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Melhor do que muitos pensam... 253
MELHOR DO QUE MUITOS PENSAM. QUATRODICIONÁRIOS BILÍNGÜES PORTUGUÊS – INGLÊS DE
USO ESCOLAR
Philippe HumbléUniversidade Federal de Santa Catarina
Resumo: Neste artigo comparam-se quatro dicionários bilíngües entre osmais populares no mercado brasileiro: o Longman Escolar (2002), o Ox-ford Escolar (1999), o Larousse Essencial (2005) e o Michaelis Escolar(2001). Avalia-se seu conteúdo ao nível de número de verbetes, tipo deverbetes, uso de exemplos e a adequação ao uso tanto no sentido da produçãoquanto da compreensão. Chega-se à conclusão que todos quatro são melhoresdo que muitas vezes se espera, embora algumas decisões não parecemrevelar de uma política firmemente estabelecida em alguns deles.Palavras-chave: dicionários bilíngües inglês/português.
Abstract: This article sets out to compare four popular bilingual Braziliandictionaries: Longman Escolar (2002), Oxford Escolar (1999), LarousseEssencial (2005) and Michaelis Escolar (2001). Included in the comparisonare: the number of entries, the type of microstructure and the use of ex-amples, as well as an examination of the dictionaries’ adequacy in terms ofencoding and decoding. The conclusion is that all four dictionaries arebetter than is commonly expected, even though some features do seem toreveal a lack of lexicographical policy in some of them.Keywords: English/Portuguese Bilingual dictionaries.
Introdução
Como os estudiosos sabem, uma das coisas mais surpreenden-tes dos professores de línguas, no Brasil e no mundo, é que eles
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passam vários anos estudando a gramática, o léxico e a literaturada língua que eles ensinam, mas se sentem incômodos de respon-der quando seus alunos perguntam qual dicionário eles deveriamadquirir. Esses mesmos professores possuem um ou vários dicio-nários em casa, os usam com freqüência, mas nunca parecem terse perguntado porque usavam um mais do que outro. Por quê?
Uma primeira resposta é que não abundam os estudos sobre otema. Os únicos que são quase permanentemente vigiados são oslearner’s dictionaries ingleses. Os bilíngües o são muito menos.Como dizem Bugueño e Damim (2005) num artigo que mereceuma leitura atenta: “A ausência de uma sólida tradição lexicográficano cenário brasileiro atual é uma das razões pelas quais professo-res e estudantes enfrentam dificuldades para selecionar um dicio-nário bilíngüe.”
Uma segunda explicação pela aparente ‘virgindade’ dos pro-fessores de línguas no que se refere aos dicionários seria que essessão comprados sem muito critério, ou com critérios questionáveis:presença na estante na livraria, preço, peso ou número de verbe-tes. Seriam o que Damim e Bugueño (2005) chamam de ‘os mitosque cercam o dicionário bilíngüe’. Não houve, na faculdade, muitainstrução no que se refere à educação lexicográfica.
Uma terceira resposta seria que os professores, em geral,possuem somente um dicionário, o que torna difícil a compara-ção. No caso de ter vários, os professores se resignam a usar umdicionário para uma tarefa, outro para outra, se é que os dicioná-rios não parecem muito iguais. Porque os dicionários parecemcertamente iguais, muitas vezes, ou não passíveis de serem ava-liados e, conseqüentemente, melhorados. Os dicionários pare-cem, de certa forma, ‘incomparáveis’. Dão a impressão de nãoterem autor além de um deificado Michaelis, Houaiss ou Larousse,ou se escondem atrás de nomes de Universidades como Oxfordou Cambridge. Finalmente, os dicionários parecem enormes,mesmo os ‘mini’, e compará-los é um trabalho tão desagradávele longo quanto compô-los.
Melhor do que muitos pensam... 255
É, no entanto, necessário comparar os dicionários porque elesnão são iguais. Primeiro, para poder orientar os professores que,por sua vez, vão orientar os alunos. Segundo, porque só dessa ma-neira os dicionários podem ser melhorados.
Neste artigo pretende-se avaliar quatro dicionários bilíngües deinglês entre os mais populares: o Longman Escolar (2002), o OxfordEscolar (1999), o Larousse Essencial (2005) e o Michaelis Escolar(2001). Não se trata de um artigo que esgote a questão e somentealguns itens serão avaliados: os números ‘crus’, a macroestrutura,os exemplos, o uso de córpora.
