o tributo tornando o controle economeacutetrico
bastante difiacutecil Alm (2012) elencou uma seacuterie de conclusotildees sobre a decisatildeo de sonegar extraiacutedas da
economia comportamental i) a frequecircncia de auditorias eacute associada negativamente com a sonegaccedilatildeo
ii) os indiviacuteduos em geral superestimam a probabilidade de auditoria iii) auditorias mais produtivas
ou seja com maior possibilidade de detecccedilatildeo impactam negativamente a evasatildeo iv) estrateacutegias de
seleccedilatildeo para a auditoria endoacutegenas satildeo mais eficientes do que regras simplesmente aleatoacuterias v) au-
mento das penalidades provocam pequena reduccedilatildeo na evasatildeo vi) publicidade da sonegaccedilatildeo reduz
a sonegaccedilatildeo vii) a presenccedila de bens puacuteblicos financiados pela tributaccedilatildeo reduz a sonegaccedilatildeo viii) o
processo decisoacuterio para aplicaccedilatildeo dos recursos arrecadados influencia a decisatildeo de sonegar Processos
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mais participativos tendem a reduzir a evasatildeo e ix) arrecadar impostos na fonte impactam negativa-
mente a evasatildeo
Uma questatildeo central foi inicialmente discutida por Slemrod (1990) que criticou a teoria da
tributaccedilatildeo oacutetima (optimal taxation) por ser incompleta e oferecer sugestotildees de poliacuteticas puacuteblicas
inadequadas e em algumas situaccedilotildees inaplicaacuteveis Alicerccedilado no fato de um sistema tributaacuterio ser um
mecanismo coercitivo de arrecadaccedilatildeo de recursos tendo esse sistema tecnologia e custos sugeriu
a inserccedilatildeo desses elementos na anaacutelise denominando essa nova visatildeo de ldquosistema tributaacuterio oacutetimordquo
(optimal tax system) O custo da administraccedilatildeo tributaacuteria natildeo eacute despreziacutevel e existem impostos cujos custos de ad-
ministraccedilatildeo satildeo mais onerosos Aleacutem disso existem diferenccedilas significativas nas tecnologias adota-
das pelas administraccedilotildees tributaacuterias Tecnologias diferentes aplicadas em um uacutenico sistema tributaacuterio
podem conduzir a situaccedilotildees distintas de eficiecircncia e equidade Diante desses fatos Slemrod (1990)
sugere que a teoria da tributaccedilatildeo oacutetima mude seu foco da estrutura de preferecircncias dos indiviacuteduos
para a tecnologia da administraccedilatildeo tributaacuteria Argumenta em favor dessa ideia que as preferecircncias
satildeo razoavelmente estaacuteveis ao longo do tempo mas a tecnologia eacute por natureza dinacircmica Logo um
sistema tributaacuterio oacutetimo haacute dez anos possivelmente natildeo o seraacute no presente
Reforccedilando essa tese os avanccedilos em tecnologia da informaccedilatildeo tornaram em algumas situa-
ccedilotildees a probabilidade de detecccedilatildeo de uma informaccedilatildeo fornecida errada pelo agente agrave administraccedilatildeo
tributaacuteria bastante proacutexima de 100 Outro exemplo eacute a comparaccedilatildeo entre um imposto sobre o valor
adicionado com aliacutequota uniforme e um imposto sobre o consumo Sem a inclusatildeo da evasatildeo fiscal os
dois tributos satildeo instrumentos idecircnticos inclusive contabilmente Ao introduzir a evasatildeo fiscal os cus-
tos e tecnologia da administraccedilatildeo tributaacuteria os dois impostos distanciam-se fortemente (SLEMROD
2007) Ressalte-se ainda que o resultado claacutessico de irrelevacircncia do agente ao qual seraacute atribuiacuteda a
responsabilidade pelo pagamento do imposto natildeo eacute vaacutelido em um ambiente com evasatildeo fiscal
Aleacutem dessa argumentaccedilatildeo eacute possiacutevel arguir a dificuldade do processo poliacutetico principalmente
em paiacuteses federalistas No Brasil a experiecircncia de amplas reformas tributaacuterias inexiste em periacuteodos de-
mocraacuteticos As reformas tributaacuterias de 1934 1965 e 1988 foram realizadas em momentos de transiccedilatildeo
quando se entrava ou saia de um regime autoritaacuterio Por outro lado ganhos de eficiecircncia nas adminis-
traccedilotildees tributaacuterias em geral natildeo encontram oposiccedilatildeo social ou poliacutetica pelo menos claramente
Uma questatildeo crucial para as administraccedilotildees tributaacuterias eacute seu grau de independecircncia Por sua
natureza coercitiva estatildeo sujeitas a grandes pressotildees poliacuteticas e econocircmicas Logo a profissionaliza-
ccedilatildeo de seus agentes e a total independecircncia na aplicaccedilatildeo das normas originadas do poder poliacutetico eacute
essencial para se obter administraccedilotildees tributaacuterias eficientes Mann (2004) descreve e analisa as expe-
riecircncias de vaacuterios paiacuteses em desenvolvimento que adotaram administraccedilotildees tributaacuterias semi-autocircno-
mas com alto grau de autonomia para gerenciamento de seus sistemas internos Concluiu que uma
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
111
administraccedilatildeo tributaacuteria autocircnoma eacute uma plataforma a partir da qual a eficiecircncia pode ser gerada
entretanto seu simples estabelecimento natildeo eacute garantia de sucesso Taliercio (2004) argumentou que a
poliacutetica de estabelecimento de administraccedilotildees tributaacuterias semi-autocircnomas iniciada nos anos oitenta
do seacuteculo passado jaacute atingia mais de quinze paiacuteses Aleacutem da simples separaccedilatildeo e autonomia do Minis-
teacuterio das Financcedilas ou equivalente a criaccedilatildeo de uma administraccedilatildeo tributaacuteria semi-autocircnoma apresenta
as seguintes caracteriacutesticas i) mecanismo de auto-financiamento ii) direccedilatildeo profissional e qualificada
com representaccedilatildeo do setor privado e iii) poliacutetica de recursos humanos proacutepria Apesar de reco-
mendada pelos organismos internacionais a administraccedilatildeo tributaacuteria semi-autocircnoma foi inicialmente
testada nos paiacuteses em desenvolvimento Na amostra pesquisada o autor encontrou evidecircncias que a
autonomia da administraccedilatildeo tributaacuteria gera eficiecircncia e quanto mais autonomia maior a eficiecircncia
2 ANAacuteLISE ENVOLTOacuteRIA DE DADOS E O IacuteNDICE DE MALMQUIST
A literatura empiacuterica de avaliaccedilatildeo de eficiecircncia teacutecnica utiliza em geral duas metodologias dis-
tintas A primeira eacute a estimaccedilatildeo por meacutetodos economeacutetricos da fronteira de possibilidade de produ-
ccedilatildeo Essa teacutecnica eacute denominada de Fronteira Estocaacutestica Outra possibilidade eacute utilizar a teacutecnica de pro-
gramaccedilatildeo linear de Anaacutelise Envoltoacuteria de Dados (DEA)7 Uma das vantagens do uso da metodologia
DEA eacute natildeo ser necessaacuterio definir qualquer forma para a funccedilatildeo de produccedilatildeo Em essecircncia DEA eacute uma
metodologia comparativa que exige apenas um pequeno nuacutemero de condiccedilotildees para obter resultados
robustos Teacutecnicas parameacutetricas exigem o conhecimento da funccedilatildeo de produccedilatildeo que necessariamente
deve ser a mesma para todas as unidades de decisatildeo A teacutecnica DEA requer apenas o conhecimento
dos insumos e produtos do processo sendo a fronteira resultante apenas uma aproximaccedilatildeo linear que
envolve da forma mais ajustada possiacutevel os dados
Em um ambiente de produccedilatildeo com apenas um insumo e um produto uma medida evidente de
eficiecircncia eacute a razatildeo entre a quantidade produzida e quantidade de insumos utilizados Numa situaccedilatildeo
com muacuteltiplos insumos e produtos pode-se continuar a mensurar a eficiecircncia pela razatildeo produto-in-
sumo desde que se utilizem pesos especiacuteficos para cada insumo e produto ou seja a eficiecircncia teacutecnica
de uma DMU pode ser expressa como
xvyu
xvxvyuyu
kk
mm
11
11 =++++
=θ (1)
onde mm Ruuu +isin= )( 1 e k
k Rvvv +isin= )( 1 satildeo vetores de pesos natildeo negativos
A metodologia DEA utiliza programaccedilatildeo linear de forma a definir o vetor de pesos u e v que
maximize a eficiecircncia θ da DMU impondo a restriccedilatildeo que a aplicaccedilatildeo dos pesos oacutetimos em todas
7 Bowlin (1998) apresenta uma comparaccedilatildeo entre as metodologias DEA e de anaacutelise de regressatildeo mostrando as vantagens e desvantagens de cada meacutetodo
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
112
as unidades produtivas deve ser menor ou igual a um O primeiro modelo DEA foi desenvolvido por
Charnes et alii (1978) que utilizou o conceito de eficiecircncia do trabalho pioneiro de Farrel (1957) O
modelo proposto eacute conhecido na literatura por CCR e tem por hipoacutetese uma tecnologia com retornos
constantes de escala
O modelo CCR original era orientado aos insumos No sentido que a eficiecircncia teacutecnica com-
putada indicava a reduccedilatildeo proporcional dos insumos para que a DMU seja eficiente produzindo a
mesma quantidade de produtos A eficiecircncia teacutecnica no modelo orientado ao produto mensura o
aumento proporcional dos produtos para que a DMU seja eficiente utilizando a mesma quantidade de
insumos As fronteiras de produccedilatildeo e a eficiecircncia teacutecnica satildeo idecircnticas independentemente da orien-
taccedilatildeo adotada
Banker et alii (1984) fizeram uma extensatildeo do modelo CCR admitindo retornos variaacuteveis de es-
cala Esse modelo eacute denominado na literatura de BCC Em situaccedilotildees nas quais existe grande variaccedilatildeo
no tamanho de cada unidade produtiva eacute possiacutevel que algumas natildeo estejam operando em situaccedilotildees
oacutetimas de escala No caso especiacutefico deste artigo o componente poliacutetico presente na organizaccedilatildeo
espacial dos municiacutepios no Brasil deve causar em algumas situaccedilotildees ineficiecircncias de escala
Intuitivamente a metodologia DEA estima a fronteira de produccedilatildeo mais proacutexima possiacutevel dos
dados envelopando ou envolvendo os dados diante das suposiccedilotildees do modelo adotado O modelo
BCC envelopa os dados de uma maneira mais ldquoapertadardquo Para isso tem que considerar mais unidades
produtivas eficientes ou seja operando na fronteira de produccedilatildeo Por uacuteltimo merece registro que a
eficiecircncia teacutecnica no modelo CCR pode ser decomposta no produto da eficiecircncia teacutecnica no modelo
BCC e da eficiecircncia de escala
O iacutendice de variaccedilatildeo da produtividade de Malmquist foi proposto por Caves et alii (1982) que
definiram o iacutendice como razatildeo de funccedilotildees distacircncias noccedilatildeo introduzida por Malmquist (1953) As
funccedilotildees distacircncia representam uma tecnologia com muacuteltiplos insumos e produtos necessitando para
tanto apenas das quantidades utilizadas e produzidas O iacutendice pode ser decomposto em variaccedilotildees de
eficiecircncia (catching up) e variaccedilotildees na tecnologia Uma observaccedilatildeo relevante eacute que a funccedilatildeo distacircncia
eacute idecircntica a medida de eficiecircncia utilizada na literatura de estimaccedilatildeo natildeo parameacutetrica de fronteiras de
produccedilatildeo por anaacutelise envoltoacuteria de dados (DEA)
O Iacutendice de Malmquist pode ser decomposto em duas partes sendo a primeira a mudanccedila
na eficiecircncia teacutecnica (MET) da unidade produtiva e a segunda o avanccedilo (ou retrocesso) tecnoloacutegico
(MTEC) que deslocou a fronteira de possibilidades de produccedilatildeo
MTECMETM 0 = O iacutendice de Malmquist pode ser computado para qualquer tipo de tecnologia Neste artigo
optou-se por calcular o iacutendice considerando-se inicialmente retornos constantes de escala Em
seguida calcula-se a mudanccedila na eficiecircncia das unidades produtivas assumindo retornos variaacuteveis
(2)
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
113
de escala gerando um componente denominado na literatura de variaccedilatildeo de eficiecircncia teacutecnica ldquopurardquo (METp) Considerando que a razatildeo entre as eficiecircncias teacutecnicas computadas por retornos constantes e retornos variaacuteveis de escala resulta numa medida denominada de eficiecircncia de escala pode-se gerar uma a variaccedilatildeo na eficiecircncia de escala (MESC) Assim eacute possiacutevel decompor (2) da seguinte forma
MTECMESCMETpM 0 =
3 RECEITA TRIBUTAacuteRIA DOS MUNICIacutePIOS DO CEARAacute
A Tabela 1 mostra as participaccedilotildees dos itens de receita nas receitas correntes dos municiacutepios
do Cearaacute8 Exibe tambeacutem o valor por habitante de cada rubrica Uma anaacutelise da tabela permite veri-
ficar que o grau de dependecircncia dos municiacutepios com respeito agraves transferecircncias da Uniatildeo e do Estado
do Cearaacute eacute bastante elevado tanto no iniacutecio do periacuteodo (78) como no final (79) As taxas foram o
uacutenico item de receita que apresentou decrescimento real no periacuteodo justificado pela declaraccedilatildeo de
inconstitucionalidade da taxa de iluminaccedilatildeo puacuteblica Percebe-se tambeacutem que o IPTU apresentou a
menor taxa de crescimento inferior inclusive ao crescimento do PIB no periacuteodo
O resultado da arrecadaccedilatildeo do IPTU surpreende devido ao crescimento do niacutevel de urbanizaccedilatildeo
no periacuteodo bem como aos investimentos do Governo Federal em habitaccedilatildeo no final da deacutecada Esse
resultado para os municiacutepios cearenses vai de encontro agraves experiecircncias internacionais nas quais o
processo de descentralizaccedilatildeo fiscal eacute acompanhado do aumento de importacircncia dos impostos sobre
a propriedade (Bird e Zolt 2008 Bahl e Martinez-Vazquez 2007)
8 A base de dados de financcedilas municipais utilizada neste trabalho eacute a disponibilizada pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) por meio do Sistema Financcedilas do Brasil (Finbra) relativa ao periacuteodo de 2000 a 2010 A cobertura da base dados eacute quase integral Nos dois extremos que satildeo usados para a avaliaccedilatildeo empiacuterica faltam apenas os dados contaacutebeis de Varjota municiacutepio com 17593 habitantes menos de 022 da populaccedilatildeo do Cearaacute
Tabela 1 - Municiacutepios do Cearaacute Receita Corrente por itens selecionados (2000 e 2010)
(3)
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
114
O baixo crescimento do IPTU indica possivelmente uma opccedilatildeo poliacutetica dos governantes locais
de natildeo intensificarem a cobranccedila desse imposto Essa opccedilatildeo contribui para a manutenccedilatildeo dos altos
iacutendices de desigualdade no Brasil jaacute que natildeo existe impedimento constitucional ou legal para o IPTU
ser utilizado de forma progressiva Desde a CF88 o imposto pode ter suas aliacutequotas progressivas ao
longo do tempo se a propriedade eacute subutilizada ou natildeo utilizada Em 2000 a Emenda Constitucional
29 permitiu a progressividade do IPTU com respeito ao valor do imoacutevel e ainda possibilitou a diferen-
ciaccedilatildeo de aliacutequotas considerando o uso e a localizaccedilatildeo9
Uma das razotildees para o pequeno crescimento do IPTU pode ser a rejeiccedilatildeo social presente nos
impostos diretos que acabam sendo completamente visiacuteveis para a populaccedilatildeo Aleacutem disso os deten-
tores de maior patrimocircnio e sujeitos a maior incidecircncia dos impostos sobre o patrimocircnio em geral
deteacutem tambeacutem o poder poliacutetico local principalmente em unidades geograacuteficas de meacutedia e pequena
populaccedilatildeo (Bahl e Martinez-Vazquez 2007)
Em 2000 trinta municiacutepios natildeo efetuaram a arrecadaccedilatildeo do IPTU enquanto em 2010 apenas
um municiacutepio deixou de cobrar o imposto Com relaccedilatildeo ao outro imposto sobre o patrimocircnio ITBI
dezoito municiacutepios natildeo o cobraram em 2000 e apenas quatro natildeo efetuaram a cobranccedila em 2010 Essa
falta de cobranccedila do imposto natildeo eacute observada no ISSQN que eacute arrecadado por todos os municiacutepios
nos dois anos
O Graacutefico 1 mostra a evoluccedilatildeo dos trecircs principais impostos municipais durante a deacutecada Ob-
serva-se que o crescimento do ITBI e do ISSQN natildeo foi constante em todo periacuteodo havendo um niacutetido
incremento desses impostos a partir 2004 Como jaacute constatado o IPTU avanccedila bem mais lentamente
que os demais tributos No caso do ISSQN o incremento pode ser derivado da ediccedilatildeo da Lei Comple-
mentar Federal 1162003 que entre outros toacutepicos redefiniu a lista de serviccedilos sujeitas ao imposto
9 A Suacutemula do STF nordm 668 de 24092003 declarou inconstitucional as leis municipais anteriores agrave EC 292000 que pre-viam aliacutequotas progressivas do IPTU
Graacutefico 1 ndash Municiacutepios do Cearaacute IPTU ISSQN e ITBI ndash (2000 ndash 2010) (Base 2000 =100)
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
115
O Graacutefico 2 exibe a receita tributaacuteria por habitante estratificando os dados por mesorregiatildeo
para os anos de 2000 e 2010 Percebe-se a grande diferenccedila entre Fortaleza e as demais regiotildees For-
taleza em 2010 possui receita tributaacuteria per capita de R$ 280 contra uma meacutedia de R$ 56 no interior
do EstadoGraacutefico 2 ndash Municiacutepios do Cearaacute Receita Tributaacuteria
por Habitante (2000 e 2010)
4 ANAacuteLISE DA BASE DE DADOS
Esta seccedilatildeo apresenta justificativas para a definiccedilatildeo dos insumos e produtos da funccedilatildeo de pro-
duccedilatildeo das administraccedilotildees tributaacuterias Note-se que a avaliaccedilatildeo das administraccedilotildees tributaacuterias efetuada
neste artigo confunde-se com a noccedilatildeo de esforccedilo tributaacuterio De fato a atividade tributaacuteria eacute segmen-
tada em duas fases Na primeira define-se uma poliacutetica tributaacuteria na qual satildeo definidas bases tributaacute-
rias aliacutequotas multas e isenccedilotildees Em geral essa fase eacute de responsabilidade do poder poliacutetico executivo
e legislativo que editam as normas legais necessaacuterias Apoacutes essa definiccedilatildeo a administraccedilatildeo tributaacuteria
por meio de atividades de arrecadaccedilatildeo e fiscalizaccedilatildeo transforma os elementos definidores do tributo
base tributaacuteria aliacutequota isenccedilotildees e penalidades em receita efetiva
O passo inicial para a estimaccedilatildeo de uma fronteira de produccedilatildeo pela metodologia DEA eacute definir
quais os insumos e produtos utilizados no processo produtivo No caso das administraccedilotildees tributaacuterias
o produto eacute o montante de recursos arrecadados Este artigo utilizaraacute as receitas provenientes dos
impostos IPTU ISSQN e ITBI A arrecadaccedilatildeo relativa agrave contribuiccedilatildeo de melhoria natildeo eacute avaliada haja
vista praticamente natildeo ser utilizada no Cearaacute A contribuiccedilatildeo econocircmica de iluminaccedilatildeo puacuteblica (an-
teriormente taxa) natildeo eacute utilizada por dois motivos O primeiro eacute a incompatibilidade de classificaccedilatildeo
da receita entre os dados contaacutebeis de 2000 e 2010 Segundo a contribuiccedilatildeo se instituiacuteda pelo poder
municipal eacute cobrada pela concessionaacuteria distribuidora de energia eleacutetrica na proacutepria conta Logo o
papel da administraccedilatildeo tributaacuteria resume-se a instituir por lei a contribuiccedilatildeo As contribuiccedilotildees sociais
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
116
e o imposto de renda retido na fonte tambeacutem natildeo satildeo avaliados considerando que essas fontes de
receita estatildeo quase integralmente associadas a despesas com pessoal em tese natildeo existindo esforccedilo
algum da administraccedilatildeo tributaacuteria na cobranccedila Aleacutem disso a possibilidade de evasatildeo ou natildeo cobranccedila
pelo municiacutepio eacute miacutenima Receitas patrimoniais embora relevantes financeiramente natildeo satildeo geridas
pelas administraccedilotildees tributaacuterias
A funccedilatildeo de produccedilatildeo da administraccedilatildeo tributaacuteria tem como insumos as bases tributaacuterias de
cada imposto10 Caso as bases fossem plenamente conhecidas natildeo seria necessaacuteria a utilizaccedilatildeo de
qualquer teacutecnica especial para mensuraccedilatildeo da eficiecircncia que poderia ser apurada contabilmente en-
tretanto natildeo existem estatiacutesticas que reflitam plenamente as bases tributaacuterias Dessa forma os traba-
lhos empiacutericos buscam aproximaccedilotildees das bases entre as diversas estatiacutesticas disponiacuteveis
No caso do IPTU11 a base tributaacuteria natural eacute o valor real total dos imoacuteveis localizados em aacuterea
urbana Evidentemente a renda corrente dos proprietaacuterios eacute relevante para a arrecadaccedilatildeo embora
natildeo componha propriamente a base tributaacuteria Quanto ao ITBI a base tributaacuteria eacute o valor da operaccedilatildeo
onerosa de transmissatildeo de bens imoacuteveis ldquointer vivosrdquo Por uacuteltimo tem-se que a base tributaacuteria do ISSQN eacute o valor das prestaccedilotildees de serviccedilos compre-
endidos em listas estabelecidas na legislaccedilatildeo12 Em regra geral o imposto eacute devido ao municiacutepio no
qual se localiza o prestador de serviccedilo entretanto a legislaccedilatildeo atual elenca vinte e duas exceccedilotildees nas
quais o ISSQN eacute devido ao municiacutepio no qual o serviccedilo eacute prestado
Pelas bases tributaacuterias indicadas anteriormente e pela inexistecircncia de estatiacutesticas dessas bases a
renda dos residentes ou o produto interno satildeo potenciais candidatos a servirem de variaacutevel proxy IPTU
e ITBI estatildeo plenamente associados geograficamente ao municiacutepio independentemente do domiciacutelio
do contribuinte Assim julga-se que a adoccedilatildeo do produto interno como proxy da base tributaacuteria eacute
preferiacutevel Para o ISSQN pode-se justificar a opccedilatildeo pelo produto devido agrave disponibilidade de dados
relativos ao valor agregado setorial de serviccedilos13
Diversos trabalhos buscaram medir o esforccedilo tributaacuterio das entidades subnacionais brasileiras
Uma abordagem bastante utilizada eacute medir a eficiecircncia como a razatildeo entre a arrecadaccedilatildeo efetiva e
10 O ideal seria incluir tambeacutem aliacutequotas multas e isenccedilotildees mas para um nuacutemero significativo de municiacutepios isso natildeo eacute possiacutevel Desta forma ao mensurar a eficiecircncia da administraccedilatildeo tributaacuteria utilizando apenas a base tributaacuteria a avaliaccedilatildeo recai tambeacutem sobre a atuaccedilatildeo do poder poliacutetico responsaacutevel pela definiccedilatildeo dos demais elementos definidores do tributo Outra ressalva importante eacute que natildeo se trabalha nesta anaacutelise com os elementos caracteriacutesticos de tributaccedilatildeo oacutetima ou seja o governo natildeo busca maximizar uma funccedilatildeo de bem-estar social ou a utilidade de um agente representativo Logo poliacuteticas de reduccedilatildeo voluntaacuteria da carga tributaacuteria satildeo consideradas como ineficiecircncia11 Carvalho Jr (2012) apresentando proposta de mudanccedila do IPTU do municiacutepio do Rio de Janeiro efetuou uma revisatildeo da literatura econocircmica de impostos sobre imoacuteveis e verificou que mesmo em grandes municiacutepios do Nordeste o IPTU eacute arrecadado em menor intensidade do que na Regiatildeo Sudeste12 Atualmente a lista serviccedilos sujeitos ao ISSQN estaacute estabelecida na Lei Complementar nordm 1162003 Anteriormente o Decreto-lei nordm 4061968 previa os serviccedilos nos quais o imposto incidia13 No Produto Interno Bruto (PIB) Municipal disponibilizado pelo IBGE uma das desagregaccedilotildees apresentadas eacute o valor adicionado pelas atividades de serviccedilos Ressaltando-se que nessas atividades estatildeo incluiacutedos o produto do setor puacuteblico e a atividade comercial sujeita ao ICMS e natildeo ao ISSQN Quanto ao setor puacuteblico eacute possiacutevel a separaccedilatildeo utilizando dados do proacuteprio IBGE Quanto agrave atividade comercial apesar de natildeo ser viaacutevel a separaccedilatildeo atividades comerciais devem estar associadas tambeacutem a diversos serviccedilos sujeitos ao ISSQN como representaccedilatildeo comercial e hotelaria
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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a arrecadaccedilatildeo estimada por anaacutelise de regressatildeo14 na qual se consideram algumas variaacuteveis como
determinantes da arrecadaccedilatildeo Nesse caso a estimativa de eficiecircncia eacute uma meacutedia condicionada agraves
variaacuteveis independentes do modelo adotado Outra metodologia eacute a estimaccedilatildeo de fronteiras estocaacutes-
ticas de arrecadaccedilatildeo inicialmente aplicada por Reis e Blanco (1996) Estimada a fronteira eacute possiacutevel
construir os escores de eficiecircncia Em trabalhos mais recentes15 iniciou-se a utilizaccedilatildeo da teacutecnica DEA
para a estimaccedilatildeo da fronteira de arrecadaccedilatildeo
Ante o exposto anteriormente optou-se por utilizar apenas o valor adicionado setorial do PIB
como proxy da base tributaacuteria do IPTU ITBI e ISQN Em tese todos os setores econocircmicos poderiam
ser utilizados Os imoacuteveis rurais por exemplo estatildeo sujeitos ao ITBI assim o valor adicionado do setor
primaacuterio poderia ser um insumo Por outro lado o valor adicionado do setor puacuteblico tambeacutem poderia
capturar informaccedilotildees relevantes Como a metodologia DEA eacute eminentemente comparativa a inclusatildeo
de insumos e produtos pode gerar problemas de dimensionalidade aumentando o quantitativo de
unidades eficientes Desta forma utiliza-se apenas o valor adicionado do setor industrial e de serviccedilos
excluindo-se do uacuteltimo o valor relativo ao setor puacuteblico Espera-se que o niacutevel de urbanizaccedilatildeo do mu-
niciacutepio seja capturado pela dimensatildeo do valor adicionado desses dois setores16 A Tabela 2 sintetiza
insumos e produtos utilizados
14 Vasconcelos e Piancastelli (2005) e Carvalho Jr (2006) utilizaram metodologias similares para arrecadaccedilatildeo estadual e municipal respectivamente15 Gasparini e Melo (2004) Souza Juacutenior e Gasparini (2006) Arauacutejo (2007) Gasparini e Miranda (2011) e Sousa et alii (2012)16 A incidecircncia da informalidade eacute mais presente no setor agriacutecola logo entes tributaacuterios com grande participaccedilatildeo do setor agriacutecola devem ter mais dificuldade para arrecadar impostos Alm et alii (2004) apresentam uma breve revisatildeo da literatura que identifica os tipos de indiviacuteduos mais difiacuteceis de tributar na nomenclatura dos autores hard-to-tax17 Wilson (1993) Simar (2003) e Cazals et alii (2002)
Tabela 2 Insumos e Produtos da Arrecadaccedilatildeo Municipal
Ainda sobre a base de dados eacute importante ressaltar que a metodologia DEA eacute bastante sen-
siacutevel a observaccedilotildees atiacutepicas17 Desta forma eacute necessaacuterio identificar eventuais outliers e excluiacute-los da
amostra
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Como a teacutecnica DEA eacute efetivamente comparativa mesmo sem erros de medida unidades com
valores de insumos e produtos muito distantes do restante das observaccedilotildees acabam sendo conside-
radas eficientes tornando a distribuiccedilatildeo dos escores de eficiecircncia extremamente assimeacutetrica atribuin-
do-se iacutendices muito baixos a uma grande quantidade de unidades
Os tratamentos para este problema satildeo diversos na literatura passando da simples omissatildeo ateacute
teacutecnicas robustas mais sofisticadas que envolvem bootstrap e jackknife (Sousa e Stošić 2005) Neste
ensaio inicialmente satildeo excluiacutedos os municiacutepios que em pelo menos um dos dois exerciacutecios (2000 e
2010) natildeo efetuaram a arrecadaccedilatildeo de todos os tributos analisados A justificativa para esse procedi-
mento eacute baseada no fato de que administraccedilotildees tributaacuterias que natildeo instituiacuteram e cobraram um dos
impostos utilizam tecnologia tatildeo rudimentar que natildeo satildeo passiacuteveis de avaliaccedilatildeo Em seguida excluem-
-se as observaccedilotildees com valores discrepantes em todo o conjunto de insumos e produtos Aleacutem disso
foram excluiacutedas as observaccedilotildees com valores atiacutepicos na razatildeo do somatoacuterio dos tributos analisados
(ISSQN ITBI e IPTU) e o valor do PIB municipal O objetivo deste passo eacute identificar erros nos dados de
financcedilas puacuteblicas em 2000 e 2010
Os pontos extremos contaminam a meacutedia e variacircncia da distribuiccedilatildeo Desta forma eacute convenien-
te adotar um criteacuterio de seleccedilatildeo de outliers robusto com respeito a pontos discrepantes Neste artigo
utiliza-se teacutecnica de boxplot18 O Quadro I a seguir mostra o quantitativo de municiacutepios excluiacutedos da
anaacutelise segundo os criteacuterios adotados Apoacutes as exclusotildees dos 184 municiacutepios cearenses satildeo avaliados
86 municiacutepios19
18 Consideraram-se outliers e foram excluiacutedas da amostra as observaccedilotildees cujos valores de uma ou mais variaacuteveis encon-travam-se a mais de uma vez a distacircncia interquartil (L = Q3ndashQ1) Nesta fase objetivando tornar a distribuiccedilatildeo das seacuteries mais simeacutetricas tomaram-se as variaacuteveis em logaritmos naturais Para uma descriccedilatildeo detalhada do meacutetodo ver Fonseca (2011) 19 Apesar da taxa aparentemente elevada de exclusatildeo a insipiecircncia das administraccedilotildees tributaacuterias municipais no iniacutecio dos anos 2000 justifica a abordagem adotada
Quadro I - Observaccedilotildees Atiacutepicas
5 ANAacuteLISE DOS RESULTADOS
As figuras 1 e 2 mostram a distribuiccedilatildeo de frequumlecircncia dos escores de eficiecircncia teacutecnica com
retornos variaacuteveis de escala em 2000 e 2010 Em 2000 a teacutecnica DEA considerou eficiente na arreca-
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
119
Figura 1 - Distribuiccedilatildeo dos Escores de Eficiecircncia - 2000
Figura 2 - Distribuiccedilatildeo dos Escores de Eficiecircncia - 2010
daccedilatildeo de impostos quatorze municiacutepios 16 da amostra resultado similar ocorreu em 2010 quando
treze municiacutepios 15 da amostra foi eficiente Em 2010 uma concentraccedilatildeo relevante de municiacutepios
tem escore de eficiecircncia nas proximidades de 050
A Tabela 3 mostra as estatiacutesticas descritivas dos escores de eficiecircncia nos dois exerciacutecios Ressal-
te-se que natildeo se devem fazer inferecircncias sobre as variaccedilotildees da eficiecircncia teacutecnica entre os dois exerciacute-
cios Os iacutendices computados satildeo eminentemente comparativos logo dependem do desempenho das
outras unidades ou seja menor meacutedia na eficiecircncia teacutecnica em 2010 em relaccedilatildeo a 2000 natildeo significa
que em meacutedia as unidades tenham piorado mas sim que aumentou a distacircncia meacutedia entre a arre-
cadaccedilatildeo efetiva e a arrecadaccedilatildeo potencial determinada pelas unidades eficientes que natildeo necessaria-
mente satildeo as mesmas nos dois exerciacutecios
Para avaliar a evoluccedilatildeo da tecnologia tributaacuteria e do desempenho dos municiacutepios no periacuteodo
analisado eacute utilizado o Iacutendice de Malmquist Esse iacutendice mede a variaccedilatildeo da produtividade total dos
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
120
Tabela 3 - Estatiacutesticas Descritivas dos Escores de Eficiecircncia
Tabela 4 - Meacutedia dos Iacutendices de Malmquist e seus Componentes
Apesar do acentuado aumento na produtividade total percebe-se que esse incremento eacute deri-
vado em maior parte do deslocamento da fronteira de arrecadaccedilatildeo e de ganhos de escala Em meacutedia a
eficiecircncia teacutecnica pura eacute inferior a unidade contribuindo assim para a reduccedilatildeo da produtividade total
A teacutecnica DEA permite ainda estimar o deacuteficit de arrecadaccedilatildeo de cada unidade avaliada Pela
definiccedilatildeo municiacutepios eficientes com escore de eficiecircncia igual agrave unidade encontram-se sobre a fron-
teira de arrecadaccedilatildeo natildeo registrando portanto deacuteficit A Tabela 5 mostra o incremento percentual
possiacutevel na arrecadaccedilatildeo dos trecircs impostos dos municiacutepios avaliados Percebe-se que em 2010 as
possibilidades de incremento satildeo mais acentuadas nos trecircs tributos De qualquer forma fica evidente
a possibilidade de obtenccedilatildeo de receitas adicionais significativas
fatores e eacute computado para cada municiacutepio Como visto anteriormente em (3) o Iacutendice de Malm-
quist pode ser decomposto em mudanccedilas derivadas do progresso tecnoloacutegico (deslocamento da
fronteira de arrecadaccedilatildeo) da eficiecircncia de escala e da eficiecircncia teacutecnica pura Em meacutedia o Iacutendice de
Malmquist registrou um incremento de produtividade no periacuteodo de 78 taxa equivalente a qua-
se 6 ao ano As meacutedias simples e ponderadas pela populaccedilatildeo do Iacutendice e seus componentes satildeo
apresentadas na Tabela 4
Tabela 5 - Cearaacute - Incrementos Potenciais na Arrecadaccedilatildeo Municipal - 2000 e 2010
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
121
6 EFICIEcircNCIA DA ADMINISTRACcedilAtildeO TRIBUTAacuteRIA E REDUCcedilAtildeO DA POBREZA
A literatura econocircmica indica que dois mecanismos natildeo excludentes satildeo responsaacuteveis pela re-
duccedilatildeo da pobreza o crescimento econocircmico e a reduccedilatildeo da desigualdade (Kakwani 2000) Note-se
que o impacto do primeiro mecanismo sobre a pobreza eacute maior agrave medida que a desigualdade eacute menor
(Barreto 2005 Soares et alii 2006 Barros et alii 2007)
Ainda sobre o niacutevel de pobreza um forte consenso na literatura admite que a acumulaccedilatildeo de
capital humano medido pelo niacutevel educacional eacute um dos responsaacuteveis pelas diferenccedilas pessoais e
regionais da renda Importante frisar que a educaccedilatildeo baacutesica no paiacutes estaacute quase integralmente sob a
responsabilidade das unidades subnacionais sendo a educaccedilatildeo fundamental preponderantemente
municipal
A mensuraccedilatildeo de eficiecircncia da administraccedilatildeo tributaacuteria municipal efetivada na seccedilatildeo anterior
natildeo considerou a possibilidade das unidades de decisatildeo reduzirem propositalmente a arrecadaccedilatildeo
de impostos buscando atingir um determinado objetivo como maximizar uma funccedilatildeo de bem-es-
tar social Logo a priori explorar a base tributaacuteria dos impostos de forma mais eficiente natildeo eacute uma
poliacutetica puacuteblica recomendaacutevel automaticamente jaacute que os incrementos de bem-estar derivados da
oferta de bens puacuteblicos proporcionados pelas receitas tributaacuterias adicionais podem ser compensa-
dos pela reduccedilatildeo da renda disponiacutevel da populaccedilatildeo Note-se ainda que o aumento de eficiecircncia
na administraccedilatildeo tributaacuteria como definido neste artigo estaacute associado ao aumento do volume de
tributos Se a caracteriacutestica desses impostos for regressiva eacute provaacutevel que o aumento da eficiecircncia
conduza ao incremento da pobreza
Por outro lado eacute possiacutevel que uma administraccedilatildeo tributaacuteria mais eficiente possa garantir re-
cursos necessaacuterios para a melhoria de serviccedilos puacuteblicos de responsabilidade municipal como sauacutede e
educaccedilatildeo Essa melhoria conduziria a uma maior acumulaccedilatildeo de capital humano e desenvolvimento
econocircmico com potenciais efeitos sobre a populaccedilatildeo em situaccedilatildeo de pobreza
No caso especiacutefico em que a fonte da ineficiecircncia eacute a evasatildeo fiscal Alm e Finlay (2012) utilizan-
do resultados da literatura teoacuterica empiacuterica experimental e de equiliacutebrio geral apontam evidecircncias
que os principais beneficiaacuterios da evasatildeo fiscal satildeo os proacuteprios sonegadores com efeitos distributi-
vos que beneficiam os mais ricos No tocante aos tributos de competecircncia municipal no Brasil essa
tendecircncia deve ser acentuada considerando que IPTU e ITBI satildeo impostos diretos com caracteriacutesticas
inerentemente progressivas que podem ser acentuadas pelas legislaccedilotildees municipais utilizando-se de
aliacutequotas diferenciadas e isenccedilotildees
Esta seccedilatildeo utilizando os escores de eficiecircncia computados na seccedilatildeo anterior verifica quais os
efeitos do incremento da eficiecircncia teacutecnica pura das administraccedilotildees tributaacuterias no niacutevel de pobreza de
cada municiacutepio Como medida de pobreza este artigo utiliza o iacutendice de proporccedilatildeo de pobres (P0)
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
122
com linha de pobreza de frac12 salaacuterio miacutenimo O modelo proposto eacute alicerccedilado na fartamente documen-
tada persistecircncia da pobreza Mais especificamente admite-se que uma parte substancial do iacutendice
de proporccedilatildeo de pobres detectado no presente eacute derivada da mesma situaccedilatildeo observada no passado
Formalmente
onde e satildeo respectivamente o iacutendice de proporccedilatildeo de pobres do municiacutepio i em 2010 e 2000 eacute renda per capita do municiacutepio i em 2000 eacute o nuacutemero de habitantes em milhares do municiacutepio i em 2000 eacute o iacutendice de Gini do municiacutepio i em 2000 eacute a mudanccedila na efici-ecircncia teacutecnica pura da arrecadaccedilatildeo de impostos do municiacutepio i Bj com j = 15 e satildeo paracircmetros a serem estimados eacute um ruiacutedo estocaacutestico As estatiacutesticas descritivas das variaacuteveis presentes na Equaccedilatildeo (4) satildeo expostas na Tabela 6 A Equaccedilatildeo (4) eacute estimada por miacutenimos quadrados ordinaacuterios (MQO)20 apresentando os resultados na Tabela 7 O paracircmetro de maior interesse neste artigo eacute As demais variaacuteveis independentes tecircm por objetivo caracterizar o municiacutepio no periacuteodo inicial Espera-se que essa caracterizaccedilatildeo absorva as informaccedilotildees relevantes que expliquem a proporccedilatildeo de pobres no ano final21 O elevado coeficiente de
determinaccedilatildeo obtido sinaliza um bom ajustamento da regressatildeo
Tabela 6 - Estatiacutesticas Descritivas
Com respeito agraves variaacuteveis de controle do periacuteodo inicial apenas a populaccedilatildeo e a proporccedilatildeo
de pessoas em situaccedilatildeo de pobreza foram significativas O coeficiente da populaccedilatildeo significativo e
positivo indica que em meacutedia os municiacutepios mais populosos em 2000 apresentaram uma maior
proporccedilatildeo de pobres em 2010 Esse resultado apresenta uma evidecircncia favoraacutevel aos municiacutepios de
menor porte pelo menos no tocante a reduccedilatildeo da pobreza contrariando a tese de precariedade e
20 A variaacutevel dependente eacute limitada entre 0 e 100 possibilitando a adoccedilatildeo de um modelo economeacutetrico de amostra cen-surada como por exemplo o Tobit entretanto Mcdonald (2009) indica que MQO eacute superior ao Tobit quando a limitaccedilatildeo dos dados for derivada de processo de geraccedilatildeo de dados fracionaacuterio e natildeo censurado Utilizando-se as mesmas variaacuteveis estimou-se um modelo natildeo linear Probit com resultados extremamente similares preservando-se todos os sinais e signi-ficacircncias dos paracircmetros21 No decorrer dos anos 2000 intensificou-se significativamente a adoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas voltadas para a reduccedilatildeo da pobreza Uma parte dos efeitos dessas poliacuteticas deve ser capturada pelas variaacuteveis de controle do periacuteodo inicial Para uma discussatildeo dos efeitos das poliacuteticas de transferecircncia de renda sobre os iacutendices de pobreza ver Marinho et alii (2011)
(4)
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insustentabilidade de pequenos municiacutepios O coeficiente da proporccedilatildeo de pobres no periacuteodo inicial
foi estatisticamente positivo confirmando a persistecircncia da pobreza mesmo num horizonte de tempo
mais longo de dez anos Renda per capita e o Iacutendice de Gini do periacuteodo inicial natildeo foram estatistica-
mente significativosTabela 7- Resultados da Regressatildeo
Quanto ao paracircmetro de interesse o valor estimado eacute significantemente negativo demons-
trando que o incremento da eficiecircncia na arrecadaccedilatildeo dos impostos municipais influenciou negativa-
mente a proporccedilatildeo de pobres no periacuteodo final Evidentemente a transmissatildeo dos efeitos derivados da
eficiecircncia da administraccedilatildeo tributaacuteria municipal para o niacutevel de pobreza natildeo eacute elementar nem direta
Duas possibilidades natildeo excludentes podem conduzir a esse resultado
Na primeira hipoacutetese municiacutepios que aumentaram sua eficiecircncia na arrecadaccedilatildeo de impostos
tiveram mais recursos agrave disposiccedilatildeo para a oferta de bens puacuteblicos possibilitando uma maior acumu-
laccedilatildeo de capital humano ou uma melhor infraestrutura para a produccedilatildeo propiciando oportunidades
adicionais as pessoas em situaccedilatildeo de pobreza para a superaccedilatildeo dessa condiccedilatildeo Por outro lado IPTU
e ITBI satildeo impostos diretos que por incidirem sobre a propriedade imoacutevel natildeo atingem ou atingem
moderadamente a populaccedilatildeo mais pobre Regras de progressividade dos impostos geralmente
existentes nas unidades mais desenvolvidas ampliam esse efeito Logo a tributaccedilatildeo municipal im-
pacta em alguma magnitude a distribuiccedilatildeo da renda disponiacutevel da populaccedilatildeo local tendo efeito
redutor da desigualdade
Nota os nuacutemeros entre parecircnteses satildeo os desvios pa-dratildeo () significacircncia a 5 () natildeo-significante As de-mais estimativas satildeo significantes a 1 Erros-padratildeo robustos agrave heteroscedasticidadeFonte elaboraccedilatildeo proacutepria
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Quanto agrave segunda hipoacutetese o efeito detectado do incremento da eficiecircncia da administraccedilatildeo
tributaacuteria municipal sobre o niacutevel pobreza pode estar associado agrave qualidade das instituiccedilotildees municipais
North e Thomas (1973) foram os pioneiros na associaccedilatildeo de desenvolvimento econocircmico e qualidade
das instituiccedilotildees conceito que pode ser sintetizado como a capacidade de uma sociedade definir regras
sociais e econocircmicas claras e estaacuteveis Acemoglu et alii (2001) testaram a hipoacutetese das instituiccedilotildees
definidas no periacuteodo colonial determinarem o crescimento econocircmico concluindo pela relevacircncia
das instituiccedilotildees Uma volumosa literatura buscou investigar a associaccedilatildeo do crescimento econocircmico
a variaacuteveis institucionais como liberdade comercial corrupccedilatildeo agilidade do poder judiciaacuterio respeito
ao direito de propriedade niacutevel de democracia eficiecircncia do sistema financeiro assassinatos poliacuteticos
revoluccedilotildees reformas constitucionais entre outras22
No Brasil e especificamente no Cearaacute considerando as intensas desigualdades regionais eacute pos-
siacutevel que as instituiccedilotildees de cada municiacutepio sejam acentuadamente divergentes Verdadeira essa hipoacute-
tese uma excelente proxy da qualidade das instituiccedilotildees municipais seria a eficiecircncia da administraccedilatildeo
tributaacuteria Se o ente subnacional natildeo consegue organizar de forma eficiente a funccedilatildeo de arrecadar os
recursos necessaacuterios para as demais atividades eacute pouco provaacutevel que outras instituiccedilotildees sob controle
ou interferecircncia municipal sejam organizadas e possam gerar externalidades positivas
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Este artigo aborda a evoluccedilatildeo da eficiecircncia das administraccedilotildees tributaacuterias tema pouco explora-
do pela literatura econocircmica Um amplo debate social e acadecircmico desenvolve-se em torno da neces-
sidade de uma reforma tributaacuteria Pouco ou nada se discute sobre a tecnologia adotada na exploraccedilatildeo
pelos trecircs niacuteveis de governo do sistema tributaacuterio atual No caso especiacutefico do Cearaacute o incremento
da arrecadaccedilatildeo municipal natildeo ocorreu da mesma forma em todos os tributos A arrecadaccedilatildeo do IPTU
apresenta desempenho bastante inferior a dos demais impostos municipais Essa constataccedilatildeo asso-
ciada ao forte processo de urbanizaccedilatildeo indica que os gestores puacuteblicos negligenciam esse imposto
fato possivelmente derivado de pressotildees sociais poliacuteticas e eleitorais Apesar dos avanccedilos observados
existe uma grande possibilidade de incremento das receitas municipais desde que as bases tributaacuterias
atuais sejam exploradas com maior eficiecircncia
O trade-off entre eficiecircncia e equidade estaacute presente nas escolhas dos administradores muni-
cipais Natildeo existe como a priori determinar os resultados econocircmicos de poliacutetica municipal que pos-
sibilite o aumento da arrecadaccedilatildeo de impostos Este artigo utilizando a metodologia DEA computou escores de eficiecircncia da administraccedilatildeo tributaacuteria de 86 municiacutepios cearenses nos anos de 2000 e 2010 Em seguida foram calculadas as mudanccedilas na eficiecircncia teacutecnica pura de cada governo local O resul-
22 Glaeser et alii (2004) revisa e critica as variaacuteveis utilizadas como proxy de instituiccedilotildees
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tado obtido foi utilizado como determinante do niacutevel de pobreza em 2010 Obtiveram-se evidecircncias que os incrementos da eficiecircncia na arrecadaccedilatildeo municipal entre os extremos da deacutecada de 2000 impactam negativamente o niacutevel de pobreza no final do periacuteodo Entre as variaacuteveis de controle utilizadas apenas a proporccedilatildeo de pobres e a populaccedilatildeo ambas do ano inicial tiveram efeitos significantes e positivos sobre a proporccedilatildeo de pobres no periacuteodo final indicando que a pobreza eacute um fenocircmeno persistente e que os municiacutepios mais populosos em 2000 em meacutedia possuem uma desvantagem no processo de reduccedilatildeo da pobreza As conclusotildees do teste empiacuterico realizado indicam que os investimentos nas administraccedilotildees tributaacuterias que visem o aumento de sua eficiecircncia foram poliacuteticas puacuteblicas exitosas que contribuiacuteram para a reduccedilatildeo de um dos maiores problemas brasileiros O aumento da eficiecircncia na arrecadaccedilatildeo proporciona aos governos locais melhores condiccedilotildees financeiras para executar suas atividades Ressal-tando-se que os municiacutepios satildeo responsaacuteveis pela prestaccedilatildeo de serviccedilos que impactam diretamente na qualidade de vida e no estoque de capital humano da populaccedilatildeo principalmente a mais pobre que eacute mais dependente dos serviccedilos puacuteblicos Por outro lado a preponderacircncia de impostos diretos e progressivos entre os tributos municipais pode reduzir a desigualdade de renda quando a eficiecircncia na arrecadaccedilatildeo aumenta Natildeo se descarta a possibilidade dos iacutendices de eficiecircncia da administraccedilatildeo tributaacuteria capturarem informaccedilotildees mais amplas sobre a qualidade das instituiccedilotildees locais Neste contexto a recomendaccedilatildeo surgida dos resultados empiacutericos de busca de uma maior eficiecircncia na arrecadaccedilatildeo permanece vaacutelida A organizaccedilatildeo da administraccedilatildeo tributaacuteria responsaacutevel pela obtenccedilatildeo de recursos deve anteceder as demais accedilotildees de fomento a qualidade das instituiccedilotildees que em geral necessitam de algum dispecircndio financeiro para serem viabilizadas Os resultados obtidos neste exerciacutecio empiacuterico indicam que o incremento da eficiecircncia tributaacute-ria dos municiacutepios cearenses eacute uma poliacutetica puacuteblica complementar para a reduccedilatildeo do niacutevel de pobreza Na estrutura tributaacuteria brasileira os municiacutepios tecircm dois importantes impostos sobre a propriedade No Brasil e nos demais paiacuteses em desenvolvimento impostos sobre a propriedade tecircm pequena rele-vacircncia atingindo em meacutedia 06 do PIB enquanto nos Estados Unidos e Canadaacute esse tipo de imposto eacute superior a 3 do PIB (Bahl e Martinez-Vazquez 2007) Reforccedilar a competecircncia dos governos locais na arrecadaccedilatildeo tributaacuteria parece convergir com os objetivos de poliacuteticas de desenvolvimento social Diversas extensotildees podem ser feitas a partir deste trabalho inicial A ampliaccedilatildeo da amostra pode verificar se os resultados satildeo localizados ou mais gerais Uma amostra maior garantiria ainda a possibilidade de utilizar mais variaacuteveis como insumos da arrecadaccedilatildeo bem como adicionar variaacute-veis explicativas da variaacutevel dependente no segundo estaacutegio Eacute possiacutevel ainda verificar os efeitos da mudanccedila na eficiecircncia tributaacuteria em outras variaacuteveis econocircmicas e sociais Por uacuteltimo teacutecnicas mais robustas de estimaccedilatildeo podem ser utilizadas no segundo estaacutegio
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INCONGRUEcircNCIAS DA POLIacuteTICA TRIBUTAacuteRIA NO BRASIL E O SEU CON-TRIBUTO PARA A CRISE DA RELACcedilAtildeO DE TRIBUTACcedilAtildeO
