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1 MIRAÇÕES EM TELA: “EXPERIÊNCIAS, PERCEPÇÕES E ANTROPOLOGIA 1 . Maria Lucia ada Silva Coelho (Ciências Sociais -UFPA 2 ) Resumo: Este ensaio etnográfico e resultado do terceiro capítulo do meu TCC e esboça a minha experiência do uso da Ayahuasca no contexto ritual do Santo Daime junto ao grupo da igreja Luz de Maria em Marabá, sendo esta experiência ao mesmo tempo individual e coletiva. Neste sentido busco fazer uma reflexão sobre o processo de criação da mesma e um breve estudo sobre a performance da narrativa, através da pintura e da “memória partilhada”, reconhecendo e registrando modos de estar nesse universo, de ver, de sentir, de perceber e de conhecer. O Santo Daime será pensado a partir do que os Cientistas Sociais denominam como “novos movimentos religiosos”, traçando assim a história do surgimento da Igreja do Santo Daime Luz de Maria, que surge a partir de uma dissidência de um grupo anterior. Através do trabalho de campo (realizada no período de setembro de 2010 a janeiro de 2013) na referida igreja, é que entro em contato com o universo místico/religioso das mirações. As mirações são consideradas experiências de natureza espiritual ou mística já que são experiências vividas em outros planos, que só podem ser traduzidas para o plano material de forma descritiva, performática e simbólica. Dentre as diversas imagens presentes nas mirações, procurei destacar neste trabalho, alguns significados das imagens que aparecem em minhas telas, assim como alguns contrastes que eles podem passar dependendo da cultura local. Palavras-chave: Santo Daime, Mirações, Antropologia, Religião e Modernidade. Oh! Minha Mãe estou aqui Recebendo a Vossa luz de amor Que universo encantado Dentro de mim se revelou Este jardim tão cintilante Reinado do meu beija flor De pedras finas tão brilhantes Que o Meu Pai me entregou 1 Trabalho apresentado no II Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 25 e 27 de outubro de 2016, Belém/PA, no GT Etnografia Visual e sonora: olhares sobre uma região de fronteira do sul e sudeste do Pará. 2 Este artigo também faz parte do capítulo III do meu tcc "Experiências, Percepções e Antropologia: Interpretando Mirações no Santo Daime" sob Orientação da profª. Dra. Gisela Macambira Villacorta, para a conclusão do curso de Ciências Sociais com ênfase em Antropologia da Ufpa, na época campus universitário de Marabá, hoje Unifesspa.

MIRAÇÕES EM TELA: “EXPERIÊNCIAS, PERCEPÇÕES E · significados das imagens que aparecem em minhas telas, assim como alguns contrastes que eles podem passar dependendo da cultura

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MIRAÇÕES EM TELA: “EXPERIÊNCIAS, PERCEPÇÕES E

ANTROPOLOGIA1”.

Maria Lucia ada Silva Coelho (Ciências Sociais -UFPA2)

Resumo:

Este ensaio etnográfico e resultado do terceiro capítulo do meu TCC e esboça a minha

experiência do uso da Ayahuasca no contexto ritual do Santo Daime junto ao grupo da

igreja Luz de Maria em Marabá, sendo esta experiência ao mesmo tempo individual e

coletiva. Neste sentido busco fazer uma reflexão sobre o processo de criação da mesma e

um breve estudo sobre a performance da narrativa, através da pintura e da “memória

partilhada”, reconhecendo e registrando modos de estar nesse universo, de ver, de sentir,

de perceber e de conhecer. O Santo Daime será pensado a partir do que os Cientistas

Sociais denominam como “novos movimentos religiosos”, traçando assim a história do

surgimento da Igreja do Santo Daime Luz de Maria, que surge a partir de uma dissidência

de um grupo anterior. Através do trabalho de campo (realizada no período de setembro

de 2010 a janeiro de 2013) na referida igreja, é que entro em contato com o universo

místico/religioso das mirações. As mirações são consideradas experiências de natureza

espiritual ou mística já que são experiências vividas em outros planos, que só podem ser

traduzidas para o plano material de forma descritiva, performática e simbólica. Dentre as

diversas imagens presentes nas mirações, procurei destacar neste trabalho, alguns

significados das imagens que aparecem em minhas telas, assim como alguns contrastes

que eles podem passar dependendo da cultura local.

Palavras-chave: Santo Daime, Mirações, Antropologia, Religião e Modernidade.

Oh! Minha Mãe estou aqui

Recebendo a Vossa luz de amor

Que universo encantado

Dentro de mim se revelou

Este jardim tão cintilante Reinado do meu beija flor

De pedras finas tão brilhantes

Que o Meu Pai me entregou

1 Trabalho apresentado no II Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os

dias 25 e 27 de outubro de 2016, Belém/PA, no GT Etnografia Visual e sonora: olhares sobre uma

região de fronteira do sul e sudeste do Pará. 2 Este artigo também faz parte do capítulo III do meu tcc "Experiências, Percepções e Antropologia:

Interpretando Mirações no Santo Daime" sob Orientação da profª. Dra. Gisela Macambira Villacorta, para

a conclusão do curso de Ciências Sociais com ênfase em Antropologia da Ufpa, na época campus

universitário de Marabá, hoje Unifesspa.

