Monarquistas e Republicaos Em Cartas Ângela de Castro Gomes

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  • 9Remate de Males - 24 - 2004

    Rascunhos de histria imediata:

    de monarquistas e republicanos

    em um tringulo de cartasngela de Castro Gomes

    As primeiras dcadas do regime republicano no Brasil, bem como a prpria Pri-meira Repblica, vm ganhando o crescente interesse dos historiadores, que tm retoma-do o perodo numa chave distinta daquela que o consagrou como a Repblica Velha.Uma frmula que, no casualmente, foi sustentada e propagada pelos idelogos autorit-rios das dcadas de 1920 a 1940, com destaque durante os anos do Estado Novo. Ouseja, um tipo de interpretao que, grosso modo, entende esse primeiro perodo do regi-me no pas como um total fracasso poltico, e que o qualifica, em bloco, como um expe-rimento que no fez jus nem a seu passado imperial, nem a seu futuro do ps Revoluode 1930. Isso porque, nessa repblica, no se teriam realizado os projetos mais caros aosliberais avanados da virada do sculo XIX para o XX, colocando-se em risco a unidadenacional e ignorando-se as reformas sociais para incluso da populao negra, por exem-plo. Alm disso, a Repblica Velha teria se excedido na adoo da frmula federativa,copiada dos EUA e vivenciada de maneira danosa e equivocada, o que no s compro-metera definitivamente o prprio liberalismo no pas, como nos desviara do caminhocentralizador j apontado pela monarquia. Por fim, toda a elite poltico-intelectual doperodo, em suas vrias correntes, teria falhado completamente no campo simblico,pois no conseguira construir um imaginrio republicano ou criar um sentimento cvicode amor nova ptria.1

    Em tal interpretao, portanto, a Primeira Repblica aparece como uma espciede interregno no curso da histria do pas que, a despeito de uma srie de dificuldades eproblemas, sempre reconhecidos pelos analistas, seguia uma rota, tanto antes do epis-dio da proclamao, em 15 de novembro de 1889, quanto depois da revoluo de 3 deoutubro de 1930. Tomando-se essa interpretao como um estimulante ponto de partidapara se repensar o perodo, este artigo procura realizar uma incurso sobre as primeirasdcadas do regime republicano (o momento anterior Primeira Guerra), adotando-secomo ngulo de viso a vivncia e a reflexo realizadas por alguns atores/intelectuaisprivilegiados.

    Para tanto, pretende-se utilizar um tipo de fonte que pode ser caracterizada comointegrando um conjunto de produtos culturais chamados, geralmente, de efmeros. Ouseja, no se estar trabalhando com as interpretaes que alcanaram o suporte do livro indicador de maior acabamento e desejo de durao no tempo , mas sim com aquelasque, j no espao de sua produo, tinham objetivos e sentidos mais imediatos. Basica-mente, um razovel conjunto de documentos que abarca a correspondncia privada, osartigos escritos para peridicos e alguns discursos ou assemelhados. Um tipo de docu-mento que combina exerccios de produo do eu e de persuaso poltica dos outros (e

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    de si mesmo), ambos muito praticados e valorados por intelectuais que ainda no traa-vam fronteiras rgidas entre sua formao nos campos da poltica e das letras, e que, emboa parte, viviam do jornalismo, comunicando-se por cartas.

    Nesse sentido, foram escolhidos trs intelectuais, diplomatas e tambm polticosque, tanto participaram da construo de uma escrita da histria do Brasil, quanto atua-ram para os rumos do curso dessa histria, ocupando posies de destaque no Itamaraty.So eles: Jos Maria da Silva Paranhos, o Baro do Rio Branco (1845-1912), JoaquimNabuco (1849-1910) e Manuel de Oliveira Lima (1867-1928). O objetivo de fundo doartigo relacionar os movimentos dessa tensa conjuntura com as avaliaes elaboradasimediatamente por esses atores/historiadores, para ento aproxim-las dos projetosefetuados no campo da escrita da histria, que sofria os abalos e as disputas decorrentesda incerteza poltica dominante.

    Duas so as idias que se quer defender dialogando com a literatura sobre o per-odo. Em primeiro lugar, a de que a escrita da histria que se realiza sob o impacto daslutas polticas e simblicas do incio da Repblica, fundamental para a constituio docampo da historiografia brasileira. Nesse momento, introduzem-se e rearranjam-se acon-tecimentos e personagens; produzem-se debates e interpretaes que se consagram; eestabelecem-se certos parmetros sobre a forma de narrar a histria da nao. Em segun-do lugar, a de que seria conveniente relativizar a proposio segundo a qual a PrimeiraRepblica fracassou inteiramente no empreendimento de criar um imaginrio cvico con-forme a seus projetos polticos. Para tanto, no que diz respeito aos interesses especficosdeste artigo, necessrio entender melhor que tipo de escrita da histria do Brasil estento sendo proposta, e que estratgias as elites republicanas esto desenvolvendo paraa construo de seu passado e seu futuro, especialmente aps o encerramento dos doisprimeiros governos militares. Dessa forma, pode ser til reter que o novo regime tem naAssemblia Nacional Constituinte de 1891 e na montagem da poltica dos governado-res de Campos Sales seus dois pactos instauradores, e que os processos de construode um imaginrio nacional se fazem por negociao e apropriao de tradies, mesmono caso das tradies inventadas. A criao (ou recriao) de uma histria e memrianacionais, pois disso que se trata, nunca parte de uma folha de papel em branco, nosendo nem arbitrria, nem ingnua.

    1. Rascunhos de histria imediata

    J existem muitos estudos sobre tais personagens das letras e da poltica do pas,com nfase em Rio Brando e Nabuco, em detrimento de Oliveira Lima. Portanto, no sepretende fazer no espao deste artigo, nem uma retomada de suas trajetrias biogrficas,nem um balano da bibliografia produzida sobre os vrios aspectos de suas vidas e obras.As duas dimenses biogrfica e bibliogrfica sero retomadas e citadas apenas quan-do diretamente ligadas ao objetivo do texto, que o de acompanhar as anlises que taispersonagens foram realizando sobre o regime republicano, a medida em que ele ia sendoexperimentado no pas. Para tanto, entre as fontes escolhidas, ser privilegiada a troca decorrespondncia pessoal desenvolvida entre os trs, o que abarca um volume de cerca de

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    230 cartas, cobrindo, aproximadamente e com grande desequilbrio de regularidade, umes2 Paralelamente, como se mencionou, tambm se recorrer a textos que fazem anlisesdo momento, geralmente escritas para jornais e revistas e que, interessantemente, podi-am assumir a forma de cartas abertas, cujo destinatrio no era mais uma pessoa singu-lar, mas um coletivo, um pblico amplo que devia conhecer e se convencer das idias dosautores.

    O interesse do artigo colocar em dilogo os diagnsticos e prognsticos queforam sendo realizados por esses trs atores, tomando-os como uma primeira reflexosobre o experimento republicano. Isso significa assumir a perspectiva da incerteza polti-ca da conjuntura das primeiras dcadas da Repblica, bem como a tica dos projetos edesejos que tais atores iam construindo e desconstruindo com o passar do tempo, acom-panhando-se, assim, as decises que foram tomando e explicitando para si e para osoutros, em suas trajetrias de vida intelectual e poltica. Do ponto de vista metodolgico,por conseguinte, este artigo deseja destacar a importncia da correspondncia privada edas contribuies para a imprensa como parte essencial da obra de intelectuais desseperodo, lembrando que tais textos integram de forma substancial a produo de taisautores, quer pelo tempo que consomem, quer pelo investimento que revelam na pro-duo de um eu, em situaes de grande instabilidade.

    O exerccio pretende correlacionar a trajetria poltica da Repblica com as traje-trias individuais dos atores, considerando, obviamente, uma mtua influncia entreelas. Por isso, a correspondncia e os demais textos analisados esto sendo propostoscomo rascunhos de uma histria imediata,3 j que tais intelectuais-diplomatas iro,exatamente nesse perodo, afirmar-se com a identidade de historiadores em um campointelectual com fronteiras disciplinares ainda muito fluidas. Dessa maneira, precisoentender que o prprio perfil de historiador estava em aberto, sendo objeto de debates edisputas, tanto no que dizia respeito ao tipo de produto cultural (em sua diversidade ehierarquia) que caracterizaria o mtier, quanto ao tipo de atividades profissionais e sociaisque conviria a um historiador desenvolver.

    O exame da correspondncia pessoal trocada entre Rio Branco, Nabuco e Olivei-ra Lima segue, ao mesmo tempo, um recorte temtico e cronolgico, que orienta a apre-sentao do texto em trs partes.4 A grande questo de fundo o exame das reflexestecidas sobre a monarquia e a repblica no Brasil, seus mritos e demritos e, sobretudo,os prognsticos que foram sendo construdos sobre as possibilidades ou no de um retor-no monarquia, ou do sucesso ou no do novo regime. Esse tema ganha particularinteresse quando articulado a duas outras questes. Em primeiro lugar, a das formas queo pensamento liberal vai ganhando ante a radicalizao de confrontos do experimentorepublicano no Brasil. Em segundo lugar, a de uma pretendida identidade de historiador,o que revestiria as anlises ento realizadas de uma autoridade que excederia a dos inte-resses e envolvimentos polticos dos autores/atores, igualmente explicitados, mas sub-metidos ao rigor de um tipo especfico de ofcio. Da, o vnculo com a formao docampo historiogrfico, onde se evidenciam as transformaes que a escrita da histria doBrasil estava sofrendo e precisava sofrer com o advento da Repblica, o que se relacio-nava tanto aos acontecimentos da poltica interna, quanto s diretrizes da poltica exter-na.

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    Ao mesmo tempo, todas essas dimenses esto revestidas das relaes afetivasmobilizadas pelos correspondentes, o que pode significar o exerccio da sociabilidadenuma dupla chave: a da amizade e a do conflito de idias e sentimentos, em situaesidentificadas como de crise para o pas, para a histria e para os prprios indivduos.Assim, a correspondncia um espao de sociabilidade rico para a observao de mlti-plas transformaes nas posies dos trs atores, tanto no que se refere s expectativasquanto monarquia e a repblica, quanto no que envolve a maior ou menor aproximaoentre eles.

    Do ponto de vista cronolgico, em torno do qual se apresenta o artigo, tais temassero acompanhados em dois grandes momentos. O dos anos que vo do incio da trocade cartas at o fim da dcada de 1890, ou seja, o da primeira dcada republicana, chama-da por Renato Lessa, com extrema propriedade, de a dcada do caos.5 E o dos anos quedecorrem do incio do sculo XX, aps a ascenso dos presidentes civis - com a conten-o dos conflitos abertos e a montagem da poltica dos governadores -, at o encerra-mento da correspondncia, j na dcada de 1910, quando iro falecer Nabuco (1910) eRio Branco (1912). Nesse espao de tempo e nesse espao de sociabilidade, os corres-pondentes iro empreender deslocamentos variados. Da monarquia repblica, atentan-do-se sempre sobre as caractersticas da monarquia e da repblica que est sendo consi-derada em suas crticas e adeses. Da amizade pessoal e profissional ao esfriamento econfronto de relaes, o que geralmente no muito explicitado, mas pode ser percebidoe utilizado para uma melhor observao do contedo das cartas.

