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NAI TAN DEI Sociedade Nacional de Belas Artes 6 de Março a 4 de Abril de 2014

NAI TAN DEI · 2014. 4. 5. · fogo remetia para a concepção do ciclo cósmico, na medida em que o fogo estabelece uma permuta com as outras coisas, e estas com o fogo em si mesmo

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NAI TAN DEI

Sociedade Nacional de Belas Artes

6 de Março a 4 de Abril de 2014

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Francisco Ariztía:

Quando a memória se faz paisagem

Cristina Azevedo Tavares

FRANCISCO ARIZTÍA

NAI TAN DEI

Ao olhar estes últimos quadros de Francisco Ariztía a

cor é tão forte, profunda, que é impossível não haver

comoção, empatia. A cor recuperou a identidade per-

dida e em nada tem a ver com a realidade virtual, mas

com o fazer concreto do acrílico sobre a tela. Uma rea-

lidade física, táctil, que o olhos percorrem avidamente,

encontrando síncopes, transições, diluições, sobreposi-

ções, saltos e esconderijos. Tudo é concreto e a pintura

aproxima-se rapidamente da vertigem do tacto. A cor

consubstancia-se em passagens tonais ou bruscas to-

mando corpo em manchas lisas e/ou sobrepostas em

camadas, transposições, escorrências leves.

Azuis, violetas e verdes, amarelos e castanhos porten-

tosos, fazem-nos recuperar o cheiro do ar rarefeito, do

esplendor da montanha (Santiago do Chile e as mon-

tanhas ao fundo, cerros) que mudam a cor da cidade

de acordo com as estações do ano e as horas do dia

(Don Manquehue, 2013). Negros profundos e abissais

recortam a montanha na noite, por vezes alumiada

pelo fogo (A noite, 2013) em vermelhos, laranjas e

amarelos clamorosos.

Por vezes essa paisagem da montanha de recorte eró-

tico (“cordilheira mulher” como afirma Ariztía) é palco

de acontecimentos imaginários, reais, mas impondera-

velmente mágicos. Por ela passam, escondem-se e insi-

nuam-se levemente, seres, fantasmas ou simplesmen-

te a lembrança de alguém (Gabriela anduvo por aqui,

2011) evocando a presença da poetisa chilena Gabriela

Mistral. Mas por vezes nos cerros também há uma casa.

Grafismo: Paulo Emiliano | Fotografia: Roberto Santandreu | Impressão: Greca - Artes Gráficas

Embaixada do Chile

Apoio

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Uma casa de planta quadrada isolada, solitária, forte,

bem alicerçada no terreno, capaz de lutar contra todas

as intempéries, mas também de ser pasto do fogo.

O pintor deste modo regressa aos arquétipos do ima-

ginário, tão sagazmente apontados por Bachelard

(Psicanálise do Fogo, Poética do Espaço): o fogo e a casa.

O fogo era para Heraclito, um elemento que tinha a

ver com a tradição da astronomia da Babilónia que

influenciou os primeiros pensadores gregos. Assim o

fogo remetia para a concepção do ciclo cósmico, na

medida em que o fogo estabelece uma permuta com

as outras coisas, e estas com o fogo em si mesmo. As-

sim, para Heraclito Este mundo, o mesmo para todos os

seres, não foi criado por nenhum deus nem por nenhum

homem, mas sempre foi, é e será fogo eternamente vivo,

que se acende com medida e se apaga com medida.

(Heraclito, Da Natureza, frag.30)

Empédocles é o primeiro a desenvolver a teoria dos

quatro elementos, que são respectivamente a terra, o

ar, a água, o ar e o fogo e que se geram a partir da dis-

córdia/repulsa e se unem através do amor/atracção.

Entretanto o fogo tal como o ar são entendidos como

princípios masculinos e activos, enquanto a terra e a

água estão associadas ao feminino e à forma de re-

ceptáculo, portanto à passividade.

Em várias pinturas de Ariztía, algumas dos anos ante-

riores, o fogo é representado não consumindo toda

a paisagem, mas situando-se como um elemento

central ou localizando-se no plano de fundo, atemori-

zando a paisagem. Podemos reflectir sobre o que isto

significa e aludir que o fogo encarna simbolicamente

uma dimensão destrutiva, mas igualmente purifica-

dora e regeneradora, que o vincula à mitologia, assim

como a práticas religiosas ancestrais. Estando ligado

às grandes conquistas da humanidade, mas também

às maiores catástrofes, o fogo é representado sem-

pre pelo pintor no contexto da paisagem como um

elemento que dialoga com os outros elementos, em

particular a terra, a montanha, como um amante fér-

til. Por vezes encontra-se escondido numa pequena

habitação, outras das vezes deflagra-se a partir dela.