2

Todos os seres Divinos

Me acompanham para o Além

E vai subindo, vai subindo

Sobe até aqui quem me convém

A harmonia envolvente

Do som da harpa e do clarim

Meu Jesus Cristo vai na frente

Esta viagem não tem fim

Brilho no sol, brilho na lua

Eu brilho em todo jardim

A Minha Mãe está comigo

Meu Pai é quem zela por mim3.

INTRODUÇÃO

Neste artigo apresento meus trabalhos em telas, as quais objetivam não apenas a

representação do mundo externo e natural, e sim o vasto mundo interior que através do

Santo Daime se revelou, bem como um resumo do conceito de arte visionaria e ainda a

análise da construção social das imagens refletindo sobre os significados das memórias

partilhadas através de entrevistas sobre mirações. evidenciando as mirações que geram,

de forma aleatória, imagens e sons que acompanham os movimentos. Dessa forma,

podemos compreender a plasticidade dos corpos, pois o daime amplia os sentidos,

modificando o “estar” no mundo, por meio da interação homem e natureza, bem como

um resumo do conceito de arte visionária e ainda a análise da construção social das

imagens refletindo sobre os significados das memórias partilhadas através de entrevistas

sobre mirações.

3 Hino nº 37 “Universo Encantado” do hinário “A Chave”, recebido por Júlio César.

3

ARTE VISIONÁRIA

As artes constituem, sem dúvida, um dos instrumentos mais poderosos para o

desvelamento de fenômenos tais como estados não ordinários de consciência.

A conexão entre a criatividade e experiências com enteógenos – especialmente

com a ayahuasca – intrigou-me. São vários artistas que conheci na Amazônia

que me disseram ter recebido sua inspiração nas visões (LUNA 2004, 194)4.

Arte visionária5 pode ser entendida como um fazer artístico onde a produção é

feita durante o efeito do chá, ou no momento da “força”, onde os artistas materializam o

conteúdo de suas visões, através de diversas obras como pinturas, esculturas, nas variadas

artes visuais, ou através da poesia e da musica. A definição mais sucinta e de mais fácil

entendimento é dizer que a Arte Visionária é o resultado de experiências de expansão de

consciência retratadas plasticamente. Esse conceito de arte não é novidade, ele existe

desde o tempo das cavernas, como por exemplo, as pinturas rupestres. Esse estilo de arte

também esteve presente nas obras de vários artistas do Renascimento, como Paolo

Ucello, Arcimboldo e Bosch, marcou também a arte de William Blake, além de ocorrer

no Simbolismo, Surrealismo, Realismo Fantástico, Psicodelismo e, atualmente aparecem

mais consistentemente nas obras dos artistas visionários6, que se dedicam a retratar suas

visões e experiências com a ayahuasca, tais como Pablo Amaringo, Alex Gray, Alexandre

Segrégio, entre outros.

A arte visionária tem como propósito transcender o mundo físico, retratar visões

que muitas vezes incluem temas espirituais e místicos ou pelo menos referentes a tais

experiências. Outra característica da arte visionaria é a tentativa do artista em busca de

uma representação original. Dentro deste contexto, também está envolvida a “arte

enteógena”7, ou seja, criações feitas sob o efeito de substâncias desse gênero. Esse termo

foi adotado por ser muito usual entre os artistas e também por sua maior flexibilidade,

envolvendo o uso de visões compreendidas em varias formas de expansão de consciência,

com ou sem o uso de substancias enteogenas.

4 Apud Mikosz (2009, p. 107). 5 Para um histórico sobre a arte visionária e ayahuasca, bem como os primeiros autores a reportar isso em seus estudos, ver Mikosz (2009). 6 Chamados aqui de visionários por causa da característica de pintarem suas visões. 7 Enteógeno foi um termo proposto por Wasson et. Al. (1969), eleito para livrar-se de rótulos tais como

droga ou alucinógenos, desgastados e carregados de preconceitos. Além de conflituosos em relação as

visões nativas. Segundo MacRae (1992, p.16), enteogeno deriva do grego antigo entheos que significa

“Deus dentro”; o neologismo enteógeno significaria então “o que leva o divino para dentro de si”.

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MIRAÇÕES EM TELAS

Em junho de 2012, por motivos pessoais e financeiros tomei a decisão de viver

uma verdadeira aventura antropológica, inspirada pela antropóloga Florinda Donner-

Grau, autora do livro “Shabono: uma viagem ao universo místico dos índios ianomâmis”.

O livro de Florinda conta a história de uma antropóloga que se entrega como aprendiz aos

guias indígenas que a levam por estranhos caminhos de uma sabedoria intuitiva e

misteriosa. Para conhecer os segredos de cura destes habitantes das matas, adere aos

costumes tribais e consegue desvendar, a partir do seu próprio ser, a magia ancestral dos

espíritos da floresta. Inspirada por esse livro rico em magia e mistério, decidi passar um

tempo morando no sítio da igreja, durante esse período de aproximadamente seis meses,

fiz um verdadeiro mergulho em um mundo ainda desconhecido, mas muito real em meio

as minhas mirações.

