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MICRO-DOCUMENTÁRIOS DE ATIVIDADES CRIATIVAS E CULTURAIS
DA REGIÃO DAS MISSÕES, EPISÓDIO: GUASQUEIRO
Joel Felipe Guindani1
Tiago C. Martins2
Marcela Guimaraes3
Fernando Santor4
Alan Borgartz5
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo apresentar o processo de produção audiovisual de
atividades criativas e culturais da região das missões, especificamente a prática artesanal do
“Guasqueiro”, bem como a delimitação do conceito de “atividades criativas e culturais”, a
partir do “Escopo de categorias e setores criativos”, do Ministério da cultura (MINC).
Também explicita a abordagem etnográfica necessária à aproximação dos personagens
filmados e alguns resultados da pós-produção, que nos mostram a necessária visibilidade de
setores criativos ainda invisíveis no campo audiovisual, sobretudo do formato “micro
documentário” em suportes digitais on-line.
PALAVRAS-CHAVE: audiovisual; atividades criativas e culturais; digital; missões.
INTRODUÇÃO
As “atividades criativas e culturais”, a partir do “Escopo de categorias e setores
criativos”, do Ministério da cultura (MINC) tornam-se um vasto campo para a produção
audiovisual. A diversidade de atividades criativas que se pode observar no território
missioneiro, que também identificamos pelo viés da complexidade de práticas sociais de
sentido (WEBER, XXXX), foi o primeiro motivador da produção audiovisual que será
apresentada neste artigo, especialmente o episódio denominado “Guasqueiro”, prática comum
no território missioneiro, que está vinculada à arte em couro.6
1 Professor adjunto na Universidade Federal do Pampa. [email protected] 2 Professor adjunto na Universidade Federal do Pampa. [email protected] 3 Professora adjunta na Universidade Federal do Pampa. [email protected]> 4 Professor adjunto na Universidade Federal do Pampa. [email protected] 5 Acadêmico de Publicidade e Propaganda na Universidade Federal do Pampa. [email protected] 6 O micro-documentário pode ser acessado em: https://www.youtube.com/watch?v=L4-8rbzhU10
Assim, este artigo apresenta, inicialmente, a concepção do projeto audiovisual, que
está contido na prática de Extensão da Universidade Federal do Pampa (Unipampa),
desenvolvido desde o ano de 2015, pelos autores deste artigo. Adiante, apresenta-se: a
delimitação do conceito de Atividade Criativas e Culturais, bem como o processo de
produção audiovisual. Para finalizar, evidencia-se a abordagem etnográfica necessária à
aproximação dos personagens filmados e alguns resultados da pós-produção, que nos
mostram a necessária visibilidade de setores criativos ainda invisíveis no campo audiovisual,
sobretudo do formato “micro documentário”, facilmente acessados através dos suportes de
veiculação digital on line.
MICRO-DOCUMENTÁRIOS E ATIVIDADES CRIATIVAS E CULTURAIS: O
INÍCIO DO PROJETO
Este artigo é fruto de um projeto de extensão em processo de execução, que tem por
objetivo a produção de micro documentários de atividades criativas e culturais da região das
missões. A delimitação do conteúdo, bem como do conceito de “atividades criativas e
culturais” segue o “escopo de categorias e setores criativos”, do ministério da cultura (minc):
patrimônio; expressões culturais; artes de espetáculo; audiovisual/do livro, da leitura e da
literatura; criações culturais e funcionais.
Todas as etapas deste projeto são executadas por um coletivo formado por: docentes,
discentes (bolsista e colaboradores) dos cursos de comunicação social, por técnicos
audiovisuais da Unipampa; pesquisadores e colaboradores do Observatório Missioneiro das
Atividades Criativas e Culturais (OMiCult) e pela comunidade escolar do Instituto
Educacional Padre Francisco Garcia. Este projeto iniciou no ano de 2015, com a nucleação
do coletivo que, posteriormente, executou oficinas de audiovisual com alunos da respectiva
comunidade escolar.
Outra ação preponderante foi a realização de uma pesquisa bibliográfica sobre
Atividades Criativas e culturais em bibliotecas da própria universidade, bem como na
Biblioteca municipal. O resultado não foi satisfatório, pois nenhuma bibliografia
especificamente sobre o assunto foi encontrada. O passo seguinte foi o contato presencial
com algumas lideranças locais, produtores culturais e professores pesquisadores, que nos
indicaram alguns sujeitos ligados ao campo das artes e, amplamente, da cultura. Assim,
conhecemos alguns artistas e artesãos da cidade de São Borja, inicialmente e, na sequência,
outros que atuam na região das Missões.
