64
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE CENTRO DE EDUCAÇÃO BRENDA ALVES SILVA GEISIELLI FERREIRA CORSINI JANETE SOUZA DE OLIVEIRA MARINA DE SOUZA MOTA MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS VITÓRIA - ES 2015

MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

Embed Size (px)

DESCRIPTION

TCC Licenciatura

Citation preview

Page 1: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO, POLÍTICA E SOCIEDADE

CENTRO DE EDUCAÇÃO

BRENDA ALVES SILVA

GEISIELLI FERREIRA CORSINI

JANETE SOUZA DE OLIVEIRA

MARINA DE SOUZA MOTA

MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS

NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

VITÓRIA - ES

2015

Page 2: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

BRENDA ALVES SILVA

GEISIELLI FERREIRA CORSINI

JANETE SOUZA DE OLIVEIRA

MARINA DE SOUZA MOTA

MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS

NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao

Departamento de Educação, Política e Sociedade do

Centro de Educação da Universidade Federal do Espirito

Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de

Licenciado em Geografia.

Orientador: Profº. Dr. Soler Gonzalez.

VITÓRIA - ES

2015

Page 3: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

BRENDA ALVES SILVA

GEISIELLI FERREIRA CORSINI

JANETE SOUZA DE OLIVEIRA

MARINA DE SOUZA MOTA

MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS

NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

COMISSÃO EXAMINADORA

_____________________________________________

Professor Doutor Soler Gonzalez

Universidade Federal do Espírito Santo.

Orientador

_____________________________________________

Professora Doutora Gisele Girardi

Universidade Federal do Espírito Santo.

______________________________________________

Professor Nathan Moretto Guzzo Fernandes

Universidade Federal do Espírito Santo

Page 4: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

É preciso, pois, que incorporaremos a ideia que ao dizer uma

história, somos narradores praticantes traçando/trançando as

redes dos múltiplos relatos que chegaram/chegam até nós,

neles inserindo, sempre, o fio do nosso modo próprio de contar.

(ALVES E GARCIA, 2002, p. 274)

Page 5: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

AGRADECIMENTOS

Eu, Brenda Alves Silva, agradeço primeiramente a Deus por ter me sustentado durante minha

caminhada porque sem Ele não chegaria até aqui.A minha família, principalmente a minha

mãe pelo apoio, amor e carinho e pelos conselhos, pelo apoio agradeço minha irmã e meu

irmão. Ao meu amigo e namorado pela paciência, encorajamento e pelo apoio.Aos meus

amigos e aos colegas de faculdade por fazerem parte dessa história. Agradeço a minha amiga

Renatinha pela amizade e paciência.Ao laboratório de Planejamento e Projetos,

principalmente a minha orientadora de pesquisa Cristina Engel. Agradeço ao meu orientador

de TCC pela paciência e dedicação.As minhas colegas de tcc (Janete, Geisielli e Marina) pela

dedicação na realização desse trabalho. Aos sujeitos envolvidos nessa pesquisa, a muito

obrigada!

Eu, Geisielli, agradeço acima de tudo e todos Àquele que me concedeu sabedoria e a dádiva de

vivenciar momentos grandiosos junto a pessoas incríveis e as múltiplas conquistas até aqui.

Deus, Tu és meu tudo. Agradeço a minha família por me apoiar em tantos momentos, de

correrias, tensões, ausências e é claro, de alegrias, que se fizeram presentes nesse percurso, que

acaba de se iniciar, em especial, à minha mãe, pois esta conquista também foi por você. Ao

meu amigo e namorado Pedro Alexandre, pelos múltiplos momentos que esteve junto a mim,

com sua companhia, conversas, compreensão e contribuição. Obrigada, você é incrível.

Agradeço ao nosso orientador e professor Doutor Soler Gonzalez, que nos acompanha desde o

terceiro período do curso de Geografia, criando relações e afetividades com suas conversas e

sugestões, que foi nos proporcionando novas vivências, convivências, práticas inéditas e

momentos excepcionais, na Universidade e nas tramas do espaço escolar. Muito Obrigada!

Honrada pelas diversas relações e reflexões que estes espaços me proporcionaram. Ao

professor e geógrafo Vincenzo Sciortino por todo entusiasmos e colaboração em minha

trajetória, rumo a descobertas espetaculares. Obrigada, você é demais! A todos da EEEFM João

Crisóstomo Beleza, que abriram as portas desta instituição em vários momentos requisitados. E

aos vários amigos(as), colegas e parceiros que tive oportunidade de conhecer durante este

processo, dentro e fora da Universidade, e que sem dúvida, se fizeram e se fazem

importantíssimos em minha caminhada. À todos que contribuíram com a construção deste

trabalho, muitíssimo obrigada! Sinto-me grata, a todos, que com suas particularidades me

mostraram um caminho de descobertas, vivências, saberes e experiências inusitadas, em uma

ciência única e espetacular e que pude contemplar sua grandiosidade, a Geografia!

Page 6: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

Eu, Janete Souza de Oliveira, agradeço primeiramente a minha mãe, meu maior exemplo de

vida e coragem. Dedico essa conquista a você. Às minhas irmãs, Keila, Kelly e Daniely, e aos

meus irmãos, Henrique e Fernando, pelo incentivo e amor, me sinto honrada em tê-los ao meu

lado. À minha família, gratidão por entender os momentos de ausência e por proporcionar-me

tantos risos. Ao meu amigo, companheiro e noivo por ser a pessoa com quem eu mais interagi e

compartilhei os diferentes momentos da minha vida, nos últimos tempos. Aos meus amigos e

amigas, que se fizeram/fazem tão importante nessa caminhada, que não se encerra aqui. Em

especial, ao meu amigo Sebastião Cruz, que se permite compartilhar sentimentos de afetividade

e de companheirismo, gratidão pelos momentos, reflexões e sorrisos. A vivência na

Universidade Federal do Espírito Santo, que proporcionou-me os melhores anos da minha vida;

aqui, tive as melhores prosas e andanças que poderia ter. Agradecida, aos que acreditam nos

tantos possíveis modos de lidar e praticar o cotidiano escolar. Aos que se permitem adentrar e

deixar que a fluidez e sentidos do mundo escolar os atravessem. Ao orientador, Professor Soler

Gonzalez, pelos conselhos, dedicação e por acreditar em nós. Você é excelente. Aos que

contribuíram para a construção coletiva deste trabalho, meu muitíssimo obrigada. Grata a

Geografia, a qual me permite derivar por um universo tão variado e múltiplo, em pude

experimentar tantas sensações. Obrigada a todos que, de alguma maneira, contribuíram em

minha trajetória. Por último, entretanto mais importante agradeço a Elohim. Tu és o meu

alicerce-firmamento.

Eu, Marina, agradeço à Deus que por seu amor, sua bondade, sua criatividade… me

possibilita e me inspira a viver, a ter alegria e criatividade; à Ele que me proporcionou os

caminhos e os encontros que me trouxeram até aqui. À todos os sujeitos que participaram da

construção deste trabalho de conclusão de curso e àqueles que contribuíram para com as

minhas experiências na Universidade Federal do Espírito Santo. Ao Professor Doutor Soler

Gonzalez pela dedicação, disponibilidade, orientação e pelas trocas de saberes proporcionadas

por ele não só na disciplina de Tópicos III (TCC), mas ao longo do curso. À Brenda, Janete e

Geisielli, colegas que compartilharam comigo deste desafio, pela colaboração e dedicação e

pelas boas experiências vivenciadas na construção deste trabalho. Aos meus pais, irmãs e

cunhados por serem a base e por me proporcionarem esta experiência e todo o apoio, e

também aos meus avôs, tias, tios, primos e amigo, todos estes sempre estiveram comigo,

apoiando e incentivando em cada momento, cada desafio e que têm se alegrado comigo a cada

conquista. Agradeço mais uma vez à Deus, que cuidadosamente colocou cada uma dessas

pessoas fundamentais no meu caminho.

Page 7: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

Agradecemos aos envolvidos e praticantes, que coletivamente se permitiram construir um

espaço de experiências, sorrisos, cores e afetos. Nosso muitíssimo obrigada aos que nos

receberam na Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Aflordízio Carvalho da Silva,

em especial a turma do 1º M6. Gratidão ao orientador Professor Doutor Soler Gonzalez por

acreditar nos potenciais e entender os momentos e movimentos dos processos aqui

experienciados e construídos. Ao Professor Nathan Moretto, pelo acolhimento, contribuições,

reflexões e por acreditar nos tantos possíveis de pensar e praticar o cotidiano escolar, que

tornou viável nossas intervenções. Agradecemos a todos e todas que em modos variados e

intensidades diversas colaboraram para que este fosse se tornando possível.

Page 8: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

RESUMO

Este trabalho de conclusão de curso versa sobre outras possibilidades pedagógicas acerca do

ensino de Geografia com as noções de paisagem. O objetivo principal está em potencializar e

problematizar diferentes modos de interagir, compreender, aprender e ensinar Geografia com

a paisagem em variados espaçostempos, dialogando com os saberes dos educandos e demais

sujeitos envolvidos do/no cotidiano escolar. As intenções consistem em criar redes de

conversações com os movimentos da pesquisa ao envolver diversas linguagens e materiais

com viés artísticos e estéticos, com o potencial das imagens, poesias e músicas, que tendem a

deslizar e desestabilizar ideias fixas e únicas sobre a paisagem, afim de possibilitar outras

narrativas destas vistas e/ou vividas pelos sujeitos, com o desejo de desnarrar. Propõe-se,

portanto, tencionar e valorizar a subjetividade e autonomia de seus autores. Para isso, faz-se a

escolha metodológica de aproximações com pesquisas dos cotidianos e narrativas.

Palavras-chave: Ensino de Geografia; paisagem; cotidiano escolar; narrativas; desnarrativa.

