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Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS “Minha Pátria é a Língua Portuguesa”: A Construção da Idéia da Lusofonia em Portugal. Adriano de Freixo 2007

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Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS

“Minha Pátria é a Língua Portuguesa”: A Construção da Idéia da Lusofonia em

Portugal.

Adriano de Freixo

2007

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Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS

“Minha Pátria é a Língua Portuguesa”: A Construção da Idéia da Lusofonia em Portugal.

Adriano de Freixo

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História Social - PPGHIS, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História Social. Orientadora: Profa. Dra. Norma Côrtes

Rio de Janeiro - Maio de 2007

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Freixo, Adriano de.

“Minha Pátria é a Língua Portuguesa”: A Construção da Idéia da Lusofonia

em Portugal/ Adriano de Freixo. – Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, 2007.

Orientadora: Norma Côrtes

Tese (Doutorado) – UFRJ/IFCS/Programa de Pós-graduação em História

Social, 2007.

xi, 201f; 29,7cm.

Referências Bibliográficas: f.189-201.

1. Lusofonia. 2. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. 3. Mitos

Políticos Portugueses. I. Côrtes, Norma. II. Universidade Federal do Rio de

Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Programa de Pós-graduação

em História Social. III. Título.

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“Minha Pátria é a Língua Portuguesa”: A Construção da Idéia da Lusofonia em Portugal.

Autor: Adriano de Freixo

Orientadora: Profa. Dra. Norma Côrtes.

Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História

Social - PPGHIS, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS, da

Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Doutor em História Social.

Aprovada por:

____________________________________ Profa. Dra. Norma Côrtes

Presidente

____________________________________

Embaixador Alberto da Costa e Silva

____________________________________ Prof. Dr. Oswaldo Munteal Filho

____________________________________Prof. Dr. Alexander Zhebit

____________________________________ Prof. Dr. José Murilo de Carvalho

Rio de Janeiro - Maio de 2007

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Agradecimentos

À Prof. a Dr.a Norma Côrtes que, tendo aceito um orientando com a pesquisa já

em andamento, exerceu com competência e dedicação a orientação deste

trabalho. Às suas opiniões ponderadas e as suas sugestões sempre bem

fundamentadas, devo boa parte dos eventuais méritos desta tese;

Ao Prof. Dr. Williams Gonçalves que desempenhou um papel extremamente

importante no início das minhas pesquisas sobre a lusofonia e a Comunidade

dos Países de Língua Portuguesa e que com suas reflexões críticas contribuiu

enormemente para o desenvolvimento deste trabalho;

Ao Prof. Dr. Oswaldo Munteal, que nos últimos anos tem sido o principal

interlocutor das minhas reflexões sobre Portugal e sobre o mundo lusófono e

que, com suas ponderações sempre pertinentes, teve uma participação

decisiva nos caminhos tomados ao longo de minhas pesquisas;

Ao Prof. Dr. Francisco Carlos Palomanes Martinho, pela importante ajuda dada

na fase de elaboração do projeto de pesquisa que originou esta tese e pelos

comentários abalizados feitos durante o exame de qualificação, que

contribuíram de forma efetiva para a correção de algumas opções feitas

inicialmente;

À Prof.a Dr.a Maria de Lourdes Soares, grande especialista na obra de Eduardo

Lourenço, com quem tive o prazer de dialogar como aluno e como amigo, em

sala-de-aula e fora dela;

Ao mestre e amigo Prof. Luiz Edmundo Tavares, que desde a minha graduação

na Universidade do Estado do Rio de Janeiro tem sido, para mim e para muitos

de seus alunos, um exemplo de dignidade e ética;

À Profa. Dra. Jacqueline Hermann, minha orientadora no início da pesquisa, que

apresentou-me inúmeros caminhos e possibilidades a serem seguidas e que

teve várias de suas sugestões incorporadas a este trabalho;

Ao amigo Marcelo Ferro, pela inestimável ajuda em minhas pesquisas na

Biblioteca do Real Gabinete Português de Leitura e pelas sempre agradáveis

conversas sobre a nossa paixão comum, a História;

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Ao Amon Pinho e à Romana Valente Pinho por compartilharem comigo os seus

profundos conhecimentos sobre a vida, a obra e o pensamento de Agostinho

da Silva;

À Veronica Machado que, com seu carinho e apoio, desempenhou um papel

fundamental para que a escrita desta tese fosse concluída.

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Ao meu pai, Joaquim, que, em todos os momentos, sempre procurou me indicar o caminho certo; À minha mãe, Maria Aida, cuja ausência me fez compreender o verdadeiro sentido da palavra saudade.

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Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, a ortografia sem ípsilon, como o escarro direto que me enoja independentemente de quem o cuspisse.

(Fernando Pessoa)

Sou de uma Europa de periferia na minha língua há o estilo manuelino cada verso é uma outra geografia aqui vai-se a Camões e é um destino. Velas veleiro vento. E o que se ouvia era sempre na fala o mar e o signo. Gramática de sal e maresia na minha língua há um marulhar contínuo. Há nela o som do sul o tom da viagem. O azul. O fogo de Santelmo e a tromba de água. E também sol. E também sombra. Verás na minha língua a outra margem. Os símbolos os ritmos os sinais. E Europa que não mais Mestre não mais.

(“A Fala” – Manuel Alegre)

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“Minha Pátria é a Língua Portuguesa”: A Construção da Idéia da Lusofonia em Portugal.

Autor: Adriano de Freixo

Orientadora: Profa. Dra. Norma Côrtes

Resumo da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social - PPGHIS, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História Social.

Após a concretização da independência das suas antigas colônias, em meados da década de 1970, o Estado português relegou ao segundo plano sua tradicional “política atlântica” e passou a priorizar o processo da integração do país à Comunidade Européia. No entanto, na década de 1980, com esta integração já concretizada, Portugal ensaiou o seu “retorno” à África depois de quase uma década de esquecimento. Foi neste contexto que setores da elite política portuguesa – de todas as correntes políticas, inclusive do Partido Socialista – e da intelectualidade progressista encamparam o ideal da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Nesse momento, procurou-se construir um consenso nacional em torno da sua construção, através da idéia da lusofonia, uma releitura, em novos parâmetros, do discurso secular da originalidade da cultura portuguesa e das marcas que ela deixou no mundo, a partir das grandes navegações dos séculos XV e XVI. Com esta perspectiva, procurou-se referendar tal idéia com a busca em experiências passadas ou em escritos de intelectuais e pensadores bastante distintos entre si dos elementos necessários para o processo de legitimação daquela Comunidade, então em processo de gestação. Assim, através do resgate e da resignificação de um conjunto de mitos extremamente caros ao imaginário lusitano, a idéia da lusofonia ganhou corpo e tornou-se efetivamente uma força mobilizadora para amplos setores da sociedade portuguesa.

Palavras-chave: Lusofonia, Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, Mitos Políticos Portugueses, Terceiro Império Português.

Rio de Janeiro – Maio de 2007

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“Minha Pátria é a Língua Portuguesa”: A Construção da Idéia da Lusofonia em Portugal.

Autor: Adriano de Freixo

Orientadora: Profa. Dra. Norma Côrtes

Abstract da Tese de Doutorado submetida ao Programa de Pós-graduação em História Social - PPGHIS, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - IFCS, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em História Social.

After the independence of its former colonies became a reality, in the middle of the 1970s, the Portuguese state put its traditional “Atlantic policy” on hold and gave priority to the process of the country becoming a member of the European Community. However, with this process already having been completed in the 1980s, Portugal began to rehearse its “return” to Africa, after almost a decade of abandonment. It was in this context that sectors of the Portuguese political elite – of all of the political currents, including the Socialist party – and of the progressive intellectuality took on the ideal of the Community of Portuguese-speaking Countries. At that time, the founding of the Community served to seek the building of a national consensus, through the use of the idea of “lusofonia” – a rereading, in new parameters, of the secular discourse of the originality of the Portuguese culture and of the marks that it left on the world, through the great navigations of the 15th and 16th Centuries. With this perspective, passed experiences and the writings of intellectuals and thinkers, who were rather distinct among themselves, were sought out in order to provide the elements necessary for the process of legitimization of the Community, which at that time was being born. In this way, through the recovery and the resignification of a set of myths which were extremely dear to the Lusitanian imaginary, the idea of lusofonia gained shape and effectively became a mobilizing force for broad sectors of Portuguese society. Key-words: Lusofonia, Community of Portuguese-Speaking Countries, Portuguese Political Myths, Portuguese Third Empire.

Rio de Janeiro – Maio de 2007

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Sumário

Introdução 01 Capítulo I - A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP: História e Perspectivas.

20

1.1- Portugal e a construção do “Espaço da Lusofonia”. 25 1.2- O Brasil e a CPLP: o discurso e a prática. 36 1.3- A CPLP na perspectiva de seus demais atores: Os PALOP e o Timor-Leste.

41

1.4- Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: Desafios e Possibilidades

56

Capítulo II - O Terceiro Império Português e o Mito do “Destino Imperial”.

62

2.1- As origens do Império Português em África 64 2.2- O Estado Novo Português e a Estruturação do Império Colonial Africano.

71

2.3- O fim do Império: As Guerras Coloniais e a Crise do Estado Novo Salazarista

79

2.4- Os “cacos” do Império: Portugal no pós-25 de abril. 93

Capítulo III - Comunidade Lusófona: a Construção de uma Idéia 103

3.1- Comunidade Lusíada, Comunidade Luso-Afro-Brasileira: uma Genealogia do Ideal Comunitário.

105

3.2- A Lusofonia e a Articulação da CPLP. 116 3.3- As Bases Intelectuais da Lusofonia: Gilberto Freyre e o Luso-Tropicalismo.

121

3.4- As Bases Intelectuais da Lusofonia: Agostinho da Silva e a Comunidade de Língua Portuguesa como Concretização do Quinto Império.

133

3.5- Portugal e a “Invenção” da Lusofonia. 143 3.6- Quebrando o Consenso: as Vozes Dissonantes em Portugal

147

3.6.1- As Vozes Dissonantes: a Lusofonia na Perspectiva de Eduardo Lourenço.

151

3.6.2- As Vozes Dissonantes: a Lusofonia na Perspectiva de Alfredo Margarido.

165

Considerações Finais 172

Fontes e Bibliografia 189

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Introdução

A trama de “Um Filme Falado”, do veterano cineasta português

Manoel de Oliveira1, se passa durante uma viagem de navio rumo ao oriente,

através do Mediterrâneo - por aquela antiga rota amplamente utilizada antes da

viagem de Vasco da Gama -, tendo como personagens centrais Rosa Maria,

uma professora de História de uma Universidade portuguesa, e sua filha de

sete anos, Maria Joana. Ao longo do percurso – que passa por portos

representativos das culturas que formaram a civilização ocidental -, Rosa

responde às perguntas de sua filha com extremo didatismo e, desta forma, vai

dando ao espectador uma “aula” sobre as bases da nossa civilização.

Nesses portos, novos personagens aparecem - seja na condição de

moradores daqueles lugares ou na de passageiros que embarcam no navio – e

conversas e mais conversas são travadas. Dentre esses, destacam-se

Delphine, uma bem sucedida empresária francesa que embarca em Marselha;

Francesca, uma famosa atriz e modelo internacional italiana que embarca em

Nápoles; e a atriz e cantora grega, Helena, que entra em cena quando o navio

aporta em Atenas.

São estas três personagens que, juntamente com o capitão da

embarcação - um norte-americano, travarão um dos mais interessantes e

significativos diálogos do filme - em uma obra na qual, como seu próprio título

1 Nascido em 1908, Manoel de Oliveira é o mais antigo diretor de cinema em atividade no mundo e, sem sombra de dúvidas, o maior nome do cinema português e um dos mais cultuados cineastas europeus. O seu longa-metragem de estréia Aniki-bobó é considerado uma das obras precursoras do neo-realismo italiano. De certa forma, Um filme falado é uma síntese do conjunto da obra do cineasta, visto que ele sempre teve na História – principalmente a portuguesa, real ou mitológica - uma de suas principais matérias primas (como em Non ou a vã glória de mandar, reflexão dolorosa sobre o fim do Império Colonial Português e sobre o próprio destino nacional) e no uso da palavra uma das marcas estéticas de sua obra, tendo os diálogos de seus filmes um peso tão grande como o das imagens. Nas palavras do próprio Manoel de Oliveira, “a palavra não deve ser uma ajuda à imagem, é preciso que ela seja autônoma, como a imagem e como a música, e tudo isso, deve-se casar em pleno acordo” (Cahiers du Cinéma, n° 328, outubro de 1981).

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sugere, os diálogos desempenham um papel fundamental - em torno da mesa

do restaurante do navio. Nesta conversa culta e delicada, onde se fala de

projetos pessoais, de filhos, de política, da barreira tecnológica entre oriente e

ocidente e da cultura ocidental, cada um fala em sua própria língua e

maravilhados notam que todos se entendem, numa espécie de Babel às

avessas. No entanto, Helena faz uma ressalva (e uma constatação)

lamentando a situação atual de sua língua natal: o que se passa nesta mesa é

uma exceção. Fora da Grécia o grego foi esquecido (...) A língua inglesa

colonizou o mundo. E hoje quase se é obrigado a falar o inglês. Mas não é do

inglês que vieram os fundamentos originários da nossa civilização.

No entanto, é no momento em que as portuguesas Rosa Maria e

Maria Joana são convidadas pelo capitão para se unirem ao grupo que Manoel

de Oliveira, português que é, levanta de forma melancólica uma questão

extremamente cara – e dolorida – para seu povo. Naquela mesa de pessoas

cultas e poliglotas que se entendiam perfeitamente, inclusive em grego,

somente o capitão – por ter estado por algum tempo no Brasil – conhecia a

língua portuguesa. A grega Helena compara então a situação de sua língua

pátria com a do português, afirmando que da mesma forma que os gregos

dominaram o mundo na antiguidade, os portugueses fizeram-no nos séculos

XVI e XVII. No entanto, aos portugueses ainda restaria o consolo da sua língua

ser falada nos cinco continentes; já os gregos hoje têm a sua língua pátria

restrita aos limites de seu país. Então, para que todos na mesa conseguissem

se comunicar, a conversa passa a ser travada em inglês.

Se por um lado, esta cena pode ser entendida como uma metáfora

sobre a decadência cultural do velho continente - que, de certa forma, tem

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aberto mão da sua própria cultura e abraça cada vez mais o chamado

American Way of Life –, bem como sobre o poder da língua inglesa no mundo,

depois de mais de dois séculos de hegemonia econômica e política anglo-

saxônica; por outro, ela parece nos mostrar o sentimento, ainda presente, da

marginalização de Portugal em relação ao restante da Europa, mesmo três

décadas depois do início do processo de sua integração à União Européia.

Também é significativo que a cena deixe claro que a presença da língua

portuguesa no mundo hoje ocorra não por causa de Portugal, mas sim por

causa de suas ex-colônias, em especial o Brasil.

A cena final de “Um filme falado” também é bastante marcante e a

ela podem ser dadas diferentes interpretações. Diante do grito aterrorizado do

capitão em um dos botes salva-vidas, o navio explode devido a uma bomba

deixada por grupos terroristas. As únicas vítimas são as duas portuguesas, a

menina Maria Joana – que tinha voltado ao navio evacuado para pegar uma

boneca (significativamente um brinquedo mouro) que lhe havia sido

presenteada em uma das paradas – e sua mãe, Rosa Maria, que ao perceber

sua ausência foi atrás dela.

Esse apocalíptico final pode sugerir algumas interpretações fáceis –

nem por isto, menos plausíveis - como a de que é uma metáfora sobre o

colapso da civilização ocidental ou sobre as dificuldades do diálogo entre

oriente e ocidente. Pode ser interpretado também como uma constatação

irônica de sobre como um inimigo invisível – o terrorismo – consegue

desestruturar a nação hegemônica do ocidente e seus aliados, utilizando armas

resultantes da tecnologia que esse mesmo ocidente inventou. Porém, há uma

outra interpretação possível que, combinada com a cena da conversa do

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restaurante descrita anteriormente, parece muito mais de acordo com um

sentimento nacional português – um tanto quanto oculto – do qual Manoel de

Oliveira parece compartilhar: ela representaria uma certa consciência da

relativa impossibilidade da sobrevivência de Portugal como nação no mundo

globalizado do século XXI, ou melhor, a percepção presente no imaginário

social português de quão improvável tem sido a existência de Portugal como

Estado independente nos últimos oito séculos:

O sentimento profundo da fragilidade nacional – e

o seu reverso, a idéia de que essa fragilidade é

um dom, uma dádiva da própria providência e o

reino de Portugal espécie de milagre contínuo,

expressão da vontade de Deus – é uma

constante da mitologia, não só histórico-política

mas cultural portuguesa.2

Portanto a idéia de que há a mão da providência divina por trás da

existência do Estado português3 - e também a de que seu povo seria uma

espécie de novo “povo eleito” - é recorrente, explícita ou implicitamente, nos

principais mitos políticos da nação portuguesa e teria tido a sua confirmação

através do papel desempenhado por Portugal naquela que foi a primeira

“globalização” (a dos séculos XV e XVI): o de “descobridor de novas terras e

novos céus”. Estas questões desempenharam um papel fundamental na

formação da identidade nacional – que acabam desembocando na idéia de

uma singularidade da nação portuguesa e na crença em um “destino nacional”

2 LOURENÇO, Eduardo. Mitologia da Saudade. São Paulo, Companhia das Letras, 1999, p.91. 3 Um dos principais mitos-fundadores do Estado português é o “Milagre de Ourique” que relata que Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, antes de uma batalha contra os mouros – a célebre Batalha de Ourique (1139) – teria tido uma visão do próprio Jesus Cristo que lhe anunciou a vitória iminente. Lá o Estado português teria sido fundado, com Afonso Henriques sendo aclamado rei no próprio campo de Batalha.

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(muitas vezes identificada com a noção de “destino imperial”) - e têm sido

reinterpretadas ao longo da história portuguesa por homens de Estado,

historiadores, escritores e intelectuais4 segundo os mais diferentes interesses e

perspectivas:

Uma das constantes do pensamento mítico e

do pensamento psicanalítico social é a de que

Portugal tem um destino, uma razão teológica

que ainda não cumpriu ou que só cumpriu no

período áureo dos descobrimentos e que o

défice de cumprimento só pode ser superado

por um reencontro do país consigo mesmo, a

solo ou no contexto da Espanha das Espanhas

ou no contexto da Europa ou, ainda, no

contexto do Atlântico. 5

Assim, a idéia da singularidade messiânica da nação portuguesa, a

crença no “destino imperial” e a percepção de que Portugal desempenhou um

4 A literatura portuguesa é extremamente rica em exemplos sobre a forte presença dessas questões no imaginário cultural e político português. Recorrendo somente à poesia e fugindo dos exemplos mais óbvios como Fernando Pessoa, podemos visualizar isto na produção de dois autores contemporâneos, ambos identificados com uma visão política progressista: Manuel Alegre, poeta e político socialista (1936), e António Gedeão, na verdade Rómulo de Carvalho, poeta, físico e historiador da ciência (1901-1997). Do primeiro destacamos um pequeno poema chamado “Portugal” (1984): O teu destino é nunca haver chegada/O teu destino é outra Índia e outro mar/E a nova nau lusíada apontada/A um país que só há no verbo achar; do segundo, um pequeno trecho de seu “Poema da Malta das Naus” (1958): Moldei as chaves do mundo/a que outros chamaram seu,/mas quem mergulhou no fundo/Do sonho, esse, fui eu./ O meu sabor é diferente./Provo-me e saibo-me a sal./Não se nasce impunemente/nas praias de Portugal. 5 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 5o ed. São Paulo, Cortez, 1999, p. 71. Em “Onze teses por ocasião de mais uma descoberta de Portugal”, um dos ensaios presentes nesta obra (p. 53-74), o sociólogo português critica o pensamento mítico – e sua nova roupagem: o “pensamento psicanalítico” – existente entre as elites culturais portuguesas, analisando este fato como um “mecanismo de compensação do déficit de realidade, típico de elites culturais restritas, fechadas (e marginalizadas) no brilho de suas idéias”, visto que essas elites, reduzidas em número, teriam estado “quase sempre afastadas das áreas de decisão das políticas culturais e educacionais”, devido à existência de longos períodos de obscurantismo na História Portuguesa. Para Santos, após a Revolução dos Cravos (1974), parte delas teria se aproximado da “Psicanálise Social” em uma tentativa de compreender as complexidades da sociedade portuguesa. No entanto, esta aproximação – devido ao caráter arbitrário da Psicanálise – teria duplicado o mito, mesmo tendo sido a sua intenção desmontá-lo. Assim, em uma crítica direta a uma das obras de maior repercussão publicadas em Portugal no pós-25 de abril (mesmo sem citá-la nominalmente) – “O Labirinto da Saudade: Psicanálise Mítica do Destino Português” (1978), de Eduardo Lourenço –, Santos afirma peremptoriamente: “Portugal não tem destino. Tem passado, tem presente e tem futuro”.

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papel central na história da humanidade – e a esperança de que poderá voltar

a desempenhá-lo – são mitos definidores da identidade portuguesa6 e a sua

reelaboração constante fazem com que eles permaneçam no imaginário

popular português. Se como coloca Boaventura de Souza Santos, já citado

anteriormente, o pensamento mítico é típico de elites culturais fechadas, não se

pode negar que a reprodução e as releituras desses mitos têm sido bem

sucedidas e utilizadas ao longo da história de Portugal por regimes políticos e

por integrantes das elites intelectuais das mais diversas tendências. Isto ocorre

em uma perspectiva similar àquela assinalada por José Murilo de Carvalho em

seu conhecido estudo sobre a construção do imaginário republicano no Brasil:

A elaboração de um imaginário é parte integrante

da legitimação de qualquer regime político. É por

meio do imaginário que se podem atingir não só a

cabeça mas, de modo especial, o coração, isto é,

as aspirações, os medos e as esperanças de um

povo. É nele que as sociedades definem suas

identidades e objetivos, definem seus inimigos,

organizam seu passado, presente e futuro.7

Estes problemas voltaram a ser colocados em discussão, com

bastante intensidade, na década de 1980, quando começou a se estruturar o

discurso legitimador daquilo que ficou conhecido como Lusofonia. Depois de

6 Para reforçar esta profunda ligação com o passado existente em Portugal, não custa lembrar que um dos principais versos de “A Portuguesa”, o hino nacional, diz: “Levantai hoje de novo/o esplendor de Portugal”. É sintomático que uma canção republicana “revolucionária”, inspirada na “Marselhesa” projete no futuro o resgate das glórias do passado. Eduardo Lourenço (1923), um dos principais intérpretes de Portugal, discute a noção de “saudade” como elemento essencial da identidade lusitana: “Com a saudade, não recuperamos o passado como paraíso; inventamo-lo. O nosso povo, imemorialmente rural, absorvido por fora em afazeres desprovidos de transcendência, mas levados a cabo como uma epopéia, como seu talento do detalhe da miniatura é um povo-sonhador. Não especialmente por ter cumprido sonhos maiores do que ele, mas porque, no fundo de si, ele recusa o que se chama a realidade” (In: Mitologia da Saudade. op. cit., p. 14). 7 CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo, Cia. das Letras, 1990, p. 10.

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uma década, em que o movimento de integração à Europa ocupou os corações

e mentes lusitanas, o Estado português articulou o retorno daquela velha

“política atlântica”, sempre tão marcante na história do país, buscando uma

aproximação com suas ex-colônias espalhadas pelos cinco continentes, a partir

do discurso da “herança cultural comum”.

Naquele momento, assistiu-se à releitura de uma série de questões

extremamente caras ao imaginário social português - em especial o já citado

mito do destino imperial - que são “reinventadas” e travestidas com novas

roupagens. É nesse contexto que se inserem os esforços pela formação de

uma Comunidade Lusófona, integrada pelos países que adotam o Português

como idioma oficial, e que acabaria se concretizando em meados da década de

1990. Essa Comunidade – como procuraremos defender ao longo deste

trabalho – acaba representando na prática uma reinvenção do velho sonho

imperial português. Isto, em parte, ajuda a explicar o relativo fracasso da

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, após mais de dez anos de sua

existência: o seu alicerce simbólico acaba só tendo um sentido efetivo para os

portugueses e não para os demais povos “lusófonos”.

Este processo se deu especialmente a partir do momento em que,

depois de alguns conturbados anos que se seguiram à Revolução dos Cravos,

o Partido Socialista se tornou a principal força política em Portugal, com a

eleição de Mário Soares à Presidência da República, em 1986. Mesmo com o

PS tendo participado de quase todos os governos do pós-25 de abril e

governando em “coabitação” com o PSD, do Primeiro-Ministro Cavaco Silva, a

ascensão do líder socialista à presidência representou um fato significativo na

política portuguesa.

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8

Mário Soares e os demais líderes socialistas encarnam de forma

bastante enfática o discurso do “retorno ao Atlântico” – sem que isto signifique

o negligenciar da política Européia – e incorporam com entusiasmo a defesa da

idéia da Lusofonia:

A mentalidade do Portugal democrático e

humanista de hoje é também muito diferente. O

fato de também sermos União Européia também

conta muito. Quando se discutia, em Portugal, se

queríamos ser África ou ser Europa, eu respondia

sempre que, quanto mais Europa fôssemos, mais

possibilidade teríamos em África, mais os

africanos terão a percepção da nossa

importância.8

Foi assim que nos anos finais da década de 1980 e na década de

1990 assistiu-se em Portugal a um resgate das idéias do sociólogo brasileiro

Gilberto Freyre, inclusive por parte daqueles que as criticavam nas décadas

anteriores por considerarem-nas conservadoras e justificadores do colonialismo

português. Com isto, a idéia freyriana de que há “um modo português de estar

no mundo” 9 que havia embasado o discurso colonialista do Estado Novo

português, a partir do final da década de 1940, passa também a servir como

alicerce do discurso da lusofonia, encampado com entusiasmo por setores que

tinham se destacado e/ou se forjado na oposição ao salazarismo:

8 Esta afirmação é feita por Mário Soares em: CARDOSO, Fernando Henrique e SOARES, Mário. O Mundo em Português: Um Diálogo. São Paulo, Paz e Terra, 1998, p. 307. Esta obra, como o próprio título já diz, reproduz parte de mais de 20 horas de conversa gravadas entre o ex-presidente português e o então presidente brasileiro, em que são abordados diversos temas do interesse de ambos, em especial as relações Brasil-Portugal e a questão da integração do mundo lusófono. 9 Esta expressão é um conceito introduzido nos meios acadêmicos lusos, na década de 1950, pelo intelectual e político português Adriano Moreira, um declarado entusiasta das idéias de Gilberto Freyre. Cf. CASTELO, Cláudia. “O Modo Português de Estar no Mundo”: o luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Porto, Edições Afrontamento, 1999, p. 13.

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9

É neste momento que se concretiza a CPLP: num

processo de reconhecer uma história que,

evidentemente percorre outros territórios e

continentes, mas, sobretudo, num processo

marcado pelo esquecimento (como aquele da

construção das nações) e pelo ressurgimento de

um conjunto de mitos que procuram aferir uma

singularidade lusitana nos trópicos marcada

pela ausência de racismo, pela generosidade,

pela assimilação e pela “identidade” entre os

portugueses e aqueles que foram objeto da

expansão colonial.10

Em menor grau, foram resgatados outros intelectuais portugueses e

brasileiros que em algum momento de sua trajetória defenderam ou elaboraram

a idéia de uma “Comunidade Lusófona”. Desta maneira, ao lado de Gilberto

Freyre, erige-se uma galeria de “pais-fundadores” daquela Comunidade então

em formação, onde aparecem nomes como Sílvio Romero, Adriano Moreira e

Joaquim Barradas de Carvalho.

Neste panteão, um nome que passa a figurar com a mesma

importância atribuída a Freyre é o de Agostinho da Silva, filósofo, filólogo e

místico português identificado com a resistência ao salazarismo – portanto sem

a carga negativa que o lusotropicalismo freyriano ainda carregava, tanto para

as elites políticas e intelectuais africanas, quanto para setores da esquerda

portuguesa -, embora nunca tivesse tido uma militância política efetiva.

Assumindo uma perspectiva que podemos chamar de “neo-sebastianista”, ele

defende a idéia de um Portugal-língua – concretizado através de uma 10 THOMAZ, Omar Ribeiro. “Tigres de Papel: Gilberto Freyre, Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa”. In: ALMEIDA, Miguel Vale de, BASTOS, Cristiana e FELDMAN-BIANCO, Bela (Coord.). Trânsitos Coloniais: Diálogos Críticos Luso-Brasileiros. ICS, Lisboa, 2002, p. 57.

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10

Comunidade Lusófona como uma espécie de “Quinto Império” revisitado - que

deveria cumprir a missão histórica que o Portugal-território, por suas limitadas

possibilidades atuais, não teria mais condições de cumprir: a de integrar toda a

humanidade e construir a fraternidade universal. Encarado com certas reservas

durante muito tempo por amplos setores da intelligentzia portuguesa, devido a

suas idéias de forte inspiração mística, Agostinho da Silva acaba se tornando,

a partir da institucionalização da CPLP, uma das figuras mais citadas, inclusive

nos discursos oficiais, como um de seus principais inspiradores. 11

Desta forma, todos estas questões foram utilizadas em Portugal para

embasar e legitimar a idéia da lusofonia. A construção desse discurso e o

empenho do Estado português na criação da CPLP – que se tornou uma

questão bastante importante para os formuladores da política externa

portuguesa, a partir do final da década de 1980 – estão relacionados aquilo que

podemos chamar de uma “reinvenção” do Império através da língua, com a

resignificação de antigos mitos presentes no imaginário social português.

No entanto, saindo do plano simbólico e entrando no campo da

Realpolitik, os esforços portugueses para a constituição da CPLP também se

inserem dentro da dinâmica das alterações pelas quais estava passando o

sistema internacional nas duas últimas décadas do século XX, relacionadas à

falência da ordem internacional - erigida sobre os escombros da Segunda

Grande Guerra - até então existente. Esta velha ordem, que durou cerca de 45

11 Podemos citar como exemplo as palavras de José Aparecido de Oliveira, embaixador brasileiro em Lisboa durante o governo Itamar Franco e um dos principais articuladores da CPLP: “O primeiro projeto que Portugal teve foi o que incumbe a todos nós: o de ser”. A frase em sua aparente singeleza é a mais profunda de todas quantas têm amparado a minha luta pela criação de uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa, tarefa de que fui incumbido pelo presidente Itamar Franco. Pronunciou-a com sua poderosa carga de sabedoria, meu amigo o professor Agostinho da Silva (...). In: BRAGA, José Alberto (Coord.). José Aparecido: o homem que cravou uma lança na lua. Lisboa: Trinova Editora, 1999, p.33.

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11

anos, baseou-se na hegemonia de duas superpotências, com enorme poderio

econômico e, fundamentalmente, político-militar, que lideravam “blocos” de

países aliados: os EUA e a URSS, configurando, assim, um sistema

internacional bipolar. Este período marcou a decadência geopolítica da Europa

que havia se iniciado já na Primeira Grande Guerra, sendo o velho continente

bipartido em zonas de influência das superpotências. Este processo refletiu-se

na dissolução dos antigos impérios coloniais europeus e na formação do

chamado “Terceiro Mundo”, o que contribuiu para ampliar o número de atores

do sistema internacional que, pela primeira vez, tornou-se mundial. Porém, a

Europa acabou sendo o centro da chamada Guerra Fria, visto que se tornou o

principal palco de confrontação das grandes potências. É neste contexto que,

ainda na década de 1950, lança-se o embrião do projeto de unidade européia

através da criação, em 1957, do Mercado Comum Europeu, pelo Tratado de

Roma, que inicia o sonho de construção de uma “pátria européia”, onde as

tradicionais rivalidades nacionalistas seriam suplantadas.

A partir dos anos 1970, a ordem bipolar começou a dar sinais de

desgaste principalmente devido às questões econômicas. O desenvolvimento

penalizou as grandes potências, notadamente a URSS, e possibilitou a

emergência de potências médias como o Japão, a Alemanha e a China. Os

excessivos gastos militares e a prioridade dada ao setor bélico fizeram com

que a URSS não conseguisse acompanhar a revolução técnico-científica que

estava em andamento naquele momento, além de mergulhar a sua economia

(com a exceção lógica do setor militar) num quadro de estagnação, com um

ritmo de crescimento anual praticamente nulo. Estas questões contribuíram

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12

decisivamente para o fim da URSS e a desagregação do Bloco Socialista, a

partir do final da década de 1980.

Naquele momento, houve pressa nos EUA em comemorar a

implantação daquilo que foi chamado pelo presidente George Bush de “nova

ordem mundial”, em que a bipolaridade cederia lugar a uma configuração de

forças unipolar ou imperial, com a implantação da pax americana. Porém, esta

nova ordem acabou desvinculando o poder geopolítico do poderio bélico-

militar, fazendo com que outras dimensões – a econômica, por exemplo –

voltassem a ter peso. Assim, foi a partir da década passada que se consolida a

tendência de criação de megablocos econômicos capazes de fazer frente aos

desafios dessa nova “ordem” que se estabelecia.

Dentre estes blocos, destaca-se a União Européia, concretizada pelo

Tratado de Maastricht, de 1992, a partir da CEE (Comunidade Econômica

Européia), da qual Portugal faz parte desde 1986, que apesar ter sido

constituída no cenário da Guerra Fria, foi com o fim desse período – e a nova

ordem que se estrutura a partir daí - que se abriram novas possibilidades

estratégicas e de expansão para ela, consolidando a sua posição como um dos

três pólos da economia mundial.

A década de 1990 também foi aquela em que se consolidou o

processo conhecido genericamente como Globalização, caracterizado pela

mundialização dos mercados, com a livre circulação do capital, a

reestruturação dos processos produtivos e a formação de grandes corporações

globais, ocorrida sob a égide do neoliberalismo e que aprofundou as

desigualdades ente os países centrais e periféricos do sistema capitalista.

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13

Porém, as implicações desse processo geram controvérsias.

Afinal, quem seria o principal beneficiado com a Globalização? Alguns teóricos

defendem a idéia de que a Guerra Fria não teve potências vencedoras e que,

na verdade, ela teria sido vencida pelos donos dos capitais que circulam pelo

mundo e que não têm compromisso de fidelidade com nenhuma nação, pois “à

medida que se intensifica a competição pelo capital global, as forças de

mercado desterritorializadas (primordialmente as empresas comerciais, mas

também alguns indivíduos) impõem restrições cada vez mais rigorosas, até

mesmo, à política econômica das maiores nações, inclusive os Estados

Unidos”. 12 Com isto, uma das características do processo de Globalização

seria o enfraquecimento dos Estados nacionais em detrimento das grandes

corporações globais.

Para outros, a Globalização seria somente o novo nome para velhos

processos de expansão do capitalismo em nível mundial. Argumenta-se

também que a Globalização foi possibilitada enormemente pela aplicação dos

princípios neoliberais que, por sua vez, foram difundidos a partir de

determinadas nações como os EUA e a Grã-Bretanha. Assim, “visto que o

apoio e o incentivo estatais foram indispensáveis ao processo de globalização,

afirma-se que os Estados têm a capacidade de reverter esse processo se

assim desejarem”.13 Desse modo, pode-se pensar que a Globalização ao

invés de enfraquecer os Estados Nacionais, na verdade, faria parte da

estratégia de um determinado Estado para manter a sua hegemonia mundial:

os EUA. Esta tese estaria confirmada pela grande prosperidade da economia

norte-americana, a partir da segunda metade dos anos 90 do século XX. Com 12 Erik Peterson citado em: ARRIGHI, Giovanni e SILVER, Beverly J. Caos e Governabilidade no Moderno Sistema Mundial. Rio de Janeiro, Contraponto/UFRJ, 2001, p.16. 13 ARRIGHI, Giovanni e SILVER, Beverly J. Idem. p. 17.

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14

isto, a multipolaridade econômica estaria, na verdade, evoluindo em direção a

um único pólo dominante, que, por sua vez, também é dotado do maior poderio

militar.

Neste sentido, é importante destacar que nossa análise das relações

internacionais se insere em uma perspectiva realista. Assim, podemos pensar

na idéia de que os Estados, ao movimentarem-se na cena internacional,

procuram, sempre, obter a maior quantidade possível de poder, sendo que o

conceito de poder não necessita embasar-se, prioritariamente, em um único

âmbito, seja qual for ele. Por esta visão, semelhante conquista/manutenção da

supremacia nacional ante os demais governos superaria quaisquer outros

interesses estatais, embora devam ater-se, evidentemente, às conjunturas

históricas.

Em prosseguimento a esta possibilidade de análise, cremos que a

conceituação de poder deva ser explicitada, evitando-se possíveis

anacronismos e distorções. Assim, acompanhamos a formulação de Max

Weber, quando este afirma que entende por poder “a possibilidade de que um

homem - ou um grupo de homens - realize sua vontade própria numa ação

comunitária até mesmo contra a resistência de outros que participam da

ação”.14

No entanto, o controverso fenômeno da globalização não pode ser

reduzido somente à sua dimensão econômica ou político-militar.

Indiscutivelmente, temos assistido a uma redefinição das identidades em

escala global e antigas visões de mundo perdem sua razão de ser ou são

reinventadas:

14 Weber, Max. WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. 5a ed., Rio de Janeiro, LTC, 1982, p. 211.

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15

No âmbito da globalização, quando começa a

articular-se uma totalidade histórico-geográfica

mais ampla e abrangente que as conhecidas

abalam-se algumas realidades e interpretações

que pareciam sedimentadas. Alteram-se os

contrapontos singular e universal, espaço e

tempo, presente e passado, local e global, eu e

outro, nativo e estrangeiro, oriental e ocidental,

nacional e cosmopolita. A despeito de que tudo

parece permanecer no mesmo lugar, tudo muda.

O significado e a conotação das coisas, gentes e

idéias modificam-se, estranham-se, transfiguram-

se.15

Portanto, foi a partir de todo este conjunto de questões que

procuramos analisar o processo de construção da idéia de lusofonia em

Portugal, bem como o empenho do Estado português em articular um espaço –

tanto no plano simbólico, quanto no real - para concretizá-la: a Comunidade

dos Países de Língua Portuguesa. Estes processos devem ser entendidos,

em nossa avaliação, como decorrentes, por um lado, destas redefinições

identitárias globais; e por outro, das próprias determinações da ordem

internacional, já que entendemos que em momentos de transformações

sistêmicas profundas, os vários atores buscam redefinir o seu papel no sistema

internacional16.

15 IANNI, Octavio. “Globalização e Nova Ordem Internacional”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão et alli. O Século XX - O Tempo das Dúvidas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000, p.223. 16 Não se pode deixar de destacar que as mudanças ocorridas no Sistema Internacional nas décadas de 1980 e 1990 também estimularam o surgimento de Organizações Internacionais, entre as quais a CPLP. Estes Organismos (ou Organizações) Internacionais consistem em “um arranjo institucional formal da qual fazem parte membros ou atores internacionais, com vista à coordenação ou cooperação em uma ou mais áreas de interesse comum”. Cf. GONÇALVES, Williams e SILVA, Guilherme A. Dicionário de Relações Internacionais. São Paulo, Manole, 2003.

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16

No caso português, a Revolução dos Cravos (1974) representou um

marco desta redefinição. Esse momento foi marcado pela dissolução do

Império Colonial, pelo abandono da “política atlântica” portuguesa que marcou

a inserção internacional do país durante cinco séculos e pelo retorno de

Portugal a uma “política européia”. O outro marco importante, em nossa

avaliação, foi o início da articulação do discurso da lusofonia, visto que ele

representa, de certa forma, a retomada daquela “política atlântica” em novos

moldes, com Portugal, já integrado à União Européia, tentando, através da

CPLP, aumentar sua capacidade de negociação dentro da UE e renegociar o

seu papel no Sistema Internacional.

Ao mesmo tempo, esse discurso busca redefinir a identidade cultural

lusa, transmutando-a em uma “identidade lusófona” que, paradoxalmente, por

ser essencialmente portuguesa, acabaria se tornando universal. É neste

sentido, que as bases simbólicas sobre as quais procurou se erigir a

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa acabam refletindo quase que

somente questões importantes para o imaginário social português e que não o

são, necessariamente, para os demais países de língua portuguesa. A idéia de

que há um “modo português de estar no mundo” – e que estaria presente em

todos as regiões colonizadas pelos portugueses - reaparece em Portugal de

forma tão intensa, que mesmo os críticos do “discurso mítico” acabam,

indiretamente, reinterpretando-a, mesmo sem assumi-lo. 17 Para alguns setores

das elites intelectuais portugueses, neste contexto de redefinição identitária, a

17 Podemos citar como exemplo disto, o sociólogo Boaventura de Souza Santos que constrói o conceito de “Cultura de Fronteira” para definir a identidade portuguesa. Esta forma cultural seria marcada pelo acentrismo, pela cosmopolitismo, pela dramatização e pela carnavalização das formas e também teria vigência, mesmo que de modo diferenciado, no Brasil e nos Países Africanos de Língua Portuguesa. Ver: “Modernidade, Identidade e a Cultura de Fronteira”. In. Pela Mão de Alice. op. cit., p. 35-57. Esta discussão será feita com mais profundidade no capítulo 2.

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17

lusofonia também cumpre o papel de fortalecer a língua portuguesa no mundo

e, de certa forma, garantir a sua sobrevivência, já que com a inserção de

Portugal à União Européia, o medo secular de ser absorvido pela vizinha

Espanha – com toda a sua pujança econômica e cultural – reaparece

transportado para a esfera lingüística.18

Neste sentido, ao discutir questões como a cultura política e o

imaginário político portugueses no século XX, este trabalho insere-se naquele

campo mais amplo da História Política, ressaltado por René Rémond quando

afirma que:

(...) se o político tem características própria que

tornam inoperante toda análise reducionista, ele

também tem relações com os outros domínios:

liga-se por mil vínculos, por toda espécie de laços,

a todos os outros aspectos da vida coletiva. (...)

Abraçando os grandes números, trabalhando na

duração, apoderando-se dos fenômenos mais

globais, procurando nas profundezas da memória

coletiva, ou do inconsciente, as raízes das

convicções e as origens dos comportamentos, a

história política descreveu uma revolução

completa.19

As conclusões a que chegamos, serão apresentadas a seguir, ao

longo de três capítulos. No primeiro, procuramos apresentar algumas questões 18 As elites intelectuais portugueses historicamente tiveram uma posição dúbia e oscilante em relação ao “perigo espanhol”, variando da negação de qualquer tipo de identidade com a poderosa vizinha ao entusiasmo com a possibilidade de algum tipo de União Ibérica. Na própria “crise de identidade” vivida em Portugal nas décadas de 1860 e 1870, quando surgiu uma das brilhantes gerações de intelectuais portugueses, este debate ocorreu de forma bastante intensa. Sobre esta questão ver: DIOS, Angel Marcos de. “A Lusofilia Espanhola”. In: História – Memória – Nação. Revista de História das Idéias (18). Instituto de Teoria e História das Idéias. Universidade de Coimbra, Coimbra, 1996, p. 149-165; ALVAREZ, Eloísa. “Iberismo, Hispanismo e Hispanofilia en Portugal em la Ultima Decada”. Idem, p. 373-387; GÓMEZ, Hipólito de la Torre (Editor). España y Portugal (Siglos XIX e XX): Vivencias Historicas. Madrid, Editorial Sintesis, 1998. 19 RÉMOND, René. Por uma História Política. Rio de Janeiro, Editora UFRJ/Editora FGV, 1996, p. 35-36.

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18

que serão aprofundadas nos capítulos seguintes. Assim, traçamos um breve

histórico da estruturação da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa e

da visão que os três pólos da Comunidade – Portugal, Brasil e África

Lusófona/Timor – têm sobre ela. Com isto, enfatizamos as questões que nos

parecem fundamentais para o entendimento do fato da CPLP não ter se

consolidado como um espaço comunitário de peso internacional – dentre elas,

o relativo desinteresse do Brasil e dos Países Africanos por seu destino -,

apesar dos esforços portugueses para que isto ocorresse.