Essas mirações tornaram-se cada vez mais encantadoras e mágicas, com

elementos desconhecidos, novas mirações que transcendem os modos comuns de

percepção que me conduziram a criação de um verdadeiro “tesouro”, pois é assim que me

refiro a minhas telas. Para descrever uma dessas experiências utilizo parte do meu diário

de campo.

Marabá, 5 de agosto de 2012

Tomei o daime logo cedo, havia poucas pessoas no sítio e queria aproveitar o

momento de sossego para fazer uma tela especial, até agora à força não chegou,

sinto apenas uma leve sensação de bem estar. Depois de alguns minutos fechei

os olhos para senti-la, durante a força comecei a observar o detalhe das coisas,

os riscos das folhas, as diversas cores das flores e o aroma da natureza. Por um

momento pude sentir o silêncio dos meus pensamentos, fiquei atenta a

qualquer movimento, atenta a tudo, comecei a perceber que tudo aquilo que

desejamos leva ao sofrimento. Nunca estamos vivendo o agora sempre estamos

pensando no que seremos ou no que teremos no futuro. Isso quase sempre nos

deixa deprimidos e sempre vivendo “o que ainda será”, deixamos de viver o

mais importante que é o agora. A força me levou para uma viagem ao além da minha consciência, parti em busca da desconstrução deste mundo ilusório.

Comecei a criar novas saídas para atravessar as dificuldades que estava

passando naquele momento e o daime me ensinava como mudar a energia do

meu corpo e do meu espírito. Estava observando tudo com outros olhos e estes

comtemplavam o belo com todas as suas cores, com todo o seu brilho colossal,

sentia o doce cheiro sedutor das flores, ouvia com muita atenção o cantar dos

pássaros com milhares de acordes e sentidos, seus voos de liberdade, suas asas

que ao baterem me traziam os ventos, contemplei à noite com suas estrelas

incandescentes, e o brilho protetor da lua. Neste momento pingos d’água

começaram a cair sobre o meu corpo, águas que levam o mal para o além,

chuva que vem nos banhar e nos trazer vida, o florescer da natureza. Tudo era tão magico, uma vida que traz outras possibilidades, criações divinas feitas

5

para serem comtempladas e amadas. Durante a força junto com toda essa

compreensão eu ia traçando a minha nova obra, as cores me conduziam a um

mundo profundo existente dentro de mim, elas tornavam-se amplamente

dispersas, fascinada observei a transparência do ar a dissolver as sombras a

minha volta. Uma suavidade envolvia o pincel que se expandia revelando os

vários contornos sobre a tela, sentia a minha volta uma brisa suave que tinha

cores desconhecidas de um brilho envolvente. Pintei até o momento em que a

força passou...

Cada tela é um mundo, um aprendizado, uma cura, um novo caminho, quando

estou pintando sinto uma onda de sentimentos que invadem e me levam para dentro do

próprio daime ,os desenhos formam uma vibração que modela, conserta, cura e cria, a

força aumenta e percebo meu corpo estremecer. O canto dos pássaros me dá o tom, as

flores me dão o seu brilho, as árvores e o céu a sua suavidade, deixo os detalhes brotarem.

Cada tela é uma história, cada figura tem o seu significado e sentido, que variam de acordo

com o ponto de vista de cada pessoa, assim como afirma o autor José Bizerril, no texto

“O território da confluência: Poética e Antropologia”:

...tais convenções variam de acordo com cada tradição e mesmo no interior de

cada gênero particular. Pode estar ligado a determinados tipos de contextos,

instituições e sujeitos sociais (Bizerril ano, 107).

Ao olhar para a tela cada pessoa faz a sua própria viagem de acordo com seus

conceitos e cultura. Cada tela possui o seu ensinamento, a força das imagens, muitas vezes

sensibiliza o espectador de forma inconsciente. Os olhos são fisgados pelo colorido e o

encantamento decorrente desse encontro devolve a graça ao dia, reconstrói em segundos

a ponte com a fantasia e o mágico que os transporta para outro lugar. Em meio a essas

viagens conheço seres de luz que vem até mim, para mostrar os seus conhecimentos, que

serão repassadas através das pinturas. São seres cheios de magia e conhecimentos, belas

sereias, princesas, rainhas e reis.

Cada tela é um reflexo de mim, do que estou sentindo, são frutos da emoção que

emprego nelas, esses sentimentos permanece estampado em cada detalhe e em cada cor.

As pinturas retratam, em sua maioria, paisagens iluminadas pelo sol ou pela lua, quase

sempre com presença de flores. Em muitos quadros, se vê água, principalmente de rios e

cachoeiras, mas também o mar.

Uma das dificuldades em pintar minhas visões é justamente encontrar em um

modo material, as tintas nas cores que costumo ver na força, pois as cores que encontro

são menos vivas e brilhantes, e não exprimem a ideia da experiência original.

6

3 CADA TELA UM “NOVO OLHAR”

Figura 15: Tela 1 da série "Encantos do mar".

Em março de 2013. Fonte: Arquivo pessoal.

A primeira tela foi uma grande surpresa, a minha preferida, passei por tantas

provas durante a sua confecção, tantos obstáculos que por um momento pensei em não

pintar mais, porém o amor pela arte superou tudo. A arte vem de dentro, o amor é quem

a constrói. Essa tela foi especial porque além de ser a primeira, ainda existiu o perdão, a

compreensão e o amor profundo. Ela me fez entender que cada pessoa tem seu valor, que

nossos erros são reflexos de nossas vitórias e que através deles podemos construir algo

muito melhor (FIGURA 15).