Após esse primeiro passo, percebemos a relevância deste projeto, sobretudo a partir da
evidente diversidade de Atividades criativas e culturais do contexto missioneiro. Esta
diversidade diz respeito ao patrimônio material e imaterial como: expressões culturais; artes
de espetáculo; literatura; criações culturais e Funcionais, que se dispersam ao longo do tempo
histórico. Percebemos que esta diversidade ainda carece de sistematização e, sobretudo de
registro e publicização. Portanto, percebemos que outra questão relevante diz respeito à
necessidade de se garantir a identificação e o registro audiovisual, que certamente auxilia,
portanto, no reconhecimento, na visibilidade e na possível ampliação destas práticas criativas
e culturais. Em outras palavras, a produção dos micro documentários tornou-se uma forma
de reconstituir histórias: “é ouvir e olhar seus personagens, as situações em que se encontram
e, sobretudo, saber olhar as imagens dadas desses personagens e dessas situações”
(AUMONT, 58).
Partimos, então, para a execução metodológica do projeto, que confia à etnográfica
algumas técnicas de exploração, descrição e significação das atividades criativas e culturais
então identificadas. Concomitante, a produção audiovisual dos micro-documentários contou
com a participação de alguns alunos da Universidade e do Instituto Padre Francisco Garcia.
Um desafio metodológico inicial foi o de compreender o conceito de Atividades criativas e
culturais, para então seguirmos com a produção dos micro-documentários, especificamente
com a aproximação aos possíveis personagens da produção audiovisual.
ATIVIDADES CRIATIVAS E CULTURAIS: O CONCEITO E SISTEMATIZAÇÃO
De modo sintético, a compreensão de “Atividades Criativas e Culturais” pode ser
relacionada com a concepção de economia da cultura e economia criativa. Esta última
temporalmente foi estabelecida a partir dos anos 2000. O conceito remete as atividades que
contemplam o exercício individual de imaginação, buscando explorar seu valor econômico.
Envolve criação, produção e distribuição de produtos e serviços, usando o conhecimento, a
criatividade e o capital intelectual como recursos produtivos. Talvez, a definição mais
adequada à realidade brasileira surja de uma recente publicação do Ministério da Cultura ao
contemplar a ideia de setor criativo.
Os setores criativos são aqueles cujas atividades produtivas têm como processo
principal um ato criativo gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é
determinante do seu valor, resultando em produção de riqueza cultural, econômica e social
(MINISTÉRIO DA CULTURA- MINC, 2011, p. 22).
A capacidade de inventar, de imaginar, de criar, seja de forma individual ou coletiva é
a base fundamental do valor do bem criativo. Ora, nesse contexto se estabelece que não seja
somente nas manifestações culturais que se encontram os setores criativos. Esses setores vão
além dos tipicamente denominados culturais, que geralmente estão ligados à produção
artístico-cultural (música, dança, teatro, ópera, circo, pintura, fotografia, cinema). O setor
criativo contemplaria, além da produção artística-cultural, as expressões ou atividades
relacionadas às novas mídias, à indústria de conteúdos, ao design, à arquitetura entre outros.
Tais atividades podem ser estruturadas a partir de duas macrocategorias: a dos setores
criativos nucleares e a dos setores criativos relacionados. O quadro a seguir sistematiza os
setores criativos.
Setores Criativos Nucleares
a.
Patrimônio
natural e
cultural
b. Espetáculos
e celebrações
c. Artes
visuais e
artesanato
d. Livros e
periódicos
e. Design e
serviços
criativos
f.
Audiovisual
e mídias
interativas
Setores Criativos Relacionados
g.
Turismo
- Roteiros de viagens e
serviços
turísticos - Serviços de
hospitalidade
h. Esportes e
lazer
- Esportes - Preparação
física e bem
estar - Parques
temáticos e de
diversão
Patrimônio Imaterial
(expressões e tradições orais, rituais, línguas e práticas sociais)
Educação e capacitação
Registro, memória e preservação
Equipamentos e materiais de apoio
Quadro 01 – Escopo de setores criativos segundo a UNESCO (2009).
