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  • ISSN 1808-4281 Estudos e Pesquisas em Psicologia Rio de Janeiro v. 14 n. 1 p. 264-289 2014

    PSICOLOGIA SOCIAL O Psiclogo no Campo do Bem-Estar Social: atuao junto s famlias e indivduos em situao de vulnerabilidade e risco social no Centro de Referncia de Assistncia Social (CRAS) The psychologist in the field of social social rights: acting with individuals and families in situation of vulnerability and social risk in CRAS Samila Marques Leo* Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN, Natal, Brasil Isabel Maria Farias Fernandes de Oliveira** Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN, Natal, Brasil Denis Barros de Carvalho*** Universidade Federal do Piau UFPI, Teresina, Piau, Brasil

    RESUMO O presente estudo teve como objetivo estudar a atuao do psiclogo no Centro de Referncia de Assistncia Social (CRAS), a fim de identificar as prticas desenvolvidas por esses profissionais, caracterizando-as no tocante s ferramentas terico-metodolgicas utilizadas, e investigar se essas prticas esto de acordo com as determinaes e diretrizes da Poltica Nacional de Assistncia Social (PNAS). A estratgia de investigao utilizada para a coleta dos dados foi uma entrevista semiestruturada em profundidade, realizada com os psiclogos. Entre os principais resultados, verificou-se. Constatou-se um campo de trabalho complexo e permeado de contradies, que oscila entre a garantia de direitos e a manuteno de velhas prticas e dificuldades historicamente presentes na Poltica de Assistncia Social, sendo o psiclogo diretamente afetado por essa ambiguidade e incerteza, somadas s lacunas da sua formao profissional no trato questo social Questo Social e demanda diversificada dessa poltica, exigindo deste profissional, principalmente, aes multiprofissionais e intersetoriais. Palavras-chave: atuao do psiclogo, assistncia social, poltica social.

    ABSTRACT The present study aimed to studying the psychologist action in the Reference Center of Social Assistance (CRAS), to identify the practices developed by these professionals, characterizing such practices with regard to the theoretical methodological tools used and to investigate if these practices are in accordance with provisions and guidelines of National Policy of Social Assistance (PNAS). The investigation strategies used to collect data was a semi-structured interview in-depth conducted with the psychologists.

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    Among the main results it was verified a complex work field and full of contradictions, which oscillates between the guarantee of rights and the maintenance of old practices and difficulties historically present in the Social Assistance Policy, being the psychologist directly affected by this ambiguity and uncertainty, added to the gaps in their professional formation in dealing with social issues and to the diversified demand of this policy, requiring, mainly, multidisciplinary and intersectoral actions. Keywords: psychologist acting, social assistance, social policy.

    1 Introduo Nas ltimas dcadas, a poltica de Assistncia Social obteve conquistas legislativas e institucionais, focalizando suas aes na garantia de direitos socioassistenciais e de condies dignas de vida para os cidados brasileiros em situao de vulnerabilidade social que dela necessitam. Porm, a histria da Assistncia Social apresenta pelo menos quatro caminhos pelos quais suas prticas se realizam: o clientelismo, o primeiro-damismo1, a filantropia e o seu carter de ajuda, caridade e benemerncia (Oliveira, 2005). As aes da Assistncia Social, desenvolvidas tanto em mbito pblico como privado, tinham um carter emergencial, ou seja, era uma poltica de provimento de temporalidades, de aes pontuais e imediatas. Com isso, em seu percurso histrico percebem-se violaes de direitos e prticas assistencialistas e paternalistas. Alternativas a esse modelo aparecem, principalmente, aps a Constituio Federal de 1988, contexto que traz novas formas de conceber os determinantes macroestruturais da pobreza, abrindo caminho para, de fato, minimiz-la. O nordeste brasileiro, espao de elevada pobreza e desigualdade social, uma regio que necessita de estratgias que minimizem esta realidade e promovam incluso social e garantias de direitos sociais, como as ofertadas nos Centros de Referncia de Assistncia Social (CRAS), instituies-chave da proteo social bsica da Assistncia Social e que tm como objetivo central a preveno de situaes de risco em contextos de pobreza, privao e fragilizao de vnculos afetivos. Essa realidade se deve, principalmente, condio social e econmica da regio. Das 16,27 milhes de pessoas que vivem em situao de extrema pobreza no Brasil, 52,5% concentra-se na regio Nordeste (Brasil, 2011). No estado do Piau, h 21,3% de habitantes na linha da extrema pobreza, o que equivale dizer que um em cada cinco habitantes encontra-se nessa condio (Teresina, 2011). A cidade de Teresina, capital do Piau, reflete esse quadro de extrema pobreza e desigualdade social. De acordo com Firme, Santos & Baratta (2002), nos ltimos 30 anos, a capital passou por uma exploso urbana: em 1970 contava com 181 mil habitantes; em

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    1996, havia cerca de 700 mil, passando a deter mais de 39% do contingente urbano do estado. Nesse processo, verifica-se o aumento pronunciado da populao pobre, que, na capital piauiense, constitui cerca de 80% dos habitantes com renda per capita de at dois salrios mnimos. Dotar os municpios de locais que tm como funo bsica prevenir situaes de risco potencial ao indivduo e sua famlia a proposta da Poltica Nacional de Assistncia Social PNAS (2004), com a implantao dos CRAS nos municpios brasileiros. Estes espaos so unidades pblicas, localizadas em contextos de vulnerabilidade social, que tm como objetivo o desenvolvimento de servios que visam fortalecer os vnculos familiares e comunitrios, bem como a ampliao do acesso aos direitos sociais (Brasil, 2009a, 2009b). Complementar Proteo Social Bsica, em que se situam os CRAS, a rede da Assistncia Social contm o nvel da Proteo Social Especial, com mdia e alta complexidade, que se refere a servios especializados, de carter mais complexo, tratando-se de um atendimento dirigido s situaes de violao de direitos com ou sem rompimento de vnculos familiares e comunitrios (Brasil, 2004). Essa nova conformao (a partir de 2004) representa um momento histrico para o profissional da Psicologia, tendo em vista que a rpida expanso dos CRAS pelas cidades brasileiras amplia o mercado de trabalho para essa especialidade e alarga seu escopo de atuao dos tradicionais espaos para a poltica pblica , cuja participao direta nas aes da Assistncia Social potencia mudanas em contextos de pobreza e violao de direitos. Na condio de protagonista, junto com o assistente social, das mudanas nas condies de vida dos que necessitam da Assistncia Social, o profissional de Psicologia deve pautar-se por parmetros ticos e polticos na perspectiva de realizar uma prtica de acordo com o proposto pela PNAS. Esta, operacionalizada no Sistema nico de Assistncia Social SUAS (2005), tem como um dos seus pressupostos a efetivao de uma Assistncia Social na perspectiva do direito, realizada de forma integrada e articulada com as demais esferas da proteo social2. Essa diretriz requer atuao multiprofissional, em rede e intersetorial3, alocando o psiclogo em equipes compostas por assistentes sociais, pedagogos, advogados, entre outros profissionais. A atuao nos CRAS exige dos profissionais o reconhecimento das demandas dos territrios de abrangncia, considerando as vrias dimenses que afetam o homem. Os profissionais precisam ocupar-se das situaes que demandam cuidados e ateno, realizando intervenes que extrapolem o modelo individualizante4 (homem causa e efeito do seu comportamento), buscando estratgias de trabalho que minimizem as desigualdades sociais e as violaes de direitos.

