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Arq Neuropsiquiatr 2006;64(2-A):326-328 1 Estudante de Medicina da Universidade Federal do Piauí, Teresina PI, Brasil (UFPI); 2 Infectologista, Professor Mestre do Departamento de Medicina Comunitária da UFPI;. 3 Neurologista, Professor Doutor do Departamento de Medicina Comunitária da UFPI. Recebido 29 Julho 2005, recebido na forma final 23 Novembro 2005. Aceito 24 Janeiro 2006. Dr. Marcus Sabry Azar Batista - Rua Olavo Bilac 1737 - 64001-280 Teresina PI - Brasil. E-mail: [email protected] NEUROCISTICERCOSE EM ZONA URBANA DO ESTADO DO PIAUÍ Relato de caso Alexandre Vitor Tapety e Silva do Rego Monteiro 1 , Antônio Norberto Campelo da Silva Júnior 1 , Daniel Amorim Leite 1 , Lucas Cronemberger Maia Mendes 1 , Marcelo de Assunção Cordeiro 1 , Rafael Ferreira Correia Lima 1 , Fernando Correia Lima 2 , Marcus Sabry Azar Batista 3 RESUMO - A neurocisticercose é grave problema de saúde pública que acomete predominantemente locais com condições sanitárias e de higiene precárias. O Piauí não faz parte do mapa da neuro c i s t i c e rcose no Brasil mas, como ilustra este estudo, apenas por falta de dados epidemiológicos. Demonstramos a presença desta patologia no Estado através do relato de caso de um homem de 39 anos, acompanhado por 17 meses. O diagnóstico foi realizado através de tomografia tomputadorizada de crânio (TC) e o paciente foi tratado com albendazol por 10 dias. Uma nova TC mostrou ausência de lesões. Ele precisou ser tratado novamente após recorrência do quadro clínico, ocorrida 6 meses após o primeiro tratamento, com posterior desaparecimento das novas lesões. PALAVRAS-CHAVE: cisticercose, neurocisticercose, epidemiologia. Neurocysticercosis in a State of Piauí urban area: case report ABSTRACT - Neuro c y s t i c e rcosis is a serious public health problem that predominately affects places with poor sanitary and hygiene conditions. The Piaui State is out of the neuro c y s t i c e rcosis map in Brazil but, as this study illustrates, it is just by lack of epidemiologic data. We demonstrate the presence of this pathology in the State of Piaui based on a case report of a 39 years old man, followed for 17 months. The diagnosis was made by CT scan and the patient was treated with albendazol for 10 days. A new CT scan show absence of lesions. He needed to be treated again after a re c u rrence of clinical manifestations, 6 months after the first treatment, with the disappearance of the new lesions. KEY WORDS: cysticercosis, neurocysticercosis, epidemiology. e de países industrializados que recebem imigrantes de áreas endêmicas 4 . Sabe-se que não menos de 20 milhões de indivíduos são infectados pelo complexo teníase/cisticercose a cada ano e estima-se que no mesmo período aproximadamente 50 mil destes morram 3,5 . No México, a neurocisticercose chega a ser a terceira indicação mais comum de neurocirur- gia 6 . No Brasil, não há estudos epidemiológicos de grande escala, de maneira que não é possível deter- minar a incidência e prevalência desta parasitose 7 . Apesar de, na prática clínica, tratarmos fre q ü e n t e- mente pacientes com neuro c i s t i c e rcose presumida, não há registros na literatura de casos nativos do Estado do Piauí 2,7 . A cisticercose é uma doença que re p resenta grave p roblema de saúde pública e se caracteriza pela pre- sença da forma larval da Taenia solium, Cysticercus celullosae, em diversos tecidos. Sua presença no sis- tema nervoso central (neuro c i s t i c e rcose) é objeto de maiores pesquisas devido a elevada morbidade e leta- lidade 1 . A neuro c i s t i c e rcose é a enfermidade parasitária mais freqüente no sistema nervoso central, sendo a causa mais comum de epilepsia de início tardio e de hidrocefalia em adultos no Brasil 2,3 . Apesar de ter dis- tribuição universal, é característica de regiões com p recárias condições sanitárias, a exemplo de vários países da América Latina, Ásia, África e Leste Europeu

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Arq Neuropsiquiatr 2006;64(2-A):326-328

1Estudante de Medicina da Universidade Federal do Piauí, Te resina PI, Brasil (UFPI); 2Infectologista, Professor Mestre do Depart a m e n t ode Medicina Comunitária da UFPI;. 3Neurologista, Professor Doutor do Departamento de Medicina Comunitária da UFPI.

Recebido 29 Julho 2005, recebido na forma final 23 Novembro 2005. Aceito 24 Janeiro 2006.