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 Consideraccedilotildees sobre a poliacutetica tributaacuteria 2 Atores envolvidos na formulaccedilatildeo e na implementaccedilatildeo da poliacutetica tributaacuteria a contur-bada relaccedilatildeo entre o Fisco e o contribuinte 3 O tributo como norma de rejei-ccedilatildeo social 4 Outras caracteriacutesticas do sistema tributaacuterio brasileiro e seus viacuten-culos com a crise da relaccedilatildeo de tributaccedilatildeo Consideraccedilotildees finais Referecircncias
Francisco Ferreira Chagas Juacutenior1
INTRODUCcedilAtildeO
As poliacuteticas tributaacuterias repercutem diretamente na sociedade a que satildeo direcionadas afetando
desde o cidadatildeo mais pobre ateacute o grande empresaacuterio Tal ilaccedilatildeo pode ser facilmente compreendida
quando por exemplo satildeo lanccediladas luzes sobre a regularidade com que tributos satildeo recolhidos Estes
constituem a principal fonte de recursos para o Estado-naccedilatildeo e o seu pagamento representa uma
constante na vida dos cidadatildeos os quais direta ou indiretamente arcam com o ocircnus financeiro decor-
rente desse ato
A dimensatildeo dessa realidade toma corpo em paiacuteses com elevada carga tributaacuteria natildeo raro dan-
do margem a insurgentes manifestaccedilotildees de insatisfaccedilatildeo por parte da populaccedilatildeo sobretudo quando eacute
precaacuteria e ineficiente a prestaccedilatildeo dos serviccedilos puacuteblicos atividade esta que em geral eacute financiada pelos
recursos repassados compulsoriamente ao eraacuterio
Cumpre exaltar a necessidade de ter-se em mente que as poliacuteticas tributaacuterias natildeo se circuns-
crevem agrave elaboraccedilatildeo de planos e estrateacutegias relacionados com a atividade de arrecadaccedilatildeo e de fis-
calizaccedilatildeo
Estatildeo atreladas ainda ao conjunto de accedilotildees voltadas agrave coordenaccedilatildeo agrave orientaccedilatildeo e ao plane-
jamento de projetos governamentais de tributaccedilatildeo a serem executados pela Administraccedilatildeo Tributaacuteria
e que estatildeo situadas dentro de um contexto bem mais amplo de sua atuaccedilatildeo
Tanto a proposiccedilatildeo como a avaliaccedilatildeo das poliacuteticas tributaacuterias encontram amparo na coleta
permanente de dados a elas relativos imprescindiacuteveis que satildeo para nortear a atuaccedilatildeo da Adminis-
traccedilatildeo Tributaacuteria
A anaacutelise desses elementos inclusive possibilita ao gestor puacuteblico a adoccedilatildeo eventual de medidas
pontuais a fim de estimular ou desestimular comportamentos de determinados setores da economia
1 Especialista em Direito Processual pela Faculdade Ateneu Mestre em Planejamento e Poliacuteticas Puacuteblicas pela Universida-de Estadual do Cearaacute Auditor Fiscal Juriacutedico da Receita Estadual do Cearaacute E-mail ffc_juniorhotmailcom
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bem como dos cidadatildeos (extrafiscalidade) visando sempre o resguardo dos interesses da coletividade
que se sobrepotildeem ao do contribuinte enquanto ser individual respeitados por oacutebvio os direitos que
lhe satildeo reconhecidos pelo ordenamento juriacutedico
As diretrizes tributaacuterias seratildeo definidas pelo governo tomando por base as regras constitu-
cionais definidoras das competecircncias que satildeo atribuiacutedas a cada ente poliacutetico para a instituiccedilatildeo de
tributos
Respeitadas as normas positivadas e de observacircncia obrigatoacuteria para o gestor tributaacuterio tem-
-se ser possiacutevel uma ampla margem de liberdade para o planejamento discricionaacuterio de poliacuteticas
voltadas agrave consecuccedilatildeo de objetivos governamentais especiacuteficos diretamente relacionados com a
atuaccedilatildeo da Administraccedilatildeo Tributaacuteria e que envolvem inexoravelmente a tomada de inuacutemeras deci-
sotildees vinculativas
Ocorre que no Brasil o processo que gira em torno do planejamento e da implementaccedilatildeo da
poliacutetica tributaacuteria natildeo raro eacute eivado de viacutecios perniciosos que maculam o seu desenvolvimento regular
desde a origem Aleacutem disso eacute cada vez mais influenciado de forma direta por uma voracidade arre-
cadatoacuterio que parece natildeo ter fim circunstacircncias estas que vecircm contribuindo sobremodo para tornar
ainda mais caoacutetico o sistema tributaacuterio do paiacutes
Indubitavelmente o referido estado de coisas acaba por desencadear um sentimento de revolta
nos contribuintes o qual contrasta com os primados mais elementares da cidadania fiscal Agravando
essa situaccedilatildeo tem-se o fato de que os cidadatildeos satildeo compelidos a contribuir com o custeio de um Es-
tado que aleacutem de perdulaacuterio eacute ineficiente ao gastar porque natildeo procura empregar os recursos arreca-
dados em accedilotildees que efetivamente possam trazer benefiacutecios concretos e duradouros para a populaccedilatildeo
Considerando que o ponto de partida para a busca de soluccedilotildees adequadas para qualquer pro-
blema eacute a identificaccedilatildeo dos fatores que lhe datildeo origem vecirc-se que eacute de todo relevante lanccedilar luzes
sobre algumas das principais falhas de planejamento da poliacutetica tributaacuteria de modo tambeacutem a eviden-
ciar os seus reflexos sobre as relaccedilotildees travadas entre o Fisco e o contribuinte os quais contribuem para
a desconstruccedilatildeo da cidadania fiscal no paiacutes
Antes poreacutem eacute conveniente trazer a lume alguns dos pressupostos baacutesicos da poliacutetica tributaacute-
ria considerando que a natureza do objeto deste breve estudo demanda a apresentaccedilatildeo de determi-
nados elementos fundamentais que servem de substrato teoacuterico para uma adequada compreensatildeo
da crise nas relaccedilotildees de tributaccedilatildeo
1 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A POLIacuteTICA TRIBUTAacuteRIA
De um modo geral pode-se afirmar que as accedilotildees relacionadas com o planejamento a imple-
mentaccedilatildeo e a avaliaccedilatildeo das poliacuteticas tributaacuterias giram em torno da tomada de decisotildees que dizem
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respeito agraves atividades de tributaccedilatildeo de arrecadaccedilatildeo e de fiscalizaccedilatildeo todas elas voltadas agrave consecuccedilatildeo
de objetivos que podem variar de acordo com os interesses da Administraccedilatildeo Tributaacuteria
Cursi (2011 p 62-63) explica que enquanto a tributaccedilatildeo corresponde a um meio pelo qual a
esfera puacuteblica obteacutem recursos a partir da exploraccedilatildeo econocircmica e financeira de determinada base tri-
butaacuteria a arrecadaccedilatildeo eacute o produto resultante daquela atividade
A execuccedilatildeo de accedilotildees relacionadas com a tributaccedilatildeo e a arrecadaccedilatildeo envolve o manejo estra-
teacutegico adequado e eficiente dos tributos com vistas a que o montante dos recursos arrecadados aos
cofres puacuteblicos possa ser suficiente para fazer face agraves despesas que derivam do atendimento pelo
Poder Puacuteblico das necessidades coletivas
Passam pelo planejamento e pela implementaccedilatildeo das poliacuteticas de tributaccedilatildeo e arrecadaccedilatildeo o
estudo coordenado e orientado de projetos governamentais estrateacutegicos voltados ao constante aper-
feiccediloamento da legislaccedilatildeo tributaacuteria e ao exame da viabilidade da adoccedilatildeo de medidas que possibilitem
tanto a maximizaccedilatildeo das receitas como as desoneraccedilotildees tributaacuterias que impactam negativamente so-
bre o eraacuterio puacuteblico mas que constituem objeto de transcendentes objetivos governamentais Desses
projetos estrateacutegicos derivam consequecircncias (externalidades) que carecem de ser avaliadas previa-
mente pelo gestor tributaacuterio para que se evitem ou pelo menos sejam minorados alguns efeitos in-
desejaacuteveis advindos da busca pelo atingimento de determinadas metas e da execuccedilatildeo de certas accedilotildees
ligadas agraves poliacuteticas de tributaccedilatildeo e de arrecadaccedilatildeo efeitos estes que inclusive podem contribuir para
tornar o sistema tributaacuterio injusto e menos eficiente do ponto de vista econocircmico-fiscal
Essas externalidades estatildeo indissociavelmente atreladas aos processos de poliacutetica fiscal que
permeiam a atividade de administraccedilatildeo tributaacuteria os quais se preocupam com os reflexos da accedilatildeo
puacuteblica sobre a renda nacional disponiacutevel e sobre o comportamento da esfera privada o que significa
cuidar do paradoxo da exploraccedilatildeo da base tributaacuteria afetando a proacutepria base em si considerada (CUR-
SI 2011 p 103-104)A renda disponiacutevel agrave esfera privada eacute um importante fator de influecircncia do ritmo e tipo de atividade executada pela esfera privada no acircmbito da base tributaacuteria explorada economicamente pela esfera puacuteblica Quer dizer que a disponibilidade econocircmica e financeira a geraccedilatildeo de emprego e renda e os comportamentos podem ser afetados pela administraccedilatildeo tributaacuteria conforme o tipo de calibraccedilatildeo da carga tributaacuteria ou segundo o tipo de seletividade essencialidade e equidade utilizada pelos regimes tributaacuterios O modo e a forma como a esfera puacuteblica obteacutem dinheiro junto agrave esfera privada eacute relevante para a administraccedilatildeo tributaacuteria por afetar a sustentabilidade de exploraccedilatildeo da proacutepria base e por produzir efeito sobre as geraccedilotildees futuras Em outras palavras explorar a base tributaacuteria ignorando os efeitos da exploraccedilatildeo verificados na esfera privada eacute ignorar a necessidade de apreciar no longo prazo a hipoacutetese de cuidar para natildeo exaurir a base e natildeo afetar negativamente as decisotildees de desenvolvimento econocircmico e social (CURSI 2011 p 104)
Conclui-se com efeito que o fluxo de dinheiro obtido por meio da tributaccedilatildeo natildeo pode ser
apreciado em termos de mera aplicaccedilatildeo da carga sobre a mateacuteria tributaacutevel Haacute portanto a neces-
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sidade de uma cuidadosa calibraccedilatildeo da incidecircncia que seja capaz de assegurar tanto um volume
adequado de recursos aos cofres puacuteblicos como a maior neutralidade possiacutevel da tributaccedilatildeo com a
preservaccedilatildeo do niacutevel de atividade privada (CURSI 2011 p 104-105)
O planejamento da poliacutetica tributaacuteria tambeacutem envolve o estabelecimento de accedilotildees estrateacutegicas
voltadas agrave implementaccedilatildeo de obrigaccedilotildees instrumentais e agrave realizaccedilatildeo de atividades fiscalizatoacuterias que
tecircm como principal objetivo em uacuteltima anaacutelise combater e prevenir os atos de sonegaccedilatildeo fiscal ten-
dentes a provocar lesatildeo aos cofres puacuteblicos ante o natildeo pagamento dos tributos devidos regularmente
aos cofres puacuteblicos pelo contribuinte
Segundo Eckstein (1971 p 86) para que funcione bem um sistema em que as pessoas respei-
tem as leis tributaacuterias e paguem os seus tributos de forma voluntaacuteria faz-se necessaacuteria agrave transmissatildeo
de confianccedila ao povo de que os impostos satildeo justos e que todos contribuem para ele
Quando se generaliza o sentimento de que o sistema tributaacuterio eacute simplesmente uma sucessatildeo de brechas e evasotildees e as pessoas veem seus vizinhos igualmente proacutespe-ros pagando substancialmente menos ou vivendo agrave base de contas de despesas livres de impostos o moral do contribuinte baixa A apresentaccedilatildeo de uma declaraccedilatildeo de impostos honesta deixa entatildeo de ser um ato moral Em muitos paiacuteses do mundo tanto ricos como pobres a eacutetica relativa aos impostos se distingue da eacutetica em outras esferas (ECKSTEIN 1971 p 86-87)
Nabais (2005 p 135) ao discorrer sobre os aspectos da cidadania fiscal expotildee que se por
um lado aos indiviacuteduos de uma sociedade natildeo eacute dado o distanciamento do dever de contribuir para
o suporte financeiro do Estado-naccedilatildeo observada a capacidade contributiva de cada um por outro
a eles eacute conferido o direito de exigir daquele ente tributante que obrigue a todos a cumprirem com
o referido dever
A fiscalizaccedilatildeo que diga-se constitui atividade que integra especificamente a aacuterea de gestatildeo da
poliacutetica tributaacuteria (POHLMANN IUDIacuteCIBUS 2006 p 55) representa justamente a principal forma de
que dispotildee o Estado para averiguar a regularidade fiscal das pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas ainda que natildeo
venham a se enquadrar na figura de contribuintes mas que satildeo obrigadas a cooperar com a atividade
fiscalizatoacuteria por forccedila da legislaccedilatildeo tributaacuteria
Colocadas essas premissas baacutesicas acerca das accedilotildees relacionadas com as atividades de tributa-
ccedilatildeo de arrecadaccedilatildeo e de fiscalizaccedilatildeo cabe agora destacar que conforme Krugman e Wells (2007 p
428) A poliacutetica tributaacuteria sempre tem dois objetivos Por um lado os governos procuram alcanccedilar a eficiecircncia tributaacuteria procuram minimizar os custos diretos e indiretos da cobranccedila de impostos para a economia Por outro lado os governos buscam a justiccedila tributaacuteria ou equidade tributaacuteria procuram garantir que as pessoas certas de fato tenham que arcar com a carga dos impostos O dilema central em poliacutetica tributaacuteria [] eacute que um imposto eficiente pode natildeo parecer justo e um imposto justo pode natildeo ser eficiente Assim haacute um trade-off fundamental entre equidade e eficiecircncia (desta-que no original)
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Poreacutem afirmam os autores (KRUGMANWELLS 2007 p 430) que ldquoa anaacutelise econocircmica natildeo
pode dizer quanto peso um sistema tributaacuterio deve atribuir agrave equidade ou agrave eficiecircncia A escolha eacute um
julgamento de valor que fazemos atraveacutes do processo poliacuteticordquo
Pohlmann e Iudiacutecibus (2006 p 32) elencam dentre os objetivos da poliacutetica tributaacuteria a elevaccedilatildeo
da arrecadaccedilatildeo a redistribuiccedilatildeo da riqueza e o estiacutemulo agrave atividade econocircmica estando constante-
mente preocupada com a avaliaccedilatildeo dos efeitos e da eficaacutecia da mudanccedila nas regras tributaacuterias
Ao discorrer sobre a importacircncia de se manter uma permanente avaliaccedilatildeo de qualquer poliacutetica
puacuteblica Matias-Pereira (2012 p 235) expotildee que
A avaliaccedilatildeo se apresenta como uma ferramenta relevante de gestatildeo visto que pode ser utilizada ao longo de todo o ciclo de gestatildeo A partir da avaliaccedilatildeo torna-se possiacutevel subsidiar o processo de planejamento e formulaccedilatildeo de uma intervenccedilatildeo o acompa-nhamento de sua implementaccedilatildeo os ajustes que se fizerem necessaacuterios as decisotildees sobre sua manutenccedilatildeo aperfeiccediloamento mudanccedila de rumo ou interrupccedilatildeo entre outros procedimentos A avaliaccedilatildeo pode ajudar ainda a viabilizar todas as atividades de controle interno externo por instituiccedilotildees puacuteblicas e pela sociedade permitindo assim uma maior transparecircncia e accountability das accedilotildees realizadas pelos governos
No momento em que o processo de formulaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas chega ao estaacutegio da to-
mada de decisotildees vinculativas o grau de liberdade de que gozam os responsaacuteveis pela tomada dessas
decisotildees estaacute circunscrito por um conjunto de ideias e de paradigmas bem como pelas circunstacircncias
sociais econocircmicas e poliacuteticas estabelecidas no acircmbito territorial de suas competecircncias (HOWLETT
RAMESH PERL 2013 p 158) Por tal motivo haacute que se reconhecer que a tomada de decisatildeo natildeo eacute um
exerciacutecio meramente teacutecnico mas um processo inerentemente poliacutetico que implica fazer escolhas de
um nuacutemero relativamente pequeno de opccedilotildees poliacuteticas alternativas identificadas durante o processo
de sua formulaccedilatildeo resultando em diferentes tipos de decisotildees as quais produzem ldquoganhadoresrdquo e
ldquoperdedoresrdquo (HOWLETT RAMESH PERL 2013 p 157)
Natildeo raro quando a formulaccedilatildeo da poliacutetica tributaacuteria chega ao seu estaacutegio decisoacuterio as so-
luccedilotildees para determinadas questotildees satildeo vistas com maus olhos pelos atores natildeo estatais envolvidos
naquele processo os quais satildeo desprovidos de autoridade que lhes legitimem a adotar concreta-
mente as decisotildees vinculativas na aacuterea muito embora estivessem engajados nos estaacutegios antece-
dentes agravequela etapa decisoacuteria
Ao tratarem da possibilidade de engajamento e da influecircncia dos atores no processo de formu-
laccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas Dias e Matos (2012 p 39-40) assinalam que
Na cena poliacutetica configurada pelo Estado e pelos oacutergatildeos de governo em todas as esferas de atuaccedilatildeo existem inuacutemeros indiviacuteduos grupos organizaccedilotildees movimentos partidos que influenciam as poliacuteticas puacuteblicas quer seja no seu processo de constru-ccedilatildeo quer na sua implantaccedilatildeo e nos seus desdobramentos Os denominados atores e seu papel fundamental eacute influenciar de algum modo as poliacuteticas governamentais de-fendendo seus interesses proacuteprios ou dos grupos que representam Suas praacuteticas satildeo
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diversas podendo empregar diversos meios para defender seus interesses a pressatildeo pura e simples atraveacutes do lobby a greve mobilizaccedilotildees participaccedilatildeo nas reuniotildees etc de tal modo que as poliacuteticas puacuteblicas constituem o resultado das accedilotildees tomadas por esses vaacuterios atores que influenciam o processo de formulaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas
Dias e Matos (2012 p 40) reconhecem que os diferentes atores envolvidos no processo de for-
mulaccedilatildeo das poliacuteticas puacuteblicas possuem interesses distintos embora coincidam em muitos pontos
Esse fato possui especial significacircncia para as decisotildees diretamente relacionadas com o manejo
da poliacutetica tributaacuteria porque os interesses distintos do Estado enquanto ente tributante e dos contri-
buintes enquanto financiadores das despesas estatais natildeo raro datildeo origem a uma consequente insa-
tisfaccedilatildeo por parte destes uacuteltimos abrindo caminho para o estabelecimento de uma relaccedilatildeo conflituosa
entre ambos a qual merece ser examinada de perto
Como bem observa Cursi (2011 p 136-137)
[] a esfera puacuteblica delibera em administraccedilatildeo tributaacuteria com percepccedilatildeo diferente daquela empregada pela esfera privada Esta diferenccedila de percepccedilatildeo decorre da di-ferenccedila existente entre a decisatildeo puacuteblica e o juiacutezo privado Essa diferenccedila de juiacutezos tambeacutem ocasiona diferenccedilas de percepccedilatildeo quanto aos seguintes aspectos do regime de tributaccedilatildeo carga seletividade progressividade e essencialidade Em outras pala-vras haacute entre a esfera puacuteblica e a esfera privada uma diferenccedila de percepccedilatildeo quanto agrave extrafiscalidade porque as referidas esferas possuem processos decisoacuterios com carac-teriacutesticas diferentes Deste acircngulo haacute diferenccedilas entre o juiacutezo puacuteblico e o julgamento privado diferenccedilas que conduzem a percepccedilotildees distintas em relaccedilatildeo agraves calibraccedilotildees para exploraccedilatildeo da base tributaacuteria pois os julgamentos da esfera puacuteblica satildeo influen-ciados pelos propoacutesitos e definiccedilotildees poliacutetico-estrateacutegicos e visam maximizar o bem comum enquanto o juiacutezo da esfera privada eacute influenciado pela loacutegica microeconocircmi-ca e pelo interesse particular
O toacutepico seguinte tem por foco justamente as interaccedilotildees entre os atores na arena organiza-
cional das poliacuteticas tributaacuterias que indubitavelmente satildeo influenciadas de forma direta pela complexa
relaccedilatildeo travada entre o Fisco e o contribuinte
2 ATORES ENVOLVIDOS NA FORMULACcedilAtildeO E NA IMPLEMENTACcedilAtildeO DA POLIacuteTICA TRIBUTAacute-RIA A CONTURBADA RELACcedilAtildeO ENTRE O FISCO E O CONTRIBUINTE
As poliacuteticas tributaacuterias se baseiam no exerciacutecio do denominado poder fiscal ou poder de tri-
butar definido por Martins (1988 p 81) como a faculdade de que goza o Estado soberano de exigir
prestaccedilotildees pecuniaacuterias das pessoas que vivem sob sua jurisdiccedilatildeo com a finalidade de viabilizar o aten-
dimento dos encargos que satildeo proacuteprios daquele ente representando uma das manifestaccedilotildees mais
expressivas da vontade soberana das sociedades politicamente organizadas
Segundo a liccedilatildeo de Machado (2009 p 28-29)
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Como se sabe o Estado eacute entidade soberana No plano internacional representa a na-ccedilatildeo em suas relaccedilotildees com as outras naccedilotildees No plano interno tem o poder de gover-nar todos os indiviacuteduos que se encontrem no seu territoacuterio Caracteriza-se a soberania como a vontade superior agraves vontades individuais como um poder que natildeo reconhece superior No exerciacutecio de sua soberania o Estado exige que os indiviacuteduos lhe forneccedilam os recursos de que necessita Institui o tributo O poder de tributar nada mais eacute que um aspecto da soberania estatal ou uma parcela desta
Para Baleeiro (2000 p 189) ldquoo exerciacutecio do poder de tributar eacute fenocircmeno de caraacuteter iniludivel-
mente poliacutetico como todos que se acham vinculados agrave natureza e agraves atribuiccedilotildees do Estadordquo
Conforme Falcatildeo (1981 p 18) a tributaccedilatildeo que aliada a outras fontes de receitas torna pos-
siacutevel a obtenccedilatildeo dos recursos destinados ao custeio de determinadas atividades estatais especiacuteficas eacute
viabilizada em termos praacuteticos pelo fato de o Estado ter se voltado para um aspecto que lhe eacute ineren-
te o impeacuterio das suas decisotildees a cogecircncia do seu mando a imposiccedilatildeo da sua forccedila
Silva (1941 p 21) expotildee que
Organizado o Estado necessariamente que para manter sua existecircncia e cumprir suas finalidades teraacute que se suprir de meios indispensaacuteveis a esse objetivo Isto quer dizer que para manter-se assegurar sua existecircncia cumprir suas finalidades para fazer fun-cionar as instituiccedilotildees que exteriorizam sua organizaccedilatildeo poliacutetica deve o Estado procu-rar os recursos pecuniaacuterios de que necessita para satisfazer as proacuteprias necessidades E daiacute o dever de organizar suas financcedilas e de buscar os elementos para constituiacute-las
Machado (2009 p 29) afirma que o poder de tributar se justifica conforme a concepccedilatildeo que se
adote do proacuteprio Estado sendo que ldquoa ideia mais generalizada parece ser a de que os indiviacuteduos por
seus representantes consentem na instituiccedilatildeo do tributo como de resto na elaboraccedilatildeo de todas as
regras juriacutedicas que regem a naccedilatildeordquo
Carvalho (2010 p 10) seguindo essa linha de pensamento assevera que a tributaccedilatildeo estaacute di-
retamente relacionada com um acordo em que os membros integrantes da sociedade transferem ao
Fisco ldquoo poder de retirar parcelas de suas riquezas que se relacionam com os fatos geradores e suas
repercussotildees econocircmico-financeiras com a incumbecircncia de angariar os recursos de que necessitardquo
Oliveira (1988 p 11) aduz que
Enquanto sociedade politicamente organizada instituiccedilatildeo necessaacuteria ao conviacutevio e desenvolvimento humano o Estado recebe atribuiccedilotildees de que deve se desincumbir sempre visando ao bem-estar social em uacuteltima anaacutelise aos indiviacuteduos que o criaram Estes por conseguinte devem contribuir para os encargos da coletividade por forccedila da solidariedade social que preside o relacionamento interpessoal
No entender de Machado (2009 p 26) a tributaccedilatildeo indubitavelmente constitui o instrumento
que viabiliza a sobrevivecircncia da economia capitalista uma vez que sem ela o Estado teria de mono-
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polizar toda a atividade econocircmica de modo a angariar recursos suficientes para a realizaccedilatildeo de seus
fins sociais Com a tendecircncia revelada pelas naccedilotildees comunistas do leste europeu no sentido da deno-
minada economia de mercado o tributo passou a ganhar ainda mais relevacircncia ante a ineficiecircncia da
economia estatizada
Ao tratar da concepccedilatildeo que se deve ter acerca do tributo Amaro (2008 p 16) registra que o seu
conceito abrangeu desde os pagamentos em dinheiro ou bens exigidos pelos vencedores aos povos
vencidos ldquoateacute a cobranccedila perante os proacuteprios suacuteditos ora sob o disfarce de donativos ajudas contri-
buiccedilotildees para o soberano ora como um dever ou obrigaccedilatildeordquo Contudo o mesmo autor (AMARO 2008
p 16) adverte que uma noccedilatildeo de tributo baseada nessa representaccedilatildeo se perde no tempo
Para Oliveira (1988 p 11)
O tributo eacute o instituto engendrado pelo Homem que permite num clima de liberdade racionalizar juridicamente o esforccedilo de cooperaccedilatildeo individual em prol da comunidade ao mesmo tempo em que representa uma contribuiccedilatildeo constitui uma obrigaccedilatildeo per-mitindo ao seu destinataacuterio exigi-lo daqueles que por uma razatildeo ou por outra deixem de prestaacute-lo ou o faccedilam em desconformidade com a norma vigente
Bastos (1999 p 47) esclarece que eacute inegaacutevel a importacircncia do tributo sobretudo na modalida-
de de imposto considerando a indivisibilidade dos serviccedilos prestados pelo poder puacuteblico que repre-
sentam utilidades natildeo suscetiacuteveis de exclusiva imputaccedilatildeo individual Nada mais justo entatildeo do que
chamar a coletividade para cobrir essas despesas mediante o pagamento daquela exaccedilatildeo
A propoacutesito a ideia de ldquocontribuirrdquo volta-se justamente para a accedilatildeo do indiviacuteduo que presta
uma contribuiccedilatildeo a qual designa a cota que cada um daacute para atender a uma despesa comum (AMARO
2008 p 16) Ocorre que esse espiacuterito de coletividade nem sempre repousa tranquilo na consciecircncia
dos cidadatildeos chamados para contribuir com o custeio dos gastos que envolvem a promoccedilatildeo do bem-
-estar social
Diante dessa circunstacircncia o contribuinte eacute obrigado por forccedila de lei a cumprir com o dever
de dispor de parte de sua riqueza para o financiamento das atividades que o Estado soberano se
compromete em assumir Dessa afirmaccedilatildeo se constata que o tributo se reveste de uma caracteriacutestica
fundamental qual seja a coatividade (BASTOS 1999 p 47)
Conforme Neto Cisne (2002 p 130)
O Estado exige o tributo dos cidadatildeos para em troca prestar-lhes serviccedilos puacuteblicos e promover o bem-comum Nessa relaccedilatildeo deve ficar evidente que natildeo prevalece a von-tade do cidadatildeo de eximir-se da obrigaccedilatildeo de pagar os seus tributos Eacute uma relaccedilatildeo em que prevalece a vontade do Estado em receber as receitas tributaacuterias e a obrigaccedilatildeo do contribuinte em pagar seus tributos
Daiacute porque o traccedilo caracteriacutestico da relaccedilatildeo entre o contribuinte e o ente tributante repousa
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no caraacuteter obrigacional do tributo e no direito que tem o Estado de criaacute-lo e impocirc-lo visando aos
interesses coletivos (NETO CISNE 2002 p 147)
Vanoni (1932 p 119) observa que
Existe um interesse individual em obter da atividade do Estado a maacutexima utilidade possiacutevel e tal interesse apresenta-se particularmente intenso naqueles que sejam cha-mados a entregar uma parte do seu patrimocircnio para constituir os meios necessaacuterios agrave atividade puacuteblica e portanto esperem receber desta benefiacutecios em relaccedilatildeo com o sacrifiacutecio suportado
Na medida em que as expectativas dos cidadatildeos quanto ao retorno de suas contribuiccedilotildees na
forma de benefiacutecios vatildeo sendo frustradas amplia-se a rejeiccedilatildeo social ao pagamento de tributos que eacute
potencializada pela compulsoriedade desses recolhimentos Diante desse cenaacuterio perde-se o espiacuterito
de solidariedade que deve permear o esforccedilo de cooperaccedilatildeo individual para o custeamento dos en-
cargos da coletividade
3 O TRIBUTO COMO NORMA DE REJEICcedilAtildeO SOCIAL
Eacute interessante notar que conforme Eckstein (1971 p 91) nas sociedades organizadas faz-se
premente a aceitabilidade do sistema tributaacuterio que traduz a necessidade da sua aceitaccedilatildeo pelo cida-
datildeo ldquomantendo a coerecircncia com as noccedilotildees que este tem de justiccedila e natildeo sendo oneroso em compa-
raccedilatildeo com o que proporciona em troca aos contribuintesrdquo
No mesmo sentido satildeo as consideraccedilotildees de Cursi (2011 p 63) para quem uma
Boa tributaccedilatildeo eacute aquela proveniente de relaccedilotildees instrumentais imperativas onde a coerccedilatildeo poliacutetico-legal fixada aos particulares conduz a rendas monetaacuterias entregues pela aceitaccedilatildeo da legitimidade pertinecircncia e adequaccedilatildeo da exigecircncia estatal e con-cordacircncia com os propoacutesitos do gasto
Sem embargo observa-se que a cada dia o peso dos tributos e a incapacidade do governo em
promover de forma plena o bem-estar social vecircm dando margem a uma verdadeira repulsa ao sistema
tributaacuterio ocasionando protestos advindos de todas as camadas da sociedade sobretudo daquelas
que sofrem de forma mais intensa as consequecircncias decorrentes da ineficiecircncia estatal em gerenciar
os recursos carreados aos cofres puacuteblicos
Leciona Schoueri (2011 p 27) que
Se no Estado Social a sociedade pagava um preccedilo para o Estado atingir o desidera-to coletivo no Estado do Seacuteculo XXI a sociedade passa a compreender que o preccedilo tornou-se muito alto e o resultado piacutefio A tributaccedilatildeo excessiva torna-se inconciliaacutevel com o modelo do Estado do Seacuteculo XXI pois implica retirar recursos que a proacutepria coletividade necessita para seus fins A transferecircncia excessiva de recursos ao Estado
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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pela sociedade tolhe a iniciativa desta reduzindo ou impossibilitando o desenvolvi-mento econocircmico O resultado evidente eacute o surgimento de novas necessidades so-ciais exigindo mais recursos para a construccedilatildeo da liberdade Daiacute a reivindicaccedilatildeo da sociedade de tomar para si as tarefas antes delegadas ao Estado recusando-se daiacute a pagar um preccedilo exorbitante por uma liberdade que aquele jaacute natildeo mais se revela apto a promover O tributo surge nesta perspectiva como o preccedilo dessa liberdade Ele natildeo se justifica enquanto tal mas somente na medida em que seja indispensaacutevel e na extensatildeo em que se espera uma atuaccedilatildeo estatal na construccedilatildeo de uma liberdade coletiva de inclusatildeo social Revelando-se o Estado incapaz de (ou inaacutebil para) suprir certas demandas sociais natildeo se legitima o aumento desmedido de tributos em ciclo crescente e interminaacutevel onde se vecirc que por mais que se aumentem os tributos em maior grau se ampliam as demandas sociais exigindo novos aumentos
Neto Cisne (2002 p 146) assevera que apesar de o tributo ter uma funccedilatildeo socioeconocircmica o
cidadatildeo reage agrave sua imposiccedilatildeo por meio de alegaccedilotildees comuns como a injusticcedila dos tributos o peso
da carga tributaacuteria a desproporcionalidade entre o pagamento dos tributos e as contraprestaccedilotildees es-
tatais a maacute gestatildeo das financcedilas puacuteblicas dentre outras
Pontes (2004 p 138) entende que
[] as discussotildees sobre o aumento de carga tributaacuteria passam inelutavelmente em um primeiro momento pelo debate relativo ao modelo de financiamento do Estado da qualidade e da quantidade das despesas puacuteblicas e em um segundo momento pelo proacuteprio papel que o Estado deve desempenhar na sociedade brasileira
Alguns autores a fim de verificarem o peso real dos tributos para a sociedade chegam a esta-
belecer uma comparaccedilatildeo entre o volume da carga tributaacuteria dos paiacuteses e o efetivo retorno dos valores
a ela correspondentes por meio da prestaccedilatildeo de serviccedilos puacuteblicos
Sobre o tema Pellizzari (1990 p 38) discorre que a carga tributaacuteria de um determinado paiacutes so-
mente seraacute considerada alta ou baixa mediante o estabelecimento de um comparativo entre os custos
e os benefiacutecios que decorrem dos serviccedilos prestados pelo poder puacuteblico Demais disso caso ocorra
uma comparaccedilatildeo entre as cargas tributaacuterias de paiacuteses distintos e que venha a se basear nesse paracircme-
tro deveratildeo ser consideradas tanto a quantidade como a qualidade dos serviccedilos puacuteblicos prestados
pelos paiacuteses envolvidos no comparativo
Ocorre que conforme Heidemann (2010 p 33) o volume e a qualidade dos serviccedilos puacuteblicos
natildeo justificam os custos que envolvem a sua prestaccedilatildeo Aleacutem disso os proacuteprios governos estatildeo mui-
to caros o que contraria o mandamento de que para serem razoaacuteveis e viaacuteveis devem funcionar de
acordo com a disposiccedilatildeo e a capacidade de financiamento dos contribuintes
Machado (2009 p 26) exorta a importacircncia de que
[] a carga tributaacuteria natildeo se torne pesada ao ponto de desestimular a iniciativa privada No Brasil infelizmente isto vem acontecendo Nossos tributos aleacutem de serem muitos satildeo calculados mediante aliacutequotas elevadas Por outro lado o Estado eacute perdulaacuterio
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Gasta muito e ao fazecirc-lo privilegia uns poucos em detrimento da maioria pois natildeo investe nos serviccedilos puacuteblicos essenciais dos quais esta carece tais como educaccedilatildeo seguranccedila e sauacutede Assim mesmo sem qualquer comparaccedilatildeo com a carga tributaacuteria de outros paiacuteses eacute possiacutevel afirmar-se que a nossa eacute exageradamente elevada posto que o Estado praticamente nada nos oferece em termos de serviccedilos puacuteblicos
Martins (2004 p 266 - 227) chega a defender a tese de que o tributo eacute uma norma de rejeiccedilatildeo
social diante do fato de os contribuintes pagarem mais do que deveriam para receber serviccedilos puacutebli-
cos porquanto uma parte substancial dos recursos arrecadados serve apenas para viabilizar a manu-
tenccedilatildeo dos poliacuteticos no poder quando natildeo eacute canalizada diretamente para os ralos da corrupccedilatildeo
A esse respeito assevera Vanoni (1932 p 118) que ldquoum encargo imposto aos cidadatildeos por
qualquer abuso de poder puacuteblico e que natildeo sirva a fins de utilidade coletiva mas seja dispecircndio em
vantagens particulares seraacute uma espoliaccedilatildeo mas nunca um tributordquo
Machado (2009 p 27) expotildee que a carga tributaacuteria brasileira muito embora jaacute seja bastante
elevada natildeo impede que a arrecadaccedilatildeo venha batendo sucessivos recordes haja vista a regularidade
com que se criam ou satildeo aumentados os tributos
Estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Planejamento Tributaacuterio (2012 online) concluiacutedo
em marccedilo de 2013 e amplamente divulgado pela miacutedia nacional aponta que a carga tributaacuteria brasi-
leira em 2012 chegou a 3627 do Produto Interno Bruto com crescimento de 025 ponto percentual
em relaccedilatildeo a 2011 periacuteodo no qual a carga tributaacuteria jaacute havia batido recorde histoacuterico O mesmo es-
tudo destaca o fato de que nos uacuteltimos dez anos a carga tributaacuteria cresceu 363 pontos percentuais
com meacutedia de 036 ponto percentual ao ano
Queiroz (2003 p 191) lembra que ldquouma carga tributaacuteria excessiva atrasa o desenvolvimento e
num ciacuterculo vicioso provoca a queda da arrecadaccedilatildeo e assim dificulta a realizaccedilatildeo dos investimentos
para a geraccedilatildeo de emprego e rendardquo
Sobre o assunto Tipke (2012 p 53) discorre que
Se as Constituiccedilotildees liberais garantem fomentam ou favorecem a iniciativa privada sobretudo a econocircmica se reconhecem a liberdade empresarial e garantem a pro-priedade privada segue-se que tambeacutem a imposiccedilatildeo precisa respeitar esses valores da liberdade natildeo deve usurpar por meio de uma carga tributaacuteria global excessiva Esse eacute o caso quando por meio da elevaccedilatildeo da carga tributaacuteria global prejudica essencial-mente a iniciativa privada solapa a vontade de produzir de quem desenvolve uma ati-vidade econocircmica autocircnoma ou dependente ou a debilita essencialmente Tambeacutem a experiecircncia demonstra que a vontade de produzir do trabalhador eacute debilitada mesmo quando a carga tributaacuteria natildeo alcanccedila o miacutenimo existencial
Pontes (2004 p 145) salienta que no Brasil os sucessivos aumentos da carga tributaacuteria com-
prometem o crescimento econocircmico Bem assim desestimulam o investimento na produccedilatildeo con-
siderando que ldquoa maior parte da incidecircncia de tributos recai sobre bens e serviccedilos e muito pouco
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sobre a renda e propriedade o que natildeo deixa de ser curioso em um paiacutes marcado pela desigualda-
de como o Brasilrdquo
Luchiezi Jr e Maria (2010 p 168-169) observam que dentre as principais tendecircncias que mar-
caram as modificaccedilotildees no sistema tributaacuterio brasileiro desde a ediccedilatildeo do Plano Real destacam-se i)
o aumento da regressividade da carga tributaacuteria com a maior incidecircncia de tributos sobre o consumo
de bens e serviccedilos ii) a limitaccedilatildeo da tributaccedilatildeo direta no Brasil e iii) o tratamento diferenciado da tri-
butaccedilatildeo das rendas violando o princiacutepio da isonomia tributaacuteria ao tratar com criteacuterios diferenciados
a renda do capital (lucros dividendos e juros) e do trabalho considerando que haacute uma concentraccedilatildeo
cada vez maior de impostos comprometedores da renda dos trabalhadores assalariados
No entender de Pellizzari (1990 p 73-74) o sistema tributaacuterio brasileiro
[] ao inveacutes de ser uma forma de distribuiccedilatildeo de renda eacute uma forma de concentraccedilatildeo uma vez que quem paga os impostos satildeo os assalariados e na distribuiccedilatildeo destes re-cursos uma grande parte eacute transferida para as empresas ndash atraveacutes de infra-estrutura incentivos e ajudas oficiais sobrando uma pequena parte para retornar em serviccedilos puacuteblicos aos contribuintes de fato [] Na realidade o nosso sistema tributaacuterio em-basado em impostos indiretos e sobre a renda consumida foi justamente planejado para concentrar a renda nacional
Sem prejuiacutezo dessas consideraccedilotildees indaga-se aleacutem dessas quais seriam as demais caracteriacutesti-
cas marcantes do sistema tributaacuterio brasileiro que contribuem para a relaccedilatildeo conflituosa entre o Fisco
e o contribuinte Eacute o que se veraacute no toacutepico seguinte
4 OUTRAS CARACTERIacuteSTICAS DO SISTEMA TRIBUTAacuteRIO BRASILEIRO E SEUS VIacuteNCULOS COM A CRISE DA RELACcedilAtildeO DE TRIBUTACcedilAtildeO
Pontes (2004 p 139) elenca a instabilidade como sendo uma das caracteriacutesticas marcantes
do sistema tributaacuterio brasileiro que contribuem para o estabelecimento de uma relaccedilatildeo conflituo-
sa entre o Fisco e o contribuinte chegando inclusive a afirmar a inexistecircncia de oacutergatildeos especiacuteficos
responsaacuteveis pelo planejamento da poliacutetica tributaacuteria no Brasil entendida pelo autor como ldquo[] a
definiccedilatildeo de diretrizes claras de curto meacutedio e longo prazo bem como das respectivas medidas
necessaacuterias ao seu atingimentordquo
Salienta Pontes (2004 p 139) que no acircmbito federal
A Secretaria da Receita Federal eacute o oacutergatildeo encarregado de definir a poliacutetica tributaacuteria e ao mesmo tempo promover a arrecadaccedilatildeo das incidecircncias por ela preestabelecidas (e via de regra ratificadas pelo Congresso Nacional e pelo Chefe do Poder Executivo) A consequecircncia eacute a adoccedilatildeo de um amontoado desarticulado de medidas motivadas pela urgecircncia da conjuntura que natildeo guardam sintonia entre si quando observadas no longo prazo e que tecircm quase sempre apenas um objetivo promover o aumento de arrecadaccedilatildeo exigido pela poliacutetica macroeconocircmica
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Demais disso Pontes (2004 p 141) explicita que a instabilidade reflete-se ainda
[] na contemplaccedilatildeo legal cada vez maior de pleitos de setores econocircmicos indivi-dualizados Como natildeo haacute uma diretriz tributaacuteria clara (dada a inexistecircncia de plane-jamento para a poliacutetica tributaacuteria) a legislaccedilatildeo eacute o repertoacuterio de comandos discipli-nando interesses setorizados fruto das pressotildees institucionais [hellip] Assim a falta de planejamento aumenta a desarticulaccedilatildeo das regras tributaacuterias acirra as desigualdades infundadas e constitui campo propiacutecio para a contemplaccedilatildeo de normas que represen-tam o fruto da pressatildeo de alguns setores organizados
Segundo Pontes (2004 p 142) tambeacutem eacute da natureza do sistema tributaacuterio brasileiro a sua
complexidade que seria uma unanimidade entre os expertos dos setores puacuteblico e privado a classe
empresarial e os profissionais dedicados ao tema da tributaccedilatildeo Para o autor (PONTES 2004 142-143)
o Governo Federal natildeo empreende esforccedilos no sentido de solucionar o problema que vem se agigan-
tando cada vez mais sobretudo na esfera estadual onde a complexidade eacute traduzida pela amplitude
de normas que versam acerca do ICMS ldquo[] tornando praticamente impossiacutevel o regular cumprimento
da legislaccedilatildeo tributaacuteria por contribuintes que natildeo dispotildeem de um arsenal de competentes assessores
fiscais e contaacutebeisrdquo (PONTES 2004 143)
A propoacutesito Krugman e Wells (2007 p 429) lembram que ldquoo custo administrativo mais co-
nhecido do sistema tributaacuterio eacute o tempo que os indiviacuteduos gastam preenchendo seus formulaacuterios de
imposto ou o dinheiro gasto com contadores para que preparem os impostos para elesrdquo
Daiacute porque Zottmann (2008 p 42) ao discorrer sobre os agentes econocircmicos que integram a
informalidade afirma que estes muitas das vezes tecircm a pretensatildeo de se enquadrarem na categoria de
agentes formais cumpridores das responsabilidades tributaacuterias a eles atribuiacutedas mas que assim natildeo
o fazem ante o custo extremamente alto que envolve a responsabilidade pela administraccedilatildeo e pelo
pagamento de tributos
Conforme Tanzi (2009 p 45)
A economia subterracircnea traz implicaccedilotildees para o sistema tributaacuterio Quando uma por-ccedilatildeo consideraacutevel da economia de um paiacutes passa para a economia subterracircnea e por-tanto natildeo cumpre com suas obrigaccedilotildees fiscais mas ainda assim usa os serviccedilos do governo isso forccedila o governo a aumentar as aliacutequotas dos impostos para aqueles que as pagam tornando sua vida ainda mais difiacutecil O governo tambeacutem pode arrecadar menos receitas fiscais do que o necessaacuterio para evitar dificuldades macroeconocircmicas Por se tornar menos neutro o sistema fiscal tambeacutem impotildee distorccedilotildees agrave economia
No que tange especificamente ao planejamento da poliacutetica tributaacuteria que envolve o cumpri-
mento de obrigaccedilotildees acessoacuterias tem-se que a idealizaccedilatildeo desses mecanismos de controle utilizados
pela Administraccedilatildeo Tributaacuteria deve estar baseada em paracircmetros razoaacuteveis que permitam ao contri-
buinte cumprir adequadamente com as suas obrigaccedilotildees tributaacuterias sem que essa conduta venha a
representar um ocircnus insuportaacutevel prejudicando o exerciacutecio da atividade econocircmica
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Machado Segundo e Machado (2004 p 192) ao discorrerem sobre o razoaacutevel e o proporcional
em mateacuteria tributaacuteria aduzem que as obrigaccedilotildees acessoacuterias devem consubstanciar deveres racio-
nais coerentes com o senso comum devendo ainda serem adequadas necessaacuterias e proporcionais
tornando possiacutevel desta forma que a Administraccedilatildeo Tributaacuteria possa ldquo[] aferir o cumprimento das
obrigaccedilotildees tributaacuterias principais otimizando assim o atendimento aos princiacutepios da isonomia e da
capacidade contributivardquo
Vecirc-se portanto que para o estabelecimento de uma adequada poliacutetica tributaacuteria nesse sentido
eacute salutar que os seus gestores empreendam esforccedilos no sentido de racionalizar o cumprimento das
obrigaccedilotildees acessoacuterias por parte do contribuinte viabilizando por um lado a realizaccedilatildeo da atividade
fiscalizatoacuteria mas evitando por outro que elas venham a representar um ocircnus excessivo implicando
em custos elevados e pouco razoaacuteveis para os contribuintes
Apesar disso segundo Pontes (2004 p 142) no Brasil o custo de conformidade (compliance
cost) com as regras que impotildeem as obrigaccedilotildees acessoacuterias tornou-se um relevante item na planilha de
custos das empresas
Enquanto no mundo inteiro a simplicidade dos deveres acessoacuterios constitui meta de uma adequada poliacutetica tributaacuteria do ponto de vista da economicidade e da eficiecircncia no Brasil a legislaccedilatildeo caminha no sentido oposto elevando o custo de conformidade a patamares talvez nunca vividos neste paiacutes (PONTES 2004 p 142)
Pontes (2004 p 143) entende que o objetivo arrecadatoacuterio tambeacutem eacute marcante do sistema
tributaacuterio brasileiro o qual por razotildees macroeconocircmicas tem objetivado exclusivamente a geraccedilatildeo
de receita e a implementaccedilatildeo de meios para facilitar a arrecadaccedilatildeo sem se preocupar com a qua-
lidade da receita seja do ponto de vista da eficiecircncia econocircmica seja do ponto de vista da justiccedila
fiscal e da articulaccedilatildeo com os demais objetivos da ordem constitucional como por exemplo o de-
senvolvimento regional
Todas essas circunstacircncias contribuem sobremodo para o agravamento da crise que afeta as
relaccedilotildees entre o Fisco e o contribuinte Poreacutem existem outros fatores que funcionam como um cata-
lisador do processo de animosidade que se desenvolve no acircmbito do relacionamento travado entre
ambos os atores envolvidos com as poliacuteticas tributaacuterias
Para Neto Cisne (2002 p 147) no Brasil uma das causas que fomentam essa relaccedilatildeo conflituosa
reside na circunstacircncia de que haacute uma desconfianccedila muacutetua entre o Fisco e o contribuinte que poderia
ser mitigada por meio de uma maior participaccedilatildeo dos cidadatildeos nas poliacuteticas puacuteblicas e mediante o
estabelecimento de mecanismos que tenham o condatildeo de conferir transparecircncia agraves accedilotildees estatais
Schoueri (2011 p 43) argumenta que a ideia de responsabilidade poliacutetica dentro do contexto de um
sistema tributaacuterio ideal envolve justamente a necessidade de se exigir por parte dos governos uma
transparecircncia em mateacuteria tributaacuteria que implica saber quem estaacute arcando com o pagamento dos tri-
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butos e quem estaacute se beneficiando com a aplicaccedilatildeo dos recursos A relevacircncia da responsabilidade
poliacutetica toma vulto por exemplo quando se percebe que o sistema tributaacuterio eacute dotado de tributos
indiretos os quais levam a crer que satildeo as empresas natildeo os indiviacuteduos que arcam com o ocircnus deles
decorrentes Do mesmo modo esse tipo de tributaccedilatildeo permite esconder do indiviacuteduo o valor que estaacute
sendo pago por ele (SCHOUERI 2011 p 43)
Ocorre que conforme Pellizzari (1990 p 108) o sistema tributaacuterio brasileiro eacute pouco divulga-
do A populaccedilatildeo tem dificuldade em receber esclarecimentos concernentes a quem paga os tributos
de que forma paga quanto paga onde satildeo aplicados quem os recebe de que forma satildeo distribu-
iacutedos enfim eacute pouco esclarecida quanto ao processo de arrecadaccedilatildeo e de aplicaccedilatildeo dos tributos
como um todo
Acresccedila-se a tudo isso o fato de que corriqueiramente as administraccedilotildees tributaacuterias tecircm o
haacutebito de instituiacuterem mecanismos de cobranccedila de seus tributos que acabam por constranger ilegal-
mente os contribuintes a promoverem a quitaccedilatildeo de seus deacutebitos gerando ainda mais conflitos Satildeo
as denominadas sanccedilotildees poliacuteticas
Sobre o assunto Bim (2004 p 67-68) esclarece que
Para cobrar seus tributos o Estado institui natildeo somente sanccedilotildees pecuniaacuterias para es-timular o cumprimento das obrigaccedilotildees principais ou acessoacuterias mas tambeacutem ldquosan-ccedilotildeesrdquo natildeo pecuniaacuterias para constranger o contribuinte a pagaacute-los Tais sanccedilotildees satildeo conhecidas como indiretas tributaacuterias ou poliacuteticas [] As sanccedilotildees indiretas satildeo meios obliacutequos de cobranccedila tributaacuteria cerceadoras dos direitos fundamentais do cidadatildeo--contribuinte [] Satildeo sanccedilotildees indiretas a saber a interdiccedilatildeo de estabelecimento a apreensatildeo de mercadorias a negativa para a impressatildeo de bloco de notas fiscais o regime especial de fiscalizaccedilatildeo a proibiccedilatildeo de inscriccedilatildeo ou cassaccedilatildeo do cadastro de contribuintes (vg CNPJ) a exigecircncia de pagamento de certos tributos para a expe-diccedilatildeo de licenccedilas alvaraacutes ou para participar de licitaccedilotildees etc A constante nas san-ccedilotildees indiretas eacute a utilizaccedilatildeo de meios diversos sempre restritivos ou impeditivos de aquisiccedilatildeo de algum direito que impeccedilam ou dificultem a atividade do contribuinte para obrigaacute-lo a pagar o tributo O meio eacute variaacutevel mas o fim eacute constante garantir o adimplemento fiscal
