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ÍNDICE
I – Introdução .....................................................................................................3
II – Peculato
1 – Histórico ....................................................................................................4
2 – Conceito ....................................................................................................5
3 – Objetividade Jurídica .................................................................................9
4 – Sujeito ativo .............................................................................................11
5 – Sujeito Passivo ........................................................................................12
6 – Conduta: Pressuposto ..............................................................................14
7 – Elemento Objetivo ...................................................................................15
8 – Elemento Subjetivo .................................................................................21
9 – Objeto Material ........................................................................................23
10 – A conduta ..............................................................................................25
11 – Consumação e Tentativa .......................................................................25
12 – Distinção e Concurso .............................................................................27
13 - Extinção da Punibilidade e atenuação de pena ......................................34
2
III - Peculato-furto ..........................................................................................28
IV – Peculato-culposo .......................................................................................31
V – Peculato Mediante Erro de Outrem
1 – Conceito ........................................................................................................35
2 – Objetividade Jurídica ....................................................................................37
3 – Sujeitos do delito ..........................................................................................37
4 – Tipo Objetivo ................................................................................................38
5 – Tipo Subjetivo ..............................................................................................40
6 – Consumação e tentativa ................................................................................41
7 – Distinção .......................................................................................................42
VI – Conclusão ..................................................................................................43
3
INTRODUÇÃO
O presente trabalho destina-se a apresentar o crime de
peculato apresentando uma acurada pesquisa no que tange à sua objetividade
jurídica, sujeitos ativo e passivo, condutas que ensejam o delito, elementos
objetivo e subjetivo, consumação e tentativa, e outros aspectos importantes para
bem definir o tema abordado.
Outossim, fez-se necessária a pesquisa das subdivisões do
crime de peculato: peculato-apropriação, peculato-desvio, peculato-furto,
peculato-culposo, peculato mediante erro de outrem.
Para a elaboração do trabalho, foi fundamental a pesquisa em
doutrinas que envolvem toda produção de estudos e obras nos quais são
encontradas opiniões de juristas sobre o presente tema . Ademais, foi pesquisada
a legislação inerente ao crime de peculato, bem como jurisprudências que tratam
de recentes julgados sobre o tema em análise; com isso, a pesquisa apresenta-se
atualizada.
4
PECULATO
Histórico
O crime de peculato já era conhecido no Direito Romano,
onde a subtração de coisas do Estado era reprimida como peculatus ou
depeculatos. Daí o nome peculatus derivado de pecus – gado - que foi meio de
troca ou permuta nas sociedades primitivas sendo, aliás, as primeiras moedas
feitas de pele de animal, trazendo depois as de metal, a imagem de um boi.1
O Direito Romano promoveu o peculato a crime autônomo
não em razão da qualidade do sujeito agente, que poderia ser funcionário
público ou particular. Mas pela condição da coisa desviada ou subtraída, coisa
pública (“res publicae”) ou sagrada (“res sacrae”).2
As penas aplicadas eram severas, o estatuto de Florença
chegava a ordenar que aquele que fugisse com o dinheiro do erário público fosse
amarrado à cauda de um burro e arrastado pelas ruas da cidade.3
1 Costa Jr., Paulo José – Comentários ao Código Penal, Vol. 03.2 Ibid.3 Ibid.
5
Conceito
Peculato é um crime contra a administração pública que está
tipificado nos artigos 312 e 313 do Código Penal, inserido nos crimes praticados
por funcionário público contra a administração geral.
Art. 312 – “Apropriar-se o funcionário público de dinheiro,
valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de quem tem a posse
em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio”:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.
Parágrafo 1° - Aplica-se a mesma pena, se o funcionário
público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou
concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio valendo-se de
facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.
Parágrafo 2° - Se o funcionário concorre culposamente para
o crime de outrem:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.
Parágrafo 3° - No caso do parágrafo anterior, a reparação
do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade, se lhe é
posterior, reduz de metade a pena imposta. ’’
Art. 313 – “Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade
que, no exercício do cargo, recebeu por erro de outrem:
6
Pena – reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa”.
O peculato é um crime que só pode ser praticado de forma
direta por funcionário público, por isso é um crime funcional impróprio.
Excluindo-se a qualidade de funcionário público, haverá outro crime. Por
exemplo: se ficar provado que a pessoa não é funcionário público, desclassifica-
se o peculato, passando o crime a ser classificado como furto ou apropriação
indébita.
O funcionário público é denominado ’’intraneus’’.
O não funcionário público é denominado “extraneus”.
O conceito de funcionário público é estabelecido no artigo
327 do Código Penal, que reza: “Considera-se funcionário público, para os
efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce
cargo, emprego ou função pública”.
Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo,
emprego, ou função em entidade paraestatal.
Tal conceito está, entretanto, longe de ser pacífico. De modo
geral, pode-se dizer que o conceito é tomado em sentido amplo ou restrito.
Neste, o funcionário é aquele que exerce um poder de império, autoridade ou
discricionário, por menor que seja. Em sentido amplo, o conceito está fugindo
ao de função pública, isto é, à atividade exercida pelo Estado, para consecução
de seus fins.
7
Para os efeitos penais, nosso diploma considera funcionário
público não apenas esse, mas também o que exerce emprego público (como o
contratado, o diarista etc.), ou, de qualquer modo, uma função pública. Pode-se
dizer então, que o conceito advém desta, embora o Código lhe haja dado maior
extensão do que a do Direito Administrativo. Para este, pois, são funcionários
públicos, tanto o Presidente da República, do Congresso, ou do Supremo
Tribunal, como o contínuo da repartição.
Mais amplo ainda, o Código tornou o conceito com a
equiparação. Têm-se em vista, aqui, órgãos descentralizados da administração
pública, dotados de personalidade jurídica toda própria: refere-se a lei às
autarquias.
Tendo em vista o art. 312 do Código Penal, podemos dizer
que, sinteticamente, peculato é a apropriação, desvio ou subtração de coisa
móvel pública ou particular, praticado pelo funcionário público, em razão de seu
cargo ou valendo-se dessa qualidade. Sendo assim, o peculato se subdivide em:
-Peculato-apropriação (art.312, ’’caput’’, 1 ° parte);
-Peculato-desvio (art. 312, ’’caput’’, 2 ° parte);
-Peculato-furto (art. 312, parágrafo 1°);
-Peculato culposo (art. 312, parágrafo 2°);
-Peculato mediante erro de outrem (art. 313).