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    As atividades desenvolvidas nos CRAS devem ser principalmente (Brasil, 2006; 2009a; 2009b): Vigilncia social, que visa (...) produo e sistematizao de informaes que possibilitem a construo de indicadores e de ndices territorializados das situaes de vulnerabilidades e riscos que incidem sobre famlias/pessoas (...) (Brasil, 2006, p. 31); Mapeamento do territrio, por meio do levantamento das instituies e/ou servios que existem na localidade; Busca ativa ou procura intencional de usurios que necessitam dos servios do CRAS; Acolhida, ao que busca uma (...) escuta emptica no lugar de uma ateno burocrtica e a expresso da subjetividade, entendendo essa famlia a partir da vivncia singular e particular de seus membros (...) (Brasil, 2006, p.28); Encaminhamento para outros espaos e servios, no sentido de facilitar o acesso das famlias aos benefcios, programas e projetos da poltica social; Visita domiciliar para compreender a realidade do grupo familiar, suas necessidades e potencialidades, fortalecer os vnculos familiares e comunitrios (Brasil, 2006); Acompanhamento familiar, atividade principal e base de todas as aes do CRAS, que deve acontecer desde a entrada, ou seja, da acolhida do usurio, passando por procedimentos como encaminhamento e insero em grupos de convivncia e servio socioeducativo; Articulao da rede de servios socioassistenciais, que viabiliza o acesso aos servios socioassistenciais (por exemplo, Centro de Referencia Especializado da Assistncia Social - CREAS), assim como, o acompanhamento e o monitoramento desses servios; Articulao da rede de servios intersetoriais, que viabiliza o acesso aos servios setoriais (Sade, Educao, Saneamento Bsico, Habitao); Grupos com atividades socioeducativas, que englobam grupos de convivncia e fortalecimento de vnculos. As aes prescritas pelo Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate a Fome (MDS) colocam o psiclogo frente a diversos desafios e limites, principalmente no que se refere adequao do seu trabalho ao contexto da Assistncia Social. Esses desafios se justificam em parte pelo histrico da profisso, cujo o percurso de evoluo histrica revela uma cincia e profisso em que seus pressupostos terico-metodolgicos estiveram durante muito tempo hegemonicamente voltados para outras finalidades que no o combate s sequelas da Questo Social. Tais pressupostos mediavam a realizao de diagnsticos e procedimentos de seleo e

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    classificao, cujos instrumentais bsicos foram os testes psicolgicos. Tambm priorizou como pblico-alvo de suas intervenes outros segmentos sociais, com caractersticas distintas dos principais usurios da atual poltica social. O quadro acima se justifica porque a histria da profisso estreitamente vinculada ideia de neutralidade e objetividade. Esse contexto enseja a criao de inmeros laboratrios experimentais e o desenvolvimento dos testes, que tem o objetivo de oferecer mtodos mais objetivos para o conhecimento do homem, para a medio dos comportamentos e seu ajuste ordem social vigente (Dimenstein, 2000, p. 101). No Brasil, o conhecimento psicolgico sofreu grande influncia da Europa, principalmente da Frana, com o modelo da medicina mental, e dos Estados Unidos, com os testes mentais. Dos Estados Unidos tem-se a importao de instrumentos psicolgicos para diferenciao entre indivduos aptos e no aptos, seja para o trabalho ou para a escola, atribuindo tal diferena mental/intelectual principalmente hereditariedade (Carvalho, 2007). Desta forma, muitos dos instrumentos de trabalho da Psicologia categorizavam e imprimiam diagnsticos classificatrios, emergindo prticas de enquadramentos, padronizao de comportamentos e esteretipos de personalidades, deixando de fora um aspecto crucial para compreenso do psiquismo do homem, a instncia social e histrica. A regulamentao da profisso de psiclogo no Brasil (Lei n. 4.119, 1962), reconhece o lugar dos conhecimentos psicolgicos aplicados, principalmente, a diagnsticos, orientaes e selees profissionais, orientaes psicopedaggicas e solues de problemas de ajustamento. Os dez primeiros anos aps a regulamentao da profisso so marcados pela Psicologia Clnica como rea de grande aplicabilidade, com predomnio do conhecimento psicanaltico e do psicoterapeuta como modelo de profissional (Carvalho, 2007). Contudo, mais que a marcada preferncia pela atividade clnica, o modelo de profissional liberal luz da profisso mdica se fez amplamente hegemnico (Yamamoto, 2003). Esta forma de atuao distanciava a Psicologia de reflexes sobre a realidade social, econmica e cultural do seu pas, deixando a profisso distante do cotidiano, com prticas descontextualizadas, cuja base era permeada por uma psicologizao dos problemas sociais (Guazina, 2009). A hegemonia do modelo clnico levantou questionamentos por parte das entidades de representao profissional, que afirmavam um descompromisso da atuao psicolgica com a realidade social. Merece destaque o papel do Sistema Conselhos e do Sindicato de Psiclogos de So Paulo que pontuam a necessidade de um compromisso social da profisso para com a maioria da populao brasileira que no tem acesso aos seus servios. Esses discursos surgiram, principalmente, em publicaes e eventos da rea,

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    questionando a atuao e a formao do psiclogo, profissional historicamente voltado para as necessidades da elite brasileira (Ribeiro, 2010). nesse contexto de crticas e questionamentos sobre o perfil profissional do psiclogo, que emergem tericos buscando revisar os referenciais existentes, criando novas formas de atuao para categoria profissional, novas estratgias de trabalho para novos espaos de trabalho profissionais conquistados, partindo de uma viso crtica e histrica da subjetividade. Um desses movimentos a Psicologia Social Comunitria, que emergiu ainda nos anos de 1960 no pas, e que busca extrapolar o modelo clnico privado, extrapolando para contextos comunitrios de baixa renda intervenes que objetivam a transformao da realidade social dos sujeitos, por meio do protagonismo dos atores sociais, da participao popular e da busca destes por melhores condies de vida. Outro momento histrico importante para a insero do psiclogo em outros espaos de atuao constituiu-se da participao do psiclogo na Luta Antimanicomial, na dcada de 1980, momento que define algumas das condies para a insero da categoria, de forma extensiva, no campo do Bem-estar Social (Yamamoto, 2007). Portanto, nas ltimas dcadas, a profisso tem ocupado novos espaos de atuao, como a Sade Pblica, requerendo da categoria o recuo do modelo tradicional, substitudo por prticas sociais comprometidas com a transformao da realidade social, sobretudo, baseadas na compreenso da subjetividade contextualizada com sua realidade cultural, socioeconmica, poltica etc. Em que pesem as observaes anteriores, uma questo se coloca para os que esto envolvidos direta ou indiretamente com a prtica psicolgica: trata-se da forma como o compromisso social vem sendo debatido at ento, j que, segundo Yamamoto (2003), no se trata de com quem a Psicologia vem se comprometendo, mas na forma desse compromisso. Uma atuao pautada pelo compromisso social no significa apenas a insero do profissional em contextos de pobreza, mas sim, realizar prticas crticas e transformadoras, que busquem romper com a naturalizao dos fenmenos psicolgicos e, partindo disso, pensar novas estratgias de trabalho. Segundo Ximenes, Paula e Barros (2009) o deslocamento dos psiclogos dos espaos tradicionais para as vicissitudes existentes em espaos de convivncia comunitria no deve ser apenas a extenso dos servios psicolgicos, mas sim, a adoo da ideia de comunidade como um local onde as pessoas se apropriam e constroem os significados, as singularidades e os afetos. Ainda assim, vrios estudos nacionais sobre a atuao do psiclogo no campo das polticas sociais demonstram a adaptao de modelos, muitas vezes de vis clnico tradicional5 ao campo das polticas

