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Multiculturalidade e Educação Intercultural
Times New Roman, tam 12, 1,5l
“O discurso e atitudes contra os imigrantes são possivelmente um resultado perverso dos discursos e atitudes que vêem a nação como uma unidade natural e orgânica, e as culturas como unidades imutáveis e estanques. São, também, no nosso caso, o resultado da experiência colonial. “raça”, cultura e língua são, assim, construídas como evidências que separariam o Nós dos Outros. Ora, a base da vida democrática não pode ser o nós da Nação, mas sim os múltiplos Eus que constituem a cidadania de uma República. (…) (Vieira, 2011:94).
Interprete e explique o alcance do texto.
A história de Portugal é uma história de migração o que torna a sua sociedade
pluralizada. Desde o século XVI que Portugal é um país de emigrantes sendo que até
1970 muitos iam para as colónias, alterando-se com a guerra colonial, passando os
países de acolhimento a ser os mais desenvolvidos da América e da Europa. De algumas
para cá, Portugal transformou-se num país aberto à imigração devido à descolonização e
à sua entrada na UE, aceitando novas culturas, etnias, línguas e religiões tornando-se
numa sociedade multicultural, dividindo-se a sua estrutura imigrante em três ordens:
profissionais muito qualificados, predominando profissionais brasileiros; trabalhadores
especializados, pequenos empresários e trabalhadores não qualificados dominando os
refugiados e imigrantes ilegais. Portugal passou de fornecedor de mão-de-obra a país de
acolhimento, tendo a interação social renovado atitudes e aspetos culturais. Mas, os
imigrantes depararam-se com contrariedades e impedimentos na sua integração, talvez
por necessidade de afirmação como resultado depravado de discursos, atitudes que
encaram a nação como uma unidade natural e orgânica e as culturas como inalteráveis e
estanques. Situando-se cultural e socialmente entre duas comunidades desiguais,
familiares e local, a maioria dos filhos de imigrantes já nasceu em Portugal, crescendo
entre dois padrões culturais e sociais diferentes levando à existência de conflitos na
construção de uma identidade social positiva. Depois, não haver estruturas
representativas onde possam manifestar as suas singularidades e a imposição dos
padrões culturais portugueses põe em causa a sua identidade e herança cultural, o seu
direito à diferença. Ao passo que são assimilados pela comunidade recetora, são
silenciados pela discriminação, agravada pela carência dos bairros onde vivem. A
sociedade portuguesa apresenta um défice de conhecimentos da diversidade cultural e
de diálogo intercultural, embora este não seja um país de cultura homogénea. Contudo,
Multiculturalidade e Educação Intercultural
a crescente presença de minorias étnicas levou a pressões sendo preciso tomar medidas
políticas. Para haver uma política de integração social dos imigrantes é preciso incluir
os excluídos, respeitar as suas diferenças, atestar o seu estatuto legal, dar-lhes direitos.
O imigrante não representa a cultura do seu país, nem a da comunidade original o que é
um entrave maior ao regresso aos seus países por já não serem reconhecidos, muitas
vezes, mais cultural que materialmente. Na realidade, esta cultura é definida pelos
segundo os seus interesses, partindo de critérios etnocentristas, sendo tudo o que os faz
parecer diferentes. Segundo Denys Duche “quanto mais é percebido como diferente,
mais um indivíduo é considerado como um “imigrado”…”. Não se pode esboçar um
quadro único das culturas dos imigrados porque só existem no plural. Segundo o Doutor
Ricardo Vieira, “a base da vida democrática não pode ser o nós da Nação, mas sim os
múltiplos Eus que constituem a cidadania de uma República”, pois estas culturas só
existem na diversidade das situações e dos modos de relações interétnicas constituindo
sistemas complexos e evolutivos tendo de ser reinterpretados por indivíduos com
interesses categoriais diferentes. (38,5 linhas)
“Convém, ainda, refletir sobre a transformação e as metamorfoses identitárias que
ocorrem com os imigrados (…). Para já, convém registar, para romper com o
senso comum, que o imigrado não é o representante da cultura do seu país nem da
comunidade original. (Vieira, 2011:94) Interprete e explique o alcance do texto.
A identidade é uma construção complexa fundada na relação estabelecida com o outro,
e não um estado existencial e essencialista. Segundo Vieira, “se a identidade implica
alguma constância, não se trata no entanto duma repetição indefinida do mesmo, mas
antes dialética, por integração do outro no eu, da mudança na continuidade”. Aqueles
que vivem contextos migratórios, segundo múltiplas referências culturais e situações
complexas, tendem para o hibridismo identitário ou segundo Laplantine para a
mestiçagem. Conforme Hall “na situação de diáspora, as identidades tornam-se
múltiplas”. Assim, buscar sentidos e pertenças identitárias torna-se complexo, exigindo
dos sujeitos um trabalho de reflexividade e (re)construção de si permanente, com
mecanismos próprios que possam gerir as suas subjetividades e idiossincrasias. Os
migrantes “têm um pé em cada sítio” e, como tal, surge a radicalização das suas
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identidades híbridas e mestiças pelo processo de pluralização dos espaços estruturais
onde se forma a identidade. O eu plural (re)inventa-se numa multiplicidade de pertenças
e espaços simbólicos, num processo contínuo de mestiçagem onde cada um é o que é
pelas relações estabelecidas e pela com que se apropria do outro, tornando-o seu. A
mestiçagem permite a mudança e a transformação cultural, pela base, através do
processo de ordem individual, ainda que estes se repitam para darem a impressão de um
processo de grupo. Este seria um fator de subjetivação, conferindo ao sujeito a
capacidade de se construir e de se traduzir em atos. A identidade assume-se como um
processo mutável, multidimensional derivada de uma construção social e, resultante,
também, da sua complexidade onde os sujeitos procuram uma coerência identitária pelo
desenvolvimento de uma segurança ontológica que possibilite a continuação da sua
autoidentidade pessoal. Esta não corresponde a uma constância mecânica, uma repetição
indefinida do mesmo, mas dialética pela integração do outro no mesmo, da mudança na
continuidade. Situando-se cultural e socialmente entre duas comunidades desiguais,
familiares e local, a maioria dos filhos de imigrantes já nasceu em Portugal, crescendo
entre dois padrões culturais e sociais diferentes levando à existência de conflitos na
construção de uma identidade social positiva. O facto de não haver estruturas onde
possam manifestar as suas singularidades e a imposição dos padrões culturais
portugueses põe em causa a sua identidade e herança cultural, o seu direito à diferença.
Ao mesmo tempo que são assimilados pela comunidade recetora, são silenciados pela
discriminação. A nossa sociedade apresenta um défice de conhecimentos da diversidade
cultural e de diálogo intercultural. Para haver uma política de integração social dos
imigrantes é preciso incluir os excluídos, respeitar as suas diferenças, atestar o seu
estatuto legal, dar-lhes direitos. Estes não representam já a cultura do seu país, nem a da
comunidade original, o que acaba por ser um entrave ao regresso aos seus países pois já
não são reconhecidos. Na realidade, esta cultura define-se partindo de critérios
etnocentristas. De acordo com Denys Duche “quanto mais é percebido como diferente,
mais um indivíduo é considerado como um “imigrado”…”. (39 linhas)
“(…) É este processo idiossincrático que nos permite afirmar a nossa diferença face aos demais com os quais nos poderemos identificar sócio ou culturalmente. (…) São esses elementos que nos tornariam, na linguagem comum, “iguais” ao outro que, paradoxalmente, nos tornam “diferentes” desse outro. (Vieira,2009:48)
Multiculturalidade e Educação Intercultural
Interprete e explique o alcance do texto. Diga em que sentido a identidade é uma construção idiossincrática.
Primitivamente, o conceito de identidade ligava-se a aspetos patológicos, progredindo
depois para uma abordagem menos substancialista e de caráter social, visando as
escolhas do indivíduo, desmistificando-se uma visão reducionista, de previsibilidade
dos comportamentos individuais e sociais no tempo e na história individual e coletiva,
fortificando a ideia de que a identidade é um processo dinâmico e de mudanças
constantes de nós próprios devido ao facto de o indivíduo se cruzar com o outro.
