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Modelos de leitura em disputa: a concorrência entre as coleções Atualidades Pedagógicas e Cultura, Sociedade e Educação, nos bastidores da Companhia Editora Nacional (década de 1960) Prof a Dr a Maria Rita de Almeida Toledo – EHPS/PUC-SP Resumo Este texto analisa os modelos de leitura que configuraram duas diferentes coleções destinadas à formação de professores e as disputas que seus respectivos editores travaram nos bastidores da casa editora para impor suas representações do leitor e do que era necessário para formá-lo. Tanto a Atualidades Pedagógicas, dirigida por J B Damasco Penna (1950-1981), quanto a Cultura, Sociedade e Educação, dirigida por Anísio Teixeira (1968-1971), foram editadas pela Companhia Editora Nacional, nas década de 1960, instituindo modelos de leitura e formação diametralmente opostos. Nas análises que serão apresentadas, é central o conceito de materialidade do impresso como forma produtora de sentido. Atentando para os dispositivos textuais e tipográficos que ordenaram o conjunto dos livros editados nas duas coleções, o texto pretende analisar a configuração material das duas coleções e os modelos de leituras que produziram. Também, por meio da análise da correspondência interna da Editora, objetiva capturar as disputas, por autores e títulos, travada entre os editores para constituir seus respectivos programas de leitura e formação de professores. A análise parte da afirmação que “os textos não existem fora dos suportes materiais (sejam eles quais forem) de que são veículos”, e da proposta de Charteir de que se preste atenção no “processo pelo qual os diferentes atores envolvidos com a publicação dão sentido aos textos que transmitem, imprimem e lêem” (Chartier, 2002). Nessa perspectiva, a figura do editor ganha relevância como agente que intervém na configuração do campo pedagógico, na medida em que é ele quem seleciona, organiza e põe em circulação materiais adaptados a leitores específicos, segundo as representações que tem do próprio leitor e do campo de destino. A mediação editorial, assim, é tomada como intervenção política na configuração da cultura; e, por isso mesmo, lugar de poder fundamental.

Modelos de Leitura Em Disputa (Artigo) - ToLEDO, Maria Rita de Almeida

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Educação Física

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  • Modelos de leitura em disputa: a concorrncia entre as colees Atualidades Pedaggicas e Cultura, Sociedade e Educao, nos bastidores da Companhia

    Editora Nacional (dcada de 1960)

    Profa Dra Maria Rita de Almeida Toledo EHPS/PUC-SP

    Resumo

    Este texto analisa os modelos de leitura que configuraram duas diferentes

    colees destinadas formao de professores e as disputas que seus respectivos

    editores travaram nos bastidores da casa editora para impor suas representaes do

    leitor e do que era necessrio para form-lo. Tanto a Atualidades Pedaggicas, dirigida

    por J B Damasco Penna (1950-1981), quanto a Cultura, Sociedade e Educao, dirigida

    por Ansio Teixeira (1968-1971), foram editadas pela Companhia Editora Nacional, nas

    dcada de 1960, instituindo modelos de leitura e formao diametralmente opostos.

    Nas anlises que sero apresentadas, central o conceito de materialidade do impresso

    como forma produtora de sentido. Atentando para os dispositivos textuais e tipogrficos

    que ordenaram o conjunto dos livros editados nas duas colees, o texto pretende

    analisar a configurao material das duas colees e os modelos de leituras que

    produziram. Tambm, por meio da anlise da correspondncia interna da Editora,

    objetiva capturar as disputas, por autores e ttulos, travada entre os editores para

    constituir seus respectivos programas de leitura e formao de professores.

    A anlise parte da afirmao que os textos no existem fora dos suportes

    materiais (sejam eles quais forem) de que so veculos, e da proposta de Charteir de

    que se preste ateno no processo pelo qual os diferentes atores envolvidos com a

    publicao do sentido aos textos que transmitem, imprimem e lem (Chartier, 2002).

    Nessa perspectiva, a figura do editor ganha relevncia como agente que intervm na

    configurao do campo pedaggico, na medida em que ele quem seleciona, organiza e

    pe em circulao materiais adaptados a leitores especficos, segundo as representaes

    que tem do prprio leitor e do campo de destino. A mediao editorial, assim, tomada

    como interveno poltica na configurao da cultura; e, por isso mesmo, lugar de poder

    fundamental.

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    Introduo

    Essa proposta de trabalho d continuidades anlises desenvolvidas no projeto

    integrado: A constituio do campo pedaggico: impressos, autores e editores,

    coordenado pela Profa Dra Marta M. C. de Carvalho, do qual participei, com o sub-

    projeto Bibliotecas para professores: um estudo sobre Colees de Pedagogia1.

    O projeto integrado dava nfase aos processos de produo, circulao e

    apropriao do impresso de destinao pedaggica, enfatizando o papel dos intelectuais

    de marcada insero institucional que, como autores, editores ou profissionais

    responsveis por polticas de edio, desempenharam importante papel no processo de

    constituio do campo pedaggico (Carvalho, 2003a). Tomando a Histria Cultural

    como referencial terico para problematizar o campo educacional, privilegiou o

    impresso como suporte material de modelos pedaggicos, analisando questes relativas

    sua produo, circulao e usos. Propunha trs modelos de configurao material do

    impresso como recursos de descrio, caracterizao e comparao desse tipo de

    material destinado ao uso de professores: Caixa de utenslios, Tratado de

    Pedagogia e Biblioteca para professores2. Considerados como estratgias

    concorrentes de constituio e organizao do campo dos saberes pedaggicos

    representados como necessrios prtica docente, esta perspectiva de anlise, pe em

    cena as disputas entre estes trs modelos de impressos (Carvalho, 2003a).

    Em meu sub-projeto, privilegiei o estudo das Bibliotecas para professores,

    aprofundando as anlises que realizei em meu doutorado sobre a coleo Atualidades

    Pedaggicas3, e ampliei a explorao do modelo analtico com o estudo da Biblioteca

    de Educao4.

    A adoo dos conceitos tomados da Histria Cultural possibilita o deslocamento

    dos enfoques tradicionais da Histria da Educao, conformando novos objetos na

    1 Esse projeto integrado foi aprovado pelo CNPq em 2003, concedendo bolsa produtiva Profa dra Marta Maria Chagas de Carvalho.Ainda, como desdobramento do projeto integrado, obtivemos financiamento do CNPq Edital Universal para desenvolver o projeto. Livros para professores: levantamento e anlise de dados para mapeamento de sua produo e circulao, encerrado em 2005. 2 Para a definio dos modelos de anlise, consultar o sub-projeto A Caixa de Utenslios e o Tratado: produo, circulao e usos de modelos pedaggicos, desenvolvido pela Profa. Dra. Marta Maria Chagas de Carvalho (2003). 3 Sobre o modelo de leitura e formao contido na coleo Atualidades Pedaggicas consultar Toledo (2006). 4 Sobre os resultados da anlise sobre a Biblioteca de Educao, consultar Carvalho & Toledo (2004) e Toledo (2005).

  • 3

    medida em que problematiza, no mais as idias desencarnadas das prticas dos sujeitos

    histricos, mas os dispositivos que pem em circulao e as prticas dos agentes que

    produzem e se apropriam dos saberes pedaggicos (Carvalho, 2003b). O que interessa,

    nesta perspectiva, no so os contedos em si dos saberes pedaggicos, mas os

    contedos em relao materialidade de seus processos de produo, circulao,

    imposio e apropriao pelos agentes envolvidos. Da a importncia de tomar os

    modelos de configurao do impresso como interveno no campo da pedagogia: os

    modelos em foco so constitudos pelas representaes sobre o prprio campo dos

    saberes pedaggicos, sobre os professores, sobre as polticas de interveno etc.- dos

    agentes que, em lugares de poder especficos, os pe e circulao (Carvalho, 2003b).

