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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS90ª Promotoria de Justiça de Goiânia
EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) DOUTOR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA ____
VARA DA FAZENDA PÚBLICA ESTADUAL DA COMARCA DE GOIÂNIA-GO.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS, por
intermédio da Promotora de Justiça que a esta subscreve, titular da 90ª Promotoria de Justiça
do Estado de Goiás, no uso de suas atribuições constitucionais, e com fulcro nos artigos 129,
inciso III, artigo 37, § 4º, ambos da Constituição Federal, artigo 5º, inciso I, da Lei 7.347/85,
na Lei Federal 8.429/92 e 8.625/93, no artigo 46, inciso VI, alínea “a”, da Lei Complementar
Estadual n. 25/98, vem perante Vossa Excelência propor
AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
observado o rito ordinário e disposições especiais previstas na Lei 8.429/92, contra
KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR, brasileiro,
divorciado, médico, natural de Lorena/SP, RG nº 27.511.785-6 SSP/SP, CPF nº 251145348-
74, nascido aos 10/02/75, filho de Janos Hunkar e de Maria Cecília Olivas Hunkar, residente
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de JustiçaRua 23, esq. com Av. B, qd. 06, lts. 15/24, Sala 342, Jardim Goiás, Goiânia–GO. CEP 74805-100
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS90ª Promotoria de Justiça de Goiânia
na Rua Professor José Francisco Teles, Qd. 2-G, Lote 24, Jardim Todos os Santos, Senador
Canedo/GO, CEP 75.250-000;
LÍVIO CARLOS DE SOUZA LOURES, brasileiro, casado,
enfermeiro, natural de Goiânia/GO, RG nº 3976166 DGPC/GO, CPF nº 9922417812-0,
nascido aos 04/03/1983, filho de Manuel da Silva Loures e de Catarina Maria de Souza
Loures, residente na Avenida Marechal Rondon, nº 2.760, Panorama Park III, bloco A-1,
apto. 402, Setor Urias Magalhães, nesta cidade;
WAGUINA-SUE PESSOA, brasileira, separada judicialmente,
enfermeira, natural de Goianésia/GO, RG nº 3.158.712-DGPC/GO, CPF nº 861.239.631-04,
nascida aos 02/12/1970, residente na Rua 21, nº 50, Qd. S, Lts. 01/12, apto. 301-F, Edifício
Gardênia, Vila Jaraguá, nesta cidade;
CLEONICE FERNANDES FERREIRA LISBOA, brasileira,
casada, servidora pública estadual, natural de Goiânia/GO, RG nº 1468412-SPTC-ID/GO,
CPF nº 433.659.061-34, nascida aos 23/12/1961, filha de Nestor Ferreira Faria e de Diva
Fernandes Ferreira, residente na Rua 14, unidade 203, lote 01, Parque Ateneu, CEP 74.890-
320, nesta cidade;
MAGDA LOURENÇA CARNEIRO, brasileira, casada,
servidora pública estadual, natural de Goiânia/GO, RG nº 846176-SSP/GO, CPF nº
246.984.581-53, nascida aos 16/09/1955, filha de Joaquim Virgílio Carneiro e de Maria
Onofre Carneiro, residente na Rua Desembargador Emílio Francisco Ferreira Póvoa, nº
1.261, Qd. 02, Lt. 11, Setor Criméia Leste, CEP 74.660-320, nesta cidade;
pelos fatos e fundamentos jurídicos a seguir expostos.
I. DA LEGITIMAÇÃO ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO:
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS - 90ª Promotoria de JustiçaRua 23, esq. com Av. B, qd. 06, lts. 15/24, Sala 342, Jardim Goiás, Goiânia–GO. CEP 74805-100
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS90ª Promotoria de Justiça de GoiâniaA legitimação do Ministério Público para promover a defesa do
patrimônio público por meio da Ação Civil Pública advém tanto da Constituição Federal
quanto da legislação infraconstitucional.
Ao tratar das funções institucionais do Ministério Público, assim
estabeleceu a Constituição Federal:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
A Constituição do Estado de Goiás, de seu turno, determina:
Art. 117. São funções institucionais do Ministério Público:
[…]
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
[…].
A Lei n.º 7.347 de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação
civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a
bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, em seu artigo 5º,
inciso, I, com redação dada pela Lei n.º 11.448, de 15 de janeiro de 2007, estabelece:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei n.º 11.448, de 2007)
I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei n.º 11.448, de 2007)
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[...]
Já a Lei n.º 8.429 de 02 de junho de 1992, que dispõe sobre as
sanções aplicáveis aos agentes públicos pela prática de ato de improbidade administrativa
dispõe:
Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.
[...]
§ 4º O Ministério Público, se não intervir no processo como parte, atuará obrigatoriamente, como fiscal da lei, sob pena de nulidade.
A Lei Orgânica Nacional do Ministério Público – Lei 8.625 de
12 de fevereiro de 1993 – estabelece:
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
[...]
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a) proteção, prevenção e reparação de danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;
[…].
Por fim, prevê a Lei Complementar nº 25/98 – Lei Orgânica do
Ministério Público do Estado de Goiás:
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Art. 46. Além das funções previstas na constituição Federal, na Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, na Constituição Estadual e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
[…]
VI – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei, para:
a) proteção, prevenção e reparação de danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;
[…].
Os atos normativos ora mencionados, especialmente a
Constituição Federal, evidenciam a atribuição do Ministério Público para o exercício da Ação
Civil Pública e assentam a adequação dessa via para a defesa do patrimônio público e o
combate de atos de improbidade administrativa.
II. DOS FATOS:
Conforme apurado no Inquérito Civil Público de n.º
2009000100042822, no período que se estendeu de meados de 2007 a dezembro de 2008, os
réus participaram de um esquema criminoso, que se encontrava sediado no Hospital de
Urgências de Goiânia – HUGO – hospital público de acentuada importância no cenário de
atendimento emergencial no Estado de Goiás.
Segundo se extrai dos autos, o “esquema” contava com a
participação direta de servidores públicos estaduais, lotados em locais estratégicos do
Hospital de Urgências de Goiânia, como o setor de emergências e o setor de serviço social.
Tais servidores, mediante recebimento de “propina”, nominada pelos envolvidos como
“incentivos”, realizavam a triagem de pacientes que, possuidores de planos de saúde, davam
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entrada no setor de emergências do referido nosocômio, para encaminhá-los a UTIs
particulares.
Esses encaminhamentos, por vezes desnecessários,
possibilitavam aos proprietários das UTIs envolvidas no esquema alta lucratividade,
porquanto, além de manterem a “casa cheia”1, possibilitavam auferir lucros pela manutenção
de pacientes nos leitos de UTI sem que o quadro do paciente indicasse tal procedimento. É o
que se verifica pelos índices de áudio nº 4653757, 5110086, 4645192, 4639552, 4662281,
4643874, 4664107, decorrentes de interceptação telefônica autorizada judicialmente, cujas
transcrições acompanham a presente peça (documento 02).
Em troca do encaminhamento de pacientes para as UTIs, os
servidores públicos lotados no HUGO recebiam, dos proprietários das UTIs, quantias em
dinheiro que variavam de R$100,00 (cem reais) a R$ 150,00 (cento e cinquenta reais) por
paciente encaminhado, a depender do número de pacientes encaminhados. Esses valores
chegavam a até 10% do total das despesas, na hipótese de paciente particular.
Do citado esquema participavam também prepostos dos
proprietários e/ou administradores das UTIs, que, incumbidos de contatar diretamente os
servidores públicos envolvidos, deles obtinham o encaminhamento para a UTI a qual se
encontravam vinculados, mediante pagamento de quantias que variavam entre R$30,00 (trinta
reais) e R$50,00 (cinquenta) reais.