Por sua vez, a casa é o centro cósmico, é o “ninho”:

dela tudo irradia e é onde tudo pode ser acolhido. São

casas simples, pequenas, pois vistas à distância, volu-

mes perfeitos que se perfilam dignamente na paisa-

gem, por vezes terminam numa abóbada como no

quadro Luz, de 2010 (que não se encontra presente

nesta exposição), outras vezes a casa é encimada por

um telhado de duas abas, fazendo um ângulo agudo.

Quem sabe se não são habitadas pelos fantasmas e

os espíritos que passeiam nas pinturas de Ariztía em

névoas constantes de violetas e negros.

Este envolvimento da paisagem na pintura, embora

latente há algum tempo, manifestou-se claramente

de 2006 em diante. Às paisagens em acrílico liga-se o

desenho na crueza do traço e da mancha sobre o li-

nho como em Sendas, 2014. Aí descobrimos o traço

como sulco cravejado sobre a terra e o céu; a mancha

como cor sincopada, espalhada, ténue ou intensa. E na

minúcia do traço de contorno vemos renascer numa

cordilheira o perfil do corpo feminino. Na economia do

desenho descobrimos a estrutura geral das pinturas,

outras porém fogem a esta fisionomia já que intera-

gem com outros elementos construtivos como Home-

nagem à batata, 2010, que é também uma evocação

de um cerro maior; ou numa vivência trágica do Iraque,

Paura, 2013, onde a destruição está patente, e ainda Oh

ma piramide à moi, 2013, evocando as pirâmides extra-

ordinárias da civilização inca do Perú, que Ariztía visitou

ainda muito jovem. A moi, evoca a certeza das memó-

rias que a imaginação vai reificando, de tal modo que a

transformação efectuada pelo tempo pode ser perten-

ça de alguém, neste caso do pintor.

Francisco Ariztía nasceu no Chile, viajou pelo mundo

e estabeleceu-se em Lisboa desde 1975, mas é um

homem de outras paragens, que viaja dentro de si

próprio. De certo modo este conjunto de obras com-

prova como a pertença das memórias de outros lu-

gares e de outras pessoas se podem transformar em

paisagens, nas quais o fogo não dorme, mas está vivo

permanentemente.

Lisboa, Fevereiro de 2014

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NAI TAN DEI 400 x 120 cm - acrílico e óleo sobre tela (Díptico)

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SENDAS 260 x 130 cm - carvão sobre linho (Díptico)

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DON MANQUEHUE 320 x 160 cm - acrílico sobre tela (Díptico)

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VIAGEM 400 x 100 cm - acrílico sobre tela (Poliptico)

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O DIA 50 x 50 cm – acrílico sobre tela

A NOITE 50 x 50 cm – acrílico sobre tela

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OH! MA PIRAMIDE À MOI 120 x 200 – acrílico e óleo sobre tela

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HOMENAGEM À BATATA 130 x 130 cm - acrílico e óleo sobre tela

DOIS EM UM Ø 60 cm – acrílico e óleo sobre tela

PAURA 130 x 130 cm - acrílico e lápis de cera sobre tela

O POETA É UM FINGIDOR 50 x 50 cm – acrílico e óleo sobre tela

À PROCURA DA LUZ 160 x 160 cm – acrílico sobre tela

GABRIELA ANDOU POR AQUI 130 X 162 cm – óleo e papel sobre tela

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FRANCISCO ARIZTÍA DE FERARINasceu a 7 de Setembro de 1943, em Santiago do Chile

1962/1966Estuda desenho, pintura e gravura na Escola de Belas Artes da Universidade do Chile, Santiago do Chile

1966/1968Bolseiro do Governo Jugoslavo, em BelgradoTrabalho nos “ateliers” de pintura e gravura da Escola de Belas Artes de BelgradoViaja pela Jugoslávia e à Grécia (Atenas), para estudar os mosteiros bizantinos.

1968/1970Bolseiro do Governo Francês, em ParisTrabalha nos “ateliers” de gravura e pintura da Escola Superior de Belas Artes de Paris - gravura com Mestre Couteau e pintura com Mestre Singier.

1970/1971Vive e trabalha em Bolonha, Itália, e em Paris, França.

1972Regressa ao Chile em Setembro de 1972Trabalha como monitor e animador cultural do Departamento de Artes Plásticas da Casa da Cultura de Chuquicamata, Chile.

1974Regressa a França.Faz um estágio no Museu da Abbaye de Ste Croix, em Sables d’Olonne (Vandeia).

Desde 1975 Vive e trabalha em Lisboa, Portugal

1989/1991Bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian (Lisboa) - estudos de serigfrafia.