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    sociais. Tambm so identificadas prticas individualistas e normatizantes, que compreendem a natureza humana como essncia universal, eterna e mutvel (Sanches & Kahhale, 2003, p. 19), e prticas que visam ajustar o indivduo s realidades vigentes. A ttulo de exemplo dessas prticas, no campo da educao, tm-se a diferenciao de alunos aptos e no aptos, sendo que se atribui a causa do no aprendizado, quase que exclusivamente, ao aluno. Na Sade Pblica, h preocupao do debate sobre formas de interveno que ultrapassem os enquadres clssicos de uma clnica individual e privada prtica ainda predominante em nossos cursos de formao (Leite & Duarte, 2005). Ao estudar as Unidades Bsicas de Sade de Teresina (PI), Dimenstein (1998) aponta as dificuldades e limitaes do exerccio profissional do psiclogo, como o grande nmero de faltas e atrasos e a evaso massiva dos pacientes, que abandonam prematuramente seu tratamento, como forma de mostrarem que no compartilham do modus operandi das psicoterapias realizadas no espao (p. 76). No Rio Grande do Norte, verifica-se um nmero considervel de casos que reproduzem o modelo clnico tradicional de vertentes psicanalticas, sem problematizao acerca da adequao desse modelo terico-tcnico para as exigncias do servio pblico de sade, ou de desenvolvimento de aes integradas em equipes multiprofissionais (Yamamoto, 2003). No se pode negar, contudo, que a profisso vem tentando avanar em busca de novas formas de trabalho, novos referenciais. Exemplo disso a iniciativa do Conselho Federal de Psicologia para a criao de um Centro de Referncias Tcnicas em Psicologia e Polticas Pblicas (CREPOP), espao destinado a pesquisas sobre a prtica dos psiclogos nesses espaos, que tem promovido debates e mostrado possveis caminhos para a psicologia no campo social. O que se avalia aqui que essa e outras tantas iniciativas no campo ainda no conseguiram romper com uma lgica histrica de atuao que ainda marca fortemente as prticas realizadas em espaos extremamente ampliados e diversos de trabalho. Mais recentemente, as discusses sobre os limites e o foco do trabalho do psiclogo nas polticas sociais ganham fora por ocasio do seu ingresso massivo na poltica de Assistncia Social, sobretudo a partir de 2004 com destaque para a proteo social bsica, nos CRAS. Nesse mbito, o trabalho volta-se para as famlias exclusivamente em situao de risco e vulnerabilidade e que necessitam obrigatoriamente de interveno do Estado para sua sobrevivncia. Suas demandas so de difcil manejo para o psiclogo, devido aos (...) problemas materiais, concretos e que necessitam, em grande parte, de intervenes fora do escopo da clnica tradicional ... serem a maior problemtica dessa poltica (Oliveira, Dantas, Solon & Amorim, 2011). Soma-se a isso, a dificuldade de

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    trabalhar em um campo extremamente contraditrio que, apesar de inmeras conquistas no campo dos direitos sociais, est inserido em um contexto de agenda neoliberal, marcado por reduzido investimento no campo social, seja pelas privatizaes dos servios, seja pela focalizao das aes nos grupos em situao de extrema pobreza. Nesta direo, objetivou-se analisar as prticas psicolgicas desenvolvidas em quatro CRAS da cidade de Teresina/PI, caracterizando tais prticas no tocante s ferramentas terico-metodolgicas utilizadas e investigar se essas prticas esto de acordo com as determinaes e diretrizes da PNAS para efetivao nos CRAS. 2 Mtodo 2.1 Instrumento e procedimentos Esta pesquisa orienta-se pela perspectiva qualitativa que, de acordo com Rey (2003), tem seus princpios epistemolgicos voltados para o conhecimento como produo construtivo-interpretativa e para o processo de produo de conhecimento com carter interativo e inclusivo de aspectos que extrapolam a relao investigador-investigado. A entrevista utilizada neste processo investigativo teve a forma semiestruturada e individual, utilizando-se a combinao de perguntas fechadas e abertas, com o objetivo de possibilitar ao sujeito a oportunidade de se colocar sobre a temtica em questo. Para isso, elaborou-se um roteiro com dois blocos de questes: (1) dados pessoais e caracterizao do local de trabalho e do municpio; e (2) atividades realizadas pelas psiclogas no CRAS. Cabe ressaltar que em alguns momentos as perguntas do roteiro no seguiram a ordem estabelecida, e a sequncia dependeu da forma como a questo anterior fora respondida. Todas as entrevistas foram realizadas nos locais de trabalho das psiclogas critrio adotado por proporcionar ao pesquisador contato com a rotina diria de trabalho dos pesquisados. Em etapa complementar fala das entrevistadas, uma pesquisa a fontes documentais foi empreendida. Consultou-se relatrios mensais de atividades realizadas nos CRAS e o material produzido para capacitao profissional da Secretaria Municipal de Trabalho, Cidadania e Assistncia Social (SEMTCAS) documentos que se tornaram importantes fontes de informao para a contextualizao da realidade local. O material foi analisado pela tcnica de anlise de contedo (Bardin, 2011), que seguiu os seguintes passos: (1) transformao do contedo em unidades de anlise, que so os elementos unitrios a