No capítulo 2, construímos um amplo painel sobre como se deu a

articulação do chamado Terceiro Império Português, na África, a partir das

últimas décadas do século XIX, dando ênfase ao período do Estado Novo,

quando o Império efetivamente se estrutura política e economicamente. Na

última parte do capítulo, discutimos o processo de descolonização desse

Império e os seus impactos sobre a sociedade portuguesa. Além disto,

procuramos analisar alguns mitos políticos portugueses que foram trabalhados,

principalmente, durante o período salazarista como o de “Portugal uno e

indivisível, do Minho ao Timor” e o do “Destino Imperial” português. Esta

discussão é fundamental para o entendimento da permanência, através de

constantes releituras, destes mitos até os dias atuais, quando aparecem como

“fantasmas” rondando o discurso da lusofonia.

Já no capítulo 3, buscamos aprofundar algumas questões

levantadas no capítulo 1, procurando mostrar como, a partir da década de

1980, construiu-se em Portugal a idéia da lusofonia. Isto ocorreu dentro de um

determinado contexto político – o da concretização da entrada de Portugal na

UE e o da hegemonia política do Partido Socialista -, em que os setores que

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19

assumem esta idéia são os mesmos que, no passado, criticaram a política

colonialista do Estado Novo. Desta forma, são “redescobertas” em Portugal as

idéias de Gilberto Freyre sobre o lusotropicalismo que, ironicamente, vão servir

de cimento ideológico para a lusofonia o que aproxima, através do discurso, a

esquerda democrática e a velha direita portuguesa. Também discutimos de

que forma as idéias de outros intelectuais, em especial as de Agostinho da

Silva, serão utilizadas para legitimar a Comunidade de Países de Língua

Portuguesa, então em fase de estruturação. Já em sua parte final, procuramos

apresentar as vozes dissonantes em relação ao consenso em torno da

lusofonia em Portugal. Mesmo apresentando as opiniões de alguns autores

brasileiros e africanos, a ênfase maior é dada às visões críticas formuladas por

intelectuais portugueses, com especial destaque para a análise de duas obras

que consideramos essenciais: A Nau de Ícaro e Imagem ou Miragem da

Lusofonia (1999), de Eduardo Lourenço e A Lusofonia e os Lusófonos: Novos

Mitos Portugueses (2000), de Alfredo Margarido. Nestas obras, enquanto

Lourenço apresenta algumas críticas pontuais em relação ao discurso lusófono

e expõe algumas dúvidas em relação ao futuro da Comunidade de Países de

Língua Portuguesa, Margarido se propõe a desconstruir os mitos sobre os

quais se assentam a Comunidade e a própria idéia de lusofonia.

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Capítulo I A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP: História e Perspectivas.

Em julho de 1996, os Chefes de Estado e de Governo dos sete países

que então adotavam o português como idioma oficial, reunidos na Cidade de

Lisboa, criaram oficialmente a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa,

aprovando a sua Declaração Constitutiva e os seus Estatutos. Esta

organização internacional formada, inicialmente, por Portugal, Brasil e pelos

cinco Estados Africanos de Língua Portuguesa (Angola, Moçambique, Guiné-

Bissau, Cabo-Verde e São Tomé e Príncipe)20 tem, nos termos de seus

estatutos, o papel de ser “o foro multilateral privilegiado para o aprofundamento

da amizade mútua, da concertação político-diplomática e da cooperação entre

seus membros”, tendo dentre os seus objetivos centrais a busca da articulação

entre seus Estados-membros nas relações internacionais e a materialização de

projetos de promoção e difusão da Língua Portuguesa no mundo21.

A idéia da criação de uma “Comunidade Lusófona” (ou “Comunidade

Lusíada”) remonta, pelo menos aos anos 50 do século XX, aparecendo – com

maior ou menor intensidade – nas obras de intelectuais brasileiros e

portugueses de diversos matizes ideológicos como Gilberto Freyre, Joaquim

Barradas de Carvalho, Adriano Moreira, Agostinho da Silva e Darcy Ribeiro22.

Ao longo das últimas cinco décadas, tal Comunidade tornou-se um tema

recorrente no discurso de políticos e intelectuais brasileiros e, principalmente,

20 Atualmente a organização conta com um oitavo Estado-membro, o Timor Lorosae. 21 CPLP. Estatutos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Disponível em: www.cplp.org. 22 O então Presidente do Brasil, Fernando Henrique Cardoso, em uma entrevista ao jornal português Diário de Notícias (12 de julho de 1995) também faz referência a Sílvio Romero (1851-1914) como um dos precursores da idéia dessa Comunidade.

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21

portugueses, reaparecendo constantemente em diferentes conjunturas. No

entanto, a discussão sobre a sua constituição só ganha força, de fato, na

década de 1980, quando em Portugal começa a se ensaiar um “retorno ao

Atlântico”, depois de uma década em que a integração à Europa foi a

preocupação central.

Assim, os primeiros passos para a criação da CPLP foram dados em

novembro de 1989 durante a primeira reunião dos Chefes de Estado e de

Governo dos países de língua portuguesa, ocorrida em São Luís do Maranhão,

que, do ponto de vista das realizações concretas, definiu a criação do Instituto

Internacional da Língua Portuguesa (IILP), destinado a promover a Língua

Portuguesa no mundo, e que funcionou como uma espécie de embrião da

futura CPLP.23 Já na década de 1990, uma figura que começa a ganhar

destaque neste processo é a de José Aparecido de Oliveira24, nomeado em

1993, pelo então Presidente Itamar Franco, como embaixador do Brasil, em

Lisboa. Antigo entusiasta da idéia da “Comunidade Lusófona”, José Aparecido

possuía um excelente trânsito junto a amplos setores da intelectualidade

brasileira e portuguesa das mais variadas tendências políticas e ideológicas e

via nesse cargo uma oportunidade ímpar para tentar levar avante o projeto de

construção do que viria a ser a CPLP. Por outro lado, em Portugal – como

23 Nas palavras do Embaixador José Aparecido de Oliveira “não há dúvida nenhuma que foi um ato de rara importância até porque daí resultou este ato maior que é a institucionalização da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”. In: BRAGA, José Alberto (Coord.). op. cit., p.47. 24 José Aparecido de Oliveira, político mineiro nascido em 1929, ocupou diversos cargos ao longo de sua carreira tendo sido Deputado Federal, Secretário Particular da Presidência da República durante o governo Jânio Quadros (1961) e Ministro da Cultura (1988-1990) durante o governo José Sarney, dentre outros. Durante o governo Itamar Franco (1992-1994), ocupou a embaixada brasileira em Lisboa, destacando-se como um dos principais articuladores da CPLP e do projeto de unificação ortográfica da língua portuguesa, ambos projetos-chaves dentro da proposta da lusofonia. Ver: BRAGA, José Alberto (Coord.).José Aparecido: o homem que cravou uma lança na lua. Lisboa: Trinova Editora, 1999 e ABREU, Alzira Alves de et alli. Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930. Segunda edição revista e atualizada. Vol. 1. Rio de Janeiro, Editora da FGV, 2001.

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analisaremos posteriormente -, as condições políticas internas e externas

tinham criado condições favoráveis para que a idéia da Comunidade

aglutinasse o apoio de amplos setores da sociedade portuguesa e,

estrategicamente para estes setores, o fato do embaixador brasileiro levantar

esta bandeira entusiasticamente, por si só, já dava mais legitimidade para a

consecução deste projeto, até então essencialmente português25. Desta forma,

o Embaixador José Aparecido assume o papel de principal articulador da

CPLP, iniciando uma série de viagens aos países africanos de língua

portuguesa em busca de adesões para o projeto de constituição desse espaço

comunitário.

É interessante notar que a maior parte dos analistas considera que, no

âmbito da política externa brasileira, este empenho pela criação da CPLP, teria

sido muito mais uma iniciativa isolada do Embaixador brasileiro em Portugal, do

que uma ação efetiva do Estado brasileiro26, uma vez que, desde o início da

década de 1990, as opções preferenciais da política externa brasileira vinham

sendo a aproximação com os países do chamado “Primeiro Mundo” e os

esforços pela integração latino-americana, através da criação do MERCOSUL.

Esta tendência fez com que a “dimensão atlântica” da nossa política externa

fosse tendo um papel cada vez mais reduzido nas preocupações do Itamaraty

25 Em um livro-homenagem a José Aparecido, editado em 1999, esta questão fica clara em alguns depoimentos dados por intelectuais portugueses, dentre os quais destacamos o de Adriano Moreira, respeitado intelectual e político, que havia feito parte do setor mais “liberal” do regime salazarista: “O projeto de elaborar uma nova cooperação pelo consentimento de todos os Estados unidos pela língua portuguesa teve mais de um pregador e defensor no passado, mas foi o Embaixador José Aparecido de Oliveira quem, usando da sua experiência, da sua autoridade, da sua devoção conseguiu programar, mobilizar as adesões, reunir as capacidades e levar à final a criação da Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa”. In: BRAGA, José Alberto (Coord.). José Aparecido: o homem que cravou uma lança na lua. op. cit., p. 145-146. 26 Sobre esta questão ver a excelente análise de José Flávio Sombra Saraiva In: O lugar da África: a dimensão atlântica da política externa brasileira (de 1946 aos nossos dias). Brasília: Editora da UnB, 1996, p. 217-239. Tal opinião foi reiterada pelo jornalista Márcio Moreira Alves, veterano conhecedor dos assuntos portugueses em entrevista a mim concedida em 01 de março de 2001.

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– ao contrário das décadas de 1960 e 1970, no período situado entre a Política

Externa Independente, de Jânio Quadros e João Goulart, e o Pragmatismo

Responsável, do governo Geisel27 - e que os países africanos (incluindo as ex-

colônias portuguesas) passassem a ser vistos como preocupações

absolutamente secundárias, com exceção de algumas parcerias seletivas,

feitas por critérios essencialmente econômicos, como a África do Sul, a Nigéria

e, em menor intensidade, Angola. Portanto, nesta perspectiva a constituição da

CPLP, com certeza, não aparecia entre as grandes prioridades do Itamaraty.

A partir dos esforços de José Aparecido, ocorre em Brasília, no mês de

fevereiro de 1994, a Primeira Reunião dos Ministros das Relações Exteriores e

dos Negócios Estrangeiros dos Países de Língua Portuguesa, a qual propõe a

realização de uma Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo de seus países

visando à constituição da Comunidade. Depois de sucessivos adiamentos, a

referida Cimeira acaba ocorrendo entre os dias 16 e 17 de julho de 1996, em

Lisboa. Nesse encontro, a CPLP é oficialmente criada e os seus documentos-

fundadores – a Declaração Constitutiva da Comunidade e os seus Estatutos –,

que já haviam sido previamente acordados em reuniões preliminares ocorridas

entre representantes dos sete países nos dois anos anteriores, são aprovados.

27 A Política Externa Independente posta em prática pelos chanceleres Afonso Arinos de Melo Franco e San Tiago Dantas defendia uma posição de “neutralidade” na Guerra Fria, partindo do pressuposto de que o grande conflito da ordem mundial não era mais o Leste-Oeste, mas sim o Norte-Sul. Desta forma, o Brasil desloca-se da área de influência norte-americana para uma postura mais terceiro-mundista. Isto faz com que, dentre outras coisas, o país inicie uma abertura para a África, assumindo, inclusive, um discurso crítico em relação ao colonialismo português, rompendo com a velha lógica da “fraternidade luso-brasileira”. Já o “Pragmatismo Responsável” aprofundou a política de “não-alinhamento automático” com os EUA, implementada durante o governo Médici (que se diferenciava da política pró-americana dos dois primeiros governos militares), e buscou a mundialização das Relações Exteriores do Brasil, sem levar em conta critérios ideológicos, mas sim a busca do desenvolvimento nacional. Nesta perspectiva, o Brasil foi o primeiro país a reconhecer a independência de Angola, mesmo com ela tendo sido feita pelo MPLA (Movimento pela Libertação de Angola), de orientação socialista. Sobre estas questões ver: CERVO, Amado & BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. São Paulo, Ática, 1992; VIZENTINI, Paulo Fagundes. A política externa do regime militar brasileiro. Porto Alegre, Editora da UFRGS,1998 e RODRIGUES, José Honório. Interesse nacional e política externa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966.

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Além disto, ao final do Encontro, é divulgada uma comunicação conjunta que

expõe de forma sucinta aqueles que seriam os objetivos e os ideais

norteadores da CPLP e que, em vários trechos, apresenta de forma clara

aquilo que podemos chamar de “discurso da lusofonia”:

Os Chefes de Estado e de Governo reafirmaram a

sua determinação e empenho em que a

Comunidade, que tem na Língua Portuguesa um

patrimônio histórico comum, seja dotada de

mecanismos e instrumentos que, reforçando os

vínculos seculares que os unem, valorize também

a sua ação externa ao serviço dos valores da Paz,

da Democracia, do Estado de Direito, dos Direitos

Humanos, do Desenvolvimento e da Justiça

Social.28

No entanto, apesar dos discursos entusiasmados saudando a nova

organização, a CPLP e o ideal da unidade lusófona têm ficado muito mais no

campo das boas intenções do que no das realizações práticas nestes últimos

anos, visto que de seus Estados-membros somente Portugal tem investido

seriamente em sua construção; para os demais, esta questão tem sido

absolutamente secundária, quando não esquecida pelos formuladores de suas

políticas externas.

Desta forma, nos parece necessário, neste momento, fazer uma breve

reflexão sobre as perspectivas da Comunidade, a partir da ótica de seus

principais atores, dando ênfase a algumas questões como o relativo

desinteresse do Brasil e dos demais membros – os PALOP (Países Africanos

de Língua Oficial Portuguesa) e o Timor Leste - por seus destinos, bem como

28 CPLP. “Comunicado Final da Cimeira Constitutiva da CPLP”. In. SARAIVA, José Flávio Sombra (Org.). CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Brasília, IBRI, 2001, p.189-192.

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os motivos que fazem com que ela seja, até o momento, um projeto

essencialmente português.

1.1. Portugal e a construção do “Espaço da Lusofonia”.

Sob a ótica portuguesa29, não é exagero afirmar que a CPLP possui

importância, até certo ponto, bastante significativa para a inserção do país na

ordem internacional que começou a se estruturar no final década de 1980, e é

tida como prioritária na formulação da política externa portuguesa. Esta política

tem sido definida a partir de duas opções estratégicas:

1- A consolidação da participação de Portugal na União Européia (UE),

utilizando essa posição para redefinir o seu papel no mundo

contemporâneo;

2- O investimento na construção de uma Comunidade Lusófona,

potencializando o espaço da Língua Portuguesa.

Estas duas opções que, durante muito tempo, pareciam excludentes, hoje

se apresentam como complementares, pois o fato de pertencer à Europa cria

para Portugal condições extremamente favoráveis para a articulação deste que

seria o “espaço da Lusofonia”, visto que a construção da CPLP poderia

fortalecer – pelo menos na opinião de alguns intelectuais e/ou homens de

Estado portugueses – a posição de Portugal dentro da Europa, fazendo com

29 Nesta parte do trabalho, procurarei discutir de que forma os formuladores e/ou analistas da política externa portuguesa encaram a importância (ou não) da CPLP, dentro do âmbito desta política, analisando os movimentos do Estado português em relação ao processo de constituição e consolidação da Comunidade. Nos itens seguintes deste capítulo, a mesma coisa será feita em relação à posição brasileira e dos demais Estados de língua portuguesa.

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que ele retomasse, de certa forma, o seu mítico papel – tão caro ao imaginário

popular português – de “ponte entre dois mundos”.

Porém, antes deste “retorno ao Atlântico” marcou sua política externa

desde o final dos anos 80 do século XX, Portugal pareceu tentar enterrar o seu

passado de nação colonial: os anos que se seguiram à descolonização da

África Portuguesa, em meados da década de 1970, são marcados por um

grande desinteresse da velha metrópole em relação à suas ex-colônias, como

bem assinala David Birmingham, “depois da revolução, Portugal não tinha

aspirações sérias a restaurar a sua posição em África à maneira do império

‘neocolonial’ francês. Uma amnésia nacional profunda cobriu quase tudo que

se relacionava com a África (...)”30. Naquele momento, o “Estado português

consumou uma opção política e econômica de fundo”,31 que era a de buscar a

integração à Europa a todo custo32.

Nesse contexto, as antigas colônias africanas são praticamente

esquecidas, e, embora continuassem a ser mencionadas nos meios de

comunicação “sua realidade pouca influência tinha na ação política e a geração

que lutara no mato atirava para trás as recordações, com uma amargura

reprimida, enquanto os jovens fingiam nada saber de África”.33 Do ponto de

vista econômico, as relações entre Portugal e os PALOP também refletiam este

30 BIRMINGHAM, David. História de Portugal: uma perspectiva mundial. Lisboa, Terramar, 1998, p. 234. 31 MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal – Portugal em Transe (Vol. 8). Lisboa, Editorial Estampa, 1994, p. 150. 32 Podemos relativizar um pouco este “virar de costas” para a África, quando se leva em consideração as profundas dificuldades políticas e econômicas que Portugal enfrentou após o 25 de Abril. Desta forma, o “esquecimento” da África não teria se dado somente pela vontade de deixar o passado colonial para trás, mas também pela própria situação de Portugal que impedia relações mais intensas com suas ex-colônias. Por outro lado, mesmo com a África tornando-se secundária para a política externa portuguesa, é importante ressaltar que, nos anos seguintes às independências, diversos profissionais portugueses, remunerados por seu governo, foram para os PALOP para ajudar na construção daqueles novos Estados. Portanto, o “abandono” dos assuntos africanos não foi tão radical assim. 33 BIRMINGHAM, David. op. cit., p. 237.

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desinteresse pela África, com os números do comércio entre eles sendo

mantidos em níveis bastante modestos, como se pode ver pelo seguinte

quadro:

O comércio de Portugal com os PALOP depois de 197334

Ano Importações Exportações

1973 9,7% 14,6%

1976 2,3% 4,9%

1983 0,5% 4,5%

O Brasil, a esta altura, era como se fizesse parte de um passado remoto.

O antigo (e mítico) “sonho imperial” português parecia ter ficado para trás,

como uma vaga e nostálgica lembrança, em meio à euforia gerada pela nova

condição de “ser Europa”.

Assim, é somente no final da década de 1980, com a integração à Europa

praticamente concretizada, Portugal ensaia um retorno a uma “política

atlântica”, desta vez dentro de novos parâmetros, procurando estabelecer com

suas ex-colônias uma nova relação baseada na língua, na civilização e na

cultura Com isso, retoma-se a antiga idéia da “Comunidade lusófona”, pois

conforme expressou Mário Soares, Presidente de Portugal, em 1990, quando

declarou que era “hora de regressar à África”.35 Com a integração de Portugal à

UE, essa comunidade adquire também dimensões políticas e econômicas,

como já destacava Agostinho da Silva, uma espécie de “pai-fundador” da

Comunidade, ao afirmar, em 1986, que o “importante é que as raízes comuns 34 CAHEN, Michel. “Le Portugal et l’Afrique: le cas des relations luso-mozambicaines (1965-1985)”. Afrique contemporaine, Janeiro-Fevereiro-Março 1986, p. 1-55 apud ENDERS, Armelle. História da África Lusófona. Mem Martins, Editorial Inquérito, 1997, p. 128. 35 ENDERS, Armelle. Idem. p. 128.

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se mantêm; agora, que tudo mudou, é que se vai fazer o relacionamento,

através, sobretudo das ligações econômicas”, ressaltando também a

importância desta comunidade “para a posição de Portugal na CEE e para a

modificação de bastante coisas na Europa”.36 É nesse contexto que devemos

entender os esforços portugueses pela criação de uma Comunidade de Países

de Língua Portuguesa.

É bem verdade que no início daquela década, essa idéia já estava sendo

colocada, como se pode notar, por exemplo, no discurso do então Ministro dos

Negócios Estrangeiros de Portugal, Jaime Gama, durante uma visita a Cabo

Verde, em 1983:

O processo mais adequado para tornar consistente

e descentralizar o diálogo tricontinental dos sete

países de língua portuguesa espalhados por África,

Europa e América seria realizar cimeiras rotativas

bienais de Chefes de Estado ou Governo,

promover encontros anuais de Ministros de

Negócios Estrangeiros, efetivar consultas políticas

freqüentes entre diretores políticos e encontros

regulares de representantes na ONU ou em outras

organizações internacionais, bem como avançar

com a constituição de um grupo de língua

portuguesa no seio da União Interparlamentar.37

No entanto, nesse momento, a construção de uma Comunidade Lusófona

estava muito mais - por todas as questões levantadas anteriormente – no

campo da retórica, do que no das possibilidades práticas.

É importante ressaltar que desde antes da Revolução dos Cravos (1974) e

do processo de descolonização do Império Português que se seguiu à ela ,

36 BRAGA, José Alberto (Coord.). op. cit., p. 30-31. 37 CPLP – A HISTÓRIA. Disponível em: www.cplp.org.

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discutia-se qual deveria ser o caminho de Portugal: a Europa ou o Atlântico. A

“opção européia”, que se concretiza a partir de 1976, apresenta para Portugal

novas possibilidades de desenvolvimento e de redefinição de sua inserção

internacional. Porém, apesar de integrado a um dos centros do sistema

capitalista e de, efetivamente, ter havido uma evolução dos indicadores

econômicos e sociais do país, a posição de Portugal – sob qualquer ângulo que

se olhe - continua sendo a de um país periférico dentro do sistema:

Pensando-se a inserção internacional do país a partir da perspectiva da

distribuição internacional do poder e entendendo que “a dinâmica das relações

internacionais é ditada pela lógica da maximização de poder por parte dos

Estados” 38, Portugal, mesmo integrado à Europa, continua a ser uma “pequena

potência”, com um território reduzido, população modesta, baixo

desenvolvimento tecnológico e escassos recursos naturais, enfim, um Estado,

segundo a definição de Aron, com pouquíssima capacidade de impor sua

vontade ou de exercer influência política sobre os demais.39

Portanto, a redefinição do papel internacional de Portugal passa,

necessariamente, pela capacidade do Estado português de utilizar em seu

favor algumas possibilidades que a ordem internacional lhe apresenta ou,

utilizando os conceitos desenvolvidos por Renouvin e Duroselle, saber lidar

com as “forças profundas” que determinam as relações internacionais.40 Desta

maneira, o que ele tem a seu favor, além de uma posição geográfico-

38 GONÇALVES, Williams. “O Campo Teórico das Relações Internacionais”. In: BRIGAGÃO, Clóvis (Org.). Estratégias de Negociação Internacional – Uma Visão Brasileira. Rio de Janeiro, Aeroplano, 2001, p. 97. 39 ARON, Raymond. Paz e Guerra entre as Nações. 2o edição, Brasília, Editora da UnB, 1986, p. 100. 40 RENOUVIN, Pierre e DUROSELLE, Jean-Baptiste. Introdução à História das Relações Internacionais. São Paulo, DIFEL, 1967. Ao longo desta obra clássica, os autores analisam as “forças profundas” que determinam as relações internacionais e a ação diplomática dos Estados, bem como a maneira como os Homens-de-Estado (e o próprio Estado) podem lidar com as mesmas e utilizá-las em seu favor.

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estratégica privilegiada, são as possibilidades que a integração à União

Européia - articulada com as suas ligações históricas e culturais com os países

lusófonos do Atlântico do Sul - lhe proporciona de renegociar o seu papel no

Sistema Internacional. Nessa perspectiva, dentro da estratégia de atuação do

Estado Português na cena internacional, a sua participação no espaço

comunitário europeu e a implementação de uma “política atlântica”, com a

construção de um “espaço da Língua Portuguesa” não são excludentes – como

se polemizava até a década de 1970 – ao contrário, são complementares.

Assim, para Portugal, a lusofonia “não é uma idéia alternativa à idéia de

Europa, nem o projeto lusófono existe para ser um projeto alternativo ao projeto

europeu”41, mas algo que apresenta importância estratégica, em todos os seus

aspectos – políticos, econômicos, culturais - para Portugal “afirmar a sua

presença no diálogo internacional e deixar de ser um mero Estado-cliente”.42

Do ponto de vista ideológico, a constituição da CPLP passa pelo discurso

calcado na idéia de uma “herança cultural comum” que enfatiza os laços

históricos que unem os países que a compõe, destacando a questão identitária,

na qual a Língua Portuguesa adquire um papel fundamental. Com isto, dentro

da estratégia de atuação do Estado português, é necessário que a Língua

Portuguesa consolide-se como a quinta ou sexta língua mundial, impedindo

que o espanhol torne-se o único idioma representativo da cultura ibero-latino-

americana, reforçando assim o papel de Portugal no cenário internacional:

41 MENDES, Luís Marques. “Que Desafios Estratégicos para Portugal, no Virar do Milênio”. In: Lusíada – Revista de Ciência e Cultura – Série de Relações Internacionais (01). Porto, Universidade Lusíada do Porto, 2000, p. 140. 42 FERNANDES, Antônio José. “Portugal e o Sistema Mundial de Poderes”. In: Lusíada – Revista de Ciência e Cultura – Série de Relações Internacionais(01). Porto, Universidade Lusíada do Porto, 2000, p. 38.

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Vista pelo ângulo dos portugueses, não se pode

deixar de aceitar a questão da unidade lingüística

com Brasil e África como crucial, pois é aí que

podem manobrar com o peso dos grandes

números - e com a possibilidade de se impor em

todo o globo como uma da meia-dúzia de línguas

de cultura.43

Em seus aspectos econômicos, a CPLP oferece, a Portugal, a

possibilidade de servir de intermediário entre a Europa e os países de Língua

Portuguesa, funcionando também como uma ponte entre a UE e os organismos

e/ou blocos regionais a que os países lusófonos encontram-se integrados como

o MERCOSUL e a SADCC (Conferência de Coordenação para o

Desenvolvimento da África Austral). Dentro desta perspectiva, as relações

econômicas entre Portugal e os outros Estados-membros da CPLP têm se

intensificado, como se comprova pelo fato de Portugal ser, atualmente, o sexto

maior investidor estrangeiro no Brasil, com o total de investimentos em nosso

país representando cerca de um terço de todo o investimento português no

estrangeiro, a partir de 1996.44 Em relação aos PALOP, os investimentos

portugueses também aumentaram consideravelmente, a partir dos anos 90,

com as empresas portuguesas aproveitando as possibilidades que a integração

à Europa lhes oferece:

Os investimentos de Portugal nos Cinco cresceram

consideravelmente nos últimos anos, devido,

principalmente a integração européia, que

possibilitou às empresas portuguesas o acesso aos

mecanismos previstos nas Convenções de Lomé; o

43 GALVÃO, Walnice Nogueira. Desconversas (Ensaios Críticos). Rio de Janeiro, Editora da UFRJ, 1998, p. 199. 44 CERVO, Amado e MAGALHÃES, José Calvet de. Depois das Caravelas: as Relações entre Portugal e Brasil (1808-2000). Brasília, IBRI/Editora da UnB, 2000, p. 340.

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surgimento de mecanismos e entidades

especificamente orientados para fomentar os

investimentos de empresas nacionais no

estrangeiro; linhas e seguros de créditos,

sociedade de capitais de risco, o Programa de

Apoio à Internacionalização das Empresas

Portuguesas(PAIEP) e a criação do Fundo para a

Cooperação Econômica.45

Este crescimento dos investimentos portugueses no mundo lusófono

apresenta, porém, dois problemas que devem ser considerados:

1- Esses investimentos estão sendo feitos, essencialmente, por empresas

privadas, dentro da lógica da economia capitalista e da internacionalização

do capital. A capacidade de investimentos do Estado português continua

reduzida, mesmo com a integração à Europa e, dessa forma, a sua

participação em projetos de desenvolvimento e cooperação com o mundo

lusófono – principalmente os PALOP – fica limitada;

2- Estas relações econômicas de Portugal com os países de Língua

Portuguesa têm sido travadas muito mais no âmbito das relações bilaterais

com o Brasil e com os PALOP, do que dentro do espaço comunitário que a

CPLP poderia proporcionar. Assim se, sob o ângulo português, a criação

da CPLP foi um acontecimento histórico, “a sua existência tem sido uma

assinalável frustração”.46

45 SOBRINHO, Pedro da Silva Feijó. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: Institucionalização e relações culturais, político-diplomáticas e econômicas. Rio de Janeiro, Revan, 1997, p. 102. 46 MENDES, Luís Marques. op. cit., p. 141.

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33

Em relação à perspectiva de assumir um papel de “intermediário” entre a

UE e a CPLP, Portugal esbarra nas limitações de seu papel secundário no

Sistema Internacional e dentro da própria UE, apesar da propalada igualdade

de status jurídico dos Estados signatários do Tratado de Maastricht. Dessa

forma, as principais potências européias como a Inglaterra, a Alemanha ou a

França, caso seja interessante para elas, podem perfeitamente atuar nas ex-

colônias portuguesas, sem recorrer à intermediação de Portugal. Sob certos

aspectos, isto já vem acontecendo, devido, fundamentalmente, à limitada

capacidade de investimentos do Estado português, como se pode ver pela

aproximação de ex-colônias portuguesas, como Guiné ou Moçambique, das

áreas de influência francesas ou britânicas, na perspectiva de conseguirem

recursos para seus projetos de desenvolvimento, como assinala Adriano

Moreira:

É assim que o Brasil não pode deixar de pertencer

ao MERCOSUL e disputa com a Argentina a

relação preferencial com os EUA, que Cabo Verde,

S. Tomé e Guiné foram atraídos para a Zona do

franco francês; que Angola não poderá furtar-se ao

grande espaço sonhado pela África do Sul; que

Moçambique entrou na Comunidade Britânica, que

Timor arrisca a integração traçada pela

Indonésia.47

Todos esses fatores limitam a intervenção de Portugal no cenário

internacional, fazendo com que as intenções do Estado português sejam

maiores do que a sua capacidade real de ação. Assim, mesmo alguns pontos

47 MOREIRA, Adriano. “Sobre o Conceito Estratégico Nacional”. In: Lusíada – Revista de Ciência e Cultura – Série de Relações Internacionais(01). Porto, Universidade Lusíada do Porto, 2000, p. 15. É importante ressaltar que, após 1998 – ano em que foi escrito este texto –, os desdobramentos dos acontecimentos no Timor-Leste apontam a entrada deste em uma esfera de influência australiana.

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que no passado lhes foram favoráveis, como a posição geopolítica privilegiada

dos Açores, perderam parte de sua importância com o fim da Guerra Fria e

com a nova ordenação de forças do Sistema Internacional. Sob o aspecto

político-estratégico, resta a Portugal, utilizando a sua posição geográfica

favorável, a possibilidade de funcionar como elemento de ligação entre o

Atlântico-Norte e o Atlântico-Sul, dentro de uma política de segurança global:

(...) vista a proliferação de soberanias nas duas

margens do Atlântico Sul, e o inevitável

florescimento de políticas específicas, de cada

uma, aparece a necessidade de articular

formalmente a segurança desse mar com o

Atlântico Norte, e de novo o triângulo estratégico

(português) chama o país para a situação de

Estado de fronteira e articulação.48

Além disto, ele poderia funcionar, também, como elemento de

articulação entre a Europa e os EUA, no momento em que o continente

europeu, acelerando a busca da unidade política e assumindo uma política

externa e de segurança comum, “aprofundou a rivalidade nunca extinta com os

EUA dando vida à doutrina dos Dois Pilares dentro da Aliança Atlântica".49

Em vista disto, dentro de uma estratégia de aumentar sua capacidade de

ação no cenário internacional, o Estado português necessita incentivar a

utilização do espaço comunitário da CPLP, como local de ações econômicas e

políticas. Por isso, ele tem tido um grande empenho não só na construção

desse espaço comunitário, mas também na elaboração de uma política cultural

agressiva, expressa pela atuação do Instituto Camões, em todo o mundo, além

48 Idem. p. 17. 49 Idem.

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articulação das comunidades portuguesas espalhadas por todos os

continentes. O Estado Português tem plena consciência de que para

renegociar o seu papel no Sistema Internacional - superando os limites a que,

historicamente, está submetido - necessita utilizar, de forma concreta, as

possibilidades geradas pelo seu pertencimento a uma Europa integrada, bem

como pela herança cultural que deixou espalhada pelo mundo durante o seu

período imperial. Assim, para Portugal, a constituição da CPLP, sob sua

hegemonia, adquire uma importância estratégica para definir o seu “lugar” no

mundo contemporâneo, podendo funcionar como “moeda de troca” e como

trunfo político, dentro da UE e dos outros organismos internacionais a que

pertence.

Sob esta perspectiva, o Estado português tem utilizado a “margem de

manobra” que a integração à Europa lhe propicia para articular o mundo

lusófono, “margem de manobra” esta que ele, isoladamente, não teria. Assim,

como escreveu Williams Gonçalves:

(...) explorando todas as oportunidades que o

pertencimento à União Européia lhe oferece,

Portugal tem buscado ocupar o lugar que, de

direito histórico, considera seu. Embora sem força

econômica suficiente para atuar como uma

verdadeira potência neocolonial, Portugal luta para

exercer a liderança da Comunidade”.50

Com tudo isso, podemos afirmar que a articulação da CPLP é um dos

aspectos fundamentais da política externa portuguesa nos últimos anos e que,

50 GONÇALVES, Williams. “Brasil e Portugal: Diplomacia e Política”. In: SANTOS, Gilda (Org.) Brasil e Portugal: 500 anos de enlaces e desenlaces – Revista Convergência Lusíada 17 (Número Especial). Rio de Janeiro, Real Gabinete Português de Leitura, 2000, p. 401.

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de certa forma – pensando a partir da reflexão de Eduardo Lourenço, quando

ele afirma que, através do “conceito ou idéia mágica da Lusofonia” os

portugueses sonham com a união do espaço da Língua Portuguesa para

“resistir melhor à pressão de outros espaços lingüísticos”, fazendo com que

isto seja, “para eles, razão mais do que suficiente para desejarem que exista,

com um esplendor real e onírico, comparável ao do Quinto Império pessoano,

a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”51 - ela traduz uma releitura,

sob nova perspectiva, do velho “sonho imperial” português.

1.2. O Brasil e a CPLP: o discurso e a prática.

Apesar dos esforços portugueses, a constituição da CPLP tem esbarrado

em algumas outras questões relacionadas não só a Portugal, mas aos outros

atores que dela fazem parte. Uma delas é que, para Portugal, a sua

hegemonia dentro da CPLP é uma espécie de “direito histórico”. O problema é

que, em uma Comunidade onde o elemento fundamental de identidade entre

seus membros é a Língua Portuguesa, não se pode ignorar que cerca de 80%

dos falantes deste idioma encontram-se em um único de seus Estados-

membros: o Brasil. Com isto, existe a possibilidade, temida por Portugal, de

que a CPLP gravite em torno de outro centro. Porém, até o momento, estes

temores acabam sendo infundados, pois no âmbito da sua linha de política

externa, o Brasil não tem demonstrado ter grandes pretensões de hegemonia

dentro da Comunidade, até por que, para o Itamaraty, a CPLP tem sido uma

questão absolutamente secundária, apesar de uma certa mudança na inflexão

da política externa brasileira em direção a uma maior aproximação com a Ásia

e a África, desde o início do governo de Luís Inácio Lula da Silva, em 2003.

51 LOURENÇO, Eduardo. A Nau de Ícaro. São Paulo, Cia. Das Letras, 2001, p. 166.

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Por sinal, é importante que se faça uma breve análise de como tem sido a

atuação do Brasil no processo de construção da CPLP, pois de certa forma

esta (não) atuação tem contribuído sobremaneira para o retardamento da sua

consolidação no plano prático.

Como colocado anteriormente, a Política externa brasileira fez sua opção

preferencial - desde o início da década de 1990 - pelas relações com o

chamado “Primeiro Mundo”, por um lado, e pelos esforços de integração latino-

americana através da criação do MERCOSUL, por outro, dentro de uma

estratégia de inserção do país na economia globalizada, sob a égide do

neoliberalismo. Na opção feita pela “modernidade neoliberal” e pela abertura

indiscriminada ao capital internacional, a partir do governo Collor, não existiam

grandes espaços para a articulação do mundo lusófono, visto que para

“recolocar o país nos trilhos do desenvolvimento e da modernidade capitalista”,

o fundamental é o “relacionamento preferencial com as economias ocidentais

avançadas”.52 Dentre outras questões, este fato gerou a ausência de uma

Política Cultural por parte do governo brasileiro, que valorize a nossa língua e a

nossa cultura no exterior, como registra Walnice Nogueira Galvão:

A situação atual da cultura brasileira no exterior

dificilmente se poderia imaginar mais desastrosa.

Em declínio desde os anos 70, certamente a

política cultural, ou melhor, anticultural, de uma

recente presidência de infame memória acabou por

liquidá-la.53

52 Esta análise da visão de política externa do Governo Collor é feita por: SARAIVA, José Flávio Sombra. O Lugar da África – A dimensão atlântica da política externa brasileira (de 1946 a nossos dias). op. cit., p. 222. 53 GALVÃO, Walnice Nogueira. Desconversa (Ensaios Críticos). Rio de Janeiro, Ed. da UFRJ, 1998, p.193.

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Esta situação não sofreu grandes alterações no governo Fernando

Henrique Cardoso, em que a articulação do mundo lusófono e a formulação de

uma política cultural no exterior, continuaram sendo questões secundárias.

Apesar da existência de diversos interesses econômicos comuns entre o Brasil

e outros países da CPLP – principalmente Portugal e Angola -, o governo

brasileiro ao invés de priorizar o espaço comunitário, optou pelo

estabelecimento de relações bilaterais. Quanto a uma política cultural brasileira

no exterior recorremos, novamente, à Walnice Galvão que afirma que:

Nesse terremoto universal de fim de milênio, a

presença do Brasil na cena internacional

desapareceu. A anedota brasileira corrente de que

o Brasil ”caiu” no Quarto Mundo, ou de que saiu do

mapa, parece infelizmente ser mais que um jogo

de palavras.54

Assim, a CPLP que poderia funcionar, para o Brasil, como um espaço

privilegiado sob os pontos de vista político-diplomático e econômico, acaba

ficando muito mais no campo dos discursos e intenções do que no campo

prático:

A unidade da Lusofonia, tão cara aos portugueses,

interessa-nos por outras razões. E principalmente,

em termos crus de “Realpolitik”, por reiterar nossos

nexos com um país da CEE.55

Na perspectiva de Adriano Moreira, uma das preocupações fundamentais

dos pequenos Estados – e cremos que também de potências médias como o

Brasil – deve ser o pertencimento a diversos organismos internacionais, com

54 Idem. p. 195. 55 Idem. p. 200.

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objetivo de “estar presente em todos os centros de decisão coletiva,

adestrando em tal sentido as representações, e usando o poder do número

com sabedoria”.56 Ora, indiscutivelmente o Brasil é o mais importante dos

Estados-membros do MERCOSUL e pode ser considerado uma potência

regional dentro da América Latina. Assim, para os defensores brasileiros da

CPLP, esta comunidade, do ponto de vista econômico, poderia funcionar como

um espaço de intermediação entre os blocos econômicos a que seus membros

pertencem, principalmente entre o MERCOSUL, a UE e a SADCC. Já sob o

ponto de vista político-estratégico, a CPLP poderia desempenhar um papel

fundamental na segurança do Atlântico Sul, em um momento em que as

questões econômicas, as quais tendiam a dar a tônica das relações

internacionais no século XXI, cedem espaços aos problemas da política e da

segurança global.

Sendo assim, via CPLP, o Brasil poderia formar com a África do Sul e

com Angola um triângulo estratégico no Atlântico Sul. No entanto, sob esta

perspectiva de análise, a ausência de um projeto nacional autônomo e as

vinculações aos interesses do capital internacional – ao longo de toda a

década de 1990 - fizeram com que o Estado brasileiro não priorizasse

questões fundamentais para uma estratégia de desenvolvimento nacional e de

renegociação de nosso papel no Sistema Internacional.

Desta forma, a “dimensão atlântica” da política externa brasileira teve o

seu papel cada vez mais diminuído, ao contrário das décadas de 1960 e 1970,

em que a África desempenhava um papel central na política desenvolvida pelo

56 MOREIRA, Adriano. op. cit., p. 19.

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Itamaraty, principalmente durante a gestão do Ministro Gibson Barbosa, na

primeira metade da década de 1970:

Por esse mesmo tempo, acentuava-se a tendência

de aproximação com a África independente, pelo

crescente interesse que representava segundo as

informações acumuladas no Itamarati, como

parceiro econômico, político, cultural e histórico. As

trocas de visitas evidenciavam tais afinidades,

traindo aspirações mútuas de estreitamento.57

Dessa maneira, até o início do atual governo, a política africana no Brasil

foi perdendo importância, tendo sido adotada uma prática de opções seletivas

de parceiros naquele continente em que se destacam a Nigéria, a África do Sul

e, secundariamente, Angola58.Com isto, países como Moçambique, S. Tomé e

Príncipe, Guiné-Bissau e Cabo Verde, não representavam áreas de interesse

para o Brasil em África, o que esvaziava o papel que a CPLP poderia

representar no âmbito da política externa brasileira.

Portanto, se nos governos José Sarney e Itamar Franco, o governo

brasileiro ainda demonstrou algum empenho – muito mais devido à iniciativas

individuais como as do Embaixador José Aparecido de Oliveira – na

construção da CPLP, durante os oito anos da presidência de Fernando

Henrique Cardoso este empenho esteve muito mais nos discursos oficiais do

que em ações concretas, com o Brasil preferindo priorizar as relações

bilaterais com Portugal e Angola, do que investir na construção do espaço

comunitário. Tal desinteresse apareceu, pelo menos aos olhos de diversos

observadores, com a indicação de Dulce Maria Pereira para ocupar a

57 CERVO, Amado Luiz e BUENO, Clodoaldo. História da Política Exterior do Brasil. op.cit., p. 379. 58 Ver a análise de José Sombra Saraiva In: SARAIVA, José Flávio. O Lugar da África. op. cit., p. 217-239.

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Secretaria-Executiva da organização entre os anos de 2000 e 2002, indicação

esta que não foi muito bem recebida, principalmente em Portugal.

Nos quatro últimos anos com a chegada do Partido dos Trabalhadores e

de Luís Inácio Lula da Silva à Presidência da República, a África e o mundo

não-desenvolvido voltaram a ser áreas de grande interesse para os

formuladores da política externa brasileira. Elegendo a luta pela reestruturação

da ONU (Organização das Nações Unidas) e a conseqüente obtenção pelo

Brasil de um assento permanente no Conselho de Segurança como uma de

suas prioridades, o governo brasileiro tem procurado obter apoio internacional

para esta reivindicação, principalmente junto aos chamados países pobres da

África, Ásia e América Latina. Além disto, o Brasil tem procurado assumir a

liderança desses países na luta por melhores condições no comércio – como

se pode ver em iniciativas como a criação do G-20 - e por uma ordem

internacional mais igualitária. No entanto, mais uma vez, dentro destes

projetos o espaço comunitário da CPLP não parece ser prioritário, com o

Itamaraty optando por dar continuidade à política de relações bilaterais ou de

alianças conjunturais em fóruns internacionais.

1.3. A CPLP na perspectiva de seus demais atores: Os PALOP e o Timor-

Leste.