ABSTRACT

This Final Paper approaches toward others pedagogical possibilities about the teaching of

Geography with the landscape notions. The main objective is in problematizing and

potentializing different ways of interacting, understand, learning and teaching Geography

with the landscape in different spacetimes in which dialogues with the students knowledges

and other individuals involved in school life. The intentions are based on create conversation

networks with the research movements by involving several languages and materials with

artistic and aesthetic bias, with the potential of images, poems and musics; this work tends to

slide and destabilize fixed and unique ideas about landscape for the purpose that other

narratives could be made, noticed and/or experienced by the individuals, aiming at

deconstructing of narratives. It's proposed, therefore, stand out and valorize the subjectivity

and the autonomy of their authors. For this reason, the methodology of rapprochement with

the researches of the daily and its narratives is what was chosen.

Keywords: Teaching of Geography; landscape; school life; narratives; of narratives.

Page 9: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

LISTA DE FIGURAS

Figura 1. Loteamento Vila Maruípe ……………………………………….........................16

Figura 2. Batalhão da polícia militar 1939 …………………................................................17

Figura 3. Batalhão da polícia militar 2015 …………………................................................17

Figura 4. Mapa da Região administrativa 4 de Vitória …….................................................18

Figura 5. Google Earth: Região de Maruípe …………………............................................ 19

Figura 6. Entrada Parque Municipal horto de Maruípe (antiga)………................................20

Figura 7. Entrada Parque Municipal horto de Maruípe (2015)………................................. 20

Figura 8. Parque Municipal horto de Maruípe (antiga)……………………...........................21

Figura 9. Região de Maruípe 1970 (Google Earth)……….....................................................22

Figura 10. Região de Maruípe 1998 (Google Earth)………...................................................22

Figura 11. Região de Maruípe 2015(Google Earth)………................................................... 23

Figura 12. Mapa - Campo da pesquisa - Maruípe (referencial Sul) .......................................25

Figura 13. Mapa - Campo da pesquisa - Maruípe ................................................................. 25

Figura 14. Vista da Entrada da Escola e parte do parque Horto.............................................27

Figura 15. Escola Aflordízio Carvalho da Silva.....................................................................27

Figura 16. Biblioteca da Escola Aflordízio Carvalho da Silva...............................................29

Figura 17. Sala de Geografia - Escola Aflordízio Carvalho da Silva.....................................29

Figura 18. Paisagem de Vitória....……………………………………...................................53

Page 10: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

SUMÁRIO

1. Palavras Iniciais: Conversas, Experiências e Saberes com as Paisagens no Ensino

de Geografia.................................................................................................................11

2. Aproximações com Aspectos Históricos e Geográficos da Região

Pesquisada....................................................................................................................14

2.1 Contextualizando a região de Maruípe..................................................... ..............14

3. Conversas com a Paisagem e o Ensino de Geografia no Cotidiano Escolar da

Pesquisa........................................................................................................................23

4. Movimentos Teóricos e Metodológicos entre Imagens, Arte, Paisagens e o Ensino

de Geografia no Cotidiano Escolar............................................................................30

4.1Manhã de 21 de Setembro de 2015, Segunda-feira..................................................33

4.2 Manhã de 25 de Setembro de 2015, Sexta-feira......................................................39

4.3 Manhã de 02 de Outubro de 2015, Sexta-feira.......................................................48

4.4 Manhã de 05 de Outubro de 2015, Segunda-feira...................................................55

5. Considerações Finais...................................................................................................62

6. Referências ..................................................................................................................63

Page 11: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

11

1. Palavras iniciais: conversas, experiências e saberes com as paisagens no ensino de

Geografia

Nosso desejo com essa proposta coletiva de Trabalho Acadêmico sobre o ensino de

Geografia, está em potencializar e problematizar outros modos de compreender e praticar a

noção de paisagem em diferentes espaçostempos de aprendizagens, considerando os saberes

geográficos e socioambientais dos sujeitos envolvidos do/no cotidiano escolar, a partir da

técnica e da arte de monotipias com as imagens.

Com esse desejo de conversar com as paisagens, pensamos em práticas pedagógicas

que disparassem experiências com os cotidianos escolares do/no ensino de Geografia, a partir

da técnica e da arte da monotipia com imagens, apostando na criatividade, autonomia,

dialogicidade, participação e o encontro de saberes, sentimentos, multiplicidades e re-

significados produzidos com as paisagens.

Inicialmente partimos em busca de possíveis pistas e questionamentos que envolvem

as abordagens, sobre/com a noção de paisagem no ensino de Geografia, especificamente, no

contexto do campo problemático desta pesquisa, que envolve o 1º ano do Ensino Médio. São

questões vinculadas aos saberes geográficos e socioambientais dos educandos, e como esses

saberes dialogam e são considerados nas práticas pedagógicas, no ensino de Geografia e na

formação de educadores/as.

Nossas curiosidades e inquietudes quanto a temática da pesquisa foram pensadas a

partir das experiências vivenciadas no III Colóquio Internacional “A Educação pelas imagens

e suas geografias1”, realizado na Universidade Federal do Espírito Santo, no período de 26 a

29 de novembro de 2013, e promovido pela Rede de Pesquisa “Imagens, Geografias e

Educação2”. Essas experiências foram atualizadas neste semestre letivo de 2015 com as

atividades e práticas pedagógicas nos cotidianos escolares, com a disciplina de Estágio

Supervisionado II.

Na ocasião deste III Colóquio Internacional participamos da oficina “Desnarrativas”,

pensada e construída por meio da professora Ivânia Marques. A proposta da oficina estava em

articular as linguagens e a arte da fotografia e da monotipia, de modo a proliferar sentidos e

pensamentos espaciais, impedindo que uma narrativa única e dominante se fixasse sobre a

imagem e o pensamento.

1 https://3coloquioimagens.wordpress.com/ 2 http://www.geoimagens.net/

Page 12: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

12

Em relação a técnica e a arte da monotipia com fotografias, dialogamos com as noções

apresentadas por Ivânia Marques (2014) ao relatar que,

“As monotipias são consideradas gravuras e se assemelham à fotografia

como forma de manter a própria grafia de seus autores no desenho e no click

de cada imagem. A fotografia, com sentidos deslizantes, se re-inventa em

momentos. Resistências criadas pelas im-pressões e com/pelas pressões. As

gravuras como forma de re-existir. Cria-ções imagéticas e singulares. Uma

única cópia: “mono”, único, e “tipia”, impressão” (IVÂNIA MARQUES,

2014, p.42).

Isto posto, esta proposta de pesquisa com as fotografias e as monotipias, alimentam

nossos desejos de criar e potencializar outros possíveis no ensino e na aprendizagem da

Geografia escolar, aproximando os educandos e professores/as envolvidos na pesquisa, com

suas vivências cotidianas, e que também são inventadas nas conversas, experiências e

encontros com as paisagens.

Assim, nosso desejo e objetivo principal com este trabalho acadêmico, está em

experienciar outros modos de compreensão e de interação com a noção de paisagem,

potencializando diálogos entre os saberes geográficos dos educandos, no exercício de (re)criar

e (re)inventar possibilidades de abordagens pedagógicas.

Neste trabalho acadêmico apostamos na noção de paisagem entendida aqui, conforme

os dizeres de Milton Santos (2008, p.40)3, como aquilo que se constituí de um conjunto de

formas heterogêneas, de idades diferentes, pedaços de tempos históricos representativos das

diversas maneiras de produzir as coisas, de construir o espaço.

“A dimensão da paisagem é a dimensão da percepção, o que chega aos

sentidos. Por isso, o aparelho cognitivo tem importância crucial nessa

apreensão, pelo fato de que toda nossa educação, formal ou informal, é feita

de forma seletiva, pessoas diferentes apresentam diversas versões do mesmo

fato”. (SANTOS, 1997: 62)

Apostamos também na força do lugar de onde os sujeitos se anunciam, o lugar de

anunciação, partindo das noções de que o lugar, enquanto conceito geográfico, vincula-se à

afetividade, subjetividade, sentimento de pertença e experimentação do vivido, que nos

dizeres de Milton Santos (1997), o lugar é a dimensão da existência que se manifesta por meio

do cotidiano.

3 A escolha pelo conceito de Paisagem de Milton Santos se deu pelo fato, deste ser referência no currículo da

Secretaria Estadual da Educação. Sendo este um, dentre tantos outros autores que trabalham com a ideia de

paisagem.

Page 13: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

13

O campo problemático desta pesquisa envolveu os espaçostempos de aprendizagens

de uma turma do 1° ano do Ensino Médio, na Escola Estadual de Ensino Fundamental e

Médio, Aflordízio Carvalho da Silva, localizada no Bairro Maruípe, município de Vitória -

ES.

A escolha desta turma ocorreu pelo fato de que, o estudo da paisagem está inserido na

proposta curricular oficial da Secretaria de Educação do Espírito Santo (SEDU), e

considerado como conteúdo básico comum no ensino de Geografia, nas turmas do 1º ano do

Ensino Médio, no eixo “Lugares e paisagens: transformações na natureza e nas sociedades

(Planeta Terra) ” (SEDU, 2010).

Nossas apostas metodológicas se aproximam das pesquisas com os cotidianos escolares e

das pesquisas narrativas (ALVES, 2000; FERRAÇO, 2007), com um zoom nas experiências e

diálogos de saberes geográficos e socioambientais, produzidos na relação tecida entre os

sujeitos da pesquisa, a fotografia, a arte e a paisagem.

As pesquisas com os cotidianos escolares, conforme Ferraço (2007), partem do

pressuposto de que os sujeitos na comunidade escolar, tecem redes de saberes, fazeres e

poderes.

“Nesse sentido, torna-se necessária a aproximação das redes que envolvem

os sujeitos das escolas através de suas teorias práticas produtoras de

conversações e narrativas agenciadoras de currículos, buscando entender

quais são os principais sentidos partilhados nessas redes tecidas com outros

tantos cotidianos em que vivem esses sujeitos’’ (FERRAÇO, 2011, p. 10).