Tipke (2012 p 112) ao discorrer sobre a possiacutevel existecircncia de uma conexatildeo entre a inapropria-
da moral impositiva do Estado e uma fraacutegil moral tributaacuteria do contribuinte afirma que muitos fatores
levam a crer que uma tributaccedilatildeo que despreza um coacutedigo de eacutetica modelar dificilmente pode construir
nos contribuintes inibiccedilotildees de ordem moral-tributaacuterias Em verdade ela teria o condatildeo de suprimir sua
consciecircncia tributaacuteria Eacute por isso que o autor (TIPKE 2012 p 114) acredita que ldquouma verdadeira reno-
vaccedilatildeo moral do contribuinte soacute teria ecircxito se em primeiro lugar as leis tributaacuterias fossem remoralizadas
a Justiccedila Tributaacuteria natildeo mais permanecendo marginalizadardquo
Ao discorrer sobre a temaacutetica Cursi (2011 p 158-159) emite a seguinte opiniatildeo
[] eacute preciso se esforccedilar para construir convergecircncias por isso eacute recomendaacutevel de-
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senvolver um ambiente de exploraccedilatildeo da base tributaacuteria onde os bons valores morais e comportamentais satildeo prestigiados em nome da sustentabilidade e do equiliacutebrio presente e futuro da moralidade nas relaccedilotildees e do comprometimento reciacuteproco O desenvolvimento de valores morais e eacuteticos eacute fundamental para favorecer a efetivida-de e eficaacutecia das relaccedilotildees mantidas no bojo da exploraccedilatildeo da base tributaacuteria
Todavia esperar o desenvolvimento de valores morais e eacuteticos que possam permear o relacio-
namento travado entre o Fisco e o contribuinte eacute uma medida irracional quando o planejamento da
tributaccedilatildeo eacute pautado pela absoluta falta de compromisso dos atores envolvidos nesse processo em
observar os primados baacutesicos e as diretrizes elementares para o estabelecimento de uma adequada
poliacutetica tributaacuteria que possa manter sintonia com os primados da justiccedila fiscal
Destaque-se a esse respeito que Pontes (2004 p 138) numa postura mais radical quanto ao as-
sunto chega inclusive a afirmar que o sistema tributaacuterio brasileiro atual eacute marcado pela completa falta
de planejamento das poliacuteticas tributaacuterias o que constitui um desmedido absurdo que merece todo
tipo de repreensatildeo e censura por parte da populaccedilatildeo sobretudo daquela sua parcela que eacute chamada
a contribuir com o custeio da maacutequina puacuteblica estatal
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Tudo o que fora esboccedilado neste breve estudo leva a crer que em uacuteltima anaacutelise o fator deter-
minante da existecircncia de uma animosidade entre o Fisco e o contribuinte eacute a deficiecircncia das poliacuteticas
tributaacuterias brasileiras como um todo que em geral natildeo buscam efetivar a justiccedila fiscal promovendo
uma redistribuiccedilatildeo de renda e onerando a populaccedilatildeo dentro de limites razoaacuteveis ou seja somente
na medida do que for estritamente necessaacuterio para a consecuccedilatildeo dos objetivos de bem-estar da
coletividade
Esse nefasto estado de coisas vem perdurando e se agravando ao longo dos anos que suce-
deram a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Nesse contexto tem-se que as propostas de
reforma tributaacuteria se apresentam como um novo norte de direccedilatildeo voltado a orientar uma adequada
postura da Administraccedilatildeo Tributaacuteria frente agraves questotildees fiscais mais condizente com os anseios da so-
ciedade brasileira que eacute tatildeo castigada pela deficiecircncia das poliacuteticas tributaacuterias
Sem embargo o que se observa eacute que as dificuldades inerentes agrave implementaccedilatildeo de uma re-
forma tributaacuteria seacuteria no paiacutes que indubitavelmente passa por interminaacuteveis debates poliacuteticos acerca
das suas especificidades fazem minguar qualquer esperanccedila de que mudanccedilas positivas estatildeo por vir
Essa circunstacircncia tem o condatildeo de evidenciar a existecircncia de um cenaacuterio desolador para os
cidadatildeos brasileiros que se veem obrigados a contribuir ferozmente para a manutenccedilatildeo da maacutequina
estatal de conformidade com regras definidas por um sistema tributaacuterio extremamente injusto e de-
sigual que parece ser revestido de uma imutabilidade que diga-se eacute relativa uma vez que as meta-
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morfoses do arcabouccedilo juriacutedico que lhe daacute forma soacute se prestam a acarretar cada vez mais transtornos
na vida dos contribuintes Diante desse estado de coisas indaga-se como esperar uma relaccedilatildeo har-
mocircnica entre estes e o Fisco
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INFLUEcircNCIA DOS FATORES ECONOcircMICOS NA ARRECADACcedilAtildeO DA CON-TRIBUICcedilAtildeO DE MELHORIA NOS MUNICIacutePIOS BRASILEIROS
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 Consideraccedilotildees sobre a Contribuiccedilatildeo de Melhoria e as dificuldades de sua implementaccedilatildeo 2 Anaacutelise prospectiva 3 Anaacutelise eco-nomeacutetrica 31 Interpretando os Resultados 311 Fundo Nacional de Desen-volvimento da Educaccedilatildeo 312 Fundo de Participaccedilatildeo dos Municiacutepios 313 Populaccedilatildeo 314 Contribuiccedilatildeo de Intervenccedilatildeo no Domiacutenio Econocircmico 315 Iacutendice Firjan de Desenvolvimento Municipal 316 Imposto de Propriedade de Veiacuteculos Automotores 317 Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural Consideraccedilotildees finais Referecircncias
Joseacute Flaacutevio da Silva1
INTRODUCcedilAtildeO
A contribuiccedilatildeo de melhoria no Brasil possui previsatildeo constitucional desde a Constituiccedilatildeo Fe-
deral de 1934 por meio do seu artigo 124 A Constituiccedilatildeo Federal de 1937 natildeo previu essa espeacutecie
tributaacuteria as Constituiccedilotildees Federais posteriores previram e atualmente a previsatildeo consta do artigo
145 III da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 Eacute importante destacar que o Coacutedigo Tributaacuterio Nacional (CTN)
natildeo definiu a contribuiccedilatildeo de melhoria poreacutem trouxe seus elementos norteadores em seu artigo 81
A literatura sobre federalismo fiscal no Brasil ensina que em uma federaccedilatildeo onde se estrutura
o poder poliacutetico de forma descentralizada (Uniatildeo Estados Municiacutepios e DF) como a forma de Estado
brasileira os municiacutepios possuem competecircncias tributaacuterias limitadas com arrecadaccedilatildeo insuficiente
para suprir suas despesas fazendo-se necessaacuterias as transferecircncias de recursos das esferas superiores
de governo para garantir o equiliacutebrio das contas publicas municipais Aleacutem disso tais repasses federais
e estaduais podem causar nos governantes municipais um desincentivo da exploraccedilatildeo de suas bases
tributaacuterias dado que eles receberatildeo um volume de verbas sem praticar qualquer tipo de esforccedilo arre-
cadatoacuterio desonerando-se do ocircnus poliacutetico que tal esforccedilo possa causar
Nesse sentido ao considerar os constantes deacuteficits observados pelos governos locais eacute impor-
tante destacar o princiacutepio do natildeo deacuteficit na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) Lei Complementar
1012000 associado ao baixo niacutevel da arrecadaccedilatildeo municipal motivo pelo qual eacute interessante conhe-
cer os fatores que contribuem para a situaccedilatildeo de descaso na cobranccedila de algumas receitas puacuteblicas
Frente agrave determinaccedilatildeo legal da LRF que restringe as renuacutencias de receitas resta a pergunta como os
municiacutepios atendem a essa imposiccedilatildeo jaacute que cobram de forma ineficiente seus tributos O IPTU por
1 Auditor Fiscal Adjunto da Receita Estadual do Cearaacute Mestre em Economia (CAENUFC) E-mail flaviojose2003igcombr
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exemplo em muitos municiacutepios natildeo eacute cobrado e quando cobrado os imoacuteveis possuem os valores ve-
nais desatualizados enquanto a contribuiccedilatildeo de melhoria raramente eacute cobrada
Conjuntamente ao descaso dos governantes a populaccedilatildeo natildeo demonstra consciecircncia tributaacute-
ria falta educaccedilatildeo fiscal em cada um dos contribuintes brasileiros e tal situaccedilatildeo compromete a res-
ponsabilidade de arrecadar os tributos Aleacutem disso as administraccedilotildees puacuteblicas municipais possuem
dificuldades de estruturar Secretarias de Financcedilas muitas vezes o que seria arrecadado da populaccedilatildeo
natildeo justificaria os gastos materiais e o desgaste poliacutetico
O objetivo deste artigo entatildeo eacute investigar a influecircncia dos fatores econocircmicos (variaacuteveis ex-
plicativas) no incremento da arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria pelos municiacutepios brasileiros no
ano de 2009
A metodologia de pesquisa utilizada eacute em um primeiro momento bibliograacutefica e em seguida
satildeo utilizados os recursos da Econometria Apoacutes os resultados obtidos do modelo o coeficiente de
determinaccedilatildeo R2 mostra o quanto da variaccedilatildeo total da arrecadaccedilatildeo eacute explicado pela reta de regressatildeo
dos miacutenimos quadrados ordinaacuterios (MQO) Em siacutentese o poder explicativo do modelo economeacutetrico
foi 2425 indicando uma significativa influecircncia dos fatores econocircmicos Tambeacutem eacute essencial conhe-
cer quais as causas do desprezo pela contribuiccedilatildeo de melhoria no Brasil Esse conhecimento torna-se
fundamental para a construccedilatildeo de poliacuteticas voltadas para a elevaccedilatildeo da arrecadaccedilatildeo com o objetivo
de assegurar os recursos que compatibilizem as receitas obtidas com as despesas praticadas
Aleacutem desta seccedilatildeo introdutoacuteria o trabalho eacute dividido em trecircs toacutepicos Inicialmente satildeo apresen-
tadas as consideraccedilotildees gerais sobre a contribuiccedilatildeo de melhoria no Brasil sob o enfoque legislativo
Em seguida trata-se da anaacutelise prospectiva do referido tributo O terceiro toacutepico apresenta a anaacutelise
economeacutetrica e o modelo utilizado para estimaccedilatildeo dos paracircmetros das variaacuteveis explicativas Por fim
as consideraccedilotildees finais limitaccedilotildees e recomendaccedilotildees para trabalhos futuros
1 CONSIDERACcedilOtildeES SOBRE A CONTRIBUICcedilAtildeO DE MELHORIA E AS DIFICULDADES NA SUA IMPLEMENTACcedilAtildeO
A contribuiccedilatildeo de melhoria eacute uma espeacutecie tributaacuteria que possui como base imponiacutevel a valori-
zaccedilatildeo imobiliaacuteria decorrente de obra puacuteblica estando contemplada no artigo 145 inciso III da Consti-
tuiccedilatildeo Federal de 1988 Destaque-se ainda que o referido tributo foi disciplinado nos artigos 81 e 82
do Coacutedigo Tributaacuterio Nacional (CTN) e regulamentado pelo Decreto-Lei 195 de 1967
Deve-se observar que o CTN respalda a cobranccedila da contribuiccedilatildeo pela necessidade da indeni-
zaccedilatildeo do contribuinte ao ente poliacutetico em consequecircncia dos custos da obra dos valores gastos con-
forme prevecirc seu artigo 81
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Art 81 A contribuiccedilatildeo de melhoria cobrada pela Uniatildeo pelos Estados pelo Distrito Federal ou pelos municiacutepios no acircmbito de suas respectivas atribuiccedilotildees eacute instituiacuteda para fazer face ao custo de obras puacuteblicas de que decorra valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria ten-do como limite total a despesa realizada e como limite individual o acreacutescimo de valor que da obra resultar para cada imoacutevel beneficiado
O Decreto-Lei 19567 por sua vez respalda a cobranccedila da contribuiccedilatildeo pela valorizaccedilatildeo imo-
biliaacuteria consoante se verifica em seu artigo 1ordm ldquoA Contribuiccedilatildeo de Melhoria prevista na Constituiccedilatildeo
Federal tem como fato gerador o acreacutescimo do valor do imoacutevel localizado nas aacutereas beneficiadas di-
reta ou indiretamente por obras puacuteblicasrdquo
A legitimidade da contribuiccedilatildeo de melhoria em decorrecircncia do Decreto-Lei 1951967 foi ques-
tionada poreacutem segundo o Supremo Tribunal Federal (STF) a Suacutemula 496 editada ainda sobre a eacutegide
de ordem constitucional anterior o tributo eacute legiacutetimo no ordenamento juriacutedico brasileiro
STF Suacutemula nordm 496 - 03121969 Satildeo vaacutelidos porque salvaguardados pelas disposiccedilotildees constitucionais transitoacuterias da Constituiccedilatildeo Federal de 1967 os decretos-leis expedidos entre 24 de janeiro e 15 de marccedilo de 1967
Pela definiccedilatildeo a contribuiccedilatildeo de melhoria eacute um tributo cobrado quando uma obra puacuteblica valo-
riza um imoacutevel particular Sua utilizaccedilatildeo no ordenamento juriacutedico brasileiro eacute antiga segundo registros
de Gomide (2009) tendo os primeiros indiacutecios da contribuiccedilatildeo de melhoria ocorridos no Brasil Impeacute-
rio em 1812 com a imposiccedilatildeo das fintas2 para a edificaccedilatildeo de obras puacuteblicas na Bahia e em 1818
com a determinaccedilatildeo das fintas para o reparo de vaacuterias pontes no Municiacutepio de Mariana ndash MG
Esse tributo eacute bastante justo e sua aparente complexidade natildeo pode inibir a busca de soluccedilotildees
para o caso de sua subutilizaccedilatildeo no meio fazendaacuterio A atividade de arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de
melhoria natildeo eacute simples cabendo destacar que tal processo arrecadatoacuterio passa por um conjunto de
dificuldades que impregnam o referido tributo no contexto da legislaccedilatildeo fiscal tornando seu entendi-
mento e operacionalizaccedilatildeo uma tarefa complexa
A questatildeo da valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria decorrente dos investimentos puacuteblicos como fato gerador
interage com os aparelhamentos teacutecnicos de outros profissionais alheios ao fisco3 A cobranccedila da con-
tribuiccedilatildeo de melhoria eacute uma questatildeo complexa tendo em vista os vaacuterios requisitos previstos na norma
O Decreto-Lei 19567 por exemplo exige para a cobranccedila do tributo que a Administraccedilatildeo compe-
tente publique o edital contendo entre outros os seguintes elementos delimitaccedilatildeo das aacutereas direta
e indiretamente beneficiadas e a relaccedilatildeo dos imoacuteveis nelas compreendidos memorial descritivo do
projeto orccedilamento total ou parcial do custo das obras determinaccedilatildeo da parcela do custo das obras a
2 Fintas eacute o mesmo que imposto tributo contribuiccedilatildeo puacuteblica poreacutem sem frequecircncia de uso SENIOR (1882 p 101) 3 O art 9ordm da Lei que dispotildee sobre a contribuiccedilatildeo de melhoria no Cearaacute Lei nordm 154842013 indica ldquoOs valores referidos no caput deste artigo seratildeo estabelecidos em avaliaccedilatildeo efetuada por comissatildeo composta por representantes de oacutergatildeos puacuteblicos nos termos definidos em decreto regulamentarrdquo
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ser ressarcida pela contribuiccedilatildeo com o correspondente plano de rateio entre os imoacuteveis beneficiados
Haacute ainda outras exigecircncias o que torna sua operacionalizaccedilatildeo trabalhosa
Chiara (2006) mostra que a contribuiccedilatildeo de melhoria eacute um tributo ainda pouco explorado no
Brasil Essa constataccedilatildeo eacute reforccedilada especialmente no Cearaacute pois a Secretaria da Fazenda Estadual (Se-
faz) nada arrecada com essa competecircncia tributaacuteria O artigo 3ordm da Lei Estadual 154842013 diz que a
contribuiccedilatildeo de melhoria seraacute exigida para fazer face a seus custos
Parece que a influecircncia legal eacute muito pequena e conforme Machado (2007) a realidade tem de-
monstrado que de forma geral a contribuiccedilatildeo de melhoria pouco ou nada vem rendendo ao eraacuterio
raras e esparsas satildeo as notiacutecias da sua utilizaccedilatildeo o que contribui para o agravamento de uma situaccedilatildeo
comum no ordenamento juriacutedico paacutetrio a transformaccedilatildeo dos diplomas legais em simples repertoacuterios
de dispositivos ineficazes e de pouca efetividade
As obras puacuteblicas satildeo iniciadas e concretizadas em decorrecircncia de interesse puacuteblico e natildeo de
interesse particular assim toda a sociedade em tese eacute beneficiada com a concretizaccedilatildeo do gasto
puacuteblico Apressadamente poder-se-ia concluir que toda a populaccedilatildeo estaria beneficiada de forma
isonocircmica e que todos contribuiacuteram indiretamente via impostos com os gastos decorrentes poreacutem
natildeo eacute isso que ocorre Algumas obras puacuteblicas beneficiam diretamente algumas pessoas valorizando
diretamente seus imoacuteveis Nesse sentido Paulsen (2004) justifica o seu pagamento pelo princiacutepio do
enriquecimento sem causa Daiacute a razatildeo da existecircncia do tributo competecircncia concedida aos entes
poliacuteticos para tributar os particulares diretamente beneficiados pela concretizaccedilatildeo da obra puacuteblica
Essa espeacutecie tributaacuteria objetiva um senso de justiccedila no sentido de distribuir os ocircnus de algu-
mas obras puacuteblicas tipificadas na norma para pessoas adjacentes diretamente beneficiadas Machado
(2007 p 139) comenta a respeito
Por isso ao falar-se da funccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria eacute importante esclarecer que ao lado da funccedilatildeo arrecadatoacuteria tem ela uma importantiacutessima funccedilatildeo redistribu-tiva funccedilatildeo que aliaacutes lhe confere especificidade Natildeo fora sua especial funccedilatildeo como instrumento destinado a retirar dos proprietaacuterios de imoacuteveis o incremento de valor destes decorrente da obra puacuteblica natildeo teria ela razatildeo de ser no sistema tributaacuterio
Bastos (1990) entende que a contribuiccedilatildeo de melhoria eacute possivelmente a espeacutecie tributaacuteria mais
justa Paga aquele que dela se beneficiar nos limites dos custos que a obra puacuteblica utilizou Aqui deve
ser lembrado o instituto da imputaccedilatildeo do pagamento4 que ocorre quando o contribuinte possui mais
de um deacutebito perante o fisco em que a contribuiccedilatildeo de melhoria prevaleceraacute sobre as taxas e impos-
4 CTN - ldquoArt 163 Existindo simultaneamente dois ou mais deacutebitos vencidos do mesmo sujeito passivo para com a mesma pessoa juriacutedica de direito puacuteblico relativos ao mesmo ou a diferentes tributos ou provenientes de penalidade pecuniaacuteria ou juros de mora a autoridade administrativa competente para receber o pagamento determinaraacute a respectiva imputaccedilatildeo obedecidas as seguintes regras na ordem em que enumeradas I - em primeiro lugar aos deacutebitos por obrigaccedilatildeo proacutepria e em segundo lugar aos decorrentes de responsabilidade tributaacuteria II - primeiramente agraves contribuiccedilotildees de melhoria depois agraves taxas e por fim aos impostos []rdquo
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tos (deveraacute ser paga antes desses) pelo fato de possuir um alto grau de retributividade Desta forma
deveraacute ser paga com prioridade a fim de evitar o enriquecimento sem causa
Biava (1994 p 2) encontra reforccedilo para a cobranccedila da contribuiccedilatildeo de melhoria
Entre as alternativas factiacuteveis para a Uniatildeo os Estados e os municiacutepios existe uma potencialidade efetiva tradicionalmente inaproveitada mas que poderaacute ser impor-tante instrumento para cobrir os crescentes custos de implantaccedilatildeo de serviccedilos que demandem a execuccedilatildeo de obras Trata-se da contribuiccedilatildeo de melhoria instrumento tributaacuterio jaacute disponiacutevel constitucionalmente haacute mais de meio seacuteculo persistentemen-te desprezado
Tem-se farta literatura juriacutedica sobre o assunto contudo do ponto de vista econocircmico os tra-
balhos satildeo escassos e isso natildeo passou despercebido por Biava (1986 p 18)
Observa-se assim que o conjunto de trabalhos acadecircmicos teoacutericos e tambeacutem os que visavam sua aplicaccedilatildeo no Brasil caracteriza-se pela ecircnfase nos aspectos juriacutedicos e pragmaacuteticos com poucas referecircncias a elementos vinculados agrave aacuterea econocircmica Estes aspectos encontrados muito esparsamente na literatura mundial satildeo apresentados de forma sinteacutetica em pesquisa publicada pelo Banco Interamericano de Desenvolvi-mento
O pouco ou nenhum uso do tributo contribuiccedilatildeo de melhoria gera um grande desperdiacutecio da
base tributaacuteria o que seria de enorme importacircncia nos projetos das gestotildees puacuteblicas municipais De-
veria ser cobrada mas verdadeiramente natildeo eacute essa postura das autoridades fazendaacuterias jaacute eacute esperada
porque muitos contribuintes que estariam no acircmbito da incidecircncia possuem influecircncia no meio poliacute-
tico afastando a cobranccedila que recairia sobre eles mesmos
Conforme ensina Machado (2011) essa espeacutecie tributaacuteria a contribuiccedilatildeo de melhoria natildeo tem
sido exigida no Brasil por causa da exigecircncia legal de publicaccedilatildeo do orccedilamento da obra tendo o
contribuinte o direito de impugnar o respectivo valor Enfatiza o autor que as obras puacuteblicas satildeo geral-
mente contratadas por valores superfaturados praticados acima dos indicados no mercado de sorte
que a transparecircncia natildeo eacute conveniente para a Administraccedilatildeo e muito menos para as empresas que
contratam com o Estado para finalizar as obras puacuteblicas A verdadeira razatildeo para a natildeo instituiccedilatildeo da
contribuiccedilatildeo de melhoria consoante Machado (2011) eacute a necessidade da transparecircncia aparentemen-
te rejeitada pelos administradores puacuteblicos
Observando como exemplo o Estado do Cearaacute e levando em consideraccedilatildeo os demais tributos
de competecircncia estadual essa espeacutecie tributaacuteria natildeo repercute significativamente na arrecadaccedilatildeo A
omissatildeo na cobranccedila da contribuiccedilatildeo de melhoria torna a lei estadual que dispotildee sobre o tributo5 uma
letra morta desconsiderando abertamente o trabalho da Casa Legislativa Eacute omissatildeo sem justificativa
existe a lei deve ser cumprida A ausecircncia da taxaccedilatildeo eacute puramente de ordem poliacutetica a despeito da sua
5 Lei Estadual nordm 15484 de 20 de dezembro de 2013 que dispotildee sobre a contribuiccedilatildeo de melhoria em obras estaduais
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importacircncia para as receitas de um Estado pobre como o Cearaacute Tanto eacute assim que Nascimento (2001)
registra que o artigo 11 da LRF incorpora regra da doutrina administrativa e como tal obriga o agente
puacuteblico a cumprir em toda a sua plenitude o mandato que lhe eacute conferido pela sociedade Tenta evitar
as atitudes fisioloacutegicas tatildeo comuns na poliacutetica brasileira assentadas na maacutexima religiosa que ganhou
certa notoriedade consistente no ldquoeacute dando que se receberdquo numa utilizaccedilatildeo deturpada e caricaturada
do princiacutepio consagrado pela crenccedila popular Nesse sentido eacute o entendimento de Mota (2005 p 787)
ldquoO texto busca coibir as indevidas e demagoacutegicas isenccedilotildees de tributos que se verificam nas instacircncias
federativas a exemplo inexigecircncia de IPTU Municipalrdquo
A redaccedilatildeo enfatiza um princiacutepio assente na doutrina do Direito Administrativo que eacute a indispo-
nibilidade do bem puacuteblico o Estado natildeo pode abrir matildeo de suas prerrogativas devendo exercer toda
a extensatildeo de sua competecircncia tributaacuteria incluindo a eficiecircncia na arrecadaccedilatildeo
Como ensina Pinheiro (2003) a injusticcedila do sistema de benefiacutecios fiscais eacute evidente ateacute para
o governo mas nada se faz para mudar a situaccedilatildeo A renuacutencia fiscal favorece na maioria das vezes a
quem menos dela necessita a injusticcedila eacute evidente e demonstrada pelo governo Natildeo eacute realizada uma
distribuiccedilatildeo dos benefiacutecios favorecendo as regiotildees mais necessitadas do Estado O governo para isso
teria de enfrentar lobbies com bom apoio no Legislativo e provavelmente no proacuteprio Executivo Como
resultado perpetuam-se as regiotildees inseridas nos bolsotildees de pobreza enquanto regiotildees desenvolvidas
tecircm acesso a benefiacutecios de que natildeo precisam6
Como percebido por Locircbo (2012) quando a atuaccedilatildeo do Estado consiste na execuccedilatildeo de uma
obra puacuteblica duas consequecircncias podem acontecer o incremento do valor dos imoacuteveis circunvi-
zinhos ou a desvalorizaccedilatildeo daqueles preacutedios Esta uacuteltima hipoacutetese menos comum rende ensejo
agrave reparaccedilatildeo econocircmica a primeira mais frequente reclama a absorccedilatildeo da mais-valia pelo Poder
Puacuteblico Se o Estado por meio do instrumento adequado natildeo chamar para si a ldquomais valiardquo estaraacute
desatendendo o princiacutepio da igualdade Nesse sentido vale destacar uma decisatildeo judicial que res-
palda esse entendimento7
A LRF introduz uma exigecircncia legal na gestatildeo das financcedilas puacuteblicas apoiada pela respon-
sabilidade dos gestores puacuteblicos de todos os poderes demonstrando um avanccedilo no cuidado que a
Administraccedilatildeo Puacuteblica deve reservar aos recursos que os contribuintes entregam ao eraacuterio Afinal a
LRF instituiu condiccedilotildees fixou limites e estabeleceu demonstrativos com o objetivo de ter um maior
controle no acompanhamento e transparecircncia dos recursos puacuteblicos
6 Eacute uma omissatildeo inaceitaacutevel porque o artigo 3ordm da Lei que dispotildee sobre a contribuiccedilatildeo de melhoria no Cearaacute Lei 154842013 eacute claro ao determinar a tributaccedilatildeo natildeo deixando margem para a sua discricionariedade fato presente tam-beacutem na legislaccedilatildeo anterior7 (18486) EXECUCcedilAtildeO FISCAL CONTRIBUICcedilAtildeO DE MELHORIA Sendo o fato gerador do tributo a valorizaccedilatildeo produzida no imoacutevel pela obra puacuteblica (calccedilamento) o ressarcimento pelo beneficiaacuterio eacute devido sob pena de enriquecimento iliacutecito (Apelaccedilatildeo Ciacutevel e Reexame Necessaacuterio nordm 196054761 2ordf Cacircmara Ciacutevel do TARS Campo Bom Rel Marco Aureacutelio dos Santos Caminha Apelante Municiacutepio de Campo Bom Apelado Jorge Jair Schuch j 220896)
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De acordo com a Secretaria do Tesouro Nacional em 1997 apenas 18 dos municiacutepios brasi-
leiros cobravam essa espeacutecie de receita proacutepria Comentando o artigo 11 da Lei de Responsabilidade
Fiscal os autores afirmamO artigo obriga os entes a instituir e arrecadar os tributos de sua competecircncia Trata--se para muitos de uma norma inconstitucional posto que a Carta Magna ao dispor sobre competecircncias tributaacuterias o faz no sentido de outorgaacute-las Portanto estaria ao alvedrio do ente instituir ou natildeo o tributo No entanto a regra eacute taxativa instituir e cobrar todos os tributos de sua competecircncia Caso essa norma seja levada a termo a Uniatildeo seria obrigada a instituir e cobrar o imposto sobre grandes fortunas que eacute de previsatildeo constitucional (FIGUEIREDO et al 2001 p 92)
Dessa forma referindo-se ao mesmo artigo 11 da LRF Toledo Jr e Rossi (2005) afirmam que a
contribuiccedilatildeo de melhoria eacute tributo muito pouco explorado pela unidade local de governo
2 ANAacuteLISE PROSPECTIVA
Este trabalho utiliza dados transversais do ano de 2009 objetivando realizar uma anaacutelise pros-
pectiva que permite investigar a influecircncia das variaacuteveis econocircmicas na arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo
de melhoria
O modelo utiliza uma amostra de municiacutepios que tecircm em comum valores arrecadados da con-
tribuiccedilatildeo de melhoria em 2009 Dessa forma pode-se observar a maneira como a presenccedila dos fatores
econocircmicos (cota IPVA cota FPM populaccedilatildeo entre outros) influencia a arrecadaccedilatildeo desse tributo As
conclusotildees obtidas a partir dos dados dos municiacutepios que arrecadam a contribuiccedilatildeo de melhoria po-
dem influenciar os gestores dos 791 dos municiacutepios que natildeo cobram o tributo
Foram testados no modelo como variaacutevel explicativa o PIB de 2008 e o PIB de 2009 todavia
se mostraram estatisticamente insignificantes e foram retirados Eacute consenso que o PIB contribui para o
aumento da arrecadaccedilatildeo tal variaacutevel eacute uma das responsaacuteveis por captar o efeito da base tributaacuteria so-
bre a arrecadaccedilatildeo Consequentemente uma maior base propicia uma maior arrecadaccedilatildeo Poreacutem isso
natildeo eacute realidade com a contribuiccedilatildeo de melhoria na praacutetica haacute casos que derrubam tal entendimento
Por exemplo em 2009 o municiacutepio de Satildeo Paulo com um PIB de R$ 188 milhotildees arrecadou apenas R$
500614 enquanto municiacutepios com PIB moderado arrecadaram valores expressivos
Todos os municiacutepios estatildeo expostos aos fatores econocircmicos todavia somente alguns arreca-
dam o tributo O problema natildeo estaacute nesses fatores econocircmicos porque duacutevidas natildeo existem que sem
eles natildeo haacute base tributaacuteria para a cobranccedila da contribuiccedilatildeo de melhoria
A razatildeo da maioria dos municiacutepios natildeo cobrarem o tributo eacute a mesma da Uniatildeo natildeo cobrar o
Imposto sobre Grandes Fortunas bem como da Uniatildeo natildeo ter interesse no Imposto Territorial Rural
tanto eacute assim que delega a capacidade tributaacuteria ativa desse imposto aos municiacutepios caso queiram
Razotildees satildeo muitas e de cunho poliacutetico Por exemplo poderaacute ser questionado que esse tributo traz mais
prejuiacutezo que benefiacutecio ao Sistema Tributaacuterio Nacional eacute um retrocesso falar na instituiccedilatildeo e cobranccedila
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de mais um tributo quando se espera a qualquer momento uma reforma tributaacuteria os recordes de ar-
recadaccedilatildeo satildeo constantes aumento de superaacutevit primaacuterio ano a ano tudo isso sem uma poliacutetica firme
de redistribuiccedilatildeo de riqueza entatildeo para que mais um tributo para aumentar a carga tributaacuteria dos
contribuintes
De todo modo acredita-se que o foco deveraacute ser no futuro o crescimento da arrecadaccedilatildeo
desse tributo prevendo-o de forma diferente da situaccedilatildeo atual de omissatildeo da maioria dos municiacutepios
Segue quadro com as participaccedilotildees das contribuiccedilotildees de melhoria municipais em suas respectivas
regiotildees bem como os percentuais dos municiacutepios que arrecadaram esse tributo em 2009
Quadro - Arrecadaccedilatildeo da Contribuiccedilatildeo de Melhoria por Regiatildeo Estados e municiacutepios em 2009
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Por isso pode-se observar que os municiacutepios brasileiros participam muito pouco em todas as
regiotildees da configuraccedilatildeo da arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria Essa constataccedilatildeo eacute mais eviden-
te nas regiotildees Norte e Nordeste especialmente nessa uacuteltima meacutedia de 717 bem inferior a nacional
que foi 2124 Os municiacutepios da regiatildeo Sul satildeo os mais ativos na arrecadaccedilatildeo tributaacuteria com desem-
penho acima da meacutedia nacional apresentando o percentual de 4431 por outro lado os percentuais
da regiatildeo Centro-Oeste e Sudeste giraram em torno de 209 e 2142 respectivamente Resta claro
que satildeo percentuais longe do ideal contudo indicam para os municiacutepios omissos na cobranccedila a pos-
sibilidade da arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria
Percebe-se que ainda precisa ser feito muito mais para o ajustamento da gestatildeo puacuteblica mu-
nicipal principalmente as gestotildees municipais do Norte e Nordeste brasileiro as quais mostram ar-
recadaccedilotildees longe da meacutedia nacional As administraccedilotildees municipais precisam expandir os potenciais
de arrecadaccedilatildeo especialmente o da contribuiccedilatildeo de melhoria Um bom comeccedilo seria seguir a praacutetica
dos governos locais da regiatildeo Sul do Brasil importando essas boas praacuteticas Igualmente os gestores
municipais devem implantar um preciso controle das bases tributaacuterias como eacute o caso da perioacutedica
atualizaccedilatildeo cadastral dos imoacuteveis em seus territoacuterios
3 ANAacuteLISE ECONOMEacuteTRICA
Uma maneira bastante conveniente para expressar o comportamento de um conjunto de va-
riaacuteveis sobre uma variaacutevel qualquer eacute o Modelo Claacutessico de Regressatildeo Linear (MCRL) Esse meacutetodo
oferece um conjunto de propriedades que garante de forma eficiente e consistente a estimaccedilatildeo da
contribuiccedilatildeo de cada variaacutevel explicativa sobre uma variaacutevel dependente Dessa forma partindo dos
objetivos apresentados neste trabalho esta pesquisa manuseia uma estrutura de dados em cortes
transversais8 para 1149 municiacutepios brasileiros no ano de 2009 e estima-se o seguinte modelo em sua
8 Variaacuteveis explicativas estaacuteticas no tempo retiradas de um uacutenico periacuteodo de tempo no caso 2009
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
160
forma geral Yi = szligo + szlig1X1i + szlig2X2i + + szligkXki + εi (1)
onde Yi eacute a variaacutevel dependente Xki satildeo as variaacuteveis explicativas szligk satildeo os paracircmetros a serem
estimados εi eacute o erro do modelo
Especificamente o modelo eacute descrito da seguinte forma
RTi = szlig0 + szlig1fndei + szlig2fpmi + szlig3popui + szlig4cidei + szlig5ifdmi + szlig6ipvai + szlig7itrui + εi (2)
onde RTi eacute a receita da contribuiccedilatildeo de melhoria do municiacutepio i fndei eacute o valor repassado pelo
Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo ao municiacutepio i fpmi eacute o valor repassado pelo Fundo
de Participaccedilatildeo dos Municiacutepios ao municiacutepio i popui eacute a populaccedilatildeo total do municiacutepio i cidei eacute o valor
da Contribuiccedilatildeo de Intervenccedilatildeo do Domiacutenio Econocircmico transferido ao municiacutepio i ifdmi eacute o iacutendice
Firjan de desenvolvimento municipal do municiacutepio i ipvai eacute a cota do IPVA transferida ao municiacutepio i
itrui eacute o valor do imposto sobre a propriedade territorial rural do municiacutepio i εi eacute o termo de erro
Os paracircmetros correspondentes de cada uma das variaacuteveis explicativas apresentam seus acreacutes-
cimos ou decreacutescimos na mensuraccedilatildeo da variaacutevel dependente estudada A Tabela 1 em seguida apre-
senta os resultados da regressatildeo proposta A Tabela 2 mostra as estatiacutesticas descritivas das variaacuteveis
Tabela 1 - resultados da regressatildeo
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
161
Tabela 2 - Estatiacutesticas descritivas
31 Interpretando os resultados
Diante dos resultados a hipoacutetese nula foi rejeitada para todos os coeficientes do modelo ao niacute-
vel de significacircncia de 10 Desta forma as estimativas destacam que as variaacuteveis incluiacutedas no modelo
afetaram de forma individual a arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria
Ademais atraveacutes da estatiacutestica F pode-se afirmar que conjuntamente as variaacuteveis explicativas
utilizadas provocaram mudanccedilas nos valores arrecadados a tiacutetulo de contribuiccedilatildeo de melhoria Ao
niacutevel de significacircncia de 1 as variaacuteveis explicativas afetaram conjuntamente o comportamento das
receitas provenientes desse tributo
O coeficiente de determinaccedilatildeo R2 mostra o quanto da variaccedilatildeo total da arrecadaccedilatildeo eacute explica-
do pela reta de regressatildeo de MQO Assim pode-se dizer que 2425 da variaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de
melhoria em torno da sua meacutedia satildeo explicadas pelo modelo considerado
311 Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educaccedilatildeo
A influecircncia do FNDE na arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria eacute significativa A cada R$
600 mil de receita recebida para aplicaccedilatildeo na educaccedilatildeo estima-se um decreacutescimo na arrecadaccedilatildeo do
tributo em R$ 306 mil Quanto mais recursos advindos de outro ente poliacutetico menor o interesse do
Municiacutepio na tributaccedilatildeo consequentemente menor o desgaste poliacutetico diante do eleitorado
312 Fundo de Participaccedilatildeo dos Municiacutepios
Constatou-se que esse tipo de transferecircncia governamental aos municiacutepios brasileiros exerce
influecircncia negativa sobre a arrecadaccedilatildeo tributaacuteria Verifica-se que quanto maior o volume de recursos
repassados aos municiacutepios via FPM menor a necessidade de auferir receita proacutepria para realizaccedilatildeo
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
162
de suas atividades Quando as receitas de uma municipalidade possuem grande dependecircncia dessa
transferecircncia os governos locais acabam por natildeo explorar suas bases e assim exercem um baixo niacutevel
de esforccedilo fiscal Diante disso da mesma forma que o FNDE a influecircncia do FPM na arrecadaccedilatildeo da
contribuiccedilatildeo de melhoria foi negativa A cada milhatildeo de receita recebida desse fundo estima-se um
decreacutescimo na arrecadaccedilatildeo do tributo em R$ 320
313 Populaccedilatildeo
Note-se que a variaacutevel populaccedilatildeo eacute uma proxy que capta o tamanho da base tributaacuteria Quan-
to maior a base tributaacuteria maior seraacute o potencial de arrecadaccedilatildeo assim era esperado que tal variaacutevel
explicativa influenciasse positivamente a arrecadaccedilatildeo De fato um maior contingente populacional
condiz com uma base tributaacuteria mais elevada e assim possui um efeito marginal positivo sobre a ar-
recadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria Tal fato pode ser observado pelo sinal positivo do paracircmetro
estimado para variaacutevel populaccedilatildeo
314 Contribuiccedilatildeo de Intervenccedilatildeo no Domiacutenio Econocircmico
O efeito positivo da variaacutevel Cide jaacute era previsto no modelo Estaacute se tratando de uma trans-
ferecircncia governamental obrigatoacuteria contudo de uso condicional em investimento de infra-estrutura
de transporte e sem contrapartida Deduz-se entatildeo que como os recursos satildeo condicionados para
investimentos de infra-estrutura de transporte resta pouca manipulaccedilatildeo poliacutetica de tais recursos O
fato eacute que a construccedilatildeo de estradas e obras semelhantes eacute fato gerador da contribuiccedilatildeo de melhoria
portanto quanto mais recursos da Cide - Combustiacutevel no Municiacutepio mais obras no setor de transporte
e daiacute o reflexo no paracircmetro positivo em 0098 A cada R$ 50 mil recebido pelo municiacutepio estima-se
que a arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria cresccedila R$ 49 mil
315 Iacutendice Firjan de Desenvolvimento Municipal
Esperava-se que o iacutendice Firjan contribuiacutesse positivamente porque quanto mais investimentos
municipais mais recursos satildeo necessaacuterios para o custeio desses serviccedilos puacuteblicos Assim o gestor puacute-
blico natildeo pode desprezar a arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria O resultado da contribuiccedilatildeo do
iacutendice Firjan para a arrecadaccedilatildeo foi positiva O paracircmetro positivo mostra que existe uma relaccedilatildeo entre
arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo e o IFDM
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
163
316 Imposto de Propriedade de Veiacuteculos Automotores
A influecircncia da cota do IPVA na arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria foi negativa confor-
me o presente modelo economeacutetrico O paracircmetro apresenta o coeficiente -0000937 ou seja a cada
recebimento de R$ 1 milhatildeo da cota IPVA a arrecadaccedilatildeo do tributo diminui em R$ 930 Essa receita
puacuteblica possui a caracteriacutestica da sazonalidade entra nos cofres puacuteblicos municipais no comeccedilo do
ano Tal como o FPM eacute uma transferecircncia governamental no caso do Estado que desestimula a arre-
cadaccedilatildeo de receita proacutepria daiacute a influecircncia negativa
317 Imposto Sobre a Propriedade Territorial Rural
A influecircncia do ITR na arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria foi positiva conforme o presen-
te modelo economeacutetrico O paracircmetro apresenta o coeficiente 0106912 ou seja a cada recebimento
de R$ 50 mil da cota ITR a arrecadaccedilatildeo do tributo aumenta em R$ 53 mil O ITR eacute um tributo de com-
petecircncia federal e a Uniatildeo demonstra natildeo se interessar pela arrecadaccedilatildeo tanto eacute assim que delega a
capacidade tributaacuteria ativa aos municiacutepios casos esses fiscalizem e arrecadem Eacute um tributo trabalhoso
e dispendioso sendo a arrecadaccedilatildeo prejudicada por questotildees poliacuteticas e tambeacutem teacutecnicas De iniacutecio
eacute preciso um cadastro nacional das propriedades rurais e na zona rural a disputa poliacutetica eacute muito acir-
rada de forma que quase natildeo se arrecada esse imposto Daiacute a influecircncia positiva da variaacutevel ou seja
para compensar a baixa arrecadaccedilatildeo do ITR resta lanccedilar matildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Foram analisadas as participaccedilotildees dos municiacutepios brasileiros na arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo
de melhoria no ano de 2009 a partir de uma amostra de todos os municiacutepios que arrecadaram esse
tributo Apesar da previsatildeo na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 artigo 145 III e exigecircncia da Lei de Res-
ponsabilidade Fiscal em poucos municiacutepios esse tributo eacute cobrado conforme constataccedilatildeo diante da
anaacutelise dos demonstrativos financeiros publicados pela Secretaria do Tesouro Nacional
A contribuiccedilatildeo de melhoria natildeo eacute nova no ordenamento juriacutedico brasileiro foi prevista jaacute na
Constituiccedilatildeo Federal de 1934 poreacutem ateacute hoje eacute mal aproveitada pelos fiscos municipais estaduais
distrital e federal Os artigos 12 e 13 do Decreto-Lei 1951967 jaacute possuem a previsatildeo de a Uniatildeo dele-
gar a capacidade tributaacuteria ativa aos municiacutepios estados e Distrito Federal demonstraccedilatildeo desde logo
do desinteresse pela arrecadaccedilatildeo desse tributo
Esse tributo existe para impedir o enriquecimento sem causa dos beneficiados diretamente
por uma obra puacuteblica possui entatildeo um elevado grau de justiccedila diante dos demais contribuintes que
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financiaram as referidas obras Apoacutes a ediccedilatildeo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) a boa gestatildeo
fiscal municipal possui como fundamento a efetiva arrecadaccedilatildeo de todos os tributos da competecircncia
do ente poliacutetico A LRF exige demonstraccedilotildees perioacutedicas das contas puacuteblicas receitas e despesas bem
como transparecircncia da gestatildeo puacuteblica dos entes poliacuteticos O artigo 14 da LRF inibe a renuacutencia de re-
ceita enquanto a Lei de Improbidade Lei 842992 alerta para a improbidade administrativa quando
o gestor puacuteblico age negligentemente na arrecadaccedilatildeo de tributo ou renda
Desse arrazoado induz-se o raciociacutenio de que a arrecadaccedilatildeo da contribuiccedilatildeo de melhoria eacute
explicada tambeacutem por razotildees teacutecnicas e poliacuteticas natildeo alcanccediladas pelo modelo economeacutetrico contri-
buindo consequentemente na diminuiccedilatildeo do poder explicativo do modelo utilizado neste trabalho
Assim a falta de cultura tributaacuteria desse tributo atrelada a razotildees teacutecnicas e poliacuteticas justifica o com-
portamento omissivo na cobranccedila por parte da maioria dos municiacutepios ou seja existe um trade-off entre a responsabilidade fiscal e o benefiacutecio poliacutetico advindo da omissatildeo na cobranccedila do tributo
Acredita-se que o foco deveraacute ser no futuro o crescimento da arrecadaccedilatildeo desse tributo diver-
gindo da situaccedilatildeo atual de omissatildeo da maioria dos municiacutepios Por fim entende-se que este trabalho
poderaacute ser utilizado para futuros planos de metas que pretendam inibir as mais diversas formas de
evasatildeo fiscal da contribuiccedilatildeo de melhoria a eficaacutecia tributaacuteria municipal poderaacute ser comparada com a
de outros municiacutepios que arrecadam o mesmo tributo Dessa forma poderaacute auxiliar os servidores fa-
zendaacuterios na programaccedilatildeo das accedilotildees fiscais de combate agrave evasatildeo fiscal tatildeo perniciosa para as poliacuteticas
puacuteblicas contribuindo assim com a promoccedilatildeo da cidadania fiscal
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CIDADANIA FISCAL O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 O dever fundamental de pagar tributos 11 O es-quecimento dos deveres e a hipertrofia dos direitos 12 Conceito e eficaacute-cia juriacutedica dos deveres fundamentais 13 O princiacutepio da solidariedade social como alicerce do dever fundamental de pagar tributos 2 A cidadania fiscal no Estado Democraacutetico de Direito 3 O combate agrave evasatildeo fiscal como condiccedilatildeo de exigibilidade dos deveres de cidadania Consideraccedilotildees finais Referecircncias
Marciano Buffon1
INTRODUCcedilAtildeO
O presente trabalho tem como objetivo principal traccedilar os contornos de uma concepccedilatildeo con-
temporaneamente adequada de cidadania fiscal a partir da compreensatildeo e aceitabilidade social do
dever fundamental de pagar tributos e do reconhecimento da sua importacircncia para realizaccedilatildeo dos di-
reitos fundamentais de cunho prestacional Tudo isso permeado pelo princiacutepio da solidariedade social
que fundamenta a Constituiccedilatildeo Brasileira
Em verdade natildeo haacute como exigir-se a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sem que haja em
contrapartida a contribuiccedilatildeo dos cidadatildeos para que tal intento seja alcanccedilado Ou seja natildeo haacute como
concretizar direitos fundamentais sem que haja o cumprimento por parte dos cidadatildeos de um dos
principais deveres de cidadania pagar tributos
Isso verifica-se por oacutebvio porque a realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais especialmente aque-
les de cunho prestacional implica a assunccedilatildeo de um significativo ocircnus financeiro Ocorre que tal en-
cargo social vem sendo ldquoesquecidordquo pois uma parcela expressiva da sociedade restringe a concepccedilatildeo
de cidadania apenas agrave esfera dos direitos descurando da faceta obrigacional daquela
Assim o pilar da solidariedade ndash fundamento do modelo estatal vigente ndash sofre profundas
avarias e a sociedade perde-se em suas concepccedilotildees individualistas e egocecircntricas Por conseguinte o
ldquocidadatildeordquo sucumbe ao seu inimigo o ldquoindiviacuteduordquo como alertara Tocqueville
Passa-se entatildeo a analisar o dever fundamental de pagar tributos e o princiacutepio da solidariedade
social que o sustenta tendo em vista que uma compreensatildeo adequada dessa questatildeo precede a dis-
cussatildeo acerca da concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Enfim natildeo eacute por acaso que este trabalho tem como ponto de partida a anaacutelise do dever fun-
1 Doutor em Direito Puacuteblico pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Professor dos cursos de graduaccedilatildeo e Poacutes-Graduaccedilatildeo (Mestrado) em Direito da Unisinos Autor do Livro Tributaccedilatildeo e Dignidade Humana entre direitos e deveres fundamentais Advogado E-mail marcianolucinicombr
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damental de pagar tributos e natildeo os tradicionais direitos fundamentais dos contribuintes Tal ocorre
porque antes de falar em direitos haacute de ter-se em mente os deveres pois em suma natildeo haacute como
sustentar a exigecircncia daqueles sem o cumprimento destes
1 O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS
Na parte inicial deste trabalho aborda-se a questatildeo dos deveres fundamentais especificamen-
te o dever fundamental de pagar tributos no sentido de examinar as razotildees pelas quais os deveres
fundamentais caiacuteram em esquecimento paradoxalmente no mesmo periacuteodo histoacuterico de reafirmaccedilatildeo
consensual dos direitos fundamentais
11 O esquecimento dos deveres e a hipertrofia dos direitos
No periacuteodo poacutes-guerra houve uma crescente constitucionalizaccedilatildeo de direitos que passaram a
usufruir o status de direitos fundamentais Isso ocorreu especialmente em relaccedilatildeo aos direitos sociais
econocircmicos e culturais isto eacute os direitos fundamentais entendidos como de cunho prestacional os
quais passaram a ocupar um importante espaccedilo dentro de vaacuterias constituiccedilotildees democraacuteticas que sur-