Fonte: MinC(2011, p. 27).
Os setores criativos nucleares são aqueles de natureza essencialmente criativa. São
aquelas atividades que possuem como processo principal um ato criativo gerador de valor
simbólico que responde por uma produção de riqueza cultural e econômica. Por seu turno, os
setores criativos relacionados correspondem aos segmentos que não são essencialmente
criativos, “mas que se relacionam e são impactados diretamente por estes, por meio de
serviços turísticos, esportivos, de lazer e de entretenimento” (MINC, 2011, p. 26).
No entanto, apoiado nessa proposição da UNESCO e na Conferência das Nações
Unidas para o Comércio e Desenvolvimento, o Governo Federal, através do Ministério da
Cultura apresentou uma variação desse escopo, tendo por base a inserção mais específica de
algumas categorias.
1. Patrimônio– sítios culturais (arqueológicos, museus, bibliotecas e
galerias) e Manifestações tradicionais (arte popular, artesanato, festivais e
celebrações); 2. Artes– artes visuais (pintura, escultura e fotografia) e artes
performáticas (teatro, música, circo e dança); 3. Mídias– publicações e
mídias impressas (livros, jornais e revistas) e audiovisual (cinema, televisão
e rádio);4. Criações funcionais– design (interior, gráfico, moda, jóias e
brinquedos), serviços criativos (arquitetura, publicidade, P&D Criativos,
lazer e entretenimento) e novas mídias (softwares, jogos eletrônicos e
conteúdos criativos digitais) (MINC, 2011, p. 30).
Assim, por conta da criação da recente Secretaria da Economia Criativa (SEC),
Decreto 7743 de 1º de junho de 2012, o Governo Federal definiu o escopo dos setores
criativos em cinco categorias e dezenove setores criativos. O Esquema abaixo procura
apresentar tal escopo criativo.
No campo do patrimônio
a) Patrimônio Material
b) Patrimônio Imaterial
c) Arquivos
d) Museus
No campo das expressões
culturais
e) Artesanato
f) Culturas Populares
g) Culturas Indígenas
h) Culturas Afro-brasileiras
i) Artes Visuais
j) Arte Digital
No campo das Artes de espetáculo k) Dança
l) Música
m) Circo
n) Teatro
No campo do Audiovisual/do
Livro,
da Leitura e da Literatura
o) Cinema e vídeo
p) Publicações e mídias impressas
No campo das
Criações Culturais
e Funcionais
q) Moda
r) Design
s) Arquitetura
Quadro 02 – Escopo Categorias e setores criativos – MINC (2011). Fonte: MinC (2011, p. 30).
A missão da Secretaria é viabilizar a formulação, a implementação e o monitoramento
de políticas públicas para o desenvolvimento local e regional, priorizando o apoio e o
fomento aos profissionais e aos micro e pequenos empreendimentos criativos brasileiros. O
objetivo é tornar a cultura um eixo estratégico nas políticas públicas de desenvolvimento do
Estado brasileiro (MINC, 2012). Para tanto, o Ministério da Cultura definiu quatro eixos
norteadores das ações de economia criativa para o Brasil: inovação; diversidade cultural;
sustentabilidade; e inclusão social.
A diversidade cultural é norteador na medida em que se considera a ambiência e a
riqueza da diversidade na constituição do país. Ou seja, a criatividade é processo e produto da
diversidade, devendo ser valorizada, protegida e promovida “como forma de garantir a sua
originalidade, a sua força e seu potencial de crescimento” (MINC, 2011, p. 34). Já a
sustentabilidade encontra o seu eixo de análise na compreensão e debate sobre o
desenvolvimento. O uso dos recursos naturais e das tecnologias poluentes acabou por gerar
grandes desequilíbrios ambientais. Por seu turno, o consumo massificou mercados com a
oferta de produtos de baixo valor agregado, destituídos de elementos originais e
identificadores de culturas locais. Essa conjuntura trouxe em seu bojo uma pífia ação de
desenvolvimento endógeno que, através da economia criativa, deve ser potencializado por
políticas públicas transversais.