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    ser classificados palavras e frases presentes nos textos ou nas falas; (2) codificao das unidades em categorias agrupadas considerando-se a parte comum existente entre essas (semelhana ou analogia); (3) descrio, realizada por meio da construo e organizao das informaes em tabela, apresentando tanto as categorias construdas, como a ocorrncia por CRAS e psiclogo; (4) interpretao dos dados a partir do referencial terico utilizado, materialismo histrico dialtico ancorado em discusses marxianas. No se utilizou categorias pr-definidas, sendo estas construdas ao longo do processo de anlise (Tabela 1). O emprego desta estratgia de anlise possibilitou aos pesquisadores compreender o sentido das falas das profissionais, a realidade vivida por elas, fundamentando, assim, a reflexo a respeito da prtica do psiclogo nos CRAS. 2.2 Participantes A cidade de Teresina conta com 17 CRAS, sendo que esto divididos por quatro regies (sul, sudeste, leste e norte). Optou-se por entrevistar um psiclogo do CRAS mais antigo de cada regio (total de quatro entrevistas). Esta escolha se fundamentou em entrevistas exploratrias realizadas com funcionrios da SEMTCAS, em Teresina, que apontaram a importncia dos primeiros CRAS implantados e, entre esses, a presena de psiclogas que esto desde a implantao da unidade. A populao da pesquisa foi composta por oito profissionais de Psicologia, do sexo feminino, entre 29 e 32 anos de idade, e quatro delas solteiras. Seis das profissionais so formadas em instituies de ensino superior privadas, entre os anos de 2004 e 2007, com estgio curricular em subreas como clnica, educacional, organizacional e hospitalar. Dessa populao, sete possuem ps-graduaes lato sensu (especializaes em Psicologia), porm no especificamente na rea da Assistncia Social. A trajetria profissional delas realizou-se tanto pelo campo da Clnica (quatro) como pelo CRAS (trs) e pela Psicologia do Trnsito (uma). Em relao ao tempo de trabalho no CRAS, h trs psiclogas que atuam desde a sua implantao; as outras cinco esto entre seis meses a um ano e dois meses no CRAS. Todas possuem precarizao do vnculo empregatcio, com contratos de trabalho temporrio realizados por empresas terceirizadas. Associado a isso, possuem uma carga horria semanal de 30 horas ininterruptas, com remunerao mxima de dois salrios mnimos sem descontos. 3 Resultados e discusso

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    As atividades e aes que acontecem nos CRAS pesquisados esto, em sua maioria, em consonncia com o que previsto nos guias de Orientaes Tcnicas: Centro de Referncia da Assistncia Social CRAS (Brasil, 2006; 2009a) e no Manual Papis e atribuies dos diferentes membros da equipe de CRAS/Teresina da Secretaria Municipal de Trabalho, Cidadania e Assistncia Social SEMTCAS (2010). Porm, observamos a quase inexistncia de algumas atividades como a vigilncia social e a territorializao. No total, h 18 aes e atividades realizadas nos CRAS. Dessas, 17 contam com a participao do psiclogo para sua execuo (Tabela 1). Tabela 01 Atividades/aes desenvolvidas em CRAS de Teresa-PI, por quantidade de CRAS e de psiclogos

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    A nica ao dos CRAS pesquisados que no conta com a presena do profissional de Psicologia a sistematizao de informaes sobre o territrio (vigilncia social). Essa ao subsidia as estatsticas oficiais de indicadores socioeconmicos do territrio e so utilizadas para subsidiar recursos, estrutura fsica e informaes bsicas necessrias para nortear a quantidade de famlias/ano que os tcnicos de referncia devem atender. Do desconhecimento sobre o territrio podem derivar distores sobre as reais necessidades das famlias, principalmente por estarem imbudos de um (...) projeto de vida j previamente definido por eles prprios (ou da leitura que fazem dos documentos norteadores da poltica) para a populao-usuria dos servios (Macedo & Dimenstein, 2009, p. 295). Quatro das oito entrevistadas revelaram desconhecer o porte do municpio, e sete psiclogas no tinham informaes sobre o ndice de Desenvolvimento Humano-Municpio (IDH-M) e o nmero de famlias cadastradas no CRAS e beneficirias do Programa Bolsa Famlia (PBF). Da, no possvel realizar com fidedignidade a vigilncia social, identificar o perfil de demandas da comunidade, elencar prioridades de trabalho, entre outras aes previstas. E mais, a distoro acima referida ocorre porque, por conta desse desconhecimento, os psiclogos acabam por priorizar o atendimento da demanda espontnea, de forma emergencial, sem continuidade, prestando apenas um suporte momentneo. o chamado planto psicolgico que, embora funcione como acolhimento, no avana (pela experincia encontrada), para uma ao de proteo social. Problematiza-se a necessidade de os profissionais disporem de informaes sobre as famlias do PBF e os beneficirios do Beneficio de Prestao Continuada (BPC) usurios prioritrios da Proteo Social Bsica, bem como das incidncias de descumprimento de condicionalidades (Brasil, 2006; 2009a). Essas informaes evitam a realizao de atividades sem planejamento. Alm disso, afirmar que o maior nmero [de usurios] que procura o CRAS por causa do Bolsa Famlia, por si s, no diz sobre o pblico-alvo do CRAS; apenas sinaliza, de forma genrica, que so indivduos em situao de pobreza e privao. No qualifica suas necessidades, nem suas aspiraes e seus desejos. De acordo com Sawaia (1999), em seus estudos sobre excluso, deve-se perguntar por sofrimento e felicidade para que se possa superar a concepo de que o pobre se preocupa, unicamente, com sua sobrevivncia, no se justificando trabalhar com as emoes quando se trabalha com a fome. A autora acrescenta que adotar essa concepo colocar no centro das atenes, na discusso da excluso, a ideia de humanidade e do sujeito com suas diversas dimenses (famlia, lazer, trabalho e sociedade), e, nesse sentido, a excluso pode significar tanto desejo, temporalidade e afetividade, como tambm, poder, economia e direitos sociais.

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    O desconhecimento das psiclogas entrevistadas sobre o contexto das famlias no pode ser considerada isoladamente. A comunicao dos gestores (das secretarias de Assistncia Social) aos tcnicos que esto na ponta da rede, especialmente sobre os instrumentais de trabalho que os profissionais devem utilizar, assim como o acesso a esses materiais, essencial para que se possa subsidiar o trabalho desses profissionais de uma forma mais complexa e global, considerando todo o contexto em que est inserido. A atividade mapeamento do territrio realizada de forma incipiente: apenas uma profissional de Psicologia realiza visita institucional. Essa atividade possibilita conhecer o local, a finalidade e o pblico de atendimento da instituio. Uma psicloga relata a realizao de contrarreferncia no CRAS em que atua: Vem demanda de outras Secretarias, vem tipo um encaminhamento de outra Secretaria, para a gente acompanhar aquela famlia, vem do CREAS, da Secretaria de Sade. A contrarreferncia diz respeito s aes de encaminhamento que ocorrem aps a referncia (encaminhamento de um usurio para outros dispositivos da rede socioassistencial, como os CREAS e as instituies de abrigamento, ou intersetorial, como o Sistema de Garantia de Direitos, a Sade Pblica, a Educao, etc.). o retorno do usurio a nveis menos complexos da rede referenciada. O fato de a psicloga mencionar aes de contrarreferncia revela indcios (no possvel afirmar mais que isso) de que h uma articulao na rede socioassistencial. Contudo, a ausncia do mapeamento do territrio (apenas duas psiclogas se referem a essa prtica), atividade essencial para identificar as instituies que podem realizar articulao e parcerias, pode obstaculizar a efetividade da Articulao Intersetorial e da Articulao com a Rede Socioassistencial. Isto porque esta articulao com as demais instituies do territrio pode ser meramente informal e assistemtica. As articulaes Intersetorial e da Rede Socioassistencial so aes que buscam uma gesto territorial articulada, integrada e continuada. Quatro psiclogas entrevistadas afirmaram realiz-las em sua prtica profissional. Apesar de todos os CRAS realizarem articulaes com outros espaos, cinco psiclogas afirmaram ter dificuldades e obstculos para concretiz-las, apesar de sua importncia para a continuidade dos atendimentos aos usurios. Um ponto a analisar se, de fato, as prticas se caracterizam como articulaes intersetorial e socioassistencial de acordo com o Guia de Orientao do CRAS (Brasil, 2006, 2009a). No discurso oficial, a articulao na rede socioassistencial ou intersetorial possvel quando instituies da rede planejam e executam trabalhos conjuntos. Considerada esse modelo, apenas duas psiclogas afirmam realiz-las, porm com grandes limitaes.