giram naquele periacuteodo
Verificou-se entatildeo um fenocircmeno que pode ser denominado de ldquohipertrofia de direitos fun-
damentaisrdquo na medida em que as constituiccedilotildees passaram a consagrar formalmente uma expressiva
gama desses direitos sem que houvesse a devida preocupaccedilatildeo com a perspectiva de esses novos
direitos tornarem-se realidade
Isso ocorreu de uma forma tatildeo expressiva que autores como Casalta Nabais2 provocativa-
mente defendem ldquomenos direitos fundamentais em nome dos direitos fundamentaisrdquo ou seja de-
fendem que haja uma menor quantidade de direitos fundamentais e que estes tenham condiccedilotildees de
tornar-se algo real
A partir dessa maciccedila consagraccedilatildeo houve uma significativa preocupaccedilatildeo da doutrina e da
jurisprudecircncia no sentido de desenvolver estudos acerca desses denominados novos direitos De-
senvolveu-se assim uma soacutelida teoria acerca dos direitos sem que houvesse o correspondente
aprofundamento teoacuterico sobre a questatildeo dos deveres sociais Com isso daacute-se uma validaccedilatildeo ldquohistoacute-
rica da ideacuteia dos direitos humanos desvinculada da ideacuteia de dever e de valor na mentalidade social
2 Como menciona Casalta Nabais haacute constituiccedilotildees de 1ordf 2ordf e 3ordf linha As constituiccedilotildees de primeira linha consagram quatro ou cinco direitos fundamentais sendo que tais direitos satildeo efetivos e respeitados por todos as constituiccedilotildees de segunda linha consagram quinze a vinte direitos fundamentais e desses apenas quatro ou cinco satildeo respeitados e concretizados e haacute por fim as constituiccedilotildees de terceira linha aquelas que consagram uma gama enorme de direitos fundamentais os quais natildeo passam de promessas que iludem toda sociedade (Observaccedilatildeo feita em arguiccedilatildeo de defesa de tese de doutoramento ocorrida em 13 de janeiro de 2006 na Universidade de Coimbra)
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dos povos ocidentaisrdquo instalando-se paradoxalmente ldquoum processo de desmoralizaccedilatildeo da vida
puacuteblicardquo (ROBLES 2005 p 18)
Eacute certo que natildeo se pode afirmar que a construccedilatildeo de uma soacutelida teoria sobre os direitos funda-
mentais tenha sido algo negativo mesmo porque haacute um consenso acerca da importacircncia da concreti-
zaccedilatildeo dos direitos fundamentais para a maacutexima eficaacutecia do princiacutepio da dignidade da pessoa humana
O que se discute poreacutem eacute se a profusatildeo de novos direitos constitucionalmente positivados
natildeo resultou numa forma de banalizaccedilatildeo dos proacuteprios direitos fundamentais e se isso natildeo tem sido
um dos fatores que dificultam a realizaccedilatildeo daqueles direitos efetivamente imprescindiacuteveis de serem
concretizados com vistas a assegurar uma existecircncia digna a todos3
Enfim eacute evidente que se advoga aqui tese contraacuteria agrave concretizaccedilatildeo na plenitude de suas pos-
sibilidades dos direitos fundamentais Todavia natildeo eacute possiacutevel simplesmente esquecer que soacute seraacute
possiacutevel concretizaacute-los se houver o razoaacutevel cumprimento do principal dever de cidadania
Ocorre que inegavelmente a centralidade do debate sobre direitos fundamentais relegou para
um plano secundaacuterio e muitas vezes inexistente o espaccedilo destinado pela doutrina para o debate acer-
ca dos deveres fundamentais Tal verificou-se porque as proacuteprias constituiccedilotildees que foram generosas
quanto aos direitos quase natildeo trataram dos deveres ou ateacute mesmo silenciaram sobre eles
O processo de esquecimento dos deveres fundamentais mostra-se ldquomanifestamente visiacutevel
quando confrontado com o tratamento dispensado aos direitos fundamentais que dispotildeem hoje de
uma desenvolvida disciplina constitucional e de uma soacutelida construccedilatildeo dogmaacuteticardquo Isso explica-se
basicamente pelo ldquoambiente de militantismo antitotalitaacuterio e antiautoritaacuterio que se vivia quando da
aprovaccedilatildeo das atuais constituiccedilotildeesrdquo Trata-se de uma consequecircncia historicamente identificada com
um sentimento vivenciado apoacutes a retomada da democracia sendo que nas constituiccedilatildeo respectiva-
mente adotadas percebe-se uma ldquopreocupaccedilatildeo senatildeo mesmo a quase obsessatildeo de fazer vingar de
uma vez por todas a efetiva afirmaccedilatildeo e vigecircncia dos direitos fundamentaisrdquo (NABAIS 2004a p 673)
Enfim eacute inequiacutevoco que houve um cocircmodo abandono da ideia de dever social estimulada pelo
marcante individualismo do tempo contemporacircneo que empalideceu e fez tornar-se anacrocircnica a im-
prescindiacutevel solidariedade social Nos dias atuais o sentimento de dever apresenta-se de uma forma
tecircnue e tiacutemida enquanto o seu oposto ldquoo sentimento reivindicativo alcanccedila as maiores cotas de in-
tensidade Sob um ponto de vista eacutetico esse fenocircmeno traduz-se em um decreacutescimo da solidariedade
e em uma justificaccedilatildeo do hedonismordquo (ROBLES 2005 p 18) Como afirma Robles (2005 p 23-24) ldquoas
pessoas se sentem sentimo-nos portadores naturais de direitos que todos devem reconhecer e ao
3 Conforme explica Casalta Nabais (1998 p 997) ldquose se pretende evitar o risco da panjusfundamentalizaccedilatildeo e da conse-quente banalizaccedilatildeo dos direitos fundamentais impotildee-se um esforccedilo maior na concretizaccedilatildeo da ideia de fundamentalidade ancorado na dignidade da pessoa humana vinculando-a por exemplo agrave satisfaccedilatildeo de necessidades vitais ndash materiais e espirituais ndash constantes do ser humano e natildeo de meros desejos mais ou menos conjunturais claramente secundaacuterios e particulares que os cidadatildeos podem satisfazer com base exclusivamente no ordenamento ordinaacuteriordquo
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mesmo tempo dificilmente pensamos que pesam sobre noacutes mais deveres que aqueles necessaacuterios a
tornar nossa vida mais cocircmoda e interessanterdquo
Haacute de reconhecer-se todavia que nem sempre foi assim Houve um periacuteodo histoacuterico em que
os deveres fundamentais ocuparam um posto de significativo interesse tal qual se verificava em rela-
ccedilatildeo aos direitos Em Roma a Repuacuteblica era o reino da virtude cujo funcionamento dependia do cum-
primento por parte dos cidadatildeos de um certo nuacutemero de deveres servir a paacutetria votar ser solidaacuterio
aprender ldquoNeste sentido a teoria da cidadania republicana implicaria que um indiviacuteduo teria natildeo ape-
nas direitos mas tambeacutem deveresrdquo (CANOTILHO 2006 p 531)
Cabe observar que a Declaraccedilatildeo dos Direitos do Homem e do Cidadatildeo de 1789 jaacute consagra-
va expressamente trecircs do deveres fundamentais claacutessicos o dever de obediecircncia o dever de pagar
impostos e o dever de suportar a privaccedilatildeo da propriedade em caso de expropriaccedilatildeo por utilidade
puacuteblica Tais deveres foram consagrados na maioria dos documentos constitucionais do modelo de
estado liberal
A importacircncia dos deveres fundamentais reaparece fortemente nos regimes nacional-socialista
e comunista No regime nazista ldquoos deveres fundamentais dos cidadatildeos convertem-se em deveres
fundamentais dos membros do povo (dever de serviccedilo de poderes dever de trabalhar dever de defen-
der o povo)rdquo (CANOTILHO 2006 p 531) No regime sovieacutetico denominado de comunista ldquoos direitos
fundamentais eram tambeacutem relativizados pelos deveres fundamentais os indiviacuteduos tinham direitos
conexos com deveres o que nos quadros poliacuteticos dos ex-paiacuteses comunistas acabou por aniquilar os
direitos e hipertrofiar os deveresrdquo
Essas desastradas experiecircncias histoacutericas explicam a negligecircncia e o esquecimento dos deveres
fundamentais na medida em que deram ensejo a uma justificaacutevel desconfianccedila e receio quanto agrave am-
plitude dos poderes conferidos ao Estado para exigiacute-los Em vista disso as constituiccedilotildees surgidas no
poacutes-guerra chegaram ao extremo de sequer utilizarem o termo dever - como o fez a Lei Fundamental
Alematilde ndash ou quando o utilizaram reservaram um modesto tratamento diferentemente do generoso
espaccedilo com os quais foram contemplados os direitos ditos fundamentais (NABAIS 1998 p 986)
Aleacutem disso haacute de reconhecer-se que as constituiccedilotildees contemporacircneas (especialmente da Itaacutelia
Alemanha Portugal Espanha e Brasil) surgiram num periacuteodo poacutes-autoritarismo motivo pelo qual se
entende a ldquoquase-obsessatildeordquo por consagrar direitos e descurar deveres
No entanto as circunstacircncias contemporacircneas satildeo outras e a categoria dos deveres fundamen-
tais deve ser pensada como parte integrante do Estado Democraacutetico de Direito Se assim natildeo for o
debate rumaraacute para o ingecircnuo descompromissado e irreal cenaacuterio do ldquoparaiacuteso dos direitosrdquo no qual
se reclamam e cada vez mais se reconhecem formalmente novos direitos sem que se tenha a devida
preocupaccedilatildeo com o seu custo social e portanto sem que tais direitos tenham a perspectiva de divor-
ciarem-se da condiccedilatildeo de meras promessas4
4 Uma nota interessante dos movimentos de rua ocorridos no Brasil em julho de 2013 diz respeito justamente a isso De
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A questatildeo dos deveres fundamentais natildeo pode continuar ocupando um espaccedilo tatildeo pouco
significativo na teoria constitucional pois isso implica um pacto de hipocrisia em que se faz de conta
que se tem direitos ndash dado que formalmente consagrados ndash e imagina-se que tais direitos possam ser
assegurados por um ente ldquosobrenaturalrdquo ndash Estado ndash esquecendo-se de que esse ente nada mais eacute do
que a soma de todos e natildeo o contraponto da sociedade
Com essa postura minimamente comprometida com a realidade natildeo restaraacute superado o de-
nominado ldquodilema tiacutepico de nossa eacutepocardquo segundo qual todos querem viver agraves custas do Estado mas
rejeitam a ideia de que este Estado possa financiar-se mediante arrecadaccedilatildeo de tributos Esquecem
pois que eacute o Estado que vive agrave custa de todos5
Por mais paradoxal que possa parecer agravequeles que concebem a cidadania apenas sob a face
dos direitos a proacutepria ideia de dignidade humana estaacute vinculada aos deveres fundamentais pois ela
ldquonatildeo consiste em cada um exigir seus direitos mas sobretudo consiste em cada um assumir seus
deveres como pessoa e como cidadatildeo e exigir de si mesmo seu cumprimento permanenterdquo (ROBLES
2005 p 123)
Agrave medida que as sociedades avanccedilam em direccedilatildeo a um complexo futuro torna-se imprescin-
diacutevel que uma concepccedilatildeo mais clara e precisa dos deveres e obrigaccedilotildees ganhe corpo e aceitabilidade
social Como lembra Haumlberle (2005 p 102) ldquotal componente encontra fundamento especialmente na
dimensatildeo comunitaacuteria da dignidade humana que em princiacutepio jaacute foi esporadicamente atualizada de-
vendo nessa medida tornar-se atual tal como os rsquolimites do crescimentorsquo do Estado social de Direito
tornaram necessaacuteria a proteccedilatildeo do meio ambienterdquo
Enfim essa hipertrofia dos direitos fundamentais paralelamente ao esquecimento dos deveres
fundamentais causa um nocivo efeito nas bases estruturais da sociedade pois a ideia de solidariedade
esvazia-se e paulatinamente frustram-se as expectativas de concretizaccedilatildeo daqueles direitos mais fun-
damentais justamente por parte daqueles que necessitam substancialmente que tais direitos deixem
de ser apenas uma parte de uma ldquobela obra de arte literaacuteriardquo (constituiccedilatildeo)
A partir da criacutetica relativamente ao menosprezo teoacuterico sobre os deveres fundamentais faz-se
necessaacuterio examinar suas bases estruturais dirigindo-se os esforccedilos para uma adequada definiccedilatildeo e
discussatildeo sobre o alcance e a eficaacutecia juriacutedica
um lado os manifestantes defendiam ldquomais sauacutede e educaccedilatildeordquo e por outro lado pediam a reduccedilatildeo dos impostos Ou seja queriam um Estado Social forte e capaz de garantir direitos sociais entendidos como legiacutetimos todavia natildeo assumiam o ocircnus de responder ao questionamento acerca de como financiar ldquomais sauacutede e educaccedilatildeordquo para falar apenas de duas das principais reivindicaccedilotildees unissonamente defendidas 5 Conforme lembra Albano Santos (2003 p 352) a partir da questatildeo da evasatildeo fiscal ldquoDe qualquer modo importa reter que a indulgecircncia para com a fuga ao imposto contrasta acentuadamente com a praacutetica muito divulgada de responsabi-lizar o Estado por parcelas crescentes da existecircncia dos cidadatildeos criando assim uma incongruecircncia a que jaacute se chamou o laquodilema tiacutepico da nossa eacutepocaraquo reclama-se o maacuteximo do Estado mas rejeitam-se as inevitaacuteveis consequumlecircncias financeiras dessa atitude Uma tal contradiccedilatildeo reconduz aliaacutes o fenoacutemeno ao plano eacutetico uma vez que soacute encontra solidez loacutegica na afirmaccedilatildeo de Bastiat de que laquotodos querem viver agrave custa do Estado mas esquecem que o Estado vive agrave custa de todos raquo - o que levou o eminente economista da Escola Liberal ao celebrado corolaacuterio de que o Estado representa laquoa grande ficccedilatildeo atraveacutes da qual toda a gente se esforccedila por viver agrave custa de toda a genteraquordquo
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12 Conceito e eficaacutecia juriacutedica dos deveres fundamentais
A ideia de deveres fundamentais estaacute nitidamente vinculada agrave concepccedilatildeo de solidariedade so-
cial ou seja soacute haacute deveres porque se vive em uma sociedade sendo que esta seraacute tanto mais harmocirc-
nica quanto maior for a preocupaccedilatildeo de cada um com o destino de todos
Essa ideia de dever fundamental dentro do modelo do Estado social de Direito eacute incompa-
tiacutevel com a ideia liberal reducionista de cidadania (direito a ter direitos apenas) No entanto os de-
veres fundamentais natildeo podem ser pensados dentro de uma concepccedilatildeo comunitarista que apenas
reconhecia deveres e serviu de fundamentaccedilatildeo a vaacuterios regimes totalitaacuterios que surgiram na Europa
do seacuteculo XX
Isso ocorre porque ldquoo entendimento adequado dos deveres fundamentais rejeita simultane-
amente os extremismos de um liberalismo que soacute reconhece direitos e esquece a responsabilidade
comunitaacuteria dos indiviacuteduos e de um comunitarismo que dissolve a liberdade individual numa teia de
deveres (rectius funccedilotildees)rdquo (NABAIS 2004a p 673) Ou seja nem soacute direitos e tampouco nem soacute de-
veres devem pautar o Estado contemporacircneo Direitos e deveres convivem numa relaccedilatildeo de causa e
efeito na qual um eacute o pressuposto de outro e ao mesmo tempo auto-limitam-se
Para Jorge Miranda (2000 p 76) ldquosimeacutetricos dos direitos fundamentais apresentam-se os de-
veres fundamentaisrdquo e estes seriam ldquoas situaccedilotildees juriacutedicas de necessidade ou de adstriccedilatildeo constitu-
cionalmente estabelecidas impostas agraves pessoas frente ao poder poliacuteticordquo ou ainda exigidas conforme
menciona ldquopor decorrecircncia de direitos ou interesses difusos a certas pessoas perante outrasrdquo
Jaacute Gomes Canotilho (2006 p 536) lembra que ldquoas ideacuteias de solidariedade e de fraternidade
apontam para deveres fundamentais entre cidadatildeosrdquo sendo que tal entendimento eacute corroborado por
Cristina Chulvi (2001 p 296) ao sustentar que em cumprimento ao princiacutepio de solidariedade que
identifica o Estado Social todos os cidadatildeos estatildeo submetidos agrave realizaccedilatildeo de determinadas condutas
(deveres) que satildeo exigidas natildeo em benefiacutecio proacuteprio mas em benefiacutecio da coletividade
Essa vinculaccedilatildeo com a ideia de solidariedade social resta mais evidente agrave medida que se exami-
na o dever fundamental de pagar tributos Certamente em eacutepocas anteriores - absolutista e liberal - o
cumprimento desse dever orientava-se para conservaccedilatildeo do Estado de modo que natildeo se encontrava
um fundamento eacutetico ou moral para a obrigaccedilatildeo tributaacuteria visto que esta era adimplida unicamente
em face ao dever de obediecircncia agrave autoridade soberana que a estabelecia Com o advento do Estado
Social e Democraacutetico de Direito o dever de contribuir com o sustento dos gastos puacuteblicos passou a
ter um conteuacutedo solidaacuterio agrave medida que foi sendo empregado como instrumento a serviccedilo da poliacutetica
social e econocircmica do Estado redistribuidor (CHULVI 2001 p 70)
Pode-se afirmar portanto que os deveres fundamentais correspondem aos meios necessaacuterios
para que o Estado possa atingir a sua histoacuterica finalidade de propiciar o bem comum o que em ar-
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riscada siacutentese pode ser entendido como a concretizaccedilatildeo dos objetivos constitucionalmente postos
mediante especialmente a realizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
Assim resta reafirmada a vinculaccedilatildeo dos deveres fundamentais com a concepccedilatildeo de solida-
riedade sendo que isso ficaraacute mais evidente se essa vinculaccedilatildeo for pensada a partir do dever funda-
mental de pagar tributos Desse modo os deveres fundamentais satildeo os comportamentos positivos ou
negativos impostos a um sujeito em consideraccedilatildeo e interesse que natildeo satildeo particularmente seus mas
sim em benefiacutecio de outros sujeitos ou de interesse geral da comunidade (CHULVI 2001)
Gomes Canotilho (2006 p 532-533) afasta em princiacutepio o entendimento de que haveria uma
simetria entre direitos e deveres fundamentais ou seja a ideia de que ldquoum direito fundamental en-
quanto protegido pressuporia um dever correspondenterdquo Tal ocorre porque a categoria dos deveres
fundamentais corresponde a uma categoria constitucional autocircnoma Como exemplo maior dessa
autonomia pode-se citar o dever de pagar tributos e o dever de defesa da Paacutetria Isso natildeo afasta con-
tudo a possibilidade de existirem deveres fundamentais conexos a direitos fundamentais como ocon-
tece com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e com correlato dever de defesa do
meio ambiente por exemplo
Nessa mesma linha Morato Leite (2007 p 112) lembra que os deveres natildeo se resumem agravequeles
em relaccedilatildeo aos quais haja um direito ldquoisto eacute obrigaccedilotildees deduziacuteveis ou derivadas de direitos outor-
gados previamenterdquo Diferentemente disso ldquoo legislador exprime-se por meio da decretaccedilatildeo de obri-
gaccedilotildees diretas que ocupam por assim dizer o centro do palco e a partir das quais se reconhecem
poderes os implementadores e beneficiaacuterios para fazecirc-las valerrdquo
Haacute de ressaltar-se tambeacutem que os deveres fundamentais soacute excepcionalmente tecircm natureza
de norma diretamente aplicaacutevel pois na maioria das situaccedilotildees reclamam a existecircncia de uma me-
diaccedilatildeo legislativa para que possam ser exigidos Ou seja os deveres estabelecem-se numa direccedilatildeo
geneacuterica e configuram-se como um mandado ao legislador para que os concretize mediante o estabe-
lecimento de obrigaccedilotildees especiacuteficas momento em que se tornam vinculantes para os cidadatildeos e para
o restante dos poderes puacuteblicos (CHULVI 2001 p 295)
Por representarem uma espeacutecie de norma que determina sua proacutepria concretizaccedilatildeo pode-se
afirmar que as normas constitucionais relativas aos deveres fundamentais natildeo correspondem tatildeo-
-somente a uma ldquocarta de boas intenccedilotildeesrdquo desprovida de eficaacutecia juriacutedica Eacute certo que nem todos os
preceitos constitucionais oferecem o mesmo grau de concretizaccedilatildeo mas isso natildeo significa que uma
constituiccedilatildeo possa ser entendida apenas como um conjunto de declaraccedilotildees programaacuteticas ineficazes
Tendo em vista que a Constituiccedilatildeo eacute uma norma juriacutedica ela soacute poderaacute permanecer com tal condiccedilatildeo
se houver uma contiacutenua accedilatildeo para seu cumprimento
Por isso deve-se rechaccedilar a suposta ldquoirrelevacircnciardquo juriacutedica das normas que contecircm deveres
constitucionais em vista da necessidade de incremento legal posterior para sua concretizaccedilatildeo Assim
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como ocorre com as demais normas constitucionais eacute normal que os deveres fundamentais deman-
dem uma atuaccedilatildeo legislativa para concretizar-se especialmente para delimitar a exigecircncia e para san-
cionar seu descumprimento
No caso do Brasil o dever de pagar tributos eacute um exemplo bem claro da necessidade da me-
diaccedilatildeo legislativa pois a Constituiccedilatildeo apenas menciona a competecircncia de cada ente estatal para a
instituiccedilatildeo sempre atraveacutes de lei dos tributos respectivos sendo que enquanto natildeo sobrevier a norma
juriacutedica correspondente o dever num plano pragmaacutetico simplesmente inexiste (exemplo disso eacute o
Imposto sobre as Grandes Fortunas previsto no art 153 VII da Constituiccedilatildeo de 1988 que ainda natildeo foi
instituiacutedo pela Uniatildeo)
Isso contudo natildeo significa que o ente esteja autorizado a natildeo exercer sua competecircncia tribu-
taacuteria mesmo porque isso significaria inviabilizar as condiccedilotildees necessaacuterias ao cumprimento das tarefas
tambeacutem constitucionalmente impostas para cada ente da federaccedilatildeo brasileira
Assim como ocorre com os direitos fundamentais cabe reconhecer que os deveres fundamen-
tais sofrem evidentes limitaccedilotildees porquanto eles existem a partir de dispositivos constitucionais que
impliacutecita ou explicitamente estabelecem-nos Para aleacutem disso as proacuteprias constituiccedilotildees estabelecem
balizamentos a esses deveres e tratam-nos como limites da atuaccedilatildeo estatal isto eacute as constituiccedilotildees
estabelecem os criteacuterios a partir dos quais os deveres fundamentais seratildeo impostos pelo Estado e
cumpridos pelos cidadatildeos
Posto isso passa-se a examinar de uma forma mais especiacutefica o dever fundamental que pode
ser entendido como de maior relevacircncia dentro de um Estado Democraacutetico de Direito o dever de pa-
gar tributos Isso ocorre porque natildeo se pode pensar nesse modelo de Estado sem que o referido dever
seja adequadamente cumprido pelos cidadatildeos
13 O princiacutepio da solidariedade social como alicerce do dever fundamental de pagar tributos
Cumpre primeiramente analisar as razotildees pelas quais o dever fundamental de pagar tributos
estaacute intimamente vinculado agrave ideia de solidariedade social fazendo-se necessaacuterio um resumo histoacuterico
para melhor compreender e colocar a questatildeo
Antes disso cabe reconhecer que em tempos de individualismo exacerbado soa estranho fa-
lar em solidariedade natildeo obstante o consideraacutevel risco de se ldquoperder o conceito de responsabilidade
puacuteblicardquo com a consequente avaria irreparaacutevel na consciecircncia dos cidadatildeos de ldquoque uma parte de
suas vidas deve ser gerida em comum com os outros este eacute o significado real da solidariedade como
ensina a etimologia do termordquo (SACCHETTO 2005 p 11)
Quanto agrave origem etimoloacutegica do termo vale lembrar que o substantivo solidum em latim sig-
nifica a totalidade de uma soma enquanto o termo solidus tem o sentido de inteiro ou completo ra-
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zatildeo pela qual Konder Comparato (2006 p 577) afirma que ldquoa solidariedade natildeo diz respeito portanto
a uma unidade isolada nem a uma proporccedilatildeo entre duas ou mais unidades mas agrave relaccedilatildeo de todas as
partes de um todo entre si e cada um perante o conjunto de todas elasrdquo
A ideia original de solidariedade estava vinculada agrave existecircncia de mais de um responsaacutevel para
a solvecircncia da obrigaccedilatildeo Em vista disso segundo Duvignaud (1986 p 12) tratava-se de ldquouma ques-
tatildeo de nuacutemeros de reembolso de diacutevidas que atraveacutes do velho coacutedigo de Justiniano retomado pelas
universidades medievais sugere a origem rigorosamente individual do direito e da propriedaderdquo
Ao longo da histoacuteria a ideia de solidariedade teve concepccedilotildees diversas A solidariedade dos
antigos correspondia agrave virtude indispensaacutevel na relaccedilatildeo com os outros dentro de grupos primaacuterios
(famiacutelia especialmente) jaacute a denominada ldquosolidariedade dos modernosrdquo corresponde a um princiacutepio
de caraacuteter juriacutedico ou poliacutetico e sua realizaccedilatildeo passa pela comunidade estadual pela sociedade civil
ou comunidade ciacutevica Cabe ainda referir a denominada solidariedade mutualista isto eacute uma solida-
riedade cuja intenccedilatildeo eacute gerar riqueza em comum relativamente agrave infraestrutura bens e serviccedilos con-
siderados indispensaacuteveis ao bom funcionamento da sociedade (NABAIS 2005 p 85-86)
De acordo com a concepccedilatildeo que ora se conhece a ideia de solidariedade social pode ser en-
tendida como um fenocircmeno tiacutepico da modernidade tendo surgido no final do seacuteculo XIX com o de-
nominado Estado Social na Alemanha de Bismarck
Modernamente pode ser entendida como fruto de uma reaccedilatildeo agraves privaccedilotildees suportadas es-
pecialmente por trabalhadores no seacuteculo XIX Os diferentes movimentos socialistas da eacutepoca perce-
beram os flagelos sociais natildeo eram cataclismos da natureza nem efeitos necessaacuterios da organizaccedilatildeo
racional das atividades econocircmicas Tais flagelos nada mais eram do que ldquoprodutos necessaacuterios do
sistema capitalista de produccedilatildeo cuja loacutegica consiste em considerar os trabalhadores e consumido-
res como mercadorias atribuindo-lhes um valor econocircmico muito inferior ao dos bens de capitalrdquo
(COMPARATO 2006 p 579)
Considerando-se que a ideia de solidariedade estaacute intimamente vinculada com a ideia de co-
munidade de pertencer e partilhar obrigaccedilotildees dentro de um grupo ou formaccedilatildeo social pode-se afir-
mar que ldquoa solidariedade pode ser entendida quer em sentido objetivo em que se alude agrave relaccedilatildeo de
pertenccedila e por conseguinte de partilha e de corresponsabilidade que liga cada um dos indiviacuteduos agrave
sorte e vicissitudes dos demais membros da comunidaderdquo Num sentido subjetivo pode ser entendida
como sinocircnimo de ldquoeacutetica social em que a solidariedade exprime o sentimento a consciecircncia dessa
mesma pertenccedila agrave comunidaderdquo (NABAIS 2005 p 84)
Ainda pode-se afirmar na linha de Konder Comparato (2006 p 577) que a solidariedade ldquoeacute o
fecho de aboacutebada do sistema de princiacutepio eacuteticos pois complementa e aperfeiccediloa a liberdade a igual-
dade e a seguranccedilardquo Isso acontece porque ldquoenquanto a liberdade e a igualdade potildeem as pessoas
umas diante das outras a solidariedade as reuacutene todas no seio de uma mesma comunidaderdquo A ideia
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de solidariedade ldquonatildeo traz conteuacutedos materiais especiacuteficos podendo ser visualizada ao mesmo tempo
como valor eacutetico e juriacutedico absolutamente abstrato e como princiacutepio positivado ou natildeo nas Consti-
tuiccedilotildeesrdquo Eacute sobretudo uma obrigaccedilatildeo moral ou um dever juriacutedico que ldquoinforma e vincula a liberdade
a justiccedila e a igualdaderdquo (TORRES 2005 p 181)
Cabe referir no entanto que autores como Jean Duvignaud (1986 p 196) sustentam que estaacute
havendo uma verdadeira banalizaccedilatildeo da ideia de solidariedade ao dizer que tal termo eacute usado por to-
dos ldquopara confortar a consciecircncia de uns ou para conseguir um esmola da maacute consciecircncia de outrosrdquo
entendendo que ocorre em relaccedilatildeo agrave ideia de solidariedade ldquouma desvalorizaccedilatildeo que atinge todas as
ideacuteias do seacuteculo passado sobre cujos destroccedilos se constroem as interpretaccedilotildeesrdquo as quais ironicamente
denomina de ldquomodernistasrdquo
Para este estudo importa a concepccedilatildeo atual de solidariedade a qual estaacute por um lado vincula-
da agrave solidariedade pelos direitos denominada de paterna ou vertical e por outro lado estaacute vinculada
agrave solidariedade pelos deveres denominada de fraterna ou horizontal na terminologia adotada por
Casalta Nabais anteriormente mencionada
Relativamente agrave solidariedade pelos direitos pode-se afirmar que a ideia passa pela realizaccedilatildeo
ndash em especial ndash dos direitos sociais e dos denominados direitos de solidariedade (meio ambiente equi-
librado por exemplo) Tal tarefa cabe ao Estado de uma forma mais incisiva em relaccedilatildeo aos direitos
sociais pois eacute ele que deve garantir a concretizaccedilatildeo das promessas que estejam aptas a assegurar um
miacutenimo de dignidade aos seus cidadatildeos (NABAIS 2005 p 87-88)
Quanto agrave solidariedade vertical tem-se de um lado que do Estado eacute cobrado o cumprimento
de seus deveres constitucionalmente estabelecidos e de outro lado da comunidade social ou socie-
dade civil eacute exigido o cumprimento do dever de solidariedade perante outros indiviacuteduos ou grupos
sociais
Superada essa questatildeo passa-se a examinar a ideia de solidariedade social dentro do Estado
Fiscal Para tanto cabe lembrar inicialmente que o Estado eacute adjetivado de fiscal pois eacute suportado
fundamentalmente por tributos unilaterais isto eacute tributos cuja exigecircncia natildeo implica a realizaccedilatildeo de
uma atuaccedilatildeo estatal especiacutefica
Eacute certo que qualquer classificaccedilatildeo das espeacutecies tributaacuterias existentes atualmente no Brasil im-
plica abertura de um significativo espaccedilo de contestaccedilatildeo Natildeo obstante os verdadeiros ldquofrankensteinrdquo
tributaacuterios existentes pode-se dizer que os tributos bilaterais corresponderiam agraves taxas e contribui-
ccedilotildees de melhoria os unilaterais por sua vez corresponderiam aos impostos e agraves contribuiccedilotildees sociais
natildeo sinalagmaacuteticas tambeacutem denominadas de impostos finaliacutesticos (PIS COFINS CPP CSLL)
Noutros termos pode-se dizer que como o denominado estado fiscal social eacute financiado ba-
sicamente pelo pagamento de tributos natildeo vinculados a uma atuaccedilatildeo estatal especiacutefica sua proacutepria
concepccedilatildeo encerra a ideia de solidariedade pois acarreta um dever solidaacuterio de contribuir para a ma-
nutenccedilatildeo e desenvolvimento da sociedade
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Essa solidariedade pode ser vislumbrada a partir de dois enfoques a) a solidariedade pela fis-
calidade b) a solidariedade pela extrafiscalidade Em relaccedilatildeo agrave primeira o Estado exige do cidadatildeo o
pagamento de tributos natildeo vinculados (especialmente impostos) tendo por fim preciacutepuo a obtenccedilatildeo
de receitas sendo que nessa atividade dispensa ou concede um tratamento menos gravoso agravequeles
cidadatildeos ou grupos com menor capacidade econocircmica Se por um lado a ideia de solidariedade
social implica tratamento menos gravoso por outro impotildee a assunccedilatildeo de um ocircnus mais significativo
para aqueles cidadatildeos com maior capacidade econocircmica especialmente pela via da progressividade
de aliacutequotas
A solidariedade pela extrafiscalidade por sua vez acontece quando a imposiccedilatildeo fiscal natildeo
tem por objetivo direto a obtenccedilatildeo de receitas mas sim a realizaccedilatildeo de determinado fim no cam-
po social econocircmico ou cultural Em relaccedilatildeo agrave extrafiscalidade a ideia da solidariedade mostra-se
presente - tanto no vieacutes da oneraccedilatildeo como no vieacutes da reduccedilatildeo da carga - mediante a concessatildeo de
benefiacutecios fiscais
Isso ocorre porque seja no caso do agravamento seja no caso da desoneraccedilatildeo fiscal a pre-
senccedila da ideia de solidariedade eacute reconhecida desde que o objetivo visado seja constitucionalmente
justificaacutevel No primeiro caso aqueles que suportam uma tributaccedilatildeo mais expressiva estatildeo cumprindo
o dever de solidariedade com o restante da coletividade no segundo caso toda sociedade divide o
ocircnus decorrente da concessatildeo do benefiacutecio fiscal respectivo de uma forma solidaacuteria
Em decorrecircncia do exposto exige-se um rigoroso criteacuterio na utilizaccedilatildeo da extrafiscalidade
pois esta apenas seraacute constitucionalmente legiacutetima se os objetivos visados forem justificaacuteveis a par-
tir da contemporacircnea ideia de solidariedade social isto eacute quando esse mecanismo fiscal for utiliza-
do por exemplo para alcanccedilar algum objetivo previsto na constituiccedilatildeo ou para concretizar direitos
fundamentais
De qualquer sorte haacute de recuperar-se (ou construir) a concepccedilatildeo de solidariedade social como
fundamento da exigecircncia fiscal pois apenas esta pode justificar a legitimidade de um modelo de Esta-
do socialmente justo Natildeo fossem suficientes as razotildees de ordem eacutetica e moral expostas haacute de ter-se
presente que um Estado imbuiacutedo de tais fins representa uma escolha pragmaticamente mais acertada
ante a crescente inviabilidade de sobrevivecircncia em um ambiente socialmente hostil como se verifica
em tantos locais deste paiacutes6
Enfim a questatildeo da solidariedade social mostra-se especialmente relevante para garantir-se
que o princiacutepio da dignidade da pessoa humana seja o elemento norteador da tributaccedilatildeo Isso apenas
seraacute possiacutevel se a tributaccedilatildeo estiver adequada agrave efetiva capacidade contributiva do cidadatildeo e quando
for utilizada a extrafiscalidade para a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
6 Conforme constata Bauman (2006 p 101) ldquoQuando a competiccedilatildeo substitui a solidariedade os indiviacuteduos se vecircem aban-donados agrave proacutepria sorte restando-lhes apenas os seus parcos recursos evidentemente inadequados A dilapidaccedilatildeo e de-composiccedilatildeo dos viacutenculos coletivos os transformaram sem o seu consentimento em indiviacuteduos de jure ndash mas circunstacircncias poderosas e insuperaacuteveis militam contra a sua ascensatildeo ao modelo postulado dos indiviacuteduos de fatordquo
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Ao adequar-se a tributaccedilatildeo agrave efetiva capacidade contributiva deixa-se de tributar o miacutenimo vi-
tal para existecircncia humana pois nada mais diametralmente oposto agrave concepccedilatildeo de dignidade humana
do que dispor do indisponiacutevel agrave proacutepria sobrevivecircncia com vistas a fazer frente agrave exigecircncia fiscal
Por outro lado ao maximizar-se a densificaccedilatildeo ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana
daacute-se a maacutexima eficaacutecia social aos direitos fundamentais uma vez que o referido princiacutepio eacute reconheci-
damente o elemento comum de todos os direitos dessa natureza Para que isso aconteccedila efetivamente
satildeo indispensaacuteveis a) a exigecircncia de tributos adequados agrave capacidade de contribuir daqueles que
manifestam tal capacidade de uma forma mais expressiva obtendo-se os recursos necessaacuterios para a
concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais de cunho prestacional b) a utilizaccedilatildeo da extrafiscalidade para
estimular ou desestimular comportamentos mediante poliacuteticas puacuteblicas no campo fiscal que tenham
como norte a realizaccedilatildeo das promessas fundamentais feitas pela ldquoConstituiccedilatildeo Cidadatilderdquo de 1988
Enfim o liame da solidariedade eacute o fundamento que justifica e legitima o dever fundamental de
pagar tributos haja vista que esse dever corresponde a uma decorrecircncia inafastaacutevel de pertencer-se a
uma sociedade Por isso faz-se necessaacuterio examinar a questatildeo da denominada cidadania fiscal pois
em face do dever fundamental de pagar tributos uma concepccedilatildeo adequada de cidadania passa pelo
reconhecimento de que o cidadatildeo tem direitos poreacutem em contrapartida tambeacutem deve cumprir seus
deveres dentro de uma sociedade
2 A CIDADANIA FISCAL NO ESTADO DEMOCRAacuteTICO DE DIREITO
Numa anaacutelise preliminar pareceria um pouco estranho examinar a questatildeo da cidadania sob o
enfoque que ora se pretende porquanto a sua concepccedilatildeo mais visiacutevel corresponde agrave ideia de ldquodireito
a ter direitos numa sociedaderdquo No entanto a concepccedilatildeo contemporacircnea de cidadania natildeo pode im-
plicar a existecircncia de cidadatildeos que de uma forma pouco altruiacutesta reclamem para si o maacuteximo de di-
reitos e em contrapartida neguem-se a contribuir com a sua parcela de esforccedilos para que tais direitos
viabilizem-se num plano faacutetico
Ou seja natildeo haacute foacutermula viaacutevel nem caminhos factiacuteveis se a ideia de cidadania restringir-se agrave
ideia de ldquodireito a ter direitosrdquo pois como jaacute examinado a efetivaccedilatildeo de direitos especialmente os de
cunho social econocircmico e cultural exige uma gama de recursos por parte do Estado e tais recursos
satildeo obtidos quase que exclusivamente mediante a tributaccedilatildeo
Em relaccedilatildeo agrave face correspondente aos deveres de cidadania Casalta Nabais menciona que o de-
ver fundamental de pagar tributos representa um dos principais deveres dentro de um Estado Social
pois ldquono actual estado fiscal para o qual natildeo se vislumbra qualquer alternativa viaacutevel pelo menos nos
tempos mais proacuteximos os impostos constituem um indeclinaacutevel dever de cidadania cujo cumprimen-
to a todos nos deve honrarrdquo (NABAIS 2005 p 44)
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Em vista disso eacute possiacutevel afirmar que o dever de pagar tributos eacute o principal dever de cidada-
nia justamente porque caso tal dever seja sonegado por parte dos componentes de uma sociedade
restaratildeo inviabilizadas as possibilidades de realizaccedilatildeo dos proacuteprios direitos especialmente aqueles de
cunho prestacional
Entretanto se por um lado a concepccedilatildeo contemporacircnea de cidadania fiscal implica o dever
de pagar tributos por outro lado impotildee que esse dever seja exercido nos estritos limites previstos na
constituiccedilatildeo observados os tradicionais direitos de defesa que deram ensejo ao liberalismo claacutessico
Outra dimensatildeo do dever fundamental de pagar tributos - que decorre diretamente da ideia de
cidadania fiscal - consiste no direito de participaccedilatildeo na tomada de decisotildees acerca dos tributos que
se estaacute disposto a pagar Ocorre que isso jaacute natildeo pode ser visto apenas no acircmbito da representaccedilatildeo
parlamentar pois eacute quase ingecircnuo acreditar que o povo autotributa-se atraveacutes de seus representantes
(legislativo) ideia que serviu de justificativa para a estrita observacircncia do princiacutepio da legalidade nos
primoacuterdios do constitucionalismo
Se por um lado o Poder Executivo usurpou a competecircncia no que tange agrave ediccedilatildeo de normas
no campo tributaacuterio por outro o Poder Legislativo sofre uma crise de legitimidade sem precedentes
que se confunde com a proacutepria crise da denominada democracia representativa
A festejada democracia representativa transformou-se num tremendo processo de ldquofaz de con-
tardquo no qual uma parcela diminuta da populaccedilatildeo - que ocupa o topo da piracircmide social - dita os rumos
e decide em nome de toda a sociedade enquanto esta sequer tem ideia dos caminhos escolhidos
Em dissonante contrapartida no entanto a parcela mais fragilizada da sociedade sofre os efeitos da
tomada de decisotildees sem entender as razotildees porque suporta tamanho ocircnus
Haacute dessa forma uma inegaacutevel crise de legitimidade que afeta as democracias representativas
Essa crise eacute visiacutevel especialmente nos paiacuteses de modernidade tardia e decorre de um crescente pro-
cesso de marginalizaccedilatildeo e exclusatildeo social7
Na democracia representativa aos ldquopseudocidadatildeosrdquo poacutes-modernos restou a prerrogativa de
comparecer agraves urnas de tempos em tempos para escolher poliacuteticos descomprometidos com os efeti-
vos interesses republicanos dos quais passado determinado tempo poucos lembram
Em vista dessa inegaacutevel crise da democracia representativa (com a qual Fukuyama ao final do
seacuteculo XX imaginava ter se chegado ao fim da histoacuteria)8 faz-se necessaacuterio construir uma concepccedilatildeo
contemporaneamente adequada de democracia e da proacutepria cidadania a qual implique um direi-
7 Como aduz Casalta Nabais (1998 p 975) ldquoNaturalmente que natildeo encontramos hoje eleitores despojados do direito de voto O que haacute isso sim eacute alguns eleitores com voto duplo ou pluacuterimo que ao natildeo ser atribuiacutedo aos outros exprime um privileacutegio contra o qual eacute suposto ter-se feito a revoluccedilatildeo democraacutetica que impocircs a igualdade poliacutetica E ao falar em voto duplo ou pluacuterimo estou a referir-me por um lado ao voto informal exercido pelos grupos de pressatildeo (integrem estes for-malmente corporaccedilotildees ou natildeo) atraveacutes das mais sofisticadas e subtis formas de lobbying que assim esvaziam a democracia representativa do seu mais significativo papel e por outro lado agrave atribuiccedilatildeo legal de um (verdadeiro) segundo ou terceiro direito de voto apenas aos membros de algumas corporaccedilotildees ou corpos eleitorais privilegiadosrdquo
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to-dever de participaccedilatildeo de toda a sociedade no debate sobre os rumos da tributaccedilatildeo e do proacuteprio
Estado neste novo milecircnio
Para Norberto Bobbio no entanto haacute um importante entrave a isso pois segundo ele ldquotecno-
cracia e democracia satildeo antiteacuteticas se o protagonista da sociedade industrial eacute o especialista impos-
siacutevel que venha a ser o cidadatildeo qualquerrdquo Se de um lado a ideia de democracia ldquosustenta-se sobre
a hipoacutetese de que todos podem decidir a respeito de tudordquo por outro a tecnocracia ldquopretende que
sejam convocados para decidir apenas aqueles poucos que detecircm conhecimentos especiacuteficosrdquo Haacute
problemas pois muito mais complexos a resolver-se nos dias atuais como inflaccedilatildeo crise desemprego
desigualdade social motivo pelo qual Bobbio (2002 p 46) entende que a soluccedilatildeo requer conhecimen-
tos cientiacuteficos e teacutecnicos muito mais profundos para o homem meacutedio de hoje do que para o homem
meacutedio dos primoacuterdios da democracia apesar de o atual ser incomensuravelmente mais instruiacutedo
As objeccedilotildees levantadas por Bobbio (2002) quanto agraves possibilidades do proacuteprio futuro da de-
mocracia verdadeiramente impressionam Eacute inegaacutevel que a questatildeo tributaacuteria alcanccedilou um grau de
complexidade que reduz sobremaneira a proacutepria possibilidade de compreensatildeo por parte de uma
parcela muito significativa da sociedade Para contornar-se isso impotildee-se a criaccedilatildeo de mecanismos de
visibilidade do proacuteprio Estado especialmente em relaccedilatildeo ao ldquocaixa pretardquo da tributaccedilatildeo
De qualquer forma mesmo que isso se verificasse num grau satisfatoacuterio ainda assim haveria seacute-
rias dificuldades de uma efetiva participaccedilatildeo popular na tomada de decisotildees sobre aspectos teacutecnicos
de uma adequada carga tributaacuteria
Entretanto natildeo eacute necessaacuterio tamanho aprofundamento da discussatildeo bastando num primeiro
momento que esse debate perpasse pela questatildeo da justiccedila fiscal cuja concepccedilatildeo eacute facilmente com-
preendida por todos independentemente do conhecimento teacutecnico Enfim isso impotildee-se porque ldquoos
impostos constituem um assunto demasiado importante para poder ser deixado exclusivamente nas
matildeos de poliacuteticos e teacutecnicos (economistas)rdquo Em vista disso ldquotodos os contribuintes devam ter opiniatildeo
acerca dos impostos e da justiccedila ou injusticcedila fiscal que suportam ateacute porque a ideacuteia de justiccedila fiscal
natildeo deixa de ser um conceito que tambeacutem passa pelo bom sensordquo (NABAIS 2005 p 59)
A outra faceta da cidadania fiscal assegura aos membros da sociedade o direito de exigir que
todos contribuam para com a coletividade conforme sua capacidade econocircmica Em vista disso dis-
cute-se se seria possiacutevel postular judicialmente contra o beneficiado ou contra o ente estatal em de-
correcircncia do natildeo justificado descumprimento do dever fundamental de pagar tributos
8 Oviacutedio Baptista da Silva (2004 p 12) em criacutetica contundente ao referido autor explica ldquoAo glorificar a democracia liberal Fukuyama esqueceu-se da crescente suspeita com que os eleitores vecircem que sua convocaccedilatildeo para votar de quatro em quatro anos natildeo tem a relevacircncia que seria de esperar de uma democracia representativa A desconfianccedila eacute explicaacutevel en-quanto os eleitores satildeo convocados a votar de quatro em quatro anos o mercado como algueacutem jaacute observou vota todos os dias Aleacutem disso a miacutedia encarrega-se de promover habilmente seus votos de modo que essas decisotildees tornam-se determinantes e imperativas para os governos Na verdade a teoria poliacutetica esquece-se de incluir em suas construccedilotildees teoacutericas a miacutedia como o Grande Eleitor Natildeo leva em conta que vivemos num mundo ciberneacuteticordquo
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Eacute certo que a concessatildeo de benefiacutecios fiscais ou remissotildees corresponde a um legiacutetimo mecanis-
mo de intervenccedilatildeo do Estado no campo econocircmico e social Todavia essa legitimidade apenas estaraacute
presente se os objetivos visados forem constitucionalmente justificaacuteveis sob pena de tal exoneraccedilatildeo
afrontar inclusive a ideia de justiccedila fiscal
Relativamente a essa questatildeo Cristina Chulvi (2001 p 35) entende que natildeo haveria a possibili-
dade de que um indiviacuteduo viesse no caso de descumprimento por outrem a exigir a realizaccedilatildeo de um
dever constitucional posto que natildeo se encontraria legitimado para tanto
No entanto natildeo eacute possiacutevel concordar com tal raciociacutenio pois se a cidadania fiscal plena impli-
ca de um lado o dever de contribuir por outro assegura o direito de exigir que todos na proporccedilatildeo
da capacidade econocircmica contribuam De que adiantaria reconhecer-se tal direito se natildeo houvesse
a legitimidade para exercecirc-lo mediante uma adequada accedilatildeo judicial Negar a legitimidade significa
amesquinhar a ideia de cidadania ao mesmo tempo em que num plano praacutetico significa suportar
um dever de contribuir mais oneroso para compensar a desoneraccedilatildeo indevidamente concedida No
caso especiacutefico do Brasil haacute inclusive instrumentos adequados para tanto como a Accedilatildeo Popular (Lei
471765) a Accedilatildeo Civil Puacuteblica (Lei 734785) ou a Accedilatildeo Direta de Inconstitucionalidade respeitado em
relaccedilatildeo agraves duas uacuteltimas o rol dos legitimados para propocirc-las
Enfim a construccedilatildeo de uma concepccedilatildeo adequada de cidadania fiscal tem potencialidades para
constituir-se num elemento importante agrave concretizaccedilatildeo das promessas constitucionais natildeo cumpridas
(direitos fundamentais sociais especialmente) Poreacutem seria ingenuidade afirmar que a mera (re) cons-
truccedilatildeo dessa ideia poderia dar-se de uma forma espontacircnea na sociedade principalmente naqueles
paiacuteses como o Brasil onde a percepccedilatildeo da atuaccedilatildeo do Estado eacute miacutenima
Em decorrecircncia da visatildeo negativa do papel que o Estado desempenha a evasatildeo fiscal encon-
tra um terreno feacutertil par a sua legitimaccedilatildeo perante a sociedade razatildeo pela qual eacute preciso encontrar
pragmaticamente caminhos viaacuteveis para eficazmente combatecirc-la pois ela corroacutei significativamente
os alicerces da cidadania
3 O COMBATE Agrave EVASAtildeO FISCAL COMO CONDICcedilAtildeO DE EXIGIBILIDADE DOS DEVERES DE CIDADANIA
Um elemento de crescente importacircncia dentro do Estado eacute a questatildeo da evasatildeo fiscal haja
vista que cada vez mais parece ser incontrolaacutevel O fenocircmeno da evasatildeo fiscal pode ser explicado
principalmente pela inexistecircncia de imperativos de ordem moral que a impeccedilam e pela incontornaacutevel
complexidade das relaccedilotildees econocircmicas e sociais na era da globalizaccedilatildeo
Pode-se dizer inclusive que haacute uma aceitaccedilatildeo social taacutecita agrave evasatildeo fiscal razatildeo pela qual natildeo
existe por parte da sociedade uma reaccedilatildeo que tenha por objetivo punir o infrator Tal verifica-se por-
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que nas palavras de Gregoacuterio Robles (2005 p 42) ldquoa infraccedilatildeo da norma social eacute considerada grave
quando afeta um valor essencial de capital importacircncia para o grupo para tanto a reaccedilatildeo seraacute severa
contundenterdquo De outra baila quando ldquoo valor afetado eacute considerado de escassa importacircncia ou de
hierarquia inferior o sentimento de indignaccedilatildeo seraacute leve e difuso e a reaccedilatildeo caso ocorra seraacute suaverdquo
