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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE DIREITO
A RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CONTEXTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: O DIREITO DE REUNIÃO E SEUS LIMITES EXPRESSOS E
IMPLÍCITOS
BELO HORIZONTE, OUTUBRO DE 2012
STEEVAN TADEU SOARES DE OLIVEIRA
A RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NO CONTEXTO DO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO: O DIREITO DE REUNIÃO E SEUS LIMITES EXPRESSOS E
IMPLÍCITOS
Pesquisa monográfica para ser apresentada junto ao Colegiado da Graduação em Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para obtenção do título de graduado em Direito, realizada sob a orientação do Professor Doutor Marcio Luís de Oliveira.
BELO HORIZONTE, OUTUBRO DE 2012
3
FICHA DE APROVAÇÃO
Monografia apresentada e aprovada em ________________________
Banca Examinadora:
__________________________________________ Professor Doutor Márcio Luís de Oliveira
__________________________________________ Professora Doutora Mônica Sette Lopes
__________________________________________ Professora Doutora Maria Fernanda Salcedo Repolês
4
DEDICATÓRIA
Dedico esta monografia aos espartanos do Batalhão de Choque, em especial aos valorosos guerreiros do Vulcano II, por juntos termos ombreado diversas batalhas e, mesmo nas adversidades, por terem se mostrado incondicionalmente leais.
Após ter introduzido as discussões jurídicas do direito de reunião no Batalhão de Choque, espero que este trabalho não seja o ponto de chegada, mas sim o ponto de partida para o estudo desse e de outros temas jurídicos atinentes à atividade do Batalhão. Assim, também dedico este trabalho àqueles que derem continuidade a essa empreitada.
5
AGRADECIMENTOS
Ao Coronel Antônio de Carvalho Pereira, pela força do exemplo, que vale mais do que qualquer estudo acadêmico e por ter transformado cada dia de trabalho em verdadeiras lições não só de polícia, mas de vida.
Ao Tenente-Coronel Roberto Lemos, por ter me recebido em um momento particularmente difícil de minha vida e ter estimulado as primeiras reflexões acerca do tema.
Ao Professor Doutor Márcio Luís de Oliveira, pela afetuosa recepção desde o primeiro contato e inestimável orientação. Se o resultado final não for a contento, é antes culpa do orientando que não conseguiu compreender as lições.
A todos os meus comandantes no Batalhão de Choque, em especial ao Major Marcelo Campos Pinheiro e ao Cap Cinério Gonçalves Gomes, os quais eu muito admiro, apesar do pouco tempo que trabalhei sob o comando de ambos.
Ao Capitão Maximiliano Augusto Xavier, pela companhia, pelas lições, pela amizade, pelos conselhos e pelas correções quando necessário.
A todos oficiais e praças do BPE, em especial ao Capitão André Coli, Capitão Paulo Roberto, Capitão QOR Nirlando, Tenente Lúcio, Tenente Bertocchi, Tenente Hot e Tenente QOR Fábio Hebert, profundos conhecedores da doutrina das Operações de Controle de Distúrbios, com quem muito aprendi.
Aos companheiros da equipe de instrução Tenente Russo, Tenente Antunes, Aluno Wellington, Sargento Santana, Sargento Tardim, Cabo Campos e Cabo Marcelo, por compartilharem comigo o ideal de uma tropa mais qualificada e, em nome desse ideal, se privarem voluntariamente de horários de lazer e descanso.
À Nathália Marteletto, por ter surgido de forma inesperada e ser veredas no sertão chamado vida.
Por último, e mais importante que todos os demais, aos meus pais, que com todas as adversidades se sacrificaram para que eu pudesse levar a diante o sonho de simultaneamente cursar o CFO e o curso de Direito na UFMG.
6
“A liberdade política não consiste em
fazer o que se quer.”
Montesquieu
(O Espírito das Leis, XI, 3)
7
RESUMO
O Estado Democrático de Direito busca a efetiva participação dos indivíduos
nas deliberações públicas. Nesse contexto, passeatas, protestos, marchas,
caminhadas entre outros atos semelhantes adquirem especial relevo. Contudo,
o exercício dessa garantia fundamental causa transtornos aos demais cidadãos
que não estão participando do ato. Assim, a liberdade de reunião concorre com
os direitos das demais pessoas, como, por exemplo, o direito de locomoção.
Em virtude do conflito, faz-se necessário estudar os contornos do direito de
reunião no Brasil. Ao se enveredar por essas trilhas, constata-se que as
relativizações ao direito fundamental da Constituição da República não se
restrigem às previstas literalmente na norma. Além dos limites previstos no
inciso XVI, art. 5º da Constituição, temos também contingências em outras
partes da Constituição, em normas infraconstitucionais e também limites
implícitos. Outrossim, a imersão no tema ainda traz à tona a necessidade de
uma lei regulamentadora, que disponha sobre questões não mencionadas no
preceito constitucional. No presente trabalho, o foco do estudo foi o sistema
jurídico vigente, por meio da Constituição, de leis infraconstitucionais, da
doutrina e de jurisprudência. Além disso, a história do direito de reunião no
Brasil e o estudo do direito comparado também contribuíram com a pesquisa.
Palavras-chave: direitos humanos; restrição de direitos; relativização de
direitos fundamentais; direito de reunião; manifestações públicas e protestos no
Brasil.
8
ABSTRACT
The Democratic State of law looks-for effective participation of individuals in
public deliberations. In this context, marches, protests, assemblies,
demonstrations, walking and other similar public acts acquire special
importance. However, the exercise of this fundamental right cause troubles to
other citizens who are not participating in the gathering. Thus, the freedom of
assembly together conflicts with rights of others, for instance, the right of free
motion and locomotion. Because of the conflict, it is necessary to understand
the outline of the right of assembly together in Brazil. When you go in on these
pathway, it displays that the fundamental right to gathering is not limited only by
the text written in section XVI, article 5º. Beyond this limits, we also have
reserves in other parts of the constitution, laws under the Constitution and
implied in law system. Also, the immersion in the theme still brings up the
necessity for a regulatory law, clarifying issues not mentioned in the
Constitution. In the present work, the focus of the study was the legal system,
through the Constitution, laws under de Constitution, doctrine and
jurisprudence. Moreover, the history of the right of assembly in Brazil and the
study of comparative law also contributed to the research.
Key-words: human rights; conflict of laws; fundamental rights restrictions; right
to assembly together; gathering; demonstrations; protests in Brazil.
9
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ADI - Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADPF - Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental
Art. - Artigo
BH - Belo Horizonte
BPTran - Batalhão de Polícia de Trânsito
CIDH - Comissão Interamericana de Direitos Humanos
CP - Código Penal
CPM - Código Penal Militar
CTB - Código de Trânsito Brasileiro
CRFB ou
CRFB/88
- Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
DF - Distrito Federal
DUDDHH - Declaração Universal dos Direitos Humanos
HC - Habeas Corpus
Inc. - Inciso
LCP - Lei das Contravenções Penais
LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros.
MS - Mandado de Segurança
OEA - Organização dos Estados Americanos
PIDCP - Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
PMMG - Polícia Militar de Minas Gerais
RJTJSP - Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São
Paulo
STF - Supremo Tribunal Federal
10
SUMÁRIO
1 PRÓLOGO....................................................................................................................................... 12 2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A PARTICIPAÇÃO DOS CIDADÃOS..................... 15
2.1 A Origem da Democracia e da Democracia Representativa....................................................... 15 2.2 Para Além da Democracia Formal: o Estado Democrático de Direito....................................... 17
2.3 As Manifestações Populares e sua Importância nas Democracias........................................... 18
3 AS MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS PELO PRISMA JURÍDICO: O DIREITO DE REUNIÃO......... 21 3.1 Ontologia e Concepções do Direito de Reunião......................................................................... 21
3.2 História Jurídica do Direito de Reunião no Constitucionalismo Moderno Ocidental.............. 26
4 A RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: O DIREITO DE REUNIÃO E AS POSSIBILIDADES DE LIMITES...................................................................................................... 29
4.1 A Existência dos Limites: o Conflito de Direitos e os Deveres Fundamentais........................ 29
4.2 A Dogmática da Relativização dos Direitos Fundamentais........................................................ 32
4.2.1 Eficácia Horizontal dos Direitos Humanos........................................................................................ 34
4.2.2 Bloco de Constitucionalidade........................................................................................................... 37
4.3 Os Limites das Relativizações...................................................................................................... 38 5 A DISCIPLINA JURÍDICA DO DIREITO DE REUNIÃO NO BRASIL............................................. 40
5.1 Restrições Insculpidas no inc. XVI, art. 5º, da Constituição...................................................... 41
5.1.1 Todos Podem Reunir-se................................................................................................................... 41
5.1.2 Reunião Pacífica............................................................................................................................... 42
5.1.3 Reunião sem Armas......................................................................................................................... 43
5.1.4 Locais Abertos ao Público................................................................................................................ 46
5.1.5 Independente de Autorização........................................................................................................... 47
5.1.6 Não Frustrar Outra Reunião Anteriormente Convocada.................................................................. 48
5.1.7 Prévio Aviso...................................................................................................................................... 49
5.1.8 Autoridade Competente.................................................................................................................... 53
5.2 Relativizações na Constituição, mas fora do inc. XVI, art. 5º..................................................... 54 5.3 Limites Implícitos ao Direito de Reunião..................................................................................... 56
5.3.1 Licitude dos Propósitos..................................................................................................................... 57
5.4 Relativizações Infraconstitucionais ao Direito de Reunião........................................................ 58 5.4.1 Os Direitos das Demais Pessoas..................................................................................................... 59
5.4.2 Direito Eleitoral................................................................................................................................. 63
5.4.3 Direito Militar..................................................................................................................................... 66
5.4.4 Código de Trânsito Brasileiro........................................................................................................... 68
5.4.5 Direito Criminal................................................................................................................................. 72
5.4.6 Limitações Quanto ao Conteúdo...................................................................................................... 76
11
6 REGULAMENTAÇÃO...................................................................................................................... 80 6.1 Possibilidade de Regulamentação................................................................................................ 81
6.2 Quem Pode Regulamentar?........................................................................................................... 83 6.3 Forma do Ato Regulamentador..................................................................................................... 85
6.4 O Papel dos Precedentes na Regulamentação do Direito de Reunião..................................... 88
7 EPÍLOGO......................................................................................................................................... 89 8 REFERÊNCIAS................................................................................................................................ 93
12
1 PRÓLOGO
O Estado Democrático de Direito tem como uma de suas características a
participação dos cidadãos na esfera de decisão política. Assim, nesse novo
paradigma, não basta almejarmos apenas uma democracia formal, mas antes,
perquirir a inclusão das opiniões pessoais nos processos de decisões
governamentais. Alguns fatores, porém, dificultam a democracia substantiva,
tais como o distanciamento das pessoas aos centros políticos, a extensão
territorial do país, aspectos culturais, consciência política, educação e a própria
democracia representativa que, de certa forma, estimula o afastamento do
cidadão em relação aos debates políticos.
Como forma de suplantar esse déficit democrático, mecanismos indiretos de
participação popular e até mesmo formas de pressionar o governo foram se
desenvolvendo. Uma dessas maneiras de que o cidadão dispõe para
demonstrar seus anseios e reivindicações são as manifestações populares em
logradouros públicos. Exemplos típicos de tais atos são as passeatas,
carreatas, marchas e comícios. Destaca-se, destarte, que as manifestações
populares têm se tornado um autêntico mecanismo de demonstração da
vontade dos indivíduos e de pressão sobre os governantes.
Por esse motivo, não é de se espantar que em regimes autocráticos torna-se
comum a tentativa de restrição a esse direito. Foi precisamente o que ocorreu
no Brasil em grande parte da nossa história. Desde a sua primeira previsão
enquanto direito positivado nas Constituições, as manifestações foram
disciplinadas de forma bastante limitada e contida. Restringindo ainda mais
esse direito, foi editada uma lei regulamentadora na década de 1950 e,
posteriormente, com a efetivação do regime militar, as manifestações públicas
no Brasil ficaram ainda mais mitigadas.
13
Com a Assembleia Nacional Constituinte de 1987/1988 e, em decorrência
dessa, a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 (CRFB/88), a garantia constitucional a esse direito ganhou novos
contornos. Depois de anos de intensa repressão política e de tolhimento à
liberdade de expressão, as manifestações públicas foram previstas no inciso
XVI, art. 5 da nova Constituição. A nova previsão ampliou a garantia
fundamental e limitou as intervenções do Estado no exercício desse direito
constitucional.
A efetivação dessas mudanças tem ocorrido, ainda que de forma gradativa.
Contudo, ainda hoje o aparato repressor do Estado é utilizado para impedir o
exercício legítimo de manifestações públicas que, em tese, seriam amparadas
pela Constituição. Infelizmente, decisões judiciais e o arbítrio policial por vezes
impedem a concretização desse direito, restringido-o de maneira não
amparada pela Constituição.
Paradoxalmente, entretanto, o contrário também ocorre. Fruto de uma
interpretação unilateral da Constituição, hermeneutas se arvoram na afirmação
de um direito de reunião com limites muito mais extensos do que os
juridicamente existentes em um Estado Democrático de Direito. Assim, os
manifestantes acabam por impedir o direito de locomoção das demais pessoas
ao fecharem por completo importantes logradouros públicos exatamente nos
horários de maior fluxo. Tais ações refletem diretamente no acesso a escolas,
hospitais, locais de trabalho e ao domicílio, o que resulta em considerável
prejuízo ao pleno direito à educação, à saúde, ao trabalho, à residência, à
propriedade privada, entre outros.
Percebe-se, portanto, que estamos diante de um típico caso de conflito
horizontal de direitos, no qual a esfera juridicamente tutelada de uma pessoa
(direito de reunião) concorre com o direito de outrem (ir e vir, educação, saúde,
trabalho, domicílio, propriedade privada, etc.). Dessa forma, buscar os limites
jurídicos ao exercício do direito de reunião se faz um tema atual e de extrema
15
2 O ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO E A PARTICIPAÇÃO
DOS CIDADÃOS
2.1 A ORIGEM DA DEMOCRACIA E DA DEMOCRACIA REPRESENTATIVA
A história da democracia remonta à Grécia clássica, mais especificamente, aos
tempos pré-socráticos. A etimologia do vocábulo nos indica que a palavra é
oriunda do grego, sendo formada a partir dos radicais demos, alusão a povo, e
cracia (kratos), que designa poder ou quem está no poder1. Assim, “a
democracia, no sentido etimológico da palavra, significa o governo do povo ou
o governo da maioria”.2
A democracia ganhou contornos próprios ao longo dos anos conforme os locais
e as épocas em que surgia. Diferenças entre a democracia grega e a
democracia estruturada no fim do absolutismo europeu, por exemplo, são
constatadas por cientistas políticos. Robert Dahl3 aponta algumas
transformações pelas quais passou a democracia ao longo da história. Do
mesmo modo, o autor ainda indica outras culturas além da helenística que
influenciaram esse amálgama4 que denominamos democracia. Entretanto, em
que pesem algumas distinções, podemos sintetizar a democracia como “o
regime em que o povo se governa a si mesmo, quer diretamente, quer por meio
de funcionários eleitos por ele para administrar os negócios públicos e fazer as
leis de acordo com a opinião geral”.5
A democracia antiga, assim reconhecida a vivenciada na Grécia clássica,
considerava cidadão um restrito número de pessoas. Estima-se que nesse
período de 240 mil pessoas, apenas 6 mil participavam efetivamente das
decisões. Ademais, esses homens considerados cidadãos viviam do trabalho 1 CHAUI, 1994, p. 283. 2 ROSENFIELD, 1989, p. 7. 3 DAHL, 1989. 4 DAHL, 1989, p. 13. 5 AZAMBUJA, 2005, p. 236-237.
16
escravo, tendo tempo disponível para estudarem os assuntos a serem
debatidos e para participarem das assembleias.6 Entretanto, a realidade hoje é
diversa:
Os Estados têm geralmente um grande território, grande população e os negócios públicos são numerosos, complexos, de natureza técnica, só acessíveis a indivíduos mais ou menos cultos e especializados. O número de eleitores nos grandes Estados modernos, como nos Estados Unidos, por exemplo, é de muitas dezenas de milhões de cidadãos, espalhados em perto de nove milhões de quilômetros quadrados. Evidentemente não seria possível reunir dezenas de milhões de homens para discutir e votar. O governo direto é, pois, praticamente impossível. Além disso, o homem moderno vive entregue a seus afazeres, tem profissão absorvente, não poderia dispor do tempo necessário para discutir e votar milhares de assuntos em dezenas de reuniões anuais.7
Em virtude dessas diferenças, a democracia adquiriu novas feições. Com a
dificuldade de tomar parte das deliberações, a população passou a eleger
representantes que, em tese, defenderiam os interesses daqueles que os
elegeram.
Nesse modelo de democracia representativa ou indireta, o povo fica distante da
efetiva decisão. Como afirma Rosenfield “tem-se aqui um processo de
diferenciação do governo com o povo sem que ambos se identifiquem atual e
praticamente”.8 Cria-se, destarte, um corpo de políticos apartado da população.
Percebe-se que a oportunidade de que o cidadão participe verdadeiramente
das decisões coletivas tornou-se reduzida9. Dessa forma, a expressão da
vontade política do cidadão ocorre basicamente durante as eleições, quando se
escolhem os representantes. As efetivas decisões são feitas pelos eleitos,
muitas das vezes sem um compromisso com os anseios dos representados.
Assim, visando suplantar essas e outras dificuldades da democracia, surgiu o
Estado Democrático de Direito.
6 AZAMBUJA, 2005, p. 215-241. 7 AZAMBUJA, 2005, p. 222-223. 8 ROSENFIELD, 1989, p. 68. 9 DAHL,1989, p. 225.
17
2.2 PARA ALÉM DA DEMOCRACIA FORMAL: O ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO
Pretendendo atualizar o Estado Democrático, foi concebido o Estado
Democrático de Direito. Focado no pluralismo social, o Estado Democrático de
Direito supera o Estado Liberal e o Estado Social de Direito.10 Busca-se, agora,
uma democracia substancial, e não apenas de forma.
Se no modelo clássico grande parte da população via-se alijada das
deliberações públicas, tal circunstância não é aceita hodiernamente. De forma
diversa do modelo grego clássico, hoje o conceito de povo é essencial à
própria ideia de democracia11. Conforme pontua Bresser Pereira,
O caráter mais ou menos democrático do sistema político existente em um país fará com que sua população se transforme ou não em povo, ou seja, no conjunto de cidadãos com direitos políticos efetivos e teoricamente iguais. Nesses termos, o povo pode ser considerado não como o objeto sobre o qual o Estado exerce seu poder, mas como um de seus elementos constitutivos. No capitalismo contemporâneo, bem como em qualquer outro sistema de classes, o poder político deriva da sociedade civil12.
Nesses termos, deve-se buscar a ampliação paulatina do número de pessoas
consideradas povo.
De igual maneira, a ideia de representatividade também apresenta óbices à
democracia substantiva. A semântica do vocábulo democracia não pretende
indicar um país no qual os cidadãos depositam periodicamente os votos nas
urnas, mas antes aquele no qual as pessoas participam ativamente das
decisões por meio de um processo contínuo e dinâmico. Nesse sentido, o
governo se legitima na medida em que tem como elemento fundante a opinião
e a participação efetivas da sociedade civil. Em apertada síntese, José Afonso
da Silva assevera sobre o tema:
10 OLIVEIRA, 2011, p. 182-228. 11 SILVA, 2007, p. 132. 12 BRESSER PEREIRA, 1995, p. 91.
18
A democracia que o Estado Democrático de Direito realiza há de ser um processo de convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), em que o poder emana do povo, e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por representantes eleitos (art. 1º, parágrafo único); participativa, porque envolve a participação crescente do povo, no processo decisório e na formação dos atos de governo; pluralista, porque respeita a pluralidade de ideias, culturas e etnias e pressupõe assim o diálogo entre opiniões e pensamentos divergentes e a possibilidade de convivência de formas de organização e interesses diferentes da sociedade; há de ser um processo de liberação da pessoa humana das formas de opressão que não depende apenas do reconhecimento formal de certos direitos individuais, políticos e sociais, mas especialmente da vigência de condições econômicas suscetíveis de favorecer o seu pleno exercício.13
Pelo exposto, são significativas as distinções entre a democracia clássica e a
experiência do Estado Democrático de Direito. Nesse viés, faz-se necessário
valorizar todas as formas de participação do povo nas decisões
governamentais. Assim, revela-se, entre outras formas, a importância das
manifestações populares por meio das quais os cidadãos demonstram seus
interesses e suas vontades.
