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ALBANO ESTRELA Org. Investigação em Educação Teorias e Práticas (1960-2005) textos de M a n u e l A L T E D A V E I G A Anabela AMARAL Marta ANADÓN Alberto Filipe ARAÚJO Fernando Albuquerque COSTA Patrícia DUCOING Margarida Pinto ELISEU Albano ESTRELA Maria Teresa ESTRELA Domingos FERNANDES Gérard FIGARI Jean-Louis M ARTINAND José Augusto PACHECO Mar cel POSTIC Nicolau Vasconcelos RAPOSO Educa | Unidade de \&T> de Ciências da Educação 2007

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A L B A N O E S T R E L A Org.

Investigação em Educação Teorias e Práticas

(1960-2005)

textos de

M a n u e l A L T E D A V E I G A

A n a b e l a A M A R A L

M a r t a A N A D Ó N

Alberto Filipe ARAÚJO

Fernando Albuquerque COSTA

Patrícia DUCOING

Margarida Pinto ELISEU

A l b a n o E S T R E L A

Maria Teresa ESTRELA

Domingos FERNANDES

G é r a r d F I G A R I

J e a n - L o u i s M A R T I N A N D

José Augusto PACHECO

M a rce l POSTIC

Nicolau Vasconcelos RAPOSO

Educa | Unidade de \&T> de Ciências da Educação 2007

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BIBLIOTECA NACIONAL — Catalogação na Publicação

Investigação em Educação: Teorias e Práticas (1960-2005)/ Colóquio "Para um Balanço da Investigação em Educação -Teorias e Práticas" / org. Albano Estrela. (Ciências da Educação: 3)

ISBN: 978-972-8036-87-4

I - Estrela, Albano. 1933-

CDU 37.OI 371

E D U C A | U N I D A D E DE I & D DE C I Ê N C I A S DA E D U C A Ç Ã O Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação

Universidade de Lisboa Alameda da Universidade

1649-013 Lisboa TEL: 21 79436 00 F A X : 21 793 34 08 [email protected] [email protected]

Investigação em Educação: Teorias e Práticas (1960-2005) © Educa | Unidade de I&D de Ciências da Educação | Autores, 2007

Organização: Albano Estrela

Projecto gráfico de Olímpio Ferreira Paginação de Pedro Serpa

Janeiro de 2007

Impressão e acabamentos: Gráfica 2000, Lda.

Depósito legal: 253067/07 ISBN: 978-972-8036-87-4

SUMÁRIO

NOTA DE APRESENTAÇÃO 07 Albano Estrela

PERSPECTIVAS GERAIS SOBRE 1 1 A INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Um olhar sobre a Investigação Educacional a partir 13 dos anos 60 - Maria Teresa Estrela

Alguns aspectos sociais e epistemológicos da investi- 43 gação em educação no Quebeque - Marta Anadón

FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO 67

Diálogos em torno da Filosofia da Educação em 6 9 Portugal - Balanços e perspectivas - Manuel Alte da Veiga e Alberto Filipe Araújo

RELAÇÃO PEDAGÓGICA 105

Cinquenta anos de evolução dos modos de aborda- 107 gem da Relação Pedagógica - Mareei Postic

C U R R Í C U L O , DIDÁCTICAS E 1 2 1 TECNOLOGIA EDUCATIVA

Uma perspectiva actual sobre a investigação em Estu- 123 dos Curriculares - José Augusto Pacheco

Didáctica e didácticas. Esboço problemático - Jean- 147 -Louis Martinand

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Tendências e práticas de investigação na área das 169 Tecnologias em Educação em Portugal - Fernando Albuquerque Costa

A V A L I A Ç Ã O 2 2 5

A avaliação: história e perspectivas de uma dispersão 227

epistemológica - Gérard Figari

Vinte e cinco anos de avaliação das aprendizagens: 261 uma síntese interpretativa de livros publicados em Portugal - Domingos Fernandes

F O R M A Ç Ã O DE PROFESSORES 307

Formação contínua de professores em Portugal. 309 O estado da investigação - Albano Estrela, Marga-rida Pinto Eliseu e Anabela Amaral

A formação de professores e de profissionais da 3 2 1 educação: sobre as noções de formação - Patrícia Ducoing

PSICOLOGIA D A E D U C A Ç Ã O 3 3 7

A Psicologia da Educação na Universidade de Coim- 339 bra - 1960/2005 - Nicolau Vasconcelos Raposo

NOTA DE APRESENTAÇÃO

Albano E S T R E L A 1

Em Fevereiro de 2006, realizou-se, na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, um colóquio in-ternacional da responsabilidade da secção portuguesa da Afirse (As-sociation Francophone Internationale de Recherche Scientifique en Education), subordinado ao tema "Para um Balanço da Investigação em Educação de 1960 a 2005. Teorias e Práticas". Este colóquio, orga-nizado por mim e pelos professores Luís Miguel Carvalho, António Duarte, Louis Marmoz e Jorge Ramos do Ó, proporcionou um con-junto de debates extremamente ricos, através dos quais se pôde fazer uma ideia da evolução das Ciências da Educação nos últimos 40 anos, em vários países da Europa e da América, nomeadamente em Portu-gal, em França, no Canadá, no Brasil, no México. Mas não foi apenas uma visão da evolução da investigação em Educação em países f ran-cófonos (ou em que a língua francesa tem uma forte aceitação) que resultou daqueles três dias de conferências, de mesas-redondas, de ateliers, em que foram apresentadas cerca de 150 comunicações, pois, na verdade, foi extremamente positiva a comparação da investigação entre países e suas influências recíprocas.

A fim de dar conhecimento público, em tempo útil, dos trabalhos apresentados, publicam-se, agora, um conjunto de comunicações

i Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.

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UM OLHAR SOBRE A INVESTIGAÇÃO EDUCACIONAL A PARTIR DOS ANOS 60

Maria Teresa ESTRELA'

Introdução

Olhar criticamente o passado próximo para melhor clarificar o pre-sente e planear o futuro é uma via que se tem apresentado com gran-des potencialidades heurísticas para o avanço de qualquer ciência. Reflectir sobre a ciência que se faz, questionando-a, é uma forma de exercício da capacidade reflexiva e de auto regulação dos investiga-dores que tem feito avançar a ciência ao longo da sua História. Num tempo em que se cruzam perspectivas modernistas e pós-modernistas sobre a construção do saber científico, que naturalmente se reflectem no campo das ciências da educação, torna-se particularmente perti-nente encontrar respostas para questões centrais que, sendo antigas, hoje se colocam com particular pertinência à investigação científica no domínio da educação. De entre elas, destaco aquela que julgo ser a questão central:

Como se posicionam hoje as ciências da educação face à evolução da própria ciência e face à sociedade?

i Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.

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M A R I A T E R K S A B S T R K L A

Esta questão poderia desdobrar-se em muitas outras, como por exemplo:

- Que identidade podem pretender assumir as ciências da educação no mundo de hoje, em que as fronteiras entre as disciplinas e tipos de conhecimentos tendem a esbater-se?