Construir a identidade é dar um significado consistente e coerente à existência,
integrando as experiências passadas e presentes para dar sentido ao futuro. É a definição
de si próprio equivalendo a uma série de caraterísticas que determinam o indivíduo, é
tudo o que nos define, é o que somos, é uma identificação processual, sendo o nome
próprio o primeiro grande pilar da singularidade de cada um de nós, encerrando todas as
outras caraterísticas, a celebração da unidade de si. Ao contrário da personalidade, a
identidade pessoal nunca está acabada, estando num processo de constante construção e
reconstrução. Na pré-modernidade pensava-se que o ser humano era uno e indivisível,
completo, dotado de razão, de consciência e de ação, permanecendo igual a si próprio
ao longo de toda a sua existência sendo a identidade a essência do eu. Entretanto e com
a complexificação da sociedade, a identidade passou a ter outra conceção. Segundo Hall
“o sujeito era formado na relação com as outras pessoas importantes para ele, que
mediavam para o sujeito os valores, sentidos e símbolos- a cultura-dos mundos que
ele/ela habitava”, formando-se a partir da relação estabelecida entre o eu interior e a
sociedade envolvente. Ao mesmo tempo que o eu se projeta nas identidades culturais
absorve também os seus significados e valores, tornando-os parte desse eu, aliando
sentimentos subjetivos com lugares objetivos os quais ocupa no mundo social e cultural.
De acordo com Malouf “ a identidade de uma pessoa é constituída por uma multitude de
elementos, que não se limitam aos que figuram nos registos oficiais. Se cada um desses
elementos se pode encontrar num grande número de indivíduos, jamais encontraremos a
mesma combinação em duas pessoas diferentes e é (… ) isso que produz a riqueza de
cada um (…) aquilo que faz de cada pessoa um ser singular e potencialmente
insubstituível”. É este o processo de idiossincrasia que nos diferencia relativamente aos
demais com quem nos podemos identificar socialmente ou culturalmente. Há toda uma
série de elementos linguísticos, culturais, ideológicos, territoriais estruturantes do grupo
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com o qual nos identificamos que se encontram inscritos na nossa identidade. São esses
mesmos elementos que nos tornariam “iguais” ao outro, mas que ao mesmo tempo nos
diferenciam dele. Possuir caraterísticas parecidas não significa ter identidades idênticas.
Este termo não se pode definir de modo simplista pois segundo Vieira “o sujeito está
longe de ser apenas um mero recetor de culturas, ele faz o processamento de todas as
informações que lhe vão chegando e a forma como o faz é o que o torna um ser único e
singular (…) a forma como trata e combina todas essas informações exógenas é
exclusiva e intrínseca. “ (38,5 linhas)
A identidade assume assim um caráter não essencialista. O sujeito não tem uma identidade fixa, essencial ou permanente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas em redor de um “eu”coerente (idem:13). Existem identidades contraditórias dentro de nós que nos empurram em diferentes direções, o que provoca a deslocação das nossas identificações.
O sujeito está, portanto, a sofrer um processo de descentralização, é um “ator plural”, conforme nos diz Lahire, (2002:52) “Nós somos por isso plurais, diferentes em situações diferentes da vida ordinária, estranhos às outras partes de nós mesmos quando somos investidos neste ou naquele domínio da existência social”. (Vieira, 2009:55).
O que é uma identidade não essencialista? Explique o pensamento de lahire relativamente a esta matéria.
Primitivamente, o conceito de identidade encontrava-se ligado a aspetos patológicos,
progredindo para uma abordagem menos substancialista e de caráter social, visando as
escolhas do indivíduo, desmistificando-se uma visão reducionista, de previsibilidade
dos comportamentos individuais e sociais no tempo e na história individual e coletiva,
fortificando-se a ideia de que a identidade é um processo dinâmico e de mudanças
constantes de nós próprios devido ao facto de o indivíduo se cruzar com o outro.
Construir a identidade é dar um significado consistente e coerente à existência,
integrando as experiências passadas e presentes para dar sentido ao futuro. Esta é a
definição de si próprio equivalendo a uma série de caraterísticas que determinam o
indivíduo, é tudo o que nos define, é o que somos, é uma identificação processual nunca
estando acabada, encontrando-se num processo de constante construção e reconstrução.
Na pré-modernidade pensava-se que o ser humano era uno e indivisível, completo,
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dotado de razão, de consciência e de ação, permanecendo igual a si próprio ao longo de
toda a sua existência sendo a identidade a essência do eu, mas com a complexificação
da sociedade, a identidade passou a ter outra conceção. Segundo Hall “o sujeito era
formado na relação com as outras pessoas importantes para ele, que mediavam para o
sujeito os valores, sentidos e símbolos, a cultura-dos mundos que habitava”, formando-
se a partir da relação estabelecida entre o eu interior e a sociedade envolvente. Ao
mesmo tempo que o eu se projeta nas identidades culturais absorve também os seus
significados e valores, tornando-os parte desse eu, aliando sentimentos subjetivos com
lugares objetivos os quais ocupa no mundo social e cultural. Neste novo desenho em
que se delineia uma “sociedade cosmopolita global”, a identidade assume novos
contornos, os quais estão longe de serem definidos e estáveis. Pelo contrário, são
caraterizados, exatamente, pela imprecisão, indefinição e pelo descontínuo. Aquele
sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está a
fragmentar-se, encontrando-se pluralizado, composto não por uma, mas por várias
identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas. Aquelas identidades que
asseguravam a nossa conformidade subjetiva com as necessidades objetivas da cultura
estão a entrar em rutura. Até mesmo o processo de identificação no qual projetávamos
as nossas identidades culturais é agora mais provisório, variável e problemático, daí o
caráter não essencialista da identidade explícito no pensamento de Lahire. O sujeito
apresenta várias identidades nos variados momentos, nem sempre unificadas, nem
coerentes, até mesmo contraditórias, deslocando as nossas identificações, ou seja, o
sujeito está num processo de pluralização e descentralização do seu eu para dar lugar
aos múltiplos eus, comportando-se e agindo de forma diversificada perante as mais
variadas situações. Ainda que tente viver a sua identidade como se resolvida ou
unificada, a mesma permanece contudo incompleta encontrando-se num processo
constante de formação e renovação. (38,5 linhas)
Os problemas pedagógicos, e de indisciplina na escola, são, muitas vezes, vistos como problemas escolares, quando, na verdade, eles são problemas sociais que se revelam e potenciam na escola (Amado, 2000). A escolarização dos problemas sociais ou a sua transformação em problemas escolares por consequência das tensões sociais, de que se ocuparam a psicologia e outras ciências, promoveu largamente uma visão de escola como uma instituição cujo funcionamento é redutível a comportamentos psicologicamente controláveis e, portanto,
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interpretáveis e reguláveis à luz de fatores individuais. Ora, o que se verifica é que a mediação não é apenas uma tarefa de relação entre indivíduos, mas, antes, entre pessoas, portadoras de valores, socializadas em contextos de multicultura e multiculturais, elas próprias, em termos de identidade pessoal (Vieira, 2011:186).
Interprete e explique o alcance do texto no contexto do serviço social na escola.
Segundo o professor Doutor Ricardo Vieira “ a escola é um local de encontros e
desencontros de pessoas, de diferentes culturas, com diversos pontos de vista, com
vários saberes, de continuidades e descontinuidades entre a escola e o lar”. Mas, a
“escola para todos” acarretou mais pessoas para dentro do mesmo espaço, das mesmas
regras, da mesma cultura hegemónica do Estado- Nação, que têm grande
heterogeneidade cultural fazendo desta um microcosmos da sociedade. Assim, a
educação, até a escolar, para ser performativa, não pode ser mais que um processo de
mediação entre sujeitos, mundos e saberes sendo raro refletir-se naquilo que é
necessário mudar nesta entidade para que acolha todos sem discriminar. Se uma
mudança ocorresse o professor trabalharia fora do contexto sala de aula pois é do seu
lado de fora que provêm as mentes culturais, assim como as identidades pessoais.