2.3 AS MANIFESTAÇÕES POPULARES E SUA IMPORTÂNCIA NAS DEMOCRACIAS
Em face do discutido até o momento, foi demonstrado que o Estado
Democrático de Direitos busca a efetiva participação de todos. Nessa
sociedade democrática, não se espera a homogeneidade de pensamentos e
opiniões. Não deve ser o objetivo do Estado a homogeneização do
pensamento ou a criação de uma monolíngua, como ilustrou o romance 1984,
de George Orwell. O dissenso e a presença de antagonismos são elementos
basilares da democracia efetiva. Nesse jogo de interesses em conflito,14 quanto
maior a desigualdade social, mais díspares serão os interesses e as vontades,
é o que indica Luiz Carlos Bresser Pereira no excerto:
13 SILVA, 2007, p.119-120. 14 BRESSER PEREIRA, 1995, p. 102.
19
Todavia, em que pesem os limites impostos pela extrema desigualdade e desintegração social ocorre o surgimento de uma multiplicidade de atores e de movimentos sociais, que dão origem a formas distintas de participação direta e indireta junto aos governos em todos os níveis, ao mesmo tempo em que introduzem conflitos de interesses e lutas pelo poder para o atendimento das demandas específicas, construindo-se, por outro lado, em um ingrediente a mais no complexo ambiente democrático.15
Por outro lado, é exatamente a inclusão da diferença e a pluralidade de
opiniões que propiciam a unidade. A diversidade e o dissenso são pre-
condições para a unidade. Ainda segundo Bresser Pereira, a integração social
desenvolve-se a partir dos procedimentos de formação democrática da opinião
e da vontade política16. Dessa maneira, os protestos e as reivindicações
populares são extremamente relevantes para a formação da opinião política,
pois ao contribuir para o consenso, são capazes de reduzir o conflito potencial
entre liberdades individuais, fortalecendo a coesão. Ademais, as manifestações
públicas propiciam a visibilidade de alguns movimentos sociais, tornando
públicos debates que poderiam ficar restritos a um limitado grupo de pessoas.
Nesse diapasão, as manifestações contrárias ao pensamento dominante são
as que mais caracterizam o Estado Democrático de Direito. Foi o que
demonstrou o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais em sede de Amicus
Curiae no Supremo Tribunal Federal (STF) quando da apreciação da
legalidade da marcha da maconha por aquele tribunal:
A reivindicação por mudança, mediante manifestação que veicule uma ideia contrária à política de governo, não elide sua juridicidade. Ao contrário: a contraposição ao discurso majoritário situa-se, historicamente, no germe da liberdade da expressão enquanto comportamento juridicamente garantido.17
Conforme o que foi discutido, verifica-se que os atos políticos nas ruas, por
meio dos quais a população demonstra seus interesses e opiniões, ganham
grande relevo e destaque em nossa sociedade, pois, a partir das
manifestações populares, o cidadão pode expressar efetivamente suas 15 BRESSER PEREIRA, 1995, p. 27. 16 BRESSER PEREIRA, 1995, p. 48. 17 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007.
20
opiniões e, ainda, pressionar os governantes e parlamentares acerca dos
rumos a serem seguidos.
Em virtude de sua elevada importância em ambientes verdadeiramente
democráticos, surgiu a necessidade de se tutelar juridicamente as
manifestações e os protestos públicos. Após ser garantida juridicamente, todos
os cidadãos devem exercer essa liberdade consoante o Direito, pois, conforme
leciona Márcio Luís de Oliveira,
A previsão de determinados direitos, garantias e deveres individuais e coletivos compõem a base jurídico-institucional da democracia. Logo, sem que os agentes e as instituições estatais, e sem que os indivíduos e os segmentos sociais se submetam ao Direito dialogicamente constituído e aplicado não há possibilidade de efetiva democracia.18
Conforme pontua o autor, submeter-se a esse Direito constituído é uma
exigência. Entretanto, impossível fazê-lo sem se conhecer seus contornos e
delimitações. Dessa forma, para se compreender juridicamente as
manifestações públicas no Brasil, é preciso estudar a previsão do direito de
reunião em nosso sistema jurídico.
18 OLIVEIRA, 2011, p. 207.
21
3 AS MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS PELO PRISMA JURÍDICO: O
DIREITO DE REUNIÃO
3.1 ONTOLOGIA E CONCEPÇÕES DO DIREITO DE REUNIÃO
Conforme já mencionado, no contexto das democracias indiretas ou
representativas, as manifestações públicas assumem um importante papel.
Essa relevância é demonstrada por autores que indicam ser o direito que
assegura esses atos, juntamente com a liberdade de expressão e o direito ao
voto, a base estruturante da democracia19.
Na perspectiva do direito constitucional pátrio, as manifestações são
historicamente denominadas direito de reunião. Na tentativa de definir o
vocábulo, em sua obra sobre a Constituição de 1988, Wolgran Junqueira
Ferreira define:
Reunião é a ação de aproximar, de reunir as partes divididas, desunidas ou dispersas de um todo (Caldas Aullete). Permite a Constituição que as pessoas se agrupem para intercâmbio de ideias. Para que seja tida como reunião, há que se encontrar o motivo comum e também que a organização exista. Não se confundir com a simples agregação física acidental de pessoas, pois isto seria multidão. O interesse comum, acrescido da interação pessoal e mais a presença física, estabelece o que a Constituição denomina de reunião. O elemento espacial é fundamental para que a reunião seja realizada.20
Por sua vez, José Afonso da Silva apregoa que reunião é “qualquer
agrupamento formado em certos momentos com o objetivo comum de trocar
ideias ou de receber manifestação de pensamento político, filosófico, religioso,
científico ou artístico”.21 Semelhante é a proposta de Cretella Júnior, que define
19 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 487. 20 FERREIRA, 1989, p. 142. 21 SILVA, 2007, p. 264.
22
reunião como “agrupamento voluntário de diversas pessoas que, previamente
convocadas, acorrem ao mesmo lugar, com objetivos comuns”22.
No cotidiano as pessoas se deparam com inúmeras condutas humanas que
estão inseridas na definição do direito de reunião, pois, “incluem-se no conceito
de reunião as passeatas e as manifestações em logradouros públicos”,23 bem
como as carreatas, os protestos, os comícios, os cortejos, as aglomerações de
grevistas, os desfiles, as marchas populares, as caminhadas, as assembleias
em lugares abertos ao público, entre outras possibilidades.24 Verifica-se,
portanto, que podem ser tanto reuniões estáticas quanto dinâmicas.25
André Ramos Tavares ainda lembra que inserida na liberdade de reunião não
está apenas a possibilidade de participar do ato público, mas também os
direitos de convocar, organizar e liderá-lo.26
Estudando o tema, o ministro Celso de Mello, em voto no STF, asseverou que
“a liberdade de reunião traduz meio vocacionado ao exercício do direito à livre
expressão das ideias, configurando, por isso mesmo, um precioso instrumento
de concretização da liberdade de manifestação do pensamento, nela incluído o
insuprimível direito de se manifestar”.27 Verifica-se, na opinião do jurista e
magistrado, uma íntima relação das manifestações públicas com a liberdade de
expressão. Assim, o autor denota o caráter instrumental do direito de reunião,
sendo ele uma possibilidade de se exercer a liberdade de expressão.
22 CRETELLA JUNIOR, 1974, p. 227. 23 SILVA, 2007, p. 264. 24 Acerca das passeatas, convém mencionar que até a Constituição de 1988 havia a discussão se o direito de reunião tutelaria ou não as passeatas. Sobre essa divergência, o ministro Celso de Mello escreveu: “Passeatas: Não se compreendem no conceito do direito de reunião, podendo, em consequência, ser proibidas com base no interesse público (RF, 177:279; GILBERTO PASSOS DE FREITAS e VLADIMIR PASSOS DE FREITAS, Abuso de autoridade, Revista dos Tribunais, 1979, p. 27. Contra JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO, O direito constitucional de reunião, RJTJSP, 54:19, por considerar os comícios, os desfiles e as passeatas aspectos particulares da liberdade de reunião”. (MELLO FILHO, 1984, p. 366). 25 MAGALHÃES, 2000, p. 108. 26 TAVARES, 2009, p. 617. 27 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 392.
23
Acerca dos elementos que compõem uma reunião, Celso Ribeiro Bastos28 diz
ser: a) pluralidade de participantes; b) caráter temporal; c) finalidade. Deve-se
destacar que para esse autor o direito de manifestação é diferente do direito de
reunião, contudo, ao menos na obra analisada, o autor não explica o motivo da
distinção.
Em 1978 José Celso de Mello publicou parecer jurídico acerca do tema29. Já
quando relator da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
n. 187, o ministro citou os cinco componentes que, para ele, estruturam
juridicamente o direito de reunião:
a) elemento pessoal: pluralidade de participantes (possuem legitimação ativa ao exercício do direito de reunião os brasileiros e os estrangeiros aqui residentes); b) elemento temporal: a reunião é necessariamente transitória, sendo, portanto, descontínua e não permanente, podendo efetuar-se de dia ou de noite; c) elemento intencional: a reunião tem um sentido teleológico, finalisticamente orientado. Objetiva um fim, que é comum aos que dela participam; d) elemento espacial: o direito de reunião se projeta sobre uma área territorialmente delimitada. A reunião conforme o lugar que se realiza, pode ser pública (vias, ruas e logradouros públicos) ou interna (residências particulares, v. g.); e) elemento formal: a reunião pressupõe a organização e direção, embora precárias.30
Em que pese o prestígio do autor, não se identificam argumentos para excluir
os estrangeiros não residentes no país no que tange ao elemento pessoal por
ele apontado. Não há motivos jurídicos plausíveis para se excluir tal direito dos
que se encontram em solo brasileiro e aqui não residem. Acredita-se que o
autor tenha repetido a previsão do caput do art. 5º da CRFB. Contudo, mesmo
não fazendo menção expressa aos estrangeiros não residentes no Brasil como
titulares dos direitos e garantias previstos no art. 5º da Constituição, a
interpretação sistemática dessa não autoriza furtar dos viajantes estrangeiros
garantias e direitos, quando estiverem no Brasil.
28 BASTOS, 1994, p. 187. 29 MELLO FILHO, 1978. 30 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2011.
24
Muito semelhante à proposta de Celso de Mello é a sugestão apresentada por
Alexandre de Moraes. Esse autor indica quatro elementos: pluralidade de
participantes, tempo, finalidade e lugar.31 André Ramos Tavares também
propõe condições para se caracterizar o exercício do direito de reunião. Para o
autor são cinco os elementos que definem o direito de reunião, quais sejam:
pluralidade de participantes, finalidade lícita, local, tempo limitado e a emissão
do prévio aviso à autoridade competente.32
Por sua vez, Gilmar Mendes33 aponta que o direito de reunião pressupõe: a)
como elemento subjetivo, o agrupamento de pessoas; b) como elemento
formal, a coordenação; c) como elemento teleológico, o fim comum; d) como
elemento temporal, o caráter transitório; e) como elemento objetivo, ser pacífica
e sem armas; f) como elemento espacial, um local delimitado.
Apesar de parecer questão puramente teórica, a definição dos elementos da
reunião tem importância prática. Para Gilmar Mendes,34 se não estiverem
presentes tais elementos, determinado agrupamento de pessoas não pode
alegar em sua defesa estar amparado pelo direito constitucional de reunião.
Logo, pode ser chamado a mudar de conduta sem poder usar em seu favor o
direito constitucional de reunião. Dessa maneira, veículos que casualmente se
encontrem e buzinem simultaneamente para comemorar um resultado
esportivo, pessoas na fila do banco, ou o cidadão que porta um cartaz com
palavras de ordem à frente de uma multidão que sai do metrô não têm suas
condutas respaldadas pelo direito de reunião.
Quanto à titularidade, a doutrina comumente indica tratar-se de um direito
individual que é exercido de forma coletiva35. Isso, pois, protege-se
principalmente a liberdade individual de tomar parte ou não na reunião.36
31 MORAES, 2006, p. 68. 32 TAVARES, 2009, p. 618. 33 MENDES; COLEHO; BRANCO, 2010, p. 487-489. 34 MENDES; COLEHO; BRANCO, 2010, p. 487. 35 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 487. 36 MAGALHÃES, 2000, p. 107.
25
Todavia, encontramos autores que afirmam ser direito coletivo por tutelar a
manifestação coletiva da liberdade de expressão, sem, contudo, deixar de ser
também um direito individual a cada um que pretenda participar da reunião.37
Por sua vez, a tutela jurisdicional desse direito é feita por meio do mandado de
segurança. Por certo, apenas de forma reflexa será a liberdade de locomoção
atingida, assim, não cabe impetrar habeas corpus enquanto garantia
constitucional.38 No pertinente à sua eficácia, trata-se de norma de eficácia
plena, pois prescinde de norma regulamentadora para que possa ser usufruído
esse direito constitucional.39
Em uma perspectiva policiológica,40 a coletividade de pessoas recebe uma
classificação da Polícia Militar de Minas Gerais (PMMG) com base em fatores
psíquico-jurídicos, qual seja: aglomeração, multidão, turba, tumulto. A primeira
não é propriamente o exercício do direito de reunião, por se tratar de
agrupamento casual. Já as duas últimas categorias são caracterizadas, entre
outros elementos, pela ruptura da lei e da ordem. Assim, o exercício do direito
de reunião é caracterizado apenas na segunda hipótese, denominada
multidão.41
No direito internacional, diversos tratados e convenções asseguram o direito de
reunião. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDDHH) no artigo
XX.1 garante que “toda pessoa tem direito à liberdade de reunião pacífica”.42
Por sua vez, o artigo 21º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
(PIDCP) afiança:
37 TAVARES, 2009, p. 617. 38 Nesse sentido, ver MELLO FILHO, 1984, p. 365, MORAES, 2006, p. 69 e TAVARES, 2009, p. 619. 39 Ministro Carlos Brito, fl. 304 40 Apesar de pouco conhecida nas faculdades de Direito, há um ramo das ciências denominado policiologia que mantém estreitas relações com a Sociologia, Antropologia, Psicologia e com o Direito. Tal campo do saber humano estuda “o fenômeno chamado polícia” (MEIRELES; ESPÍRITO SANTO, 1989, p. 25). 41 MINAS GERAIS. Polícia Militar, 2007, fls. 18-19. 42 BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 1948.
26
O direito de reunião pacífica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem pública, ou para proteger a saúde pública ou os direitos e as liberdades das pessoas.43
Extremamente semelhante ao PIDCP é a previsão do Pacto de San José da
Costa Rica, também conhecido como Convenção Americana de Direitos
Humanos de 1969.44 A única diferença é que o artigo 15º dessa norma
estabeleceu que, além de pacífica, como disposto no PIDCP, a reunião deve
ser também sem armas.
3.2 HISTÓRIA JURÍDICA DO DIREITO DE REUNIÃO NO CONSTITUCIONALISMO MODERNO OCIDENTAL
A gênese desse direito, segundo o ministro do Supremo Tribunal Federal
Ricardo Lewandoski, remonta ao século 18, no contexto da formação dos
Estados-Nacionais europeus:
Ora, como se sabe, a liberdade de reunião e de associação para fins lícitos constitui uma das mais importantes conquistas da civilização, enquanto fundamento das modernas democracias políticas, encontrando expressão, no plano jurídico, a partir do século XVIII, no bojo das lutas empreendidas pela humanidade contra o absolutismo monárquico.45
A previsão legal mais remota desse direito de que se tem notícia é a que surgiu
no contexto da independência dos Estados Unidos da América. A doutrina46
aponta como a primeira norma a tutelar tal direito a Declaração de Direito da
Pensilvânia, de 1776,47 que possuía a seguinte redação:
43 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1966. 44 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1969. 45 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 372. 46 MORAES, 2006. 47 Pennsylvania Constitution of 1776, Declaration of Rights.
27
Todos têm o direito de reunirem-se, para deliberar sobre o bem comum, para instruir seus representantes, e requerer à legislatura para reparar injustiças, via discurso, petição, ou representação.48
Analisando esse direito na história das constituições brasileiras, constatamos
que a Constituição do Império do Brasil não o assegurava. Contudo, nas
constituições republicanas, o direito de reunião esteve presente em todas.49
Desde a Constituição de 1891, chegando até a Constituição de 1967, não
tivemos grandes alterações. A ideia de que a reunião seja sem armas
perpassou todos os textos constitucionais. Outrossim, sempre havia a previsão
expressa nas constituições da possibilidade da intervenção da polícia ou de
outra autoridade, para manter a ordem ou em nome da segurança pública.50
Ainda hoje as constituições de Espanha e Itália restringem a liberdade de
reunião por razões de ordem pública, com perigo para pessoas ou bens.51
Após o fim do regime autocrático pelo qual passou o Brasil durante os anos de
1964 e 1985, a Assembleia Nacional Constituinte foi convocada. Os anseios
sociais relativos à liberdade de expressão nas manifestações públicas, que foi
reprimido durante anos, teve a oportunidade de receber uma proteção mais
ampla no próprio texto constitucional.
Assim, o direito de reunião foi inserido o inciso XVI do art. 5º, que passou a ser
a nova disciplina das manifestações públicas no Brasil. O direito de reunião ora
vigente está previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de
1988 da seguinte forma:
48 That the people have a right to assemble together, to consult for their commom good, to instruct their representatives, and to apply to the legislature for redress of grievances, by address, petition, or remonstrance. (KURLAND; LERNER, 2012. Tradução livre do autor) 49 Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 no art. 72, § 8; Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 no art. 113, § 11; Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 no art. 122. § 10; Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 no art. 141, § 11; Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 no art. 150, § 27; Constituição da República Federativa no art. 5º, inc. XVI. 50 Conforme se avançar no estudo da previsão constitucional vigente, apontamentos e comparações acerca dos sistemas constitucionais anteriores serão feitos, não carecendo, para o presente trabalho, uma análise histórica pormenorizada das alterações no texto do direito de reunião. 51 MAGALHÃES, 2000, p. 110-111.
28
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, e à propriedade, nos termos seguintes:[...] XVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independente de autorização, desde que não frustrem outra reunião convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente.52
Em uma leitura inicial podemos ver que se trata de um direito bastante amplo,
que parece tentar afastar as arbitrariedades estatais que tanto marcaram esse
direito ao longo de nossa história jurídica. Como mencionado anteriormente, a
intervenção estatal nesse direito sempre foi um aspecto trivial. Com maior
ênfase isso ocorreu após a regulamentação desse direito ainda no sistema
constitucional de 1946, quando foi editada lei especificamente para esse fim.53
Em que pese a amplitude proporcionada pela Constituição de 1988, o direito de
reunião tem alguns contornos que relativizam esse direito fundamental,
carecendo, portanto, de uma análise mais detalhada acerca de cada uma
dessas balizas para o exercício desse direito dentro do contexto do Estado
Democrático de Direito vigente no Brasil.
52 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988. 53 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1950.