Esse sentimento daacute-se especialmente em face da inexistecircncia de uma resposta estatal agraves de-
mandas sociais bem como em decorrecircncia da visiacutevel e aparentemente incontrolaacutevel corrupccedilatildeo e de
desvios de recursos na administraccedilatildeo puacuteblica Aleacutem disso o sentimento de injusticcedila na reparticcedilatildeo da
carga tributaacuteria (tributaccedilatildeo sem a observacircncia da capacidade contributiva principalmente) traduz-se
num componente importante dessa equaccedilatildeo Isso porque natildeo basta que a justiccedila esteja sendo feita
eacute fundamental que haja a percepccedilatildeo de que ela esteja sendo feita e isso eacute condiccedilatildeo de aceitabilidade
de qualquer sistema fiscal
Entretanto eacute muito difiacutecil controlar a fraude especialmente em face da globalizaccedilatildeo e da
complexidade das relaccedilotildees econocircmicas bem como da crescente desmaterializaccedilatildeo do patrimocircnio
Ou seja os bens imoacuteveis jaacute natildeo ocupam o espaccedilo de excelecircncia no conjunto do patrimocircnio dos
cidadatildeos uma vez que cederam tal espaccedilo aos bens imateriais (accedilotildees tiacutetulos direitos de marcas e
patentes tecnoloacutegicas)
Eacute certo que a ideia de cidadania fiscal contraria a aceitabilidade social da evasatildeo Conforme
alerta Albano Santos (2003 p 359) ldquoa fuga ao imposto quando praticada impunemente de forma cor-
rente e com uma amplitude significativa constitui uma fonte inesgotaacutevel de consequumlecircncias negativas
que atingem a sociedade por inteirordquo Um fenocircmeno desta natureza ldquoperturba o normal funcionamen-
to da economia compromete a consecuccedilatildeo dos objectivos prosseguidos pelas poliacuteticas econoacutemicas
e sociais estabelecidas pelas autoridades subverte o princiacutepio republicano da igualdade dos cidadatildeos
perante a Leirdquo Isso tudo pois ldquoacaba por contribuir seriamente para a degradaccedilatildeo do sentido ciacutevico e
da moralidade puacuteblicardquo
Os efeitos mencionados satildeo bastante visiacuteveis e estatildeo inter-relacionados haja vista que o
Estado depende da efetivaccedilatildeo da arrecadaccedilatildeo para a manutenccedilatildeo de suas contas e para a consecu-
ccedilatildeo dos objetivos constitucionalmente consagrados especialmente a realizaccedilatildeo dos direitos sociais
econocircmicos e culturais
Aleacutem disso a evasatildeo fiscal causa uma distorccedilatildeo irremediaacutevel na economia porquanto atenta
frontalmente contra a lei da livre concorrecircncia Considerando o peso que a carga tributaacuteria repre-
senta no preccedilo final de mercadorias e serviccedilos natildeo eacute difiacutecil perceber que quem tem possibilidades e
opta pela evasatildeo teraacute condiccedilotildees de competitividade muito diferenciadas comparativamente agravequele
que se submete ao peso da carga tributaacuteria e com isso necessariamente embute no preccedilo o res-
pectivo custo
Cabe ressaltar tambeacutem que no plano da justiccedila fiscal o bom contribuinte acaba sendo exces-
sivamente onerado pois em uacuteltima anaacutelise acaba pagando seu tributo e tambeacutem aquele que deveria
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ser pago por quem o sonegou Eacute muito difiacutecil pois sustentar a legitimidade da tributaccedilatildeo quando uma
parcela da sociedade consegue de uma maneira eficaz encontrar mecanismos de burla e fuga fiscal9
Eacute inadmissiacutevel que especialmente em paiacuteses como o Brasil o Estado opte por solucionar essa
questatildeo reduzindo de um lado a jaacute miacutenima proteccedilatildeo social ou de outro instituindo novos tribu-
tos ou majorando aliacutequotas daqueles jaacute existentes para fazer frente agrave diminuiccedilatildeo da receita fruto da
evasatildeo fiscal Ainda que poderosos grupos de pressatildeo defendam tais soluccedilotildees elas provavelmente
levariam a uma ampliaccedilatildeo das jaacute elaacutesticas desigualdades sociais o que seria inaceitaacutevel num modelo
de Estado cuja tarefa preciacutepua eacute combatecirc-las
Admite-se no entanto que a fraude embora ilegal e imoral faz parte do sistema e que por
mais esforccedilos que sejam empregados ela natildeo seraacute debelada por completo Em vista disso haacute de bus-
car-se de uma forma realista niacuteveis reduzidos e toleraacuteveis da fraude e da evasatildeo da mesma forma
como ocorre relativamente agrave questatildeo da corrupccedilatildeo Isso exigiria uma postura de incessante enfrenta-
mento da evasatildeo fiscal
Segundo Sevilla Segura (2004 p 162) haacute trecircs formas de atuaccedilatildeo capazes de eliminar a evasatildeo
fiscal dependendo da variaacutevel em que se queira fundamentalmente atuar As mais tradicionais procu-
ram reforccedilar a capacidade coativa da administraccedilatildeo tributaacuteria como recurso para melhorar os niacuteveis de
cumprimento das obrigaccedilotildees pelos contribuintes Recentemente vem consolidando-se um segundo
grupo de accedilotildees cujo propoacutesito consiste em favorecer a aceitaccedilatildeo do imposto por parte dos cidadatildeos
incentivando o cumprimento voluntaacuterio das suas obrigaccedilotildees fiscais Finalmente cabe tambeacutem recon-
siderar a proacutepria estrutura normativa que estaacute sendo objeto de aplicaccedilatildeo eliminando suas arestas de
forma que resulte em algo mais compreensiacutevel para os cidadatildeos e mais faacutecil para a administraccedilatildeo
Deve-se pois insistir na busca de mecanismos eficazes para combater a evasatildeo fiscal como
por exemplo a ampliaccedilatildeo de investimentos em pessoal altamente qualificado a informatizaccedilatildeo das
informaccedilotildees objetivando a existecircncia de um rigoroso cruzamento de dados bem como a implemen-
taccedilatildeo de mecanismos de controle agrave corrupccedilatildeo Relativamente a essa uacuteltima Prahalad (2005 p 83) sus-
tenta que ldquoa maioria dos paiacuteses em desenvolvimento natildeo entende na totalidade os verdadeiros custos
da corrupccedilatildeo e seu impacto no desenvolvimento do setor privado e na diminuiccedilatildeo da pobrezardquo
Conquanto a complexidade das relaccedilotildees econocircmicas seja inevitaacutevel eacute fundamental simplificar
a legislaccedilatildeo fiscal Como se pode constatar diariamente multiplica-se uma quantidade inexplicaacutevel
9 Como afirma Albano Santos (2003 p 362) ldquoisso resulta numa clara desigualdade perante a tributaccedilatildeo e por conseguinte implica uma inaceitaacutevel sensaccedilatildeo de injusticcedila Ora no dizer do Prof Maurice Duverger laquoum dos mais graves golpes que se podem infligir na igualdade perante o imposto eacute o de estabelecer uma desigualdade perante a frauderaquo Nestas condiccedilotildees a Justiccedila Tributaacuteria poderaacute ser gravemente subvertida com as inevitaacuteveis consequumlecircncias na aceitaccedilatildeo do sistema fiscal pelos cidadatildeos De facto uma situaccedilatildeo que oferece a certos grupos ou indiviacuteduos a cocircmoda possibilidade de escaparem ao pagamento dos impostos devidos pelo exemplo que daacute acaba por representar forccedilosamente um incitamento a outros contribuintes para se subtraiacuterem ao Fisco com o risco de gerar uma reacccedilatildeo em cadeia susceptiacutevel de provocar seacuterios da-nos natildeo apenas nas tesourarias puacuteblicas mas bem mais importante na proacutepria coesatildeo socialrdquo
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de normas especialmente aquelas voltadas a dar condiccedilotildees de executoriedade agraves leis isto eacute normas
regulamentares provenientes do Poder Executivo Essas normas exageram na criaccedilatildeo de conceitos
indeterminados ficccedilotildees e presunccedilotildees e aleacutem disso como constata Seacutergio Silva (2006 p 151) ldquoo cor-
porativismo e a utilizaccedilatildeo da legislaccedilatildeo tributaacuteria como instrumento da defesa de interesses de grupos
econocircmicos fazem do ordenamento tributaacuterio um emaranhado de normas muitas vezes conflitantes e
sem sentido que soacute podem ser compreendidas (quando o satildeo) por especialistasrdquo
Conforme adverte Prahalad (2005 p 85) ldquoos regulamentos resultam da interpretaccedilatildeo bu-
rocraacutetica das leis e sua proliferaccedilatildeo pode tornar o sistema obscuro para qualquer um exceto para
os muito experientesrdquo Em decorrecircncia disso sustenta o autor que a corrupccedilatildeo em todos os niacuteveis
da burocracia tende a ser endecircmica ademais a proliferaccedilatildeo dos regulamentos pode ter a mesma
consequecircncia da ldquopura inexistecircncia de leisrdquo a emergecircncia da informalidade Com isso os empreen-
dimentos permanecem pequenos e locais pois a corrupccedilatildeo passa a ser um custo inassimilaacutevel para
empreendimentos maiores
Natildeo bastasse isso aumentam-se os deveres instrumentais que devem ser adimplidos pelos
contribuintes Isto eacute os contribuintes assumem obrigaccedilotildees acessoacuterias cada vez mais complexas e one-
rosas com vistas a fornecer informaccedilotildees ao fisco sendo que eventuais erros ou omissotildees satildeo severa-
mente punidos Em vista disso tudo Casalta Nabais (2004b p 219) sustenta que ldquotorna-se imperiosa a
necessidade de simplificaccedilatildeo do sistema fiscalrdquo Eacute fundamental que o ldquolegislador desonere as empresa
da rede labiriacutentica de obrigaccedilotildees acessoacuterias as que crescentemente as tem vindo a manietarrdquo
Conveacutem ressaltar entretanto que a necessaacuteria simplificaccedilatildeo natildeo pode trilhar um caminho que
aponte para a construccedilatildeo de um modelo tributaacuterio que desconsidere o princiacutepio da capacidade con-
tributiva Por isso natildeo satildeo aceitaacuteveis as ideias que sustentam uma reduccedilatildeo das hipoacuteteses de manifes-
taccedilotildees de riquezas passiacuteveis de serem alcanccediladas pela tributaccedilatildeo especialmente a simplista ideia de
instituiccedilatildeo de um imposto uacutenico seja qual for sua materialidade ou hipoacutetese de incidecircncia Isso impli-
caria pois optar por um destino diametralmente oposto ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana
Paralelamente a isso eacute necessaacuterio que as penalidades pelo descumprimento do dever funda-
mental sejam de tal modo severas que desestimulem a praacutetica da evasatildeo para que o raciociacutenio do
ldquoriscobenefiacuteciordquo seja levado em consideraccedilatildeo no momento de eventualmente optar-se pela praacutetica
delituosa Para tanto eacute claro que como qualquer outra penalidade haacute de ter-se um fundado receio
expectativa de que ela venha a ser aplicada De qualquer forma tambeacutem nesse ponto deve-se ter uma
devida cautela para que a penalidade imposta natildeo seja desproporcional agrave infraccedilatildeo cometida
Ainda para que a fraude seja desestimulada faz-se necessaacuterio que o Estado distribua equitati-
vamente a carga tributaacuteria e paralelamente a isso o cidadatildeo possa visualizar claramente os benefiacutecios
sociais oriundos do recolhimento de tributos Talvez em paiacuteses como o Brasil seja esse o maior desafio
a ser enfrentando no combate agrave evasatildeo
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Pode-se concluir assim que o combate agrave evasatildeo eacute um dos importantes elementos para a cons-
truccedilatildeo da cidadania fiscal que passa pela aceitabilidade do dever fundamental de pagar tributos e pela
reconstruccedilatildeo dos mecanismos de solidariedade entre os indiviacuteduos que compotildeem uma sociedade
Eacute certo que natildeo se trata de um caminho que possa ser percorrido sem agruras ou dificuldades
No entanto tomar tal rumo eacute inclusive uma condiccedilatildeo para construccedilatildeo de um modelo tributaacuterio mais
equitativo que esteja apto a colaborar decisivamente na densificaccedilatildeo do princiacutepio basilar que norteia
a Constituiccedilatildeo Brasileira o princiacutepio da dignidade da pessoa humana
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao concluir este trabalho optou-se por traccedilar algumas consideraccedilotildees que se natildeo estatildeo no
acircmago da questatildeo abordada tecircm uma relaccedilatildeo de indiscutiacutevel pertinecircncia Busca-se pois examinar
a relaccedilatildeo da ideia de liberdade em tempos de culto a uma ideia no miacutenimo distorcida do que seja
a tatildeo almejada felicidade
As sociedades de massa existentes no que se convencionou denominar de poacutes-modernidade
tecircm uma caracteriacutestica comum o apreccedilo pelo indiviacuteduo Como se cada qual pudesse ter uma vida
autocircnoma e desconectada do restante esquece-se o alerta que jaacute fizera Tocqueville ndash conforme
lembra o socioacutelogo polonecircs Zygmunt Bauman ldquoo indiviacuteduo eacute o pior inimigo do cidadatildeordquo Nestes
tempos de culto ao individualismo haacute uma busca irrefreaacutevel por sentir-se uacutenico - social econocircmica
e esteticamente desejaacutevel - como uma espeacutecie de mercadoria posta na prateleira do ldquoSr Mercadordquo
para ser cobiccedilada e admirada pelo restante dos indiviacuteduos que tambeacutem almejam ocupar o mesmo
espaccedilo Na linha de Bauman os seres humanos transformam-se em mercadorias e vivem para satis-
fazer suas necessidades de consumo
Segundo tal loacutegica isso permitiria alcanccedilar aquilo que mais se pode buscar a felicidade Quando
se passa a discutir o que significa isso as respostas satildeo as mais variadas possiacuteveis Poreacutem percebe-se
que felicidade no mais das vezes associa-se agrave possibilidade de ter acesso a tudo que supostamente
permitiria sentir-se uacutenico notadamente o acesso a determinados padrotildees de consumo Acredita-se
que ldquoterrdquo algo possa propiciar um sentimento de satisfaccedilatildeo e alegria sem finitude
Isso torna-se particularmente perverso nas relaccedilotildees que se desenvolvem no acircmbito das de-
nominadas redes sociais Neste universo eacute essencialmente necessaacuterio parecer feliz pois o contraacuterio
eacute revelador de certa incompetecircncia em gerir o destino Constroem-se vidas perfeitas e portanto
fictiacutecias as quais geram um sentimento de frustraccedilatildeo e inseguranccedila por parte daqueles que acredi-
tam nesse verdadeiro ldquoconto de fadasrdquo automidiaacutetico quando constatam que suas proacuteprias vidas satildeo
comuns e pequenas diante de tantos ldquofelizesrdquo que povoam tais redes Incrivelmente esse sentimento
eacute reciacuteproco pois aqueles que vendem tal imagem tambeacutem se sentem dessa forma uma vez que
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intimamente sabem que seu - eficazmente vendido - marketing pessoal nada mais eacute do que uma
pura obra de ficccedilatildeo
Tudo eacute tatildeo avassalador que mesmo dando-se conta disso eacute difiacutecil natildeo se submeter aos seus
efeitos negativos De qualquer forma este texto natildeo tem a pretensatildeo de convencer algueacutem acerca das
armadilhas deste mito nem pretende vender uma nova foacutermula para alcanccedilar este intento como o
fazem tantos livros de autoajuda cujos autores satildeo os principais ldquoajudadosrdquo O que se pretende aqui
singelamente eacute sugerir uma reflexatildeo eacute possiacutevel ser feliz sem ser livre
Eacute certo que a convivecircncia coletiva impotildee limites no plano individual que frustram a liberdade
no seu estado original Isso acontece porque soacute eacute possiacutevel ser verdadeiramente livre no seio de uma
sociedade O ser humano natildeo se realiza como tal a natildeo ser coexistindo Numa ilha deserta o ser hu-
mano nada mais eacute do que sua versatildeo primordial de evoluccedilatildeo agrave medida que estaacute condenado a satisfa-
zer apenas seus instintos baacutesicos Portanto os limites impostos pela convivecircncia coletiva satildeo meios de
garantia da proacutepria liberdade Desconsiderando o outro o ser humano faz da liberdade sua primeira
viacutetima e de si proacuteprio um verdadeiro escravo de seus instintos
Ocorre que natildeo satildeo esses limites que na atualidade comprometem a liberdade Uma vez que
se assume a tarefa de ser aceito pela sociedade de consumo automaticamente passa-se a agir de
acordo com os padrotildees estabelecidos por ela Satildeo normas natildeo escritas e leis concretamente inexis-
tentes as quais imperceptivelmente balizam o modo de agir Desde a necessidade de adquirir deter-
minados bens ateacute a manifestaccedilatildeo de determinadas opiniotildees age-se de acordo com modo de viver
e pensar que eacute sutilmente imposto como condiccedilatildeo para alcanccedilar aquilo que se diz ser felicidade Por
mais paradoxal que pareccedila quanto mais brilhante for o aluno mais provavelmente restaraacute frustrado e
infeliz ao perceber a euforia esvaindo-se tatildeo rapidamente No dia seguinte novos desejos artificial-
mente produzidos haveratildeo de ser satisfeitos
Por isso nestes bons tempos de iniacutecio de seacuteculo vale pensar o quanto se deve buscar a decan-
tada felicidade que se vende tal qual anuacutencio publicitaacuterio de margarina quanto isso significa compro-
meter algo indissociaacutevel agrave proacutepria condiccedilatildeo humana ser livre Portanto melhor do que desejar algueacutem
ldquoSeja Felizrdquo poder-se-ia dizer ldquoSeja Livrerdquo Pelo menos natildeo seja refeacutens de normas e leis concretamente
inexistentes e faticamente inuacuteteis Seja feliz sem deixar de ser livre Ou seja livre pois soacute assim poderaacute
ser verdadeiramente feliz
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O PROCESSO DE CODIFICACcedilAtildeO DO DIREITO TRIBUTAacuteRIO BRASILEIRO
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 Antecedentes do processo de codificaccedilatildeo do Di-reito Tributaacuterio no Brasil 11 O sistema tributaacuterio na Constituiccedilatildeo Federal de 1946 12 A Emenda Constitucional no 1865 2 O Coacutedigo Tributaacuterio Na-cional (CTN) 21 Precedentes da codificaccedilatildeo 22 O Coacutedigo de Napoleatildeo 23 O processo de codificaccedilatildeo no Brasil 24 O movimento de codificaccedilatildeo do Direito Tributaacuterio no Brasil 25 Movimentos que antecederam o CTN 26 O anteprojeto de lei 27 A Lei no 5172 de 1966 (Coacutedigo Tributaacuterio Nacional ndash CTN) 28 O CTN no ordenamento juriacutedico nacional 281 A funccedilatildeo do CTN 282 Algumas criacuteticas ao CTN Consideraccedilotildees finais Referecircncias
Osvaldo Joseacute Rebouccedilas1
INTRODUCcedilAtildeO
A codificaccedilatildeo do Direito Tributaacuterio no Brasil passou por um processo relativamente longo de
infindaacuteveis discussotildees Vaacuterios fatores deram causa a este retardamento no processo de codificaccedilatildeo
especialmente a ignoracircncia da doutrina paacutetria sobre a importacircncia do Direito Tributaacuterio que era co-
mumente aceito como um apecircndice do Direito Financeiro e a inexistecircncia de obras com repercussatildeo
ampla levando a comunidade juriacutedica a despertar para a necessidade da realizaccedilatildeo de estudos mais
consistentes sobre os institutos e as formas desta relevante aacuterea do Direito para a sociedade moderna
O trabalho que se propotildee desenvolver tem por objetivo efetuar um estudo sobre o processo
da codificaccedilatildeo do Direito Tributaacuterio no Brasil sob uma perspectiva histoacuterica vale dizer identificar em
sua histoacuteria o conjunto de fatos e procedimentos que o precederam e foram adotados para enfim se
chegar agrave elaboraccedilatildeo de um projeto e de Coacutedigo Tributaacuterio Nacional no contexto juriacutedico brasileiro
Eacute certo que para a consecuccedilatildeo dos objetivos almejados eacute necessaacuterio assentar previamente algu-
mas premissas ou hipoacuteteses sobre as quais se vai desenvolver o estudo Primeiro eacute preciso demonstrar
se havia necessidade ou natildeo da elaboraccedilatildeo de um coacutedigo tributaacuterio para o direito brasileiro segundo
que vantagens traria para a ordenaccedilatildeo do sistema tributaacuterio sua ediccedilatildeo terceiro que efeitos juriacutedicos
irradiariam da codificaccedilatildeo das normas tributaacuterias no modelo poliacutetico nacional tendo em vista a forma
como o Brasil eacute organizado politicamente (modelo federativo onde cada esfera de poder tem auto-
nomia poliacutetica e administrativa para se auto-governar e auto-administrar) e quarto como a doutrina
paacutetria enfrentou a questatildeo da codificaccedilatildeo normativa da tributaccedilatildeo em face do sistema tributaacuterio na-
cional vigente agrave eacutepoca
Natildeo se pode perder de vista que para a elaboraccedilatildeo exitosa deste estudo eacute necessaacuterio que se
1 Auditor Fiscal da Receita Estadual do Cearaacute E-mail osvaldorebhotmailcom
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estabeleccedila a metodologia a ser adotada e os caminhos a serem trilhados Seguramente necessaacuterio se
faz orientar a pesquisa para uma anaacutelise do sistema tributaacuterio vigente agrave eacutepoca da elaboraccedilatildeo da pro-
posta especialmente as competecircncias dos entes central e perifeacutericos e como se desenvolvia esta ad-
ministraccedilatildeo tributaacuteria em seguida seratildeo identificados quais os principais problemas enfrentados pela
administraccedilatildeo e pelo contribuinte no que concerne ao exerciacutecio da tributaccedilatildeo posteriormente seratildeo
retratados os procedimentos adotados visando a elaboraccedilatildeo de um anteprojeto de lei passando pela
formaccedilatildeo da comissatildeo de redaccedilatildeo e escolha de seus membros a seguir seraacute detalhado o processo his-
toacuterico da elaboraccedilatildeo do anteprojeto e a participaccedilatildeo efetiva da sociedade na consolidaccedilatildeo da minuta
a ser apresentada ao Congresso Nacional e por derradeiro a transformaccedilatildeo do anteprojeto em lei (Lei
nordm 5172 de 30 de outubro de 1966)
Todo o trabalho de pesquisa deveraacute ser desenvolvido analisando-se a legislaccedilatildeo nacional inclu-
sive a constitucional publicaccedilotildees sobre a histoacuteria da codificaccedilatildeo do direito tributaacuterio projetos de lei
debates e sobretudo o processo histoacuterico no qual se inseriu as accedilotildees desenvolvidas visando a elabo-
raccedilatildeo da minuta de codificaccedilatildeo das normas tributaacuterias
Superadas todas estas etapas para a realizaccedilatildeo do trabalho espera-se ao final retratar com
relativa fidedignidade o processo histoacuterico de codificaccedilatildeo do Direito Tributaacuterio brasileiro que culminou
com a ediccedilatildeo da lei retrocitada transformada a posteriori em Coacutedigo Tributaacuterio Nacional como ele
foi inserido em nosso ordenamento juriacutedico e os efeitos que decorreram agrave eacutepoca de sua publicaccedilatildeo no
modelo poliacutetico juriacutedico e administrativo nacional
Da compreensatildeo deste processo histoacuterico se pode com certeza entender de maneira mais
ampla e segura o modelo tributaacuterio paacutetrio atual e porque o Coacutedigo que jaacute perdura por mais de qua-
renta anos continua sendo o mais importante instrumento de harmonizaccedilatildeo do sistema tributaacuterio
nacional apesar de nosso modelo poliacutetico de federalismo tatildeo complexo e ao mesmo tempo enge-
nhoso em sua concepccedilatildeo
E como afirma o Prof Waldemar Ferreira nenhum jurista pode dispensar o contingente do pas-
sado a fim de bem compreender as instituiccedilotildees juriacutedicas dos dias atuais (FERREIRA 1952 p1) sendo
destarte de fundamental importacircncia o conhecimento da histoacuteria do direito para a compreensatildeo dos
fenocircmenos juriacutedicos do presente
1 ANTECEDENTES DO PROCESSO DE CODIFICACcedilAtildeO DO DIREITO TRIBUTAacuteRIO NO BRASIL
11 O Sistema Tributaacuterio Nacional na Constituiccedilatildeo Federal de 1946
Para exame de qualquer ramo do Direito inclusive o do Direito Tributaacuterio a lembranccedila de sua
gecircnese e de seu desenvolvimento no tempo reveste-se de grande interesse e importacircncia sobretu-
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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do sob o aspecto pedagoacutegico A compreensatildeo da histoacuteria permite contextualizar melhor os temas
a serem abordados e assim melhor compreendecirc-los Ela portanto se transforma em elemento de
inegaacutevel valia e auxiliar de relevante destaque no estudo natildeo somente do direito enquanto realidade
soacutecio-cultural mas tambeacutem na anaacutelise de elementos que compotildeem sua estrutura em determinado
periacuteodo de evoluccedilatildeo da sociedade tendo sempre presente que em razatildeo de ser ele um reflexo das
relaccedilotildees humanas estaacute em contiacutenuo desenvolvimento pressupondo sempre a existecircncia de um direito
anterior regulador de tais relaccedilotildees intersubjetivas inerentes agrave condiccedilatildeo humana
E o Brasil (e natildeo poderia ser diferente) desde o iniacutecio de sua descoberta teve seu Direito Tribu-
taacuterio expresso pela legislaccedilatildeo fiscal (conjunto de leis e de praxes portuguesas) que eram aplicadas em
seu territoacuterio Assim o direito tributaacuterio brasileiro tem suas origens com o proacuteprio descobrimento do
Brasil e vem sofrendo todo o processo de evoluccedilatildeo ao qual eacute submetido agrave proacutepria sociedade
De se lembrar que para elaboraccedilatildeo de um panorama histoacuterico do Coacutedigo Tributaacuterio Nacional
eacute necessaacuterio se efetuar um corte epistemoloacutegico no tempo e adotar como ponto de partida um deter-
minado sistema juriacutedico vigente a justificar sua inserccedilatildeo no ordenamento paacutetrio
O Direito Tributaacuterio como afirma Machado (1998) enquanto conjunto de normas constituin-
do-se um ramo do Direito Puacuteblico natildeo tinha no Brasil nessa eacutepoca sido objeto de estudo como
ramo autocircnomo do Direito vale dizer natildeo havia um estudo sistematizado de seus institutos e nor-
mas nem discussotildees mais amplas pela comunidade acadecircmica acerca de sua existecircncia com foros
de autonomia
E o reflexo desse ldquodesconhecimentordquo se materializa em nossos sistemas tributaacuterios Veja-se o
sistema tributaacuterio estruturado na Constituiccedilatildeo Federal de 1946 que mesmo jaacute contendo uma certa
densidade estrutural ainda assim apresentava uma multiplicaccedilatildeo e acumulaccedilatildeo de incidecircncias tributaacute-
rias que dificultavam e oneravam a produccedilatildeo impondo ao contribuinte uma carga de tributos confusa
e elevada Como afirma Martins (1989 p19)
Os conflitos se sucediam as formas tributaacuterias eram utilizadas com imperfeiccedilotildees no-toacuterias as garantias se diluiacuteam em casuiacutesmos surgidos da melancoacutelica vocaccedilatildeo da Fe-deraccedilatildeo brasileira em transformar os governantes em criadores de despesas uacuteteis e inuacuteteis a serem ndash apenas apoacutes sua projeccedilatildeo ndash cobertas pelas receitas fiscais
Isso gerou permanente tensatildeo entre o contribuinte que se sentia penalizado com uma tri-
butaccedilatildeo injusta e o fisco cada vez mais exigindo recursos financeiros do particular E como salienta
Nogueira (1989) tal procedimento encontra fundamento para a exigecircncia no direito de tributar do
Estado decorrente de seu poder de impeacuterio pelo qual faz ldquoderivarrdquo para seus cofres uma parcela do
patrimocircnio das pessoas sujeitas agrave sua jurisdiccedilatildeo para atender as necessidades da sociedade
Atente-se que conforme Moraes (1993) o sistema tributaacuterio definido na Constituiccedilatildeo de 1946
preservando o modelo federativo fundamentava-se em trecircs premissas baacutesicas a) coexistecircncia de trecircs
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sistemas tributaacuterios autocircnomos um para cada ente poliacutetico da Federaccedilatildeo (Uniatildeo Estados e Municiacute-
pios) separando-se teoricamente os campos de imposiccedilatildeo tributaacuteria de cada ente b) adoccedilatildeo de uma
classificaccedilatildeo dos impostos tendo como fundamento apenas o nome juriacutedico e desprezando-se o con-
teuacutedo econocircmico e c) preservaccedilatildeo da autonomia financeira das trecircs entidades poliacuteticas da Federaccedilatildeo
outorgada atraveacutes de impostos privativos embora houvessem participaccedilotildees financeiras no produto da
arrecadaccedilatildeo de impostos de um poder tributante por parte de outro visando reduzir desequiliacutebrios e
fortalecer a Federaccedilatildeo
Esta Constituiccedilatildeo disciplinou o sistema tributaacuterio estabelecendo uma reparticcedilatildeo de compe-
tecircncia dos tributos entre os fiscos e impocircs limitaccedilotildees ao poder de tributar (art17) fixou a imunidade
reciacuteproca para efeito da instituiccedilatildeo do Imposto de Renda bens e serviccedilos da Uniatildeo dos Estados Dis-
trito Federal e Municiacutepios assegurou a imunidade dos templos de qualquer culto bens e serviccedilos de
partidos poliacuteticos instituiccedilotildees de educaccedilatildeo e de assistecircncia social e o papel destinado agrave impressatildeo de
livros jornais e perioacutedicos (art 31 V) Reintroduziu tambeacutem a contribuiccedilatildeo de melhoria com previsatildeo
constitucional e as taxas de competecircncia concorrente entre Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacute-
pios dando mais solidez agrave estrutura tributaacuteria dos entes perifeacutericos
Vedou ainda limitaccedilotildees ao traacutefego de qualquer natureza por meio de tributos aleacutem de consa-
grar o princiacutepio da legalidade e o princiacutepio da anualidade ao estabelecer no art 141 sect 34 (dos Direitos
e das Garantias Individuais) que a) nenhum tributo seraacute exigido ou aumentado sem que a lei o esta-
beleccedila e b) nenhum seraacute cobrado em cada exerciacutecio sem preacutevia autorizaccedilatildeo orccedilamentaacuteria ressalvada
a tarifa aduaneira e o imposto lanccedilado por motivo de guerra
A Constituiccedilatildeo conferiu competecircncia agrave Uniatildeo para cobrar impostos sobre importaccedilatildeo de mer-
cadorias consumo de mercadorias produccedilatildeo comeacutercio distribuiccedilatildeo e consumo e bem assim im-
portaccedilatildeo e exportaccedilatildeo de lubrificantes e de combustiacuteveis liacutequidos ou gasosos de qualquer origem ou
natureza minerais do paiacutes e energia eleacutetrica imposto de renda transferecircncia de fundos para o exterior
e negoacutecios de sua economia
Aos Estados foi atribuiacuteda competecircncia para decretar impostos sobre a propriedade territorial
transmissatildeo causa mortis e inter vivos e sua incorporaccedilatildeo ao capital das sociedades aleacutem do imposto
sobre vendas e consignaccedilotildees exportaccedilatildeo de suas mercadorias para o estrangeiro com aliacutequota maacutexi-
ma de 5 ad valorem serviccedilos da justiccedila e negoacutecios de sua economia
Os Municiacutepios ficaram com as transferecircncias previstas constitucionalmente e com o imposto
predial e territorial urbano de licenccedila de induacutestrias e profissotildees sobre diversotildees puacuteblicas sobre atos
de sua economia ou de assuntos de sua competecircncia
Em que pese estrutura a tributaacuteria definida pela Constituiccedilatildeo de 1946 conforme visto contendo
significativos avanccedilos vaacuterios problemas assolavam o paiacutes dentre os quais um processo inflacionaacuterio
galopante que corroiacutea o poder de compra da moeda o iniacutecio de crise e desordens poliacuteticas e adminis-
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trativas Veja-se o elenco de criacuteticas sintetizadas ainda com Moraes (1993) nos seguintes aspectos
a) tributaccedilatildeo ampla e variada permitindo incidecircncias tributaacuterias em duplicidade sendo que o
acircmbito de incidecircncia dos tributos baseava-se em distinccedilotildees meramente juriacutedicas ignorando os fatos
econocircmicos
b) a discriminaccedilatildeo de rendas tributaacuterias apresentava-se empiacuterica natildeo se originando de anaacutelise
econocircmica pondo em risco o regime federativo em razatildeo do desequilibro causado
c) o imposto sobre vendas e consignaccedilotildees se apresentava com incidecircncia cumulativa em cas-
cata prejudicando a comercializaccedilatildeo e industrializaccedilatildeo de produtos
d) o excesso de leis provocando a proliferaccedilatildeo de obrigaccedilotildees acessoacuterias e a complexidade de
procedimentos a serem adotados pelo contribuinte dificultando suas atividades
Apesar da teoacuterica separaccedilatildeo das competecircncias entre os entes tributantes e da classificaccedilatildeo ( ju-
riacutedica) dos tributos outro problema detectado com frequecircncia era a constante invasatildeo pelas taxas de
aacutereas de competecircncias dos impostos bem como a criaccedilatildeo de contribuiccedilotildees que se confundiam com
taxas ou impostos todos exigidos do particular
De outro lado o progresso econocircmico e o crescimento do paiacutes impunham mudanccedilas que re-
movessem esses empecilhos ao desenvolvimento nacional dotando-se o paiacutes de uma estrutura tri-
butaacuteria moderna e adequada agrave realidade poliacutetica e econocircmica que ora se apresentava Natildeo era mais
possiacutevel se compatibilizar o estaacutegio de desenvolvimento que a naccedilatildeo brasileira experimentava com um
sistema juriacutedico-tributaacuterio arcaico como comentado que inexoravelmente a levava ao engessamento
e impedia seu desenvolvimento em niacuteveis desejados e exigidos pela sociedade em contiacutenua evoluccedilatildeo
Aleacutem de todos os problemas anteriormente apontados um fator de desequilibro financeiro se
fazia presente na economia nacional qual seja a existecircncia de um quadro inflacionaacuterio instaacutevel e re-
cessivo que impunha a urgente necessidade de mudanccedilas lanccedilando a semente para a realizaccedilatildeo de
uma reforma tributaacuteria adequada agraves necessidades do paiacutes e que viesse dotaacute-lo do instrumental neces-
saacuterio agrave plena evoluccedilatildeo econocircmica nos patamares exigidos pela novel realidade econocircmica
12 A Emenda Constitucional no 1865
Como visto era imperioso que se processasse radical transformaccedilatildeo no sistema tributaacuterio na-
cional O Presidente Castelo Branco visando essa reestruturaccedilatildeo segundo as diretrizes sugeridas pelos
professores Otaacutevio Gouveia de Bulhotildees e Roberto Campos Ministros respectivamente da Fazenda
e do Planejamento determinou em caraacuteter de urgecircncia a elaboraccedilatildeo normativa necessaacuteria a con-
secuccedilatildeo de tal fim Foram entatildeo convidados dois ilustres professores de direito tributaacuterio brasileiros
Rubens Gomes de Sousa e Gilberto de Ulhoa Canto para prestaram assessoria ao governo federal na
idealizaccedilatildeo e preparaccedilatildeo de uma proposta de mudanccedila do sistema tributaacuterio
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Em verdade esta mudanccedila comeccedilou com a Portaria Conjunta GB 30 de 27 de janeiro de 1965
do Ministeacuterio de Estado dos Negoacutecios da Fazenda e do Planejamento que instituiu uma comissatildeo
especial para elaborar um projeto de reforma constitucional Esta comissatildeo era formada por juristas
e renomados teacutecnicos da administraccedilatildeo puacuteblica nas aacutereas financeira e econocircmica Seus componentes
eram Luis Simotildees Lopes como presidente o prof Rubens Gomes de Sousa designado relator como
membros foram indicados Gerson Augusto da Silva Sebastiatildeo SantrsquoAna e Silva Gilberto de Ulhoa
Canto e Maacuterio Henrique Simonsen A comissatildeo preparou dois anteprojetos de emenda constitucional
Depois da divulgaccedilatildeo das propostas para receber sugestotildees da sociedade e em especial dos juristas
ela foi apoacutes sua fusatildeo e consolidaccedilatildeo enviada em outubro de 1965 ao Ministeacuterio da Fazenda que a
encaminhou ao Presidente da Repuacuteblica A posteriori foi por este remetida ao Congresso Nacional que
aprovou o projeto em 1ordm de dezembro de 1965 com o nuacutemero de Emenda Constitucional 18 instituin-
do uma nova discriminaccedilatildeo de rendas e uma estrutura moderna e totalmente diversa do que se tinha
ateacute entatildeo feito no Brasil em mateacuteria fiscal
Eacute o que se colhe do bem lanccedilado comentaacuterio de Moraes (2000 p 153) ao afirmar que
Desde 1891 a discriminaccedilatildeo de rendas tributaacuterias vinha sendo repetida nas Consti-tuiccedilotildees que se seguiram (1934 1937 e 1946) sem a menor imaginaccedilatildeo alterando-se apenas a parte relativa agrave competecircncia tributaacuteria das entidades poliacuteticas ou melhor modificando-se as pessoas de direito puacuteblico titulares de cada imposto A Emenda Constitucional nordm 18 de 1965 natildeo mais copiou comodamente a teacutecnica anterior mas realizando uma reforma de essecircncia pois aleacutem de alterar a discriminaccedilatildeo de competecircncia tributaacuteria a Emenda adotou uma classificaccedilatildeo de imposto baseada em nomenclatura econocircmica procurando solucionar ainda outros problemas inclusive os dos efeitos econocircmicos dos impostos
Feita a primeira grande reforma tributaacuteria em sede de Constituiccedilatildeo Federal os entes tributantes
que compotildeem a Federaccedilatildeo brasileira passaram conviver com uma nova realidade onde estavam de-
finidas as competecircncias e atribuiccedilotildees de cada ente de maneira clara e exclusiva evitando destarte as
superposiccedilotildees tributaacuterias que ateacute entatildeo haviam norteado a tributaccedilatildeo no Brasil Contudo para imple-
mentar o novo modelo tributaacuterio concebido pela Emenda Constitucional 1865 havia a necessidade
da ediccedilatildeo de vaacuterias leis complementares em razatildeo ateacute da competecircncia de cada unidade poliacutetica de
legislar sobre seus proacuteprios sistemas tributaacuterios decorrentes do modelo federativo adotado no paiacutes
2 O COacuteDIGO TRIBUTAacuteRIO NACIONAL (CTN)
21 Precedentes da codificaccedilatildeo
A ideia da codificaccedilatildeo natildeo eacute nova e natildeo foi originada na eacutepoca da Revoluccedilatildeo Francesa O termo
codex eacute de origem romana caudex eacute um conjunto de vaacuterias taacutebuas unidas daiacute tabuinha de escrever
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livro Portanto codex designa a uniatildeo material de vaacuterios elementos antes dispersos formando uma
unidade Os coacutedigos de Teodoacutesio (438) e de Justiniano (529 e 534) satildeo exemplos mais antigos
22 Os Coacutedigos de Napoleatildeo
A codificaccedilatildeo como instrumento de realizaccedilatildeo do Direito eacute uma aspiraccedilatildeo da sociedade que
sempre e continuamente tem acompanhado sua evoluccedilatildeo Como bem demonstra Justo (2000 p 216)
ldquoMovimento codificador eacute um dos frutos do Iluminismo que afirmou a excelecircncia da razatildeo (subjetiva e
criacutetica) e um racionalismo essencialmente humanista e antropocecircntricordquo agrave sociedade na busca de seu
pleno desenvolvimento
E Napoleatildeo compreendeu agrave perfeiccedilatildeo essa relaccedilatildeo entre codificaccedilatildeo e desenvolvimento da
sociedade tanto que conseguiu dar agrave Franccedila um conjunto de coacutedigos que constituem um dos mais
notaacuteveis esforccedilos de sistematizaccedilatildeo de regras juriacutedicas de toda a histoacuteria Assim eacute que de 1804 a 1810
foram sucessivamente promulgados um Coacutedigo Civil um Coacutedigo de Processo Civil um Coacutedigo Comer-
cial um Coacutedigo Penal e um Coacutedigo de Instruccedilatildeo Criminal
A maior parte deles manteve-se em vigor ateacute aos nossos dias tanto na Franccedila como na Beacutel-
gica Aleacutem disso influenciaram a codificaccedilatildeo em numerosos paiacuteses da Europa e da Ameacuterica Latina
durante o seacutec XIX inclusive no Brasil onde tais ordenaccedilotildees foram aplicadas especialmente no que
se refere ao Direito Civil
Sem nenhuma duacutevida o processo histoacuterico de codificaccedilatildeo desenvolvido na Franccedila por Napo-
leatildeo irradiou-se por todo o mundo natildeo somente servindo de base para a criaccedilatildeo de normas juriacutedicas
em vaacuterias naccedilotildees mas sobretudo na disseminaccedilatildeo do conhecimento que provocou sendo uma refe-
recircncia para a moderna histoacuteria do Direito
Eacute certo que natildeo se pode perder de vista a importacircncia do processo de codificaccedilatildeo para o desen-
volvimento das sociedades Contudo a publicaccedilatildeo em si de coacutedigos com seguranccedila natildeo eacute a soluccedilatildeo
para todos os problemas juriacutedicos decorrentes das relaccedilotildees sociais Faz-se necessaacuterio sobretudo uma
mudanccedila de mentalidade para assimilar a nova cultura juriacutedica implantada para reger estas relaccedilotildees
E esta afirmativa colhe-se do lapidar pensamento a seguir transcrito que mesmo apesar de se referir
a uma determinada regiatildeo em uma determinada eacutepoca reflete a realidade agrave qual foram submetidas
todas as naccedilotildees que enfrentaram o processo de codificaccedilatildeo do Direito
Entendo oportuno dedicar um espaccedilo ao outra reflexatildeo Ainda que agrave primeira vis-ta possa parecer simplesmente absurdo parece-me vital ter presente que a simples sanccedilatildeo do coacutedigo natildeo foi condiccedilatildeo suficiente para assegurar a exaltaccedilatildeo da sua nova cultura juriacutedica Isto obviamente natildeo significa que natildeo se admita a existecircncia de uma vinculaccedilatildeo entre a cultura da codificaccedilatildeo e a vigecircncia de novos corpos legais O que quero dizer eacute que seu ecircxito obedeceu antes de tudo a uma questatildeo de mentalidades Ou seja para que a praacutetica dos coacutedigos se transformasse em autecircntica cultura era
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necessaacuterio que os juristas tivessem um compromisso para o qual nem todos os opera-dores juriacutedicos rioplatenses anteriores a 1880 estavam preparados Em definitivo para alcanccedilar sua consagraccedilatildeo o coacutedigo teve de esperar ser utilizado por uma nova classe de juristas que fez dele o efetivo eixo de seu discurso juriacutedico (ABAacuteSOLO 2008 p243)
23 O processo de codificaccedilatildeo no Brasil
No Brasil a ideia da codificaccedilatildeo remonta aos dias que sucederam agrave independecircncia Ainda em
1823 uma lei previa a elaboraccedilatildeo de um novo coacutedigo (lei de 20 de Outubro) enquanto que o mesmo
era previsto na Constituiccedilatildeo de 1824 (art 179 sect 18) Em 1858 Teixeira de Freitas um dos mais bri-
lhantes juristas da eacutepoca foi encarregado de elaborar um projeto que no entanto acabou por natildeo
ser aceito Novos projetos (Nabuco de Arauacutejo Feliacutecio dos Santos Antocircnio Coelho Rodrigues) tambeacutem
foram elaborados mas natildeo lograram ecircxito E eacute soacute em 1916 que um Coacutedigo Civil com base num proje-
to de Cloacutevis Bevilaacutequa professor da Faculdade de Direito em Recife acaba por ser aprovado apoacutes 17
anos de discussotildees em comissatildeo e no parlamento
24 O movimento de codificaccedilatildeo do Direito Tributaacuterio no Brasil
A codificaccedilatildeo do Direito Tributaacuterio no Brasil em que pese todas as dificuldades que se apre-
sentavam era um processo irreversiacutevel ateacute porque em vaacuterios outros paiacuteses jaacute havia sido com ecircxito
concluiacutedo os processos de codificaccedilatildeo Note-se que a mudanccedila ocorrida no seacuteculo XX em relaccedilatildeo agrave
codificaccedilatildeo estendeu-se a outros ramos do direito sobretudo ao direito fiscal Como bem demonstra
Balleiro (1973) jaacute haviam implantado codificaccedilotildees os franceses com o Coacutedigo Geral dos Impostos
(1950) reunindo os sete coacutedigos franceses os italianos com o coacutedigo fiscal total (1938) a Ordenaccedilatildeo
Tributaacuteria do Reich Alematildeo (RAO) publicada em 1919 e a Beacutelgica a Espanha a Argentina e os Estados
Unidos tambeacutem iniciaram um processo de codificaccedilatildeo ainda que limitados a determinados setores
tributaacuterios Seguiram-se expressivas accedilotildees convergindo todas nesse mesmo sentido tais como a Lei
de Justiccedila Fiscal do Meacutexico a publicaccedilatildeo do anteprojeto Giuliani Fonrouge pelo Centro de Investigaci-
oacuten de Derecho Financeiro da Faculdade de Direito de Buenos Aires e o Coacutedigo Fiscal da Proviacutencia de
Buenos Aires (lei 5246 de dezembro de 1947)
No Brasil um primeiro passo foi dado com as consolidaccedilotildees dos Impostos de Selo Consumo e
Regulamento do Imposto de Renda Contudo representou tal atitude apenas uma pequena tentativa
de por um miacutenimo de ordem no caos em que se encontrava tributaccedilatildeo nacional
Precisamente porque um dos grandes problemas encontrados no sistema tributaacuterio da eacutepoca
era o nuacutemero excessivo de leis tributaacuterias situaccedilatildeo essa que se agravava em funccedilatildeo da estrutura fede-
rativa do Estado brasileiro em que no mesmo territoacuterio havia uma sobreposiccedilatildeo de ordens juriacutedicas
federal estadual e municipal Faltava um instrumento de caraacuteter nacional capaz de gerar certa conver-
gecircncia entre as regulamentaccedilotildees estaduais e municipais
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Como afirma De Santi (2008 p327) ldquoNo mesmo territoacuterio paacutetrio o contribuinte eacute disputado
por trecircs competecircncias fiscais que nem sempre coordenam as respectivas exigecircncias para bom conviacute-
vio entre si e com os governadosrdquo
Era necessaacuteria para harmonizaccedilatildeo do sistema tributaacuterio nacional a ediccedilatildeo de normas de caraacute-
ter geral qual seja aquelas sobrenormas que dirigidas agrave Uniatildeo Estados Municiacutepios e Distrito Federal
visam agrave realizaccedilatildeo das funccedilotildees certeza e seguranccedila do direito oferecendo estabilidade nas relaccedilotildees
juriacutedicas decorrentes das accedilotildees humanas
Essas normas gerais exercem uma funccedilatildeo estruturante do sistema juriacutedico e garantem um miacuteni-
mo de uniformidade legislativa o que no acircmbito do Direito configura importante garantia para aque-
les a quem eacute dada a incumbecircncia de manter financeiramente o Estado Satildeo de extrema importacircncia
para o equilibro e a eficiecircncia do ordenamento juriacutedico pois
[] o fato de existirem tantas fontes produtoras de normas (Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios) leva agrave possibilidade de inuacutemeros conflitos divergecircncias e super-posiccedilatildeo de normasCom a finalidade de assegurar um miacutenimo de uniformidade nacional agrave disciplina legal a constituiccedilatildeo brasileira prevecirc a possibilidade de a Uniatildeo editar leis que veiculem nor-mas gerais sobre determinadas mateacuterias cujo regime eacute o seguintebull as normas gerais aplicam-se a todas as entidades poliacuteticas (Uniatildeo Estados-federa-dos e Municiacutepios) Entende-se que as normas gerais satildeo normas ldquonacionaisrdquo (de todo o paiacutes) e natildeo ldquofederaisrdquo (apenas da Uniatildeo) A produccedilatildeo da norma geral eacute feita pelos oacutergatildeos da Uniatildeo (federal) mas a norma tem natureza nacionalbull enquanto a Uniatildeo natildeo editar uma ldquonorma geralldquo cada entidade poliacutetica pode exer-cer plenamente a competecircncia legislativa que lhe foi atribuiacuteda para atender a suas peculiaridades (Art 24 cf)bull sobrevindo a norma geral ela suspende a eficaacutecia da lei federal estadual ou munici-pal no que as contrariar Natildeo haacute revogaccedilatildeo da lei mas apenas suspensatildeo da eficaacutecia ou seja deixa de ser aplicaacutevel mas natildeo eacute retirada do ordenamento juriacutedico positivo isso significa que se a norma geral for revogada a lei federal estadual ou municipal recupera sua eficaacutecia sem necessidade de haver nova produccedilatildeo normativa ( Art 24 sect 4deg) ebull uma lei ordinaacuteria federal estadual ou municipal nova conflitar com uma norma geral existente entende-se que eacute hipoacutetese de inconstitucionalidade da lei nova por invasatildeo de competecircncia (art 102 III ldquodrdquo) (GRECCO 2008 p325)
A Emenda Constitucional 18 de 1965 a par do grande avanccedilo que proporcionou ao paiacutes em
mateacuteria tributaacuteria necessitava para que se concretizassem seus os objetivos do exerciacutecio da compe-
tecircncia legislativa qual seja a ediccedilatildeo de normas infraconstitucionais de caraacuteter nacional responsaacuteveis
pela arquitetura do sistema
25 Movimentos que antecederam a elaboraccedilatildeo do CTN
A multiplicidade dos problemas de natureza especificamente tributaacuteria levantados na Segunda
Conferecircncia de Teacutecnicos em Contabilidade Puacuteblica e Assuntos Fazendaacuterios reunida em 1940 forccedilou o
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reconhecimento da necessidade da elaboraccedilatildeo para o direito tributaacuterio de um conjunto de normas
gerais Daiacute resultou a convocaccedilatildeo em 1941 da Primeira Conferecircncia Nacional da Legislaccedilatildeo Tributaacute-
ria na qual o tema da codificaccedilatildeo recebeu tratamento orgacircnico aplicaacutevel por igual aos trecircs niacuteveis de
governo que continuariam a legislar sobre os seus proacuteprios tributos poreacutem com estrita observacircncia
daqueles princiacutepios comuns por ela traccedilados que imprimiriam ao sistema a desejada uniformidade
Simultaneamente a isto uma centralizaccedilatildeo administrativa mais acentuada veio contribuir para a
busca da soluccedilatildeo dos problemas Um primeiro exemplo resultante da Conferecircncia dos Secretaacuterios de
Fazenda realizada em 1938 eacute o decreto-lei 915 daquele ano que solucionou normativamente os con-
flitos de competecircncia na tributaccedilatildeo das vendas interestaduais de mercadorias No decreto-lei 1202 de