Porém, esta prática implica um conhecimento antropológico e de mediação
sociocultural levando a que se pense não só no aluno, enquanto entidade psíquica, mas
na sua pessoa, que não só está na escola, mas entre a escola e o lar. Nortear estas
diferenças, de modo não díspar, implica negociação. A educação escolar inclui
forçosamente uma terceira pessoa desenvolvendo-se numa interação triangular sendo o
mediador um tradutor de culturas, podendo, neste caso, ser o assistente social. A função
da mediação é servir de ponto de encontro daqueles que são diferentes sem os tentar
homogeneizar o que significa buscar um terceiro lugar, onde aprender implica partir,
transformar-se, levando à emergência da terceira pessoa. Mas esta terceira pessoa não
pode ser acabada, não poderá ser estática, deverá ser sempre mestiça, estando sujeita a
novas reconstruções identitárias. Os problemas pedagógicos e de indisciplina na escola
são, uma grande parte das, vistos como problemas escolares quando na verdade não
passam de problemas sociais que se revelam e que se potenciam ali. A antropologia e,
sobretudo, a Antropologia da Educação têm contribuído para a construção de práticas de
mediação sociocultural que se podem empregar nas escolas que se querem hoje para
todos. Quer os professores como outros agentes educativos admitem que há necessidade
da existência de um mediador, que tenha formação específica na área social. Desta
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forma, o Assistente social, possuindo uma formação teórica em ciências sociais, em
antropologia, em educação social e em mediação, reunirá as condições essenciais para
se poder tornar num agente catalisador de processos coletivos, fomentando a
comunicação entre os distintos agentes socializadores e, ao mesmo tempo, ser esse
mediador sociocultural e sociopedagógico, bem como um edificador de pontes entre o
local e o global, em coadjuvação com os professores. Conquanto, uma vez que o
isolamento profissional provoca fragilidade, um mediador sociopedagógico não poderá
trabalhar isoladamente, daí haver precisão de redes de apoio social, tal como de equipas
multidisciplinares que possam intervir de uma forma concertada, eficiente e resolutiva
dos problemas que afetam os alunos. (37,5 linhas)
“Mas a mestiçagem não é um produto acabado. É-o apenas num dado momento. A Mestiçagem é também processo vivo em vias de “tornar-se” outra coisa.
“A especificidade de uma cultura ou de um indivíduo resulta de combinações infinitas que podem ser produzidas fora de nós, mas também em nós – as hipóteses são múltiplas -, de ajustamento entre termos heterogéneos, dissemelhantes, diferentes, numa palavra, da reformulação de diversas heranças. Estamos sempre em presença do binómio universalismo/particularismo (e estes nunca são essências, antes processos)… (Laplantine, e Nouss, 2002_76-77). E essa coisa, esse produto/produto não é planificável Há como que uma química social que faz emergir sempre um novo todo singular, resultado de forças objetivas e subjetivas do agenciamento.
“Conferir uma identidade singular à mestiçagem revela-se um absurdo (…) uma fotografia minha não poderá ser totalmente eu; eu não posso aceitar essa redução a uma pose, ou seja, a uma só das minhas representações. (Laplantine, e Nouss, idem: 81).
(…) A mestiçagem, que não é substância nem essência, que não é conteúdo (…) só existe em exterioridade e alteridade(…) (lapalantine, e Nouss, idem: 82)
(…) “O pensamento mestiço baralha (…) O pensamento da mestiçagem é claramente um pensamento da mediação que se exerce no intermediário (…) (Laplantine, e Nouss, idem:83). (in Vieira, 2009:30).
Interprete o texto. Refira, com exemplos práticos, em que consiste uma epistemologia menos monocultural aplicada ao serviço social.
De acordo com o Professor Doutor Ricardo Vieira “a pessoa nunca é apenas passado. A
pessoa é presente e é projeto” e a formação de qualquer profissional nomeadamente de
Serviço Social deve considerar essa transformação, deve ter consciência dessa
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incompletude, essa vontade de partir, de procurar outras margens, deve considerar onde
está a pessoa e para onde quer ela ir e ajudá-la a concretizar o seu projeto de forma a dar
um sentido à vida. O próprio processo de aprender implica transformação. Em todos os
processos de aprendizagem e de construção e reconstrução de identidade por que
passamos se transita de um ponto para outro, existindo uma parte central onde fica o
centro da dúvida, de todas as possibilidades, de oportunidade para tomar as várias
direções, constituindo um lugar de transição, de mudança de fase, de sensibilidade, com
obstáculos-de exposição, mas necessário para se adquirir conhecimento e haver
aprendizagem, algo que proporcione uma constante instrução a um “terceiro instruído”,
o “mestiço” como resultado de meios-termos entre diferentes locais e caminhos
possíveis de percorrer, os quais cada indivíduo experimenta ao longo das aprendizagens
que vai fazendo durante a sua vida. Todos somos mestiços e é no labirinto mais
profundo das nossas mestiçagens que se geram as nossas opções, os nossos valores, se
formam e se transformam as culturas e as nossas crenças. A mestiçagem é a experiência
do ser lapso e carente que só se realiza num processo infinito de encontro com os outros
permitindo ao sujeito a sua construção e tradução em atos, não sendo um produto
acabado, senão num dado momento. Esta não é fusão, coesão, osmose, mas
confrontação e diálogo, um processo vivo a caminho de “tornar-se” outra coisa, não se
planificando, não correspondendo a qualquer tipo de hibridismo amorfo, a sincretismos
sem rosto ou a relativismos éticos, antropológicos ou culturais. O mestiço não é uma
mera sobreposição de materiais diferentes numa bricolage labiríntica descaraterizadora
tanto de nós como dos outros sendo antes um tecido, feito de fios ou materiais
diferentes, o terceiro instruído, resultado de meios técnicos, não estando terminado,
autorizando a mudança e a transformação cultural, é o que surge entre duas margens, “a
relação estabelecida entre ambas, a transformação”, como diz o Doutor Ricardo Vieira.
Segundo este “a pessoa não é tábua, existe e pensa, sente e age de acordo com o
background cultural” e considerando o seu projeto pode assumir-se em diferentes
metamorfoses. Os indivíduos são continuamente obrigados a modificar e a definir as
suas identidades, sem ser permitido fixarem-se a uma delas, causando conflitos nas suas
relações interpessoais. Portanto, identidade e diferença caminham juntas e estão numa
relação de estreita dependência. Logo, são intrínsecas sendo a diferença um produto
derivado da identidade. Pensando na construção de relações democráticas,
circunscrevemos as diferenças e as identidades a partir do multiculturalismo e da pós-
modernidade, sem ignorar o contexto social concreto onde são formadas e deformadas e
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o jogo de poder que tange tanto as instituições (família, escola, governo etc.) como as
suas relações. (38,5 linhas)
E quando se fala em mestiçagem, não se trata simplesmente de juntar, misturar,
cruzar, etc. Contudo, ao nível do senso comum, “ na medida em que mestiço se
contrapõe, habitualmente, a puro, (…) privilegiará, ainda que inconscientemente,
o puro como o bom e o mestiço como o contaminado.” A mestiçagem deverá ser
considerada como algo diferente de justaposição ou de fusão: “remete para a
tensão constitutiva da relação de diferentes, para o dinamismo que ela implica(…)
E para a conflitualidade criadora. (André, 2005:126, in Vieira, 2009).
a) Interprete o texto
b) Explique o alcance do texto no âmbito da reconstrução identitária que ocorre na
educação escolar.
