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CONCURSO PÚBLICO DE PROVAS E TÍTULOS PARA
PROFESSOR ADJUNTO
EM PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO LOCAL
INSTITUTO DE PESQUISA E PLANEJAMENTO URBANO E
REGIONAL
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
EDITAL n. 53, DE 05/10/2005
MEMORIAL
CANDIDATA:
CLÁUDIA RIBEIRO PFEIFFER
(NOME ANTERIOR: CLÁUDIA TAVARES RIBEIRO)
NOVEMBRO / 2005
1 Observações Iniciais
Rever a trajetória profissional é sempre uma oportunidade interessante. É um momento em
que paramos para refletir sobre o caminho que vimos trilhando na direção tanto da nossa
realização profissional quanto da nossa contribuição, nesse campo, ao desenvolvimento das
instituições e da sociedade das quais fazemos parte.
Rever a trajetória profissional com o propósito de justificar a candidatura a uma vaga de
Professor Adjunto em um Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional de
uma universidade pública brasileira, mais do que interessante, é uma oportunidade
estimulante. Afinal, esse é um dos principais cargos que uma socióloga, com mestrado e
doutorado em Planejamento Urbano e Regional, pode aspirar nesse País.
Concorrer a uma vaga de Professor Adjunto na instituição na qual se trabalha e na qual se
tem uma história é um grande desafio...
Por fim, concorrer a uma vaga para Professor Adjunto na área de Planejamento e
Desenvolvimento Local, área na qual se encontram duas estradas profissionais percorridas
nos últimos 20 anos (a estrada do Planejamento Urbano e Regional e a estrada do
Gerenciamento de Projetos Sociais e de Desenvolvimento) é uma excelente oportunidade
de síntese e de planejamento do futuro.
O percurso que levou a essa encruzilhada bem como as novas trilhas abertas ao encontrá-la
serão expostos a seguir.
Ao final do memorial, tratarei de demonstrar como esse percurso se traduziu na minha
produção intelectual.
2
Cabe registrar que no relato da estrada do Planejamento Urbano e Regional serão
apresentadas as minhas trajetórias acadêmica (mestrado e doutorado) e profissional no
IPPUR, visto que elas estão diretamente relacionadas.
2 Da Conclusão da Graduação à Entrada no IPPUR - Momentos
Iniciais da Trajetória
Em 1983, após concluir o Curso de Ciências Sociais na UFRJ e, com isso, ver encerrado
meu período de estágio no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea
do Brasil, da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV) - onde desenvolvi, dentre outras,
atividades de levantamento e coleta de dados para a pesquisa Trabalhadores do Brasil, de
Ângela Maria de Castro Gomes -, fui contratada pelo Núcleo de Estudos Sobre a Mulher,
da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (NEM/PUC - Rio), para trabalhar
como auxiliar de pesquisa no Projeto O Impacto da Urbanização sobre a Participação da
Mulher de Baixa Renda.
Essa pesquisa tinha como objeto de estudo a mulher migrante residente na Favela do
Vidigal, favela situada em morro da zona sul da cidade do Rio de Janeiro; e como objetivo,
verificar em que medida a adoção de hábitos tipicamente urbanos por parte dessa mulher –
quando de sua inserção em uma sociedade tão complexa como o Rio de Janeiro – se
articulava com a sua participação na comunidade.
3
Nesse primeiro emprego, ainda jovem, tive a oportunidade de conhecer a realidade das
pessoas que moram em favelas e de viver experiências que marcam a minha vida
profissional até hoje.
Por exemplo: foi atuando nesse projeto que percebi, pela primeira vez, a dificuldade da
comunicação entre técnicos do poder público, professores universitários e população, então,
e muitas vezes até hoje, denominada “de baixa renda”, em tentativas de resolução de
problemas desta. Foi também atuando nesse projeto, que percebi, pela primeira vez, como
era injusto propor a essa população, que já vivia em grande desvantagem social, que lutasse
pela prestação de serviços públicos, acessíveis a segmentos sociais de renda média ou alta
sem que estes tivessem de fazer esforço.
Mas a opção por trabalhar com a questão urbana não resultou diretamente dessa
experiência, embora ela a tenha influenciado.
Em 1984, por motivos de natureza pessoal (doença e morte de pessoa muito próxima na
família), tive de me afastar do NEM/PUC - Rio. E no retorno à vida profissional, decidi
voltar a estudar.
Na busca de cursos de especialização na área de ciências sociais, tomei conhecimento do
Curso de Especialização em Economia Política da Urbanização do Instituto Metodista
Bennett e fui convencida pela coordenadora do curso, a professora Estrela Bohadana, que
este seria uma boa alternativa para os meus propósitos naquele momento.
O Corpo Docente desse curso era formado por vários ex-alunos do Programa de
Planejamento Urbano e Regional (PUR) da UFRJ e, por influência deles e de colegas de
4
turma, candidatei-me ao mestrado em Planejamento Urbano e Regional, em 1985, sendo
aprovada.
3 A Trajetória Acadêmica/Profissional no IPPUR – a Estrada do
Planejamento Urbano e Regional
A aprovação no mestrado foi um grande estímulo para mim. Novos horizontes se abriam na
minha vida. Teria a chance de me qualificar profissionalmente, recebendo um apoio
financeiro para tanto - a bolsa de mestrado.
E assim começou a minha trajetória no IPPUR.
De fato, o IPPUR foi uma ótima oportunidade de qualificação profissional. Não apenas pela
formação obtida no mestrado e no doutorado (fui da primeira turma do Doutorado em
Planejamento Urbano e Regional do IPPUR), como ainda, pela experiência adquirida na
casa nas diversas atividades realizadas ao longo desses 20 anos e pela convivência com
profissionais “socialmente responsáveis”, para usar uma expressão atualmente em voga.
As primeiras atividades profissionais que realizei no IPPUR foram como pesquisadora no
projeto Dinâmica Imobiliária e Estruturação Intra-Urbana na Cidade do Rio de Janeiro, no
período Pós-64, coordenada pelo professor Martim Smolka. A pesquisa tinha por objetivo
construir um banco de dados imobiliários sobre a cidade (preço das unidades habitacionais
efetivamente negociados no mercado, quantidades de novas moradias agregadas
anualmente ao parque imobiliário, suas características e localização intra-urbana, dentre
outros), com base nas informações do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis – (ITBI).
5
A participação nessa pesquisa foi importante, em termos acadêmicos, porém, mais ainda,
em termos de inserção institucional. Em decorrência do fato de ter trabalhado por mais de
dois anos nesse projeto, entrei para o quadro técnico-administrativo da UFRJ contratada
como socióloga. Um processo de regularização funcional em toda a Universidade, para
legalizar a situação de profissionais que prestavam serviços à instituição, de forma
contínua, por um período superior a dois anos, me beneficiou, assim como outros colegas
do mestrado.
No período entre minha contratação (1986) e a defesa da dissertação de mestrado (1990),
atuei como pesquisadora do projeto Dinâmica Imobiliária e Estruturação Intra-urbana no
Rio de Janeiro, no período Pós-64, já referido (desliguei-me do projeto em 1988, em
virtude do tema não me motivar); assumi a responsabilidade pela edição do Informe
IPPUR, órgão informativo do Instituto; propus, coordenei e organizei o Seminário
Emancipação da Barra: Sim ou Não?, realizado no auditório Archimedes Memória, da
Faculdade de Arquitetura da UFRJ; e produzi, junto com a professora Tamara Egler e o
Núcleo de Criação e Produção da UFRJ, o primeiro vídeo do IPPUR, “Rio/Barra/Rio”.
Cabe registrar que essas duas últimas atividades estavam vinculadas diretamente ao objeto
da minha pesquisa para dissertação de mestrado – a proposta de emancipação da Barra da
Tijuca.
Em 1990, defendi minha dissertação de mestrado, Da Questão Urbana ao Poder Local: o
Caso da Barra da Tijuca, a qual pretendia contribuir para a compreensão do estágio em que
se encontrava o processo de busca de alternativas político-administrativas para o
enfrentamento de problemas urbanos, que se desenvolvia no País desde a década de 1960,
contextualizando, nesse processo, a proposta de elevação da 24ª Região Administrativa do
6
Município do Rio de Janeiro (Barra da Tijuca) à categoria de Município, apresentada por
empresários e políticos da região, em 1987.
Para a elaboração dessa dissertação, estudei, em profundidade variada: os processos de
urbanização e metropolização no Brasil; as políticas urbanas formuladas no período
autoritário de governo; o deslocamento da formulação de alternativas para a resolução de
problemas das cidades, do governo federal para os governos locais e para diversos
segmentos organizados da sociedade; experiências de gestão das cidades nesse novo
contexto.
A elaboração dessa dissertação também me fez uma revelação importante, qual seja: os
empresários entravam na gestão da cidade de uma forma nova, tentando assumir o controle
político formal de uma parte territorial da mesma.
Esse estudo e essa revelação foram norteadores de todas as minhas atividades profissionais
pós-mestrado.