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    As dificuldades de articulao da rede encontradas pelas profissionais foram da seguinte ordem: 1) aes apenas setoriais, a exemplo da dificuldade de dilogo com a sade (04 psiclogas): eu acho que a sade no d, no d, tipo assim, a sade a sade (P3); 2) escassez de locais e servios para atender a demanda da populao, por exemplo, para usurios de drogas psicotrpicas: s vezes tem uma pessoa pedindo ajuda porque usurio de drogas, quer ajuda, mas os locais que ele pode ser atendido pra fazer tratamento, a fila de espera enorme (P7); 3) fragilidade da rede: ainda frgil a questo da responsabilizao, tipo da rede, a rede ainda frgil (P1); 4) ausncia de monitoramento dos casos encaminhados para a rede: o retorno, s vezes, o prprio usurio no d retorno, mas a gente vai levando, isso no nada que atrapalhe (P2). De acordo com o que est preconizado pela Constituio de 1988 e pelos documentos que regem a Assistncia Social, sabe-se que, embora seja de competncia desta poltica a proteo social dos indivduos pobres, essa proteo no se faz sem articulao com outras polticas pblicas, principalmente aquelas diretamente ligadas promoo da emancipao dos indivduos. Nestas estratgias, imprescindvel que a operacionalizao das polticas seja feita de maneira que haja a articulao entre elas e entre suas aes, por meio de uma concepo democrtica e horizontal. A complexidade dos problemas sociais envolve uma gama de aes integradas e contnuas, sendo que a falta dessa perspectiva gera atendimentos fragmentados e descontnuos que no considera o cidado na sua totalidade e complexidade (Junqueira, 1997 e 2004, Leite & Duarte, 2005, Bidarra, 2009). No Brasil, as formas de pensar e fazer poltica so centralizadas e isoladas, sendo que cada rea da poltica pblica tem uma rede prpria de instituies e/ou servios sociais (Bourguignon, 1999). A Assistncia Social exemplo disso: possui um conjunto de entidades estatais e filantrpicas que prestam servios na rea de forma paralela s demais polticas e, muitas vezes, atendendo aos mesmos usurios. Nesse sentido, o desafio atual propor mudanas tanto no legislativo, como nos projetos governamentais mais amplos teriam de reformular suas estratgias de ao, sua destinao dos recursos pblicos, sua estrutura organizacional e burocrtica, no caminho de uma poltica mais eficaz, mais articulada e mais democrtica (Leite & Duarte, 2005). Uma gesto que compreenda a necessidade da troca de olhares, de saberes e uma abordagem integral de suma importncia para a qualidade do servio. O gestor da Assistncia Social precisa ter a clareza da sua responsabilidade na efetivao da articulao, devendo este influir e colaborar para sua realizao e continuidade (Brasil, 2009a). Tambm de suma importncia a participao dos tcnicos

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    de referncia na articulao dos servios, projetos, programas e espaos, sendo que nos CRAS pesquisados apenas metade das profissionais (quatro entrevistadas) esto envolvidas em articulaes intersetoriais. O trabalho em rede ou intersetorial uma atividade bastante recente ao profissional de Psicologia (Oliveira et al., 2011). Existem dificuldades estruturais e operacionais para a concretude da intersetorialidade ou das aes em rede, limitando-se apenas transferncia de responsabilidade entre instituies, sem garantia de atendimento e acompanhamento do usurio por tcnicos da poltica social. Associado a isso, a manuteno do modelo clnico individual de atendimento, to recorrente nas prticas psicolgicas em vrios espaos das polticas pblicas, desvia o esforo para o atendimento integral do usurio (Dimenstein, 2001; Ribeiro, 2010; Guimares, 2011). Em relao busca ativa, as profissionais relatam-na como um momento em que fazem atividades (em geral, palestras e eventos) em outros espaos do territrio (escolas, postos de sade, visitas domiciliares e institucionais, projeto Manh de Cidadania6), aproveitando para divulgar os servios e aes do CRAS. Esse momento visto pelas profissionais como um espao interdisciplinar, pois so realizados com a presena do profissional de Servio Social e/ou orientadores sociais do Projovem Adolescente, o que promove antecipadamente um dilogo entre os envolvidos na atividade, para que se possa realizar uma abordagem baseada na realidade da famlia ou do indivduo. O planejamento das atividades uma constante no trabalho de todas as psiclogas, tambm tido como momento de interdisciplinaridade, em que os tcnicos cooperam na construo do trabalho. Contudo, o que se verifica na prtica so planejamentos realizados de forma isolada. Isso porque cada tcnico do CRAS responsvel pelo planejamento e monitoramento de um projeto: os grupos dos idosos (duas psiclogas) e o Projovem (seis psiclogas). Dessa forma, os planejamentos acontecem para organizar atividades e aes com os orientadores sociais do Projovem e com os coordenadores do grupo de idosos, sem implicao de outros profissionais da equipe ou participao dos prprios usurios. Macedo (2007), em sua pesquisa sobre atuao do psiclogo nas Unidades Bsicas de Sade e CRAS em Natal-RN, afirma que os psiclogos ainda abrigam-se em seus especialismos, com dificuldades de realizarem prticas multiprofissionais ou interdisciplinares ou terem novas experincias de trabalho em conjunto. O planejamento deve ser um momento de organizao do trabalho em equipe e espao de construo de estratgias de trabalho de cada CRAS e da Secretaria Municipal de Assistncia Social com todos os CRAS. A equipe que compe o CRAS deve realizar um planejamento geral,