    2. De monarquistas e republicanos: a dcada do caos nas cartas de Nabuco ao

    Baro do Rio Branco

    Nesse primeiro momento recortado para anlise, as cartas entre os trs corres-pondentes no so muitas. Apenas algumas foram escritas antes do episdio da Procla-mao, evidenciando de um lado, a existncia do conhecimento e da comunicao entreeles e de outro, um tipo de relacionamento ainda formal.

    Esse o caso das cartas escritas por Nabuco a Paranhos, assinalando a passagemdo aniversrio da primeira lei emancipatria, a chamada Lei do Ventre Livre, em 28 desetembro de 18826, e parabenizando-o, em 28 de maio de 1888, pelo ttulo de Baro,recebido da princesa Isabel. Esta carta comea com um Viva!, pois, segundo ele, essafora das maiores alegrias que tivera com a Abolio: 13 de maio foi a apoteose de seu Pai e V.deve estar orgulhoso!. Junto carta seguia um pequeno recorte de O Paiz, de 20 de maio de1888, com o improviso do Dr. Symphronio Olympio lvares Coelho, cujo mote foradado pelo prprio Nabuco. Era o seguinte: Mote: O governo deu ao filho/ O grande nome doPai! Glosa: Caiu no meio do trilho/ Sem ver a vitria imensa/ Mas do pai a recompensa / O governodeu ao filho/ De Paranhos, pelo brilho,/ Joo Alfredo sobressai;/ Paranhos da campa sai/ Deagradecido e encantado/ Por quem deu ao filho amado/ O grande nome do Pai.7

    O vnculo entre os amigos de carreira diplomtica e ideal abolicionista est esta-belecido e bem lastreado nas filiaes aristocrticas de ambos, cujos pais (nas cartassempre com P maisculo), o Visconde do Rio Branco e o senador Nabuco de Arajo,

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    eram figuras reconhecidas do Segundo Reinado. Assim, esse o momento em que, face montante da campanha republicana, o compromisso de Nabuco com o regime monrquicovai se explicitando publicamente, causando, inclusive, seu afastamento de ambientes eamigos freqentados, como o caso da redao de O Paiz e do jornalista e propagandistaQuintino Bocaiva. Em 15 de janeiro de 1889, Nabuco escreve a Paranhos: Eu deixei OPaiz depois que ele [Quintino] se declarou republicano (...). (...) Ora eu no podia o estar atacandono jornal que ele dirige.8

    Portanto, a partir da o tema da crtica repblica comea a dar entrada na corres-pondncia entre os dois, sendo questo marcante durante toda a dcada de 1890. Somuitas as cartas em que Nabuco vai registrando seu estado de esprito e sua avaliaosobre os rumos da poltica no Brasil, embora sejam poucas as cartas de Rio Branco. Umfato que talvez se explique, ao menos em parte, por um comentrio de Nabuco, em cartasem data, enviada de Londres.9 Nela, Nabuco no s permite que o leitor compreendaque suas opinies eram compartilhadas pelo amigo, como inicia a missiva com a fraseesclarecedora: Rasgada e lida a sua excelente carta ltima. Um cuidado que se devia a razesde segurana, encaradas como necessrias diante de governos que eram verdadeiras di-taduras sujas. Ao que se pode acrescentar um comentrio feito em carta anterior, dessafeita enviada de guas de Lambari, onde ele ficara para se curar de uma dispepsia, duran-te parte do primeiro semestre do ano de 1890: Recebi suas duas cartas e no lhe respondi logopor medo do Correio que se revolucionou um tanto com a repblica. Estamos na poca da espionageme geral a desconfiana de tudo e de todos.10

    Uma avaliao que se instaura na correspondncia imediatamente aps o epis-dio do 15 de novembro, e que se combina com um prognstico de inteiro e profundopessimismo quanto ao futuro. Nesse contexto que se pode entender sua afirmao deque era mais fcil ser monarquista na Repblica do que durante a prpria Monarquia, daqual ele fora um duro crtico, quando em campanha pela Abolio. Ou seja, se esta formade governo no era perfeita, aquela seria inevitavelmente muito pior, como os fatosapenas comeavam a comprovar. Alguns exemplos podem ser teis, menos pelo quetrazem de novidade quanto ao monarquismo de Nabuco, do que pelo que ilustram sobrea linguagem usada para express-lo nesse tipo de documento. Na mesma carta de 1890,Nabuco categrico: No creio na possibilidade de uma repblica. Iremos de tirania em tirania,de despotismo em despotismo, at o desmembramento ou a perda completa da noo de liberdade. este o nosso triste futuro se algum fato providencial no vier concertar o que foi to estpida e brutal-mente feito em pedaos em 15 de novembro (...) Por felicidade o nome de seu Pai sobrenada na gratidode todos os partidos e os Republicanos o aclamam como os monarquistas.11

    O trecho citado condensa duas das ameaas que Nabuco, e no s ele obviamen-te, acreditava pairar sobre uma experincia republicana na Amrica do Sul, e que podemser enunciadas como a do federalismo e a do militarismo. Em primeiro lugar, o federalis-mo que, combinado s eleies dos chefes dos governos estaduais, conduziria oligarquizao completa do pas, aos personalismos desenfreados e, pior que tudo, perda da unidade nacional, obra to cara Monarquia. bom recordar, contudo, queNabuco defendera a adoo do federalismo pela Monarquia constitucional e remarcaisso no imediato da Proclamao, em tom de crtica aos polticos do Segundo Reinado,quando escreve, em 7 de dezembro de 1889:

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    Meu caro Paranhos,Estamos em repblica e V. que conhece bem a histria das Repblicas sul-americanas pode

    avaliar a via crucis que temos agora que percorrer para recuperar a liberdade e perpetuar a unio. AFederao teria ou no salvo a monarquia? Agora pode se ver que sim. Preferiram porm os srs. OuroPreto e Cndido de Oliveira confiar na guarda nacional e nos emprstimos lavoura.12

    As cartas do incio da dcada de 1890 recorrerem insistentemente imagem daparaguaisao do Brasil, um pas rebaixado e comparvel a outros estados sul-ame-ricanos. Por isso, Nabuco afirma que no quer ser cidado de uma Venezuela, Uruguai,Equador, Argentina, ou o que quiserem, pensando em seguir para a Europa.13 De umaforma geral, os polticos estaduais so chamados de caudilhos que se estabelecem nopoder por meio de farsas eleitorais, cercados de uma quadrilha de analfabetos. Quantoa Deodoro, sua imagem oscila entre um El Supremo e um caga pototas: Nunca oImperador recebeu a adulao que fazem ao seu sucessor. uma vergonha sem nome. Rui Barbosa outro alvo constante, identificado como o grande mago, sendo o Encilhamento con-siderado um aborto hipotecrio.14

    Alm disso, so muitos os aderentes e poucos os que combatem a Repblica nem mesmo os representantes do interesse dinstico -, fato que o revolta e surpreende.V que so os crticos da monarquia que conduzem o movimento restaurador, no qualacredita firmemente: No se trata de combater mas s de levantar a bandeira. (...) Ns temos osmelhores homens, os nicos homens, por que no se movem, no fazem alguma coisa?15 Para isso,eram fundamentais, mas insuficientes, os publicistas como Eduardo Prado, que escreviana Revista de Portugal, dirigida por Ea de Queirs, usando o pseudnimo Frederico S. Opapel da imprensa no Brasil seria certamente o de conduzir o caudal monarquista,donde a importncia de Rodolfo Dantas, com a criao do Jornal do Brasil, em abril de1891, embora ele soubesse dos limites existentes para a atuao de um peridico deoposio ao governo. 16

    Em segundo lugar, Nabuco aponta a ameaa do militarismo, situado como umautntico dilema entre a ordem e a liberdade, e de difcil ou impossvel soluo no ambi-ente republicano. Isso porque a Repblica trouxera consigo os militares e tambm aanarquia, razo pela qual cada vez mais se aumentava a represso, no se tolerandonenhum grau de liberdade de opinio. A Repblica, em sua avaliao, era muito maisinfensa s energias progressistas da poca, do que o fora a Monarquia constitucional.Tudo isso faz com que termine o ano de 1890, recusando uma cadeira na AssembliaNacional Constituinte, o que o tornaria um fundador do Estado republicano. Seu pessi-mismo era enorme, mas, exatamente por essa razo e no paradoxalmente, ele via nodilema entre ordem x liberdade, uma via para o fortalecimento do movimento restaura-dor e escrevia a Rio Branco, no incio do governo Deodoro: Estes 4 anos de Deodoro tiraroas ltimas iluses aos republicanos e faro da repblica uma palavra nauseabunda. Nesse ponto oDeodoro (...) no s foi o melhor que podia acontecer para uma Restaurao prxima e a termo (hojeseria prematura), foi tambm a nica coisa que podia acontecer a uma Repblica Sul Americana.17

    O nimo de Nabuco e suas crenas restauradoras, por conseguinte, oscilam razo-avelmente no incio da dcada de 1890, mas possvel dizer, pelo exame da correspon-dncia com Rio Branco, que durante o ano de 1891 que elas mais crescem, j que, para

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    ele, mesmo os cticos trabalham sem o saber a nosso favor. V-se ento, claramente,que sua avaliao parte de duas fortes premissas relacionadas entre si: a de que a Rep-blica, devido a seus graves problemas, iria inevitavelmente se esgotar; e a de que o povoera, de fato, monarquista. No primeiro caso, so muitas as indicaes que sustentam essetipo de diagnstico/prognstico mas, para o segundo, so poucas as razes aventadaspara a crena. De toda forma, o que se depreende das cartas um esforo de convenci-mento de Rio Branco, que no acompanharia tanto o seu otimismo restaurador: No seiporque voc desanima. preciso dar tempo ao tempo. Seria um mal a restaurao antes do povo tervisto o desmoronamento do Ruyismo.18 Tratava-se, naquele momento, de desenvolver umaestratgia poltica para lanar os republicanos uns contra os outros, pois eles mesmos jestavam se devorando. Animado, considerava que tudo monarquia, menos na classemilitar, no sendo difcil convenc-la de que, com o fazendeirismo, em breve o exrci-to seria dissolvido e os quartis transformados nas senzalas dos oficiais.19

    Assim, embora verificasse que a Repblica estava sem oposio, no tinha asesperanas abaladas. Em Londres, atento s crticas dos jornais ingleses poltica de RuiBarbosa, ele conclui seu Agradecimento, enviando alguns exemplares para Rio Branco: Oque eu podia dizer do Imperador disse a. (...) Eu no mandei ao Imperador o meu escrito para noparecer que eu imagino dar-lhe prazer com a minha pequena apologia, mas se V. julga que lhe dariaalgum, mande-o ao grande velho.20 J em 9 de setembro de 1891, de volta ao Rio de Janeiro,Nabuco reafirma que o regime no estava fundado apenas porque no sofria resistncias,e insiste em sua viso de que o povo era monarquista, considerando a Repblica algoestranho. Cerca de um ms depois, ele categrico: A repblica est inteiramente desacredita-da e pronta para cair de podre com satisfao geral.21 Deodoro est doente e pode morrer deuma hora para outra, o que ativar os batalhes, podendo produzir saques e medo. OCongresso est desmoralizado, a crise financeira e a carestia so enormes, e a propagan-da separatista ativa. Na lgica do quanto pior, melhor, Nabuco escreve: tudo junto faz umbelo horizonte. E conclui: Em suma pode acontecer de um instante para outro...o fim da repblica,sem ter sido a inteno de ningum.