Assim que obtive o título de Mestre, passei a exercer, no IPPUR, o “cargo” de Docente
Associado. As atribuições desse “cargo” são quase idênticas àquelas desenvolvidas pelo
Quadro Docente da UFRJ, mas a remuneração não. O Docente Associado tem a
remuneração correspondente à sua inserção funcional no Quadro Técnico-administrativo.
O Docente Associado pode/deve:
desenvolver atividades de ensino na especialização, no mestrado e no doutorado,
dependendo de sua titulação, embora apenas as atividades de ensino na
especialização possam ser oficializadas;
7
desenvolver atividades de pesquisa e extensão, sem nenhuma restrição;
exercer funções de coordenação no âmbito da especialização; e
desenvolver qualquer atividade considerada de natureza técnico-administrativa.
O Docente Associado não pode:
exercer funções de direção; e
participar de Bancas de Seleção de Concursos de Mestrado e Doutorado.
As primeiras atividades que desenvolvi já como Mestra e Docente Associada do IPPUR
foram na área de ensino, em 1991. Nesse ano, participei da Comissão de Seleção de Alunos
do IV Curso de Especialização em Planejamento e Uso do Solo Urbano, no qual ministrei
as disciplinas Urbanização e Metropolização no Brasil e Gestão Urbana , difundindo parte
do conhecimento consolidado ao longo da elaboração da dissertação de mestrado.
Desde então as minhas atividades de ensino no IPPUR vêm se desenvolvendo,
principalmente, no âmbito desse curso. Ao longo dos últimos 15 anos, participei de diversas
Comissões de Seleção de Alunos. Coordenei suas 4ª, 5ª e 14ª edições. Além das disciplinas
acima referidas, também ministrei as cadeiras Introdução ao Método ZOPP, Laboratório I e
II, Métodos e Técnicas para a Elaboração de Monografias, Modalidades Recentes de
Administração Urbana e Gestão e Desenvolvimento Local, todas com 18 horas de carga
horária. Orientei monografias.
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Em 2004, tive a satisfação de apresentar o curso no I Seminário Nacional de Experiências
de Capacitação e Desenvolvimento Institucional, promovido pelo Ministério das Cidades,
em cooperação com o Lincoln Institut of Land Policy e a Caixa Econômica Federal.
A participação nesse curso também me propiciou uma experiência de extensão universitária
de fundamental importância para o estágio profissional em que me encontro atualmente - a
condução da elaboração e a coordenação do Projeto Morar na Vila Elza. Esta experiência se
tornou possível em razão do fato de ter participado do curso Introdução ao Método ZOPP -
Zielorientierte Projekt-Planung (Planejamento de Projetos Orientado para Objetivos),
promovido pelo IPPUR/FAU (UFRJ) e pela Universidade Técnica de Hamburg-Harburg
(TUHH), da Alemanha, em 1992, no qual conheci o método e as técnicas de trabalho que,
desde então, adoto em processos de planejamento e gerenciamento de projetos sociais e de
“desenvolvimento” dos quais participo, seja pelo IPPUR, seja pela Management de Projetos
e Processos Ltda., uma pequena empresa de consultoria da qual sou sócia.
O Projeto Morar na Vila Elza constituiu resultado de um trabalho iniciado no âmbito das
disciplinas Laboratório I e II, já mencionadas, as quais tinham como objetivo capacitar os
alunos a lidarem, na prática, com temas e problemas relativos à área de conhecimento do
planejamento urbano.
Tratava-se de um projeto voltado para a melhoria das condições de moradia da população
residente na Vila Elza - "comunidade carente" localizada na 3ª Região Administrativa do
Município do Rio de Janeiro (Rio Comprido) -, elaborado pelos moradores da localidade,
com a assessoria de um grupo de sete alunos das referidas disciplinas, com base em
metodologia inspirada no Método ZOPP, por mim desenvolvida e aplicada.
9
Para a sua execução foi firmado um convênio entre a UFRJ, a Prefeitura da Cidade do Rio
de Janeiro (Secretaria Municipal de Habitação) e a Associação de Moradores da Vila Elza,
cabendo à Universidade, em conjunto com os moradores, o detalhamento do projeto e a
elaboração dos subprojetos necessários para o alcance de seu objetivo; à Secretaria
Municipal de Habitação, a execução do projetado; e à Associação de Moradores, o
monitoramento dessa execução.
Esse convênio foi cumprido no âmbito do Programa Bairrinho, criado pela Secretaria
Municipal de Habitação para promover a urbanização e integração das pequenas favelas à
cidade, com base nessa e em outras experiências semelhantes.
Essa experiência foi de fundamental importância para o meu estágio profissional atual,
porque com base nela passei a acreditar na possibilidade de cooperação entre poder público,
universidade e cidadãos em torno de objetivos comuns e, mais ainda, na possibilidade de
esse tipo de cooperação gerar resultados concretos para os últimos.
Ao longo dos últimos 15 anos, como Docente Associada do IPPUR desenvolvi outras
atividades de ensino, pesquisa e extensão, que devem ser mencionadas.
Em 1993, fui convidada pela professora Rosélia Piquet para organizar com ela uma
disciplina sobre responsabilidade social da empresa, no âmbito do curso de mestrado em
Planejamento Urbano e Regional do instituto. A disciplina tinha por objetivo apresentar
elementos para o debate sobre o papel da empresa, enquanto instituição pública ou privada,
no processo de reestruturação econômica e social então em curso na sociedade brasileira.
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Vi nesse convite a possibilidade de fazer avançar a minha reflexão – iniciada quando da
elaboração da dissertação de mestrado - a respeito da entrada do setor privado, sob uma
nova forma, na resolução de problemas das cidades brasileiras, e o aceitei.
Em pesquisa bibliográfica realizada para este fim, tomei conhecimento do livro
Responsabilidade social: a empresa hoje (Duarte e Dias, 1986) 1 e fui convencida pelos
autores da importância de se conhecer o universo de empresas privadas que vinham
atuando com o objetivo explícito de contribuir para a solução de problemas da sociedade e
das cidades brasileiras. Segundo eles, já naquela época, tanto no Brasil como no resto do
mundo, existiam muitas empresas que pautavam sua atuação por filosofias abertas ao
interesse social, bastando uma breve pesquisa no noticiário da imprensa para se identificar
iniciativas dessa natureza.
As implicações desse curso para a minha trajetória no IPPUR dizem respeito ao fato de que
o interesse por esta temática me levou a dedicar a minha tese de doutorado ao
enfrentamento da seguinte questão: por que as empresas privadas estão atuando
aparentemente na direção da resolução de problemas das cidades, que até muito
recentemente eram de competência das administrações públicas municipais e/ou assumidos
por entidades filantrópicas?
Mas do doutorado e de seus desdobramentos no IPPUR tratarei posteriormente.
Dando continuidade à minha trajetória profissional nessa instituição, cabe ainda registrar
que, no período imediatamente anterior à minha entrada no doutorado (1991-1993), estive
mais voltada para atividades de pesquisa e para a organização de eventos.
1 DUARTE, Gleuso Damasceno e DIAS, José Martins. Responsabilidade Social: a empresa hoje. Rio de Janeiro; São Paulo: LTC - Livros Técnicos e Científicos: Fundação Assistencial Brahma. 1986.
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Participei, junto com a professora Ana Clara Torres Ribeiro, do projeto As Abordagens da
Pobreza Urbana: Formulações e Práticas (dos anos 60 aos anos 80), desenvolvido com o
apoio financeiro do Ministério da Ação Social. Essa pesquisa visava resgatar e analisar as
diversas abordagens adotadas no reconhecimento e no enfrentamento da pobreza urbana
pelo pensamento teórico-técnico, no período compreendido entre 1960 e 1980.
E fui pesquisadora no projeto Follow-Up - Trajetórias Profissionais dos Ex-Alunos do
IPPUR, desenvolvido com o apoio financeiro da Sub-Reitoria de Desenvolvimento e
Extensão - SR-5 desta Universidade, sob a coordenação do professor Martim Smolka. O
projeto tinha por objetivo retomar o contato com todos os ex-alunos do instituto para
promover uma avaliação da relevância dos conhecimentos adquiridos no mestrado para a
sua trajetória profissional e do papel do IPPUR na formação de quadros para as atividades
de planejamento urbano e regional no Brasil.
Também nesse período, organizei o Colóquio 20 Anos do IPPUR - Follow-up, e propus e
organizei o Seminário Invasão é a Solução?, ambos promovidos pelo IPPUR. O primeiro
com o objetivo de apresentar os resultados da pesquisa acima referida para os profissionais
do planejamento urbano e regional. O segundo, com a finalidade de debater as possíveis
alternativas para o problema habitacional nas grandes cidades brasileiras.