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    levando em considerao o j existente no territrio e no CRAS, suas potencialidades, e, a partir disso, pensar as aes rotineiras de organizao da unidade (Brasil, 2009a). Essa atividade fundamental para a previso oramentria, para o cumprimento das funes de cada membro da equipe, para a avaliao dos caminhos escolhidos e percorridos, e se esses devem permanecer ou no. Sobre os registros de informao, a anlise dos resultados aponta a realizao desta atividade em todos os CRAS, assim como a participao expressiva de todas as psiclogas na sua execuo. Sobre essa ao, alguns pontos devem ser analisados. Primeiro, a necessidade do repasse de informaes da gesto para os tcnicos que esto no CRAS: duas psiclogas relataram no ter a ficha de atendimento sobre o histrico da famlia, instrumento-chave para o atendimento familiar. Outro ponto a se destacar a excessiva preocupao dos profissionais com esta prtica, corroborando os resultados encontrados por Oliveira et al. (2011), que discutem a burocratizao presente no campo das polticas pblicas, como tambm, a necessidade de cuidado do profissional em formar um quadro geral do que est sendo executado nos servios, estratgia importante para um servio de qualidade. As psiclogas definiram o acompanhamento familiar como um momento de orientao e acolhimento, dentre outros desdobramentos, como a visita domiciliar e os encaminhamentos. Das profissionais entrevistadas, seis relataram realizar esta atividade. O acolhimento, realizado por todas as psiclogas, por elas definido de vrias formas: pode se consistir numa escuta qualificada ou psicossocial (cinco psiclogas), um momento para orientar/acolher as famlias, seja individualmente ou em grupo, e que visa superao das suas vulnerabilidades sociais (cinco psiclogas), ou, ainda, pode ser simplesmente a realizao de cadastro em programas sociais das famlias (duas psiclogas). H casos em que o acolhimento tambm tido como uma escuta psicolgica para resolues de problemas emocionais (trs psiclogas), ficando o psiclogo encarregado de tratar assuntos de fundo emocional, embora essa ao possa ser realizada em conjunto com o assistente social. Os profissionais de Psicologia enfrentam duas dificuldades relacionadas identidade historicamente construda sobre a profisso: ainda possuem um olhar psicologizante frente maioria das questes que chegam aos CRAS e dificuldades para realizarem estratgias de promoo social e fragilizao dos vnculos sociocomunitrios, seja em trabalhos em grupo ou com instituies presentes no territrio (Macedo, 2007, p. 24). Adicionalmente, as profissionais relataram que, aps o acolhimento, podem acontecer desdobramentos como os encaminhamentos ou a insero da famlia em grupos e/ou em programas sociais, porm nem todos os casos so monitorados de forma contnua, at que a

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    famlia seja desligada. Em outros casos, o acolhimento encerra-se em si mesmo, considerando-se que as necessidades do usurio foram solucionadas com os recursos do acolhimento. Ento, em alguns casos, o desconhecimento da resolutividade da demanda, de suas necessidades e problemticas, sem monitoramento dos desdobramentos do acolhimento, pode tornar esta ao um mero Planto Social, reproduzindo antigos modelos da Assistncia Social baseados no atendimento de emergncia. O encaminhamento tambm realizado pelas psiclogas como sinnimo do acompanhamento familiar. Quatro das oito psiclogas relataram realizar o encaminhamento, que pode ser para instituies da Assistncia Social (CREAS e Ncleo de Apoio Intergeracional7) ou de outras polticas, como o Centro de Apoio Psicossocial. Tambm aqui no se tem garantia da realizao do monitoramento das aes efetivadas, e, consequentemente, no se sabe se o procedimento solucionou a demanda do usurio ou se outras aes foram tomadas para que houvesse efetividade na rede de assistncia. Alm da acolhida e do encaminhamento, a visita domiciliar tomada como partcipe do processo do acompanhamento familiar. realizada pela maioria das psiclogas entrevistadas (sete), principalmente para investigar denncias, orientar e realizar busca ativa de novos usurios do CRAS. Apesar de fazer parte do acompanhamento familiar, as psiclogas a realiza de forma pontual, sem continuidade, no monitorando o fluxo do usurio na rede de servios. Seis psiclogas afirmam realizar acompanhamento familiar, porm os relatos restringem-se a atividades de acolhida seguidas de encaminhamento (cinco profissionais). Apenas uma psicloga descreveu sua prtica de acordo com o que preconiza o Ministrio do Desenvolvimento Social e Combate a Fome para essa atividade (Brasil, 2006, 2009a). Essa prtica fundamenta-se num modelo fragmentado dos saberes, no qual o fluxo de atendimento limita-se queixa do usurio que atendido por um especialista. Se a demanda apresentada pelo usurio for de ordem social e/ou material, o especialista evocado o assistente social; se for de cunho emocional, pede-se a presena do psiclogo. Em relao s atividades coletivas, cinco psiclogas relataram a realizao de um evento de grande importncia para os usurios: Manh de Cidadania. Com esse evento, prope-se, em um nico espao, garantir vrios direitos sociais e civis necessrios ao exerccio da cidadania. Geralmente, ocorre num local do territrio de abrangncia do CRAS, contando com servios da Assistncia Social, Sade, Educao, Cultura e Lazer, fortalecendo aes intersetoriais e multiprofissionais, perspectiva esperada e determinada para o funcionamento do CRAS (Brasil, 2006; 2009a). As palestras tambm fazem parte da rotina das profissionais, acontecendo em diversas situaes: participao em eventos na rede de servios, participao

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    nos grupos que existentes do CRAS, dentre outras. Em relao aos cursos, apenas uma psicloga participa diretamente da organizao e realizao destes. As atividades em grupo envolvem a participao de todas as psiclogas. Nessas ocasies, so observadas atividades com os idosos (duas psiclogas) e os coletivos do Projovem Adolescente (seis psiclogas), sendo que, em ambos, so realizados trabalhos como oficinas educativas, de convivncia e de reflexo, campeonatos esportivos, dinmicas de grupo e aulas-passeio. As profissionais relataram que essa modalidade familiar s suas atividades, pois tiveram disciplinas sobre manejo de grupo no curso de graduao em Psicologia. A realizao dessas aes ocorre a partir das necessidades e desejos dos grupos e dos responsveis por estes (orientadores sociais do Projovem e coordenadores do grupo de idosos), o que torna esse um modelo interessante, por no ser planejado antecipada e isoladamente. Essa forma de trabalho possibilita aos profissionais uma atuao interdisciplinar, pois envolve a troca de saberes, a escuta sobre o ponto de vista do outro profissional e dos usurios em relao a determinado fenmeno. A superviso de estgio uma atividade relatada por duas psiclogas entrevistadas. Essa ao indica a ampliao dos espaos de atuao na formao de psiclogos, designando as polticas pblicas como um campo de trabalho deste profissional, bem como potencializa a interlocuo entre o exerccio profissional e a academia. A capacitao profissional, espao de qualificao do trabalho no CRAS foi realizada somente uma vez, logo aps a entrada das profissionais no servio (relatado por duas psiclogas). Essa realidade no condiz com o previsto pela Norma Operacional Bsica de Recursos Humanos do Sistema nico de Assistncia Social (Brasil, 2006), que aponta a necessidade de espaos de capacitao, qualificao e formao continuada dos tcnicos, para que os profissionais possam ter uma compreenso sobre os problemas mais complexos enfrentados cotidianamente. As psiclogas tambm realizam atividades de concesso de benefcios eventuais, que so assistncia em espcie ou material e servios de reabilitao na comunidade, como doao de cestas bsicas e do transporte eficiente8 para pessoas com deficincia. Essas atividades no se encontram previstas pela SEMTCAS sobre os papis e as atribuies dos psiclogos, embora os CRAS ou instituies referenciadas do territrio de sua abrangncia possam realiz-las (Brasil, 2006). Por fim, a reunio com a gesto municipal conta com a participao de trs psiclogas entrevistadas, sendo que duas delas relataram que essa atividade aconteceu apenas quando iniciaram seu trabalho no CRAS, quando tambm ocorreu uma capacitao da gesto municipal sobre os servios do CRAS do municpio. Considera-se necessria