De acordo com o Professor Doutor Ricardo Vieira “a pessoa nunca é apenas passado. A
pessoa é presente e é projeto”, estando num constante processo de construção e
reconstrução de identidade. Segundo essa perspetiva, pode considerar-se que todos
somos mestiços sendo no labirinto mais profundo das nossas mestiçagens que se geram
as nossas opções, se estruturam os nossos valores, se formam e se transformam as
culturas e que cintilam as construções das nossas crenças. A mestiçagem é o que
poderíamos considerar a consciência e a tradução de uma metafísica da finitude sendo a
experiência do ser lapso e carente que só se realiza num processo infinito de encontro
com os outros conferindo ao sujeito a faculdade de se construir e de se traduzir em atos,
não sendo um produto acabado, sendo-o apenas num dado momento quando o
investigador a descreve ou classifica. A mestiçagem não é fusão, coesão, osmose, antes
confrontação e diálogo consistindo num processo vivo em vias de “tornar-se” outra
coisa devendo crer-se como algo distinto de justaposição ou de fusão remetendo para a
tensão constitutiva da relação de diferentes, para o dinamismo que ela implica e para a
conflitualidade criadora, só existindo em exterioridade e em alteridade. Segundo o autor
supramencionado “falar de educação implica pensar na construção/reconstrução das
identidades (…)” e a aprendizagem nunca se faz no vazio resultando ela própria de uma
mestiçagem de saberes, significando transformação consistindo o seu resultado numa
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nova identidade construída per si e pelos outros, entre a cultura de origem e a de
chegada. Em qualquer um dos processos de aprendizagem, de construção e de
reconstrução da identidade por que passamos ao longo da nossa existência há um local
de transição, de mudança de fase e, por consequência, de sensibilidade, com obstáculos
– de exposição a que damos o nome de mestiçagem sendo necessário passar por essa
mudança para adquirir conhecimento, para aprender. Pode dizer-se que esta não
corresponde a qualquer tipo de hibridismo amorfo, a sincretismos sem rosto ou até a
relativismos éticos, antropológicos ou culturais. O mestiço não é uma mera
sobreposição de materiais diferentes numa bricolage labiríntica descaraterizadora tanto
de nós como dos outros sendo antes um tecido, elaborado a partir de fios ou materiais
diferentes, o terceiro instruído, resultado de meios técnicos, não estando terminado,
autorizando a mudança e a transformação cultural referindo-se àquilo que surge entre
duas margens, “a relação estabelecida entre ambas, a transformação”, como diz o
Doutor Ricardo Vieira. Segundo este “a pessoa não é tábua, existe e pensa, sente e age
de acordo com o background cultural” e considerando o seu projeto este pode assumir-
se em diferentes metamorfoses, como o oblato e o trânsfuga intercultural. O oblato é
híbrido, mas esconde a sua hibridez, não mostra ser um terceiro instruído assumindo-se
monocultural sendo um resultado possível da metamorfose cultural correspondendo a
quem adquire essa nova roupagem educacional, cultural ao aceder a um grupo social e
deixando outro cujos valores renega. Por sua vez, o trânsfuga intercultural é o que aceita
e recebe uma nova cultura, não rejeita a originária, mostra a sua hibridez, não a esconde,
sendo um terceiro instruído manifestando o eu intercultural. (39,5 linhas)
E quando se fala em mestiçagem, não se trata simplesmente de juntar, misturar, cruzar, etc. Contudo, ao nível do senso comum, “na medida em que mestiço se contrapõe, habitualmente, a puro, (…) privilegiará, ainda que inconscientemente, o puro como o bom e o mestiço como o contaminado”. A mestiçagem deverá ser considerada como algo diferente de justaposição ou de fusão: “remete para a tensão constitutiva da relação de diferentes, para o dinamismo que ela implica (…) E para a conflitualidade criadora”. (André, 2005:126).
João Maria André sintetiza as mestiçagens em dois grandes grupos: “Se há mestiçagens que se constituem com base no encontro e no diálogo, outras há que resultam da conquista, da violação, do sangue e do sémen misturados num projeto de domínio que é simultaneamente, não poucas vezes, um projeto de exterminação das diferenças e de homogeneização da alteridade (André, 2005:104)
Multiculturalidade e Educação Intercultural
Depois de uma rigorosa análise aos pressupostos epistemológicos e antropológicos à compreensão da multiculturalidade, este autor conclui que precisamos de uma epistemologia menos unilinear e simples e mais dinâmica e capaz de dar conta de fenómenos complexos (Vieira:31)
Interprete o texto. Refira com exemplos práticos, em que consiste essa epistemologia menos unilinear.
Segundo Ricardo Vieira “a pessoa nunca é apenas passado. A pessoa é presente e é
projeto” e a formação do profissional sobretudo de Serviço Social deve considerar essa
transformação. O processo de aprender implica transformação. Em todos os processos
de aprendizagem e de construção e reconstrução de identidade se transita de um ponto
para outro, existindo uma parte central onde fica o centro da dúvida, de todas as
possibilidades, de oportunidade para tomar as várias direções, um lugar de transição, de
mudança de fase, de sensibilidade, com obstáculos de exposição, mas fulcral para a
aquisição de conhecimento e aprendizagem, algo proporcionador de uma constante
instrução a um “terceiro instruído”, o “mestiço” como resultado de meios-termos entre
vários locais e caminhos possíveis de percorrer, os que cada indivíduo experimenta ao
longo das aprendizagens da vida. A mestiçagem dá ao sujeito a propriedade de se
construir e de se traduzir em atos. Não sendo um produto acabado, é confrontação e
diálogo, um processo vivo em vias de “tornar-se” outra coisa, existindo em
exterioridade e em alteridade. João Maria André divide-a em dois grupos: as compostas
pelo diálogo, aceitando-se as diferenças e a heterogeneidade; por exemplo aceitar outra
pessoa de cor diferente, uma religião diferente, as opções sexuais de cada um; outras por
um processo de dominação onde as diferenças são exterminadas e a alteridade
homogeneizada, por exemplo, em determinados países não se respeita a religião de
outrem, nem a orientação sexual, podendo ter consequências sérias, como a pena de
morte, na Arábia. Após examinar os pressupostos epistemológicos e antropológicos da
multiculturalidade André viu que era preciso uma epistemologia mais dinâmica para dar
conta de fenómenos complexos opondo vários pares epistemológicos. De um lado,
temos as epistemologias complexas e do outro as simples, onde estão a epistemologia
aristotélica e cartesiana, da qual somos produto por pensarmos factualmente e não
processualmente, pensarmos em estruturas e não em processos, sermos frutos da razão e
não da emoção. As primeiras são mais dinâmicas, pluralistas, têm um tempo
contraditório, são dialógicas, ideográficas e ecológicas. As segundas são essencialistas e
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substancialistas, monoculturalistas, têm um tempo linear, são monológicas, nomotéticas
e tecnológicas. O entendimento das culturas, da mestiçagem e do multiculturalismo
desafia as conceções simples e uniformes do tempo sendo que a prática e a experiência
são o caminho para o saber! Ao experimentarmos temos a possibilidade de nos
relacionarmos com os outros, surgindo terceiros, o terceiro instruído, correspondente à
transformação, à relação estabelecida. O ser humano não é estático, logo o Assistente
Social deve pensar no outro como alguém em plena evolução e transformação, tendo em
conta que há sempre algo que se altera em nós partindo das relações estabelecidas com
outrem, sendo através dessas trocas que construímos as nossas aprendizagens, o nosso
caminho, através da experiência vivida ao longo da nossa existência, construindo-se
assim a nossa identidade. (37,5 linhas)
“Alguns vêem na mestiçagem uma poderosa força criadora de arte, música, cultura. Outros, vêem-na como mistura que acaba com a pureza original, logo, consideram-na uma impureza cultural”. (Vieira, 2009:40-41).
Explique estas duas representações sociais, tome partido por uma e argumente com exemplos práticos do trabalho social.