Números dos dicionários
Os dados mais chamativos e mais imediatamente avaliáveis dos dici-onários são indubitavelmente os números. No que segue damos um qua-dro do número de páginas e do número de verbetes de cada dicionário.
Oxford Michaelis Longman Larousse(1999) (2001) (2002) (2005)
Páginas 284 429 348 315Port-Ingl
Páginas 368 (+84) 389 (-40) 422 (+74) 381 (+66)Ingl-Port
Tamanho 11x18 11x15 13x18 20,5x13,5da página
Páginas 15+16 20 16+22 11+32extra
Total 684 843 796 739
Embora o tamanho não seja um critério muito sofisticado, onúmero de páginas de um dicionário dá alguma indicação sobre
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suas ambições. O Michaelis é o maior de todos os dicionários ana-lisados, mas o tamanho das páginas é o menor. O Oxford é o demenos páginas, 159 a menos do que o Michaelis. A fonte usada nosquatro dicionários é a mesma e a entrelinha também.
O número de páginas incluídas em cada direção do dicioná-rio – português-inglês ou inglês-português – é importante por-que dá indicações sobre as intenções, declaradas ou não, dosautores dos dicionários. Como Béjoint (1981) já notou nos anos80, para compreender uma língua, a macroestrutura é maisimportante do que a microestrutura. Para produzi-la, é o con-trário. Em outras palavras, para poder compreender um texto,precisamos da maior variedade possível de vocábulos na línguaestrangeira. Um usuário que está lendo um livro não vai procu-rar no dicionário palavras cujo significado ele aprendeu na salade aula. Ele vai procurar palavras menos freqüentes como“cajole” ou “caliper”. Na hora de produzir, no entanto, umaprendiz vai ter problemas com o uso, inclusive de palavrasmuito comuns como make e do. Essas, portanto, terão que sermuito bem explicadas. Isso significa que a microestrutura de-verá ser bem elaborada. O espaço dedicado a cada palavra teráque ser maior do que aquele dedicado à mera tradução de umapalavra desconhecida.
Estranhamente, todos os dicionários aqui analisados têm maispáginas na direção inglês-português, com a exceção do Michaelis,onde o contrário é verdade. Isso pareceria indicar uma maiormacroestrutura em três dos quatro dicionários no sentido inglês-português. Uma nomenclatura maior costuma ocupar mais espaçodo que uma microestrutura mais elaborada. Ou seja, três dos qua-tro dicionários estariam explicitamente voltados para um publicobrasileiro1, dando a tradução do maior número de vocábulos possí-veis em inglês e, supostamente, uma maior informação sobre ouso das palavras traduzidas para o inglês.
Sabemos que a visão do dicionário como instrumento de produ-ção de uma língua é relativamente recente. Em termos de lexico-grafia um período de 30 anos é muito pouco! Daí que um olho trei-
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nado reconhece os dicionários bilíngües mais antigos pelas entra-das curtas, ou seja, a ênfase dada na nomenclatura. O Michaelis,nesse sentido, aparenta ser de uma concepção mais antiga, semque isso implique um juízo de valor, como aparecerá na hora daanálise de outras características.
2. Número de Verbetes
No caso dos dicionários pesquisados, há uma diferença entre oOxford e o Longman, por um lado, e o Larousse e o Michaelis dooutro. Este último contaria somente 25.000 verbetes, enquanto osingleses contariam mais do que o dobro.
Dicionário Oxford Michaelis Longman Larousse(1999) (2001) (2002) (2005)
Verbetes 56.000 25.000 62.000 55.000(70.000 (75.000 (80.000traduções) traduções) traduções)
CD Sim (somente Sim (inglês- Não Nãono sentido inglês- português eportuguês) português-inglês)
A contagem de verbetes é um dado muito relativo, como sabemos lexicógrafos, porque alguns editores preferem colocar diversasacepções, ou palavras compostas de uma mesma palavra no interi-or do próprio verbete, enquanto outros preferem formar verbetesnovos. O velho problema homonímia/polissemia. Para alguns calloff faz parte do verbete call, enquanto para outros é um verbete amais. Nos casos sob investigação, o Michaelis não parece ter tan-tos verbetes a menos do que os outros dois. O número de verbetesdeclarado não condiz, ademais, com o número de páginas, já que oMichaelis é o dicionário que mais tem. Uma contagem de verbe-tes, a seguir, comprova esta afirmação.