    Essa problematizao desencadeia, por um lado, um tratamento especfico das

    fontes tradicionalmente utilizadas; por outro, abre o campo para novos tipos de fontes

    que, at ento, no eram trabalhados, como as que se encontram nos arquivos de

    editoras correspondncias institucionais com autores e entre editores, controles de

    produo do material impresso, catlogos de divulgao, regulamentos para poltica de

    financiamento de impressos, entre outros. nesse sentido que o impresso o livro, a

    revista etc. deixa de ser apenas o informante das idias pedaggicas e ganha uma

    outra dimenso: objeto cultural que, constitutivamente, guarda as marcas de sua

    produo e de seus usos (Carvalho, 2003b).

    Nessa perspectiva, a figura do editor ganha relevncia como agente que intervm

    na configurao do campo pedaggico, ou dos campos para os quais o impresso

    destinado, na medida em que ele quem seleciona, organiza e pe em circulao

    materiais adaptados a leitores especficos, segundo as representaes que tem do

    prprio leitor e do campo de destino. A mediao editorial, assim, tomada como

    interveno poltica na configurao da cultura; e, por isso mesmo, lugar de poder

    fundamental. Por meio da mediao editorial, os editores podem constituir modelos de

    leitura e de formao do pblico destinatrio, inscritos nos prprios materiais impressos,

    seja pelas escolhas de gneros editoriais, seja pelas intervenes tipogrficas e de

    dispositivos de leitura acoplados aos textos editados5.

    5 Com a assertiva de que no h texto fora dos suportes materiais (sejam eles quais forem) que so veculos, Chartier (2002) configura teoricamente a importncia da mediao editorial. Para o autor, com o nascimento da imprensa nasce o papel ambivalente da atividade editorial e do comrcio do livro: De um lado, somente eles podem assegurar a constituio de um mercado dos textos e dos julgamentos [seleo e atribuio de valor aos textos publicados]. So eles uma condio necessria para que se possa ser construda uma esfera literria e um uso crtico da razo. Mas, de outro, em virtude de suas prprias leis, a edio submete a circulao das obras a coeres e a finalidades que no so idnticas quelas que

  • 4

    ***

    A investigao relata aqui ainda em andamento - se debrua sobre a Coleo

    Cultura, Sociedade e Educao (CCSE) para compar-la a outros empreendimentos

    da mesma natureza, sobretudo a Atualidades Pedaggicas.

    Essa CCSE, fundada em 1968, por Ansio Teixeira, teve curta durao apenas

    quatro anos , j que se encerrou com a morte abrupta de seu editor (maro de 1971). A

    CCSE voltava-se para um pblico mais amplo, mas, como se demonstrar, dava

    especial ateno para o pblico dos educadores, e pelos leitores vinculados

    universidade (estudantes e professores). Essa Coleo fez circular diferentes temas e

    autores (tanto nacionais como estrangeiros) e, por meio deles, pretendeu constituir e

    impor saberes pedaggicos, e saberes sobre os processos de constituio da cultura

    ocidental, que podem ser remetidos e, ao mesmo tempo, reveladores das representaes

    de formao cultural que os editores6 que a conceberam defendiam.

    Esse empreendimento editorial se realizou no calor do debate em torno da

    reforma universitria, na ressaca da votao da LDB de 1961; e nas tenses sociais

    instaladas pelo Regime Militar que apontava para mudanas na poltica educacional.

    Realizou-se em situao adversa para Teixeira, que retornava ao Brasil depois de

    exilar-se por trs anos nos EUA.

    A escolha da CCSE deve-se, por um lado, s caractersticas diferenciadas do

    modelo de leitura e formao que, por meio dela, foi colocado em circulao. Esse

    modelo se diferencia radicalmente de outras colees da mesma editora - Companhia

    Editora Nacional. Colees como a Atualidades Pedaggicas7 ou a Biblioteca

    Universitria8. Essas colees, apesar de destinadas ao mesmo pblico ou a um pblico

    governam sua escrita. Entre essas duas exigncias, a tenso no se resolve facilmente. Mas ela que faz com que a histria da mediao editorial no seja apenas um captulo da histria econmica, mas tambm o ponto que possa ser compreendida uma dupla trajetria: a dos textos cujas significaes mudam a forma de sua leitura ou paginao, a do pblico leitor, cuja composio social e cujas expectativas culturais se modificam quando se modificam as possibilidades de acesso cultura impressa (Chartier, 2002, p.76). 6 Uso em determinadas passagens do texto editores e no editor, por entender que as decises da publicao de cada ttulo ou, mesmo, sua reedio, passavam por toda hierarquia da casa editora: desde o diretor propriamente dito da coleo at o dono da editora. 7 Atualidades Pedaggicas, organizada na Companhia Editora Nacional de Octales Ferreira, dura 56 anos e publica 135 diferentes ttulos de autores brasileiros e de outras nacionalidades. Fernando de Azevedo dirige a Coleo at 1946, sendo substitudo por Damasco Penna que permanece at o fim da existncia do empreendimento editorial (mesmo aps a venda da Editora). O recorte proposto para o trabalho, que se estende 1931 a 1949, justifica-se por ser o perodo em que os volumes so editados por Azevedo (Penna. apesar de entrar em 1947, publica os ltimos volumes j anunciados antes da sada de Azevedo da direo da Coleo). 8 Essa ampla Biblioteca foi idealizada por Thomaz de Aquino Queiroz diretor de edio da Companhia Editora Nacional e Antnio Cndido. Ela foi constituda por oito sries que se dedicavam a campos especficos do conhecimento: serie 1- Filosofia; dirigida por Joo Cruz Costa; srie 2 Cincias

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    prximo, foram constitudas com critrios diferentes e propostas de formao do leitor

    bastante diversas. Por outro, importante destacar que a atuao de Ansio Teixeira

    como editor tem sido pouco enfocada pelos analistas de sua ao poltica e de sua

    produo intelectual9. Esse lugar de poder parece ter sido alternativa importante para

    Teixeira fazer circular seu discurso e suas representaes sobre poltica e educao nos

    momentos em que se encontrava em oposio aos governos ditatoriais; e em situao de

    censura poltica10. O educador/ editor parece ter usado a possibilidade de fazer circular

    seus projetos poltico-educacionais por meio da reunio de textos referencias em uma

    coleo.

    Mediao editorial e movimento educacional

    A importncia atribuda ao lugar de poder do editor pelo grupo de intelectuais da

    educao, do qual Ansio Teixeira fez parte, pode ser remetido ao final dos anos 1920 e

    incio dos anos 1930, momento em que esse grupo se articula para, por meio de

    diferentes estratgias, buscar impor suas representaes sobre o modo eficaz de

    transformao da cultura nacional por meio da reforma da escola (Carvalho, 2003b).

    A bandeira geral do movimento educacional era a da necessidade de promover,

    no Brasil, a educao de toda a populao com o fito de promover a formao do

    cidado honesto e operoso, consciente de seus deveres. A generalizao da educao,

    nessa perspectiva, s poderia se realizar, na viso dos promotores desse movimento, por

    meio da escola. Esse seria o verdadeiro instrumento de promoo da cidadania

    responsvel. Esse instrumento, aliado imprensa, promoveria a transformao do pas,

    garantindo sua entrada na modernidade (Carvalho, 2003b). Sociais, dirigida por Florestan Fernandes; srie 3 Cincias Puras, dirigida por Antnio Brito da Cunha; srie 4 Cincias Aplicadas, dirigida por Roberto Barros Limas etc. Essa Biblioteca foi fundada no final dos anos 1950 e comeo dos anos 1960. Obteve grande sucesso e, alguns de seus ttulos, circulam at hoje. O estudo dessa Biblioteca ainda est por se fazer. Mas, possvel levantar dados sobre ela no Acervo Histrico da Companhia Editora Nacional IBEP. 9 Alm dos textos produzidos no mbito do projeto integrado A constituio do campo pedaggico: impressos, autores e editores, coordenado pela profa Dra Marta M. C. de Carvalho; encontrei apenas o trabalho de Kazumi Munakata (2000), que se dedica a analisar as atividades de produo e edio de livros didticos desenvolvidas por Teixeira, no momento em que estava frente do INEP. Entre os artigos que se dedicam a analisar a condio de A. Teixeira como editor, produzidos no mbito do projeto, consultar (Carvalho & Toledo (2004). 10 Ao se analisar a correspondncia de Ansio Teixeira com amigos ou com a prpria editora Nacional, possvel de se verificar que os dois momentos em que o intelectual assume a direo de colees foram aqueles em que por ser considerado subversivo encontra-se sob censura: entre 1935 e 1945; entre 1964 e 1971. Consultar correspondncia de Teixeira com Afrnio Peixoto (AT32.00.00/ CPDOC; Dossi Ansio Teixeira/ CEN).