    As previses de Nabuco no se realizaram. Quem morreu foi o Imperador, em 5de dezembro de 1891, sendo que Deodoro renunciou, em meio a grave crise. FlorianoPeixoto assumiu o poder, em 23 de novembro, para pacificar o pas com mo deferro, como se disse. Da a explicao que d a Rio Branco, quando em Lisboa, no finaldo mesmo ano: Ns viemos de l um tanto forados. (...) Infelizmente o pas no habitvel nestaquadra de terror, de clubs Tiradentes e de juramentos secretos. No h garantia alguma para oshomens que eles julgam capazes de fazer mal Repblica. Os jacobinos esto dentro da Polcia e emaliana ntima com a tropa. (...) Julgo a anarquia senhora definitivamente do pas e precisando a cadadia de aumentar a compresso para evitar a volta da monarquia.22 Nesse momento, ele se senteno ar, sem saber o que fazer, sem interesse por nada, como quem perdesse todo o capital que acumulou,o que literalmente uma realidade, uma vez que no s perdera o dinheiro do dote de suaesposa em investimentos realizados em Buenos Aires, como no havia conseguido seestabelecer com sucesso no Rio de Janeiro. Mas sua estada na Europa tambm no lhetraz bons resultados materiais, embora tenha sido ocasio crucial para sua reconversoao catolicismo, como ele mesmo reconhece e assinala.

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    H, nesse exato momento, uma interrupo na correspondncia arquivada, reto-mada apenas em 1898,23 quando Rio Branco est na Sua, cuidando da questo doAmap, ou seja, das fronteiras do Brasil com a Frana. O Baro , a essa altura, um dosnomes reconhecidos da diplomacia republicana. Encarregado por Floriano Peixoto dolitgio com a Argentina, relativo ao territrio de Palmas/Misses, submetido aoarbitramento dos EUA, Rio Branco fora vencedor, em 1895. Nabuco, por sua vez, ficarano Rio, reorientando sua crena restauradora, pois, desde 1893, passara a se dedicar preparao da obra sobre a vida de seu pai. Na verdade, sem abandonar completamenteas articulaes polticas com grupos monarquistas, ele priorizara a defesa do SegundoReinado em outro campo de luta. O tema da monarquia e da repblica, por conseguinte,permanecia dominando seu trabalho, mas no mais com grandes esperanas na restaura-o. O ano de 1893 foi dramtico, como se sabe, pela Revolta da Armada, pelo incio daRevoluo Federalista e pelo comeo da guerra de Canudos, que iria promover a trgicaassociao entre monarquia e barbrie, muito conveniente ao jacobinismo no poder.Mas, como igualmente se sabe, esse tambm foi um ponto de inflexo para a rearticulaodos republicanos civis24 que, num jogo delicado de sustentao e negociao com FlorianoPeixoto, acabariam por fazer seu sucessor, em maro de 1894. A partir da, a Repblicacomeava a ter um novo curso, bem como a avaliao de seu passado imediato e maisremoto.

    3. De monarquistas e republicanos: a dcada do caos no dilogo entre Nabuco e

    Oliveira Lima

    A correspondncia entre Nabuco e Oliveira Lima conduz a percursos distintos. tambm do mesmo ano, o de 1882, a primeira carta que se encontrou escrita por Nabucoa Oliveira Lima, ento estudando em Lisboa. Nabuco est em Londres, dedicado escri-ta do texto que seria fundamental para a retomada de sua carreira poltica e para odirecionamento do movimento abolicionista no Brasil: O abolicionismo. Na carta, ele queragradecer a um jovem a publicao de seu retrato e biografia na revista Correio do Brazil.25

    Ele est impressionado com o talento e a pouca idade do rapaz (ento com cerca de 15anos): Acham-me para poltico moo demais; o que diro porm quando virem que o meu bigrafo um jornalista da sua idade? (...) Mal sabia eu que, no menino que me dava todas as notcias de ltimahora, estava um boto de jornalista a desabrochar a toda pressa voltado para o sol da ptria! Escla-rece ento que seu desterro em Londres no voluntrio. Sentia-se um emigrado queprocurava ganhar a vida e trabalhar em um meio favorvel ao desenvolvimento dasfaculdades que possui, o que no podia realizar em seu pas: Todo campo de luta pela vidano Brasil est infelizmente dominado pela escravido, e eu tornei-me seu mortal inimigo. Em segui-da, adverte: No v agora cometer a indiscrio de publicar esta carta. E se subscreve:comprovinciano, colega e amigo.26

    Um tipo de relao bem distinta daquela demarcada com Rio Branco, uma vezque a diferena de idade entre Nabuco e Lima estabelecia uma proeminncia intelectuale poltica do primeiro, que ser mantida durante todo o perodo em que so amigos. Umfato que, provavelmente, explica o sofrido rompimento ocorrido entre os dois por volta

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    de 1906, quando Nabuco j era o Embaixador do Brasil nos EUA e Lima um diplomatae historiador reconhecido nacional e internacionalmente. Uma amizade que parece noter sofrido qualquer percalo com as afirmaes de monarquismo de Nabuco, sobretudoaps o incio do regime republicano, uma vez que a trajetria de Lima seria bastantedistinta.

    No ano de 1890, j formado em Letras (1888), ele vem ao Rio de Janeiro para sernomeado segundo secretrio da Legao do Brasil em Lisboa, cidade que conhecia tobem. Comea ento sua carreira diplomtica como funcionrio da Repblica, ao mesmotempo que passa a se dedicar a seus escritos histricos.27 Estes o levam, j em 1895, a sercolaborador da Revista Brasileira, ncleo de articulao da futura Academia Brasileira deLetras, onde esto Machado de Assis, Jos Verssimo e Joaquim Nabuco, de volta ao Riodesde meados de 1892, aps algumas tentativas de viver fora do Brasil. Como se viu, noera a primeira vez que Nabuco procurava, fora do Brasil, um ambiente mais propcio asuas faculdades, mas no incio da dcada de 1890, essa busca foi extremamentefrustante. No mesmo ano de 1895, Lima publicava Pernambuco, seu desenvolvimento histri-co, tornando-se scio correspondente do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, umdos mais prestigiados loci de sociabilidade do campo cultural da poca, mesmo conside-rando-se o impacto sofrido com a queda da Monarquia. Mas em 1896 que escreve Septsans de Rpublique au Brsil (1889-1896), publicado na Nouvelle Revue,28 um texto que mere-ce alguns comentrios por razes de especial interesse para este artigo.

    O livro um dos melhores exemplos do que se pode considerar um texto decombate de idias, nitidamente associado a um exerccio de histria imediata escrito porum historiador para um grande pblico, ou seja, com objetivos de ampla persuaso pol-tica. Alm de demarcar o comprometimento de Oliveira Lima com o novo regime, osdois artigos, como Malatian assinalou, cumpriam a misso de defender o abalado concei-to da Repblica brasileira no exterior, o que era, sem dvida, uma alta funo da diplo-macia naquele conturbado momento. A tarefa no era simples, uma vez que os seteanos abarcavam tanto a Revolta da Armada, quanto a Revoluo Federalista, sem falarnos resultados da poltica do Encilhamento do ministro Rui Barbosa. Mas j se estavasob um governo civil, o de Prudente de Morais, embora ele no tivesse sofrido ainda omal sucedido atentado vida (1897) que, num efeito bumerangue, enfraqueceria tantoos jacobinos, quanto os monarquistas, ajudando o grupo do republicanismo histrico emoderado a se implantar efetivamente no poder.

    Nesse preciso sentido, os artigos de Lima se inseriam em e respondiam a umconjunto maior de textos que proliferou nos anos iniciais da Repblica, explicitandocomo o combate pelos rumos polticos do pas valorava o campo cultural (e a histria),dele se utilizando. Nesse conjunto, em defesa da Monarquia, os dois livros mais impor-tantes so os do publicista Eduardo Prado. Eram eles: Fastos da ditadura militar no Brasil,reunindo artigos publicados na Revista de Portugal entre 1889 e 1890; e A iluso americana,publicado em 1893 e apreendido pela polcia em So Paulo, o que acabou por levar seuautor a partir para a Europa, mas no o impediu de continuar a fazer propaganda anti-republicana e de participar da criao da Academia Brasileira de Letras, em 1897, esco-lhendo como patrono de sua cadeira o Visconde de Rio Branco.29 Um pouco depois,entre 1899 e 1901, integrando e de certa forma encerrando esse movimento, um grupo

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    de monarquistas, reunindo intelectuais e polticos, iria publicar uma srie de fascculoscom o ttulo geral de A dcada republicana, onde se procurava fazer um balano crtico,extremamente negativo, do que ocorrera sob o novo regime.30

    A iniciativa de Oliveira Lima, vale lembrar, no era caso isolado de propaganda edefesa da Repblica. Na poca, existiram vrias outras, como a do governador dePernambuco, Barbosa Lima, em 1895, patrocinando a publicao de biografias que con-tribussem para uma nova histria do Brasil,31 alm do comprometimento imediato deintelectuais republicanos, como Silvio Romero que, no ano de 1890, lanou um manualde ensino cvico, intitulado A histria do Brasil ensinada pela biografia de seus heris, querecebeu o prefcio de outro grande nome das letras, Joo Ribeiro.32 Dois exemplos signi-ficativos pois chamam a ateno para o fato do espao da literatura infantil, com desta-que a escolar, estar sendo utilizado pelos intelectuais como campo de militncia poltica,ao lado do jornalismo de combate, uma tradio de longa data. No mera coincidncia,igualmente, a valorao do gnero biogrfico como a melhor forma literria e pedaggicapara se associar histrias de uma vida, de um regime e da ptria.33