- Que vias se abrem na relação entre investigação e acção? - Que articulação entre a investigação científica e praxeológica? - Poderá a investigação encontrar respostas para as solicitações de polí-

ticos e de práticos sem perda da "alma" do conhecimento científico?

São questões que a vaga de criticismo actual que atinge as ciências da educação e as fere na sua validade e na sua utilidade social torna em questões de resposta urgente. Mas, torna-se evidente que a complexi-dade dessas questões só pode encontrar elementos para a obtenção de uma resposta através de um debate alargado à comunidade científica dos investigadores destas ciências e dos contributos que as suas diver-sas formações disciplinares e experiências de investigação em contex-tos diversificados não deixarão de trazer.

O objectivo deste texto não é, pois, o de dar respostas às questões levantadas, mas apenas o de lançar o debate que um olhar retrospectivo sobre a investigação nos últimos decénios poderá ajudar a suscitar.

RAZÕES DO TÍTULO DESTE TEXTO E DELIMITAÇÃO DO SEU ÂMBITO

Por isso, o título que dei a este texto - Um olhar sobre a investiga-ção educacional a partir dos anos 6o - não é gratuito nem inocente. Pretende alertar desde o início para a modéstia dos propósitos, pois não se trata de apresentar os resultados de um estudo de meta-análise, sistemática e metodologicamente dirigido. Trata-se apenas de deixar um olhar subjectivo, que se pretende o mais neutro possível mas que se reconhece implicado, de alguém que assistiu ao desenvolvimento de uma grande parte da investigação educacional neste último meio século.

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É, portanto, um olhar forçosamente condicionado pelo meu hori-zonte de experiência e sulcado por memórias que se entrecruzam e se foram tornando cada vez mais selectivas pelo apagamento de umas e reconstrução de outras. Horizonte de experiência a que não é alheia a minha circunstância espácio-temporal de professora/investigadora pertencente à ia geração dos portugueses (as) que, a partir dos anos 70, obtiveram graus académicos em ciências da educação ou em educação em universidades europeias e norte-americanas (o que não significa evidentemente a inexistência de investigadores educacionais em Por-tugal antes dos anos 70, sobretudo nas primeiras décadas do século XX, nem tão pouco a de investigadores portugueses que fizessem a sua formação em países estrangeiros).

Essa filiação académica a universidades estrangeiras da quase totalidade dos investigadores educacionais portugueses dos anos 70, continuada por muitos das gerações seguintes, marcou para o bem e para o mal o desenvolvimento das ciências da educação em Portugal. Para o bem, porque a abertura dada pela internacionalização perdurou. Mantiveram-se e alargaram-se contactos e tem havido um genuíno empenho em acompanhar a investigação que se faz lá fora. Para o mal, porque esse acompanhamento se faz muitas vezes em detrimento da atenção ao que se faz cá dentro e porque se continua a verificar, talvez um pouco atenuada, a situação diagnosticada por Stoer e Correia (1994. p. 58): a dependência de teorias e conceitos elaborados e operacionali-zados nos principais países, a dispersão de estudos por uma plurali-dade de perspectivas teóricas e metodológicas importadas.

Consequentemente, o desenvolvimento da investigação educacio-nal em Portugal poderá considerar-se como um espelho em que se reflecte, por vezes com algum desfasamento temporal, uma imagem da investigação internacional, o que me permitirá falar em termos gerais sem perder de vista a investigação feita no meu país.

Sendo indispensável delimitar o âmbito desta exposição e assumir opções nada fáceis e tendo como referência fundaméntal, em função do meu trabalho de décadas, a investigação sobre o ensino e sobre a formação de professores, decidi centrar-me na evocação muito sucinta de alguns

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quadros epistemológicos muito gerais e na enumeração dos principais domínios disciplinares orientadores da investigação e de alguns dos grandes campos temáticos abordados. O espaço que me foi concedido não me permite referir os condicionalismos sócio-económicos, políti-cos, culturais e científicos que estão na base da evolução da investigação. Também deixei intencionalmente de fora problemas tão importantes para a contextualização da informação, como: a evolução dos sistemas e das práticas educativas, inspiradora de muitas investigações realizadas neste último meio século; a institucionalização da investigação fora das universidades; o financiamento e a possível subordinação das agendas de investigação ao poder político, assim como a utilização pelo poder político do poder dos cientistas que, consciente ou inconscientemente, se transformam (ou se deixam transformar) em cientistas do poder.

Tal como aconteceu em muitos outros países, a investigação portu-guesa ganha inusitado volume nos anos 8o, no nosso país em grande parte devido à obtenção de graus académicos criados nessa década (mestrados) e de doutoramentos em universidades nacionais mas tam-bém estrangeiras. Tentando conjugar a evolução da investigação que percepciono ao nível internacional com a que percepciono ao nível nacional, dividirei a minha exposição em três períodos: de 1960 até finais dos anos 70, marcados pelo domínio das influências positivis-tas mas também pelo aparecimento de novos paradigmas que, mais tardiamente do que noutras ciências sociais, começam a emergir; de finais dos anos 70 até finais dos anos 80, período de afirmação e expan-são desses paradigmas; dos anos 90 aos nossos dias, período em que se tornam notórias as influências do pós-modernismo que começavam a esboçar-se na década anterior.

P O R Q U Ê O S A N O S 6 o C O M O P O N T O D E P A R T I D A ?

Poderá estranhar-se que tome como ponto de partida os anos 60. Com efeito, a investigação educacional de carácter científico em Portugal é quase inexistente nesta época, uma vez que o clima político não lhe era favorável. O aspecto mais marcante é, segundo Fernandes e Esteves

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(1994), a criação de um Centro de Investigação Pedagógica na Fundação Calouste Gulbenkian. No entanto, é nesta época que se criam algumas das condições que a iriam permitir nas décadas seguintes, pois além do desenvolvimento económico e demográfico a exigir "a batalha da educa-ção", intensificou-se, a partir de finais dos anos 60, a ida de bolseiros para centros internacionais. Por outro lado, a investigação realizada interna-cionalmente nos anos sessenta sofre um surto extraordinário, estando nela contida a génese das mudanças verificadas na década seguinte. Ora, é essa investigação que os bolseiros e outros investigadores portugueses, que se tinham expatriado por razões políticas, trazem como referên-cia no seu regresso a Portugal nos anos 70, anos em que o país começa progressivamente a abrir-se à influência da investigação anglófona em detrimento da influência francesa, até aí largamente dominante.

É também nos finais dos anos 60 que, graças à influência dos insig-nes investigadores Chateau, Debesse e Mialaret se institucionaliza em três universidades francesas a "licence" numa área que foi designada de ciências da educação. O desenvolvimento da investigação ocasionado por essa criação, que se estenderia a outras universidades francesas, teve a maior influência na criação de cursos universitários idênticos em Portugal nos anos 80 (o que não significa que não houvesse já o ensino de disciplinas desta área nas universidades ligadas à formação de professores). A opção pelos anos 60 constitui, portanto, uma forma de homenagem aos três investigadores franceses.