  • 6

    A eficcia da escola, por sua vez, estaria apoiada pela renovao dos livros e a

    sua adequao para os novos leitores: tanto os inseridos na escola; quanto queles que,

    j fora dela, continuassem a ler literatura sadia, esclarecedora e enriquecedora da

    cultura de cada novo cidado11. As editoras, nessa conjuntura, foram aladas condio

    de agncias de educao por excelncia, capazes de contribuir amplamente com o

    trabalho civilizatrio que a escola deveria cumprir (Toledo, 2001).

    As revistas especializadas em educao vinham, desde meados dos anos vinte,

    indicando a necessidade da organizao de bibliotecas para as escolas, para as cidades

    (em forma de bibliotecas ambulantes ou estabelecidas em bairros populosos),

    especificamente para a formao de professores. Essas revistas, muitas vezes publicadas

    por iniciativa das prprias diretorias de Instruo Pblica, anunciavam a necessidade de

    construo dessas redes de bibliotecas e implementavam polticas de compra de livros

    para dar soluo falta de leitura no Brasil, ou ainda, nova direo s ms leituras feitas

    pelos novos leitores, com pouca experincia12.

    O crescimento da indstria editorial no Brasil, portanto, foi marcado pela

    associao do livro s misses de educar, civilizar, universalizar e edificar. s editoras

    se colocava o problema de renovar a cultura de modo geral e os materiais didticos,

    mais especificamente, na cruzada aberta pelo movimento educacional dos anos 1920 e

    1930. Com esse fim, o gnero editorial das colees foi amplamente adotado pelas

    novas casas editoras que passam a lanar no mercado sries editoriais ajustadas aos

    perfis dos novos leitores; assim como ajustadas s novas necessidades da escola

    remodelada13.

    A especializao do livro, delineada pelo perfil do leitor, permitia s editoras

    uma organizao interna tambm especializada, coordenada pelo editor geral. Cada

    coleo, que correspondia a um tipo de leitor, ganhava um diretor que, especializado no

    assunto, poderia acompanhar atentamente os movimentos do mercado; selecionar os

    originais adequados e perceber, pelo conhecimento das prticas culturais em torno dos

    leitores visados, as novas possibilidades de expanso do livro naquela determinada fatia

    do mercado (Toledo, 2001).

    11 importante lembrar que, desde a constituio republicana de 1891, a cidadania vinculada ao alfabetismo, considerado critrio de incluso vida poltica ativa. 12 Por exemplo, Boletim de Educao Pblica (R.J.); Educao (SP); Revista do Ensino (MG). Ver tambm Carvalho (2003b) 13 A descrio que se segue pode ser verificada pelo menos para os casos da Companhia Editora Nacional e Companhia Melhoramentos de So Paulo. Olivero (1999), em seu trabalho sobre o nascimento das colees na Frana, no sculo XIX, encontra esse mesmo esquema de funcionamento das editoras.

  • 7

    O editor geral, ao delegar a administrao das colees a diretores

    especializados, garantia a pesquisa de originais adequados ao pblico visado, repondo

    permanentemente a imagem da coleo junto a este; permitia a homogeneizao dos

    textos pelo editor responsvel, repondo a identidade da coleo a cada novo ttulo,

    garantindo que as formas materiais da coleo fossem condizentes com os usos para os

    quais estava destinada, controlando tambm os lugares de difuso do livro e seus

    impactos. Assim, as colees tiveram, na economia interna das empresas que as

    adotaram, funo fundamental para a produo do livro: permitiam a homogeneizao

    dos textos, a especializao em relao aos leitores e a constante reordenao dos ttulos

    em funo dos espaos de expanso do mercado.

    Alm disso, o nome do organizador da coleo funcionava como autoridade

    legitimadora da seleo empreendida, indicando os ttulos e autores necessrios para a

    formao dos leitores. A formao de uma coleo operava com regras determinadas,

    estabelecidas com objetivos definidos por seus organizadores e cuja primeira indicao

    desses critrios estava no nome dado coleo.

    A escolha do nome do organizador, do ponto de vista da estratgia comercial,

    muitas vezes, garantia o convencimento do pblico de que a seleo ali operada era

    confivel e servia aos fins determinados pela apresentao da coleo. O nome do

    organizador era propaganda para o pblico; podia ser uma das chaves de sua difuso. O

    nome prprio do organizador da coleo poderia criar a necessidade do consumo dos

    textos ali alocados, por ser autoridade reconhecida na matria. A autoridade e projeo

    do nome do editor da coleo, neste sentido, eram transferidas para a coleo e

    funcionavam como propaganda da mesma.

    Logo a noo da relao popularidade do nome do autor/sucesso do livro era

    transferida para a relao nome do responsvel pela coleo/sucesso da coleo. A

    popularizao do nome do organizador da coleo funcionava como propaganda e

    autorizao dos textos publicados. Essa relao pode ser claramente notada nas

    colees: Biblioteca de Educao, dirigida por Loureno Filho, a Biblioteca de Cultura

    Jurdica e Social , assinada por Hermes de Lima; a Biblioteca do Esprito Moderno,

    Ansio Teixeira e Monteiro Lobato; a Biblioteca Mdica assinada pelo Dr. Barbosa

    Correa; e as cinco sries da Biblioteca Pedaggica Brasileira, assinadas por Fernando

    de Azevedo.

    O limite da constituio desses padres editoriais estava na aceitao que as

    revistas especializadas e os crticos da educao poderiam fazer das novas propostas. A

  • 8

    escolha de autores entre os renomados intelectuais possibilitava, ento, o

    credenciamento desses empreendimentos editoriais junto ao pblico e s instncias de

    indicao de literatura14.

    A abertura desse lugar de poder foi amplamente ocupada pela nova gerao de

    educadores ligados ao movimento do escolanovismo no Brasil. Ansio Teixeira,

    Loureno Filho, Fernando de Azevedo, Paulo Maranho, entre outros, se aproximam de

    grandes editoras e se engajam na produo de colees, tanto voltadas para o mercado

    educacional, quanto quelas voltadas para a formao dos novos leitores15.

    queles novos editores caberia, ento, propor os padres de excelncia e impor

    projetos editorias para o mercado ledor que se ampliava, desde os anos vinte.

    importante notar que esse padro de organizao editorial marcou a expanso dessa

    espcie de indstria e se perpetua at hoje.

    desse perodo que data as relaes que Ansio Teixeira estabeleceu com a

    Companhia Editora Nacional, empresa fundada, juntamente com Octalles Marcondes

    Ferreira, por Monteiro Lobato16, amigo de Ansio Teixeira.

    A Companhia Editora Nacional (C.E.N.) rapidamente abriga sob seu selo o

    movimento de renovao da escola, editando livros didticos renovados, literatura

    infantil, e literatura de formao para o professorado em forma de colees (Toledo,

    2001). Muitos dos chamados pioneiros da educao nova fizeram parte dos staffs de

    editores e de autores e tradutores da CEN.