Apostamos também em práticas pedagógicas que possibilitam processos de ouvir o

outro, e que estes se anunciem coletivamente, a partir das conversas e narrativas, criando

espaços de convivência e de aprendizagens, que contemplem encontros, rodas de conversas,

produção de saberes, ideias, reflexões, possibilidades de criar, recriar e (re)inventar outros

modos de leituras com as paisagens, e de si mesmos, como força ética, estética, política e

poética no contexto do ensino de Geografia e da formação de professores/as.

“Tudo isto define uma posição, que mais do que metodológica ou

epistemológica é ética, estética e política. Ética, porque o que a define não é

um conjunto de regras tomadas como um valor em si para se chegar à

verdade (um método), nem um sistema de verdades tomado com um valor

universal: ambos são da alçada de uma posição de ordem moral. O que

define esta posição é o rigor com que escutamos as diferenças que se fazem

em nós e afirmamos o devir a partir dessas diferenças. As verdades que se

criam com este tipo de rigor, assim como as regras que se adota para criá-las,

só têm valor enquanto conduzidas e exigidas por problemas colocados por

diferenças que nos desassossegam. Estética, porque não se trata de dominar

um campo de saber já dado, mas sim de criar um campo no pensamento que

seja a encarnação das diferenças que nos inquietam, fazendo do pensamento

Page 14: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

14

uma obra de arte. Política, porque se trata de uma luta contra as forças em

nós que obstruem as nascentes do devir: forças reativas, forças reacionárias”

(ROLNIK, 1995)4.

Desejamos com este trabalho articular e narrar experiências com a docência, a

pesquisa em Educação e a discência, assumindo que estamos aprendendo, ensinando e

pesquisando, e como nos ensinou Paulo Freire, “não há docência sem discência”.

Buscamos perceber e mapear gestos, conversas, afetos, tensões, conflitos e registros de

saberes geográficos e socioambientais com as paisagens, desta forma, as imagens deste

trabalho funcionam como uma composição do texto, como imagensnarrativa, conforme as

ideias de Oliveira (2013). Conversas com as paisagens!

2. Aproximações com aspectos históricos e geográficos da Região Pesquisada.

“Que importa a paisagem, a glória, a baía, a linha do

horizonte? O que eu vejo é o beco. ” (Manuel Bandeira)

2.1 Contextualizando a Região de Maruípe.

Olhar para a paisagem da cidade de Vitória, sentir a paisagem, as diferentes paisagens

coexistentes, sentir o lugar, sons, fluxos, cheiros, perceber as dinâmicas do espaço geográfico,

suas transformações, seus moradores, a vida cotidiana, as interelações afetivas com o espaço,

os usos dos tempos.

Quais narrativas são criadas e conversadas com as paisagens? As paisagens de Vitória

criam narrativas, lembranças/memórias, sensações, sentimentos, particulares a cada indivíduo,

sendo percebida através dos nossos sentidos, que nos remetem a uma subjetividade, seja do

imaginário do próprio sujeito e/ou do grupo social a qual este está inserido e se insere.

Percebemos por meio das paisagens de Vitória e das aproximações e noções trazidas

por Milton Santos (2008, p.40), que esta se compõe por/de um conjunto de formas

heterogêneas, de idades diferentes, pedaços de tempos históricos representativos das diversas

4Texto “Ninguém é deleuziano’’, publicado em <http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/>. Nota da autora:

“Entrevista a Lira Neto e Silvio Gadelha, publicada com este título in O Povo, Caderno Sábado: 06. Fortaleza,

18/11/95; com o título “A inteligência vem sempre depois” in Zero Hora, Caderno de Cultura. Porto Alegre,

09/12/95; p.8; e com o título “O filósofo inclassificável” in A Tarde, Caderno Cultural: 02-03. Salvador,

09/12/95. ”

Page 15: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

15

maneiras de produzir as coisas, de conflitos, tensões, a vida cotidiana e de construir o espaço,

repassando em suas construções/marcas os diversos processos que a(s) constituem.

Na cidade de Vitória encontramos marcas das dinâmicas espaciais decorrentes das

diferentes formas de ocupação, como os aterros e os jogos de interesses de expansão do

espaço urbano de Vitória, principalmente no decorrer do século XIX, assim como as

ocupações das encostas dos morros da ilha-capital, alterando os ritmos, fluxos, intensidades,

relações, paisagens.

Campos Júnior (2002) ressalta que as alterações socioeconômicas e políticas,

ocorridas no espaço de Vitória no século XX, contribuiu para que a cidade se consolidasse

como principal centro terciário do Estado, nas décadas de 60 e 70.

“As décadas de 60 e 70 nos chamam a atenção pelas transformações

ocorridas no Espírito Santo e principalmente pelas suas manifestações

verificadas na região de Vitória. Vitória cresce, se consolida como principal

centro terciário do Estado, lugar privilegiado da classe média e da população

de maior poder aquisitivo no Espírito Santo’’. (CAMPOS JÚNIOR, 2002.

p.13)

Vitória é uma ilha-capital, que se constitui por porções de terra insulares e

continentais. Vitória é um arquipélago, na qual, a ilha principal da cidade, encontra-se

integrada a várias ilhas menores, que foram interligadas por meio dos aterros realizados na

capital.

Circundada pela baía de Vitória, apresenta enseadas e manguezais em suas bordas, que

vieram sofrendo intensas transformações ao longo dos processos de ocupação e urbanização,

assim como, o entorno do maciço central da ilha, recortado por morros e encostas, que

abrigam atualmente áreas de preservação da floresta que compõe o bioma de Mata Atlântica,

como é o caso da região e do bairro de Maruípe, situados próximos às áreas de preservação

ambiental do maciço central de Vitória.

Uma ilha, que anterior a estes processos, se encontrava coberta por este bioma, rico em

biodiversidades, porém, atualmente, abriga apenas remanescentes deste bioma, que compõe

também, a paisagem da cidade.

No contexto da Região de Maruípe, onde se situa a área pesquisada, encontramos

alguns dados da Prefeitura Municipal de Vitória, relatando que a ocupação “significativa”

desta região, teve início na década de 1930, com o loteamento Vila de Maruhype, oriundo da

fazenda Maruhype, que posteriormente foi denominada de Vila Maria.

Page 16: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

16

Figura 1. Loteamento Vila Maruípe,1930. Fonte: Acervo fotográfico - De olho na Ilha.

Porém, sua efetiva ocupação se dá a partir da década de 1940, em decorrência ao

processo migratório de pessoas que buscavam melhores condições de vida, aumentando

consideravelmente o número de habitantes da região. Devido sua distância em relação ao

centro da capital, o local foi destinado pela própria dinâmica social, para abrigar instalações

públicas de grande porte, como por exemplo, o Quartel da Polícia Militar, Hospital

Universitário e Cemitério Municipal.

Page 17: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

17

Figura 2. Batalhão da Polícia Militar- 1939. Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória- Acervo fotográfico.

Figura 3. Batalhão da Polícia Militar- 2015. Fonte: Google Earth

A Região de Maruípe é uma das ocupações mais antigas da cidade de Vitória que foi

sendo parcelada no decorrer dos anos, dando origem ao Bairro Maruípe. Atualmente a Região

de Maruípe é a mais populosa da capital, possuindo 54.402 habitantes (IBGE, 2010),

composta por 12 (doze) bairros.

Page 18: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

18

Figura 4. Região administrativa 4 de Vitória. Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória.

Em função do processo histórico mencionado anteriormente na Região Administrativa

4, Região de Maruípe, o Bairro Maruípe abriga atualmente importantes instalações públicas

da cidade, entre as quais pode-se destacar, o 1º Batalhão da Polícia Militar, o Parque

Municipal Horto de Maruípe, o Hospital Santa Rita de Cássia, o Hospital Universitário e uma

das principais avenidas da capital, Avenida Maruípe.

Page 19: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

19

Figura 5. Região de Maruípe. Imagem modificada a partir do Google Earth. Fonte: Autores.

De acordo com o plano diretor urbano de Vitória, criado em 1984 para orientar o

crescimento e funcionamento da cidade,

“A existência de equipamentos de saúde e educação de porte metropolitano,

localizados em Maruípe, além de gerar um fluxo de pessoas pelas Avenidas

Maruípe e Marechal Campos, possibilitou o incremento de um subcentro de

comércio que abastece a população dos bairros entorno. Outros

equipamentos de porte que geram algum tipo de fluxo, são o Cemitério e a

Polícia Militar. Estas duas vias são o escoamento de toda população destes

bairros’’. (Plano Diretor Urbano, Pg. 24. Documento de trabalho n.º 5)

A Escola EEFM “Aflordízio Carvalho da Silva”, está localizada próximo ao Parque

Municipal Horto de Maruípe, inaugurado em outubro de 1995. Inicialmente pensamos em

realizar algumas atividades da oficina de monotipia na área do Horto de Maruípe, porém, o

campo da pesquisa foi se expressando de outra maneira, com outras formas de narrar sobre o

parque. O fato é que nos deparamos com diferentes narrativas, ou desnarrativas sobre o

parque, envolvendo diferentes vozes e sujeitos.

Page 20: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

20

Narrativas (ou desnarrativas) ditas “oficiais”, da Prefeitura de Vitória, divulgadas em

seu portal, no sitio www.vitoria.es.gov.br, e outras narrativas (ou desnarrativas), que

presenciamos no cotidiano escolar da pesquisa, e que apresentaremos posteriormente.

Figura 6. Entrada do Parque Municipal Horto de Maruípe. Fonte: Acervo Fotográfico - De olho na ilha.

Figura 7. Parque Municipal Horto de Maruípe. Fonte: Autores.

Page 21: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

21

Figura 8. Parque Municipal Horto de Maruípe. Fonte: Autores.

O cotidiano escolar, repleto e atravessado por momentos e situações de criações,

inventividade, conflitos, rupturas, escapes e também imprevistos, fomos surpreendidos por

um coletivo de forças e de relações de poderes, que evidenciavam os riscos que os educandos

estariam submetidos, caso saíssem da escola e fossem ao parque, uma vez que, tratava-se de

outro território, marcado pelas disputas pelo tráfico, envolvendo grupos rivais, que por sua

vez, envolvem também os educandos.