Sabemos como a passagem ao plural da expressão ciência da educa-ção, usada preferencialmente apartir da institucionalização, em França e noutros países de influência francófona, dos estudos universitários assim designados fez cair em desuso a de pedagogia experimental ou pedagogia científica, para alguns identificadas com a própria ciência da educação. Ao mesmo tempo introduziu factores de ambiguidade identitária, problema de difícil resolução, se bem que largamente deba-tido, sobretudo por autores franceses.

A institucionalização universitária das ciências da educação - nota Ruano-Borbalan (2003) - significa simultaneamente o reforço dos estu-dos das sub-disciplinas que se ocupam de educação (que muitas vezes

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se não reconhecem como ciências da educação) e a vontade de criar uma disciplina autónoma, combinando antigas e novas abordagens. No mesmo sentido vai a afirmação de Nisbett, no Reino Unido, reportando-

-se aproximadamente a essa década (2005, p. 35): "Foi nestes anos que a investigação educacional começou a emergir da sombra das disciplinas contributivas da psicologia e sociologia e a desenvolver os seus próprios quadros conceptuais, se não as actuais teorias baseadas na evidência". Também nos EUA se vinham levantando vozes críticas, como a de O. B. Smith (1971)» contra o carácter aplicado da investigação educacional que tinha condições para constituir uma disciplina de direito próprio.

Assinalo, portanto, este desejo afirmado de autonomia em relação ao imperialismo das ciências fundamentais como um dos traços rele-vantes dos anos 60/70. Embora se trate de uma autonomia mais dese-jada do que efectivamente conseguida, parece-me que legitima a opção desta década como ponto de partida do olhar que me proponho lançar sobre as últimas décadas de investigação educacional.

SOBRE A AMBIGUIDADE DA TERMINOLOGIA UTILIZADA

Antes de prosseguir, parece-me importante chamar a atenção para a ambiguidade de alguma terminologia utilizada que me merecerá algu-mas considerações na parte final deste texto.

Rigorosamente, a expressão investigação educacional transborda o campo das ciências da educação, sendo difícil, por vezes, distinguir fronteiras com outras ciências que operam no campo educativo. Esta dificuldade liga-se também à ambiguidade da identidade dos inves-tigadores que, muitas vezes e por razões que o modelo de identidade social de Tajfel ajuda a explicar, preferem a colagem à ciência mãe, jul-gando tirar daí segurança científica e prestígio social.

Há ambiguidade ainda, porque a expressão pode designar não só o processo ou o produto da construção de conhecimento científico, mas também a disciplina académica que ensina a investigar, sentido este em que não será utilizada no texto. Se na tradição dos países latinos o uso da palavra investigação não é sinónimo de ciência ou de ciências da

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educação, mas o meio da sua construção, já 11a tradição anglófona pode-mos encontrar os termos com sentidos distintos ou como sinónimos (para um estudo detalhado da flutuação terminológica na investigação educacional, veja-se Costa, 2005). No entanto, só utilizarei a expressão 1 nvestigação educacional como sinónimo de ciências da educação por referência ao contexto ou a autores de língua inglesa, notando embora que a expressão educational sciences tem vindo a ganhar foros de cida-dania (veja-se como exemplo muito significativo Shavelson e Towne, 2002) e a substituir a de educational research, expressão "mais modesta" segundo Clifford (1973) que, por sua vez, havia substituído as anterior-mente em uso de science ofeducation ou de educational science.

A evolução da investigação dos anos 60 a meados dos anos 70

Para além dos grandes acontecimentos que mudaram literalmente a vida mundial nos seus aspectos mais variados, a década de 60 é tam-bém uma época de expansão e de reformas dos sistemas educativos, abrindo campos novos à investigação educacional e conferindo-lhe renovada utilidade social.

As tentativas de criação de uma ciência da educação no século XIX e princípios do século XX, com esta ou outra designação, tiveram ori-gem num clima de cientismo triunfante, assente na confiança da razão para conhecer, prever e prover. As décadas 60/70 no campo da investi-gação educacional representam o apogeu dessa confiança, mas simul-taneamente o início do seu declínio.

O ideal de ciência, assente na procura da verdade que se preten-dia universal, era prosseguido através de um paradigma de inspiração positivista, baseado na objectividade e neutralidade do investigador, em critérios definidos de validade interna e externa de que o behavio-rismo, que tanta influência teve no campo educacional, constitui uma concretização. No entanto, deve reconhecer-se que raramente reduz o seu campo de estudo aos fenómenos directamente observáveis. Por

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isso, autores como Linn (1986) questionam a propriedade da denomi-nação de positivista dada à investigação educacional. Com efeito, os paradigmas em que se concretiza no campo do ensino, como o cha-mado paradigma "presságio/produto" não se reduziram aos fenómenos directamente observáveis e não puseram de lado atitudes, representa-ções e o mundo interior de professores, alunos e outros intervenientes nos processos educativos, que instrumentos vários e testes de diferente natureza procuravam captar com alguma objectividade.

Os anos 60 marcam, na investigação sobre o ensino, a transição, iniciada na década anterior, do paradigma "presságio/produto" para o paradigma "processo/produto" (veja-se como exemplo Ryans, 1960), tra-zendo a investigação cada vez mais para dentro da sala de aula e da escola. Concretiza-se através do estudo das interacções verbais e não verbais em sala de aula, de cuja extensão os Mirrors of Behaviour, publicados em 1970 nos dão uma ideia, mas de que encontramos eco em autores europeus como De Landsheere e Bayer (1968), Berbaum (1973), Postic (1977) ou Estrela e Estrela (1977) e Estrela (1980, doctorat d'état); através do estudo de variáveis de ensino (veja-se a meta-análise de Rosenshine, 1971); dos efeitos dos métodos de ensino e dos efeitos-escola (consulte-

-se a 2a e 3a edição dos Handbook of Research on Teaching, de 1971 e 1986, respectivamente). Os estudos de carácter descritivo e explicativo, fazendo apelo a inquéritos ou a planos experimentais, pré e quase experi-mentais e sobretudo correlaccionais são dominantes. E é tal a confiança no progresso da investigação sobre o ensino que, em várias universida-des norte-americanas, se criam com base nela programas de formação de professores conhecidos por Competency-Based Teacher Education (CBTE) que pretendiam alicerçar a formação de professores nos resulta-dos dessa investigação. Expandindo-se nos anos 70, originam contudo as maiores críticas pelo seu carácter reducionista, tecnicista e behaviorista, contribuindo, por oposição, para o acolhimento das correntes orienta-das para a autonomia e reflexividade dos docentes que ganharão relevo a partir dos anos 80 e darão força à investigação-acção dos professores que, assinalada já nos anos 50, parecia ter perdido visibilidade nas grandes revisões da literatura.

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Apesar das tentativas de autonomização das ciências da educação, referidas no ponto anterior, continuava a prevalecer uma concepção de investigação como aplicação às realidades educativas dos princípios e teorias elaboradas por outras ciências, portanto dentro das perspectivas intradisciplinares mencionadas por Mialaret (1976). Assistia-se, pois, à primazia da teoria, o que aliás era consonante com o carácter hipotético-dedutivo da investigação de inspiração positivista da época.