Essa tela me ajudou a exercer a caridade e o amor pelo próximo, me fez entender

que a raiva, o rancor e o orgulho não valem de nada, são apenas reflexos de nossas

derrotas e obstáculos para a nossa evolução. O Daime é a chave de tudo, os desenhos são

sonhos de um mundo melhor, são refúgios para os que acreditam no amor, no canto dos

pássaros, no brilho da lua e na magia das matas.

Essa tela possui varias figuras e formas, e cada uma delas tem algo a nos ensinar,

estão nos repassando sentimentos e inspirações. A começar pela primeira tela sempre

existiu a figura de uma grande serpente que dentro da doutrina representa conhecimento

7

e é quem abre nossas mirações, conhecida como a protetora da mãe terra. Sempre começo

a tela pela serpente ou por algo que vai se ligar a ela. Para Chevalier e Gheerbrant (1982):

As serpentes são animais que parecem inspirar simultaneamente medo e

fascinação devido a sua beleza, seus mistérios, seu perigo. Alguns desenhos,

desde o período paleolítico, são linhas sinuosas relacionadas ao movimento das

serpentes, do mesmo modo que os pigmeus ainda as representam, com uma

linha no chão (CHEVALIER & GHEERBRANT 1982, 814).8

A figura da serpente possui diversos significados e uma infinidade de aspectos

simbólicos, tanto pelas suas características físicas, como pela variedade de habitats. Ela

é considerada como o símbolo da fertilidade, da sexualidade ambivalente, representa

ainda as fontes da vida e da imaginação. Também é chamada de Kundalini9, que significa

o poder do desejo puro dentro de nós, é a energia de nossa alma, de nossa consciência, é

a nossa emanação do infinito, a energia do cosmos dentro de cada um de nós. Como nossa

energia criativa, ela pode ser imaginada como uma serpente enroscada adormecida na

base da nossa coluna vertebral representa a energia da libido que sobe pelos chakras10,

abrindo-os, iluminando-os, ajudando a renovar as personalidades, além disso, pode ser a

serpente do paraíso que tentou Eva, que trouxe a queda simbólica da humanidade.

Para os Xamãs Ancestrais11 a serpente é um animal de poder uma grande aliada

de cura, ela é poderosa e indispensável. Ela tem a capacidade de devorar doenças,

comendo tumores e outros patógenos virulentos, pois o organismo da Serpente não é

vulnerável às mesmas doenças que os nossos. Na medicina a serpente representa o

símbolo do bem e do mal, portanto da saúde e da doença; é o símbolo da astúcia e da

8 Apud Mikosz (2009, p. 123). 9 O texto desse parágrafo foi parafraseado das informações presentes no sítio:

<http://www.salves.com.br/kunkun.htm> (acessado 12 de janeiro de 2013). 10 Chakra, em sânscrito, significa “roda de luz”. Na filosofia hindu, são os pontos de junção por onde passa

a energia vital, geralmente sete, distribuídos da base do períneo até o topo da cabeça. São como centros de consciência (CHEVALIER & GHEERBRANT 1982, 231). Em sentido mais amplo, “Chakra significa

círculo, esfera” (CAMPBELL 1991, 191). Os Chakras são centros de energia, que representam os diferentes

aspectos da natureza sutil do ser humano. São eles: corpo físico, emocional, mental e energético. Os sete

principais Chakras ficam localizados ao longo da coluna vertebral do corpo humano e, segundo a Tradição

Hindu, seguem as cores do arco-íris. 11 O texto desse parágrafo foi parafraseado das informações presentes no sítio:

< http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/Simbolo.htm>

8

sagacidade; símbolo do poder de rejuvenescimento, pela troca periódica da pele; além de

ser considerado o ctônico, elo entre o mundo visível e invisível12.

Nessa tela podemos observar a figura de uma bela índia com seu penache colorido,

ela simboliza os seres da mata (FIGURA 15). Que nos trás a sua proteção, suas penas

coloridas representam a alegria dos pássaros, que nos transmitem conforto. Notamos a

presença de borboletas que nos envolvem com o brilho das matas, nos transportando para

um novo tempo de transformação. Os pássaros presentes na tela tem o poder de nos

transmitir através do seu colorido uma energia pura, que nos leva a um mergulho pelos

mundos encantados e profundos.

A lua prateada presente em quase todas as telas dessa série “encantos do mar”,

simboliza Nossa Senhora da Conceição, nossa mãe protetora. As flores simbolizam a

beleza e o encanto das cores. O índio que aparece no canto esquerdo nos remete aos

estados iniciais dos efeitos do daime, onde padrões coloridos de diversas formas

costumam ser vistos, espirais que se movimentam e nos levam a viver aquele momento,

desprendendo nossa mente de tantos pensamentos, nos conduzindo para outros mundos.

As espirais são efeitos de energia e movimento, presentes em várias culturas e religiões e

exprimem a conexão com o universo espiritual, assim como podem representar os

labirintos e as teias de aranha, com a ideia de centro e periferia. Vale lembrar que elas

também estão presentes nas pinturas pré-históricas e são usadas desde a antiguidade como

símbolos ornamentais13.