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    uma gesto democrtica, que deve prioritariamente abrir espaos de troca e debates, possibilitando a construo de novas estratgias de trabalho a partir da realidade vivenciada pelos profissionais que se encontram na ponta dos servios, pois so eles que esto em contato direto com a realidade dos usurios e da comunidade que prestam atendimento. 4 Dificuldades e desafios na atuao do profissional de Psicologia no CRAS As profissionais entrevistadas relataram dificuldades e obstculos para a realizao do trabalho de acordo com o preconizado pelo MDS, como a falta de recursos humanos e materiais, somada ao prprio modo de funcionamento das polticas, especialmente a setorializao; alm da formao inadequada em relao s estratgias de enfrentamento s expresses da questo social, configurando srios obstculos para atuao do psiclogo. Sobre o primeiro ponto, a falta de recursos humanos e materiais, as profissionais relataram a necessidade de um maior nmero de profissionais e de outras especialidades (como advogado e educador fsico), principalmente, no sentido de complementar suas prticas devido diversidade de demanda do CRAS. A ausncia e morosidade na aquisio de recursos materiais o obstculo mais recorrente (06 psiclogas), justificado, principalmente, pela burocracia presente no servio pblico. A realidade do pouco repasse de recursos financeiros para poltica da Assistncia Social est presente em toda a trajetria brasileira, que sempre desenvolveu suas atividades com parcos recursos financeiros, o que a deixou incapacitada para ofertar mnimos sociais9 de proteo queles que dela precisavam. Essa realidade traz implicaes tanto para a gesto do trabalho, como tambm afeta a qualidade dos servios socioassistenciais e a mediao dos direitos (Arajo, Pereira, Guilhon & Sousa, 2008). Outra dificuldade relatada pelas psiclogas a falta de articulao entre os setores da poltica social. a prpria estruturao da poltica pblica, setorizada, que rompe a lgica de totalidade e complexidade da realidade social, sendo incapaz de enfrent-la eficazmente. Nesse modelo de elaborao da poltica pblica, resta aos profissionais o esforo para executar as aes de modo a mediar as relaes sociais intersetorialmente, ainda sob o risco de reproduzir a lgica individualizante e fragmentada. A formao insuficiente para o trabalho na poltica pblica marca o discurso das psiclogas (seis) sobre as dificuldades e os obstculos para o trabalho nos CRAS de Teresina: Eu acho que no vi quase nada [sobre poltica pblica] na faculdade; Na graduao, poderia ter visto mais sobre a Psicologia Social, ter mais nfase, ter estgio;

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    no fazem na rea, a, limitado; A gente acaba mesmo que, na prtica, tendo que realmente aprender. De acordo com Bastos et al. (2010), esse cenrio nacional. Os atuais psiclogos brasileiros reconhecem a distncia existente entre suas aprendizagens na graduao e as demandas do exerccio profissional, verificando-se uma defasagem entre o que necessrio para bem exercer a profisso e o que lhes ensinado nos cursos. Em mbito local, Carvalho (2007) pontua que a formao do psiclogo em Teresina inadequada para o contexto das polticas sociais, principalmente pela formao, o vis clnico e a ausncia de uma fundamentao terica adequada ao contexto. As questes mais problemticas no ensino superior encontram-se na formao cientfica do aluno, assim como, nas (...) competncias para trabalhar com unidades de anlise mais complexas que no o indivduo, tais como grupos e organizaes... (Bastos, Gondim, Borges-Andrade, 2010, p. 26), sendo que, as competncias como a avaliao psicolgica e a clnica, reas clssicas da profisso, so reconhecidas como mais desenvolvidas nos cursos, revelando, assim, o vis clnico presente em grande parte do sistema de ensino da Psicologia. Existe uma desarticulao entre a formao e a prtica, entre o fazer e o saber, que pode gerar o praticismo, que se resume ausncia de reflexes sobre a prtica, estando o profissional imerso em um tarefismo no seu cotidiano e atravessado por demandas administrativas e emergncias. Assim, esse profissional no avalia e critica suas prprias aes, e consequentemente, no consegue alcanar a mudana e a aquisio de novos saberes, recuando seu papel poltico10 (Senra, 2009). Outro obstculo presente no discurso das psiclogas (cinco) refere-se identidade profissional. H dificuldade em perceber diferenas entre sua atuao e a do assistente social, e quando essas existem esto na forma de execuo das atividades e aes. Para te falar a verdade, eu no vejo muita diferena [entre a atuao do psiclogo e a do assistente social], no. A nica diferena que eu acho que a gente tem mais privilgio que eles nas questes de atendimento, que a gente pode atender ele [o usurio] e saber e ver mais a questo do CID. Nessa lgica, as psiclogas responsabilizam-se ou so mais responsabilizadas por assuntos ligados integridade emocional e sade mental; aos assistentes sociais cabem assuntos relacionados garantia de direitos (moradia, benefcios, cestas bsicas) e escrita do parecer social atividade exclusiva deste profissional. Disso infere-se certa necessidade de definio de papis entre as categorias profissionais, mas que resvala num especialismo. Cada rea fica com a responsabilidade de uma dimenso do homem, seja emocional, seja material. Os psiclogos que trabalham na Ateno Bsica da Sade Pblica e na Proteo Social Bsica da Assistncia Social possuem modos de

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    trabalhos ainda pautados por uma lgica presa s barreiras das especialidades, acabando por psicologizar ou reduzir o individuo a trs dimenses: 1) aos processos macrossociais ou macro ou micro polticos que atravessa a questo sade-adoecimento; 2) ao mal-estar e sofrimento de indivduos e famlias que procuram esses servios; e at mesmo 3) ao mal-estar deles prprios, profissionais que atuam nesse campo (Macedo, 2007, p. 146). As experincias exitosas da Psicologia no que invertem essa lgica de psicologizao podem ser exemplificadas pelos avanos no campo da Sade Mental, que tem desconstrudo a ideia da loucura como patologia estritamente mdica e biolgica, por meio de prticas e saberes que resgatem a cidadania (Rosa, 2003). Tambm se pode considerar a problematizao sobre o escopo da clnica ampliada, flexibilizao a ideia de setting teraputico para dispositivos de escuta e interveno, como encontros, passeios, visitas domiciliares (Soares, Susin & Warpechowski, 2009). 5 Consideraes finais Os CRAS, espao de demanda que envolve diretamente o modo como a sociedade capitalista se estrutura e as reais consequncias dessa lgica, como situaes de pobreza, desigualdade social e precarizao das polticas pblicas, leva ao questionamento do lugar que o psiclogo ocupa nesse campo. Apesar dos inmeros avanos do SUAS e da sua rpida expanso no contexto brasileiro, tem-se, concomitante a isso, vivenciado o aprofundamento da precarizao no campo das polticas pblicas e nas relaes de trabalho dos profissionais envolvidos nesses espaos. So profissionais que, na rotina dos servios, muitas vezes burocrticos e hierrquicos, terminam por subordinar-se ao processo de alienao e a terem restringida sua autonomia tcnica. O psiclogo necessita analisar sua atuao de diversos ngulos, pois se encontra inserido em uma poltica que est edificando sua estrutura e organizao, mas que, apesar dos avanos legislativos e operacionais, ainda descaracteriza seus iderios. Tambm precisa estar atento aos rumos e percursos da sua profisso, no sentido de buscar referncias, claras e operacionais, que estabeleam quais suas atribuies e competncias nesse espao. Neste estudo, constatou-se que os profissionais encontram-se em um espao que muito condiz com o preconizado pelo MDS, principalmente, em relao estrutura fsica e organizacional, desenvolvendo aes e atividades que so previstas pelos rgos competentes pela poltica. Porm, as estratgias de trabalho merecem uma anlise cuidadosa, pois, muitas vezes, so impostas aos profissionais. Alm disso, as relaes de trabalho estabelecidas