No que se refere aos campos disciplinares, a presença da psicologia, particularmente através das suas várias áreas e correntes, continua a ser dominante. Sem esquecer a importância das diferentes correntes de psicologia referentes à aprendizagem e ao desenvolvimento, refiro particularmente a influência crescente, a partir dos anos 60, da cha-mada psicologia humanista e da psicologia cognitiva. Esta é tradu-zida no campo educativo pelo chamado paradigma mediacional que se expandirá nas décadas seguintes, levando a numerosos estudos ligados ao pensamento de alunos e professores e trazendo consigo uma renovação metodológica (pensar em voz alta, estimulação da recordação, grades de captação de categorias mentais...). Também o paradigma ecológico faz entrada na investigação educacional, sendo de notar a influência de Life in classrooms (Jackson, 1968), dado o impacto que teve em diferentes vias da investigação posterior, assim como a de Brofenbrenner cuja obra principal, embora datando dos anos 70, se tornou entre nós particularmente conhecida a partir do capítulo inserido no livro organizado por Beaudot (1981). É um autor que viria a inspirar muitos trabalhos de investigação em Portugal nos anos 80, um pouco em todo o lado mas sobretudo nas Universidades de Aveiro e Minho.

Contudo, a complexidade dos fenómenos educativos justifica que outras disciplinas ou sub-disciplinas ganhem influência crescente (a história, a demografia, a economia, a antropologia, a sociolinguística, a educação comparada...), mas é sobretudo a sociologia que ganha relevo através do estudo da escola, das desigualdades escolares e dos factores que as determinam. Com o estudo das desigualdades crescem as influên-cias marxistas e neo-marxistas na investigação educacional, influências

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que são reforçadas pela emergência das correntes de Pedagogia crítica nos anos 70 e se tornarão marcantes nas décadas posteriores.

No campo da investigação empírica, os temas de investigação alargam-se ao nível internacional, extravasando o campo escolar. Assim, para além de problemáticas tradicionais relativas à eficácia do ensino/aprendizagem, ao ensino em áreas específicas como o ensino artístico, o uso das tecnologias, o ensino superior, o ensino especial, o efeito-escola, a investigação contempla estudos sobre a profissão docente e a educação de adultos. Os estudos sobre a mulher ganham um novo impulso sobretudo nos países anglófonos, influenciados pelos novos movimentos feministas. A planificação e as políticas educativas adquirem importância crescente como objecto de estudo, em grande parte impulsionada por organizações internacionais.

Paralelamente à investigação empírica dos fenómenos educativos, constitui-se uma psico-socio-pegagogia apoiada em referências teóricas muito variadas que vão desde a psicanálise, à psico-sociologia e da sociologia ao socialismo autogestionário. Os anos 60/70 são marcados, sobretudo em França, pela crítica à escola intelectualista, sufocadora dos afectos, burocrática, estandardizada e reprodutora, críticas que têm uma grande influência na renovação de correntes pedagógicas, de que a pedagogia institucional constitui apenas um exemplo. Por outro lado, não se pode ignorar a investigação dos docentes sobre as suas práticas que nunca deixou de ser uma realidade. Bastaria citar o movi-mento que se gerou sob a influência de Freinet ou folhearmos revis-tas como os Cahiers Pédagogiques para não termos qualquer dúvida. Se bem que muitas vezes não seja reconhecida academicamente, essa investigação teve a maior relevância para o progresso das práticas de ensino, tal como atesta também o movimento do professor como investigador que, em expansão nos anos 80, comporta, na revisão de Erickson (1986), autores da época a que nos estamos a referir.

Em síntese: fazendo um balanço desta época, constata-se que as tendências autonomistas das ciências da educação têm dificuldade em impor-se, que a pedagogia científica perde terreno e que as grandes teorias são importadas das outras ciências. As ciências da educação

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assentam sobretudo na intradisciplinaridade ou na pluridisciplina-ridade alargada e numa panóplia extensa de métodos e técnicas de investigação das mais variadas origens disciplinares; as abordagens quantitativas começam a enfrentar as críticas dos defensores das abordagens qualitativas que, olhadas inicialmente com desconfiança, não tardarão a começar a ganhar credibilidade científica.

No que se refere à construção de teorias, as vias intra e pluridiscipli-nares da investigação em ciências da educação, dominantes nesta época, não originaram grandes teorias unificadoras específicas da educação, o que se compreende dado o seu carácter aplicacionista e a variedade de fenómenos, tempos e espaços abrangidos pela investigação.

O capital de conhecimento então produzido pode ser desproporcio-nal ao investimento feito na investigação, mas é relevante em muitos campos. E, se em parte frustrou as expectativas prevalecentes nesta época de profissionalizar o ensino e de conferir maior autonomia aos docentes (Clifford, 1973), em minha opinião, foi injustamente (por-que facciosamente) desvalorizado pelas críticas ao paradigma que as inspirou, críticas que ganhariam especial acutilância nos finais dos anos 70. Os autores dessas críticas parecem esquecer-se de que todos os paradigmas e todas as metodologias têm as suas vantagens e as suas limitações na medida em que atingem determinados níveis fenomé-nicos, deixando de fora outros, assim como tendem a esquecer que, sob a aparente imprevisibilidade das situações educativas se escondem algumas previsibilidades oferecendo altos graus de probabilidade, que a observação continuada no terreno permite detectar.

De meados dos anos 70 até fins dos anos 80

Se olharmos no seu conjunto o panorama da investigação educacional deste período, encontramos evidentes continuidades, mas também alguns traços distintivos.

A confiança na ciência começou a ser abalada ao longo do sécu-lo XX pela crise epistemológica (que não me cumpre descrever aqui)

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das ciências que tinham servido de modelo de constituição às ciên-cias sociais e humanas e da qual estas tirarão todas as consequências. Mas, enquanto que a crise das ciências exactas surge após um período de grande desenvolvimento e em consequência dele, parece-me que o drama das ciências sociais, em geral e o das ciências da educação em especial, consiste em terem herdado uma crise epistemológica em 2a mão que fizeram sua quando ainda não tinham conseguido um grau de desenvolvimento suficiente que lhes permitisse uma reflexão autó-noma sobre o seu próprio labor científico.

É neste período que se desenha a co-existência, primeiro conflitu-osa em alguns países, depois mais pacífica, dos principais paradigmas que marcam este período, habitualmente designados de racionalista, hermenêutico e socio-crítico, este muito interessado na análise dos fenómenos de poder e ligado a influências neo-marxistas.