Ao analisarmos as perspectivas dos PALOP em relação à CPLP, devemos

levar em consideração a existência de algumas dificuldades bastante claras

para a sua participação efetiva no processo de sua construção. Em primeiro

lugar, deve-se considerar que algumas feridas do período do colonialismo

ainda não se encontram completamente fechadas entre os povos africanos e,

por causa disto, a Comunidade é encarada com uma certa desconfiança por

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setores das sociedades desses países, que vêem nela uma espécie de

“Império Colonial Português revisitado”. Estes setores encaram o discurso da

lusofonia como uma releitura do velho luso-tropicalismo de Gilberto Freyre,

que serviu de base ideológica para a dominação colonial portuguesa durante o

Estado Novo Salazarista:

Durante todo o período que antecedeu a criação da

Comunidade dos Países de Língua Portuguesa –

CPLP (“inocentemente” chamada por várias vezes

Comunidade lusófona, lusofonia ou, pelos

saudosistas do império, Comunidade lusíada), a

par de posições mais esclarecidas, foram inúmeras

as declarações que explícita ou camufladamente

ressuscitaram o lusotropicalismo, aparentemente

sem sequer se darem conta do choque provocado

em alguns de seus parceiros africanos.59

Outra questão a se considerar é o fato – que não pode ser ignorado – de

que a participação destes países na Comunidade fica bastante limitada pelos

sérios problemas internos que eles enfrentam:

1- Em Angola - indiscutivelmente o mais importante dos PALOP, quer do

ponto de vista econômico, quer do ponto de vista geopolítico -, uma

guerra civil que durou 27 anos (1975-2002), sem contar os anos de luta

pela independência (iniciada em 1961), destruiu totalmente a economia

e a infra-estrutura física do país, além de deixar milhares de mortos e

mutilados de guerra, sem contar as cerca de 10 milhões de minas

terrestres plantadas pelos grupos beligerantes e que ainda hoje causam

59 NETO, Maria da Conceição. “Ideologias da Colonização de Angola”, In: Lusotopie 1997 – Lusotropicalisme: Ideólogies coloniales et identités nationales dans les mondes lusophones. Paris, Éditions Karthala, 1997, p. 329.

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vítimas e são motivos de preocupação para o governo e a população.

Nos últimos anos, apesar dos avanços políticos – com o

estabelecimento de uma democracia pluripartidária e do fim da guerra

civil – e econômicos – com o restabelecimento gradual das atividades

agrícolas e a crescente exploração de petróleo -, boa parte do país

ainda permanece destruída e os problemas sociais são gravíssimos: o

índice de analfabetismo é superior a 60% da população, o desemprego

está na faixa de 60% da PEA, cerca de 67% da população vive abaixo

da linha da pobreza e o IDH do país é um dos mais baixos do mundo

(Angola, em 2002, ocupava o 1460 lugar na tabela deste índice).

2- A Guiné-Bissau - local onde a luta anti-colonialista foi mais intensa

dentro do Império Português e berço de Amílcar Cabral, fundador do

PAIGC e um dos mais brilhantes pensadores políticos africanos - vive

há mais de uma década, uma sucessão de crises políticas marcadas por

golpes de Estado, guerras civis e intervenções militares, que geram

grande instabilidade nesse pequeno país, agravando ainda mais os

problemas sociais nele existentes. Desde o fim do regime de partido

único, em 1991, e da realização de eleições pluripartidárias, em 1994,

nenhuma força política conseguiu uma hegemonia clara no país, tendo

como agravante o fato do outrora poderoso PAIGC ter se tornado a

terceira força política do país, aumentando as tensões na Guiné-Bissau,

principalmente a partir de 1998. De economia predominantemente

agrícola e com escassos recursos naturais, a Guiné-Bissau possui uma

das rendas per capita mais baixas do mundo e entre os efeitos das

crises e guerras civis estão a redução do PIB em 28% em relação ao

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ano de 1997. Atualmente, a CPLP e outras organizações como a União

Africana têm procurado mediar o conflito, negociando com os lados

beligerantes e buscando uma solução consensual, como se fez em

outubro de 2004, quando foi negociado um acordo de paz entre o

governo guineense e soldados amotinados. No entanto, a estabilidade

política e a paz interna ainda estão longe de serem alcançadas.

3- Moçambique, na costa oriental da África, também enfrentou 16 anos de

guerra civil encerrados no início da década de 1990, após a aprovação

de uma constituição que acabava com o regime de partido único,

existente desde a independência em 1975, e que promovia a abertura

econômica do país, dando fim a uma frustrada experiência socializante.

No entanto, esta abertura econômica e a conseqüente aproximação com

o ocidente – inclusive com a aplicação de ajustes estruturais, no final da

década de 1980, nos ditames do BIRD e do FMI – não trouxeram

melhorias significativas nas condições de vida da população

moçambicana. Embora, com o fim da guerra civil, as populações

camponesas – cerca de 80 por cento da população total – tenham

podido regressar às suas terras e ao seu trabalho, a situação ficou longe

da normalidade visto que, da mesma forma que em Angola, boa parte

dos campos ainda se encontra minada - calcula-se que cerca de dois

milhões de minas foram colocadas em solo moçambicano. Além disto, a

reconversão à vida civil dos grupos combatentes fez com que

aumentasse enormemente o banditismo e a criminalidade.60 Assim,

apesar de possuir grandes recursos naturais, Moçambique possui

60 ENDERS, Armelle. op.cit., p. 120.

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indicadores sociais extremamente negativos, com 2/3 da população de

cerca de 17 milhões de habitantes vivendo abaixo da linha da pobreza.

4- São Tomé e Príncipe e Cabo Verde, os dois menores Estados africanos

que fazem parte da CPLP, comungam da maior parte dos problemas

das demais ex-colônias portuguesas, porém com menor instabilidade

política e melhores indicadores econômicos, tanto no caso de São Tomé

– que tem um potencial petrolífero bastante significativo que começou a

ser explorado no final da década de 1990, através do estabelecimento

de joint-ventures entre o governo e empresas petrolíferas norte-

americanas - quanto no de Cabo Verde, devido ao seu potencial turístico

e a sua posição geográfica estratégica entre a África e a América. No

entanto, o IDH desses países, apesar de melhores que os de boa parte

dos demais países africanos, permanece em níveis bastante

insatisfatórios. Cabo Verde enfrenta, ainda, o problema da excessiva

dependência externa devido à escassez de água e terras aráveis, o que

fazia com que, na década de 1980, cerca de 90% dos alimentos

consumidos no país fossem importados. Desta forma, a economia do

país se mantém graças à ajuda externa – que já chegou a representar

metade do PIB de Cabo Verde – e das remessas dos emigrantes, que

se refletem principalmente no setor da construção civil.

Este quadro deixa claro que o principal interesse dos PALOP é o

estabelecimento de parcerias internacionais que lhes permitam buscar o

desenvolvimento econômico e a resolução de seus graves problemas sociais.

Neste aspecto, a participação na CPLP não apresenta nenhum atrativo

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especial para estes países, visto que o seu principal ator – Portugal – tem uma

capacidade de investimento bastante reduzida se comparada com a de outros

países da União Européia ou com os EUA, de quem os PALOP têm se

aproximado em busca de parcerias estratégicas. É neste contexto que

devemos entender o movimento de ingresso de Moçambique na British

Commonwealth, em 1995, e de aproximação, inclusive do ponto de vista

cultural, da Guiné-Bissau em relação à África Francófona.

Se Portugal, que se constitui no principal ator da Comunidade e a parte

mais interessada na consolidação da mesma, não tem condições materiais

(apesar de suas grandes pretensões) de fornecer a cooperação requerida

pelos PALOP, o outro grande ator da CPLP – o Brasil – não a tem como

prioridade além de também não possuir grandes condições de investir na

África, como desejam e necessitam esses paises. Dessa maneira, o Brasil tem

adotado uma política de investimentos seletivos na região, através do

estabelecimento de parcerias pontuais, motivados por interesses econômicos

ou políticos - como a recente busca por apoio para a obtenção de um assento

permanente no conselho de segurança da ONU – dos quais pode se citar a

liberação de U$ 650 mil para programas de cooperação econômica e social

com São Tomé e Príncipe, durante a quinta Cimeira dos Chefes de Estado e

Governo da CPLP realizada naquele país, em julho de 2004. Assim, a

esperança de consolidação da CPLP pelo viés econômico, expressa por

Agostinho da Silva61, em meados da década de 1980, ou mesmo por

documentos oficiais de Estados-membros da Comunidade parece estar longe

de se concretizar.

61 Ver a nota 36.

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Outros aspectos que devem ser levados em conta são aqueles que

envolvem questões identitárias e culturais bastante importantes como, por

exemplo, o fato de que em boa parte dos PALOP a Língua Portuguesa é

menos falada do que as línguas “crioulas” ou de origem africana – só em

Moçambique existem mais de trinta línguas e o português é a língua materna

de somente 5% da população. Além disso, a aproximação econômica com

países de outras esferas lingüísticas – como, por exemplo, Moçambique em

relação ao mundo anglófono ou Guiné-Bissau e Cabo Verde com o francófono

– faz com que a língua portuguesa venha perdendo espaço nesses países:

No sul de Moçambique, por exemplo, o inglês

exerce uma forte atração. Na Guiné-Bissau, o

francês ganha terreno graças à televisão. Na

terceira cimeira da francofonia em Dacar (1989) a

Guiné-Bissau decidiu fazer do francês a sua

segunda língua oficial, enquanto Angola, de que

uma parte do escol exilado no Zaire fez os seus

estudos nessa língua, seguia os debates.62

Assim, se consideramos a língua um elemento de fundamental

importância para a construção de identidades nacionais – na perspectiva de

algumas das definições clássicas da teoria política sobre a idéia de nação63 -

62 ENDERS, Armelle. op.cit., p 129. Na tradução portuguesa desta obra, por mim utilizada, foram colocadas pelo tradutor notas de rodapé que questionam estas afirmações. No entanto, outras fontes mencionam esta perda de espaço da língua portuguesa nos PALOP, como por exemplo: SOBRINHO, Pedro da Silva Feijó. op. cit., p. 58 ou MOREIRA, Adriano (ver nota 47). 63 Hoje esta visão praticamente não encontra eco, pois como assinala Francesco Rossollilo “(...) muitas Nações são plurilingües e que muitas línguas são faladas em várias Nações, que, além disso, o monolingüismo de determinadas nações, como a França ou a Itália, não é algo original ou espontâneo, e sim, pelo menos em parte, fruto da imposição de um Estado, pelo poder político, de uma língua falada apenas numa porção desse Estado...” In: BOBBIO, Norberto et alli. Dicionário de Política (2 Vol.). 50 ed., Brasília/SãoPaulo, Editora da UnB/Imprensa Oficial, 2000, p.796. No entanto esta idéia parece sobreviver no discurso oficial da lusofonia, que afirma a língua portuguesa não só como o elemento

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vemos que em boa parte dos PALOP esta idéia não pode ser aplicada. No

entanto, não se pode negar que, mesmo entre membros da elite africana, a

visão da língua como elemento de identidade e unidade nacionais, tem alguma

repercussão. Esta perspectiva pode ser notada, por exemplo, em um recente

trabalho acadêmico escrito por um diplomata angolano, que ocupa uma

posição de destaque na hierarquia do MPLA, partido hegemônico em Angola:

A percepção geral nos cinco Estados Africanos de

Língua Portuguesa sobre a CPLP é a seguinte:

a) a língua portuguesa constitui um instrumento de

integração e de unidade nacional, de afirmação de

identidade cultural e da independência nacional;

b) a língua portuguesa constitui o veículo principal

para a afirmação, aquisição de conhecimentos e de

comunicação com o mundo exterior.64

Isto nos remete à discussão das dificuldades do processo de construção

da idéia de nação nos países lusófonos da África, com exceção, talvez, de

Cabo Verde onde esta questão, pelas próprias características históricas da

colonização das ilhas, parece estar solucionada, como se depreende do

comentário de um conhecido intelectual cabo-verdiano, Germano de Almeida,

ao afirmar que “em Cabo Verde não padecemos dessa questão de identidade

(...) o cabo-verdiano orgulha-se de sua terra, sobretudo do nosso mar, do

nosso céu, de nossas secas”, e mais adiante “(...) esse não é um mérito nosso.

Aqueles que conhecem a condição cabo-verdiana saberão que Cabo-Verde fundamental da identidade nacional de seus Estados-membros, mas como o grande elemento de unidade cultural entre eles. 64 SOBRINHO, Pedro da Silva Feijó. op. cit., p.133. Por tudo o que temos discutido até agora, esta visão do autor – expressa em sua dissertação de mestrado em Relações Internacionais na UnB, que posteriormente foi transformada em livro – parece-nos ser bastante questionável, expressando a visão de somente uma parcela da intelectualidade e da diplomacia africanas. O próprio comportamento dos PALOP em relação à CPLP – notadamente o de Angola -, oscilando entre a adesão e a crítica, deixa isto claro, demonstrando as contradições do processo de construção de identidades nacionais em sociedades pós-coloniais, de características multi-étnicas.

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existe por teimosia dos portugueses”.65 Esta exceção só serve para confirmar

a percepção que nos PALOP trava-se uma disputa ideológica e uma luta

política em torno das premissas sobre as quais estão sendo construídas as

suas identidades nacionais, o que leva à formulações como as defendidas por

Feijó Sobrinho ou mesmo à “redescoberta crítica” do luso-tropicalismo de

Gilberto Freyre, por setores da elite moçambicana, na busca de explicações

para o entendimento de sua realidade social.

Todas estas questões referentes à África Lusófona funcionam como

complicadoras da adesão desses países à idéia da lusofonia e a construção

efetiva de uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa. Além disso, em

sua concepção original, a CPLP foi articulada a partir de uma perspectiva

equivocada, como destaca o escritor moçambicano no Mia Couto, a de que os

PALOP são visto como um todo, não sendo levadas em consideração as suas

especificidades nacionais, o que seria um equívoco grave na própria definição

das premissas básicas em que a Comunidade busca sustentação:

Um dos primeiros equívocos é o próprio nome que

a família leva: “afro-luso-brasileira”. Há aqui um

triângulo desigual, porque há dois vértices que tem

individualidade, Brasil e Portugal, e o “afro” é

geral.66

Dessa forma, a Comunidade já nasce com um “vício de origem”, o do

desconhecimento mútuo entre seus membros, o que a leva a ser erigida sobre

65 Sessão Plenária 1 “O que é esta tal comunidade? Identidade nacional nos territórios de fala portuguesa”, do IV Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. In: VILLAS-BOAS, Gláucia (Coord.). Territórios de língua portuguesa: culturas, sociedades, políticas – Anais do IV Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, IFCS/UFRJ, 1998, p. 35. 66Idem. p. 29.

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alicerces pouco sólidos, baseados em discursos, por vezes, míticos que não

encontram muita fundamentação na realidade concreta.

Por fim, não podemos deixar de fazer uma breve menção à perspectiva

timorense em relação à CPLP, visto que o Timor-Leste é o mais novo membro

dessa Comunidade. Com uma história recente bastante conturbada, o país

possui vários problemas em comum com os PALOP, mas também várias

especificidades que devem ser consideradas. Tendo sido ocupado pela

Indonésia em 1975, logo após a saída dos portugueses da região no pós-25 de

abril e a declaração unilateral de independência do Timor pela Frente de

Libertação do Timor-Leste Independente (FRETILIN) – organização marxista

de tendências maoístas -, com o discreto apoio da Austrália e dos EUA. Esse

apoio deveu-se à questões econômicas, geopolíticas e estratégicas como a

necessidade de impedir o surgimento de mais um governo de orientação

socialista no extremo-oriente, no contexto do confronto leste-oeste e da derrota

norte-americana no Vietnã; o interesse em fortalecer a ditadura do General

Suharto, na Indonésia, aliado na luta anti-comunista, que tinha receio que o

Timor independente pudesse estimular os movimentos autonomistas existentes

dentro de suas fronteiras e, finalmente, o potencial petrolífero do Mar do Timor,

no momento em que o mundo ocidental vivia sob os impactos da primeira crise

do petróleo.

È importante ressaltar que setores expressivos da sociedade e doa meios

políticos timorenses eram favoráveis à anexação pela Indonésia como a

Associação Popular Democrática Timorense (APODETI), uma das

organizações políticas existentes na região antes da retirada dos portugueses,

que no tumultuado ano de 1975 acabou estabelecendo uma frente anti-

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FRETILIN com setores da União Democrática Timorense (UDT), outro

agrupamento político que, a princípio, defendia o estabelecimento de uma

federação com Portugal. Este tumultuado quadro fornece ao governo do Gal.

Suharto os argumentos necessários para justificar uma intervenção militar na

região:

Nos documentos e declarações oficiais emanados

de Jacarta, a Fretilin é apontada como um grupo

minoritário que, com o beneplácito de Portugal,

iniciou ainda no primeiro semestre de 1975, uma

série de atos terroristas, com ameaças e

chantagens contra seus oponentes políticos 67.

Após a ocupação, que foi condenada formalmente pela comunidade

internacional através de várias resoluções da Assembléia-Geral da ONU, as

tropas indonésias iniciam um violento processo de perseguição e repressão a

todos aqueles que fossem suspeitos de terem ligações com a FRETILIN, cujos

homens foram obrigados a se retirar de Dili e das outras zonas urbanas do

Timor para a se retirar para as zonas montanhosas do centro da ilha, onde

estruturaram a resistência armada. Em junho de 1976, uma “Assembléia do

Povo” do Timor, formada por membros da UDT e da APODETI, solicita à

Indonésia a anexação oficial do Timor-Leste como sua 27o província.

Durante os anos seguintes à ocupação, cerca de 60 mil timorenses foram

mortos, em um genocídio de grandes proporções que começa a ser

denunciado, sistematicamente, aos organismos internacionais por membros da

resistência, notadamente aqueles ligados ao clero católico. Paralelamente, a

Indonésia procura consolidar o seu domínio sobre a região investindo nela

67 CUNHA, João Solano Carneiro da. A questão do Tmor-Leste:origens e evolução. Brasília, FUNAG/IRBr, 2001, p. 86.

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grandes recursos, o que levou o Timor-Leste a ter um crescimento econômico

médio de 6% ao ano entre 1983 e 1997. Além disto, estimulou-se a vinda de

transmigrados de outras regiões da Indonésia para o Timor – algumas

estimativas falam em 150 mil em uma população total de cerca de 750 mil

habitantes -, além de serem feitos grandes investimentos em educação, dentro

da perspectiva de formar nas novas gerações timorenses os “valores nacionais

indonésios”, estimulando o uso da língua bahasa – o idioma da unidade

Indonésia – e desestimulando, e por vezes reprimindo, o uso do tétum (dialeto

dos mauberes) e do português. Esta política acabou gerando uma situação

paradoxal, na medida em que o uso da língua portuguesa vai ser mantido por

aqueles que se recusavam à assimilação pela Indonésia, fazendo com que o

idioma do antigo colonizador passasse a ser, juntamente com a religião católica

(também herança portuguesa), o símbolo da resistência e da identidade

timorense.

Apesar das condenações formais da Comunidade Internacional à

Indonésia, durante muitos anos Portugal foi uma voz isolada em defesa do

Timor68, embora sem grande empenho. O caso timorense só começou a ser

vista com maior atenção pela opinião pública internacional, já na segunda

metade da década de 1980, quando, com o fim da guerra fria e do conflito

leste-oeste, questões como a defesa dos direitos humanos passaram a ser

encaradas como prioritárias na agenda internacional Isto contribuiu para que

68 Para muitos, Portugal – que vivenciava internamente uma forte instabilidade política característica do período imediatamente posterior à Revolução dos Cravos – foi o grande responsável pela situação do Timor-Leste por ter abandonado irresponsavelmente a região. Tal acontecimento, até hoje, é motivo de controvérsias em Portugal. Uma das mais importantes obras de referência sobre a História de Portugal produzida nos últimos anos – a “História de Portugal”, coordenada por José Mattoso – registra em seu oitavo (e último) volume – escrito pelo historiador e político José Medeiros Ferreira - sobre a questão do Timor-Leste simplesmente que “o caso mais difícil de analisar é o de Timor, por não ser claro o que se passou naquela ilha no verão de 1975 e por isso suscitar as maiores polêmicas dobre as atitudes das autoridades portuguesas”. In: MATTOSO, José (Coord.). op. cit., p.77.

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dois líderes da resistência timorense, José Ramos Horta e D. Ximenes Belo,

fossem agraciados com o Prêmio Nobel da Paz, em 1996. Com a criação da

CPLP, no mesmo ano, a questão do Timor-Leste passou a ser considerada

central pela nova organização e uma das primeiras propostas feitas pelo

representante português – em um momento em que Portugal já tinha passado

a atribuir uma grande importância à articulação do “espaço da lusofonia” - foi a

de incluir o Timor na Comunidade com o estatuto de membro-observador.

A possibilidade de conseguir a independência política surge, de fato, em

1998, com a queda do regime de Suharto na Indonésia, em meio a uma

violenta crise econômica e política. O novo governo indonésio acaba aceitando

a realização de uma consulta popular no Timor-Leste para definir os rumos da

região: a continuidade da anexação da Indonésia, porém com maior grau de

autonomia, ou a independência política. Em 30 de agosto de 1999, a

esmagadora maioria dos timorenses (78%) votou pela separação da Indonésia.

Em resposta, grupos de milicianos pró-Indonésia, apoiados por elementos das

forças armadas daquele país, empreenderam campanhas de incêndio,

pilhagem, violência e intimidação da população –com 1/3 da população sendo

obrigado a ir para campos de refugiados em Timor-Ocidental e em outras ilhas

vizinhas e outro 1/3 ido para as montanhas - só terminaram com a intervenção

das forças de paz das Nações Unidas.69 Grande parte da infra-estrutura do

Timor-Leste foi destruída e o país quase que totalmente devastado. Somente

em 30 de Agosto de 2001, dois anos após o referendo popular, os timorenses

puderam ir novamente às urnas para eleger a Assembléia Constituinte que teve

69 Pode se considerar que a ONU, responsável pela realização do plebiscito, teve uma certa parcela de responsabilidade nos acontecimentos pós-referendo, visto que a reação dos grupos pró-indonésios era bastante previsível. Entre a realização do plebiscito e a chegada das Forças de Paz da ONU passaram-se quase 30 dias.

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como função redigir a Constituição do país, criando condições para a

realização de eleições e a transição para a total independência, que se

concretiza em maio de 2002.

Com toda esta história recente de conflitos, a adesão do Timor ao ideal da

lusofonia e à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – da qual

atualmente já faz parte como membro efetivo – suscita algumas reflexões

importantes:

1- Por todas as questões discutidas anteriormente, o português hoje é

falado por somente cerca de 3% da população. Mesmo na época da

colonização portuguesa ele se restringiu a uma pequena elite

econômica ou religiosa (o clero católico), nunca tendo se tornado a

língua normal de comunicação Não se pode esquecer que até às

vésperas da saída dos portugueses da ilha cerca de 92% da população

era analfabeta, devido à ausência de políticas públicas de educação por

parte do Estado português, o que aliás não existia nem na metrópole,

que apresentava os maiores índices de analfabetismo da Europa

Ocidental. Este índice de falantes do português – menor inclusive que o

dos PALOP – leva, inclusive, a discussão de se o Timor pode ser

considerado um Estado Lusófono, ou se lá o português é apenas uma

língua residual como no antigo Estado da Índia ou em Macau. No

entanto, o governo timorense tem procurado reintroduzir o português no

país, não só por sua carga simbólica, mas por dar ao Timor o “acesso a

um veículo sólido e de penetração internacional”,70 posição que é

70 Mari Alkatiri, futuro Primeiro-Ministro timorense, em 1997, citado por: CUNHA, João Solano Carneiro da. op.cit, p.190.

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bastante discutível já que outros idiomas ocidentais podem

desempenhar este papel, inclusive com mais eficácia;

2- Tendo tido 85% de sua infra-estrutura destruída, principalmente durante

os acontecimentos de 1999, o Timor-Leste necessita enormemente de

investimentos estrangeiros, além de um grande contingente de mão-de-

obra qualificada. A vizinha Austrália tem sido responsável por boa parte

desses investimentos, estabelecendo parcerias com o governo

timorense em diversos setores, inclusive no potencialmente lucrativo e

estratégico setor petrolífero. A presença australiana já se fez sentir com

bastante força durante o período de administração da ONU na região,

com seus soldados representando o maior contingente das forças

internacionais, enquanto a participação portuguesa e de outros países

da CPLP foi bastante modesta, levando-se em consideração a

importância por eles atribuídas à questão do Timor. Isto faz com que a

língua inglesa venha ganhando cada vez mais espaço no país,

principalmente nas gerações mais jovens que a vêem – e não a língua

portuguesa – como seu canal de comunicação com o mundo.

A partir destas considerações pode-se perceber que no Timor, da mesma

maneira que na África, as pretensões portuguesas – expressas no ideal da

lusofonia - acabam esbarrando em suas limitações econômicas, já que a

reduzida capacidade de investimentos do Estado Português acaba não

conseguindo dar à Comunidade Lusófona o alicerce - em bases econômicas –

que só o discurso calcado em bases culturais não consegue dar.

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1.4. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: Desafios e

Possibilidades.

Como discutimos até agora, a institucionalização da CPLP e a sua

consolidação como um ator de certa importância no Sistema Internacional

enfrenta uma série de dificuldades, sendo a principal delas a de que dentre os

seus Estados-membros só um tem investido de fato na estruturação desta

Comunidade, enquanto os seus outros atores oscilam entre a indiferença e a

adesão limitada. Além disso, como reiteramos em diversos momentos ao longo

deste capítulo, as possibilidades deste ator principal – Portugal – alicerçar a

CPLP através de bases econômicas são bastante reduzidas, embora nos

últimos anos a margem de ação de Portugal tenha se ampliado

consideravelmente, com a integração à União Européia e o conseqüente

crescimento da economia portuguesa, bem como a internacionalização dos

grandes grupos econômicos daquele país. No entanto, Portugal continua sendo

somente um Estado de médio porte, que ocupa uma posição secundária no

concerto europeu e cujas pretensões de servir de “correia de transmissão”

entre a União Européia e a periferia africana de língua portuguesa esbarram no

simples fato de que as potências centrais não necessitam deste tipo de

intermediação, optando por estabelecer relações diretas com os PALOP, que

por sua vez também dispensam o papel a que se propõe Portugal.71

Deste modo, abre-se a possibilidade do Brasil assumir a liderança da

Comunidade, o que, de certa forma, seria algo bastante natural, visto que o

país é o maior Estado de língua portuguesa, possuindo uma identidade

71 É importante ressaltar que mesmo na época do Império Colonial, os recursos limitados do Estado Português fizeram com que ele abrisse as suas colônias africanas para a atuação de empresas belgas, inglesas, francesas, sul-africanas e norte-americanas, exercendo um papel subalterno em seus próprios domínios, caracterizando aquilo que Perry Anderson chamou ironicamente de “Condomínio Encoberto” ou “Imperialismo por procuração”. Cf. ANDERSON, Perry. Portugal e o fim do ultracolonialismo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966.

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nacional e uma unidade lingüística bastante definidas, além do que dos cerca

de 210 milhões de falantes do português, cerca de 170 milhões estão no

Brasil.72 Esta possível liderança do Brasil é vista com bastante simpatia pelos

PALOP, por questões óbvias que envolvem as cicatrizes e as feridas ainda

abertas deixadas pela colonização portuguesa, e uma natural identificação com

o Brasil, apesar do fato de que boa parte das lideranças africanas ainda ter a

percepção de que “no Brasil, falta familiaridade com a África, persiste a

discriminação racial, manifesta-se pouco prestígio às raízes africanas e existe

pouco conhecimento do continente”.73 Por outro lado, Portugal não aceita

perder a liderança da Comunidade, por considerá-la sua de direito como

“pátria-mãe” da lusofonia e, por que não, considerar a CPLP como um projeto

político que reflete a continuidade de “um modo português de estar no mundo”

de inspiração claramente freyriana. Assim, para os portugueses, o máximo que

poderia se admitir – de forma até condescendente - seria uma “liderança

compartilhada” com o Brasil. Porém, duas grandes questões se levantam: 1-

até que ponto o Brasil deseja assumir esta liderança; 2- que vantagens tal

comunidade poderia trazer para o país?

Em relação à primeira questão, alguns observadores avaliavam, no

momento da criação da CPLP que “o Brasil tenderá a pretender essa liderança

da Comunidade pelo seu peso demográfico, pelo seu peso no âmbito da

América do Sul, pela sua presença crescente no Atlântico Sul”.74 No entanto,

nestes 11 anos de existência da Comunidade, o Brasil não tem demonstrado 72 Em virtude da realidade lingüística dos PALOP e do Timor-Leste, esta quantidade de falantes do português no mundo, que usualmente aparece nos discursos e nos documentos oficiais da CPLP, parece representar muito mais um argumento político, do que uma constatação efetiva da realidade. De qualquer forma, isto só faz aumentar o peso do Brasil na Comunidade, visto que no país existe efetivamente uma unidade lingüística. 73 SOBRINHO, Pedro da Silva Feijó. op. cit., p.77-78. 74 Carlos Motta, Diretor de Relações Internacionais do Ministério da Educação, em 1995, citado por: SOBRINHO. Pedro da Silva Feijó. Ibidem. p. 62.

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grande empenho na sua consolidação e muito menos interesse em assumir a

sua liderança. Como colocado anteriormente, com as transformações ocorridas

nas últimas décadas no cenário mundial, boa parte do comportamento da

diplomacia brasileira nos últimos anos tem sido ditada pela lógica da economia.

Assim, já entrando na segunda questão, o Brasil tem procurado estabelecer

parcerias pontuais com Portugal e os outros membros da CPLP – como já

colocamos anteriormente – no campo das relações bilaterais, prescindindo

assim do espaço comunitário. Desta forma, seja do ponto de vista econômico –

como no campo das relações comerciais ou de investimentos diretos – ou do

político – como na busca de apoio para a reformulação da estrutura das

Nações Unidas -, a existência (ou não) da CPLP não parece influir

sobremaneira nas pretensões internacionais do Brasil, apesar dos defensores

brasileiros desse espaço comunitário apresentarem ema série – também já

citada anteriormente – de argumentos contrários. Por tudo isso, este pouco

caso brasileiro acaba sendo decisivo para a não consolidação da Comunidade

dos Países de Língua Portuguesa.

Dessa forma, não tendo se consolidado através das bases econômicas, o

alicerce da CPLP continua sendo – embora isto tenha se demonstrado

insuficiente – a questão cultural. Neste aspecto, algumas discussões

fundamentais que devem ser travadas – e que serão desenvolvidas ao longo

deste trabalho – são aquelas sobre até que ponto a língua portuguesa pode

funcionar como um elemento de unidade cultural entre os oito membros da

CPLP e sobre a legitimidade de uma comunidade que se assenta sobre um

discurso que é essencialmente português - o da lusofonia, formulado dentro de

uma lógica política e ideológica específica, que tem norteado os movimentos

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do ator mais empenhado em sua construção. Neste aspecto, não podemos

deixar de lembrar Eduardo Lourenço que afirma que não é possível a

existência de uma Comunidade Lusófona sem uma “mitologia cultural

compartilhada” e um “imaginário comum”, 75 deixando claro que, até agora, o

sonho comunitário é um sonho essencialmente português e que a “mitologia

lusófona” – e a própria lusofonia – sobre a qual se alicerçou a CPLP também é

uma mitologia, acima de tudo, lusitana:

Em nome da mitologia lusófona – ou antes da

lusofonia – se fundou e se fez repousar a recente

arquitetura da Comunidade dos Povos de Língua

Portuguesa. Naturalmente, alguma verdade há

nela para que fosse imaginada e, uma vez

imaginada, nos esforcemos por lhe dar a

configuração que só tem ainda expressão no

voluntarismo com que – sobretudo, nós

portugueses – a concebemos e desejamos. Por

enquanto, além da total inoperância, mesmo só na

ordem simbólica, do projeto, talvez explicável pela

sua incipiência, tão exaltante perspectiva de uma

Comunidade dos Povos de Língua Portuguesa é

apenas uma aposta, em si mesma natural para

quem, como nós, se sentiu identificado com aquilo

onde esteve, mas vivida, desde o início, sobretudo

pelo Brasil, espaço lusófono sem exterior, com o

que pudicamente, podemos designar como

reticências.76

Lourenço assinala também que sem uma adesão efetiva do Brasil, a

Comunidade será uma quimera nati-morta e que necessariamente não há,

como aparece no discurso português, “sobreposição e implicação que

75 LOURENÇO, Eduardo. A Nau de Ícaro. op. cit., p.173. 76 Idem. p. 178.

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justifiquem destino virtualmente comunitário entre lusofonia e cultura de

expressão lusófona”.77 Neste sentido, a consolidação da Comunidade dos

Países de Língua Portuguesa passa, necessariamente, por questões bem mais

amplas do que a evocação de uma língua ou de uma herança culturais

comuns, como assinala de forma bastante oportuna o Embaixador Alberto da

Costa e Silva:

Ao tomar a língua e a história comuns para sobre

elas fundar e legitimar uma comunidade de

nações, não se deve, pois, esquecer que essa

língua e essa história estão impregnadas de

violência. E deve-se ter sempre presente que com

a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

não se aspira a reconstruir o antigo império. Ainda

que a evocar tudo aquilo que, apesar das mágoas

e dos ressentimentos, tomou força suficiente para

nos fazer próximos, temos de levantar a CPLP

sobre a aceitação das responsabilidades que os

dois parceiros incomparavelmente mais prósperos,

Brasil e Portugal, deveriam passar a ter em relação

a angolanos, cabo-verdianos, guineenses,

moçambicanos, são-tomenses e timorenses, que,

talvez mais do que nós, sofreram e ainda sofrem

essa história.78

Por tudo isso, mais de dez anos após a sua criação, a CPLP continua na

condição de um provável “vir-a-ser” e não uma realidade efetivamente

concretizada. Neste período, marcado por projetos frustrados - ou abaixo das

expectativas - de cooperação cultural e econômica, o papel mais bem sucedido

da Comunidade tem sido o de funcionar como espaço de concertação política e 77 Idem. p. 173. 78 “A propósito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa”. In: SILVA, Alberto da Costa e. Das mãos do oleiro: aproximações. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005, p. 197.

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diplomática entre seus membros ajudando a mediar crises políticas como as de

Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, colaborando com as negociações de paz

em Angola e conseguindo dar uma visibilidade internacional à questão do

Timor. Esse papel, de qualquer forma, está bastante aquém das expectativas

de seus idealizadores ou do otimismo expresso por algumas lideranças

políticas no momento de sua fundação:

(....) com sentido de realismo, a Comunidade

responderá adequadamente ao impulso, próprio

das relações internacionais contemporâneas, de

que os países pertençam a coalizões ordenadas

não mais ao longo de clivagens entre Norte e Sul

ou Leste e Oeste, mas sim de interesses

prontamente identificáveis pelo cidadão.79

Desta forma, pode-se inferir que, ao longo de sua curta existência, a

CPLP acabou se tornando mais uma organização secundária entre as muitas

que existem no âmbito internacional e que até agora as premissas sobre as

quais ela foi criada não tiveram como se concretizar.

79 Entrevista de Fernando Henrique Cardoso, Presidente do Brasil, ao jornal português “O Público”, de 25/09/1996.

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Capítulo II

O Terceiro Império Português e o Mito do “Destino Imperial”

Um dos mitos fundadores da identidade nacional portuguesa é a crença

no “destino imperial” de Portugal. Sobre isto, o ensaísta Eduardo Lourenço

afirma que:

(...) durante séculos, nem para nós nem para os

outros Portugal era outra coisa do que “um país

que tinha um império”. E esse estatuto, que foi – e

continua sendo na nossa memória – o identificador

supremo de Portugal, convertera-nos na ilha

histórica mítica por excelência da Europa.80

Esta crença, juntamente com a idéia de que Portugal desempenhou um

papel singular na História na época das grandes navegações dos séculos XV e

XVI, definiu a imagem que até hoje os portugueses tem de si mesmos e que,

de certa forma, os outros também têm de Portugal. Esses mitos nacionais

partem da perspectiva de que Portugal, a partir desse momento, deu início a

um processo que alteraria profundamente a História do Ocidente, a Expansão

Marítima Européia, assumindo uma posição eminente na Península Ibérica e

na própria Europa. Tal visão ainda persiste com bastante força na produção

literária - e mesmo historiográfica - portuguesa contemporânea.

Desde a conquista de Ceuta, no norte da África, em 1415, até o Reinado

de D. Manuel I (1495-1521), Portugal construiu um imenso Império Comercial

Ultramarino que se estendia por todos os continentes, como se comprova pelo

80 LOURENÇO, Eduardo. Mitologia da Saudade. op. cit., p. 95.

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título ostentado pelo soberano português: “Rei de Portugal e dos Algarves,

d’aquém e d’além mar em África, Senhor da Guiné, da conquista, navegação e

comércio da Etiópia, da Arábia, Pérsia e Índia”. Foi um momento de glória para

Portugal. Para muitos autores, além das riquezas proporcionadas pela

conquistas ultramarinas, o país vivia uma efervescência cultural e intelectual –

o Renascimento Português – também relacionada a este processo, onde se

destacam: a literatura de viagens de Duarte Pacheco Pereira, a poesia de

Camões, as obras do Matemático Pedro Nunes, os estudos do naturalista

Garcia de Orta81. Foi este instante luminoso da História Portuguesa que

marcou profundamente o imaginário da nação, fazendo com que a consciência

daquilo que Portugal representou neste momento se tornasse um dos

elementos definidores da identidade nacional, que mesmo a decadência

posterior não conseguiria apagar. Simbolicamente, isto se encontra presente

tanto na bandeira nacional portuguesa – que possui no seu centro, a esfera

armilar, ou seja, a representação do mundo – e em “A Portuguesa”, o Hino

Nacional, cujos primeiros versos são: “Heróis do mar, nobre Povo,/Nação

valente, imortal/Levantai hoje de novo/O esplendor de Portugal!”.

Porém, este momento áureo durou pouco. A expulsão dos Judeus de

Portugal, o Tribunal da Inquisição – utilizado como arma pela nobreza contra a

burguesia comercial – a morte de D. Sebastião e o fim da Dinastia de Avis e,

finalmente, a anexação à Espanha, através da União Ibérica, foram os marcos

visíveis da decadência portuguesa. O Império Ultramarino começou a

desmoronar. Territórios são perdidos para potências mais poderosas como a

Holanda ou a Inglaterra. O país mergulhou em um longo período de

81 Esta visão é muito presente na obra do historiador luso Joaquim Barradas de Carvalho que será alvo de uma discussão mais aprofundada no capítulo 3 desta tese.

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obscurantismo, aliado ao trauma da perda da independência nacional para

aquela que, ao longo da História Portuguesa, seria sempre a ameaça política e

a grande rival econômica e cultural: a Espanha82.

A recuperação da independência com a “Restauração”, em 1640, não

retirou Portugal do abismo em que ele havia mergulhado. A fragilidade do

Estado português recém-restaurado fez com que houvesse a necessidade de

alianças com as grandes potências da época, como garantia da

independência. Reataram-se os velhos laços com a Inglaterra. Dívidas foram

feitas e territórios no Oriente foram perdidos. O Tratado de Methuen, em 1703,

agravou ainda mais a situação de dependência de Portugal em relação a seus

aliados ingleses. Definitivamente, Portugal havia se tornado um “Estado-

cliente”, com um papel secundário no Sistema Interestatal que se estruturou na

Europa, a partir do século XVII. No entanto, o “sonho imperial” já tinha ficado

intensamente marcado na nação portuguesa.

2.1. As origens do Império Português em África

A ocupação portuguesa nos territórios conquistados a partir da expansão

marítima baseou-se principalmente no estabelecimento de feitorias destinadas

ao comércio de especiarias e outras mercadorias. Este fato acabou tornando-o

uma construção relativamente frágil e pouco enraizada, devido basicamente à

ausência de uma política de povoamento e de penetração dos territórios

conquistados, com exceção do Brasil e de alguns territórios na África. Com a

82 Se este medo de ser anexado à Espanha é algo marcante na História Portuguesa, não se pode esquecer que em diversos momentos, amplos setores da sociedade portuguesa – principalmente da intelectualidade – viram esta possibilidade com simpatia, como já foi discutido na introdução deste trabalho. Sem sombra de dúvidas, o debate entre “nacionalistas” e “iberistas” é algo muito presente na tradição intelectual portuguesa.

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formação do império, a língua portuguesa também se espalhou pelo mundo:

entre os séculos XVI e XVIII, o português tornou-se “língua franca” nos portos

da Índia e do sudeste asiático, permitindo a comunicação entre diferentes

povos, além de tornar-se o idioma mais falado em toda a costa africana.

Porém, devido à sua fragilidade, o império colonial português

desmantelou-se aos poucos e a maior parte das possessões orientais

portuguesas foi sendo perdida para os holandeses e ingleses, no decorrer dos

séculos XVII e XVIII, restando-lhe somente alguns territórios na Índia (Goa,

Damão, Díu), China (Macau) e Oceania (Timor). Com a decadência desse

“Império da Pimenta”, Portugal tornou-se cada vez mais dependente das

riquezas provenientes de seu Império Americano - o Brasil. No século XVIII, o

ouro brasileiro possibilitou um período de grande opulência na metrópole. As

enormes quantidades do metal vindas do Brasil garantiram a construção de

igrejas e palácios suntuosos, embora os déficits crônicos da balança comercial

portuguesa - agravados pelo Tratado de Methuen - tenham feito com que a

maior parte do ouro brasileiro fosse para a Inglaterra, constituindo-se numa

das grandes fontes de capital que possibilitaram a Revolução Industrial

Inglesa. Os fracassos das tentativas de industrialização fizeram com que

Portugal passasse a viver quase que exclusivamente da monocultura da vinha

e das riquezas provenientes do Brasil, que começaram a escassear em

princípios do século XIX. A independência do Brasil agravou ainda mais a

situação da frágil economia portuguesa, que necessitou reestruturar-se

profundamente para suportar o impacto da perda de sua maior colônia. Foi a

partir dessa época que ganhou força o sonho de construir um novo império, o

“Terceiro Império”, desta vez em África.

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Até então a ocupação portuguesa em seus territórios africanos era

bastante esparsa e as ligações desses territórios com o Brasil era muito mais

intensa do que com a metrópole européia. Essas ligações estavam

diretamente relacionadas ao tráfico negreiro, já naquele momento controlado

basicamente por comerciantes da colônia americana, notadamente do Rio de

Janeiro, e o grosso das relações entre Portugal e África – incluindo-se aí sua

colônia de Angola – dava-se através da Bahia e do Rio de Janeiro. Por sinal,

os vínculos entre Brasil e Angola eram tão intensos que quando da

independência brasileira, surgiu na metrópole o temor de que a colônia

africana se juntasse ao novo país. De fato, apareceu em Angola um “partido

brasileiro” defendendo a junção com a ex-colônia portuguesa do outro lado do

atlântico. Foi nesse período que houve um aumento razoável de elementos

brancos na população angolana, devido ao envio de numerosas tropas

metropolitanas para sufocar movimentos autonomistas ou de anexação ao

Brasil.83 É importante ressaltar que o artigo III do Tratado de Paz e Aliança

(1825), através do qual a coroa portuguesa reconheceu a independência do

Brasil, vedava explicitamente que se aceitassem “proposições de quaisquer

colônias portuguesas para se reunirem ao Império do Brasil”.84 No entanto, tal

fato não impediu que as relações entre Brasil e África – em especial Angola –

continuassem com bastante intensidade, devido à manutenção do tráfico de

escravos, mesmo com as pressões internacionais pelo seu fim.85

83 MOURÃO, Fernando Augusto A. “A Evolução de Luanda: Aspectos Sócio-Demográficos em Relação à Independência do Brasil e ao Fim do Tráfico” In: PANTOJA, Selma e SARAIVA, José Flávio Sombra (Orgs.). Angola e Brasil nas Rotas do Atlântico Sul. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1999, pp 198-200. 84 CERVO, Amado e MAGALHÃES, José Calvet de. Depois das Caravelas: As relações entre Portugal e Brasil (1808-2000). Brasília, Editora da UnB, 2000. Um dos apêndices desta obra é o texto do referido tratado. 85 Sobre as relações entre o Brasil e a África naquele período ver o interessante e esclarecedor artigo de Alberto da Costa e Silva “As relações entre o Brasil e África Negra, de 1822 à Primeira Guerra Mundial”

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Nas décadas seguintes à perda de sua colônia na América, o Estado

português tentou redirecionar os seus esforços coloniais para uma ocupação

efetiva de seus territórios africanos, principalmente durante o período da

chamada “regeneração”, quando se consolidou no país uma monarquia

burguesa à portuguesa. Um dos maiores entusiastas – mas não o único -

desse projeto colonial africano foi o Marquês de Sá da Bandeira que teve uma

longa carreira de Estadista no Portugal oitocentista, como Ministro do Ultramar

e Presidente do Conselho Ultramarino:

Ao contrário de uma lenda criada já no século XIX,

Sá da Bandeira não era uma voz isolada na defesa

do projeto imperial: são comuns, na época, as

opiniões dos que pensavam estar a “tabua de

salvação” do país mas possessões do ultramar

que, segundo geralmente se acreditava, estariam

prontas a desentranhar-se em riquezas se fossem

convenientemente exploradas.86

No entanto, esta política colonial africana acabou não sendo bem

sucedida, devido tanto a fatores relacionados às colônias – como a resistência

das elites locais e dos próprios governadores a algumas medidas tomadas pelo

governo metropolitano, como leis anti-escravistas -, quanto aos crônicos

problemas da metrópole de falta de recursos humanos e financeiros.