29
4 A RELATIVIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS: O
DIREITO DE REUNIÃO E AS POSSIBILIDADES DE LIMITES
4.1 A EXISTÊNCIA DOS LIMITES: O CONFLITO DE DIREITOS E OS DEVERES FUNDAMENTAIS
Em que pese seu status de direito fundamental, a garantia disposta no inciso
XVI do artigo 5º da CRFB/88 não é um direito absoluto, conforme preleciona o
ministro do STF, Ricardo Lewandowski:
Não se ignora, é verdade, que liberdade de reunião não é um direito absoluto. Nenhum direito, aliás, o é. Até mesmo os direitos havidos como fundamentais encontram limites explícitos e implícitos no texto das constituições.54
No mesmo julgado, no qual estava em pauta a regulamentação do direito de
reunião elaborada pelo Distrito Federal, os ministros Gilmar Mendes55 e Cezar
Peluso56 concordaram, juntamente com Lewandowski, acerca da possibilidade
de se impor certos tipos de regramentos ao direito de reunião. Sepúlveda
Pertence, por sua vez, afirmou não querer assumir compromisso sobre o
assunto.57 Entretanto, em caminho oposto, o ministro Marco Aurélio asseverou
que “ao povo é assegurado ampla e irrestritamente o direito de
manifestação”.58 A divergência no precedente do STF evidencia ser necessário
estudar mais detalhadamente a possibilidade de se estabelecerem limites ao
exercício do direito de reunião. Mesmo para aqueles que reconhecem existir
tais restrições, o tema adquire relevância. Para esses, já que existem tais
limites, é importante buscar compreender, então, quais seriam essas restrições
ao direito de reunião.
54 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl 377. 55 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl 399-400. 56 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl 398. 57 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl 402. 58 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 299.
30
Sobre o tema, ensinou José Afonso da Silva que não é “correta a definição de
liberdade como ausência de coação. O que é válido afirmar é que a liberdade
consiste na ausência de toda coação anormal, ilegal, ilegítima e imoral”.59
Assim, até mesmo direitos havidos como fundamentais comportam certa
disciplina em seu exercício.
Detalhando melhor o assunto, Márcio Luís de Oliveira também discorre sobre a
relativização dos direitos fundamentais, esclarecendo que:
Os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, ou seja, eles são relativos, pois suas titularidades e exercícios são condicionáveis pelo sistema jurídico, no qual também são estabelecidos inúmeros deveres para os sujeitos do Direito, para a sociedade e para o Estado. Logo, os direitos e garantias fundamentais são passíveis de relativização em suas titularidades e exercícios; nesse sentido, eles podem sofrer “constrições” estatais ou mesmo particulares, além de, eventualmente, conflitar ou concorrer uns com os outros60.
Percebe-se que o autor trabalha com conceitos como titularidade e exercício e,
ainda, a possibilidade de condicionar ambos. Outrossim, pelo excerto
percebemos que Márcio Luís de Oliveira acrescenta à discussão a ideia de
deveres fundamentais. Dessa forma, constata-se que os cidadãos possuem,
além dos direitos e garantias fundamentais, deveres fundamentais. Como
corolário, todo cidadão tem como dever fundamental a obrigação de respeitar
os direitos das demais pessoas.
Aplicando a discussão dos deveres fundamentais ao tema em estudo,
descortina-se uma perspectiva mais ampla acerca dos limites do direito de
reunião. Com efeito, o exercício desse direito não pode vir desacompanhado
do dever de respeitar o direito das demais pessoas, tais como a locomoção, o
trabalho, a saúde, entre outros. Uma manifestação muito barulhenta pode
obstar o direito ao trabalho de outrem; da mesma forma, uma interrupção total
de uma via pública central, em horário de grande fluxo de veículos e pessoas,
pode comprometer o direito de locomoção do restante da sociedade.
59 SILVA, 2007, p. 232. 60 OLIVEIRA, 2011, p. 442.
31
Assim, durante os protestos devem ser respeitados os direitos dos demais
cidadãos que não estão participando do ato público. Nesse sentido é o parecer
de José Luiz Quadros de Magalhães, quando afirma que “só pode intervir o
Estado nesse direito quando a reunião deixar de ser pacífica ou, na doutrina
dos direitos individuais, quando o direito de uma ou várias pessoas for violado
pelo exercício impróprio daquela liberdade”.61
Ainda sobre a questão dos deveres fundamentais, importante destacar que
parece ter havido uma omissão, intencional ou não, no atinente aos deveres
fundamentais na CRFB/88. O Capítulo I, do Título II, da nossa Constituição é
denominado “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, contudo, nenhum
dispositivo no capítulo mencionado faz alusão aos deveres fundamentais.
Não obstante a omissão dos deveres fundamentais, a questão da possibilidade
de constrições aos direitos fundamentais parece igualmente ter sido
negligenciada pelos redatores da nossa Constituição. Tal fato é apontado por
Ingo Wolgang Sarlet a partir do direito comparado. Para o autor gaúcho:
Importante lacuna deixada pelo Constituinte diz com a ausência da previsão de normas genéricas expressas sobre as restrições aos direitos fundamentais, o que na verdade, não encontra maior justificativa, já que não faltaram exemplos concretos e de ampla aceitação no direito comparado.62
Dessa forma, mesmo diante da omissão do legislador constituinte, verificamos
que tanto os deveres fundamentais quanto a relativização dos direitos
encontram respaldo na doutrina e jurisprudência.
Ante tais observações, faz-se necessário compreender a sistemática das
constrições aos direitos e garantias fundamentais.
61 MAGALHÃES, 2000, p. 107-108. 62 SARLET, 2011, p. 69.
32
4.2 A DOGMÁTICA DA RELATIVIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Ao se estudar a relativização dos direitos fundamentais, uma das primeiras
questões levantadas pela doutrina63 refere-se à distinção entre os direitos e
suas restrições. Se se compreende que o direito e suas restrições são
categorias autônomas, distinguíveis logicamente, estamos diante da teoria
externa. Por essa teoria, em princípio, haveria um direito ilimitado e que, ao se
estabelecerem as restrições decorrentes da necessidade de compatibilização,
tornar-se-ia limitado. Em oposição à primeira, apresenta-se a teoria interna, de
acordo com a qual existe o direito individual com determinado conteúdo
definido pelo próprio sistema jurídico. Ou seja, o direito e seus limites não
existem separadamente. Nessa hipótese, não se fala em restrição, mas sim,
em relativização.
No intuito de compreender as possibilidades de impor relativizações aos
direitos fundamentais, Márcio Luís de Oliveira64 afirma que essas podem ser de
três naturezas gradativas, quais sejam: a) medidas restritivas, b) medidas
suspensivas, c) medidas supressivas.
Pelo prisma do autor, as relativizações restritivas incidiriam sobre o exercício
do direito. Nessas o direito continua intacto, podendo ser exercido, mas de
forma limitada. Cabe ressaltar que as medidas restritivas comportam
gradações. Exemplo típico de medidas restritivas são as penas de reclusão,
que restringem o direito à liberdade de locomoção. De igual modo, as medidas
suspensivas também incidem sobre o exercício do direito, entretanto, a
suspensão resulta no total impedimento do exercício do direito ou garantia
sendo, por isso, necessariamente temporária. Márcio Luís de Oliveira65 cita
como exemplo dessa medida a suspensão dos direitos políticos em razão de
condenação por improbidade administrativa. Isso porque, nesses casos, o
condenado fica totalmente impedido de exercer seus direitos políticos tais
63 MIRANDA, 2008, p. 374 e MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 379. 64 OLIVEIRA, 2011, p. 444. 65 OLIVEIRA, 2011, p. 446.
33
como o direito de votar e ser votado, o direito de exercer função pública e o
direito de contratar com a Administração Pública. Por sua vez, as medidas
supressivas extinguem a própria titularidade do direito, “eliminando-o do acervo
jurídico subjetivo do indivíduo”66 e são, por isso, medidas excepcionais no
Estado Democrático de Direito.
Visando esquematizar as medidas restritivas aos direitos fundamentais, o
jurista português J. J. Gomes Canotilho divide tais restrições em três classes:
Há três “universos” de restrições de direitos recortados por actos normativos com valor de lei: (1) restrições feitas directamente pela Constituição; (2) restrições feitas por lei mas expressamente autorizadas pela Constituições; (3) restrições operadas através de lei mas sem autorização expressa da Constituição.67
Verifica-se que Canotilho deixa claro que as limitações aos direitos comportam
até mesmo restrições legais (infraconstitucionais) aos direitos fundamentais
elencados na Constituição. Aplicando os ensinamentos de Canotilho ao direito
de reunião previsto na CRFB/88, podemos perceber que estão presentes na
nossa Constituição (inciso XVI, art. 5º) duas das categorias apontadas: a) as
restrições feitas pela Constituição, e; b) as operadas através de lei, mas sem
autorização expressa da Constituição. Isso, pois, conforme o texto lido, a
disciplina do direito de reunião na Constituição não faz referência à lei
regulamentadora, ou seja, não temos em nosso sistema constitucional a
segunda categoria apresentada pelo autor. Contudo, como demonstrado por
Canotilho, tal aspecto não faz com que leis infraconstitucionais que restrinjam o
direto de reunião sejam, por si só, inconstitucionais.
Outro constitucionalista português, Jorge Miranda, também discute o tema.
Para ele a intervenção do legislador nos direitos, nas liberdades e nas
garantias pode ser de cinco espécies: declarativa regulamentadora,
concretizadora, protectiva, restritiva e aditiva.68
66 OLIVEIRA, 2011, p. 446. 67 CANOTILHO, 2003, p. 450. 68 MIRANDA, 2008, p. 366.
34
Jorge Miranda acrescenta uma espécie de restrição menos evidente, que não
seria decorrente de norma positivada na Constituição nem de leis
infraconstitucionais. O autor indica a existência de limites implícitos aos direitos
fundamentais, que seriam aqueles que existem mesmo não havendo previsão
literal. Para o jurista:
Forçoso e natural, é, pois, aceitar a existência de restrições implícitas derivadas outrossim da necessidade de salvaguardar outros interesses constitucionalmente protegidos, e fundadas não em preceitos avulsos, mas sim em princípios constitucionais paralelos aos que alicerçam as restrições expressas69.
Detalhando o assunto, Jorge Miranda indica que na hipótese de restrição
expressa, deve-se verificar apenas a constitucionalidade da medida restritiva.
Lado outro, nas restrições implícitas, é preciso ir além da verificação da
constitucionalidade da medida. Nesses casos, deve-se também analisar a
própria decisão de se restringir o direito fundamental em face do peso de outro
interesse que se lhe opõe.70 Ou seja, para o autor, nos casos de limites
implícitos, é necessário fazer assentar cada restrição em certo e determinado
interesse constitucionalmente protegido, o que não aconteceria nas restrições
expressas.
Em virtude do elucidado até o momento, verificou-se que é possível definir
limites aos direitos fundamentais, sobretudo quando as esferas juridicamente
de duas ou mais pessoas ou grupos se conflitam, precisando ser conciliadas.
Em tais casos estamos diante do que se denomina eficácia ou conflito
horizontal de direitos humanos.
4.2.1 Eficácia Horizontal dos Direitos Humanos
Os direitos humanos foram construídos como uma proteção para o cidadão
comum ante a autoridade do rei. Os aspectos sociológicos, históricos e 69 MIRANDA, 2008, p. 372. 70 MIRANDA, 2008, p. 373.
35
jurídicos tornavam o cidadão comum extremamente vulnerável em relação ao
monarca ou ao Estado. Com efeito, havia uma série de possibilidades de
intervenção do Leviatã71 na esfera privada do indivíduo. Assim, os direitos
fundamentais, sobretudo os de primeira dimensão, vieram para impor
restrições na intervenção do Estado na vida particular. Juristas costumam
indicar a Magna Carta de 121572 como a primeira norma de direitos humanos
elaborada. Acerca desse instrumento, Fábio Konder Comparato assevera: “No
caso, não se tratou de delegações de poderes reais, mas sim do
reconhecimento de que a soberania do monarca passava a ser
substancialmente limitada [...] Mais do que isso, porém, a Magna Carta deixa
implícito pela primeira vez, na história política medieval, que o rei achava-se
naturalmente vinculado pelas próprias leis que edita”.73
Contudo, a complexidade das sociedades atuais fez surgir um novo problema.
Hoje em dia, não se trata tão somente de proteger o cidadão de desmandos do
rei ou do Estado. Muito comum hoje é a interferência de indivíduos ou grupos
nos direitos de outro cidadão ou grupo. Assim, emergem conflitos da relação
indivíduo-indivíduo. Se antes os direitos humanos eram escudos protetivos na
relação verticalizada Estado-cidadão, hoje também se prestam à tutelar direitos
no confronto horizontal cidadão-cidadão.
No viés da dimensão vertical dos direitos humanos, cabe ao Poder Público a
não intervenção na esfera juridicamente tutelada do indivíduo. Entretanto, na
seara da eficácia horizontal desses direitos, exige-se das autoridades que
intervenham para que não se permitam agressões recíprocas entre os
71 Segundo Thomas Hobbes, o Leviatã é o poder central e absoluto ao qual todos devem se submeter, podendo ser o Monarca ou uma Assembleia, dotada de autoridade inquestionável (HOBBES, 2005). 72 Magna Carta Libertatum seu Concordiam inter regem Johannem et Barones pro concessione libertatum ecclesiae et regni Angliae – Carta Magna das Liberdades ou Concórdia entre o rei João e os Barões para a outorga das liberdades da igreja e do reino inglês. Segundo Fábio Konder Comparato, o diploma foi escrito em latim bárbaro, e o vocábulo Magna Carta, oriundo da língua grega, era grafado no latim clássico com “ch”, mas foi usado, durante toda a Idade Média, sem “h”. (COMPARATO, 2007, p. 71). 73 COMPARATO, 2007, p. 79-80.
36
cidadãos ou grupos, esse é o entendimento, entre outros autores, de Kildare
Carvalho, para quem:
A mudança de paradigma da eficácia apenas vertical dos direitos fundamentais decorreu, sobretudo, do reconhecimento de que não é somente o Estado que pode ameaçar esses direitos, mas também outros cidadãos nas relações horizontais entre si. O Estado, portanto, se obriga não apenas a observar os direitos fundamentais, em face das investidas do poder público, como também garanti-lo contra agressões propiciadas por terceiros.74
Acerca da hermenêutica constitucional, a simples regra da norma mais
protetiva, defendida por autores como Cançado Trindade,75 Flavia Piovesan76 e
Mazzouli77 não é suficiente. Essa regra somente se aplica quando estamos
analisando o direito de um único cidadão ou grupo, sem a possibilidade de
conflito entre esferas juridicamente tuteladas de pares. Nesses casos, se aplica
a regra mais favorável e garantista na perspectiva do indivíduo. Na dogmática
jurídica da concorrência dos princípios jurídicos, podemos dizer que se trata da
concorrência por divergência, na qual, segundo Márcio Luís de Oliveira, “dois
ou mais princípios jurídicos afluem para regular, em sua globalidade (inteireza),
a mesma situação jurídica, porém com possibilidades de resultados
completamente distintos e até mesmo antagônicos”.78
Dessa forma, quando direitos fundamentais de cidadãos distintos se colidem, a
aplicação da norma mais benéfica para um indivíduo, por certo, incidirá em
detrimento do outro. Consequentemente, deve haver uma análise do caso.
Necessário se faz, portanto, avaliar os princípios constitucionais que estão em
jogo e ponderá-los, buscando a essência dos direitos por meio de uma
interpretação sistemática e complexa da Constituição.
Para esse fim, torna-se relevante estudar, também, o bloco de
constitucionalidade.
74 CARVALHO, 2009, p. 721. 75 CANÇADO TRINDADE, 2010 apud PIOVESAN, 2010, p. XLI. 76 PIOVESAN, 2010, p. 105. 77 MAZZUOLI, 2000, p. 221. 78 OLIVEIRA, 2011, p. 348.
37
4.2.2 Bloco de Constitucionalidade
Outro conceito muito importante quando se discutem os limites e contornos dos
direitos fundamentais é o bloco de constitucionalidade. O Supremo Tribunal
Federal vem decidindo que ao se interpretar a Constituição deve se ter em
mente muito mais do que as normas positivadas na Constituição Formal. Por
esse conceito, há preceitos de direitos fundamentais, portanto de natureza
constitucional, que não integram expressamente a Constituição Formal. Assim,
“o Bloco de Constitucionalidade é integrado basicamente por legislação
infraconstitucional, costumes constitucionais, jurisprudência constitucional e
princípios constitucionais implícitos”.79 Consequentemente, pode-se afirmar que
existem regras e princípios constitucionais que não estão positivados na
Constituição Formal. Em virtude de sua natureza jurídica de direito
constitucional, normas infraconstitucionais podem até mesmo vir a ser
utilizadas como paradigma para efeitos de controle de constitucionalidade.
Sendo assim, o conteúdo dos direitos constitucionais deve ser buscado não
apenas na literalidade da norma constitucional, mas interpretado a partir dos
valores e princípios constitucionais analisados conjuntamente. Destarte, pode
acontecer de existirem normas jurídicas de mesmo status (nível hierárquico)
que sejam conflitantes, ainda que uma delas não seja expressa na
Constituição.
Nesses casos, determinados princípios surgirão como superiores em virtude de
sua fundamentalidade. Contudo, tal análise não deve ser feita abstratamente.
Para tal desiderato, devem-se ponderar todos os valores em debate.
Assim, em face dos conceitos e institutos jurídicos apresentados no presente
capítulo, restou demonstrado que os direitos fundamentais insculpidos na
CRFB podem sofrer relativizações, até mesmo implícitas ou por normas
79 OLIVEIRA, 2012.
38
infraconstitucionais. Entretanto, tais limites também possuem limites, ou seja,
as restrições aos direitos fundamentais também são limitadas.
4.3 OS LIMITES DAS RELATIVIZAÇÕES
Consoante a dogmática da relativização dos direitos fundamentais
apresentada, os direitos humanos comportam derrogações. Contudo, essas
restrições não são impostas ao acaso, sem conhecer limites. Dessa forma, faz-
se necessário compreender os limites das restrições, ou seja, o que a doutrina
tem designado de limites imanentes80, ou ainda, o limite dos limites.
Estudando o tema, Jorge Miranda81 indica aspectos que devem ser observados
quando do estabelecimento de limites aos direitos fundamentais, denominados
por ele de restrição da restrição. De forma esquemática, é possível sintetizar
em um total de dez, os limites às relativizações apontados pelo autor:
1) nenhuma restrição pode deixar de ter fundamento constitucional;
2) ao se elaborarem leis restritivas, estas devem deixar indicar explicitamente
os direitos que visam tutelar bem como os princípios constitucionais que lhes
fundamentam;
3) as restrições não podem ser operadas por atos normativos da
Administração, ou seja, só podem ser feitas por meio de lei;
4) a norma deve permitir conhecer precisamente os critérios legais;
5) as leis não devem permitir arbítrio e discriminação infundada, devendo ser
impessoais e abstratas;
6) as leis não podem ter efeitos retroativos ou que se apliquem a situações
vindas do passado e ainda não terminadas – retroatividade imprópria;
7) as leis restritivas não podem diminuir o conteúdo essencial dos direitos,
liberdade e garantias que regulam;
80 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 393. 81 MIRANDA, 2008, p. 375-379.
39
8) as restrições devem se ater ao fim proposto, só adotadas quando não
houver outro meio de alcançar o fim pretendido;
9) as restrições devem limitar-se a salvaguardar outros interesses
constitucionalmente protegidos, não podendo extrapolar tal finalidade;
10) na dúvida, entre a restrição e o direito, deve se privilegiar este em
detrimento daquela;
Após analisarmos a possibilidade de impor limites aos direitos fundamentais,
bem como reconhecer os limites dos limites, passa-se à análise das
relativizações ao direito de reunião no sistema jurídico brasileiro.
40
5 A DISCIPLINA JURÍDICA DO DIREITO DE REUNIÃO NO
BRASIL
Apesar do demonstrado até o momento no concernente às possibilidades de se
relativizarem os direitos fundamentais, ainda encontramos entre os juristas
aqueles que acreditam que “as restrições ao direito de reunião são unicamente
as que estão previstas na Lei Magna, e não na lei ordinária”.82 Assim,
evidencia-se, outra vez mais, a complexidade do tema e a necessidade de
investigá-lo.
Parte da dificuldade de se compreender tais restrições ocorre em decorrência
da disciplina do direito de reunião previsto no Brasil. As relativizações ao direito
de reunião não estão redigidas de uma forma sistematizada. Temos normas
que disciplinam esse direito que são expressas dentro da própria Constituição
e esparsamente, fora do texto constitucional. Ademais, as restrições previstas
na Constituição podem estar no próprio inciso XVI, art. 5º, que estatui o direito
de reunião, bem como expressas em outros artigos e incisos da Constituição.