    Segundo Laurence Hallewell, colees para professores, como a Atualidades

    Pedaggicas, estavam entre os xitos da C.E.N. que se voltava para o mercado

    universitrio e de livros didticos para os ensinos primrio e secundrio. Para o Autor,

    Octalles Marcondes Ferreira era um autntico homem de negcios e constri sua editora

    sobre alicerces slidos e duradouros.(Hallewell, 1985:269). A atividade com livros de

    formao - os didticos ou de ensino superior - foram transformados em negcios

    14 Os renomados intelectuais eram aqueles que participavam do movimento ativamente, publicando artigos nos jornais de grande circulao, nas revistas especializadas, participando de conferncias abertas ao pblico, de congressos, de associaes de educadores ou das Ligas Nacionalistas, alm daqueles que promoveram as reformas educacionais nos vrios estados do pas. So estes homens e mulheres que acabam por se credenciar como os tcnicos educao ou polticos da educao. 15 Fernando de Azevedo monta, na Companhia Editora Nacional, a Biblioteca Pedaggica Brasileira, formada por 5 sries (Infantil; Didticos; Iniciao Cientfica; Atualidades Pedaggicas e Brasiliana) que pretendia suprir o pblico de todas as idades com os melhores livros j disponveis no pas (Toledo, 2001). Loureno Filho se vincula Companhia Melhoramentos de So Paulo, para lanar e dirigir diferentes colees voltadas para pblicos diversos, centrando sua atuao nos livros didticos; na literatura infantil e nos livros para professores (Donato, 1999; Toledo & Carvalho, 2004). 16 Sobre a Histria da Companhia Editora Nacional, consultar Beda (1987) e Hallewell (1985). Ver tambm Toledo (2001).

  • 9

    lucrativos pela C.E.N. Marcondes Ferreira, segundo Hallewell, soube aproveitar a

    conjuntura causada pela depresso econmica do ps-guerra que impedia a

    importao fcil de material impresso -, o movimento de expanso da Escola Nova, na

    dcada de 1920, assim como as diversas reformas de ensino realizadas pelos grupos

    ligados a esse movimento, para expandir e consolidar os seus negcios com os livros

    (Idem: 277).

    Coleo para professores, modelos de leitura e interveno editorial

    Dentro da CEN, Ansio Teixeira assumiu diversas funes, durante os 42 anos

    de relao que com ela estabeleceu: foi autor, tradutor, consultor e editor. Nos catlogos

    da Nacional, o nome de Teixeira aparece freqentemente, nessas diferentes funes.

    Certamente, essa intensa relao criou condies favorveis para que, no final dos anos

    1960, a CEN resolvesse abrigar uma coleo assinada por Ansio Teixeira: a Coleo

    Cultura, Sociedade e Educao17.

    Porm, como se sabe, ele no era o nico educador a dar seu nome a uma

    coleo especializada. A CEN mantinha, desde 1931, outra coleo de sucesso voltada

    para a formao do professorado: a Atualidades Pedaggicas. A CCSE, de Ansio

    Teixeira, enfrentaria desde cedo a concorrncia da j prestigiosa coleo de formao

    docente, dirigida por JBDamasco Penna.

    Modelo de formao da Atualidades Pedaggicas

    A Atualidades Pedaggicas foi fundada por Fernando de Azevedo e por ele

    dirigida at 1943. Apesar da sada de Azevedo da Nacional, a Coleo continuou ativa,

    sob a direo de J.B. Damasco Penna. Essa Coleo publicou 134 volumes, ao longo de

    seus 51 anos de existncia. importante destacar que Penna, ao assumir a direo da

    Atualidades Pedaggicas, reformula totalmente seu programa de publicaes,

    instituindo nela um novo modelo de leitura e formao do professorado. Esse novo

    17 No perodo em que Ansio Teixeira encontrava-se exilado no serto da Bahia, mais precisamente em 1936,inicia negociao com a Nacional para lanar uma nova coleo que se chamaria Tcnica e Cultura (carta de Peixoto Teixeira, 23/01/1936; AT.36.00.00/CPDOC). Provavelmente essa coleo a Biblioteca do Esprito Moderno, que no Catlogo Geral da Nacional n. 14 (1939) assinada por Ansio Teixeira. A Biblioteca do Esprito Moderno tem grande longevidade e, j nos anos 1940, deixa de ser dirigida por Ansio Teixeira., Silvia Asam da Fonseca, desenvolve tese de doutorado sobre esta coleo, sob minha orientao, no Programa de Estudos Ps-Graduados em Educao: Histria, Poltica, Sociedade na Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo.

  • 1

    programa se distanciava radicalmente daquele que Azevedo se props a editar, ao lanar

    essa Coleo (Toledo, 2006).

    Ainda, importante destacar que durante a gesto de Azevedo frente da

    Atualidades, a reforma de Ansio Teixeira, no Distrito Federal, foi uma das importantes

    fontes de ttulos e autores de seu programa editorial. Azevedo procurou publicar tanto

    os autores considerados como fonte de inspirao da reforma como Dewey e

    Claparde; assim como os prprios agentes da mesma: Ansio Teixeira; Arthur Ramos;

    Venncio Filho; Afrnio Peixoto, entre outros (Toledo, 2001).

    Os textos de Teixeira e suas tradues, publicados pela CEN, foram alocados na

    Atualidades Pedaggicas. Com a derrocada da reforma de Teixeira e o ostracismo de

    Azevedo18 na poltica paulista, depois de 1939, o programa da Coleo entra em crise,

    cuja conseqncia foi a sada de Azevedo da CEN (Toledo, 2001).

    At o nascimento da Coleo Cultura, Sociedade e Educao, j nos anos

    1960, os textos de Teixeira permaneceram na Atualidades, em escassas reedies. A

    reformulao da Atualidades, proposta por Penna, no manteve as relaes da Coleo

    com a reforma de Teixeira19: - muitos ttulos deixaram de ser reeditados e prefcios

    foram modificados, alterando-se a importncia dos autores e de sua obra.

    Penna transforma a Coleo em um projeto editorial bem montado naquilo que

    se props a fazer: oferecer textos de reflexo sobre o problema fundamental da

    atividade educativa, em todas as suas formas; textos que oferecessem conhecimentos

    efetivos para o leitor (Penna, 1950). Da a frmula eficaz do compndio ou manual

    traduzido que propunha vises panormicas dos diferentes mbitos da pedagogia em

    linguagem fcil, oferecendo idias utilizveis pelos educadores e estudantes na sua

    atividade educativa. As tradues ofereciam o sentido universal dos saberes

    compendiados: o saber que vence os limites das naes, vlido para todas elas (Toledo,

    2001).

    A frmula editorial de Penna aproximava-se das estratgias catlicas de

    apropriao e de difuso de um escolanovismo depurado. Para Carvalho (1996, p. 65),

    no escolanovismo catlico predominou a tendncia de incorporar princpios da nova

    pedagogia, depurando-a de tudo o que contrariasse os preceitos catlicos, por meio de 18 Para uma descrio detalhada da oposio poltica sofrida por Azevedo com a ascenso dos catlicos no Esatdo Novo, consultar Toledo (2001). 19 Muitos livros que traziam clara relao com a reforma foram retirados do Catlogo ou desprogramados. Talvez essa reformulao de Penna do programa da Atualidades explique as razes que levaram Teixeira publicar a 1 edio de Educao no privilgio na Livraria Jos Olympio Editora (1957).

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    publicaes doutrinrias, em revistas ou em manuais, de verses catlicas da moderna

    pedagogia, que firmavam princpios, constituam uma ortodoxia pedaggica e um

    corpus bibliogrfico de referncia, formulando-os como crivos de leitura.