8
Peculato segundo o art.312, caput, é definido como o fato de
“apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem
móvel, público ou particular, de quem tem a posse em razão do cargo, ou
desviá-lo em proveito próprio ou alheio.’’
À primeira vista este crime poderá apresentar-se como
apropriação indébita praticada pelo funcionário público ’’ ratione officii’’.
“Não basta para a configuração do peculato que o agente
que se apropriou do dinheiro seja funcionário público. É mister que a
denúncia esclareça a que título lhe foi o dinheiro confiado, se ratione officii ou
contemplatione officii, distinção essa fundamental para a exata definição do
delito” (TJSP – RHC – Rel. Chiaradia Netto – RT 369/52).4
Entretanto, entre apropriação indébita e o peculato há uma
diferença estrutural que provém:
a) da qualidade do sujeito ativo;
b) do titulo da posse, que no peculato deve ser relacionado ao
cargo ou serviço, e na apropriação indébita poderá ser de qualquer natureza;
c) da pluralidade de condutas previstas no peculato.
4 Franco, Alberto Silva – Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial – Vol. 1 – Tomo II
9
Assim, este pode ser considerado como uma modalidade
especial de apropriação indébita cometida por funcionário público. É o delito do
sujeito que arbitrariamente faz sua ou desvia, em proveito próprio ou de terceiro,
a coisa móvel que possui em razão do cargo, seja ela pertencente ao Estado ou a
particular, ou esteja sob sua guarda ou vigilância.
“Para a configuração do peculato é indiferente tenha, ou
não, o acusado tirado vantagem do crime. Basta o desvio do bem público em
proveito próprio ou alheio”(TJSP – AC – Rel. Humberto da Nova – RT
395/81).5
Objetividade Jurídica
O peculato pluriofensivo: ofende tanto o interesse em que não
seja mudado o destino da “ res mobile’’, como o interesse em que o funcionário
público não abuse de sua função, para beneficiar-se a si mesmo ou terceiros.
Tem em vista a lei a probidade administrativa, tutelando-se a
administração pública no que tange ao patrimônio público e o interesse
patrimonial do Estado, ainda que de bens particulares. A maior relevância,
porém, não é tanto a defesa dos bens da administração, mas o interesse do
5 Ibid.
10
Estado, genericamente vista, no sentido de zelar pela probidade e fidelidade da
administração. O dano, mais do que material, é moral e político.
O interesse prevalente, não obstante, é o da modalidade
administrativa, sem a qual é impossível o desenvolvimento normal da atividade
do Estado.
Como na apropriação indébita, o delito, na modalidade do
artigo, tem como pressuposto material a posse da coisa pelo agente. Deve o
dinheiro, o valor ou o bem móvel achar-se na posse do funcionário.6
Ao contrário do que fez no art. 168, o legislador não se
referiu à detenção, que difere da posse.
Vale, entretanto, ao Código que com a capitulação do
peculato-furto se a detenção não se prestar ao tipo fundamental do artigo dará
lugar à figura do parágrafo 1°.
Não há distinção da posse. A indireta, ou exercida por
intermédio de outra pessoa, configura igualmente o delito. Por exemplo, o chefe
da repartição onde se guardam valores.
A lei deixa bem claro que a posse deve ser em razão do
cargo: é necessário que haja relação de causa e efeito entre a posse e este. Deve
ela ser lícita, isto é, provir de lei, regulamento, ou do costume, não interditado
ou colidente com a lei.
6 Magalhães, Noronha – Direito Penal, Vol. 04
11
Assim, protege-se a Administração Pública no que diz
respeito ao interesse patrimonial, moral e político.
Sujeito Ativo
Sujeito ativo do crime do peculato é o funcionário público,
previsto no artigo 327. Porém, havendo concurso de agentes, diante do que
dispõe o artigo 30, trata-se de circunstância elementar do crime. Desconhecendo
o particular a condição de funcionário do agente não responderá por peculato,
mas por outro ilícito. No caso, o dolo do co-autor ou partícipe não abrange
aquele circunstância elementar.
É irrelevante que o funcionário tenha prestado compromisso
ou tomado posse ou que sua admissão tenha sido irregular. Somente aquele que
ocupe o cargo arbitrariamente não responde por esse delito mas pelo crime
previsto no artigo 328 além de eventual furto ou estelionato.
“Não é funcionário público apenas aquele que percebe
estipêndios dos cofres do Estado, mas todo aquele que exerça uma função
pública, seja esta de império, de gestão, ou simplesmente técnica. Não se pode
negar, pois, que o serventuário de Cartório, ainda que não oficializado, exerce
12
função pública, função que visa diretamente a uma necessidade e mesmo uma
conveniência pública (TJSP – AC – Rel. Weiss de Andrade – RT 461/333).7
“Escrevente habilitado de cartório não oficializado – que se
apropriou de importâncias que lhe foram confiadas em razão de ofício – Sua
condição de funcionário público – Irrelevância do fato de haver devolvido,
posteriormente, o “quantum” apropriado – Condenação – Apelação provida –
Voto vencido – Inteligência do art. 312 do CP – “A utilização, ainda que
temporária, para proveito próprio, de dinheiro público de que se tem a guarda
bem como o empréstimo, a si mesmo ou a outrem, são fatos que configuram o
crime de peculato”(TJSP – AC – Rel. Camargo Sampaio – RT 533/314). 8
Sujeito Passivo
Sujeito passivo do crime é o Estado, pois se trata de crime
contra a administração pública. Diante do conceito abrangente da expressão,
7 Franco, Alberto Silva – Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial – Vol. 1 – Tomo II
8 Ibid.
13
além da União, Estados e Municípios, podem ser vítimas as autarquias e as
entidades paraestatais (empresas públicas, sociedades de economia mista etc.),
diante da equiparação prevista pelo artigo 327, como já foi acentuado. O artigo
552 da CLT, com a redação que lhe deu o Decreto-lei 925, de 10-10-69,
equiparou ao crime de peculato os praticados em detrimento de patrimônio das
associações sindicais, até então assimilados aos delitos contra a economia
popular.9
“A apropriação de quantia pelo presidente de associação ou
entidade sindical, em razão de função, recebida para pagamento a associados
por força de acordo em reclamação trabalhista, configura o delito de peculato
(CP, art. 312, e CLT, art. 552)” (STF – HC – Rel. Leitão de Abreu – RT
520/520).