258 Philippe Humblé
Não é sem conseqüência notar que o Oxford e o Michaelis con-têm um CD-ROM, muito prático. O Michaelis é o mais avançado,já que ele oferece o conteúdo do dicionário inteiro, enquanto o Oxfordtraz somente o lado inglês-português. Este último, ademais, nãopermite a cópia do texto para outros aplicativos.
Os verbetes ‘reais’
Quando formos olhar de mais perto para os verbetes, constata-mos que as escolhas não são idênticas. Lembramos que, desde oponto de vista do aprendiz brasileiro, o lado inglês-português é olado da compreensão e o lado português-inglês o lado da produção.Vejamos primeiro o lado inglês-português.
Inglês - Português
Partimos do principio que, nesta direção, ‘ganharia’ o dicioná-rio que oferecesse a maior número de verbetes incomuns. Entre aletra C e call, encontramos os seguintes verbetes.
Oxford Michaelis Longman Laroussec c c c
c., ca.cab cab cab cab
cabby cabaretcab-driver
cabbage cabbage cabbagecabin cabin cabin cabin
cabin classcabin crew
cabinet cabinet cabinet cabinetcable cable cablecable car cable car cable car
Melhor do que muitos pensam... 259
cable tv cable television cable television/cable tv
cache cachecackle cackle cackle
cactuscad
cadet cadet cadet cadetcadge cadgecadre
caesarean caesarean caesareancafe cafe cafe café, cafécafeteria cafeteria cafeteria cafeteriacaffeine caffeine caffeinecage cage cagecagey cagey cagey cagey
cagoulecajole cajole
cake cake cakecaked caked caked
calamitouscalamity
calcium calcium calciumcalculate calculate calculate calculate
calculating calculatingcalculation calculation
calculator calculator calculatorcalendar calendar calendar calendarcalf calf calfcaliber caliber calibre, caliber
californiacaliper calipers
call call call call
Uma primeira constatação é que o Larousse conta com 38 en-tradas entre C e call, o Longman e o Oxford 25, e o Michaelis 24.Chama, ademais, a atenção que as escolhas de Longman e Oxfordquase coincidem, enquanto o Michaelis ostenta algumas inclusõese omissões interessantes. Neste último caso, chama a atenção a
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omissão de cable, cabbage, caesarean, caffeine, cage, cake,calculator e calf, e a inclusão de cache, cajole e caliper. As pri-meiras espantam porque são muito comuns e as segundas porquesão muito incomuns. Partiu-se da suposição que um aprendiz sabe-ria o que é um cable e um cabbage, mas não o que é um caliper? Épossível que os autores do Michaelis tenham raciocinado certo,pensando que um usuário brasileiro precisaria de palavras poucofreqüentes ao usar a parte inglês-português do dicionário, e não depalavras comuns. A inclusão de palavras incomuns e a exclusão depalavras comuns, se for o resultado de uma política consciente efor uma característica consistente do dicionário como um todo, éum dado interessante e demonstraria que os compiladores têm cons-ciência das necessidades do seu público. In dubio, pro reo.
O Larousse, o mais recente, é o que mais entradas traz. É tam-bém o único a trazer informações de caráter enciclopédico(Califórnia), talvez pela tradição da editora. Esta parte enciclopé-dica parece, aliás, estar mais desenvolvida no lado português –inglês onde aparecem traduções para IPC, IPVA, IPTU e outros.
Mas não só de entradas vive o dicionário, importa ver tambémde que maneira se estruturam os verbetes. No caso de call, oMichaelis dá 2 exemplos e 16 locuções2. O Longman dá 15 exem-plos e 17 locuções. O Oxford dá 14 exemplos e 14 locuções. OLarousse 4 exemplos e 14 locuções. Mais uma vez o Michaelis e oLarousse se parecem e o Oxford e o Longman, por sua vez, tam-bém. Veremos que este esquema se repete na direção inversa. Osdicionários de editoras inglesas têm uma clara tradição britânicaque privilegia uma aprendizagem através do exemplo. Não por acasoo corpus é uma ocupação basicamente britânica. Isso dá ao Oxforde ao Longman um ar mais ‘moderno’, mesmo que esta não sejauma classificação muito científica. Alguém parece ter refletidosobre como as pessoas aprendem uma língua, que ítens podem serexcluídos e o quais devem ser enfatizados.