Ficou evidente que a área do parque é reconhecida como um território de conflitos

locais, e que atravessam os muros da escola, fazendo-nos pensar que não há um “dentro” e um

“fora” da escola, que esses atravessamentos interferem nas práticas pedagógicas e nas

Page 22: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

22

relações cotidianas. Foi preciso pensarmos numa alternativa para realização das oficinas e da

pesquisa a partir da forma como o campo problemático se expressava.

Através das imagens de satélite do site www.veracidade.com.br e imagens capturada

pela ferramenta Google Earth é possível observar os processos de expansão e adensamento

urbano na Região de Maruípe e o uso e ocupação do solo, nos anos de 1970, 1998 e 2015.

Figura 9. Região Maruípe,1970.

Figura 10. Região Maruípe,1998.

Page 23: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

23

Figura 11.Região Maruípe, 2015.

As áreas de vegetação no bairro de Maruípe nos despertaram para pensarmos e

praticarmos outros olhares sobre a paisagem, principalmente nas narrativas que são

massificadas no cotidiano dos sujeitos envolvidos.

3. Conversas com a paisagem e o ensino de Geografia no cotidiano escolar da pesquisa

A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.

Meu fardo é o de não saber quase tudo.

Sobre o nada eu tenho profundidades.

Não tenho conexões com a realidade.

Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.

Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias

(do mundo e as nossas).

Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.

Fiquei emocionado.

Sou fraco para elogios.

(Tratado geral das grandezas do ínfimo - Manuel de Barros)

Neste tópico apresentaremos os movimentos que nos levaram a habitar o cotidiano

escolar e o campo problemático da pesquisa e as nossas experiências vividas e inventadas

com as disciplinas de Tópicos de Ensino I, II e III, Estágio Supervisionado I e II, que

Page 24: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

24

fomentaram nossas apostas teóricas e metodológicas com as imagens, a arte, o ensino de

Geografia e a formação de professores/as.

Sobre o cotidiano escolar, entendemos que este não é apenas o lugar específico,

“escola”, é algo muito mais amplo, complexo, dinâmico, que engloba relações, sujeitos,

saberes, fazeres, poderes e espaçostempos diferentes. Nesta perspectiva de entendimento,

dialogamos com Ferraço, que afirma que:

“O cotidiano é tudo que nos move o tempo todo. São diferentes

espaços-tempos vividos, não existe um lugar específico que você

chame ‘o cotidiano da escola’. O cotidiano é a própria vida vivida.

Então o cotidiano acaba sendo determinante, essa vida cotidiana

naquilo que o aluno entende, como ele entende e porque ele

entende, ou seja, se você entende que nós vivemos atravessados por

diferentes determinantes sociais, políticos, econômicos, culturais,

religiosos, tudo isso que é trabalhado na sala de aula como

conhecimento sistematizado acaba sendo de alguma forma

negociado com essas redes cotidianas de saberes, fazeres e poderes

de todos nós”. (TV ESCOLA. Salto para o futuro. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=fPoaB2d1rR4>. Acesso em 21

de outubro. 2015.)

Assim, para a realização deste trabalho faz-se necessária uma compreensão que vá

além dos limites da escola, buscando-se compreender o entorno que cerca a realidade dos

sujeitos e os saberes advindos de suas experiências e relações.

O campo da pesquisa foi se configurando no decorrer das nossas atividades com a

disciplina de Estágio Supervisionado II, o que em certa medida, possibilitou ao grupo e ao

trabalho, as aproximações entre a pesquisa, docência e discência, no contexto do ensino de

Geografia e da formação de professores/as.

A Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio “Aflordízio Carvalho da Silva”,

está situada no município de Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, na Rua Rubéns

Santana, em Maruípe.

Page 25: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

25

Figura 12: Mapa - Campo da pesquisa - Maruípe, Vitória - ES. Fonte: Autores.

Figura 13. Mapa - Campo da pesquisa - Maruípe. Fonte: Autores.

Page 26: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

26

Como possível, faz-se a escolha aqui, de evidenciar o referencial Sul, não como modo

de sobreposição ao referencial Norte. Mas antes, como maneira de visibilizar outro possível.

Nossa intencionalidade perpassa e deseja problematizar as noções fixas que tendem a nos

moldar, permear o imaginário e engessar as formas do pensar. Assim, propomos conversar

com os possíveis, buscando dialogar também, com outra noção de nos referenciar, na tentativa

de romper com um único discurso ou narrativa. Sem intenção de limitar aqui outras propostas,

narrativas e caminhos.

Como nos vemos nessa história, nesse narrar? Quem as conta e como as contam?

"Descoberta" do Brasil? Descoberta ou invasão? Mude as palavras de um discurso e também,

teremos outras histórias-experiências-narrativas-desnarrativas.

Deparamos-nos, com a força do discurso e da(s) história(s) que nos atravessam, seja

dentro dos muros escolares, seja fora. Para onde nossos olhares se posicionam? O que nos

move para tendermos com frequência a nos referenciar hegêmonicamente? O que nos tenciona

a “nortear”?

“Entendo, seguindo Boaventura, que essa imagem dicotômica, em que o

Norte é o centro da cultura, da indústria e da tecnologia, não representa com

precisão a “realidade atual’’ porque o mundo está aprendendo mais e mais a

partir do Sul (basicamente o Sul é por exclusão tudo o que não é Norte

(branco, masculino, ocidental, heterossexual). O Norte é europeu e

americano). Além disso, na vida cotidiana, é sempre bom lembrar que não

consideramos modelos científicos, em si mesmos, à altura da tarefa de

compreender o mundo. Usamos nosso senso comum para isso. Portanto, o

que Certeau, Boaventura e seus usos por autores que se assumem

cotidianistas como eu sustentam é uma proposta de entender o mundo que

não seja, exclusivamente,científico,isto é que reconheça a sabedoria existente

em outros conhecimentos, por exemplo, o que aprendemos a chamar de

forma abstrata, pejorativa e generalizadamente de senso comum’’.

(SÜSSNEKID, M. 2015. p.171)

Não nos colocamos aqui, a estabelecer ou designar referenciais como sendo/estando

certos ou errados, mas ampliar e variar as direções de nossos olhares, sensibilizar para os

discursos que nos são contados. Deslizamos e dialogamos aqui, com os possíveis e

imprevistos, com a variância do novo, viáveis a tentar permitir as tantas histórias e narrativas

que nos constituem (constantemente).

Page 27: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

27

Figura 14. Vista da Entrada da Escola e parte do parque Horto. Fonte: Autores.

Figura 15. Escola Aflordízio Carvalho da Silva. Fonte: autores.

Page 28: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

28

Apostando nos saberes que os educandos trazem consigo para a sala de aula e as

noções que eles compartilham sobre o conceito de paisagem, e, especificamente os seus

olhares sobre as paisagens que os rodeiam e os envolvem em meio ao cotidiano, levantamos

questionamentos, em meio as nossas conversas realizadas durante os momentos em que

intervimos no cotidiano escolar da EEEFM Aflordízio Carvalho da Silva, a fim de obtermos

indícios, de como estão postas tais concepções diante aos discentes, e como vem sendo

abordado este conteúdo no ensino de Geografia, sendo o conceito de paisagem, um assunto

requerido no ensino da Geografia escolar. O que é Paisagem? Esta foi uma questão

apresentada a turma.

“A paisagem é um pôr do sol bonito em uma praia (...)”

Relata uma discente, dentre tantos outros colegas que se manifestavam com suas

concepções, em resposta ao questionamento levantado.

Nas narrativas iniciais dos educandos, a paisagem era vista como algo restrito, absoluto

e imutável. Suas narrativas relacionavam a paisagem como algo “natural”, uma forma clichê

de perceber e entender a paisagem. Ressaltamos aqui, que suas narrativas sobre seus

entendimentos de paisagem não estão “erradas”, no entanto, objetivamos experienciar outras

formas de vê-la e percebê-la, além do que nos é posto/imposto como sendo paisagem.

Para tanto, instigamos os educandos a refletirem sobre tudo o que estava ao nosso redor,

em nosso bairro, em nossa rua e até mesmo na escola, e no percurso casa-escola e se o que

víamos nestes lugares, não eram também paisagens. Aos poucos fomos apresentando nossa

proposta de intervenção pedagógica e de pesquisa.

Com a produção de dados decorrentes do Projeto Político Pedagógico da escola, das

conversas, orientações, experiências do Estágio Supervisionado II, e com as atividades de

pesquisa com a disciplina de Tópicos Especiais de Ensino III, foi possível nos aproximarmos

do contexto do cotidiano da escola, que funciona em três turnos: matutino, vespertino e

noturno, com turmas de 1º à 3º série do Ensino Médio no matutino, turmas de 6º ao 9º ano do

Ensino Fundamental II no turno vespertino, e também turmas de 1º à 3º série do Ensino

Médio no noturno.

A escola constitui-se de dois pavimentos, com acessibilidade adequada ao segundo

pavimento, tendo a presença de elevador capaz de suprir tal necessidade de acesso. A

estrutura física da escola conta com salas temáticas, e, portanto, Sala de Geografia, ampla

Biblioteca, Sala de Professores, Refeitório e laboratório de informática.

Page 29: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

29

Figura 16. Sala de Geografia - Escola Aflordízio Carvalho da Silva. Fonte: autores.

Figura 17.Biblioteca da Escola Aflordízio Carvalho da Silva. Fonte: autores.

Page 30: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

30

Considerando as singularidades ambientais, geográficas e históricas da Região de

Maruípe e da comunidade escolar atendida pela escola, assim como, as orientações

curriculares para o ensino de Geografia proposto pela SEDU, apostamos em realizar uma

intervenção na disciplina de Estágio Supervisionado II, que deu origem a proposta das

oficinas de Monotipias com as paisagens e fotografias da região e de Vitória.

No item a seguir, apresentaremos os movimentos metodológicos da oficina de

Monotipias e as desnarrativas no contexto do estudo da paisagem.

4. Movimentos teóricos e metodológicos entre imagens, arte, paisagens e o ensino de

Geografia no cotidiano escolar.