Durante o doutoramento, para além da coordenação do Projeto Morar na Vila Elza e das
aulas na Especialização já mencionadas, fui pesquisadora no projeto Avaliação do
Planejamento Urbano e Regional no Brasil, desenvolvido e financiado pela Associação
Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional (ANPUR), sob
a coordenação da professora Rosélia Piquet, com a finalidade de colher subsídios para a
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elaboração de programas de renovação do ensino e da pesquisa nessa área de
conhecimento.
E coordenei o projeto Avaliação do Planejamento dos Projetos do Programa Favela-Bairro
– 1ª Etapa, desenvolvido no IPPUR/UFRJ, com o apoio financeiro da FINEP e da
Secretaria Municipal de Habitação do Rio de Janeiro. Nessa etapa, o programa visava
implantar melhorias físico-ambientais nas favelas da cidade, integrando-as aos bairros onde
se localizam, seguindo as diretrizes gerais da Política Urbana adotada pelo Poder Público
Municipal e os seguintes pressupostos: adesão e participação da população residente nas
favelas; preservação de suas especificidades; aproveitamento do acervo imobiliário já
existente; reassentamento e/ou remanejamento de famílias no interior da própria favela,
caso seja necessário.
Entre 1997 e 1999, afastei-me oficialmente do IPPUR, não só para concluir o
doutoramento, mas também para usufruir de direitos relacionados à maternidade, voltando
a trabalhar no instituto após a defesa da minha tese de doutorado, em dezembro de 1999.
Entre 2000 e 2004, permaneci com as minhas atividades relacionadas à Especialização em
Planejamento e Uso do Solo Urbano, ministrei um Curso de Extensão sobre elaboração e
gerenciamento de projetos sociais com base no Quadro Lógico; e organizei eventos
institucionais voltados prioritariamente para o público interno – a IX e a X Semanas IPPUR
e algumas Oficinas Planejamento. As primeiras, realizadas uma vez por ano, com o
propósito de divulgar e debater a produção científica da casa (alunos, pesquisadores,
professores). As Oficinas, realizadas mensalmente, com o objetivo de promover debates em
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torno de temas considerados relevantes e de interesse para a reflexão em torno do
planejamento urbano e regional.
Também nesse período assumi uma atividade administrativa importante para a instituição,
qual seja: coordenar o processo de levantamento e sistematização das informações
necessárias para o preenchimento do Coleta CAPES.
Mas a realização das minhas expectativas e dos meus projetos profissionais e acadêmicos
pós-doutorado ocorreu, principalmente, fora do Instituto.
Ao longo dos últimos cinco anos, as atividades que desenvolvi no IPPUR, decorrentes do
conhecimento e da experiência acumulados na pesquisa para a tese de doutorado e na sua
elaboração, foram as seguintes: o Curso de Extensão Terceiro Setor no Brasil: construção,
caminhos e descaminhos, realizado na Federação de Bandeirantes do Brasil, em 2002; a
coordenação do Workshop Responsabilidade Social: O que é isso? A quem cabe fazer o
que?, realizado pela Federação das Fundações Privadas do Estado do Rio de Janeiro
(Funperj), com o apoio do Centro de Integração Escola Empresa (CIEE), em 2003.
O Curso de Extensão tinha como finalidade apresentar subsídios para a reflexão acerca do
papel do “Terceiro Setor” no enfrentamento de problemas sociais das cidades brasileiras,
demonstrando como a idéia da existência do “Terceiro Setor” foi construída no Brasil;
como a idéia da importância de sua consolidação para o desenvolvimento social sustentável
foi difundida no mesmo; as estratégias propostas e implementadas tendo em vista essa
consolidação; e como o “Terceiro Setor” se transformou em nova “oportunidade de
negócios”.
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O Workshop tinha como propósito caminhar na direção da definição das responsabilidades
sociais específicas do governo (em seus diversos níveis), das empresas, das organizações da
sociedade civil e do Terceiro Setor2 e das universidades no Brasil atual, na perspectiva de
identificar as formas possíveis de colaboração entre esses diversos setores/organizações da
sociedade brasileira para a superação de problemas desta e para o seu desenvolvimento
saudável, ou em outros termos, na perspectiva de contribuir para que um número cada vez
maior de pessoas possa desfrutar de condições de existência dignas em nosso País.
Antes de passar ao relato da minha história profissional fora do Instituto, no entanto, cabe
ainda explicitar como o tema Planejamento e Desenvolvimento Local permeou minha
trajetória no IPPUR.
3.1 Planejamento e Desenvolvimento Local no IPPUR
O tema do Planejamento e Desenvolvimento Local entra na minha trajetória no IPPUR por
meio da disciplina Gestão Urbana, ministrada no Curso de Especialização em Planejamento
e Uso do Solo Urbano, em suas mais novas versões denominada de Modalidades Recentes
de Administração Urbana e Gestão e Desenvolvimento Local.
2 Nesse documento, está-se entendendo, por organizações do Terceiro Setor, instituições criadas em decorrência de movimentos de diversas organizações públicas e privadas, internacionais e nacionais, que vêm se desenvolvendo desde a década de 1970, mas, sobretudo, a partir da década de 1990, a fim de: incentivar a filantropia privada e empresarial nos países ibero-americanos e no Brasil; intensificar e tornar mais eficiente o envolvimento empresarial comunitário no país; promover e divulgar práticas de investimento social privado para o desenvolvimento social do país; estimular a prática da cidadania participativa para implantar o modelo de democracia trissetorial americano no país; promover o desenvolvimento humano e global sustentável (definição de minha autoria). E, por organizações da Sociedade Civil, instituições não-governamentais, segundo a concepção de Landim, qual seja: organizações que, em sua grande maioria, começaram a se formar em pleno regime militar, na área da oposição política, com o apoio de agências financiadoras internacionais, na sua grande maioria cristãs e inspiradas por ideais igualitários e democratizantes. (Landim, Leilah. Para além do Mercado e do Estado: filantropia e cidadania no Brasil. Rio de Janeiro: ISER, 1993. Série Textos de Pesquisa)
15
Esse curso foi dado pela primeira vez no início da década de 1990. Seu objetivo consistia
em apresentar os diversos agentes econômicos, políticos e sociais que vinham atuando no
enfrentamento de problemas relativos a carências e defasagens na apropriação social de
equipamentos e serviços de infra-estrutura urbana nas cidades brasileiras, a partir da década
de 1980, e as alternativas por eles formuladas tendo em vista tal enfrentamento.
Os agentes econômicos, políticos e sociais que atuaram na década de 1980 neste
enfrentamento eram basicamente os seguintes: governos municipais, partidos políticos,
associações de moradores, organizações não-governamentais, representantes de diversos
movimentos sociais e empresários. As propostas para tal enfrentamento, voltadas para:
a descentralização da administração pública;
a ampliação da participação popular na gestão pública;
o estabelecimento de normas e procedimentos para a atuação dos Estados e
Municípios brasileiros na política urbana; e, em número bem menor,
a emancipação de áreas territoriais de municípios à categoria de municípios.
Então, a primeira versão desse curso, apresentava e debatia textos que tratavam de:
modelos alternativos de planejamento e gestão urbana, principalmente os que
valorizavam a participação popular;
novas formas de participação política na cidade, especialmente da atuação das
associações de moradores;
experiências democráticas em governos municipais;
gestão urbana na Constituição de 1988;
papel dos governos municipais nesse novo contexto; e
16
desafios para as organizações da sociedade civil na década de 1990.3
A partir de 1993/94, surgiram novos fenômenos na resolução de problemas das cidades
brasileiras, que também começaram a ser tratados no curso:
a proliferação e o destaque que passa a ser dado ao papel das organizações não-
governamentais na resolução desses problemas;
a valorização da entrada das empresas privadas nesse processo e a conseqüente
proliferação de parcerias público-privadas na gestão municipal;
a construção do chamado “Terceiro Setor” no Brasil; e, sobretudo,
a formulação e implementação pelos governos municipais de estratégias voltadas
para a promoção do desenvolvimento econômico, para a melhoria da atividade
governamental ou para o alargamento (radicalização) da democracia e da cidadania,
em termos políticos e econômicos, em cidades brasileiras, as quais denomino de
empresariamento urbano (com base em conceituação de Harvey, 1989), de
empreendedorismo governamental (com base em Osborne e Gaebler, 1996) e de
ativismo democrático (com base em Moura, 1997).4
Para abranger tais fenômenos, o curso foi reformulado, ganhando sua segunda versão, que
tratava das estratégias acima referidas e da valorização das organizações da sociedade civil 3 Os autores utilizados como referência, nessa primeira versão do curso, foram: Ana Clara Torres Ribeiro, Pedro Jacobi, Ilse Scherer-Warren, Maria da Gloria Gohn, Celina Maria de Souza, Linda Gondim, Ana Maria Brasileiro, Franklin Dias Coelho, Celso Daniel, Tânia Fischer, Felix Bombarolo, dentre outros. 4 As referências bibliográficas citadas são as seguintes: HARVEY, David. Do gerenciamento ao empresariamento: a transformação da administração urbana no capitalismo tardio. São Paulo, Espaço e Debates, n. 39, p. 48-64, 1996.OSBORNE, David e GAEBLER, Ted. Reinventando o governo: como o espírito empreendedor está transformando o setor público. 6ª ed. Brasília: MH Comunicação, 1995. 436 p.MOURA, Suzana. Cidades empreendedoras, cidades democráticas e a construção de redes públicas na gestão local. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 7, 1997, Recife. Anais... Recife: MDU/UFRE, 1997. v. 3 p. 1760-1781.Outros autores utilizados nessa versão do curso foram: John Donahue, Alan Wolfe, Leilah Landim, Rubem César Fernandes, Gian Maria Bernareggi, Henrique Fingermann e Maria Rita Loureiro, Elio Borgonovi e Ricaro Cappellin.