    Alm disso, os sete anos, aliados correspondncia privada do autor, so umaoportunidade para se refletir sobre suas idias e a linguagem que usava para express-las,conforme o meio e o pblico leitor que visava. Isso porque, como destaca Malatian,nesses dois artigos, embora Oliveira Lima assumisse uma clara defesa do novo regime edas atividades que o ministrio das Relaes Exteriores vinha nele empreendendo, repli-cando os ataques dos monarquistas, o que se conforma na construo da histria daRepblica a realizada, uma espcie de leitura conciliadora com a experincia doImprio.34 Quer dizer, Lima afirmava sua f republicana sem rejeitar ou romper com opassado monrquico do pas. Uma estratgia que, sem dvida, pode ser entendida porvrias razes. Entre elas, a de um cuidado com o pblico estrangeiro (os artigos soescritos em francs, para serem lidos numa Europa com regimes monrquicos), passandopela delicadeza de sua posio como diplomata (que devia tambm agradar a governosestrangeiros), at alcanar uma preocupao de ordem historiogrfica, que se torna aquiparticularmente relevante. Ou seja, pode-se localizar nesse tipo de escrita da histria(ainda que se tratasse de uma histria imediata, movida pela persuaso poltica), umacerta diretriz na reconstruo do passado, que comeava a ser praticada e para a qual sequer chamar a ateno.35 Tratava-se de, mesmo reconhecendo e apontando a existnciade erros, valorizar mais o passado do que atacar seus feitos e homens, atenuando-se alinguagem utilizada na narrativa e buscando-se, dessa forma, ganhar a simpatia do leitor.A idia era que tal procedimento seria mais proveitoso aos fins da histria do Brasil e daRepblica, no causando prejuzo aos processos de crtica e de defesa das posies dohistoriador.36

    Portanto, uma linguagem moderada, combinada a um tipo de interpretao quevalorava o passado e demarcava a continuidade do processo de formao da nao,tornava-se fundamental para afirmar uma certa concepo de histria e seu papel peda-ggico. Em palavras do prprio Oliveira Lima, em discurso no IHGB, tal proposta bemfixada: No vos fao, meus caros conscios, a injria de pensar que podeis sequer recear que o carinhopelo passado que se traduz pelo amor da verdade na evocao, e portanto da exatido na sua documen-tao, possa ser suspeito de tendncias reacionrias. O tradicionalismo uma manifestao de progres-

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    so e no de atraso: os povos s o cultivam quando atingem um grau elevado de adiantamento. Somenteespritos estreitos e obcecados de jacobinos eivados de paixo e fustigados pelo interesse (...) poderopretender o contrrio e querer romper a continuidade da nossa histria, continuidade que faz a suasubstncia e beleza.37 Por isso, para esse historiador (mas no s para ele), a escrita dahistria e seus objetivos teriam que ser forosamente distintos daqueles praticados nojornalismo de combate, que precisava ser violenta e dura, e tambm daqueles das cartas,onde as crticas podiam ser mais diretas e francas.

    Talvez por esse motivo, associado a um relacionamento anterior, seja possvelentender o que se passou entre Nabuco e Lima. Em carta de 28 de novembro de 1896,38

    Nabuco agradece s amveis referncias feitas a ele nos artigos da Nouvelle Revue, que lheforam mostrados por Jos Verssimo. Pondera, com bom humor e ironia, que Lima sofriado mal oposto ao seu - otimismo x pessimismo -, ainda que considerasse que suadoena seja mais alegre. Reafirma ento, com nfase, o diagnstico de que a Repblica a liquidao nacional e responde defesa do regime feita por Lima: O mais que osRepublicanos podem dizer que a decadncia irremedivel em que entramos, to irremedivel como ado Peru ou a da Espanha, no uma questo de instituies, mas de raa. Isso talvez eu admitisse,acrescentando porm, que as instituies influem tambm, a Monarquia como freio e a Repblica comoimpulsor. E conclui, em tom amigo e revelador de suas impresses sobre os EUA, naquelemomento, j que Lima se encontrava servindo na Legao de Washington: Espero muitodas suas impresses Americanas para a formao da sua opinio ntima a respeito da mudana quesofremos.39

    Nabuco, nessa poca, ainda est profunda e publicamente engajado com um pro-jeto de defesa da Monarquia. So indicadores do fato, muito assinalados pela literatura,os artigos que escreve no Jornal do Comrcio, reunidos e publicados em livro, sob o ttuloBalmaceda, bem como a famosa carta resposta ao amigo republicano, o Almirante Jaceguay,40

    ambos de 1895. Nesse ltimo caso, Nabuco fora instado, por uma carta aberta publicadaem jornal, a reconsiderar suas opinies monarquistas, entendidas como respeitveis masilusrias, no s ante o estado de decadncia vivenciado pelo Segundo Reinado em seusltimos anos, como ante o fato inelutvel da Repblica, bem ou mal organizada. Oque Jaceguay realiza no texto, alm de uma avaliao bastante negativa dos ltimos anosdo Segundo Reinado e do prprio Imperador, um chamamento esperanoso ao amigo,diante de uma fase de governo civil, constitucional, honesto e patritico, que encerra-va um perodo turbulento e inaugurava uma nova experincia que, segundo ele, no seriaefmera e poderia dissipar as dvidas dos brasileiros em relao Repblica.

    A resposta de Nabuco, cerca de um ms depois, logo, pensada e medida paradialogar com o fraterno amigo e um amplo pblico leitor, uma primeira reconstruo desua trajetria monarquista desde 1890. Assim, pode ser entendido como um dos exerc-cios autobiogrficos que esse intelectual empreende aps o episdio da Proclamao. Nacarta, Nabuco reafirma suas crticas repblica norte-americana (nunca o sentimentode desigualdade das cores foi to forte como em uma Repblica os Estados Unidos),sua viso realista da monarquia brasileira (nunca acreditou ser um governo perfeito),mas, mesmo admitindo que a poca do Terror havia passado, continuava acreditandona impossibilidade da repblica no Brasil, ameaada pelo poder autnomo dos estadosda federao e aprisionada no dilema ordem x liberdade. Por tudo isso, mesmo entenden-

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    do que uma restaurao monrquica no mais ocorreria, confessava seu dever de con-tinuar sendo monarquista e negava seus prstimos ao novo regime.

    Pea muito conforme aos debates polticos da poca, essa carta aberta de Joa-quim Nabuco pode ser vinculada ao manifesto de um Partido Monarquista, publicadologo depois no Jornal do Comrcio, em janeiro de 1896, com sua assinatura ao lado da doVisconde de Ouro Preto e do Conde Afonso Celso, entre outros. Contudo, bom obser-var que, quando boa parte desses mesmos homens, em 1899, buscou retomar a iniciativapara formar um outro partido monarquista, ele no mais compareceu com seu nome,bem como no escreveu em A dcada republicana. Entre 1894 e 1898, Nabuco vai mergu-lhar na redao da biografia de seu pai - Um estadista do Imprio -, tarefa que desempenhoucomo uma misso pessoal, intelectual e poltica.

    So muitos os estudos sobre essa obra que se torna um clssico da historiografiabrasileira,41 demarcando uma leitura sobre o Segundo Reinado que se imps, quer pelasconcordncias, quer pelas discordncias, desde seu lanamento muito festejado, em 1897,ano de fundao da Academia Brasileira de Letras, em que Nabuco figura como Secret-rio. Da tica deste artigo, contudo, o ano de 1896 que assinala um evento e pronunci-amento muito esclarecedor para o dilogo que Nabuco vinha travando com Rio Brancoe Oliveira Lima, particularmente no que se refere sua viso do campo das letras e dahistria, como um espao de debate entre projetos republicanos e monarquistas. Trata-sedo discurso que pronunciou no Instituto Histrico Geogrfico Brasileiro, em 25 de outu-bro de 1896, quando toma posse como novo associado da casa. Uma pea oratria que,assumindo-se a tica de indicar um programa poltico-intelectual de Nabuco, poderia seraproximada das indicaes fornecidas em sua autobiografia Minha formao , que seriapublicada em 1900, mas que reunia reflexes desenvolvidas entre 1893 e 1899, segundoele mesmo.42

    No discurso, Nabuco deseja explicar os motivos que o fazem aceitar o convitecomo uma obrigao moral.43 O primeiro deles se devia ao fato de ver o IHGB comoo abrigo mais tranqilo e seguro a que se possa confiar o vultoso material da histriaptria, o que ele conhecia bem de perto, pelo trato com a documentao de seu pai, queguardava tudo que lhe dizia respeito. Sugeria, por exemplo, a criao de lugares de con-servadores da histria, que recolhessem os esplios polticos e literrios de valor parao pas, funo que poderia ser desempenhada por homens como Capistrano de Abreu.O segundo e mais importante motivo era o fato de entender que a histria do Brasilatravessava uma grave crise, cujo resultado podia ser sua mutilao definitiva. Osagentes dessa ao eram uma escola religiosa (evidentemente os positivistas), quepretendia reduzir a histria nacional a trs nomes: Tiradentes, Jos Bonifcio e BenjaminConstant. A questo de Nabuco, entretanto, no era a de negar o direito a nenhum dostrs como representantes gloriosos de nossa histria. Ele no discute, inclusive, o lugaratribudo a Benjamin Constant, incontestavelmente o Fundador da Repblica.44 Mas noconcorda que Tiradentes resuma em si o ingente esforo pela independncia, a pontode no se valorizar os heris pernambucanos de 1817, ou de que Jos Bonifcio fossemais destacado que Pedro I, at porque aquele se ligava muito mais independncia doque ao passado imperial.

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    Ou seja, o discurso de Nabuco explicita, de forma contundente, a batalha simb-lica que vinha sendo travada na dcada republicana de 1890, tendo em vista um necess-rio ajustamento da galeria de heris e acontecimentos da histria nacional, o que impli-cava a entrada de novos elementos e uma redistribuio de papis entre os j conhecidos.Algo que tambm ocorria nos postos da poltica que, mesmo abrigando nomes tradicio-nais - aderentes de ltima hora ou no -, tambm se abria a novos candidatos, cujatradio comeava a ser inventada com a Repblica. Algo que certamente podia horrori-zar a homens como Nabuco, por motivos diversos e expressos na imagem de uma qua-drilha de analfabetos que se achegava ao poder. Entretanto, no caso da disputa travadano terreno da escrita da histria, o que mais preocupava Nabuco no era propriamente agaleria de nomes postulada, mas o que se pretendia significar com tais escolhas, dondeseu diagnstico de uma histria mutilada. Isso porque, para ele, o projeto positivista/jacobino, alm de fazer datar nossa histria da Independncia, como se no existisse umahistria portuguesa do pas, pretendia criar entre a Independncia e a Repblica umdeserto de quase setenta anos, a que posso dar o nome de deserto do esquecimento.Esse era o grande problema: o programa da escola religiosa objetivava realizar umaruptura entre Monarquia e Repblica, apagando o Primeiro e o Segundo Reinados, eignorando todo o progresso material, intelectual e moral ento alcanados.