O terceiro tópico norteador é a inovação. Para o Minc (2011), inovar exige
conhecimento, a identificação e o reconhecimento de oportunidades, a escolha por melhores
opções, a capacidade de empreender e assumir riscos, um olhar crítico e um pensamento
estratégico que permitam a realização de objetivos e propósitos. Assim, inovação deve ser
compreendida como o aperfeiçoamento do que está posto (inovação incremental), ou a
criação de algo totalmente novo (inovação radical). Este item em determinados segmentos
criativos tem uma relação direta com a identificação de soluções aplicáveis e viáveis,
especialmente nos segmentos criativos cujos produtos são frutos da integração entre novas
tecnologias e conteúdos culturais.
Por fim, a inclusão social também é vista como princípio fundamental para o
desenvolvimento de políticas públicas culturais na área da economia criativa. O objetivo deve
ser a promoção da inclusão produtiva da população, priorizando aqueles que se encontram em
situação de vulnerabilidade social, por meio da formação e qualificação profissional e da
geração de oportunidades de trabalho e renda (MINC, 2011). Além disso, o consumo deve ser
incentivado como uma ação efetiva de acesso a bens e serviços criativos como premissa para
a cidadania. Afinal, uma população que não tem acesso ao consumo e fruição cultural é
amputada na sua dimensão simbólica (MINC, 2011, p. 35).
É neste cenário complexo onde são tecidas as atividades criativas e culturais da região
das missões e, deste ponto de vista teórico-conceitual, partimos para a identificação e o
contato com alguns produtores criativos, especificamente o artesão e Guasqueiro Ibânes
Barbosa, que há mais de 45 anos trabalha com a arte em couro.
O GUASQUEIRO
Não encontramos uma definição etimológica e conceitual do termo “Guasqueiro”. De
acordo com fontes populares, trata-se de uma prática artesão que, basicamente, diz respeito à
habilidade de manufaturar o couro curtido de animais, como o bovino, equino e o ovino.
Juliano Moreno, músico popular gaúcho, nos proporciona certo entendimento a partir de uma
de suas canções, que tematiza o “Guaqueiro” a partir da história e da prática propriamente
dita.
Nos primórdios rio grandenses, já como exportação
O couro de nossos bichos davam trabalhos pras mãos
Na base do couro cru surgem pertences campeiros
Razões pra lida gaúcha, forjada pelo guasqueiro.
Minguante é a lua certa, pra courear um animal
O couro da lua nova, resseca e quebra o carnal
Se a flor do couro está verde, ele é posto pra oriar
Mais dois dias em baixo d'agua, e está pronto pra estaquear
No detalhado das cordas, fica estampado o capricho
De algum mulato vaqueano, que é guasqueiro por ofício
Sovando couro empedrado, verdadeiro couro cru
Que não são solas cortidas, pra deixa de a pé um Xirú
Em nosso meio rural, pra preparar um apero
A um ritual a ser seguido por esses homens campeiros
Com suas mãos envidraçadas, no pampa sul brasileiro
São estes os nossos guascas, que se apresentam guasqueiros
Limpa o sangue e alguma carne, que restaram com a gordura
Se deixa bem estirado, pra emparelhar a espessura
"Despus" de oreado "el cuero", e a macete bem sovado
Da zona da barrigueira, saem tentos bem delgados
Desquinando os tentos crus, pra ficar bem ajustado
Se acaso a trança for chata, desdobra os quatro costados
Apertando o pé do tento, com a ajuda do cravador
Levanta ramo por ramo, tá firmado o corredor.7
Desta poesia, compreendemos um pouco dos sentidos práticos do ofício do
Guasqueiro, que segundo o nosso personagem, Sr. Ibânes, também é um Patrimônio
imaterial, pois os saberes por ele adquiridos perduram por aproximadamente três gerações.
Deste contato inicial com a temática, passamos a nos preocupar com a forma de contato
presencial e mais intenso com o Sr. Ibânes. É neste momento que a Etnografia figura em
nosso projeto audiovisual.
O PERCURSO ETNOGRÁFICO DA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL
Concebemos a produção audiovisual como uma arte que requer metodologías capazes
de nos colocar em aproximação e em sintonia com a singularidade dos personagens; que nos
indique o caminho mais curto entre a natureza e o absoluto do que pretendemos registrar e
representar. Portanto, concebemos a produção audiovisual da memória enquanto uma
atividade que requer a busca ou o registro da naturalidade do mundo, expressando, assim, o
absoluto, a unicidade e a singularidade.