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e do Terceiro Setor na resolução dos problemas da sociedade e das cidades brasileiras.
Naquele momento, a disciplina passou a se chamar Novas Modalidades de Administração
Urbana.
A participação das empresas privadas na resolução dos problemas sociais e relativos à
infra-estrutura urbana das cidades, da qual tratava a minha tese de doutorado, não foi
incluída na disciplina, por falta de tempo para dar conta dessa realidade no âmbito da
mesma.
Na penúltima versão do curso, três temas novos foram inseridos no programa, em função
de:
reconhecimento e difusão da importância da participação comunitária em
programas e projetos sociais por organismos multilaterais de desenvolvimento;
mudanças na orientação da gestão urbana no Rio de Janeiro - que trouxe a
perspectiva do desenvolvimento endógeno (ou seja, a perspectiva que teoriza
sobre as possibilidades do desenvolvimento com base na utilização dos potenciais –
econômicos, humanos, naturais e culturais – internos a uma localidade,
incorporando ao instrumental econômico neoclássico variáveis como a participação
e gestão local) para o planejamento municipal; e
proliferação de propostas e projetos voltados para um novo tipo de
desenvolvimento, baseado no conceito de cooperação, que vem sendo chamado de
desenvolvimento humano e social sustentável.
Nessa direção foram incluídos textos que tratam de:
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papel da participação comunitária dentro de um movimento mais geral de
reafirmação da participação na gerência de vanguarda, das principais resistências à
participação e de estratégias para enfrentá-las (Kliksberg, 1999);
mudança de paradigma na gestão da cidade do Rio de Janeiro, do empresariamento
urbano para o desenvolvimento endógeno (Plano Estratégico da Cidade do Rio de
Janeiro II: As Cidades da Cidade); e
conceitos e estratégias propostos para inovar em desenvolvimento aplicando a
cooperação (Monteiro, 2003).5
A versão atual continua na mesma linha da anterior. Mas apresenta, ainda, uma outra
estratégia que vem ganhando espaço no contexto metropolitano e, principalmente, na
gestão do desenvolvimento “local” e comunitário, no início desse século, no Brasil: a
estratégia chamada Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS).
O DLIS vem sendo apresentado como uma estratégia de indução ao desenvolvimento local6
que prevê a adoção de uma metodologia participativa, pela qual mobilizam-se recursos
locais para a realização de diagnósticos da situação de cada localidade, a identificação de
suas potencialidades, a escolha de vocações e a confecção de planos integrados para o seu
desenvolvimento. (www.dlis.org.br)
5 As referências completas dos textos referidos são:KLIKSBERG, Bernardo. Seis teses não-convencionais sobre participação. Rio de Janeiro, Revista de Administração Pública, v. 33, n.3, p.7-37, maio/jun., 1999.MONTEIRO, João de Paula. Cooperação: saiba o que é cooperatividade sistêmica para um novo tipo de desenvolvimento. Brasília: Agência de Educação para o Desenvolvimento, 2003. 59 p.6 Por “local” entende-se “qualquer recorte sócio-territorial delimitado a partir de uma característica eletiva definidora de identidade. Pode ser uma característica físico-territorial (localidades de uma mesma micro bacia), uma característica econômica (localidades integradas por uma determinada cadeia produtiva), uma característica étnico-cultural (localidades indígenas ou de remanescentes de quilombos,ou de migrantes), uma característica político-territorial (municípios de uma microrregião). (Paula, 2002: 17).
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Essa estratégia de indução ao desenvolvimento se fundamenta na hipótese de que se forem
implantados processos de desenvolvimento local em um número considerável de
localidades do País será possível promover o “desenvolvimento humano e social
sustentável”, ou seja, o crescimento econômico, com a melhoria da vida das pessoas, de
todas as pessoas, das que estão vivas hoje e das que viverão amanhã (Paula, 2002).7
O processo de implantação da estratégia pode ser feito com base nos recursos da localidade,
disponibilizados e alavancados pelas comunidades locais, assim como por instituições de
âmbito estadual, regional ou nacional, que adotem localidades com essa finalidade.
DLIS tem sua origem em um processo de conversação entre instituições, várias delas com
experiência na promoção de desenvolvimento econômico local (Ágora, FASE, Banco do
Nordeste, PNUD, SERE etc.). Esse processo foi articulado pelo Conselho da Comunidade
Solidária, entre 1997 e 1999, resultando no desenho e implantação de um programa,
chamado Comunidade Ativa (uma estratégia federal de indução ao DLIS), que tinha como
objetivos combater a pobreza e promover o desenvolvimento por meio do DLIS.
Essa estratégia hoje é aplicada pelos mais diferentes agentes, sendo difundida no País
inteiro, por diversas organizações e, particularmente, pela Rede DLIS,8 pela Agência de
7 PAULA, Juarez de. DLIS passo a passo: como atuar na promoção do desenvolvimento local integrado e sustentável. Brasília: Agência de Educação para o Desenvolvimento, 2002. 68 p.8A Rede DLIS é uma rede mista e plural, envolvendo pessoas e organizações de todos os setores, em todas as regiões do Brasil e no exterior, que tem por objetivos: propiciar acesso a informações e serviços úteis para pessoas/organizações envolvidas na promoção do desenvolvimento local; facilitar a interlocução e ampliar o debate entre pessoas que trabalham com o tema; gerar maior qualificação à questão do desenvolvimento local; fomentar uma cultura de trabalho em rede (www.rededlis.org.br).
20
Educação para o Desenvolvimento (AED),9 pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas empresas (Sebrae)10 e pela Caixa Econômica Federal (CEF).
E foi nesse contexto que o tema do Desenvolvimento Local se introduziu na minha carreira
profissional no IPPUR.
3.2 O Tema no Meu Momento Profissional Atual
A forma como o tema do Desenvolvimento Local entrou na minha trajetória profissional no
IPPUR fez com que eu pudesse perceber que por desenvolvimento local entende-se
diversos tipos de desenvolvimento (econômico, econômico local, endógeno, local,
integrado e sustentável, humano e social sustentável etc.); que por local, entende-se tanto
municípios, quanto qualquer recorte sócio-territorial delimitado com base em uma
característica eletiva de identidade; que em função desses fatos estão sendo propostas
diversas estratégias para promovê-lo, ancoradas em diferentes matrizes e abordagens
teóricas e ideológicas.
E diante dessas constatações, como professora da área de planejamento urbano e regional,
achei que deveria trabalhar no sentido de contribuir para o esclarecimento e a precisão tanto
dessas concepções e estratégias, quanto de seus resultados.
9 A Agência de Educação para o Desenvolvimento (AED) é um programa público que tem como objetivo aumentar a capacidade gerencial e empreendedora de micro e pequenas empresas, governos locais e organizações do Terceiro Setor, sobretudo quando inseridos em processos de desenvolvimento integrado e sustentáveis, com base em três grandes linhas de ação: elaboração e disseminação de um novo paradigma de desenvolvimento; articulação da distribuição do conhecimento; capacitação de agentes de desenvolvimento (www.aed.org.br).10 Sebrae é um Serviço Social Autônomo, instituído por escritura pública sob a forma de entidade associativa de direito privado, sem fins lucrativos, que tem por objetivo fomentar o desenvolvimento sustentável, a competitividade e o aperfeiçoamento técnico das microempresas e das empresas de pequeno porte industriais, comerciais, agrícolas e de serviços, notadamente nos campos da economia, administração, finanças e legislação; da facilitação do acesso ao crédito; da capitalização e fortalecimento do mercado secundário de títulos de capitalização daquelas empresas; da ciência, tecnologia e meio ambiente; da capacitação gerencial e da assistência social, em consonância com as políticas nacionais de desenvolvimento (http://www.sebrae.com.br/br/osebrae/estatuto.asp).
21
Com este intuito, venho realizando estudo sobre o tema desde o ano passado, o qual
resultou, até o momento, nas seguintes constatações:
1. Existem, no que se refere ao desenvolvimento local, abordagens políticas,
econômicas, geográficas, neoinstitucionalistas e ligadas ao conceito de capital
social, “localistas” etc.
2. Em quase todas as abordagens são apresentadas: concepções específicas de
desenvolvimento, de local, de desenvolvimento local; estratégias, políticas,
instrumentos, métodos e técnicas para a sua promoção; e experiências já realizadas
nessa direção.