A mestiçagem aceita a mudança e a transformação de cultura pelo processo individual,
permitindo ao sujeito construir-se e traduzir-se em atos. Se entre culturas fortes surgir
um encontro, poderá ocorrer a aculturação originando, eventualmente, dois modelos
extremos em que ou se ignora e esquece o passado cultural donde se provém, o qual
proporciona uma mente cultural para o entendimento da vida, ou, contrariamente, se tira
partido dessa riqueza da cultura original, como uma experiência, como quotidiano entre
os vários quotidianos da vida, para se praticar uma pedagogia do relativismo cultural,
quer isto dizer que, ou se assume o mundo a preto e branco e com o sucesso escolar se
acede ao branco, recusando o preto donde se parte e se tem um perfil pessoal
multicultural por se atravessar pelo menos duas culturas, mas ao mesmo tempo uma
atitude monocultural, porque o passado passa a encarar-se como não cultura; ou se
assume o mundo como policromático e, sendo-se pessoa, multicultural, se atua, se pensa
e comunica de um modo intercultural não se estratificando as diferenças culturais. O
primeiro modelo aplica-se àqueles que nunca falam do seu eu por significar exposição
do seu background cultural, falando antes do passaporte que a escola lhes concedeu e
que lhes permite aceder à cultura global e letrada. Este é um modelo oblato, cujas
pessoas rejeitam as origens socioculturais constituindo um resultado possível da
Multiculturalidade e Educação Intercultural
metamorfose cultural correspondendo aos indivíduos que adquirem essa nova roupagem
educacional, cultural, quando acedem a um grupo social e deixam outro cujos valores
renegam. O segundo modelo dessa metamorfose extremista é o trânsfuga intercultural
em que o indivíduo recebe o novo, não rejeitando o velho incorporando no seu universo
pessoal a aquisição cultural que dá uma nova dimensão à cultura de origem não a
aniquilando, nem a substituindo dando-lhe antes uma terceira dimensão que resulta da
integração comparativa entre o nós e o ele. Algumas pessoas dizem que o hibridismo e o
sincretismo são uma poderosa fonte criativa, produzindo novas forma de cultura,
apropriadas à modernidade. Outras dizem que este hibridismo tem os seus custos e
perigos. Qualquer indivíduo atravessa várias culturas e ou se identifica só com uma
delas, normalmente, a que tem mais capital, ou se identifica com várias constituindo um
ser multicultural podendo sentir-se dividido ou, conscientemente, ligado aos vários
quotidianos que atravessa, às várias visões do mundo dos estratos sociais por onde
navega; estabelecendo pontes entre elas, sendo dessa forma um cidadão reflexivo e
trânsfuga, mas intercultural. Tendo em conta que serei Assistente Social e que as
minhas funções passam por promover uma melhor adaptação dos indivíduos, famílias e
outros grupos ao meio social em que vivem auxiliando-os na resolução dos seus
problemas sejam eles de que cultura forem, a minha atitude deverá ser reflexiva,
atuando, pensando e comunicando de forma multicultural, adotando uma prática
intercultural e um pensamento mestiço, não devendo estratificar as diferenças culturais
pois cada ser é único com a sua cultura de origem, a de formação, e composto por
elementos identitários que “bebeu” no outro não esquecendo que o primeiro passo a dar
para evitar a exclusão social é tratar todos de forma igual. (39,5 linhas)
A política do estado Novo, ao mesmo tempo que pretendia a unidade do cidadão português, do Estado-nação, ou, antes, do império, usando o sistema educativo para uniformizar os sentimentos de identificação – e por isso pretendia construir um Estado monocultural – simultaneamente, usava o folclore e a etnografia para construir mosaicos culturais dentro do próprio Portugal Continental, procurando fazer coincidir cada um deles a uma província.
A História, a Geografia, a Economia, a memória cultural deveriam, nesta conceção, ser apenas uma (…). Por outro lado, havia uma clara conceção multiculturalista, no sentido mais separatista, quer para o género quer para as classes sociais. A escola apelava claramente a uma reprodução do sistema social diferenciado, desigual e sem potencial de igualização através da mobilidade social. (Vieira, 2011:90).
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Interprete o texto e explique esta aparente contradição monocultural/multicultural.
Pode afirmar-se que, por um lado, a política do Estado Novo passava por querer a
unidade do cidadão português, do Estado nação, do império usando, para tal, um
sistema educativo uniformizador dos sentimentos de identificação. Deste modo, no
ensino, adotou-se a ideia de um manual escolar único, um ritmo único, um só currículo
para Portugal Continental e arquipélagos, bem como colónias desconsiderando a
história, a geografia e os saberes locais. De acordo com Cortesão “o professor é temido
como convém”. O estilo de ensino era um estilo repetitivo, decoravam-se os nomes dos
rios, das cidades do continente, do império colonial português, as linhas de caminho-de-
ferro e estações principais. Para além disso, às crianças eram ensinadas cantigas cujo
objetivo passava por veicular a “boa formação”, o “amor à pátria” e o “poder
instituído”. Era aqui demonstrada claramente a tentativa de construção de um Portugal
monocultural. Contudo, por outro lado e, ao mesmo tempo, usava-se o folclore, a
etnografia para a construção de mosaicos culturais no mesmo Portugal Continental,
coincidindo cada um deles a uma região. Segundo este ponto de vista, a História, a
Geografia, a Economia, a memória cultural deveriam ser únicas, todavia nada disso
acontecia uma vez que estava presente uma conceção multiculturalista, separatista no
género e nas camadas sociais. Na escola, apelava-se à reprodução do sistema social
diferenciado, desigual e sem potencial de igualização através da mobilidade social. Ao
pretender-se uma ordem social intocável e estável, inculcava-se no curriculum da escola
primária, por esta funcionar como um modelo, já os conceitos da doutrina cristã, tais
como: o temor a Deus, o temor ao amo, a submissão das mulheres relativamente aos
seus maridos, o amor dos maridos para com as suas mulheres, a obediência dos filhos
para com os seus pais e a obediência dos servos relativamente aos seus senhores. O livro
de leitura como diz Vieira “constitui um manual de regras da vida social e um esquema
totalizante de uma determinada visão do mundo. Contrariamente aos livros de leitura
existentes durante o período da República e do pós- 25 de abril, após o término do livro
único, o ensino religioso faz parte integrante do ensino da leitura e da escrita”. Neste
tipo de livro propõe-se muito mais do que aprender a ler e a escrever, ali propõe-se uma
sociedade, comportamentos a adotar, uma visão do mundo. Este não é mais do que uma
reflexão do esquema ideal de uma sociedade em cujo sistema educativo está ancorado.
Multiculturalidade e Educação Intercultural
Segundo Almeida “funcionando através da retórica das homologias, o indivíduo, a
família, a aldeia e a pátria apresentam-se como estratos interdependentes de um todo
orgânico que agem segundo critérios de comportamento que, em última instância, se
encontram legitimados no Divino, essa metáfora por excelência do social”. De outro
modo, versus essa uniformização, o Estado colaborou para a edificação da ideia de
diversidades folclóricas justapostas as quais dariam sentido ao todo português. A
etnografia deveria servir para o aportuguesamento, como um meio de combater as
tendências “cosmopolitas e desnacionalizadoras”. Concluindo, pode dizer-se que desde
1930 que Portugal está num processo de Folclorização sendo nesse espírito nacionalista
que o regime intervém no movimento folclórico. (39,5 linhas)
Como nos lembra Cardoso (1996:10), “apesar de monocultural, o assimilacionismo
corresponde à primeira etapa da história do multiculturalismo”. O
Assimicionalismo consiste na total conformidade dos originários de grupos
culturais e étnicos à cultura dominante. Exige-se às minorias que “esqueçam” as
suas culturas de origem de modo a estarem em perfeita conformidade com a
cultura dominante. Trata-se, em última instância, da produção social do oblato de
que fala Vieira (1999 a e b). O assimilacionismo é um modelo orientador de
políticas sociais para com minorias étnicas. Teve início nos anos 60 e anos 70
essencialmente nos Estados Unidos da América e no Reino Unido. Como Cardoso
(1996:10) refere, “as principais referências e prioridades do modelo eram as
culturas e histórias nacionais da classe média branca(…)
A feição assimilacionista a das primeiras orientações políticas formais em relação
às minorias étnicas é consequência imediata da visão etnocêntrica do mundo,
historicamente dominante nas sociedades ocidentais. (…) As caraterísticas
monoculturais e etnocêntricas, dos objetivos e processos assimilacionistas
acentuaram a visão problemática das minorias na sociedade e a ideia de
inadequação das culturas e dos ambientes familiares das minorias para a sua
participação plena na sociedade (…) (Vieira, 2011: 104)
Interprete as ideias centrais do texto.
Explique, por palavras suas e com exemplos concretos, o modelo assimilacionista.
Quais os outros modelos de política social e educativa para lidar com a diversidade
que conhece?
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Descreva um desses, em contraponto com o modelo assimilacionista.