Durante a corrida imperialista ocorrida nas últimas décadas do século

XIX, Portugal só conseguiu manter os seus territórios da África devido,

basicamente, “à incapacidade de seus rivais modernos chegarem a um acordo

In: SILVA, Alberto da Costa e. Um Rio Chamado Atlântico. Rio de Janeiro, Ed.da UFRJ/Nova Fronteira, 2003. 86 ALEXANDRE, Valentim (Coord.). O Império Africano (Séculos XIX e XX). Lisboa, Edições Colibri, 2000, p. 14.

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quanto à maneira exata de dividi-los entre si”.87 Assim, paradoxalmente, a

fraqueza do Estado Português, muito mais que a sua força, foi a grande

responsável pela manutenção dos domínios portugueses em África. Desta

forma, sob a “proteção” da Grã-Bretanha, que tinha grandes interesses

econômicos e estratégicos na região, e que mantinha uma secular relação de

dominação sobre Portugal, este conseguiu fazer valer seus interesses na

Conferência de Berlim:

Na Conferência de Berlim, a reivindicação

portuguesa das colônias africanas foi apoiada pela

Grã-Bretanha: devido às explorações efetuadas

por Brazza para o Governo Francês e por Stanley

para o Governo Belga, a Grã-Bretanha receava

uma quebra de sua influência em África e pretendia

reduzir esse perigo fortalecendo a posição de

Portugal. Além disso, a Grã-Bretanha considerava

mais ou menos como seus os territórios

portugueses, devido à fraqueza de Portugal e à

dependência semicolonial deste em relação àquela

potência.88

Porém, como condição para manter seus domínios, Portugal assumiu o

compromisso de iniciar o processo de ocupação efetiva de suas colônias

africanas, visto que a sua presença nestes territórios tinha sido, até então,

bastante precária. Assim, nas últimas décadas do século XIX, a ocupação e a

estruturação do Império Colonial, o chamado “Terceiro Império”, passou a ser a

preocupação fundamental de Portugal: começava aí a construção do último

grande “sonho imperial” português. Por outro lado, como assinala Valentim

87 HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios – 1875-1914. 2a ed., Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1989, p.89. 88 FERREIRA, Eduardo de Souza. O Fim de uma Era - O Colonialismo Português em África. Lisboa, Sá da Costa, 1977, p.31.

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Alexandre, este projeto imperial também ressurgiu como uma resposta à crise

de identidade enfrentada por Portugal nas décadas de 1860 e 1870 quando,

em um contexto de transformações no concerto europeu – como a unificação

da Itália e a Unificação da Alemanha -, o velho fantasma da união com a

Espanha reapareceu com uma certa força89. Apesar de alguns setores da

sociedade portuguesa terem uma certa simpatia por esta nova União Ibérica –

notadamente alguns segmentos defensores de um nacionalismo liberal que

viam nisto uma possibilidade de superar o atraso dos dois povos ibéricos -, a

maior parte da intelectualidade e das camadas médias se posicionou contra

esta perspectiva. Assim, o império africano compensaria a pequenez de

Portugal e garantiria a sua sobrevivência como um Estado-nação

independente. Nesse momento, a idéia de “nação” começou a ficar

definitivamente associada à idéia de “império”.90

No entanto, o projeto imperial português iria sofrer alguns sérios revezes,

entre os quais o Ultimatum britânico de 1890, no qual a Inglaterra sepultou as

pretensões portuguesas de constituir uma única colônia ocupando toda a

largura da África, de Angola a Moçambique. Apesar disso, os territórios

africanos tornaram-se prioritários para o Estado Português e para os interesses

da burguesia portuguesa que, por mais fraca que fosse, também procurava

novas áreas de investimento. É importante ressaltar, como exemplo dessa

nova política africana, que o Estado Português, neste contexto, buscou

redirecionar para as colônias africanas, embora sem grande sucesso, fluxos de

emigração portuguesa, que se dirigiam, sobretudo, para o Brasil.

89 ALEXANDRE, Valentim (Coord.). op.cit., p. 17. 90 THOMAZ, Omar Ribeiro. Ecos do Atlântico Sul. Rio de Janeiro, Ed. da UFRJ/FAPESP, 2002, p. 55 -56.

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A última década do século XIX e as duas primeiras do século XX,

marcaram o início da estruturação, de fato, do Império Colonial Português

mediante a “pacificação” das populações nativas, a organização político-

administrativa e a exploração econômica do mesmo, principalmente através de

concessões à empresas estrangeiras, notadamente às britânicas. Ao mesmo

tempo, em Portugal, promoviam-se intensas campanhas para angariar apoio

popular ao projeto imperial, criando-se mitos, como o do “Portugal único,

multirracial e pluricontinental” ou o da “missão civilizadora” portuguesa, que se

consolidariam nas décadas seguintes. Simultaneamente, fortaleceram-se em

toda a Europa - e, é óbvio, também em Portugal – escolas de pensamento,

como o Darwinismo Social, que serviram de justificativa ideológica para o

neocolonialismo. Foi o momento de “sacralização do império”, cujas marcas

profundas ainda se fazem presentes no imaginário português:

É então também que nasce o nacionalismo

imperial como corrente dominante – levando à

sacralização do império e mais ainda conformando

a imagem que o país tem de si próprio, como povo

destinado à missão histórica de colonizar ou, dir-

se-ia ainda hoje, à missão ecumênica de aproximar

povos e raças, a Europa e a África.91

Nesta perspectiva, é interessante notar que este processo aconteceu sem

descontinuidades, mesmo com as mudanças de regime, em Portugal, a

exemplo da instituição do regime republicano, em 1910, ou o estabelecimento

da ditadura militar, em 1926.

91 ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil, Novas Áfricas: Portugal e o Império (1808-1975). Porto, Edições Afrontamento, 2000, p. 162.

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Porém, o projeto imperial português somente atingiu a sua plenitude, a

partir da implantação do regime salazarista em Portugal, no início dos anos 30

do século XX. Neste período, o Império consolidou-se política e

administrativamente, adquirindo também uma importância fundamental para a

economia portuguesa. Além disso, fortaleceu-se o mito do “destino imperial”

português, através de um intenso processo de construção ideológica onde o

império era apresentado como elemento essencial da identidade nacional e em

que a idéia da “missão civilizadora” da nação portuguesa foi sendo elaborada

dentro de uma perspectiva fortemente nacionalista.

2.2. O Estado Novo Português e a Estruturação do Império Colonial

Africano.

Em 1926, um golpe militar conservador fechou o primeiro ciclo

republicano em Portugal, que havia se iniciado com a derrubada da Monarquia

em 1910. Neste curto período de uma experiência republicana liberal, o quadro

político português esteve bastante conturbado, com o aumento da organização

do Movimento Operário e os conflitos entre o Estado e a Igreja, além da própria

disputa entre as diversas facções políticas em torno de diferentes concepções

de como o Estado Republicano deveria ser organizado.

O projeto político vitorioso acabou sendo o do autoritarismo conservador

posto em prática através de uma ditadura militar que, inicialmente, contava com

uma base social de apoio bastante ampla:

A República terminou em 1926. Durante a sua

curta vida, tinham-se desenvolvido correntes de

oposição que pretendiam se apoderar do Estado e

chefiá-lo, imprimindo-lhe uma nova direção. A

Igreja foi um dos mais poderosos elementos

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dessas correntes, mas recuperou a sua influência

relativamente devagar e era temida pelos novos

nacionalistas, que exigiam toda a lealdade. A

classe média baixa foi outro dos setores que se

opôs às idéias fundamentais da ‘Intelligentsia’ e

aceitou com entusiasmo um governo do qual

esperava que preservasse as suas pequenas

poupanças e garantisse os seus postos de

empregados de escritório, dando-lhes preferência

sobre as massas trabalhadoras. Os oficiais do

exército cuja posição fora minada pelos oficiais

subalternos, na Revolução de 1910, estavam

ansiosos para restabelecer sua influência e

melhorar pelo menos a sua condição, se não

também as suas responsabilidades militares

activas.92

Soma-se a isto, o temor que a burguesia portuguesa tinha da ascensão

do Movimento Operário o que ampliava as condições para a implantação de

um regime autoritário, fato este que, efetivamente, acabou acontecendo. Esta

ditadura, que se consolidou no final da década de 1920, com a ascensão de

Oliveira Salazar como “homem-forte” do regime, é definida por muitos autores

como uma ditadura de características fascistas, principalmente quando se leva

em consideração a classe social beneficiária do regime, a burguesia

monopolista, e os seus traços fundamentais institucionalizados na Constituição

de 1933 e no Estatuto do Trabalho Nacional, bases da organização política do

“Estado Novo” português. Por outro lado, o “Estado Novo” português possuiu

algumas características particulares que o diferenciavam dos demais Estados

ditatoriais que se formam na Europa no mesmo período, principalmente a

92 BIRMINGHAM, David. História de Portugal - Uma perspectiva Mundial. Lisboa, Terramar, 1998, p. 193.

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presença de fortes ingredientes ideológicos do conservadorismo católico e de

uma forte tradição direitista e anti-parlamentar existente em Portugal, antes

mesmo do surgimento do fenômeno mais geral do fascismo no continente

europeu. Assim como era de se esperar, uma das mais importantes polêmicas

da produção historiográfica portuguesa do pós-25 de abril é a discussão sobre

caracterização do Estado Novo93. No entanto, este não é o foco central deste

trabalho, mas sim a forma como tal regime iria lidar com a questão imperial.

Uma das primeiras preocupações desse regime foi a de elaborar

justificativas para a manutenção do Império Colonial Ultramarino e também

para a política de emigração do Estado português94. Isto levou à construção,

por parte do Estado Novo, de todo um arcabouço ideológico baseado no

discurso da “pobreza natural do país” e de sua população “naturalmente

pobre”. Na construção deste discurso, a ditadura salazarista teve na Igreja

Católica uma forte aliada:

A aceitação desesperante de uma pobreza que

estava mais próxima dos padrões da África

Tropical do que dos da Europa Temperada foi

ajudada pelos níveis mais altos da hierarquia da

Igreja tradicional.95

Desta forma, Salazar legitimava este discurso da “pobreza natural” de

Portugal e acabou fazendo com que ele fosse aceito como verdade

inquestionável pelo senso comum. Porém, o que estava por trás dessa 93 Participam desta polêmica alguns dos mais importantes historiadores portugueses contemporâneos como António Costa Pinto, João Medina, Manuel Villaverde Cabral e Manuel de Lucena. 94 Apesar de, historicamente, Portugal ser um país de emigração, o grande diferencial da política de emigração do governo português durante a longa ditadura do Estado Novo em relação aos períodos anteriores é de que, pela primeira vez na História de Portugal, teve-se uma política governamental deliberada de incentivo à emigração, que assume um importante papel dentro do conjunto da economia portuguesa – através da remessa de dinheiro dos emigrados -, contribuindo, também, para a manutenção da “paz social” - com a exportação dos excedentes de mão-de-obra. 95 BIRMINGHAM, David. op. cit., p. 200.

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“pobreza natural” de Portugal e de sua “população naturalmente pobre” era, na

verdade, a incapacidade histórica do Estado Português e do capitalismo em

Portugal de gerirem os recursos naturais existentes no país. Por outro lado, a

política concentradora de renda e da propriedade rural, em benefício das

oligarquias e da burguesia monopolista, implementada pelo Estado Novo, só

contribuiu para aumentar a situação de miséria em que viviam as classes

populares.

Em relação aos domínios ultramarinos, o regime salazarista foi o grande

responsável pela estruturação político-administrativa do Império Colonial

Português, que até então era precariamente organizado em todos os níveis.

Esta estruturação, do ponto de vista jurídico, deu-se através da Constituição da

República Portuguesa (1933) e, fundamentalmente, do Ato Colonial, elaborado

em 1930, quando Salazar ainda era Ministro das Colônias, e posteriormente

incorporado ao texto constitucional. Esta Constituição colocava, em seu artigo

I, as colônias como parte integrante do Território da Nação Portuguesa que

seria constituído por:

1- Na Europa: Portugal Continental e os

Arquipélagos da Madeira e dos Açores; 2- Na

África Ocidental: o Arquipélago de Cabo Verde,

Guiné, São Tomé e Príncipe e suas dependências,

São João Batista de Ajuda, Cabinda e Angola; 3-

Na África Oriental: Moçambique; 4- Na Ásia: o

Estado da Índia e Macau e suas dependências; 5-

Na Oceania: Timor e suas dependências.”96

96 Constituição da República Portuguesa (1933). Disponível no site do Contemporary Portuguese Politics and History Research Centre, University of Dundee - www.dundee.ac.uk/politics/cprhc. Acesso: 05 de agosto de 2000.

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A posse destes territórios era justificada através de toda uma construção

ideológica baseada no discurso da “herança histórica peninsular”, datada do

tempo das descobertas marítimas, e no da “missão civilizadora da nação

portuguesa”, que é colocada claramente no artigo 2o do Ato Colonial – Decreto-

Lei No 22.465:

É da essência histórica da Nação Portuguesa

desempenhar a função histórica de possuir e

colonizar domínios ultramarinos e de civilizar as

populações indígenas que neles se compreendam,

exercendo também influência moral que lhe é

adstrita pelo Padroado do Oriente.97

Partindo de uma mentalidade secularmente existente, o discurso do

“destino imperial português” foi cuidadosamente trabalhado durante todo o

período salazarista, não só pelo Estado Português, mas por todo um grupo de

intelectuais dentro e fora de Portugal, dentre os quais se destacam Adriano

Moreira e o brasileiro Gilberto Freyre, com toda sua elaboração da idéia de

uma “Civilização luso-tropical”, plurirracial e “progressista” que foi apropriada

pelo Estado Português – a partir, principalmente, do final da década de 1940 -

e disseminada com bastante eficiência dentro e fora de Portugal. Isto é

destacado pelo historiador inglês Norrie MacQueen, quando cita o episódio em

que Amílcar Cabral, líder da luta pela Independência de Guiné e Cabo Verde,

ao participar da Conferência Pan-Africana de Tunes (1960), ouviu de outro

delegado presente, a afirmação de que com eles a situação era diferente, pois

97 Acto Colonial – Decreto-Lei 22.465. Disponível no siteContemporary Portuguese Politics and History Research Centre, University of Dundee, site: www.dundee.ac.uk/politics/cprhc.

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estavam bem com os portugueses98. Sobre esta questão, Franco Nogueira,

Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, também escrevia em 1967:

Nós sozinhos, primeiro do que ninguém, levamos à

África a noção de direitos humanos e de igualdade

racial. Nós sozinhos, praticamos o princípio do

plurirracialismo, que agora todos consideram ser a

mais perfeita expressão de fraternidade humana e

progresso sociológico (...) As nossas províncias

africanas são mais desenvolvidas, mais

progressivas em todos os campos do que qualquer

território recentemente independente em África, a

sul do Saara, sem exceção.99

Assim, este discurso foi difundido junto ao conjunto da população

portuguesa, na perspectiva de fortalecer a “mentalidade imperial”, tanto através

de eventos de grande repercussão junto à opinião pública – como as “Semanas

Coloniais” ou a “Exposição do Mundo Português” (1940) -, quanto através do

sistema educacional que, com intensidade nunca vista anteriormente, é posto a

serviço da causa colonial.100 Com isto, o Estado salazarista partia de aspirações

coletivas e de um imaginário social pró-império preexistente, dando-lhe novos

significados e construindo um consenso nacional em torno do projeto imperial.

Desta forma, em nome da “missão civilizadora”, o Estado Português

implementou uma política de exploração sistemática das populações nativas,

tratadas como estrangeiros em sua própria terra. Embora, nos termos da

legislação existente, houvesse a possibilidade de um nativo obter a cidadania

98 MACQUEEN, Norrie. A Descolonização da África Portuguesa: A Revolução Metropolitana e a Dissolução do Império. Mem Martins, Inquérito, 1998, p. 32. 99 NOGUEIRA, Franco. The Third World. 1967, p.154-155, citado por: DAVIDSON, Basil. Os Valores Coloniais Portugueses, in: FERREIRA, Eduardo de Souza. O Fim de uma Era – O Colonialismo Português em África. Lisboa, Sá da Costa, 1977, p.5. 100 ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil, Novas Áfricas. op.cit., p 189.

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portuguesa e o status de civilizado, as condições para que isso acontecesse

eram extremamente restritivas: falar bem português, ser auto-suficiente

financeiramente, ter “bom caráter” e “comportamento apropriado” e cumprir o

serviço militar obrigatório. Desta forma, apesar da Constituição prever a

“unidade” entre Portugal e suas colônias, isto não garantia a igualdade entre os

cidadãos portugueses e as populações africanas.

Além disso, uma prática constante nas colônias era a forte exploração da

mão-de-obra nativa, inclusive constituindo-se isto em uma fonte de rendas para

a metrópole, visto que a mesma “agenciava” a exportação desta mão-de-obra

para as companhias inglesas que exploravam minerais na Rodésia e na África

do Sul. Esta prática, apesar de proibida pelo Ato Colonial, principalmente em

seus artigos 19 e 21101, persistiu durante todo o período do Estado Novo,

mesmo com pressões internacionais como as da OIT (Organização

Internacional do Trabalho), que chegou a enviar para as colônias portuguesas

uma comissão especial para fazer valer os termos da convenção 105 de 1957,

sobre a abolição do trabalho forçado, da qual Portugal era um dos signatários.

A justificativa do governo português para a exploração da mão-de-obra

nativa, assentava-se em algumas “brechas” existentes no próprio Ato Colonial

que, apesar de proibir formalmente o trabalho forçado, colocava em seu artigo

20o que “o Estado somente pode compelir os indígenas ao trabalho em obras

públicas de interesse geral da colectividade, em ocupações cujos resultados

101 Os artigos referidos estabelecem o seguinte: “Art. 19 – São proibidos: I – Todos os regimes pelos quais o Estado se obrigue a fornecer trabalhadores indígenas a quaisquer empresas de exploração econômica; II- Todos os regimes pelos quais os indígenas existentes em qualquer circunscrição territorial sejam obrigadas a prestar trabalho às mesmas empresas, por qualquer título. Art 21- O regime do contrato de trabalho dos indígenas assenta na liberdade individual e no direito a justo salário e assistência, intervindo a autoridade pública somente para fiscalização.

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lhes pertençam, em execução de decisões judiciárias de carácter penal, ou

para cumprimento de obrigações fiscais”.102

Em seu aspecto econômico-financeiro, a política colonial salazarista -

definida por Perry Anderson como “ultracolonialista” 103 - determinava para as

colônias o papel clássico de fontes de matérias primas para a metrópole,

estabelecendo-se assim um moderno “pacto colonial”, onde as colônias

estavam impossibilitadas de manter quaisquer relações comerciais ou

financeiras diretas com outros países. Desta forma, estabelecia-se uma forte

relação de dependência entre as colônias e a metrópole, concretizada através

da criação da chamada “Zona do Escudo”, que se constituiu em um espaço

comercial de exclusividade entre a colônia e a metrópole, favorecendo assim

os grandes grupos econômicos monopolistas metropolitanos, principalmente

àqueles interessados na industrialização de Portugal, que eram os maiores

defensores deste papel “complementar” das economias coloniais:

Para os industrialistas, “solidariedade econômica”

significava “industrializar a metrópole e colonizar o

ultramar”: reservar os mercados das colônias às

exportações metropolitanas e dar facilidades às

importações que delas viessem, desde que fossem

matérias-primas necessárias e úteis, em termos de

custos, à industrialização metropolitana. Tratava-se

de subordinar a economia colonial ao plano de

desenvolvimento industrial português104.

Esta política acabou sendo de importância vital para a reestruturação

econômico-financeira implementada por Salazar em Portugal, em resposta à 102 Acto Colonial – Decreto-Lei 22.465. 103 ANDERSON, Perry. Portugal e o fim do ultracolonialismo. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1966. 104 MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal – O Estado Novo (vol. 7). Lisboa, Editorial Estampa, s/d, p.288.

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conjuntura econômica mundial, nos anos que se seguiram à grande crise de

1929. Os lucros obtidos com os produtos primários das colônias africanas e os

pagamentos em ouro recebidos em troca da utilização da mão-de-obra

moçambicana na África do Sul, contribuíram decisivamente para o equilíbrio da

economia portuguesa durante a década de 1930 e durante os anos da

Segunda Grande Guerra.

Por tudo isto, pode-se afirmar que o Ato Colonial consolidava uma política

nacionalista e uma orientação econômica protecionista, estabelecendo uma

interdependência plena entre as colônias e a metrópole, vistas como partes

integrantes de um “Estado indivisível”. Isto criou condições para “o crescimento

de uma mão cheia de monopólios (ou oligopólios) portugueses que como

componentes essenciais do Estado Novo corporativo, dominaram grande parte

da atividade econômica da África Portuguesa nos anos 50 e 60”.105

2.3. O fim do Império: As Guerras Coloniais e a Crise do Estado Novo

Salazarista

Durante os anos do Estado Novo, a inserção de Portugal nas relações

internacionais foi marcada por uma postura de relativo isolamento, devido

essencialmente à condenação da Comunidade Internacional à política

colonialista portuguesa, principalmente a partir da década de 1950, quando

intensificou-se o processo de descolonização afro-asiática. Esse processo

inicia-se imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, quando as velhas

potências imperialistas européias, enfraquecidas pelas sucessivas crises,

passaram a sofrer grandes pressões de suas colônias em favor da

103 MACQUEEN, Norrie. op. cit., p. 29

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emancipação. Assim, fortaleceram-se nestas colônias movimentos

emancipacionistas de caráter nacionalista que se posicionavam contrariamente

ao colonialismo, ao racismo e ao imperialismo. Com o desenrolar do processo

de descolonização, as antigas colônias africanas e asiáticas começaram a

articular-se naquilo que ficou conhecido como “Bloco do Terceiro Mundo”:

Em 1955, reuniu-se em Bandung, na Indonésia,

uma conferência convocada pelo grupo de

Colombo, congregando os cinco países recém-

independentes – Índia, Paquistão, Ceilão, Birmânia

e Indonésia – e pela primeira vez, os chefes de

Estado de 29 países da Ásia e da África (18 a 24

de abril), que se apresentavam como um terceiro

mundo. Pronunciavam-se pela neutralidade e pelo

socialismo, mas declarando-se contra o Ocidente,

ou seja, os Estados Unidos, e contra a União

Soviética. Comprometiam-se a ajudar a libertação

dos povos subjugados. Era o “espírito de

Bandung”, que perdurou por mais de uma década,

até ser diluído ante as dificuldades e desilusões

enfrentadas pelos novos países libertados da

dominação colonial direta. No entanto, Bandung

traduziu um momento de esperança na

organização mundial e no futuro da democracia.106

Esse Bloco, que começou a crescer e a ter voz bastante ativa na

Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, foi o responsável pela

articulação de uma violenta condenação da Comunidade Internacional à

Política Colonial Portuguesa, a partir da década de 1950:

106 LINHARES, Maria Yedda. “Descolonização e lutas de libertação nacional”. In: REIS FILHO, Daniel Aarão, FERREIRA, Jorge e ZENHA, Celeste (Orgs.). O Século XX – O Tempo das Dúvidas. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000, p. 57-58.

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No campo internacional, os anos 50 trouxeram

particulares dificuldades ao imperialismo

português. As guerras mundiais, uma vez

terminadas, engendraram instituições que

mobilizavam consciências sensíveis à guerra.

Portugal já fora denunciado na liga das nações.

nos anos 20, pelas suas práticas de trabalho

colonial. Agora, nos anos seguintes à Segunda

Guerra Mundial, as Nações Unidas dirigiam as

atenções para a questão fundamental do

colonialismo.107

Porém, se por um lado Portugal era condenado internacionalmente por

sua política colonial, por outro a própria debilidade econômica de Portugal - que

o tornava economicamente e tecnicamente incapacitado para aproveitar

plenamente e de forma lucrativa os imensos recursos existentes em suas

colônias - fez com que estas se tornassem uma área de especial interesse para

o capital internacional, notadamente a partir dos anos 50 do século XX. Com

pouca disponibilidade de capitais para investir, Portugal abriu seus domínios

ultramarinos para que companhias estrangeiras investissem na produção e na

infra-estrutura, assumindo assim um papel secundário em suas próprias

colônias, e definindo um modelo de “colonialismo dependente”. Desta forma, os

interesses do capital internacional acabaram gerando uma espécie de

“tolerância” das grandes potências para com a presença portuguesa na África,

apesar do clamor geral pela descolonização:

Assim, o Império português era sustentado por

elos econômicos que combinavam uma quase

restrição mercantilista com complexas redes

representativas dos interesses dos capitais da

107 MACQUEEN, Norrie. op. cit., p.30.

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Europa Ocidental, da América do Norte e da África

do Sul. Embora nem sempre fosse visível, as

pressões para agüentar a África Portuguesa, e

para proteger o capital europeu em Portugal e nas

suas colônias, estavam profundamente interligadas

(...)108

Além disto, Salazar soube aproveitar-se muito bem do clima da Guerra

Fria, nas décadas de 1950 e 1960, para manter a sua posição em relação à

África. Isso ocorreu, graças ao forte conteúdo anti-comunista do Salazarismo e

à posse por Portugal de algumas áreas estratégicas para a geopolítica do

período, como os Açores, que possuíam uma importante base aérea utilizada

pelos EUA em diversas ocasiões, e Angola e Moçambique, que possuíam

portos estratégicos para a defesa dos interesses dos EUA e de seus aliados da

OTAN, no Atlântico Sul e no Índico. Assim, a entrada de Portugal na OTAN se

deu, em 1949, sem maiores problemas. Com isto, as pressões contra o

colonialismo português acabavam sendo esvaziadas:

A nível multilateral, a pressão sobre Portugal não

era mais óbvia nem mais útil. Apesar das repetidas

denúncias na Assembléia Geral das Nações

Unidas, sistematicamente ignoradas por Portugal,

este podia normalmente contar com a proteção de

seus amigos. A Grã-Bretanha, a França e os

Estados Unidos, as três potências com assento

permanente no Conselho de Segurança, sempre

frustraram, coletiva ou individualmente as

tentativas da Assembléia Geral para tomar

quaisquer medidas significativas contra Lisboa

108 MAXWELL, Kenneth. A Construção da Democracia em Portugal. Lisboa, Presença, 1999, p. 45.

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durante toda a década de 60 e os primeiros anos

da década seguinte. 109

Devido a toda esta situação, as pressões internacionais contrárias ao

colonialismo português só tiveram como efeito prático a adoção, por parte do

governo português, de uma medida de “maquiagem”: a partir de 1951, as

colônias passam a ser chamadas de “Províncias Ultramarinas” ou “Territórios

Ultramarinos”, o que não alterou em nada as bases em que se assentava a

dominação colonial, pois, como assinalava, em 1962, o historiador José

Honório Rodrigues, o uso do termo “Províncias Ultramarinas” nada mais era do

que um simples rótulo ou máscara com que o Estado Português pretendia

“enganar os parvos deste mundo”110

Assim, a inserção de Portugal nas relações internacionais durante o

Regime Salazarista, apresentou alguns aspectos paradoxais, visto que se, por

um lado, a “política isolacionista” deliberadamente implementada pelo regime,

aliada à condenação da opinião pública internacional à política colonial

portuguesa e ao próprio regime salazarista, mantiveram Portugal numa postura

de relativo isolamento no contexto internacional; por outro, os interesses

econômicos e financeiros e as determinações político-estratégicas da

conjuntura mundial naquele momento, acabaram por garantir a integração de

Portugal dentro do Sistema Internacional.

Porém, a partir da década de 1960, por influência do processo mais

amplo de descolonização afro-asiática iniciado após a Segunda Guerra Mundial

109 MACQUEEN, Norrie. op. cit., p. 79-80. 110 RODRIGUES, José Honório. “O Brasil e o Colonialismo Português – Revisão de Uma Infâmia Secular”. In: METZNER-LEONE, Eduardo. O Brasil e o Colonialismo Português – Revisão de Uma Infâmia Secular, Rio de Janeiro, Gráfica Olímpica Editora, 1962, p.14. Este artigo foi publicado, originalmente, na Revista “Senhor”, de abril de 1962, e reproduzido na íntegra, na obra citada, que foi escrita como uma resposta ao mesmo.

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e dos princípios terceiro-mundistas da Conferência de Bandung (1955),

intensificaram-se nas colônias portuguesas os movimentos de libertação em

relação à metrópole, gerando as chamadas “guerras coloniais”, que tiveram um

papel fundamental na crise do regime salazarista. Estes movimentos de

libertação colonial, como o PAIGC (Guiné e Cabo Verde), MPLA e UPA

(Angola) e FRELIMO (Moçambique), passaram a contar com o apoio da

opinião pública internacional, além da ajuda militar do bloco socialista que, no

contexto da Guerra Fria, tinha importantes interesses estratégicos no conflito.

Portugal, que insistia em manter inalterada sua política colonial, recebia apoio

declarado somente da Espanha Franquista e da África do Sul. Porém, por

causa dos interesses político-estratégicos já mencionados anteriormente,

Portugal contava com ajuda militar da OTAN, o que se refletiu no treinamento

de militares portugueses nos EUA e no recebimento de bombas de Napalm dos

norte-americanos, que foram amplamente utilizadas no combate aos

guerrilheiros africanos e à população civil que os apoiava, de forma muito

similar à ação norte-americana no Vietnã.

Os sinais de rebelião contra a dominação portuguesa começaram a

aparecer mais nitidamente a partir do início da década de 1950 quando, em

algumas colônias, aconteceram as primeiras manifestações de contestação,

como em São Tomé, em 1953, quando a Polícia Salazarista foi a responsável

pela morte de mais de 100 trabalhadores e camponeses em greve.

Alguns anos depois, no início da década de 1960, a política colonial

salazarista sofreu alguns sérios revezes como a perda do “Estado da Índia”

para a União Indiana e o “Caso Santa Maria”, quando este navio foi

seqüestrado pelo Capitão Henrique Galvão, em um episódio que culminou no

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início da Guerra Colonial, em Angola, já que havia a expectativa que o mesmo

fosse para Luanda, o que acabou desencadeando uma série de conflitos na

mais importante das colônias africanas. Tal acontecimento também

demonstrou o descontentamento existente entre boa parte das forças armadas

portuguesas em relação ao regime, que já se havia manifestado anteriormente

com a candidatura do General Humberto Delgado, nas eleições presidenciais

de 1959, e que teria sua culminância em uma fracassada tentativa de golpe

militar contra Salazar, em 1961, que envolveu elementos do alto escalão das

forças armadas, inclusive o Ministro da Defesa, Gal. Botelho Muniz.

Nesse contexto, começaram a ser organizados, nas colônias africanas,

diversos movimentos guerrilheiros que iriam iniciar, naquele momento, uma

forte ofensiva contra as forças colonialistas. Assim, por volta de 1961, o

número de guerrilheiros em ação em toda a África Portuguesa já superava os

dez mil homens e, no mesmo ano, os movimentos rebeldes das diversas

colônias davam um importante passo para a articulação de sua luta política

com a criação da CONCP (Conferência das Organizações Nacionalista de

Colônias Portuguesas). Este organismo, sediado em Argel e articulado

inicialmente pela UPA (União das Populações de Angola), pela MPLA

(Movimento pela Libertação de Angola) e pelo PAIGC (Partido Africano pela

Independência da Guiné e de Cabo Verde), teria o papel de funcionar como

coordenador das diversas lutas de libertação na África Portuguesa. A CONCP,

juntamente com os governos de Gana e da Tanzânia, foi fundamental para a

articulação de um movimento de libertação em Moçambique, ultima colônia a

ter uma organização revolucionária verdadeiramente nacional, o que só iria se

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concretizar em 1962, com a criação da FRELIMO (Frente de Libertação de

Moçambique):

Era claramente de grande importância para a

CONCP trazer Moçambique para um movimento

mais amplo e foi um êxito importante quando o

conseguiu, quaisquer que fossem os problemas

implícitos na criação de um movimento de

libertação nacional por incitamento externo.111

Nos anos seguintes, as ações desses movimentos guerrilheiros

intensificaram-se, fazendo com o que Estado Português dispendesse cada vez

mais homens e recursos para o combate aos revolucionários africanos. Ao

mesmo tempo, são tomadas medidas de “maquiagem” para tentar conter a

revolta nas colônias, tais como a supressão formal do trabalho forçado dos

nativos e a ampliação das possibilidades de acesso à cidadania portuguesa.

Assim, a guerra colonial iniciada em Angola, em 1961, espalhou-se pelas

outras colônias atingindo a Guiné, em 1963 e Moçambique, em 1965. Ao

mesmo tempo, intensificaram-se as pressões contra o colonialismo português,

fazendo com que crescesse o isolamento político-econômico do regime

salazarista.

Surge também nos meados da década de

cinqüenta o obstáculo maior à eternização de uma

ditadura que não dava sinais de querer adaptar-se

ao seu tempo ou evoluir: a “questão colonial” (...)

Salazar recusar-se-ia a qualquer concessão ou

negociação quanto à administração das parcelas

africanas, mantendo-se firmemente apostado em

111 MACQUEEN, Norrie. op. cit., p. 42

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permanecer “orgulhosamente só” até ao fim, como

disse num discurso.112

Internamente, o prolongamento da Guerra Colonial começou a solapar

as bases de apoio do Estado Novo e fez com que setores que tradicionalmente

apoiavam o regime - como a Igreja, os Militares e a Burguesia Monopolista -

assumissem uma postura crítica em relação a este, engrossando, assim, as

fileiras da tradicional oposição portuguesa. Esta oposição formada por

comunistas, socialistas e democratas se unia em torno de alguns objetivos

comuns como o fim da Guerra Colonial, a modernização do país e a

democratização das forças armadas e da própria sociedade portuguesa

Entre os setores descontentes com a prolongada guerra colonial e a

intransigência de Salazar, destacavam-se a burguesia monopolista, uma das

principais bases de sustentação do regime, que via na guerra um obstáculo aos

seus interesses econômicos e à entrada de Portugal no Mercado Comum

Europeu; setores da elite militar, que tinham a percepção de que os problemas

coloniais deveriam ser resolvidos através da ação política e não da ação militar;

e os próprios aliados de Portugal na OTAN, que com o prolongamento da

guerra, passaram a encará-la como uma ameaça aos seus interesses

estratégicos na África, naquele contexto de Guerra Fria. Além disso, a guerra

colonial possibilitou a rearticulação das oposições portuguesas em torno das

idéias fundamentais de pôr fim à guerra e de democratizar o país.

Sobre esta questão, é importante ressaltar a estreita relação existente

entre as organizações revolucionárias africanas e setores da oposição 112 MEDINA, João. “A Ditadura Portuguesa do Estado Novo (1926-1974): Síntese da Ideologia e Mentalidade do Regime Salazarista-Marcelista”. In: TENGARRINHA, José (Coord.).A Historiografia Portuguesa, Hoje. São Paulo, Hucitec/Instituto Camões, 1999, p. 226-227.

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portuguesa, notadamente o PCP (Partido Comunista Português), que

associavam a luta pela libertação das colônias à luta contra a ditadura. Esta

percepção da articulação existente entre estas duas lutas está bastante clara

nos escritos de Amílcar Cabral, um dos mais importantes líderes

revolucionários da África Portuguesa, que afirmava que:

Se a queda do fascismo em Portugal pode não

conduzir ao fim do colonialismo português - e esta

hipótese é de resto enunciada por alguns dos

dirigentes da oposição portuguesa -, estamos

certos que a liquidação do colonialismo português

provocará a destruição do fascismo em Portugal.113

Além da questão colonial, o próprio desenvolvimento da economia

portuguesa no decorrer da década de 1960, com a entrada maciça de

investimentos estrangeiros aproveitando-se das vantagens oferecidas pelo

regime (inexistência de sindicatos livres, baixos salários), e a

internacionalização das velhas empresas oligárquicas - que até então atuavam

basicamente em Portugal e nas colônias, e que passaram a investir em novas

áreas como o Brasil, os EUA e a Europa - contribuiu para aumentar as

contradições internas do regime e enfraquecer sua base de apoio, visto que

importantes setores da elite portuguesa começaram a ter a percepção de que o

modelo político e econômico do Estado Novo limitava as possibilidades de

crescimento do país e de sua integração no mercado internacional.

Por outro lado, o crescimento da economia portuguesa se deu de

forma excludente, não trazendo mudanças significativas na situação social da

maior parte da população portuguesa. De acordo com o historiador português

113 Citado em: BENOT, Yves. A Ideologia das Independências Africanas. Vol. 2, Lisboa, Sá da Costa, 1981, p.199.

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José Tengarrinha, estas transformações na economia “se traduziram no

crescimento do setor secundário (indústrias transformadoras e construção),

diminuição dos ativos agrícolas e aumento dos trabalhadores de serviços e do

terciário em geral, num processo de crescimento anômalo que não eliminava -

antes, até, nalguns aspectos agravava - o subdesenvolvimento social”.114

Os claros limites deste modelo econômico fizeram com que, já no final

da década de 1960, se delineasse um quadro bastante negativo para a

economia portuguesa, que se agravou com a crise mundial do petróleo e a

conseqüente desvalorização do escudo, em 1973:

Os últimos anos do regime corporativo

apresentavam sinais de uma crise crescente:

atenuação da taxa de crescimento das exportações

e esgotamento do modelo de industrialização,

assente numa política de substituição de

importações, com o conseqüente incremento do

défice comercial; afrouxamento da taxa de

crescimento do investimento na indústria;

dificuldade crescente de o Estado suportar as

despesas com infra-estrutura, devido ao peso das

despesas de guerra. Por outro lado, a diminuição

dos salários reais acelera-se entre 1971 e 1973,

sobretudo pela subida da taxa de inflação,

aumentando assim a desigualdade na repartição

dos rendimentos, a qual vai contribuir para um

agravamento dos conflitos sociais.115

Além disso, o regime também vivia um momento de instabilidade

política desde 1968, com a subida ao poder de Marcello Caetano, devido ao

afastamento por doença de Salazar e o seu posterior falecimento (1970). A

114 TENGARRINHA, José. Os Caminhos da Unidade Democrática Contra o Estado Novo. in : TENGARRINHA, José (Coord.). op. cit., p. 272. 115 MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal - Vol. 8. Lisboa, Estampa, s/d, p.17.

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ascensão do novo “homem-forte” do regime salazarista acendeu as esperanças

dos setores liberais portugueses na realização de reformas políticas e

econômicas que levassem à liberalização do regime e à modernização de

Portugal. Porém, quaisquer que fossem as intenções de Caetano, sua posição

“ficou limitada desde o princípio pela presença no regime de poderosos

elementos empenhados na continuação da política de Salazar, particularmente

em relação à África, tanto no governo como entre os militares”.116 Desta forma,

as esperanças na liberalização do regime foram logo frustradas.

Por outro lado, faltava a Caetano a habilidade política de seu

antecessor em articular os interesses distintos dos setores que davam

sustentação ao Estado Novo, tanto interna, quanto externamente. Com isto,

apesar de tentar manter uma imagem reformista, a indefinição e a indecisão

características de seu governo acabaram tanto desagradando aos setores mais

liberais, quanto gerando a desconfiança dos setores mais à direita.

Todos estes fatores contribuíram para a crise do Estado Novo e para a

sua derrubada pela Revolução dos Cravos de 25 de Abril de 1974. Este

movimento, levado a cabo pela oficialidade jovem das Forças Armadas e por

setores mais “liberais” da elite militar portuguesa, pôs fim aos quase 50 anos de

ditadura em Portugal de forma rápida e, de certo modo, inesperada,

surpreendendo, inclusive, os observadores internacionais.

A articulação de boa parte das Forças Armadas contra o regime

Salazarista-Caetanista deu-se a partir de algumas questões específicas dos

militares como o cansaço da guerra colonial entre os oficiais das forças

armadas e a alteração das regras de acesso à carreira militar, que acabaram

116 MACQUEEN, Norrie. op. cit., p. 91.

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levando à formação do MFA (Movimento das Forças Armadas), estruturado

fundamentalmente entre a oficialidade mais jovem das Forças Armadas

portuguesas.

Por doença, Salazar teve entretanto de abandonar

a chefia do governo (1968), confiada então a

Marcelo Caetano, que governaria até 1974 sem

nunca conseguir resolver o problema fundamental

do regime ditatorial, a questão das guerras

coloniais, nó górdio que estaria na origem de uma

contestação militar que, transportada para a

Metrópole, criaria o Movimento das Forças

Armadas (MFA), que finalmente derrubou um

regime fundado pelas armas, quase meio século

depois117.

Além disso, na própria cúpula da elite militar começaram a surgir

vozes dissonantes em relação ao regime, como as dos Generais Costa Gomes

e Antônio de Spínola, duas das mais importantes figuras da hierarquia militar

portuguesa.

O General Spínola, Comandante-Chefe da Guiné Portuguesa, lançou

em fevereiro de 1974, com a anuência de Costa Gomes, Chefe do Estado-

Maior e seu superior imediato, o livro Portugal e o Futuro, onde analisando a

situação de Portugal, defendia a idéia de que a questão colonial não tinha

solução militar possível e de que somente a autonomia progressiva das

colônias e o reconhecimento dos direitos dos povos africanos à

autodeterminação, poderiam resolver o impasse gerado pelas guerras

coloniais. Para ele, o caminho para a quebra do isolamento português no

cenário internacional passava pela solução do problema colonial, com a

117 MEDINA, João. op.cit., p. 227-228.

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formação de uma espécie de commonwealth portuguesa, fazendo com que as

colônias permanecessem ligadas a Portugal através desta Federação de

Estados Autônomos. Esta proposta de resolução pacífica da questão colonial,

através da implantação de uma “política neocolonial”, obteve grande

ressonância junto à burguesia portuguesa, pois garantiria a continuidade do

fornecimento de matérias-primas provenientes das colônias, a baixo custo,

aumentando assim a competitividade das empresas portuguesas no mercado

internacional. Por estas propostas, fica bastante claro que o livro Portugal e o

Futuro possuía um tom bastante conciliador e ponderado, pois demonstram

claramente que “os objetivos de Spínola eram moderados e constituíam uma

alternativa conservadora, pois se apresentava como antídoto à desagregação

de Portugal pela via revolucionária”.118

No entanto, a publicação dessa obra foi considerada um desafio público

ao regime, já que colocava em xeque as bases do sistema salazarista:

Os velhos fascistas, que tinham criado o regime e

dedicado as vidas ao seu serviço, consideravam o

tom liberal e democrático do livro como um

anátema, e foi precisamente isso que fez de

Portugal e o Futuro um êxito editorial.

Inevitavelmente, a opinião pública concluiu que

nenhum governo poderia aceitar de bom grado a

participação popular em África, ao mesmo tempo

que a negava em Portugal.119

118 SECCO, Lincoln. A Revolução dos Cravos e a crise do Império Colonial Português. São Paulo, Alameda, 2004, p. 110. A proposta da “Comunidade Lusíada”, do Gal. Spínola, será analisada em maiores detalhes no capítulo 3. 119 MAXWELL, Kenneth. op. cit., p. 50.