É claro, por outro lado, que um aprendiz que esteja procurandoum equivalente inglês para ‘IPVA’ achará o Larousse o dicionárioideal. Mas não há dúvida que não será a maioria dos alunos.
Melhor do que muitos pensam... 261
Português – Inglês
O caso da produção é bem mais difícil do que o da compreen-são. É nessa hora que as diferenças entre os dicionários aparecemmais claramente. Num caso como este que estamos avaliando, al-gumas escolhas específicas teriam que ser feitas se, como afir-mam os autores dos dicionários, o público alvo fosse realmente obrasileiro.
Oxford Michaelis Longman Laroussec c c
cá cá cá cáca (centro acadêmico)
caatinga caatingacabal
cabalístico cabalísticocabana cabana cabana cabana
cabarécabeamento
cabeça cabeça cabeça cabeçacabeçada cabeçada cabeçada cabeçadacabeça-de-casal cabeça-de-casalcabeça-de-ventocabeça-duracabeçalho cabeçalho cabeçalho cabeçalhocabecear cabecear cabecearcabeceira cabeceira cabeceira cabeceiracabeçudo cabeçudo cabeçudocabeleira cabeleira cabeleiracabeleireiro cabeleireiro cabeleireiro cabeleireirocabelo cabelo cabelo cabelo
cabeludo cabeludo cabeludocaber caber caber cabercabide cabide cabide cabide
(cabide de empregos)cabimento cabimento cabimento cabimento
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cabinacabine cabine cabine cabinecabisbaixo cabisbaixo cabisbaixocabo cabo cabo cabo
Quando investigamos o número de entradas entre C e Cabo,percebemos que o Michaelis e o Larousse contam com 24 verbe-tes, seguidos pelo Oxford (20) e pelo Longman (15).
As diferenças podem parecer pequenas, mas eu acho que sãoimportantes. As tendências da parte inglês-português se confirmam.O Michaelis e o Larousse despontam. No caso desses dicionários,no entanto, a escolha nem sempre parece justificada. É imprová-vel que um usuário iniciante queira se aventurar a formar umafrase com cabeamento, cabal ou cabalístico.
Um caso concreto: vejamos quais as locuções incluídas noverbete ‘cabeça’. Percebemos que as diferenças entre os qua-tro dicionários são notáveis. O Michaelis lista nada menos doque 32 locuções com cabeça, enquanto o Oxford traz 12 , oLarousse 11 e o Longman 7. O Michaelis se revela superior,embora seja necessário frisar que nem o Michaelis, nem oLarousse dão exemplos de uso, enquanto ambos dicionários in-gleses sim os trazem. A ênfase cai, no Oxford e no Longman,claramente na produção: não oferecem tantos dados, mas osdados são documentados. O Larousse, neste último quesito, ficana desvantagem, porque traz poucas locuções, e também nãotraz exemplos que justificariam sua ausência.