No mesmo sentido: RT 520/46110
“O crime de peculato é contra a Administração Púbica e
não contra o patrimônio. O dano, na espécie, necessário e suficiente para a
sua integração, é o inerente à violação do dever de fidelidade para a mesma
administração. E o animus restituendi é irrelevante para o peculato doloso,
9 Mirabete, Julio Fabbrini – Manual de Direito Penal – Vol. 0310 Franco, Alberto Silva – Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial – Vol. 1 – Tomo II
14
influindo a reposição tão-somente nos casos de apropriação indébita e de
peculato culposo” (TJSP – AC – Rel. Felizardo Calil – RJTJSP 68/405).11
Sujeito passivo é ainda o particular proprietário do bem
apropriado ou desviado que se encontrava na posse, guarda ou custódia da
administração (peculato-malversação).
Quanto ao sujeito passivo eventual, convém distinguir: se no
caso o objeto material for de natureza pública, sujeito passivo será o Estado ou
outra entidade de direito público. Cuidando-se de bem particular, o sujeito
passivo será o proprietário ou possuidor.
Quanto à entidade paraestatal, sendo desmembramento da
administração pública, quando patrimonialmente lesada pelos seus funcionários,
surge como sujeito passivo do peculato.
Conduta: Pressuposto
Pressuposto do fato é que o sujeito agente tenha a posse
legítima da coisa móvel (dinheiro, valor ou qualquer outro bem). Se o sujeito
11 Ibid.
15
ativo do delito não tiver a posse, o crime praticado será o de peculato-furto
(art.312, parágrafo 1°), ou o do furto (art.155).
No Direito Penal, a posse deve ser entendida de acordo com a
concepção autonomista, segundo a qual o poder de gozar e dispor da coisa far-
se-á por meio de pessoas físicas, às quais são conferidos poderes jurídicos.12
Tais poderes são atribuídos em razão do exercício da posse por parte do ente, ou,
na falta deste, por parte do próprio sujeito em suas vestes publicistas. Assim a
posse deve ser entendida em sentido amplo, compreendendo o poder de
disposição direta sobre a coisa, ou a disponibilidade jurídica, que consiste na
disponibilidade facultada legalmente ao agente pelo cargo que desempenha, sem
detenção material.
A lei penal se refere à “posse em razão do cargo’’ e não “em
razão do exercício de função pública’’, como anota Hungria. Assim, se confiar a
um amigo, que é fiscal do Imposto de Renda, uma soma para saldar um débito,
apropriando-se ele da quantia, não há peculato, mas apropriação indébita.
Elemento Objetivo
12 Costa Jr., José da Costa – Comentários ao Código Penal - Vol. 3
16
No peculato próprio, definido no “caput’ ’ do artigo, as
condutas típicas constituem-se em apropriação ou desvio. Na primeira hipótese,
como ocorre com o crime de apropriação indébita, o agente se dispõe a fazer sua
a coisa de que tem a posse, é o ato pelo qual se inverte a posse em situação
idêntica a do domínio, atuando o agente como se dono fosse. Pressuposto
material do crime é, portanto, a situação de posse. Quanto á conceituação de
posse, segundo Fragoso: “A posse deve ser entendida em sentido amplo,
compreendendo não se o poder material de disposição sobre a coisa, como
também a chamada, disponibilidade jurídica, isto é, a possibilidade de livre
disposição que ao agente faculta (legalmente) o cargo que desempenha.
Nesse sentido é perfeita a lição de Antolísei, quando afirma
que a posse consiste na disponibilidade de dispor, fora da esfera de vigilância de
outrem, de coisa, seja em virtude de uma situação de fato, seja em conseqüência
da função jurídica desempenhada pelo agente no âmbito da administração. Tem,
assim, a posse, o funcionário a quem incube receber, guardar ou conferir a coisa,
como também seu chefe e superior hierárquico, que dela pode dispor mediante
ordens ou requisições.’’ Abrange o termo, portanto, a detenção (guarda,
depósito, arrecadação, administração, exação, custodia etc.). Deve-se tratar de
posse lícita, ou seja, que a entrega da coisa resulte de mandamento legal,
regulamento ou, pelo menos, de inveterada praxe, não proibida por lei
indispensável, também, que a posse exista em função do cargo (ratione oficii),
17
estabelecendo-se, assim, uma relação de causa e efeito, expressiva de confiança,
não só da que é necessariamente estabelecida por lei, como a resultante de ato
facultativo, da vontade de quem entrega, quando tal seja permitido ou tolerado
pela administração.
Quando a entrega da coisa ao sujeito ativo for viciada por
fraude, erro ou violência, não ocorrerá a posse lícita e, portanto, não existirá o
estelionato mas outro delito, como o peculato mediante erro de outrem, a
conclusão, o roubo.
Não advindo a entrega em razão do cargo, pode ocorrer a
apropriação indébita. No agente que não tinha a posse exclusiva da coisa, haverá
subtração e, portanto, o crime do artigo 312, § 3.
O objeto material do crime pode ser dinheiro, valor ou
qualquer bem móvel, público ou particular.Dinheiro é moeda corrente, coisa
fungível. Valor, no sentido legal, é título, documento ou efeito que representa
dinheiro ou mercadorias (títulos da dívida pública, apólices, conhecimentos de
gêneros, letra de câmbio, vale postal, letras do tesouro etc). Refere-se a lei,
genericamente, a qualquer bem móvel, cujo conceito já foi exposto
anteriormente, abrangendo a energia elétrica.
Pratica peculato, por exemplo, o policial ou carcereiro que se
apropria de bens do preso. Não estando a coisa sob guarda e responsabilidade da
Administração Pública não ocorre o crime, mas outro, como no caso de policial
18
que subtraiu toca-fita de automóvel que perseguira e fora abandonado pelo
motorista.