Do citado esquema, participavam os réus e dele se beneficiavam
de forma direta.
O réu KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR celebrou
contrato com o Hospital Monte Sinai Ltda., localizado na Rua Paissandu, nº 220, Bairro
1 Expressão utilizada pelos envolvidos no esquema para se referirem à completa ocupação dos leitos das UTIs.
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Ipiranga, nesta capital, inscrito no CNPJ com o nº 01.081.470/0001-90, para administrar a
UTI instalada no referido hospital.
Sabendo do esquema existente e, não tendo nenhum “contato”
que pudesse proporcionar a sua participação, o réu KAROLY GYULA OLIVAS
HUNKAR, por indicação do médico Alexandre Luiz Guimarães, ex-servidor do HUGO, já
falecido e também, à época dos fatos, envolvido no esquema, contatou a ré WAGUINA-SUE
PESSOA que possuía amplo acesso aos servidores do HUGO envolvidos no esquema.
Os réus KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR e LÍVIO
CARLOS DE SOUZA LOURES, este último, enfermeiro do Hospital Monte Sinai e braço
direito do primeiro, então, propuseram à ré WAGUINA-SUE PESSOA uma parceria “com
exclusividade” para o encaminhamento de pacientes do HUGO para a UTI localizada no
Hospital Monte Sinai e da qual o réu KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR era
administrador.
A proposta de “exclusividade” se deu em razão de a ré
WAGUINA-SUE PESSOA trabalhar formalmente com Francisco Marques Guimarães
Júnior, proprietário da UTI CENTER VIDA LTDA., localizada no Hospital Vila Nova,
também envolvida no esquema e cuja participação está sendo apurada em ação civil pública
proposta apartadamente.
Aceitando a proposta e mesmo sem desvincular-se da parceria
firmada com Francisco Marques Guimarães Júnior, proprietário da UTI CENTER VIDA
LTDA., a ré WAGUINA-SUE PESSOA, em conjunto com as rés CLEONICE
FERNANDES FERREIRA LISBOA e MAGDA LOURENÇA CARNEIRO servidoras
públicas lotadas no HUGO, passou a fazer a cooptação de pacientes possuidores ou não de
planos de saúde que davam entrada no setor de emergências do HUGO e seu
encaminhamento à UTI localizada no Hospital Monte Sinai, administrada pelo réu KAROLY
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GYULA OLIVAS HUNKAR, mediante o pagamento de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais)
por paciente encaminhado.
O réu LÍVIO CARLOS DE SOUZA LOURES, enfermeiro da
UTI localizada no Hospital Monte Sinai e braço direito do réu KAROLY GYULA OLIVAS
HUNKAR, agindo como preposto deste, era um dos responsáveis pelo contato com a ré
WAGNINA-SUE PESSOA, bem como pelo repasse dos “incentivos”.
Segundo consta dos autos, o HOSPITAL MONTE SINAI
LTDA. beneficiou-se diretamente do esquema, porquanto a UTI ali localizada a ele pertencia
e os seus sócios tinham ciência do pagamento dos “incentivos” aos servidores públicos
lotados no HUGO para encaminhamento de pacientes para aquela unidade de saúde (índice
de áudio nº 4899193).
Eis alguns fatos que demonstram a forma de atuação e
participação dos réus no esquema.
Conforme se extrai das interceptações telefônicas autorizadas
judicialmente corroboradas pelos demais elementos de prova coligidos durante a investigação
policial, cujas peças integram o ICP nº 2009000100042822 e ora instruem a presente inicial,
no dia 31/07/2008, o réu KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR enviou uma mensagem
de texto à ré WAGUINA-SUE PESSOA com a proposta de “parceria” para o
encaminhamento de pacientes do HUGO para a UTI do Hospital Monte Sinai e pedido de
retorno. Então, no dia 1º/08/2008, por telefone, o réu KAROLY GYULA OLIVAS
HUNKAR esclareceu à ré WAGUINA-SUE PESSOA os termos da proposta a ser
transmitida aos servidores públicos lotados no HUGO, em especial os valores a serem pagos
por paciente encaminhado, o qual, após discussão, resultou fixado em R$ 150,00 (cento e
cinquenta reais) por paciente encaminhado à UTI localizada no Hospital Monte Sinai (índice
de áudio nº 4899193).
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS90ª Promotoria de Justiça de GoiâniaNo dia 11/08/2008, por telefone, a ré MAGDA LOURENÇA
CARNEIRO combinou com a ré WAGUINA-SUE PESSOA, esta agindo como preposta do
réu KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR, o encaminhamento de uma paciente oriunda
de Mozarlândia/GO para a UTI do Hospital Monte Sinai (índice de áudio 5007478).
No dia 11/08/2008 a ré WAGNINA-SUE PESSOA, por
telefone, agindo como preposta do réu KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR, avisou a
este sobre referida paciente que seria “extraviado” para o Hospital São Bernardo e solicitou a
sua interferência (índice de áudio nº 5007501).
No dia 11/08/2008, a ré WAGUINA-SUE PESSOA conversou
com o réu LÍVIO CARLOS DE SOUZA LOURES, por telefone, sobre a chegada, na UTI
do HOSPTIAL MONTE SINAI LTDA. de uma paciente chamada Teófila, oriunda de
Mozarlândia/GO, a qual, por pouco, não foi “extraviada” para o Hospital São Bernardo. Na
oportunidade, falaram sobre o pagamento de valores referentes a encaminhamento de
pacientes para a UTI do HOSPTIAL MONTE SINAI LTDA. (índice de áudio nº 5008505).
No dia 11/08/2008, por telefone, a ré WAGUINA-SUE
PESSOA conversou com o réu LÍVIO CARLOS DE SOUZA LOURES para tratar do
repasse de valores referentes aos pacientes encaminhados para a UTI do Hospital Monte Sinai
. Na oportunidade, após o réu LÍVIO CARLOS DE SOUZA LOURES falar que a UTI do
HOSPITAL MONTE SINAI LTDA. estava “vazia” recebeu a promessa da ré
WAGUINA-SUE PESSOA de que “mandaria” para lá os pacientes que aparecessem naquele
dia (índice de áudio nº 5015582).
No dia seguinte, dia 12/08/2008, por telefone, a ré WAGUINA-
SUE PESSOA, agindo como preposta do réu KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR, e a
ré CLEONICE FERNANDES FERREIRA LISBOA combinaram a entrega da importância
de R$ 300,00 (trezentos reais), a ser dividida entre a ré CLEONICE FERNANDES
FERREIRA LISBOA e a ré MAGDA LOURENÇA CARNEIRO pelo encaminhamento
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de pacientes para a UTI do HOSPITAL MONTE SINAI LTDA. (índice de áudio nº
5023790).
No dia 12/08/2008, por telefone, o réu LÍVIO CARLOS DE
SOUZA LOURES, agindo como preposto do réu KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR
conversou com a ré WAGNINA-SUE PESSOA, esta também preposta do réu KAROLY
GYULA OLIVAS HUNKAR, pedindo-lhe “exclusividade” na cooptação de pacientes do
HUGO e encaminhamento à UTI do HOSPITAL MONTE SINAI LTDA., oportunidade em
que apresentou as “vantagens” dessa opção. (índice de áudio nº 5028180).
III - FUNDAMENTOS JURÍDICOS DO PEDIDO
A Constituição Federal de 1998 consagrou, de forma explícita,
os princípios que regem a Administração Pública, assim enunciados:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 19, de 1998) […]
Da conjugação de tais princípios emerge o regime jurídico
administrativo brasileiro. Tais princípios devem orientar toda e qualquer ação que se realize
no âmbito da Administração Pública, porquanto consubstanciam proposições básicas
norteadoras não só da aplicação da norma jurídica, como ainda de toda ação administrativa.