EXPOSIÇÕES COLECTIVAS

1962/2010Museu de Arte Contemporânea - Santiago do Chile (1964)“Goethe Institut” - Santiago do Chile (1965)“Salon des Grands et Jeunes d’Aujourd’hui” - Paris, França (1969)Galeria de Belas Artes - Paris, França (1969)Galeria de França - Paris (1969)Museu de Sassoferrato - Sassoferrato, Itália (1970)Galeria «Carbonesi» - Bolonha, Itália (1970).“Piccola Europa” - Sassoferrato, Italia (1970/71)«Centro A» - Santiago do Chile (1972)“Royal College of Art” - Londres, Inglaterra (1974)Bienal de Veneza - Itália (1974)Casa da Cultura “André Malraux” - Reims, França (1977)“Images et Messages d’Amérique Latine” - Ville Parisis, França (1978)«Petits Formats», Espaço Latino-Americano - Paris, França (1981)Museu de Nettetal - Alemanha (1981)«Gravura», Fundação Calouste Gulbenkian - Lisboa, Portugal (1981)Galeria «Skira» (Homenagem a Picasso) - Madrid, Espanha (1981)Bienal Íbero-Americana de «Arte Serado» - Sevilha, Espanha (1982).II Bienal de Vila Nova de Cerveira, Vila Nova de Cerveira, Portugal (1983)Galeria «Altamira» - Lisboa, Potugal (1983)Sociedade Nacional de Belas Artes - Lisboa, Portugal (1983)«O Papel» - Sociedade Nacional de Belas Artes - Lisboa, Portugal (1985)IIIª Bienal de Vila Nova de Cerveira - Portugal (1985)Galeria «Época» - Santiago do Chile (1986).Galerías “Plástica Nueva” e “Plástica 3” - Santiago de Chile (1986)Museu Nacional de Belas Artes - “Museo Abierto” - Santiago do Chile (1990)“International Art Exposition” - Chicado, EUA (1993)Galeria “Plástica Nueva” - Santiago do Chile (1996)“Encontro Íbero-Americano da Cultura Humorística” - Padrão dos Descobrimentos - Belém, Lisboa“Paródia e Pastiche” - Covento dos Cardais - Lisboa, Portugal“Artistas Estrangeiros Residentes em Portugal” - Lisboa 1994, capital da cultura Íbero-Americana - Espaço Oikos - Lisboa, Portugal.Feira de Arte Contemporânea - FAC, Lisboa, Portugal (1997).“Grands et Jeuns d’Aujourd’hui”, Paris, Francia (1998).Bienal de Montijo - Montijo, Portugal (2002).Feira de Arte Contemporânea - FAC, Lisboa, Portugal (2002)

EXPOSIÇÕES INDIVIDUAIS

1966/2010Galeria “Patio” - Santiago do Chile (1966)Galeria “Delle Moline” - Bolonha, Itália (1970)Galeria “Melnikov” - Heidelbergue, Alemanha (1976)Galeria “Skira” - Madrid, Espanha (1976)Galeria “Leo” - Lisboa, Portugal (1977)Cooperativa “Árvore” - Porto, Portugal (1977)Galeria “CCC” - Amesterdão, Holanda (1978)Galeira “Fabrik” - Oberhausen, Alemanha (1979)Museu de Arte Moderna - Bochum, Alemanha (1979)Galeria “Plástica 3” - Santiago do Chile (1985)Galeria “Arcada” - Estoril, Portugal (1987)Galeria “Moira” - Lisboa, Portugal (1992)“Portes ouvertes”, Bastilla, Paris, Francia (1994)Espaço “OIKOS” - Lisboa, Portugal (1995)Galeria “Ara”, Lisboa, Portugal (1997) - Lugar do sonho e do cantoGaleria “Artespacio” - Santiago de Chile (2000)Museu Torres Garcia, Montevideo, Uruguay (2001)Instituto Cervantes, Belgrado, Jugoslávia (2006)Galeria do Teatro Municipal de Almada, Almada, Portugal (2009)

OBRAS EM MUSEUS

Museu de Arte Contemporânea - Santiago do ChileMuseu da Abadia de Stª Cruz - Sables d’Olonne, FrançaMuseu de Sassoferrato - ItáliaMuseu de Arte Moderna - Bochum, AlemanhaMuseu de Arte Moderna, Fundação Calouste Gulbenkian - Lisboa, PortugalMuseu de la Solidaridad, Santiago do ChileBiblioteca Pública e Arquivo de Ponta Delgada - Açores, PortugalTem também obras em colecções privadas, entre outras, de Manuel Brito e da Caixa Geral de Depósitos, em Lisboa; de Roberto Matta, em Paris e Tarquínia (Itália); no Chase Manhatan Bank e no City Bank.Colaborou com Raul Ruiz em três dos seus filmes, realizando painéis, quadros e figuração.Foi professor na Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa, Portugal.Entre Janeiro de 1998 e Janeiro de 2002 foi Adido Cultural da Embaixada do Chile em Lisboa.

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NAI TAN DEI

Sociedade Nacional de Belas Artes

6 de Março a 4 de Abril de 2014