“(...) Meu quintal é maior do que o mundo.

Sou um apanhador de desperdícios: Amo os restos como as

boas moscas.

Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.

Porque eu não sou da informática: eu sou da invencionática.

Só uso a palavra para compor meus silêncios…”

(Manoel de Barros. O apanhador de desperdícios)

Esse tópico foi pensado e escrito com nossas experiências coletivas com o cotidiano

escolar. Apresentaremos os movimentos e os saberes geográficos e socioambientais,

produzidos pelos estudantes e sujeitos praticantes (ALVES, 2003) da pesquisa, a partir da

Oficina de Monotipias, que teve a intenção de aproximar as paisagens, a arte, poesias e as

imagens, problematizando o ensino de Geografia e a formação de professores/as.

Os movimentos das oficinas possibilitaram o estudo e a problematização da noção de

paisagem, assim como, aproximações com os movimentos das pesquisas com os cotidianos,

como proposto por Nilda Alves (2003), principalmente, com o chamado terceiro movimento

das pesquisas com/dos/nos cotidianos, na qual a autora apresenta a necessidade de podermos

beber em todas as fontes.

“No terceiro movimento estudado, indiquei a necessidade de ampliação do que é

entendido como fonte, discutindo os modos de lidar com a diversidade, a diferença e a

heterogeneidade, dos cotidianos e de seus praticantes, tanto quanto suas múltiplas e

diferentes relações. (...) a esse movimento dei o nome de beber em todas as fontes,

discutindo a importância, para essas pesquisas, da incorporação de fontes variadas,

vistas anteriormente como dispensáveis e mesmo suspeitas: a voz que conta uma

Page 31: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

31

história; os escritos comuns dos praticantes (CERTEAU, 1994) dos cotidianos; as

fotografias tiradas em espaçostempos sem significado especial; os arquivos de

secretarias das escolas comuns nos quais estão reunidos papéis nada burocráticos

como se tem o hábito de entendê-los” (ALVES, 2003, p. 3).

Nesses movimentos, pretendemos fazer emergir, como foi sendo negociada e praticada

a Oficina de Monotipia e como foi o processo de produção coletiva, apostando numa política

pedagógica, que considere também as relações éticas e estéticas cotidianas na aprendizagem.

São movimentos que se inspiraram em leituras e com a expressão do campo

problemático da pesquisa. Dentre as leituras, o artigo de Larissa Corrêa Firmino (2014),

Cidade, lugar do possível: experimentações para um ver a mais, trouxe pistas para essa

escrita coletiva com as impressões, percepções e saberes dos estudantes com as paisagens.

Com a arte da monotipia com as paisagens, ao manifestarem e intervirem nas fotografias

produzidas e colocadas à conversa, os estudantes e sujeitos praticantes envolvidos no

processo de pesquisa, traçam im-pressões sobre e com a paisagem fotografada,

desencadeando processos híbridos envolvendo subjetividades, saberes geográficos,

experiências com o mundo, desenhos, gravuras..., criando singularidades e multiplicidades

que tencionam, rabiscam, intervêm e borram a imagem, (re)criando possíveis outros:

desnarrar a paisagem.

As monotipias, pensadas aqui como possibilidades pedagógicas no ensino de Geografia

com as paisagens, foram expostas aos estudantes, para que a partir delas, fossem criados

espaços de convivência e de aprendizagens dialógicas, confluindo múltiplas possibilidades e

formas de se perceber a paisagem, desestabilizando representacionismos e verdades únicas,

absolutas e estáticas, não suscetível a modificações, manifestando também a força do

pensamento, da imaginação e da criatividade no aprender e ensinar Geografia.

Tais processos de transformações e mudanças nos modos pedagógicos de entender e de

ver a paisagem, podem vir a mostrar que existem inúmeras possibilidades de se perceber uma

mesma paisagem, e que são dinâmicas, considerando as experiências de vida dos sujeitos e de

suas formas de conversar com a paisagem. Nosso desejo perpassa pela prática pedagógica que

quer deslizar o pensamento com a paisagem.

“Instala-se aí uma movência e por meio dela abandonam-se os caminhos já

traçados, as verdades derradeiras escapando ao presente que fixa e ao espaço

que se divide em partes. ’’ (PREVE, 2012, p. 71).

Page 32: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

32

Aproximando das noções apresentadas de Deleuze, que nos incita a pensar

filosoficamente que,

“as coisas, as pessoas, são compostas de linhas bastante diversas, e que elas

não sabem, necessariamente, sobre qual linha delas mesmas elas estão, nem

onde fazer passar a linha que estão traçando: em suma, há toda uma geografia

nas pessoas, com suas linhas duras, linhas flexíveis, linhas de fuga,etc.”.

(DELEUZE, 1998, p. 9)

A presente proposta de pesquisa, aposta em tencionar outra forma política de

espacialidade, problematizando as noções impostas, que tendem a nos atravessar, nos

engessar, nos controlar o pensamento. Como se é possível pensar em outros modos e

concepções de aprender e ensinar, sobre/com as noções de paisagem(s)? Quais os sentidos de

uma educação em Geografia que passe pela (re e/ou des)construção de uma noção de

paisagem? Quais os potenciais das imagens e da arte no processo de aprender, ensinar e na

formação de professores/as de Geografia nos cotidianos escolares?

Portanto, considerando as dimensões estéticas, expressivas e políticas das imagens e

seu potencial na educação, dialogamos com as noções da professora Gisele Girardi, ao afirmar

que:

(...) “a linguagem imagética assume um papel destacado no processo de

produção e reprodução do conhecimento científico de modo a fazer deslizar

as imagens do lugar estável de participante de uma política

instrumentalizadora para o lugar instável e aberto de múltiplas poéticas que

potencializem novas perspectivas, sensações e pensamentos. ” (GISELE

GIRARDI, 2014, p.2)

Ao longo das escritas e reflexões que seguirão, pretendemos manter o exercício de

curiosear com as problematizações acima, acompanhando os possíveis desencadeados com a

técnica e a arte da monotipia e o potencial das imagens no ensino de Geografia.

O campo problemático da pesquisa também envolve um coletivo de forças, conflitos,

saberes e de tensões que habitam a complexidade do cotidiano escolar. A temática deste

trabalho também problematiza nossas experiências com os cotidianos escolares, o ensino de

Geografia e a formação de professores/as, configurando uma multiplicidade de espaçostempos

praticados por nós, nas disciplinas da Licenciatura, principalmente nos Estágios

Supervisionados I e II, no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID)

de Geografia, e em outros espaços de convivências.

Para a produção de dados faz-se importante os procedimentos das entrevista-

conversadas, registros em Diário de Campo, fotografias do campo problemático da pesquisa,

acompanhamento dos processos pedagógicos negociados e realizados, e, o uso de linguagens

e materiais, com viés estéticos e expressivos das artes, aproximando imagens, poesias,

Page 33: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

33

corpos, gestos e músicas, assumindo suas potências de serem dispositivos que afetam e

desestabilizam noções fixas sobre as paisagens, criando desnarrativas, sobre e com a

paisagem, proliferando a criação de mundos e de subjetividades.

Foi possível constatar diferentes formas de perceber, praticar e narrar as paisagens e

os lugares, quando apresentamos a proposta de realizarmos algumas atividades da oficina de

monotipias na área do Parque Horto de Maruípe.

Desse encontro com as diferentes formas de narrar o parque, problematizamos como

as noções, percepções e sensações sobre o mesmo lugar, - e podemos pensar também sobre

uma mesma paisagem - depende dos sujeitos que as vivenciam e as praticam com o olhar e os

sentidos, proliferando múltiplas narrativas. O que encontramos no portal da Prefeitura de

Vitória, contrasta com o que presenciamos no cotidiano escolar.

“O Parque Municipal Horto de Maruípe é um belo cenário, recoberto pelo

verde e colorido pelas flores. As águas de uma nascente descem das

encostas, formando lagos e um córrego cheio de curvas. Aves e peixes

ajudam a entreter quem transita por ali, reforçando, ao mesmo tempo, a

proximidade dos visitantes com a natureza. O parque, que se estende por

cerca de 50 mil metros quadrados, é uma das áreas verdes mais antigas da

capital. Destaca-se o corredor formado pelas palmeiras imperiais. O local foi

inaugurado em outubro de 1995 e é adequado para caminhadas, além de

possuir quadra de futsal e de futebol de areia, uma Academia Popular e uma

Academia Popular da Pessoa Idosa”. (PREFEITURA DE VITÓRIA)

Oficinas aqui, entendidas como espaçostempos coletivos de criação, convivência, de

aprendizagem, dialógico, inconstante, variado, repleto de imprevistos e que nos torna viável

tencionar e proliferar sensações, sentido (s) e movimento (s), olhares, falas, gestos e também

memórias.

4.1. Manhã de 21 de Setembro de 2015, Segunda-feira

“(...) Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar

noção. O que sustenta a encantação de um verso (além do

ritmo) é o ilogismo. Meu avesso é mais visível do que um poste.

Sábio é o que adivinha. Para ter mais certezas tenho que me

saber de imperfeições...”

(Manoel de Barros. O livro sobre o nada)

Page 34: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

34

Iniciamos as vivências aqui, bem antes do horário da aula começar, preparamos

antecipadamente os materiais necessários e fizemos algumas intervenções no espaço físico da

sala de Geografia, nossas intencionalidades se direcionavam em buscas por um espaço de

aprendizagem que valorizasse a participação por meio das linguagens artísticas da música,

fotografia, poesias e conversações.

Distribuímos aleatoriamente poemas e um varal que atravessava a sala, compondo o

espaço, contendo nele algumas imagens que pudesse proliferar e tencionar sensações,

memórias, saberes, conversas, relações e aproximações com as paisagens, na intenção de

fazer com que os envolvidos entrassem no ritmo da oficina.