3. Ao contexto de surgimento das propostas e dos debates em torno do
desenvolvimento local são associados: a globalização; o pós-fordismo, o pós-
industrialismo ou a sociedade informacional; o desemprego “estrutural” e
generalizado; fenômenos espaciais para os quais as teorias tradicionais sobre
desenvolvimento econômico não apresentam explicação satisfatória; a
“endogeneização” no desenvolvimento econômico regional e local; interesses de
agências multilaterais de desenvolvimento; mudanças nas atitudes de governos
nacionais em relação ao enfrentamento de disparidades regionais e de problemas
urbanos; competição entre cidades para sua inserção nos espaços econômicos
globais; atitudes dos governos locais no sentido de tal inserção, por meio da
promoção do desenvolvimento econômico local; novos parâmetros de articulação e
organização, em que a chamada sociedade civil emerge com potencial de co-
protagonismo.
22
4. As críticas se referem principalmente às abordagens do desenvolvimento local
endógeno e às abordagens “localistas”.
5. Dentre os autores que tratam do tema, encontram-se: David Harvey, Manuel
Castells, Jordi Borja, Alain Lipietz, Edmon Preteceille, Erik Swyngedouw, Antonio
Vázquez Barquero, Georges Benko, Robert Putnam, Ladislau Dowbor, Jair do
Amaral Filho, Paulo Haddad, Augusto de Franco, Tânia Fischer, Suzana Moura,
Caio Márcio Silveira, Giuseppe Cocco, Carlos Vainer, Tânia Moreira Braga, Dante
Pinheiro Martinelli.
Ao final desse estudo, pretendo organizar disciplinas sobre o tema Desenvolvimento Local,
com base no seguinte conteúdo programático:
A questão do desenvolvimento. A “endogeneização” no desenvolvimento
econômico regional e local. Desenvolvimento local: marcos conceituais e históricos.
Desenvolvimento local nas agências multilaterais de desenvolvimento. Os governos
locais na promoção do desenvolvimento local. Agenda 21 e Agendas 21 locais.
Desenvolvimento local e desenvolvimento comunitário. Métodos e técnicas para o
planejamento do desenvolvimento local. Experiências de desenvolvimento local.
Possibilidades e limites do desenvolvimento local. Desenvolvimento local no Brasil.
Desenvolvimento local integrado e sustentável.
Assim termina o relato sobre a minha trajetória no IPPUR.
23
4 A Estrada do Gerenciamento de Projetos Sociais e de
Desenvolvimento
Como dito anteriormente, a área de Planejamento e Desenvolvimento Local é onde se
encontram duas estradas profissionais percorridas nos últimos 20 anos (a estrada do
Planejamento Urbano e Regional, percorrida dentro do IPPUR e a estrada do
Gerenciamento de Projetos Sociais e de Desenvolvimento percorrida fora do IPPUR).
Para que se possa entender como se deu esse encontro, e uma vez que já tratei da estrada do
Planejamento Urbano e Regional, passo a expor, a partir de agora, não só a minha trajetória
profissional no Gerenciamento de Projetos Sociais e de Desenvolvimento, mas também
como o tema do Desenvolvimento Local foi aqui introduzido.
4.1 Momento Inicial
Como já referido, em 1992 fiz o curso Introdução ao Método ZOPP - Zielorientierte
Projekt-Planung (Planejamento de Projetos Orientado para Objetivos), promovido pelo
IPPUR/FAU (UFRJ) e pela Universidade Técnica de Hamburg-Harburg (TUHH), da
Alemanha, e conheci um método e técnicas de planejamento de projetos de
desenvolvimento, participativos, que considerei muito úteis para projetos sociais e urbanos.
Para me capacitar na aplicação do método, realizei, em 1993, os cursos Aperfeiçoamento
no Método ZOPP e Introdução à Moderação, ambos no IPPUR/UFRJ; e, em 1995,
Técnicas de Moderação de Eventos, promovido pela Deutsche Stiftung für Internationale
Entwicklung (Fundação Alemã para o Desenvolvimento Internacional), em colaboração
24
com o Serviço de Administração de Projetos da GTZ (Sociedade Alemã de Cooperação
Técnica).
Ainda objetivando tal capacitação, fiz um trabalho de co-moderação na Oficina de
Planejamento Desenvolvimento Integrado e Sustentável da Bacia Hidrográfica do Rio Meia
Ponte, promovida pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos de
Goiás (Semar-GO) e pela Sociedade Alemã para a Cooperação Técnica (GTZ), em 1996.
Uma vez capacitada na aplicação do método, passei a ministrar cursos sobre o mesmo e a
moderar oficinas de planejamento.
Entre 1995 e 1997, para além da disciplina Introdução ao Método ZOPP, que ministrei no
Curso de Especialização em Planejamento e Uso do Solo Urbano do IPPUR, e do Projeto
Morar na Vila Elza, já mencionados, fui instrutora do curso Planejamento Estratégico-
Método ZOPP, realizado na Fundap/SP, e moderei as seguintes oficinas de planejamento:
Licenciamento Brasil, promovido e organizado pelo Projeto FEEMA/GTZ.(1996)
Reforço Institucional do Departamento de Proteção do Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (DEPROT/IPHAN), promovida pelo IPHAN. (1997)
Encontro CIP-Rio/Angra, promovido pelo Projeto FEEMA-GTZ e pela
Coordenação Inter-Projetos Ambientais Urbano-Industriais da Cooperação Técnica
Brasil-Alemanha (1997).
Em 1998/1999, não realizei nenhum trabalho nessa área, em virtude de estar totalmente
dedicada à conclusão do meu doutoramento e à maternidade - minha filha nasceu em 31 de
julho de 1998, e defendi minha tese em dezembro de 1999.
25
Mas no retorno às minhas atividades profissionais, percebi que os conhecimentos e as
experiências adquiridos no gerenciamento de projetos de desenvolvimento, somados aos
conhecimentos e experiências adquiridos ao longo de toda a minha vida acadêmica e,
especialmente, ao longo do doutoramento, me permitiam abrir uma nova frente de trabalho
e de militância profissional: trabalhar com gerenciamento de projetos sociais no setor
privado, com e sem fins lucrativos e, particularmente, com empresas privadas e
organizações do Terceiro Setor.
Havia concluído, no final da minha tese, que a participação empresarial na resolução de
problemas sociais e relativos à infra-estrutura urbana das cidades brasileiras tende a
permanecer por um período longo, porque não apenas traz diversos benefícios para as
empresas, como também é necessária para que o seu projeto de organização política da
sociedade se realize. Qual seja: implantar o modelo de democracia trissetorial americano no
País, caracterizado por um governo reduzido, em suas dimensões, porém capaz de
assegurar a integridade territorial, a justiça, a segurança pública, a estabilidade da moeda e
a igualdade de oportunidades, por meio de um sistema eficiente de educação, saúde e
eqüidade fiscal; por uma economia que garanta competitividade, estimule investimentos e,
com isso, crie empregos, propiciando melhor distribuição de riqueza e expectativa de
melhoria do padrão de vida; e por uma forte ação de cidadania participativa, isto é, de
pessoas e entidades que, sem buscar poder político ou resultados monetários, exerçam
individual e coletivamente um empenho decisivo para construir, em todos os níveis da
sociedade civil, a comunidade que julgam adequada à sua visão do bem comum11.
11 Seminário Internacional Cidadania Participativa : responsabililidade social e cultural num Brasil democrático. Rio de Janeiro: Texto e Arte, 1995.
26
Por outro lado, também havia constatado que essa participação vem ocorrendo, em grande
parte: sem nenhum compromisso com a melhoria das condições de vida dos beneficiários
de seus projetos e, muito menos, com o propósito de contribuir para assegurar a todos os
indivíduos que compõem a sociedade condições de existência reconhecidas socialmente
como dignas; e sem um método de gerenciamento de projetos que permita avaliar o alcance
de seus resultados e objetivos bem como seu impacto social.
Como o método de gerenciamento com o qual venho trabalhando favorece a participação
dos beneficiários no planejamento dos projetos, o compromisso, no mínimo, com a
melhoria de suas condições de vida e, ainda, a avaliação do alcance dos resultados,
objetivos e impactos sociais esperados, em um tempo que pode ser aceito por empresários,
decidi tentar transmiti-lo para empresas e organizações do Terceiro Setor, acreditando que,
assim, poderia contribuir para transformar a sociedade, não apenas beneficiando grupos em
desvantagem social, mas mudando a mentalidade do empresariado.
Como no IPPUR não havia espaço para o desenvolvimento desse tipo de trabalho, passei a
realizá-lo na Management de Projetos e Processos Ltda., uma empresa de consultoria e
treinamento em gerenciamento de projetos, criada em 1999, da qual sou sócia.
4.2 Gerenciamento de Projetos Sociais e de Desenvolvimento na Management de
Projetos e Processos Ltda.