12 O texto desse parágrafo foi parafraseado das informações presentes no sítio:

<http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/Simbolo.htm> 13 Para um histórico sobre espirais ver ainda Mikosz (2009, p. 143).

9

Figura 16: Tela 2 da série "Encantos do

mar". Título: Iluminação, em março de

2013. Fonte: Arquivo pessoal.

Na pintura “Iluminação”, retrato a historia de uma jovem sem rosto, perdida em

meio a pensamentos sem rumo e vazios, que a levam ao nada a solidão do mundo. Os

seres presentes nessa tela tem seu sentido voltado para os espíritos da floresta, todos eles

vêm para abençoar a jovem sem rosto e ajuda-la a sair do mundo de ilusões (FIGURA

16).

A pintura nos modifica, nos leva a construir novos mundos, nos transporta para

uma viagem em meio às cores, nos conecta com o universo cósmico, nos traz força e

alegria. No momento em que estava pintando sentia que uma luz muito forte me

iluminando, que me levava para um mundo encantado que estava em constante

transformação, onde tudo se ligava as serpentes, reis, curandeiros e espíritos da floresta

que me ofereciam o poderoso balsama protetor feito pelo daime.

Essa tela possui uma ligação muito forte com o momento que eu estava passando.

Ela remete a transformação, uma busca pelo autoconhecimento, momento de tomar uma

decisão, uma saída do mundo de ilusão, desapego das pessoas e dos bens materiais, foi o

momento em que decidi passar um tempo no sitio. Durante o processo de criação da tela

passei por uma fase de reconhecimento de encontro comigo, com meu ser interior. Ela

representa o amor próprio, me ensinou através das pinceladas que quem tem que me amar

10

acima de tudo é eu mesma. Que todo amor que necessito está dentro de mim, que ele deve

ser repassado para as pessoas a minha volta através da pintura. Pintar essa tela me ajudou

a compreender que sou importante para o mundo, que essa arte vai ajudar muita gente a

se reconhecer também.

Essa pintura tem muita magia e encantamento vindo dos seres da floresta, ela foi

construída pelo amor as matas e aos seres que nela habitam. A serpente nesta tela

representa os ensinamentos de uma velha curandeira, que vem trazer todo conhecimento

a menina sem rosto, que ainda não se reconheceu, ainda não sabe do seu valor perante as

pessoas. As serpentes, em muitas mirações descritas durante as entrevistas pelos

daimistas, servem como meio de transporte para os reinos celestes ou subaquáticos.

As borboletas que a levam pela mão para mostrar-lhe a transformação do mundo,

o novo tempo que se aproxima. A borboleta assim como a serpente também possui varias

simbologias, ela nos ensina a perceber todas as etapas necessárias a uma verdadeira

transformação, interna ou externa. Ela passa por vários estágios, de ovo para larva, desta

para casulo. E finalmente nasce. Com isso, ela nos ensina que os estágios são importantes,

indispensáveis, para que não se pule de fase sem a devida atenção ao que está sendo feito.

Devemos ter sempre clara a ideia de eterno ciclo de autotransformação. Pode representar

ainda Clareza mental, novas etapas e liberdade.

A sereia14 que aparece no canto inferior do lado esquerdo da tela representa à

senhora das águas, que vem entregar para a jovem a folha da Rainha15. Através do canto

suave da sereia a jovem será conduzida ao que procura há muito tempo, buscava a

sensibilidade, o equilíbrio e a liberdade da alma.

No canto superior direito podemos contemplar a imagem de um rosto verde

representante dos poderes das águas, de sua boca notamos a queda de uma cachoeira, que

cai sobre a sereia com o poder de purificar as energias negativas, já no canto superior

direito está à figura de outro rosto que representa o senhor dos ventos, que com um só

sopro afasta todos os maus pensamentos. Entre os dois seres, por traz da lua tem um

14 Sereia vem do grego antigo: Σειρῆνας é um ser mitológico, parte mulher e parte peixe. É provável que o

mito tenha tido origem em relatos da existência de animais com características próximas daquela que, mais

tarde foram classificados como sirénios. Filhas do rio Achelous e da musa Terpsícore, tal como as harpias,

habitavam os rochedos entre a ilha de Capri e a costa da Itália. Eram tão lindas e cantavam com tanta doçura

que atraíam os tripulantes dos navios que passavam por ali para os navios colidirem com os rochedos e

afundarem. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Sereia 15 Psychotria viridis, componente feminino do chá, chamada também de chacrona.

11

pássaro de fogo que representa nessa tela os raios do rei sol, quem ilumina a terra e nos

salda todos os dias, a lua é a mãe que com o seu brilho nos leva ao bom caminho.

Figura 17: Tela 3 da série "Encantos do mar". Em março de 2013

Título: Brincadeira de Sereia. Fonte: arquivo pessoal.