Mais tardiamente do que nas ciências a que se subordinou, a investigação educacional, sobretudo por influência da chamada nova sociologia da educação, radicaliza as críticas ao paradigma designado depreciativamente por Delamont e Hamilton - autores influentes naquele época em Portugal - de agro-botânico. Ligando a influên-cia da etnografia e da renovação metodológica por ela introduzida às novas epistemologias compreensivas de influência hermenêutica, o investigador educacional descobre o sujeito e descobre-se como sujeito inserido e implicado numa trama histórica e social. Assim, assistimos à expansão de um novo paradigma que opõe à verdade universal a ver-dade contextual, ao ideal nomotético o ideal ideográfico, à neutrali-dade do investigador a sua implicação e procura a sua fundamentação epistemológica mais próxima na fenomenologia, no interaccionismo simbólico ou na etnometodologia. Com uma fundamentação diferente, notam-se também as primeiras tentativas de aplicação do paradigma sistémico à educação. A influência de Morin, no exterior e sobretudo em França, torna-se marcante. Investigadores como Lerbet (que tor-nou a universidade de Tours num centro de irradiação que atraiu estu-dantes de outras nacionalidades, inclusivamente portugueses) tentam uma abordagem sistémica de situações educativas.

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O novo paradigma que tende a tornar-se dominante, designado por interpretativo ou hermenêutico ou, por vezes, por naturalista (desig-nação que julgamos imprecisa, na medida em que encontramos estu-dos em meio natural com preocupações objectivistas), segundo Ruano Borbalan (op. cit.), só ganha campo crescente em França, nos anos 8o (lembro que o Congresso da AFIRSE sobre "Le sujet en éducation" só tem lugar em 1995). Origina em toda a parte, Portugal incluído, uma explosão de estudos qualitativos, descritivos, em que a entrevista em profundidade, a observação participante, o estudo de caso, a biogra-fia e os documentos autobiográficos, se tornam métodos ou apenas instrumentos privilegiados. O desejo de dar "voz e vez" ao sujeito faz relançar a investigação-acção, expressão ambígua que cobre as mais variadas formas, finalidades e natureza de estudos como Silva (1996) pôs em evidência. O que, segundo me parece, distingue as ciências da educação em relação a outras ciências sociais, onde os estudos quanti-tativos continuam a ter lugar relevante, é um certo radicalismo e into-lerância em relação a tudo que é da ordem do quantitativo, talvez mais acentuado em Portugal do que nos outros países.

A influência das correntes críticas, bem manifesta nas correntes reconceptualistas do currículo, muito apoiadas em Habermas, ganham uma nova força graças à influência que Carr e Kemmis têm exercido não só nos países anglófonos mas também em países ibéricos, pro-vocando um novo impulso na investigação-acção. A antinomia (em minha opinião mais aparente do que real, na medida em que podem ser complementares ou co-existentes na mesma conduta humana) entre racionalidade técnica e racionalidade prática ascende a um dogma de fé. A racionalidade técnica torna-se o alvo preferencial de todas as críti-cas e responsabilizada por todos os males do mundo, da sociedade, do ensino e da investigação. A influência de Shõn, que parece ter recebido além da influência de Dewey alguma influência de Habermas, pelo menos em alguma terminologia, reforça esse antagonismo. A expres-são prático-reflexivo populariza-se de tal modo que se torna num slo-gan da investigação que persiste até hoje. Por influência das correntes críticas, mas não só, assistimos a uma proliferação de textos de reflexão

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a propósito dos mais variados problemas educativos, muito assentes na opinião de conhecidos autores, frequentemente sem sustentação empí-rica que os valide ou extrapolando os resultados daquela, o que não significa que não se lhes reconheça impacto na transformação da rea-lidade educativa, superior até ao que a investigação científica propria-mente dita consegue normalmente alcançar. As actas dos colóquios da AFIRSE e da SPCE atestam a relevância numérica desse tipo de estu-dos, tendência que se manifesta também noutros contextos nacionais e até em conceituadas revistas internacionais de investigação, onde, há alguns anos atrás, seria impensável a publicação de artigos que não fossem de investigação empírica ou filosófica.

Se analisarmos aleatoriamente alguns estudos deste período, constamos que a designação de estudos qualitativos cobre uma gama variada de trabalhos de investigação que se reclamam de diferentes áreas disciplinares e cumprem diferentes graus de exigência científica. Assim, encontramos estudos que pretendem tratar com a objectividade possível a subjectividade dos outros (Huberman e Mile, 1991), enquanto que outros apostam na subjectividade própria e alheia, sem que aquela seja completada por uma análise de implicação do investigador que Ardoino tanto reclama. Quanto ao problema da validade científica, encontramos estudos que procuram seguir critérios de cientificidade decorrentes da lógica do paradigma interpretativo, como os teorizados por Guba (1989) ou os teorizados por Glaser e Strauss (1967); outros preocupam-se apenas com a validade fenomenológica dada pelo con-fronto da interpretação de investigadores e de actores; outros ainda - e são muitos - são totalmente omissos quanto aos critérios que poderão validar as investigações relatadas.

No que concerne o papel da teoria, sendo anti-nomotéticos, os estu-dos interpretativos - que pretendem pôr entre parêntesis a teoria como orientadora da pesquisa para a fazerem dela emergir - não poderão gerar amplas teorias unificadoras dos fenómenos. A intenção de cons-trução de teoria não está, pois, ausente, como é o caso dos estudos que, na senda de Glaser e Strauss (1967), pretendem chegar a uma teoria enraizada nos dados recolhidos (frequentemente não a alcançando) ou

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o daqueles que, na senda weberiana, desenham algumas categorias que se aproximam do sentido do ideal tipo. Outros trabalhos são puramente descritivos e destituídos de qualquer esforço de teorização e acabam por não trazer conhecimento acrescido e transferível, não revelando, por isso, utilidade a não ser para os próprios investigadores.

Se o início deste período originou uma guerra de paradigmas, com os seus fundamentalismos (in)evitáveis, assistimos também à tendên-cia crescente para uma coabitação pacífica e até para a procura de solu-ções alternativas. Faz-se delas arauto, por exemplo, Shulman (1986), autor de grande audiência em Portugal, ao propor a substituição do termo de paradigma por programa, no sentido que lhe dá Lakatos e levando à complementaridade das abordagens qualitativas e quantita-tivas, umas de maior valor heurístico, outras de maior valor de prova. Posição algo semelhante à que eu própria vinha defendendo, desde 1983, ao considerar que as diferentes abordagens atingem níveis fenoméni-cos diferentes, pelo que, conforme os fins e as fases da investigação, se possa fazer apelo a processos variados de heurística, hermenêutica e administração de prova.

QUE BALANÇO DESTE PERÍODO?

Consultando as actas do congresso da SPCE de 1991, dedicado a um balanço das Ciências de Educação em Portugal, nota-se a continui-dade de antigos temas, mas também a emergência de alguns novos (em relação a este país) como ensaio de metodologias de formação de pro-fessores, supervisão clínica, ética e deontologia docente.

Em 1994, fazendo um comentário aos resultados de um estudo de caso sobre a investigação educacional em Portugal, abrangendo os quinze anos anteriores, encomendada pela OCDE/CERI, Tuijnman (1994, p. 98) põe em relevo um conjunto de características que encontra serem comuns à investigação de muitos países dessa organização, a saber:

- fragmentação que conduz à "incoerência e muitas vezes à politi-zação", investigadores, agentes educativos e políticos trabalhando separadamente;

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- irrelevância, em parte decorrente de falta de fundos; - fraca qualidade tanto dos trabalhos quantitativos como qualitati-

vos, não assegurando os critérios convencionais de validade e fide-lidade;

- fraca eficiência, com baixos índices de produtividade, quer no que se refere à produção de publicações, quer à formação de novos investigadores;

- fraca utilidade, pela limitada aplicabilidade à resolução dos pro-blemas educativos.