    Ora, no momento em que o passado nacional corria to grave risco, a entrada noIHGB - onde a histria goza ainda do direito de asilo -, era um compromisso essencialde luta pela ptria. A proposta de Nabuco, que alis estava em fase adiantada de realiza-o, era a de escrever a histria do Brasil para, no s afirmar o lugar do Segundo Reina-do e de Pedro II, que via como um apogeu moral, como igualmente de postular umaconcepo de histria marcada basicamente pela continuidade e no por cortes revoluci-onrios e desertos de esquecimento. Esse ltimo aspecto, porm, apenas sugerido nodiscurso do IHGB, estando mais claro em Minha formao, como Rezende de Carvalhoadverte, ao destacar que o livro menos uma autobiografia do que uma pea de persua-so poltica, na qual o autor afirma um liberalismo conservador e anti-revolucionrio,mas reformista.45 Porm, vale observar que, atravs de sua precoce autobiografia, Nabucoestava se agregando galeria de personagens que compunha essa nova histria doBrasil, at porque ela se abrira, com a Repblica, a nomes cuja atuao tinha data recen-te, como eram os casos evidentes de Benjamin Constant e Floriano Peixoto, entre outros.

    Em Minha formao e tambm em Um estadista do imprio so as idias de um esp-rito de reforma e de uma ndole conservadora e pacfica que dominam a histria doBrasil que est sendo narrada. Por isso, o futuro tinha que estar ligado ao passado dastradies do pas, no havendo lugar para cortes e rupturas. Tratava-se, claramente, deuma proposta que buscava fundar a autoridade poltica na tradio, e no na fora ou nocarisma, como nos lembra a tipologia weberiana. Uma proposta que, vista com ateno,podia extrapolar em muito uma luta por um lugar de honra para o Segundo Reinado, paraseu Parlamento ou para o conselheiro Nabuco de Arajo. Ela abria espao para umavalorizao do passado portugus, para as lutas da Independncia, para as conquistas doperodo imperial e tambm para o prprio experimento republicano, sendo que o funda-mental no era tanto uma disputa sobre regimes polticos - monarquia ou repblica -,mas o reconhecimento de um esforo contnuo e ininterrupto de construo da naciona-

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    lidade brasileira. Um esforo que, como se postulava, assentava na tradio a base dalegitimidade do poder.

    O reconhecimento da Monarquia (como dinastia, memria e histria) no preci-sava se tornar um bice verificao de que a Repblica era o regime que passara arepresentar os interesses do pas. Se isso era possvel (e conveniente), intelectual e poli-ticamente, para Nabuco, tambm o era para o IHGB, mergulhado em dificuldadesorganizacionais desde a queda da Monarquia, devido a seus vnculos com o Imperador ecom a proposta de restaurao. Mas, essa era uma narrativa da histria do Brasil queigualmente podia interessar aos novos governos republicanos civis, que desejavam seafastar da dcada do caos (ou seja, da fora e do carisma), para construir um pactopoltico que buscava, no dizer de Renato Lessa e em outra chave, retomar a tradioimperial do Poder Moderador. Tanto que, conta-se, Campos Sales, presidente eleito em1898 e arquiteto da poltica dos governadores, leu Um estadista do Imprio e se convenceude que Nabuco era o homem capaz de defender o Brasil na difcil questo de fronteirascom a Guiana Inglesa. Convidou-o e ele, afirmando-se monarquista, aceitou em nome daptria.46

    4. De monarquista e republicanos: os anos 1900 e a Repblica da unidade naci-

    onal

    A dcada de 1900 abre-se, na correspondncia desses trs intelectuais diploma-tas, sob a gide da entrada de Joaquim Nabuco no Itamaraty. Inicialmente (maro de1899), com seu aceite para representar o Brasil na questo de limites da Guiana Inglesae, a seguir (agosto de 1900), com sua nomeao para chefe da Legao em Londres, emfuno da morte prematura do amigo comum, o ministro Souza Correia. De 1900 a 1910,o volume de cartas cresce nos arquivos consultados, sendo o perodo de maior intensida-de aquele que vai de 1901 a 1906, aproximadamente. Durante essa segunda dcadarepublicana, Nabuco e Oliveira Lima ficaro quase todo o tempo fora do Brasil. Nabuco,basicamente em Londres, Roma e Washington, e Oliveira Lima, viajando muito, emLondres, Tquio, Lima e Caracas e, em intervalos, no Rio de Janeiro. J Rio Brancoestar primeiro em Berna, aguardando o laudo do governo Suo sobre a fronteira doAmap, depois em Berlim e, por fim, no Considerando-se a tica deste artigo, algunseventos se destacam por ainda trazerem o tema da repblica para o debate, embora emcontexto inteiramente diverso. Do mesmo modo, interessante verificar como a corres-pondncia, embora extremamente dominada por assuntos diplomticos (logo, polticos),tambm vai assinalando o tipo de investimento intelectual dos missivistas, nessa dcada.Ou seja, pode-se ver como o tema da escrita da histria e da condio de historiador vaipermeando as cartas, ao lado dos assuntos profissionais e das relaes afetivas, que serevelam ntimas e tambm conflituosas. Assim, alm dos deslocamentos espaciais entreos correspondentes, o que se verifica a existncia de deslocamentos emocionais e tam-bm poltico-ideolgicos, esses dois ltimos bastante relacionados.

    Nos casos de Rio Branco e Nabuco, a grande obra intelectual mencionada aredao das Memrias relativas s questes de fronteira (a de Nabuco alcanou 18 volu-

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    mes), sendo a correspondncia uma fonte que permite acompanhar o cotidiano de an-gstias, pesquisas, tradues, leituras, impresso, encadernao etc. Esse trabalho polti-co/diplomtico, na mais alta significao da palavra, pois traduzia a luta pela defesa doterritrio, era realizado por uma equipe com funes especializadas e, em boa parte,concebido como ofcio de historiador, que escreve e faz histria, tantas eram as qualifi-caes que exigia.47 As Memrias, quer de Rio Branco, quer de Nabuco, aparecem nacorrespondncia como um trabalho minucioso de pesquisa de documentos textuais e demapas, que precisava se estruturar a partir de uma redao que argumentasse e conven-cesse o leitor/rbitro da justeza dos argumentos, o que no exclua as festas que precisa-vam ser oferecidas para complementar a persuaso do texto. Grande parte do dilogoentre esses dois amigos est repleta da troca de idias e ponderaes sobre o melhorproceder, com destaque para o papel de orientador de Rio Branco, mais experiente evitorioso por duas vezes. Alis, nos momentos prximos divulgao do laudo suo,que d ganho de causa ao Brasil, Nabuco faz um prognstico certeiro: o Baro se tornariaindiscutivelmente um personagem nacional, um gigante na poltica externa/interna,j que deixaria sua marca de norte a sul do territrio. Rio Branco no devia mais sepreocupar (ele se julgava injustiado na carreira e reclamava muito de suas finanas),pois seu futuro seria o de uma importante Legao, no mnimo.48

    J a situao de Oliveira Lima era distinta e o que se v, sobretudo por sua trocade cartas com Nabuco, o aprofundamento de uma amizade e, ao ver deste ltimo, oanncio de uma carreira que seria brilhante tanto na diplomacia, como na histria. SeNabuco e Lima j se conheciam e se correspondiam, foi quando conviveram em Londresque um lao maior os uniu, bem como a suas famlias. Fica-se sabendo disso pelas cartastrocadas entre ambos, quando os Lima estavam no Japo. So inmeras as menes aoprazer proporcionado pelas cartas de Oliveira Lima e pelos postais e fotos enviados porDona Flora, sua esposa e fotgrafa amadora, que deleitavam toda a famlia Nabuco deArajo: Um dia eu as oferecerei a um editor; por isso no tenha medo que se percam. Graas a elase ao Kodak de D. Flora estamos viajando em sua companhia desde que deixaram Londres.49

    As cartas de Lima para Nabuco e, bem menos, para Rio Branco, do semprenotcias de seu trabalho como diplomata e tambm como historiador, ficando evidentecomo ele se esforava para conjugar as duas misses, sendo, entre os trs, o que maisinvestia e se dedicava escrita da histria, conseguindo bastante sucesso e tornando-seum intelectual consagrado. Alguns exemplos so interessantes. Em 1900, em Londres,Lima escreve a Rio Branco falando de seu trabalho no Museu Britnico, onde j consul-tara 40 cdices de manuscritos sobre o Brasil. Acreditava que, em quatro meses, conclui-ria o levantamento que permitiria a publicao de um catlogo que seria fundamentalaos historiadores brasileiros.50 Mas Nabuco que d a medida da produo e recepo daobra de Lima. Em fins de 1901, assinala que o livro Reconhecimento j vai para a segundaedio, e comenta: Estou desejosssimo de ver o seu livro. S assim conhecerei o Japo. 51 Emmeados de 1902, com a perspectiva da sada de Lima de Tquio, o amigo lhe escreveconvencido de que um posto promissor o aguardaria - talvez Washington -, devido aosucesso de Nos Estados Unidos: impresses polticas e sociais, publicado em 1899: O seu livroindicou-o, alm do seu talento, que o pe na primeira linha da Carreira, o que na sua idade muitobonito. No v o seu livro japons contra indic-lo, indicando-o para a. Eu s vejo um defeito na

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    nomeao: estar ou continuar to longe de ns (ponha o verbo no plural). (...) Como quer que veja, o seunome acode logo em primeiro lugar a todos, mesmo a quem no o conhece pessoalmente. O senhor assim em todo o sentido um arriv. No tenha pressa, portanto.52 Em setembro do mesmo ano,Nabuco continua especulando sobre o futuro de Lima, talvez a Itlia ou quem sabe oChile, o que seria muito bom para os planos do novo trabalho, o D. Joo VI no Brasil, quej o entusiasmava: Os pequenos postos para os autores de livros so os mais cmodos, ou entoLondres, onde cada um vive como quer.53

    Nesse exato momento, Rio Branco estava sendo conduzido ao ministrio dasRelaes Exteriores e os prognsticos mais otimistas de Nabuco no se realizam. Aocontrrio, comeava a ocorrer um certo confronto entre o novo ministro e Oliveira Lima,na medida em que este retardava sua apresentao para o posto para o qual havia sidodesignado, no Peru, no momento da grave questo do Acre, que tambm envolvia osEUA.54 Um confronto que se alonga e ter conseqncias decisivas para a carreira deLima, que chega a pensar em abandonar a diplomacia. Nabuco lamenta profundamente ofato, aconselha paz e um modus vivendi entre to grandes homens e diz ser uma penano existir no Itamaraty um posto de Delegado da Histria Nacional. Seria o idealliterrio de Oliveira Lima, que estava mergulhado nas escavaes do D. Joo VI. Maspergunta: se fosse assim, onde ficaria o outro ideal que deveria mov-los, o poltico? Porfim, escreve: Se lhe fizesse o retrato, diria que o seu defeito temperamento rebelde, ou amor prpriorevolucionrio, e a idia de que vale por si mesmo, de modo a poder afrontar as divindades superiores.Ningum vale por si ou tem valor prprio entre ns. 55 Sbias palavras, mas que s at certoponto surtem efeito. De toda forma, j em 1905, Nabuco est certo da qualidade do D.Joo VI, que ser o sucesso das comemoraes do Centenrio da Abertura dos Portos, em1908. O Brasil est tomando gosto da sua histria e h bem poucos l que a possam escrever. Bastaver os Secretrios etc. do nosso Instituto Histrico.56