7 https://www.letras.mus.br/juliano-moreno/guasqueiro . Acesso em 12/07/2016
Para isso, vale observar algumas ideias do cineasta Russo Andrei Tarkovski, para o
qual “nem os cineastas e nem os diretores devem se encontrar em situação de superioridade
com a relação ao que se trata de dizer ou de representar” (AUMONT, 2012, p. 62). É preciso,
portanto, produzir ao mesmo passo que se entrega à naturalidade das coisas que nos cercam.
Assim, para Tarkovski, a produção audiovisual deve ser fruto de um encontro e de um
querer encontrar. O cineasta/cinegrafista depende do que ele “encontrará, mas trabalha – a
partir do seu intelecto - para provocar este encontro” (idem, p. 62). Ele ainda ressalta que “o
filme não é algo que se domine e calcule; trata-se de criar ou recriar uma experiência, que
deve ser vivida pela primeira vez durante a filmagem” (p. 62).
Todavia, a produção cinematográfica como imagem artística nasce da conjunção
paradoxal do querer (intencionalidade) e do não querer (espontaneidade); requer, portanto, a
intencionalidade intelectual e artística e a submissão à qualidade ou à natureza das coisas que
nos rodeiam, pois, a imagem é sempre concebida com dupla face: um lado representativo,
que puxa em direção do mundo (e constitui sua garantia referencial), e um lado metafórico,
que é a sua parte propriamente criativa (e constitui a sua garantia artística).
A imagem conduz ao absoluto, porque é uma forma de pensamento autônomo,
absolutamente diferente do verbal: “quando o pensamento exprime por meio de uma imagem
artística, é porque encontrou a forma única que traduz da melhor maneira possível o mundo
do autor e a sua busca de ideal” (TARKOVSKI, 1990, p. 99).
A visão naturalista que Tarkovski tem do audiovisual diz respeito ao caráter artístico
que a imagem deve assumir. Orienta-nos que uma produção audiovisual deve ser feita de
imagem fresca, nova, não repetida ou desgastada. Este frescor da imagem está ligado a seu
caráter artístico: “a arte é feita de intuição, de espontaneidade, de criatividade, pois a imagem
artística é única, indivisível” (idem, p. 41).
Assim, a produção audiovisual resulta de uma percepção poética, imediata, que não
visa analisar nem compreender intelectualmente, mas encontrar e descobrir. Se é uma arte de
imagem, o cinema torna-se, a exemplo da música, uma arte direta, sem a necessidade de uma
linguagem intermediária. Conceber o audiovisual como arte é vê-lo como “essa linguagem da
natureza das coisas em mim, mais do que eu, mas nunca sem mim”. (AUMONT, 2012, p.
64).
Vale salientar, que o mundo só se manifesta no encontro; na comunicação; na relação
entre os sujeitos comunicantes: “filmar é ir a um encontro da singularidade, do absoluto que
somente é revelado naquele momento. No inesperado que a filmagem me oferece, há algo
que espero: um clarão de verdade sobre o real” (AUMONT, 2012, p. 17). Mesmo citando
como exemplo a ação técnica da câmera ou do cinematógrafo, o trabalho primordial é “não
entravar em nada essa manifestação do real” (AUMONT, 2012, p. 17).
O trabalho do cineasta consiste em provocar, em identificar e em comunicar esse
encontro. Quando da filmagem, o cineasta está em uma posição dupla e contraditória, é todo
atenção e todo retraimento: deve deixar algo advir – não importa o quê, qualquer coisa, mas
singular – e, ao mesmo tempo, ele é o fomentador desse advento, que não aconteceria sem
ele”. (AUMONT, 2012, p. 18).
Nessa perspectiva, adotamos a Etnografia como uma via metodológica indispensável.
Como define Geertz: “praticar a etnografia é estabelecer relações, selecionar informantes,
transcrever textos, levantar genealogias, mapear campos, manter um diário, e assim por
diante” (2008, p. 04). Na medida em que fomos tomando conhecimento dos inúmeros fatores
históricos que compunham o fenômeno, percebemos a necessidade de observar com mais
sutileza e a establecer o diálogo através de diversas perspectivas.
O MICRO-DOCUMENTÁRIO “GUASQUEIRO”: IBANES BARBOSA
A aproximação com o nosso personagem e também artista Ibanes Barbosa foi
intermediado por Ulisses Souza, aluno egresso do curso de Relações Públicas da Unipampa.