1939 encontravam-se dispositivos visando a uniformizaccedilatildeo da atividade tributaacuteria dos Estados e Muni-
ciacutepios Por sua vez os decretos-leis 1804 de 1939 e 2416 de 1940 consagrando em lei as recomenda-
ccedilotildees da Primeira e da Segunda Conferecircncia de Contabilidade Puacuteblica e Assuntos Fazendaacuterios vieram
codificar todo o setor da atividade financeira puacuteblica ultrapassando o campo da teacutecnica e elaborando
regras substantivas no que se refere agrave conceituaccedilatildeo de certos institutos tributaacuterios Finalmente o de-
creto-lei 960 de 1938 embora decorra da competecircncia legislativa da Uniatildeo em mateacuteria de processo
pode ser enquadrado na mesma ordem de ideacuteias pois se reflete sobre o direito financeiro em todo
o importante setor da cobranccedila executiva da diacutevida ativa da Fazenda Puacuteblica Contudo os problemas
inerentes ao sistema tributaacuterio conforme apontados continuavam a causar seu efeito nocivo e deleteacute-
rio ao desenvolvimento nacional impondo a necessidade urgente de uma sistematizaccedilatildeo racional da
ordem juriacutedica tributaacuteria
26 O anteprojeto de lei
Diante dessa realidade o governo federal tomou para si a responsabilidade de iniciar o processo
de elaboraccedilatildeo de um Coacutedigo Tributaacuterio Nacional O Ministro da Fazenda Dr Oswaldo Aranha nomeou
uma comissatildeo especial para elaborar minuta de anteprojeto de lei tratando das normas gerais de di-
reito tributaacuterio Referida comissatildeo era formada pelo proacuteprio Ministro que assumiu a presidecircncia e
pelos seguintes componentes Prof Rubens Gomes de Sousa (relator) e os funcionaacuterios do Ministeacuterio
Afonso Almiro Ribeiro da Costa Pedro Teixeira Soares Juacutenior Gerson Augusto da Silva e Romeu Gibson
Tal comissatildeo especial como dito tinha por objetivo elaborar um anteprojeto de lei que tratasse ldquosobre
o sistema tributaacuterio nacional e instituiacutesse normas gerais de direito aplicaacuteveis agrave Uniatildeo Estados e Muni-
ciacutepiosrdquo visando harmonizar as normas juriacutedicas e eliminar os graves problemas decorrentes do modelo
tributaacuterio nacional especialmente a multiplicidade de normas e incidecircncias tributaacuterias
Uma peculiaridade do coacutedigo tributaacuterio brasileiro que o destinguiraacute de todos os demais da
mesma natureza eacute justamente o caraacuteter nacional decorrente de sua aplicabilidade simultacircnea aos trecircs
niacuteveis de governo integrantes da Federaccedilatildeo Essa caracteriacutestica eacute fundamental portanto sua influecircn-
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
198
cia natildeo se restringe aos aspectos imediatamente decorrentes da implantaccedilatildeo constitucional no que se
refere agrave competecircncia legislativa mas se estende a toda a sistemaacutetica do direito tributaacuterio substantivo
regulada no coacutedigo E a orientaccedilatildeo da comissatildeo foi compatiacutevel com a realidade do paiacutes baseado no
triacuteplice plano econocircmico juriacutedico e poliacutetico
Segundo se constata na exposiccedilatildeo de motivos nordm 1250 de 2171954 do Ministro da Fazen-
da encaminhando o anteprojeto de lei ao Presidente da Repuacuteblica a Comissatildeo preocupou-se em
desenvolver seus trabalhos no terreno exclusivamente juriacutedico Teve o cuidado de se conservar em
plano rigorosamente neutro evitando soluccedilotildees juriacutedicas que interferissem na atividade do legislador
ordinaacuterio no tocante agrave orientaccedilatildeo poliacutetica ou econocircmica que se deseje imprimir por intermeacutedio da
legislaccedilatildeo tributaacuteria especiacutefica ou que viessem condicionar a formulaccedilatildeo dessa orientaccedilatildeo agravequeles a
quem competia essa responsabilidade
O Projeto compreendia seis livros precedidos de uma Disposiccedilatildeo Preliminar e seguido de al-
gumas Disposiccedilotildees Finais e Transitoacuterias A Disposiccedilatildeo Preliminar definindo o conteuacutedo do Coacutedigo em
funccedilatildeo da competecircncia legislativa constitucional que invoca foi corretamente colocada em Capiacutetulo
proacuteprio antecedendo os demais Nas Disposiccedilotildees Finais e Transitoacuterias constam algumas regras com-
plementares de aplicaccedilatildeo do proacuteprio Coacutedigo visando principalmente atenuar seus efeitos iniciais
sobre a legislaccedilatildeo existente agrave data de sua entrada em vigor
Os seis livros tratavam respectivamente da competecircncia tributaacuteria dos tributos da legislaccedilatildeo
da obrigaccedilatildeo do creacutedito e da administraccedilatildeo segundo a ordem decrescente da generalidade dos as-
suntos congregando organicamente os poderes do estado em mateacuteria tributaacuteria os instrumentos da
sua atuaccedilatildeo e o proacuteprio funcionamento desta uacuteltima
Concluiacutedo o anteprojeto de lei este foi exposto no Diaacuterio Oficial da Uniatildeo e em avulsos
amplamente divulgados em todo o paiacutes para receber criacuteticas e sugestotildees Primeiro no periacuteodo de
marccedilo a setembro de 1953 prazo fixado para a apresentaccedilatildeo de sugestotildees a comissatildeo examinou o
anteprojeto em todos os seus artigos confrontando-os com a legislaccedilatildeo vigente e analisando-os agrave
luz da jurisprudecircncia predominante da doutrina e do direito comparado especialmente os coacutedigos
receacutem publicados
Paralelamente procurou por meio de palestras e reuniotildees de debates realizadas nas diversas
regiotildees do paiacutes ouvir as autoridades fazendaacuterias as entidades representativas dos contribuintes as
associaccedilotildees culturais e estudiosos da mateacuteria buscando captar as aspiraccedilotildees e receber sugestotildees da-
queles que mais diretamente lidam com a espeacutecie na condiccedilatildeo de seus operadores
Em um segundo momento (segunda fase dos trabalhos) no periacuteodo de janeiro a abril de
1954 foi realizado um novo exame integral do anteprojeto e das 1152 sugestotildees recebidas Apoacutes a
conclusatildeo da nova anaacutelise a comissatildeo especial tendo como relator-geral o Prof Rubens Gomes de
Sousa discutiu e votou no mecircs de maio de 1954 o texto definitivo do projeto e a justificaccedilatildeo indi-
vidual de seus artigos
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
199
Concluiacuteda a proposta foi ela entregue ao Ministro da Fazenda para ser submetido agrave rotina do
processo legislativo de elaboraccedilatildeo das leis Ainda chegou a ser discutido na Comissatildeo de Constituiccedilatildeo
e Justiccedila onde recebeu parecer favoraacutevel Quando foi posto em pauta para deliberaccedilatildeo os sucessores
do Ministro Aranha no Ministeacuterio da Fazenda por divergecircncias poliacuteticas solicitaram ao liacuteder do go-
verno o adiamento da votaccedilatildeo para fazer modificaccedilotildees E estas alteraccedilotildees nunca foram apresentadas
ficando referido projeto paralisado no Congresso Nacional sem ser analisado e sem sofrer tramitaccedilatildeo
Somente em 1965 foi formada uma nova comissatildeo composta pelo jaacute citado pelo Prof Rubens
Gomes de Sousa Gilberto de Ulhoa Canto Gerson Augusto da Silva e Luiz Gonzaga do Nascimento
e Silva que resgatou o antigo projeto paralisado no Congresso Nacional desde 1954 fez uma ampla
revisatildeo para adequaacute-lo agrave Emenda Constitucional 18 de 1965 ndash cognominada de reforma tributaacuteria
ndash resultando este processo em amplas modificaccedilotildees e reduccedilotildees significativas da proposta original
Concluiacuteda a revisatildeo o anteprojeto de lei em sua nova conformaccedilatildeo foi encaminhado ao Congresso
sob o nuacutemero 13 de 1966 para discussatildeo e votaccedilatildeo sendo enfim aprovado como a Lei nordm 5172 de
30 de outubro de 1966 que ldquoDispotildee sobre o Sistema Tributaacuterio Nacional e institui normas gerais de
direito tributaacuterio aplicaacuteveis agrave Uniatildeo Estados e Municiacutepiosrdquo
27 A Lei no 5172 de 1966 (Coacutedigo Tributaacuterio Nacional)
A lei em comento foi enfim aprovada com uma estrutura mais geral e objetiva que as pro-
postas anteriores Constitui-se de uma disposiccedilatildeo preliminar (como proposto no projeto original) e
de apenas dois livros o Livro Primeiro formado pelos artigos 2ordm ao 95 dispotildee sobre as seguintes
mateacuterias regula o sistema tributaacuterio nacional contendo normas sobre disposiccedilotildees gerais limitaccedilotildees
de competecircncia tributaacuteria impostos do sistema taxas e contribuiccedilotildees de melhoria inclusive normas
sobre distribuiccedilotildees de receitas tributaacuterias e o Livro segundo formado pelos artigos 96 ao 218 dispon-
do sobre os seguintes conteuacutedos normas gerais de direito tributaacuterio contendo regras sobre legislaccedilatildeo
tributaacuteria (objeto vigecircncia aplicaccedilatildeo interpretaccedilatildeo e integraccedilatildeo) obrigaccedilatildeo tributaacuteria (fato gerador
sujeito ativo sujeito passivo e responsabilidade) creacutedito tributaacuterio (constituiccedilatildeo suspensatildeo extinccedilatildeo
exclusatildeo garantias e privileacutegios) administraccedilatildeo tributaacuteria (fiscalizaccedilatildeo diacutevida ativa e certidatildeo negativa)
e as disposiccedilotildees finais e transitoacuterias
Apoacutes este longo periacuteodo de maturaccedilatildeo no Parlamento teve-se por fim aprovada a lei de nor-
mas gerais em mateacuteria tributaacuteria com vigecircncia em todo territoacuterio nacional Por forccedila do Ato Comple-
mentar nordm 36 de 13 de marccedilo de 1967 (art 7ordm) esta lei foi denominada de Coacutedigo Tributaacuterio Nacional
(CTN) Enfim vencida uma longa e penosa etapa no direito brasileiro surgiu o instrumento harmoni-
zador desse caoacutetico sistema causando mudanccedilas significativas na cultura juriacutedica nacional pois
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Nenhuma duacutevida existe de que o CTN representou sensiacutevel marco na evoluccedilatildeo do Di-reito Tributaacuterio no Paiacutes devendo-se em grande parte agrave esplecircndida produccedilatildeo doutrinaacute-ria e jurisprudencial dos uacuteltimos vinte anos sua implantaccedilatildeo como sistema veiculador de imposiccedilatildeo fiscal (MARTINS 1989 p 34)
28 O CTN no ordenamento juriacutedico nacional
281 A funccedilatildeo do CTN
Em razatildeo de ser o CTN lei nacional de natureza distinta de lei federal suas disposiccedilotildees consti-
tuem regras informativas endereccediladas ao legislador que cuida de mateacuteria tributaacuteria afetando o contri-
buinte quase sempre apenas de maneira indireta atraveacutes de sua aplicaccedilatildeo na elaboraccedilatildeo normativa
Na conformaccedilatildeo juriacutedica por ele assumida sua funccedilatildeo eacute estruturante no sistema qual seja estabelecer
normais gerais voltadas para a administraccedilatildeo tributaacuteria
Com efeito o Coacutedigo procurou sistematizar a partir de conceitos juriacutedicos o exerciacutecio do poder
tributaacuterio e veio como desdobramento de uma ampla reforma constitucional tributaacuteria (implementa-
da pela jaacute citada Emenda Constitucional 18 de 1965) que revogou um sistema de caraacuteter histoacuterico
para implantar um sistema de caraacuteter racional e moderno tendo como eixo condutor precisamente a
racionalidade e a objetividade tributaacuterias pedras fundamentais da reforma ao lado da busca de uma
ldquopurezardquo juriacutedica levada tatildeo longe a ponto de ignorar determinados princiacutepios em homenagem a po-
sitivaccedilatildeo das condutas que levam agrave estabilidade das relaccedilotildees juriacutedicas e sociais
Pode-se em apertada siacutentese distinguir algumas funccedilotildees baacutesicas do Coacutedigo como
a) constituir diretriz baacutesica a ser observada na accedilatildeo do legislador ordinaacuterio dos trecircs niacuteveis de
governo (Uniatildeo Estados e Municiacutepios)
b) natildeo revogar a legislaccedilatildeo ordinaacuteria existente pois natildeo guarda com esta afinidade de conteuacute-
dos materiais
c) natildeo criar tributo pois a lei ordinaacuteria eacute que pode definir os elementos essecircncias da exaccedilatildeo
fiscal servindo apenas de norte para sua criaccedilatildeo
d) disciplinar as limitaccedilotildees constitucionais ao poder de tributar dos entes poliacuteticos estabelecen-
do os criteacuterios e condiccedilotildees para o exerciacutecio da competecircncia tributaacuteria
Estas novas diretrizes implantadas no ordenamento paacutetrio certamente revolucionaram o pen-
samento juriacutedico nacional e possibilitaram a partir dos comandos nele fixados uma mudanccedila de com-
portamento natildeo somente nas administraccedilotildees tributaacuterias que passaram a ter diretrizes norteadoras de
sua produccedilatildeo legislativa mas para os contribuintes que encontraram no conjunto de normais gerais
as garantias e a seguranccedila juriacutedica necessaacuterias ao desenvolvimento de suas atividades em razatildeo da
estabilidade normativa assentada no Coacutedigo
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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282 Algumas criacuteticas ao CTN
Como visto induvidosamente o CTN apresenta grandes qualidades que ainda hoje podem
ser observadas como servir de referencial objetivo e com elevado grau de seguranccedila para identifica-
ccedilatildeo de exigecircncias caracterizadas como tributaacuterias a harmonizaccedilatildeo (ainda que em grau miacutenimo) do
sistema e a seguranccedila juriacutedica oferecida nas relaccedilotildees esta racionalidade e objetividade ainda assim
merece criacuteticas
Com efeito conforme sintetiza Santi (2008) a forma como o Coacutedigo foi concebida apresenta
grande preocupaccedilatildeo com a estrutura do tributo sem levar em consideraccedilatildeo um elemento essencial
que eacute sua funccedilatildeo Natildeo estatildeo contempladas na concepccedilatildeo e definiccedilatildeo do CTN preocupaccedilotildees com os
fundamentos do tributo (p ex princiacutepios norteadores da tributaccedilatildeo como o da capacidade contributi-
va) nem com suas finalidades (p ex necessidades objetivas da sociedade quantificadas nos orccedilamen-
tos) uma confusatildeo conceitual entre obrigaccedilatildeo e creacutedito tributaacuterio e umas classificaccedilotildees inadequadas
(p ex decadecircncia como forma de extinccedilatildeo do creacutedito tributaacuterio) contendo ainda algumas definiccedilotildees
aceacutepticas e sem conteuacutedo loacutegico que natildeo retratam a vida e a dinamicidade da tributaccedilatildeo em conso-
nacircncia com a realidade de cada momento na evoluccedilatildeo da sociedade
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Como se constata ao longo do desenvolvimento deste estudo quase sempre se concebe o seacute-
culo XIX como o seacuteculo da codificaccedilatildeo E este movimento a par de se constituir um estilo peculiar de
fixaccedilatildeo do Direito implica todo um conjunto de mudanccedilas na sociedade e em especial nos operado-
res do Direito que para adequarem-se agrave nova realidade tiveram que sofrer um processo de mudanccedila
de mentalidade mormente em relaccedilatildeo compreensatildeo da realidade juriacutedica
Eacute certo que o processo de codificaccedilatildeo iniciado na Franccedila influenciou todo o mundo contempo-
racircneo contaminando os legisladores e incitando-os a direcionar a produccedilatildeo normativa para a produ-
ccedilatildeo de coacutedigos instrumentos de coesatildeo e harmonizaccedilatildeo das relaccedilotildees sociais
Impende salientar que este movimento de codificaccedilatildeo impotildee um processo de evoluccedilatildeo da
maneira de se interpretar o Direito figurando como um importante marco na moderna histoacuteria dos
sistemas juriacutedicos
Este processo de codificaccedilatildeo no Brasil data do seacuteculo passado iniciando-se com o Direito Civil
para ao final chegar ao Direito Tributaacuterio Somente em 1965 o Presidente Castelo Branco buscando
adequar a legislaccedilatildeo tributaacuteria aos seus ideais de governo determinou a formaccedilatildeo de uma nova co-
missatildeo liderada outra vez pelo Professor Rubens Gomes de Sousa objetivando modernizar o sistema
tributaacuterio nacional arcaico e de alto grau de lesividade para a economia e o progresso do paiacutes
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Com a ediccedilatildeo da Emenda Constitucional 1865 o Brasil eacute dotado de um sistema tributaacuterio mo-
derno mas que necessitava de legislaccedilatildeo infraconstitucional para sua completa efetivaccedilatildeo
O citado Prof Rubens Gomes entatildeo juntamente como os demais membros da comissatildeo res-
gata o antigo projeto de coacutedigo apresentado e paralisado no Congresso Nacional desde 1953 e apoacutes
uma revisatildeo geral e sua completa adequaccedilatildeo agrave Emenda Constitucional 1865 enfim a proposta eacute apro-
vada como a lei 5172 de 30 de outubro de 1966
Importante frisar que mesmo sendo tal lei ordinaacuteria tem no ordenamento juriacutedico paacutetrio status de lei complementar em razatildeo da mateacuteria de que cuida qual seja normas gerais e complementares de
direito tributaacuterio entendimento este hoje por todos aceito inclusive na jurisprudecircncia assentada pelo
Supremo Tribunal Federal
Em que pese algumas criacuteticas feitas ao Coacutedigo quanto agrave sua limitaccedilatildeo estrutural ao desprezar
em sua elaboraccedilatildeo fundamentos do tributo como princiacutepios estruturais e um desvirtuamento em
sua finalidade ao tratar de reparticcedilatildeo de receitas eacute certo que tal regramento constituiu-se ao longo
dos anos no mais importante conjunto de normas para a harmonizaccedilatildeo das relaccedilotildees entre o Fisco e
o contribuinte em todos os niacuteveis de governo pois eacute de observacircncia obrigatoacuteria por todos os entes
tributantes servindo de substrato juriacutedico para a construccedilatildeo de toda uma jurisprudecircncia e ordenaccedilatildeo
normativa duradouras base do desenvolvimento e do aperfeiccediloamento contiacutenuo do Direito e por
conseguinte da evoluccedilatildeo do proacuteprio homem enquanto elemento nuclear da sociedade
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REFEREcircNCIAS
ABAacuteSOLO Ezequiel O Adeus agrave antiga jurisprudecircncia as teses de doutorado da Universidade de Bue-nos Aires como reflexo do tracircnsito entre a hegemonia da cultura juriacutedica indiana e a da codificaccedilatildeo In FONSECA Ricardo Marcelo SEELAENDER Airton Cerqueira Leite (coord) Histoacuteria do Direito em perspectiva do antigo regime agrave modernidade Curitiba Juruaacute 2008
BALEEIRO Aliomar Direito Tributaacuterio Brasileiro 5 ed rev Rio de Janeiro Forense 1973
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______ Ministeacuterio da Fazenda Trabalhos da Comissatildeo Especial do Coacutedigo Tributaacuterio Nacional Rio de Janeiro 1954
FERREIRA Waldemar Martins Histoacuteria do Direito Brasileiro Rio de Janeiro Freitas Bastos 1952
GILISSEN John Introduccedilatildeo Histoacuterica ao Direito 3 ed Traduccedilatildeo de Hespanha A Manoel e Malhei-ros L M Macaiacutesta Lisboa Fundaccedilatildeo Calouste Gulbenkian 2001
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SANTI Eurico Marcos Diniz de (coord) Curso de Direito Tributaacuterio e Financcedilas Puacuteblicas Satildeo Paulo Saraiva 2008
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O ORDENAMENTO JURIacuteDICO E AS ANTINOMIAS TRIBUTAacuteRIAS O LI-TIacuteGIO IDEOLOacuteGICO-INTERPRETATIVO ENTRE O FISCO OS TRIBUNAIS
SUPERIORES E A DOUTRINA
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 As caracteriacutesticas do ordenamento juriacutedico concei-tos linguagem e conhecimento 2 O reconhecimento das malfadadas anti-nomias e os criteacuterios para sua superaccedilatildeo os litiacutegios entre os agentes inter-pretativos 21 Criteacuterio cronoloacutegico 211 Revogaccedilatildeo da isenccedilatildeo da Cofins agraves sociedades civis prestadoras de serviccedilos profissionais legalmente regulamen-tadas 22 Criteacuterio hieraacuterquico 221 Diferencial de aliacutequota de ICMS nas ope-raccedilotildees interestaduais realizadas por natildeo contribuintes 23 Criteacuterio da espe-cialidade 231 Isenccedilatildeo tributaacuteria do Imposto de Renda Consideraccedilotildees finais Referecircncias
Tonny Iacutetalo Lima Pinheiro1
INTRODUCcedilAtildeO
Eacute necessaacuterio para estudarmos o Direito e suas diversas implicaccedilotildees normativas termos o pleno
conhecimento dos conceitos que marcam profundamente sua vetusta e dinacircmica teoria
Por meio dos conceitos que se amoldam agrave dinamicidade da vida entendemos que o Direito
deve ser estudado agrave luz do ordenamento juriacutedico e de suas principais caracteriacutesticas sistematicidade
completude e unicidade
O ordenamento juriacutedico eacute considerado um sistema porque tem na coerecircncia seu pressuposto
epistemoloacutegico Natildeo devem existir assim contradiccedilotildees nas normas juriacutedicas (regras) cabendo ao in-
teacuterprete por meio dos diversos criteacuterios de soluccedilatildeo das denominadas antinomias (criteacuterios cronoloacutegi-
co hieraacuterquico e especial) superaacute-las
A unicidade ainda diz respeito agrave capacidade de a Constituiccedilatildeo conceder ao ordenamento ju-
riacutedico apesar da existecircncia de diversas normas juriacutedicas (regras) que formam o universo do Direito
plena validade
Por sua vez o ordenamento juriacutedico eacute completo (completude garantida pelo jurista) dado agrave ine-
xistecircncia concreta de lacunas Haacute pois tendo em vista os elementos de integraccedilatildeo do Direito sempre
uma norma juriacutedica para disciplinar todas as condutas humanas
1 Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza (2010) especialista em Direito Tributaacuterio pela Faculdade 7 de Setem-bro (2013) e Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Cearaacute (Turma 2014) Servidor Puacuteblico do Estado do Cearaacute lotado na SSPDS (Investigador de Poliacutecia Civil de 1ordf Classe) professor de graduaccedilatildeo e poacutes-graduaccedilatildeo aleacutem de articulista principalmente nas searas do Direito Tributaacuterio Direito Constitucional e Hermenecircutica Juriacutedica E-mail tonnyitalohotmailcom
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Em razatildeo dessas caracteriacutesticas do ordenamento juriacutedico temos como foco principal deste ar-
tigo o diaacutelogo hermenecircutico travado entre o Fisco os tribunais e a doutrina acerca das diversas solu-
ccedilotildees de antinomias normativo-tributaacuterias Dando ademais ecircnfase agrave acircnsia de arrecadaccedilatildeo da Fazenda
Puacuteblica mesmo que haja distorccedilatildeo por parte dela dos demasiados conceitos definiccedilotildees noccedilotildees ou
ideais do Direito
Em especial portanto destacamos como exemplos dos metacriteacuterios de soluccedilatildeo de antino-
mias os casos respectivamente da revogaccedilatildeo da isenccedilatildeo da Cofins agraves sociedades civis prestadoras de
serviccedilos profissionais legalmente regulamentadas (criteacuterio cronoloacutegico) do diferencial de aliacutequota de
ICMS nas operaccedilotildees interestaduais realizadas por natildeo contribuintes (criteacuterio hieraacuterquico) e enfim os
casos de isenccedilatildeo tributaacuteria do Imposto de Renda (criteacuterio da especialidade)
Este artigo por oacutebvio natildeo encerra o estudo sobre o tema Todavia refletimos em cima de tais
causos juriacutedicos pois como tematizou Larry E Wood (1986) damos ao ato de pensar natildeo mais a rari-
dade acerca de sua reflexatildeo Em outras palavras abordamos os criteacuterios de soluccedilatildeo de antinomias com
exemplos do Direito Tributaacuterio uma vez que temos a tiacutemida intenccedilatildeo de dar aos juristas (lato sensu) o
poder de reflexatildeo para quem sabe mudarmos determinados paradigmas e enfim ir ao encontro da
dinamicidade do Direito
1 AS CARACTERIacuteSTICAS DO ORDENAMENTO JURIacuteDICO CONCEITOS LINGUAGEM E CONHE-CIMENTO
O estudo do Direito inicialmente tem de partir pela anaacutelise dos conceitos que formam sua ve-
tusta e dinacircmica teoria Esta conforme leciona Hugo de Brito Machado (2012 p 21) ldquonada mais eacute do
que o conjunto sistematizado de conceitosrdquo uma vez que ldquonos permite conhecer um dado domiacutenio da
realidaderdquo (ROCHA 2002 p 17)
Eduardo Luft (2005) com inteira razatildeo assevera que compreendemos o mundo por meio dos
conceitos apesar de alguns doutrinadores no acircmbito do conhecimento do Direito preferirem ao in-
veacutes de conceitos ou definiccedilotildees falar em noccedilotildees ou ideais (MACHADO 2012)
Escreve o professor Hugo de Brito Machado (2012 p 7) ainda que mesmo com certa impreci-
satildeo ou vaguidade sem conhecer os conceitos que compotildeem a Teoria Geral do Direito ldquonatildeo eacute possiacutevel
o conhecimento desse importante setor do saber humanordquo haja vista ser o Direito uma normatividade
entre os homens (RADBRUCH 2011)
O Direito dada agrave importacircncia da linguagem exige muita atenccedilatildeo e dedicaccedilatildeo daqueles que o
estudam (MACHADO 2012) Rafael Bielsa (1987 p 9) natildeo por acaso afirma que ldquosi hay uma disciplina en la cual convieve emplear la palabra adecuada o propria ella es la del Derechordquo Allan Kardec (1996 p 9) haacute muito nos ensinou que ldquopara as coisas novas necessitam-se de pala-
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vras novas assim o quer a clareza da linguagem para evitar a confusatildeo inseparaacutevel do sentido muacuteltiplo
dos mesmos vocaacutebulosrdquo Hugo de Brito Machado Segundo (2005 p 129) acertadamente na mesma
toada assevera que o Direito eacute veiculado por intermeacutedio da linguagem sendo pois ldquoimpossiacutevel com-
preendecirc-lo sem antes interpretaacute-lordquo
Conhecimento numa perspectiva filosoacutefica platocircnica eacute opiniatildeo verdadeira acompanhada de
razatildeo ou seja ldquoo conhecimento exige aleacutem de opiniatildeo verdadeira o domiacutenio sobre o assunto o que
significa capacidade de dar razotildees sobre a opiniatildeo emitidardquo (LUFT 2005 p 23)
As verdades assim por mais contraditoacuterio que possa parecer tecircm como destino habitual con-
forme explanou T H Huxley (Apud SEN 2010 p 150) ldquocomeccedilarem como heresias e terminarem como
supersticcedilatildeordquo Por isso natildeo eacute errocircnea a liccedilatildeo de Paulo Dourado de Gusmatildeo rememorado pelo professor
Hugo de Brito Machado Segundo (2008 p 14) ao afirmar que as teorias cientiacuteficas (nelas se enqua-
drando o Direito) natildeo satildeo ldquonem verdadeiras nem falsas mas unicamente uacuteteisrdquo
Uma das mais maravilhosas facetas do Direito todavia eacute sua relatividade (ZAGREBELSKY 1999)
pois os conceitos satildeo marcados sempre a depender da posiccedilatildeo filosoacutefica do jurista pela ambiguidade
e vaguidatildeo Eacute esse relativismo que marca profundamente o Direito que o torna essencial ao homem
e inalienaacutevel agrave sociedade O Direito assim como os conceitos ou definiccedilotildees eacute e sempre seraacute insuficien-
te (relativismo consequencial) uma vez que ldquodecorre da proacutepria incapacidade do homem para produzir
coisas acabadas e perfeitasrdquo (VASCONCELOS 2006 p 166)
Natildeo eacute despiciendo salientarmos contudo que a existecircncia de muacuteltiplas opiniotildees natildeo deve nos
levar ao ceticismo Muito pelo contraacuterio Por ser natural a diversidade de pensamentos ldquoa unanimida-
de de pontos de vista eacute inalcanccedilaacutevelrdquo (MACHADO 2010 p 10) principalmente porque ldquonunca estamos
contentes onde estamosrdquo (SAINT-EXUPEacuteRY 2009 p 73)
Eduardo Luft (2005) nos ensina que a mais radical de todas as teses eacute a do relativismo sendo
pois inadmissiacutevel ldquoa afirmaccedilatildeo de que o mero consenso da comunidade de argumentaccedilatildeo determine
a verdade originaacuteriardquo (MAGALHAtildeES FILHO 2006 p 68)
O ser humano eacute dinacircmico e por consequecircncia sempre mutaacutevel cognoscitivamente Eduardo
Luft (2005 p 26-27) nesse sentido escreve que ldquocada homem interpreta o lsquomundorsquo agrave sua maneira com
seus proacuteprios condicionamentos bioloacutegicos e culturais dentro de seu proacuteprio aparato mental e de sua
situaccedilatildeo histoacutericardquo Assim conclui o filoacutesofo ldquoatribuir a homens diversos estados cognitivos comuns eacute
um enganordquo (LUFT 2005 p 27)
Hugo de Brito Machado Segundo (2008 p 21-22) entrementes leciona que ldquoeacute essencial a que
se possa falar em lsquoconhecimento cientiacuteficorsquo a provisoriedade de suas verdades e a possibilidade de
serem lsquotestadasrsquo ou terem sua veracidade (ou falsidade) posta agrave prova continuamenterdquo Conclui assim
o professor da Universidade Federal do Cearaacute que ldquocomo natildeo se pode afirmar o estacionamento da
evoluccedilatildeo das espeacutecies tambeacutem natildeo haacute estacionamento de ideiasrdquo (MACHADO SEGUNDO 2008 p 22)
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Toda obra intelectual nos lapidares ensinamentos de Arnaldo Vasconcelos (2001) eacute incompleto por
definiccedilatildeo Tudo eacute transitoacuterio pois ldquoo mundo eacute totalidade em contiacutenuo processo de auto-organizaccedilatildeordquo
(LUFT 2005 p 77) Ainda Segundo este filoacutesofo ldquoa existecircncia eacute essa marcha contiacutenua um presente
eternamente marcado por um passado e um futuro potencialmente infinitosrdquo (LUFT 2005 p 72)
Conhecer nas precisas liccedilotildees de Maria Helena Diniz (2001 p 13) tambeacutem ldquoeacute trazer para o sujei-
to algo que se potildee como objetordquo ou conforme nos informa Goffredo Telles Jr (1962 p 7) ldquoeacute a opera-
ccedilatildeo imanente pela qual um sujeito pensante se representa um objetordquo O conhecimento portanto eacute a
apreensatildeo intelectual do objeto eacute pois ldquouma transferecircncia das propriedades do objeto para o sujeito
pensanterdquo (DINIZ 2001 p 13) Natildeo por acaso pois ldquoa tarefa da inteligecircncia humana eacute tirar o valor das
coisas da obscuridade para a luzrdquo (DANTAS 1948 p 16)
Destarte haacute um verdadeiro intercambiamento entre o ldquoconhecerrdquo e o ldquoconceituarrdquo principal-
mente quando falamos de Direito Seja como for ldquoqualquer trabalho juriacutedico de pretensotildees cientiacuteficas
impotildee ao autor uma tomada de posiccedilatildeo no que atina aos conceitos fundamentais da mateacuteria em que
laborardquo (CARVALHO 1981 p 19) Natildeo podemos por tudo negar a importacircncia dos conceitos nos es-
tudos do Direito (MACHADO 2012)
Glauco Barreira Magalhatildees Filho (2006 p 200) nos mostra que ldquoo problema do conceito de Di-
reito eacute o problema de sua essecircnciardquo Se a ciecircncia foi criada para atingir a verdade e a arte para atingir o
belo o Direito por sua vez tem como fim o valor justiccedila razatildeo pela qual ldquotodo ordenamento juriacutedico
deve ser um ensaio de Direito justordquo (MAGALHAtildeES FILHO 2006 p 204)
O Direito escreve Norberto Bobbio (2011 p 37) natildeo se resume a norma mas num conjunto
ordenado de normas ldquosendo evidente que uma norma juriacutedica natildeo se encontra jamais soacute mas estaacute
ligada a outras normas com as quais forma um sistema normativordquo Portanto seguindo a trilha do dou-
trinador italiano soacute eacute possiacutevel de modo satisfatoacuterio definirmos o Direito se nos colocarmos do ponto
de vista do ordenamento juriacutedico
O ordenamento juriacutedico eacute classicamente formado por uma logicidade normativa de regras e
princiacutepios em gradual evoluccedilatildeo caracterizando-se por sua sistematicidade completude e unicidade
tendo ainda como fundamento de validade sua lei maior a Constituiccedilatildeo Todavia a beleza pela qual
transpassa o ordenamento juriacutedico natildeo eacute tatildeo simples de ser analisada
Na realidade o ordenamento juriacutedico eacute formado por mateacuteria juriacutedica caoacutetica com lacunas e
contradiccedilotildees tiacutepicas da atividade legislativa Apoiando-nos nas doutrinas de Giuseppe Zaccaria e Fran-
cesco Viola (2007) podemos afirmar que a ideia de ornamento juriacutedico eacute equivocada tratando-se de
um caos realiacutestico pois a rigor natildeo haacute um sistema mas sim um esforccedilo consciente de sistematizaccedilatildeo
realizado pelo inteacuterprete
Mesmo etimologicamente considerado o termo sistema advindo do grego systema significan-
do ldquopocircrrdquo (histemi) ldquojuntordquo (syn) ldquodar unidaderdquo (LUFT 2005) apresenta variadas concepccedilotildees nas mais
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208
diversas aacutereas do conhecimento em que eacute usado natildeo sendo pois diferente do que ocorre no Direito
O ordenamento juriacutedico natildeo pode ser considerado prima facie um sistema perfeito pois natildeo
se apresenta sempre de forma concatenada haja vista a possibilidade de existirem antinomias e lacu-
nas
Dessa forma eacute de suma importacircncia a atividade do inteacuterprete com o objetivo de ordenar o con-
junto de regras postas transformando o caos normativo num sistema harmocircnico que preserva ente
outros sua unidade e coerecircncia Portanto dentro de uma postura kantiana a partir do qual o meacutetodo
constroacutei o objeto ldquoeacute o olhar cientiacutefico do jurista que constitui o ordenamento juriacutedico dando-lhe uni-
dade coerecircncia e completuderdquo (MAGALHAtildeES FILHO 2013 p 93)
Temos resumidamente que o ordenamento juriacutedico constitui um sistema porque nele natildeo
devem coexistir normas incompatiacuteveis (BOBBIO 2011) isto eacute tem a coerecircncia como pressuposto epis-
temoloacutegico
A coerecircncia do ordenamento juriacutedico expressatildeo derivada do latim cohaerentia significando
ldquouniatildeordquo ldquoligaccedilatildeordquo (LUFT 2005) ldquoconsiste na compatibilidade de suas partes entre si e das partes com o
todo Disso decorre o fato de natildeo se poder tolerar a permanecircncia de antinomias (conflito de normas)
as quais precisam ser solucionadasrdquo (MAGALHAtildeES FILHO 2013 p 95)
Aleacutem da coerecircncia sistecircmica do ordenamento juriacutedico ele tambeacutem se caracteriza pela unidade
Apesar de conforme suscitou Norberto Bobbio (2011 p 51) os ordenamentos juriacutedicos serem com-
plexos e ldquocompostos por uma miriacuteade de normas que tal como as estrelas do ceacuteu ningueacutem jamais foi
capaz de contarrdquo tecircm na Constituiccedilatildeo norma superior (mais geral e abstrata respectivamente) sua
unidade garantida
Concebe-se assim a Constituiccedilatildeo nos dizeres de Lecircnio Luiz Sreck (2004 p 225) como o ldquotopo
hermenecircutico que conformaraacute a interpretaccedilatildeo juriacutedica do restante do sistema juriacutedicordquo
Eacute a liccedilatildeo de Hans Kelsen (2006 p 247)
A norma que regula a produccedilatildeo eacute a norma superior a norma produzida segundo as determinaccedilotildees daquela eacute a norma inferior A ordem juriacutedica natildeo eacute um sistema de normas juriacutedicas ordenadas no mesmo plano situadas umas ao lado das outras mas eacute uma construccedilatildeo escalonada de diferentes camadas ou niacuteveis de normas juriacutedicas A sua unidade eacute produto da conexatildeo de dependecircncia que resulta do fato de a validade de uma norma que foi produzida de acordo com outra norma se apoiar sobre essa outra norma cuja produccedilatildeo por sua vez eacute determinada por outra
A completude por fim terceira caracteriacutestica do ordenamento juriacutedico se entende a proprie-
dade pela qual um sistema juriacutedico tem uma norma para regular qualquer caso Doutrina Norberto
Bobbio (2011 p 115) que a ausecircncia de uma norma se chama com frequecircncia de lacuna ao passo
que completude significa ausecircncia de lacuna ou seja ldquoum ordenamento eacute completo quando o juiz
pode encontrar nele uma norma para regular qualquer caso que se lhe apresente ou melhor natildeo haacute
caso que natildeo possa ser regulado com uma norma extraiacuteda do sistemardquo
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
209
O ordenamento juriacutedico portanto eacute completo ldquopois o preenchimento das lacunas eacute garantido
pela presenccedila e atuaccedilatildeo dos juiacutezesrdquo (MAGALHAtildeES FILHO 2013 p 96) A completude do ordenamento
juriacutedico pode ser assegurada natildeo como ponto de partida mas como ponto de chegada (BETTI 2007)
atraveacutes dos meacutetodos de integraccedilatildeo elencados precipuamente no artigo 4ordm da Lei de Introduccedilatildeo agraves
Normas do Direito Brasileiro (analogia costumes e os princiacutepios gerais do direito)
Dessa forma em suma temos que o ordenamento juriacutedico eacute formado por um sistema de nor-
mas legitimadas formal e materialmente pela Constituiccedilatildeo cujas caracteriacutesticas de coerecircncia harmo-
nia e unidade natildeo se perde apesar de elevada gama de regras e pluralidade de causos faacutetico-juriacutedicos
que delas podem advir
Todavia apesar desse apanaacutegio intriacutenseco e extriacutenseco o ordenamento juriacutedico dado ser idea-
lizado pela atividade faliacutevel humana pode conter aparentemente normas-regras que se contradizem
A isso pois a doutrina denomina de antinomia ou norma antinorma (KELSEN 2006) cuja anaacutelise de
sua incidecircncia e consequente soluccedilatildeo a seguir exporemos principalmente tendo em vista o litiacutegio ide-
oloacutegico travado pelo fisco pelos tribunais superiores e em especial pela doutrina
2 O RECONHECIMENTO DAS MALFADADAS ANTINOMIAS E OS CRITEacuteRIOS PARA SUA SU-PERACcedilAtildeO OS LITIacuteGIOS ENTRE OS AGENTES INTERPRETATIVOS
A antinomia conforme explanamos acima se caracteriza por ser aquela situaccedilatildeo de incompa-
tibilidade que se verifica entre duas ou mais normas (regras) pertencentes ao mesmo ordenamento e
com o mesmo acircmbito de validade
Tiacutepica consequecircncia do princiacutepio da natildeo contradiccedilatildeo haacute muito suscitado por Aristoacuteteles a an-
tinomia vai ao encontro da maacutexima de que ldquoeacute impossiacutevel que o mesmo (predicado) convenha e natildeo
convenha ao mesmo (sujeito) sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempordquo (LUFT 2005 p 49) A contra-
diccedilatildeo (antinomia) portanto eacute ldquoa face extrema da incoerecircncia no discursordquo (LUFT 2005 p 49)
Quando Norberto Bobbio (2011 p 87) categoricamente prescreve que ldquoo direito natildeo tolera
antinomiasrdquo estaacute apenas a corroborar que o sistema normativo deve ser pautado pelo maacuteximo de cer-
teza e seguranccedila juriacutedica (postulados tiacutepicos e essenciais de convivecircncia humana Valores igualmente
defensaacuteveis agrave ideia de Direito) conseguindo garantir assim seu ideaacuterio de justiccedila
Eduardo Luft (2005 p 68-69) assim leciona
O princiacutepio da coerecircncia natildeo torna impossiacuteveis incoerecircncias no discurso ou no ser Incoe-recircncias satildeo possiacuteveis embora sempre inseridas no processo de sua superaccedilatildeo em um novo movimento para a coerecircncia [] o princiacutepio da coerecircncia eacute o modo de organizaccedilatildeo de todo e qualquer sistema
Eacute tarefa do inteacuterprete portanto utilizar determinados criteacuterios para soluccedilatildeo das antinomias de
primeiro grau (ou pelo menos para harmonizaacute-las dado que a interpretaccedilatildeo da lei natildeo deve conduzir
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210
ao absurdo de afrontar a finalidade da norma ou do direito que encerra) quais sejam o cronoloacutegico ou
lex posterior (ldquoa norma posterior revoga a anteriorrdquo) o hieraacuterquico ou lex superior (ldquoa norma superior
prevalece sobre a inferiorrdquo) e o da especialidade ou lex specialis (ldquoa norma especial prevalece sobre a
geral naquilo que dispotildeerdquo)
Entrementes as antinomias de segundo grau (conflitos entre normas e os criteacuterios de soluccedilatildeo)
satildeo solvidas conforme doutrina de Glauco Barreira Magalhatildees Filho (2013) do seguinte modo no
conflito entre o criteacuterio hieraacuterquico e o cronoloacutegico prevalece o primeiro No conflito entre o criteacuterio
da especialidade e o cronoloacutegico prevalece a lex specialis Por fim no conflito entre o criteacuterio hieraacuter-
quico e do da especialidade via de regra2 prevalece aquele
Quando todavia natildeo existirem criteacuterios suficientes para soluccedilotildees de antinomias (conflito entre
duas normas da mesma eacutepoca ambas gerais e da mesma hierarquia) ldquoo julgador entatildeo conforme seu
juiacutezo de valor e seu livre convencimento apelaraacute para uma das trecircs opccedilotildees a interpretaccedilatildeo modifica-
tivo-corretiva a interpretaccedilatildeo ab-rogante ou a interpretaccedilatildeo mutuamente ab-roganterdquo (MAGALHAtildeES
FILHO 2013 p 96)
A fim de compreendermos a incidecircncia desses criteacuterios de soluccedilatildeo de antinomias juriacutedicas seja
do ponto de vista legal seja do ponto de vista praacutetico elencamos alguns casos debatidos pela juris-
prudecircncia e doutrina especialmente em virtude de envolverem determinados postulados tiacutepicos do
Direito Tributaacuterio demonstrando ainda a ldquoforccedila interpretativa fiscalrdquo
Vejamos
21 Criteacuterio cronoloacutegico
211 Revogaccedilatildeo da isenccedilatildeo da Cofins agraves sociedades civis prestadoras de serviccedilos profissionais legalmente regulamentadas
Tema bastante interessante que pode servir de ilustraccedilatildeo do postulado lex posterior derogat priori natildeo soacute pelo seu aspecto econocircmico-financeiro mas principalmente em razatildeo da controveacutersia
doutrinaacuteria e jurisprudencial acerca da existecircncia ou natildeo de hierarquia normativa entre Lei Comple-
mentar e Lei Ordinaacuteria eacute o caso da Lei nordm Lei 94301996 diploma normativo posterior agrave Lei Comple-
2 Haacute casos em que modernamente o criteacuterio da especialidade prevaleceraacute sobre o hieraacuterquico pois ldquoquando uma norma (regra) infraconstitucional ferir uma norma (regra) constitucional mas realizar de modo efetivo os valores baacutesicos da Cons-tituiccedilatildeo prevaleceraacute a norma infraconstitucionalrdquo (MAGALHAtildeES FILHO 2013 p 96) Isso ocorre em virtude do princiacutepio de interpretaccedilatildeo conforme agrave Constituiccedilatildeo segundo o qual ldquouma lei natildeo deve ser declara nula quando possa ser interpretada em consonacircncia com a Constituiccedilatildeordquo (HESSE 2009 p 118) Assim para Konrad Hesse (2009 p 119) ldquoas normas consti-tucionais natildeo satildeo apenas lsquonormas-paracircmetrosrsquo (Pruumlfungsnormen) mas tambeacutem normas de conteuacutedo (Sachnormen) na determinaccedilatildeo do conteuacutedo das leis ordinaacuteriasrdquo Ainda segundo o jurista de Freiburg o princiacutepio da interpretaccedilatildeo conforme agrave Constituiccedilatildeo deita suas raiacutezes no princiacutepio da unidade do ordenamento juriacutedico estreitando por consequecircncia a inter--relaccedilatildeo existente entre Constituiccedilatildeo e lei
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211
mentar nordm 701991 cuja vigecircncia e aplicaccedilatildeo seguiu os termos do artigo 2ordm sect 1ordm da Lei de Introduccedilatildeo
agraves Normas do Direito Brasileiro3
O artigo 6ordm inciso II da LC nordm 701991 estabeleceu a isenccedilatildeo da Cofins agraves sociedades civis
prestadoras de serviccedilos profissionais legalmente regulamentadas pelo artigo 1ordm do Decreto-Lei nordm
23971897 retirando assim uma parte do suporte faacutetico da norma que definia o fato gerador do
aludido tributo
Essa isenccedilatildeo niacutetida exceccedilatildeo agrave norma de tributaccedilatildeo (MACHADO 2012) nunca agradou o Fisco
que desde entatildeo procurou restringir hermeneuticamente seu campo normativo especialmente sus-
tentando agrave eacutepoca que tatildeo somente as sociedades civis tributadas pelo imposto de renda no regime
previsto no artigo 1ordm do Decreto-Lei nordm 23971987 seriam beneficiaacuterias da regra de isenccedilatildeo tributaacuteria
(argumentaccedilatildeo todavia rechaccedila pelo STJ4)
Finalmente o Fisco utilizando de estratagemas poliacuteticas conseguiu a aprovaccedilatildeo da Lei nordm
94301996 que por meio do seu artigo 56 revogou a isenccedilatildeo concedida pela LC nordm 701991
Hugo de Brito Machado (2012) contraacuterio agrave manobra antijuriacutedica da Fazenda Puacuteblica desta-
cou que o dispositivo da Lei Ordinaacuteria que estabeleceu a tributaccedilatildeo das sociedades civis foi uma
forma sutil e inaceitaacutevel perpetrada pelo sujeito ativo da relaccedilatildeo juriacutedico-tributaacuteria pois aleacutem de
violar regra expliacutecita contida no artigo 150 sect 6ordm da CF88 uma Lei Ordinaacuteria natildeo poderia revogar
dispositivo de Lei Complementar dado os princiacutepios da hierarquia das normas e do paralelismo das
formas ou da homologia
Assim o supramencionado artigo 56 da Lei nordm 94301996 apesar de cronologicamente mais
recente seria totalmente inconstitucional Esse entendimento inclusive era ateacute entatildeo consolidado natildeo
soacute na doutrina mas outrossim junto aos Tribunais
O STF todavia num maniqueiacutesmo jurisprudencial influenciado politicamente pelos interesses
do Fisco se posicionou de modo diverso da doutrina majoritaacuteria e do proacuteprio STJ afirmando em
siacutentese que em virtude da natureza constitucional do instituto inexistia relaccedilatildeo hieraacuterquica entre
Lei Ordinaacuteria e Lei Complementar principalmente porque a LC nordm 701991 seria apenas formalmente
complementar mas materialmente ordinaacuteria com relaccedilatildeo aos dispositivos concernentes agrave contribui-
ccedilatildeo social por ela instituiacuteda Portanto a Lei nordm 94301996 posterior revogou aquela e tecircm aplicaccedilatildeo
agraves relaccedilotildees por ela disciplinadas5
Tendo em vista a posiccedilatildeo adotada pelo STF o STJ6 acatando a supremacia de sua decisatildeo can-
celou a supracitada Suacutemula nordm 276 sob o argumento de que a referida LC nordm 701991 tratou de mateacuteria
3 Artigo 2ordm sect 1ordm da LINDB ldquoA lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare quando seja com ela incom-patiacutevel ou quando regule inteiramente a mateacuteria de que tratava a lei anteriorrdquo4 Suacutemula nordm 276 do STJ ldquoAs sociedades civis de prestaccedilatildeo de serviccedilos profissionais satildeo isentas da Cofins irrelevante o regime tributaacuterio adotadordquo5 STF ldquoO Supremo Tribunal Federal no julgamento dos REs 377457 e 381864 ambos da relatoria do ministro Gilmar Men-des concluiu pela legitimidade do art 56 da Lei 94301996 que revogou a isenccedilatildeo da Cofins concedida agraves sociedades civis
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natildeo submetida agrave reserva constitucional de lei complementar permitindo pois que mudanccedilas no texto
daquele diploma legal pudessem ser introduzidas por meio de simples Lei Ordinaacuteria
Entrementes apesar de toda cizacircnia respectiva o STF natildeo se sensibilizou em modular os efeitos
de sua decisatildeo7 (operou-se como de regra efeitos ex tunc) causando enorme inseguranccedila juriacutedica
pois vigorou por mais de cinco anos a aludida Suacutemula nordm 276 do STJ consolidando-se na mente do
contribuinte a legalidade de sua conduta (LENZA 2011) Os valores justiccedila e seguranccedila pois consa-
grados constitucionalmente foram solapados sem nenhuma compaixatildeo pelo Fisco
O Fisco mais uma vez influenciou o Poder Judiciaacuterio com manobras poliacutetico-arrecadatoacuterias
principalmente porque agora conforme precedentes do STJ8 vem desconstituindo por meio do efei-
to loacutegico-positivo do julgamento procedente de Accedilotildees Rescisoacuterias (contrariando inclusive a Suacutemula
nordm 343 do STF) a coisa julgada material de sentenccedilas que declaravam a ilegalidade da revogaccedilatildeo da
isenccedilatildeo da COFINS agraves sociedades civis prestadoras de serviccedilos profissionais e cobrando os contribuin-
tes que agrave eacutepoca agiam no campo da legalidade
Consideramos a inconstitucionalidade do artigo 56 da Lei nordm 94301996 natildeo soacute em razatildeo da
ausecircncia de especificidade normativa (artigo 150 sect 6ordm da CF88) mas precipuamente de afronta aos
princiacutepios da seguranccedila juriacutedica e da irretroatividade
Conforme doutrina Hugo de Brito Machado (2009 p 59) rememorando Gustav Radbruch ldquoum
sistema normativo que natildeo tente a preservar a justiccedila nem a seguranccedila efetivamente natildeo eacute Direitordquo
Ainda segundo o tributarista (posiccedilatildeo que tambeacutem perfilhamos) ldquosempre que da declaraccedilatildeo de in-
constitucionalidade resultar agravamento da situaccedilatildeo do cidadatildeo frente ao Estado os efeitos da de-
claraccedilatildeo de inconstitucionalidade natildeo podem retroagirrdquo (MACHADO 2009 p 74)
prestadoras de serviccedilos pelo inciso II do art 6ordm da Lei Complementar 701991rdquo (RE nordm 522719 AgRDF Segunda Turma Min rel Ayres Britto DJ 04032011) 6 STJ AR nordm 3761PR Primeira Seccedilatildeo Min rel Eliana Calmon DJ 01122008 ndash Informativo nordm 3767 STF RE nordm 377457PR Plenaacuterio Min rel Gilmar Mendes DJ 19122008 ndash Informativo nordm 5208 STJ ldquoO oacutebice da Suacutemula 343STF segundo a qual eacute incabiacutevel accedilatildeo rescisoacuteria por ofensa a literal disposiccedilatildeo de lei quando fundada a decisatildeo rescindenda em texto legal de interpretaccedilatildeo controvertida nos tribunais eacute afastado quando a mateacuteria eacute de iacutendole constitucional O Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que eacute constitucional a revogaccedilatildeo pelo art 56 da Lei 943096 da isenccedilatildeo da Cofins concedida pelo art 6ordm II da Lei Complementar 7091 agraves sociedades civis de prestaccedilatildeo de serviccedilos profissionais hipoacutetese em que natildeo haacute ofensa ao princiacutepio da hierarquia das leis Julgou que as leis em confronto satildeo materialmente ordinaacuterias e que por ostentarem normatizaccedilatildeo incompatiacutevel prevalece o diploma legal mais moderno O Superior Tribunal de Justiccedila tem iterativamente rescindido acoacuterdatildeos que ao reconhecer a revogaccedilatildeo em tela se mostram contraacuterios agrave compreensatildeo firmada pelo Supremo Tribunal Federal especialmente por reconhecida ofensa literal aos arts 97 102 III e 105 III da Constituiccedilatildeo Federalrdquo (AR nordm 3782RS Primeira Seccedilatildeo Min rel Arnaldo Esteves Lima DJ 30102012)