Page 35: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

35

Essas intervenções alimentaram entre os estudantes, o exercício de curiosear em sobre

o que estava por vir naquela sala, com carteiras organizadas em círculo e com materiais e

equipamentos dispostos aos seus olhares e sentidos. Músicas, poemas, frases e imagens que

pudessem desencadear rupturas e deslocamentos nos modos convencionais de se pensar a

aprendizagem, o ensino e as relações cotidianas.

Que corpo é necessário numa sala de aula de Geografia? Que corpo é necessário para

aprender e ensinar Geografia? Essas provocações nos acompanharam no decorrer da oficina,

fazendo pensar no primeiro movimento das pesquisas com os cotidianos, ou seja, um

mergulho com todos os sentidos no que desejamos estudar (ALVES, 2003).

Ao entrarem na sala de aula, os estudantes traziam/trouxeram comentários curiosos,

questionando o que estava acontecendo ali e/ou porque a sala estava organizada daquela

forma. Enquanto se acomodaram nas carteiras, nos apresentamos, falamos um pouco de onde

nos anunciávamos, de onde nossas falas surgiam, esclarecemos de forma sucinta nossa

proposta, dando início ao que havíamos nos proposto.

Nossa intenção não se limita ao que antes havíamos tentado planejar, o caminho e o

decorrer das vivências que seguiriam, nos apontariam pistas outras e caminhos variados, com

imprevistos e suscetível a mudanças para os seguintes acontecimentos.

“Caçando a laço a vida cotidiana, podemos pensá-la como rota, ou roteiro,

valorizando suas dimensões de inventividade e dinamismo, e não de

interpretação das coisas do mundo e das experiências do vivido’’.

(SÜSSNEKID, M. 2015, p. 172)

Page 36: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

36

Essa forma de disposição da sala e dos materiais acabou por despertar curiosidade

também em outros professores e em um coordenador, que durante a oficina, se renderem pelo

desejo e retornar várias vezes à sala, para “espiarem” o que estava acontecendo ali, naquela

sala, compondo a narrativa do espaço, dos corpos, das relações, do cotidiano da Sala de

Geografia.

Ao iniciarmos questionamentos sobre o que é a paisagem, os estudantes se sentiam

acanhados em responder, e num primeiro momento em que alguns se manifestaram

respondendo, trouxeram palavras que nos levaram a entender a paisagem como aquilo que é

dito como o bonito, pronunciando alguns exemplos como uma praia, um lugar com árvores, a

natureza.

“ ...um lugar bonito... quando olhamos para a Pedra dos Dois Olhos...’’

Page 37: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

37

Diante disto, continuamos a instigá-los ainda mais, os questionando, será que

paisagem é só o que é bonito? Aproximamos nesse momento das noções de paisagem de

Milton Santos, buscando evidenciar outros olhares possíveis sobre/com a paisagem,

esclarecendo que os pensamentos anunciados ali, por eles, não estavam errados, porém, a

paisagem pode ser vista-entendida-sentida também, por meio das subjetividades, vivências,

das cores, do cheiro, sensações, sentidos, além do que seja apenas visto (olhar) como

paisagem (e mais um tanto de outros possíveis que não se limitam, não se fecham).

Relacionamos a paisagem com exemplos próximos a realidade e ao cotidiano dos

educandos, sobre/com a paisagem que os rodeiam-permeiam-atravessam.

Mostramos algumas fotos da cidade de Vitória projetadas no quadro, onde tiveram a

oportunidade de trazer sentidos, outros olhares, pensar, imaginar... sobre tais paisagens. Ao

mesmo tempo, evidenciamos a importância de se permitirem fluir a imaginação e criatividade

(sem limitações-medos-anseios) sobre as imagens-paisagens, onde alguns deles passaram a

criar e expressarem seus olhares, sentidos e memórias sobre a paisagem.

Page 38: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

38

“...posso falar o que eu estou imaginando mesmo?”

Sons (músicas), imagens/fotografias e poemas faziam parte integrante da composição

do ambiente, seguimos convidando-os a caminharem pela sala de aula para escolherem, se

apropriarem das poesias e/ou imagens que estivessem próximo ou colada em sua carteira, e

antes de a pegarem, a observassem. Participamos juntamente com eles da atividade,

selecionando e conversando livremente sobre os motivos que nos levaram às nossas escolhas,

com narrativas sobre o que vimos, sentimos e interpretemos por meio da imagem/poema, e o

que poderíamos acrescentar, e ao que estava posto.

Page 39: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

39

4.2 Manhã de 25 de Setembro de 2015, Sexta-feira

“(...) No escrever o menino viu que era capaz de ser noviça,

monge ou mendigo ao mesmo tempo.

O menino aprendeu a usar as palavras.

Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.

E começou a fazer peraltagens.

Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.

O menino fazia prodígios.

Até fez uma pedra dar flor.

A mãe reparava o menino com ternura.

A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!

Você vai carregar água na peneira a vida toda.

Você vai encher os vazios com as suas peraltagens, e algumas

pessoas vão te amar por seus despropósitos!” (Manoel de

Barros. O menino que carregava água na peneira)

Page 40: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

40

Recebemos os estudantes com música, logo após o intervalo. Momentos antes,

preparamos o ambiente de sala, com a proposta de se acomodarem em semicírculo, no intuito

que todos se vejam, experimentando o exercício de visualizarem as expressões faciais e

também como modo de facilitar a própria oficina em si, já que posteriormente estava previsto

a apresentação e narrativas em relação as experiências vivenciadas pela turma.

Seguindo, esperamos para que todos e todas, em sua maioria, se acomodassem

conforme local escolhido por cada um.

No quadro, a seguinte frase: “Passagens em promoção com destinos para os seguintes

países: Argentina, Itália, África, Austrália, Espanha”. Com um mapa do Brasil desenhado com

pincel preto ao lado.

Pedimos para que um estudante pudesse ler a frase posta no quadro. Mediante a

leitura, ficamos atentos aos questionamentos e narrativas que porventura essa frase pudesse

provocar no decorrer da vivência. Questionamos para quais daqueles destinos mencionados

eles gostariam de ir. Alguns mencionaram aqueles sugeridos e também países outros. Após a

escolha dos destinos, indagamos: quais os motivos que os levaram a tais escolhas?

Alguns, responderam que não sabiam, outros, falaram que talvez seria pela vegetação,

por causa dos animais, mencionaram a curiosidade de conhecer outros lugares, em função da

música, do clima, entre demais falas nesse mesmo sentido.

Page 41: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

41

Relemos a frase e enfatizamos no termo ali posto: “países”. Pensamos ser necessário,

naquele momento, que viéssemos a destacar o termo, na espera que alguém pudesse perceber

a África, ali posta como país, ao invés de um continente. Passado algum tempo desde as

primeiras leituras e conversas, eis que uma estudante, sentada ao meio, bem à frente,

questiona com um tom um tanto empolgante: “Mas África é um país? ”.

Tal questionamento, possibilitou com que os que ali estavam, se atentassem também

para tal questão. E então, estava dada a entrada para outras indagações. Questionamos o

motivo pelo qual demoramos um certo tempo a perceber a África. Apagamos a palavra África

do quadro, substituímos por Europa. “E agora, notaríamos com maior facilidade? ”. Em sua

maioria, responderam que sim. Outros observavam o que estava por vir. Questionamos sobre

o que pensavam sobre a África, quais as primeiras impressões quando remetemos a este

continente: Fome, Aids, pobreza, petróleo, foram as primeiras ideias surgidas.

Mas então, qual motivo de nos voltarmos para o Continente africano, com suas

variadas culturas e inúmeros modos de lidar com a vida, lugares múltiplos, como um único

lugar? Seria então a África espaço linear, homogêneo, contendo uma única história? Uma

única verdade? Por que pensávamos assim e o que nos leva a deixar escapar pensamentos

sobre? Deixamos que as respostas surgissem, na tentativa que estes se questionassem,

conversassem, buscassem respostas para os seus modos de visualizar e pensar esse espaço.

Nesse momento, nos voltamos para o mapa do Brasil desenhado no quadro. “Onde

fica o Norte e onde fica o Sul?”, perguntamos. Seguimos com as narrativas dos educandos:

“Norte em cima, Sul em baixo”. A maioria respondeu quase que de imediato, como se fosse

improvável outra possibilidade. Bastávamos apenas apagar e desenhar novamente, agora de

outra forma. Mas, esperamos.

Perguntamos se tinham certeza daquilo, questionamos quem havia contado que norte

ficava em cima e sul embaixo. Perguntamos quem concordava com as respostas. Insistimos

com a pergunta: “Onde fica o norte e onde fica o Sul?”. Seguimos com a seguinte frase: “E

se falássemos que em cima de nós está o céu e em baixo o chão? Estaríamos erradas?

Estaríamos certas?”.

A impressão é que nesse momento, além de outras percepções e inquietudes que

permeavam nosso imaginar, as noções de verdades entendidas pelos educandos, começam a

ficar aparentemente visíveis e as certezas que se apresentavam improváveis de alterações,

começam a se desestabilizar.

Page 42: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

42

Desenhamos outra forma de mapa, este também do Brasil, porém agora, com outra

lógica. Teríamos o Sul como nosso referencial.

Fizemos novamente a mesma pergunta, direcionada para essa outra expressão: “Onde

fica o norte e onde fica o Sul?” As narrativas seguem carregadas de incertezas. Alguns,

comentam: “agora o Sul fica em cima e o Norte em baixo”. Dado as respostas, questionamos

se estávamos certas em desenhar daquela forma, ou se estaríamos erradas, e o que teria nos

levados a fazer a seguinte projeção?

Pedimos para que levantasse a mão quem concordava com a afirmação, quem

acreditava que o primeiro mapa (norte como referência) estava certo, que esta seria a única

forma de orientação. Alguns poucos, cerca de uns quatro estudantes, se posicionaram

mediante a pergunta. Logo, fizemos a mesma pergunta direcionando para o segundo mapa

(sul como referência), dois a três estudantes se arriscaram a concordar e dizer que estava

certo.