Outrossim, temos ainda as relativizações implícitas que decorrem da análise
sistemática do tema.
Na tentativa de se criar uma proposta mais didática para o estudo dos limites
do direito de reunião, passaremos a analisá-lo a partir de quatro categorias: a)
relativizações operadas pelo próprio preceito que estatui o direito fundamental,
ou seja, as insculpidas expressamente no inciso XVI, art. 5º da CRFB; b)
relativizações expressas no texto da Constituição, mas fora do inciso XVI, art.
5º; c) limites implícitos ao direito de reunião; e, por último, d) restrições
constitucionais expressas em lei ordinária.
82 Petição Inicial da ADPF 187. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2011).
41
Assim, como partida para o detalhamento dos limites ao direito de reunião em
nosso sistema jurídico, inicialmente será feita a análise das restrições
insculpidas no próprio inciso XVI, art. 5º.
5.1 RESTRIÇÕES INSCULPIDAS NO INC. XVI, ART. 5º, DA CONSTITUIÇÃO.
Em virtude do grau de detalhamento previsto no inciso XVI, art. 5º da CRFB,
pode-se afirmar que a previsão constitucional do direito de reunião por si só já
regulamenta esse direito. Entretanto, apesar do detalhamento feito pela norma
constitucional, o assunto não se esgota naquele preceito. Assim, alguns pontos
ficaram por se regulamentar, e outros carecem de uma análise mais detalhada.
Dessa forma, será analisado cada elemento semântico da garantia
constitucional do direito de reunião.
5.1.1 Todos Podem Reunir-se
Acerca do termo “todos”, não restam dúvidas acerca de sua amplitude. Assim,
normas segregadoras como ocorria no regime do Apartheid
inquestionavelmente não são aceitas. Sobre esse ponto, interessante é que o
inciso XVI, art. 5º da CRFB deixa claro que os titulares dos direitos e das
garantias são mais numerosos do que o aparentemente previsto no caput do
próprio art. 5º. Pela regra do caput, temos que os direitos previstos no art. 5º
são garantidos apenas aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país, in
verbis:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...]83
Assim, quando o inciso XVI estabelece que “todos podem reunir-se”, torna
evidente que os estrangeiros não residentes no país que estejam em trânsito 83 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988.
42
ou provisoriamente estabelecidos em solo brasileiro, também possuem o direito
de reunião assegurado, apesar de a literalidade do caput do art. 5º não os
incluir. Portanto, afirma-se que são titulares do direito de reunião todas as
pessoas naturais.
5.1.2 Reunião Pacífica
A primeira exigência que se faz ao exercício do direito de reunião no Brasil é
que o evento seja pacífico: “Todos podem reunir-se pacificamente [...]”,84 diz o
texto da Constituição. Essa exigência já havia sido elencada nas constituições
brasileiras de 1937 e de 1946. Meios pacíficos referem-se à ausência de
propósito de quebrar a atmosfera de paz, ou seja, “por reunião pacífica
entende-se aquela que não busca a conflagração física”.85 Assim, e.g., uma
passeata organizada por ativistas mais radicais, contrários à globalização e que
vise causar danos materiais a estabelecimentos comerciais como o Carrefour
ou o McDonalds seria, a priori, inconstitucional. De igual modo, manifestações
xenofóbicas ou de cunho nazifascista, que almejem agredir gays, índios,
estrangeiros, negros ou brancos, estão eivadas de inconstitucionalidade.
Em suma, a manifestação não pode ter como desiderato ou como
consequência a lesão à integridade física ou ao patrimônio. Se assim o for, não
será o exercício de um direito, e sim o seu abuso86. Dessa forma, está tutelada
pelo direito de reunião a manifestação que “não se devota à conflagração
física”.87
Além da violência operada pelos próprios manifestantes, temos também a que
pode ocorrer reflexamente em virtude da reunião. Na África do Sul, a norma
que regulamenta o direito de reunião detalha a situação. Naquele país, a
manifestação deve ser pacífica e também ser diligente para não gerar violência
84 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988. 85 CARVALHO, 2009, p. 788. 86 PERALES, 2003. 87 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 488.
43
de forma indireta, ou seja, não estimular a violência em outras pessoas ou
grupos, nos seguintes termos:
(5) Nenhuma pessoa, presente ou participando em uma reunião ou manifestação, poderá por banner, cartaz, fala ou canto, ou por qualquer outro meio, incitar o ódio de outras pessoas ou grupos, em razão de diferenças culturais, de raça, sexo, língua ou religião. (6) Nenhuma pessoa, presente ou participando de uma reunião ou manifestação, poderá praticar qualquer ato ou proferir quaisquer palavras calculadas ou que sejam suscetíveis de causar ou estimular a violência contra qualquer pessoa ou grupo88.
Para o direito brasileiro, segundo Gilmar Mendes, “não é violenta a reunião que
atraia a reação violenta de outrem. O direito de reunião não se descaracteriza
se a violência que venha a ocorrer lhe é externa, sendo deflagrada por pessoas
estranhas ao agrupamento”.89
Ainda acerca da violência, temos também a questão da violência psíquica. Na
Espanha, o tribunal constitucional já decidiu serem proibidas manifestações
com alcance intimidatório para terceiros.90
5.1.3 Reunião sem Armas
A previsão de não poder ter armas nas manifestações vem desde a
Constituição francesa de 1791. É praticamente lugar comum na doutrina pátria
que o termo é lato sensu, ou seja, abrange arma de fogo e arma branca. Como
já mencionado alhures, essa relativização esteve presente em todas as
previsões constitucionais do direito de reunião no Brasil. Além disso, não basta
ter um manifestante armado para que a autoridade pública possa restringir o
direito de reunião; em se tratando de incidência pontual, a ação da polícia
também deve ser específica. “Se na reunião, um, ou alguns estão armados, 88 (5) No person present at or participating in a gathering or demonstration shall by way of a banner, placard, speech or singing or in any other manner incite hatred of other persons or any group of other persons on account of differences in culture, race, sex , language or religion. (6) No person present at or participating in a gathering or demonstration shall perform any act or utter any words which are calculated or likely to cause or encourage violence against any person or group of persons. (SOUTH AFRICA, 1993. Tradução livre do autor). 89 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 488. 90 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 488.
44
não faz com isto, desaparecer o direito de reunião, posto que este direito é
individual”.91 Ou seja, a ação do poder público deve ser em desfavor do
cidadão que estiver armado e não em prejuízo do evento como um todo. No
mesmo sentido, o ministro Celso de Mello Filho afirma que:
A polícia não pode dissolver a assembleia pelo fato de se encontrar portando arma alguém que dela participa. Cabe-lhe desarmar tal pessoa ou, então, afastá-la da reunião, que prosseguirá normalmente com os demais participantes que não estejam armadas.92
Há de se atentar para o fato de que essa limitação é também uma restrição
constitucional momentânea ao porte de arma adquirido legítima e legalmente.
Ainda que o indivíduo que tome parte de uma reunião tenha o porte de arma
nos termos da Lei 10.826/0393 e de seu Decreto regulamentador,94 esta pessoa
não poderá portá-la durante a realização do evento. Aliás, essa parece ser a
mens legis do texto constitucional. Não faria sentido a Constituição vetar de
comparecer armadas em uma reunião as pessoas que já não poderiam portá-
las em uma situação trivial. Por isso, afirma-se que, no atinente às armas de
fogo, o objetivo seria proibir de comparecer armadas em reuniões exatamente
as pessoas que possuem o porte da arma de fogo. Assim, nas manifestações
de militares, policiais ou demais classes que detenham o porte de arma, esses
não poderão levar consigo o armamento durante a reunião,95 nem mesmo de
maneira velada.
Como já mencionado, a expressão “sem armas” se refere tanto a armas de
fogo como a armas brancas. Assim, uma foice ou uma faca, apesar de serem
instrumentos de trabalho no campo ou em um açougue, respectivamente,
podem ser consideradas armas brancas, pois, em uma manifestação por certo
não serão utilizadas para a finalidade para a qual foram criadas. Sobre esse
91 FERREIRA, 1989, p. 142. 92 MELLO FILHO, 1984, p. 365. 93 BRASIL. Presidência da República, 2003. 94 BRASIL. Presidência da República, 2004. 95 Verifica-se que essa interpretação encontra fundamento na própria leitura lógico-literal do inciso XVI, art. 5º da CRFB/88, bem como na proibição ao uso de armas de fogo em eventos com aglomerações de pessoas disciplinados pela Lei n. 10.826/03 e a norma que a regulamenta, o Decreto n. 5.123/04.
45
ponto, podemos mencionar o que Ascención Perales discorre acerca da
Constituição espanhola. Nesta também há a previsão de que a manifestação
ocorra sem armas, e, para a autora, o termo não deve ser entendido em
sentido estrito:
Com relação ao termo “sem armas” [...] entende-se que o termo deve ser compreendido não somente no sentido estrito, mas também qualquer instrumento que possa ser utilizado como tal (taco de beisebol ou guarda-chuvas quando não tenham como finalidade a que lhe seja própria, isto é, proteger da chuva).96
Dessa forma, por ter uma redação idêntica ao direito brasileiro, o argumento
apontado por Perales, relativo às armas brancas, também encontra
fundamento em nosso sistema jurídico. Assim, objetos para a prática de
esportes como bastões ou outros elementos como produtos químicos, que, se
desvirtuados de sua finalidade podem ser utilizados como meio de agressão,
também estão proibidos97.
Peculiar é a regulamentação do direito de reunião em Portugal, em que o artigo
8º do Decreto-Lei que regulamenta as reuniões em terras lusitanas determina:
Art. 8º - 1. As pessoas que forem surpreendidas armadas em reuniões, comícios, manifestações ou desfiles em lugares públicos ou abertos ao público incorrerão nas penalidades do crime de desobediência, independente de outras sanções que caibam no caso. 2. Os promotores deverão pedir as armas aos portadores delas e entregá-las às autoridades.98
Percebe-se, desse modo, que a norma atribui ao organizador do evento a
responsabilidade de desarmar as pessoas armadas que compareçam às
reuniões. Nesse caso, tal situação não se aplica ao direito brasileiro, tendo sido
demonstrado apenas para efeitos comparativos.
96 Con relación al término “sin armas”, en buena medida unido a la primera exigencia, se entiende que hay que comprender en él no sólo las armas en sentido estricto sino también cualquier instrumento que pueda ser utilizado como tal (bates de béisbol o paraguas cuando no tengan como finalidad la que les es propia, esto es proteger de la lluvia). (PERALES, 2003. Tradução livre do autor). 97 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 489. 98 PORTUGAL, 1974.
46
5.1.4 Locais Abertos ao Público
A expressão “em locais abertos ao público” quer dizer que todo cidadão tem o
direito de se reunir até mesmo em locais abertos ao público. De forma alguma
pretendeu o legislador proibir os protestos em locais privados. Ocorre que a
disciplina das reuniões em locais privados é diversa,99 não precisando sequer
obedecer o previsto no inc. XVI, art. 5º, da CRFB. Não é que as reuniões em
locais fechados prescindam de limites ou regras, ocorre que as regras são
diversas. O ministro Gilmar Mendes100 pontua que mesmo em locais fechados
o direito de reunião pode exigir regulamentação. O exemplo citado pelo
magistrado é o de igrejas que em virtude do volume do som podem prejudicar o
direito ao descanso da comunidade vizinha ao templo.
No tocante aos locais para se realizarem as reuniões, a história do direito de
reunião no Brasil demonstra que as constituições de 1934, 1946 e 1967
permitiam ao poder público designar o local das manifestações, sendo que as
duas primeiras faziam a ressalva de que, ao designar o local, não poderia a
autoridade frustrar ou impossibilitar o direito de reunião.
Ante o dispositivo constitucional vigente, está revogado tacitamente101 o artigo
3º da Lei 1.207/50102 que permite que o poder público defina quais as praças
poderiam ser destinadas ao exercício do direito de reunião.
Devemos pontuar também a distinção entre “locais abertos ao público” e
“lugares públicos”. Por certo, a residência oficial do presidente da República, o
Palácio da Alvorada, que é um bem público, não é de livre acesso. Apesar de
ser um bem público, não é aberto ao público. O mesmo ocorre com qualquer
outro bem público, tais como prédios, edifícios e parques. Uma manifestação,
e.g., em edifício que funcione órgão estatal deve obedecer às regras de direito
99 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 489. 100 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 400. 101 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 490. 102 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1950.
47
administrativo, logo, não seria ilegítima a exigência de uma autorização do
responsável pelas instalações físicas ou de um permissivo legal. Tavares
afirma que “isso é assim não porque a liberdade de reunião em si dependa de
autorização (ou licença), mas justamente por se tratar da incidência de regime
administrativo próprio para a espécie (uso de prédio público com destinação
específica)”.103
De forma idêntica, as manifestações públicas em locais abertos ao público que
possuem normas para a entrada ou permanência como, por exemplo, os
parques municipais, que são fechados em determinados horários, também
devem obedecer a tal regramento.
Como exemplo de lei que assegura o direito de se manifestar dentro das
repartições em que se trabalha, cita-se a norma soteropolitana. Em Salvador, a
Lei Orgânica104 do município garante ao funcionário público o direito de fazer
reuniões nos próprios locais de trabalho.
5.1.5 Independente de Autorização
O termo “independente de autorização” previsto no inciso XVI, art. 5º, não é,
propriamente uma relativização do direito de reunião. Trata-se em verdade de
uma garantia de que o Poder Público não pode analisar o mérito de se o
evento deve acontecer ou não. Essa expressão se faz de extrema importância
tendo em vista o histórico do direito de reunião no país
No que tange aos limites de atuação da autoridade, percebe-se no dispositivo
constitucional que o texto “veda atribuição às autoridades públicas para análise
da conveniência ou não de sua realização, impedindo as interferências nas
reuniões pacíficas e lícitas em que não haja lesão ou perturbação da ordem
103 TAVARES, 2009, p. 618. 104 Art. 124. São direitos dos servidores públicos, além dos previstos na Constituição Federal: [...] XXXVIII - é assegurado aos servidores públicos e às suas entidades representativas o direito de reunião nos locais de trabalho em comum acordo com a administração. (SALVADOR, 2012).
48
pública”.105 Interessante atentar para o fato de que no ordenamento anterior à
CRFB o quadro era um pouco distinto, pois, segundo a Lei n. 1.207/50,106 que
regulamentava o direito de reunião, a autoridade policial poderia de ofício
suspender ou impedir em algumas circunstâncias o direito de reunião, bem
como definia anualmente os lugares possíveis para o exercício desse direito
em lugares públicos.
Maria Fernanda Salcedo Repolês107 lembra um emblemático precedente
brasileiro sobre o Direito de Reunião. No Habeas Corpus 936 de 1897, discutiu-
se a liberdade de reunião e expressão do Centro Monarquista de São Paulo
que foi fechado pela polícia. A discussão chegou ao Supremo Tribunal Federal
que manteve a decisão do chefe de Polícia de São Paulo, ao argumento de
que “o Centro não poderia ser amparado pela liberdade de reunião, pois
tratava-se de associação foco de perigosas ações contra a existência e a
segurança dos poderes instituídos.”108
Dessa forma, é notório que a Assembleia Nacional Constituinte que elaborou a
Constituição de 1988 preocupou-se em estatuir um direito com amplos limites
para seu exercício, impedindo a discricionariedade administrativa acerca da
conveniência ou oportunidade da reunião.
5.1.6 Não Frustrar Outra Reunião Anteriormente Convocada
No que tange à interseção entre reuniões, cabe salientar que a vedação
normativa é pertinente quando a ocorrência de uma reunião frustrar a outra, ou
seja, inviabilizá-la ou dificultá-la. Assim, a título de exemplo, se uma praça
comportar duas reuniões não conflitantes entre si, os eventos poderão
acontecer simultaneamente. Se não houver motivos fáticos para que o ato
político ocorra, logo, não há fundamentos jurídicos que proíbam sua não
105 MORAES, 2006, p. 68. 106 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1950. 107 REPOLÊS, 2008, p. 89-91. 108 REPOLÊS, 2008, p. 90.
49
realização. Entretanto, se for inviável a ocorrência de duas ou mais reuniões de
forma harmônica, deverá ser priorizada a que tenha sido convocada109 ou
marcada precedentemente. Na hipótese de conflito, para se descobrir qual dos
atos públicos foi agendado de forma precedente, por lisura e transparência,
sugere-se que seja levada em consideração a data do aviso ao poder público,
confirmado pelo protocolo fornecido pela Administração. Se assim não ocorrer,
a restrição de uma das reuniões poderá ensejar favorecimentos ilegítimos a um
dos grupos por parte dos agentes do Estado.
Entretanto, existem doutrinadores que argumentam que, se marcada em um
mesmo local e horário, a segunda reunião deve ser reagendada:
Assim, desde que os promotores de uma reunião avisem à autoridade de sua realização, se outra entidade comunicar que pretende realizar uma reunião no mesmo local, cabe a autoridade impedir a sua realização para evitar possíveis confrontos. Indicará a autoridade outro local ou locais para que então seja realizada a reunião não ocorrendo destarte nenhuma frustração ao direito de reunião. Há que se ressaltar também, é claro, que a reunião no mesmo local implica também que seja no mesmo horário, pois o impedimento constitucional é a frustração de outra reunião.110
Entretanto, não parece ser essa a melhor leitura do texto constitucional. Pela
literalidade do inciso XVI, art. 5º, só pode ser considerada inconstitucional a
reunião que frustrar, ou seja, impossibilitar a ocorrência de outra.
5.1.7 Prévio Aviso
Diferentemente de autorização, a Constituição determina que haja um prévio
aviso. Como se percebe pela leitura do texto constitucional, trata-se de mera
notificação. A Constituição de 1967 inovou na história do direito de reunião
brasileiro quando estabeleceu a possibilidade de em alguns casos se exigir
uma comunicação prévia. Interessante ressaltar que, no sistema constitucional
109 MENDES; COELHO; BRANCO, 2009. p. 490. 110 FERREIRA, 1989, p. 143.
50
anterior à CRFB/88, a lei regulamentadora111 do direito de reunião determinava
que se fizesse a comunicação à autoridade policial pelo menos 24 horas antes
de sua realização. Atualmente a Constituição estabelece apenas um “prévio
aviso”. Se analisada a literalidade do texto, bastaria um aviso que ocorresse
antes da realização do evento, ainda que segundos antes do evento se iniciar,
para se garantir a constitucionalidade das reuniões. Porém, não se pode deixar
de pensar a norma dentro dos princípios do Direito, dentre eles o da
razoabilidade. Assim, há que se ter em mente que o lapso temporal entre o
aviso e o início da reunião dever ser suficiente para que o poder público tome
as medidas necessárias para que a reunião ocorra de forma segura para todos.
Caso contrário, o poder público pode, em tese, em casos devidamente
justificados, frustrar a ocorrência do evento ou comunicar o fato ao Ministério
Público para adoção de medidas cabíveis em ralação à organização do evento.
A necessidade do aviso à autoridade não é de somenos importância, pois,
“sem a comprovação de que houve a devida comunicação às autoridades
públicas, não se caracteriza a reunião como livre, podendo nela intervir a
polícia”,112 consoante a lição de André Ramos Tavares.