Oxford Michaelis Longman Larousse(sempre com (sem exemplos) (sempre com (sem exemplos)exemplos das exemplos daslocuções) locuções)Falta de cabeça abaixar a cabeça Por cabeça De cabeçaCabeça de alho acertar o prego De cabeça Por cabeça
na cabeçaDe cabeça andar com a De cabeça pra Passar pela cabeça
cabeça no ar baixo
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De cabeça pra aprender de Meter na cabeça Subir à cabeçabaixo cabeça algoEstar/andar com assentar a cabeça Não estar com a Cabeça friaa cabeça nas cabeça para algo/nuvens /na lua para fazer algoEstar com a cabeça de alfinete Quebrar a cabeça De cabeça a cabeçacabeça girandoEstar com a cabeça dura Tirar algo da Usar a cabeçacabeça num cabeçaturbilhãoFazer a cabeça cabeça fria De cabeça pra baixode alguémMeter / enfiar cabeça oca Fazer a cabeça dealgo na cabeça alguémNão estar bom com a cabeça Não esquentar a cabeçada cabeça para frentePor cabeça da cabeça aos pés Perder a cabeçaTer cabeça de cabeça para
baixodor de cabeçaduro de cabeçaele arrisca a suacabeçaestar de cabeçavirada por alguémeu não consigotirar da cabeçafazer a cabeça deganhar por cabeçair pras cabeçaslevar na cabeçamergulhar decabeçameter na cabeçanão cabe na cabeçade ninguémnão é bicho desete cabeçasnão estar certo dacabeçaquebrar a cabeça
264 Philippe Humblé
subir à cabeçater a cabeça nasnuvenster a cabeça nolugarter cabeçater cabeça paramatemáticausar a cabeçavirar a cabeça de
Uma conclusão geral que pode ser tirada desta comparação deverbetes é que qualquer julgamento rápido sobre a qualidade dosquatro dicionários seria precipitado. Emane deste quadro que osquatro dicionários se completam e que algo que não se encontra emum dicionário, pode estar em outro. Um perfil que, apesar dassemelhanças, começa a despontar depois desta análise, é que oMichaelis visa muito mais a completude, apesar de supostamenteter menos verbetes, do que o Longman e o Oxford, que parecemtender a uma seleção pensada no ensino da língua, não na consulta.Eles são, portanto, dicionários mais ‘pedagógicos’ do que o Larousseou o Michaelis. Este último surpreende por, apesar do tamanhoreduzido, fornecer mais informações do que os outros, embora deforma menos didática. Neste sentido o Michaelis dá a impressãode ser um dicionário para aprendizes mais avançados. Ele contémmuitas equivalências, às vezes de vocábulos menos comuns, es-quece os muito comuns, e não se preocupa em dar exemplos quepossam ajudar o usuário na hora da produção. O Larousse tambémsurpreende, mais do que nada pela seleção da macroestrutura, jáque ele conta com verbetes que não aparecem em nenhum outrodicionário. Nos verbetes comentados acima, há a presença da si-gla CA (Centro Acadêmico), que parece pensado com um públicoespecífico em mente. É, aliás, o público! Há de se observar, noentanto, que a ‘tradução’ de CA se dirige paradoxalmente a umpúblico anglófono: “centre in a Brazilian university where studentsmeet to discuss problems during their course etc.” Uma aparente
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contradição que nos faz perguntar se a política de redação do dici-onário foi bem pensada antes da compilação. A definição do públi-co alvo do Larousse talvez não tenha sido bem discutida. Reflexãoesta que nos leva ao próximo ponto.
2. O público
Todos os lexicógrafos devem se preocupar com o seu públicoalvo. Como dicionários são empreendimentos comerciais que vi-sam dar lucro, não é de se espantar que os editores de dicionáriosgostariam que o seu público fosse o mais amplo possível. Isso, noentanto, não resulta em benefícios para o usuário. Quanto mais umdicionário for concebido com um usuário específico em mente,melhor. Cada usuário tem suas necessidades e um dicionário podeoferecer informações de menos ou demais. Em nenhum dessescasos, o dicionário cumprirá sua função da maneira mais adequa-da. Como se dá esta circunstancia nos dicionários estudados?
Ao contrário dos dicionários mais antigos, os dicionários publi-cados nos últimos dez anos costumam explicitar mais claramente opúblico ao qual se dirigem.
O Longman diz na capa que contem “todas as palavras e frasesque os estudantes brasileiros necessitam em seus estudos e todasas palavras e frases da língua portuguesa das quais eles precisamdo equivalente para se expressar em inglês”.
O Oxford afirma: “O único dicionário bilíngüe de bolso queatende às necessidades específicas do estudante brasileiro.”
O Michaelis: “Este dicionário foi especialmente criado para osbrasileiros que estudam a língua inglesa”.
O Larousse é mais específico: “Ele atende tanto a estudantes dalíngua inglesa, seja em casa ou na escola, quanto às necessidades de umprofissional em seu ambiente de trabalho ou em viagens ao exterior.”
É notável que os quatro dicionários declaram se dirigir especifi-camente a um público brasileiro, indo contra a tradição
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lexicográfica européia que costuma fazer dicionários bilíngüesdirigidos a dois públicos. Nesse sentido os dicionários brasileirossão mais avançados do que os europeus. Agora seria preciso verse o que os dicionários afirmam nas suas cartas de apresentaçãoé o que eles realmente fazem. Quais são as necessidades dosaprendizes brasileiros ao usar um dicionário escolar bilíngüe in-glês? São mais do que nada duas: entender textos que vão de sim-ples a complicados, e produzir textos relativamente simples,embora corretos. Se formos pesquisar em verbetes concretos dosdiferentes dicionários, o que encontramos que corresponda a es-sas necessidades?