As respostas políticas às pressões exercidas pelas minorias situam-se num movimento
que se iniciou há décadas em países ocidentais que recebiam tradicionalmente os
imigrantes, como os EUA. Aí, a história do multiculturalismo fez-se por três fases,
correspondentes a três modelos ideológicos de políticas e práticas relativamente às
minorias étnicas e imigrantes: o assimilacionismo, o integracionismo e o pluralismo. O
Assimilacionismo é uma corrente que preconiza a possibilidade de assimilação das
culturas periféricas pela cultura dominante, uma tendência que apresentam certas
culturas para serem assimiladas por outras mais fortes, um processo de aculturação que
concebe as relações entre os migrantes e as sociedades de acolhimento na base de uma
passagem unilateral (conformização) ao modelo de comportamento da sociedade de
acolhimento que se impõem à personalidade do migrante, obrigando-o a despojar-se de
qualquer elemento cultural próprio implicando o confronto de grupos minoritários com
a cultura dominante, quando não existe aceitação das maiorias pelas minorias. A
tolerância para com as culturas minoritárias existe até ao ponto em que estas não
questionem as ideologias das culturas dominantes. A assimilação pressupõe uma
desculturação da cultura originária, para se tornar culturalmente semelhante ao grupo a
que se é assimilado. Por exemplo, nos jardins-de-infância, por vezes, os educadores
tentam que as crianças de etnias minoritárias se integrem à cultura portuguesa por
julgarem que quanto mais depressa étnica e culturalmente se integrarem, melhor é para
elas tratando-se de um processo de assimilação pela cultura escolar, nem sempre se
proporcionando o conhecimento sobre as diferentes culturas existentes na comunidade
educativa. À luz de tais práticas as crianças abdicam das suas especificidades para
serem absorvidas pelas do país de acolhimento que têm como principal preocupação a
minimização das diferenças culturais e a preservação de uma cultura única. No fim dos
anos sessenta, inícios dos setenta do mesmo século, registou-se um aumento das
migrações levando à criação de práticas integracionistas caraterizadas por uma maior
tolerância para com as diversidades culturais, manifestando-se numa maior liberdade de
expressão por parte das minorias culturais e étnicas. Mas, este modelo exigia que os
emigrantes assimilassem os valores existentes esperando-se que as minorias
assimilassem os conhecimentos, as atitudes, e os valores fundamentais para a sua
participação na dinâmica da cultura dominante. Neste sentido, tal prática representa um
modelo que continua a defender a existência de uma cultura dominante. Tratando-se de
Multiculturalidade e Educação Intercultural
culturas minoritárias e de culturas dominantes, o conceito de integração opõe-se à noção
de assimilação e indica a capacidade de confrontar e de trocar – numa posição de
igualdade e de participação – valores, normas, modelos de comportamento, tanto por
parte dos emigrantes como da sociedade de acolhimento. Este processo é feito de forma
gradual mas ainda assim continua a sustentar a existência de uma cultura dominante
como quadro de referência para as culturas minoritárias. Contudo, o integracionismo
aceita a integração cultural, na medida em que estas culturas se saibam ajustar à cultura
dominante, de forma a não a ameaçarem. (39,5 linhas)
“Arrumámos também assim o mundo duma forma muito dualista: razão/emoção;
racional/irracional; instruído/analfabeto; etc. E assim continuamos a pensar,
ainda, por vezes, hoje. Surgem já diversos trabalhos a mostrar a importância das
emoções na memória, na relação humana, na inteligência, na aprendizagem, etc.
mas continuamos filhos de Descartes porque continuamos a dividir o conhecimento
a preto e branco: objetivo/subjetivo. (Vieira, 1999: 84)
Interprete o texto. Discuta o alcance do mesmo relativamente à prática do
assistente social em contextos multiculturais.
O século XX foi dominado pelo protótipo da razão em detrimento da emoção. Somos
todos filhos da escola criada por Descartes, que embora vivesse entre 1596 e 1650, vê as
suas ideias presentes nos nossos dias. Segundo vieira “com ele aprendemos o que era a
ciência, o método científico, a objetividade, marcando a ciência e a educação deste
século, aprendemos a pensar com a cabeça e não com o coração, desumanizámos,
desantropomorfizámos a ciência, o que também teve efeitos na educação na primeira
metade do século”. Ensinou-se a ler, a contar e a escrever por meio de uma educação
racionalista e cognitivista, as quais não contemplavam os sentidos, nem o pensar nas
emoções, nem no afeto entre professor-aluno, dando-se pouco relevo à relação em si,
contando mais que tudo o produto, o aluno instruído em detrimento do processo de
aprendizagem. Era “a diretividade contraposta com a atividade do aluno passível de ser
tornado sujeito da sua própria aprendizagem”. Assim, o mundo foi arrumado de uma
forma dualista. Alguns estudos demonstram já que as emoções têm bastante importância
Multiculturalidade e Educação Intercultural
em todo o processo de aprendizagem, todavia por continuarmos a insistir na divisão do
conhecimento em objetivo e subjetivo, apregoamos ainda as ideias de Descartes. Para o
pensamento medieval, a realidade que nos cerca e de que tomamos conhecimento pelos
sentidos, era indiscutível quanto à sua existência, um realismo que partia
particularmente do postulado dogmático de que essa realidade existia fora de nós. Para o
moderno, a realidade exterior a nós mesmos é questionada e problematizada,
recomendando-se o reconhecimento da realidade como objetiva. Só o real é que é
racional, ao contrário do sensorial. Como os sentimentos não são racionais, não são
reais, o que afasta a emoção dos paradigmas científicos e educacionais no século XX,
imperando na ciência e na escola o “penso, logo existo” sendo o “sinto, logo existo” um
risco agora assumido pelos cientistas por considerar-se essencial na prática pedagógica.
Estabelecer a relação é fulcral, dar lugar às emoções, senti-las e vivenciá-las. O universo
cartesiano aparece distinto do sensível, encontrando-se o primeiro despojado de todas as
propriedades que atribuímos às coisas, rico em riqueza conceptual, mas pobre em
qualidade. Emoção e razão complementam-se, não se pode isolá-las. No decorrer da sua
prática e atendendo aos contextos multiculturais em que se insere, o Assistente Social
deverá adotar uma estratégia requalificante, dignificante, com a inserção de
metodologias de caráter intercultural e baseada nos diversos saberes, transdisciplinar
onde o coração tenha lugar em detrimento da razão, implicando o estabelecimento de
uma relação de compromisso entre quem ajuda e quem é ajudado, independentemente
da sua nação, cultura, sexo ou raça. Para tal, deve munir-se de métodos e de técnicas de
ajuda, apoio, intervenção planeada, baseados nos valores do respeito pela pessoa, a sua
visão do mundo, o seu sistema de valores e as suas necessidades promovendo a
faculdade de autodeterminação, adaptação e desenvolvimento das pessoas, facilitando a
informação e as ligações sociais com os organismos de recursos socioeconómicos
readequando as suas ações metodológicas e técnicas tanto quanto for necessário, face
aos novos desafios que se impõem. (39,5 linhas)
“É sabido que o século XX foi praticamente dominado pelo paradigma cartesiano do primado da razão. Do elogio da razão e da crítica da emoção. Somos todos filhos dessa escola criada por Descartes, à volta da dúvida metódica e do primado racionalista. Viveu entre 1596 e 1650 mas as suas ideias mantiveram-se praticamente intocáveis e de pé, até quase ao século XXI.
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Foi com ele que aprendemos o que era a ciência, o método científico (no singular) a objetividade. Foi esse Discurso do Método que marcou a ciência deste século e também a pedagogia escolar e educação em geral. Aprendemos a pensar com a cabeça e não com o coração; desumanizámos, desantropomorfizámos a ciência e tal teve também efeitos diretos na educação, essencialmente durante toda a primeira metade do século, sempre com exceções, claro. Ensinou-se a ler, contar e escrever – educação essencialmente racionalista, cognitivista. Não era importante a educação dos sentidos, o pensar das emoções, o afeto entre docente e discente; a relação. O importante era o produto, o aluno instruído, não o processo de levar a aprender, de educar, verdadeiramente. Era a diretividade versus a atividade do aluno passível de ser tornado sujeito da sua própria aprendizagem. Claro que aqui e ali sempre foram surgindo os dissidentes que propuseram as pedagogias ativas versus o magister dixit (o mestre disse).
Interprete o texto. Discuta o alcance do mesmo relativamente à identidade do Assistente Social.
De acordo com o texto supramencionado, o século XX foi dominado pelo paradigma da
razão em detrimento da emoção. Descartes terá influenciado até à primeira metade do
século XXI vivamente a sociedade e a própria educação uma vez que se ensinava a ler,
a contar e a escrever promovendo uma educação do tipo racionalista e cognitivista, não
considerando os sentidos nem as emoções, nem o afeto entre professor-aluno, dando-se
pouco valor à relação, contando somente o produto da aprendizagem em vez do seu
processo. Insistiu-se na divisão do conhecimento em objetivo/subjetivo, tornou-se o
mundo dualista, apesar já de existirem trabalhos que consideram importante valorizar a
emoção. Como os sentimentos não são racionais, nem reais, afastou-se a emoção dos
paradigmas científicos e educacionais no século XX, imperando na ciência e na escola o
“penso, logo existo” sendo o “sinto, logo existo” um risco só agora assumido pelos
cientistas por considerar-se essencial na prática pedagógica sendo primordial
estabelecer a relação, dar lugar às emoções. Lembrar que a emoção e a razão se
complementam. Portanto, e tendo em conta o que foi dito no decorrer da sua prática e
atendendo aos contextos multiculturais em que se insere, o Assistente Social deverá
adotar uma estratégia que contemple estas duas vias (razão/emoção), adotar uma
estratégia requalificante, dignificante, com a inserção de metodologias de caráter
intercultural e baseada nos diversos saberes, transdisciplinar, onde o coração também
tenha lugar, onde dê lugar também às emoções e aos sentimentos e não apenas à razão.