Para criar essa tela recebi as inspirações das profundezas do mar, com o objetivo

de trazer a purificação e a suavidade, ela veio nos mostrar os encantos das sereias e das

belas cachoeiras para lavar todo o mal. Essa tela é uma das mais simples, porém cheia de

magia para aqueles que enxergam a beleza. A correnteza do mar traz para a tela os seres

místicos e mágicos adormecidos em nosso interior, nos leva a nossa infância, nos faz

lembrar como é bom brincar e ser feliz, rir sem culpa, ter a doçura de uma flor e ver a

beleza de um pássaro. Durante o processo de criação percebi que as crianças amam sem

pedir nada em troca, fazem confusão por tudo e se perdoam no mesmo instante, ao mesmo

tempo percebi que a vida passa tão depressa que muitas vezes deixamos que ela passe por

entre os dedos, deixamos de sonhar, não damos atenção para o presente, sempre pensando

no futuro ou no passado, deixamos de viver momentos importantes estando neles sem

estar, permitimos que o tempo passe e depois nos cobramos por não termos aproveitado

enquanto tínhamos a oportunidade de fazer o melhor momento de nossa vida. Não

subimos nas árvores, não corremos, não gritamos, não fazemos o que é maior, coisas mais

importantes que nada, essa tela representa o chega de acordar e repetir (FIGURA 17).

A tela “Brincadeira de sereia” retrata as brincadeiras e a magia das sereias, a

pintura mostra a magnífica cidade brilhante de Encantos do Mar. Esta cidade é o local de

encontro das mais belas criaturas aquáticas, onde elas se reúnem para brincar e receber a

sabedoria das mais antigas. As belas cachoeiras servem de senário para toda essa viagem,

12

onde na primeira descansa a serei mais antiga Ynaré, que observa o lindo arco-íris e os

botos. Ela é aliada dos grandes mestres, ajuda a resgatar pessoas que se perderam nas

águas profundas, ela está segurando uma flor feita de poesia. Brincando próximo às

pedras estão às sereias Janaína e Jurema, filhas de Ynaré, elas trazem consigo flores

medicinais e irão aprender sobre cura, Essas sereias vivem nas rochas e simplesmente

desaparecem nelas se alguém tenta capturá-las. Mais atrás, do lado direito, estão algumas

borboletas vindas de uma terra distante, vivem no bosque do arco-íris e são aliadas das

belas fadas, elas auxiliam no controle das energias dos ventos e das tempestades. Atrás

das sereias, estão cachoeiras de grande esplendor e beleza.

O círculo colorido ao fundo, simboliza proteção é o símbolo da perfeição, da

ausência de divisão, da totalidade e da eternidade, podendo também simbolizar os ciclos

celestes. Nessa tela o círculo pode representar os caminhos que a alma percorre até chegar

a essa miração. Campbell diz que:

O círculo, por outro lado, representa a totalidade. Tudo dentro do círculo é uma

coisa só, circundada e limitada. Esse seria o aspecto espacial. Mas o aspecto

temporal do círculo é que você parte, vai a algum lugar e sempre retorna. Deus

é o alfa e o ômega, o princípio e o fim. O círculo sugere imediatamente uma

totalidade completa, quer no tempo, quer no espaço (CAMPBELL 191, 234)16.

No canto superior esquerdo do quadro está o lindo passarinho verde responsável

pelo poder do arco-íris. Ele representa o passarinho verde do qual se refere o hino 69 do

Mestre Irineu. A seguir o hino “Passarinho” do Mestre Irineu.

Passarinho está cantando

Discorrendo o ABC

E eu discorro a tua vida

Para todo mundo ver

Passarinho está cantando

Canta na mata deserta

Dizendo para o caçador

Você atira e não acerta

Passarinho Verde canta

Bem pertinho para tu ver

Sou Passarinho e tenho dono

E o meu dono tem poder

Passarinho Verde canta

Com alegria e com amor

Sou Passarinho e canto certo

16 Apud Mikosz (2009, p. 201)

13

E com certeza aqui estou17

Neste hino apresentam-se vestígios de lendas amazônicas que foram

ressignificadas pela Doutrina do Santo Daime. A seguir trecho do livro “O jardim de belas

flores” de Juarez Duarte Bomfim, que apresenta o significado do passarinho.

Deus é tudo e todos, Todos os Seres, e olha por toda sua criação. Aqui é

apresentada uma de suas criaturas, um singelo passarinho, cantando

solitariamente na floresta, e a sua pungente melodia cala tão fundo no coração

que é como se examinasse as nossas vidas. É comum a crença, em diversas regiões rurais brasileiras, na existência de seres encantados defensores da

floresta, que vivem na mata zelando pelas árvores e animais. Esses encantados

voltam-se “contra qualquer um que queira caçar apenas por prazer, ou

desmatar a floresta sem propósito” 18. Por outro lado, são amigos dos que

vivem na mata sem agredi-la, caçando apenas para alimentar-se e respeitando

a flora19. Para atrapalhar os que não agem com boas intenções ecológicas, esses

encantados têm muitas artimanhas20.

Figura 18: Tela 4 da série "Encantos do mar", março de 2013. Título: Canta Praia. Fonte: Arquivo pessoal.

A pintura foi feita entre os dias doze e quinze de agosto de 2012, ela assim como

as outras que busco descrever neste capitulo, fazem parte da serie “Encantos do mar” e

seu titulo é “canta praia”, o mesmo foi sugerido pela daimista Camila, pois durante o

trabalho do dia 15 de agosto, ela viu em sua miração que o nome da tela deveria ser “canta

praia”. A miração aconteceu na hora em que estávamos cantando o hino 24 do Mestre

Irineu, o qual possui o titulo “Canta Praia” (FIGURA 18).