Compreensão. Um caso concreto.
Para simular um caso específico de uso, selecionei aleatoria-mente um trecho de Dr. Jekyll and Mr. Hyde de Robert Stevensone tentei imaginar quais palavras o aprendiz brasileiro procurariano dicionário. O conto começa da seguinte maneira:
MR. UTTERSON the lawyer was a man of a rugged counte-nance, that was never lighted by a smile; cold, scanty andembarrassed in discourse; backward in sentiment; lean, long,dusty, dreary, and yet somehow lovable. At friendly meet-ings, and when the wine was to his taste, something eminentlyhuman beaconed from his eye; something indeed which neverfound its way into his talk, but which spoke not only in thesesilent symbols of the after-dinner face, but more often andloudly in the acts of his life.
As palavras negritadas são as que poderiam causar problemas.Os dicionários os tratam da seguinte maneira:
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Transparece desta breve comparação que os diferentes dicioná-rios tratam as mesmas palavras de maneiras diferentes. O
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268 Philippe Humblé
Michaelis é o mais profícuo. Ele lista o maior número de equiva-lências. Nele, há 13 traduções para rugged, comparado com 3 noOxford, 2 no Longman, e 3 no Larousse. O Michaelis também é oúnico que nos dá uma opção aceitável para a combinação ruggedcountenance como aparece no conto, e no caso de beacon, ele é oúnico dicionário a dar uma tradução. Isto o caracteriza como umbom dicionário de compreensão.
Vale a pena assinalar que os quatro dicionários mencionam co-locações, embora de maneira diferente e de tipo diferente. Assim,o Michaelis menciona duas colocações no caso de backward, ambaspertencendo ao mundo empresarial. Oxford e Longman mencio-nam backward glance. O Larousse sistematicamente menciona eti-quetas para as palavras procuradas, o que por vezes é uma formade oferecer colocações.
Concluindo, pode-se dizer que o Michaelis é um dicionário decompreensão e que os três outros se dirigem a um público de apren-dizes brasileiros interessados também em aprender a língua ativa-mente. O Larousse, com as etiquetas em inglês, parece dirigido aum público mais avançado.
Produção
Aqui pesquisei de que maneira os dicionários ajudam o usuáriona produção do inglês. Redigi uma tabela baseada no texto seguin-te. Esta vez só mantive as palavras do verbete que mais se aproxi-mavam à palavra desejada (os comentários em itálico são meus).
Cuidados simples e caseiros podem umidificar o ar dentro decasa e aliviar os sintomas provocados pelo ar seco. Oproblema, causado pela estiagem, tem piorado a qualidadedo ar em todo o Estado de São Paulo, onde não chove desde osúltimos dias 9 e 10. (Folha de São Paulo, 25/07/2006)
Melhor do que muitos pensam... 269
Oxford Longman Michaelis Larousse
cuidado Care (com Care (com muitas precaution carealguns exemplos) explicações)
caseiro Home-made Homemade Home-made Home-made
aliviar To relieve To relieve To alleviate, To relieverelieve, lessen
provocar To cause To cause To cause To provoke
piorar To get worse To get worse To worsen, To deteriorateto make or to
become worse
Aparentemente os dicionários oferecem alternativas compará-veis. Porém, algumas diferenças saltam à vista. No caso de cuida-dos unicamente o Michaelis dá uma alternativa plausível, emborasomente alguém com domínio razoável do inglês reconhecerá en-tre a multidão de alternativas a palavra certa. O Longman e o Oxforddão menos alternativas, mas para essas palavras esses dicionáriosdão exemplos de uso. Nesse aspecto, o Larousse é o dicionáriomais pobre. Destaca-se o Michaelis novamente, no sentido de ser odicionário que mais equivalências oferece e, em alguns casos comopiorar, também um número considerável de colocações. Nenhumdos dicionários, no entanto, seria por si só suficiente para traduzireste trecho de jornal num inglês totalmente correto.