Sempre estivemos certos de que o argumento central deste micro-documentáio seria a arte
produzida pelas mãos de Ibanes, bem como a sua viva sabedoria, que como já dissemos,
perdura em seu núcleo familiar por três gerações.
Antes de iniciarmos a gravação do micro-documentário realizamos um processo de
aproximação, mediado por Ulisses, que entrou em contato com Sr. Ibanes e solicitou a
permissão para o nosso encontro presencial e a possível gravação audiovisual de sua
biografia. De imediato Ibanes aceitou nos receber, o que ocorreu logo em seguida, em uma
tarde de sexta-feira, dia 06/11/2016.
Imagem 01: chegada na casa de Sr. Ibanes. Sentada está a sua esposa Sra. Diamantina
Fonseca. Créditos. Fernanda Martini
Na sequência, iniciamos uma rápida conversa, evidenciando, novamente, os objetivos
do documentário. Ibanes se mostrou disposto e alegre com a proposta, pois, segundo ele, não
participou de nenhum trabalho semelhante, seja audiovisual, jornalístico ou de pesquisa
acadêmica.
A maior parte das gravações foi realizada no seu ateliê, que fica aos fundos de sua
residência, localizada no bairro do Passo, região norte de São Borja. Dentre as ferramentas,
também encontramos uma diversidade de peças de couro, matéria prima da sua arte e um
livro, que nos indica ser uma das fontes do seu aprendizados
Imagem 02: Livro utilizado pelo artesão e disposto no seu ateliê para as visitas.
Créditos. Giulia Junges
Iniciamos a gravação em seu ateliê, onde iniciou nos contanto sobre a diversidade de
produtos que havia produzido naquela semana. Ibanes logo enfatizou relata que não possui
um produto específico, mas que procura diversificar a produção.
Imagem 03: Ibanes nos mostra um dos trabalhos que lhe exige mais atenção: o
trançado em bainhas de faça. Créditos. Giulia Junges
Ibanes nos relata que possui, aproximadamente, mais de 50 itens e que atende
diversas demandas, desde pequenas tarefas, como um remendo, até a confecção do que ele
considera mais difícil: a confecção de trançados e de pontos em cintos e outros assessórios,
alguns, segundo ele, expostos em feiras no Estado de São Paulo e até mesmo nos Estados
Unidos.
Imagem 04: Fotografia de um cinto (guaiaca), que foi levada para os EUA. Créditos. Giulia
Junges
Ao final da entrevista, Ibanes enfatiza que a sua arte é fruto da sua vontade de
aprender. Ressalta que nenhum dos netos ou filhos se interessaram pelo ofício. Encerramos as
gravações agradecendo a Ibanes e a sua família. O processo de edição, recentemente
concluído, possibilitou a confecção de uma cópia digital, bem como a veiculação na
plataforma Youtube, que pode ser acessado em
https://www.youtube.com/watch?v=L4-8rbzhU10
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Realizar este audiovisual não nos possibilitou apenas publicizar uma prática
social, mas, sobretudo, estramos em contato, convivermos e dialogarmos com um sujeito que,
através da sua viva inteligência, ofereceu-nos confiança e simpatia ao expor sua produção
artística. Ibanes é um dentre os inúmeros artistas criativos da região missioneira e, por isso, o
maior desafio do nosso projeto talvez seja o de continuar buscando personagens, histórias e
artes que certamente nos mostraram novos potenciais culturais e econômicos deste território.
São poucos os produtos audiovisuais ou, podemos afirmar, quase inexistente os
conteúdos que evidenciam e buscar valorizar as atividades criativas e culturais da região
missioneira. Portanto, os próximos micro-documentários irão percorrer o caminho da
identificação dessas atividades criativas e partir, assim, para o processo de registro e
veiculação audiovisual. Importante ressaltar, que o audiovisual é um produto capaz de
aproximar a universidade desses personagens, na grande maioria alheios ou desconsiderados
pelas nossas pesquisas e práticas acadêmicas.
BIBLIOGRAFIA
AUMONT, Jacques. As teorias dos cineastas. 3ª ed. Campinas, SP: Papirus, 2012.
MINISTÉRIO DA CULTURA- MINC, 2011.
TARKOVSKI. Andrei. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes, 1990.
GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar editores, 2008.