Enquanto o princípio da legalidade afasta condutas arbitrárias
por parte dos administradores, que devem agir nos estritos limites da lei, o princípio da
impessoalidade e da moralidade vedam qualquer ação discriminatória e impõem que o agente
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público paute sua conduta pelos mais estritos preceitos éticos e dispense tratamento
isonômico aos administrados.
De acordo com o princípio da legalidade, a vontade da
Administração Pública é a que advém da lei. Em clássica lição, assentou Meirelles:
[…] A legalidade como princípio da administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. […] Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa 'pode fazer assim'; para o administrador público significa 'deve fazer assim' (MEIRELLES, Helly Lopes. Direito administrativo brasileiro. 37 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2011)
Sobre o princípio da impessoalidade, escreveu Mello:
[…] Nele se traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia […]. (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 22 ed., rev. e atual. até a Emenda Constitucional 53, de 19.12.2006, Malheiros Editores, 2007)
Por outro lado, haverá ofensa ao princípio da moralidade, conforme ensina Di Pietro,
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[…] sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo, 24 ed., São Paulo: Atlas, 2011)
A violação, consciente e voluntária, aos princípios regentes da
Administração Pública configura ato de improbidade administrativa, nos termos da Lei n.º
8.429/92:
Dos atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da administração pública
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
[…].
Por outro lado, a violação a princípios da Administração Pública
que importe em enriquecimento ilícito do agente constitui ato de improbidade administrativa
previsto no artigo 9º da Lei 8.429/92:
Dos atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito
Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou
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atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei e notadamente:
I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público;
[…].
A Constituição Federal delineou o tratamento a ser dispensado
aos atos de improbidade, nos seguintes termos:
§ 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
A Lei n.º 8.429/92, regulamentando a matéria, por sua vez,
estabelece:
Art. 5°. Ocorrendo lesão ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de terceiro, dar-se-á o integral ressarcimento do dano.
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações:
I - na hipótese do art. 9º, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que
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por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos;
[...]
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
A conduta dos servidores públicos lotados no Hospital de
Urgências de Goiânia – HUGO - de, consciente e voluntariamente, no exercício do cargo,
valendo-se das facilidades que este lhes proporcionava, receber “incentivos” para encaminhar
pacientes para UTIs particulares, dentre elas, a UTI do HOSPITAL MONTE SINAI
LTDA., administrada pelo réu KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR, além de ferir de
morte princípios caros à Administração Pública – como a legalidade, a moralidade e a
impessoalidade – ensejaram um enriquecimento ilícito, bem como causaram grave prejuízo
ao patrimônio moral do Estado de Goiás, diante da violação a sua honra objetiva, em razão do
descrédito social que as condutas dos referidos servidores públicos geraram ao ente público.
A gravidade das consequências dos atos imorais e lesivos à
saúde pública e, em especial, daqueles que se viram “utilizados” como instrumentos de lucro
e auferimento de vantagens ilícitas, geraram sérios e irreversíveis prejuízos à coletividade.
Da mesma forma, as pessoas físicas e jurídicas que, aderindo à
vontade dos servidores públicos envolvidas no esquema, auferiram vantagens econômicas em
razão do ato ímprobo, devem responder pelos atos praticados, na forma prevista no artigo 9º e
11 c/c artigo 12, I e III, todos da Lei 8.429/92, inclusive no que pertine ao dano moral difuso
e coletivo causado, como se verá adiante, conforme estabelece o artigo 3º da referida lei:
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Art. 3º. As disposições desta Lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.
IV – DO DANO MORAL DIFUSO E COLETIVO
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso X,
garantiu a indenizabilidade do dano moral, ao dispor:
Art. 5º. […]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação;
[…].
Na mesma esteira, o Código Civil Brasileiro, assim estabelece:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
A partir da Constituição de 1988, a indenizabilidade do dano
moral foi garantida de forma ampla e sem condicionamentos sempre que houver lesão, dentre
outros, à honra e à imagem das pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas.
A propósito, o Superior Tribunal de Justiça sumulou a questão
relativa à possibilidade de dano moral à pessoa jurídica, nos seguintes termos:
Súmula 227. A pessoa jurídica pode sofrer dano moral.
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No âmbito dos direitos difusos, a indenizabilidade do dano
moral, além de encontrar amparo na própria Constituição Federal de 1988, é expressamente
admitida pelo artigo 1º da Lei 7.347/85, ao assim dispor:
Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
[…]
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
[…].
Especificamente no que tange à defesa do patrimônio público,
também a Lei 8.429/92 prevê a reparabilidade do dano, de forma ampla, sem limitações
quanto à modalidade de dano – material ou moral -, conforme se extrai do artigo 5º e do
artigo 12 da citada lei.
Vale mencionar, por oportuno, que o conceito de patrimônio
público não se confunde com o de erário. A este respeito, valiosa é a observação de Martins:
[…] De considerar, ainda, a ideia de que o patrimônio público não pode ser compreendido apenas do ponto de vista material, econômico ou palpável. O patrimônio público espelha todo tipo de situação em que Administração Pública estiver envolvida, desde a mais módica prestação de serviço típica té os bens que fazem parte de seu acervo dominial. Com efeito, e como veremos adiante, a própria moral da Administração Pública constitui patrimônio a ser resguardado por todos os membros da sociedade, sob pena de completa submissão dos valores rígidos de honestidade e probidade às práticas vezeiras de corrupção, enriquecimento ilícito, concussão e prevaricação. Tudo isso a agerar desconfiança dos administrados em face dos administradores e, se não, o pior – difundir a ilicitude como meio usual nas multifárias relações entre os particulares, já que o mau exemplo dos administradores autorizaria, em tese, o
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desmantelamento dos critérios de lisura. (MARTINS, Fernando Rodrigues. Controle do patrimônio público. São Paulo: Saraiva, 2000)
Dessa forma, mesmo que o ato de improbidade administrativa
não cause lesão material ao patrimônio público, poderá ensejar a indenização pelo dano moral
causado ao ente público ou à coletividade, na hipótese de violação à honra objetiva ou
subjetiva, respectivamente.
A conduta violadora dos princípios regentes da Administração
Pública que, pela sua gravidade, conforme asserem Garcia e Alves (GARCIA, Emerson.
ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 26 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010) contribui para o descrédito das instituições públicas e do Estado perante a sociedade,
esmaece o vínculo de confiança entre esta e os exercentes do poder político, com degeneração
da própria segurança das relações sociais e disseminação entre os indivíduos, do nefasto
sentimento de impunidade e injustiça social, afeta inexoravelmente a honra objetiva do ente
público, com graves danos ao patrimônio público moral e enseja a indenização pelo dano
moral difuso provocado.
O reconhecimento jurisprudencial do dano moral em relação às
pessoas jurídicas, segundo Ramos, “é o primeiro passo para que se aceite a reparabilidade do
dano moral em face de uma coletividade”. E ainda acresce: “o ponto chave para a aceitação
do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu conceito, deixando de ser o dano
moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade de pessoas físicas” (RAMOS,
André de Carvalho. A ação civil pública e o dano moral coletivo. In: Revista de Direito do
Consumidor, n. 25/98, p. 82).
Seguindo nessa linha de entendimento e partindo do enfoque da
coletividade, a análise do dano moral se desloca para a violação de valores imateriais de um
grupo social. Nessa perspectiva, o dano decorre dos estados de comoção deflagrados no seio
social pelo atuar ímprobo (dano moral coletivo), da natureza do bem lesado e sua importância
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no meio social e da dimensão do prejuízo suportado pela coletividade (GARCIA, Emerson.
ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa, 26 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2010)
Como ensina Bittar Filho:
[...] O dano moral coletivo é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.(BITAR FILHO, Carlos Alberto. Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro in Direito do Consumidor, São Paulo: Revista dos Tribunais, vol. 12 )2
No caso ora em debate, indubitável que a conduta dos réus
maculou a honra objetiva do Estado de Goiás, a sua credibilidade, a confiança da sociedade
nas instituições públicas estaduais, principalmente tendo em vista as consequências negativas
que tais condutas ímprobas causaram à saúde pública. Vale lembrar que, movidos pelo intuito
de lucro e obtenção de vantagens indevidas, vidas de seres humanos foram colocadas em
risco, numa total demonstração de desprezo pelo bem mais caro ao ser humano e garantido
com proeminência pela Constituição Federal de 1988 – a vida.
Do ponto de vista da coletividade, irrefragável também, que a
conduta ímproba dos réus causou, além de intensa comoção social, pela sua gravidade e 2 Vale destacar, ainda, a manifestação de Ramos que, ao analisar o dano moral coletivo, assim dissertou: “[...] é preciso sempre enfatizar o imenso dano moral coletivo causado pelas agressões aos interesses transindividuais. Afeta-se a boa imagem da proteção legal a estes direitos e afeta-se a tranquilidade do cidadão, que se vê em verdadeira selva, onde a lei do mais forte impera. (RAMOS, André de Carvalho. A ação civil pública e o dano moral coletivo, Revista de Direito do Consumidor, vol. 25- Ed. RT, p. 83). Continua o citado autor, dizendo: “Tal intranquilidade e sentimento de desapreço gerado pelos danos coletivos, justamente por serem indivisíveis, acarretam lesão moral que também deve ser reparada coletivamente. Ou será que alguém duvida que o cidadão brasileiro, a cada notícia de lesão a seus direitos não se vê desprestigiado e ofendido no seu sentimento de pertencer a uma comunidade séria, onde as leis são cumpridas? A expressão popular ‘o Brasil é assim mesmo’ deveria sensibilizar todos os operadores do Direito sobre a urgência na reparação do dano moral coletivo” (idem, ibidem).
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perversão, incomensuráveis prejuízos para a saúde pública bem como para aqueles que, de
forma vil, se viram utilizados como meio para a obtenção de vantagens econômicas.
Os Tribunais Superiores vêm reconhecendo a indenizabilidade
do dano moral difuso e coletivo.
É o que se extrai da decisão prolatada no REsp nº 1.057.274 -
RS (2008/0104498-1) em que foi relatora a Ministra Eliana Calmon, cuja ementa tem o
seguinte teor:
ADMINISTRATIVO - TRANSPORTE - PASSE LIVRE - IDOSOS – DANO MORAL COLETIVO - DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA DOR E DE SOFRIMENTO - APLICAÇÃO EXCLUSIVA AO DANO MORAL INDIVIDUAL - CADASTRAMENTO DE IDOSOS PARA USUFRUTO DE DIREITO – ILEGALIDADE DA EXIGÊNCIA PELA EMPRESA DE TRANSPORTE - ART. 39, § 1º DO ESTATUTO DO IDOSO - LEI 10741/2003 VIAÇÃO NÃO PREQUESTIONADO.1. O dano moral coletivo, assim entendido o que é transindividual e atinge uma classe específica ou não de pessoas, é passível de comprovação pela presença de prejuízo à imagem e à moral coletiva dos indivíduos enquanto síntese das individualidades percebidas como segmento, derivado de uma mesma relação jurídica-base. 2. O dano extrapatrimonial coletivo prescinde da comprovação de dor, de sofrimento e de abalo psicológico, suscetíveis de apreciação na esfera do indivíduo, mas inaplicável aos interesses difusos e coletivos. 3. Na espécie, o dano coletivo apontado foi a submissão dos idosos a procedimento de cadastramento para o gozo do benefício do passe livre, cujo deslocamento foi custeado pelos interessados, quando o Estatuto do Idoso, art. 39, § 1º exige apenas a apresentação de documento de identidade. 4. Conduta da empresa de viação injurídica se considerado o sistema normativo. 5. Afastada a sanção pecuniária pelo Tribunal que considerou as circunstancias fáticas e probatória e restando sem prequestionamento o Estatuto do Idoso, mantém-se a decisão. Recurso especial parcialmente provido.
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS90ª Promotoria de Justiça de GoiâniaAo exarar seu voto a Relatora Ministra Eliana Calmon,
reconhecendo a indenizabilidade do dano moral difuso e coletivo, ponderou:
[…] E não poderia ser diferente porque as relações jurídicas caminham para uma massificação e a lesão aos interesses de massa não podem ficar sem reparação, sob pena de criar-se litigiosidade contida que levará ao fracasso do Direito como forma de prevenir e reparar os conflitos sociais. A reparação civil segue em seu processo de evolução iniciado com a negação do direito à reparação do dano moral puro para a previsão de reparação do dano a interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, ao lado do já consagrado direito à reparação pelo dano moral sofrido pelo indivíduo e pela pessoa jurídica (cf. Súmula 227/STJ).
Com efeito, os direitos de personalidade manifestam-se como uma categoria histórica, por serem mutáveis no tempo e no espaço. O direito de personalidade é uma categoria que foi idealizada para satisfazer exigências da tutela da pessoa, que são determinadas pelas contínuas mutações das relações sociais, o que implica a sua conceituação como categoria apta a receber novas instâncias sociais. (cf. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental. do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 287).
Como constata Xisto Tiago de Medeiros Neto:
Dessa maneira, o alargamento da proteção jurídica à esfera moral ou extrapatrimonial dos indivíduos e também aos interesses de dimensão coletiva veio a significar destacado e necessário passo no processo de valorização e tutela dos direitos fundamentais. Tal evolução, sem dúvida, apresentou-se como resposta às modernas e imperativas demandas da cidadania. Ora, desde o último século que a compreensão da dignidade humana tem sido referida a novas e relevantíssimas projeções, concebendo-se o indivíduo em sua integralidade e plenitude, de modo a ensejar um sensível incremento no que tange às perspectivas de sua proteção jurídica no plano individual, e, também, na órbita coletiva. É inegável, pois, o reconhecimento e a expansão de novas esferas de proteção à pessoa humana, diante das realidades e interesses emergentes na sociedade, que são acompanhadas de novas violações de direitos. (Dano moral coletivo. 2ª ed. São Paulo: LTr, 2007, p. 121).
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O mesmo autor sintetiza os requisitos para configuração do dano moral coletivo:
Em suma, pode-se elencar como pressupostos necessários à configuração do dano moral coletivo, de maneira a ensejar a sua respectiva reparação, (1) a conduta antijurídica (ação ou omissão) do agente, pessoa física ou jurídica; (2) a ofensa a interesses jurídicos fundamentais, de natureza extrapatrimonial, titularizados por uma determinada coletividade (comunidade, grupo, categoria ou classe de pessoas); (3) a intolerabilidade da ilicitude, diante da realidade apreendida e da sua repercussão social; (4) o nexo causal observado entre a conduta e o dano correspondente à violação do interesse coletivo (lato sensu). (idem, p. 136)
O dano moral extrapatrimonial deve ser averiguado de acordo com as características próprias aos interesses difusos e coletivos, distanciando-se quanto aos caracteres próprios das pessoas físicas que compõem determinada coletividade ou grupo determinado ou indeterminado de pessoas, sem olvidar que é a confluência dos valores individuais que dão singularidade ao valor coletivo.
Oportuna, também, a lição do Ministro Luiz Fux, vazada no
REsp Nº 598.281 – MG:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AO MEIO AMBIENTE. DANO MATERIAL E MORAL. ART. 1º DA LEI 7347⁄85.1. O art. 1º da Lei 7347⁄85 dispõe: "Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:I - ao meio ambiente;II - ao consumidor;III - a bens e direitos de valor artístico. estético. histórico. turístico e paisagístico;IV - a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;V - por infração da ordem econômica."2. O meio ambiente ostenta na modernidade valor inestimável para a humanidade, tendo por isso alcançado a eminência de garantia constitucional.3. O advento do novel ordenamento constitucional - no que concerne à proteção ao dano moral - possibilitou ultrapassar a barreira do indivíduo para abranger o dano extrapatrimonial à pessoa jurídica e à coletividade.