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22 Criteacuterio hieraacuterquico
221 Diferencial de aliacutequota de ICMS nas operaccedilotildees interestaduais realizadas por natildeo contribuintes
Podemos visualizar na praacutetica a utilizaccedilatildeo do metacriteacuterio hieraacuterquico de soluccedilatildeo de antinomia
quando comparamos o disposto no artigo 155 sect 2ordm inciso VII aliacutenea b da CF88 com o artigo 11 da
Lei nordm 142372008 referente ao malfadado diferencial de aliacutequota de ICMS cobrado pelo Estado do
Cearaacute sobre as operaccedilotildees interestaduais efetuadas por consumidores para a aquisiccedilatildeo de produtos
sem objetivo de comercializaccedilatildeo (consumidores finais)
Em siacutentese o artigo 11 da Lei nordm 142372008 prescreve que seria devido ICMS nas entradas
de mercadorias ou bens de outras unidades da Federaccedilatildeo destinadas agrave pessoa fiacutesica ou juriacutedica natildeo
inscrita no Cadastro Geral da Fazenda do Estado do Cearaacute em quantidade valor ou habitualidade que
caracterize ato comercial
Na verdade o que o Estado do Cearaacute pretendia com a regra em comento era evitar a evasatildeo
fiscal por parte de empresas que se utilizavam de pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas para a aquisiccedilatildeo de de-
terminados produtos em outros Estados para posterior comercializaccedilatildeo no Estado cearense
Essa medida conforme entendimento da entidade tributante faz parte de poliacutetica adminis-
trativa a fim de neutralizar eventuais benefiacutecios fiscais ilegais concedidos por outros estados que
estariam prejudicando a induacutestria local Todavia quando da regulamentaccedilatildeo do citado artigo ocor-
reu uma distorccedilatildeo em seu objetivo inicial e se passou a exigir o ICMS sobre todas as compras feitas
fora do Estado do Cearaacute
Por exemplo nos termos do artigo 11 da Lei nordm 142372008 a pessoa fiacutesica natildeo contribuinte
habitual do ICMS que adquirisse de fornecedores localizados no Estado de Satildeo Paulo moacuteveis e uten-
siacutelios destinados agrave decoraccedilatildeo de seu apartamento desfigurando assim o intuito comercial dado sua
qualidade de consumidora final (artigo 2ordm caput do CDC) teria de pagar ao Estado do Cearaacute o dife-
rencial de aliacutequota sobre as operaccedilotildees interestaduais efetuadas9
A questatildeo faacutetico-juriacutedica descrita gira em torno da incidecircncia e aplicaccedilatildeo das vaacuterias aliacutequotas
de ICMS sobre operaccedilotildees interestaduais de circulaccedilatildeo de mercadorias e produtos adquiridos para uso
proacuteprio por pessoa fiacutesica natildeo contribuinte criando verdadeira limitaccedilatildeo ao tracircnsito de mercadorias
Sem adentramos no extenso e deformado estudo do ICMS tendo ainda como paradigma o
caso concreto acima a forccedila normativa e hieraacuterquica do comando constitucional nos permite con-
9 Se a aliacutequota cobrada for a legalmente estabelecida pelo RICMSSP (artigo 52 inciso II do Decreto nordm 454902000) ou seja 7 o Estado do Cearaacute por meio de seu RICMSCE (artigo 55 inciso I aliacutenea b do Decreto nordm 245691997) cobra do consumidor final natildeo contribuinte do tributo o diferencial de 10 que seria por simples subtraccedilatildeo matemaacutetica o resulta-do obtido de 17 (RICMSCE) menos 7 (RICMSSP)
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214
cluir que a compra de moacuteveis e utensiacutelios destinados agrave decoraccedilatildeo de apartamento natildeo tem intuito
comercial natildeo ocorrendo assim o fato gerador do tributo estadual razatildeo pela qual o diferencial de
aliacutequota eacute ilegiacutetimo
Claacutessicas e precisas pois satildeo as palavras de Carlos Maximiliano citado por Arnaldo Sampaio
Godoy (2010 p 222)
O poder de tributar externa-se por meio de regras fixas e precisas aplicadas impar-cialmente jamais seraacute exercido de modo arbitraacuterio e sim de acordo com princiacutepios estabelecidos de relativa justiccedila que amparam o contribuinte contra exaccedilotildees odiosas e excepcionais
O artigo 155 sect 2ordm inciso VII aliacutenea b da CF88 talvez por questatildeo pragmaacutetica optou por onerar
a operaccedilatildeo interestadual destinada a consumidor final natildeo contribuinte do ICMS com aliacutequota interna
isto eacute tal operaccedilatildeo conquanto interestadual eacute tratada como se fosse interna e todo imposto sobre
ela incidente eacute devido ao Estado de origem (MACHADO SEGUNDO 2009)
Como no caso em tela se o consumidor final (artigo 2ordm caput do CDC) residente no Estado
do Cearaacute adquire produtos de fornecedores estabelecidos no Estado de Satildeo Paulo a operaccedilatildeo seraacute
tributada integralmente por esta unidade da Federaccedilatildeo sendo destarte invaacutelida (inconstitucional) a
exigecircncia pelo Fisco Cearense do diferencial de aliacutequota
Ademais o ICMS deve ser recolhido pela aliacutequota interna no Estado onde saiu a mercadoria
para o consumidor final apoacutes a sua fatura ainda que tenha sido negociada a venda em outro local por
meio da empresa filial10
O que se veda pois eacute a cobranccedila de diferencial no caso de aquisiccedilatildeo por consumidor final que
natildeo eacute contribuinte do tributo estadual11 O TJCE natildeo eacute despiciendo salientarmos possui paciacutefico po-
sicionamento no sentido de que quando o destinataacuterio das mercadorias natildeo for contribuinte de ICMS
incide tatildeo-somente a aliacutequota interna12
Assim do ponto de vista do Direito abstrato estaria em conflito aparente a norma legal cearen-
se contida no artigo 11 da Lei nordm 142372008 e a regra inserta no artigo 155 sect 2ordm inciso VII aliacutenea
b da CF88 Todavia sem adentrarmos nos dogmas do controle de constitucionalidade e das teacutecnicas
de interpretaccedilatildeo conforme agrave Constituiccedilatildeo com ou sem reduccedilatildeo de texto natildeo restam duacutevidas que a
norma constitucional de superioridade hieraacuterquica prevalece sobre a legislaccedilatildeo infraconstitucional do
Estado do Cearaacute aplicando-se em tela o brocardo lex superior derogat legi inferior
10 STJ AgRg no REsp nordm 703232SC Segunda Turma Min rel Castro Meira DJ 2511200911 STJ RMS nordm 31456MA Segunda Turma Min rel Herman Benjamin DJ 0107201012 TJCE MS nordm 2867-752010 Plenaacuterio Des rel Haroldo Correia De Oliveira Maximo DJ 23022011
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
215
23 Criteacuterio da especialidade
231 Isenccedilatildeo tributaacuteria do Imposto de Renda
Tiacutepico exemplo de antinomia normativo-tributaacuteria solviacutevel pelo criteacuterio da especialidade nos eacute
transmitido mutatis mutandis por meio dos estudos do professor Hugo de Brito Machado (2012)
Segundo consta destoando da liccedilatildeo de Roque Antocircnio Carraza (2009) a norma que concede
isenccedilatildeo dada sua peculiaridade constitucional (artigo 150 sect 6ordm da CF88) eacute sempre mais especiacutefica
que a norma de tributaccedilatildeo pois apenas retira uma parte do suporta faacutetico da norma que define o fato
gerador do tributo natildeo o revogando
A norma de isenccedilatildeo tributaacuteria em outras palavras concedida mediante lei especiacutefica (artigo
150 sect 6ordm da CF88 cc artigos 97 inciso VI e 176 do CTN) seja contemporacircnea ou posterior agrave norma
de tributaccedilatildeo ldquoeacute aquela cuja hipoacutetese de incidecircncia consubstancia uma exceccedilatildeo agrave hipoacutetese de inci-
decircncia do tributo respectivordquo (MACHADO 2012 p 291) motivo pelo qual haja vista sua especialidade
prevalece sobre a regra geral de tributaccedilatildeo
Nas precisas liccedilotildees de Luciano Amaro (2011 p 307) ldquoa isenccedilatildeo atua geralmente num sistema
de par de normas em que uma eacute regra a outra eacute exceccedilatildeo uma eacute gecircnero (regra) a outra eacute espeacutecie
(excepcionada)rdquo
Assim dado sua especificidade o proacuteprio Coacutedigo Tributaacuterio Nacional assevera que as normas
de isenccedilatildeo seriam interpretadas de forma literal (artigo 111 incisos I e II) bem como apesar das criacuteti-
cas de Luciano Amaro (2011) em razatildeo do disposto no artigo 175 inciso I do CTN causam a exclusatildeo
do creacutedito tributaacuterio
Eacute o tiacutepico caso do artigo 6ordm da Lei nordm 77131988 que concede isenccedilatildeo do imposto de renda nas
hipoacuteteses ali taxativamente enumeradas Os incisos elencados no supracitado artigo satildeo exceccedilotildees agrave
norma de tributaccedilatildeo do imposto sobre a renda e proventos pois apenas retira parte do suporte faacutetico
que define o fato gerador do tributo de competecircncia da Uniatildeo (artigo 153 inciso III da CF88)
A Lei nordm 77131988 apesar da exceccedilatildeo do artigo 6ordm natildeo foi por ele revogada seguindo no
plano da abstraccedilatildeo juriacutedica plenamente vigente
De fato agrave luz do artigo 2ordm sect 2ordm da Lei de Introduccedilatildeo agraves normas do Direito Brasileiro13 a lei
especial circunscrevendo-se a determinada particularidade natildeo altera o disciplinamento geral da ma-
teacuteria isto eacute temperando o brocardo lex specialis derogat generalis aduz Carrazza (2009 p 344)
A lei especial natildeo revoga a lei geral mas apenas a ela prefere nos pontos que expres-samente regula Aiacute natildeo se verifica uma revogaccedilatildeo mas pelo menos em circunstancias normais a aplicaccedilatildeo simultacircnea das duas leis (a geral e a especial)
13 Artigo 2ordm sect 2ordm da LINDB ldquoA lei nova que estabeleccedila disposiccedilotildees gerais ou especiais a par das jaacute existentes natildeo revoga nem modifica a lei anteriorrdquo
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Portanto toda norma de isenccedilatildeo natildeo revoga a norma de tributaccedilatildeo ldquoposto que aparente anti-
nomia entre ambas eacute superada pelo criteacuterio da especialidaderdquo (MACHADO 2012 p 292)
O Fisco todavia tenta maximizar a interpretaccedilatildeo literal dada agraves normas de isenccedilatildeo esquecen-
do-se propositalmente ou natildeo que o artigo 111 inciso I e II do CTN especialmente natildeo afasta as
demais teacutecnicas hermenecircuticas A interpretaccedilatildeo gramatical ou literal embora necessaacuteria natildeo eacute nem
nunca seraacute suficiente para os demasiados causos da vida principalmente das inuacutemeras hipoacuteteses de
incidecircncias tributaacuterias
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Vislumbramos que o Direito eacute marcado por diversos conceitos que peculiariza sua teoria prin-
cipalmente quando o estudamos mais especificamente agrave luz do ordenamento juriacutedico
O ordenamento juriacutedico eacute em real marcado por um verdadeiro caos normativo ou seja as
diversas normas que compotildee o sistema em razatildeo muita das vezes da falibilidade humana natildeo se
agrupam de forma coerente sponte sua Eacute necessaacuterio assim que o jurista por meio dos diversos
mecanismos loacutegico-hermenecircuticos organize o ordenamento juriacutedico a fim de equilibrar e fortificar
as normas
Diante dessa organizaccedilatildeo forccedilada do ordenamento juriacutedico em tese ele marcou-se por ser
uma logicidade normativa de regras e princiacutepios em gradual evoluccedilatildeo ainda tendo como principais
caracteriacutesticas sua natureza sistecircmica completa e una
Eacute sistecircmico o ordenamento juriacutedico porque natildeo podem existir normas-regra que se contradi-
zem teleologicamente Repousa pois essa noccedilatildeo nos princiacutepios da natildeo contradiccedilatildeo e da coerecircncia
epistemoloacutegica As antinomias portanto devem ser repelidas pelos criteacuterios da hierarquia cronologia
e especialidade
Ainda eacute completo tendo em vista a possibilidade de o jurista por intermeacutedio dos meios de in-
tegraccedilatildeo do Direito (analogia princiacutepios gerais do Direito e costumes entre outros) encontrar sempre
uma norma para disciplinar determinado caso concreto Natildeo se admitem destarte lacunas no ordena-
mento juriacutedico
Por fim o ordenamento juriacutedico eacute uno uma vez que tem na Constituiccedilatildeo sua validade norma-
tiva garantida Todas as regras que nascem e amoldam ao sistema precisam assim encontrar sua va-
lidade confirmada pela Lei Fundamental A unicidade assim como a noccedilatildeo sistecircmica do ordenamento
juriacutedico conforme alhures esclarecemos tem no princiacutepio da coerecircncia sua raiz filosoacutefica dado que
ldquocoerecircncia eacute a unidade de uma multiplicidade ou a multiplicidade em unidaderdquo (LUFT 2005 p 78)
O foco deste trabalho como ficou demonstrado nas laudas anteriores eacute desenvolvido na
noccedilatildeo de como os agentes hermeneutas ndash Fisco Tribunais Superiores e Doutrina ndash vislumbram e
solucionam as antinomias tributaacuterias
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Destacamos ademais como exemplos dos metacriteacuterios de soluccedilatildeo de antinomias os casos
respectivamente da revogaccedilatildeo da isenccedilatildeo da Cofins agraves sociedades civis prestadoras de serviccedilos pro-
fissionais legalmente regulamentadas (criteacuterio cronoloacutegico) do diferencial de aliacutequota de ICMS nas
operaccedilotildees interestaduais realizadas por natildeo contribuintes (criteacuterio hieraacuterquico) e ainda os casos de
isenccedilatildeo tributaacuteria do Imposto de Renda (criteacuterio da especialidade)
Apesar de em tese os criteacuterios de soluccedilatildeo de antinomias natildeo poderem desmerecer agraves nor-
mas constitucionais evidenciamos principalmente nos dois primeiros exemplos que o Fisco exerce
grande influecircncia hermenecircutico-poliacutetica junto agraves demais fontes de interpretaccedilatildeo especialmente o
Poder Judiciaacuterio
O diaacutelogo que precipuamente travariam os agentes de interpretaccedilatildeo (Fisco Tribunais Supe-
riores e Doutrina) para o bom desenvolvimento do Direito consequecircncia assim de sua dinamicida-
de quando da anaacutelise dos exemplos de soluccedilatildeo das antinomias juriacutedico-tributaacuterias eacute solapado pelo
desejo de arrecadaccedilatildeo O Direito muitas vezes para o Fisco eacute secundaacuterio quando eacute necessaacuterio suprir
financeiramente a maacutequina estatal
O estudo todavia natildeo foi em vatildeo A existecircncia pelo menos em tese de um verdadeiro debate
entre os agentes hermeneutas demonstra que o Direito mesmo ao reveacutes dos interesses puramente
poliacutetico-arrecadatoacuterios eacute uma ciecircncia dinacircmica aberta a novas ideias e principalmente antidogmaacutetica
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PARA ALEacuteM DA ARREDACACcedilAtildeO A TRIBUTACcedilAtildeO COMO INSTRUMENTO DE REDUCcedilAtildeO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 A evoluccedilatildeo do Estado o princiacutepio da dignidade da pessoa humana e a tributaccedilatildeo 2 A tributaccedilatildeo como instrumento de con-cretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais no Estado Democraacutetico de Direito e a consequente reduccedilatildeo de desigualdades sociais 3 Adequaccedilatildeo da tributaccedilatildeo agrave capacidade contributiva e agrave extrafiscalidade na realizaccedilatildeo de direitos fun-damentais um olhar aleacutem da arrecadaccedilatildeo Consideraccedilotildees finais Referecircncias
Victor Hugo Cabral de Morais Junior1 Germana Parente Neiva Belchior2
INTRODUCcedilAtildeO
Natildeo obstante os uacuteltimos esforccedilos desenvolvidos pelo Estado brasileiro por meio de programas
assistencialistas e poliacuteticas afirmativas ainda se percebem os graves problemas sociais no entorno dos
grandes centros urbanos com pessoas vivendo em condiccedilotildees deploraacuteveis sem acesso aos direitos
sociais que o Estado brasileiro se comprometeu a prestar tais como educaccedilatildeo sauacutede moradia segu-
ranccedila e assistecircncia social
Vislumbra-se claramente uma contiacutenua desigualdade com o fosso entre ricos e pobres esque-
cendo-se da solidariedade que deveria existir em uma sociedade democraacutetica Dessa forma na medida
em que satildeo priorizados grupos especiacuteficos satildeo agravados os problemas de marginalizaccedilatildeo violecircncia
dependecircncia de drogas desemprego fome abandono de crianccedilas e adolescentes prostituiccedilatildeo infan-
til entre outros
Ademais pouco se discute que a tributaccedilatildeo vem sendo utilizada como instrumento de con-
centraccedilatildeo de renda agravando o ocircnus dos mais pobres havendo um aumento consideraacutevel da carga
tributaacuteria sem respeito agrave capacidade contributiva do cidadatildeo e ao mesmo tempo sem que seja efeti-
vada a proteccedilatildeo social constitucionalmente consagrada e tatildeo indispensaacutevel para que muitos possam
ter uma vida digna
Constata-se essa situaccedilatildeo por exemplo quando a populaccedilatildeo tem que recolher o imposto de
1 Auditor Fiscal Juriacutedico da Receita Estadual do Cearaacute Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute Especia-lista em Direito e Processo Tributaacuterios pela Universidade de Fortaleza E-mail victormoraissefazcegovbr victordemo-raisyahoocombr 2 Auditora Fiscal Juriacutedica da Receita Estadual do Cearaacute Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina Mestre em Direito pela Universidade Federal do Cearaacute Professora universitaacuteria E-mail germanabelchiorsefazcegovbr germana_belchioryahoocombr
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renda pessoa fiacutesica sobre valores iacutenfimos em total prejuiacutezo de seu miacutenimo vital Aleacutem disso verifica-se
tambeacutem que os tributos indiretos oneram significativamente os bens e os serviccedilos consumidos pelas
pessoas que muitas vezes sem perceber arcam com o ocircnus tributaacuterio o que atinge especialmente a
parcela da populaccedilatildeo que tem capacidade contributiva praticamente nula
O Estado Democraacutetico de Direito formalmente instituiacutedo pela Constituiccedilatildeo Federal de 1988
natildeo se sustenta sem que haja a consagraccedilatildeo do princiacutepio da dignidade da pessoa humana assim
como o homem necessita desse modelo estatal para ter garantida a sua dignidade
Dentro desse contexto a partir de pesquisa bibliograacutefica teoacuterica e descritiva com abordagem
qualitativa o objetivo deste trabalho eacute investigar como a tributaccedilatildeo pode ser utilizada como instru-
mento de realizaccedilatildeo do objetivo fundamental de reduccedilatildeo das desigualdades sociais insculpido no art
3ordm da Constituiccedilatildeo Federal de 1988
Discutir o conteuacutedo e a eficaacutecia social dos objetivos fundamentais da Repuacuteblica eacute essencial para
que referida norma natildeo seja meramente siacutembolo ou uma romacircntica carta de intenccedilotildees do constituinte
mas que possa ser um devir possiacutevel cuja efetividade eacute constante e progressiva
A temaacutetica se justifica portanto no enfoque da tributaccedilatildeo que se busca oferecer ao pensar um
sistema tributaacuterio agrave luz do princiacutepio da dignidade da pessoa humana que seja capaz de materializar o
Estado Democraacutetico de Direito distanciando-se daquele paradigma em que eacute tida apenas como ins-
trumento de arrecadaccedilatildeo pra fazer frente aos custos do Estado
O trabalho eacute dividido em trecircs toacutepicos Em um primeiro momento discute-se a evoluccedilatildeo do
Estado e da tributaccedilatildeo sob o enfoque do princiacutepio da dignidade da pessoa humana Em seguida a
tributaccedilatildeo eacute analisada no acircmbito do Estado Democraacutetico de Direito como mecanismo de reduccedilatildeo
das desigualdades sociais Por fim pretende-se refletir como eacute possiacutevel a adequaccedilatildeo da tributaccedilatildeo agrave
capacidade contributiva e agrave extrafiscalidade a fim de que sejam efetivados os direitos fundamentais
do cidadatildeo
1 A EVOLUCcedilAtildeO DO ESTADO O PRINCIacutePIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A TRI-BUTACcedilAtildeO
Diante da necessidade de tornar a tributaccedilatildeo um instrumento eficaz de realizaccedilatildeo dos direitos
sociais econocircmicos e culturais possibilitando ao Estado promover a tatildeo esperada reduccedilatildeo das de-
sigualdades sociais por meio de poliacuteticas fiscais faz-se imperioso analisar a evoluccedilatildeo do modelo de
Estado desde o Estado Liberal ateacute o modelo contemporacircneo de Estado Democraacutetico de Direito que
tem por ldquovalor-guiardquo o princiacutepio da dignidade da pessoa humana
No Estado liberal a Constituiccedilatildeo tinha como finalidade baacutesica limitar o exerciacutecio do poder esta-
tal O poder estava adstrito agraves normas que almejavam a liberdade protegendo assim o indiviacuteduo E
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para se ter liberdade era preciso seguranccedila na ordem juriacutedica A liberdade individual e consequente-
mente a seguranccedila da ordem juriacutedica eram os primados baacutesicos do Estado liberal
Eacute nesse contexto que nascem os direitos civis e poliacuteticos denominados de direitos fundamen-
tais de primeira geraccedilatildeo (ou dimensatildeo) caracterizados ldquopela necessidade de natildeo intervenccedilatildeo do Esta-
do no patrimocircnio juriacutedico dos membros da comunidaderdquo (LIMA 2002 p 34) Esta categoria eacute fundada
no Estado liberal absenteiacutesta onde se deu a manifestaccedilatildeo do status libertatis ou status negativus conforme classificaccedilatildeo de Jellinek
Os direitos fundamentais do cidadatildeo se inserem na moldura do que a doutrina classificou como
geraccedilotildees ou dimensotildees tendo como premissa central a dignidade da pessoa humana
Importante destacar o entendimento de Perez Luntildeo (1987 p 56) no sentido de que ldquoas gera-
ccedilotildees de direitos humanos natildeo representam um processo meramente cronoloacutegico e linear [] De outro
lado as geraccedilotildees de direitos humanos natildeo implicam na substituiccedilatildeo global de um cataacutelogo de direitos
por outro []rdquo No Brasil Dimoulis e Martins (2008) seguem a mesma linha ao expor que o termo ge-
raccedilatildeo natildeo se mostra cronologicamente exato haja vista que as primeiras Constituiccedilotildees e declaraccedilotildees
dos seacuteculos XVIII e XIX jaacute abordavam certos direitos sociais
O Estado social entra em cena tendo como objetivo inicial a igualdade material contraposta agrave
igualdade formal da visatildeo liberal fruto das lutas de classes ocorridas apoacutes a Revoluccedilatildeo Industrial com-
prometendo-se a garantir os direitos econocircmicos sociais e culturais tidos como direitos fundamentais
de segunda dimensatildeo
Referidos direitos sociais requerem prestaccedilotildees positivas (status positivus) por parte do Estado
para suprir as carecircncias da sociedade Satildeo os direitos dos cidadatildeos agraves prestaccedilotildees necessaacuterias ao pleno
desenvolvimento da existecircncia individual tendo o Estado como sujeito passivo devendo ser cumpri-
dos mediante poliacuteticas puacuteblicas que para tanto necessitam de recursos (obtidos por meio de tributos
em sua maior parte) para serem concretizados Diante da ausecircncia de normatividade desses direitos
frente a sua natildeo consecuccedilatildeo esse modelo estatal entra em crise
No Estado contemporacircneo manteacutem-se o essencial da concepccedilatildeo liberal traduzido na afirma-
ccedilatildeo de que o homem pelo simples fato de o ser tem direitos e que o Poder Puacuteblico deve respeitaacute-los
Assegurar o respeito agrave dignidade da pessoa humana eacute o fim da sociedade poliacutetica Dignidade esta no
entanto que natildeo eacute vista apenas no acircmbito do indiviacuteduo isolado mas sim de uma forma coletiva em
virtude da solidariedade
Por conta disso eacute que surgem direitos de titularidade coletiva intitulados pela doutrina de di-
reitos fundamentais de terceira dimensatildeo que consagram o princiacutepio da solidariedade atingindo natildeo
soacute a presente geraccedilatildeo mas tambeacutem as futuras (BELCHIOR 2011)
O constituinte brasileiro inspirado em constituiccedilotildees sociais democratas do seacuteculo anterior no-
tadamente a Constituiccedilatildeo do Meacutexico de 1917 inscreveu em seu artigo 1ordm inciso III o postulado da
dignidade da pessoa humana entre os fundamentos da organizaccedilatildeo nacional
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De fato pode-se afirmar que o Estado Democraacutetico da atualidade eacute um Estado de abertura
constitucional fundado no principio da dignidade do ser humano tendo-o como valor-guia conforme
abordagem de Sarlet (2002 p 62)
Dessa forma considerando que o modelo estatal escolhido foi o Estado Democraacutetico de Direito
em que haacute a necessidade de se consagrar a dignidade humana ldquoeacute de suma importacircncia que se trate
os direitos fundamentais como valores indivisiacuteveis e interdependentesrdquo (MARMELSTEIN 2008 p 60)
abolindo a falsa ideia de existecircncia de hierarquia entre as diversas geraccedilotildees de direitos fundamen-
tais conforme mencionado anteriormente englobando-os todos na luta por efetivaccedilatildeo para assim
conferir maacutexima eficaacutecia ao texto constitucional Nesse sentido Bonavides (2011 p 573) afirma que a
ldquouniversalidade dos direitos fundamentais os coloca assim desde o princiacutepio num grau mais alto de
juridicidade concretude positividade e eficaacuteciardquo
Em relaccedilatildeo aos tributos eacute sabido que essa eacute uma ideia que se perde no tempo possivelmen-
te existente em todas as formas de agrupamentos humanos havendo assim desde as primitivas
sociedades uma prestaccedilatildeo pecuniaacuteria ou em bens arrecadada pelo ldquoEstadordquo ou por seu chefe ob-
jetivando realizar seus fins sociais seus gastos e despesas oriundas da vida em sociedade Assim as
contribuiccedilotildees em sentido lato abrangeram desde os pagamentos em dinheiro ou bens (produtos
ou serviccedilos prestados agrave comunidade) exigidos pelos vencedores das guerras aos povos vencidos ateacute
a cobranccedila entre os proacuteprios integrantes da comunidade ora como donativos e ajudas ora como
um dever (HUGON 1951)
No mundo atual haacute uma defesa da ideia de imposto-troca (pagamento como retribuiccedilatildeo de
um serviccedilo) a partir das concepccedilotildees individualistas e das teses de fiscalidade miacutenima (Estado miacutenimo)
surgidas no decorrer dos anos oitenta e noventa auge da poliacutetica neoliberal
Oportuno o entendimento de Buffon (2009 p 66) ao considerar que o processo surgido nessa
fase levou no Brasil a ldquoum incremento significativo da carga tributaacuteria sem que a capacidade con-
tributiva do cidadatildeo seja levada em consideraccedilatildeo e sem que o Estado concomitantemente decirc efeti-
vidade agrave proteccedilatildeo social constitucionalmente exigiacutevel e faticamente imprescindiacutevelrdquo Isso acarretou a
sofisticaccedilatildeo do sistema tributaacuterio convertendo-o em um meio de redistribuiccedilatildeo de renda agraves avessas
haja vista que a parte da populaccedilatildeo com menor capacidade contributiva arca com parcela significativa
da carga tributaacuteria sem que lhe sejam garantidos minimamente os direitos sociais em demonstraccedilatildeo
clara de que a democracia representativa brasileira corresponde a um grande ldquofaz de contardquo
Diante desse cenaacuterio faz-se imprescindiacutevel um olhar reflexivo a fim de que se encontrem os
fundamentos de um modelo de tributaccedilatildeo que esteja de fato apto a recuperar os seus compromissos
histoacutericos sobretudo no que se refere agrave solidariedade para assim dar maacutexima eficaacutecia ao princiacutepio da
dignidade da pessoa humana por meio da concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais
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2 A TRIBUTACcedilAtildeO COMO INSTRUMENTO DE CONCRETIZACcedilAtildeO DOS DIREITOS FUNDAMEN-TAIS NO ESTADO DEMOCRAacuteTICO DE DIREITO E A CONSEQUENTE REDUCcedilAtildeO DE DESIGUAL-DADES SOCIAIS
Conforme se percebe com a crise do Estado Social em natildeo conseguir efetivar os direitos sociais
por ausecircncia de recursos o que fez das normas meros programas sem eficaacutecia social natildeo haacute como se
exigir a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais sem que haja a contribuiccedilatildeo dos cidadatildeos para que
se alcance esse objetivo uma vez que a realizaccedilatildeo desses direitos em especial dos direitos sociais de
cunho prestacional implica a assunccedilatildeo de um significativo ocircnus financeiro por parte do Estado
Apesar de haver um consenso acerca da importacircncia da concretizaccedilatildeo dos direitos fundamen-
tais para a maacutexima efetividade do princiacutepio da dignidade da pessoa humana o que leva indubitavel-
mente agrave reduccedilatildeo das desigualdades sociais natildeo se pode esquecer de que essa concretizaccedilatildeo somente
se revela possiacutevel com o cumprimento do principal dever de cidadania que eacute o dever de pagar tribu-
tos que por sua vez eacute sustentado no princiacutepio da solidariedade social
Paul Hugon nas deacutecadas de 1940 e 1950 jaacute defendia que
[] ningueacutem contesta ser o Estado obrigado na eacutepoca atual a estender sua atividade muito aleacutem da simples proteccedilatildeo ora pela teoria do lucro o ocircnus do imposto recairia neste caso sobre o cidadatildeo que recebe do poder puacuteblico as maiores e mais impor-tantes vantagens Em outros termos seria o mesmo que tributar mais pesadamente o fraco ou o pobre pois eacute este que comumente eacute o grande beneficiaacuterio da accedilatildeo puacuteblica nos domiacutenios da instruccedilatildeo da Previdecircncia Social da Proteccedilatildeo do trabalho da Higiene etc Seria ir assim contra o princiacutepio da solidariedade natural e social que impotildee aos fortes o dever de auxiliar os fracos (HUGON 1951 p 17)
Como se vecirc o princiacutepio da solidariedade social implica que aquele que deteacutem maior capacidade
econocircmica colabore com parcela mais significativa da carga tributaacuteria Ainda acerca do tema Nabais
explica que a solidariedade se refere agrave relaccedilatildeo ou sentimento de pertencer a um grupo ou formaccedilatildeo
social dentre os quais sobressai o Estado Em suas palavras
[] a solidariedade pode ser entendida quer em sentido objetivo em que se alude agrave relaccedilatildeo de pertenccedila e por conseguinte de partilha e de co-responsabilidade que liga cada um dos indiviacuteduos agrave sorte e vicissitudes dos demais membros da comunidades quer em sentido subjetivo e de eacutetica social em que a solidariedade exprime sentimen-to a consciecircncia dessa mesma pertenccedila agrave comunidade (NABAIS 2005 p 112)
Essa concepccedilatildeo de solidariedade social vincula a ideia de deveres fundamentais que apesar de
abandonada pelo individualismo do tempo contemporacircneo deve ser retomada e entendida pois a
sociedade seraacute cada vez mais harmocircnica na medida em que a preocupaccedilatildeo de cada um com o destino
dos outros for cada vez mais intensa
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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A ideia de solidariedade social se evidencia exatamente quando se examina o dever funda-
mental de pagar tributos Consoante entende Buffon (2009 p 86) nos periacuteodos dos Estados Abso-
lutista e Liberal o cumprimento do dever de pagar tributo se orientava para conservaccedilatildeo do Estado
natildeo havendo uma fundamentaccedilatildeo eacutetica ou moral para a obrigaccedilatildeo tributaacuteria No entanto com o
advento dos Estados Social e Democraacutetico de Direito o dever de contribuir com os gastos puacuteblicos
passou a ter conteuacutedo solidaacuterio sendo instrumento a serviccedilo das poliacuteticas sociais e econocircmicas do
Estado redistribuidor
Dessa forma eacute faacutecil perceber a relevacircncia do dever fundamental de pagar tributo pois sem ele
o proacuteprio papel do Estado resta inviabilizado uma vez que natildeo eacute possiacutevel imaginar uma sociedade or-
ganizada sem que existam recursos financeiros para fazer frente aos seus custos em especial quando a
sociedade se propotildee a garantir a todos uma existecircncia digna o que passa pela realizaccedilatildeo dos direitos
sociais econocircmicos e culturais fato que demanda uma gama expressiva de recursos
Para Contipelli (2010 p 194) a concepccedilatildeo de Estado Democraacutetico de Direito exige uma postura
ativa perante o contexto social encarregando o Estado do cumprimento de metas que manifestam
o projeto de bem comum pautado na ideia de solidariedade necessitando para o atendimento das
demandas sociais da obtenccedilatildeo de recursos provenientes da arrecadaccedilatildeo de tributos que resumida-
mente consiste em um dever de colaboraccedilatildeo atribuiacutedo aos membros da comunidade de levar parcela
de suas riquezas aos cofres puacuteblicos justificado como forma de participaccedilatildeo no alcance dos objetivos
fundamentais da Repuacuteblica
Ressalte-se que a Constituiccedilatildeo Federal de 1988 instituiu um Estado Democraacutetico de Direito que
tem como marca fundamental a busca de uma igualdade substancial natildeo meramente formal (CARVA-
LHO MORAIS JUNIOR 2014) o que resta evidente da anaacutelise dos artigos 1ordm e 3ordm incisos I e III tornan-
do imperiosa a necessidade de se buscar o equiliacutebrio social mediante a reduccedilatildeo das desigualdades
Essa ideia de igualdade material peculiar ao Estado Democraacutetico de Direito liga-se indubitavelmente
ao princiacutepio da dignidade da pessoa humana conforme expotildee Buffon (2009 p 113)
Essa nova acepccedilatildeo de igualdade estaacute a exigir do Estado natildeo apenas que formalmente trate os iguais como iguais e os desiguais como desiguais mas tambeacutem que aja no sentido de que as desigualdades econocircmicas e sociais que produziram essas diferen-ccedilas sejam combatidas minimizadas e eliminadas Ou seja o tratamento formalmente desigual deve visar agrave reduccedilatildeo das desigualdades faacuteticas ou materiais o que equivale a uma nova concepccedilatildeo de justiccedila a qual sempre esteve vinculada a ideia de igualdade
Dentro dessa concepccedilatildeo portanto a igualdade tributaacuteria deve ser pensada a partir da ideia
de que o Estado brasileiro somente se legitima se visar a substancializar a igualdade faacutetica deven-
do para tanto a tributaccedilatildeo ser adequadamente implementada com o objetivo de servir como ins-
trumento do referido fim maior do Estado com respeito agrave dignidade humana e concretizaccedilatildeo dos
direitos fundamentais
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Nesse sentido Machado Segundo (2010 p 212) sustenta que a tributaccedilatildeo eacute um relevante meio
natildeo apenas de mudanccedila social mas de uma mudanccedila social que se pode prestar agrave implementaccedilatildeo de
uma sociedade mais justa entendida essa como aquela que seria escolhida na ldquoposiccedilatildeo originalrdquo de
John Rawls ou aquela que se aproxima o mais possiacutevel daquilo que seus membros desejam proximi-
dade que seraacute tanto mais quanto maior for a proteccedilatildeo agrave liberdade e a promoccedilatildeo da igualdade em um
ambiente democraacutetico
Vale lembrar que a concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais eacute um processo inter-relacionado
considerando as marcas de interdependecircncia e indivisibilidade que os caracteriza no que se revela
que os direitos ditos de primeira dimensatildeo dependem dos direitos de segunda e terceira dimensatildeo
e vice-versa No campo tributaacuterio eacute facilmente perceptiacutevel a presenccedila dos direitos fundamentais de
primeira dimensatildeo como limitadores do poder de tributar estatal No que diz respeito aos direitos
fundamentais de segunda e terceira dimensatildeo por outro lado visualiza-se que eles dependem de um
sistema tributaacuterio com eles comprometido para sua concretizaccedilatildeo tendo em vista que o Estado eacute o
seu principal devedor
Assim garantir o cumprimento dos direitos fundamentais em especial os direitos sociais eacute
condiccedilatildeo de concretizaccedilatildeo da promessa constitucional de tratar todos com igual dignidade requisito
para que sejam reconhecidos a democracia substancial e o Estado Democraacutetico de Direito instituiacutedos
pela Constituiccedilatildeo cidadatilde
Pode-se sustentar portanto que a tributaccedilatildeo eacute instrumento apto agrave concretizaccedilatildeo dos direitos
fundamentais sendo possiacutevel por meio dela dar maacutexima eficaacutecia ao principio da dignidade da pessoa
humana desde que haja a adequaccedilatildeo da carga tributaacuteria agrave efetiva capacidade econocircmica do cidadatildeo
Para tanto faz-se imprescindiacutevel compreender o denominado princiacutepio da capacidade contributiva
conforme seraacute discutido no toacutepico seguinte
3 ADEQUACcedilAtildeO DA TRIBUTACcedilAtildeO Agrave CAPACIDADE CONTRIBUTIVA E Agrave EXTRAFISCALIDADE NA REALIZACcedilAtildeO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS UM OLHAR ALEacuteM DA ARRECADACcedilAtildeO
Para que se realize o objetivo fundamental da Repuacuteblica Federativa do Brasil de reduccedilatildeo das
desigualdades sociais eacute preciso que o Estado por meio da tributaccedilatildeo obtenha daqueles cidadatildeos
dotados de capacidade contributiva os recursos necessaacuterios agraves atividades destinadas ao oferecimento
de iguais oportunidades para todos (MACHADO SEGUNDO 2010 p 211)
Faz-se necessaacuterio assim enfrentar a tortuosa questatildeo acerca da real compreensatildeo do princiacutepio
da capacidade contributiva que para muitos estaria albergado na literalidade do disposto no sect 1ordm do
artigo 145 da Constituiccedilatildeo do Brasil assim transcrito
Art 145 [] sect 1ordm - Sempre que possiacutevel os impostos teratildeo caraacuteter pessoal e seratildeo graduados segundo a capacidade econocircmica do contribuinte facultado agrave adminis-
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traccedilatildeo tributaacuteria especialmente para conferir efetividade a esses objetivos identificar respeitados os direitos individuais e nos termos da lei o patrimocircnio os rendimentos e as atividades econocircmicas do contribuinte
Nos termos defendidos por Buffon (2009 p 175) deve-se primeiramente ter em mente a dife-
renccedila ontoloacutegica entre texto e norma para somente assim perceber que restringir a discussatildeo acerca
da interpretaccedilatildeo do dispositivo mencionado eacute hermeneuticamente inadequado Em suas palavras
O princiacutepio da capacidade contributiva diferentemente do que sustentam muitos natildeo estaacute fundamentado no sect1ordm do art 145 da CF88 Ele decorre do caraacuteter do modelo de Estado constituiacutedo pela Carta brasileira de 1988 (Estado Democraacutetico de Direito) o qual estaacute alicerccedilado nos princiacutepios da dignidade da pessoa humana da igualdade substancial e da solidariedade Isto eacute natildeo haacute de se falar em Estado Democraacutetico de Direito se esse natildeo tiver como objetivo a reduccedilatildeo das desigualdades sociais a cons-truccedilatildeo de uma sociedade solidaacuteria que esteja apta a assegurar igual dignidade a to-dos os seus membros
Desse entendimento natildeo parece discrepar Torres (2005 p 300-301) ao afirmar que a ldquolegitima-
ccedilatildeo do princiacutepio da capacidade contributiva eacute pragmaacutetica e ocorre com a intermediaccedilatildeo dos princiacutepios
da igualdade ponderaccedilatildeo razoabilidade transparecircncia e responsabilidaderdquo defendendo ainda que a
solidariedade entre os cidadatildeos deve fazer com que a carga tributaacuteria recaia sobre ricos aliviando-se
a incidecircncia sobre os mais pobres e dela dispensando os que estatildeo abaixo do niacutevel de sobrevivecircncia
Concretiza-se diante dessa foacutermula o princiacutepio da igualdade uma vez que tributando os cida-
datildeos de acordo com a capacidade contributiva em suas trecircs dimensotildees (miacutenimo existencial progressi-
vidade e seletividade) podem-se viabilizar a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e a construccedilatildeo de uma
sociedade livre justa e solidaacuteria fundada na dignidade da pessoa humana (AacuteVILA 2008 p 370)
Como a tributaccedilatildeo somente pode recair sobre as parcelas do rendimento que exceder ao valor
das despesas necessaacuterias agrave proacutepria substacircncia sob pena de se ferir a dignidade humana deve-se ga-
rantir o denominado ldquomiacutenimo existencialrdquo Nesse sentido Torres (2005 p 305) afirma que ldquoa tributaccedilatildeo
tambeacutem natildeo pode incidir sobre o miacutenimo necessaacuterio agrave sobrevivecircncia do cidadatildeo e de sua famiacutelia em
condiccedilotildees compatiacuteveis com a dignidade humanardquo
Por outro lado o miacutenimo existencial estaacute diretamente vinculado agrave claacuteusula de progressividade
dos direitos sociais econocircmicos e culturais oriunda do Pacto Internacional relativo aos Direitos Eco-
nocircmicos Sociais e Culturais de 1966 (PIDESC) ratificado pelo Estado brasileiro que busca o progresso
constante dos direitos ali protegidos Logo se o instrumento visa agrave constante progressatildeo a partir de
uma claacuteusula de progressividade deduz-se que a regressatildeo deve ser proibida
Da mesma forma o art 26 da Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos Humanos (1969) comple-
mentado pelo art 1ordm do Protocolo de San Salvador Adicional agrave Convenccedilatildeo Americana sobre Direitos
Humanos em Mateacuteria de Direitos Econocircmicos Sociais e Culturais (1988) assegura o ldquodesenvolvimento
progressivordquo dos direitos econocircmicos sociais e culturais
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Dentro desse contexto a doutrina entende que dessa obrigaccedilatildeo de progressividade na imple-
mentaccedilatildeo dos direitos econocircmicos sociais e culturais emana uma ldquoclaacuteusula de proibiccedilatildeo de retrocesso
socialrdquo sendo portanto vedado ao Estado retroceder na implementaccedilatildeo destes direitos na medida de
sua maacutexima disponibilidade financeira (PIOVESAN 2007 p 178) Referida disponibilidade portanto
reforccedila a necessidade do dever fundamental de pagar tributos e da solidariedade na medida em que
a implementaccedilatildeo desses direitos fundamentais demanda uma prestaccedilatildeo onerosa do Estado
Eacute oportuno ressaltar entretanto que a chamada ldquoclaacuteusula da reserva do possiacutevelrdquo natildeo pode ser
utilizada como oacutebice para a efetivaccedilatildeo do nuacutecleo miacutenimo dos direitos sociais denominado de miacutenimo
existencial conforme liccedilatildeo de Sarlet (2002 p 148)
Vislumbra-se tambeacutem o alcance da capacidade contributiva a partir da utilizaccedilatildeo da progres-
sividade tributaacuteria que eacute justificaacutevel por dispensar tratamento desigual a favor dos economicamente
mais fracos de forma compatiacutevel com o princiacutepio da igualdade haja vista que as aliacutequotas dos impos-
tos seratildeo maiores quanto maior for a renda obtida
Cabe destacar que em relaccedilatildeo ao imposto de renda o estabelecimento de um maior nuacutemero
de aliacutequotas e uma ampliaccedilatildeo do limite de isenccedilatildeo fariam com que esse tributo atingisse de forma
mais significativa pessoas dotadas de efetiva capacidade contributiva realizando a igualdade material
no acircmbito do custeio de gastos puacuteblicos (MACHADO SEGUNDO 2010 p 215)
No que se refere aos tributos indiretos a adequaccedilatildeo ao princiacutepio da capacidade contributiva
pode se dar por meio da seletividade (TIPKE YAMASHITA 2002 p 107) com a aplicaccedilatildeo de aliacutequo-
tas variaacuteveis conforme a essencialidade dos bens ou produtos recaindo de forma mais pesada sobre
produtos considerados suntuosos e luxuosos e por conseguinte de modo mais brando sobre pro-
dutos essenciais
Eacute ainda de se observar que na hipoacutetese de o tributo natildeo se prestar agrave graduaccedilatildeo segundo a
capacidade econocircmica do contribuinte impotildee-se a aplicaccedilatildeo de extrafiscalidade possibilidade em
que o Estado utiliza a tributaccedilatildeo como instrumento de intervenccedilatildeo na sociedade estimulando ou de-
sestimulando comportamentos Isso natildeo significa que o Estado natildeo iraacute arrecadar mas o intuito natildeo eacute
meramente arrecadatoacuterio conforme se extrai da liccedilatildeo de Nabais (2009)
A extrafiscalidade traduz-se no conjunto de normas que embora formalmente in-tegrem o direito fiscal tem por finalidade principal ou dominante a consecuccedilatildeo de determinados resultados econocircmicos ou sociais atraveacutes da utilizaccedilatildeo do instrumento fiscal e natildeo a obtenccedilatildeo de receitas para fazer face agraves despesas puacuteblicas Trata-se assim de normas (fiscais) que ao preverem uma tributaccedilatildeo isto eacute uma ablaccedilatildeo ou amputa-ccedilatildeo pecuniaacuteria (impostos) ou uma natildeo tributaccedilatildeo ou uma tributaccedilatildeo menor agrave requeri-da pelo criteacuterio da capacidade contributiva isto eacute uma renuacutencia total ou parcial a essa ablaccedilatildeo ou amputaccedilatildeo (benefiacutecios fiscais) estatildeo dominadas pelo intuito de actuar directamente sobre os comportamentos econocircmicos e sociais dos seus destinataacuterios desincentivando-os neutralizando-os nos seus efeitos econoacutemicos e sociais ou fo-mentando-os ou seja de normas que conteacutem medidas de poliacutetica econoacutemica e social
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Nesse sentido Humberto Aacutevila afirma que quando os tributos se destinarem a atingir uma
finalidade extrafiscal considerando fins econocircmicos ou sociais a medida de comparaccedilatildeo natildeo seraacute a
capacidade contributiva Segundo o autor ldquocomo a distinccedilatildeo entre os contribuintes eacute feita com base
em elementos a eles exteriores e a tributaccedilatildeo baseia-se numa finalidade estranha agrave proacutepria distribui-
ccedilatildeo igualitaacuteria da carga tributaacuteria criteacuterio e finalidade afastam-se para consubstanciar duas realidades
empiricamente discerniacuteveisrdquo (AacuteVILA 2009 p 161-162) Para ele entatildeo quando houver a instituiccedilatildeo de
tributo com finalidade extrafiscal a tributaccedilatildeo se submete ao controle de proporcionalidade exigindo
que a medida seja adequada necessaacuteria e proporcional em sentido estrito
Desta feita tanto a conjuntura quanto a estrutura econocircmica passam a cobrar medidas correti-
vas por parte do Estado a fim de que a tributaccedilatildeo seja natildeo soacute um instrumento para obtenccedilatildeo de recei-
ta para a respectiva despesa puacuteblica mas tambeacutem um agente que provoque modificaccedilotildees deliberadas
nas estruturas sociais
A tributaccedilatildeo extrafiscal eacute considerada de acordo com Falcatildeo (1981 p 47) como um ldquofenocircmeno
que caminha de matildeos dadas com o intervencionismo do Estado na medida em que eacute accedilatildeo sobre o
mercado e a antes sagrada livre iniciativardquo
A compostura da legislaccedilatildeo de um tributo pode assim vir pontilhada de providecircncias no in-
tuito de prestigiar certas situaccedilotildees tidas como social poliacutetica ou economicamente valiosas agraves quais
o legislador dispensa tratamento mais confortaacutevel ou menos gravoso A extrafiscalidade eacute portanto
um dos valores finaliacutesticos que o legislador imprime na lei tributaacuteria manipulando categorias juriacutedicas
postas agrave sua disposiccedilatildeo na perseguiccedilatildeo de objetivos alheios aos meramente arrecadatoacuterios (CARVA-
LHO 2004 p 230-231)
Eacute importante destacar que apesar de a extrafiscalidade ser uma foacutermula juriacutedico-tributaacuteria para
a obtenccedilatildeo de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatoacuterios de recursos monetaacute-
rios o regime que dirige referida atividade deve ser o proacuteprio das exaccedilotildees tributaacuterias Deve o legislador
guiar-se pelos paracircmetros previstos na Constituiccedilatildeo Federal respeitando os limites da competecircncia
impositiva e dos princiacutepios que regem a mateacuteria
Com o Estado Democraacutetico de Direito a importacircncia da tributaccedilatildeo foi ampliada em cuja sus-
tentaccedilatildeo estaacute a norma juriacutedica estatal Na estrutura da norma juriacutedica conforme liccedilatildeo de Bobbio (2007
p 44-45) mesmo sem comprometer a disjunccedilatildeo existe lugar para a sanccedilatildeo recompensatoacuteria esta que
eacute um dos principais instrumentos de extrafiscalidade
Dessa forma a partir da anaacutelise do marco teoacuterico desenvolvido percebe-se que a tributaccedilatildeo
desde que adequada agrave capacidade contributiva entendida como aquela adequadamente progressiva
seletiva que natildeo atinja o miacutenimo existencial e que aleacutem disso utilize a extrafiscalidade para estimular
e desestimular comportamentos comportamentos orientados pelos paracircmetros constitucionais pode
viabilizar a reduccedilatildeo das desigualdades sociais e a construccedilatildeo de uma sociedade livre justa e solidaacuteria
fundada na dignidade da pessoa humana
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CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Ao vislumbrar o contexto socioeconocircmico brasileiro desde a promulgaccedilatildeo da Constituiccedilatildeo