“Comete o crime de peculato o policial que, em serviço de
carceragem, se apropria de dinheiro e objetos do preso cuja guarda lhe foi
confiada, desviando-os em proveito próprio” (TJPR – AC – Rel. Lima Lopes –
RT 512/427).13
É indispensável que a conduta recaia sobre coisa corpórea,
não constituindo o crime o uso de mão-de-obra ou de serviços.
“Peculato é a apropriação ou desvio, em proveito próprio ou
alheio, de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público, ou
particular, de que o funcionário tem a posse em razão de seu cargo. Coisa
muito diversa é o uso de mão-de-obra ou de serviços da Administração
Pública, conduta não abrangida pelo disposto no art. 312 ou em seu § 1º do
CP” (TJSP – HC – Rel. Djalma Lofrano – RT 506/326-327).14
13 Franco, Alberto Silva – Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial – Vol. 1 – Tomo II14 Ibid.
19
A segunda hipótese de peculato próprio é o de desviar a
coisa. Desviar é mudar de direção, alterar o destino ou a aplicação, deslocar,
desencaminhar. O agente dá à coisa destinação diversa da exigida, em proveito
próprio ou de outrem. Noronha diz que ao invés de destino certo e determinado
do bem de quem tem a posse, o agente lhe dá outro, no interesse próprio ou de
terceiro. “Na doutrina encontra-se como exemplo o empréstimo, pelo
funcionário, de dinheiro de quem tem a guarda”. Na jurisprudência considerou-
se a ocorrência do peculado-desvio na conduta do coletor que empregou
dinheiro público em fim diverso daquele para o qual lhe fora confiado e do
policial que apreendeu o dinheiro do crime e dele se apropriou, desviando,
assim, em proveito próprio aquilo que detinha em nome da Administração
Pública.
“Comete peculato o policial que, no cumprimento do seu
dever funcional, apreende o dinheiro do crime e dele se apropria, desviando,
assim, em proveito próprio aquilo que detinha em nome da Administração
Pública” (TJSP – AC – Rel. Mendes Pereira – RT 503/310).15
Comete peculato-desvio o funcionário que, conscientemente,
efetua pagamentos pela administração por serviço não efetuado ou por
15 Ibid.
20
mercadoria não recebida ou a maior, ainda que em benefício apenas do
pseudoprestador de serviço ao fornecedor.
Quando o desvio de verba se verifica em favor do próprio
ente público, com utilização diversa da prevista na sua destinação e em
desacordo com as determinações legais, o que ocorre é o emprego irregular da
verba (art. 315), e não o peculato.
O proveito a que se refere a lei no caso do peculato tarifo
pode ser tanto material como moral, auferindo o agente outra vantagem que não
de natureza econômica. Em se tratando de peculato-desvio não é necessário que
o agente obtenha vantagem, bastando para o seu aperfeiçoamento o desvio do
bem público.
Não prevê a lei penal o denominado peculato de uso. Para
falar-se, porém, em peculato de uso impunível é necessário que se trate de coisa
infungível, pois a utilização do dinheiro público, ainda que ocorra a intenção de
restituir, configura o crime de peculato. Portanto, é pacifico que o USO de
máquinas e veículos não constitui o crime, mas acertadamente se tem concluído
pela condenação pelo consumo do combustível utilizado. Também não se
caracteriza o crime no desvio de mão-de-obra pública, porque não se configuram
nem o peculato-apropriação, nem o peculato-desvio.
21
O Decreto-lei n° 201, de 27-2-1967 prevê um caso especial
de peculato de uso como crime de responsabilidade de Prefeitos Municipais na
utilização indevida de bens, rendas ou serviços públicos.
Não exclui a responsabilidade penal o fato de ter sido o
agente inocentado por órgão administrativo do poder Executivo ou Judiciário
quando do procedimento necessário ao afastamento do cargo.
Elemento Subjetivo
O dolo do crime de peculato é a vontade de transformar a
posse em domínio, como ocorre com o delito de apropriação indébita. Quanto ao
peculato de apropriação, diz-se que basta a vontade referida a esta, que
pressupõe, conceitualmente, o animus rem sibi habendi, ou seja, a intenção
definitiva de não restituir a res. No peculato-desvio é necessário o elemento
subjetivo do tipo que consiste na finalidade de obter proveito próprio ou para
terceiro.
“Indispensável para a integração do delito definido no art.
312 do CP é o dolo do agente. Segundo o entendimento dominante na
22
doutrina, o dolo é genérico no peculato por apropriação e específico no
peculato por desvio” (TJSP – AC – Rel. Cunha Camargo – RT 412/99).16
Na jurisprudência, embora se tenha por configurado o crime
com o dolo genérico, tem-se entendido, muitas vezes, que a ausência do
elemento subjetivo do peculato afasta a configuração do crime. Nesse sentido:
“A ausência do elemento subjetivo do peculato, o animus
rem sibi habendi , afasta a configuração do delito” (TJSP – Rev. – Rel. Acácio
Rebouças – RT 487/304)17.
“Não se encontrando na atuação do acusado o dolo q ue
caracteriza o peculato-apropriação e que pressupõe, conceitualmente, o
animus rem sibi habendi, ou seja, a intenção definitiva de não restituir a coisa
e a obtenção de proveito próprio ou alheio, não há falar no delito do art. 312
do Código Penal” (TJSP – Rev. – Rel. Felizardo Calil – RT 441/373)18
16 Ibid.17 Ibid.18 Ibid.
23
No peculato-desvio em favor de terceiro, é indispensável o
elemento do tipo, qual seja, a vontade de desviar o bem de forma que o terceiro
tenha proveito desse desvio.
Para autores causalistas, tipo subjetivo do crime de peculato-
apropriação é dolo genérico. Consiste ele na vontade consciente e livre, voltada
à apropriação de dinheiro, valor ou qualquer bem móvel, de que se tem posse em
razão do cargo.
No peculato-desvio, faz-se necessária a presença não só do
dolo genérico, mas também do específico. O primeiro consiste na vontade
consciente e livre de empregar o bem móvel em fim diverso daquele que era
destinado. O segundo é representado pela intenção de proveito, excluído o
“ animus” de assenhorar-se da coisa.
Na apropriação indébita, a intenção de restituir a coisa
apropriada impede o aperfeiçoamento da figura criminosa. No peculato, ao
contrário, semelhante intenção de devolver a “ res” não tem o mesmo efeito.