Dr. Marcus Sabry Azar Batista - Rua Olavo Bilac 1737 - 64001-280 Teresina PI - Brasil. E-mail: [email protected]

NEUROCISTICERCOSE EM ZONA URBANADO ESTADO DO PIAUÍ

Relato de caso

Alexandre Vitor Tapety e Silva do Rego Monteiro1,Antônio Norberto Campelo da Silva Júnior1, Daniel Amorim Leite1,Lucas Cronemberger Maia Mendes1, Marcelo de Assunção Cordeiro1,Rafael Ferreira Correia Lima1, Fernando Correia Lima2, Marcus Sabry Azar Batista3

RESUMO - A neuro c i s t i c e rcose é grave problema de saúde pública que acomete predominantemente locaiscom condições sanitárias e de higiene precárias. O Piauí não faz parte do mapa da neuro c i s t i c e rcose noBrasil mas, como ilustra este estudo, apenas por falta de dados epidemiológicos. Demonstramos a pre s e n ç adesta patologia no Estado através do relato de caso de um homem de 39 anos, acompanhado por 17 meses.O diagnóstico foi realizado através de tomografia tomputadorizada de crânio (TC) e o paciente foi tratadocom albendazol por 10 dias. Uma nova TC mostrou ausência de lesões. Ele precisou ser tratado novamenteapós re c o rrência do quadro clínico, ocorrida 6 meses após o primeiro tratamento, com posteriordesaparecimento das novas lesões.

PALAVRAS-CHAVE: cisticercose, neurocisticercose, epidemiologia.

Neurocysticercosis in a State of Piauí urban area: case report

ABSTRACT - Neuro c y s t i c e rcosis is a serious public health problem that predominately affects places withpoor sanitary and hygiene conditions. The Piaui State is out of the neuro c y s t i c e rcosis map in Brazil but, asthis study illustrates, it is just by lack of epidemiologic data. We demonstrate the presence of this pathologyin the State of Piaui based on a case report of a 39 years old man, followed for 17 months. The diagnosiswas made by CT scan and the patient was treated with albendazol for 10 days. A new CT scan show absenceof lesions. He needed to be treated again after a re c u rrence of clinical manifestations, 6 months after thefirst treatment, with the disappearance of the new lesions.

KEY WORDS: cysticercosis, neurocysticercosis, epidemiology.

e de países industrializados que recebem imigrantesde áreas endêmicas4. Sabe-se que não menos de 20milhões de indivíduos são infectados pelo complexot e n í a s e / c i s t i c e rcose a cada ano e estima-se que nomesmo período aproximadamente 50 mil destesm o rr a m3 , 5. No México, a neuro c i s t i c e rcose chega aser a terceira indicação mais comum de neuro c i ru r-g i a6. No Brasil, não há estudos epidemiológicos degrande escala, de maneira que não é possível deter-minar a incidência e prevalência desta parasitose7.Apesar de, na prática clínica, tratarmos fre q ü e n t e-mente pacientes com neuro c i s t i c e rcose pre s u m i d a ,não há re g i s t ros na literatura de casos nativos doEstado do Piauí2,7.

A cisticercose é uma doença que re p resenta gravep roblema de saúde pública e se caracteriza pela pre-sença da forma larval da Taenia solium, Cysticerc u scelullosae, em diversos tecidos. Sua presença no sis-tema nervoso central (neuro c i s t i c e rcose) é objeto dem a i o res pesquisas devido a elevada morbidade e leta-lidade1.

A neuro c i s t i c e rcose é a enfermidade parasitáriamais freqüente no sistema nervoso central, sendo acausa mais comum de epilepsia de início tardio e deh i d rocefalia em adultos no Brasil2 , 3. Apesar de ter dis-tribuição universal, é característica de regiões comp recárias condições sanitárias, a exemplo de váriospaíses da América Latina, Ásia, África e Leste Euro p e u

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O objetivo deste estudo é registrar a ocorr ê n c i ade neuro c i s t i c e rcose na área urbana de Te re s i n a ,capital do Piauí.

CASOHomem de 39 anos de idade, procedente do bairro Vi l a

Bandeirante, zona urbana de Te resina, Piauí. Pro c u ro uassistência médica com as queixas de vertigem, dificuldadepara falar, cefaléia e parestesias no membro inferior esquer-do. Hemograma, glicose, ácido úrico, lipidograma e cálciosérico mostraram-se normais; VDRL negativo; EEG norm a l .A tomografia computadorizada de crânio (TC) apre s e n t o umúltiplas lesões vesiculares, algumas com escólex visível,típicas de neuro c i s t i c e rcose (Fig 1A). O paciente re c e b e utratamento com albendazol (1200 mg por dia, por 10 dias)e prednisona (60 mg por dia por três dias, sendo re d u z i d opara 40 mg por dia, mantida durante o uso do albendazol).Nova TC mostrou a persistência de algumas vesículas (Fig1B). Foi repetido o tratamento com albendazol e pre d n i s o-na. Nova TC mostrou desaparecimento das lesões (Fig 1C).