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As repercussões do livro na sociedade portuguesa e o mal-estar

gerado pelas demissões de Costa Gomes e Spínola contribuíram, sem dúvida,

para acelerar a organização do golpe que iria derrubar Marcelo Caetano.

Assim, vinte e cinco minutos após a meia-noite do dia 25 de abril de

1974, o radialista José Vasconcelos, da Rádio Renascença, emissora católica

de Lisboa, tocou, em seu programa “Limite”, a canção “Grândola, Vila Morena”,

do compositor José Afonso: era a senha para o início da revolta que iria mudar

os rumos de Portugal, e que nos primeiros dias foi chamado de Revolta dos

Capitães, para em seguida receber o nome de Revolução dos Cravos, a flor de

abril em Portugal. Chegavam ao fim os 48 anos da mais obscura ditadura

européia, a salazarista.

2.4. Os “cacos” do Império: Portugal no pós-25 de abril.

O período que se seguiu à Revolução de Abril foi marcado por intensa

agitação política e social, com diversos projetos políticos e concepções

distintas de sociedade se confrontando no confuso cenário político português, e

com o processo revolucionário passando por marchas e contramarchas.

Somente em 1976, com a promulgação de uma nova constituição,

politicamente bastante avançada, e com a eleição de Ramalho Eanes para a

Presidência da República, as instituições democráticas começaram a

consolidar-se em Portugal. Porém, se por um lado, Portugal foi conseguindo se

estabilizar politicamente, por outro, o país passou por sérios problemas

econômicos, nos primeiros anos após a Revolução: uma reforma agrária mal-

executada gerou uma queda brutal na produção de alimentos e o aumento das

importações fez com que a dívida externa atingisse níveis altíssimos. Além

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disto, a independência das colônias, em 1975, fez com que Portugal perdesse

importantes fontes de matérias-primas, além do que o regresso de mais de

800.000 colonos fez com que os graves problemas sociais do país se

agravassem.

Este momento representou uma ruptura significativa para o Estado e

para a sociedade portuguesa, redefinindo as suas estruturas internas e a sua

inserção nas relações internacionais contemporâneas, pois com a vitória da

Revolução dos Cravos, iniciou-se a descolonização do Império Ultramarino

Português, concretizada durante os anos de 1974 e 1975, quando as últimas

tropas portuguesas foram se retirando das ex-colônias. Este acontecimento

marca o início do processo que Boaventura de Souza Santos chamou de

“reterritorialização”, ou seja, o retorno de Portugal aos limites de seu território,

cinco séculos depois de iniciar a formação de seu Império Colonial. Porém, ao

mesmo tempo em que passava por esta “reterritorialização”, Portugal inseria-se

em um novo processo de “desterritorialização”, 120 desta vez em relação à

Europa. De fato, a Revolução dos Cravos e o processo histórico que se seguiu

a ela, marcaram o fim da “política atlântica”, que caracterizava a inserção de

Portugal nas relações internacionais até então, e definiram o seu retorno para

“os braços da Europa”, praticamente relegando a um segundo plano as suas

relações com as ex-colônias:

Enquanto estava de costas voltadas para a África,

Portugal ganhava grandemente com o facto de ter

chegado a um entendimento com a Europa. O

pedido de adesão à Comunidade tinha sido feito

pelos governos socialistas no final da década de

120 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice... Os conceitos de reterritorialização e desterritorialização são trabalhados em toda a segunda parte do livro, principalmente no artigo “Onze Teses por ocasião de mais uma Descoberta de Portugal”.

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70, mas as negociações foram levadas a cabo

pelos governos conservadores dos anos 80,

dirigidos por políticos reabilitados que tinham

funcionado como uma pequena ala ‘liberal’, na

última legislatura de partido único anterior à

Revolução. Entrar para a Europa era considerado

um reconhecimento de respeitabilidade

democrática, para além da abertura de novas

portas à economia.121

Vinte e cinco anos depois, ao escrever sobre todo este processo, o

jornalista Márcio Moreira Alves descreveu da seguinte forma o retorno de

Portugal à “normalidade democrática”:

Os líderes dos capitães de abril surgiram como

estrelas cadentes, para desaparecer à medida que

os partidos políticos se organizavam, as eleições

revelavam as preferências do eleitorado e o país

entrava na normalidade democrática. Um governo

provisório sucedia a outro, houve seis ou sete e,

por fim, o povo se cansou de tanta política. Tornou-

se outra vez europeu, votou pela adesão à União

Européia, foi trabalhar e alcança hoje níveis de

vida semelhantes ao dos países do norte do

continente.122

Analisando todas estas questões, não deixa de ser interessante notar que

o Terceiro Império, tão caro para o “Estado Novo” e seu ideário político, foi,

essencialmente, estruturado por um homem que nunca pisou em solo do

ultramar e que tinha um conhecimento bastante limitado da realidade das

121 BIRMINGHAM, David. op. cit.., p. 236. 122 ALVES, Márcio Moreira. Os Cravos de Abril. O GLOBO, 25/04/1999.

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colônias, mas que, em nenhum momento, aceitou discutir uma solução

negociada para o problema colonial.

Assim, devido a essa relação extremamente estreita existente entre a

ditadura salazarista e o colonialismo, não é de se admirar que tenha sido,

justamente, a questão colonial um dos fatores fundamentais que levaram à

derrocada do regime.

Entre 1968 e 1972, por exemplo, a maior parte do

exército português (142 mil homens) se encontrava

na África, na defesa das colônias em guerra,

enquanto o movimento armado pela libertação

tinha o apoio da opinião pública internacional,

contava com a solidariedade africana e com o

suporte em material bélico e assistência aos

militantes de países da área socialista e governos

simpatizantes escandinavos (...) Finalmente, em 25

de abril de 1974, jovens oficiais das Forças

Armadas em Portugal derrubam a ditadura,

apoiados no povo cujas armas eram os cravos que

levavam e a alegria estampada nos rostos. Era a

democracia em marcha e a decretação do fim do

colonialismo. O exército colonial fora derrotado e

voltava-se contra a metrópole em nome da

liberdade.123

Ao mesmo tempo, em que o regime salazarista caía por terra, também

pareciam desmoronar os velhos mitos do “destino imperial” português e da

“missão histórica” de Portugal. Assim, cinco séculos depois do início de sua

Expansão Marítima, Portugal voltava a ficar restrito aos limites de seu pequeno

território.

123 LINHARES, Maria Yedda. op. cit., p. 59-60.

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Refletindo sobre esse processo, é importante notar a maneira com que o

povo português lidou com ele. Era de se esperar que, a derrocada de um

Império de cinco séculos, que o Estado Português considerava como “parte

indivisível” da nação, representasse um trauma profundo para os portugueses.

Porém, em um dos momentos mais importantes de sua história, mais uma vez

o povo português esteve “ausente de si mesmo” 124, como ressaltou o ensaísta

Eduardo Lourenço, na mesma perspectiva assinalada por David Birmingham

que afirmou, em já citada passagem, que no período que se seguiu à

descolonização, os portugueses passaram por uma verdadeira amnésia

coletiva em relação à África, como se Portugal nunca tivesse sido uma nação

imperial. Sobre isto, nos diz Lourenço, “pelo império devimos outros, mas de

tão singular maneira que na hora que fomos amputados à força (mas nós

vivemos a amputação como voluntária) desse componente imperial de nossa

imagem, tudo pareceu passar-se como se jamais tivéssemos tido essa

famigerada existência imperial e em nada nos afetasse o regresso aos estreitos

e morenos muros da pequena casa lusitana”.125 Assim, da mesma maneira que

o Estado Novo construiu os mitos do “colonialismo exemplar” e da “Civilização

Luso-Tropical”, trabalhou-se a descolonização com a mesma perspectiva, ou

seja, como um exemplo de descolonização negociada, e “o país foi posto diante

do fato consumado e como tal o recebeu, não só porque tinha a vaga

consciência de que não era possível outra solução, como supunha – talvez a

justo título – que era o preço a pagar por sua própria libertação”.126

No entanto, naquele momento, o sonho imperial aparentava ter ficado

definitivamente para trás e o futuro português parecia voltar-se então para a 124 LOURENÇO, Eduardo. O Labirinto da Saudade. 2o ed., Lisboa, Dom Quixote, 1982, p. 47. 125 Idem. p. 41. 126 Idem. p. 64.

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Europa, mais de quinhentos anos depois do início da expansão pelo Atlântico.

Este “retorno à Europa” suscitou em Portugal uma série de debates sobre a

questão da identidade nacional, refletindo a necessidade do país se repensar

enquanto nação e de redefinir o seu papel na Comunidade Internacional. Em

um de seus ensaios127, Eduardo Lourenço afirma que um dos elementos

fundamentais da identidade portuguesa é a consciência – e a euforia mítica

gerada por ela – de, em determinado momento da História ocidental, ter

desempenhado um papel fundamental “medianeiro e simbolicamente

messiânico”, transformando, graças a essa mediação, essa História ocidental

em História mundial. Portanto, nem mesmo momentos cruciais da História

Portuguesa – como o 25 de Abril e a dissolução do Império Colonial – ou

mesmo a pouca importância de Portugal no mundo contemporâneo,

conseguem alterar esta percepção que os portugueses têm de si mesmos.

Assim, para Lourenço:

O que nós somos, por ter sido, não nos parece

poder ser dissolvido ou realmente ameaçado por

perigo algum vindo do exterior, improvável

federação hispânica ou provável, no futuro,

confederação européia. Em qualquer entidade

transnacional que nos pensemos, figuraremos

sempre com uma identidade, que é menos a da

nossa vida e capacidade coletiva própria, do que

essa de ator histórico privilegiado da aventura

mundial européia.128

127 LOURENÇO, Eduardo. Nós e a Europa ou as duas razões, 4a ed., Lisboa, Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1994. Estas idéias são expostas, fundamentalmente, no primeiro ensaio do livro, “Identidade e Memória – O Caso Português”, porém são temas constantes da obra de Lourenço e já aparecem em sua obra mais conhecida, “O Labirinto da Saudade”, já citada neste trabalho. 128 Idem. p. 11.

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Esta visão de mundo fez com que, de certa forma, Portugal passasse a se

ver - e também a ser visto – como “desertores da Europa”, e essa Europa

passasse a ser vista como o “outro” de Portugal. Esta percepção foi alimentada

pela ditadura salazarista que, com o discurso do “orgulhosamente” sós, vendia

a imagem de Portugal como o “paraíso perdido”, em meio à “crise moral’ vivida

pela Europa. No entanto, com a integração de Portugal à CEE (Comunidade

Econômica Européia), os Europeus deixam de ser os “outros” e passam a ser

“nós”. Como os portugueses encararam esta questão? Para Lourenço, Portugal

sempre foi Europa – uma outra Europa Ibérica e católica - e esse retorno à

Europa significaria, na verdade, uma “reconciliação”:

(...) nós, primeiros exilados da Europa e seus

medianeiros da universalidade com a sua marca

indelével, bem podemos trazer à nossa Europa à

Europa. E dessa maneira reconciliarmo-nos, enfim,

conosco próprios.129

Pensando as mesmas questões, Boaventura de Souza Santos

analisou o problema identitário de Portugal, a partir da perspectiva teórica do

Sistema-Mundo.130 Em última instância, essa questão seria definida pelo

129 Idem. p. 37. 130 A concepção do “Sistema-Mundo”, formulada por teóricos como Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi, busca compreender as relações internacionais a partir da perspectiva da economia do mundo capitalista. Desta forma, o Sistema-Mundo entende as relações internacionais como um sistema onde as relações interativas seriam caracterizadas pela competição ou pela subordinação entre Estados e regiões econômicas, estando cada um desses atores sociais integrado sucessivamente – e hierarquicamente, de acordo com os “círculos braudelianos” – a uma mesma “estrutura de poder” (ALMEIDA: 1999, p.28). A partir dessa perspectiva braudeliana, as relações exteriores não configurar-se-iam, propriamente, a todo o planeta, mas, simplesmente, a uma região específica do espaço econômico mundial, onde deparamo-nos com círculos concêntricos, que abrangem, sempre, um “centro” – isto é, a área hegemônica, sob o ponto de vista político, militar e econômico – e inúmeras “periferias” – ou seja, os países que orbitam a zona de influência da região central.A teoria do Sistema Mundo sustenta-se, intelectualmente, a partir das dicotomias de classe (burguesia x proletariado) e da divisão internacional do trabalho (centro x periferia). Na primeira dicotomia, a dominação por parte das camadas dirigentes faz-se pelas decisões sobre a natureza e a quantidade da produção material; ao passo que na segunda produzem-se “trocas desiguais”,

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histórico papel “semi-periférico” de Portugal, que o torna colonizador fora da

Europa, e colonizado dentro dela. Este “caráter intermédio” acaba fazendo com

que Portugal seja considerado um “paradoxo” ou um enigma, pelos

estrangeiros e pelos próprios portugueses,131 ao mesmo tempo em que gera

algumas características identitárias bastante peculiares. Para Santos, as

Identidades e Culturas nacionais são frutos da ação do Estado, principalmente,

no século XIX. No caso português, houve uma incapacidade do Estado em

cumprir esse papel, o que gerou um tipo específico de cultura que ele

denomina “Cultura de Fronteira”:

(...) enquanto identidade nacional, Portugal nem

nunca foi semelhante às identificações culturais

positivas que eram as culturas européias, nem

nunca foi suficientemente diferente das

identificações negativas que eram, desde o século

XV, os outros. (...) Em termos simbólicos, Portugal

estava demasiado próximo de suas colônias para

ser plenamente europeu e, perante estas, estava

demasiado longe da Europa para ser um

colonizador conseqüente. Enquanto cultura

onde a remuneração superaria, em muito, o capital investido. A vinculação dessas duas dicotomias aparece no cerne do sistema capitalista que produz a junção entre as dicotomias burguesia/proletariado e centro/periferia, de modo a lhe possibilitar resistir às periódicas crises que o assolam. O Sistema-Mundo, assim, procura elucidar os problemas da política internacional a partir de uma perspectiva totalizante, não concedendo espaço às especificidades nacionais. Procura, desse modo, obter respostas últimas aos problemas que lhe permitem, mesmo, existir. Ao analisar a inserção internacional de Portugal sob esta perspectiva, Boaventura de Souza Santos utiliza o conceito de “sociedade semiperiférica” ou de desenvolvimento intermédio” formulado inicialmente por I. Wallerstein e adaptado por ele ao caso português. Este conceito foi criado como uma categoria intermediária entre as categorias básicas do sistema mundial, ou seja, as categorias de países centrais e países periféricos, e pode ser aplicada, historicamente, a Portugal, que na época do Império Colonial já se encontrava nesta situação, pois funcionava como centro em relação às suas colônias e periferia em relação aos países centrais do capitalismo, desempenhando o papel de “correia de transmissão” entre eles. Na concepção do “Sistema-Mundo”, as sociedades semiperiféricas desempenhariam um papel fundamental dentro do sistema capitalista, na medida em que a mundialização do processo de acumulação capitalista não exclui e, pelo contrário, pressupõe a segmentação das relações intrasistémicas e são precisamente as sociedades semiperiféricas que, pela sua função de intermediação, conferem especificidade e estabilidade aos vários segmentos do sistema mundial (SANTOS: 1998, p. 107). 131 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice... Estas idéias aparecem nesta obra - já citada anteriormente – principalmente ao longo dos capítulos 3 e 6, intitulados, respectivamente, “Onze Teses por Ocasião de Mais uma Descoberta de Portugal” e “Modernidade, Identidade e a Cultura de Fronteira”.

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européia, a cultura portuguesa foi uma periferia

que, como tal, assumiu mal o papel de centro nas

periferias não-européias da Europa.132

Assim, a cultura portuguesa seria caracterizada pelo acentrismo e pelo

cosmopolitismo, característicos do “estar na fronteira”.133 E estas

características, de forma diferenciada, estariam presentes no Brasil e na África

Portuguesa – um exemplo disto seria a idéia da “antropofagia cultural” dos

modernistas. Segundo Santos, neste momento de Globalização e integração à

Europa, tal caráter fronteiriço da cultura portuguesa teria aspectos positivos:

O contexto global do regresso das identidades, do

multiculturalismo, da transnacionalização e da

localização parece oferecer oportunidades únicas a

uma forma cultural de fronteira precisamente

porque esta se alimenta dos fluxos constantes que

a atravessam. A leveza da zona fronteiriça torna-a

muito sensível aos ventos. É uma porta de vai-

vem, e como tal nem nunca está escancarada,

nem nunca está fechada.134

A partir das questões levantadas acima por Lourenço e Santos, pode-se

perceber os impactos da integração à Europa sob a sociedade portuguesa, no

momento em que todo a nação definia o que queria para si e em que o “Estado

português consumou uma opção política e econômica de fundo”135. Assim, as

antigas colônias africanas foram praticamente deixadas de lado, embora não

se possa negar que, apesar das enormes dificuldades econômicas e políticas

enfrentadas pelos governos portugueses pós-25 de abril, o Estado português

132 Idem. p. 151-152. 133 Ver nota 17. 134 Idem. p. 154-155. 135 MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal – Portugal em Transe (Vol. 8). op.cit., p. 150.

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não deixou de enviar alguma ajuda às suas ex-colônias, principalmente através

dos “colaborantes”, profissionais especializados geralmente pagos pelo

governo português.136 Somente, com o ensaio de uma volta ao Atlântico, já na

década de 1980, é que as ex-colônias voltam ao centro das atenções em

Portugal, fazendo com que a velha mística imperial reaparecesse novamente,

desta vez envolta sob o amplo manto do discurso da lusofonia.

136 Ver nota 32.

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Capítulo III

Comunidade Lusófona: a Construção de uma Idéia

Conforme discutimos no primeiro capítulo deste trabalho, o Estado

português - mesmo com sua limitada capacidade de intervenção, devido à sua

condição periférica no Sistema Internacional - tem procurado investir na

construção da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, elegendo-a

como uma das prioridades da sua política externa. Assim, entendemos que a

inserção de Portugal na Nova Ordem Mundial, que começou a se estruturar na

década de 1990, passa por dois caminhos: a sua integração à Europa e a

retomada da Política Atlântica, abandonada após o 25 de Abril. Estes dois

caminhos não são excludentes, ao contrário, são complementares, pois o

pertencimento à U.E. garante a Portugal recursos para investir nesta Política

Atlântica, que ele, sozinho, não teria. Por isso, a constituição de uma

Comunidade Lusófona com suas ex-colônias adquire uma importância

econômica e estratégica muito grande para Portugal, visto que este fato

possibilitaria a ele, devido a sua posição geográfica, funcionar como o centro

de uma articulação entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul.

A questão econômica também aparece de forma bastante

significativa, na perspectiva de construção desta comunidade lusófona, pois

mesmo com o seu afastamento da África, nos anos seguintes à

descolonização, Portugal continuou mantendo relações econômicas, mesmo

modestas, com suas ex-colônias. O grande problema do Estado português,

neste aspecto, é a sua capacidade limitada de investimentos, o que restringe o

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estreitamento destas relações. Porém, isto teria condições de ser compensado

com a entrada de Portugal na UE, visto que esse poderia funcionar como

“placa giratória entre seus novos parceiros e as suas antigas colônias”.137 No

entanto, é necessário lembrar que, dentro da lógica da competição entre os

Estados, os outros países da UE não irão, necessariamente, defender os

interesses portugueses na África, se avaliarem a existência de possibilidades

econômicas ou vazios políticos a serem preenchidos nos PALOP – como

exemplos disto, podemos citar a recente entrada de Moçambique na

Comunidade Britânica, ou o avanço dos interesses franceses na Guiné-Bissau,

que se encontra cada vez mais integrada à África Francófona. Como assinala

Sombra Saraiva, “a inserção portuguesa na CPLP é mesmo uma possibilidade

de preservar interesses já consolidados e para consolidar – particularmente

nos setores comerciais e financeiros – a reconstrução de países como Angola

e Moçambique”.138 Assim, em uma ordem internacional onde as questões

econômicas adquiriram uma grande importância, este retorno ao Atlântico

poderia possibilitar a Portugal melhores condições para renegociar o seu papel

no Sistema Internacional.

Desta forma, e sob esta perspectiva, o Estado português - dentro das

suas possibilidades – procurou adotar uma política cultural bastante agressiva

de divulgação da língua e da cultura portuguesas no mundo. Como exemplo

desta política pode-se citar a atuação do Instituto Camões - que tem por

objetivo básico coordenar todas as atividades de promoção e de defesa da

cultura portuguesa, bem como da língua, em todo o mundo –, além do

137 ENDERS, Armelle. op. cit., p. 128. 138 SARAIVA, José Flavio Sombra. Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP): Solidariedade e Ação Política. op. cit., p. 67.

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investimento na manutenção de quase duas centenas de leitorados em nível

docente superior espalhados por Universidades em quatro continentes.

A política de articulação do mundo lusófono e de fortalecimento da

língua portuguesa – a partir do discurso da “herança cultural comum” – atende

a um objetivo estratégico de consolidar a língua portuguesa como uma das

línguas mundiais da cultura, impedindo que o castelhano se imponha como o

único representante da cultura ibérica, o que acaba sendo uma nova vertente

da velha rivalidade com a Espanha e do medo de ser absorvido, de alguma

forma, pela vizinha mais poderosa. Esta questão - mesmo com o Castelhano já

tendo se tornado a segunda língua mais falada no mundo ocidental e estar

passando por um processo de expansão – ainda repercute de forma muito

forte junto à opinião pública portuguesa e a setores das elites intelectuais e –

mesmo na contracorrente da realidade – continua sendo alvo de calorosos

debates.139

3.1. Comunidade Lusíada, Comunidade Luso-Afro-Brasileira: uma

genealogia do ideal comunitário.

Como colocamos anteriormente a idéia de uma Comunidade que

articulasse os povos de língua portuguesa é bastante antiga e ganhou

destaque a partir de meados do século XX, quando diversos intelectuais

portugueses e brasileiros, sob diferentes perspectivas, começaram a pensar

em sua constituição.

A CPLP é uma visão de caráter mais ou menos

utópico, a partir da década de 50, teorizada por

intelectuais da craveira de Agostinho da Silva,

139 Boaventura de Souza Santos traça um interessante painel sobre a situação atual desta controvérsia no capítulo intitulado “Onze teses por ocasião de mais uma descoberta de Portugal” em Pela mão de Alice... op. cit., p. 53-74. Ver notas 18 e 82.

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Gilberto Freyre, Joaquim Barradas de Carvalho,

Adriano Moreira, Darcy Ribeiro, entre outros. Era o

sonho que então se designava por Comunidade

Luso-Afro-Brasileira.140

Naquele momento, em que Portugal ainda mantinha o seu Império

Colonial, a idéia de uma Comunidade de Povos de Língua Portuguesa estava

intrinsecamente ligada à noção da hegemonia portuguesa dentro dela,

cabendo ao Brasil o papel de simples coadjuvante. De certa forma, as bases

políticas dessa idéia foram lançadas com a assinatura do Tratado de Amizade

e Consulta, assinado entre Brasil e Portugal, em 1953. A assinatura deste

acordo internacional deixou bastante clara a intenção portuguesa de fortalecer

os seus domínios coloniais na África e na Ásia, no momento em que estava

acontecendo o movimento mais geral pela descolonização afro-asiática.

Conforme assinalamos no capítulo II, foi neste mesmo contexto que Portugal

promoveu mudanças na legislação colonial, iniciou a adoção do

lusotropicalismo de Gilberto Freyre como ideologia justificadora de seu

colonialismo e implantou medidas que procuraram valorizar economicamente

as áreas coloniais.

No final dessa década, em 1959, ocorreu na Universidade da Bahia o IV

Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros, que contou com a presença de Marcello

Caetano - ex-ministro português do ultramar e futuro sucessor de Salazar na

presidência do Conselho de Ministros – como presidente da delegação

portuguesa e de diversos intelectuais brasileiros e portugueses. Nesse

Encontro, as principais discussões giraram em torno daquilo que, na época,

era chamado de “Comunidade Lusíada” e refletiram a forte influência do

140 BRAGA, José Alberto (Coord.). op. cit., p. 37.

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pensamento freyriano na concepção desse espaço comunitário. Nota-se,

também, entre a maioria dos intelectuais e políticos portugueses presentes ao

Colóquio, a já citada noção do papel privilegiado que Portugal deveria

desempenhar nessa Comunidade, fazendo com que ele apareça praticamente

como sujeito único, do qual os demais atores se tornam objetos.141

Às vésperas da Revolução dos Cravos (1974), o ideal comunitário

reapareceu em duas concepções distintas elaboradas por personagens

situados em campos diametralmente opostos no campo ideológico: a primeira -

que procurava enfatizar os aspectos culturais e civilizacionais – foi proposta

pelo historiador marxista português Joaquim Barradas de Carvalho; a outra -

que surgiu no bojo das questões provocadas pelas lutas de descolonização da

África Portuguesa e se detinha em aspectos políticos e econômicos - foi

levantada pelo General António de Spínola, ex-governador da Guiné e membro

da alta cúpula das Forças Armadas portuguesas.

Joaquim Barradas de Carvalho Barradas nasceu em 1920, no Alentejo,

filho de uma tradicional família aristocrática e formou-se em História e Filosofia

em 1946 pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, onde começou

a demonstrar interesse pela História das Idéias. Seus estudos e pesquisas

prosseguiram depois em Paris, onde se doutorou em Estudos Ibéricos pela

Faculdade de Letras e Ciências Humanas da Universidade de Paris/Sorbonne,

em 1961, tendo desenvolvido uma tese sobre o Esmeraldo de Situ Orbis, de

Duarte Pacheco Pereira. Nesse período, conviveu intensamente com a escola

historiográfica dos Annales, tendo se tornado discípulo e amigo de Fernand

141 Cf: RIBEIRO, Maria de Fátima Maia. “À Volta da Comunidade: formações luso-brasileiras em colóquio”. In: SANTOS, Gilda (Org). Brasil e Portugal: 500 Anos de Enlaces e Desenlaces – Revista Convergência Lusíada (17). Rio de Janeiro, Real Gabinete Português de Leitura, 2000, p. 245.

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Braudel e soube combinar o que de melhor havia naquela escola de

pensamento com o que de melhor se fazia em termos de pensamento

marxista.

Militante do Partido Comunista português – embora, extremamente aberto

a outras frentes de pensamento progressista - preocupava-se, como Marx e

Braudel, com os quadros mentais que são prisões de longa duração histórica.

Devido à suas atividades políticas acabou sendo obrigado a sair de seu país,

perseguido pela ditadura salazarista. Em seu exílio, esteve no Brasil entre

1964 e 1970, quando lecionou História Ibérica na Universidade de São Paulo.

Assim, como muitos outros intelectuais portugueses naquele momento,

Barradas encontrou no Brasil um refúgio, participando aqui de círculos de

imigrantes portugueses anti-salazaristas, como aquele que editava o jornal

“Portugal Democrático”, em São Paulo. Foi neste jornal que, pouco tempo

depois de chegar ao Brasil, Barradas descreveu a situação em que se

encontravam as universidades e os intelectuais de seu país:

Uma das principais vítimas do obscurantismo

salazarista tem sido a Universidade, e um dos

principais meios de ação desse obscurantismo têm

sido as ‘limpezas’ sucessivas a que ela tem sido

submetida. Às demissões isoladas sucederam-se

as demissões coletivas e a estas sucedeu um

apertado policiamento na admissão de professores

(...) Em mais de trinta anos de regime salazarista a

Universidade portuguesa tem sofrido golpes só

comparáveis aos sofridos pela Universidade alemã

nos tempos de Hitler, pela Universidade italiana

nos tempos de Mussolini, ou pela Universidade

espanhola no período de instauração do regime de

Franco. (...) E daí poder dizer-se, com uma ironia

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109

repassada de melancolia, que Portugal “exporta”

quadros científicos pois a verdade científica não é

compatível com a quietude do cemitério que é o

Portugal de Salazar142.

Poucos dias antes da Revolução dos Cravos, Barradas de Carvalho

escreveu uma pequena obra intitulada “Rumo de Portugal: a Europa ou o

Atlântico?”, onde desenvolveu a idéia de uma comunidade luso-afro-brasileira

a partir de uma perspectiva essencialmente cultural. Nesse opúsculo, Barradas

de Carvalho retomou algumas idéias bastante presentes em toda a sua

produção intelectual como, por exemplo, a da especificidade do Renascimento

Português, extremamente vinculado às Grandes Navegações portuguesas, e

que, em determinados aspectos, teria apresentado uma riqueza maior do que

o Renascimento Italiano. Porém, a partir do século XVI, Portugal entraria em

um processo de decadência, com a hegemonia da velha nobreza sobre a

burguesia. Dessa forma, “a decadência e o Tribunal do Santo Ofício, a

Inquisição, arma da nobreza contra a burguesia comercial interrompem todo

um processo que prometia ir longe, e que era na verdade, o processo genuíno

de Portugal”.143 Todo este processo, aliado à perda da independência nacional,

em 1580, fez com que Portugal mergulhasse numa longa noite de

obscurantismo e, mesmo após a restauração em 1640, a nação nunca mais

seria a mesma. Assim, citando António Sérgio, Barradas via Portugal como

“uma promessa não cumprida”, um país que “nunca mais foi ele próprio”, 144

submetido ao jogo das grandes potências da época como a Inglaterra e a

142CARVALHO, Joaquim Barradas de. O obscurantismo salazarista. Lisboa, Seara Nova, 1974, p. 13-14. 143 CARVALHO, Joaquim Barradas de. Rumo de Portugal... op. cit., p.72. 144 Idem. p. 70.

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110

França. Uma análise parecida aparece em alguns autores mais recentes como

Boaventura de Souza Santos, o qual afirma que:

A partir do século XVII, Portugal entrou num longo

período histórico dominado pela repressão

ideológica, a estagnação científica e o

obscurantismo cultural, um período que teve a sua

primeira (e longa) manifestação na Inquisição e a

última (assim esperamos) nos quase cinqüenta

anos de censura salazarista.145

Partindo destas premissas, Joaquim Barradas de Carvalho afirmava que,

naquele momento, Portugal estava diante de uma encruzilhada histórica e

tinha diante de si duas opções: rumar para a Europa, o que segundo ele

significaria uma nova perda da independência nacional, similar à de 1580, ou

priorizar o Atlântico, que seria a única condição para que Portugal

reencontrasse “a sua individualidade, a sua especificidade, a sua genuinidade,

medieva e renascentista”.146 Neste ponto, podemos encontrar algumas

similaridades entre o pensamento de Barradas e o de Agostinho da Silva, que

analisaremos posteriormente, sem os componentes místicos, quando esse

afirma que o Portugal genuíno é mais facilmente encontrável no Brasil do que

naquele Portugal europeizado.

Assim, para que Portugal voltasse a ser ele mesmo, seria fundamental a

articulação de uma Comunidade Luso-Brasileira e, futuramente, quando a

África Portuguesa concretizasse a sua independência, uma Comunidade Luso-

Afro-Brasileira, onde “todas as partes que a comporiam se reencontrariam na

mais genuína individualidade lingüística e civilizacional”.147 Nesta comunidade,

145 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela Mão de Alice... op. cit., p. 54. 146 CARVALHO, Joaquim Barradas de. Rumo de Portugal.... op. cit., p. 79. 147 Idem. p. 81.

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a língua portuguesa funcionaria como o grande elemento identitário, pois

dentro de uma perspectiva braudeliana, a Língua e a Civilização incluem-se na

“longa duração” e, portanto, enquanto os regimes políticos e sociais passam,

elas permanecem.

Já o Gal. António de Spínola foi governador militar da Guiné-Bissau em

1968, e de novo em 1972, no auge da Guerra Colonial. Neste cargo, procurou

se aproximar de líderes nativos guineenses, buscando estabelecer alianças

com etnias locais, incorporando alguns desses líderes à administração colonial

portuguesa. Ao mesmo tempo, continuava a guerra por todos os meios ao seu

dispor indo desde a diplomacia secreta (como em encontros secretos com

Léopold Senghor, presidente do Senegal) à incursões armadas em paises

vizinhos. Esta sua experiência no mundo colonial fez que com adquirisse a

forte percepção de aquela guerra não poderia ser vencida pela via militar e que

a única solução para pôr termo ao conflito seria política.

Em Novembro de 1973, regressando à metrópole, foi convidado por

Marcello Caetano, para a pasta do Ultramar, cargo que recusou, por não

aceitar a intransigência governamental face às colónias. Em janeiro de 1974,

foi nomeado vice-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, por sugestão de

Costa Gomes, cargo de que foi afastado em Março. Pouco tempo depois, mas

ainda antes da Revolução dos Cravos, publicou Portugal e o Futuro, onde

expressou a idéia de que a solução para o problema colonial português

passava por outras vias que não a continuação da guerra.

Nesta obra, ao analisar a evolução de Portugal nos anos anteriores,

Spínola afirmava que a economia portuguesa havia tido um grande

desenvolvimento. Porém, a continuidade deste processo estava ameaçada,

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pois o país estava distanciado do mercado internacional e isolado

politicamente devido à política do Estado Novo e à Questão Colonial. A fim de

resolver estas questões, Spínola propôs uma solução política para o problema

colonial, com a concessão da autonomia para as colônias e o estabelecimento

de uma Comunidade Lusíada, nos moldes da commonwealth britânica:

Temos, em resumo, os pontos de um ideário

nacional: autonomia progressiva até ao nível da

perfeita autonomia interna; regionalização das

estruturas, a todos os níveis; adequada

representatividade e participação qualitativa e

quantitativa das populações africanas na vida

política do todo português; integração econômica

pela via do desenvolvimento; promoção sócio-

cultural; rendibilidade dos recursos militares por

assimilação da mobilização civil; segurança da

população e reconhecimento franco do direito dos

povos à autodeterminação, fazendo referendar a

sua autodeterminação pela unidade de um

Portugal de clima aberto e feição renovada. É esta,

em nosso parecer, a essência estrutural de uma

tese válida da nossa continuidade como país

pluricontinental e multirracial. Defendemos esta

tese por portuguesismo e, sobretudo, por respeito

dos que morreram em terras de África, elevando

para a Pátria o seu último pensamento. Só há um

caminho para os não trairmos: construir, à luz de

um novo espírito, na paz e na autenticidade, uma

comunidade portuguesa que exista de facto,

qualquer que seja o estatuto de seus

integrantes148.

148 SPÍNOLA, Antônio de. Portugal e o Futuro. 5o ed, Lisboa, Arcádia, 1974, p. 177-178.

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Esta “solução pacífica” para a questão do ultramar, com a implantação de

uma “política neocolonial”, proposta por Spínola, recebeu apoio integral da

burguesia portuguesa, que via nela o caminho ideal para aumentar sua

competitividade no mercado internacional com as matérias-primas provenientes

das colônias, conforme já assinalamos no capítulo anterior. Tanto isto é

verdade, que em publicações da SEDES (Associação para o Desenvolvimento

Econômico e Social), entidade ligada a essa burguesia, já se defendia, nos

meses que antecederam ao 25 de Abril, a “definição de uma nova política

portuguesa em relação aos territórios ultramarinos, com o aparecimento de

estados juridicamente independentes, ainda que ligados à antiga metrópole por

estreitos vínculos econômicos e culturais”.149

Porém, a intransigência do Estado Novo em relação às colônias, nas

duas décadas anteriores, havia radicalizado de tal modo os ânimos das

populações africanas, que a idéia de uma Comunidade Lusíada, como a

proposta por Spínola, estava, praticamente, inviabilizada. Além disso, a própria

debilidade econômica do Estado português impedia a concretização de

qualquer solução neo-colonial:

A conseqüência dessa situação, no entanto,

impedia a possibilidade de uma saída limpa para

Lisboa. Havia pouco espaço, por exemplo, para

fabricar o tipo de saída do estilo da comunidade

que capacitara outras potências européias a

preparar o fim do império, que, ao mesmo tempo,

fazia com que seus povos pensassem que nada

havia mudado enquanto fazia com que as antigas

colônias acreditassem que tudo era novo. De fato,

149 Citado em: SANTOS, Boaventura de Souza.O Estado e a Sociedade em Portugal (1974-1988). 3o ed., Porto, Edições Afrontamento, 1998, p. 25.

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esse plano foi exposto em “Portugal and the

Future” (Lisboa, 1974) do general Antonio de

Spínola. Mas a “Federação Lusitana” estava vinte

anos atrasada.150

A questão colonial foi um dos fatores fundamentais para a derrocada do

regime salazarista-marcellista, em Portugal. Sendo assim, o problema da

descolonização norteou toda a discussão política nos meses seguintes ao 25

de Abril, e esteve no cerne da política das grandes potências em relação a

Portugal, naquele período. O Programa do Movimento das Forças Armadas -

MFA, divulgado em 26 de abril de 1974 - e que pode ser sintetizado no lema

“Democratizar, Descolonizar e Desenvolver - estabelecia de maneira bastante

vaga o que deveria ser a política ultramarina do governo provisório, que ora se

implantava e que deveria se orientar pelos princípios de:

a) Reconhecimento de que a solução das guerras

no ultramar é política e não militar;

b) Criação de condições para um debate franco e

aberto, a nível nacional, do problema ultramarino;

c) Lançamento dos fundamentos de uma política

ultramarina que conduza à paz.151

Indiscutivelmente, a questão africana esteve no centro do processo que

culminou no 25 de Abril, conforme já foi reiteradamente assinalado ao longo

deste trabalho. E sendo esta questão tão cara ao MFA, o rumo a ser dado à

descolonização tornou-se o primeiro grande ponto de discórdia entre os

“Capitães de abril” e o Gal. Spínola após a vitória do Movimento, estando esta

150 MAXWELL Kenneth. Chocolate, Piratas e Outros Malandros. São Paulo, Paz e Terra, 1999, p. 260. 151 MFA. “Programa do Movimento das Forças Armadas”. Centro de Documentação 25 de Abril. Disponível em: www.uc.pt/cd25a. Acesso: 21 de agosto de 2001.

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divergência já presente na elaboração do citado Programa do MFA. Alçado à

condição de chefe-de-governo, Spínola conseguiu retirar do texto original a

referência ao direito das colônias à autodeterminação, suprimindo o trecho

onde se lia que a política ultramarina do governo provisório deveria pautar-se,

entre outros pontos, pelo “claro reconhecimento do direito dos povos à

autodeterminação e adoção acelerada de medidas tendentes à autonomia

administrativa e política dos territórios ultramarinos, com efetiva e larga

participação das populações autóctones”.152 Assim, na versão final do

documento, essa referência foi substituída pelos já citados termos vagos, já

que o General continuava insistindo na sua proposta neo-colonialista de

formação de uma Commonwealth, tão do agrado da burguesia monopolista

portuguesa.

Porém, as pressões internacionais, bem como uma posição bem clara da

opinião pública portuguesa, acabaram fazendo com que, em julho de 1974, o

governo provisório, apesar da posição reticente de Spínola, aprovasse a lei

7/74, que reconhece o direito dos territórios ultramarinos à independência e à

autodeterminação. Em agosto do mesmo ano, a visita do Secretário-Geral da

ONU, Kurt Waldheim, a Portugal, demonstrou inequivocamente a posição da

Comunidade Internacional a favor de uma solução imediata e satisfatória para

o problema das colônias. A partir daí, iniciou-se o processo de definição dos

interlocutores, nas colônias, com quem o processo de descolonização deveria

ser negociado. Assim, a posição do MFA de reconhecer como interlocutores

válidos somente os movimentos independentistas com expressão militar,

acabou prevalecendo e norteando, como princípio geral, a política

152 Fac-simile da versão inicial do Programa do MFA. In: CARVALHO, Otelo Saraiva de. Alvorada em Abril, Volume II, Lisboa, Publicações Alfa, 1991, p.338-341.

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descolonizadora dos governos provisórios que se sucedem após o 25 de Abril,

embora posteriormente a ótica militar na escolha dos interlocutores tenha sido

substituída pela ótica política, como no caso de Angola, onde ficou clara a

preferência pelo MPLA. 153 Estas questões, bem como o desenrolar do

processo político português nos meses subseqüentes ao 25 de abril, acabaram

por fazer com que a proposta de Spínola fosse deixada de lado e com que

Portugal “virasse as costas” para as suas ex-colônias durante alguns anos,

conforme já foi assinalado anteriormente.

3.2. A Lusofonia e a articulação da CPLP

A partir da década de 1980, quando o discurso da lusofonia começou a

ser elaborado, algumas dessas antigas concepções sobre um espaço

comunitário que articulasse os povos de língua portuguesa começaram a ser

resgatadas e relidas, dentro da perspectiva de legitimação desse discurso.

Nesse contexto, os seus elaboradores foram alçados - nos discursos oficiais e

na produção intelectual do período – à condição de “pais-fundadores” da

nascente Comunidade, os “visionários” que teriam antevisto a integração do

mundo lusófono e formulado as suas bases teóricas e - por que não dizer –

ideológicas.154 Tal processo é levado a cabo por setores da elite política

portuguesa – notadamente o Partido Socialista – e da intelectualidade

progressista. Naquele momento, procurou-se construir um consenso nacional

em torno da articulação de uma Comunidade de Países de Língua Portuguesa, 153 Cf. FERREIRA, José Medeiros. “Após o 25 de Abril”. In: TENGARRINHA, José (Org.). História de Portugal, Bauru/São Paulo, EDUSC/UNESP, 2000, p.340-341. 154 Utilizamos aqui a concepção de “Ideologia” formulada por Antonio Gramsci. Neste sentido, a ideologia deve ser entendida como um discurso que justifica/explica, simbolicamente, as práticas dos diversos grupos sociais; sendo assim, não podemos considerá-la como “falseamento do real”, mas como “(...) uma concepção de mundo, que se manifesta implicitamente na arte, no direito, na atividade econômica, em todas as manifestações de vida individuais e coletivas (...)”. In: GRAMSCI, Antonio. Concepção Dialética de História. 8ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989, p.16.

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erigida em torno do discurso da lusofonia, uma releitura, em novos parâmetros,

do discurso secular da originalidade da cultura portuguesa e das marcas que

ela deixou no mundo, a partir das grandes navegações dos séculos XV e XVI.

As conjunturas política e econômica desse período favoreceram

grandemente a construção desse consenso. Depois dos agitados anos que se

seguiram à Revolução dos Cravos, a década de 1980 foi marcada pela

estabilidade política – que dentre outras coisas, contribuiu para afastar os

militares do centro da política nacional – e pelo crescimento econômico que

seria impulsionada pela adesão à Europa unificada.

Deste modo, era necessário legitimar esse discurso buscando em

experiências passadas – mesmo que forçadamente – ou em escritos de

intelectuais e pensadores bastante distintos entre si os elementos necessários

para o processo de legitimação dessa Comunidade, então em processo de

gestação. Isto ocorreu na perspectiva da “invenção de tradições” explicitada

por E. Hobsbawm e T. Ranger, no momento em que Portugal ensaiava o seu

“retorno à África” depois de quase uma década de esquecimento. Estes

autores, ao analisarem, as “tradições inventadas” afirmam que elas parecem

classificar-se em três categorias superpostas:

a)aquelas que estabelecem ou simbolizam a

coesão social ou as condições de admissão de um

grupo ou de comunidades reais ou artificiais;

b)aquelas que estabelecem ou legitimam

instituições, status ou relações de autoridades, e c)

aquelas cujo propósito principal é a socialização de

idéias, sistemas de valores e padrões de

comportamento.155

155 HOBSBAWM, Eric e RANGER, Terence (Orgs.). A Invenção das Tradições. 2a ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1997, p. 17.

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No entanto, como Hobsbawm e Ranger deixam claro, mesmo as

tradições inventadas devem possuir respaldo social, senão não conseguiriam

sobreviver156. Assim, a idéia da Comunidade Lusófona buscou apoio em

elementos bastante presentes no imaginário social português, desde a

percepção de que aquela pequena nação teria desempenhado um papel

singular na História do Mundo Ocidental até o velho, e sempre presente, sonho

imperial.