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4. No que pertine a possibilidade de reparação por dano moral a interesses difusos como sói ser o meio ambiente amparam-na o art. 1º da Lei da Ação Civil Pública e o art. 6º, VI, do CDC.5. Com efeito, o meio ambiente integra inegavelmente a categoria de interesse difuso, posto inapropriável uti singuli. Consectariamente, a sua lesão, caracterizada pela diminuição da qualidade de vida da população, pelo desequilíbrio ecológico, pela lesão a um determinado espaço protegido, acarreta incômodos físicos ou lesões à saúde da coletividade, revelando atuar ilícito contra o patrimônio ambiental, constitucionalmente protegido.6. Deveras, os fenômenos, analisados sob o aspecto da repercussão física ao ser humano e aos demais elementos do meio ambiente constituem dano patrimonial ambiental.7. O dano moral ambiental caracterizar-se quando, além dessa repercussão física no patrimônio ambiental, sucede ofensa ao sentimento difuso ou coletivo - v.g.: o dano causado a uma paisagem causa impacto no sentimento da comunidade de determinada região, quer como v.g; a supressão de certas árvores na zona urbana ou localizadas na mata próxima ao perímetro urbano.8. Consectariamente, o reconhecimento do dano moral ambiental não está umbilicalmente ligado à repercussão física no meio ambiente, mas, ao revés, relacionado à transgressão do sentimento coletivo, consubstanciado no sofrimento da comunidade, ou do grupo social, diante de determinada lesão ambiental.9. Destarte, não se pode olvidar que o meio ambiente pertence a todos, porquanto a Carta Magna de 1988 universalizou este direito, erigindo-o como um bem de uso comum do povo. Desta sorte, em se tratando de proteção ao meio ambiente, podem co-existir o dano patrimonial e o dano moral, interpretação que prestigia a real exegese da Constituição em favor de um ambiente sadio e equilibrado.10. Sob o enfoque infraconstitucional a Lei n. 8.884⁄94 introduziu alteração na LACP, segundo a qual passou restou expresso que a ação civil pública objetiva a responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados a quaisquer dos valores transindividuais de que cuida a lei.11. Outrossim, a partir da Constituição de 1988, há duas esferas de reparação: a patrimonial e a moral, gerando a possibilidade de o cidadão responder pelo dano patrimonial causado e também, cumulativamente, pelo dano moral, um independente do outro.12. Recurso especial provido para condenar os recorridos ao pagamento de dano moral, decorrente da ilicitude perpetrada contra o meio ambiente, nos termos em que fixado na sentença (fls. 381⁄382).
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Importante mencionar que a comprovação do dano moral não
depende da demonstração efetiva do abalo à credibilidade das instituições públicas ou da dor
física ou moral causada à coletividade. Depende única e exclusivamente da comprovação da
situação fática danosa imbuída da gravidade necessária ao abalo das instituições públicas e
aos valores imateriais do grupo social. Uma vez comprovada esta, devidamente comprovado
estará o dano moral.
A questão foi debatida no REsp nº 1.057.274 - RS
(2008/0104498-1), cuja ementa, pela importância ao debate ora encetado, transcreve-se
novamente:
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do Idoso, mantém-se a decisão. Recurso especial parcialmente provido.
No mesmo sentido:
Indenização de direito comum. Dano moral. Prova. Juros moratórios. Súmula n.º 54 desta Corte. 1 – Não há que falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do Código de Processo Civil. 2 – Na forma da Súmula n.º 54 da Corte, os juros moratórios nestes casos contam-se da data do evento. 3 - Recurso especial conhecido e provido, em parte.(STJ - RESP n.º 86.271 – SP – 3ª Turma - Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito – DJ 09/12/97)
Quanto ao valor devido a título de indenização pelos danos
morais difusos e coletivos, observa Bittar:
[...] deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que se não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante. Coaduna-se essa postura, ademais, com a própria índole da teoria em debate, possibilitando que se realize com maior ênfase, a sua função inibidora de comportamentos. Com efeito, o peso do ônus financeiro é, em um mundo em que cintilam interesses econômicos, a resposta pecuniária mais adequada a lesionamentos de ordem moral.(BITTAR, Carlos Alberto. Reparação Civil por Danos Morais” in RT, 1993, pp. 220-222)
A indenização por dano moral deve atender a uma relação de
proporcionalidade, não podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função
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apenadora, nem ser excessiva a ponto de desbordar de sua ratio essendi compensatória, e,
assim, causar um enriquecimento indevido à parte.
Entretanto, não se pode também desconsiderar o caráter
repressivo-preventivo que informa a responsabilização pelo dano moral coletivo, já que sua
previsão não apenas objetiva compensar a coletividade, revertendo o valor pecuniário em
favor de fundo que a todos aproveita, como tem por fim punir aquele que, previamente
avisado pela lei, violou interesse transindividual.
Tendo em vista a gravidade da conduta praticada pelos réus,
bem como o abalo provocado à confiança e crédito do Estado e das instituições públicas, a
comoção social provocada, em razão do elevado grau de torpeza da conduta dos réus, e, ainda
o lucro obtido, principalmente por parte do HOSPITAL MONTE SINAI LTDA. e pelo réu
KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR, que mantinha, à época dos fatos, com o
HOSPTIAL MONTE SINAI LTDA., contrato de parceria de resultados de serviços de
unidade de terapia intensiva, em razão do esquema noticiado, e mais, considerando que deve
a indenização pelo dano moral difuso e coletivo ser fixada em montante que represente uma
significativa perda patrimonial aos réus, a fim de cumprir seu papel indenizatório e inibitório
de comportamentos lesivos, postula seja ela fixada em montante não inferior a R$ 500.000,00
(quinhentos mil reais)
Alfim, vale mencionar, ainda, que no âmbito da jurisdição
coletiva não mais incide a limitação contida no artigo 3º da Lei 7.347/85, suprimida que foi
pelo artigo 83 do Código de Defesa do Consumidor, aplicável na defesa dos direitos e
interesses difusos e coletivos de modo geral, inclusive o patrimônio público, por força do
artigo 21 da Lei 7.347/85. Eis o que diz o artigo 83 do CDC:
Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este Código são admissíveis todas as
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espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela.
Diante do plexo legislativo constitucional apresentado, pode-se
afirmar a possibilidade de utilização da ação civil pública por ato de improbidade
administrativa para a obtenção da tutela ampla do patrimônio público, inclusive para a
indenização pelo dano moral causado ao ente público e à coletividade.
V– DA INDISPONIBILIDADE DOS BENS
O artigo 5º da Lei de Improbidade dispõe que “ocorrendo lesão
ao patrimônio público por ação ou omissão, dolosa ou culposa, do agente ou de
terceiros, dar-se-á integral ressarcimento do dano”. Essa norma é complementada pelo
artigo 7º, que estabelece a possibilidade de decretar a indisponibilidade de bens do autor do
ato ímprobo, com o fito de assegurar o integral ressarcimento pela prática do ato de
improbidade administrativa.
Como medida cautelar, para a concessão da indisponibilidade
dos bens basta a presença do fumus boni juris e do periculum in mora. Ambos requisitos
estão fartamente consubstanciados nos autos da presente demanda.
O fumus boni juris está presente em razão da verossimilhança
dos fatos imputados aos agentes públicos. Não se faz necessário, por óbvio, que o ato
ímprobo esteja cabalmente provado, o que só ocorrerá por ocasião da sentença. Como é
pacífico, este mesmo parâmetro também é utilizado para fim de recebimento da exordial.