Objeto Material
Objeto material da conduta é o dinheiro (moeda circulante no
País), valor (qualquer título, papel de crédito ou documento negociável, como
24
apólices) ou qualquer outro bem móvel que é toda coisa passível de ser
apreendida e removida de um lugar para o outro (“de loco ad locum’’).
“O peculato se efetiva com a apropriação sine jure de
dinheiro, valor ou outra coisa móvel, de que tem a posse o funcionário
público, procedendo com abuso do cargo ou infidelidade a este” (TJSP – AC –
Rel. Camargo Sampaio – RT 520/353).19
A lei não distingue entre o dinheiro nacional e o estrangeiro.
Poderá configurar-se o peculato por parte daquele funcionário do Banco do
Brasil que se apropriar de dólares que tenha recebido, para trocar em reais. Se
tratar-se de dinheiro que já saiu de circulação, não se apresenta o peculato,
podendo caracterizar-se o furto, ou a apropriação indébita.20
Pratica peculato o funcionário que se apropria do dinheiro
público de que tem a posse, ainda que o faça temporariamente, disposto a repô-
lo logo mais, ou seja, despojado do “ animus rem sibi habendi”’ (vontade de
reter a coisa como se fosse dele). A devolução ulterior do dinheiro não elimina o
crime, pois há sempre um desvio.
19 Ibid.20 Costa Jr., Paulo José – Comentários ao Código Penal, Vol. 03
25
A Conduta
Peculato próprio, é o previsto no art. 312, ’’caput’’, do
Código Penal Pátrio, e neste caso a conduta pode se perfazer de dois modos:
mediante apropriação ou desvio21.
Apropriar-se é assenhorar-se da coisa móvel, passando dela a
dispor como se fosse sua, usufruindo-a como se fosse seu senhor (“uti
dominus”), em proveito próprio ou alheio.
Desviar é dar à coisa destinação diversa daquela em razão da
qual foi ela entregue ou confiada ao agente. Se o desvio se fizer em beneficio da
própria administração, não haverá peculato, mas desvio de verba.
Consumação e Tentativa
Consuma-se o peculato quando ocorre, na primeira hipótese,
a apropriação, ou seja, quando o funcionário público torna seu o dinheiro, valor
ou bem móvel de que tem a posse em razão do cargo.
Tem-se entendido que o peculato é um crime de dano e
conseqüentemente se consuma com este, que existe sempre na apropriação ou
no desvio, seja pela diminuição efetiva do patrimônio da administração, seja
21 Ibid.
26
pela falta de acréscimo ou aumento devido. Exigir-se-ia, assim, um dano
patrimonial efetivo. Afirma-se na doutrina ocorrer a consumação do delito ainda
que haja caução ou fiança do peculatário, pois elas se destinam justamente à
indenização do dano causado. De qualquer forma, pouco importa que o agente
tenha obtido a vantagem do crime e não é necessário que se fixe o montante dos
valores assenhoreados ou extraviados.
Não se exige, salvo nos casos excepcionais, o exame pericial
para a comprovação do peculato, máxime quando está ele demonstrado por
documentos.
O ressarcimento do dano ou a restituição da coisa apropriada,
em se tratando de peculato doloso, não exclui o delito, podendo apenas influir na
aplicação da pena. A reparação do dano anterior ao recebimento da denúncia
agora é causa de diminuição de pena, nos termos do artigo 16 do Código Penal.
É admissível a tentativa de peculato, citando Noronha a
hipótese do tesoureiro ou caixa da repartição que é detido ao sair desta portando
dinheiro que devia ter ficado no cofre.
Consuma-se o crime com a efetividade concreta da
apropriação ou do desvio, realizando-se este quando o funcionário dá à coisa
destino diverso daquele para o qual foi ela entregue, sendo irrelevante a intenção
de restituir a coisa.
27
Indispensável, todavia, que a apropriação ou desvio de bens,
verbas ou rendas públicas se façam em proveito próprio ou alheio. Se o desvio
de verbas realizar-se em proveito da própria administração, ter-se-á como
aperfeiçoado o delito previsto no art. 315 do Código Penal.
Necessário ainda à consumação, é o dano patrimonial efetivo.
Sendo o ’’ iter criminis’’ fracionável, é admissível a tentativa,
embora um tanto rara.
“Admite-se a tentativa de peculato, capitulado no § 1º, do
art. 312 do CP, quando perfeitamente caracterizado o fracionamento do iter
criminis”(TJSC – AC – Rel. Ivo Sell – RT 527/401).22
Distinção e Concurso
Tratando-se de Prefeito Municipal o peculato é previsto
também como crime de responsabilidade no artigo 1º do Decreto-lei n°201, de
27-2-1967. Em se tratando de militar, o crime é previsto no artigo 303 do
Código Penal Militar. Ocorrendo falsidade ideológica ou material que constitui
apenas o elemento essencial e indispensável à prática do desfalque, é ela
22 Franco, Alberto Silva – Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial – Vol. 1 – Tomo II
28
absorvida pelo peculato. Já decidiu o STF, porém, pela existência de concurso
formal entre peculato e falsidade, e o TJSP pelo concurso material. Comete o
crime de peculato, absorvendo este a violação de correspondência o funcionário
dos Correios que viola mala de correspondência dela retirando o dinheiro
remetido. É possível a continuidade delitiva no peculato.23
PECULATO FURTO
A hipótese de peculato-furto está prevista no art. 312,
parágrafo 1°. Nela, o agente não tem a posse da coisa móvel, pública ou
particular. Valendo-se da condição de funcionário, vem a subtrair a ‘’ res
mobile’’.
“Configura-se a hipótese do art. 312, § 1º, do CP, quando o
agente se apropria de dinheiro ou valor do erário público, em proveito próprio,
valendo-se da sua qualidade de funcionário. Impossibilidade de
desclassificação para o delito de furto” (TFR – AC – Rel. Adhemar Raymundo
– DJU 15.10.81, p. 10.250).24
23 Mirabete, Julio Fabbrini – Manual do Direito Penal, Vol. 0324 Franco, Alberto Silva – Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial – Vol. 1 – Tomo II
29
O núcleo do tipo é o verbo subtrair e a condição de
funcionário público é a ocasião que enseja o ato. Se o funcionário não se valer
de sua condição para subtrair a coisa, mas arrombar a repartição altas horas da
madrugada, estará praticando o crime de furto qualificado, jamais o de peculato.