O resgate dessas questões foi essencial para a construção do discurso

que procurou legitimar a constituição de uma Comunidade de Países de

Língua Portuguesa, visto que, como argumenta Enilde Fausltich, um dos

pontos de vista possíveis para se apreender o conceito de lusofonia é aquele

que:

(...) localiza em todos os portos tocados pelos

portugueses, nos quais a língua foi disseminada,

como espaço de lusofonia. Nestes, os sujeitos são

identitários de uma cultura ibérica que, em maior

ou menos grau, formou a cidadania do Estado-

nação.157

O discurso da “herança cultural comum” – característico da época

salazarista – foi revestido com uma nova roupagem através de um discurso

multiculturalista que possibilitava analisar as “grandes descobertas” e o

colonialismo através da idéia de um “encontro de culturas” que, por sinal, foi a

tônica de todas as comemorações do Quinto Centenário dos Descobrimentos

Portugueses. Este período, também, foi aquele em que o debate intelectual em

156 Idem. p. 272. 157 FAULSTICH, Enilde. “CPLP: um lugar de falas múltiplas”. In: SARAIVA, José Flávio Sombra. Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP): Solidariedade e Ação Política. Brasília, IBRI, 2001, p. 118.

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torno da questão da lusofonia foi mais intenso, visto que, sob determinado

ponto de vista, este conceito está intimamente ligado à história das

navegações portuguesas, já que estas foram as responsáveis pela difusão da

língua portuguesa pelos cinco continentes.

Por todas estas questões, esse debate foi bastante estimulado, inclusive,

por organismos e instituições de fomento vinculadas ao governo português –

como o Instituto Camões, por exemplo -, o que levou a um grande número de

publicações em torno dessa temática.158 Porém, não deixa de ser interessante

notar que os setores mais empenhados na construção desse discurso e na

própria articulação da CPLP foram aqueles provenientes da esquerda

democrática portuguesa que, em um passado não muito distante combatiam o

salazarismo e procuravam desconstruir os mitos por ele criados. O problema é

que a idéia do “encontro de culturas” não consegue apagar as tragédias da

história e a crueldade do processo de colonização. E são justamente estas

feridas ainda não cicatrizadas do colonialismo que têm contribuído

sobremaneira para a já mencionada posição reticente e, por que não dizer, de

desinteresse de alguns dos PALOP em relação à constituição da CPLP.

Em vista de tudo isto, os articuladores da Comunidade dos Países de

Língua Portuguesa buscaram em experiências passadas ou no resgate de

idéias elaboradas por intelectuais de diversas tendências, ao longo do século

XX, como base para o discurso de legitimação dessa comunidade. Um bom

exemplo disto é a lembrança constante do sonho do abortado Império Luso-

158 Uma das obras mais significativas publicadas nesse período foi o Atlas da Língua Portuguesa na História e no Mundo, editado em 1992, pela Imprensa Nacional/Casa da Moeda, que contou com a colaboração de grandes nomes da cultura portuguesa como Eduardo Lourenço e António Luís Ferronha.

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brasileiro, dos anos imediatamente anteriores à independência do Brasil, que

teria sido a primeira tentativa de “integração” do mundo português. 159

Porém, é importante ressaltar que na década de 1950, quando a idéia de

uma “Comunidade Lusíada” (como se dizia à época) começava a germinar

entre setores da intelectualidade luso-brasileira, a lembrança desse frustrado

Império do século XIX já era evocada por alguns de seus defensores. Em

1959, durante a realização do IV Colóquio de Estudos Luso-Brasileiros – que

contou com a presença, dentre outros, de Marcello Caetano, ex-ministro

português do ultramar e futuro sucessor de Salazar na presidência do

Conselho de Ministros - na Universidade da Bahia, o Reitor daquela instituição,

Edgar Santos, em seu discurso na sessão de abertura, sugere que “os estudos

(dos colóquios) se fixassem principalmente na constituição, ainda que remota,

e em termos dos tempos novos, daquele império territorial-político com que

sonhou D. João VI”.160

Nesse processo de “escolha” de Pais-Fundadores para a nascente

Comunidade Lusófona, dois nomes passaram a aparecer com destaque: o de

Gilberto Freyre que, embora nunca tivesse deixado de ser considerado uma 159 A concepção desse império começou a ser elaborada, ainda no século XVIII, por intelectuais e homens de Estado como D. Luís da Cunha e, principalmente, D. Rodrigo de Souza Coutinho, que, influenciado pelas idéias da ilustração, sonha com a sua constituição. Neste Império, as relações entre as suas partes componentes não seria mais aquela existente entre metrópole e colônias, mas entre capital e províncias, e onde Portugal seria o centro e o Brasil, fundamentalmente, e as demais “províncias” no ultramar seriam o corpo produtivo. Além desses laços econômicos, os laços culturais existentes entre os súditos do Império contribuiriam para consolidá-lo ainda mais, como assinala Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves: “Portugal e Brasil fariam parte do mesmo todo indivisível, da mesma nação, espalhada pelo mundo, constituída de uma comunidade, a dos portugueses, dotada do mesmo espírito, dos mesmos costumes, da mesma língua e da mesma religião. Vislumbrava-se a constituição de uma ideologia secular, fundada na história de um passado comum”. Sobre esta questão ver: NEVES, Lúcia Maria Bastos Pereira das. “O Império Luso-Brasileiro: Uma Tentativa de Integração Abortada no Início dos Oitocentos”. In: Synthesis – Cadernos do Centro de Ciências Sociais, Vol.II, no 2, Rio de Janeiro, UERJ, 1998, MAXWELL, Kenneth. “A geração de 1790 e a idéia do império luso-brasileiro” In: Chocolate, Piratas e Outros Malandros: Ensaios Tropicais. São Paulo, Paz e Terra, 1999 e LYRA, Maria de Lourdes Viana. A Utopia do Poderoso Império – Portugal e Brasil: Bastidores da Política (1798-1822). Rio de Janeiro, Sette Letras, 1994. 160 Apud RIBEIRO, Maria de Fátima Maia. “À Volta da Comunidade: formações luso-brasileiras em colóquio”. In: SANTOS, Gilda (Org). Brasil e Portugal: 500 Anos de Enlaces e Desenlaces – Revista Convergência Lusíada (17). Rio de Janeiro, Real Gabinete Português de Leitura, 2000, p. 243.

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referência por setores mais conservadores da intelectualidade e dos meios

políticos portugueses, foi “redescoberto” e valorizado pelos setores

progressistas; e o de Agostinho da Silva, ainda vivo nesse momento, que

passa a ser definido como o grande visionário e o arauto daquele nascente

espaço comunitário, por setores que, até então, não levavam muito a sério

suas idéias, apesar do respeito nutrido pelo velho filósofo. Portanto, para a

articulação do discurso justificador da lusofonia e da Comunidade Lusófona, as

idéias desses dois intelectuais - que se influenciaram mutuamente - foram

basilares, tendo sido repercutidas e reelaboradas pelos construtores desse

discurso.

3.3. As bases intelectuais da lusofonia: Gilberto Freyre e o luso-

tropicalismo.

Dentre os chamados “pais-fundadores” da comunidade, sem sombra de

dúvidas, a figura mais destacada é a do sociólogo pernambucano Gilberto

Freyre (1900-1987). Na década de 1930, ao lançar a sua obra mais conhecida,

Casa-grande e Senzala, ele teve um papel fundamental na renovação do

pensamento social brasileiro, ao apresentar idéias que se contrapunham

àquelas então vigentes, de caráter nitidamente racista, que atribuíam o atraso

brasileiro à miscigenação racial entre brancos, negros e índios, pois teria

formado um tipo degenerado, o mestiço. Freyre, ao contrário, defendia que a

originalidade, a riqueza e a força cultural dos brasileiros provinham justamente

desta mistura e a sociedade brasileira - original e multirracial - era vista como

uma obra do “gênio português”. Segundo esta visão, calcada numa “imagem

essencialista da personalidade do povo português” 161 (e do brasileiro), a

161 CASTELO, Cláudia. op. cit., p. 14.

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colonização portuguesa teria sido caracterizada, então, pela cordialidade e

pela ausência de preconceitos raciais, o que a teria tornado o exemplo mais

bem sucedido entre as políticas coloniais européias. Assim, em 1953, após

uma célebre viagem às colônias portuguesas na África e no Oriente, Freyre

escrevia que o português estava:

(...) apto para começar a colher o que semeou tão

amorosa e às vezes tão boemiamente, mais

através de suas aventuras que de política

calculada ou sistemática – de “sistema” que se

possa rigorosamente chamar de “sistema

português” de colonização – no Oriente, na África,

na América, nas ilhas do Atlântico. De modo que,

enquanto ingleses e holandeses, calculistas e

metódicos, tendo semeado ventos de furor, e ao

mesmo tempo de sistemática imperial por esses

mesmos espaços, colhem hoje tempestades na

Ásia e na África, o português é no Oriente, em

Moçambique, na Angola, na Guiné, em São Tomé,

em Cabo Verde, na América, menos um povo

imperialmente europeu que uma gente já ligada

pelo sangue, pela cultura e pela vida a povos

mestiços e extra-europeus.162

O pensamento de Freyre foi extremamente atacado, pelo seu caráter

socialmente conservador, por boa parte das principais correntes do

pensamento social brasileiro, da segunda metade do século XX. A crítica

marxista, principalmente, denunciava o seu papel de apologista das elites

latifundiárias dominantes no país:

162 FREYRE, Gilberto. Um Brasileiro em Terras Portuguesas. Rio de Janeiro, José Olympio, 1953, p.25.

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Com a notável exceção de Vamireh Chacon, as

correntes dominantes do pensamento social

brasileiro têm identificado as teses de Gilberto

Freyre com o conservadorismo e a nostalgia de

uma sociedade patriarcal e pré-moderna,

colocando assim as idéias do Mestre de Apicucos

como mais um obstáculo ao progresso e à

emancipação dos brasileiros.163

Desta forma, as idéias Freyrianas lançaram as bases do “luso-

tropicalismo” que serviu de sustentáculo ideológico ao colonialismo português e

que, segundo Freyre, representava os princípios fundadores de uma nova

ciência: a luso-tropicologia. A colonização portuguesa seria um exemplo de

colonização bem-sucedida devido ao alto grau de adaptabilidade do português

ao trópico, onde, ao invés de deseuropeizar-se, transformou-se em um

intermediário entre os trópicos e a Europa, ou seja, o português tropicalizou-se

sem deixar de ser europeu. Já na introdução de Casa-grande e Senzala,

Freyre afirmava que o sucesso do português nos trópicos deveu-se a alguns

traços que ele trazia consigo como a ausência de orgulho racial, a

versatilidade, o pragmatismo, um caráter contemporizador e uma propensão à

miscigenação que, de certa forma, originaria-se no passado étnico e cultural

português, de povo indefinido entre a Europa e a África, e que se formou pela

miscigenação de vários outros povos – celtas, romanos, visigodos, fenícios,

judeus e árabes.

Na concepção luso-tropicalista, o mundo que o português criou – e que

engloba vastos territórios nos cinco continentes – constituir-se-ia em uma

unidade de sentimentos e cultura, onde a miscigenação seria o símbolo de uma 163 MENDES, Luís Filipe Castro. “Portugal e o Brasil: atribulações de duas identidades”. In: SANTOS, Gilda (Org). op. cit., p. 185.

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forte tendência à democratização racial e social. Assim, para Freyre, as

relações sentimentais estabelecidas entre os portugueses, as “mulheres de

cor” e os filhos delas provenientes pairariam acima dos preconceitos de cor, de

raça e de classe. Isto teria dado à mestiçagem, ocorrida nas áreas de

colonização portuguesa, um caráter mais humano e mais cristão, permitindo

assim uma intensa mobilidade e contribuindo para abrandar as durezas do

sistema de trabalho escravo.

Nesse universo cultural, a língua portuguesa seria o elemento identitário

fundamental, através do qual as populações das terras colonizadas pelos

portugueses se exprimiriam em toda a plenitude, mesmo naquele momento em

que as populações afro-asiáticas iniciavam o processo de luta pela libertação e

descolonização:

Uma língua de tal amplitude não pode deixar de

ser a expressão de vasta cultura transnacional.

Não pode deixar de ser o veículo da civilização que

denomino luso-tropical, para a distinguir daquelas

que são apenas projeções imperiais de Estado, ou

de nações européias nos trópicos ou no Oriente.

Para estas já não há futuro nem perspectivas. O

imperialismo europeu já não encontra nos trópicos,

populações inermes dispostas a ser dominadas e

exploradas por brancos que se supõem superiores

a gentes de cor (...) O tempo é das populações de

cor e da afirmação ou da restauração dos seus

valores da cultura. O português, por ter sabido

sempre ligar a estes valores os da Europa, ao

sangue das mulheres de cor seu sangue de

brancos desde a Europa misturados a mouros,

judeus, berberes, criou culturas luso-tropicais (...)

Daí o amor com que a língua portuguesa é falada

nos trópicos por pretos, pardos, amarelos,

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vermelhos, morenos que nessa língua exprimem

seus sentimentos mais íntimos e não apenas suas

idéias convencionais.164

Tais idéias, apropriadas pelo regime salazarista, foram utilizadas para

justificar, ideologicamente, a manutenção do Império Colonial Português. Esta

apropriação aconteceu, essencialmente, a partir da década de 1950, quando a

luta pela descolonização afro-asiática estava na ordem do dia, como já

colocado anteriormente. No entanto, como ressalta Cláudia Castelo, essa

apropriação das idéias freyrianas se dá de forma parcial, havendo uma escolha

deliberada por parte da elite política salazarista dos pontos do luso-tropicalismo

que era conveniente ressaltar:

(...) as principais idéias de Freyre sobre o povo

português – ausência de sentimentos racistas;

capacidade de empatia relativamente aos outros

povos; profunda fraternidade cristã – são

apropriadas nos anos 50-60 pelo discurso oficial.

Mas o luso-tropicalismo não é só isso. Os seus

aspectos “desnacionalizadores” são

propositadamente esquecidos. A saber: a

valorização dos diferentes contributos - africanos,

ameríndios, orientais, europeus - para a civilização

comum luso-tropical (...) 165

Ao mesmo tempo, o regime salazarista mantinha toda uma política de

aproximação com intelectuais e políticos brasileiros dentro de uma estratégia

de propaganda, a partir do discurso da “fraternidade luso-brasileira”. Foi nesse

contexto que ocorreu a famosa viagem de Gilberto Freyre ao “mundo

164 FREYRE, Gilberto. op. cit., p. 141-142. 165 CASTELO, Cláudia. op. cit., p. 139.

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126

português”, entre agosto de 1951 e fevereiro de 1952, a convite do Ministério

do Ultramar. Desta viagem surgiram dois livros publicados em 1953: Aventura e

Rotina e Um Brasileiro em Terras Portuguesas, em que o intelectual

pernambucano lançou as bases do que seria uma nova ciência, a luso-

tropicologia, e aprofunda os elogios ao “modo português de estar no mundo”.

Em um comentário sobre Sarmento Rodrigues, seu anfitrião, em Aventura e

Rotina, Freyre afirma:

O ministro do Ultramar de Portugal é um oficial de

marinha para quem o oriente e a África

portugueses existem não como colônias, mas

como outros portugais. E esses outros Portugais,

como Portugal. O mar, o espaço, a distância, não

separam essas várias províncias portuguesas uma

das outras senão fictícia ou matematicamente; na

realidade elas formam todas um só Portugal, cada

vez mais consciente da sua unidade, dentro da

qual cabem arrojos de diversidade.166

Mais adiante, na mesma obra, ao ressaltar as lutas anti-colonialistas que

já se iniciavam em diversas regiões da África, Freyre mais uma vez exaltava a

superioridade do colonialismo português, comparando-o com os demais

colonialismos europeus:

O “método português” destaca-se como o

sociologicamente mais cheio de possibilidades

criadoras: isto é, de criação de novas formas de

homens e de culturas humanas nos trópicos.

Homens e culturas em que os valores europeus se

juntem aos de várias culturas regionais para novas

combinações de forma, com predominâncias

diversas de substâncias étnicas e culturais. Faz

166 FREYRE, Gilberto. Aventura e Rotina. 3a edição. Rio de Janeiro, Topbooks, 2001, p. 344.

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pena ver-se na África um ou outro português

enfeitiçado pelo “método inglês” ou pelo “método

sul-africano” e a tomar atitudes de europeu

superior em face de pretos e pardos inferiores.167

Desta forma, na interpretação do sociólogo brasileiro, o português que

agia como os demais colonizadores europeus constituía-se em uma exceção e

não na regra. No entanto, o discurso colonialista português anterior a década

de 1950 não diferia em quase nada do das demais potências colonialistas

européias e exaltava a superioridade racial dos brancos e a missão civilizatória

européia. No entanto, as determinações da nova ordem internacional levaram a

uma alteração gradual desse discurso e a adoção de alguns princípios

provenientes do luso-tropicalismo freyriano:

No pós-Segunda Guerra Mundial e, sobretudo, nos

anos 50 e 60, o conceito de vocação ecumênica

começa a aparecer ao lado do conceito de missão

providencial, caindo no esquecimento o (pouco

conveniente na nova conjuntura internacional)

conceito de destino superior da “raça”. 168

Esta política de cooptação de intelectuais, políticos e formadores de

opinião brasileiros passava, inclusive, pela utilização do próprio carisma

pessoal do chefe-de-governo português. Gilberto Freyre ficou sinceramente

bastante impressionado com Antônio de Oliveira Salazar169, descrito por ele

como o homem mais ágil de olhar, mais agudamente vigilante, mais

didaticamente atento ao que ouve, que ela havia conhecido.170 Desta forma, o

167 Idem. p. 460. 168 CASTELO, Cláudia. op. cit., p. 133. 169 Ver Aventura e Rotina. op. cit., p. 43-46. 170 Segundo o Embaixador Alberto da Costa e Silva - em “Notas de um companheiro de viagem”, prefácio da 3a edição de Aventura e Rotina - não foi somente Gilberto Freyre o único “seduzido” pelo homem-forte do governo português: “Gilberto Freyre não foi o único intelectual brasileiro a deixar-se seduzir por

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128

governo português conseguiu atrair a simpatia de boa parte da imprensa, de

representantes do meio político e da intelectualidade brasileira, sentimento este

que é reforçado após a assinatura do já citado Tratado de Amizade e Consulta

(1953). Estes setores acabaram constituindo um forte grupo lusófilo que

influenciaria, inclusive, a formulação da política externa brasileira,

principalmente, durante o governo Juscelino Kubitscheck (1956-1960).171

Assim, mesmo com a apropriação política pelo regime salazarista de uma

idéia que, inicialmente, era eminentemente cultural – o luso-tropicalismo – e

mesmo que essa apropriação tenha sido parcial e pontual, não se pode negar

que Gilberto Freyre pactuou com o que Cláudia Castelo chama de “politização

do luso-tropicalismo”, que “ganha, naquele contexto preciso, contornos de

legitimação da obra do Estado Novo no ultramar”. Isto fica claro através da

idéia, presente em seus dois livros de 1953, de que a sua viagem “permitiu

confirmar a existência de uma unidade de sentimento e cultura que caracteriza

a comunidade luso-tropical”. 172

Porém, com a intensificação da luta pela libertação dessas colônias, o

luso-tropicalismo começou a ser violentamente questionado não só pelas elites

políticas africanas, mas também por intelectuais brasileiros e europeus. Dessa

forma, o pensamento Freyriano, como um todo, passou a ser criticado e, por

Salazar. Entre 1960 e 1963, eu servia pela primeira vez como diplomata em Lisboa e era um dos que acompanhavam os escritores e políticos brasileiros que iam visitar o chefe do governo. Só a dois ou três não vi saírem deslumbrados de São Bento. Como eu não passava da ante-sala, não ouvia o que conversavam, em audiências quase sempre longas, pois Salazar parecia ter todo o tempo para eles. Fossem o que se chamava de homens de esquerda, de centro ou de direita, deles, na saída e no carro, só escutava, perplexo, palavras de admiração. Alguns chegavam a lastimar não o terem compreendido antes. Outros reafirmavam-se contrários a sua política, mas lhe louvavam a inteligência e o encanto pessoal”. Idem, p.14. 171 Sobre esta questão ver: GONÇALVES, Williams da Silva. O Realismo da Fraternidade: Brasil-Portugal - Do Tratado de Amizade ao Caso Delgado. Lisboa, Imprensa de Ciências Sociais / Universidade de Lisboa, 2003 e RAMPINELLI, Waldir José. As Duas Faces da Moeda: As Contribuições de JK e Gilberto Freyre ao Colonialismo Português. Florianópolis, Editora da UFSC, 2004. 172 CASTELO, Cláudia. op. cit., p. 138.

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que não dizer, marginalizado nos círculos acadêmicos como socialmente

conservador e defensor da manutenção de privilégios.173

No entanto, a partir, principalmente, da década de 1990, o pensamento de

Gilberto Freyre e a sua efetiva contribuição para o desenvolvimento das

Ciências Sociais começaram a ser resgatados.174 As idéias de Freyre são

vistas, hoje, como precursoras da “História das Mentalidades” e as suas

análises sobre o mundo lusófono sofrem, a cada dia, novas releituras como se

vê em um texto recente de um especialista – politicamente conservador, cabe

ressaltar - português:

Se chegamos ao fim do século XX com uma visão

histórica e científica correta sobre a presença do

homem português no Brasil, na África e no Oriente,

decerto que o ficamos a dever às inovadoras teses

sobre o luso-tropicalismo de Gilberto Freyre.175

Assim, no momento em que a CPLP iniciava o seu processo de

construção, estas idéias apareceram, sob novas perspectivas, como uma de

suas bases ideológicas. Com isto, o luso-tropicalismo foi relido em um contexto

173 Ver nota 164. 174 Existem diversas obras que analisam a obra de Gilberto Freyre e suas repercussões. Dentre elas podemos destacar: SANTOS, Luís Antônio de Castro. O Pensamento Social Brasileiro. Campinas, Edicamp, 2003, que dedica os quatro primeiros capítulos à análise da obra do pensador pernambucano. Na perspectiva de reavaliação da obra freyriana, que tem ocorrido no Brasil e no exterior nos últimos anos, destacam-se os livros de: CHACON, Vamireh. Gilberto Freyre: Uma Biografia Intelectual. Recife/São Paulo, Fundação Joaquim Nabuco/Ed. Massangana/Ed. Nacional, 1993, onde o autor, velho defensor das idéias do sociólogo pernambucano, traça um amplo painel sobre sua obra; ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Guerra e paz: Casa Grande e Senzala e a obra de Gilberto Freyre. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994, que faz uma brilhante análise do pensamento freyriano e PALLARES-BURKE. Maria Lúcia Garcia. Gilberto Freyre: um Vitoriano nos Trópicos. São Paulo, Ed. da UNESP, 2005, que traça uma biografia intelectual da juventude de Freyre buscando rastrear as influências presentes em sua obra. 175 SERRÃO, Joaquim Veríssimo. “O que Portugal Deve a Gilberto Freyre”. In: QUINTAS, Fátima (Org.). Anais do Seminário Internacional Novo Mundo nos Trópicos (Recife, 21 a 24 de março de 2000). Recife, Fundação Gilberto Freyre, 2000.

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pós-descolonização e procurou-se retirar dele a conotação que lhe foi atribuída

pelo salazarismo:

Os efeitos atuais de tamanha incompreensão, para

o mundo lusófono, estão à vista. Para além do

enorme desperdício que se está fazendo da

metodologia gilbertiana enquanto instrumento

apurado (mas não isento de adaptações) de

compreensão dos fundamentos sócio-culturais das

ex-colônias africanas de Portugal, existe uma

dinâmica de alimentação constante da imagem

negativa do luso-tropicalismo e, liminar ou

subliminarmente, de conotação com a lusofonia.

Daí que este último conceito tenha tendência para

ser encarado como um seu "sucedâneo" pela maior

parte das elites africanas; e também dos

africanistas que, por sua vez, são majoritariamente

de origem anglo-saxônica e constituem um núcleo

ainda militante de “concerned scholars”, ainda

influente naquilo que deve ser a percepção

politicamente correta da realidade social dos

países africanos lusófonos e, conseqüentemente,

do legado colonial português, que é formalmente

visto de modo totalmente negativo. A crítica ao

luso-tropicalismo (e a exclusão de Gilberto Freyre)

em Portugal e nos Países Africanos Lusófonos

deve pois ser entendida neste contexto, marcado

atualmente pela tentativa de construção e projeção

internacional de um espaço lusófono. Estamos, na

verdade, perante um problema de consenso

histórico lusófono, isto é, de imagens recíprocas

divergentes entre brasileiros, africanos e

portugueses quanto ao passado comum (que é a

História Colonial de Portugal) e, portanto, às bases

da edificação de um possível futuro comum. A

questão fundamental, ainda não frontalmente

debatida, subjacente à polêmica em torno do luso-

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tropicalismo e da Lusofonia, é a seguinte: há ou

não há algo de positivo no legado colonial

português? À frente do tempo, Gilberto Freyre,

sem descurar a dimensão negativa, achava que

havia.176

Este resgate das idéias de Gilberto Freyre, inclusive por setores

identificados com concepções políticas progressistas, teve – como já citamos

na introdução deste trabalho – em Mário Soares, ex-presidente da República

Portuguesa e veterano líder socialista, um de seus principais entusiastas.177 Se

em uma primeira leitura, a aproximação entre os democratas portugueses e o

pensamento do sociólogo brasileiro parece se dar pela lógica da conveniência

política, uma observação mais atenta nos permite notar como é equivocada

este análise superficial.

Partindo desse pressuposto, é importante ressaltar que as idéias

centrais do luso-tropicalismo, embora tenham sido apropriadas pelo regime

salazarista, também encontraram ressonância em boa parte da intelectualidade

progressista portuguesa e em setores de oposição ao Estado Novo, nas

décadas de 1950 e 1960.178 Pode-se dizer que, na essência, estes grupos

concordavam com os princípios básicos do pensamento freyriano, em seu viés

cultural, mas distanciavam-se do uso político que dele foi feito. Em um discurso

176 GRAÇA, Pedro Borges. “A Incompreensão da Crítica ao Luso-tropicalismo”. In: QUINTAS, Fátima (Org.). Anais do Seminário Internacional Novo Mundo nos Trópicos (Recife, 21 a 24 de março de 2000). Recife, Fundação Gilberto Freyre, 2000, p.211-212. 177 No já citado prefácio de Aventura e Rotina, o Embaixador Alberto da Costa e Silva faz o seguinte relato: O primeiro gesto de reconciliação veio de Mário Soares, quando de uma de suas visitas presidenciais ao Brasil. Eu o acompanhava, na qualidade de embaixador em Lisboa. Ao organizar-se o programa, ele insistiu: “No Recife, quero ir a Apipucos, homenagear Gilberto Freyre. Já é tempo de fazermos as pazes com quem é um dos maiores escritores de nossa língua e tanto ama Portugal”. E lá foi abraçá-lo, num encontro em que estávamos todos comovidos. op. cit., p. 14. 178 Não se pode esquecer que Gilberto Freyre travou relações intelectuais e de amizade com muitos opositores do Estado Novo – Agostinho da Silva, Jaime Cortesão, António Sérgio, Maria Archer, entre outros -, vários deles exilados no Brasil e suas idéias tiveram grande repercussão junto a este grupo de intelectuais.

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proferido em Recife, em 1987, na condição de Presidente de Portugal, Mário

Soares afirmou isto de maneira bastante clara:

Essa teoria foi mal aproveitada no tempo do antigo

regime, mas, justamente eu quis demonstrar que a

obra de Gilberto Freyre era admirada por Portugal,

não só por aqueles que eram partidários do

colonialismo, como pelo Portugal livre, moderno e

democrático que eu represento.179

Assim, reler Gilberto Freyre no contexto da década de 1980 e despi-

lo da carga negativa que lhe foi dada pelo Estado Novo, não foi uma tarefa

difícil para estes setores: o luso-tropicalismo penetrou de tal forma no

imaginário político e cultural português que superou as diferenças ideológicas

entre “conservadores” e “progressistas” e acabou sendo incorporado ao

discurso de todos esses grupos. Desta forma, a concepção freyriana de uma

“Comunidade Luso-Tropical” baseada na noção de unidade de sentimento e

cultura - e que, portanto, poderia se concretizar através de uma entidade

supranacional, mesmo após a independência das colônias africanas e

orientais, abordagem esta deliberadamente ignorada pelo salazarismo - foi

revista como a grande base teórica do que viria a ser a Comunidade dos

Países de Língua Portuguesa. Esta Comunidade passou a ser entendida,

inclusive, como um instrumento de resistência cultural e identitária contra as

hegemonias políticas e culturais decorrentes do processo de globalização, pois

no momento atual “as ameaças de desculturação, de seletivas a massificadas,

passaram a provir da cultura anglófona, a maior vitoriosa desde a Segunda

179 Apud CASTELO, Cláudia. op. cit, p.14.

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Guerra Mundial”.180 Assim, Gilberto Freyre voltou a ser uma das principais

referências teóricas para os nacionalistas portugueses – à esquerda e à direita

– com o luso-tropicalismo impregnando de forma bastante visível a concepção

de lusofonia que se construiu em Portugal, a partir da década de 1980.

3.4. As bases intelectuais da lusofonia: Agostinho da Silva e a idéia da

Comunidade de Língua Portuguesa como concretização do Quinto

Império.

Outro pensador contemporâneo que se constituiu em uma das bases

teóricas da CPLP foi Agostinho da Silva, um dos mais originais pensadores

portugueses do Século XX. Nascido no Porto, em 1906, filho de uma família

algarvia e alentejana, passou toda a sua infância em Barca D‘Alva, no Douro.

Em 1928, licenciou-se em letras, na Universidade do Porto, onde também se

doutorou em Filologia Clássica. Professor concursado dos Liceus Portugueses

foi demitido do Liceu de Aveiro, em 1935, por se ter recusado a assinar a

declaração, imposta ao funcionalismo público pela ditadura de Salazar, que

obrigava o funcionário a declarar a sua ideologia e a não seguir a ideologia

marxista (a “Lei Cabral” - a mesma do célebre processo contra Fernando

Pessoa), apesar de não ser ligado a nenhum grupo político organizado. Tendo

sido um claro opositor de Salazar, participou da resistência ao regime, ao lado

de outros intelectuais portugueses como Antônio Sérgio181, de quem foi

180 CHACON, Vamireh. O Futuro Político da Lusofonia. Lisboa, Verbo, 2002, p.10. Esta obra editada em Portugal faz uma contundente defesa da idéia da lusofonia, a partir das teses freyrianas. Seu autor, o intelectual brasileiro Vamireh Chacon foi uma das únicas vozes, como já assinalado anteriormente, que polemizou com o grupo formado por Florestan Fernandes, Carlos Guilherme Mota e demais intelectuais marxistas paulistas articulados em torno do CEBRAP, em defesa das teses de Gilberto Freyre, nas décadas de 1960 e 1970. 181 António Sérgio de Souza (1883-1969) foi um dos mais importantes intelectuais portugueses do século XX, exercendo grande influência sobre seus contemporâneos. Ensaísta brilhante, ele discorreu sobre diversas áreas do conhecimento como a crítica literária, a história, a política, a pedagogia e a filosofia. Democrata convicto, Sérgio foi um dos mais destacados opositores do Estado Novo, tendo contribuído decisivamente para a formação de uma oposição democrática de esquerda, em Portugal.

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colaborador na "Seara Nova". Por sinal, Sérgio foi um das grandes influências

no pensamento de Agostinho, ao lado de Leonardo Coimbra – seu mestre na

Faculdade de Letras do Porto – e da História produzida pelo “grupo do Porto”.

Exilado no Brasil entre 1945 e 1969 (chegou a receber a nacionalidade

brasileira em 1958), aqui ajudou a fundar as Universidades de Brasília, Paraíba

e Santa Catarina, desenvolvendo ainda uma atividade destacada nas

universidades da Bahia, Goiás, Mato Grosso, Paraná e Rio de Janeiro, tendo

nesta trabalhado com Jaime Cortesão. Por sinal, a criação de universidades e

Centros de Cultura foi uma das obstinações de sua vida:

(...) uma outra forma de ensino superior que veio

até hoje e que é aquilo a que chamamos

Universidade, em que os homens se congregam

numa comunidade de professores e de alunos para

elevar não uma idéia simplesmente científica, mas

apenas uma coisa que unisse os homens pelo

intelecto, mas para explorar todo o pensamento

possível e toda a energia possível à volta de uma

idéia nova que aparecerá e que é a idéia da

fraternidade, a idéia da irmandade dos homens.

Podemos dizer que a Universidade atual, que vem

da Universidade medieval, é uma Universidade que

se alicerça sobre a idéia da fraternidade, sobre

uma idéia, digamos, de caridade, sobre uma idéia

de esforço comum para atingir uma verdade que

não é já apenas uma verdade puramente

intelectual, mas uma verdade também de

sentimentos, uma verdade de unidade entre os

homens.182

182 Depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a estruturação do Ensino Superior no Brasil prestado em 23 de Maio de 1968. Disponível no sítio da Associação Agostinho da Silva – www.agostinhodasilva.pt. Acesso: 02 de dezembro de 2005.

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Além das já citadas instituições, ele atuou em diversas outras

Universidades e Centros de Pesquisa em todo o mundo: Sorbonne, Collège de

France, Centro de Estudios Historicos (Madri), Nova York, Yale, Harvard, Los

Angeles e Sta. Bárbara (EUA). Pouco antes de sua morte, em 1994, estava

trabalhando na articulação de uma Associação das Universidades Luso-

Brasileiras e na criação do que seria a “Universidade Lusófona”.

Freqüentemente citado em discursos e mesmo em documentos oficiais

como um dos inspiradores da CPLP, Agostinho da Silva - “misto de educador,

filósofo e pensador, considerado como uma espécie de guia espiritual de parte

da intelectualidade brasileira e portuguesa deste século” 183 – formulou a

concepção de uma “Comunidade Luso-Afro-Brasileira” bastante original e

pessoal refletindo uma visão de caráter universalista, místico, visionário,

espiritualista, mítico e messiânico que remonta aos escritos de Joaquim de

Fiore - na Idade Média - sobre o “Reino do Espírito” e os do Pe. Antônio Vieira

sobre o “Quinto Império”.184 Para ele, Portugal, responsável pelo início do

183 RIBEIRO, Maria de Fátima Maia. op. cit., p. 246-7. 184 A crença no advento do “Quinto Império” está habitualmente relacionada ao sebastianismo e se tornou um dos mitos-fundadores da nacionalidade portuguesa. D. Sebastião, último rei da Dinastia de Avis, morreu em 1578 na lendária batalha de Alcácer-Quibir, no Marrocos, lutando contra os mouros. Como decorrência desta tragédia, Portugal perde a sua independência e passa a integrar o Império de Felipe II, da Espanha, com a concretização da chamada “União Ibérica” (1580-1640). A partir daí se constrói a crença – que repercute tanto nas classes populares, quanto entre a elite letrada - no retorno do rei desaparecido que iria restaurar a independência e a grandeza de Portugal. Esta crença resulta de um amálgama de tradições messiânicas de cunho judaico – presentes nas “Trovas” do Bandarra, o sapateiro judeu de Trancoso, considerado o “profeta” do sebastianismo - com o pensamento milenarista de Joaquim de Fiore, monge calabrês, que viveu no século XII e que escreveu sobre os três períodos da História da Humanidade: a “Idade do Pai”, a época da lei mosaica anterior a Cristo; a “Idade do Filho”, o tempo do evangelho marcado pela vinda de Jesus; e a “Idade do Espírito Santo”, que estaria próxima e marcaria o triunfo da “inteligência espiritual”. No século XVII, o padre jesuíta Antonio Vieira sistematizou essas crenças em sua “História do Futuro” afirmando que Portugal fora destinado por Deus a comandar o “Quinto Império” universal e cristão – identificável com a “Idade do Espírito Santo” joaquimista – que sucederia os quatro grandes Impérios da antiguidade: egípcio, assírio, persa e romano e o seu advento se daria com a volta do Rei D. Sebastião. È importante ressaltar que essa crença teve – e tem – uma forte permanência no imaginário luso-brasileiro, reaparecendo constantemente em Portugal em momentos de crise – como, por exemplo, às vésperas da invasão napoleônica, no início do século XIX – ou em revoltas populares brasileiras, como a de Canudos, no final do século XIX. Sobre este tema existem diversos obras importantes dentre as quais o estudo clássico do historiador português João Lúcio de Azevedo, A Evolução do Sebastianismo. Lisboa, Presença, 1984 e a excelente tese de Doutorado em História Social

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processo de mundialização, carregaria uma missão histórico-messiânica: a de

ser o responsável pela paz mundial devido aos laços constituídos por ele, no

passado, com os diversos povos do mundo, pois “se no passado, Portugal

unificou o mar, sua tarefa futura será a unificação do mundo pelo espírito, pela

língua, constituindo-se a nação portuguesa como a pátria virtual de quantos a

falam”,185 entendendo, assim, esse Portugal como, acima de tudo, a língua

portuguesa e seus valores e não mais o Portugal-Território preso aos limites de

suas fronteiras geográficas.186 Desta maneira, essa “missão” concretizar-se-ia

através de uma Comunidade de Língua Portuguesa em que Portugal sacrificar-

se-ia enquanto nação, para ser só mais um dos elementos componentes desta

Comunidade que marcaria o início de uma nova era:

A Comunidade Luso-Brasileira tem de ser, quando

existir, não outra qualquer espécie de Império, uma

força concorrendo com outras forças, uma outra

centralização que siga a monótona corrente das

centralizações, mas realmente o começo de uma

vida nova para a Humanidade, o primeiro passo

seguro para a reconquista de um Paraíso que só

tem estado em espírito de teólogos ou de filósofos

ou de poetas, mas que jamais entrou nas

cogitações de políticos; a linha mística e religiosa

tem de ser aqui mais importante do que as

argúcias dos realistas que manejam homens como

se eles não fossem à imagem e semelhança de

Deus: e nenhuma economia, nenhuma sociologia,

nenhum ato humano verdadeiramente criador tem

de Jacqueline Hermann, posteriormente transformada em livro, No Reino do Desejado: A Construção do Sebastianismo em Portugal – Séculos XVI e XVII. São Paulo, Cia. das Letras, 1998. Para compreender o sebastianismo, inserindo-o dentro de uma tradição milenarista existente no ocidente, recomenda-se a obra de Jean Delumeau, Mil Anos de Felicidade: Uma História do Paraíso. São Paulo, Cia. das Letras, 1997. 185VARELA, Maria Helena. “O Visionário Agostinho da Silva: Sofia e Paradoxia”. In: Convergência Lusíada (16). Rio de Janeiro, Real Gabinete Português de Leitura, 1999, p. 88-89. 186 CESAR, Constança Marcondes. “Entre o Oriente e o Ocidente: Agostinho da Silva”. In: Convergência Lusíada (14). Rio de Janeiro, Real Gabinete Português de Leitura, 1997, p.90.

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de ser considerado senão como o sinal, a

manifestação e a indicação de que está na vontade

divina, na própria estrutura do evoluir no mundo,

que ele siga pelos caminhos a que a Comunidade

o pode dirigir.187

Crítico dos sistemas políticos contemporâneos, Agostinho da Silva definia

o capitalismo como uma fatalidade histórica da qual os homens deveriam

libertar-se e considerava o socialismo - apesar de melhor do que o seu sistema

antagônico – imperfeito:

A grande e urgente tarefa que está diante da

humanidade, a principiar pela ação individual de

cada um de nós em nossas pequenas ou largas

áreas, é a de introduzir numa das metades do

mundo a liberdade de pensar e na outra metade, a

liberdade de comer.188

Para ele, um dia “tanto o capitalismo como o socialismo, desaparecerão

da face do mundo, já que a revolução que se aproxima, de base tecnológica,

determinará a supressão quase completa do trabalho obrigatório. Essa

ocupação passará a ser desempenhada pelas máquinas, voltando o homem à

sua verdadeira vocação”.189 O mundo novo com o qual ele sonhava consistia

na “expressão crescente de homens seguros de que é possível, pela técnica,

garantir vida e acesso aos bens da cultura a todos; homens abertos ao amor e

a ação”.190

187 Trecho da comunicação “Condições e missão da comunidade luso-brasileira”, proferida por Agostinho da Silva no IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros promovido, em 1959, pela Universidade da Bahia e pela UNESCO. Apud RIBEIRO, Maria de Fátima Maia. op. cit., p. 247. 188 SILVA, Agostinho da. Carta Vária. Lisboa, Relógio D’Água, 1989, p. 51. 189 BRAGA, José Alberto (Coord.). op. cit., p. 31-32. 190 CESAR, Constança Marcondes. op. cit., p. 91.

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Nesta nova era, a língua portuguesa desempenharia um papel

fundamental por ser falada em todas as partes do globo e representar o

símbolo da expansão portuguesa que lançou as bases da construção do “novo

mundo”, do “Reino do Espírito”. Nesta nova ordem, o Brasil teria um papel

fundamental, pois traria em si os elementos do verdadeiro Portugal, aquele

Portugal arcaico que se perdeu com o fracasso histórico da nação. Para ele,

em sua utopia, o Brasil é a concretização do sonho do Quinto Império, é a Ilha

dos Amores de Camões, o Não-Lugar capaz de ser o centro de uma nova

civilização por ser o ponto de encontro de diversas culturas, onde a

miscigenação favoreceu a tolerância e a moderação. O significado do Brasil

para Agostinho da Silva é bastante perceptível quando ele descreve os seus

sentimentos e impressões ao chegar ao país, fugindo do obscurantismo

salazarista:

Então ao chegar ao Brasil logo várias coisas foram

sucedendo. A primeira, talvez, foi a que me

encontrei a mim próprio, de repente, descobri-me,

sem que houvesse qualquer ato voluntário: (...) eu

me deixei levar por aquilo que despertava em mim

ou que, parecendo vir de fora, efetivamente, me

batia à porta para que eu abrisse. (...) [Eu] me

deixei abrir, me deixei ser o que eu próprio na

realidade era (...). Quer dizer, a minha abertura no

Brasil, no meio em que mergulhei (...) é a tal

viagem às nascentes: abandonei-me à corrente e

parece que o rio dava uma volta ao mundo sobre si

próprio, voltava à nascente e depois eu não tinha

mais trabalho nenhum senão o de deixar levar-me

pelas águas, abandonar-me completamente ao que

ia acontecendo pelo mundo. (...) uma atitude de

(...) ir ao sabor da corrente e depois a própria

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corrente ia-me fazer encontrar aquilo que de fato

poderia ser interessante e que no fundo me

formou. Afinal, o que era? Eu como que dei um

pulo atrás de mim próprio e fui inserir-me no século

XV (...), e sentir o mesmo que sentiram os

portugueses idos em direção a África para fugirem

do regime econômico, social e religioso de

Portugal, ou que depois se estabeleceram no

Brasil. Quer dizer, o que o Brasil fez comigo, logo

que lá desembarquei, foi fazer-me dar um pulo

como se tivesse pisado uma mola no chão, para ir

cair aí pelo século XV ou XVI. (...) Portanto, a

primeira coisa que apontaria na minha estada no

Brasil foi a abertura de mim próprio, eu fui outro.

(...) O segundo ponto foi o de descobrir no Brasil

aquele Portugal que eu precisava compreender,

aquele Portugal que nunca mais me desapareceu

do espírito, [e] que hoje permanece nítido191.