    A escolha de Rio Branco para o ministrio foi um evento marcante nessa troca decartas, como no poderia deixar de ser. De julho de 1902, quando o presidente eleitoRodrigues Alves enderea o convite, at setembro, quando o aceite fica decidido, a cor-respondncia torna-se um lugar estratgico para Rio Branco consultar Nabuco, e paraambos tecerem consideraes sobre a situao da Repblica e as posies que poderiamassumir para nela influrem. Assim, alguns preciosos balanos so realizados, sendo que freqente que os amigos assumam a identidade/autoridade de historiadores para faz-lo. O ponto de partida a dvida inicial de Rio Branco, que considera o cargo um sacri-fcio em sentido pessoal financeiro e de sade (cair em pleno vero) , alm depoltico: Como ir meter-me imbrglio Acre no meio do fogo poltico Rio, entre gente toda nova paramim?57 Nabuco que deveria ser o Chanceler: o homem mais completo que temos para essapasta, no s pela preparao especial, mas tambm pelas qualidades brilhantes que possui e pelacoragem de reformador. Tem, ademais, amor vida poltica e, nessa posio, pelos servios que semdvida prestaria, subiria no fim do quatrinio a posto em que poderia fazer muito mais pela nossaterra, numa clara aluso presidncia da Repblica. A questo da Guiana Inglesa, por-tanto, no poderia ser um embarao.58

    A resposta de Nabuco imediata. Rio Branco no devia hesitar, sendo essa umaoportunidade mpar. Ele considerava a entrada do amigo no governo uma ressurreio dagrande poca do nosso Brasil. (...) Voc j escreveu, v agora fazer histria (...). Ele, em caso

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    algum, aceitaria tal convite, sendo uma calamidade nacional a resposta negativa dadapor Rio Branco ao presidente eleito. E concluindo a anlise: O atual sistema conservador.No serve para um liberal como eu o presidencialismo, serviria porm para um conservador como V. uma pena, e grande pena, a sua recusa do ponto de vista nacional, que o nico para ns quegostamos de histria. (...) Ao contrrio de V. eu no serviria para a pasta, por ser, como V. dizreformador, (poltico, entenda-se). Minha entrada exigiria minha inteira aceitao do atual regimeconstitucional, o que no posso fazer. No falo da Repblica, mas do modo por que ela est organiza-da. V. entraria sem poltica, e faria a sua poltica depois, de dentro, quando possusse elementos paraa ao.59

    A dicotomia construda entre as categorias (conservador x reformador) explicita-se, na avaliao de Nabuco, pela estratgia aconselhada a Paranhos - se aliar ao Exrcitoe Armada - para implementar a sua poltica e decidir a sorte do pas. Com a bandei-ra da unidade nacional, com tais aliados e o talento pessoal que possua, no teriacompetidores. Rio Branco acabar cedendo, mas diz que o faz com a inteno de, resol-vido o problema do Acre, em 1904, passar a vara do Rio a Nabuco: (...) entendo que V.deve ir para o Ministrio, e dessa posio saber tirar partido para influir na nossa poltica interna coisa de que no quero saber e chegar Presidncia. Nessa longa carta, datada de 30 de agostode 1902, Paranhos reafirma seu projeto de conduzir Nabuco chefia do governo e,respondendo s ponderaes do amigo, realiza uma cuidadosa anlise de vrios dosimpasses que dominavam o debate daquela conjuntura. Apesar de longa, vale a citao:

    Se o modo por que est organizada a Repblica pudesse ser impedimento para que V. aceitas-se a pasta das Relaes Exteriores, tambm o seria para que eu a aceitasse. Nunca fui partidrio dafederao como a estabeleceram entre ns, com governadores eleitos por cada Estado. Sempre entendique, desenvolvendo o Ato Adicional poderamos ter a melhor das federaes, a do tipo ingls, comoexiste no Canad e Austrlia. Sem falar na bancarrota de vrios Estados e nos muitos abusos queneles se tm enraizado, os inconvenientes da federao americana revelam-se at mesmo no que dizrespeito nossa poltica externa. Alguns incidentes da questo do Acre esto mostrando isso. Quantoao chamado regime presidencial que lhe no agrada, entendo que ainda o que nos convm por muitotempo. (...), sem dois grandes partidos, fortes e disciplinados, seria imprudente tentar o restabelecimentodo regime parlamentar. Os ministrios representariam apenas as coligaes transitrias dos gruposestaduais, isto , a liga de pequenos interesses e intrigas de campanrio. (...) As grandes reformaspolticas no podem ser feitas da noite para o dia. Voc (...) as tentar oportunamente (...) esforando-se para que possamos ter uma Repblica melhor do que a atual; mas, com os cabelos brancos que V.j tem, no poder deixar de reconhecer hoje que, depois de tantas reformas precipitadas e inconsideradas,o de que precisamos de fortalecer e desenvolver os elementos conservadores, por termo s agitaes e anarquia e assegurar, acima de tudo, a unidade nacional.60

    Nabuco exulta com a deciso de Paranhos - (...) V. historiador, historiador militar,sabe que sacrifcio fizeram quase todos que representaram grandes papis na histria (...) e faz seuprprio projeto/conselho poltico, trazendo o tema do pan-americamismo para a corres-pondncia: Eu sou um forte Monrosta, como lhe disse, e por isso grande partidrio da aproximaocada vez maior entre o Brasil e os Estados Unidos. Se eu fosse Ministro do Exterior (e o Presidenteo consentisse) caminharia firme nesse sentido, e em vez de pensar em mim para suceder-lhe daqui a dois

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    anos, deveria talvez V. pensar em fazer-me colaborador seu naquela poltica (...), mandando-me aWashington sondar o terreno. Deixemos, porm, o futuro.61

    A forma como, principalmente Nabuco, se serve da dimenso do fazer e escreverhistria para fortalecer seus argumentos muito elucidativa e vincula-se idia deNsnos falamos e escrevemos sempre com tanta franqueza e colaboramos tanto juntos nos ltimos vinte ecinco anos (...) que eu no suponho que V. leve a mal nada do que eu como historiador lhe diga arespeito de uma situao a que seu nome ficar vinculado!62 Ele est preocupado com as acusa-es que esto sendo feitas ao governo anterior (que teria abandonado a integridade dopas no Acre), e tambm com a linguagem usada em relao aos EUA, muito agressiva, oque no nos interessava. Portanto, desde 1902, v-se que Nabuco passa a declarar suafranca adeso doutrina Monroe, advogando uma transformao no eixo da polticaexterior brasileira da Europa para a Amrica -, sugerindo-a a Rio Branco e oferecendo-se para a Legao de Washignton.

    Um deslocamento interessante, sobretudo considerando-se seu conhecimento eviso crtica dos EUA, muito evidente, por exemplo, quanto adverte Oliveira Lima porsuas simpatias s repblicas brasileira e norte-americana, manifestadas no livro, Nos Es-tados Unidos, j mencionado. Uma mudana que seria vista com surpresa e desencantopor Lima que, aproximadamente no mesmo perodo, passa a defender uma proposta depan-americanismo um pouco distinta da que seria seguida oficialmente pelo governo,com Rio Branco e Nabuco testa. Considerando os limites e objetivos deste artigo,importa apenas registrar que Lima ir postular um tipo de aproximao maior do Brasilcom os pases da Amrica do Sul, especialmente Argentina, Uruguai e Chile, para que opas pudesse estar mais protegido da poltica de boa vizinhana do forte vizinho donorte. Uma questo que, ainda que fosse de pesos e equilbrio nas alianas internacio-nais, trazia vises crticas distintas em relao aos EUA.

    difcil acompanhar pelas cartas as causas e o desenvolvimento dessasreorientaes, mas fcil perceber seu resultado. Nabuco, que j havia sofrido o revs dolaudo arbitral do Rei da Itlia (considerado por ele uma derrota, embora saudado comouma vitria no Brasil), acabava de ser nomeado embaixador brasileiro em Washington.Esse um perodo chave na trajetria de Joaquim Nabuco.63 Sob os auspcios de RioBranco, ser considerado um heri no Brasil, conseguindo que o Rio de Janeiro se tornas-se a sede da III Conferncia Pan-Americana, em 1906. Ser nessa oportunidade que, emum banquete a ele oferecido, discursar afirmando publicamente sua adeso ao regimeque tanto combateu. Dessa maneira, ritualmente, retoma o fio da autobiografia que in-terrompera em 1899: Senhores, eu no me separei de repente do partido monarquista: eu levei dezanos nessa lenta evoluo que me fez ceder invencvel prescrio da histria.64 E, segundo elemesmo nos ltimos cinco anos, fizera mais pela Monarquia do que qualquer outro, levan-tando os homens de Estado do antigo regime ao pedestal que eles ho de ficar, e elevando ao Impera-dor, ao mesmo tempo que por piedade filial cumpria um dever para com a memria de meu pai, ummonumento (...). Considerava-se um brasileiro de sorte, pois quis o destino que o vaziodeixado em sua alma pela causa da abolio, tivesse sido preenchido por outra grandecausa: Refiro-me aproximao entre o Brasil e os Estados Unidos.

    Abolio e pan-americanismo so colocados lado a lado para dar sentido traje-tria de vida e mobilizao poltico-patritica de Nabuco. Tal equiparao d bem a

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    medida da importncia que ele atribua, e que queria que fosse atribuda por todos, causa do pan-americanismo. Esse engajamento justamente o pomo da discrdia comOliveira Lima, cada vez mais crtico aos interesses norte-americanos, e mais favorvel auma unio dos pases latino-americanos como forma de se estabelecer um certo equil-brio diante do poder dos EUA. Algo que Nabuco no aceita e v como muito perigoso, oque acabaria, em 1906, com a correspondncia e a amizade entre os dois, de maneiraamarga.