Acerca do conteúdo do aviso, o ministro do STF Gilmar Mendes assevera:
É possível, pelo exame das funções que exerce o aviso, descobrir-lhe o conteúdo que deve apresentar. Além do lugar, do itinerário, da data e do horário de início e da duração prevista para o evento, é indispensável que o aviso indique o objetivo da reunião. Como o direito de reunião é exercido a partir da convocação de líderes ou associações (e essa convocação já é exercício do direito), cumpre também que se apontem quem são os organizadores do ato, e se informem os respectivos domicílios – não somente para que as autoridades públicas saibam com quem tratar, em caso de ajustes necessários para a realização do ato, como também para que se fixem os responsáveis civis por danos causados a terceiros, decorrentes de omissões dos organizadores da manifestação. Por isso, também, sempre que cabível, o instrumento do prévio aviso deverá especificar as medidas de segurança que a organização do
111 Lei n. 1.207, de 25 de outubro de 1950. Art. 3º, § 2º “A celebração do comício, em praça fixada para tal fim, independe da licença da polícia; mas o promotor do mesmo, pelo menos vinte e quatro horas antes da sua realização, deverá fazer a devida comunicação à autoridade policial, a fim de que esta lhe garanta, segundo a prioridade do aviso, o direito contra qualquer que no mesmo dia, hora e lugar, pretenda celebrar outro comício.” (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1950). 112 TAVARES, 2009, p. 617.
51
evento pretende adotar e quais as que sugerem sejam assumidas pelos órgãos de segurança pública. A falta do aviso prévio pode comprometer a proteção ideal dos direitos de outrem e da ordem pública; por isso, a omissão pode conduzir a que o legislador comine sanções administrativas e mesmo penais. Não parece, porém, que o descuido na satisfação desse dever seja pressuposto suficiente para que as autoridades dissolvam a reunião. A dissolução da reunião é medida apropriada aos casos extremos, em que a violência se torna iminente ou já instalada, assumindo proporções incontroláveis. Trata-se de medida derradeira, para a defesa de outros valores constitucionais e a que não se deve recorrer pela só falta do cumprimento da formalidade do anúncio com a antecedência razoável do exercício do direito de reunião113.
Sobre esse ponto, interessante é o sistema jurídico espanhol. Naquele país a
lei regulamentadora do direito de reunião determina em seu artigo 8º que a
comunicação deve ser feita entre 10 e 30 dias antes do evento. Ademais, a
própria lei regulamentadora abre espaço para as situações extraordinárias que
justifiquem a urgência na organização da reunião, nesses casos o aviso pode
ser feito em até 24 horas114 antes do início do ato. Em Portugal, por sua vez, o
Decreto-Lei 406/74,115 que regulamenta o direito de reunião, exige que a
comunicação seja por escrito e com no mínimo dois dias de antecedência. No
Chile, a norma estipula dois dias de antecedência.116
Importante frisar que esse tempo de antecedência deve servir para que o
Poder Público adote todas as medidas necessárias para a ocorrência do
evento117, seja prevendo policiais e agentes de trânsito necessários para
acompanhar e garantir o protesto, seja para fazer o devido fechamento de
avenidas e desvios de fluxo de veículos nos horários estipulados. Assim, sob a
égide do Estado Democrático de Direito a presença de policiais serve,
sobretudo, para garantir a segurança e o direito de reunião dos manifestantes
em detrimento de outros populares que pretendam frustrá-la, e não para inibir
essa garantia jurídica. Observa-se, dessa forma, que se está diante de um
dever positivo do Estado. Por esse motivo, seria importante uma norma
regulamentadora que estipulasse todas as informações que devem conter o 113 MENDES; COELHO; BRANCO, 2009. p. 491. 114 ESPAÑA, 1983. 115 PORTUGAL, 1974. 116 CHILE, 1983. 117 MAGALHÃES, 2008, p. 108.
52
prévio aviso, tal como ocorre em Espanha, Chile, Portugal, África do Sul, entre
outros países.
Cabe ainda ressaltar que no Brasil temos o fenômeno da recepção. Assim, é
possível sustentar que a Lei n. 1.207 de 1950, no que não contraria a
Constituição, ainda está em vigor apesar de ter sido criada sob a égide da
Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Se esse entendimento
estiver correto, a necessidade de se comunicar a realização de manifestações
deve ser de vinte e quatro horas, pois assim prevê o § 2º, art. 3º, da Lei.
Até mesmo a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão de
proteção dos direitos humanos da Organização dos Estados Americanos
(OEA), já se posicionou afirmando que a exigência de um aviso prévio não é
contrária ao direito de reunião. Para a Comissão:
A exigência estabelecida em algumas leis de que uma notificação prévia deve ser dada às autoridades antes de um protesto social realizado em espaços públicos é compatível com o direito de reunião, contanto que essa exigência tenha o objetivo de informar às autoridades e propiciar a elas que adotem medidas para assegurar o direito de reunião sem que este prejudique substancialmente as atividades normais do resto da comunidade ou para tornar possível que o Estado adote medidas necessárias para proteger adequadamente os participantes do protesto.118
Encerrando a discussão sobre o prévio aviso, cabe mencionar mais um parecer
de Gilmar Mendes. Para o autor e ministro, em casos extremos e devidamente
comprovados de perigo, quando a Administração receber o aviso, esta poderá
até mesmo se opor à realização da reunião.119 Por certo, essa postura deve ser
devidamente fundamentada e ainda ser sujeita ao controle do ato
administrativo.
118 The requirement established in some laws that advance notice be given to the authorities before a social protest may be held in public places is compatible with the right of assembly, as long as this requirement has the purpose of informing the authorities and allowing them to take measures to facilitate the exercise of the right without significantly disturbing the normal activities of the rest of the community, or making it possible for the State to take necessary steps to adequately protect those participating in the demonstration (INTER-AMERICAN COMISSION ON HUMAN RIGHTS, 2001, p. 52. Tradução livre do autor). 119 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 491.
53
5.1.8 Autoridade Competente
Acerca do termo “autoridade competente”, percebe-se uma abertura muito
ampla do dispositivo constitucional. A ausência de uma norma
regulamentadora que defina quem seria o órgão responsável para receber o
aviso causa certos transtornos. Assim, sugere-se que seja notificada uma
autoridade qualquer, desde que tenha pertinência temática e territorial com o
evento. Não faria sentido se notificar uma autoridade do município A para uma
reunião que ocorrerá no município B. Igualmente desprovido de razão seria o
aviso que informasse a uma autoridade com a qual não se guarda nenhuma
pertinência temática, por exemplo, um aviso feito ao Superintendente de
Relações Internacionais do Estado acerca de uma manifestação dos
funcionários municipais da educação. Contudo, deve-se ter em mente que, em
virtude da indefinição do vocábulo, forçoso é compreender de forma ampla o
termo autoridade, desde que essa tenha certo grau de legitimidade para o
caso.
Assim, para uma manifestação dentro dos limites de um determinado
município, avisar a Prefeitura Municipal, o órgão municipal de trânsito, a
unidade da Polícia Militar com responsabilidade territorial respectiva, o
Comandante do Batalhão de Choque, o Delegado de Polícia e até mesmo o
Ministério Público seriam exemplos de autoridades que poderiam ser
notificadas. Isso porque, in casu, não caberia restrição sem uma previsão legal
de qual seria a autoridade a ser informada.
No município de Belo Horizonte a Lei Municipal n. 9.845/10, Código de
Posturas de Belo Horizonte, na parte que regulamenta o uso dos logradouros
públicos, estatui que a Unidade de Choque da Polícia (Batalhão de Eventos da
Polícia Militar) seja a autoridade a ser notificada, in verbis:
Seção II – Da Passeata e da Manifestação Popular
54
Art. 58 – A realização de passeata ou manifestação popular em logradouro público é livre, desde que: I – não haja outro evento previsto para o mesmo local; II – tenha sido feita a comunicação oficial ao Executivo e ao Batalhão de Eventos da Polícia Militar de Minas Gerais, informando dia, local e natureza do evento, com, no mínimo, 24 (vinte quatros) horas de antecedência. III – não ofereça riscos à segurança pública120.
No município do Rio de Janeiro, o Decreto n. 29.881, de 18 de setembro de
2008, que “Consolida as Posturas da Cidade do Rio de Janeiro e dá outras
providências”, em seu artigo 51,121 define que as comunicações para efeitos de
passeatas e manifestações devem ser feitas às subprefeituras e à companhia
de trânsito da cidade, dispensando a notificação à polícia.
Na África do Sul, a norma regulamentadora estatui não só a autoridade, mas
também todo o procedimento a ser adotado entre o agente estatal e um
representante dos organizadores, determinando negociações prévias para
discutir assuntos atinentes à manifestação, tais como horário, trajeto e data do
evento.122
5.2 RELATIVIZAÇÕES NA CONSTITUIÇÃO, MAS FORA DO INC. XVI, ART. 5º
Em virtude de circunstâncias excepcionais tornam-se aceitáveis as
relativizações de determinados direitos havidos como fundamentais. Nesses
termos, Jorge Miranda123 lembra o exemplo do Riot Act inglês. Essa norma foi
um ato do parlamento britânico que autorizava autoridades locais a declararem
qualquer grupo de 12 ou mais pessoas ilegais. O Ato foi editado no início do
século 18 objetivando prevenir distúrbios, pois, segundo a própria norma, 120 BELO HORIZONTE, 2004. 121 Art. 51. As reuniões pacíficas, como passeatas ou manifestações, quando não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, independem de autorização formal de qualquer órgão público, bastando que sejam comunicadas, com a antecedência necessária, às Subprefeituras e às Coordenadorias Regionais da Companhia de Engenharia de Tráfego - CETRIO. (RIO DE JANEIRO, 2012). 122 SOUTH AFRICA, 1993. 123 MIRANDA, 2008, p. 381.
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diversos tumultos assolavam a ilha naquele período perturbando a paz
pública.124
Atualmente, essas situações anormais são caracterizadas pela ruptura do
equilíbrio institucional. Assim, como exemplo dessa situação, é possível
mencionar as guerras, as epidemias, as inundações, as profundas crises
econômicas, entre outras. Nesses casos a própria Constituição estipula
medidas destinadas à defesa do Estado. Para Kildare Carvalho, “as medidas
excepcionais devem ser necessárias, adequadas e proporcionais para o
restabelecimento da normalidade institucional”.125 Dessa forma, as medidas
adotadas devem se vincular a uma necessidade e serem temporárias.
Na CRFB/88 a disciplina dos períodos de crise, ou Sistema Constitucional das
Crises, compreende os Estados de Defesa, de Sítio e a intervenção federativa.
A Constituição estatui que nas hipóteses de decretação de Estado de Defesa o
direito de reunião pode sofrer constrições maiores do que em períodos de
normalidade. Destaca-se, apenas, que o decreto que instituir o período de
crise, poderá conter a restrição ou suspensão de tal direito, até mesmo no seio
de associações, in verbis:
Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou para prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza. § 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: I – restrição ao direito de: a) reunião, ainda que exercida no seio de associações [...].126
124 GUTENBERG PROJECT, 2012. 125 CARVALHO, 2009, p. 1374. 126 BRASIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988.
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Por sua vez, a disciplina do Estado de Sítio está prevista nos artigos 137 e
seguintes. Nessa hipótese, também está prevista a possibilidade de
relativização do direito de reunião. Acerca do tema, o art. 139 da Constituição
permite:
Art. 139. Na vigência do Estado de Sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: [...] IV – suspensão da liberdade de reunião.127
Assim, na própria Constituição já se depara com possíveis constrições ao
direito de reunião que, a priori, não foram elencadas no preceito que
estabelece o direito de reunião.
Destaca-se que no Sistema de Crises pode ocorrer tanto a relativização
suspensiva quanto a restritiva do direito de reunião. Na lição de Márcio Luís de
Oliveira128 na primeira, suspensiva, relativiza-se o exercício do direito de
reunião por completo, mas por período determinado, enquanto na medida
restritiva o direito pode ser exercido, contudo, de forma limitada.
5.3 LIMITES IMPLÍCITOS AO DIREITO DE REUNIÃO
Já foi demonstrado nesta pesquisa monográfica o posicionamento da doutrina
ao afirmar que os limites ao direito de reunião não se esgotam nas
relativizações somente expressas. Assim, há também a categoria que
denominamos de limites implícitos. Tal classe é deduzida logicamente, apesar
de não legislada. Nesse sentido, estudaremos as constrições ao direito de
reunião estabelecidas pela licitude dos propósitos.
127 BRASIL, PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988. 128 OLIVEIRA, 2011, p. 444.
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5.3.1 Licitude dos Propósitos
Outro desses limites implícitos apontados pela doutrina é a licitude de
propósitos. Entre os autores que entendem a licitude de propósito enquanto
limite ao direito de reunião é possível citar o magistrado mineiro Kildare
Carvalho129. Para esse autor, essa medida seria decorrente de um pressuposto
lógico, pois, se ilícito o propósito, a própria reunião seria contrária ao Direito. A
finalidade lícita, enquanto exigência para o direito de reunião, também é
apontada pelos ministros José Celso de Mello Filho130 e Gilmar Mendes,131
bem como por Wolgran Junqueira Ferreira132 e por Deborah Macedo Duprat de
Brito Pereira quando atuou como Procuradora Geral da República na inicial da
Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 187, no caso
conhecido como Marcha da Maconha.
Quando se diz que o direito de reunião deve ter objetivo lícito, não se pretende
restringir o Direito à lei. A liberdade de reunião pode contrariar uma lei e, ainda
assim, ser legítima. No Estado Democrático de Direito a antinomia entre a
autoridade da lei e a razão, não pode ser resolvida pela simples submissão
dessa àquela. A legitimidade do sistema jurídico é arquitetada sobre pilares
antropocêntricos, logo, o paradigma de validade é o próprio homem. Assim,
condutas contrárias à lei, portanto formalmente ilegais, caso lastreadas em
fundamentos constitucionais, podem ser consideradas conforme o Direito
vigente. Nessas hipóteses caracteriza-se a Desobediência civil, que são
“aquelas desobediências realizadas em respeito à Constituição e aos princípios
de justiça que nela são reconhecíveis e que a sustentam”,133 segundo o
professor Fernando Armando Ribeiro. Em trabalho sobre a desobediência civil,
a professora Maria Fernanda Salcedo Repolês ensina:
129 CARVALHO, 2009, p. 788. 130 MELLO FILHO, 1984, p. 364. 131 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 489. 132 FERREIRA, 1989, p. 142. 133 RIBEIRO, 2004, p. 217.
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A Desobediência Civil é um ato público lícito, pois, embora ilegal, não é antijurídico, ou seja, embora não preserve a legalidade do Direito, levanta uma pretensão de legitimidade do mesmo, o que o diferencia de um crime. O crime pode assumir um caráter clandestino e é sempre um ilícito e um ato antijurídico. Aquele que pratica uma desobediência civil quer que o máximo possível de pessoas o vejam transgredindo a lei injusta e que, assim, eles também sejam levados a questionar a juridicidade de uma lei.134
Assim, a licitude dos propósitos deve ser analisada em face do sistema jurídico
como um todo, e não somente pelo viés da lei positivada.
5.4 RELATIVIZAÇÕES INFRACONSTITUCIONAIS AO DIREITO DE REUNIÃO
Pelo discutido no Capítulo 4, verifica-se que, mesmo diante da omissão do
legislador constituinte no que tange a possibilidade de estatuir limites
infraconstitucionais ao exercício do direito de reunião, tal constrição encontra
fundamento no sistema jurídico, ou seja, essas restrições ocorrem “sem
qualquer autorização constitucional expressa”135. Sobre tais restrições
Canotilho136 proporciona o seguinte exemplo:
De qualquer modo, também aqui podem existir mediações restritivas. Não se compreenderia, por exemplo, que o direito de manifestação (art. 45.º, 2), embora consagrado no texto constitucional sem quaisquer restrições constitucionais directas e sem autorização de lei restritiva, não pudessem ser restringidos por lei [...]. (ex.: o direito de manifestação está sujeito aos limites da “não violência” e aos limites resultantes da necessidade de proteção do conteúdo juridicamente garantido dos direitos dos outros, como por exemplo, a liberdade de deslocação).137
134 REPOLÊS, 2003, p. 19. 135 CANOTILHO, 2003 p. 450. 136 A citação feita por Canotilho refere-se ao texto da Constituição da República Portuguesa, na qual se lê: “Art. 45.º (Direito de Reunião e de Manifestação) 1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares aberto ao público, sem a necessidade de qualquer autorização. 2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação”. (PORTUGAL, 2005). 137 CANOTILHO, 2003, p. 450-451.
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Assim, se passará a analisar algumas restrições ao direito de reunião que
existem em nosso sistema, apesar das omissões da Constituição brasileira na
matéria de deveres fundamentais e concorrência de direitos.
5.4.1 Os Direitos das Demais Pessoas
Nossa Constituição se omitiu duplamente no que tange ao assunto da presente
pesquisa. A primeira negligência é alusiva aos deveres fundamentais, a outra,
é no pertinente às restrições dos direitos fundamentais. De certa forma esse
hiato dificulta a compreensão dos reais contornos do direito de reunião. Não
obstante a falha, a omissão não afeta o sistema jurídico como um todo.
Impossível pensar no direito de uma pessoa sem o correlato dever do outro de
respeitá-lo. Se há de um lado o titular do direito à propriedade, e este pode
exercê-lo nos termos legais, as demais pessoas têm o dever de respeitar esse
direito. Direito e dever são como as faces de uma mesma moeda, o direito
inexiste sem o dever das demais pessoas de observá-lo. Destarte, se um
cidadão tem o direito de locomoção, e, com lastro nele, utilizar as vias públicas,
as demais pessoas têm o dever de respeitá-lo. Se alguém tem o direito ao
trabalho ou à saúde e, para exercê-lo plenamente, depende de transporte
público para chegar ao local de serviço ou da ambulância para chegar ao
hospital, as demais pessoas têm o dever de respeitar esse direito e, em
decorrência dessa obrigação, não impedir o livre trânsito de veículos.
A esse respeito, mesmo tratados de direitos humanos já preveem como limites
aos direitos humanos os direitos das demais pessoas. É o que se pode
constatar na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São
José da Costa Rica):
Art. 32.(2) Os direitos de cada pessoa são limitados pelos direitos das demais, pela segurança de todos e pelas justas exigências do bem comum, numa sociedade democrática.138
138 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1992.
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No mesmo sentido o Art. 21 do Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos estabelece o direito de reunião como direito fundamental com a
seguinte redação:
Art. 21. O direito de reunião pacífica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde pública ou os direitos e as liberdades das pessoas.139
O direito das demais pessoas caracteriza uma relativização infraconstitucional
ao direito de reunião em virtude de que o Brasil é signatário de ambas as
normas convencionais mencionadas – Pacto de São José e Pacto Internacional
dos Direitos Civis e Políticos. E, consoante jurisprudência do STF140, os
tratados que versem sobre direitos humanos, não aprovados com quórum
qualificado, têm valor supralegal no sistema jurídico brasileiro.
Exemplo já discutido em jurisprudência brasileira é o uso de aparelho de som
perto de hospitais, hipótese na qual o direito à saúde prevaleceria. Em seu voto
na ADI n. 1.969, o ministro Ricardo Lewandowski exemplifica que nas
hipóteses de manifestações públicas com carros de som próximos a hospitais
seria aceitável a relativização do direito. Para o ministro, “numa situação como
essa, a restrição do uso de carros, aparelhos e objetos sonoros mostrar-se-ia
perfeitamente razoável”.141
No mesmo sentido o Advogado-Geral da União se posicionou: “a utilização de
aparelhos sonoros por certo período de tempo, bem como a limitação parcial
de acesso a determinadas vias não ensejam restrições ao exercício de
139 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1966. 140 A Emenda Constitucional 45/2004 inseriu o § 3º, no art. 5º da Constituição, disciplinando que os tratados aprovados com quorum qualificado têm natureza de Emenda Constitucional. Por sua vez, no RE 466.343-SP o STF reconheceu o valor supralegal dos tratados de Direitos Humanos não aprovados com quórum qualificado. 141 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 378.
61
legítimos direitos públicos subjetivos”.142 A questão dos ruídos decorrentes da
reunião comportam restrições mesmo em locais privados, caso prejudiquem o
livre gozo de direitos de terceiros, conforme já debatido outrora.
Precisamente na temática dos conflitos de direitos, eleva-se a importância de
reconhecer o conflito ou eficácia horizontal dos direitos humanos apresentada
neste trabalho. A discussão do conflito de direitos vem acompanhada da teoria
acerca dos deveres fundamentais, também já discutida. Verifica-se, em suma,
que ao direito fundamental de um cidadão corresponde um deve para toda a
sociedade143, em verdade, um dever fundamental. Assim, para o caso em
epígrafe, toda a sociedade deve respeitar a garantia de manifestação. Em
contrapartida, os demais cidadãos também possuem direitos como o de
locomoção, à saúde, à educação, ao trabalho, entre outros, que se encontram
em uma relação conflitual – concorrência – constante com o direito de reunião
e, ainda assim, precisam ser garantidos.