Notamos que a maioria não havia levantado a mão, então não concordavam? Qual

motivo levaram os demais a não se posicionarem, estariam em dúvida? Partindo desse

pensamento, fizemos essa mesma indagação a todos. Reformulamos a pergunta: “As duas

Page 43: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

43

maneiras estariam certas? Ficamos por um instante curto em silêncio. Entendendo o silêncio

também como meio viável para respostas. Seguimos então com a seguinte narrativa de um

estudante, que não hesitou: “Vocês nos fizeram ficar em dúvida! ”.

Aqui, em meio as indagações surgidas, direcionamos nossas falas aos mapas no

quadro e atrelamos o possível com as conversas, narrativas, gestos e olhares dos sujeitos

praticantes e envolvidos no processo.

“O Universo tem lado? ”, perguntamos. “Não...” responderam. “E se não tem lado,

como podemos criar um único “cima” e “baixo”?

Falamos que não havia certo ou errado, e que inicialmente estaríamos apostando

nossas certezas em uma única verdade, única história, estática, não suscetível à mudanças,

linear e portanto, incompleta. Esclarecemos que não havia erro, mas uma única visão

referente a um determinado fato.

Enquanto conversavam entre si (e também entre nós), sugerimos a proposta das

conversas com as paisagens, com a dinâmica da caixa, com fotografias de Sebastião Salgado,

imagens do município de Vitória e outras. As fotografias estavam em uma caixa laranja, estas

coladas em papel cartão colorido.

Passamos a caixa para que cada educando pegasse uma imagem. Falamos que

poderiam escrever atrás da imagem quais foram as primeiras impressões sobre a paisagem

escolhida, quais sentimentos surgiam ao olharem para tal, qual cheiro esse lugar poderia ter?

O que estaria acontecendo naquele momento? Fizemos uma série de questões, na tentativa de

facilitar os olhares e pensamentos, e, sugerimos que fizessem intervenções nas paisagens

apresentadas, se assim desejassem. Alguns fizeram primeiro a escrita e outros já começaram

pela intervenção nas paisagens. Durante esse momento, participamos também de tais

intervenções nas paisagens.

“Eu posso mesmo desenhar na imagem? ”

Page 44: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

44

Assim como os demais, nos apropriamos de uma paisagem, da canetinha e

experimentamos permitir o rabisco, os traços, as rasuras e os possíveis. Revezamos nos

olhares e na atenção dada ao coletivo, nas observações das expressões, em esclarecer

novamente esse momento aos que em dúvida estavam, nos registros fotográficos e nas prosas.

“É pra ser criativo, não é?”

Page 45: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

45

Após as intervenções nas paisagens, criamos um momento para expormos e

socializarmos as narrativas, experiências, reflexões e intervenções feitas por cada envolvido

no processo.

“Vejo lazer, crianças felizes brincando. ”

Page 46: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

46

“Percebi no primeiro momento o convento da Penha, talvez essa foto foi tirada de um

helicóptero, por volta de 13:00 horas da tarde, em Vila Velha, ES.”

“Local: Baía de Vitória. De qual lugar foi tirado: Beira Mar. Imagino: Um parque de

diversões maluco. Data que eu acho: em 2014.”

Page 47: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

47

“Eu vejo uma escada antiga: feita de pedra de Maria Hortiz, que diziam proteger a ilha de

Vitória.”

“Esse lugar aqui é o Horto né?”

- “É sim, aqui aquele morro.”

Page 48: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

48

4.3 Manhã de 02 de Outubro de 2015, Sexta-feira

A maior riqueza do homem é sua incompletude.

Nesse ponto sou abastado.

Palavras que me aceitam como sou - eu não aceito.

Não aguento ser apenas um sujeito que abre portas,

que puxa válvulas,

que olha o relógio,

que compra pão às 6 da tarde,

que vai lá fora, que aponta lápis,

que vê a uva etc. etc.

Perdoai. Mas eu preciso ser Outros.

Eu penso renovar o homem usando borboletas.

(Manoel de Barros. Retrato do artista quando coisa)

Page 49: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

49

Assim como nos outros momentos vivenciados até aqui, adentramos esse espaço de

experiências propondo a organização da sala não como até então fora feito. Agora estaríamos

em grupo, mais próximos uns aos outros.

Manhã em que propomos aos estudantes (e também nos permitimos experimentar)

possibilidades outras de olhar (olhares-desnarrar-narrar) sobre-com a(s) paisagem(s), com a

oficina de monotipia, com a arte, valorização dos saberes e conversações, das muitas maneiras

de pensar e construir, criar e recriar, que se fazem variadas, com o borrar, com rabiscos,

traçados, com o colorir e a potência do imaginar. Em processos de desestabilizar e deslizar a

fixidez, de propor rupturas e que outros possíveis se tornem viáveis na Sala de Geografia.

Os estudantes chegaram após o intervalo, juntamente com eles, perguntas que

formularam no processo de curiosear, do que ainda estava por vir e que já se iniciava ali.

“O que vamos fazer?...o que é pra fazer?”

Evidenciamos inicialmente, quais eram nossas propostas, os intuitos e com quem

dialogávamos. Inspiramo-nos nas ideias de Ivânia Marques (2014), permitindo os processo(s)

e caminho(s) da arte da monotipia.

Entre desenhos, a gravura e a pintura, a monotipia é uma técnica de

impressão rica em possibilidades. (...) cada gesto expressivo, pressão e traço

tornam a monotipia singular e única como a fotografia. Dificilmente

encontraremos a mesma luminosidade e o mesmo instante, pois a luz muda a

cada segundo. O avesso da monotipia lembra o negativo da imagem que se

mistura, brincando com nossas grafias. (IVÂNIA MARQUES, 2014, p. 42)

Em função da própria realidade escolar, do cotidiano que nos atravessam, e

principalmente por meio dos imprevistos que emergiam constantemente, a forma de

(re)produzir a arte das monotipias se fez em moldes outros, permitindo que pudéssemos

experienciar o que nos era permitido, tanto em relação ao próprio material, os poemas, as

músicas, o ambiente, as ordens (que não seguem linear, mas se constituem antes, repleto de

rupturas e de relações) e os possíveis.

Page 50: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

50

Deixamos livre para que os sujeitos envolvidos escolhessem as imagens que

quisessem. E sobre a mesa estavam, à espera de seus autores. Então, se levantaram,

aproximaram-se da mesa logo a frente com as imagens, impressas em colorido em papel

ofício, fixadas sobre papel cartão colorido, e as escolheram, e se apropriaram.

Page 51: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

51

Distribuídas as tintas, os pinceis, a folha vegetal e o papel transparência (para

retroprojetor), demos continuidade as potencialidades que o espaço nos favorecia. Que olhares

e experiências eram tecidos no encontro com as paisagens? Os saberes geográficos dos

estudantes desnarravam as paisagens?

A partir daí os traços começaram a ser feitos na transparência sobre as paisagens-

fotografias-imagens, a sensação de que a tinta escapava ligeiramente do controle e os relatos

de que as pinceladas não “saíram como eu queria” começam então a surgir-escapar, o que

também nos remete as relações e acontecimentos do/no/com o cotidiano, quando as escolhas e

caminhos pensados antes, nos escapam ao nosso controle, e assim como elas, vão pouco a

pouco acontecendo e tecendo formas, a partir do borrar da tinta, do pincel, do que escapa e do

olhar de quem pratica, recria e constrói, suas próprias formas de narrar e experienciar.

Conversas com a paisagem, evidenciando a subjetividade de quem se dispõe a borrar e traçar

novos moldes que incorporam e conversam com as cores, sabores, cheiros, sensações, que se

fazem por meio do individual e em um coletivo.

“Eu achei muito interessante apesar de meu desenho não sair muito bem, gostei da

experiência.”

Page 52: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

52

Com as intervenções traçadas, o papel vegetal foi pressionado sobre a transparência,

criando assim a im-pressão única da arte da monotipia, uma entre as infinitas formas de se

desnarrar, criando outros possíveis que não se fixam, mas se abrem ao novo, com as

paisagens.

O papel vegetal, foi colocado sobre as paisagens, de forma que as monotipias ficassem

sobrepostas a estas. No ato de curiosear, levantando o papel vegetal, é então possível que se

visualizasse a imagem, permitindo que outras desnarrativas pudessem ser feitas a partir desta

mesma imagem.

Page 53: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

53

Monotipia...

Figura 18.Paisagem de Vitória Fonte: simnoticias.com.br (2014)

Page 54: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

54

“Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles — esse pessoal.

Eles falavam nas aulas:

Quem se aproxima das origens se renova.

E que a Beleza se explica melhor por não haver razão nenhuma nela.”

(Manoel de Barros)

“Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão

falando” (Manoel de Barros)

Page 55: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

55

4.4 Manhã de 05 de Outubro de 2015, Segunda-feira

“(...) Tem mais presença em mim o que me falta.

Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.

Sou muito preparado de conflitos.

Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique

desamparada do ser que a revelou.

O meu amanhecer vai ser de noite…”

(Manoel de Barros. O livro sobre nada)

Neste dia nos propusemos a realizar a exposição das monotipias confeccionadas

durante o movimento anterior. Inicialmente, agradecemos a todos educandos pela participação

e colaboração durante todo processo desta, frisando que sem a participação deles, não haveria

pesquisa, oficina e nem mesmo estaríamos ali, pois todo processo se fez/faz em busca de

novas propostas, caminhos e possibilidades, para um ensino em que os sujeitos e suas

subjetividades sejam vistas, percebidas e valorizadas.

Seguindo com a proposta, convidamos a todos sujeitos envolvidos, presentes na sala

de aula, para que contribuíssem de maneira coletiva com a confecção de um painel e com a

exposição das monotipias, que foram penduradas em um varal, feito de barbante. Alguns

imediatamente demonstraram interesse em contribuir, outros, criaram certas resistências

Page 56: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

56

inicialmente. Ainda assim, criamos um momento em que todos compartilharam, inventaram,

criaram e se expressaram de maneira coletiva, onde interagimos uns com os outros, em que

nos foi propício experienciarmos e compartilharmos os múltiplos olhares.