Vejamos o escólio de Bedaque:
[…] No caso específico dos processos versando improbidade administrativa, tendo em vista a natureza da relação jurídica material e o bem da vida tutelado, o
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legislador previu tutela provisória da evidência, mediante providência cautelar conservativa consistente na indisponibilidade de bens do réu. Para obtê-la basta a demonstração da verossimilhança do direito […] (BEDAQUE, José Roberto dos Santos et al., Improbidade Administrativa, questões polêmicas e atuais. Ed. Malheiros, p. 260, 263/264)
A narração dos fatos contida na exordial, amparada pelas
interceptações telefônicas autorizadas judicialmente, bem como pelos documentos
apreendidos durante as investigações policiais, são mais do que suficientes para demonstrar a
verossimilhança das alegações apresentadas.
Quanto ao periculum in mora, a mais abalizada doutrina
especializada sobre o tema entende que é requisito implícito, isto é, está subentendido no
artigo 37, § 4º, da Constituição da República, que estabelece:
§ 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Nesse sentido:
Com efeito, a lei presume esses requisitos ao autorizar a indisponibilidade, porquanto a medida acautelatória tende à garantia da execução da sentença, tendo como requisitos específicos evidências de enriquecimento ilícito ou lesão ao erário, sendo indiferente que haja fundado receio de fraude ou insolvência, porque o perigo é ínsito aos próprios efeitos do ato hostilizado. Exsurge, assim, a indisponibilidade como medida de segurança obrigatória nessas hipóteses. Precioso acórdão estampa que a indisponibilidade de bens exige os pressupostos gerais das medidas de cautela (fumus boni juris e periculum in mora), considerando que o periculum in mora é presumido por que o “§ 4º do artigo 37 da Constituição Federal, ao determinar de modo expresso que 'os atos de improbidade administrativa
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importarão ... a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário...' (sublinhou-se), e sendo a primeira figura nitidamente acautelatória – diversamente da segunda -, evidentemente manda presumir, em relação a ela, o requisito do 'periculum in mora'. O dispositivo constitucional demonstra claramente a imprescindibilidade da providência quando o ato de improbidade administrativa causar lesão ao patrimônio público. Daí a razão do artigo 7º da Lei 8.429/92 não esclarecer quais os requisitos exigíveis para a sua concessão, diferentemente de outras medidas acautelatórias.” (MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2009, p. 454-455)
Quanto ao periculum in mora, parte da doutrina se inclina no sentido de sua implicitude, de sua presunção pelo art. 7º da Lei de Improbidade, o que dispensaria o autor de demonstrar a intenção de o agente dilapidar ou desviar o seu patrimônio com vistas a afastar a reparação do dano. [...] De fato, exigir a prova, mesmo que indiciária, da intenção do agente de furtar-se à efetividade da condenação representaria, do ponto de vista prático, o irremediável esvaziamento da indisponibilidade perseguida em nível constitucional e legal. Como muito bem percebido por José Roberto dos Santos Bedaque, a indisponibilidade prevista na Lei de Improbidade é uma daquelas hipóteses nas quais o próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano. Deste modo, em vista da redação imperativa adotada pela Constituição Federal (art. 37, § 4º) e pela própria Lei de Improbidade (art. 7º), cremos acertada tal orientação, que se vê confirmada pela melhor jurisprudência. (GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 764)
[…] não se mostra crível aguardar que o agente público comece a dilapidar seu patrimônio para, só então, promover o ajuizamento de medida cautelar autônoma de sequestro dos bens. Tal exigência traduziria concreta perspectiva de impunidade e de esvaziamento do sentido rigoroso da legislação. O periculum in mora emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário. A indisponibilidade patrimonial é medida obrigatória, pois traduz consequência jurídica do processamento da ação, forte no art. 37, parágrafo 4º, da Constituição Federal. Esperar a dilapidação patrimonial, quando se trata de improbidade administrativa, com todo respeito às posições contrárias, é equivalente a
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autorizar tal ato, na medida em que o ajuizamento de ação de sequestro assumiria dimensão de 'justiça tardia', o que poderia se equiparar a denegação de justiça.[...]Prepondera, aqui, a análise do requisito da fumaça do bom direito. Se a pretensão do autor da actio se mostra plausível, calcada em elementos sólidos, com perspectiva concreta de procedência e imposição das sanções do art. 37, parágrafo 4º, da Carta Constitucional, a consequência jurídica adequada, desde logo, é a indisponibilidade patrimonial e posterior sequestro dos bens. (OSÓRIO, Fábio Medina. Improbidade administrativa, 2a. ed., Porto Alegre: Síntese, 1998, p. 239 e ss.)
O entendimento doutrinário é corroborado pela jurisprudência:
Ação Civil Pública – Cautelar – Indisponibilidade de bens do servidor a quem se imputa prática de ato de improbidade – Perigo – Tratando-se de ação civil pública cautelar cujo escopo é garantir a indenização por danos oriundos de imputado ato de improbidade a administrador público, não é necessária a existência ou demonstração de perigo na demora a ensejar a concessão da medida judicial de indisponibilidade dos bens – Constatada a plausibilidade da imputação da prática de ato de improbidade, os bens do agente público, que respondem pelos atos por ele praticados não mais podem ser alienados, desnecessária a demonstração de existência de perigo ou intenção de alienação – Recurso provido para decretar-se a indisponibilidade dos bens dos agravados, que permanecerão com a administração dos mesmos até final julgamento da ação – Recurso provido para tal fim. (Agravo de instrumento n.º 052.503-5 – São Paulo – 2ª Câmara de Direito Público. - Relator: Lineu Peinado – 12.05.98)
No Agravo de Instrumento n.º 24069014520, o Desembargador
Maurílio Almeida de Abreu, da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, em
decisão publicada aos 15 de agosto de 2007, afirmou:
[…] Quanto ao “periculum in mora”, boa parte da doutrina se inclina no sentido de sua implicitude, de sua
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presunção pelo artigo 7º da Lei nº 8.429⁄92, o que dispensaria o autor de demonstrar a intenção do agente dilapidar ou desviar o seu patrimônio com vistas a afastar a reparação do dano. Nesse sentido, argumenta Fábio Osório Medina que “o periculum in mora emerge, via de regra, dos próprios termos da inicial, da gravidade dos fatos, do montante, em tese, dos prejuízos causados ao erário”, sustentado, outrossim, que “a indisponibilidade patrimonial é medida obrigatória, pois traduz consequência jurídica do processamento da ação, forte no art. 37, §4º, da Constituição Federal”. Nas palavras de Wallace Paiva Martins Júnior, “a providência não exige prova cabal, mas razoáveis elementos configuradores da lesão, como acentua Marcelo Figueiredo, sob o argumento de que “exige, s.m.j., não uma prova definitiva da lesão (já que estamos no terreno preparatório), mas, ao contrário, razoáveis provas para que o pedido de indisponibilidade tenha trânsito e seja deferido”. Razoável o argumento que exonera a presença do fumus boni juris e periculum in mora para a concessão da indisponibilidade de bens, apesar de opiniões contrárias. Com efeito, a lei presume esses requisitos ao autorizar a indisponibilidade, porquanto a medida acautelatória tende à garantia da execução da sentença, tendo como requisitos específicos evidências de enriquecimento ilícito ou lesão ao erário, sendo indiferente que haja fundado receio de fraude ou insolvência, porque o perigo é insito aos próprios efeitos do ato hostilizado. (MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 2002. p.395⁄396). Ao meu sentir, evocando as palavras de Rogério Pacheco Alves, “de fato, exigir a prova, mesmo que indiciária, da intenção do agente furtar-se à efetividade da condenação representaria, do ponto de vista prático, o irremediável esvaziamento da indisponibilidade perseguida em nível constitucional e legal”. (PACHECO ALVES, Rogério. Improbidade Administrativa. 2006. p 764). Como muito bem percebido pelo Eminente Desembargador José Roberto dos Santos Bedaque, a indisponibilidade prevista na Lei de Improbidade Administrativa é uma daquelas hipóteses nas quais o próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano. (Tutela Jurisdicional Cautelar e Atos de Improbidade Administrativa¿. p. 266⁄270). Assim sendo, em vista da dicção imperativa adotada pela Constituição da República de 1988 (art. 37, §4º) e pela própria Lei de Improbidade Administrativa (art. 7º), cremos acertada tal orientação, que se vê confirmada pela melhor jurisprudência. Nesse sentido o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso decidiu que, “exsurgindo dos
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autos da ação civil pública provas convincentes da improbidade administrativa, pode o juiz determinar, a requerimento do autor, a indisponibilidade dos bens dos envolvidos, à vista do periculum in mora ínsito no artigo 7º da Lei 8.529⁄92...”. (1ª Cam. AgI 8.234, Paratinga, Rel. Des. Orlando de Almeida Perri, 20.04.1998). Sobre o tema, confira-se precedente emanado do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, in verbis: “Ação Civil Pública - Cautelar - Indisponibilidade de bens do servidor a quem se imputa prática de ato de improbidade - Perigo - Tratando-se de ação civil pública cautelar cujo escopo é garantir a indenização por danos oriundos de imputado ato de improbidade a administrador público, não é necessária a existência ou demonstração do perigo na demora a ensejar a concessão da medida judicial de indisponibilidade de bens. (...) (Agravo de Instrumento nº 052.503-5 - São Paulo - 2ª Câmara de Direito Público - Relator Des. Lineu Peinado - 12.05.1998)”.