17 Hino nº 69 “Passarinho”, do hinário “O Cruzeiro Universal”, recebido pelo Mestre Irineu. 18 Aliverti (2005, p. 54). 19 O texto desse parágrafo foi parafraseado das informações presentes no sítio:

Ibidem. Portal do Santo Daime <www.santodaime.hbe.com.br> 20 Apud Bomfim (2009, p. 123)

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Canta praia, Canta praia

Canta praia é quem me ensina

Eu sou um filho eterno

Não devo pensar à toa

Conhecer este poder

Que me traz as coisas boas

Não devo te desprezar

Para ir atrás da ilusão

Que me traz tanta riqueza

E me derriba pelo chão

Devo ser eternamente

Para sempre, amém Jesus

Eu sou um filho eterno

De joelhos em uma cruz21

Para descrever com mais clareza como foi essa miração faço uso de um trecho da

entrevista feita com Camila Moreira que consagra o Santo Daime há cinco anos.

Com o passar do tempo, novas pessoas foram chegando ao sitio e com chegada da Malu aqui eu vi nela uma grande amiga mesmo, assim que a gente se

conheceu eu nunca esqueci que ela me pediu para eu ser madrinha dela e pra

mim foi muito bacana. Desde quando ela começou a fazer os primeiros

desenhos eu sempre gostei, sempre fiquei muito admirada com os desenhos e

quando ela começou pintar as telas nossa eu falei pra ela que queria ter dinheiro

pra comprar todas as telas dela, pois as telas são lindas. Teve um dia especial

que ela tinha terminado de pintar uma tela e era dia de trabalho e ela me levou

no quartinho dela aqui onde ela guarda as telas que já pintou e me mostrou uma

tela muito bacana, que tinha uma entidade uma índia ou uma cabocla e ela

estava bem próxima à água, era mesmo assim um convite para aquela água. A

gente subiu para o trabalho as nossas posições dentro do salão, agente fica uma do lado da outra, quando agente cantou o hino que chama “canta praia”. “Canta

praia” também significa cantar pra ir, pra alcançar, pra subir e no momento que

a gente começou a cantar aquele hino eu entrei totalmente para a história

daquela tela que ela havia me mostrado, eu vi aquela cabocla e entendi que

toda aquela situação que estava sendo cantada no hino ela tinha conseguido

inconscientemente expressar na tela e depois eu contei a ela que acabou dando

o nome de “Canta praia” para a pintura. Eu vi também que naquela tela tinha

uma mulher com um vestido longo feito de água eu conseguia ver no meio do

vestido dela os peixinhos nadando e se harmonizando com toda aquela situação

da tela do hino, tudo em perfeita harmonia, como se ela tivesse cantando pra

Malu pintar, ela mesma aquela entidade que devia ser Iemanjá.

A pintura é um momento de performance, como já foi comentado no capítulo

anterior, é quando estabelece-se um quadro interpretativo a partir do qual se compreende

as mensagens, deste modo implica a capacidade da plateia e do narrador, no sentido de ir

21 Hino nº 24 “Canta Praia”, do hinário “O Cruzeiro”, recebido por Mestre Irineu.

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mais além de um micro sentido referencial. Nesse sentido posso dizer que durante a

experiência descrita acima proporcionei simultaneamente uma ampliação da experiência.

A tela “Canta Praia” remete ao encontro de vários seres encantados, que vem

trazer varias oferendas para quem a observa. Cada uma das mulheres presentes na tela

representa um elemento da natureza, repletas de boas vibrações e muita harmonia. A

mulher do canto esquerdo superior simboliza os ventos da alegria que transmitem vida e

um novo florescer, as flores são o nascimento de um tempo prospero e cheio de amor.

A sereia representa nessa tela a magia das águas, ela é a rainha protetora das

profundezas do mar, seu olhar envolvente encanta e transmite à beleza, a flor que ela

segura traz a proteção e o respeito ao próximo. Os peixinhos simbolizam as crianças, a

grande índia vem oferecer bons sentimentos, ela traz segurança e a força de uma guerreira

das matas. Em fim a mulher que está com a lua na mão, representa à senhora das águas a

rainha da lua, a mãe protetora do universo, ela traz o conforto e o amor de mãe.

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Figura 19: Tela 5 da série "Encantos do mar".

Título: Ia guiado pela lua, março de 2013.

Fonte: Arquivo pessoal.

Essa tela representa o despertar da consciência cósmica, através da mediunidade22

é a tela que possui maior significado espiritual, seu título é “Ia guiado pela lua” o mesmo

do hino 84 do Mestre Irineu (já citado no capitulo anterior) ambos remetem ao chamado

da virgem mãe, Nossa Senhora para uma viagem até um ponto destinado e quem ira

conduzir por este caminho será Deus e Ela (FIGURA 19).