O painel continha frases e poemas, e ficou posto atrás do varal de barbante com as

monotipias expostas, contendo o(s) traçado(s) e as particularidades dos que ali se propunham

a construir um momento de vivência de modo coletivo. Painel este, nomeado por nós com o

título: Olhares Múltiplos Sobre as Paisagens. Para que as monotipias fossem contempladas

também por outros olhares, as expusemos no pátio da escola, ficando acessível aos estudantes

que habitam, praticam e inventam o cotidiano escolar da EEEFM Aflordízio Carvalho da

Silva.

“Eu entendi que paisagem não é aquilo que a gente ver, pois sempre podemos mudar, fazer

transformações, sensações, depende muito do ponto de vista de cada pessoa. Com apenas a

criatividade podemos transformar muito mais que uma paisagem.”

Page 57: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

57

“Nesse processo eu aprendi que paisagem não é só aqueles lugares bonitos mais sim tudo

que estar ao alcance dos nossos olhos e da forma que vemos as coisas elas mostram outro

modo de paisagem e hoje eu tenho uma visão diferente.”

“Depois dessas aulas, eu entendi que paisagem não é só lugares bonitos que a gente vê,

paisagem é tudo o que os nossos olhos enxergam todos os dias desde a nossa casa até a

escola.”

Page 58: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

58

“Nessa nova atividade eu aprendi que uma paisagem nunca vai ser aquela paisagem pura

sempre vai ter alguém que vai ver além do nosso ponto de vista.”

Page 59: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

59

“Eu aprendi que numa imagem pode ter coisas escondidas e que cada pessoa tem um ponto

de vista diferente.”

“Eu vi no desenho (na imagem) dois olhos então resolvi imaginar a boca então eu vi a rua

em forma de minhoca então fiz o olho no mar e a minhoca na rua. Ai ficou um rosto mal

humorado.”

Page 60: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

60

“Depois dessas aulas eu aprendi bastante coisa sobre paisagem que cada um de nos

tem um jeito de olhar pra paisagem e acha bonito ou não. Paisagem tudo tá no alcance dos

nosso olho ou imaginação.”

Page 61: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

61

“Sobre os trabalhos realizados na sala de aula sobre paisagem pude ter outra visão sobre

paisagem, que não é somente aquilo que eu vejo, mas sim a visão que eu obtenho a partir

daquilo que eu vejo, tenho outra expectativa sobre paisagem.”

Page 62: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

62

5. CONSIDERADÕES FINAIS

A proposta de se pensar em outros olhares (novos) sobre a paisagem, nos despertou

para vivenciarmos novas experiências e a pensarmos que a arte da monotipia nos possibilitaria

essas e outras narrativas que tencionam o desnarrar.

Vale ressaltar, que todo processo se fez e se faz em prol de um ensino que se permita

ao novo, em busca de novas alternativas e possibilidades para o ensino de Geografia,

buscando visibilizar as diversidades existentes e que compõe o cotidiano, entendendo que a

escola é diversa e heterogênea, valorizando e dando visibilidade a subjetividade dos sujeitos,

problematizando e potencializando o ensino de Geografia com as noções de paisagem.

Nossas intervenções contribuíram para que os envolvidos no processo, vivenciassem,

contribuíssem e construíssem coletivamente momentos inventivos, criativos, de novas

ralações e vivências. Criando na sala de Geografia e em todos os momentos e movimentos,

particularidades, que se mostraram repletas de curiosidades, inquietudes, saberes, conversas e

subjetividades.

Em cada momento, movimento (s), fomos nos abrindo ao novo, ao inesperado,

experienciando os momentos ali presente. Em retribuição, ouvimos várias falas/narrativas em

meio as diversas conversas dialogadas num coletivo, que nos atravessaram, explicitando o

viés de multiplicidade e de variância desse campo problemático, que não se faz apenas sobre,

mas antes, com os praticantes, com a voz e o sabor da experiência de quem (re)cria e se

anuncia.

Aqui, evidenciamos um, entre tantos outros possíveis de dialogar e (re)construir

vivências que se constituem nas variadas formas de compor esse e outros espaços, sem

intenção alguma de criar uma única fórmula, sem a intenção de finalizar, mas sim, tencionar

outros caminhos.

“É preciso que a própria variação não deixe de variar, quer dizer, que ela

passe efetivamente por novos caminhos sempre inesperados”. (DELEUZE,

2010, p. 60)

Page 63: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

63

6. REFERÊNCIAS

ALVES, N. narrativa como método na história do cotidiano escolar. in: I Congresso

Brasileiro de História da Educação, 2000, Rio de Janeiro. I Congresso Brasileiro de História

da Educação. Rio de Janeiro: SBHE, 2000. p. 10.

_____________sobre movimentos das pesquisas nos/dos/com os cotidianos. Teias: Rio de

Janeiro, ano 4, nº 7-8, jan/dez 2003. Disponível

em<http://www.periodicos.proped.pro.br/index.php/revistateias/article/viewFile/209/208

>Acesso em 25 de setembro de 2015

ALVES, N.; GARCIA, R. L. (Org.). A necessidade de orientação coletiva nos estudos

sobre o cotidiano: duas experiências. In: BIANCHETTI, Lucídio; MACHADO, Ana Maria

Netto (Org.). A bússola do escrever: desafios e estratégias na orientação de teses e

dissertações. São Paulo: Cortez, 2002. p. 255-296.

CAMPOS J, C. T. A construção da cidade: formas de produção imobiliária em Vitória.

Vitória: Florecultura, 2002

DELEUZE, G. Sobre teatro: um manifesto do menos; o esgotado. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar, 2010.

______ Conversações, 1972-1990. Trad. Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta, 184p.

1998.

FARIA, W. de. DE OLHO NA ILHA. Um Tabloide Digital - Informações de tudo o que

aconteceu e acontece nesta ilha e no mundo. Vitória, maio 2007. Disponível

em:<http://deolhonailha-vix.blogspot.com.br/2012/10/maruhype-o-1-bairro-de-toda-pobreza-

da.html>. Acesso em: 10 de out 2015.

FERRAÇO, C. E. (Org.). Currículo e educação básica: por entre redes de conhecimentos,

imagens, narrativas, experiências e devires. Rio de Janeiro, Rovelle, 2011.

________ Pesquisa Com o Cotidiano.Educ. Soc., Campinas, vol. 28, n. 98, p. 73-95,

jan./abr. 2007 95. Disponível em <http://cedes.preface.com.br/ >. Acesso em 26 de ago 2015.

FIRMINO, L. C. ; Cidade, lugar do possível: experimentações para um ver a mais.

Revista Textura (ULBRA) , v. 16, p. 72-85, 2014.

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed.,

São Paulo: Paz e Terra, 2011.

GIRARDI, G. A educação pelas imagens e suas geografias. [EDITORIAL]. Geografares,

Edição Especial, p.01-06. Jan./Ago. 2014

GOOGLE. Google Earth website. Disponível em < https://www.google.com/earth/> Acesso

em 05 de Novembro de 2015.

IBGE. Censo Demográfico 2010. Disponível em < http://censo2010.ibge.gov.br/>. Acesso

em 20 de Agosto 2015.

Page 64: MONOTIPIAS E DESNARRATIVAS COMO POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NO ENSINO DE GEOGRAFIA COM AS PAISAGENS

64

MARQUES, I. Desnarrativas: oficina. Revista Geografares, Edição Especial, p.39-47,

janeiro-agosto 2014.

OLIVEIRA, G. F.; As Imagens narrativas de mulher produzidas por sujeitos praticantes

do currículo do IFES; 2013; Dissertação (Mestrado em Mestrado em Educação) -

Universidade Federal do Espírito Santo.

Página web da Prefeitura Municipal de

Vitória:<http://legado.vitoria.es.gov.br/regionais/dados_regiao/regiao_4/regiao4.asp> Acesso

dia 20 de Setembro de 2015.

Plano Diretor Urbano de Vitória. Documento de Trabalho n.º 5 Jucutuquara / Mauipe / Praia

do Canto. Fundação Jones Dos Santos Neves. Julho,1978

PREVE, A. M. H. Cartografias intensivas: notas para uma educação em geografia. Revista

Geografares, v. 12, p. 50, 2012

ROLNIK, S. Ninguém é deleuziano. Link para acesso digital, pelo Núcleo de Estudos da

Subjetividade PUC-SP. 1995. Disponível em

<http://www.pucsp.br/nucleodesubjetividade/Textos/SUELY/ninguem.pdf>. Acesso em 20 de

set. 2015.

SANTOS, M. Metamorfose do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da

Geografia. 6 ed. São Paulo: EDUSP, 2008.

___________.(1997). Metamorfoses do espaço habitado. 5ª ed. São Paulo: Hucitec, 1997.

____________. Conversações, 1972-1990. Trad. Eloisa Araújo Ribeiro. São Paulo: Escuta,

1998

SEDU (2010). Currículo básico escola estadual. Vitória-ES: Secretaria de Estado da

Educação.

SÜSSNEKID, M. Currículo: contribuições de Boaventura de Sousa Santos e Michel de

Certeau. In: FERRAÇO; RANGEL; CARVALHO; NUNES. (Org.). Diferentes perspectivas

em currículo na atualidade. 1ed.PETROPOLIS: De Petrus: NUPEC/UFES, 2015, v. 1, p. 169-

184, 2015.

TV ESCOLA. Salto para o futuro. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=fPoaB2d1rR4>. Acesso em 21 de outubro. 2015.

VERACIDADE. Imagens Aéreas Temporais da Ilha de Vitória- 1970 e 1998. Disponível

em <http://www.veracidade.com.br/>. Acesso em 15 de nov.2015

VITÓRIA, Prefeitura Municipal de. Galeria Memória Viva - Acervo Fotográfico.

Disponível em < http://www.vitoria.es.gov.br/galeria.php?idGaleria=98 >. Acesso em 10 de

outubro de 2015.

VITÓRIA, Prefeitura Municipal de. PARQUES. Disponível em:

<http://www.vitoria.es.gov.br/cidade/parques>. Acesso em: 10 novembro. 2015.