Abordar a identidade profissional do Assistente Social é incontornável, não sendo
possível assumi-la como algo de unívoco, unidirecional, com delimitações precisas e
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estático, entendendo-se que a(s) identidade(s) será(ão) o conjunto de traços comuns que
agregam, fecham, produzem sentimentos de pertença e autorizam a que se distinga entre
os elementos que fazem parte desse conjunto e os que lhe são exteriores. A pluralidade
identitária, sendo um fator presente em todas as profissões (e mesmo um indicador do
seu dinamismo interno), é especialmente evidente numa área como o Serviço Social,
uma vez que se trata de um agir multifacetado presente, também, numa grande
diversidade de contextos sociais e institucionais. O grupo profissional de Serviço Social
é portador de uma verdadeira identidade coletiva. Existe como um ator social real criado
num sistema de ação concreta que se produz e reproduz permanentemente de acordo
com os condicionalismos históricos, culturais e diacronicamente determinantes. Ao
abordar a identidade como um processo em construção, inacabado e sempre dinâmico e
relacional, tem de se ter em conta que esta é única na medida em que cada pessoa é um
ser único com a sua cultura de origem, a de formação e os elementos identitários que
bebeu noutras culturas e, por isso, deverá ser tratado também de uma forma única, com
todas as suas singularidades. Terminando, pode dizer-se que a construção da identidade
profissional do assistente social deve ser um processo de autorreflexão, crítico e
coletivo no sentido de lutar pela demarcação de uma nova identidade para o Serviço
Social. (38 linhas)
“Na minha experiência de formador tenho constatado a dificuldade que alguns têm em passar do ensinar a escrever ao escrever, eles próprios. Os professores ficam inseguros quando não têm rotinas. Por exemplo, quando os mandam escrever uma reflexão. Será porque não há rotinas profissionais dessa prática? E não será, também, que há muito a nossa profissão está rotinada no trabalho disciplinar? Não será que a interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade, a transdisciplinaridade são mais retórica do que prática? A área escola não tinha rotinas. Não chegou a ter rotinas. Dizem que “foi maltratada”. O trabalho escolar funcionaria ao contrário. De baixo para cima. Da observação e pesquisa para as abtrações teóricas. É verdade que alguns professores viram nisto a legitimação de algumas práticas criativas que faziam interdisciplinarmente a partir da sua disciplina, já em anos muito anteriores à sua implementação. Outros, nem por isso. “Uma seca”., ouvi eu tantas vezes.
Não será falta de experiência docente. Será talvez falta de flexibilização para sair da rotina de ser professor de acordo com determinado modelo escolar para um outro. De se estar rotinado numa escola positivista, normativa, dedutiva e disciplinar. (Vieira, 1999:35)
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Interprete o texto. Analise, com exemplos práticos, a problemática da resistência e da mudança em contextos sociais à sua escolha.
O texto supramencionado é um retrato da resistência que os professores apresentam
relativamente à mudança, resistência essa que o próprio professor Doutor Ricardo
Vieira vivenciou aquando da sua experiência como formador. Quando saem da
“normalidade”, das rotinas, os professores ficam como que “meio perdidos”,
apresentando falta de flexibilidade para sair da sua zona de conforto, tentando seguir o
modelo com o qual já estão familiarizados, o qual se encontra adaptado a uma escola
normativa, positivista, dedutiva e disciplinar, faltando-lhes espírito crítico, iniciativa
para a mutação, não considerando a interdisciplinaridade, a multidisciplinaridade e a
transdisciplinaridade. Vieira avança que se deveria partir da prática para a teoria, do fim
para o início, da observação e pesquisa para a abstração teórica, tendo já sido
implementado por alguns, mas encarado como uma “seca” por outros. Esta resistência à
mudança é já reconhecida há muito tempo e está presente em diversas classes e grupos
não afetando somente os professores, funcionando como uma resposta inevitável e um
fator importante, chegando a influenciar quer no sucesso, quer no fracasso. A expressão
“resistência à mudança” foi usada pela primeira vez pelo psicólogo Kurt Lewin. Lewin
dizia que quer o indivíduo, quer o grupo poderiam considerar-se “pontos de aplicação”
das forças sociais, e o padrão de comportamento do indivíduo e o padrão de
comportamento do grupo ao qual ele pertence podem diferir, sendo que essa diferença
seria consentida ou encorajada em culturas distintas e em graus diferentes. A resistência
individual poderia ser diferente da resistência grupal, dependendo do valor social dado
aos padrões de comportamento no grupo. Na psicanálise, por exemplo, o termo usa-se
para designar um conjunto de reações de um paciente cujas manifestações, no contexto
do tratamento, criam barreiras ao desenvolver da análise. Por sua vez, no contexto de
administração, resistência à mudança está associada à forma de lidar com mudanças,
reações devido ao medo do desconhecido, ou proteção de interesse próprio e material ou
até por desconfiança baseada em experiências passadas, ou devido à perturbação de
arranjos confortáveis representados em normas de grupo, status quo, hierarquia,
recompensas. Esta resistência é vista como um fenómeno natural, inevitável e entendida
como uma inimiga da mudança, pronta a aparecer durante a implementação de
mudanças ou inovações, porém é uma resposta natural do ser humano, fazendo sentido
Multiculturalidade e Educação Intercultural
que seja aceite e gerida e não encarada como um problema, como algo a ser eliminado,
podendo funcionar até como fator de equilíbrio das pressões internas e externas, que
incitam questionar se as mudanças em questão fazem sentido. Quando as pessoas
resistem à mudança tem-se a oportunidade de avaliar os motivos dessa resistência, pode
identificar-se problemas e verificar se as decisões foram de fato assertivas. A resistência
encoraja a procura de alternativas e melhores métodos para resolver problemas
emergentes durante o seu processo. Logo, pode funcionar como uma fonte de inovação
e avaliação. Sem resistência, quaisquer programas de mudança não seriam “criticados”.
Portanto, não deve ser vista como um muro a ser derrubado, mas antes como algo para
melhorar as decisões. (39,5 linhas)
Como construir o cidadão sem apagar, necessariamente, a diversidade cultural?
Enfim, como criar direitos iguais para pessoas que se querem diferentes
culturalmente? Como fazer educação cívica sem entrar na catequização, na
domesticação cultural? Como respeitar o direito dos outros sem entrar pelas
pedagogias homogeneizantes, monoculturais, integracionistas e assimilacionistas?
Como respeitar a diferença sem reproduzir as desigualdades, sem criar guetos
sócio-culturais, sem separar o diferente e, consequentemente, diminuir a
participação no coletivo?
Boaventura Sousa Santos (1997) refere que a política dos direitos humanos é,
basicamente, uma política cultural. Tanto assim é que poderemos mesmo pensar os
direitos humanos como sinal de regressso do cultural, e até mesmo do religioso, em
finais de século. Ora, falar de cultura e religião é falar de diferença, de fronteiras,
de particularismos. Como poderão os direitos humanos ser uma política
simultaneamente cultural e global. (p.13)
Como conciliar a multiculturalidade dos públicos que cada vez mais acedem à
escola, que se quer para todos, com a ideia e prática da cidadania? Como criar os
cidadãos que a Revolução francesa professou: livres (liberdade), iguais (igualdade)
e fraternos (fraternidade) sabendo que os alunos são, de facto, diferentes nos
códigos culturais, sejam eles linguísticos, corporais ou outros, diferentes na
religião, na visão do mundo, no consumo musical, artístico, etc., enfim, numa
palavra, diferentes na cultura?