Por meio da empresa, dei vários cursos sobre Gerenciamento de Projetos Sociais,
presenciais e à distância. Realizei palestras em eventos e organizações. Prestei consultoria
para empresas públicas e privadas, para organizações do Terceiro Setor, da sociedade civil
e do Governo. Entrei no “mercado” e, por conta disso, fui convidada para integrar o Corpo
27
Docente do MBE em Responsabilidade Social e Terceiro Setor, do Instituto de Economia
da UFRJ, onde permaneço há quase três anos, dando aulas na disciplina Elaboração e
Análise de Projetos Sociais Comunitários e Gestão de Conflitos.
4.3 Elaboração e Análise de Projetos Sociais Comunitários e Gestão de Conflitos
no IE
A experiência no MBE tem sido muito rica. Além de permitir que eu pratique a minha
militância profissional, exige que mantenha atualizados os meus conhecimentos sobre
Responsabilidade Social Corporativa e sobre o Terceiro Setor no Brasil e gera consultorias
que me fazem imergir e interferir no mundo real, nele colhendo subsídios para a minha
atividade acadêmica.
Essa atuação profissional no MBE, por exemplo, foi responsável pela minha contratação
pelo Núcleo de Articulação do Projeto Cidade de Deus, para conduzir, moderar e relatar o
processo de elaboração do Plano para o Desenvolvimento Comunitário em Cidade de Deus;
trabalho esse que trouxe o tema do Desenvolvimento Local para a estrada do
Gerenciamento de Projetos Sociais e de Desenvolvimento, que passo a relatar.
4.4 O Desenvolvimento Local no Gerenciamento de Projetos Sociais e de
Desenvolvimento - O caso da Cidade de Deus
Em novembro de 2003, fui convidada por uma ex-aluna do MBE a participar de uma
seleção de proposta para a sistematização das informações sobre o desenvolvimento do
Projeto Cidade de Deus, a ser realizada pelo Núcleo de Articulação do Projeto, composto
pelo Comitê Comunitário da Cidade de Deus12, pela Federação do Comércio do Estado do 12 O Comitê Comunitário da Cidade de Deus é uma rede de instituições e moradores da localidade, nascida da necessidade e sentimento comum de construir um projeto de desenvolvimento local que pressupõe
28
Rio de Janeiro (Fecomércio), pela Federação Nacional das Empresas de Seguros Privados e
Capitalização (Fenaseg), pela Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do
Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor), pela empresa Linhas Amarelas S.A. (Lamsa) e pelo
Sebrae/RJ. O projeto havia começado no início daquele ano.
Na primeira reunião com o Núcleo de Articulação, na qual os representantes do Comitê
Comunitário não estiveram presentes, solicitei os documentos já existentes sobre o projeto,
para avaliar se existiam informações suficientes para a realização de tal sistematização ou
se informações ainda teriam de ser levantadas. O propósito da solicitação era avaliar o
tempo que teria de despender para realizar esse trabalho e, com base nisso, estabelecer a
remuneração adequada para tanto.
Eles não tinham os documentos naquele momento e ficaram de enviá-los para mim.
Os documentos que chegaram às minhas mãos não dispunham de informações suficientes e
consistentes para serem sistematizadas e, muito menos, para orientar o relato do processo.
Para tanto, seria necessário realizar uma pesquisa, relativamente ampla e custosa, pela qual
os contratantes não estavam dispostos a pagar.
Diante da situação, propus que tentássemos organizar o processo em curso, elaborando,
junto com a população, o Programa Cidade de Deus - um programa que articulasse projetos
e propostas, já em curso ou a desenvolver, em torno de um objetivo comum, com a
finalidade de promover a melhoria da qualidade da vida das pessoas que residiam na
localidade.
cooperação, autonomia, protagonismo, coordenação das ações, compartilhamento de valores, objetivos, responsabilidades, possibilidades e poder.
29
Norteadas por este objetivo, seriam desenvolvidas as seguintes atividades:
1. Realização de Oficina de Trabalho, com a participação de representantes do Comitê
Comunitário e do Núcleo de Articulação, com os propósitos de:
Definir o objetivo do Programa, ou seja, a melhoria, mudança ou o impacto
social positivo que o Programa visasse promover na vida da população local,
em período estabelecido previamente (1 ou 2 anos).
Definir os tipos de projetos que deveriam ser apoiados/desenvolvidos pelo
Programa, para o alcance do seu objetivo.
Identificar tanto os projetos que já estivessem sendo desenvolvidos junto à
população local na direção definida, quanto os que deveriam ser
desenvolvidos nessa mesma direção, bem como os responsáveis por eles,
quando fosse possível.
Com base nos recursos disponíveis para o Programa, definir os projetos a
serem apoiados/desenvolvidos, identificando a forma como esse
apoio/investimento seria feito e os responsáveis por cada um deles.
Se não existissem recursos suficientes para todos os projetos considerados
necessários para o êxito do Programa, definir se e como esses recursos
seriam captados.
2. Planejamento/formatação dos projetos que seriam apoiados/desenvolvidos no
contexto do Programa, especificando: os objetivos e resultados a alcançar no
período definido, em termos quantitativos e/ou qualitativos (o que incluiria a
definição de indicadores do alcance de tais resultados e objetivos); as atividades
30
necessárias para esse alcance; os riscos existentes para o seu êxito; a
operacionalização do planejado; os responsáveis por essa operacionalização etc.
3. Criação, desenvolvimento e implantação de um sistema para o gerenciamento do
Programa.
Essa proposta foi negociada com os representantes das organizações empresariais, com
base no interesse manifesto pelo Comitê Comunitário, resultando na aprovação de uma
proposta para elaboração de um “Plano Estratégico” da Cidade de Deus - um plano no qual
seriam definidas as ações e/ou atividades principais a serem realizadas para a promoção da
melhoria da qualidade da vida das pessoas que residem na localidade, nos próximos cinco
anos.
Para a elaboração do Plano, foram definidos os seguintes procedimentos:
1. Realização de Oficina de Planejamento, com a participação de representantes do
Comitê Comunitário e do Núcleo de Articulação, com os propósitos de:
Identificar os principais problemas da Cidade de Deus.
Definir as condições de vida que se pretende produzir/alcançar na
localidade, até 2009.
Traçar a estratégia para alcançar tais condições, com base na análise das
alternativas possíveis, identificando os resultados concretos que se pretende
produzir e as ações/atividades principais necessárias para tanto.
Identificar os projetos que já estavam sendo desenvolvidos junto à
população local na direção escolhida, assim como os previstos.
31
A preparação da Oficina seria feita em reunião com os participantes, na Cidade de
Deus.
2. Redação do esboço do “Plano Estratégico”, para fins de apresentação e apreciação
pela comunidade, em reunião do Fórum Comunitário.
3. Redação final do Plano.
A proposta foi realizada como planejado, mas o nome do Plano foi mudado, passando a ser
denominado Plano para o Desenvolvimento Comunitário em Cidade de Deus, pelas razões
que exponho a seguir. Esta exposição será feita por ser de interesse para a compreensão da
entrada do tema do Desenvolvimento Local na estrada ora em descrição.
Como explicitado acima, a proposta, a condução e a moderação do processo participativo
de elaboração do “Plano Estratégico” da Cidade de Deus foram feitas por mim. O nome de
“Plano Estratégico”, dado ao plano que se propunha elaborar, no entanto, não foi de minha
autoria e, sim, dos representantes das organizações empresariais do Núcleo de Articulação.
Esse nome me incomodava profundamente, porque não correspondia à metodologia de
elaboração do plano proposta e, muito menos, à ideologia à qual tal expressão remete.
Na tentativa de resolver esse problema pessoal-profissional, perguntei ao grupo, ao final da
elaboração do Plano, como deveríamos nomeá-lo.
No debate gerado pela pergunta, representantes das organizações empresariais propuseram
novamente chamá-lo de Plano Estratégico. E o representante da Caixa Econômica, que
nesse momento se inseria no processo, propôs chamá-lo de DLIS.
32
Expliquei então ao grupo que o plano que havíamos elaborado não seguia nem a
metodologia do Planejamento Estratégico, nem a metodologia da estratégia de indução ao
desenvolvimento denominada de DLIS. Que essas duas expressões remetiam a concepções,
políticas, estratégias e métodos diferentes dos que tinham orientado a nossa experiência.
Que essas denominações dificultariam a compreensão do plano. E que, por isso, eu insistia
que déssemos outro nome a ele.
Logo após esse momento, recebi um papelzinho de um dos integrantes do Comitê
Comunitário, no qual estava escrito “Plano para o Desenvolvimento Comunitário em
Cidade de Deus”. Feliz com a solução proposta, a repassei ao grupo, que a aprovou sem
nenhum problema.
5 A Encruzilhada no Planejamento e Desenvolvimento Local
O debate em torno do nome do Plano da Cidade de Deus me levou a perceber como é
fundamental que todos nós, que atuamos direta ou indiretamente na resolução de problemas
das cidades, tenhamos clareza em relação às diversas propostas de desenvolvimento local
que estão colocadas na gestão (entendida no sentido lato) da cidade.