    Isso vai ocorrer porque Nabuco seguir caminho inverso, como ele mesmo assi-nala em carta a Rio Branco, em 1908: (...) estou dedicando o resto de minha vida ativa aproximao ntima dos dois pases (...).65 Nesse momento, inclusive, sentia-se preocupadocom os rumos que as relaes entre Brasil e EUA estavam tomando66, pois estava abso-lutamente convencido de que se o povo ou o governo norte-americanos se convences-sem de que lhes desejamos mal, nossa integridade no valeria muito. Como poderamos nosdefender ou a territrios como Fernando de Noronha? Passara-se o momento dospublicistas e dos artigos como os do amigo Eduardo Prado. O mundo era outro: No,deixemos a Iluso Americana de lado. No tempo em que foi escrita, era um desabafo inocente. Hojeque h uma poltica mundial ativa por toda parte, seria um auxiliar das cobias estrangeiras. Einsiste em sua posio radicalmente contrria ao absurdo da proposta de Zeballos,diplomata argentino,67 de elaborar uma liga de pases na Amrica do Sul, o que arriscariaas relaes com os EUA, a quem teramos que recorrer em qualquer grave crise. Chega aponto de afirmar que preferia perder o posto a ter que explicar ao Secretrio de Estado,Mr. Root, e ao presidente dos EUA, uma alterao do eixo de segurana brasileiro dosEUA para o rio da Prata. Por fim, categrico quando diz que uma aliana do Brasil coma Argentina e o Chile seria o dobre fnebre de todo o seu trabalho de aproximao comos EUA.

    Tal posicionamento, aliado ao temperamento rebelde de Oliveira Lima leva aorompimento das comunicaes entre os dois. Surpreendentemente, porm, algo um tan-to distinto comea a se passar na troca de cartas entre Rio Branco e Oliveira Lima.Desde 1902, como se assinalou, ocorrera um afastamento entre o Chanceler e Lima, oque parece s se atenuar em 1905, quando este, em Caracas, consegue solucionar umproblema de demarcao de fronteiras entre o Brasil e a Venezuela. Assim, a despeitodas posies sustentadas por Oliveira Lima, que publica, em 1907, o livro Pan-americanismo(Monroe Bolvar Roosevelt) e, um ano depois, lana o seu D. Joo VI no Brasil, sua carreirasegue um curso razoavelmente satisfatrio. Tanto que, no ano de 1908 nomeado paraBruxelas e tambm Estocolmo. De Paris, escreve uma carta longa, cheia de projetos aRio Branco.68 Primeiro, elogia a habilidade de Paranhos em evitar um conflito com aArgentina. Reconhece que este pas quer ser a primeira potncia da Amrica do Sul,acreditando-se, na Europa, que o Brasil lhe inferior por ter um povo de mestios e umacapital pouco aparelhada. Uma situao que no pode ser aceita pelo Brasil que, depoisdos EUA, deve ser a segunda nao da Amrica e do mundo, at porque no temos maisa desculpa da monarquia. Era preciso progredir, povoar o territrio e ench-lo de por-tos, vias frreas etc. Principalmente, era preciso preparar a cidade do Rio de Janeiro paraque todo latino-americano nela encontrasse tudo o que de material, moral ou cientifica-mente possa desejar. Era fundamental que todos, na Amrica, admirassem o Rio, como

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    se admirava Paris na Europa; isso at a construo da nova capital modelo, em Gois,com os mesmos melhoramentos, o que no devia tardar. Rio Branco, que era uma glrianacional e o primeiro brasileiro tinha um papel fundamental na tarefa que ele vislum-brava imensa e alvissareira para o pas.

    Projetos muito interessantes vindos da parte de um homem que comearia a seridentificado com a Monarquia, tanto devido a seus livros, quanto em funo das crticasque fazia aos rumos do pan-americanismo e da prpria poltica interna republicana. Em1910, ano da morte de Nabuco, Oliveira Lima apia Rui Barbosa e o civilismo, na cam-panha contra Hermes da Fonseca, o eleito presidncia. Certamente um apoio que lhefoi fatal, pois no difcil imaginar outra trajetria para sua carreira, caso Rui Barbosafosse o vencedor. No casualmente, em 1913, logo depois da morte do Baro, sua indica-o para a chefia da Legao de Londres vetada pelo Senado, que o considerou suspei-to de monarquismo. Uma ironia para um defensor da Repblica na difcil conjuntura dadcada do caos, embora fosse ele um crtico ferrenho de polticos e polticas republica-nas e um admirador do sculo XIX e do passado imperial.

    Um golpe que o orgulho de Oliveira Lima no suportou, levando-o a se afastar dacarreira diplomtica e a se dedicar, finalmente, ao posto imaginado por Nabuco: o deDelegado da Histria Nacional, em Washington. Nessa cidade, ele estabelece sua biblio-teca, um particular lugar de memria para si, para o Brasil e para a Ibero-Amrica. Atrabalhou at a morte, em 1928, escrevendo para jornais, revistas e tambm produzindolivros de histria do Brasil e de Portugal.69

    Notas

    * ngela de Castro Gomes Doutora em Cincia Poltica pelo IUPERJ, Pesquisadora do CPDOC/FGV eProfessora Titular de Histria do Brasil da UFF. uma das organizadoras de A Repblica no Brasil, Rio deJaneiro, Nova Fronteira, 2002.1 Um dos textos que estabelece esse diagnstico Jos Murilo de Carvalho, A formao das almas: o imaginrio darepblica no Brasil, So Paulo, Cia. das Letras, 1990. bom observar, contudo, que o autor est trabalhando comos primeiros anos do regime e no com toda a Primeira Repblica.2 A correspondncia examinada est assim distribuda. So 106 cartas do Baro do Rio Branco, sendo 74 paraNabuco e 32 para Oliveira Lima. So 194 cartas de Joaquim Nabuco, sendo cerca de 150 para Rio Branco e 44 paraOliveira Lima. So 31 cartas de Oliveira Lima escritas para Rio Branco. Todas elas foram localizadas nos seguintesacervos documentais: Arquivo do Palcio do Itamaraty (PI), no Rio de Janeiro; Arquivo Joaquim Nabuco(AJN), na Fundao Joaquim Nabuco, no Recife; Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB), no Rio deJaneiro; e Oliveira Lima Library (OLL), Catholic University of Amrica, em Washington. Todas as cartas foramorganizadas e digitadas em um banco de dados, integrando um projeto de pesquisa apoiado pelo CNPq,intitulado Correspondncia de historiadores: o IHGB no incio da Repblica. Desejo agradecer a Ana Caro-lina Pereira, Luigi Bonaf e Mrcio Ferreira Vilela que, no Rio e no Recife, auxiliaram-me no levantamento eprocessamento de todo esse material de pesquisa.3 O conceito de histria imediata est sendo entendido como proposto em Chaveau et Ttart, Questions lhistoire des temps prsents. Paris, Ed. Complexe, 1992. Trata-se de uma primeira organizao e reflexo sobre oseventos contemporneos do analista, que pode ser um historiador, um jornalista, um poltico, um literato etc.A histria imediata, distinta da histria do tempo presente, um primeiro registro e um tipo de documento aser analisado, posteriormente, pelo historiador de ofcio, ganhando particular interesse quando produzido poralgum que reivindica a condio de historiador ou pensador poltico e social, como no caso examinado. Acorrespondncia e os artigos de idias publicados na imprensa podem ser, a meu juzo, fontes riqussimas, mas

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    pouco exploradas, do que se chama histria imediata, embora eu reconhea que tal designao est longe deeliminar dificuldades no trato do presente, inserindo-se num debate complexo e atual.4 J me dediquei a examinar a importncia e as caractersticas desse tipo de escrita de si em outro texto, razopela qual no retomo aqui tais reflexes. Ver ngela de Castro Gomes, Escrita de si, escrita da histria: a ttulode prlogo, em ngela de Castro Gomes (org.), Escrita de si, escrita da histria, Rio de Janeiro, Ed. FGV, 2004.5 Renato Lessa, A inveno republicana, So Paulo, Vrtice, 1988.6 Carta expedida de Brighton, 117 Western Road, com a seguinte despedida: Todo seu sempre Joaq. Nabuco.API, lata 832, mao 1, pasta 01.7 Carta do Rio, com a despedida: Seu do C. [corao] Joaq. Nabuco. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.8 PI, lata 832, mao 1, pasta 01.9 Carta s/d, Rawlings Hotel, Londres. Por isso, imagina-se que seja do primeiro semestre de 1892. PI, lata 832,mao1, pasta 01.10 Carta de 22 de maio de 1890, quando se encontra em guas de Lambari. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.11 idem.12 Joaquim Nabuco, Cartas a amigos (coligidas e anotadas por Carolina Nabuco), So Paulo, Instituto ProgressoIndustrial, 1949, v. 1, p. 184.13 Carta de 31/07/1890, escrita de Paquet. PI, lata 932, mao 1, pasta 01. As citaes seguintes so desta carta.14 Carta s/d, datada provavelmente de maio de 1891, pela meno ao novo ministro Afonso de Carvalho, umfossil da Bahia. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.15 Carta s/d , Cheyne Gardens, provavelmente logo aps fevereiro de 1891, pois ele comenta: o povo recebeucom apatia a constituio. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.16 Nabuco reconhece que o jornal correria riscos se conduzisse uma aberta luta pela restaurao, podendodefender no mximo uma repblica melhor. O Jornal do Brasil chega, de fato, a sofrer ataques, e entre 1o deoutubro de 1893 e 14 de novembro de 1894, ltimo ano do governo de Floriano Peixoto, sai de circulao.17 Carta s/d, enviada 16 Cheyne Gardens, Londres, o que permite situ-la no primeiro semestre de 1891.Deodoro foi eleito em 25/02/1891. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.18 Carta incompleta, s/d, 16 Cheyne Gardens, primeiro semestre de 1891. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.19 Carta de 25/05 provavelmente de 1891. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.20 Carta s/d, de Londres, primeiro semestre de 1891. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.21 Carta de 18/10/1891, Rio. PI, lata 832, mao 1, pasta 01. As citaes seguintes so dessa carta.22 Carta s/d, do Hotel Bragana, Lisboa, provavelmente incio de 1892. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.23 Em carta de 25/10/1898, do Rio, Nabuco parabeniza Rio Branco por sua eleio para a Academia Brasileirade Letras e reclama por ter sido posto de lado na sua correspondncia. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.24 Em fins de 1893 funda-se o Partido Republicano Federal de oposio a Floriano e aos governos militares.25 Tratava-se de uma revista mensal, da qual Lima era o editor. Sua primeira fase vai at 1883.26 Carta de 14/10/1882. OLL/CUA.27 Oliveira Lima considerado um discpulo do grande historiador portugus Oliveira Martins, sendo umconhecedor do campo historigrafo europeu, particularmente devido sua formao em Letras. Sobre a trajet-ria do autor, ver Teresa Malatian, Oliveira Lima e a construo da nacionalidade, Bauru/EDUSC, So Paulo/FAPESP,2001.28 Extrait de La Nouvelle Revue, 1 et 15 aot 1896, Paris, Librairie de la Nouvelle Revue, 1896.29 Ver Lcia Lippi Oliveira, Eduardo Prado: A iluso americana, em Loureno Dantas Mota (org.), Umbanquete no trpico, So Paulo, Senac, 2001, v. 1, p. 133-150.30 A dcada republicana, Rio de Janeiro, Companhia Tipogrfica do Brasil, 1899-1901, 7 vol. Sobre o volume verMaria de Lourdes Mnaco Janotti, A dcada republicana: um libelo poltico sobre o Estado Nacional, USP, mimeo, 2002.31 Teresa Malatian, op. cit., p. 102.32 Silvio Romero, A histria do Brasil ensinada pela biografia de seus heris (livro para as classes primrias), Rio de Janeiro,Livraria Clssica de Alves, 1890. O gnero biogrfico era conhecido e cultivado no perodo, cabendo registrar deCristiano Ottoni, Biografia de Tefilo Ottoni (1870) e de Andr Rebouas, Recordaes da vida patritica do advogadoAntnio Pereira Rebouas (1879).33 Outro exemplo poderia ser o livro de Rodrigo Otvio, Festas nacionais, de 1893, com prefcio de RaulPompia. O livro e o prefcio acabam por produzir reaes devido aos ataques que lana ao Segundo Reinado e