    O gnero do manual prestava-se de forma mpar a esse tipo de programa de

    acomodao do escolanovismo aos preceitos catlicos: o gnero permitia a seleo e

    referenciava um corpus de saberes de autores e textos que sintetizassem uma

    determinada disciplina do campo educacional; permitia a traduo desse corpus pela

    sntese autorizada produzida pelo autor do mesmo, cuja preocupao era a de iniciar o

    novo leitor em domnios desconhecidos, controlando e traduzindo a circulao de

    saberes produzidos nas obras referenciadas; permitia localizar e articular a produo

    desses saberes e de seus autores, acomodando diferenas e elidindo confrontos20.

    A opo pela publicao quase exclusiva de manuais deslocava o programa da

    Coleo da proposta anterior, cujo cerne estava na oferta direta dos textos apontados

    como as bases do escolanovismo, proporcionando ao pblico leitor a possibilidade de

    apropriao direta dessas bases21. O programa de formao, publicado por Penna, em

    tempos de grande controle e censura, permitia o uso do material impresso por diversas

    instituies de formao do professorado, acomodando-se facilmente s diferentes

    representaes e apropriaes do que seria a moderna pedagogia, constituda pelo

    consenso aparente dos termos. importante destacar que esse modelo de leitura e

    formao se perpetua na coleo Atualidades Pedaggicas at o fim de sua existncia,

    j nos anos 1980. A perpetuao do sucesso da Coleo dependeu justamente desse

    modelo de leitura e formao instaurado por Penna nos anos 1950.

    Penna, no processo de reformulao da Atualidades, opera a catolicizao da

    Coleo: programa compndios de divulgao cientfica que apresentavam, em amplas

    perspectivas, os mais novos conhecimentos desenvolvidos nesta ou naquela disciplina

    20 Na perspectiva de Vivian B. da Silva, os manuais pedaggicos apresentaram saberes selecionados e organizados numa seqncia natural, ordenando um modo de raciocinar. Eles propuseram as tarefas como um ritual de aprendizagem e, simultaneamente, uma tecnologia de controle social, pois delimitaram no s o conhecimento como tambm os procedimentos pelos quais os saberes deveriam ser ensinados e aprendidos (V. Silva, 2001, p. 12). 21 Segundo Carvalho, se os catlicos privilegiaram prescrever e controlar a utilizao depurada dos preceitos da Escola Nova atravs dos impressos, j os Pioneiros procuraram constituir um repertrio de alternativas pedaggicas suscetveis de mltiplos usos, no intuito de renovar prticas pedaggicas e consolidar, assim, as polticas de reforma estrutural da escola e do sistema escolar. A seleo e triagem das novas pedagogias eram efetuadas na prpria escolha do material editado e na forma pela qual o material era difundido: privilegiavam materiais impressos aptos a funcionar como ferramentas de transformao do trabalho do professor nas escolas (Carvalho, 1998: 9). De qualquer modo, o programa editorial de Azevedo empregava outros dispositivos de controle da leitura, sobretudo por meio de dispositivos ediotriais. Para uma discusso mais ampliada da questo, consultar (Toledo, 2001).

  • 1

    do campo da Educao, utilizveis tanto no ensino normal, como no ensino superior,

    pela facilidade da linguagem; esse manuais elidiam qualquer referncia poltica contida

    nos textos e autores, na medida em que eliminavam diferenas e os apresentavam em

    seqncia harmnica e evolutiva; seleciona, para o programa de edio, autores de

    referncia da pedagogia catlica, como Frans Houvre e Van Acker22.

    O consenso em pedagogia, construdo sobre a programao contnua dos manuais,

    tambm se fez por meio do aparelho crtico adotado por Penna: orelhas, notas de rodap,

    textos explicativos da coleo.

    As orelhas dos livros eram compostas por uma pequena apresentao do autor, ou

    referncia sua condio; a insero e abordagem do trabalho na Educao e um

    pequeno comentrio do contedo do texto. A orelha permitia a Penna apresentar os

    novos autores e reapresentar os j editados, explicitando os critrios de escolha do ttulo

    e a funo que este deveria cumprir na formao do leitor. Com o comentrio das

    orelhas Penna podia distribuir e apresentar os saberes contidos em cada ttulo,

    enfatizando a sua importncia no campo da educao. Esse dispositivo tambm permitiu

    a absoro do programa azevediano ao seu, j deslocado dos significados atribudos aos

    textos. Como pensamos, de Dewey, por exemplo, na 3a edio (1959), foi apresentado

    como um livro clssico que estudava o que mais interessava ao educador: a maneira

    melhor e mais acertada de pr o pensamento, interessado, ativo e disciplinado, a

    servio da educao (Orelha do vol. 2, 1959)

    A verso de Penna para Como Pensamos neutralizava os significados a ele

    atribudos, nos anos 1930: de que a sua leitura atenta produziria uma revoluo na

    escola. Revoluo que para pioneiros significaria a renovao das prticas escolares

    tradicionais; para catlicos, revoluo negativa que introduziria o naturalismo e

    bolchevismo na escola e na sociedade. O texto de Dewey, no comentrio de Penna,

    isolado das contendas polticas nas quais circulou, desenhado como obra tcnica e

    eficaz porque, por meio do estudo das bases do pensamento, fixa as prescries para

    que o educador seja capaz de propiciar o desenvolvimento do pensamento dos

    educandos com eficcia.

    A longevidade da Coleo j indicador de seu sucesso junto s escolas de formao

    de professores. Esse indicador, juntamente com o dado do importante papel que as

    faculdades isoladas, sobretudo catlicas, tiveram na formao de professores primrios 22 Para uma anlise mais detalhada da catolicizao da Atualidades, consultar Toledo (2006).

  • 1

    e secundrios, nos anos 1950, 60 e 70, permite, tambm, que se lance a hiptese de que

    esse modelo de leitura e formao se tornou hegemnico nas escolas para professores,

    pelo menos, a partir dos anos 195023.

    A arquitetura da CCSE

    Destacar as caractersticas do programa proposto por Penna para formao do

    professorado importante para se desvelar o modelo de leitura e formao construdo

    na Coleo Cultura, Sociedade e Educao; no s pela caracterizao das diferenas

    entre os dois, mas, sobretudo, das disputas que se instauram entre as duas colees no

    que diz respeito ao modelo de leitura do professor e a concepo de pedagogia e

    educao de seus respectivos editores. O confronto entre os editores, como ser

    discutido, parece ter se acirrado nas disputas por ttulos a serem publicados nos

    programas de cada uma delas.

    A Coleo de Teixeira, pela anlise parcil da documentao, se constituu como

    modelo alternativo ao de Penna, retomando a concepo de coleo que havia regido as

    propostas editoriais dos escolanovistas nos anos 1920 e 1930: oferta direta dos textos

    originais em tradues, entendidos como bases para a formao do leitor e comentrios

    de especialistas brasileiros, proporcionando ao pblico leitor a possibilidade de

    apropriao dessas bases.

    Tomando-se a lista de obras programadas para a publicao 20 ttulos ao todo

    nota-se que 13 delas so diretamente voltados para a discusso de aspectos do campo da

    educao; as outras sete, no catlogo da prpria editora, se distribuem entre as reas da

    poltica(2); sociologia (4) e cincias sociais(1)24.

    O conjunto sobre educao compe-se de (7) obras de brasileiros: sendo que cinco

    so de autoria do prprio Ansio Teixeira; e outras duas de Hlio Pontes e Terezinha

    boli. Das tradues, seis ao todo, so escolhidos J.Dewey, J.Bruner, Alfred N.

    Whitehead, John Pfeiffer, James Bryant Conant e W. Kenneth Richmond. Como se v,

    as obras do prprio editor do o enquadre para as anlises educacionais; intercaladas s

    tradues de textos norte-americanos e ingleses.