de 1988 ateacute os dias atuais percebe-se que ao inveacutes de caminhar em direccedilatildeo a uma sociedade mais
justa humana e igualitaacuteria vive-se um momento marcado por desigualdades sociais inclusive na
perspectiva tributaacuteria
Verifica-se o aumento de poliacuteticas puacuteblicas de seguranccedila puacuteblica para amenizar os assaltos se-
questros e assassinatos escolas em tempo integral assistencialismo para diminuir a pobreza reduccedilatildeo
da carga tributaacuteria para aumentar o consumo e fomentar a economia quotas para efetivar a igualdade
material no entanto essas medidas satildeo paliativas Faz-se necessaacuterio combater uma das principais cau-
sas dos problemas sociais talvez a mais difiacutecil de ser enfrentada a desigualdade social
No entanto eacute mister pensar o problema por uma oacuteptica inversa acreditando-se na esperanccedila
da construccedilatildeo de uma sociedade livre justa e solidaacuteria na qual se busca constantemente erradicar a
pobreza e a marginalizaccedilatildeo bem como reduzir as desigualdades sociais e regionais dando real efeti-
vidade aos objetivos fundamentais da Repuacuteblica Federativa do Brasil insculpidos no art 3ordm da Consti-
tuiccedilatildeo Federal de 1988
A tributaccedilatildeo nesse contexto ganha destaque haja vista poder constituir um excelente instru-
mento de concretizaccedilatildeo dos direitos sociais sem descuidar da observacircncia aos limites inerentes aos
tradicionais direitos e garantias fundamentais do contribuinte
Eacute preciso entatildeo uma accedilatildeo estatal que de fato labore a favor da reduccedilatildeo das desigualdades
econocircmicas e sociais por meio da concretizaccedilatildeo dos direitos fundamentais utilizando-se para tanto
a exigecircncia de uma carga tributaacuteria de acordo com a capacidade contributiva entendida como aquela
adequadamente progressiva seletiva que natildeo atinja o miacutenimo existencial e que aleacutem disso utilize a
extrafiscalidade para estimular e desestimular comportamentos alinhados aos ditames constitucionais
Novos caminhos devem ser trilhados num processo de reconstruccedilatildeo das relaccedilotildees pessoais e
redefiniccedilatildeo do papel do Estado numa perspectiva que estaacute aleacutem da arrecadaccedilatildeo Trata-se de uma mu-
danccedila de cultura individual coletiva e institucional dos que fazem parte do Estado em especial a Ad-
ministraccedilatildeo Tributaacuteria pensando-se isso a partir do paradigma da solidariedade de modo a construir
uma nova realidade em que o ser humano eacute o elemento central com accedilotildees voltadas a uma existecircncia
digna para todos
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REFEREcircNCIAS
AacuteVILA Humberto Teoria da igualdade tributaacuteria 2 ed Satildeo Paulo Malheiros 2009
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BOBBIO Norberto Da estrutura agrave funccedilatildeo novos estudos de teoria do direito Traduccedilatildeo de Daniela Beccacia Versiani Satildeo Paulo Manole 2007
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BONAVIDES Paulo Curso de Direito Constitucional 26 ed Satildeo Paulo Malheiros 2011
BUFFON Marciano Tributaccedilatildeo e dignidade humana entre os direitos e deveres fundamentais Porto Alegre Livraria do Advogado 2009
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CARVALHO Paulo de Barros Curso de Direito Tributaacuterio 16 ed Satildeo Paulo Saraiva 2004
CONTIPELLI Ernani Paula Solidariedade social tributaacuteria Coimbra Almedina 2010
DIMOULIS Dimitri MARTINS Leonardo Teoria Geral dos Direitos Fundamentais Satildeo Paulo Revista dos Tribunais 2008
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HUGON Paul O Imposto Teoria moderna e principais sistemas 2 ed Rio de Janeiro Financeiras 1951
LIMA Francisco Geacuterson Marques de Fundamentos constitucionais do processo sob a perspectiva de eficaacutecia dos direitos e garantias fundamentais Satildeo Paulo Malheiros 2002
MACHADO SEGUNDO Hugo de Brito Fundamentos do direito Satildeo Paulo Atlas 2010
MARMELSTEIN George Curso de direitos fundamentais Satildeo Paulo Atlas 2008
NABAIS Joseacute Casalta O dever fundamental de pagar impostos contributo para a compreensatildeo do estado fiscal contemporacircneo Coimbra Livraria Almedina 2009
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RAWS John Uma teoria da justiccedila Traduccedilatildeo de Almiro Pisetta e Lenita M R Esteves Satildeo Paulo Mar-tins Fontes 1997
SARLET Ingo Wolfgang Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 2 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2002
______ A Eficaacutecia dos Direitos Fundamentais 3 ed Porto Alegre Livraria do Advogado 2003
TIPKE Klaus YAMASHITA Douglas Justiccedila fiscal e princiacutepio da capacidade contributiva Satildeo Paulo Malheiros 2002
TORRES Ricardo Lobo Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributaacuterio valores e princiacute-pios constitucionais tributaacuterios Rio de Janeiro Renovar 2005 v 2
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PARTE III
CARGA TRIBUTAacuteRIA REFORMA TRIBUTAacuteRIA E JUSTICcedilA FISCAL
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REFORMA TRIBUTAacuteRIA COM JUSTICcedilA FISCAL E SOCIAL
SUMAacuteRIO Introduccedilatildeo 1 A importacircncia da tributaccedilatildeo 2 Tipos de tributos 21 Impostos 22 Taxas 23 Contribuiccedilotildees 3 Classificaccedilatildeo dos impostos 31 Imposto direto 32 Imposto indireto 33 Imposto progressivo 34 Imposto regressivo 4 Justiccedila tributaacuteria 41 Princiacutepios relacionados agrave justiccedila tributaacuteria 411 Princiacutepio da capacidade contributiva 412 Princiacutepio da solidariedade 5 Carga tributaacuteria no Brasil 51 A regressividade da carga tributaacuteria no Brasil 6 Algumas sugestotildees que visam a tornar a tributaccedilatildeo mais justa 61 Desonerar a cesta baacutesica 62 Tributar os bens supeacuterfluos considerados de luxo 63 Po-tencializar a cobranccedila do Imposto de Transmissatildeo de Causa Mortis e Doaccedilotildees 64 Aumentar os impostos sobre a propriedade da terra 65 Tributaccedilatildeo sobre a remessa de lucros 66 Cobrar IPVA sobre embarcaccedilotildees e aeronaves 67 Ins-tituir o imposto sobre grandes fortunas 68 A cobranccedila da contribuiccedilatildeo de melhoria Consideraccedilotildees finais Referecircncias
Antocircnio Gilson Aragatildeo de Carvalho1 Lucas Mouratildeo Aragatildeo2
INTRODUCcedilAtildeO
A ideia deste artigo surgiu diante da necessidade de colaborar com o debate da Reforma Tribu-
taacuteria que seraacute objeto de discussatildeo com o processo eleitoral que se avizinha Neste sentido o objetivo
deste artigo eacute analisar o sistema tributaacuterio nacional visando ao final oferecer sugestotildees para uma
Reforma Tributaacuteria que venha acompanhada de uma foacutermula que busque maior justiccedila fiscal e social
Para isso a metodologia aplicada seraacute bibliograacutefica descritiva e exploratoacuteria
Entende-se que a temaacutetica se demonstra relevante posto que haacute muito desde a promulgaccedilatildeo
da Constituiccedilatildeo Federal de 1988 fala-se em reforma tributaacuteria no Brasil partindo geralmente de pro-
postas de setores econocircmicos bem como de governos em iniacutecio de gestatildeo tentando cumprir com as
promessas de campanha eleitoral
Contudo devemos destacar que entre os vaacuterios pontos do debate trecircs parecem merecer espe-
cial registro quais sejam a regressividade da tributaccedilatildeo o tamanho da carga tributaacuteria cobrada num
paiacutes com tatildeo baixo niacutevel de renda por habitante e ainda abordagem sobre a justiccedila fiscal o que nos
leva a uma necessaacuteria reflexatildeo sobre justiccedila social
1 Doutorando em Direito Professor de poacutes-graduaccedilatildeo em Direito Tributaacuterio na FA7 Especialista em Direito Tributaacuterio e Gestatildeo Puacuteblica e Servidor da Secretaria da Fazenda do Estado do Cearaacute E-mail aragogilsongmailcom2 Estudante de Direito da Unifor E-mail lucasmourao10yahoocombr3 Neste ano de 2014 em outubro seratildeo realizadas eleiccedilotildees no acircmbito Federal para Presidente da Repuacuteblica para o Senado e Cacircmara dos Deputados
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Entendemos que essas trecircs questotildees natildeo podem fugir de qualquer discussatildeo a respeito da re-
forma tributaacuteria adequada para o nosso Paiacutes Pergunta que natildeo quer se calar no acircmbito tributaacuterio o
sistema tributaacuterio nacional eacute justo
Percebe-se que durante este periacuteodo as alteraccedilotildees no sistema tributaacuterio foram parciais haja
vista que nenhuma reforma de substancial importacircncia foi realizada apesar de os uacuteltimos governos
Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inaacutecio Lula da Silva bem como o atual terem em algum momento
defendido a reforma tributaacuteria como prioridade
Por outro lado verifica-se que as resistecircncias para mudar o regime tributaacuterio no Brasil satildeo haacute
muito tempo conhecidas tendo em vista que presenciamos a existecircncia de conflitos entre o trabalho
e o capital as instacircncias federativas (Uniatildeo Estados e Municiacutepios) com o comeacutercio internacional e as
financcedilas globalizadas entre outros
De conseguinte cabe esclarecer que enfrentam uma batalha difiacutecil os que lutam pela adequada
regulamentaccedilatildeo dos impostos com maior incidecircncia para os segmentos mais poderosos nas aacutereas
da economia e da poliacutetica As dificuldades satildeo tantas que tecircm paralisado qualquer tentativa de levar
adiante uma reforma tributaacuteria e fiscal abrangente com intenccedilatildeo de promover mais justiccedila social e
reduzir as desigualdades de renda e riqueza no Brasil
1 A IMPORTAcircNCIA DA TRIBUTACcedilAtildeO
Asseverou certa vez o iacutedolo norte americano Oliver Wendell Holmes Junior (1841-1935) juiz da
Suprema Corte norte-americana ldquoGosto de pagar impostordquo ldquoporque com eles compro civilizaccedilatildeordquo In-
felizmente no Brasil natildeo podemos falar a mesma coisa posto que em vez de pagarmos por civilizaccedilatildeo
pagamos pelos juros da diacutevida puacuteblica interna para salvar banqueiros e empresas falidas etc
Pois bem Natildeo existe nenhum cidadatildeo que nunca tenha questionado ainda que a si mes-
mo a necessidade do pagamento de tributo sua destinaccedilatildeo e sua efetiva aplicaccedilatildeo e sobre ele
natildeo tenha apresentado criacuteticas severas e ateacute mesmo extremada de requintes preconceituosos Eacute
evidente que questionamentos e criacuteticas satildeo praacuteticas naturais do ser humano que traduzem sua
forma mais tradicional de adquirir conhecimento e aprimorar aquilo que traz preacute-concebido do
conhecimento ordinaacuterio
Diante de tantos questionamentos e criacuteticas sente-se a importacircncia em aprofundar os estudos
referentes agrave relaccedilatildeo existente entre o Estado de Direito a Administraccedilatildeo Puacuteblica e a efetivaccedilatildeo dos
direitos constitucionais do cidadatildeo presentes na Constituiccedilatildeo em razatildeo das espeacutecies tributaacuterias pagas
pela sociedade
Eacute de sabenccedila geral que o tributo e o Estado satildeo parte de uma mesma moeda Eles andam juntos
haacute seacuteculos Neste sentido para financiar suas atividades o Estado por meio do Fisco intervecircm no do-
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miacutenio econocircmico tributando as manifestaccedilotildees de riquezas produzidas pelas pessoas fiacutesicas e juriacutedicas
Eacute bem verdade que cada paiacutes tem a sua proacutepria histoacuteria poliacutetica econocircmica e social O tama-
nho do Estado e a forma de financiaacute-lo eacute uma construccedilatildeo histoacuterica de cada naccedilatildeo ou seja quem deve
pagar mais impostos quem deve pagar menos quem natildeo deve pagar e qual a extensatildeo da atuaccedilatildeo
estatal em cada paiacutes
Os regimes tributaacuterios e fiscais de cada paiacutes respondem agraves escolhas da sociedade sobre o
que o Estado deve prover para os cidadatildeos em termos de bens e serviccedilos puacuteblicos Mais bens e
serviccedilos puacuteblicos universais e de boa qualidade soacute satildeo viaacuteveis com um Estado e um sistema tribu-
taacuterio e fiscal fortes
Eacute nesse sentido que a justiccedila fiscal se insere nesse contexto em virtude da realizaccedilatildeo pela Ad-
ministraccedilatildeo Puacuteblica da distribuiccedilatildeo de renda e ainda da promoccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas que cumpram
os interesses sociais Sua participaccedilatildeo estaacute presente tanto nas despesas ou seja no atendimento das
necessidades baacutesicas dos cidadatildeos quanto na receita a partir da realizaccedilatildeo de uma tributaccedilatildeo justa
Em busca da justiccedila fiscal especialistas sugerem como veremos mais adiante a reduccedilatildeo da
carga tributaacuteria com o aumento de sua progressividade e da participaccedilatildeo nos tributos diretos bem
como reduccedilatildeo dos indiretos o que promove o fortalecimento da economia com produtos mais
competitivos no mercado e aumento da capacidade de consumo gerando riqueza e crescimento
social e econocircmico
2 TIPOS DE TRIBUTOS
No Brasil o tributo eacute classificado em impostos taxas e contribuiccedilotildees4 conforme o Coacutedigo Tri-
butaacuterio Nacional e o Sistema Tributaacuterio definido na Constituiccedilatildeo Federal
O conceito de tributo encontra-se no Coacutedigo Tributaacuterio Nacional ldquoToda prestaccedilatildeo pecuniaacuteria
compulsoacuteria (obrigatoacuteria) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir que natildeo constitua sanccedilatildeo
de ato iliacutecito constituiacuteda em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculadardquo5
Conveacutem destacar que o Professor Paulo de Barros de Carvalho (1999 p 15) salienta que o vocaacute-
bulo tributo experimenta pelo menos seis significados diversos a saber a) ldquotributordquo como quantia em
dinheiro b) ldquotributordquo como prestaccedilatildeo correspondente ao dever juriacutedico do sujeito passivo c) ldquotributordquo
como direito subjetivo de que eacute titular o sujeito ativo d) ldquotributordquo como sinocircnimo de relaccedilatildeo juriacutedica
tributaacuteria e) ldquotributordquo como norma juriacutedica tributaacuteria f) ldquotributordquo como norma fato e relaccedilatildeo juriacutedica
Imperioso destacar aqui que a compulsoriedade prevista no conceito de tributo se deve pelo
4 Existe uma outra espeacutecie tributaacuteria - o empreacutestimo compulsoacuterio - que eacute extremamente controversa que natildeo interessa a nossa pesquisa razatildeo pela qual natildeo a incluiacutemos em nosso objeto de estudo5 Cf Art 3ordm do Coacutedigo Tributaacuterio Nacional Lei nordm 5172 de 25101966
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
237
fato de o ser humano ainda natildeo ser capaz de superar sozinho o individualismo interno A formaccedilatildeo
social do mundo moderno tende ao individualismo e agrave acumulaccedilatildeo de riquezas em face das opres-
sotildees sofridas e do desenvolvimento do pensamento capitalista Eacute necessaacuteria que uma ldquomatildeo forterdquo
mantenha a opccedilatildeo inicial feita nos primoacuterdios do agrupamento humano para que esse sentimento de
proteccedilatildeo natildeo se perca ante os devaneios egoiacutestas
Importante salientar para o estudo em debate que nos paiacuteses desenvolvidos e em desenvol-
vimento os sistemas tributaacuterios se lastreiam nas seguintes bases de arrecadaccedilatildeo renda patrimocircnio
consumo ou circulaccedilatildeo de bens e serviccedilos bem como a folha de pagamentos arrecadaccedilatildeo que finan-
cia os sistemas de previdecircncia social em muitos paiacuteses
Consoante o Professor Hugo de Brito Machado (1998 p 51) os impostos satildeo classificados em
quatro grupos a) sobre o comeacutercio exterior b) sobre o patrimocircnio e a renda c) sobre a produccedilatildeo e a
circulaccedilatildeo e d) impostos especiais
21 Impostos
Impostos satildeo valores pagos por pessoas fiacutesicas e juriacutedicas (empresas) O valor eacute arrecadado
pelo Estado (governos municipal estadual e federal) e servem para custear os gastos puacuteblicos em
sauacutede seguranccedila educaccedilatildeo transporte cultura pagamentos de salaacuterios de servidores puacuteblicos etc O
dinheiro arrecadado com impostos tambeacutem eacute usado para investimentos em obras puacuteblicas (hospitais
rodovias hidreleacutetricas portos universidades etc) A utilizaccedilatildeo do dinheiro proveniente da arrecada-
ccedilatildeo de impostos natildeo eacute vinculada a gastos especiacuteficos O governo com a aprovaccedilatildeo do legislativo eacute
quem define o destino dos valores por meio do orccedilamento
22 Taxas
Taxa eacute a exigecircncia financeira agrave pessoa privada ou juriacutedica para usar certos serviccedilos fundamen-
tais ou pelo exerciacutecio do poder de poliacutecia imposta pelo governo ou alguma organizaccedilatildeo poliacutetica ou
governamental
23 Contribuiccedilotildees
Na Constituiccedilatildeo Federal de 1988 encontramos os seguintes tipos de contribuiccedilotildees contribui-
ccedilotildees sociais de intervenccedilatildeo no domiacutenio econocircmico e as de interesse de categorias profissionais
ou econocircmicas A Uniatildeo tem competecircncia exclusiva de instituiacute-las Aleacutem dessas haacute tambeacutem as con-
tribuiccedilotildees de melhoria de competecircncia comum As contribuiccedilotildees sociais ganham destaque porque
financiam a Seguridade Social
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
238
A contribuiccedilatildeo de melhoria eacute uma espeacutecie do gecircnero tributo vinculada a uma atuaccedilatildeo estatal
melhor dizendo a construccedilatildeo de uma determinada obra puacuteblica que venha ocasionar valorizaccedilatildeo dos
imoacuteveis pertencentes aos particulares Desta forma podemos deduzir que eacute um tributo decorrente de
obra puacuteblica que gera valorizaccedilatildeo em bens imoacuteveis de um determinado sujeito passivo (particular)
Nesse sentido se o poder puacuteblico (Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios) promove a constru-
ccedilatildeo de um viaduto ponte estrada saneamento baacutesico etc acarretando a esta obra a valorizaccedilatildeo dos
imoacuteveis circunscritos agrave entidade puacuteblica que promoveu a construccedilatildeo eacute permitida a cobranccedila desta
espeacutecie tributaacuteria
Cumpre acentuar que encontramos na doutrina discussotildees acerca da natureza juriacutedica deste
tributo ou seja se a contribuiccedilatildeo de melhoria eacute imposto taxa ou tributo inconfundiacutevel como bem
assevera Alfredo Augusto Becker
A doutrina tradicional entende que a contribuiccedilatildeo de melhoria eacute tributo inconfundiacute-vel mesmo no plano juriacutedico com imposto e taxa Entretanto aqueles estudiosos do Direito Tributaacuterio que preocupam-se em natildeo deixar sua atitude mental juriacutedica conta-minar-se com princiacutepios e conceitos da Ciecircncia das Financcedilas Puacuteblicas ao procederem recentes investigaccedilotildees sobre as diferentes naturezas juriacutedicas dos tributos concluiacuteram que a contribuinte eacute um imposto ou uma taxa (BECKER 1998 p 386)
Contudo para o nosso estudo ressaltamos que consideramos como um tributo inconfundiacutevel
com qualquer outra espeacutecie tributaacuteria
3 CLASSIFICACcedilAtildeO DOS IMPOSTOS
Para a nossa pesquisa eacute importante estudarmos a classificaccedilatildeo dos impostos Na doutrina en-
contramos diversas classificaccedilotildees para os impostos dentre elas destacamos as principais vale dizer
impostos diretos indiretos progressivos e regressivos
31 Imposto direto
Eacute aquele que incide periodicamente sobre a renda e o patrimocircnio de uma uacutenica pessoa ou do
capital O imposto de renda e o IPTU satildeo exemplos de impostos diretos
32 Imposto indireto
Eacute aquele que estaacute embutido no preccedilo final do produto e natildeo aparece explicitado na Nota Fis-
cal Um contribuinte recolhe o imposto e outro efetivamente o paga Eacute o caso do IPI (Imposto sobre
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
239
Produtos Industrializados) e do ICMS (Imposto sobre a circulaccedilatildeo de mercadorias) O consumidor final
de uma geladeira por exemplo eacute quem pagaraacute o imposto embora ele seja recolhido pelo fabricante
Como regra geral considera-se que os tributos sobre renda e patrimocircnio (IRPF IRPJ CSLL IPTU IPVA
ITR ITCD ITBI) satildeo diretos enquanto os tributos sobre produccedilatildeo e consumo de bens e serviccedilos (ICMS
Cofins IPI ISS Cide) satildeo indiretos
33 Imposto progressivo
Progressivo eacute um imposto que incide de modo que a taxa efetiva de um imposto aumenta con-
forme o montante em que a taxa aplicada aumenta Para que um imposto seja progressivo eacute preciso
que ele tenha mais de uma aliacutequota e que elas incidam de forma crescente conforme aumenta a base
de caacutelculo O imposto de renda eacute um bom exemplo Quanto maiores satildeo as faixas de renda (base de
caacutelculo) maiores satildeo as aliacutequotas
Leandro Paulsen foi enfaacutetico sobre tal ponto
Progressividade como instrumento para observacircncia da capacidade contributiva Atra-veacutes das aliacutequotas progressivas eacute possiacutevel fazer com que aqueles que revelam melhor situaccedilatildeo econocircmica e portanto capacidade para contribuir para as despesas puacuteblicas o faccedilam em maior grau que os demais natildeo apenas proporcionalmente a sua maior riqueza mas suportando maior carga em termos percentuais Eacute pois um instrumento para efetivaccedilatildeo do princiacutepio da capacidade contributiva mas deve ser utilizado com moderaccedilatildeo para natildeo desestimular a geraccedilatildeo de riqueza (PAULSEN 2010 p 49)
34 Imposto regressivo
Regressivo eacute o exato oposto de um imposto progressivo onde a taxa efetiva de imposto di-
minui agrave medida que aumenta a quantia a que a taxa eacute aplicada Este efeito eacute geralmente produzido
em testes de meios e eacute usado para retirar subsiacutedios ou benefiacutecios fiscais estaduais criando taxas
marginais de imposto As maiores taxas de imposto marginal seratildeo suportadas por aqueles com
renda mais baixa
4 JUSTICcedilA TRIBUTAacuteRIA
Preliminarmente faz-se necessaacuterio ressaltar que definir justiccedila eacute uma tarefa extremamente
complicada principalmente quando se trata de justiccedila tributaacuteria conforme alerta Hugo de Brito
Machado (2009 p 84) ldquoDefinir eacute uma tarefa difiacutecil e definir justiccedila eacute praticamente impossiacutevel Se-
guramente poreacutem todos temos um sentimento de justiccedila que ateacute certo ponto se confunde com a
ideia de igualdaderdquo
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
240
Contudo eacute vaacutelido frisar a importacircncia da questatildeo da justiccedila tributaacuteria6 natildeo soacute nos dias atuais
mas em grande parte da histoacuteria Outrora o Rei todo poderoso era considerado uma lideranccedila natildeo
soacute militar mas tambeacutem espiritual ao seu povo haja vista que ao ocupar o posto maacuteximo em determi-
nada sociedade ele tinha que satisfazer as necessidades dos seus seguidores de acordo com as suas
possibilidades No entanto essas possibilidades surgiam ao passo que aquele liacuteder possuiacutea ou natildeo
condiccedilotildees financeiras para arcar com suas vontades Assim sendo a tributaccedilatildeo surgiu com o objetivo
de apoiar financeiramente o liacuteder de certo povo revertendo o produto daquela em vantagens e servi-
ccedilos individuais ou gerais de acordo com as necessidades do povo
Na linha doutrinaacuteria de Michel Sandel (2012 p 28) para identificar se uma sociedade eacute justa haacute
que se perguntar se ela distribui as coisas que ela valoriza
Para saber se uma sociedade eacute justa basta perguntar como ela distribui as coisas que valoriza ndash renda e riqueza deveres e direitos poderes e oportunidades cargos e honrarias Uma sociedade justa distribui esses bens da maneira correta ela daacute a cada indiviacuteduo o que lhe eacute devido
Justiccedila tributaacuteria pois eacute a possibilidade processual do justo na aacuterea tributaacuteria focando princi-
palmente a cobranccedila dos impostos contribuiccedilotildees taxas e empreacutestimos compulsoacuterios Pode-se sinte-
tizar esse tema como sendo um limite eacutetico entre o Direito Tributaacuterio e o Excesso Tributaacuterio
Dito isto no caso brasileiro o cidadatildeo paga uma alta carga tributaacuteria poreacutem ele natildeo recebe a
contraprestaccedilatildeo das garantias constitucionais ou seja sauacutede educaccedilatildeo seguranccedila o que ocasiona
um sufocamento na sociedade em face da demasiada arrecadaccedilatildeo
Ives Gandra da Silva Martins (1989 p 8-10) na obra ldquoExerciacutecio da Cidadania e Sistema Tributaacuterio
na Constituiccedilatildeo de 1988rdquo critica duramente a corrupccedilatildeo a maacute aplicaccedilatildeo do dinheiro puacuteblico e a situ-
accedilatildeo confiscatoacuteria em que se visualiza a atividade tributaacuteria atualmente causando uma revolta silente
em toda sociedade Pela oacuteptica fiscal os recursos deveriam ter origem e destino identificados para
diminuir as ocorrecircncias de crime contra a ordem tributaacuteria
Na teoria da carga desmedida formulada pelo mesmo autor fica claro que haacute a tendecircncia de
o homem exigir da sociedade sempre mais do que seria desejaacutevel somando aos interesses sociais
o favorecimento dos possuidores do poder Os valores arrecadados com a tributaccedilatildeo natildeo se restrin-
gem a atender aos interesses da coletividade mas sim a interesses privados o que culmina com a
rejeiccedilatildeo social
Em uacuteltima menccedilatildeo Ives Gandra (MARTINS 1989 p 10) arremata da seguinte forma
6 Diz-se justiccedila tributaacuteria substancial aquela que se afasta da mera estrutura formal do texto juriacutedico tributaacuterio para se aproximar daquela que incorpora conceitos mais amplos e que repele a positivaccedilatildeo de meras formas legais e sua interpre-taccedilatildeo isolada
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Alguns aspectos que determinam a carga desmedida ldquoobjetivos e necessidades mal colocados gastos supeacuterfluos contribuintes apenados porque privileacutegios e incentivos satildeo mal distribuiacutedos sonegaccedilatildeo e tratamento praacutetico diferencial fiscalizaccedilatildeo com bai-xa moralidade exatora e sonegaccedilatildeo e aumento de receita que se traduz pelo princiacutepio de que a tributaccedilatildeo seria mais elevada para compensar a receita natildeo arrecadada dos sonegadoresrdquo
Nesta esteira Alberto Nogueira em sua obra ldquoA Reconstruccedilatildeo dos Direitos Humanos da Tri-
butaccedilatildeordquo evidencia trecircs caminhos para a tal reconstruccedilatildeo O primeiro deles eacute a ldquoefetiva direta e ativa
participaccedilatildeo de todos os segmentos da sociedade na elaboraccedilatildeo fiscalizaccedilatildeo e controle das regras
tributaacuteriasrdquo (NOGUEIRA 1997 p 411) o que tende a eliminar os excessos e as injusticcedilas da carga tribu-
taacuteria O segundo se daacute pelas vias judiciais e por uacuteltimo a primazia da Constituiccedilatildeo
41 Princiacutepios relacionados agrave justiccedila tributaacuteria
411 Princiacutepio da capacidade contributiva
O principio da capacidade contributiva seria a graduaccedilatildeo dos impostos segundo a capacidade
econocircmica do contribuinte devendo cada um respeitar e contribuir de acordo com sua aptidatildeo eco-
nocircmica originando assim o ideal de justiccedila distributiva Esse princiacutepio pode ser considerado o pilar
da justiccedila tributaacuteria sendo ainda base para o princiacutepio constitucional da igualdade jaacute que aleacutem de
minimizar as injusticcedilas e diminuir as desigualdades busca a igualdade impondo tributos maiores so-
bre os que tiverem maior riqueza em sua posse Deve aqui o legislador observar a peculiaridade dos
cidadatildeos considerando a capacidade de cada um individualmente harmonizando a capacidade eco-
nocircmica com certas medidas inclusive tratando de forma diversa os desiguais Resumindo de forma
simples e clara quem dispotildee de maior riqueza deve proporcionalmente pagar mais tributos do que
aquele que tem menor poderio econocircmico para ser realizada a conservaccedilatildeo do patrimocircnio puacuteblico
Sobreleva notar o conceito de Klaus Tipke (2012 p 21) acerca do princiacutepio da capacidade con-
tributiva ldquoCada qual deve pagar impostos de conformidade com o montante de sua renda desde que
este ultrapasse o miacutenimo existencial e natildeo deva ser empregado para obrigaccedilotildees privadas inevitaacuteveisrdquo
412 Princiacutepio da solidariedade
O princiacutepio da solidariedade tem fundamentaccedilatildeo na Constituiccedilatildeo Federal no seu artigo 3ordm inci-
so I Tem como objetivo central por meio de accedilotildees puacuteblicas e privadas construir um estado ideal bus-
cando a formaccedilatildeo de uma sociedade livre justa e solidaacuteria Eacute na busca do bem comum interesse
comum da sociedade que se aplica o princiacutepio da solidariedade pois visa agrave accedilatildeo da coletividade
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
242
em prol de um propoacutesito maior que traduz o bem comum em igualdade e dignidade a todos os
membros sociais
No acircmbito juriacutedico mais precisamente em face do Direito Tributaacuterio o embasamento da apli-
caccedilatildeo do princiacutepio da solidariedade encontra-se na Filosofia demonstrando que o ser humano sente
um dever inato em colaborar com o meio em que vive aprimorando-o haja vista a caracteriacutestica e o
instinto gregaacuterio que o direciona de modo que mesmo em seu egoiacutesmo o homem colabora com o
todo para receber algum benefiacutecio
Na questatildeo tributaacuteria deve ser observado o Coacutedigo Tributaacuterio Nacional no seu artigo 145 sect 1ordm
onde trata da capacidade contributiva Neste ponto eacute de faacutecil conclusatildeo que a Repuacuteblica Federativa
do Brasil com o objetivo de uma melhor distribuiccedilatildeo da riqueza tributa mais intensamente os que
auferem mais renda para compensar a falta de receita dos menos favorecidos ou seja dos que pos-
suem menos condiccedilotildees Esse objetivo na busca uma melhor distribuiccedilatildeo de renda e implementaccedilatildeo da
capacidade contributiva une o princiacutepio da solidariedade agrave ideia de justiccedila
5 CARGA TRIBUTAacuteRIA NO BRASIL
Estudos do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributaacuterio (IBPT) (2012) revelam que a carga
tributaacuteria do Brasil eacute uma das mais altas do mundo quando comparada agrave de paiacuteses de renda per capita semelhante Pode-se medir a carga de tributos que a sociedade suporta pelo conceito de carga tribu-
taacuteria bruta que eacute o total de tributos arrecadados (diretos e indiretos) em relaccedilatildeo ao PIB (Produto Inter-
no Bruto) Segundo este instituto a arrecadaccedilatildeo tributaacuteria no Brasil cresce ano a ano batendo novos
recordes em arrecadaccedilatildeo O estudo compara a voracidade tributaacuteria de 30 paiacuteses com o niacutevel de bem
estar dos cidadatildeos medido pelo Iacutendice de Desenvolvimento Humano (IDH) elaborado pelo Programa
das Naccedilotildees Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) E conclui ldquoEntre os 30 paiacuteses com a maior carga
tributaacuteria o Brasil continua sendo o que proporciona o pior retorno dos valores arrecadados em prol
do bem-estar da sociedaderdquo
Neste mesmo estudo o Ipea7 afirma que em 2008 a carga tributaacuteria liacutequida foi de 205
do PIB As transferecircncias de previdecircncia e assistecircncia e os subsiacutedios somaram 153 do PIB naquele
ano Essa distinccedilatildeo eacute importante pois o volume de recursos mobilizado por estas transferecircncias satildeo
resultado da atuaccedilatildeo direta do Estado na redistribuiccedilatildeo de renda Eacute um dinheiro que arrecadado pelo
governo natildeo fica com ele para manutenccedilatildeo da maacutequina puacuteblica mas eacute redirecionado ao bolso das
famiacutelias que gastaratildeo esses recursos no mercado como quiserem
7 Instituto de Pesquisa Econocircmica Aplicada (Ipea) eacute uma fundaccedilatildeo puacuteblica federal vinculada agrave Secretaria de Assuntos Estrateacutegicos da Presidecircncia da Repuacuteblica Suas atividades de pesquisa fornecem suporte teacutecnico e institucional agraves accedilotildees governamentais para a formulaccedilatildeo e reformulaccedilatildeo de poliacuteticas puacuteblicas e programas de desenvolvimento brasileiros Dis-poniacutevel em wwwIpeagovbr Acesso em 3 jan 2014
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Outro ponto muito importante no debate sobre o tamanho da carga tributaacuteria eacute o uso dos re-
cursos Boa parte da arrecadaccedilatildeo de impostos e de outros tributos eacute destinada ao pagamento de juros
da diacutevida puacuteblica e natildeo ao financiamento de serviccedilos puacuteblicos como educaccedilatildeo sauacutede saneamento e
seguranccedila puacuteblica Em 2008 o pagamento de juros sobre a diacutevida puacuteblica alcanccedilou 56 do PIB
Contudo o tamanho da carga tributaacuteria pode ser relativizado pelo conjunto de transferecircncias
e subsiacutedios previstos no sistema tributaacuterio e na poliacutetica fiscal que orienta os gastos puacuteblicos Aqui eacute
necessaacuterio introduzir o conceito de carga tributaacuteria liacutequida que corresponde agrave carga bruta deduzida
de transferecircncias e subsiacutedios
Quando o retorno de recursos para a sociedade por meio de transferecircncias (como pensotildees e
aposentadorias e outros benefiacutecios previdenciaacuterios e assistenciais para idosos eou muito pobres eou
portadores de deficiecircncias) eacute socialmente mais justo o efeito de uma carga tributaacuteria alta eacute relativiza-
da e o uso da carga tributaacuteria liacutequida deve ser considerado na discussatildeo
Ao considerar as transferecircncias e o pagamento de juros da diacutevida puacuteblica pode-se concluir que
a carga tributaacuteria liacutequida exclusive juros era bem menor do que aparentava
Assim eacute preciso tambeacutem pensar na qualidade dos bens e serviccedilos que o Estado devolve em tro-
ca dos recursos que arrecada e na forma como faz isso Se o Estado arrecada muito mas oferece bens
e serviccedilos de qualidade dificilmente a populaccedilatildeo questionaraacute o tamanho da carga tributaacuteria Contu-
do quando a carga tributaacuteria eacute alta e os serviccedilos oferecidos pelo Estado natildeo satildeo de boa qualidade o
questionamento eacute inevitaacutevel
No Brasil haacute uma percepccedilatildeo negativa do retorno social e econocircmico da arrecadaccedilatildeo de impos-
tos ou seja de que pagamos muito imposto e recebemos em troca serviccedilos de baixa qualidade
Corroborando com o que foi exposto reportagem do jornal Folha de Satildeo Paulo publicada em
17052013 afirma que o Brasil eacute o campeatildeo da ldquodesigualdade horizontalrdquo isto eacute apresenta a maior
diferenccedila entre o que eacute cobrado a trabalhadores com a mesma renda apenas pelo regime fiscal esco-
lhido A contribuiccedilatildeo de um trabalhador brasileiro que paga o imposto Simples como pessoa juriacutedica eacute
de 38 do rendimento O percentual eacute quase dez vezes inferior ao pago por funcionaacuterio com carteira
assinada (347) Em outros paiacuteses da regiatildeo a diferenccedila chega a ser nula como no Chile ou de menos
de trecircs vezes como no Meacutexico
Esta percepccedilatildeo natildeo passou despercebida por Daacutevio Antonio Prado Zarzana (2010 p 11)
[] Natildeo haacute duacutevida que a carga tributaacuteria eacute muito alta em nosso paiacutes Grita-se contra ela e com razatildeo mas poucos perguntam por que razatildeo ela eacute tatildeo grande A resposta eacute simples essa carga eacute alta porque a despesa eacute alta notando-se que a despesa cor-rente tem crescido continuamente Dessa maneira deve-se voltar as baterias contra a despesa que eacute o alvo certo Enquanto a despesa for alta a carga tributaacuteria natildeo pode ser reduzida Pior ainda agrave despesa alta alia-se a ineficiecircncia da maacutequina admi-nistrativa puacuteblica na qual soacute haacute as exceccedilotildees de praxe E esta alta e improdutiva des-pesa inibe o investimento puacuteblico e tambeacutem o privado este por tabela em resultado da alta carga tributaacuteria
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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51 A regressividade da carga tributaacuteria no Brasil
Mais da metade da arrecadaccedilatildeo tributaacuteria no Brasil proveacutem de impostos indiretos e satildeo pagos
por toda a populaccedilatildeo O imposto indireto incide sobre o valor dos bens e mercadorias comercializa-
dos Este tipo de imposto acaba sendo cobrado nos preccedilos desses bens e serviccedilos Assim um cidadatildeo
de baixa renda que compra uma mercadoria paga o mesmo imposto que outro de renda mais alta
O imposto indireto eacute regressivo proporcionalmente agrave renda das famiacutelias Se as famiacutelias de me-
nor renda pagam o mesmo imposto que as de renda mais alta ao consumir um produto entatildeo em
termos do total da renda dessas famiacutelias esse tipo de imposto indireto incide desigualmente sobre a
populaccedilatildeo ndash e por isso eacute chamado de regressivo
6 ALGUMAS SUGESTOtildeES QUE VISAM A TORNAR A TRIBUTACcedilAtildeO MAIS JUSTA
Por tudo o que foi exposto cumpre aqui sugerir alguns pontos que podem resultar na praacutetica
de uma justiccedila fiscal
61 Desonerar a cesta baacutesica
Como vimos a regressividade da tributaccedilatildeo estaacute relacionada ao elevado peso dos tributos in-
diretos no total da carga tributaacuteria Famiacutelias com rendas diferentes acabam pagando igual valor em
tributos embutidos no preccedilo de um mesmo produto Desta forma percebe-se que uma forma de
atenuar este efeito regressivo seria fixar aliacutequotas mais baixas para itens essenciais reduzindo assim
o peso dos tributos para as famiacutelias de menor renda afinal elas gastam a maior parte do orccedilamento
com estes itens entre os quais estatildeo os componentes da cesta baacutesica
Portanto entende-se que a reduccedilatildeo da carga tributaacuteria sobre os preccedilos dos alimentos eacute uma
forma de amenizar a situaccedilatildeo de pobreza em que vivem muitos brasileiros e tornar mais justo o Siste-
ma Tributaacuterio Nacional
62 Tributar os bens supeacuterfluos considerados de luxo
Outra forma de atuar para reduzir a regressividade da tributaccedilatildeo seria aumentar as aliacutequotas
dos tributos que incidem sobre itens supeacuterfluos de luxo ou suntuosos Assim os efeitos de uma deso-
neraccedilatildeo da cesta baacutesica sobre a arrecadaccedilatildeo tributaacuteria seriam compensados ao menos parcialmente
pela maior incidecircncia tributaacuteria sobre bens supeacuterfluos natildeo essenciais
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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63 Potencializar a cobranccedila do Imposto de Transmissatildeo de Causa Mortis e Doaccedilotildees
O Imposto de Transmissatildeo de Causa Mortis e Doaccedilotildees (ITCD ou ITCMD) previsto na Consti-
tuiccedilatildeo Federal eacute de competecircncia dos Estados e do Distrito Federal e por esta razatildeo eacute regulamen-
tado pelas diferentes legislaccedilotildees estaduais Ele eacute devido por todas as pessoas fiacutesicas ou juriacutedicas
que receberem bens ou direitos como heranccedila doaccedilatildeo e diferenccedila de partilha e pelo donataacuterio
na transmissatildeo
A aliacutequota do ITCD varia conforme o tipo (doaccedilatildeo ou causa mortis) e o valor transmitido ou
doado atingindo o maacuteximo de 8 de acordo com a Resoluccedilatildeo nordm 9 de 1992 do Senado Federal que
tambeacutem autoriza a progressividade das aliacutequotas conforme o valor da heranccedila
Tornar o ITCD mais progressivo implicaria introduzir mais um elemento de justiccedila em nosso
sistema tributaacuterio Herdeiros com maior capacidade contributiva que recebem heranccedilas significativas
seriam tributados a uma aliacutequota maior do que aqueles que herdam pequenos patrimocircnios Aleacutem
disso possibilitaria tambeacutem elevar a arrecadaccedilatildeo deste imposto e por conseguinte a aplicaccedilatildeo deste
tributo em investimentos puacuteblicos estaduais que poderiam ser igualmente usados em benefiacutecio de
toda a sociedade
64 Aumentar os impostos sobre a propriedade da terra
O Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) previsto na Constituiccedilatildeo Federal eacute cobra-
do do proprietaacuterio de imoacutevel rural ou do titular de domiacutenio uacutetil ou possuidor a qualquer tiacutetulo O fato
gerador eacute a propriedade o domiacutenio uacutetil ou a posse de imoacutevel localizado fora da zona urbana Como
no caso anterior o Imposto Territorial Rural gera uma arrecadaccedilatildeo iacutenfima para os cofres puacuteblicos ape-
nas 007 da receita administrada pela Receita Federal do Brasil em 2012 e 004 da Carga Tributaacuteria
Brasileira em 2011
Insta salientar que o ITR eacute essencialmente um imposto direto incidente sobre o patrimocircnio
Uma revisatildeo da tributaccedilatildeo da propriedade rural propondo paracircmetros atualizados para a incidecircncia
do imposto as aliacutequotas e faixas de tributaccedilatildeo o valor da terra os diversos conceitos de aacuterea rural
(aproveitaacutevel utilizaacutevel tributaacutevel etc) contribuiria para elevar a progressividade prevista para este
tributo no paraacutegrafo 4ordm do artigo 153 da Constituiccedilatildeo Federal de forma a promover maior justiccedila tri-
butaacuteria com reduccedilatildeo de desigualdade social
65 Tributaccedilatildeo sobre a remessa de lucros
A remessa de lucros ao exterior das empresas estrangeiras natildeo eacute tributada o que resulta em um
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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benefiacutecio questionaacutevel No momento em que o Brasil eacute muito atraente para os capitais internacionais
esta medida estimula a remessa de lucros e natildeo o reinvestimento no proacuteprio paiacutes
Entre as mudanccedilas jaacute realizadas e que favorecem a renda do capital estaacute a isenccedilatildeo de imposto
de renda sobre a remessa de lucros e dividendos ao exterior com impacto econocircmico no balanccedilo de
pagamentos Eacute uma medida de atraccedilatildeo de capital estrangeiro ao paiacutes pois transmite maior seguranccedila
aos investidores quanto agrave remessa dos lucros e dividendos do capital aqui investido Entretanto eacute ne-
cessaacuteria uma reflexatildeo acerca do impacto sobre o saldo de transaccedilotildees correntes do Brasil
Portanto o fim da isenccedilatildeo de IR agrave distribuiccedilatildeo dos lucros e dividendos ao exterior eacute uma alte-
raccedilatildeo necessaacuteria na legislaccedilatildeo tributaacuteria e relevante para fins de justiccedila tributaacuteria no Brasil
66 Cobrar IPVA sobre embarcaccedilotildees e aeronaves
O Imposto sobre a Propriedade de Veiacuteculos Automotores (IPVA) eacute de competecircncia dos Estados
e do Distrito Federal e o fato gerador como o proacuteprio nome diz eacute a propriedade de veiacuteculo auto-
motor As aliacutequotas podem ser diferenciadas de acordo com o tipo de veiacuteculo e a utilizaccedilatildeo Cabe ao
Senado Federal fixar aliacutequotas miacutenimas sobre o valor venal do veiacuteculo
Apesar de tributar a propriedade de veiacuteculos automotores o IPVA natildeo eacute cobrado de quem
possui embarcaccedilotildees e aeronaves (barcos lanchas helicoacutepteros aviotildees etc) Cabe lembrar que o Brasil
eacute o paiacutes com a segunda maior frota de aviotildees executivos e o maior conjunto de helicoacutepteros urbanos
do mundo Os proprietaacuterios geralmente possuem renda ou patrimocircnio elevado e por isso capacidade
maior de contribuir para o financiamento do Estado No entanto isso natildeo acontece por falta de clareza
na legislaccedilatildeo o que levou o Supremo Tribunal Federal a natildeo reconhecer tal cobranccedila
Para que haja justiccedila tributaacuteria e harmonizaccedilatildeo das legislaccedilotildees estaduais eacute necessaacuterio que se
edite e aprove uma lei complementar regulamentando e normatizando nacionalmente o IPVA Esta
lei deve incluir aeronaves e embarcaccedilotildees no conceito de veiacuteculo automotor a fim de eliminar um dos
pontos mais controversos sobre este tributo e ao mesmo tempo contribuir para a promoccedilatildeo de maior
justiccedila fiscal
A ediccedilatildeo de uma resoluccedilatildeo do Senado Federal cumprindo o mandado constitucional de definir
aliacutequotas miacutenimas certamente contribuiria para efeitos da referida harmonizaccedilatildeo
67 Instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas
Uma discussatildeo muito atual e com grande apelo na sociedade eacute a instituiccedilatildeo do Imposto sobre
Grandes Fortunas (IGF) no paiacutes de forma que se tenha alguma desconcentraccedilatildeo da riqueza e natildeo
apenas da renda
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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A tributaccedilatildeo sobre grandes fortunas estaacute prevista na Constituiccedilatildeo Federal (artigo 153 VII) e a
Uniatildeo por intermeacutedio do Congresso Nacional pode instituir este imposto definindo o que eacute grande
fortuna o fato gerador as aliacutequotas e a base de caacutelculo entre outros aspectos
A tributaccedilatildeo incidente sobre o patrimocircnio como o IGF opera como um instrumento de corre-
ccedilatildeo de distorccedilotildees distributivas Ao incidir sobre a renda estocada sob forma de bens e direitos este
imposto de fato recai mais sobre as maiores rendas que foram relativamente menos tributadas quando
destinadas ao consumo
68 A cobranccedila da contribuiccedilatildeo de melhoria
Como vimos neste estudo a contribuiccedilatildeo de melhoria eacute o tributo cuja obrigaccedilatildeo tem por fato
gerador uma situaccedilatildeo que representa um benefiacutecio especial auferido pelo contribuinte Assim de-
terminado oacutergatildeo puacuteblico (Uniatildeo Estados Distrito Federal e Municiacutepios) que constroacutei determinada
obra que acarrete valorizaccedilatildeo imobiliaacuteria ao patrimocircnio do particular deveraacute cobrar a contribuiccedilatildeo
de melhoria aos proprietaacuterios dos imoacuteveis (sujeito passivo) que se beneficiaram com a valorizaccedilatildeo
dos seus imoacuteveis Daiacute a justificaccedilatildeo do tributo pelo princiacutepio do enriquecimento sem causa peculiar
ao Direito Privado
Portanto se o Poder Puacuteblico embora agindo no interesse da coletividade emprega recursos
puacuteblicos em obras de grande envergadura que acarreta valorizaccedilatildeo dos imoacuteveis aiacute situados impotildee-se
que este em observacircncia aos princiacutepios de justiccedila e de moralidade restitua parte do benefiacutecio origi-
nado do dinheiro alheio
CONSIDERACcedilOtildeES FINAIS
Como vimos o Sistema Tributaacuterio Nacional eacute extremamente regressivo visto que tributa exor-
bitantemente aqueles possuidores de menor renda e isso se justifica em grande parte pela opccedilatildeo do
legislador em tributar primordialmente o consumo Assim agindo o Estado brasileiro natildeo concretiza o
princiacutepio constitucional da capacidade contributiva previsto no art 145 paraacutegrafo 1ordm da Carta Magna
o qual determina que o cidadatildeo deve ser tributado na medida de suas riquezas devendo portanto os
mais abastados contribuiacuterem em uma proporccedilatildeo maior
Desta forma o brasileiro espera uma reforma tributaacuteria que desempenhe quatro funccedilotildees baacute-
sicas o financiamento das atividades estatais a redistribuiccedilatildeo justa da renda a equalizaccedilatildeo das desi-
gualdades regionais e a justa reparticcedilatildeo das receitas entre os entes da federaccedilatildeo Afinal a verdadeira
reforma tributaacuteria seria aquela que implicasse reduccedilatildeo da carga tributaacuteria acompanhada de uma boa
dose de justiccedila fiscal
15 anos do Programa de Educaccedilatildeo Fiscal do Estado do Cearaacute
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Neste contexto a busca de um sistema tributaacuterio e fiscal mais justo deve arrecadar recur-
sos progressivamente segundo a capacidade contributiva de pessoas e empresas e gastaacute-los de
modo socialmente mais justo destinando maior parte para a parcela da populaccedilatildeo que mais de-
pende do gasto social
Por outro lado que venha com um sistema tributaacuterio mais progressivo que tribute diferente-
mente e de forma crescente as diferentes faixas de renda viabilizando maior distribuiccedilatildeo da renda
e da riqueza Aleacutem de representar maior justiccedila social estimularia fortemente o desenvolvimento
econocircmico Falar em progressividade da tributaccedilatildeo eacute tambeacutem considerar os aspectos de equidade
do sistema tributaacuterio
Por fim como epiacutetome de tudo o que foi discutido aqui bem como visando a perspectiva de
se concretizar uma melhor distribuiccedilatildeo de renda e objetivando alcanccedilar uma justiccedila fiscal enten-
de-se que a reforma tributaacuteria enseja as seguintes accedilotildees a) a adoccedilatildeo de medidas que simplifiquem
o sistema tributaacuterio b) a reduccedilatildeo da carga tributaacuteria sobre os produtos essenciais (cesta baacutesica) c)
regulamentaccedilatildeo do IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas) previsto no artigo 153 inciso VII da CF
d) Tributar os bens supeacuterfluos e de luxo e) potencializar a cobranccedila do Imposto de Transmissatildeo de
Causa Mortis e Doaccedilotildees f) Aumentar os impostos sobre a propriedade da terra g) Tributaccedilatildeo sobre
a remessa de lucros h) Cobrar IPVA sobre embarcaccedilotildees e aeronaves e i) efetivar a cobranccedila da con-
tribuiccedilatildeo de melhoria