A questão atinente ao direito de reunião exercido em avenidas e ruas das
grandes cidades ainda tem outra peculiaridade: o da mobilidade urbana.
Aumenta-se a cada dia o número de veículos em circulação e, paralelo a esse
crescimento, cresce também o número de reivindicações políticas que obstam
o trânsito de veículos nas regiões de acentuada urbanização.
Essa preocupação também foi demonstrada pelos juristas Evandro Guerra e
Hebert Lourdes:
A questão preponderante é que a legitimidade do propósito dos movimentos não pode confrontar com o bem-estar dos componentes da comunidade [...] Primeiramente, no que diz respeito ao local em que são realizadas as concentrações: no centro da cidade, nas principais vias de acesso, interrompendo total ou parcialmente o trânsito em horários e dias que conhecidamente já trazem um maior volume de veículos [...] As vias escolhidas para as passeatas, que são reuniões em movimento, são sempre as principais da área central. [...] O acesso as vias públicas, por parte de pessoas que optam por não participar das manifestações, fica impedido, a
142 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 381. 143 SOARES, 2002, p. 141.
62
liberdade de trabalho tolhida, a economia prejudicada. Muitos circunstantes, a quem não é dado o direito de escolher o que ouvir ou onde ir, se sentem agredidos pela imposição dos manifestantes. Não é difícil imaginar quantos compromissos profissionais, pessoais, econômicos e financeiros ficam comprometidos em face desses movimentos144.
Para melhor estudar a questão, podem ser analisados alguns dados. Segundo
o Departamento Nacional de Trânsito (DENATRAN),145 o município de Belo
Horizonte possuía em 2001, 706.480 (setecentos e seis mil, quatro centos e
oitenta) veículos registrados. Dez anos mais tarde, em dezembro de 2011, o
mesmo município chegou aos 1.438.723 veículos (um milhão, quatrocentos e
trinta e oito mil, setecentos e vinte e três veículos), um número 103,65% maior.
Aumento semelhante aconteceu nas demais cidades da Região
Metropolitana,146 aumentou-se o número de pessoas e linhas de ônibus.
Enquanto isso, as vias urbanas continuam praticamente as mesmas, sobretudo
no centro da cidade, local onde, via de regra, acontecem as manifestações.
Também à guisa de ilustração, pode-se verificar em relatório de unidade de
trânsito que, no primeiro semestre de 2009, apenas no município de Belo
Horizonte, os militares do Batalhão de Polícia de Trânsito (BPTran)
acompanharam 66 (sessenta e seis) manifestações em vias públicas.147
Desconsiderando-se feriados e finais de semana e, ainda, levando em conta o
que os estatísticos denominam cifra negra,148 constata-se um grande número
de protestos que se utilizam das pistas de rolamento.
A relativização do direito de reunião e a concorrência desse direito com a
liberdade de ir e vir das demais pessoas, também aflora quando se analisa o 144 GUERRA; LOURDES, 2007, p.30. 145 BRASIL. DENATRAN, 2012. 146 BRASIL. DENATRAN, 2012. 147 MINAS GERAIS. Polícia Militar, 2009. 148 In casu, entende-se por cifra negra as manifestações em logradouros públicos que não foram acompanhadas por militares do BPTran bem como as que ocorreram, foram acompanhadas pelos militares, mas não foram registradas por militar do BPTran mas por militar de outra unidade ou, ainda, sequer foram registradas pela Polícia Militar. Na Defesa Social no Brasil as cifras negras costumam ser tão altas que para analisar a criminalidade, sociólogos se valem apenas do evento homicídio para avaliar objetivamente a segurança de determinada região. Isso porque, o número de homicídios registrados é mais próximo ao número de homicídios verdadeiramente ocorrido.
63
tema sobe o viés do Direito de Trânsito. Contudo, tal confluência será
analisada adiante, quando forem analisados alguns preceitos do Código de
Trânsito Brasileiro.
Por ora, é preciso ter em mente que o direito de reunião também encontra
limites em todo acervo jurídico de direitos e garantias dos cidadãos. Na
hipótese, verifica-se circunstância na qual os direitos fundamentais dos
cidadãos se colidem e se interpenetram e, por isso, precisam ser
harmonizados.
5.4.2 Direito Eleitoral
A Lei 9.504/97 ao estabelecer normas para as eleições também relativiza a
garantia fundamental de reunião.
No caput do art. 39 da mencionada lei constata-se que: “A realização de
qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recinto aberto ou
fechado, não depende de licença da polícia”149. Assim, verifica-se que nesse
preceito legal há somente a reiteração do disposto na Constituição, ou seja,
deixando claro que não compete ao poder público deliberar, no âmbito da
discricionariedade, se concederá ou não a autorização. Desse modo, a
ocorrência do ato político-eleitoral não passa pelo crivo decisório da
Administração.
Por sua vez, o § 1º do art. 39 estipula:
O candidato, partido ou coligação promotora do ato fará a devida comunicação à autoridade policial em, no mínimo, vinte e quatro horas antes de sua realização, a fim de que esta lhe garanta, segundo a prioridade do aviso, o direito contra quem tencione usar o local no mesmo dia e horário.150
149 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b. 150 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b.
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Destarte, apesar de a Constituição fazer menção ao mero “prévio aviso”, sem
definir a antecedência da informação, para as questões de pleitos eleitorais a
Lei 9.504/97 exige que a notificação à autoridade competente seja, no mínimo,
de 24 horas antes da realização do ato. Além disso, a lei também faz alusão à
autoridade policial, estabelecendo que ao menos uma autoridade policial deva
ser avisada.
Já o § 2º do mesmo artigo apenas estabelece deveres à autoridade policial,
posto que pela norma “a autoridade policial tomará as providências necessárias
à garantia da realização do ato e ao funcionamento do tráfego e dos serviços
públicos que o evento possa afetar”.151 Assim, cria a obrigação positiva para a
autoridade policial, extrapolando-se, dessa forma, o mero dever de não
intervenção. Destaca-se que, em virtude da atribuição exigida da autoridade
policial, verifica-se ser atividade para a qual é competente a força pública, ou
seja, a polícia ostensiva. Não se pode, portanto, exigir da autoridade de polícia
judiciária que adote as providências mencionadas. Em decorrência disso, pode
se entender também que a notificação tenha que ser feita a essa autoridade, o
que força compreender que a comunicação do § 1º, do art. 39, deva ser feita à
Polícia Militar.
O § 3°, do art. 39, também apresenta algumas restrições. Estipula o preceito
que a utilização de certos equipamentos em manifestações deve estar restrita
ao horário compreendido entre 8 e 22 horas e, ainda, mantendo certa distância
de alguns tipos de prédios. A literalidade da norma dispõe:
§ 3º O funcionamento de alto-falantes ou amplificadores de som, ressalvada a hipótese contemplada no parágrafo seguinte, somente é permitido entre as oito e as vinte e duas horas, sendo vedados a instalação e o uso daqueles equipamentos em distância inferior a duzentos metros: I - das sedes dos Poderes Executivo e Legislativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, das sedes dos Tribunais Judiciais, e dos quartéis e outros estabelecimentos militares; II - dos hospitais e casas de saúde;
151 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b.
65
III - das escolas, bibliotecas públicas, igrejas e teatros, quando em funcionamento.152
No que tange à utilização de aparelhos fixos, a Lei 9.504/97 também apresenta
restrições. No § 4o do art. 39 está expresso que “a realização de comícios e a
utilização de aparelhagem de sonorização fixa são permitidas no horário
compreendido entre as 8 (oito) e as 24 (vinte e quatro) horas“.153
Situação bem mais gravosa é a promoção de comício ou carreata, ou ainda, a
utilização de alto-falante e amplificadores de som no dia da eleição. Para essas
situações a Lei 9.504/97 estabelece:
§ 5º. Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviço à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR: I – o uso de alto-falantes e amplificadores de som ou a promoção de comício ou carreata [...];154
Dessa forma, verifica-se que, além de serem proibidas, tais condutas,
caracterizam um tipo penal se ocorrerem em dia de eleição. A sanção ao crime
comporta multa, pena acessória de prestação de serviço ou até mesmo pena
privativa de liberdade.
Por sua vez, carreatas e passeatas são permitidas até as 22 horas do dia que
antecede a eleição, consoante § 9° do mesmo artigo 39: “Até as vinte e duas
horas do dia que antecede a eleição, serão permitidos distribuição de material
gráfico, caminhada, carreata, passeata ou carro de som que transite pela
cidade divulgando jingles ou mensagens de candidatos.”
As manifestações coletivas e até mesmo as aglomerações de pessoas nos dias
de pleito eleitoral também possuem outras restrições. O art. 39-A em seu caput
e § 1° define:
152 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b. 153 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b. 154 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b.
66
Art. 39-A. É permitida, no dia das eleições, a manifestação individual e silenciosa da preferência do eleitor por partido político, coligação ou candidato, revelada exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dísticos e adesivos. § 1º É vedada, no dia do pleito, até o término do horário de votação, a aglomeração de pessoas portando vestuário padronizado, bem como os instrumentos de propaganda referidos no caput, de modo a caracterizar manifestação coletiva, com ou sem utilização de veículos.155
Ante todo o exposto, percebe que o direito de reunião previsto no inciso XVI
art. 5° possui diversas relativizações no que tange às eleições, conforme
preconiza a Lei 9.504 de 30 setembro de 1997.
5.4.3 Direito Militar
Ao estudar as relativizações dos direitos fundamentais, o constitucionalista
Jorge Miranda faz alusão a um outro binômio de classificação das restrições:
restrições comuns a todas as pessoas e restrições particulares, ou seja,
restrições que só afetam direitos em relação a certas categorias de pessoas.156
Dentre essas restrições particulares ou específicas, que só afetam
determinadas categorias de pessoas, verificam-se no sistema jurídico brasileiro
as dispostas no “Direito da Caserna”157.
Embora muitas vezes negligenciado quando se discute o direito de reunião, no
Direito Militar também encontramos relativizações a esse direito fundamental.
Mais especificamente, a constrição a essa liberdade pública está presente no
Código Penal Militar (CPM), Decreto-Lei n. 1.001/69. Nesse diploma criminal,
encontra-se o tipo penal do Motim:
Motim Art. 149. Reunirem-se os militares ou assemelhados: I – agindo contra a ordem recebida de superior, ou negando a cumpri-la;
155 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997b. 156 MIRANDA, 2000, p. 369. 157 Caserna é a habitação ou alojamento de militares dentro do quartel. Para efeitos do presente trabalho, entenda-se Direito da Caserna como sinônimo de Direito Militar.
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II – recusando obediência a superior, quando estejam agindo sem ordem ou praticando violência; III – assentindo em recusa conjunta de obediência, ou em resistência ou violência, em comum, contra superior; IV – Ocupando quartel, fortaleza, arsenal, fábrica ou estabelecimento militar, ou dependência de qualquer deles, hangar, aeródromo ou aeronave, navio ou viatura militar, ou utilizando de qualquer daqueles locais ou meios de transporte, para ação militar, ou prática de violência, em desobediência a ordem superior ou em detrimento da ordem ou da disciplina militar: Pena – reclusão, de quatro a oito anos, com aumento de um terço para os cabeças.158
Pelo exposto, percebe-se que o legislador definiu alguns limites ao direito de
reunião dos militares (e.g, reunir agindo contra ordem recebida de superior) e
os criminalizou, bem como definiu como crime militar condutas que já poderiam
ser penalizadas segundo o Código Penal comum (e.g., a prática de violência
durante a reunião pode ser tipificada como vias de fato, lesão corporal ou outro
tipo normativo, conforme o caso concreto).
Além do Motim (art. 149, do CPM) se têm também a Revolta159 (art. 149,
parágrafo único, do CPM) que ocorre quando o motim é realizado por agentes
armados; o crime de Organização de Grupo para a Prática de Violência (art.
150, do CPM), que ocorre quando “reunirem-se dois ou mais militares ou
assemelhados, com armamento ou material bélico, de propriedade militar,
praticando violência à pessoa ou à coisa pública ou particular em lugar sujeito
ou não à administração militar”;160 e, entre outros, destaca-se o crime de
Omissão de Lealdade161 (art. 151, CPM), que trata da situação na qual o militar
tem conhecimento de reuniões ilegais, mais especificamente motim ou revolta,
e deixa de levar tal fato ao conhecimento do superior hierárquico.
Assim, alguns dispositivos previstos no Código Penal Militar também
configuram constrições ao direito fundamental de reunião, contudo, apenas
limitam o exercício do direito de reunião dos militares. Enquanto no contexto da
iniciativa privada os funcionários de determinada empresa podem se reunir 158 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1969. 159 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1969. 160 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1969. 161 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1969.
68
contra a ordem de um superior, os militares não possuem esse direito por
expressa vedação legal. No âmbito civil ou administrativo comum poderia a
ação até ter repercussões cíveis ou administrativas, conforme o caso. Para os
militares, trata-se de autêntica relativização do direito fundamental de reunião,
inclusive criminalizada.
Poderia ser aventada a possibilidade de esses dispositivos do CPM não terem
sido recepcionados pela Constituição quando confrontados com o inciso XVI,
art. 5º. Contudo, ante o apresentado até o momento acerca da dogmática de
relativização dos direitos fundamentais, acredita-se que a interpretação
sistêmica do direito de reunião previsto na Constituição com lastro nos
princípios constitucionais das Instituições militares não impede a incidência do
Código Penal castrense. Ademais, a própria Constituição no art. 140 elege a
hierarquia e a disciplina como fundamentos das organizações militares.
5.4.4 Código de Trânsito Brasileiro
Uma das questões mais delicadas a se enfrentar quando se analisa o direito de
reunião no Brasil é seu conflito aparente com as leis que regulam o trânsito no
território brasileiro.
Assim como acontece no Direito Eleitoral e no Direito Militar, o Código de
Trânsito Brasileiro (CTB) também apresenta reservas ao direito de reunião. A
Lei 9.503 define em seu art. 1º que “o trânsito de qualquer natureza nas vias
terrestres do território nacional, abertas à circulação” é regulado pelo próprio
Código de Trânsito. Além disso, o § 1º da mesma norma define que “considera-
se trânsito a utilização de vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em
grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e
operação de carga e descarga”. Assim, verifica-se que o deslocamento de um
grupo de pessoas nas vias de circulação também é regulado pelo próprio CTB.
69
No intuito de definir como deve ser feito o deslocamento de pedestre nas vias
públicas, temos o art. 68, que dispõe:
Art. 68. É assegurado ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais para a circulação, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte da calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de pedestre. [...] § 2º Nas áreas urbanas, quando não houver passeios ou quando não for possível a utilização dele, a circulação de pedestres, na pista de rolamento, será feita com prioridade sobre os veículos, pelos bordos da pista, em fila única, em sentido contrário ao deslocamento de veículos, exceto em locais proibidos pela sinalização e nas situações em que a segurança ficar comprometida.162
Assim, verifica-se que somente em situações excepcionais o Código de
Trânsito assegura ao pedestre a utilização das faixas de rolamento. E, quando
o faz, ainda assegura que terá prioridade sobre os veículos. Trata-se, segundo
as letras da lei, de medida esporádica o trânsito de pedestre fora dos passeios.
Também em seu Capítulo VIII, que aborda a engenharia de tráfego, operação,
fiscalização e policiamento ostensivo de trânsito, o CTB emana luzes sobre o
tema. Nesta seara a Lei 9.503 disciplina os eventos em via pública que possam
perturbar a livre circulação de veículos e pedestres:
Art. 95. Nenhuma obra ou evento que possa perturbar ou interromper a livre circulação de veículos e pedestres, ou colocar em risco sua segurança, será iniciada sem permissão prévia do órgão ou entidade de trânsito com circunscrição sobre a via.163
Constata-se com o art. 95 que qualquer evento que obste o livre fluxo de
veículos e pedestres depende de autorização do órgão ou entidade com a
circunscrição sobre a via. Além desse dispositivo, entre os ilícitos
administrativos definidos pelo mesmo Código, também é possível se deparar
com o seguinte preceito:
Art. 254. É proibido ao pedestre:
162 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997a. 163 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997a.
70
I – permanecer ou andar nas pistas de rolamento, exceto para cruzá-las onde for permitido; II – cruzar pistas de rolamento nos viadutos, pontes, ou túneis, salvo onde exista permissão; III – atravessar a via dentro das áreas de cruzamento, salvo quando houver sinalização para esse fim; IV – utilizar-se da via em agrupamentos capazes de perturbar o trânsito, ou para a prática de qualquer folguedo, esporte, desfiles e similares, salvo em casos especiais e com a devida licença da autoridade competente; V – andar fora da faixa própria, passarela, passagem aérea ou subterrânea; VI – desobedecer à sinalização de trânsito específica [...]164;
Pela literalidade da norma, percebe-se que o legislador definiu como ilícita a
interferência no tráfego de veículos, seja pelos prejuízos ao trânsito, seja pela
segurança dos transeuntes ou dos ocupantes dos veículos, sendo que, para
realizar eventos que de alguma forma obstruam a livre circulação de veículos
exige-se a devida licença do competente legal.165
Ante os dispositivos do Código de Trânsito Brasileiro analisados, são possíveis
três interpretações.
A primeira seria o reconhecimento de inconstitucionalidade de todos esses
preceitos do CTB por afrontarem o direito fundamental de reunião, sobretudo a
exigência de licença para utilizar as vias públicas. Isso, por certo, na medida
em que colidirem com o direito de reunião.
O segundo entendimento seria o oposto. Ou seja, como já demonstrado,
apesar da omissão do legislador constituinte, leis infraconstitucionais podem
relativizar o direito de reunião. Assim, as manifestações e os protestos públicos
são garantidos, mas não poderiam acontecer nas faixas de rolamento. Logo,
apenas em locais não regulados pelo CTB, tais como praças, passeios e
parques, é que não se exigiria a autorização. As passeatas e marchas nas vias
de rolamento poderiam acontecer, desde que tivessem a licença do órgão ou
164 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1997a.. 165 Via de regra, a autoridade competente será o Município, nos termos do artigo 24 do CTB.
71
entidade com circunscrição sobre a via conforme exigido pelo art. 95 do Código
de Trânsito.
Uma terceira hipótese, mediana entre as outras duas, seria a que tentasse
conciliar ambos os preceitos, a circulação de veículos e pedestres, ainda que
mitigada, e os protestos nas pistas de rolamento. Nessa terceira opção, tanto o
direito de ir e vir quanto o direito de reunião comportariam certa carga de
restrição recíproca, sobre o prisma do princípio da proporcionalidade.
Demonstrando a aplicação do princípio em contextos de antinomia, Paulo
Bonavides afirma:
Uma das aplicações mais proveitosas contidas potencialmente no princípio da proporcionalidade é aquela que o faz instrumento de interpretação toda vez que ocorrem antagonismos entre direitos fundamentais e se busca desde aí solução conciliatória, para a qual o princípio é indubitavelmente apropriado. [...] situações concretas onde bens jurídicos, igualmente habilitados a uma proteção do ordenamento jurídico se acham em antinomia, têm revelado a importância do uso do princípio da proporcionalidade.166
Aliás, o STF tem utilizado o princípio da proporcionalidade em sua
jurisprudência relativa ao direito de reunião. Comparando dois julgados
emblemáticos sobre o assunto, Rodrigo Nitrini167 afirma que o Supremo
Tribunal Federal tem aplicado o princípio da proporcionalidade em uma
perspectiva mais substancial. O autor chega a tal conclusão ao analisar o
Mandado de Segurança (MS) n. 20.258/81, no qual estava em pauta a reunião
de professores que pretendiam acompanhar uma votação no Congresso e a
Ação Direta de Inconstitucionalidade 1969-4/99, na qual se discutia a já
mencionada regulamentação do direito de reunião feita no Distrito Federal.