Desta forma, o verdadeiro Portugal, o Portugal real, concretizar-se-ia

nesta comunidade em que a verdadeira pátria de todos os povos lusófonos -

brasileiros, portugueses, moçambicanos, guineenses, cabo-verdianos,

timorenses e demais – seria a língua portuguesa, o idioma universal, por

excelência:

Não seria decerto só este Portugal, o da Península,

o que Vieira ainda hoje apontaria, e apostaria,

como inspirador ou iniciador de sua mundial

Terceira Idade, mas o outro, o de todos que falam

português, só que sem, agora, subordinação

alguma, seja do que for ao que quer que seja, mas

com um entendimento perfeito e de iguais entre

todas as partes e com a mesma disposição comum

de guiarem o mundo ao reconhecimento de sua 191 SILVA, Agostinho da. Vida Conversável. Brasília: Núcleo de Estudos Portugueses; CEAM/UnB, 1994. Organização e prefácio de Henryk Siewierski, pp. 86, 87, 88, 101.

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verdadeira essência: a do Espírito na Matéria

esplendendo.192

Sem exercer uma militância política direta, no Brasil, além de articular-se

com o grupo de intelectuais portugueses aqui exilados, Agostinho da Silva

ocupou o cargo de Assessor de Política Cultural Externa da Presidência da

República, no início dos anos de 1960. Neste período, estabeleceu uma sólida

relação de amizade com políticos e intelectuais brasileiros como Darcy Ribeiro

– sobre quem exerceu grande influência – e José Aparecido de Oliveira que

chega a afirmar que “a Política Externa Independente de Jânio Quadros, com

sua inclinação para a África e para a Ásia, teve em Agostinho da Silva um de

seus inspiradores”.193 Esta afirmação foi feita, sem sombra de dúvidas, porque

na nova “ordem mundial” pensada por Agostinho da Silva países como o

Brasil, o México e a China deveriam desempenhar um papel fundamental, visto

que, em sua concepção a crise do nosso tempo é a crise da civilização

européia – e, por extensão, da civilização ocidental - racional e materialista.

Assim, o Brasil, lugar por excelência da fusão de etnias e culturas, seria o pólo

do “Reino do Espírito” – sintetizado em uma Comunidade de Países de Língua

Portuguesa - e deveria buscar o “diálogo” com o oriente – em especial com a

China – para abrir caminho para uma nova “idade do ouro” para a humanidade.

Ao que nós todos tendemos, os da Língua Comum

– angolanos, brasileiros, cabo-verdianos, guinéus,

mauberés, moçambicanos, portugueses, são-

tomenses (será que se poderia acrescentar

galegos?) – é a fazer do mundo a cidade de todos

192 SILVA, Agostinho da. Carta Vária. op. cit., p.22. 193 BRAGA, José Alberto (Coord.). op.cit. p. 33.

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e para todos, a polis global, que daí vem política e

meta lhe deve ela ser.194

Retornando a Portugal, continuou com uma intensa produção intelectual,

além de desenvolver outras atividades como, por exemplo, a apresentação de

um programa de televisão intitulado “Conversas Vadias”, quando se

transformou naquilo que podemos chamar de um “filósofo popular”, à medida

que se tornou um dos intelectuais portugueses mais conhecidos do grande

público. Além disto, na década de 1980, tornou-se Diretor do Centro de

Estudos Latino-Americanos do Instituto de Relações Internacionais da

Universidade Técnica de Lisboa e do Gabinete de Apoio do Instituto de Cultura

e Língua Portuguesa do Ministério da Educação, além de continuar a proferir

palestras e conferências em diversas partes do mundo. Em 1994, morreu em

Lisboa aos 88 anos de idade deixando centenas de discípulos - seduzidos por

suas idéias, onde a cultura e a civilização portuguesas aparecem com um

papel da maior importância na concretização da plenitude do homem – que se

articulam em torno de instituições como a Associação Agostinho da Silva e o

Círculo dos Amigos de Agostinho.

Como já assinalamos anteriormente, devido ao forte componente místico

e mítico de seu discurso, as idéias de Agostinho da Silva não eram muito

levadas em consideração por círculos acadêmicos e políticos portugueses. No

entanto, a partir do momento em que a questão da lusofonia ganhou força em

Portugal, alguns pontos do pensamento agostiniano passaram a se bastante

destacados, por irem de encontro aos sentimentos nacionalistas nela

presentes, em especial a sua visão da “Comunidade Lusófona” como um

194 SILVA, Agostinho da. Carta Vária. op. cit., p. 89.

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“imenso Portugal”, além dos pequenos limites geográficos de seu território

peninsular:

Portugal que não tem seu centro em parte alguma

e cuja periferia será marcada pela expressão de

sua língua e da cultura da “Pax in excelsis” que ela

levar consigo; Portugal que não se importará com a

definição de regimes políticos, de regimes

econômicos ou de instituições religiosas, porque

esse será o problema de cada uma de suas

unidades, só ficando por essência e definição do

próprio conceito – Portugal, totalmente excluídas

aquelas formas institucionais que vão, como o

autoritarismo político, o liberalismo econômico ou a

negação do Espírito Santo, contra o que há de

estrutural no próprio homem.195

Além do mais, o pensamento agostiniano não trazia a carga negativa –

para alguns setores – que o luso-tropicalismo freyriano carregava, sem

esquecer que o velho filósofo foi um crítico do salazarismo e sempre esteve

mais identificado com a oposição democrática ao Estado Novo. No entanto,

sem sombra de dúvidas, diversas identificações podem ser encontradas entre

as idéias desses dois pensadores que foram alçados à condição de principais

“pais-fundadores” da Comunidade de Países de Língua Portuguesa e da

própria lusofonia. Em um dos mais completos estudos sobre o pensamento de

Agostinho da Silva recentemente publicado, Romana Valente Pinho196 realiza

de forma bastante competente a aproximação entre o pensamento de Freyre e

o de Agostinho, demonstrando as diversas identidades, bem como as

195 SILVA, Agostinho da. Um Fernando Pessoa. Lisboa, Guimarães, 1988, p.30. 196 PINHO, Romana Valente. Religião e Metafísica no Pensar de Agostinho da Silva. Lisboa, IN-CM, 2006.

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influências mútuas entre eles. 197 Esta autora destaca que “as idéias comuns

entre os dois autores sustentam-se essencialmente na defesa de um Brasil

plural, que se constituiu através da miscigenação, que soube usar a mediação

africana para conseguir unir índios e portugueses”, bem como na capacidade

lusa de se misturar com povos culturalmente diferentes, adaptando-se à

qualquer meio e à qualquer circunstância. Esta capacidade é chamada por

Freyre de plasticidade e por Agostinho de aptidão para a capatazia e para

fazer biscates.198 Além disso, a “Comunidade Luso-Tropical” pensada por

Gilberto Freyre, uma unidade cultural e psicológica que congregue todos os

povos que tenham o português como língua, acaba sendo a mesma

“Comunidade Luso-Brasileira” apresentada por Agostinho da Silva, em 1959,

no Colóquio da Universidade da Bahia. A diferença entre as duas propostas é

que a primeira dá primazia à língua (e a simbiose transcultural ocorrida nos

trópicos colonizados pelos portugueses - o luso-tropicalismo) e a segunda ao

espírito – o Portugal-idéia. 199

3.5. Portugal e a “invenção” da Lusofonia.

Como já foi discutido ao longo deste trabalho, no momento em que

idéia de lusofonia estava sendo construída, acelerava-se o processo de

197 Conforme registra Romana Valente, Agostinho da Silva faz menção, na introdução de seu livro Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa (1957), à influência freyriana sobre seu pensamento. Por sua vez , Gilberto Freyre refere-se da seguinte forma ao intelectual português: “Quando me refiro ao ideal de vida desenvolvido pelo português em contato assim íntimo com o Trópico, não posso esquecer-me das páginas recentes que um intelectual português residente há anos no Brasil – o professor Agostinho da Silva – sugere que, a partir do século XVII, começou a haver, no Brasil, para muitos portugueses, um ‘Portugal ideal’ – projetado em tempo e espaço ideais: idéia que coincide com a de um Trópico, para os portugueses, messiânico, por mim sugerido – em contraste com o ‘Portugal real’; segundo idéia minha, fixo no espaço europeu e fixo também no tempo apenas histórico”. In: O Luso e o Trópico. Lisboa, Comissão Executiva das Comemorações do Quinto Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 1961. p. 219. 198 PINHO, Romana Valente. op. cit., p. 193-194. 199 Idem, p. 202-203

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transformações profundas ocorridas no sistema internacional, com a

estruturação de uma Ordem Mundial calcada na crescente internacionalização

do capital e na imposição de uma série de valores culturais e ideológicos, os

quais colocaram em xeque, inclusive, as identidades nacionais.

Refletindo sobre estas questões em 1992, Celso Furtado já

perguntava: “Como preservar nossa identidade cultural e unidade política em

um mundo dominado por grupos transnacionais que fundam seu poder no

controle da tecnologia, da informação e do capital financeiro?”.200 Nesse

contexto, a discussão da questão identitária adquiriu uma grande importância,

visto que, neste momento, as diversas identidades estavam (e ainda estão)

passando por um processo de redefinição:

Exatamente ao mesmo tempo que os antigos limites

e fronteiras parecem dissolver-se perante o rápido

fluxo de idéias, mercadorias e pessoas, instalou-se

uma nova política de identidade que reinscreve,

limita e essencializa os elos entre terras e povos.201

A idéia da lusofonia – base sobre a qual se sustenta a CPLP - reflete,

necessariamente, estas discussões, pois é a partir das idéias de uma

“identidade cultural” e da “herança histórica comum” que o discurso da

“Comunidade Lusófona” foi construído, levando em consideração que “o

problema da construção ou invenção de identidades é o da escolha das

heranças, das combinações e das hibridizações que pretendemos produzir”.202

200 FURTADO, Celso. “Globalização das estruturas econômicas e identidade nacional”. In: Política Externa, Vol.1, no4. São Paulo, Paz e Terra/USP, 1993. 201 SCHILLER, Nina Glick e FOURON, Georges. “Laços de sangue: os fundamentos raciais do Estado-nação transnacional”. In: FELDMAN-BIANCO, Bela e CAPINHA, Graça (Org.). Identidades. São Paulo, Hucitec, 2000. 202 LOVISOLO, Hugo. “Portugal, Espanha e as nossas razões”. In. Logos – Comunicação&Universidade, (05). Rio de Janeiro, FCS-UERJ, 1998.

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Nesse quadro de redefinições identitárias e de renegociação dos papéis dos

Estados no Sistema Internacional, o Estado português investiu fortemente na

construção de um “espaço da lusofonia” que lhe permitisse uma maior margem

de manobra nesse processo. Assim, para que este espaço se concretizasse,

tornou-se necessária a construção de um “imaginário” comum, que fosse aceito

por todos os seus membros.

Nesse sentido, era preciso transformar em comunitário, um ideal que

é essencialmente português, como bem registrou Eduardo Lourenço:

Sem o confessarem ou, acaso, terem bem

consciência disso – mas não estou certo -, os

decididos apóstolos, ou antes, crentes na

existência de um espaço-língua suporte de um

espaço-cultura que permitisse dar um conteúdo à

idéia de ”lusofonia” – para além da constatação

empírica de uma expressão de matriz lusíada –

imaginam assim aceder a um Quinto Império mais

acessível que o Império de Cristo pregado por

Vieira ou do que o império de sonho feito com a

saudade do império perdido, à Pessoa. É um

sonho que vale a pena sonhar quando se é

português, mas de que, creio, só os portugueses,

sobretudo do continente, são imaginários

sujeitos.203

Sendo assim, sob a ótica portuguesa, a idéia de lusofonia estaria

intimamente ligada ao processo das grandes navegações, em que Portugal

“abriu as postas do mundo” para a Europa, ao mesmo tempo em que espalhou

sua língua e sua cultura pelas terras onde aportou. Nesta perspectiva, a

construção de um “imaginário lusófono” passava necessariamente pela ênfase

203 LOURENÇO, Eduardo. A Nau de Ícaro. São Paulo, Cia. das Letras, 2001, p.190-191.

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na identidade existente entre Portugal e as suas ex-colônias; identidade esta

que “dar-se-ia num plano quase que ‘inatingível’ para aqueles que dela não

participassem: aquele do ‘espírito’ e das experiências subjetivas”.204

Ao pensarmos nos mitos fundadores da lusofonia e na possibilidade

da existência desse “imaginário lusófono” - que se constituiria em um dos

pilares fundamentais da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa –

remetemo-nos às reflexões de Bronislaw Baczko sobre o “imaginário” e a

“imaginação social”.205 A grande questão é que os elementos que formariam

esse imaginário – como lembra Eduardo Lourenço - são essencialmente

portugueses, vinculando-se a uma realidade histórico-social específica de

Portugal, e necessariamente não têm a mesma importância para os demais

países de língua portuguesa, carecendo daquilo que Baczko chama de

Comunidade de Imaginação ou Comunidade de Sentido. Nesta perspectiva, o

discurso da lusofonia cairia no vazio para os não-portugueses, já que não

partiria de aspirações coletivas ou de um imaginário preexistente entre

brasileiros, moçambicanos, angolanos e demais povos que adotam o português

como idioma oficial.

Assim, na construção dessa artificialidade que é a “Comunidade

Lusófona”, o Estado Português, principal interessado em sua consolidação,

apelou para argumentos como a identidade lingüística e cultural como bases de

sua legitimação. No entanto, sob esta perspectiva, para que esta comunidade

se consolide há a necessidade de se valorizar aquilo que Castoriadis206

204 THOMAZ, Omar Ribeiro. “Tigres de papel: Gilberto Freyre, Portugal e os países africanos de língua oficial portuguesa”. In: BASTOS, Cristiana et alli. Trânsitos Coloniais: Diálogos Críticos Luso-Brasileiros. Lisboa, ICS, 2002, p.41. 205 BACZKO, Bronislaw. “Imaginação Social”. In: Enciclopédia Einaudi, Volume 5, Anthropos-Homem. Lisboa, Imprensa Nacional-Casa de Moeda, 1984. 206 CASTORIADIS, Cornelius. A Instituição Imaginária da Sociedade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1975.

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chamaria de a significação imaginária social dessa comunidade, partindo da

idéia de que o imaginário social representa uma força instituidora e, como tal,

unificadora de uma sociedade, ou como coloca Lourenço, “lusofonia sem um

mínimo de mitologia cultural compartilhada só pode ser comunidade na ordem

prática da comunicação, não da do espírito e da do imaginário que são a sua

essência”.207

Todos esses aspectos devem ser levados em consideração ao se

analisar a “redescoberta” desta “tradição” intelectual luso-brasileira em defesa

da idéia de uma Comunidade de Povos de Língua Portuguesa.

Indiscutivelmente, ela se inseriu nos esforços dos construtores daquilo que

temos chamado de “discurso da lusofonia” e do seu desdobramento natural, a

CPLP, para legitimar este discurso e esta organização. Neste sentido, é

importante ressaltar que a defesa desse ideal comunitário, na maioria das

vezes, não representa a questão central na produção intelectual desses

autores, no entanto foi este o ponto destacado no resgate de suas obras, em

Portugal, nas décadas de 1980 e 1990.

3.6. Quebrando o consenso: as vozes dissonantes em Portugal.

Como já assinalamos anteriormente, nas décadas de 1980 e 1990,

construiu-se praticamente um consenso nacional em Portugal, em torno da

idéia da lusofonia, fazendo com que a quase totalidade das elites políticas –

percorrendo todo o espectro político-ideológico – e intelectuais, bem como

amplos setores da sociedade portuguesa assimilassem e repercutissem esse

discurso. Conforme também já ressaltamos, isto se fez sentir com bastante

intensidade durante as comemorações do Quinto Centenário dos

207 Lourenço. Op.cit. p. 173

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descobrimentos portugueses, que dominaram os meios de comunicação

portugueses durante toda a década passada e o início desta e engendraram a

publicação de centenas de publicações – diversas delas financiadas por

organismos do governo português como o Instituto Camões ou pela Comissão

Nacional para as Comemorações do Quinto Centenário dos Descobrimentos

Portugueses – sobre a época dos descobrimentos, sobre o Império Colonial e

sobre o mundo de língua portuguesa na contemporaneidade.

Analogamente, estas comemorações podem ser comparadas,

guardadas as devidas proporções e os momentos históricos distintos, a

grandes eventos do período salazarista que saudaram as conquistas

portuguesas, como a I Exposição do Mundo Português (1940) - organizada

para marcar a dupla comemoração do Oitavo Centenário da fundação de

Portugal e do Terceiro Centenário do fim da União Ibérica – e as

comemorações do Quinto Centenário da morte do Infante D. Henrique, no

início da década de 1960. Por sinal, uma leitura mais atenta de um trecho do

Programa Oficial da Exposição do Mundo Português, nos permite fazer esta

comparação de forma bastante elucidativa, notando a permanência de uma

série de elementos discursivos nas recentes comemorações do Quinto

Centenário dos Descobrimentos Portugueses, mas com a retirada, é claro, das

referências ao colonialismo e ao Império:

Tão extenso e fragmentado pelo mundo é o

território português, tão misterioso e diverso o

espírito da grande nação atlântica, que se tornou

sobremaneira difícil – se não impossível –

apreender rapidamente o sentido profundo a

verdadeira expressão de Portugal. Só uma longa

permanência no país, servida por largas viagens

através do Império, poderá esclarecer cabalmente

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quem quiser penetrar o mistério português – tão

apaixonante na evocação do seu passado quase

milagroso e na projeção do futuro brilhante que o

seu presente de claridades anuncia. A existência

de um resumo vivo de Portugal, síntese de sua

história e da sua etnografia, completo sem ser

carregado, simples sem ser incorreto, impunha-se

como uma necessidade de documentação, não só

do que fomos, mas do que valemos hoje como

povo trabalhador e como grande Império208.

Então, foi nesse espírito das comemorações que a idéia da lusofonia

e a defesa da consolidação de um espaço político da língua portuguesa,

representado pela CPLP, encontraram terreno fértil para se enraizarem na

sociedade portuguesa. No entanto, em meio a esta quase total uniformidade de

pensamento, apareceram em Portugal algumas vozes divergentes, ou pelo

menos, mais ponderadas que procuraram relativizar ou questionar os pontos

centrais do discurso lusófono, elaborando uma contra-argumentação ao

consenso dominante. Neste sentido, destacaram-se os nomes de dois

veteranos e importantes intelectuais portugueses, Eduardo Lourenço e Alfredo

Margarido, sem sombra de dúvidas dos mais notáveis intérpretes de Portugal.

O primeiro nasceu em 1923 e licenciou-se em Ciências Histórico-

Filosóficas na Universidade de Coimbra (1946), tendo atuado a seguir como

Professor-Assistente de Filosofia naquela Instituição. A partir de 1954, lecionou

em diversas Universidades na Europa - Hamburgo, Heidelberg, Montpellier,

Grenoble e Nice – e no Brasil – Universidade da Bahia. Filósofo e crítico

literário, é considerado, mesmo por seus críticos, o maior dos ensaístas

208 Apud. THOMAZ. Omar Ribeiro. Ecos do Atlântico Sul. op. cit., p. 253.

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portugueses contemporâneos. Seus ensaios abrangem temas que vão da

cultura portuguesa à política, passando pelas discussões identitárias e pelos

estudos literários. Recebeu, em 1988, o Prêmio Europeu de Ensaio Charles

Veillon pelo conjunto de sua obra e, em 1996, o Prêmio Camões. Na sua

extensa obra, destacam-se: Heterodoxia (1949-1967, em dois volumes), O

Labirinto da Saudade: Psicanálise Mítica do Destino Português (1978), O

Complexo de Marx (1979), O Espelho Imaginário (1981), Poesia e Metafísica

(1983), Nós e a Europa ou As Duas Razões (1988), O Canto do Signo:

Existência e Literatura (1994), O Esplendor do Caos (1998), Portugal como

Destino seguido de Mitologia da Saudade (1999) e A Nau de Ícaro seguida de

Imagem e Miragem da Lusofonia (1999).

O segundo nasceu em 1928, na região de Vinhais e foi aluno da

Escola de Belas-Artes do Porto, tendo chegado a fazer exposições de seus

trabalhos como artista plástico. Depois de passar um bom período na África

como funcionário da administração colonial, regressou a Portugal e, logo

depois, seguiu para Paris, onde completou seus estudos e começou a atuar

como professor universitário. Poeta – com uma escrita próxima do surrealismo

-, romancista, ensaísta e crítico literário possui uma extensa produção como

escritor na qual se destacam obras como Poemas com Rosas (1953), Poema

Para Uma Bailarina Negra (1958), No Fundo Deste Canal (1960), A Centopéia

(1961), As Portas Ausentes (1963), O Novo Romance (1962), Marânus: Uma

Linguagem Poética Quase Niilista (1976), Estudos sobre Literaturas das

Nações Africanas de Língua Portuguesa (1980) e A Lusofonia e os Lusófonos:

Novos Mitos Portugueses (2000).

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3.6.1. As vozes dissonantes: A lusofonia na perspectiva de Eduardo

Lourenço.

Embora tenha se destacado como um dos mais importantes

intelectuais portugueses desde a década de 1950, as obras de maior impacto

do ensaísta Eduardo Lourenço foram escritas nas últimas três décadas. Neste

período, acontecimentos como o fim da ditadura salazarista, a

redemocratização de Portugal, a dissolução do Império Colonial Português, o

processo de integração à Europa, as redefinições identitárias globais

relacionadas ao fenômeno da globalização e, é claro, a construção da idéia da

lusofonia deixaram marcas profundas na sociedade portuguesa. Portanto, é

lógico que Lourenço que, ao longo de sua obra como crítico e ensaísta, sempre

procurou decifrar este grande enigma que é Portugal, não poderia ter ficado

imune a esse momento ímpar da história de seu país e, assim, foi o

responsável por algumas das melhores reflexões sobre todos esses processos,

principalmente em obras como “O Labirinto da Saudade”, “O Complexo de

Marx”, “Nós e a Europa”, “Mitologia da Saudade” e “A Nau de Ícaro”.

Durante o processo de redemocratização da sociedade portuguesa,

Lourenço produziu alguns dos ensaios mais profundos e instigantes sobre o

pós-25 de abril, com “O Labirinto da Saudade” aparecendo como uma das mais

importantes obras publicadas no período. De modo geral, ao acompanharmos

a evolução do pensamento Lourenciano ao longo destas mais de três décadas

que nos separam da Revolução dos Cravos, podemos notar que, ao mesmo

tempo em que ele percebe a importância da Revolução para as transformações

que se processaram na sociedade portuguesa, ele a considera fracassada em

relação à gestação de uma “contra-imagem” daquela que os portugueses

possuem de si mesmos, pois apesar dos impactos produzidos inicialmente, sob

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esse aspecto, a revolução acabou retornando ao seu ponto de partida – como

no outro sentido desta palavra, presente nas ciências exatas: o movimento de

um objeto em torno de um ponto central ou de um eixo que o conduz

periodicamente a mesma posição relativa – ou seja, a velha mitologia do

destino imperial português não só não se rompeu como, de certa forma,

reforçou-se. Revestido pelo discurso democrático e pluralista, o velho mito

continua presente nos esforços portugueses para a constituição de uma

comunidade lusófona com suas ex-colônias que, paradoxalmente – como

assinalamos inúmeras vezes - tem como suas grandes articuladoras, as forças

políticas que impulsionaram a descolonização, notadamente os socialistas.

Em Tempo Português, Eduardo Lourenço afirma que

“contrariamente à lenda, o povo português - ferido como tantos outros por

tragédias reais na sua vida coletiva - não é um povo trágico. Está aquém ou

além da tragédia”.209 Esta característica, atribuída por ele aos portugueses, de

“contornar” o trágico ao longo de sua existência enquanto nação, construindo

um ‘tempo” próprio, ahistórico, onde passado, presente e futuro misturam-se, e

onde a fronteira entre sonho e realidade é bastante tênue, pode ser usada

como ponto de partida para compreendermos a visão lourenciana sobre o 25

de abril. Para Lourenço, ao longo de sua história, os portugueses construíram

uma imagem de si mesmos e vivem da contemplação maravilhada e feliz dessa

imagem, elaborada a partir do passado glorioso de descobridores “ de novas

terras e novos céus” e da percepção de sentirem-se como “povo eleito”. Ora,

era de se esperar que em momentos traumáticos da história portuguesa, essa

imagem que os portugueses tem de si, começasse a ser questionada e

209 LOURENÇO, Eduardo. Mitologia da Saudade. op. cit., p. 14.

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surgissem condições para a construção de uma “contra-imagem”. Porém esta

capacidade de “contornar o trágico” faz com que os portugueses voltem, como

Lourenço coloca em relação ao Ultimatum britânico durante a corrida

imperialista do final do século XIX, “à costumada e agora voluntária e

irrealística pose de se considerarem, por provincianice incurável ou despeito

infantil, uma espécie de nação idílica sem igual”.210

Esta mesma linha de raciocínio poderia ser aplicada à Revolução

dos Cravos e ao processo que seguiu à ela, já que o 25 de abril também teria

falhado em relação a possibilidade de se construir uma contra-imagem

daquela que os portugueses tem de si mesmo. Apesar das aparentes

mudanças trazidas pela Revolução, mais uma vez os portugueses se

mostraram “aquém e além da tragédia”, em um processo que Lourenço

chamou de “inconsciência coletiva”. Ao se referir a isso 25 anos depois, em um

artigo publicado no jornal “Expresso”, Lourenço escreveu - comentando uma

afirmação de José Saramago, que “com ou sem o 25 de abril, Portugal estaria

onde está” - que ”o que não mudou e até de alguma forma se reforçou, foi a

mitologia de Portugal nostálgico de si mesmo como império”, e que, nesse

aspecto, o comentário de Saramago seria bastante pertinente.211 Essa

“ausência da tragédia” também teria se feito presente no processo de

descolonização do antigo Império Português, pois, como já discutimos no

capítulo II, levando-se em consideração que a nação portuguesa ligava seu

destino nacional à idéia do Império, os impactos desse processo pareceram

não deixar grandes traumas entre o povo português.

210 LOURENÇO, Eduardo. O Labirinto da Saudade. op. cit., p 27-28. 211 LOURENÇO, Eduardo. Portugal Sem Abril. Expresso, 24/04/1999.

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No entanto, em 1978, na “Psicanálise Mítica do Destino Português”

Lourenço ainda acreditava na possibilidade da Revolução de Abril e seus

desdobramentos construírem a contra-imagem que Portugal necessitava:

Foi a imagem ideológica do povo português como

idílico, passivo, amorfo, humilde e respeitador da

ordem estabelecida, que o 25 de abril impugnou,

enfim, em plena luz do dia. A verdade que através

dela irrompia era de molde a reajustar finalmente a

nossa realidade autêntica de portugueses a si

mesma, como reflexo e resposta a uma

desfiguração tão sistemática como aquela que

caracterizara o idealismo hipócrita e, sob a cor do

realismo, o absurdo irrealismo da imagem

salazarista de Portugal. Todavia, anos passados,

não é possível asseverar que tal reajustamento se

tenha produzido, que tenhamos posto uma espécie

de ponto final naquilo que poderíamos designar de

visão maniqueísta da História e da realidade

portuguesas. A contra-imagem de Portugal e do

seu destino que a Revolução de Abril e suas

seqüelas entronizaram, ainda não possui um grau

de assentimento coletivo e um perfil que permitam

considerá-los como estáveis.212

Porém, vinte anos depois em “Portugal como Destino”, tal

perspectiva já não aparecia mais, visto que “o falso e verdadeiro pânicos

passados, voltamos, quase sem transição, senão aos ‘antigos tempos’, aos

mesmos caseiros e deliciosos negócios públicos, instituídos pouco a pouco

como festa permanente. Do destino de Portugal e ainda mais de Portugal como

destino, com raríssimas exceções, nunca mais se ouviu falar uma palavra”. 213

212 LOURENÇO, Eduardo. O Labirinto da Saudade. op. cit., p. 61. 213 Ibidem. Mitologia da Saudade. op.cit., p 147-148.

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Sobre a Revolução dos Cravos, outro ponto que mereceu a atenção

de Lourenço foi a participação da esquerda democrática portuguesa, articulada

principalmente em torno do Partido Socialista, em todo o processo

revolucionário. Em 1989, em um artigo intitulado “15 anos depois”, publicado

no jornal “Expresso”, ele referia-se a Mário Soares como a encarnação da

“autonomia da sociedade saída da Revolução de Abril, abalada por ela, como

sociedade civil não só de normal e pleno direito, mas como vivência

interiorizada hoje pela maioria dos portugueses”. No mesmo parágrafo, o Gal.

Ramalho Eanes é apresentado como aquele que “contribuiu decisivamente

para inscrever a instituição militar na ordem democrática definida pela

constituição”.214 Essa perspectiva é bastante coerente com todo o pensamento

de Lourenço que sempre procurou deixar de lado os maniqueísmos, buscando

sempre um “terceiro caminho” entre os extremos. O elogio a Soares e Eanes

como símbolos do Portugal pós-25 de abril encaixa-se bem nesta perspectiva,

visto que ambos atuaram no cenário político português como alternativas

moderadas aos radicalismos de esquerda e direita, como bem coloca David

Birmingham ao afirmar que “o herói da transição de Portugal para a

democracia, da entrada na Europa e da restauração das boas relações com a

Espanha foi Mário Soares”.215

Porém, em 1977, a análise que Lourenço fazia da atuação de

Soares e do Partido Socialista, nos anos que se seguiram ao 25 de abril, era

bastante diferente. Em alguns artigos de “O Complexo de Marx”, Lourenço

atribuía a Soares e ao PS, a responsabilidade pelo abortamento do processo

revolucionário:

214 LOURENÇO, Eduardo. 15 Anos Depois. Expresso, 22/04/1989. 215 BIRMINGHAM, David. op. cit., p. 238

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A nossa revolução não se suicidou, de caras, como

Maiakovsky. Foi suicidada.(...) Estava no direito e

mesmo no dever de Mário Soares de não querer

ser nem Kerensky, nem Massaryk. Não estava

nem está no seu caráter ser Allende, não porque

lhe falte coragem física ou moral, mas porque lhe

falta convicção socialista. Preferiu ‘sacrificar-se’,

ser o Kurt Schuschnigg de uma direita ufanista,

implacável, que o recusa quando supõe não

precisar já dele para conter o que ainda resta de

impulso revolucionário em nosso país (A

Revolução a Deriva).216

Em outro artigo do mesmo livro, A Revolução abortada – ou

impossível?, Lourenço escreve que “(...) sem conhecer ainda um fracasso

absoluto, a revolução portuguesa acha-se confrontada com um futuro temível.

Os socialistas portugueses parecem assumir neste momento a figura de

‘coveiros’ da esperança socialista nascida com o 25 de abril, confirmada pelo

11 de março”. 217 Assim, podemos notar que o que Lourenço considerou como

virtude, em 1989, entre 1977 e 1979, no calor da hora, era o alvo de suas

críticas. A visão de Lourenço no final da década de 1980, decorrente talvez do

distanciamento crítico que o passar dos anos proporciona, é compartilhada por

diversos autores entre os quais Kenneth Maxwell que, nos parágrafos finais de

“A Construção da Democracia em Portugal”, faz a seguinte análise:

Não foram os girondinos que foram derrotados

pelos montanheses como na Revolução Francesa;

ou mais apropriado ao caso de Portugal, não foram

os bolcheviques que derrotaram os mencheviques.

Apesar do triunfalismo adotado pelo dirigente do

Partido Comunista Português, Álvaro Cunhal,

216 LOURENÇO, Eduardo. O Complexo de Marx. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1979, p. 151. 217 Idem. p. 191.

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apesar do autoritarismo atávico do regime deposto,

apesar do ‘terceiro mundismo’ adotado pelos

jovens militares radicais que imediatamente a

seguir ao golpe tomaram o poder em Lisboa,

apesar das maquinações de uma extrema direita

nostálgica do passado, apesar do atraso social e

econômico de Portugal, apesar da instabilidade

política crônica que se seguiu à promulgação da

constituição de 1976 e apesar dos prognósticos

sombrios de Henry Kissinger, os portugueses

foram capazes de criar um sistema de governo

representativo e pluralista, totalmente comparável

ao que é de norma na Europa Ocidental. No

contexto da Revolução Portuguesa foi Kerensky

que sobreviveu, não Lenine. Foi o socialista

moderado Mário Soares quem, no final, se tornou

Presidente da República e o militar radical

populista Otelo Saraiva de Carvalho quem foi,

primeiro, para a prisão e, depois, para a

obscuridade.218

No entanto, uma ressalva que deve ser feita é a de que uma

perspectiva presente nos dois momentos da análise de Lourenço sobre os

rumos da Revolução de Abril é a da importância do contexto internacional para

a compreensão dos caminhos seguidos pela Revolução Portuguesa. Em

1978/79, ele escrevia que a história encontraria atenuantes para o papel de

“coveiros” da Revolução exercido pelos socialistas, isto porque:

(...) em 1974, na Europa, no seu extremo ocidente,

no fundo mais perto dos Estados Unidos do que da

Espanha, sua vizinha, Portugal dificilmente podia

tentar o que era – e continua a ser – um projeto

novo: conciliar a democracia com o socialismo. O

218 MAXWELL, Kenneth. A Construção da Democracia em Portugal. op. cit., p. 203-4

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nosso fracasso – relativo ou absoluto – talvez

estivesse inscrito na natureza das coisas, isto é na

nossa história de país pobre, pequeno, ligado por

todas as fibras ao sistema econômico ocidental. A

nossa revolução abortada ou pelo menos adiada,

talvez fosse simplesmente impossível.219

A mesma perspectiva aparece em 1989, quando Lourenço afirmava

que “se na curta e longa memória que dele temos passarmos o pós-25 de abril

ao ‘ralenti’, descobrimos depressa, sem ceder à tentação determinista, que

aquilo que nos aconteceu – e continua a acontecer – não só teve a sua ‘lógica’

interna, como se insere perfeitamente no ‘puzzle’ de um contexto ocidental e

numa movência espetacular de suas perspectivas”.220 Mais uma vez, a

perspectiva de Lourenço se aproxima da análise de Maxwell quando este

afirma que:

O contexto internacional foi sempre um pano de

fundo importante para os acontecimentos em

Portugal. Mas os fatores internacionais só por si

não explicam o resultado das lutas sociais e

políticas em Portugal, lutas que (...) também devem

ser encaradas em seu contexto interno. Em muitos

aspectos o traço mais saliente da emergência da

democracia em Portugal foi o triunfo dos

moderados.221

Assim, talvez possamos afirmar que a mudança de perspectiva de

Lourenço em relação ao papel dos socialistas e de Mário Soares no processo

revolucionário se deu como resultado das próprias transformações ocorridas na

sociedade portuguesa nesse período. Desta forma, parece-nos que Lourenço 219 LOURENÇO, Eduardo. O Complexo de Marx. op. cit., p. 191-192. 220 LOURENÇO, Eduardo. 15 Anos Depois. Expresso, 22/04/1989. 221 MAXWELL, Kenneth. A Construção da Democracia em Portugal. op. cit., p. 203

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passou a considerar o processo revolucionário desencadeado a partir do 25 de

abril, não mais como uma “revolução abortada”, mas sim como a “revolução

possível”.

Estas reflexões sobre a trajetória política de Portugal no pós-25 de

abril, bem como sobre a identidade nacional portuguesa, que seria marcada

por um profundo déficit de realidade e por uma enorme carga mítica, são

fundamentais para entendermos os escritos sobre o tema da lusofonia

produzidos por Lourenço, ao longo da década de 1990. Na verdade, em 1976,

ainda no período de descolonização do império português, ele já levantava

algumas questões bastante relevantes sobre o tema, antecipando problemas

que estariam presentes no processo de formação da CPLP duas décadas

depois. O mais notável dentre eles é a percepção de que para que tal espaço

se articule não poderia haver pretensões hegemônicas, já que aquilo que o

sustenta, a língua comum, não é propriedade de ninguém:

O centro desse mundo de lusofonia terá de ser

simultaneamente Lisboa, Bissau, Luanda, Maputo,

Goa, Brasília, todos os pontos e nenhum onde nos

compreendemos, bem ou mal, no interior da

muralha de cristal que é uma língua comum e de

ninguém propriedade. (...) É, por definição, uma

obra de concertação coletiva. A nós, portugueses,

cabe menos a proposição e a dinamização de um

tal projeto que a escuta polifônica de vozes que

hoje constituem a lusofonia viva. Não nos compete

clamar ou supor no lugar dos outros membros da

comunidade lusófona necessidades, urgências ou

apetências que eles mesmos não ressintam como

próprias.222

222 LOURENÇO, Eduardo. O Complexo de Marx. op. cit., p. 27.

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No mesmo sentido, ele define a lusofonia como uma “empresa

futurante (..), endereçada à redefinição de nós mesmos no horizonte do mundo

lusófono que nos compreende e nos ultrapassa, e não a revisitação nostálgica

de um passado de mútuas cicatrizes”.223 Desta forma, Lourenço já alertava

contra a tentação portuguesa de ver em um futuro espaço político-cultural

lusófono, a reinvenção do Império, que então se dissolvia, e já apresentava

uma crítica sutil ao luso-tropicalismo transformado na ideologia colonial

portuguesa:

Sempre invejei o título com que o meu antigo

mestre, Silvio de Lima, desejou abarcar a nossa

aventura fora de portas: “O mundo que criou o

português”. Agora que o gilbertiano “mundo que o

português criou” gira na sua órbita autônoma e

original, chegou o tempo de reinventar –

começando por descobri-lo – esse outro mundo

que somos, e seremos, por termos sido durante

séculos os argonautas um pouco forçados das

áfricas, brasis e índias que já não temos, se

alguma vez as tivemos. Da aventura terminada

refluímos para a exígua casa lusitana. Mas

voltamos outros. Voltamos sem poder diretamente

regressar.224

Se em 1976 as críticas feitas a Freyre tinham um tom moderado, no

início da década de 1960, quando o pensamento freyriano se fazia presente de

forma sistemática no discurso do “Estado Novo” sobre a questão colonial,

Lourenço escrevia um artigo intitulado “Brasil – Caução do Colonialismo

223 Idem. p. 28. 224 Idem. p. 26.

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Português” inserido no jornal Portugal Livre, de Janeiro de 1960, referindo-se

aos problemas da colonização portuguesa:

(...) nenhum intelectual safado gênero Gilberto

Freyre e suas burlescas invenções de erotismo

serôdio (...) podem tirar dos ombros do português,

tranqüilamente paternalista e fanfarrão o dever de

despertar para os seus deveres e seus atrasos.225

No ano seguinte, em um jornal português, em um artigo sobre a obra

de Freyre, Lourenço notava a:

(...) pouca ou nenhuma seriedade objetiva e o falso

brilho de fórmulas feitas, tematizadas de livro em

livro com fatigante ênfase. (...) Um nefasto

aventureirismo intelectual, incoerente e falacioso,

desmascarando ao mesmo tempo o falso

liberalismo deste amador de estéticas

imperialistas.226

No final da década passada, Lourenço retomou o tema da lusofonia

em um conjunto de artigos que foram reunidos em um livro intitulado “A Nau de

Ícaro e Imagem e Miragem da Lusofonia”, publicado no Brasil em 2001. Em um

deles, ele dialoga com o já citado artigo escrito em 1976 e reitera que para se

dar “sentido à galáxia lusófona” é necessário “vivê-la, na medida do possível,

como inextricavelmente portuguesa, brasileira, angolana, moçambicana, cabo-

verdiana ou são-tomense”, 227 propondo assim uma espécie de “centro

descentrado” que esteja em toda a parte onde se fala português. Mais uma

225 “Portugal Livre” era um jornal mensal editado em São Paulo pela colônia de exilados portugueses anti-salazaristas. 226 LOURENÇO, Eduardo. A propósito de Freyre. O Comércio do Porto. 11/07/1961 227 LOURENÇO, Eduardo. A Nau de Ícaro. op. cit., p. 111.

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vez, ele também alerta para a tendência portuguesa de se associar a idéia da

lusofonia à retomada do “sonho imperial”:

É natural que seja no espaço da nossa ficção,

quero dizer, da portuguesa, que mais fundo se

manifeste uma espécie de nostalgia imperial, uma

exigência de unidade, ou melhor, de universalidade

simbólica, suscetível de nos inventar, em termos

novos, aquela Atlântida submersa, ou mesmo

perdida, que imaginávamos possuir e habitar nos

tempos em que lhe chamávamos “o mundo

português”.228

Nesta perspectiva, Lourenço colocava então duas possibilidades

para a CPLP: a de ser “empresa futurante”, onde todos os seus atores sejam

sujeitos e em que a língua comum seja o ponto de convergência ou aquela,

bastante concreta, de que a lusofonia acabasse se tornando uma releitura do

“destino imperial português”:

Inventamos a lusofonia (...) para simbolicamente e

inconscientemente, habitarmos aqueles espaços

imperiais, mais de sonho do que de realidade, e

que por isso mesmo nunca poderemos considerar

como perdidos? 229

No entanto, apesar de buscar problematizar a discussão sobre a

lusofonia e de tentar evitar um lusocentrismo, em vários momentos Lourenço

resvala para este viés. Assim, se, por um lado, ele considera as diferenças

culturais entre Brasil e Portugal como um ponto fundamental no processo de

construção do espaço político lusófono e vê na questão colonial mal-resolvida o

problema central das relações luso-brasileiras (ou não-relações, como ele

228 Idem. 229 Idem. p. 183.

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afirma), por outro, ele acaba reproduzindo – inconscientemente? – alguns

argumentos que são essencialmente portugueses, ao pensar numa solução

para este distanciamento entre os dois principais pólos da lusofonia:

(...) ao tratar dessas relações (luso-brasileiras),

Lourenço apóia-se ainda na idéia de origem

nacional, quando uma das principais tendências da

crítica pós-colonial é justamente a “recusa de toda

a história fundacional”. Além disso, embora

reconheça as diferenças entre os dois discursos

culturais, parece acreditar ser possível dirimi-las

através da reconstituição da “ancestralidade

compartilhada”, processo que “proporciona

margem de manobra tanto para a produção de

semelhanças, quanto de diferenças”, permitindo a

recriação das “raízes históricas” em termos de

laços de parentesco, de cultura e língua comum.230

Porém, se neste aspecto Lourenço se aproxima da argumentação

daqueles setores que acabaram identificando a “lusofonia” com o “Império

Revisitado”, na maioria das vezes, ele elabora críticas bastante contundentes

aos principais pontos desse discurso. Em “Imagem e Miragem da Lusofonia”,

por exemplo, ao lembrar que só os portugueses e os franceses criaram

oficialmente um espaço lingüístico, ele coloca a seguinte questão: “Inventamos

a lusofonia (...) para, simbolicamente e inconscientemente, habitarmos aqueles

espaços imperiais, mais de sonho do que de realidade, e que por isso mesmo

nunca poderemos considerar como perdidos?”. 231 Já no ensaio ”Da língua

como pátria”, Lourenço desconstrói o uso que os nacionalistas portugueses,

entusiastas da lusofonia, fizeram da célebre frase de Fernando Pessoa,

230 SOARES, Maria de Lourdes. “Lusofonia e imaginário cultural no ensaísmo de Eduardo Lourenço”. In: Anais do Museu Histórico Nacional (35). Rio de Janeiro, MHN, 2003, p 424-425. 231 LOURENÇO, Eduardo. A Nau de Ícaro. op. cit., p. 183.

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presente no “Livro do Desassossego”, que se tornou uma espécie de “dístico

lusófono”: “Minha Pátria é a Língua Portuguesa”. Retirada de seu contexto, tal

citação “converteu-se numa litania repetida através do espaço da língua

portuguesa, ao mesmo tempo como prova de assimilação de “língua” e “pátria”

e como sacralização desse laço indissolúvel”,232 e tem servido como base de

uma da releitura pós-colonial do sonho imperial português convertido agora no

“espaço da língua portuguesa” expresso na CPLP.