O mesmo entendimento foi exarado em agosto de 2009 pelo
Superior Tribunal de Justiça que, ao julgar o REspl 1.098.824/SC, por sua Segunda Turma, à
unanimidade, consagrou que “o requisito cautelar do periculum in mora está implícito no
próprio comando legal, que prevê a medida de bloqueio de bens, uma vez que visa a
assegurar o integral ressarcimento do dano”. Confira-se o teor da ementa:
ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – INDISPONIBILIDADE DE BENS – ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/1992 – REQUISITOS PARA CONCESSÃO – LIMITES – SÚMULA 7/STJ. 1. O provimento cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º, parágrafo único da Lei 8.429/1992, exige fortes indícios de responsabilidade do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano material ao Erário. 2. O requisito cautelar do periculum in mora está implícito no próprio comando legal, que prevê a medida de bloqueio de bens, uma vez que visa a 'assegurar o integral ressarcimento do dano'. 3. A demonstração, em tese, do dano ao Erário e/ou do enriquecimento ilícito do agente, caracteriza o fumus boni iuris. 4. Hipótese em que a instância ordinária concluiu ser possível quantificar as vantagens econômicas percebidas pelo réu, ora recorrente, para
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fins de limitação da indisponibilidade dos seus bens. Rever esse entendimento demandaria a análise das provas. Incidência da Súmula 7/STJ. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido. (REsp 1098824/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 04/08/2009)
Nessa esteira, seguiu o Superior Tribunal de Justiça ao reiterar,
recentemente, o posicionamento esposado no REsp 1.098.824/SC acerca do bloqueio de bens
em ações de improbidade administrativa, quando asseverou que “tal medida não está
condicionada à comprovação de que os réus estejam dilapidando seu patrimônio, ou na
iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora está implícito no comando
legal”. Confiram-se os seguintes arestos:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DOS BENS. DECRETAÇÃO. REQUISITOS. ART. 7º DA LEI 8.429/1992. 1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público Federal no Estado do Maranhão contra a ora recorrida e outros, em virtude de suposta improbidade administrativa em operações envolvendo recursos do Fundef e do Pnae. 2. A indisponibilidade dos bens é medida de cautela que visa a assegurar a indenização aos cofres públicos, sendo necessária, para respaldá-la, a existência de fortes indícios de responsabilidade na prática de ato de improbidade que cause dano ao Erário (fumus boni iuris). 3. Tal medida não está condicionada à comprovação de que os réus estejam dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, tendo em vista que o periculum in mora está implícito no comando legal. Precedente do STJ. 4. Recurso Especial provido. (STJ, REsp 1115452/MA, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, 2ª Turma, julgado em 06/04/2010, DJe 20/04/2010).
RECURSO ESPECIAL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DOS BENS. DECRETAÇÃO. REQUISITOS. ART. 7º DA LEI 8.429/1992. REVISÃO. FATOS. NÃO-CABIMENTO. SÚMULA 07/STJ. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem-se alinhado no sentido da desnecessidade de prova de
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periculum in mora concreto,ou seja, de que o réu estaria dilapidando seu patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, exigindo-se apenas a demonstração de fumus boni iuris, consistente em fundados indícios da prática de atos de improbidade. Precedentes: REsp 1.203.133/MT, Rel. Ministro Castro Meira, REsp 967.841/PA, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Dje 08.10.2010, REsp 1.135.548/PR, Rel. Ministra Eliana Calmon, DJE 22.06.2010; REsp 1.115.452/MA, Rel. Ministro Herman Benjamin, Dje 20.04.2010. [...] (STJ, 2ª Turma, Recurso Especial nº 2010/0075404-6, Ministro Castro Meira, DJe 10/02/2011)
Por fim, imperioso frisar que a indisponibilidade de bens não se
apresenta como antecipação de aplicação de sanção aos réus, mas tão-somente meio de
assegurar o resultado útil do processo, instaurado em defesa do patrimônio público.
Bem por isso, afigura-se imprescindível a concessão de medida
liminar inaudita altera pars, com a decretação do bloqueio de bens dos réus para o integral
ressarcimento ao erário.
A indisponibilidade, frise-se, deverá recair sobre bens
suficientes para garantir o integral ressarcimento do dano moral difuso e coletivo, estimado
em valor não inferior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
VI – DAS PENAS - A PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA
Dentre as sanções previstas no artigo 12, inciso III, da Lei
8.429, está a perda da função pública.
A previsão da perda do cargo ou função pública exercidos pelo
agente público que pratica ato de improbidade administrativa deflui como consequência
lógica da constatação da incompatibilidade da personalidade do agente com a gestão pública.
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Por essa razão, deve a sanção alcançar todos os vínculos que o
agente tenha com a Administração Pública por ocasião da sentença condenatória.
Sobre o tema, assim lecionam Garcia e Alves:
Em razão da mencionada incompatibilidade entre a personalidade do agente e a gestão da coisa pública, o que se tornou claro com a prática do ato de improbidade, deve a sanção de perda da função, quando aplicada, extinguir todos os vínculos laborais existentes junto ao Poder Público. O art. 12, em seus três incisos, fala genericamente em perda da função, que não pode ser restringida àquela exercida por ocasião da prática do ato de improbidade. Isso sob pena de se permitir a prática de tantos atos ilícitos quantos sejam os vínculos existentes, em flagrante detrimento da coletividade e dos fins da lei. Ainda que o agente exerça duas ou mais atribuições, de origem eletiva ou contratual, ou uma função distinta daquela que exercia por ocasião do ilícito, o provimento jurisdicional haverá de alcançar todas, determinando a completa extinção das relações existentes entre o agente e o Poder Público.
Assim, é irrelevante que o ilícito, verbi gratia, tenha sido praticado em detrimento de um ente municipal e o agente, por ocasião da aplicação da sanção, mantenha uma relação funcional com a administração estadual, pois a dissolução haverá de abranger todos os vínculos mantidos com o Poder Público, designativo que abrange os sujeitos passivos do ato de improbidade.