Nesse crime a lei prevê duas modalidades de conduta, uma
delas ocorre quando o próprio funcionário executa a subtração, e a outra quando
a subtração é realizada por terceiro, que poderá ser um ‘’ extraneus’’, deixando,
por exemplo, a porta da repartição encostada, sem chave.25
Consuma-se o crime quando a coisa sai da posse do ofendido,
passando para a do agente. É configurável a tentativa.
O dolo, para os causalistas, é genérico, pois consiste na
vontade consciente e livre de subtrair a coisa móvel, pública ou particular,
ciente da ilicitude do ato.
Na mesma classificação doutrinária acima, há, também, o
dolo específico, representado pela locução normativa “em proveito próprio ou
alheio”, que é a intenção de realizar o lucro (“ animus lucri faciendi”).
O peculato impróprio, também denominado na doutrina de
peculato-furto, está previsto no art. 312, § 1°, com a seguinte redação: “Aplica-
se a mesma pena (do peculato próprio), se o funcionário público, embora não
tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja
25 Costa Jr., Paulo José – Comentários ao Código Penal, Vol. 03
30
subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe
proporciona a qualidade de funcionário’’.
A conduta típica não é mais de apropriação e sim de
subtração (furto). O sujeito ativo não tem a posse da res ,nem o crime ocorre em
virtude de sua função, mas aproveita-se ele da facilidade que a condição de
funcionário lhe concede para praticar a conduta.
Essa qualidade não é causa do resultado, mas se revela em
ocasião para a sua ocorrência. Ausente a facilidade criada pelo exercício do
cargo e função, não ocorre o peculato, e sim simples furto.
Não basta também a condição de funcionário ou que tenha se
valido das facilidades para perpetrar a subtração; é necessário que a coisa seja
pública ou que, sendo particular, esteja sob guarda da administração pública.
Como já dito anteriormente, duas são as hipóteses previstas
no artigo. Na primeira, o funcionário subtrai a coisa nas condições já citadas.
Citam-se como exemplos: o funcionário que subtrai dinheiro do cofre da
repartição em que trabalha por encontrar a porta aberta; o policial que subtrai
peças de uma motocicleta e que arrecadara em razão das suas funções; o policial
que subtrai cheque assinado pela vítima de crime ao proceder investigações para
apurá-lo, o policial subtrai cédulas do porta-notas de uma pessoa na qual se dava
uma busca pessoal. Nos dois últimos casos, porém, não se pode afirmar que a
coisa estava sob guarda ou custódia da administração, ocorrendo apenas furto.
31
Na segunda hipótese, o funcionário apenas concorre
conscientemente para a subtração praticada por um terceiro, como no exemplo
de Noronha, de distrair o caixa ou pagador da repartição para que outrem se
aposse do dinheiro. O terceiro, ainda que não funcionário público, responde por
peculato diante do disposto no artigo 30 do Código Penal.
Não se consumando a subtração, responde o terceiro pela
tentativa de peculato-furto.
Admite-se a tentativa de peculato-furto quando perfeitamente
caracterizado o fracionamento do iter criminis, consumando-se o ilícito com a
efetiva subtração. O dolo é a vontade de praticar umas das ações incriminadas,
visando o agente proveito próprio ou alheio, com a consciência de que se
prevalece da condição de funcionário.26
PECULATO CULPOSO
Considera-se peculato culposo o concurso não intencional
(negligência, imprudência, inépcia).
26 Mirabete, Julio Fabbrini – Manual de Direito Penal, Vol. 03
32
“Quem deixa a serventia de cartório por conta de outrem,
irregularmente, sem conhecimento oficial da autoridade superior, cria
culposamente condições favoráveis à prática de ilícitos administrativos e
criminais, respondendo pelo delito previsto no art. 312, § 2º, do CP” (TJSP –
AC – Rel. Márcio Bonilha – RT 488/312).27
Aplica-se a modalidade culposa aos tipos precedentes, isto é,
ao peculato-apropriação (peculato próprio), contido no caput do dispositivo, e ao
peculato-furto, previsto em seu parágrafo inicial.
Sujeito ativo é o funcionário que facilita a subtração de coisas
móveis que lhe estavam confiadas, em virtude da função desempenhada.
Aqueles que delas se apropriam, ou as desviam, ou as subtrai é sempre um
terceiro, funcionário público ou não, que age dolosamente.
Se o funcionário público (“ intraneus”), efetuar a subtração,
agora sim em concurso, a hipótese fática recaíra no tipo do art.312, parágrafo 1°,
do Código Penal.
Estabelece o parágrafo 3° do art. 312, que o ressarcimento
anterior à sentença definitiva (irrecorrível, da qual não cabe mais recurso algum)
extingue a punibilidade.
27 Franco, Alberto Silva – Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial – Vol. 1 – Tomo II
33
Se o ressarcimento se der posteriormente à condenação
imposta, a pena será reduzida pela de metade. Pouco importa que seja efetuado
pelo próprio réu, ou por terceiro em seu nome.
Evidentemente, o ressarcimento do dano ou mesmo a
extinção da punibilidade não impedirão eventuais sanções administrativas
cabíveis, em razão do ilícito funcional.
Esta modalidade de peculato está disposta no artigo 312, § 2°,
o crime de peculato culposo: “Se o funcionário concorre culposamente para o
crime de outrem: Pena-detenção, de três meses a um ano.”
Como já foi dito, nessa hipótese, o funcionário, por
negligência, imprudência ou imperícia, permite que haja apropriação ou desvio
(caput), subtração ou concurso. Não se trata de concurso de agentes em sentido
próprio, pois não há que se falar em participação culposa em crime doloso. Há
apenas uma oportunidade criada por culpa do funcionário a possibilitar a
ocorrência de peculato doloso. Portanto, o dispositivo pressupõe a conduta
dolosa de um outro funcionário, ou seja, a prática de um crime do peculato
próprio ou peculato-furto. Quem, por exemplo, deixa a serventia de cartório por
conta de outrem, irregularmente, sem conhecimento oficial de autoridade
superior, cria culposamente condições favoráveis à prática de ilícitos
administrativos e criminais, respondendo por peculato culposo. Não é suficiente,
34
porém, a inobservância pelo agente de disposição regulamentar se esta não
constitui, no caso concreto, culpa penal.