Isto, apesar de Stoer e Correia (1994, p. 70) porem a hipótese de que "o campo de investigação educativa tende a definir problemáticas con-sequentes com os problemas que o 'discurso dominante' sobre a edu-cação atribui aos diferentes níveis de ensino".

Este balanço pessimista, sobretudo se generalizado, parece-me não ter na devida consideração o avanço do conhecimento nesta época, nas mais variadas áreas disciplinares das ciências da educação, algumas das quais conheceram um franco desenvolvimento, como é o caso da administração escolar. Esse avanço do conhecimento foi marcado pelos trabalhos de investigadores notáveis, nos diferentes países, que permitiram novos olhares sobre os processos, as instituições e actores educativos e formativos, de que se alimenta a grande maioria da inves-tigação actual, pois continuam a constituir referências indispensáveis. Nessa medida, é em muitos aspectos um período áureo da investiga-ção educacional, embora reconheça que a talvez excessiva quantidade de investigações realizadas nesta década nem sempre foi sinónimo de qualidade.

Por outro lado, detectam-se alguns sinais de uma possível evolução, para muitos de sentido positivo, mas que eu considero negativo. Refiro-

-me a uma menor atenção a critérios de cientificidade, à fragmentação da investigação em função da grande dispersão de estudos qualitativos muito assentes em estudos de caso de pequeníssima dimensão (que fazer com a multiplicidade quando não é redutível à unidade? E que fazer de tantas descrições pré-teoréticas?), à polissemia da expressão

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investigação que se vai banalizando e à sua politização crescente. São traços que se acentuarão no período seguinte e denotam já a influência progressiva do pós-modernismo. Este encontra na frágil investigação educacional e na ausência (em Portugal e julgo que também em França) de debate epistemológico que ultrapasse o problema da identidade das ciências de educação e envolva a grande maioria dos investigadores, um terreno especialmente propício de propagação.

Dos anos 90 até hoje

Tirando todas as consequências da crise epistemológica das ciências e da viragem linguística da filosofia protagonizada sobretudo por Wittgenstein que remete a epistemologia das ciências sociais para um nominalismo de difícil retorno, o pós-modernismo configura a luta contra as "presunções universalizantes" da razão que marcaram a modernidade. Ao ideal unificador da razão contrapõe o fim das meta-

-narrativas e um mundo fragmentado, onde impera a pluralidade, o caos, o imprevisível e o efémero. Como afirma Fokkema (s/d, pp. 65 e 66), "o código pós-modernista baseia-se numa preferência pela não selecção, uma rejeição de hierarquias discriminadoras e uma recusa de distinção entre verdade e ficção, entre passado e presente, ente rele-vante e irrelevante".

Extravasando o campo da literatura e da arte, a cultura pós--modernista contagia a própria ciência. Assim, as fronteiras entre as diversas ciências, tipos de conhecimento e de expressão são abo-lidas. Segundo Derrida (1994, p. 67), e usando as suas palavras, elas interpenetram-se, opõem-se negando-se mas "introjectando-se" e

"parasitando-se" e gerando combinações por vezes "monstruosas". Então, a desconstrução virá pôr em evidência "a impossibilidade de clausura de um conjunto ou totalidade numa rede organizada de teo-remas, leis, regras, métodos" (Derrida, 1994, p. 86). Tal como virá pôr em evidência o eu fragmentado pelas múltiplas subjectividades que o habitam (Santos, 1994).

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Este menosprezo por leis, regras e métodos, partilhado por autores tão diferentes como Feyerabend (1980) ou Rorty (1988), tem as maiores implicações para o próprio conceito de ciência e da sua distinção em relação ao conhecimento vulgar. Estamos bem longe da necessidade de ruptura epistemológica em relação ao senso comum, salientada por Bachelard; estamos longe da intenção de Schutz (1987, p. 1 1 ) de aproximar as ciências sociais do quotidiano do homem, mas de che-gar a construtos de segunda ordem, devendo, para isso, o investigador apoiar-se "nos procedimentos da sua ciência"; estamos, apesar de tudo, longe da etnometodologia e da diversidade dos seus métodos rigorosos de descrição de discursos e de práticas que conferem sentido às acções quotidianas (Coulon, 1990).

Neste novo mundo em que todas as formas de conhecimento e de expressão se misturam e se confundem a que fica reduzida a ciência? E o papel do cientista? Perante a tendência a não questionar a legitimidade da voz do actor, todas as vozes se tornam igualmente válidas. Qual é então a função da investigação? Se a hermenêutica levantara o problema da legi-timidade da interpretação do actor versus a legitimidade da interpretação do investigador, problema difícil que alimentou a conhecida polémica entre Habermas e Gadimer a que Hekman (1986) dá a maior relevância, agora ou o problema se não coloca ou se desloca para o plano político, ali-mentado por formas de populismo que autores como Fokkema (op. cit.) atribuem à pós-modernidade. Critérios de militância política tendem a substituir os critérios de racionalidade intrínseca à pesquisa.

Olhada no seu conjunto, a investigação dos anos 90 apresenta uma coexistência de paradigmas variados vindos dos decénios anteriores e uma continuidade de campos temáticos. A única novidade, no que se refere a este aspecto e de que eu me tenha apercebido, é a extensão dos estudos dos problemas de género em educação à homossexualidade (estudos que penso ainda inexistentes em Portugal no campo educa-tivo) e a visibilidade crescente da investigação colonial que também entre nós vai atraindo maior atenção.

No entanto, ao lado desses paradigmas encontramos múltiplos sinais de presença da cultura pós-modernista. A influência do pós-

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-modernismo traduziu-se pelo apagamento das fronteiras não só entre os vários domínios disciplinares mas também entre os diferentes tipos de conhecimento, nomeadamente entre o conhecimento praxeológico dos práticos e o conhecimento científico propriamente dito, com o primeiro tendendo a substituir-se ao segundo ou a sobrepor-se a ele. A escrita reflexiva, como Brown e Jones (2001) explicitam, "move-se da descrição para uma compreensão das complexidades de tais situações", tornando-se assim um meio de investigação, de mudança do investi-gador e da realidade, o que facilmente origina a confusão entre o "case story" e o "case study" (Robertson, citado por Lather, 2001). Os crité-rios de validade da investigação qualitativa aceites pela comunidade de investigadores começam a ser postos em causa como concessões ao positivismo e o próprio conceito de triangulação, uma das pedras angulares da validade e credibilidade dos estudos interpretativos, começa a ser questionado e substituído pelo de cristalização (vejam-se os ecos desta contestação em Denzin e Lincoln, 1998).