    23 Sobre a conjuntura do mercado editorial nas dcadas de 1950, 60 e 70 e suas relaes com a expanso do ensino superior, ver Toledo (2001). 24 Dos 20 ttulos propostos, apenas 18 foram publicados na CCSE; um no chegou a ser editado e outro foi transferido, j na 1 edio, para a Atualidades Pedaggicas. Para a viso geral dos ttulos propostos, consultar anexo 1

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    J o conjunto sobre cincias sociais incluindo seu sub-campos - compe-se,

    exclusivamente, de autores estrangeiros, vertidos para o portugus. Os autores

    programados so: J Dewey (1), Raymond Willians (2), Jacques Lambert (1), Peter

    Winch (1), Alexis de Tocqueville (1), Marshall MacLuhan (1). Com exceo da obra de

    J.Lambert, todos os outros ttulos fora vertidos do ingls para o portugus. Teixeira

    escolhe preferencialmente as anlises britnicas e americanas para oferecer ao leitor

    brasileiro.

    Ansio Teixeira revisou todas as tradues, assim como os prprios textos, fazendo

    jus a seu lugar de editor. Na correspondncia que mantm com a Nacional, possvel

    verificar que essa coleo procurava materializar o programa de tradues que o

    Educador idealizava. Um programa que viesse atender a urgncia de anlises e

    pensamentos sobre a crise atual (Carta de ATeixeira a OMFerreira, 26/01/1970). Da

    todo o cuidado do Editor/Educador em trabalhar as tradues, oferecendo ao leitor

    material de alto nvel.

    Ainda, de modo preliminar, nota-se que no h entre os ttulos escolhidos manuais ou

    compndios sobre disciplinas ou qualquer campo do conhecimento. A preocupao de

    Teixeira era de oferecer anlises completas dos temas e assuntos escolhidos; assim

    como se preocupava em oferecer viso de conjunto da educao, articulando-a as

    chamadas Cincias Sociais. Longe de uma anlise apoltica da educao, Teixeira

    programa autores e obras que lhe vinham subsidiando a compreenso do que entendia

    ser a crise atual.

    Embates nos bastidores da Nacional

    Como consultor editorial da CEN, j nos anos 1960, Ansio Teixeira criticava

    veementemente o programa editorial de Penna para a formao do professorado e

    apontava, diretoria da Editora, a necessidade de traar uma poltica de tradues

    radicalmente diversa daquela proposta por Penna. Entendia que a Coleo de Penna

    prejudicava a formao do professorado e o prprio desenvolvimento do campo da

    pedagogia e, por conseqncia, da cultura.

    A Coleo de Teixeira seria ento a materializao de um programa alternativo

    de formao quele que se tornou hegemnico por meio dos manuais e das colees

    didticas, como a da Atualidades Pedaggicas, que se multiplicaram, desde os anos

  • 1

    1940, inundando as escolas de formao do professorado, tanto em nvel superior

    quanto em nvel mdio?25

    As crticas Coleo de Penna aparecem na correspondncia mantida entre

    Teixeira e o diretor de edio, Thomaz Aquino de Queiroz. Em 1968, momento em que

    Teixeira j trabalhava em sua nova Coleo, este apresenta a Aquino de Queiroz

    pareceres sobre as futuras tradues da coleo Atualidades Pedaggicas.26 Diz

    Teixeira, em carta de 8 /fev./1968:

    Meu caro Thomaz: os trs livros para Atualidades Pedaggicas que ainda tenho aqui so todos livros que refletem necessidades didticas dos americanos para os seus cursos. No so livros originais, mas textos para alunos de um pas super-rico, que no tem razes para ser seletivo em suas publicaes escolares. Nosso modelo, intelectualmente falando, muito mais a Europa, no caso de termos de traduzir manuais escolares (Teixeira, 08/02/1968; - AT 66.05.19/CPDOC-FGV)

    Alm de considerar inapropriado o modelo de manual contido nos ttulos

    propostos por Penna, Teixeira considerava ainda mais inadequada a poltica de

    publicao de livros didticos em Pedagogia. Para ele, essa opo era marcada pelo

    empobrecimento da cultura escolar e no se justificaria primeira vista. Certamente, o

    que o incomodava era a escolha de manuais, j que no programa de sua coleo

    privilegiou anlises da cultura e da educao vindas de autores norte-americanas.

    Em contraposio a essa poltica sugere:

    Isto um lado da questo. Mas h outro lado: nesses livros, muito das teorias expostas so de autores estrangeiros alemes, suos etc. Ora, penso que no devemos receber a contribuio destes autores das mos dos americanos. Estes tm muito a nos ensinar do ponto de vista de invenes e de tecnologia, mas quando se chega a pensamentos eles so subsidirios da Europa e no h razo para sermos subsidirios de quem j subsidirio. O ltimo livro, por exemplo, que me enviou Theories of child development, de Alfred L. Baldwin dedica 118 pginas a Piaget e 70 pginas a Freud, sem falar em 38 a Fritz Heider e 44 a Heinz Wener. Ora, no seria mais importante traduzirmos obras desses autores? S Piaget poderia dar a

    25 Essa questo abre dilogo com o problema colocado por Brando & Mendona sobre as razes da no leitura de Teixeira no campo educacional (Brando & Mendona, 1997). Alm das respostas encontradas pelas autoras, pode-se perguntar se o modelo de leitura e formao que se hegemonizou nos cursos de pedagogia o manual e o compndio - no teriam contribudo para solapar modelos alternativos de formao, como os propostos por Ansio Teixeira? 26 Em 1966, Ansio Teixeira j havia dado parecer contrrio traduo do texto de Jean Chateau Les Grands Pdagogues, publicado na dcada de 1970 como Os grandes pedagogistas.

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    Atualidades trs ou quatro volumes. A Editora Nacional traduziu quase todo o Bertrand Russel, o que representou uma contribuio real cultura brasileira. Porque no fazer algo semelhante com alguns dos pensadores originais no campo de pedagogia? De todos os autores examinados por Baldwin poderiam ser escolhidas as obras mais significativas e com isto se enriqueceria a biblioteca de psicologia propriamente didtica. Viriam, depois, comentrios a ser escritos pelos autores brasileiros (Carta de Teixeira a Aquino, 8/9/1968 - AT 66.05.19 / CPDOCFGV).

    Segundo Teixeira, o nico modo da Nacional contribuir de fato com a formao

    do leitor, fosse ele o professor, fosse ele o leitor comum, era oferecer tradues dos

    textos originais e no comentrios didticos a eles, reforando a importncia do

    modelo de formao e leitura que integrava originais traduzidos aos comentrios de

    autores brasileiro.

    Para reforar sua posio Teixeira continua:

    J escrevi ao Octales sobre uma possvel poltica de tradues, mas no sei qual foi a reao s sugestes que apresentei. Damasco Penna, que est no ofcio e tem a experincia que sabemos, poderia dar-nos a sua opinio. No tenho dvida de que com cento e muitas escolas de filosofia, embora no seja mais em sua maioria que escolas normais superiores, temos que preparar para seus alunos uma biblioteca em lngua portuguesa nas vrias disciplinas dos seus currculos. Ser que esta biblioteca deve ser a dos livros didticos americanos? Ou a dos livros dos cientistas e pensadores americanos, ingleses, franceses, alemes, suos, belgas, dinamarqueses, holandeses e russos. Deixo de citar os italianos e espanhis porque acredito que podemos ler na lngua original. A minha objeo assim, no contra traduzir americanos mas a traduzir livros didticos sejam l de que pas for. Em alguns casos, como j disse, podia-se admitir alguma adaptao feita por autor brasileiro altamente familiarizado com o assunto, mas a pura e simples traduo no vejo como aceit-la.Tambm poderiam ser traduzidas obras de autores que desenvolvessem com originalidade e contribuio prpria teorias de outros autores, mas a traduo deveria assim ser sempre de autor que, estivesse a pensar com originalidade e poder criador. Estas observaes somente tm valor de sugestes. Se livros como os que me mandou tm mercado seguro, est claro que se pode editar, cabendo-me apenas lamentar que no estejamos em condies de fornecer aos estudantes brasileiros os livros da cultura humana, sendo obrigados pelas circunstncias a dar-lhes uma cultura de segunda mo. Pea ao Damasco Penna que me mande uma palavra sobre as razes que o esto levando a esse programa de

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    tradues de livros didticos. Talvez, no haja outro remdio.... (Carta de Teixeira a Aquino, 8/9/1968 - AT 66.05.19).