Com base nessa experiência, voltei às referências bibliográficas sobre Desenvolvimento
Local e descobri, em Martinelli (2005)13, definições de desenvolvimento local e de
desenvolvimento comunitário, do Instituto de Formação em Desenvolvimento Econômico
Comunitário (IFDEC) – um instituto canadense -, que ilustram bem o fato de que ao
adotarmos uma definição de “desenvolvimento local”, seguem nela, implícitas, uma
13 Martinelli, Dante.Desenvolvimento local e o papel das pequenas e médias empresas. Barueri, SP: Manole, 2004.
33
abordagem, concepções e estratégias de enfrentamento de problemas específicas, que trarão
conseqüências diferenciadas.
Segundo esse autor:
“Para o IFDEC, a abordagem associada ao desenvolvimento local é caracterizada pela
importância concedida à criação de empregos. As iniciativas realizadas, entre outras coisas,
estimulam a promoção do empreendedorismo privado local e de medidas de
desenvolvimento da empregabilidade da população, em um âmbito de acordos ou de
intervenções de parcerias. Visto desse modo o desenvolvimento local é concebido como:
Uma estratégia de intervenção socioeconômica através da qual os representantes locais do
setor privado, público ou social, trabalham para valorizar os recursos humanos, técnicos e
financeiros de uma coletividade, associando-se em uma estrutura setorial ou intersetorial de
trabalho, privada ou pública, com o objetivo central de crescimento da economia local”
(Martinelli, 2005:46)
Por outro lado, a abordagem associada ao desenvolvimento comunitário é baseada na idéia
de assumir responsabilidades. As iniciativas são caracterizadas por objetivos sociais
ligados aos econômicos (ainda que essa característica também esteja associada à
abordagem do desenvolvimento local), à delegação de responsabilidades, à ajuda mútua e à
busca de autonomia, entre outros. Trata-se de “um preconceito positivo sobre as formas
econômicas alternativas, empresas comunitárias, auto-gestão. Em conseqüência, o
desenvolvimento comunitário é definido como:
34
Uma estratégia global para a revitalização sócio-econômica de uma comunidade
marginalizada em que, através da valorização dos recursos locais e da utilização de novas
solidariedades, organizações e instituições controladas democraticamente por seus
representantes são criadas, facilitando a representação da comunidade em questão, diante
de instituições exteriores que influenciam a gestão dos recursos locais” (Martinelli, 2005:
46).
E foi assim que as minhas duas estradas profissionais se encontraram no tema do
Desenvolvimento Local.
6 As Trilhas Abertas – Perspectivas no Ensino, na Pesquisa e na
Extensão
Com base nessa experiência, para além de organizar disciplinas sobre Desenvolvimento
Local no âmbito da especialização, do mestrado e do doutorado no IPPUR, como já
previsto na descrição da estrada do Planejamento Urbano e Regional, pretendo realizar
cursos de extensão para lideranças comunitárias, também em torno dessa temática -
especificamente, em torno das diferenças entre desenvolvimento comunitário e
desenvolvimento local -, bem como desenvolver projetos de pesquisas sobre:
concepções de desenvolvimento, de desenvolvimento local e de desenvolvimento
comunitário dos diversos agentes econômicos, políticos, sociais que se encontram
em experiências voltadas para o “desenvolvimento comunitário”, como definido
acima em Martinelli (2005) ou para o desenvolvimento de “comunidades em
35
desvantagem social”, segundo definição de Neumann (2004: 97)14 – “comunidade
de baixa renda considerada em desvantagem por não contar com todas as condições
para desenvolver seu potencial social e econômico”;
métodos e técnicas de gerenciamento que vêm sendo adotadas na promoção do
desenvolvimento comunitário e local.
Na direção da finalização desse memorial e antes de suas observações finais, cabe
apresentar ainda a minha produção intelectual ao longo dos últimos 20 anos.
7 A Produção Intelectual
O relato da minha trajetória sugere que minha produção intelectual ao longo desses 20 anos
está ligada aos temas das pesquisas das quais participei, aos temas da minha dissertação de
mestrado e da minha tese de doutorado e aos temas relacionados ao gerenciamento de
projetos sociais.
De fato, isso ocorreu. Mas cabe destacar que os trabalhos que tiveram maior alcance e/ou
maior importância para o meu desenvolvimento intelectual foram os trabalhos derivados da
pesquisa realizada para a avaliação do planejamento dos projetos da primeira etapa do
Programa Favela-Bairro (tive um artigo publicado em um periódico alemão); e, sobretudo,
os trabalhos decorrentes do meu doutoramento, incluindo a tese – provavelmente pelo fato
de o objeto da minha pesquisa para fins de doutoramento tratar de fenômeno novo e ainda
pouco abordado tanto pela academia quanto pela sociedade em geral, qual seja: a
14 NEUMANN, Lygia Tramujas Vasconcelos e NEUMANN, Rogério Arns. Repensando o investimento social: a importância do protagonismo comunitário. São Paulo: Global; IDIS – Instituto para o Desenvolvimento Social, 2004. (Coleção Investimento Social).
36
participação empresarial na resolução de problemas sociais e relativos à infra-estrutura
urbana das cidades brasileiras, por meio de parcerias com as administrações públicas
municipais, da realização de projetos sociais ou de apoio a organizações da sociedade civil
e do Terceiro Setor que os desenvolvem.
Por essa razão, gostaria de fazer uma breve apresentação de alguns desses trabalhos.
Relatório Planejamento dos Projetos do Programa Favela-Bairro (1ª etapa) - Avaliação
Esse relatório resume os resultados da avaliação do planejamento dos projetos da 1ª etapa
do Programa Favela-Bairro, realizada com base nas análise das normas e instruções que o
orientaram; em entrevistas estruturadas com coordenadores de quatro das 15 equipes
contratadas para fazê-lo; em um workshop de avaliação, com a participação de
representantes de oito dessas 15 equipes; e de diretrizes utilizadas no âmbito de atuação da
Cooperação Técnica Alemã para a avaliação de projetos. São eles:
Uma versão do processo de planejamento dos projetos da 1ª etapa do
Programa Favela-Bairro;15
A avaliação propriamente dita.
A avaliação do planejamento dos projetos da 1ª etapa do Programa Favela-Bairro foi
realizada em resposta à iniciativa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da
Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro de financiar pesquisas que contribuíssem para a
coleta de subsídios para a reengenharia do Programa, em sua fase de expansão.
15 O grifo na palavra versão é para chamar a atenção para o fato de que o relato do processo de planejamento foi elaborado sem levar em consideração os posicionamentos de autoridades e técnicos da Prefeitura Municipal e da população residente das favelas em relação ao mesmo, porque identificar tais posicionamentos constituía objetivo de projetos de avaliação do programa coordenados, respectivamente, pela socióloga Maria Laís Pereira da Silva, do Ibam, e pela antropóloga Gisélia Potengy, do IAC.
37
Solidariedade, Fraternidade, Assistencialismo, Filantropia: valores e práticas da década
de 90?
O artigo sintetiza a minha aproximação ao tema desenvolvido no doutorado. Foi
apresentado na Mesa-Redonda Descentralização do Estado e Participação da Sociedade na
Gestão Urbana, do V Encontro Nacional da ANPUR, em 1993. Publicado nos anais do
Encontro, ainda em 1993, e, em uma segunda versão, na Série Estudos e Debates do
IPPUR, em 1995.
Apresenta o que eu considerava, na época, novos contornos da participação da sociedade
civil no enfrentamento de problemas sociais visíveis nas grandes cidades brasileiras: a
proliferação de organizações não-governamentais (as ONGs) atuando em conjunto com
organizações populares; um certo reconhecimento e valorização político-sociais do
assistencialismo, em geral, e do papel das entidades de assistência social como parte
orgânica das estratégias de sobrevivência das classes populares, em particular; a
constituição de um movimento político-social que tentava articular Estado, mercado e
sociedade civil na busca de soluções para os problemas mencionados; a resposta social
imediata a esse movimento; a multiplicação de iniciativas empresariais de "caráter social".
E, ainda, três hipóteses explicativas para esses fenômenos:
A desconfiança da sociedade civil em relação à capacidade de as instituições
governamentais resolverem os problemas urbanos.
A necessidade de mobilização de todos os segmentos, setores ou grupos da
sociedade no sentido do enfrentamento da dimensão assustadora das crises social e
urbana brasileiras, cujas conseqüências violentas escapam ao controle do Estado,
38
ameaçando individualmente e cotidianamente a vida dos membros de todos esses
grupos, inclusive os de elite.
A possibilidade de estarem em redefinição as fronteiras entre o Estado e a sociedade
civil, com esta tornando-se mais compacta; aproximando-se de si mesma;
desenvolvendo formas de ação transversais, que vão da associação formalizada à
ação comum informal, para realizar seus objetivos; reinserindo os indivíduos em
redes de solidariedade diretas.