Essa viagem leva ao caminho do conhecimento interior, do despertar do autocontrole

e do equilíbrio. A serpente que sai do alto da cabeça da fada representa a serpente

Kundalini guardiã dos sete chakras principais, as flores cor de rosa que aparecem em três

pontos da tela representam os pontos que precisam ser trabalhados pela fada, são os

centros de energia em desequilíbrio e sinaliza o que é preciso melhorar. Os pontos a serem

analisados são: o terceiro chakra chamado de Plexo Solar representa a força do indivíduo,

onde "mora" o ego de cada um, suas funções primordiais são o poder e a vontade e está

22Mediunidade é a faculdade dos médiuns, ou seja, a faculdade que possibilita uma pessoa servir de intermediária entre os Espíritos desencarnados e os homens. A palavra médium é uma expressão latina que significa "meio" ou "intermediário". Allan Kardec apropriou-se dessa expressão para designar as pessoas que são portadoras da faculdade mediúnica. Para um histórico sobre esse assunto ver “O Livro dos Médiuns” Allan Kardec(1861).

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relacionado com as emoções. Quando muito energizado, indica que a pessoa é voltada

para as emoções e prazeres imediatos. Quando fraco sugere carência energética, baixo

magnetismo, susceptibilidade emocional e a possibilidade de doenças crônicas, esse

chakra é representado pela cor amarela e localiza-se na região do umbigo.

Outro ponto a ser trabalhado é o sexto chamado de Chakra Frontal, conhecido

como “terceiro olho” na tradição hinduísta, situa-se no ponto entre as sobrancelhas,

representa a mente e está ligado à capacidade intuitiva e à percepção subtil. Quando bem

desenvolvido, pode indicar um sensitivo de alto grau, é representado pela cor azul índigo.

O ultimo chakra analisado é o sétimo chamado de Coronário, é o mais importante de

todos, pois representa nossa ligação com a energia superior, com o universo, abre a

consciência para o infinito, relaciona-se com o padrão energético global da pessoa,

através dele recebemos a luz divina.

A sua função principal é evoluir, ascender e se aprimorar como ser humano, situa-

se no topo da cabeça, na tela “ia guiado pela lua” está representado pela serpente. Também

conhecido como chakra da coroa, é representado na tradição indiana por uma flor-de-

lótus de mil pétalas na cor violeta. A tradição de coroar os reis fundamenta-se no princípio

da estimulação deste chakra, de modo a dinamizar a capacidade espiritual e a consciência

superior do ser humano. Percepção além do tempo e do espaço.

Na tela “ia guiado pela lua” a fada está vestida com uma roupa cor de rosa que

representa a amor incondicional, a cor da suavidade, do feminino. A água que a fada

oferece para a serpente traz uma simbologia muito forte, remete ao ato de alimentar a

mediunidade. A espiral que aparece ao fundo da tela remete a ideia de passagem para um

espaço além, diferenciado do mundo material. A espiral é o movimento circular que sai

do centro e se alarga ao infinito. Ela se assemelha a um círculo ou a um sistema de círculos

concêntricos. Na sua associação com movimento, as espirais estão conectadas à ideia de

danças circulares, em labirinto e nas danças que evoluem na forma da espiral.

Na parte inferior do lado esquerdo da tela tem uma embarcação antiga feita de

ouro e prata, ela é quem conduzirá a fada pelo caminho do equilíbrio e da iluminação,

para que ela compreenda e aprenda a lição.

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Este ensaio teve como objetivo fazer um exercício etnográfico da minha

experiência ao participar do ritual do Santo Daime, como um requisito de trabalho de

campo exploratório referente à disciplina “Tópicos Temáticos em Antropologia” sobre

Nova Consciência Religiosa. A ideia foi mostrar a complexidade de se etnografar o

“invisível”, o não palpável, o silêncio, já que o que geralmente se concebe como um

elemento possível e importante para ser pesquisado, é algo literalmente concreto e visível

nas relações humanas.

As minhas mirações traduzidas em telas foram o fio condutor, mas

especificamente o método, para etnografar esta experiência que se tornou central no

trabalho de campo, enfatizando cada vez mais que ela é ao mesmo tempo

individual/subjetiva e coletiva. Dessa forma, considerei aqui as telas que eu mesma criei,

um dos elementos importantes da linguagem e da cosmologia daimista, para a

compreensão deste saber local (Geertz,1997), reforçando a concepção de cultura como

um texto que deve ser lido e interpretado. Neste sentido, foi que considerei as mirações

traduzidas em telas como um texto que fiz um primeiro exercício de interpretação,

assumindo todos os “riscos” e “impurezas” que este território de confluência, entre

Antropologia e Arte, imagens, percepções me possibilitaram, questões estas que serão

aprofundadas, quem sabe, em um “futuro próximo”...

A suposta objetividade é uma miragem, tanto na antropologia, quanto na Arte não

é possível analisar sem expectativas. O exercício da performance no contexto

antropológico é ter expectativas de aproximação com o outro, com o que não conhecemos,

nos desafia o contato, a interação. Outros modos de se fazer antropologia, outros modos

de se fazer arte. Olhares atentos a lugares onde o corpo está restrito à lei e à ordem

permitem-nos expandir o olhar...

Aqui findei

Faço a minha narração

Para sempre se lembrarem

Do velho Juramidam23

23 Trecho do hino 111 – Estou aqui, do hinário “O Cruzeiro” Mestre Irineu.

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