    A longa citao da carta de Teixeira importante para apresentar o embate que

    se constitua em torno do que deveria ser oferecido como literatura pedaggica aos

    estudantes universitrios durante sua formao. Para Ansio Teixeira, as escolhas de

    Penna erravam por no oferecerem aos estudantes brasileiros a possibilidade de ler os

    textos originais dos autores eleitos; erravam por no serem livros adaptados s

    necessidades especficas da cultura da escola brasileira e de sua constituio especfica

    mais prxima do modelo europeu; erravam porque ofereciam aos estudantes obras

    sem originalidade e poder criador; erravam por no discutirem as verdadeiras fontes

    intelectuais da cultura pedaggica e educacional que se havia montado no Brasil. A

    poltica de Penna s se justificaria, ento, se houvesse mercado garantido para a editora.

    Na carta seguinte, sem se conformar com a poltica de escolhas da Atualidades,

    Teixeira comenta:

    Em relao a minha carta de ontem, estive conversando com Newton Sucupira da Faculdade de Filosofia da Universidade de Pernambuco e embora concorde ele comigo sobre uma poltica de longo alcance em tradues para o portugus, deu-me notcia de que, em psicologia, comeam a ser habituais as tradues de livros didticos americanos27, o que explica Damasco Penna ter pensado nos livros que estivemos examinando. Tudo isto, entretanto, no dispensa uma seleo muito rigorosa do que se deva traduzir. Seria indispensvel termos um catlogo das tradues j feitas no Brasil, para no se duplicar o trabalho e, ao mesmo tempo, ver e sentir as lacunas existentes. Outra coisa a conseguir seria um Whos Who dos professores, a fim de podermos sempre ouvir os mais competentes nessa tarefa de escolhas. Embora venha pensando h muito sobre o assunto, sinto que me faltam dados sobre os hbitos que se vm formando em nosso magistrio, todo ele, hoje, mais improvisado. A matria francamente de difcil indagao, no sendo fcil sair de uma rea de palpites e sugestes um tanto secundrios, como por certo, so tambm os meus. (Carta de Teixeira a Aquino, 8/9/1968 - AT 66.05.19)

    Apesar da confirmao do perfil do pblico e suas expectativas, Teixeira volta a

    insistir nas crticas inadequao das escolhas de Penna: falta de uma seleo rigorosa

    27 A opinio de Newton Sucupira sobre o uso de manuais de psicologia nas faculdades de filosofia, refora a hiptese que esse modelo de leitura e formao que se torna hegemnico e acompanha a expanso das escolas superiores de formao de professores.

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    do que se deve traduzir, sugerindo aos editores que pedissem pareceres a professores

    mais competentes - do que Penna - para a seleo dos textos a serem traduzidos;

    repetio de textos que trazem as mesmas informaes - no se duplicar o trabalho e,

    ao mesmo tempo, ver e sentir as lacunas existentes. .

    Aquino responde de modo contundente e explicitava a representao que os

    editores tinham do pblico para o qual estava destinada a Atualidades. Em carta de

    9/02/1968, Aquino responde:

    (...) acabo de receber seu parecer sobre os ltimos originais propostos para Atualidades Pedaggicas. Mais que um simples parecer, na verdade, sim a exposio de sua filosofia de trabalho no campo editorial. Concordo inteiramente com o senhor: o ideal seria mesmo levarmos os estudantes aos textos originais, oferecendo-lhes tradues cuidadas dos prprios autores, evidentemente, muito melhores do que simples comentrios, anlises ou excertos, mesmo quando feitos com cuidado e preocupaes didticas. Isto, entretanto, representa ou representaria para ns fantstica sobrecarga financeira, grfica e editorial aparentemente insuportvel no momento e para os estudantes, de um modo geral, quase que impossibilidade material de acesso s obras. Sim, porque se hoje j chega a ser difcil para muitos alunos a aquisio do manual imagine de uma seleo de autores abrangendo o estudo da matria desse mesmo campo? Tomemos, por exemplo, o mesmo livro berlinda, Theories of child Development, de Baldwin: constitui, didaticamente, a forma ideal mesmo havendo outros com idntico objetivo, melhores ou piores para o estudante obter uma viso geral dessas teorias do desenvolvimento em nvel introdutrio, suficientemente para que depois possa partir para estudar mais aprofundado cada um dos autores. Ideal porque representa grande economia de tempo e recursos, e porque queiramos ou no vivemos hoje a era da cultura em plulas. E constitui tambm a forma prtica: num s livro ele tem acesso a um grupo, ou ao pensamento de um grupo de teorias que, de outro modo, exigiria a consulta a enorme bibliografia. E qual, hoje, a proporo de alunos dispostos, num curso de iniciao, a deglutir dezenas de trabalhos de Piaget, Freud, Kurthewin, Wener, como editres, devemos pensar nisto tudo, No concorda?(...) (carta de Aquino a Teixeira, 9/02/1968 - AT 66.05.19 grifos meus)

    Para Aquino, a poltica de escolhas de Penna adaptava-se como uma luva ao

    mercado editorial de livros universitrios: barateava custos; dava acessibilidade ao leitor

    novato; condensava informaes, formando, de alguma maneira o estudante. A resposta

    de Aquino tambm indica a legitimidade do lugar de poder de Penna frente ao

    intelectual da educao de renome. Pela correspondncia, percebe-se que a Atualidades

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    Pedaggicas propunha trs pilares para a poltica de tradues (ou publicaes, j que a

    maioria dos volumes eram tradues): livros didticos e manuais para atender os

    iniciantes nos estudos da Psicologia e da Pedagogia; livros didticos e manuais que no

    pesassem no bolso do leitor ou da editora; livros que possibilitassem uma absoro da

    cultura pedaggica em plulas, sem demandar tempo ou grande esforo dos leitores

    iniciantes.

    contra esse modelo de formao que a proposta de Teixeira parece se insurgir.

    A CCSE foi desenhada com parmetros completamente diferentes dos que regiam a

    Coleo de Penna. Teixeira parece, em anlise preliminar da CCSE, produzir sua

    prpria poltica de tradues, selecionando o que chamava de textos originais, sem

    qualquer preocupao com a facilidade da leitura. Os prprios comentrios de textos e

    autores nas orelhas dos livros atestam essa opo. Para o texto de Raymond Willians

    Cultura e Sociedade -, por exemplo, observa-se na orelha:

    Para compreender e explicar a perplexidade e o mistrio do nosso tempo, julgamos ser indispensvel a leitura desta paciente, difcil, penetrante e, sobretudo, otimista descrio e anlise de Raymond Willians. No livro fcil, pois obra de estudo e anlise minudente(...) Sua pesquisa, entretanto, admirvel iniciao ao estudo amadurecido, histrico, da nossa moderna tradio humana e intelectual, a grande tradio do sculo 19. (Orelha do vol.1, CCSE, 1969).

    importante notar que o livro de Willians abria a CCSE indicando a

    incompatibilidade do tipo de escolha proposta por Teixeira com a que Penna vinha

    publicando.