A parceria público-privado na Gestão Urbana: reflexões iniciais
Esse trabalho, exposto na II Semana de Planejamento Urbano e Regional do IPPUR, em
1995, tinha o propósito de sistematizar reflexões iniciais sobre parceria público-privado em
cidades brasileiras, apresentando, com base na leitura de artigos de alguns autores
brasileiros: definições de parceria público-privado; justificativas existentes para o seu
surgimento em nosso País; algumas experiências realizadas; seus aspectos positivos e
negativos; e sugestões para que essa alternativa de gestão frutificasse.
39
Por que as empresas privadas investem em projetos sociais e urbanos no Rio de Janeiro?
Trata-se da publicação da minha tese de doutorado em forma de livro, em 2001, fato que
facilitou em muito sua circulação e foi muito importante para a minha inserção na área de
Responsabilidade Social e de Gerenciamento de Projetos Sociais nesse contexto.
Ela apresenta razões, formas, possibilidades, limites e riscos da participação de empresas
privadas na resolução de problemas sociais e relativos à infra-estrutura urbana da cidade do
Rio de Janeiro, com base em:
Contextualização dessa participação, tanto no processo de valorização política da
parceria público-privado em administrações públicas locais da Europa, dos Estados
Unidos e do Brasil, iniciado na década de 1980, quanto no processo de difusão de
idéias em torno da “filantropia privada”, da “cidadania empresarial”, do
“investimento social privado”, da “cidadania participativa”, da “responsabilidade
social da empresa” e da “importância do Terceiro Setor” nos meios empresariais
brasileiro e latino-americano, também iniciado na década de 1980, mas
intensificado na década de 1990.
Caracterização da atuação de empresas privadas em tal resolução.
Qualificação das hipóteses levantadas inicialmente para explicá-la (marketing
institucional, nova forma de filantropia, interesse em consolidar o Terceiro Setor no
Brasil, responsabilidade social, inovação no âmbito da política social, reações a
estímulos do governo municipal, estratégia para lidar com o impacto da violência
urbana sobre os negócios).
40
As empresas privadas na resolução de problemas da cidade do Rio de Janeiro:
possibilidades, potencialidades, limites e riscos
Esse artigo constitui o melhor resumo que fiz da minha tese de doutorado e foi apresentado
no Workshop Responsabilidade Social Empresarial no Brasil Hoje: Um Balanço,
promovido pelo Mestrado Profissional em Sistemas de Gestão e pelo Mestrado em Ciência
Política, da Universidade Federal Fluminense, dentro das atividades da pesquisa sobre
Responsabilidade Social na América Latina, do professor Felipe Aguero, da Universidade
de Miami, para a Fundação Ford, em 2003.
Projetos de Responsabilidade Social no Brasil Atual
Trata-se de um position paper exposto no I Encontro de Professores Universitários sobre
Responsabilidade Social da Empresa, promovido pelo Instituto Ethos de Responsabilidade
Social e pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG), em 2002, que
apresenta:
uma definição de Projeto de Responsabilidade Social ou Socialmente Responsável
no Brasil Atual, qual seja: Projetos de Responsabilidade Social são aqueles que
contribuem para que indivíduos ou grupos sociais que hoje não têm possibilidade
nem capacidade de fazer escolhas passem a tê-las;
uma tipologia de projetos que podem, de fato, contribuir para a realização desse
propósito. São eles: projetos voltados para a melhoria da qualidade do ensino
público; para a profissionalização de jovens e adultos em atividades para as quais
haja mercado de trabalho; para a transmissão de informações relevantes para o
exercício da cidadania; para o levantamento da auto-estima e para o
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desenvolvimento da resiliência de/em grupos estigmatizados pela sociedade; para a
orientação/apoio a famílias na educação de seus filhos; e
aspectos que devem ser considerados em sua elaboração, gerenciamento e
avaliação, como, por exemplo: os projetos devem visar promover melhorias ou
mudanças sociais sustentáveis; ter objetivos e resultados realistas, claramente
definidos e avaliados em seu alcance; e buscar ser inspiradores de políticas
públicas.
A Participação Empresarial Recente na Resolução de Problemas Sociais da Cidade do Rio
de Janeiro (A Partir da Década de 80)
Trata-se de uma apresentação em slides, realizada na Semana IPPUR, em 2002, que
atualiza o movimento de difusão de idéias em torno da “filantropia privada”, da “cidadania
empresarial”, do “investimento social privado”, da “cidadania participativa”, da
“responsabilidade social da empresa” e da “importância do Terceiro Setor”, no meio
empresarial brasileiro, detalhado na tese de doutorado, destacando como idéias mais
recentes, as idéias de “solidariedade egoísta” e de “capitalismo inclusivo”.
Parceria público-privado: alternativa plausível na resolução de problemas das cidades
brasileiras?
É um ensaio, publicado na Rede DLIS Desenvolvimento Local
(http://www.rededlis.org.br), em 2004, que consiste em uma tentativa de fazer avançar
reflexões que venho realizando, desde a elaboração da minha tese de doutorado, sobre as
possibilidades de contribuição efetiva do envolvimento de empresas privadas no
planejamento de projetos de desenvolvimento urbano, na realização de obras e na prestação
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de serviços de infra-estrutura urbana, para a melhoria das condições de vida das pessoas
que nelas residem e, particularmente, para a melhoria das condições de vida das pessoas
que vivem hoje em situação mais precária.
Nesse sentido, o ensaio apresenta:
análises de experiências concretas realizadas no período 1993-1998, na cidade do
Rio de Janeiro - período em que autoridades municipais e empresariado, inspirados
em experiências internacionais de renovação urbana, reconhecidas
internacionalmente como bem-sucedidas, difundiam a crença de que a parceria
público-privado é cada vez mais importante para a inserção competitiva das cidades
nos espaços econômicos globais e para a vida cotidiana de seus cidadãos -, quais
sejam: a elaboração do Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro e a
colaboração de empresas privadas de porte e setores/ramos de atividades diversos
na realização de obras e serviços de infra-estrutura urbana;
relatos de parcerias entre governo e empresas privadas por prefeitos de governos
que privilegiam a equidade e a justiça social nas intervenções públicas;16
o conceito de cooperatividade sistêmica, difundido pela Agência de Educação para
o Desenvolvimento (AED).
16 Esses relatos encontram-se na publicação nº. 1 do Fórum Nacional de Participação Popular nas Administrações Públicas, intitulada Poder Local, Participação Popular, Construção da Cidadania, de 1995.
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O Plano para o Desenvolvimento Comunitário em Cidade de Deus: elaboração,
implementação, desafios
Palestra proferida, em novembro de 2005, no 1º Seminário Nacional de Gerenciamento de
Projetos no Terceiro Setor, promovido pelo Project Management Institut do Rio de Janeiro,
junto com uma representante do Comitê Comunitário da Cidade de Deus, que apresenta a
elaboração e implementação do Plano de Desenvolvimento Comunitário em Cidade de
Deus, como um caso de gerenciamento de projetos no Terceiro Setor que contem
indicadores de sucesso, com base na definição do que se considera exitoso nesse contexto.
Concluindo a apresentação da minha produção intelectual, cabe registrar, ainda, que
pretendo, nos próximos dois anos, publicar um livro sobre os meus 10 anos na
Responsabilidade Social e no Terceiro Setor no Brasil.
8. Observações Finais
É com um sentimento de satisfação que chego ao final desse memorial. Penso que consegui
transmitir o que considero ser o mais relevante na minha trajetória profissional: as escolhas
conscientes dos caminhos que percorri e suas conseqüências. Escolhas essas que, em alguns
momentos, foram ousadas e arriscadas, mas das quais não me arrependo.
A única experiência relevante para a minha vida profissional não destacada nesse
documento foi a minha passagem pela graduação, talvez por ela ter ocorrido em uma área
de conhecimento que não está relacionada diretamente às estradas profissionais relatadas –a
área de Comunicação; talvez pelo fato de rejeitar completamente a instituição na qual ela
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ocorreu – uma empresa privada que via a educação como mercadoria, o aluno como cliente
e o professor como empregado do cliente.
Encerrando esse relato, gostaria de dizer que, no momento, me sinto colhendo os frutos que
plantei, concorrendo à vaga de Professor Adjunto desse concurso; e com a energia de 150
pessoas do meio empresarial e do Terceiro Setor, aplaudindo de pé, ao final do 1º
Seminário Nacional de Gerenciamento de Projetos Sociais do Terceiro Setor, às 7 horas da
noite, o relato da experiência de elaboração e implementação do Plano de Desenvolvimento
Comunitário em Cidade de Deus, feito por mim e pela pessoa mais corajosa que já conheci
- Cleonice Dias.
Gostaria de dizer, ainda, que espero que a aprovação nesse concurso, caso ela venha a
ocorrer, me dê condições de realizar as perspectivas anteriormente apresentadas e,
particularmente, as perspectivas em relação à pesquisa e à produção intelectual, às quais
pretendo me dedicar nos próximos 10 anos e das quais venho sentido muita falta
ultimamente.
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