Nesta releitura, a lusofonia fundamenta-se, tanto na idéia do “projeto

Atlântico, de Agostinho da Silva, enquanto território (estendido) da língua

portuguesa”, quanto na “reconfiguração de uma Comunidade Luso-Brasileira,

baseada em reinterpretações da visão freyreana do Brasil enquanto futuro de

Portugal”. 233 Assim, ao afirmar que “uma língua não é de ninguém, mas nós

não somos ninguém sem uma língua que fazemos nossa” e que “é nesse

sentido e unicamente nesse sentido – longe das identificações narcisistas dos

nacionalismos culturais – que uma língua é, como pensava Pessoa, a nossa

verdadeira pátria”234, Lourenço rebate, ao mesmo tempo, a idéia da supremacia

portuguesa no espaço da lusofonia e a concepção desse espaço como

reinvenção do Império.

Portanto, Lourenço deixa claro que se concorda com a idéia da

lusofonia – como uma “empresa futurante” -, ao mesmo tempo se opõe a

maneira como esta idéia foi apropriada por determinados setores. Ao apontar a

permanência da mitologia política imperial presente nos argumentos dos

232 Idem. p. 125. 233 FELDMAN-BIANCO, Bela. “Entre a fortaleza da Europa e os laços afetivos da irmandade luso-brasileira: um drama familiar em um só ato”. In: ALMEIDA, Miguel Vale de, BASTOS, Cristiana e FELDMAN-BIANCO, Bela (Coord.). Trânsitos Coloniais: Diálogos Críticos Luso-Brasileiros. ICS, Lisboa, 2002, p. 404. 234 LOURENÇO, Eduardo. A Nau de Ícaro. op. cit., p.133.

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principais defensores dessa idéia, ele se diferencia deles, apresentando assim

a possibilidade de uma “lusofonia polifônica”, onde as diversas vozes que a

compõe deveriam ser escutadas. Sem deixar de ser português, portanto

alguém - que como ele mesmo registra – para quem “tal sonho, merece ser

sonhado”, ele não permite, com suas reflexões, que as contradições desse

projeto sejam ignoradas.

Ao apontar, como destacamos nos capítulos anteriores, o imaginário

como o elemento central para a instituição dessa Comunidade, ele apresenta

as dificuldades que envolvem a concretização do “espaço da lusofonia”, espaço

este que, embora também político, é acima de tudo cultural e é nesse “espaço

cultural, não só empírico mas intrinsecamente plural, que os novos imaginários

definem que um qualquer sonho de comunidade e proximidade se cumprirá ou

não”.235

3.6.2. As vozes dissonantes: A lusofonia na perspectiva de Alfredo

Margarido

Se Eduardo Lourenço problematiza algumas questões e apresenta

algumas contradições do projeto da lusofonia, mas sem negá-lo, outro

importante intelectual português, Alfredo Margarido, desconstrói de maneira

radical esse projeto. Margarido, de forma contundente, define a lusofonia como

a revitalização de uma nostalgia do império, resultante do vazio ideológico

decorrente do processo de descolonização e da amputação do componente

imperial da nação portuguesa.

Assim, em “A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses”,

publicado em 2000, no auge das comemorações da chegada dos portugueses

235 Idem. p. 196.

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ao Brasil, Margarido constrói um verdadeiro manifesto contra o consenso

nacional que se articulou em Portugal, em torno do projeto da lusofonia, e que

abarcou amplos setores da intelectualidade, da imprensa e de boa parte das

forças políticas do país, mostrando as suas contradições e os seus limites.

Logo no primeiro ensaio, ele toca em duas questões essenciais para esta

discussão: o saudosismo do Império e a veneração acrítica do passado:

Sutil mas constantemente, sente-se perpassar na

atmosfera política nacional um sopro gélido, muito

necrofílico, que à força de exaltar o passado,

compromete o presente, e mais ainda o futuro. A

criação e sobretudo a perenidade da Comissão

encarregada de comemorar os descobrimentos,

constitui certamente um desses sintomas. O país

foi remetido para o século XV-XVI, e só aí

encontraria razões para existir. Os séculos

subseqüentes, e mais particularmente o nosso, não

fariam mais do que confirmar a “decadência”, que o

século XIX instalou com toda pompa no panteão

nacional.236

Desta maneira, desde o início de seu livro, Margarido adota um estilo

cru e agressivo para denunciar o que, segundo ele, seriam os “novos mitos

portugueses” que manteriam Portugal presos à idéia de um passado idílico,

construído principalmente durante os anos do Estado Novo e que tem na

crença no “destino imperial” e na “vocação atlântica” de Portugal os seus

elementos essenciais. Em sua perspectiva, o rompimento de Portugal com o

Atlântico se deu a partir da década de 1960, momento marcado pelas guerras

coloniais, pela emigração e pelo nacionalismo racista e arcaico do regime

236 MARGARIDO, Alfredo. A Lusofonia e os Lusófonos: Novos Mitos Portugueses. Lisboa, Edições Universitárias Lusófonas, 2000, p. 5.

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salazarista.237 A lusofonia teria surgido então, no contexto pós-colonial, como

um novo mecanismo ideológico para retomar a antiga “política atlântica”

tentando, através do discurso da “língua comum”, apagar as marcas do

passado colonial e as relações traumáticas com as ex-colônias decorrentes

dele.

Por isto, a idéia de valorização da língua teria ganhado força em

Portugal, somente a partir do momento em que o controle direto sobre as

populações lusófonas deixou de existir. No entanto, ao tentar controlar a língua,

Portugal estaria tentando estabelecer um novo mecanismo de dominação238

sobre os demais países de língua portuguesa, como se ela fosse um

patrimônio exclusivamente seu:

Basta considerar com atenção o percurso dos

acordos ortográficos, para encontrar a mesma

inquietação, a republicana de ontem ou até de

anteontem, a fascista e agora democrática:

assegurar o controle da língua, obrigar os demais

locutores a aceitar as regras portuguesas. A língua

nasceu em Portugal e pertence aos portugueses.

Não se consegue aceitar o simples princípio de

que a língua pertence aqueles que a falam!239

Desta forma, a lusofonia deve ser entendida como uma estratégia

dos teóricos da idéia de “portugalidade” que utilizam o discurso de que a língua

é “o agente mais eficaz da unidade dos homens e dos territórios que foram

marcados pela presença portuguesa”, ao mesmo tempo em que, na ausência

de uma reflexão anti-colonialista em Portugal, antes das independências, ela 237 Idem. p. 6. 238 A não-ratificação, até o presente momento, por parte de Portugal do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa – assinado somente por Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe – parece dar uma certa razão aos argumentos de Alfredo Margarido. 239 MARGARIDO, Alfredo. op. cit. p. 6-7.

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supre a necessidade de se organizar uma “ideologia explicativa”: “os

portugueses foram obrigados à renunciar à dominação política econômica, mas

procuraram assegurar o controle da língua”.240 Esta afirmação nos remete à

idéia da “descolonização exemplar” discutida por Eduardo Lourenço e por nós

analisada nos segundo capítulo deste trabalho.

Por outro lado, Margarido não deixa de registrar que a lusofonia teria

sido construída a partir da idéia da “francofonia”, implementada pelos

franceses, a partir de 1962, com a dissolução de seu império. Com isto

“respeitando um velho modelo de submissão cultural, não puderam os

portugueses furtar-se ao modelo tradicional, tendo criado, após 1974, a

lusofonia”. 241 Este projeto estaria ligado ao velho ideal missionário de “civilizar”

os povos das colônias, só que, a partir da descolonização, focado na língua e

em uma história comum – as bases do espaço lusófono –, mesmo que esta

história esteja relacionada às relações entre dominadores e dominados.

No bojo das comemorações dos descobrimentos, a percepção

portuguesa – não assumida - de que o “outro” só passou a existir após o

contato com os portugueses é duramente criticada por Margarido, que desnuda

esta percepção mostrando que ela oculta a outra face do “encontro”: a da

invasão e da conquista dos povos nativos. Nesta perspectiva, ele discute o

significado do luso-tropicalismo como ideologia justificadora do colonialismo

português e a sua permanência, através da lusofonia, naquilo que ele chama

de “a longa duração do espírito colonial”. Concordando com as idéias de

autores como Cláudia Castelo e Valentim Alexandre, discutidas nos capítulos

anteriores, Margarido afirma que o luso-tropicalismo só existe em Portugal

240 Idem. p. 57. 241 Idem. p. 15.

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após 1945, quando foi apropriado pelo regime salazarista para servir a

hegemonia colonial portuguesa, colocando uma máscara sobre as violências

praticadas pelos colonizadores e robustecendo “a consciência e a prática

coloniais portuguesas”. 242

Outra contestação presente nos seis ensaios que compõem este

livro-manifesto se faz em relação ao tratamento dado em Portugal aos

imigrantes provenientes do Brasil e dos PALOP: o fato de serem lusófonos não

lhes cria facilidade alguma para transitar e se estabelecer na “pátria-mãe” da

lusofonia. Esta questão se insere dentro de um contexto bastante específico:

1- O colapso dos projetos nacionalistas,

emancipatórios e utópicos nas ex-colônias e a

emergência de divisões étnico-políticas graves; 2-

O crescimento da imigração em Portugal, levando

à emergência da categoria de “minorias étnicas” e

a manifestações de racismo e anti-racismo; 3- O

desafio, em Portugal, à identidade nacional gerado

pela perda do império e pela entrada na União

Européia.243

Assim, em Portugal, o discurso nacionalista, xenófobo e anti-

imigração – esquecendo propositalmente o seu passado de “país de

emigrantes” - também se faz presente da mesma maneira que em outras

partes da União Européia. Lá, como no restante da Europa, a liberdade de

circulação ficou restrita à esfera dos capitais e das mercadorias, com a

propalada identidade lingüística não significando absolutamente nada e com o

242 Idem. p. 17-33. 243 ALMEIDA, Miguel Vale de “O Atlântico Pardo. Antropologia, pós-colonialismo e o caso lusófono”. In: ALMEIDA, Miguel Vale de, BASTOS, Cristiana e FELDMAN-BIANCO, Bela (Coord.). Trânsitos Coloniais: Diálogos Críticos Luso-Brasileiros. ICS, Lisboa, 2002, p. 33.

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discurso da “fraternidade lusófona” esbarra nos ditames da política e da

economia reais:

Os naturais dos países do Sul, entre os quais se

contam tantos milhões de lusófonos, estão

praticamente proibidos de ter acesso aos países do

Norte, aos quais pertencemos por razões

históricas, culturais e políticas. Se os europeus

podem circular cada vez mais livremente, essas

facilidades de circulação só podem reforçar a

violência com que as populações do sul são

excluídas desse “paraíso”. Verifica-se facilmente

que a “língua” não constitui passaporte suficiente,

quaisquer que sejam as suas qualidades e as suas

tradições históricas. Pelo que a língua pode, afinal,

constituir uma forma incômoda da “pátria”.244

Desta forma, a lusofonia é por ele denunciada como sendo nada

mais do que o “doce paraíso da dominação lingüística que constitui agora uma

arma onde se podem medir as pulsões neo-colonialistas que caracterizam

aqueles que não conseguiram ainda renunciar à certeza de que os africanos só

podem ser inferiores” .245 Assim, analisando com atenção toda a argumentação

elaborada por Margarido, podemos pensar que ele está buscando construir

uma alternativa ao pensamento nacionalista tradicional português, marcado

pela constante presença do passado e que se refletiria na idéia da lusofonia.

Ironizando esta questão, ele não hesita em dizer – referindo-se aos defensores

desse pensamento - que suas contestações certamente farão com que lhe

acusem de “falta de patriotismo”, mas que estas acusações tendem a confundir

244 MARGARIDO, Alfredo. op. cit. p. 86. 245 Idem. p. 71.

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“patriotismo” com “patrioteirismo”.246 Neste sentido, para Margarido, a quebra

da idéia da lusofonia – e dos mitos sobre os quais ela se sustenta – aparece

como uma condição essencial para que Portugal atinja, enfim, a modernidade.

246 Idem. p. 6.

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Considerações Finais

Eduardo Lourenço, em diversas de suas obras, afirma que o povo

português não tem problemas de identidade, ao contrário, possuiria aquilo que

ele chama de hiperidentidade, já que “não se pode dizer dos portugueses

aquilo que Nietzsche dizia dos alemães (ou se pode dizer de outros povos) que

era uma gente que passava (passa?) a vida a perguntar: o que é ser alemão?

Todos os portugueses são, ou se sentem por assim dizer hiperportugueses.”247

Esta concepção lhe valeu diversas críticas de outros intelectuais portugueses,

como Boaventura de Souza Santos, que avaliam que, na verdade, a cultura e

a sociedade portuguesas sofreriam de um “déficit de identidade”248

No entanto, ao explicar melhor este conceito, Lourenço acaba se

aproximando da posição desses seus críticos:

Quis dizer que Portugal tem uma hiper-identidade

porque tem um déficit de identidade real. Como

tem déficit de identidade compensa-a no plano

imaginário (...) há uma espécie de vazio de

identidades reais que é compensado a nível

simbólico com o sentimento de uma identidade

simbólica que repousa exclusivamente, ou quase

exclusivamente, em referentes de ordem mítica,

em mitos fundadores, ou nem sequer fundadores,

mas criados pela própria história. 249

247 LOURENÇO, Eduardo. Nós e a Europa ou as Duas Razões. 4a edição. Lisboa, IN-CM, 1994, p. 19. 248 SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice... No artigo intitulado “Modernidade, Identidade e a Cultura de Fronteira” presente nesta obra, Santos afirma “As culturas nacionais, enquanto substâncias, são uma criação do século XIX, são, como vimos, o produto histórico de uma tensão entre universalismo e particularismo gerido pelo Estado (...) O fato de o estado português não ter desempenhado cabalmente nenhuma das duas funções – diferenciação face ao exterior e homogeneização interna – teve um impacto decisivo na cultura dos portugueses (...) Assim, por um lado a nossa cultura nunca conseguiu se diferenciar totalmente perante culturas exteriores, no que configurou um déficit de identidade pela diferenciação. Por outro lado, a nossa cultura manteve uma enorme heterogeneidade interna, no que configurou um déficit pela homogeneidade”. P. 135-157. 249 Apud CRUZEIRO, Maria Manuela. Eduardo Lourenço: O Regresso do Corifeu. Lisboa, Notícias Editorial, 1997, p. 74.

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Ao discutir, ao longo deste trabalho, a construção do discurso da

lusofonia em Portugal, bem como de um conjunto de questões que Alfredo

Margarido - em obra discutida no capítulo III - chama apropriadamente de

“novos mitos portugueses”, assumimos uma posição bastante convergente com

a externada pelo grande ensaísta português. Como assinala Pierre Grimal, o

mito se opõe ao logos (conhecimento racional) já que “tem por finalidade

apenas a si mesmo. Acredita-se ou não nele, conforme a própria vontade,

mediante um ato de fé, caso pareça ‘belo’ ou verossímil, ou simplesmente

porque quer se acreditar. O mito, assim, atrai em torno de si toda a parcela do

irracional existente no pensamento humano(...)”250. Assim, os mitos fundadores

estão presentes na construção de praticamente todas as identidades nacionais;

no entanto, no caso português, a persistência desses mitos criou entre os

portugueses o enorme “déficit de identidade real”, de que nos falam os

aparentemente divergentes Lourenço e Boaventura.

Em um de seus mais famosos estudos, o historiador das religiões e

filósofo romeno Mircea Eliade – que, inclusive, residiu em Portugal no início da

década de 1940 – apresenta uma definição de mito que se tornou bastante

conhecida e citada:

O mito conta uma história sagrada; ele relata

um acontecimento ocorrido no tempo

primordial, o tempo fabuloso do “princípio”. (...)

O mito narra como, graças às façanhas dos

entes sobrenaturais, uma realidade passou a

existir (...) É sempre, portanto, a narrativa de

uma “criação”: ele relata de que modo algo foi

produzido e começou a ser. O mito fala apenas

250 GRIMAL, Pierre. A Mitologia Grega. 3a edição. São Paulo, Brasiliense, 1982, p. 8-9.

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do que realmente ocorreu, do que se

manifestou plenamente.251

Nesta perspectiva, o mito deve ser entendido como uma narrativa

explicativa – que é parte integrante da cultura de um povo e que utiliza

elementos simbólicos para explicar o mundo e dar sentido à vida humana –

sobre a origem de algo, incluindo-se aí os costumes e as instituições sociais.

No entanto mais adiante, na mesma obra, Eliade afirma que "a partir de um

certo momento, a origem não se encontra mais apenas num passado mítico,

mas também num futuro fabuloso”.252 Isto é o que ele chama de “mobilidade da

origem”, fonte de todas as crenças que proclamam uma nova “Idade do Ouro”

projetada no futuro, sejam escatologias medievais como a de Joaquim de

Fiore, sejam concepções políticas contemporâneas como o Reich de mil anos

do Nazismo ou a utopia comunista de Karl Marx.253

Ora, essa projeção do passado no futuro é algo recorrente no

imaginário político português, o que se reflete na resignificação constante

desses mitos fundadores em diferentes conjunturas, como, por exemplo, toda a

mitologia em torno do “Quinto Império” e do “Desejado” ou a crença no “destino

imperial” português, que teria começado a se manifestar nas Grandes

Navegações quando Portugal descobriu “novos mundos” para a velha Europa.

Estas crenças se inserem dentro de uma questão mais ampla que é a visão

que os portugueses têm de si mesmos como o novo “povo eleito”, presente

desde o milagre de Ourique, o grande mito fundador da nação portuguesa,

fazendo com que ”o singular no povo português” seja “viver-se enquanto povo

251 ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo, Perspectiva, 1972, p.11. 252 Idem. p. 52. 253 Sobre esta questão ver a quinta parte do excelente livro de Jean Delumeau, já citado anteriormente, Mil Anos de Felicidade: Uma História do Paraíso. São Paulo, Cia. das Letras, 1997.

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como existência miraculosa, objeto de uma particular predileção divina”.254 A

sacralização das origens ou a crença em um futuro brilhante traçado pela

divina providência não são absolutamente raros na mitologia política de

diversas nações, e mesmo um mito essencialmente português como o

Sebastianismo, se insere dentro da lógica um mito político bastante recorrente

em diversas culturas que é do Salvador, “alguém capaz de reverter a situação

vigente, tida como má, e instaurar uma nova era de paz e prosperidade. Ou

melhor: não instaurar, mas conduzir o grupo — via de regra, a nação — ao

futuro glorioso que de antemão lhe estava reservado”255. No entanto, “deve ser

raro que algum povo tenha tomado tão à letra como Portugal essa inscrição,

não apenas mítica, mas filial e já messiânica do seu destino(...)”256, fato este

que acaba por contribuir decisivamente para a manutenção da estrutura da já

citada hiperidentidade, discutida por Eduardo Lourenço, que caracterizaria o

povo português.

Todo esse universo simbólico está presente e é hierarquizado pela

ideologia nacionalista portuguesa que se reinventou no século XIX, após a

Independência do Brasil (1822), com os esforços para a estruturação do

Terceiro Império que só se consolidaria de fato, após diversos revezes, durante

os anos da ditadura salazarista. Como assinala Valentim Alexandre, neste

projeto colonial apareciam, desde o século XIX, dois mitos fundamentais que

povoaram o imaginário político português sobre a África e deram sustentação a

esse projeto: o Mito do Eldorado, ou seja. a crença inabalável na existência de

imensas riquezas nos territórios africanos que deveriam ser exploradas pelo

254 LOURENÇO, Eduardo. Mitologia da Saudade. op. cit., p. 92. 255 MIGUEL, Luis Felipe. “Em Torno do Conceito de Mito Político”. In: Dados. Rio de Janeiro, v. 41, n. 3, 1998. Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 28 de abril de 2007. 256 LOURENÇO, Eduardo. Mitologia da Saudade. op. cit., p. 91-92.

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povo português, e o Mito da Herança Sagrada, que trabalhava com a idéia de

que a manutenção dos territórios ultramarinos era um imperativo histórico, já

que os mesmos eram o testemunho da grandeza da nação e a sua perda

significaria a perda da própria essência da nacionalidade.257 Este conjunto de

mitos é retomado pelo Estado Novo que, sob a liderança de António de Oliveira

Salazar, utilizou-se da idéia do destino imperial português para legitimar-se e

para explorar as suas colônias ultramarinas, construindo assim o discurso da

nação plurirracial e pluricontinental articulada em torno da crença em um

Portugal uno e indivisível do Minho ao Timor.

No entanto, a distância entre intenção e gesto era enorme e as

pretensões imperiais do regime salazarista esbarravam nas próprias limitações

do Estado português. Desta forma, ao mesmo tempo em que se fortalecia

dentro da sociedade portuguesa todo um discurso em torno da defesa do

Império, houve a necessidade de se abrir a exploração das riquezas

econômicas das colônias às grandes potências do mundo capitalista, fazendo

com que Portugal assumisse um papel subalterno dentro de seus próprios

domínios. Portugal, sob qualquer perspectiva de análise, continuava a ocupar

um papel secundário no Sistema Internacional e na Economia-Mundo, agindo

como intermediário de um “imperialismo por procuração”, conforme definição

de Perry Anderson, ou exercendo a função de “correia de transmissão” entre

os países centrais e as suas colônias africanas, como cabe a um “país

semiperiférico”, conforme a definição de Boaventura de Souza Santos.258

Nesse período, a inserção internacional de Portugal foi

caracterizada, por um lado, por uma postura de isolacionismo – a perspectiva 257 ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil, Novas Áfricas. op.cit., p. 220. 258 Os conceitos desenvolvidos por Perry Anderson e Boaventura de Souza Santos já foram analisados, anteriormente, ao longo deste trabalho, principalmente no capítulo II.

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do “orgulhosamente sós”, preconizada por Salazar -, principalmente, a partir da

década de 1950, quando a comunidade internacional começou a pressionar

fortemente Portugal pela descolonização de seu Império Ultramarino; porém,

por outro lado, a posição radicalmente anticomunista do regime português e o

papel geo-estratégico dos Açores e do próprio território continental de Portugal,

garantiram a ele o pertencimento a OTAN e ao “bloco ocidental” liderado pelos

EUA. O discurso nacionalista de Salazar não foi empecilho para a continuidade

da política de abertura das colônias ao capital estrangeiro, o que, somado às

questões políticas e estratégicas citadas anteriormente, garantiu a Portugal a

“proteção” das grandes potências à política colonial portuguesa e ao próprio

regime salazarista.

Porém, as guerras coloniais iniciadas na década de 1960, bem como

os desgastes por elas provocados ao regime acabaram contribuindo

decisivamente para a derrocada do Estado Novo, levada a cabo pelo processo

revolucionário deflagrado em abril de 1974. A Revolução dos Cravos e a

subseqüente redemocratização de Portugal deram início a um processo de

reorganização das estruturas internas da sociedade portuguesa, de

renegociação do papel de Portugal no Sistema Internacional e, até mesmo, de

redefinição da própria imagem que os portugueses tinham de si mesmos e,

conseqüentemente, da sua identidade nacional. Os processos de integração à

Europa, de abandono da “Política Atlântica” iniciada na época dos grandes

descobrimentos e de retorno a esta política sob novos parâmetros, nortearam

toda estas redefinições pelas quais passaram o Estado e a Sociedade, em

Portugal.

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Assim, a maioria da sociedade portuguesa, bem como a sua elite

política, parecia ter claro que, nesse momento, o caminho a ser seguido era o

da integração à União Européia e o de relegar ao segundo plano a tão

decantada secular vocação atlântica de Portugal. Analisando esse período, por

ele caracterizado como um momento de “Portugal em transe”, o historiador

José Medeiros Ferreira faz uma “síntese literária” da sua evolução política,

afirmando que existiu no país, entre 1974 e 1975, uma “república de

revolucionários”; entre 1976 e 1982, uma “república de políticos”; entre 1982 e

1990, uma “república de empresários”; e, finalmente, uma “república de

financeiros e jornalistas”, a partir de então259. Porém, apesar dos diferentes

tipos de predomínio social, os aspectos mais gerais da política interna e

externa de Portugal permaneceram sem grandes descontinuidades.

Por isto, com a opção européia já consolidada na segunda metade

da década de 1980, Portugal procurou retomar a sua dimensão atlântica a

partir de novos parâmetros. Como membro efetivo da OTAN, este aspecto de

sua política externa passou a desempenhar um papel estratégico de grande

importância e com a integração à União Européia, o “retorno à África” e a

promoção internacional da língua portuguesa tornaram-se peças importantes,

em uma perspectiva de fortalecimento da posição portuguesa dentro do bloco.

No entanto, para além das questões políticas e econômicas

concretas, esse momento foi marcado por um intenso debate intelectual em

torno da questão da identidade portuguesa e dos impactos da integração à

Europa sobre ela. Com isto, velhas discussões como a possibilidade de

absorção de Portugal pela Espanha, desta vez dentro uma Europa unificada,

259 In: MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal. Vol. 8. op. cit., p. 277.

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voltassem a aparecer, além é claro, da secular polêmica em torno do

verdadeiro ethos português, se europeu ou atlântico. Como exemplo deste

debate, pode-se citar uma das principais obras de um dos maiores escritores

portugueses contemporâneos, A Jangada de Pedra, de José Saramago260.

Neste livro, Saramago narra a estória fantástica de como a

Península Ibérica se desprendeu da Europa e passa a navegar, como se fosse

uma gigantesca jangada de pedra, pelo Oceano Atlântico, ao mesmo tempo

em que apresenta o percurso de cinco personagens pelo seu interior.

Publicado no mesmo ano em que se concretiza a integração de Portugal e

Espanha à Comunidade Européia (1986), o romance assume um discurso

nitidamente anti-europeísta e valoriza a histórica opção atlântica de Portugal e

Espanha considerando que a vinculação natural dos países Ibéricos é com a

África e a América Latina, cuja existência eles levaram ao conhecimento dos

demais povos europeus. O fato de Portugal e Espanha terem se soltado juntos

do continente europeu demonstra a proximidade vista por Saramago entre os

dois países, situando-os dentro de um mesmo universo cultural, e as suas

diferenças para com o restante da Europa. Sob esta perspectiva, um dos

trechos mais emblemáticos do livro é aquele em que o autor apresenta a idéia

de que para diversos povos europeus, o fato de se verem livres da Península

Ibérica seria um desejo presente, porém não declarado:

260 José Saramago é o nome mais conhecido da literatura portuguesa contemporânea. Nascido em 1922, no Ribatejo, publicou o seu primeiro livro em 1947 (Terra do Pecado), voltando a publicar somente em 1966 (Os Poemas Impossíveis). Jornalista e Crítico Literário atuou em publicações como a lendária revista “Seara Nova” e os jornais “Diário de Notícias” e “Diário de Lisboa”, onde foi comentarista político. Por sinal, comunista militante que é, suas convicções políticas estão bastante presentes em sua obra. Apesar de também ter se dedicado à poesia, sua produção de maior repercussão foi feita em prosa e dentro dela podemos destacar O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Memorial do Convento, O Ano da Morte de Ricardo Reis, Todos os Nomes e Ensaio Sobre a Cegueira. Em 1998, recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, tendo sido o primeiro escritor de Língua Portuguesa a obtê-lo.

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Ainda que não seja lisonjeiro confessá-lo, para

certos europeus, verem-se livres dos

incompreensíveis povos ocidentais, agora em

navegação desmastreada pelo mar oceano,

donde nunca deveriam ter vindo, foi, só por si,

uma benfeitoria, promessa de dias ainda mais

confortáveis, cada qual com o seu igual,

começávamos finalmente a saber o que a Europa

é, se não restam nela, ainda, parcelas espúrias

que, mais tarde ou mais cedo, por qualquer modo

se desligarão também. Apostemos que em nosso

final futuro estaremos limitados a um só país,

quinta-essência do espírito europeu, sublimado

perfeito simples, a Europa, isto é, a Suíça.261

A trajetória dos cinco personagens – portugueses e espanhóis - pelo

interior da península e suas crises e divergências servem para mostrar que,

apesar das diferenças entre eles, o seu encontro se dá de forma satisfatória,

representando simbolicamente o encontro das duas partes componentes da

cultura ibérica. Neste sentido, Saramago assume uma postura claramente

iberista e afirma uma identidade peninsular de base atlântica, apesar das

divergências e desencontros proporcionados pela História, que fica clara no

momento do relato em que depois de vagar pelo atlântico a península parece

se encontrar, em um ponto bastante significativo do globo:

A Península parou o seu movimento de rotação,

desce agora a prumo, em direção ao sul, entre África

e América Central (...) E a sua forma, inesperada

para quem ainda tiver nos olhos e no mapa a antiga

posição, parece gêmea dos continentes que a

ladeiam.262

261 SARAMAGO, José. A Jangada de Pedra. São Paulo, Círculo do Livro, s.d., p. 124. 262 Idem. p. 248

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Reforça-se assim a idéia de proximidade entre a velha Ibéria e os

novos mundos por ela descobertos, bem como a herança cultural deixada em

suas ex-colônias – da qual as duas línguas-irmãs, a portuguesa e a espanhola,

são as perfeitas traduções –, que se integram naquilo que seria uma “Grande

Ibéria”263, pluricontinental e multicultural.

Tomando estas questões como ponto de partida, podemos traçar um

paralelo entre este romance de Saramago e o filme de Manoel de Oliveira, que

discutimos em nosso capítulo introdutório, pois mesmo que o iberismo do

primeiro, se diferencie do nacionalismo luso do segundo, ambos trabalham

com um universo simbólico muito similar, cuja discussão foi o principal objetivo

deste trabalho. Ao valorizarem a cultura portuguesa, isoladamente ou como

parte de uma cultura peninsular mais ampla, demonstram a preocupação com

a sua sobrevivência em um mundo em transformação, onde os particularismos

locais poderiam ser destruídos pelos impactos de uma cultura globalizante.

Desta forma, Saramago e Oliveira inserem-se dentro do mesmo “caldo cultural”

em que foi construído o discurso da lusofonia em Portugal, nas décadas de

1980 e 1990 e refletem em suas obras algumas das preocupações que nele

estarão presentes.

Naquele momento de redefinições identitárias em escala global,

esse discurso ganhou corações e mentes em Portugal, pois se sustentava em

uma mitologia cultural - que discutimos ao longo de toda a tese – de forte

presença na sociedade portuguesa. Ao resgatar as glórias passadas da nação 263 Vamireh Chacon define esta “Grande Ibéria” como uma “viva herança, atuante legado, da Antiga à Nova Ibéria: Antiga, seminal, a de Portugal e Espanhas de diversos reinos e etnias; Nova, as Américas Portuguesa (Brasil) e Hispânica de vários povos e idiomas. Grande Ibéria projetando-se também na África lusófona, ainda hispanófona na outrora Guiné espanhola, e além, na Ásia e Oceania de Timor Leste. Quase onipresente, menos ou mais, através de imigrantes portugueses e espanhóis na própria Europa, na América do Norte a língua castelhana chega a rivalizar com os anglofalantes” . In: CHACON, Vamireh. A Grande Ibéria: Convergências e Divergências de uma tendência. São Paulo/Brasília, Ed. da UNESP/Paralelo 15, 2005, p.11.

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e projetá-las em um futuro aparentemente realizável, construiu-se um

consenso nacional que incluía as elites políticas – contemplando a totalidade

do espectro político -, a maior parte da intelectualidade e o conjunto dos

cidadãos comuns. Portanto, se por um lado a constituição de uma Comunidade

de Países de Língua Portuguesa – desdobramento natural do discurso

lusófono – atendia aos ditames de uma realpolitik, por outro ela desempenha

um papel fundamental nesse processo de (re) construção da identidade

nacional portuguesa.

Neste sentido, a atribuição de uma maior importância a

determinados “pais-fundadores” da Comunidade Lusófona inseriu-se dentro de

uma determinada lógica. O resgate das idéias de Gilberto Freyre por setores

da esquerda portuguesa264 e a retirada da carga negativa que o uso do luso-

tropicalismo pelo salazarismo deu à sua obra, bem como a valorização da

utopia quinto-imperiana de Agostinho da Silva representaram a retomada de

velhos mitos presentes no imaginário político português, atribuindo-lhe novos

sentidos. Ao exaltarem as especificidades do povo português, bem como a

originalidade de sua cultura e de seu modo de estar no mundo, os dois autores

atendem as aspirações do nacionalismo português, ao mesmo tempo em que

lhe dão um caráter cosmopolita, transcendendo-o para além dos limites de

Portugal-Território.

264 Em um livro publicado em Portugal, o pensador brasileiro Vamireh Chacon afirma que Gilberto Freyre é “muito mais que ideólogo do colonialismo salazarista, como se tornou moda os politicamente corretos acusarem-no após o 25 de abril” e a seguir faz o seguinte comentário “Mas o próprio Mário Soares, em entrevista ao Jornal de Brasília, de 30 de janeiro de 2000, durante uma visita ao Brasil, declarou, com palavras merecedoras de transcrição na íntegra, ter encontrado casualmente Gilberto Freyre em Lisboa e haver-lhe pessoalmente declarado: Li seus livros. Agora, não lhe perdôo. Desculpe que lhe diga, o senhor ter apoiado Salazar. Um homem da sua categoria! Em seguida Mário Soares reconhece: Agora, passados os anos e lendo novamente Gilberto Freyre, abstraindo Salazar e as guerras coloniais, aquilo que ele disse é verdadeiro. Aquilo que ele disse sobre luso-tropicalismo é verdadeiro, é uma cultura própria e temos que desenvolvê-la no futuro”. In: CHACON, Vamireh. O Futuro Político da Lusofonia, Lisboa, Verbo, 2002, p.49.

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No entanto, se esta visão ganhou força em Portugal não se pode

dizer que o mesmo tenha acontecido nos demais países de língua portuguesa.

No Brasil, o discurso da lusofonia e a idéia da articulação do mundo de língua

portuguesa chegaram a angariar simpatias entre setores nacionalistas –

inclusive, para muitos deles Gilberto Freyre, com sua visão essencialista e a

sua idéia da existência de uma espécie de anima brasilis, também é uma

referência teórica importante -, que viam (e vêem) na formação da CPLP um

aspecto fundamental da nossa política externa, dentro da perspectiva de uma

política estratégica de segurança no Atlântico Sul, área natural de projeção

geopolítica brasileira. Além disto, o fortalecimento da CPLP poderia dar mais

substância ao pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho de

Segurança da ONU. Porém, como foi discutido no Capítulo I, esta visão está

longe de ser majoritária entre os formuladores da política externa brasileira,

embora tenha ganhado bastante espaço nos últimos anos.

No caso dos países africanos e do Timor-Leste, a questão fica um

pouco mais complicada, devido à multiplicidade de fatores que devem ser

levados em consideração. Um deles, talvez o principal, seja a identificação

existente entre a lusofonia e o lusotropicalismo de Gilberto Freyre265, o que

para países em que as feridas do colonialismo ainda são bastante recentes

representa um grande problema266. Esta questão parece ter sido identificada

265 Este problema aparece com bastante intensidade em Angola, sem sombra de dúvidas, o mais importante, sob o ponto de vista econômico e estratégico, entre os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. 266 Cabe ressaltar que, em determinados momentos, em algumas das colônias portuguesas as idéias de Gilberto Freyre tiveram uma ótima recepção e encontraram muitos adeptos entre as elites crioulas letradas. Um dos exemplos mais consistentes é o de Cabo Verde, onde, entre os anos 40 e 60 do século XX, intelectuais como Baltasar Lopes, Félix Monteiro, Gabriel Ramos e José Lopes receberam influências significativas das idéias do sociólogo brasileiro. No entanto, é bastante interessante notar que as conclusões tiradas por Freyre após sua visita ao arquipélago, que foram publicadas em “Aventura e Rotina”, acabaram afastando estes intelectuais do pensamento freyriano. Isto ocorre porque as impressões de Freyre retratadas no livro desconstroem a imagem que estes intelectuais tinham de seu país e que

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pelo Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos, durante a Cimeira

fundadora da CPLP, em 1996. Apesar do tom otimista da sua fala que

reproduziu, diplomaticamente, o discurso comum da lusofonia, quando

afirmava seu desejo de que a Comunidade seja “um espaço importante de

cooperação e concertação político-diplomática, cultural e econômico-social

entre os nossos países, que estão ligados por uma história comum e por

afinidades e laços afetivos de toda a índole”, o Chefe-de-Estado angolano

deixou transparecer a existência de críticas de sociedade de seu país em

relação àquela organização que estava sendo constituída e ao seu discurso

legitimador:

Apesar de não ter havido oportunidade de se

realizar uma mais ampla auscultação do sentir

e querer de todos os angolanos e, apesar de

algumas vozes críticas ou mesmo discordantes

se terem feito ouvir em diversas ocasiões, é

com plena consciência da dimensão e alcance

da Comunidade de Países de Língua

Portuguesa que a República de Angola assume

sem reservas o compromisso de a integrar e

fazer viver.267

A isto deve ser somado o atendimento precário do pleito africano aos

dois principais atores da CPLP – Brasil e Portugal, para que invistam em

definia o seu modelo identitário. Este modelo baseava-se na idéia de que a cultura cabo-verdiana teria se livrado da sua ligação com a África Negra, constituindo-se assim em uma sociedade mestiça, que seria um exemplo paradigmático, assim como o Brasil, do “mundo que o português criou” . Quando Freyre escreve, em “Aventura e Rotina”, que era necessário estabilizar culturalmente uma gente que procurando ser européia, tinha repudiado as suas origens africanas e que se encontrava em situação precária de instabilidade cultural e não apenas econômica, o entusiasmo local em torno de suas idéias arrefeceu substancialmente. Sobre esta questão ver: FERNANDES, Gabriel. A diluição da África: Uma interpretação da saga identitária cabo-verdiana no panorama político (pós) colonial. Florianópolis, Ed. da UFSC, 2002. 267 Discurso pronunciado por sua excelência José Eduardo dos Santos, Presidente da República de Angola, na cerimônia constitutiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – Lisboa, 17 de julho de 1996. In: www.cplp.org. Acesso em: 03/05/1999.

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programas de desenvolvimento nos PALOP, bem como o fato de que, na

quase totalidade desses países e no Timor, o português é uma língua falada

por uma parcela minoritária de suas populações. Este conjunto de questões

contribuiu para que a adesão dos PALOP e do Timor-Leste ao projeto da

CPLP se desse sem grandes entusiasmos.

Portanto, levando em conta todos os questionamentos apresentados

ao longo deste trabalho, a percepção que temos é a de que o discurso da

lusofonia é essencialmente uma construção portuguesa e que por isto só

obteve uma efetiva ressonância dentro da sociedade lusa, não tendo

encontrado eco ou o encontrando somente de maneira parcial nos demais

países de língua portuguesa. Isto aconteceu porque a mitologia política sobre a

qual ela foi construída é essencialmente lusitana, não tendo tanto significado

para os demais. E esta questão acabou tendo um grande peso, tanto quanto

os aspectos políticos e econômicos, para que a CPLP ainda não tenha se

consolidado mais de dez anos após a sua criação oficial e quase duas

décadas depois dos primeiros movimentos que levaram à ela.

Traçando um paralelo com o que Benedict Anderson escreveu sobre

a comunidade nacional que ele define como uma “comunidade política

imaginada”, visto que nunca os seus membros conhecerão ou ouvirão falar de

todos os seus compatriotas, “embora na mente de cada um está viva a

imagem de sua comunhão”, 268 dentro da CPLP - o espaço concreto da

lusofonia - não se pode falar em uma identidade lusófona efetivamente

existente entre os povos que adotam a língua portuguesa como o seu idioma

oficial (ou como um dos seus idiomas oficiais). Na prática, o discurso lusófono

268 ANDERSON, Benedict. Nação e Consciência Nacional. São Paulo, Ática, 1989, p. 14.

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nada mais tem sido do que uma projeção do “modo português de estar no

mundo”, que se, por um lado, satisfaz o nacionalismo luso, por outro, quase

não ressoa em sociedades como a brasileira e as africanas, essencialmente

multiculturais, onde a contribuição portuguesa é mais uma – e em alguns

casos, nem é a mais importante – entre as várias que contribuíram para a

formação das identidades culturais locais.

Assim, a idéia de uma identidade lusófona baseada na projeção de

uma matriz cultural, a lusa, ou - como mais comumente aparece no discurso -

na língua portuguesa e que serviria de alicerce para uma organização

internacional como a CPLP, tende a ser uma construção extremamente frágil.

Neste momento de transformações globais, um espaço político baseado

somente em uma (não muito sólida) identidade linguística não parece ter

condições de se sustentar269, pois como escreveu Hobsbawm, comentando as

transformações das “nações”, dos “Estados-nações” e dos “nacionalismos” no

final do século XX e no início do XXI, a história desse período verá “(...) grupos

primariamente étnico-linguísticos, antes retrocedendo, resistindo a, se

adaptando a, sendo absorvidos ou deslocados pela nova reestruturação

supranacional do planeta”.270 Por outro lado, a forte marca do nacionalismo

lusitano presente no discurso lusófono acaba sendo mais um empecilho para a

consolidação desse espaço comunitário, que pressupõe, por sua própria

natureza, a existência da igualdade plena entre seus membros ou que, como

na visão de Agostinho da Silva, deveria ser “um quinto império sem

269 È importante ressaltar que não estamos negando o importante papel desempenhado pela língua portuguesa nos países lusófonos, lembrando inclusive que, em muitos deles, como no Timor, a língua serviu em determinados momentos como símbolo de resistência, deixando de ser assim somente a “língua do colonizador”. Além disto, para essas sociedades pós-coloniais, a língua portuguesa tende a servir também, como já destacamos, como um importante fator de unidade nacional. Portanto, o que estamos procurando questionar sim é a supervalorização do elemento lingüístico dentro do discurso da lusofonia. 270 HOBSBAWM, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1998, p. 214.

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imperador”. A grande questão é que os nacionalistas portugueses tendem a

considerar um direito natural a ocupação da liderança da Comunidade por

Portugal, alegando justamente ser ele a matriz cultural de todos os demais

países lusófonos, além de ser o mais empenhado na difusão da língua

portuguesa pelo mundo, adotando isto, inclusive, como política de Estado.

Desta forma, apesar da rotatividade existente na secretaria-executiva da

organização entre os Estados-membros, as pretensões hegemônicas não-

assumidas de Portugal estão sempre a pairar sobre a Comunidade dos Países

de Língua Portuguesa.

Portanto, entendemos que o discurso lusófono tem sido, até agora,

um discurso essencialmente português, pois foi construído fundamentalmente

a partir de elementos presentes no imaginário político da nação lusitana e não,

necessariamente, no dos demais povos de língua portuguesa. Neste sentido,

percebemos a lusofonia e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

como sendo projetos políticos, acima de tudo, portugueses, tanto sob o ponto

de vista dos ditames político-estratégicos ou econômicos, quanto em seus

aspectos simbólicos. Por trabalhar com questões que marcam profundamente

a consciência e a imagem que a nação portuguesa tem de si mesma, como o

mito da vocação ecumênica dos portugueses e o da existência de uma relação

especial com os povos do ultramar271 é que se conseguiu construir um

consenso nacional em torno do projeto lusófono, apesar de vozes divergentes

ou pelo menos ponderadas como as de Alfredo Margarido e Eduardo

Lourenço. Neste sentido é que, de certa forma, o discurso da lusofonia acabou

sendo, no plano simbólico, uma reinvenção do velho sonho imperial, em que

271 Cf. ALEXANDRE, Valentim. Velho Brasil, Novas Áfricas. op. cit., p. 219-229.

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numa espécie de evocação camoniana, o Atlântico das conquistas portuguesas

aparece como imagem recorrente. O mesmo Atlântico que povoa o imaginário

político nacional, junto com as Índias, os Brasis e as Áfricas; o Atlântico por

onde a língua portuguesa se espalhou; o Atlântico em que o sonho português

tornou-se universal; o Atlântico que se transforma no espaço de circulação por

onde se constrói a idéia de uma comunidade de povos de língua portuguesa

que ultrapassaria o espaço local e ganharia força planetária à medida que

diversos países fora da língua oficial portuguesa - mas que, mesmo de forma

fragmentada, receberam influências da cultura lusitana -, a ela se integrem,

constituindo-se assim no advento daquele “Quinto Império” sonhado por

Vieira, Pessoa e Agostinho e que está tão profundamente arraigado na

mitologia política lusitana.

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