Muitos investigadores - portugueses e estrangeiros - parecem identificar-se com a crítica que encontramos em Hammerseley (2002), quando se censuram as correntes de investigação qualitativa que mantêm a distinção entre os tipos de conhecimento construídos pelos práticos e pelos investigadores, pois, no seu dizer, seria como se o investigador estivesse fora da sociedade e acima dela. Este argu-mento parece-me duplamente falacioso: por um lado, um considerá-vel número dos investigadores educacionais, talvez mesmo a grande maioria, provém do mundo dos práticos e continua a sê-lo, ainda que noutro grau de ensino; por outro lado, é precisamente porque está inserido na sociedade, mas é capaz de uma dialéctica de proximidade/ afastamento que o investigador pode ser útil à sociedade. E isto não sig-nifica que o conhecimento do investigador seja superior ao do prático ou vice-versa. São apenas de natureza diferente pelos seus processos de construção, de validação e de utilidade prática imediata que, se em certas circunstâncias podem entrar em conflito numa obscura luta de poder, podem também entrar em diálogo ou em complementaridade, fecundando-se mutuamente.

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Como consequência das influências da cultura pós-modernista na investigação educacional, assistimos a uma certa descaracterização do conceito de investigação científica. Assim, por exemplo, nos qua-tro números anuais da revista Investigar em Educação, editada pela Sociedade Portuguesa de Ciências da Educação (SPCE) e que se des-tina a fazer a revisão da investigação em temáticas em que tenha sido relevante, encontramos artigos onde o termo investigação ganha uma grande polissemia, reflectindo o que se passa fora do país, sobretudo na investigação anglófona. Comporta sentidos tão diferentes como os de investigação científica no seu sentido canónico; estudos reflexi-vos apoiados em pressupostos ideológicos, na autoridade de teorias científicas ou na de outros autores, mas onde a reflexão filosófica se faz rara; investigação-acção que envolve metodologias rigorosas de investigação; investigação-acção como descrição e/ou análise escrita ou oral de uma prática; reflexão espontânea ou orientada sobre uma prática; investigação bibliográfica ou documental orientada para a divulgação de correntes, de teorias, de autores. Talvez se lhes possa aplicar a distinção estabelecida por Walsh, citado por Scott e Usher (1996, p. 84) sobre os quatro tipos de discurso que se ligam aos dife-rentes tipos de trabalhos no domínio educativo: o utópico, o delibe-rativo, o avaliativo, o científico.

No que se refere às metodologias de investigação deste período, pode dizer-se que se flexibilizaram, originando estratégias de pesquisa por combinações variadas de que alguns manuais se fazem arauto, assim como se começa a inovar a forma de comunicação dos resultados que, para além da utilização frequente de metáforas, pode assumir qual-quer forma de expressão artística (Woods, 1999). Neste novo contexto de investigação diluem-se critérios de cientificidade. Os critérios de validade estabelecidos para a investigação dita quantitativa e qualita-tiva de acordo com as suas lógicas internas perdem sentido e passam-se a admitir critérios exteriores a essas lógicas. Quando se transforma a questão da validade científica numa questão de poder e a ciência numa forma indistinta de ideologia, é evidente que os critérios se tor-nam essencialmente ideológicos. Passam a ser critérios constitutivos

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e transgressivos, na classificação de Lather (2001) contemplando, por

exemplo, a validade democrática. Se eu compreendo o pós-modernismo nos seus aspectos artís-

ticos e aprecio a tentativa de interligação entre várias formas artísti-cas, se admiro a ficção de um Carver, a desconstrução dos espaços de um Ghery, se estou aberta a novas formas de conhecimento e aprecio as novas formas de participação cívica e política que têm aparecido, tenho alguma dificuldade em aceitar a legitimidade de transposição para o campo científico de pressupostos próprios do mundo das artes e mormente a aceitação de critérios de cientificidade que sejam alheios à lógica interna de desenvolvimento científico.

Em síntese, o período iniciado na década de 90, apesar dos sinais pós-modernistas, representa em grande parte uma continuidade da investigação mais relevante do período anterior, mas também dos seus problemas mal resolvidos. O problema das relações ciência-ideologia que Marcuse relançou e tornou actual nos anos 60 e revisitado por Habermas (1987) mereceria um amplo questionamento e não uma acei-tação incondicional das posições assumidas por estes autores, assim como merecem questionamento as relações de inter-dependência entre a investigação e a acção, entre a produção do conhecimento que tem como objectivo essencial fornecer-nos mapas de leitura do real e a sua eventual utilização na transformação do real, exigindo outros critérios exteriores à investigação. Como Lima acentua (1^91), "a veleidade de erigir uma ciência prescritiva e normativa seria a melhor maneira de nos recusarmos os meios de uma verdadeira compreensão dos fenóme-nos educativos".

Estas constatações não nos impedem de salientar o desenvolvi-mento da investigação educacional verificado nestes últimos 15 anos, os muitos trabalhos de qualidade que surgiram em todos os países oci-dentais, o aumento do número de investigadores e a revelação do valor de muitos deles, a integração em redes internacionais, a relevância dos problemas estudados, a variedade paradigmática e metodológica.

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Conclusão

Se o desejo de autonomia das ciências da educação constituiu, como atrás foi dito, talvez a marca mais relevante dos anos 6o, parece-me que esse desejo encontrou dificuldades de concretização. Com efeito, parece-

-me poder generalizar-se ao conjunto das décadas passadas em revisão e a outros países a análise que fiz em relação à investigação portuguesa no último congresso da S.P.C.E. Assim, são poucas as abordagens que se reclamam de uma pedagogia científica ou mesmo das ciências da educação, concebidas como o estudo de fenómenos educativos, a par-tir deles próprios e instrumentalizando os conhecimentos de outras disciplinas para uma leitura pedagógica ou educativa das situações. A maioria das investigações portuguesas, tal como as investigações feitas noutros países, parece-me apresentar o carácter designado por Mialaret (1976, p. 86) de intradisciplinaridade e de pluralidade externa. A pluridisciplinaridade interna, aquela que segundo o mesmo autor constitui "o fecho da abóbada da unidade e autonomia das Ciências da Educação" parece-nos menos frequente ou, pelo menos, menos conseguida. E as intenções de multi-referencialidade de que muitos se reclamam não passam muitas vezes da multidimensionalidade, não rejeitando a irredutibilidade do heterogéneo ao homogéneo que Ardoino reclama como atributo distintivo da multi-referencialidade. São também raras as abordagens sistémicas (que, segundo esclarece Morin na entrevista concedida a Peyron e Ardoino, para além da mul-tireferencialidade envolvem a recursividade), talvez porque a riqueza do paradigma encontra dificuldades evidentes de operacionalização na investigação do real.

Dados os pressupostos das opções paradigmáticas dominantes na pesquisa deste período, é natural que não encontremos grandes teorias educacionais enquanto visões gerais e unificadoras de uma grande multiplicidade de fenómenos ou de situações educativas, embora proliferem as micro teorias abrangendo um número restrito de fenómenos.