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    s foras reacionrias e sebastianistas que combatiam a Repblica. Lcia Lippi Oliveira, As festas que aRepblica manda guardar, Estudos Histricos, Rio de Janeiro, Vol. 2, n. 4, 1989, p.172-89.34 Teresa Malatian, op. cit., p. 11.35 Essa uma hiptese de trabalho que ainda est sendo desenvolvida e deve ser mais testada, mas que considerada fundamental para a construo do campo historiogrfico e da narrativa da histria do Brasil noincio da Repblica.36 Em seu discurso de posse na ABL, em 12 de dezembro de 1928, na vaga de Oliveira Lima, Alberto de Fariainsiste nessa preocupao de seu amigo e antecessor. Segundo ele, o prprio Oliveira Lima, com quem inclusivese indispusera via imprensa, havia lhe falado sobre suas diferentes estratgias e objetivos, quando escrevia parajornais ou quando escrevia livros de histria. No caso do jornalismo e da poltica era foroso ser duro, noimportando a quem se podia ferir, sendo prefervel calar do que mentir. No caso da histria, o fundamental eraeducar para o patriotismo, aprimorar o esprito pblico nacional, especialmente se o pblico era escolar.Recepo do Sr. Alberto de Faria, Revista da Academia Brasileira de Letras, Rio de Janeiro, Anurio do Brasil, AnoXX, jan. 1929, n. 85, p.80-1.37 Oliveira Lima, O atual papel do Instituto Histrico, Barbosa Lima Sobrinho (org), Obra seleta, Rio deJaneiro, INL, 1971, p. 723. O discurso no est datado, mas certamente do sculo XX, sendo posterior aosSepts ans.38 Carta de 28/11/1896, Rua Marques de Olinda, 12, Rio de Janeiro. AJN, cap. 14, doc. 191.39 Nabuco certamente sabia que Lima estava escrevendo um livro, que seria publicado em 1899: Nos EstadosUnidos. Impresses polticas e sociais. Um livro que foi bem recebido no Brasil e nos EUA e onde as esperanas deNabuco no se realizaram, pois, nele, Lima no se mostrou desiludido nem da repblica americana, nem dabrasileira, considerando-as mais capazes de realizar o progresso das naes do que as monarquias.40 A carta de Jaceguay chama-se O dever do momento e de 2 de setembro de 1895. A resposta de Nabuco,O dever dos monarquistas, data de 10 de outubro de 1895. Os textos foram consultados em Jos Almino deAlencar e Ana Pessoa (orgs.), Joaquim Nabuco: O dever da poltica, Rio de Janeiro, Ed. Casa de Rui Barbosa, 2002,p. 59-90.41 Entre os numerosos e excelentes estudos existentes, interessante citar o recente livro de Ricardo Salles,Joaquim Nabuco: um pensador do Imprio, Rio de Janeiro, Topbooks, 2002, Segunda Parte e tambm o artigo de LuizFelipe de Alencastro, Joaquim Nabuco: Um estadista do Imprio, em Loureno Dantas Mota (org.), Um banquete notrpico, So Paulo, Senac, 2001, vol. 1, p.113-131.42 Sobre esse livro ver, entre outros, Maria Alice Rezende de Carvalho, Joaquim Nabuco: Minha formao, emLoureno Dantas Mota (org.), Um banquete no trpico, So Paulo, Senac, 2001, vol. 2, p. 219-236.43 Revista Trimestral do Instituo Histrico, IHGB, tomo 59, v. 94, 1896, p. 308-315. Todas as citaes seguintes sodessa fonte.44 Com certeza Nabuco tinha em mente a biografia que O Centro Positivista Teixeira Mendes publicara sobreBenjamin Constant e que ele criticara como um exemplo do esprito de seita na criao deliberada e sistemticade legendas. Luiz Felipe de Alencastro, op. cit., p. 121.45 Marco Antnio Pamplona chama ateno para essa face do liberalismo na Amrica Latina, na virada do sculoXIX para o XX, nomeando-o como arielismo, em funo do livro de Jos Enrique Rodo, de 1900. Umaperspectiva arielista entre os homens pblicos brasileiros da virada do sculo: a viso dos Estados Unidos nosescritos de Joaquim Nabuco e Oliveira Lima em Letterature dAmerica, Revista trimestrale, Bulzoni Editore, annoXIII, n. 51, 1995, p. 71-90.46 De forma geral, a literatura que comenta a obra de Nabuco destaca a importncia do ltimo captulo de Minhaformao para o entendimento dessa deciso, formulada como uma obrigao no servio da ptria.47 sintomtica a preocupao de Nabuco com o envio dos poucos exemplares de suas Memrias para certasinstituies e pessoas. No primeiro grupo, alm do Itamaraty e outros ministrios, esto a Academia Brasileirade Letras, o Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, o Gabinete Portugus e a Faculdade de Direito; nosegundo, o almirante Jaceguay, Machado de Assis, Jos Verssimo e Capistrano de Abreu, entre outros.48 Carta de Nabuco a Rio Branco de Londres, 17/08/1900. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.49 Carta de Nabuco para Lima, Londres, 11/08/1901. OLL/CUA.50 Carta de Oliveira Lima a Rio Branco, 1/08/1900. PI, lata 827, mao 4, pasta 29.

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    51 Carta de Nabuco a Lima em 13/11/1901. OLL/CUA. Refere-se aos livros, Histria diplomtica do Brasil: oreconhecimento do Imprio, publicado em 1901 e que teve segunda edio em 1902, e No Japo: impresses da terra e dagente, que sai em 1903. Nesse mesmo ano publicada, pelo IHGB, a Relao de manuscritos portugueses e estrangeirosde interesse para o Brasil, existentes no Museu Britnico de Londres.52 Carta de Londres em 6/06/1902. AJN, cap. 19, doc. 363.53 Carta de Nabuco a Oliveira LIma, Haia, 24/09/1902. AJN, cap. 20, doc. 387.54 Na virada do sculo XIX para o XX, milhares de nordestinos, fugindo das secas e buscando enriquecimentocom a borracha, migraram para a regio do Acre boliviano. Aps vrias tentativas de impor sua dominao, aBolvia, em meados de 1901, resolve arrendar os direitos de administrao da regio para um grupo norte-americano, o Bolivian Sindicate. A revolta dos seringueiros brasileiros, contando com apoio poltico e financeirode comerciantes de Manaus, imediata. nesse contexto que Rio Branco convidado a assumir a pasta dasRelaes Exteriores, o que implicar um novo direcionamento da posio do Brasil, que passar a reclamar oAcre, mobilizando inclusive tropas. Em 1903, a Bolvia reconhecer a derrota militar na guerra do Acre, e em1904, o Tratado de Petrpolis, que regula a compra do territrio, sancionado pelo Congresso brasileiro.55 Cartas de Nabuco a Oliveira Lima em 8/03/1904, AJN, cap. 23, doc. 453 e de 10/09/1904, AJN, cap. 26, doc.130.56 Carta de 17/11/1905, AJN, cap. 34, doc. 674.57 Bilhete de Rio Branco a Nabuco, Berlim, 7/07/1902, PI, lata 832, mao, pasta 01.58 Carta de 28/07/1902, PI, lata 832, mao 1, pasta 01.59 Cartas de 7/07/1902 e 30/07/1902, PI, lata 832, mao 1, pasta 01. Grifos do autor.60 Carta de Berlim, 30/08/1902. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.61 Carta de 7/09/1902, de Londres. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.62 Carta de Nabuco a Rio Branco de 21/04/1903. PI, lata 832, mao 1, pasta 01.63 A trajetria republicana de Nabuco, o investimento do regime para torn-lo um heri e sua prpria contribui-o nesse processo foram o objeto da Monografia de Bacharelato de Luigi Bonaf, Como se faz um heri republica-no: Joaquim Nabuco e a Repblica, UFF, 2004. Em sua dissertao de mestrado o tema continuar sendo investiga-do.64 A repblica incontestvel, discurso no Cassino Fluminense, em 19/07/1906, publicado na Gazeta deNotcias em 20/07/1906. Manoel Correia de Andrade (org.) Joaquim Nabuco: a abolio e a repblica, Recife, UFPE,1999, p. 93-103. Todas as citaes a seguir so deste texto.65 Carta de Nabuco a Rio Branco, Washignton, 18/01/1908. PI, Lata 832, mao 1, pasta 01.66 Nabuco refere-se ao estremecimento gerado pela II Conferncia Internacional de Haia, realizada em 1907,entre outras questes.67 Refere-se a Estanislao Severo Zeballos (1854-1923), intelectual, poltico, jornalista e diplomata argentino.Amigo pessoal de Oliveira Lima, chegou a ocupar o posto de ministro das Relaes Exteriores da Argentina (em1889, em 1891 e entre 1907 e 1908). Zeballos foi derrotado na Questo de Limites arbitrada pelos EUA, eacreditava que o Brasil tentava isolar seu pas, com apoio norte-americano. Foi, com Oliveira Lima, um grandeopositor do pan-americanismo (baseado numa releitura da Doutrina Monroe) e da poltica exterior implementadapelo baro do Rio Branco, chegando a propor a proviso de armamentos para um possvel conflito militar como Brasil, o que lhe custou o cargo, em 1908. Intelectual de grande prestgio na Argentina, fundou e dirigiu, entre1898 e 1923, a Revista de Derecho, Historia y Letras.68 PI, Lata 827, mao 4, pasta 29.69 Entre eles, Histria da civilizao, escrito sob encomenda do governo de So Paulo para suas escolas deformao de professores primrios. Um trabalho que muito o envolveu, pois considerava que esse estado tinhapapel fundamental e inovador no ensino pblico do Brasil. O livro seria publicado em 1921, estaria nas vriasbibliotecas paulistas e chegaria a ter dezesseis edies, a ltima de 1967.