[…]
Ademais, prevalecendo entendimento diverso e sendo aplicada a sanção de suspensão dos direitos políticos ao agente, ter-se-ia a inusitada situação de o mesmo, embora privado de sua cidadania, continuar a exercer outra atividade de interesse coletivo que exige aptidões e virtudes que já demonstrara não possuir. (GARCIA, Emerson. ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 26 ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010)
Na mesma esteira, Pazzaglini Filho pontifica:
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Registre-se que essa sanção fulmina a função pública exercida pelo agente público condenado à época em que praticou o ato de improbidade administrativa reconhecido na sentença judicial. E incide sobre a função pública diversa que ele esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível, quando for privado de seus direitos políticos. Nessa hipótese, somente poderá voltar a exercer outra função pública após o decurso do prazo da suspensão de seus direitos políticos. (PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada. Aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal. 4. ed. São paulo: Atlas, 2009)
Outro não é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça
que, no REsp 924.439 - RJ (2007/0020069-2), assim se pronunciou:
ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADEADMINITRATIVA – ART. 12 DA LEI 8.429/1992 – PERDA DA FUNÇÃO PÚBLICA – ABRANGÊNCIA DA SANÇÃO – PARÂMETROS: EXTENSÃO DOS DANOS CAUSADOS E PROVEITO OBTIDO – SÚMULA 7/STJ – RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM.1. Hipótese em que o Tribunal de origem deixou de condenar o agente na perda da função pública, sob o fundamento de que o mesmo não mais se encontrava no exercício do cargo, no qual cometeu os atos de improbidade administrativa.2. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e afastar da atividade pública todos os agentes que demonstraram pouco apreço pelo princípio da juridicidade, denotando uma degeneração de caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida.3. A sanção de perda da função pública visa a extirpar da Administração Pública aquele que exibiu inidoneidade (ou inabilitação) moral e desvio ético para o exercício da função pública, abrangendo qualquer atividade que o agente esteja exercendo ao tempo da condenação irrecorrível.4. A simples configuração do ato de improbidade administrativa não implica condenação automática da perda da função pública, pois a fixação das penas previstas no art. 12 da Lei 8.429/1992 deve considerar a extensão do dano e o proveito obtido pelo agente, conforme os parâmetros disciplinados no parágrafo único desse dispositivo legal. Precedente do STJ.
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5. É indispensável que se faça uma valoração da extensão dos danos causados, bem como do proveito obtido pelo agente, ao aplicar a sanção de perda da função pública. Análise obstaculizada, em recurso especial, em razão da Súmula 7/STJ.6. Recurso especial provido, para determinar o retorno dos autos à origem, para que se verifique a possibilidade de condenação do recorrido na perda da função pública. (STJ, REsp nº 924.439 - RJ (2007/0020069-2), Rel Min. Eliana Calmon)
Dessa forma, a sanção de perda da função pública deverá ser
aplicada a todos os réus que, na data da sentença, exerçam cargo ou função pública em
qualquer nível da Administração Pública (municipal federal e municipal) e deverá alcançar
todos os vínculos existentes com o Poder Público.
VII - PEDIDOS:
Devidamente comprovada a prática, pelos réus, de atos de
improbidade administrativa definidos no artigo 9º, inciso I e 11, inciso I da Lei 8.429/92,
requer o Ministério Público:
1) a notificação dos réus para oferecer, caso queiram,
manifestação preliminar, no prazo de 15 (quinze) dias, conforme estabelece o artigo 17, § 7º,
da Lei n.º 8.429/92;
2) apresentada ou não a defesa, o recebimento da petição inicial;
3) a decretação liminar da indisponibilidade dos bens dos réus,
conforme autorizado pelo art. 7º da Lei 8.429/92, a fim de garantir a futura indenização pelo
dano moral difuso e coletivo. Para o cumprimento da medida, deverá ser determinada:
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS90ª Promotoria de Justiça de Goiânia3.1) a indisponibilidade dos bens dos réus aos Cartórios de
Registro de Imóveis de Goiânia/GO;
3.2) a indisponibilidade dos bens dos réus por meio do sistema
RENAJUD;
3.3) a indisponibilidade dos bens dos réus por meio do sistema
BACENJUD;
4) a citação dos réus para contestar o pedido, sob pena de
confissão e revelia;
5) a citação do Estado de Goiás, na pessoa do Procurador-Geral
do Estado para, nos termos do artigo 17, § 3º da Lei 8.429/92 e artigo 6º, § 3º, da Lei
4.717/65, aplicável analogicamente ao presente caso, para contestar o pedido, abster-se de
contestá-lo ou atuar ao lado do autor se isso se apresentar útil ao interesse público;
5) a produção de toda a prova em direito admitida e, em
especial, a documental, pericial e testemunhal, cujo rol será ofertado oportunamente;
6) a procedência do pedido, a fim de que sejam condenados:
6.1) todos os réus, solidariamente, à indenização dos danos
morais difusos e coletivos causados, nos termos do artigo 12, inciso I e III da Lei 8.429/92,
que deverá ser fixada em valor não inferior a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), sobre o
qual deverá incidir a correção monetária e juros moratórios, a partir da data dos fatos. Do
valor fixado, 50% deverá ser revertido ao Estado de Goiás, na forma do artigo 18 da Lei
8.429/92 e 50% ao fundo de que trata a o artigo 13 da Lei 7.347/85;
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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE GOIÁS90ª Promotoria de Justiça de Goiânia6.2) as rés CLEONICE FERNANDES FERREIRA LISBOA
e MAGDA LOURENÇA CARNEIRO à perda de todos os cargo ou função pública que
ainda ocupem por ocasião da sentença, nos termos do artigo 12, inciso I e III da Lei 8.429/92;
6.3) os réus KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR e
LÍVIO CARLOS DE SOUZA LOURES à perda do cargo ou função pública porventura
ocupado por ocasião da sentença, nos termos do artigo 12, inciso I e III da Lei 8.429/92;
6.4) todos os réus (com exceção do réu HOSPITAL MONTE
SINAI LTDA.) à suspensão dos direitos políticos pelo prazo de 10 (dez) anos, tendo em vista
a gravidade das condutas, nos termos do artigo 12, inciso I e III da Lei 8.429/92;
6.5) as rés CLEONICE FERNANDES FERREIRA LISBOA
e MAGDA LOURENÇA CARNEIRO ao pagamento de multa civil, no valor
correspondente a 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida, nos termos do artigo 12,
inciso III da Lei 8.429/92;
6.6)6.3) os réus KAROLY GYULA OLIVAS HUNKAR,
LÍVIO CARLOS DE SOUZA LOURES e HOSPITAL MONTE SINAI LITDA. ao
pagamento de multa civil no valor correspondente a 100 (cem) cem vezes o valor da maior
remuneração percebida pelas corrés servidoras públicas, nos termos do artigo 12, inciso III
da Lei 8.429/92;
6.7) todos os réus à proibição de contratar com o Poder Público
ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que
por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio, pelo prazo de 10 (dez) anos, nos termos
do artigo 12, inciso I e III da Lei 8.429/92.
Requer a isenção do pagamento de taxas e emolumentos,
adiantamentos de honorários periciais e quaisquer outras despesas processuais.
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Requer, por fim, tramitem os autos em segredo de justiça, tendo
em vista que parte dos elementos que instruem a presente inicial constituem-se em prova
acobertada pelo sigilo legal.
Dá à causa o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
Instruem a inicial os documentos anexos, numerados por grupo
de 01 a 11, os quais são cópias fiéis extraídas dos autos de ICP nº 2009000100042822 que
tramitou nesta Promotoria de Justiça.
Nestes termos,
Pede deferimento.
Goiânia, 31 de maio de 2012.
FABIANA LEMES ZAMALLOA DO PRADO PROMOTORA DE JUSTIÇA
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