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Para finalizar: A História da Ciência mostra-nos que o conceito de ciência depende

de um ideal partilhado por uma comunidade de investigadores num dado momento histórico. Desse ideal decorrem os paradigmas que con-dicionam os critérios de cientificidade que permitem a avaliação, pelos pares, da investigação que se faz. Assim - acentua Ruano-Borbalan (2003, p. 25) - "qualquer campo disciplinar ou de conhecimento é um construído histórico, mas também evidentemente um campo de forças". Origina, portanto, diversos campos tensionais, de equilíbrio difícil e efémero. Entre esses campos tensionais na área das ciências da educação conta-se, no dizer de Roldão (2005, em publicação), uma pro-dução bicéfala de investigadores e práticos que apenas se aproximaram pela via discursiva. O que em parte - diz a autora - explica a hegemonia

' da retórica. Retórica, sem dúvida, bem intencionada, com frequência ideologicamente comprometida, prescritiva, especulativa e sem sus-tentação em estudos empíricos que obedeçam aos critérios de validade ainda largamente consensuais na comunidade dos investigadores, dando lugar àquele tipo de academismo que, segundo Azevedo, citado por Stoer e Correia (1994, p. 59), "persiste em pensar a realidade social a partir somente de postulados ideológicos e em fundar hipóteses - e teses - sobre meras citações e referências teóricas respigadas e, quantas vezes, transpostas de outros contextos e sociedades e aplicados meca-nicamente ao estudo científico dessa acção que obedece a valores e a uma racionalidade própria". Com efeito, tende-seâ confundir a acção educativa, atravessada por finalidades e valores da mais variada natu-reza (política, ética, social, económica...) com a investigação científica dessa acção, a qual, obedecendo necessariamente a critérios estabe-lecidos de exigência, de acordo com a lógica interna da investigação científica e o conceito de verdade que ela prossegue, encontra e analisa os valores com que os sujeitos dirigem e conferem sentido à acção e a adequação desses valores aos fins prosseguidos e aos seus efeitos, assim como deve analisar os pressupostos e preconceitos que o investigador introduziu e distorceram a realidade estudada, submetendo as suas explicações à falsificabilidade através de outras teorias explicativas.

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Em suma, tal como escrevi em 2005 para o Congresso da SPCE, a investigação educacional feita em Portugal parece-me ser afectada por três derivas particulares que encontramos igualmente na investigação internacional: a deriva ideológica que parece esquecer que, se a ciên-cia pode ser considerada uma forma de ideologia (e seria necessário esclarecer o conceito), nem toda a ideologia é ciência, a ciência sendo, portanto, não uma forma qualquer, mas específica de ideologia (o que não significa que os resultados da investigação científica não possam ser submetidos posteriormente a releituras ideológicas); a deriva pres-critiva que leva a transformar os resultados da investigação que, numa linguagem popperiana, não são mais do que possibilidades lógicas, em normas de acção; a deriva generalizadora pois, apesar das repetidas declarações dos investigadores sobre o carácter ideográfico dos estu-dos, acabam por generalizar os resultados, não se abstendo mesmo de fazer variadas recomendações que vão para além dos contextos estu-dados. Estas tendências, que me parecem marcantes na investigação educacional dos nossos dias, são susceptíveis de ferir a credibilidade de um conhecimento que se pretende científico e mereceriam um debate sério dos investigadores. Trata-se apenas de evitar as confusões que tanto têm desprestigiado as ciências da educação e retirado poder de intervenção social, ao contrário do que se pretende.

Como Charlot afirma (1995, p. 20) não existe ciência sem uma qual-quer forma de rigor, argumentada por referência a uma forma espe-cífica de racionalidade que se "apresenta em ruptura com a intuição quotidiana e senso comum e respeitando as formas de rigor contro-láveis por uma comunidade de investigação". Deçerto que a educação é eminentemente teleológica e a sua inteligibilidade terá de se ligar a estudos de natureza vária: filosóficos, científicos, reflexivos, praxeo-lógicos. Não se trata de construir uma hierarquia de tipos de conheci-mento, pois todos eles têm o seu lugar e a sua validade própria que se articula com o tipo de inteligibilidade que se procura.

Se pretendermos conquistar o respeito da comunidade científica exte-rior às ciências da educação, não podemos fingir ou pretender que o

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rigor científico é um valor obsoleto e um resquício de positivismo. Se é certo que os critérios de cientificidade não são mutáveis, é igualmente certo que cada paradigma introduz os seus próprios critérios de rigor que nos dão a medida da validade da investigação realizada e permi-tem a sua confirmabilidade. A própria investigação dos práticos sobre as suas práticas está sujeita a critérios de validade e de transferibili-dade de conhecimento construído, como aqueles referidos por Zeich-ner e Noffke (2001, p. 77, baseados em Stevenson, 1996) e muitas vezes cumpre critérios de cientificidade padronizados, demonstrando que os práticos podem dominar os processos de construção do conheci-mento científico, se se empenharem nisso e adquirirem a necessária formação. Julgo que é no reconhecimento dessa capacidade, assim como na realização de investigações colaborativas entre investigado-res e práticos que reside a verdadeira democratização da investigação e não na tentativa de arrasar qualquer distinção entre formas de conhe-cimento. Essa tentativa, mais do que anunciar um eventual paradigma emergente como alguns defendem, poderá abrir o campo a um conhe-cimento indiferenciado e sincrético, onde tudo é igual a tudo e esse novo conhecimento, por mais valor que tenha, poderá ser tudo menos científico. O reconhecimento do valor de diferentes práticas sociais de produção de conhecimento não tem que diminuir o valor das práticas científicas aceites pela maior parte da comunidade dos investigadores. Além das consequências desastrosas para o progresso da ciência, até que ponto, essa tentativa oculta, sob a capa do populismo e de uma retórica de emancipação, um sofisticado elitismo e um complicado e obscuro desejo de poder? Por um lado, alguns investigadores univer-sitários criticam o pretenso poder da ciência académica sobre os pro-fissionais mas arrogam-se o direito de legitimar o conhecimento dos práticos, como se o seu valor dependesse dessa legitimação e, simulta-neamente, sentem-se autorizados a apontar-lhe os caminhos da eman-cipação; por outro lado, os investigadores, em nome de uma pretensa igualdade democrática, dignam-se abdicar dos seus saberes e renun-ciar aos padrões de exigência da ciência para se pôr ao nível do prático, considerado incapaz de partilhar esses padrões; mas ao mesmo tempo

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a sobrevalorização sem critério de todo e qualquer conhecimento ela-borado pelos práticos é no fundo, uma maneira de o desvalorizar.

Julgo que necessitamos urgentemente de repensar a responsabili-dade social do investigador em ciências da educação, mas também a sua responsabilidade científica. E esta não poderá certamente dispen-sar a ética da construção da verdade possível assente em critérios de rigor. E se as ciências da educação não enveredarem por um conceito de investigação assente no rigor - alerta Schriewer (2001, p. 55) - elas estarão condenadas a desaparecer a curto prazo. E repete esse aviso na entrevista concedida a Ana Isabel Madeira para o n° 4 da revista Inves-tigar em Educação (2005).

Termino com este alerta de alguém que tem uma incontestável idoneidade para o fazer, mas também com o conhecimento de que há horizontes de esperança que dependerá de cada um e de todos nós mantermos abertos.

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