É necessário que se comprove a falta de cautela ordinária e
especial a que estava obrigado o funcionário, na guarda e preservação das coisas
que lhe são confiadas, por força da função pública que desempenha.
Noronha acrescenta a hipótese da conduta culposa do
funcionário no caso de subtração praticada por estranho sem colaboração doloso
de outro funcionário (furto comum). O §° 2, porém, deve ser interpretado em
conjunto com o “caput” e § ° 1, referentes apenas a espécies de peculato. É de se
observar que também para a configuração da modalidade culposa de peculato é
necessário que se estabeleça estreita relação entre o ato do funcionário e a ação
dolosa de outrem, de modo a evidenciar que o primeiro tenha dado ensejo à
pratica do último.
Extinção da Punibilidade e Atenuação de Pena
Prevê o artigo 312, §° 3, casos de extinção da punibilidade e
atenuantes da pena em peculato culposo. A reparação do dano para dar causa à
extinção da punibilidade deve ser anterior ao trânsito da sentença. Como fator de
redução da pena, é posterior à sentença irrecorrível.
35
Refere-se a lei exclusivamente ao crime culposo. No ilícito
doloso, a restituição anterior ao recebimento da denúncia constitui, diante da
nova Parte Geral do Código Penal, causa de diminuição de pena (art. 16).
PECULATO MEDIANTE ERRO DE OUTREM
Conceito
O peculato mediante erro de outrem está tipificado no artigo
313: “Apropriar-se de dinheiro ou qualquer utilidade que, no exercício do cargo,
recebeu, por erro de outrem:
Pena-reclusão, de um a quatro anos, e multa.”
“Se o réu embolsa quantia recebida de particulares por erro
destes, não em razão, mas apenas, no exercício de cargo público, comete o
delito previsto no art. 313 do CP” (TJSP – Rev. – Rel. Gonçalves Santana – RT
396/128). Idem: RJTJSP 7/554-555.28
28 Franco, Alberto Silva – Código Penal e sua Interpretação Jurisprudencial – Vol. 1 – Tomo II
36
Como bem observa Noronha, embora a doutrina tenha dado a
denominação ao crime de peculato-estelionato, a infração se aproxima mais da
apropriação por erro (art. 169, 1° parte), qualificada pela qualidade do agente.
Este é um tipo autônomo de peculato, que por alguns é
denominado peculato-estelionato. Pode ser considerado como impróprio; com
efeito, nele o agente não tem a posse legítima de bens pertencentes ao Estado,
que vem ter às mãos por erro.
“Peculato – Caracterização na modalidade culposa – Falta
de cautela ordinária por parte do funcionário – “Havendo reparação do
dano, essa circunstância funciona como causa de extinção da punibilidade”
(TJSP – AC – Rel. Goulart Sobrinho – RJTJSP – 1-2/330-331).29
Sustenta parte da doutrina, que por isso, o agente não viola
seu dever funcional para com o Estado.
Diferencia-se do estelionato porque, neste, a indução em erro
faz-se pela conduta do próprio agente, ao passo que na presente modalidade de
peculato o sujeito ativo nada o faz: o dinheiro vem ter-lhe às mãos por equívoco,
sem sua cooperação.
29 Ibid.
37
Objetividade Jurídica
No artigo 313, como no anterior, tutela-se a administração
pública no seu aspecto moral e patrimonial.
Assim, pode-se dizer que o bem tutelado é o regular
funcionamento da Administração Pública em seu dúplice aspecto: bom
andamento e imparcialidade.
Sujeitos do Delito
Por tratar-se de crime próprio, o sujeito ativo do delito em
estudo é o funcionário público, pois a norma refere-se ao exercício de cargo ou
função.
Tomando-se a expressão no seu sentido penal, admite-se que
um particular possa contribuir para a conduta delitiva do funcionário, induzindo-
o a não devolver a soma recebida por equívoco.
Noronha cita a hipótese de um funcionário receber, por
equívoco, determinada quantia de um contribuinte, pensando em restituí-la, no
que, entretanto, é desaconselhado por um amigo – não funcionário – acabando
por dividirem entre si o dinheiro.
38
O sujeito passivo é o Estado, já que se trata de crime contra a
Administração Pública. Podem ser vítimas, também, um extraneus ou outro
funcionário público, que entregam a res por erro ou são dela proprietários.
Portanto, poderá ser um particular ou até mesmo o funcionário público.30
Tipo Objetivo
A conduta prevista no dispositivo traduz-se como peculato
próprio (primeira hipótese), na apropriação do objeto do crime. A posse do
agente, porém, agora decorre de erro (de direito ou de fato) daquela que faz a
entrega. Esse erro pode versar sobre a coisa que é entregue; sobre a obrigação
que deu causa é entrega; sobre a pessoa que faz a entrega; ou mesmo sobre a
quantidade da coisa devida. Nesta última hipótese, a apropriação entre a
importância realmente devida e o indébito configura o delito. O erro tanto pode
ser do particular como da própria Administração Pública.
Dá causa ao crime em estudo apenas o erro espontâneo
daquele que entrega a coisa; se foi ele induzido ao engano pelo funcionário
caracterizar-se-á o estelionato.
30 Mirabete, Julio Fabbrini – Manual de Direito Penal, Vol. 03
39
Não caracteriza crime simples o simples recebimento quando
o funcionário também labora o erro. Descoberto o engano, porém, se ele não a
devolve, ocorre o peculato.
Indispensável para a existência do ilícito previsto no artigo
313 é que o recebimento ocorra quando o sujeito ativo está no exercício do
cargo, ou seja, em função do exercício do cargo. Não ocorrendo essa substância
elementar, o crime será de apropriação por erro (art. 169). Por outro lado, se o
recebimento se der em razão do cargo, sem que haja erro, haverá o peculato
previsto no artigo 312, “caput” . Decidiu-se que devia responder por peculato
mediante erro de outrem e não por apropriação indébita o escrivão de Cartório
de Notas que, tendo recebido dinheiro de partes para pagamento de sisa e
lavratura de escritura, se apropria do numerário deixando de praticar os referidos
atos. Isso porque a vítima entregou o dinheiro da sisa ao serventuário por
manifesto erro, supondo fosse ele encarregado de receber o imposto.