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    nos CRAS inviabilizam atividades continuadas e formao de equipes qualificadas. Os profissionais vivem constantemente a instabilidade do trabalho, sem diretos trabalhistas previstos para qualquer trabalhador e pela prpria poltica do SUAS. Essa realidade muito obscurece os avanos da poltica e revela a necessidade de se empreender esforos para que a Assistncia Social se consolide, de fato, como poltica pblica. Apesar das limitaes apontadas, pode-se observar no trabalho do psiclogo avanos condizentes ao iderio da garantia de direitos e cidadania: 1) a preocupao de registrar as informaes em instrumentais que facilitem o exerccio profissional de uma forma mais qualificada e organizada, ajudando na produo de dados para a gesto; 2) a presena de um profissional responsvel pelo PBF no espao do CRAS, que, apesar de no estar sendo realizado de forma integrada equipe da unidade, essa proximidade fsica possibilita a oferta simultnea e sistemtica de renda e servios socioassistenciais, potencializando a capacidade preventiva do CRAS; 3) o esforo de realizar a articulao entre os profissionais envolvidos na demanda do usurio (reunies, encontros etc.), desenvolvendo, assim, estratgias criativas de trabalho que potencializam aes e recursos j existentes; d) a persistncia dos profissionais que no se abatem com as dificuldades e os obstculos encontrados no cotidiano e nos limites da Poltica de Assistncia Social; e) e a compreenso da Psicologia como rea importante no espao das polticas pblicas, e, em especfico, da Assistncia Social. Nesta direo, a Psicologia pode fundamentar suas prticas em perspectivas inovadoras de trabalho e, sobretudo, extrapolar o vis individualista e normatizador que, por dcadas, hegemonicamente, embasaram o trato s expresses da questo social. Espera-se que esta pesquisa auxilie na construo de uma profisso comprometida com o enfrentamento da questo social e na consolidao da Poltica de Assistncia Social baseada na garantia dos direitos sociais populao. Referncias Arajo, C. C.; Pereira, M. E. F. D.; Guilhon, M. V. M.& Sousa, S. M. P. S. (2008) A gesto do trabalho no mbito do SUAS: uma anlise com base em resultados de pesquisa avaliativa. In Anais do ABEPSS - Associao Brasileira de Ensino e Pesquisa em Servio Social, So Lus, Maranho, (CD-ROM). Recuperado em 05 fevereiro, 2012 de Bardin, L. (2011). Anlise do contedo. So Paulo: Edicoes 70.

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    Endereo para correspondncia Samila Marques Leo Faculdade Santo Agostinho, 665, So Pedro, CEP 64019-625, Teresina PI, Brasil. Endereo eletrnico: [email protected] Isabel Maria Farias Fernandes de Oliveira Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Cincias Humanas, Letra e Arte. Campus Universitrio Departamento de Psicologia, Lagoa Nova, CEP 59078- 970, Natal - RN, Brasil. Endereo eletrnico: [email protected] Denis Barros de Carvalho Universidade Federal do Piau, Centro de Cincias da Educao, Campus Universitrio Ministro Portela, Ininga, CEP 64049-550, Teresina PI, Brasil. Endereo eletrnico: [email protected] Recebido em: 30/03/2012 Reformulado em: 10/06/2013 Aceito para publicao em: 15/08/2013 Acompanhamento do processo editorial: Rita Maria Manso de Barros Notas * Mestranda do curso de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN, Natal, Brasil. Especialista de Docncia no Ensino Superior pela Universidade Potiguar UnP, Natal RN, Brasil e em Poltica de Assistncia Social infncia e a juventude na perspectiva do Sistema nico de Assistncia Social pela Universidade Potiguar UnP, Natal RN, Brasil. ** Doutora em Psicologia pela Universidade de So Paulo. Professor Adjunto da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e do Programa de Ps-Graduao em Psicologia da UFRN *** Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, UFPI. Doutor em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor Adjunto da Universidade Federal do Piau. 1 Primeiro-damismo: a prtica do assistencialismo na figura da primeira-dama. No Governo de Getlio Vargas tivemos a presena de Darcy Vargas, que mobilizou senhoras da sociedade burguesa e outros segmentos para prestar servios beneficentes s classes subalternas. 2 Proteo social: so as formas s vezes mais, s vezes menos institucionalizadas que as sociedades constituem para proteger parte ou o conjunto de seus membros. Tais sistemas decorrem de certas vicissitudes da vida natural ou social, tais como a velhice, a doena, o infortnio, as privaes (PNAS apud Di Giovanni, 2004, p. 17). 3 O conceito de intersetorialidade traz embutida a noo do desenvolvimento de aes integradas entre as diferentes reas sociais educao, sade, habitao, assistncia social e outras e tem como princpio romper com uma viso fragmentada da poltica ou ao social, j que passa a exigir uma integrao de objetivos, metas, procedimentos de diversos rgos governamentais e Secretarias de Estado (Leite & Duarte, 2005, p. 1). 4 De acordo com Libneo (2004), a Psicologia Individualista privilegia a individualidade biolgica, no assumindo os antecedentes sociais e os produtos sociais da atividade humana. Ao discutir sobre educao, o autor pontua a existncia de tal perspectiva na Psicologia Humanista (Existencialismo) e na Psicanlise. 5 De acordo com Lo Bianco, Bastos, Nunes e Silva (1994) so utilizados critrios para definir o tradicional e o clssico em termos de Psicologia Clnica, que so as atividades como psicodiagnstico e/ou terapia individual ou grupal, que levam em

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    considerao o enfoque intraindividual, voltado para processos psicolgicos e psicopatolgicos, com uma viso de homem abstrata e a-histrica. 6 Manh de Cidadania um vento promovido pela prefeitura de Teresina por meio da SEMTCAS, que concentra uma diversidade de atividades culturais e educativas (palestras), como incluso e concesso de benefcios (PBF, passe livre do idoso e de pessoas com deficincia), documentao civil, aes de sade, e acessria jurdica. 7 Ncleo de Apoio Intergeracional: Instituio da Prefeitura Municipal de Teresina, de responsabilidade da SEMTCAS, que presta atendimento social, cultural e de lazer a diversas faixa etrias. 8 Transporte eficiente: beneficio da prefeitura municipal de Teresina s pessoas com deficincia. 9 Os mnimos sociais visam assegurar as necessidades bsicas da populao que se encontra em situao de excluso social; tambm estabelece parmetros mnimos para proviso da alimentao, higiene, sade. 10 Compreende-se por papel poltico a busca por estratgias de interveno de ruptura com os mecanismos opressores presentes na sociedade atual (Senra, 2009, p. 159).