Segundo Nitrini, a regra da proporcionalidade meramente formal tem dado
lugar a uma ponderação proporcional que prestigia as normas de direito
fundamental, sendo que, tal mudança reflete “uma democracia institucional
cada vez mais consolidada”.168
166 BONAVIDES, 2008, p. 425. 167 NITRINI, 2002. 168 NITRINI, 2002.
72
Assim, apenas diante do contexto fático, no qual os valores e princípios
envolvidos podem ser analisados, poderia se afirmar em que razão seriam os
direitos relativizados. Nesse sentido, vários elementos contribuiriam para a
relativização proporcional do direito de reunião: a quantidade de pessoas
presentes na passeata, a avenida escolhida, o horário do evento, o transtorno
gerado pela manifestação; esses e outros elementos demonstrariam a
proporção da medida restritiva. Entretanto, nessa última hipótese, surgiria uma
outra discussão acerca de qual seria a autoridade competente para ponderar a
proporcionalidade.
Demonstrado o problema, evidencia-se outra vez mais a necessidade de se
regulamentar a matéria ou, então, jurisprudência do STF que enfrente o conflito
do CTB com o direito de reunião.
Sobre essa concorrência de direitos a posição da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos é bastante ilustrativa. Segundo a CIDH:
Em sociedades democráticas, o espaço urbano não se presta somente à circulação, mas também é um espaço para a participação. Assim, os Estados devem garantir, e não obstruir o direito de manifestantes de se reunirem em lugares públicos e privados e ainda nos lugares de trabalho169.
Assim, verifica-se que para esse órgão da Organização dos Estados
Americanos (OEA), a utilidade das vias públicas vai além do ir e vir de pessoas
e veículos.
5.4.5 Direito Criminal
Os tipos penais são, em sua essência, normas que relativizam os direitos e
garantias fundamentais.170 Assim, também é possível encontrar no Direito
169 In a democratic society, the urban space is not only an area not only for circulation, but also a space for participation. States must guarantee and not obstruct the right of demonstrators to meet freely both in private and in public spaces and in workplaces. (INTER-AMERICAN COMISSION ON HUMAN RIGHTS, 2001, p. 52). 170 OLIVEIRA, 2011, p. 458.
73
Criminal comum regras que relativizam o direito de reunião. Após a tipificação
de crimes referentes aos meios de transportes ferroviário, marítimo, fluvial e
aéreo, se encontra o art. 262 do Código Penal, que estatui:
Art. 262. Expor a perigo outro meio de transporte público, impedir-lhe ou dificultar-lhe o funcionamento. Pena – detenção de um a dois anos. Parágrafo 1º. Se o fato resulta desastre, a pena é de reclusão, de dois a cinco anos. Parágrafo 2º. No caso de culpa, se ocorre desastre: Pena – detenção, de três meses a um ano.171
Trata-se de tipo penal misto alternativo, tendo como conduta típica expor a
perigo outro meio de transporte bem como impedir ou dificultar o
funcionamento desse. Para os fins do presente estudo, o que mais interessa é
a segunda possibilidade. Isso porque, protestos e passeatas em logradouros
públicos, por certo, podem afetar a livre circulação de ônibus, táxi, lotações,
entre outros. Assim, por exemplo, passeatas podem impedir ou dificultar o
funcionamento de transportes que sirvam ao interesse coletivo. Deve-se
ressaltar que o termo transporte público tem uma interpretação mais ampla do
que os serviços prestados diretamente pelo Estado. Nesse sentido Pierangeli
afirma que “a expressão transporte público não está a indicar um serviço
prestado com exclusividade pelo poder público, e sim abranger também o
serviço prestado pelo particular no interesse da coletividade”.172 Por certo, o
tipo incriminador em estudo exige o dolo, ainda que na modalidade eventual.
Cabe ainda ressaltar que em uma manifestação em via pública que, impedindo
ou dificultando o transporte público, resulte sinistro, e.g., o atropelamento de
alguém, tem-se, em tese, a figura qualificada desse delito constante no art. 263
do Código Penal.173
171 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1940. 172 PIERANGELI, 2007, p. 611. 173 Forma Qualificada. Art. 263. Se de qualquer dos crimes previstos nos art. 260 a 262, no caso de desastre ou sinistro, resulta lesão corporal ou morte, aplica-se o disposto no art. 258. (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1940) Formas qualificadas de crime de perigo comum. Art. 258. Se do crime doloso de perigo comum resulta lesão corporal de natureza grave, a pena privativa de liberdade é aumentada de metade; se resulta morte, é aplicada em dobro. No caso de culpa, se do fato resulta lesão corporal, a pena aumenta-se de metade; se resulta morte, aplica-se a pena cominada de
74
Acerca desse crime, cabe aludir a hipótese de acusados que, tomando parte
em movimento grevista, obstruíram a entrada e a saída de ônibus e pessoas de
empresa de transporte coletivo (TJSP, RT 720/417).174
A relativização ao direito de reunião operada pelo Direito Criminal não se
esgota na demonstrada anteriormente. Há outras situações tipificadas pelo
Código Penal que se caracterizam como autênticas relativizações às reuniões.
Como exemplo é possível citar as manifestações com carro de som que
perturbem enterro ou cerimônia funerária (art. 209 do CP) ou que perturbe ou
impeça serviço de estradas de ferro (Art. 260 do CP).
Em Portugal, há no Código Penal um crime no qual incide o cidadão que
desobedecer ordem de dispersão de reunião, in verbis:
Artigo 304º Desobediência a ordem de dispersão de reunião pública 1 - Quem não obedecer a ordem legítima de se retirar de ajuntamento ou reunião pública, dada por autoridade competente, com advertência de que a desobediência constitui crime, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias. 2 - Se o desobediente for promotor da reunião ou ajuntamento, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.175
Sobre a dispersão das reuniões, a partir do estudo do Direito Internacional,
Cees de Rover aponta que o aparato estatal só pode se valer do uso da força
para dispersar reuniões quando estas, além de ilegais, forem também
violentas.176
Continuando no confronto aparente entre o Direito Criminal e o direito de
reunião, também na Lei de Contravenções Penais (LCP) há relativizações a
essa liberdade pública. Importante destacar que a LCP, como um todo, tem tido
homicídio culposo, aumentada de 1/3 (um terço). (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1940). 174 DELMANTO et al, 2002, p. 538. 175 PORTUGAL, 2007. 176 ROVER, 2006, p. 200.
75
sua validade questionada ante o princípio da intervenção mínima177 em virtude
das condutas que tipifica. Por esse princípio, tem-se que o Estado deve
interferir minimamente na sociedade, somente o fazendo quando não possível
por outros ramos do Direito.178
Como exemplo de condutas tipificadas na LCP que relativizam as
manifestações públicas, pode-se imaginar a situação na qual alguém, durante
uma reunião (assembleia ou espetáculo público), provoque tumulto ou se porte
de modo inconveniente ou desrespeitoso; tal conduta está prevista no art. 40179
da Lei de Contravenções Penais.180 Com efeito, a doutrina majoritária entende
que a tipificação criminal da conduta é desnecessária e viola o princípio da
intervenção mínima. Sobre o tema Guilherme de Souza Nucci afirma:
A simples provocação de tumulto ou a adoção de conduta inconveniente não precisa ser considerada conduta penalmente relevante. Basta a aplicação de uma multa – como tem sido aplicado em legislações estrangeiras – invocando-se o direito de retirar, ainda que à força, o causador do tumulto do local. Entretanto, levar o caso à esfera criminal fere o princípio da intervenção mínima, podendo, inclusive, representar o cerceamento de um direito constitucional, como a liberdade de manifestação do pensamento (art. 5º, IV, CF) ou da liberdade de expressão (art. 5º, IX, CF). Se o agente desenvolver conduta mais grave (note-se que a própria contravenção se intitula subsidiária), como agredindo a honra ou a integridade física de alguém, toma-se medida de caráter penal. Sem tal prisma, não nos parece seja razoável a punição por algo pífio. Aliás, solenidade, atos oficiais, assembleias e espetáculos públicos possuem, como regra, segurança particular, apta a retirar do recinto aquele que não souber manter comportamento adequado181.
Outra restrição que também é tipificada como contravenção é a perturbação do
trabalho ou do sossego alheios, mais especificamente as condutas previstas no
art. 42,182 incisos I e III. Durante uma reunião, passeata ou qualquer outra
177 GRECO, 2004, p. 54. 178 GRECO, 2004, p. 52-53. 179 Provocação de Tumulto. Conduta inconveniente. Art. 40. Provocar tumulto ou portar-se de modo inconveniente ou desrespeitoso, em solenidade ou ato oficial, em assembleia ou espetáculo público, se o fato não constitui infração penal mais grave. Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa. (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1941). 180 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1941. 181 NUCCI, 2008, p. 185. 182 Perturbação do trabalho ou do sossego alheios. Art. 42. Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios: I – com gritaria ou algazarra; II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa,
76
modalidade de exercício do direito de reunião que se valha de equipamentos
sonoros, ou ainda, por meio de gritaria e algazarra, se perturbe o exercício do
trabalho ou o sossego de outra pessoa, caracteriza-se, em tese, a
contravenção acima. Assim, manifestações em portas de escola, hospitais,
fóruns, entre outros locais, podem chegar a incidir na figura típica descrita.
Cabe ressaltar que, assim como mencionado no comentário ao art. 40 da LCP,
também é volumosa a doutrina que entender ferir o princípio da lesividade a
tipificação penal dessa conduta.183
5.4.6 Limitações Quanto ao Conteúdo
Por mais despótico que possa parecer em um primeiro momento, há de forma
esparsa no Direito Brasileiro normas que restringem o conteúdo a ser veiculado
nas manifestações. Essas restrições poderiam estar em outros tópicos desta
monografia, tais como quando discutidos os limites implícitos ao direito de
reunião ou no item anterior, quando analisada a convergência do Direito Penal
e do direito de reunião.
Exemplos de limitação ao conteúdo veiculado nos protestos são encontrados
até mesmo no Direito Internacional. O Pacto Internacional dos Direitos Civis e
Políticos é um desses exemplos, in verbis:
Art. 20 1. Será proibida por lei qualquer propaganda em favor da guerra; 2. Será proibida por lei qualquer apologia do ódio nacional, radical, racial ou religioso que se constitua incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência184.
Assim, são proibidas as manifestações favoráveis à guerra ou que incitem a
discriminação, a hostilidade, a violência ou o ódio nacional, radical, racial ou
em desacordo com as prescrições legais; III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos; IV- provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda: Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa. (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1941). 183 NUCCI, 2008, p. 187. 184 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1966.
77
religioso. Isso, pois, o Brasil é signatário dessa convenção. Corrobora com
esse entendimento o parecer de José Luiz Quadros de Magalhães, que afirma:
A reunião pública, como direito individual fundamental, é meio de manifestação do pensamento e do exercício da liberdade de expressão, e não pode ser utilizada com finalidades contrárias aos Direitos Humanos. Dessa forma, uma reunião pública que vise à divulgação de teses racistas é ilegal, pois os participantes de tal manifestação pública cometem crime previsto na Constituição, punido com pena de reclusão nos termos da lei185.
De igual maneira, quando o legislador cria tipos penais como a injúria e a
difamação, caracterizam-se restrições à liberdade de expressão do cidadão,
restrições essas feitas de forma impessoal e abstrata. Nesses casos, ainda que
determinado cidadão queira se expressar, caso o exercício desse direito
ofenda a dignidade ou o decoro, não pode fazê-lo. No mesmo sentido,
manifestações públicas que ofendam a dignidade ou o decoro de algum
cidadão, ou ainda, imputem fato ofensivo à reputação de alguém, podem ser
questionadas juridicamente. Caracteriza-se, portanto, uma limitação quanto ao
conteúdo expresso nas manifestações públicas.
Deve-se, entretanto, atentar para o fato de que, nos casos em que o crime
exige a representação do ofendido, a persecução penal depende da
manifestação processual deste. Assim, o ofendido pode provocar o Estado
para que seja declarada a ilegalidade do ato e pleiteie a sua responsabilização.
A questão de impor limites ao conteúdo das reuniões é extremamente delicada.
Se de um lado se tem a liberdade de reunião, de outro existe a liberdade de
expressão. No crime de desacato esse debate tem tomado amplas proporções.
Enquanto nos crimes contra a honra há um limite claro ao direito de reunião,
ainda que dependente de uma manifestação do ofendido, o crime de desacato
gera mais debate. De fato, as autoridades públicas, em razão da função que
exercem, devem estar mais sujeitas às críticas do que o cidadão comum.
Perante esse argumento até mesmo a criminalização do desacato tem sido
185 MAGALHÃES, 2000, p. 108.
78
questionada. Com efeito, há interessantes estudos sobre o fenômeno da
descriminalização do desacato que tem ocorrido na América Latina; a título de
exemplo lembra-se o artigo “Abolitio Criminis do Desacato: um olhar sobre a
relação entre a autoridade pública e o particular na América Latina”.186
Nas Constituições de matriz comunista, como é típico das autocracias, eram
comuns as relativizações no conteúdo. A Constituição da extinta União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) dispunha que o direito de reunião
estava limitado aos objetivos da construção do comunismo.187 Por sua vez, a
Constituição da antiga Alemanha Oriental (República Democrática Alemã)
restringia essa liberdade à defesa dos objetivos e princípios da Constituição.188
Nos Estados Unidos as restrições que recaem sobre o conteúdo da mensagem
são inadmissíveis, sendo admitidas apenas as que recaem sobre o modo de
expressão, sobre o tempo ou sobre o lugar.189 Assim, nos Estados Unidos,
mesmo as “reuniões em que se advogam atividades ilícitas são toleradas,
contanto que a proposição não incite, não produza nem seja apta para gerar
iminente ação ilegal”.190
Outro exemplo de limitação quanto ao conteúdo que gerou grande discussão
foi a presente nos crimes de incitação e apologia, respectivamente artigos 286
e 287 do Código Penal. A incitação ao crime ocorre quando o agente “incitar,
publicamente, a prática de crime”,191 enquanto a apologia é “fazer,
publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime”.192 Não
obstante a tautologia dos tipos penais, a criminalização das condutas gerou
ainda muita divergência.
186 OLIVER; OLIVEIRA, 2009. 187 MAGALHÃES, 2000, p. 109. 188 MAGALHÃES, 2000, p. 110 e 113. 189 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 492. 190 MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 488. 191 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1940. 192 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1940.
79
A celeuma resultou em diversas decisões até mesmo contraditórias no
Judiciário. Após diversos julgados nos Tribunais de Justiça estaduais, a
Procuradoria-Geral da República levou o tema ao STF. Na controvérsia havia,
por um lado, o entendimento de que as “Marchas da Maconha” consistiam
discussão de política criminal, ou seja, representavam uma opinião contrária à
tipificação criminal da conduta do possuidor/dependente. E, por outro, a
concepção segundo a qual o manifesto a favor da descriminalização do uso da
maconha caracterizava os crimes de apologia e incitação.
Com o julgamento da ADPF n. 187, o Supremo Tribunal Federal criou nova
jurisprudência sobre o tema. Consoante a decisão da Corte, as tais marchas
que aconteciam por todo o país caracterizam o uso legítimo e legal da
liberdade de expressão e não configuram os crimes mencionados.
Essas discussões sobre o conteúdo da mensagem das manifestações públicas
têm se tornado cada dia mais problemáticas. No Brasil, brigas entre
evangélicos que protestaram na Parada Gay e a Parada do Orgulho LGBT que
teve como foco o protesto contra os cristãos em 2011 são sintomáticas da falta
de alteridade de algumas pessoas e grupos sociais. Na Sérvia, em 2010, a
Parada Gay teve que contar com a segurança feita pela Tropa de Choque para
poder acontecer e, ainda assim, resultou em quase uma centena de feridos193.
Situações como essas são encontrados rotineiramente.
Por meio dos exemplos citados, verifica-se que estabelecer balizas mais
seguras acerca do direito de reunião se demonstra extremamente necessário.
Assim, passa-se a discutir tal questão.
193 G1, 2010.
80
6 REGULAMENTAÇÃO
A solução de conflitos por meio de lei – solução heterônoma – é uma tradição
na ciência do direito. Sobre o tema, a juíza e jurista Mônica Sette Lopes nos
lembra que “a presença de uma norma reguladora de condutas e,
especialmente, o conteúdo material deste quadro normativo sempre se
apresentaram no centro das conjecturas em torno da vida humana”.194
Não obstante ser corriqueira na ciência jurídica, aspecto controverso do direito
de reunião no Brasil é sua regulamentação por meio de lei. Na inicial da ADI n.
1.946-9/DF, os peticionários afirmaram que "a tal questão [do direito de
reunião] prescinde de regulamentação",195 deixando claro que, para esses
advogados, o disciplinamento da matéria realizado pela Constituição é
suficiente. Também o ministro Aires Brito acredita que não caberia uma lei para
regulamentar o assunto, pois, para o magistrado, o inciso XVI, art 5º da
CRFB/88, “num dispositivo de eficácia plena, quanto ao seu teor de
normatividade, [...] não só consagra o direito de reunião como também, por
conta própria, indica todas as condições para o exercício desse direito”.196
Além do debate sobre a possibilidade jurídica de se regulamentar a matéria, o
ministro Marco Aurélio ainda levanta outra questão. Para o magistrado, existiria
uma premissa segundo a qual "não cabe à autoridade local regulamentar
preceito da Carta da República”.197
Mesmo ante esses apontamentos, alguns entes federados legislaram sobre a
matéria. A Câmara Municipal de Contagem, ao editar a Lei Orgânica do
Município, repete, em sua literalidade,198 os preceitos da Constituição, não
194 LOPES, 2008, p. 15 195 Petição Inicial da ADI n. 1.969. (BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007). 196 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 299. 197 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007. 198 Lei Orgânica do Município de Contagem. Título II. Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Art. 5º - O Município assegura, no seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias fundamentais que as Constituições da República e do Estado conferem aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País [...] § 8º - Todos podem reunir-se
81
acrescentando nada à disciplina do direito de reunião. Igualmente inócua é a
previsão do direito de reunião na Constituição do Estado de Minas Gerais199
que simplesmente afirma estar garantido em Minas Gerais o exercício desse
direito. Partindo da constatação de que tal direito já se encontra na CRFB, tais
dispositivos ficam desprovidos de significado, tornando-se letras mortas.
Desnecessária também parece ser a Lei Orgânica do Município de Porto
Alegre200 por também conter preceitos análogos aos constitucionais. No Distrito
Federal, por sua vez, o Decreto regulamentador foi declarado inconstitucional
pelo STF201 gerando um dos mais importantes precedentes sobre a matéria no
Brasil, na já mencionada ADI n. 1.969-4.
Constata-se, dessa forma, que o tema tem refletido em diversos Municípios e
Estados-membros da federação. Assim, alguns levantamentos sobre o tema
mostram-se importantes.
6.1 POSSIBILIDADE DE REGULAMENTAÇÃO
Apesar de existir posicionamentos no sentido de não ser possível regulamentar
o direito de reunião pela ausência de expressa autorização constitucional, não
parece razoável tal entendimento.
Como demonstrado no Capítulo 4 do presente trabalho, a ausência de
autorização constitucional expressa para se restringir o direito de reunião não
pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente. (CONTAGEM, 2012). 199 Art. 4º – O Estado assegura, no seu território e nos limites de sua competência, os direitos e garantias fundamentais que a Constituição da República confere aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País. [...] § 6º – O Estado garante o exercício do direito de reunião e de outras liberdades constitucionais e a defesa da ordem pública, da segurança pessoal e dos patrimônios público e privado.(MINAS GERAIS. Assembleia Legislativa, 2012). 200 Art. 152 – São direitos constitutivos da cidadania: [...] III - prerrogativa de tornar públicas reivindicações mediante organização de manifestações populares em logradouros públicos e afixação de cartazes e reprodução de "consignas" em locais previamente destinados pelo Poder Público. (PORTO ALEGRE, 1990) 201 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007.