O erro no crime em questão diversifica-se fundamentalmente
do encontrado no estelionato. Neste, o erro em que incide o sujeito passivo é
conseqüência da atividade maliciosa do sujeito ativo, que emprega artifícios ou
ardis. No peculato mediante erro de outrem, este surge e se desenvolve sem que
sobre ele a atividade do agente exerça qualquer influência.
O objeto material do crime é o dinheiro ou qualquer utilidade.
O conceito de dinheiro já foi examinado anteriormente. Utilidades é o termo que
40
abrange apenas coisas móveis e não outras vantagens, como a moral, por
exemplo, já que são estas incompatíveis com a noção de peculato.
Tipo Subjetivo
O dolo é a vontade de se apropriar do dinheiro ou de outra
coisa móvel, que recebeu por erro de outrem. Existe o dolo quando o sujeito
ativo, verificando que houve o engano, não o desfaz, tornando seu o objeto
(animus rem sibí habendi,). Não há que se falar em dolo superveniente; sendo
que ele existe no momento da apropriação, que é a conduta caracterizadora do
ilícito. Exige-se, outrossim, que o agente tenha consciência do exercício da
função pública e de sua relação com a errônea consignação.31
Segundo a corrente causalista, o dolo é genérico e deverá
apresentar-se no momento ulterior (“ dolus subsequens”): o da apropriação.
Não no momento do recebimento, quando muitas vezes o
agente está embuído de boa fé.
É imprescindível que o agente esteja ciente do erro do
exercício da função pública.
31 Mirabete, Julio Fabbrini – Manual de Direito Penal – Vol. 03
41
Consumação e Tentativa
Consuma-se o crime com a apropriação, isto é, quando o
funcionário, ciente do erro de outrem, torna a coisa sua, agindo como se dono
fosse (“uti dominus”). Em se tratando de peculato impróprio, em que o
funcionário é dela proprietário, sendo devedor apenas de quantidade, o momento
consumativo do delito se opera quando, chamado a dar conta do alcance, cai em
mora e não o entrega, conforme adverte Carrara. Assim ocorre quando o
funcionário recebe vencimentos a mais.32
A tentativa é admissível, citando os doutrinários como
exemplo a conduta do funcionário que, recebendo por erro uma carta com
valores para cujo registro não é competente, é surpreendido no momento em que
rasga o envelope para apropriar-se da importância. Haverá também tentativa
quando o funcionário receber por erro um valor de que não consegue apropriar-
se pela oportuna intervenção de seu superior hierárquico.
32 Ibid.
42
Distinção
Haverá estelionato e não peculato mediante erro de outrem se
o funcionário induziu a vítima ao engano ou se, percebendo no momento do
recebimento o equívoco mantém o ofendido nesse estado. Haverá concussão se a
entrega não se faz espontaneamente mas por exigência do funcionário (art. 316).
43
CONCLUSÃO
Peculato é um crime funcional, pois deve ser praticado de
forma direta pelo funcionário público contra a Administração Pública.
Dentro da classificação direta dos crimes funcionais estão
inseridos na categoria dos crimes próprios, isso porque a lei exige uma
característica específica no sujeito ativo, ou seja, funcionário público.
O funcionário público é denominado intraneus. O não
funcionário público é denominado extraneus
É o único crime contra a Administração Pública que admite a
modalidade culposa, que é o caso do funcionário público que falta com cautela
normal a que estava obrigado na guarda de um bem público (ART. 312, § 2º,
código Penal Pátrio). As outras modalidades de peculato são todas dolosas e,
subdividem-se em: peculato-apropriação (art. 312, caput, 1ª parte); peculato-
desvio (art. 312, caput, 2ª parte); peculato-furto (art. 312, § 1º); peculato
mediante erro de outrem (art. 313).
No peculato-apropriação o funcionário tem a posse do bem,
em razão de seu cargo, portanto adquiriu de forma lícita, mas passou a atuar
como se fosse seu dono. A posse é também no sentido de detenção e de posse
44
indireta. O objeto material do crime de peculato deve ser coisa corpórea móvel,
inexistindo assim o peculato de coisa imóvel.
No peculato desvio, como o próprio nome diz há o desvio, ou
seja, o funcionário público emprega o objeto de que tem posse em um fim
diverso de sua destinação original, com o intuito de beneficiar-se ou beneficiar
terceiro. O proveito pode ser material (patrimonial) ou moral, como obtenção de
prestígio ou vantagem política. O funcionário tem também que adquirir a posse
do bem de forma lícita e desviando-o depois.
O peculato-furto, denominado também de peculato
impróprio, dar-se-á através da subtração da coisa pelo funcionário público no
exercício de sua função ou quando o funcionário concorre dolosamente para que
terceiro subtraia. Se ocorrer colaboração por negligência ou imprudência, haverá
peculato culposo.
O peculato mediante erro de outrem, é também denominado
de peculato-estelionato, porque a vítima entrega o bem ao agente por estar em
erro, não sendo tal erro provocado pelo agente. O delito, portanto, ocorre quando
o funcionário, no exercício de suas atividades, recebe dinheiro ou qualquer coisa
móvel de valor econômico e, percebendo o erro da vítima, apodera-se do bem,
não devolvendo ao proprietário.
O legislador ao tipificar este crime visou proteger o
patrimônio público, o particular e a probidade administrativa. Sendo assim, é
45
necessário para o crime a elementar de ser o sujeito ativo o funcionário público.
Já o sujeito passivo, além do Estado, poderá ser o particular, pois a lei tutela o
bem público e também os particulares que estejam sob custódia da
administração.
Se a coisa particular não estiver sob a guarda ou custódia da
administração e o funcionário público dela se apropriar responderá por
apropriação indébita.
Assim, o peculato mostra-se como o crime mais importante
praticado contra a administração pública, ao qual deve ser dada maior atenção,
pois é um crime plurissubjetivo que pode ser punido de várias maneiras através
dos verbos que caracterizam as modalidades existentes. Além de proteger o
Estado e o particular.
46
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São Paulo: Saraiva, 2001.
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