    A crtica de Teixeira aos programas de leituras propostos em colees, como a

    Atualidades Pedaggicas, no se restringia apenas ao gnero de material selecionado

    para a publicao. Para Teixeira, a especializao ou restrio do pblico ao qual esse

    tipo de coleo se destinava era indicador de concepes de pedagogia e educao

    diversas das que ele proclamava. Esse tipo de crtica vinha de longa data e a prpria

    Atualidades, ainda dirigida por Azevedo, fora atingida por ela. Escrevendo para Lobato,

    em 1936, Teixeira comenta:

    A Coleo de F. A muito interessante, mas meio domstica, sem horizonte internacional. Seria necessrio uma coleo em que pedagogia fosse um captulo e no um ttulo. Pedagogia bobagem se no for toda a cultura humana. H mais pedagogia em Wells do que em todos os professores do mundo (carta de Teixeira a Lobato, 21/3/1936, in: Vianna e Fraiz, 1986:73-74)

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    Neste sentido, ao restringir a formao do professorado pedagogia, a

    Atualidades Pedaggicas de Penna ia de encontro prpria concepo de formao do

    professor que Teixeira sustentava.

    Essa representao de formao de Teixeira, pela anlise preliminar dos ttulos

    selecionados, pode ter sido um dos principais critrios de escolha do editor: apesar de

    mais da metade dos textos selecionados dizerem respeito aos problemas da educao28,

    os editores definem, tanto nas orelhas dos livros como na correspondncia interna, essa

    Coleo como voltada para o pblico em geral.

    Mas ainda necessrio aventar a hiptese de que essa definio do pblico leitor

    redirecionava, pelo menos formalmente, a destinao da CCSE: se a coleo

    Atualidades Pedaggicas era explicitamente voltada para mestres e educadores; a

    CCSE era para o pblico em geral, que inclua os mestres e professores. Esse

    redirecionamento poderia ser uma estratgia de Teixeira para garantir a existncia de

    sua coleo e de um modelo alternativo de leitura e formao do professor ao no

    coloc-la como concorrente da Atualidades, j consagrada, evitando a oposio de

    Penna ao programa por ele projetado.

    Essa hiptese corroborada pela disputa de ttulos e autores que se instala entre

    os dois editores desde o final dos anos 1960. Esse o caso, por exemplo, do livro de

    John Dewey Democracia e Educao, que estava no programa da Atualidades, desde

    193629. Em carta a Thomaz de Aquino, Teixeira observa:

    A minha reserva sobre Atualidades Pedaggicas que certos livros no so atualidades nem pedaggicas. So livros de cultura geral, de filosofia, de cincias sociais. Tome, por exemplo, Democracy and Education de J. Dewey. O endereo deste livro muito mais amplo do que os dos mestres pedagogos. uma filosofia da democracia. Lembre-se que Dewey explicitamente afirma que a filosofia uma teoria de educao. O livro deve ser reeditado sem menor dvida(...)[mas] que saia numa edio para o grande pblico, ou, pelo menos, todo o pblico intelectual e no apenas, repito, o dos pedagogos e professores (infelizmente com o pedaggico apenas os primrios). Converse pois com Penna (Teixeira, 2/12/1966; AT66.05.19/CPDOC - FGV).

    Na carta de Teixeira fica explcita a disputa que comeava a travar com Penna

    por ttulos que estavam na Atualidades e que gostaria de ver na sua prpria Coleo. Por

    28 Dos 20 volumes selecionado, 12 deles dizem respeito Educao. Ver anexo 1. 29 O texto foi reeditado em 1957, 1963 e 1983.

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    sua vez, Penna resiste retirada do livro e, por meio de Thomaz de Aquino, responde

    negativamente s pretenses de Teixeira:

    Muito obrigado pela sua opinio quanto reedio do Dewey, agora depende do beneplcito do Big Boss30, pois Mestre Penna tambm a v muito oportuna e importante. Mas deseja v-la, como eu prprio, ainda e sempre nas Atualidades Pedaggicas. No acreditamos, sinceramente, que a sua permanncia na srie torne o livro pouco acessvel a um pblico maior, e boa prova disto est no inegvel sucesso das edies anteriores. O importante, de qualquer modo, ter o livro publicado (Aquino, 6/12/1966; AT66.05.19/CPDOC - FGV).

    Como possvel notar no trecho da carta, seja pelo tratamento, seja pelo status

    da Coleo, Penna h muito consolidara sua posio de poder na Nacional. A instalao

    de uma coleo concorrente j existente no catlogo da Editora no era tarefa simples

    e demandava trabalho poltico e estratgico. Para impor um modelo concorrente,

    Teixeira parece ter sofrido tambm resistncia de Penna31. A luta de representaes

    entre os dois editores estaria, portanto, sendo travada nos bastidores de uma das maiores

    editoras do Brasil.

    Mas essa coleo tambm tem outra dimenso. Como j notado, essa Coleo

    lanada durante o recrudescimento da Ditadura Militar e de instalao implacvel da

    censura que tinha Ansio Teixeira como um de seus alvos. Da possvel inferir que a

    Coleo pode ter servido a seu editor como forma de fazer circular suas representaes

    sobre educao, cultura e democracia, usando discursos alheios. Em carta a Thomas

    Aquino (20/01/1970), Teixeira comenta

    1) estou a lhe mandar a nota introdutria que confesso no saber se convm a Liberalismo, Liberdade e Cultura. Trata-se de artigo escrito para as Flhas por ocasio da traduo. Escrever mesmo uma nota introdutria envolveria inevitavelmente referncia situao local e no desejo faz-lo por faltar-me liberdade para isto. Acredito, contudo, que bastar a referncia implcita e o silncio dos editres. Voc leia a nota e diga-me com franqueza se a julga til ou conveniente. Acho que certos livros so mensagens que precisam ser publicadas, no tanto para atender o presente, mas para servir ao futuro.

    30 Thomaz de Aquino se refere a Octalles Marcondes Ferreira que dava a ltima palavra sobre qualquer publicao da CEN. 31 Com a morte de Teixeira, a coleo encerrada e a maioria dos ttulos de educao so deslocados para a Atualidades Pedaggicas. Esse deslocamento sempre se dava com parecer de Penna, aceitando ou recusando os ttulos da coleo de Teixeira. As informaes sobre os destinos da Cultura, Sociedade e Educao constam dos dossis de obras do Acervo Histrico da Companhia Editora Nacional.

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    A anlise da CCSE em contraste com a da Atualidades Pedaggicas, pode,

    portanto, reconstituir os modelos de leitura e formao do professorado e do pblico

    intelectual que estavam em concorrncia no campo da educao, assim como as

    estratgias mobilizadas pelos diferentes atores nessa disputa; pode ainda desvelar

    aspectos da atuao poltica de intelectuais, como Ansio Teixeira, que optaram por

    ocupar o lugar de poder de editor, como estratgia para fazer circular suas

    representaes sobre a educao e a cultura.

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    Arquivos:

    A Correspondncia citada est localizada nos arquivos:

    - Arquivo Ansio Teixeira FGV do Rio de Janeiro - Acervo Histrico da Companhia Editora Nacional IBEP So Paulo.

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    Anexo 1

    Coleo Cultura, Sociedade e Educao:

    autor ttulo 1a edio Raymond Willians Cultura e sociedade 1969Jacques Lambert Amria Latina 1969Ansio Teixeira Educao no Brasil 1970Jerome Bruner O processo da Educao 1969

    Ansio Teixeira Pequena Introduo filosofia da educao 1968

    Raymond Willians A longa revoluo No foi editado

    Alfred N. Whitehead Os fins da educao 1970Ansio Teixeira Educao um direito 1968Peter Winch A idia de uma cincia social 1970Ansio Teixeira Educao no privilgio 1968Jonh Dewey Liberalismo, liberdade e cultura 1970Ansio Teixeira Educao e o mundo moderno 1969John Pfeiffer Uma viso nova de educao 1971Hlio Pontes Educao para o desenvolvimento 1969John Dewey Experincia e Educao 1970James Bryant Conant Dois modos de pensar 1968Terezinha boli Uma escola diferente 1969Alexis de Tocqueville Democracia na Amrica 1969Marshall MacLuhan A galxia de Gutenberg 1970

    W. Kenneth Richmond Revoluo do Ensino

    Editado na Atualidades Pedaggicas -1975