Enfim, Iguais e Diferentes poderemos viver juntos? Pergunta Alain Touraine
numa obra de 1997. Claro que podemos exigir que se respeite um código de boa
Multiculturalidade e Educação Intercultural
conduta, mas não vamos assim além de mais uma solução minimalista que
“protege a coexistência, mas não assegura a comunicação” (Touraine, 1997:21)
(…) A verdade é que estamos perante um dilema:
estamos perante um dilema. Ou reconhecemos uma plena independência às
minorias e às comunidades, limitando-nos a fazer respeitar as regras de jogo,
procedimentos que asseguram a coexistência pacífica dos interesses, das opiniões e
das crenças, e então renunciamos ao mesmo tempo à comunicação entre nós, dado
que não nos reconhecemos mais nada em comum além de não proibir a liberdade
dos outros e de participar com eles em atividades puramente instrumentais, ou
acreditamos que temos valores em comum, preferencialmente morais, pensam os
americanos, preferencialmente políticos, pensam os franceses, e somos levados a
rejeitar aqueles que não partilham estes valores, sobretudo se atribuímos a estes
um valor universal. Ou vivemos juntos comunicando apenas de modo impessoal,
por sinais técnicos, ou só comunicamos no interior das comunidades, que se
fecham tanto mais sobre si próprias quanto mais se sentem ameaçadas por uma
cultura de massa que lhes parece estranha (Touraine, 1998:17).
(Vieira, 2011: 98-99)
Responda de uma forma global, às questões colocadas no texto. De que dilema
trata o texto ao falar dos direitos humanos, diversidade cultural, particularismos e
universalismos? Apresente exemplos na sua resposta.
A instituição escolar edifica-se segundo a ideia da igualdade e sobre uma base cultural
comum a todos os cidadãos, mas o desafio dos nossos dias é o da articulação entre a
igualdade e a diferença, o estabelecimento de uma educação para todos onde o currículo
e as pedagogias escolares não sejam monolíticas para não aniquilarem as culturas
originárias e as identidades pessoais traçadas socialmente, culturalmente ou mesmo
idiossincraticamente. Ao conservarem-se as culturas como espécies em vias de extinção,
privam-se as suas dinâmicas, os efeitos da história e da mudança social e os cidadãos
são também privados da sua liberdade para repensar, reestruturar ou recusar as
identidades culturais herdadas. A educação para a cidadania pretende que os outros
queiram ser, contribuindo para os cidadãos se elucidarem dos elementos culturais a
manter e as tradições a abandonar. As democracias constitucionais respeitam um amplo
Multiculturalidade e Educação Intercultural
leque de identidades culturais, não assegurando contudo a sua sobrevivência, tratando-
se de um investimento num exercício de cidadania para a revitalização das democracias
constitucionais e suscitar a aprendizagem do convívio com as resoluções democráticas
devendo os cidadãos unir-se através do respeito mútuo pelos direitos dos outros. Para
que as diferenças persistam nas sociedades, a ideia da multiculturalidade foi ganhando
força, surgindo dúvidas sobre a universalidade dos direitos do Homem. O direito à
diferença é um direito do indivíduo de ser ele próprio constituindo cada ser a sua
própria norma, podendo gerar um projeto de quase ausência de comunidades,
sobrevindo daí um dilema: equacionar o particular com o geral. Viver numa sociedade
multicultural é viver numa sociedade onde todos os indivíduos possam ser acolhidos
dignamente e aprendam a viver conjuntamente combinando ação instrumental e
identidade cultural. Algumas propostas de unificação das culturas determinam um poder
absoluto, um controlo dos indivíduos e de grupos, como por exemplo o caso das
mulheres apedrejadas até à morte, a questão do aborto ou da eutanásia. Os poderes
autoritários que têm como objetivo o estabelecimento de um princípio cultural
unificador arrastando a sociedade para o inferno totalitário. Há, por isso, necessidade de
união, de consolidar o desejo de estar perto do outro, tratar como parte integrante o que
rejeitamos como estrangeiro. Só poderemos viver juntos com as nossas diferenças se
nos soubermos reconhecer mutuamente como sujeitos. A incapacidade de se perceber as
diferenças culturais gera a exclusão. Para isso não ocorrer, é preciso desenvolver
políticas de combate à discriminação a iniciar desde logo pelas escolas sendo a
preocupação do educador desenvolver um currículo e uma pedagogia multicultural
preocupada com a diferença. As salas de aula têm de ser um espaço de uma
compreensão desvelada do mundo em que os sujeitos sociais estão integrados, para
compreenderem as várias conceções do mundo que se ocultam sob cada uma delas e os
principais problemas da sociedade a que pertencem. É essencial formular e implementar
novas políticas que tenham como instrumento o diálogo e a desestabilização de sentidos
e práticas que contribuam para o desrespeito e exclusão do outro. (39 linhas)
Portanto, estudar os processos educativos não é sinónimo de estudar o ensino e a
aprendizagem na escola (…):
Multiculturalidade e Educação Intercultural
“os tempos de mutação que são os nossos vêm marcados por fundas conjecturas
sobre o que devem fazer as escolas em favor de quem se inscreva ou seja forçado a
inscrever-se nelas – ou, na mesma ordem de ideias, sobre o que podem as escolas
fazer, dada a força de outras circunstâncias (…) Se alguma coisa tem ficado cada
vez mais claro nestes debates é que a educação não tem que ver propriamente com
assuntos escolares convencionais, tais como: currículo, níveis ou sistema de prova.
O que resolvemos fazer na escola só tem sentido quando considerado no contexto
mais amplo daquilo que a sociedade pretende atingir por meio do investimento
educativo dos jovens. (…) a sua tese central (do livro Educação e Cultura) é que
cultura molda a mente, que ela nos apetrecha com os instrumentos de que nos
servimos para construir não só os nossos mundos, mas também as nossas reais
conceções sobre nós próprios e sobre as nossas faculdades (…) A vida mental é
vivida com os outros, forma-se para se comunicar e desenvolve-se com a ajuda de
códigos culturais, tradições e por aí adiante. Mas isto ultrapassa o domínio da
escola. A educação não ocorre apenas nas aulas, mas à volta da mesa de jantar
quando os membros da família fazem o confronto de sentido de tudo o que
aconteceu ao longo do dia (…)” (Bruner, 2000:9-11). (in Vieira, 2009:21)
Interprete as palavras de J. Bruner. Qual a utilidade desta reflexão para a prática
do assistente social em contexto educativo?
Segundo o texto supramencionado a educação não se resume só aos assuntos escolares
convencionais, sendo que só fará nexo o que aí é concebido se a considerarmos num
contexto mais amplo do que aquele que a sociedade quer alcançar com o investimento
educativo dos jovens onde a cultura é modeladora da mente, apetrechando-nos dos
instrumentos essenciais para construirmos os nossos mundos, as suas verídicas
conceções, para as reais conceções de nós mesmos e sobre as nossas capacidades. A
vida mental vive-se com outrem, formando-se para se comunicar, desenvolvendo-se
com a ajuda de códigos culturais, tradições. A educação não remete só para a escola,
mas também para o lar, tal como Ricardo Vieira aborda na sua obra. Educar pressupõe
também que se converse à hora do jantar sobre o que se vivenciou durante o dia. Se o
sentido atual da palavra educação e as próprias Ciências da Educação remetem o ensino
e a aprendizagem para o domínio das aulas e das escolas, a Antropologia nota já há
Multiculturalidade e Educação Intercultural
muito tempo que a escolarização dá às crianças e aos jovens um pequeno contributo
para a inculturação e construção identitária. “Aprender, recordar, falar, imaginar, tudo
isto é possibilitado através da construção numa cultura”. A criança não cai do nada na
escola. Quando aí chega leva já consigo todo um percurso cultural possibilitador de um
entendimento para a vida e uma epistemologia com a qual se senta como aluno nas
cadeiras da escola. É verdade que é na escola que se pensa, porém quando aí é
incorporado já aprendeu certos princípios, distinções, técnicas, por meio das quais a
memória do grupo passa a ser parte do seu conhecimento e da sua própria lembrança.
Segundo Ricardo Vieira, “as hipóteses de sucesso são determinadas pelo saber já
adquirido e disponível. Ora, se o aluno cujos conhecimentos e aptidões adquiridos no
meio de que é proveniente diferem profundamente dos dinamizados na escola, terá
escassa probabilidade de podere efetuar a ligação entre estes e o seu próprio saber,
condição indispensável de aprendizagem.” O lar apresenta-se à criança como as portas
de um primeiro saber. É através da observação do que os alunos fazem, e da sua
imitação, que a criança inicia os seus saberes.