Após seis meses, o paciente re t o rnou apresentando con-vulsões. Outra TC foi realizada demonstrando novas lesõessugestivas de neuro c i s t i c e rcose (Fig 1D). Apesar de esta TCnão mostrar cisticercos viáveis, optamos por novo tratamen-to com albendazol e prednisona em função da possibilidadede ser um caso de reinfestação, podendo haver até mesmolesões não demostradas à TC, e da impossibilidade econômi-

ca do paciente ser submetido à ressonância nuclear magné-tica de encéfalo; também foi iniciado o uso de carbamaze-pina 600 mg por dia. Uma TC de controle foi realizada nore t o rno do paciente 17 meses após, demonstrando o desa-parecimento das lesões.

DISCUSSÃO

O complexo teníase-cisticercose pode afetar o ho-mem de três formas: teníase intestinal, cisticerc o s esistêmica e neuro c i s t i c e rc o s e8. Esta última é a maisestudada, em vista da gravidade dos sintomas e deseus reflexos sócio-econômicos1. Trelles e Lazarte sub-dividiram as manifestações clínicas do acometimentoencefálico em 4 formas: epiléptica, hipertensiva, psí-quica e apoplética6. Sua evolução é muito variável:enquanto 15% dos casos são assintomáticos, outros15% evoluem para o óbito.

O diagnóstico da neuro c i s t i c e rcose é baseado naavaliação clínica, na epidemiologia, nos exames den e u roimagem e exame de líquido cefalorr a q u i d i a n o( L C R )5. No paciente em estudo não foi realizado exa-me de LCR, pela não disponibilidade das reações imu-nológicas para cisticercose no Piauí, à época da ocor-rência do caso. No entanto, segundo Del Brutto e co-

F i g 1. A) Primeira TC realizada pelo paciente, demonstrando lesões císticas hipodensas em ambos os hemisférios cerebrais e pre s e n ç ade escólex; B) Persistência de algumas lesões (hemisfério esquerdo), motivando novo tratamento; C) Ausência de lesões típicas den e u ro c i s t i c e rcose, após tratamento com albendazol; D) TC feita 6 meses depois da primeira, por recidiva do quadro clínico,demonstrado áreas de edema: provável re-infestação.

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l a b o r a d o res, uma TC evidenciando a presença delesões císticas mostrando o escólex – o que ocorre uno caso relatado – é suficiente para diagnóstico decerteza da neurocisticercose5.

Este caso ilustra não apenas a ocorrência de neu-ro c i s t i c e rcose mas também uma excelente re s p o s t aterapêutica. É provável que tenha havido re i n f e s t a ç ã odado o grande intervalo de tempo até o re s s u rg i m e n-to do quadro clínico, apesar de não ter sido possívelcom os métodos complementares disponíveis afirm a risto categoricamente, estando a degeneração císticade lesão prévia incluída no diagnóstico difere n c i a l .A contribuição do nosso estudo é incluir o Piauí nomapa da neuro c i s t i c e rcose do Brasil, alertando paraa necessidade de medidas visando o controle do com-plexo teníase-cisticercose.

São necessárias, como medidas curto prazo, o tra-tamento dos casos confirmados de teníase e, em re-giões endêmicas, o tratamento em massa da popula-ção; e, como medidas de longo prazo, que seja me-lhorada a higiene na suinocultura e na hort i c u l t u r ae, acima de tudo, que seja educada a populaçãoquanto ao ciclo de transmissão do complexo teníase-c i s t i c e rc o s e4. Além das medidas acima, é de suma im-portância acentuar a fiscalização da carne de porcoe verduras. A Vigilância Sanitária de Te resina não dis-põe de estudos sobre a real situação da inspeção dac a rne suína e quanto às verduras, ocorrem apenasanálises não contínuas de amostras suspeitas.

Apesar da falta de dados epidemiológicos pre c i s o sa c e rca da ocorrência de neuro c i s t i c e rcose no nord e s t eb r a s i l e i ro, alguns estudos têm sido desenvolvidos no

intuito de re v e rter tal situação9 - 1 2. O caso por nós re-latado demonstra a existência de neuro c i s t i c e rc o s ena área urbana da capital do Estado no Piauí, sendonecessários maiores estudos para avaliar sua incidên-cia e prevalência. To rnar a neuro c i s t i c e rcose uma do-ença de notificação compulsória, conforme sugeridopela OMS, seria um importante passo para o plane-jamento de medidas de controle7.

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