82
afasta a possibilidade de fazê-lo. Assim, se mesmo ante a omissão
constitucional é possível restringir o exercício desse direito, por certo,
regulamentá-lo também o é.
Outrossim, por razões de lógica e hermenêutica verifica-se a necessidade de
regulamentar o direito de reunião. Constata-se na leitura do disposto no inciso
XVI, art. 5º da CRFB, que tal preceito requer, inevitavelmente, uma norma
regulamentadora. Isso porque, a Constituição determina um prévio aviso à
autoridade competente sem esclarecer o que se entende por prévio e nem
mesmo designa qual seria a mencionada autoridade.
No que tange à autoridade competente, a indefinição também causa
transtornos. Receber a comunicação da ocorrência do evento é importante
para diversas instituições públicas. O órgão de trânsito com circunscrição sobre
a via (departamento de trânsito do Município, do Estado, do Distrito-Federal, da
União), a autoridade policial militar responsável pela área, o comandante da
Tropa de Choque da localidade (responsável pelo controle de distúrbios), a
subprefeitura, o Ministério Público, entre outros órgãos que podem ser
sugeridos, todos esses necessitam ser informados sobre o evento. Como já
apontado, além do próprio interesse público, tais informações se prestam à
viabilizar o pleno exercício do direito, pois os agentes públicos possuem um
dever positivo no concernente ao direito de reunião.
Sobre a possibilidade de se regulamentar por meio de ato normativo
infraconstitucional um direito fundamental previsto na Constituição, André
Ramos Tavares afirma:
O postulado da constitucionalidade, pois, não deve ser confundido com a ideia de que existem matérias reservadas à Constituição, ou com o conceito de Constituição em sentido substancial. Apenas se poderia cogitar desse tipo de orientação quando a Constituição é expressa, deixando certo que determinadas matérias não estariam ao alcance do legislador e, assim, teriam âmbito de disciplina normativa exclusiva na própria Constituição [...]. De resto, não há como sustentar, sem amparo no próprio texto escrito da Constituição, que determinada matéria só possa ser tratada no âmbito constitucional.
83
Uma tal imposição só poderia ter caráter supraconstitucional, o que não se admite sob pena de destruição da própria ideia de supremacia constitucional.202
Verifica-se, então, a necessidade e a possibilidade de se regulamentar a
matéria. Por outro lado, a ausência dessa disciplina tem trazido diversos
prejuízos. Comumente a questão tem sido decidida na prática por autoridades
locais. Assim, policiais atuam sem ter leis expressas que lhes proporcionem
segurança para trabalhar e por vezes os manifestantes sofrem constrições
ilegítimas aos seus protestos. A omissão do legislador tem se desdobrado até
mesmo em confrontos físicos com mortes. No Brasil ocorreu o caso que ficou
conhecido como “Massacre do Eldorado de Carajás”. Nessa situação, um
protesto na rodovia BR-155 terminou em morte de 21 pessoas e nas
condenações em regime fechado a 228 anos o coronel que comandou a
operação e a 158 anos o major.203
Afirma-se, portanto, não só a validade jurídica da regulamentação do direito de
reunião, mas também sua premente necessidade.
6.2 QUEM PODE REGULAMENTAR?
Demonstrada a possibilidade de se regulamentar a matéria, passa-se ao
segundo ponto da questão: qual seria a autoridade competente para
regulamentar o direito de reunião?
A CRFB em seu art. 18 estabelece: “A organização político-administrativa da
República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”
Verifica-se, dessa forma, que a Constituição não estabeleceu hierarquia entre
os entes federados. Assim, no que tange à relação entre as leis internas dos
entes federados, não há hierarquia entre elas. Há, assim, somente reserva de
202 TAVARES, 2009, p. 631. 203 FOLHA DE SÃO PAULO, 2012.
84
competência. No magistério de Kildare Carvalho: “No Estado Federal, assinale-
se que as normas não são hierarquizadas em função da origem de sua
emanação, mas em virtude de um critério de competências para editá-las,
estabelecido pela Constituição Federal”.204
Logo, deve-se buscar qual entidade que integra a estrutura federativa é a
competente para discorrer sobre a matéria.
Nas oportunidades nas quais o STF analisou o direito de reunião, o problema
acerca da autoridade competente para regulamentar esse direito não foi
enfrentado. No julgamento da ADI n. 1.969, os peticionários sustentaram ser
inconstitucional o fato de o Distrito Federal disciplinar a matéria,
posicionamento esse também desposado pelo ministro Marco Aurélio.
Contudo, os demais ministros foram silentes no assunto. A
inconstitucionalidade foi declarada em virtude do conteúdo da regulamentação
e pela forma por meio da qual foi feita, e não em decorrência do sujeito político
que editou o ato regulamentador. Assim, no precedente, o fato de a
regulamentação ter sido feita pelo Distrito Federal não foi considerada
inconstitucional.
Ante o exposto, acredita-se que a priori não violam os preceitos constitucionais
as regulamentações editadas pelos Estados, pelos Municípios ou pelo Distrito
Federal. A não ser que, ao regulamentar a matéria, a forma escolhida ou o
conteúdo da norma contrariem preceitos constitucionais.
Apesar do exposto, acredita-se que a regulamentação em âmbito nacional seja
a mais adequada em virtude da segurança jurídica proporcionada. A criação de
regras distintas por cada ente pode gerar confusões. O problema tende a
aflorar de forma mais intensa em regiões conurbadas que podem acolher
manifestações que perpassem mais de um município.
204 CARVALHO, 2009, p. 1001.
85
Não obstante, regulamentar uma liberdade política por meio de ato normativo
municipal pode deixar o regramento da matéria mais propenso às influências
políticas locais. Assim, não se nega a competência do Município para
regulamentar o uso das próprias vias publicas e praças abertas ao publico,
entretanto, em decorrência da natureza de direito fundamental que está em
voga, mais propícia seria a definição em sede de lei nacional.
6.3 FORMA DO ATO REGULAMENTADOR
Para tal regulamentação, acredita-se que a forma adequada seja por meio de
lei, considerada nos aspectos materiais e formais. Consoante julgamento do
ministro Eros Grau, “o direito de reunião pode até ser regulamentado, mas não
pode decreto, só por lei”,205 isso porque, seria formalmente inconstitucional a
regulamentação que não por lei.
No que tange à forma de se externalizar a norma, cita-se novamente André
Ramos Tavares, que assevera:
Apenas o poder legislativo é que goza da faculdade de criar normas jurídicas que inovem originariamente o sistema jurídico nacional. É isso que distingue a competência legislativa da mera competência regulamentar. As normas regulamentares se inserem na competência privativa dos Chefes do Executivo, tendo como finalidade última a instrumentalização dos comandos legais, fornecendo meios materiais adequados a seu cumprimento efetivo. Sua exteriorização dá-se por meio de decreto. [...] é preciso lembrar que há casos de reserva de lei, ou seja, como visto, matérias que, em princípio, seriam da alçada do Executivo (por estarem compreendidas na noção ampla de “organização”), passam para o Legislativo, por imperativo constitucional expresso.206
Assim, verifica-se que, em se tratando apenas de detalhar uma lei, não se
cogitariam problemas caso fosse concretizada por meio de ato normativo do
Poder Executivo. Entretanto, a regulamentação ora em análise refere-se ao
205 BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2007, fl. 383. 206 TAVARES, 2009, p. 639.
86
conteúdo jurídico do direito de reunião, desdobrando-se em restrição a esse
direito. Sendo assim, consoante o parecer de Jorge Miranda, não pode haver
norma regulamentadora que restrinja direitos, editados pela Administração. A
restrição deve ser feita por lei.207 Ademais, deve ser precisa, sem termos
vagos, que permita aos cidadãos conhecer os critérios legais.208 Deve se,
ainda, se ater aos fins em nome dos quais é estabelecida,209 na exata medida
para salvaguardar os outros interesses constitucionalmente protegidos210 e
todas as outras observações apontadas no Capítulo 4, no qual se discutiu a
questão dos limites dos limites, ou limites imanentes. O entendimento de que
essa regulamentação deve ser feita por lei strictu sensu ainda encontra lastro
na Constituição, que no inciso II, art. 5º, assegura que “ninguém será obrigado
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.211
Não obstante os apontamentos da jurisprudência e doutrina pátrias, no novo
jus gentium212 também se encontra respaldo para o entendimento aqui
demonstrado. Na perspectiva do Direito Internacional, temos o Pacto de San
José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário. Essa norma convencional
traz em seu bojo que:
Artigo 15. Direito de Reunião É reconhecido o direito de reunião pacífica e sem armas. O exercício de tal direito só pode estar sujeito às restrições previstas pela lei e que sejam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde ou a moral públicas ou os direitos e liberdades das demais pessoas.213
No mesmo sentido é o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos
(PIDCP), o qual também contou com a adesão do Brasil. Esse tratado exige
207 MIRANDA, 2008, p. 376. 208 MIRANDA, 2008, p. 377. 209 MIRANDA, 2008, p. 378. 210 MIRANDA, 2008, p. 379. 211 BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1988. 212 Segundo Cançado Trindade (2006, p. 399), o Direito Universal da Humanidade – Direito Internacional dos Direitos Humanos, seria o jus gentium do século 21, ou novo jus gentium. 213 BRASIL. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, 1992b.
87
que as limitações ao direito de reunião sejam operadas por meio de lei, nos
seguintes termos:
Art. 21. Direito de reunião pacífica será reconhecido. O exercício desse direito estará sujeito apenas às restrições previstas em lei e que se façam necessárias, em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional, da segurança ou da ordem públicas, ou para proteger a saúde pública ou os direitos e as liberdades das pessoas.214
Assim, até mesmo em nome da responsabilidade internacional, verifica-se que
no Direito Brasileiro a regulamentação do direito de reunião deve ser feita por
lei, material e formalmente considerada. Em síntese, na regulamentação do
direito de reunião no Brasil incide o princípio da reserva legislativa,215 pois, para
ser positivada, a regulamentação depende da apreciação e deliberação do
Poder Legislativo.
No Chile, a própria Constituição216 define que a regulamentação será operada
por meio de ato administrativo. Assim, naquele país o direito de reunião é
regulamentado por um Decreto de 1983,217 editado pelo General Pinochet
durante o período da ditadura militar. Com efeito, o resultado não poderia ser
outro: tanto a forma de atuação dos Carabineiros218 nas manifestações quanto
a regulamentação operada por meio de ato do Poder Executivo têm sido
severamente criticados internamente pela doutrina do país219 e
internacionalmente por organismos de proteção dos direitos humanos.220
Assim, no Direito Brasileiro, acredita-se ser possível regulamentar a matéria,
por qualquer dos entes federados, desde que operada a disciplina da matéria
por meio de lei, jamais por ato normativo do Executivo.
214 BRASIL. PRESIDENCIA DA REPÚBLICA, 1992a. 215 OLIVEIRA, 2011, p. 450-451. 216 Art. 19. La Constitución asegura a todas las personas: […] 13º. El derecho a reunirse pacíficamente sin permiso prévio y sin armas. Las reuniones en las plazas, calles y demás lugares de uso público, se regirán por las disposiciones generales de policía. (CHILE, 1980). 217 CHILE, 1983. 218 Polícia Nacional Chilena, responsável pela Ordem Pública e pela Segurança Pública. 219 ROKOV, 2012. 220 INTER-AMERICAN COMISSION ON HUMAN RIGHTS, 2001, p. 50.
88
De certa forma, a necessidade de se regulamentar o assunto também se faz
em virtude da ausência de jurisprudência nacional que efetivamente confronte
o assunto. Portanto, alguns apontamentos sobre o papel dos precedentes
brasileiros sobre o direito de reunião se fazem necessários.
6.4 O PAPEL DOS PRECEDENTES NA REGULAMENTAÇÃO DO DIREITO DE REUNIÃO
A sugestão de regulamentar o assunto por meio de lei não implica em
desconsiderar a importância dos julgados. Além disso, o objetivo da edição de
uma norma específica sobre o assunto, com efeito, não poderia ser o de
esgotar toda a margem possível de interpretação. Na precisa lição de Mônica
Sette Lopes, a função dos precedentes seria:
Os precedentes atuam como vetores de certeza do sistema e cumprem um papel importante ao sinalizar entendimentos uniformes e tornar visível o modo como a lei tende a ser entendida. Há, assim, uma antecipação mais clara dos riscos que as condutas e os conflitos potencialmente envolvem. Eles exercem uma função apaziguadora do dissenso que é inquestionável e que incide ou se efetiva numa gama considerável dos elementos consolidados.221
Contudo, não se encontrou no Direito Brasileiro algum julgado que enfrente as
indefinições atinentes ao direito de reunião. As primeiras jurisprudências
encontradas datam ainda de fins do século 19 e início do século 20. Porém,
não esclarecem muito acerca da hermenêutica do inciso XVI, art. 5º da
Constituição vigente.
Além disso, acredita-se que a segurança proporcionada por uma lei
regulamentadora do direito de reunião tornaria a clássica solução heterônima
de composição de conflitos mais adequada à matéria analisada.
221 LOPES, 2008, p. 242.
89
7 EPÍLOGO
A implementação do governo eurocêntrico em terras brasileiras trouxe consigo
o padrão de resposta despótico para os protestos populares. Assim, o
arquétipo utilizado pelos governantes para contrapor as reivindicações foi
instrumentalizado por meio do braço armado do Estado. Diálogos com os
manifestantes eram vistos apenas quando não se conseguia reunir tropas
suficientes para sufocar os levantes.222
Além da repressão flagrante, as autoridades também pensaram em registrar
negativamente esses feitos. Sublevação, sedição, conjura e inconfidência
sempre foram os adjetivos com que pejorativamente a historiografia oficial
batizou os agrupamentos populares que pleiteavam por direitos e garantias.
Assim, o reconhecimento tardio do direito de reunião no Brasil é apenas mais
uma faceta desse fenômeno. Não bastasse ter surgido apenas no final do
século 19, a possibilidade da intervenção da polícia ou de outra autoridade,
para manter a ordem ou a segurança públicas, bem como a possibilidade de
designação do local do evento, foram traços marcantes em nossas previsões
constitucionais desse direito. Assim, podemos afirmar que os desmandos do
Poder Público na liberdade de manifestação coletiva do pensamento no país
foram características marcantes na história desse direito. Essa tradição
autoritária também é demonstrada por Maria Fernanda Salcedo Repolês, para
quem “as contradições presentes na história de formação de uma identidade
constitucional brasileira apontam para uma linha de contínuos fracassos e
frustrações, gerados por uma forte tradição autoritária que impediu constituir
espaços efetivos de democracia”.223
222 COTTA, 2006, p. 48-49. 223 REPOLÊS, 2008, p. 25.
90
Ainda hoje presenciamos autoridades que, em nome de uma suposta
coletividade ou do interesse público, tentam justificar restrições ao direito de
reunião para enfraquecer oposições e minorias. A fundamentação jurídica
nesses institutos abstratos negligencia que o objetivo da democracia não é o
de criar uma massa homogênea de pessoas, mas antes, o de criar espaços de
discussão que propiciem a divergência de opiniões, o pluralismo e a unidade
na divergência.
Nesse sentido, ressalta-se a importância de movimentos populares, passeatas
reivindicativas e protestos públicos que, destinados ao ostracismo da grande
mídia, são desconhecidos da população e, somente em virtude dos transtornos
que causam ao fluxo de veículos, conseguem visibilidade. Para alguns grupos,
o direito de reunião é a única ferramenta eficiente para que alguns excluídos
possam mostrar aos que estão nos confortos de seus carros e casas, as
mazelas nas quais se encontram. Assim, a simples garantia prevista no inc.
XVI, art. 5º, representa a voz desses excluídos.
Dessa maneira, o direito de reunião assume um papel de destaque no Estado
Democrático de Direito por dar efetividade ao pensamento divergente, ao
dissenso, às minorias, e por lhes garantir visibilidade.
Todavia, o abuso no exercício de qualquer direito também não deve ser
permitido, sobretudo em espaços verdadeiramente democráticos. Não poucas
vezes pessoas confundem democracia com a ausência de limites. Não se pode
se esquecer de que todos os direitos e garantias dos não participantes das
manifestações devem ser respeitados. Com efeito, tão importante quanto o
direito de participar de uma reunião é o direito de não participar de uma
reunião.
Não se pode, a pretexto de garantir o exercício democrático do direito de
reunião, frustrá-lo. É preciso nos assegurar contra os arbítrios de pessoas que
exercem funções públicas, mas não possuem compromisso com a sociedade.
91
De igual forma, também é preciso garanti-lo de interferências de particulares
mais poderosos econômica ou faticamente, que podem comprometê-lo. Faz-se
premente analisá-lo dentro de uma perspectiva democrática, mais ampla, que
inclua na noção de democracia a participação em manifestações e protestos,
mas também a vontade de participar desses atos.
O texto constitucional está posto. O que se pode variar são os olhares, as
interpretações e aplicabilidade. Para alguns, trata-se de um direito absoluto.
Para outros, pode ser derrogado por motivos triviais.
Como foi evidenciado ao longo do trabalho, de fato existem diversas
relativizações ao direito de reunião no sistema jurídico brasileiro. Para
compreender tais limites, deve-se sempre buscar harmonizar o direito de
reunião com os direitos das demais pessoas. Dessa forma, a relativização ao
direito fundamental de reunião não pode ser de tal monta que esvazie de
sentido o próprio direito de reunião. Ademais, não se pode esquecer que é
intrínseco à ideia de uma manifestação pública, sobretudo as dinâmicas em
logradouros públicos, um certo transtorno à comunidade e ao trânsito.
Percebe-se que o problema surge da falta de alteridade e da tolerância. Ainda
não há no Brasil – se é que exista em outros rincões – uma cultura de respeitar
o outro, o diferente. Nestes termos, ilustrativo é o excerto abaixo de Márcio
Luís de Oliveira:
A democracia não é apenas forma ou modo de se decidir a vida pública com a participação mais ampla possível dos interessados. A democracia é, antes de sua dimensão decisional, um modo de ser coletivo; um modo de ser tolerante e disposto à aceitação do outro, apesar de se poder discordar do outro. O modo de ser coletivo de uma sociedade democrática é aquele em que cada pessoa ou cada grupo social são capazes de se reconhecerem e se respeitarem nas suas diferenças (conhecimento e consciência de si e conhecimento e consciência do outro). A democracia é, portanto, o locus público da igualdade nas diferenças. E, só se pode ser livremente genuíno (autonomia privada) quando e onde há vocação para a alteridade: aceitação da diferença do outro.224
224 OLIVEIRA, 2001, p. 201.
92
Ante essa dificuldade de compreender o outro, surge a necessidade de se
estabelecerem limites legais para tornar possível a vida em sociedade. Dessa
forma, as manifestações públicas, que possuem sua garantia e seus primeiros
limites na própria Constituição, prescindem ainda de uma lei regulamentadora.
Como mote para a relativização do direito fundamental, ilustrativo é o
Preâmbulo da lei sul-africana que regulamenta o exercício do direito de
reunião. De forma simples e objetiva, o Preâmbulo daquela norma sintetiza
muito bem o espírito que deve nortear a questão da relativização do direito de
reunião:
CONSIDERANDO que cada pessoa tem o direito de se reunir com outras e expressarem seus pontos-de-vista sobre qualquer assunto livremente e em público, e desfrutar da proteção do Estado ao fazê-lo; E CONSIDERANDO que o exercício de tal direito deve ocorrer de forma pacífica e respeitando os direitos das demais pessoas.225
Assim, espera-se que por meio da adequada regulamentação do dispositivo
constitucional estudado, o Poder Legislativo demonstre os reais contornos da
relativização do direito de reunião em uma sociedade democrática. Gerando,
então, segurança para os particulares, parâmetros para a ação da
Administração Pública bem como marcos mais precisos para o controle de
legalidade por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário.
225 WHEREAS every person has the right to assemble with other persons and to express his views on any matter freely in public and to enjoy the protection of the State while doing so; AND WHEREAS the exercise of such right shall take place peacefully and with due regard to the rights of others. (SOUTH AFRICA, 1993. Tradução livre do autor)
93
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