Informação gramatical e cultural
O pequeno Michaelis, mais uma vez, não perde para os grandesirmãos na hora dos comentários gramaticais, das caixinhas queexplicam uma ou outra distinção entre palavras parecidas ou falsosamigos. Na letra C encontramos sete notas explicativas no Michaelis(can, casual, casualty, chairman, combine, comprehensive,construct). No Larousse achamos sete (can, carton, casual, cigar,collar, college, costume). No caso do Longman seis (can, candy,
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college, color, could, cup), e no caso do Oxford três (can, conduct,continual). O fato do assunto destas notas não coincidirem me sur-preendeu. Somente can aparece comentado nos quatro dicionários.Os outros são diferentes. Uma conclusão: os dicionários se copiammenos do que se comenta. Uma pergunta: será que a escolha dosaspectos a serem comentados é aleatória?
No que se refere à qualidade das notas explicativas, esta é desi-gual. Há um único caso comparável, o de can. O comentário ébastante bom no caso do Longman e do Michaelis, razoável no casodo Oxford e um pouco menos satisfatório no caso do Larousse. Umestudo mais detalhado poderia revelar se há uma política editorialpor trás dos comentários explicativos, ou se esta é deixada a crité-rio dos lexicógrafos.
Informação fonética
A informação fonética, pela sua presença ou não, revela as in-tenções dos editores.
Transcrição fonética do: Oxford Longman Michaelis Larousse
Português Não Não Sim Sim
Inglês Sim Sim Sim Sim
Como pode ser constatado, novamente há dois grupos: Oxford eLongman de um lado, Michaelis e Larousse, do outro. Num dicio-nário dirigido a um público brasileiro a transcrição fonética do por-tuguês como aparece no Michaelis e no Larousse obviamente não énecessária. Isso não quer dizer que o resto do dicionário não foiconcebido com este público em mente. Só significa que se pensoutambém em vender alguns exemplares a falantes de inglês.
O Oxford e o Longman não tiveram esta preocupação e por issoconvencem mais como sendo obras de referência preocupados uni-
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camente com o público brasileiro. Um estudo mais aprofundadoteria que confirmar ou não estas primeiras conclusões.
Conclusão
A conclusão à que se chega depois desta primeira análise é que,em termos de dicionários escolares, os alunos brasileiros estãorelativamente bem. Há pelo menos quatro dicionários a preçosacessíveis que são todos sérios, de ótimo nível. É sem dúvida pos-sível criticar todos eles (mas nada é mais fácil do que criticar umdicionário).
O Michaelis, provavelmente o mais popular entre os dicionári-os pesquisados, não se revela uma má escolha. Embora afirme termenos verbetes do que os outros três, ele aparenta ter mais do quedeclara. Uma estranha constatação. É um dicionário feito com muitoconhecimento, mesmo se mostrando o mais tradicional. Os dicio-nários Oxford e Longman se parecem em certos aspectos, masdiferem em outros. Eles são os mais modernos dos quatro. Nãopor acaso eles são os únicos que mencionam o uso de um corpus,embora não esteja totalmente claro de que maneira este corpus foiusado. São os dicionários que mais se preocupam com o aspectodidático. O Larousse, finalmente, se destaca por oferecer equiva-lências de palavras que nenhum dos outros dicionários ostenta.
Esta pesquisa é certamente parcial e o trabalho de muitas pesso-as, muitas vezes durante muitos anos, merece que estas obras deconsulta se estudem de maneira mais detalhada. Falta incluir nestapesquisa a avaliação das políticas lexicográficas de cada um destesdicionários para averiguar se eles foram feitos, como diria MariaCristina Parreira da Silva, seguindo “critérios predeterminados dentrode uma base teórica, para que recebam um tratamento homogêneotanto na macro quanto na microestrutura”. (Parreira, 2006:34)
Resumindo, cada um desses dicionários tem alguma coisas aoferecer que o outro não oferece e os resultados foram, para mim,
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surpreendentes. Cada um deles representa, por um preço modes-to, uma obra de consulta feita com muita seriedade.
Bibliografia
1. AMARAL, Vera L.. Análise Crítica de Dicionários Escolares Bilíngües Espanhol-Português: Uma Reflexão Teórica e Prática. (Tese de Doutorado em Letras, UNESP,Assis.) 1995.
2. BÉJOINT, H. The foreign student’s use of monolingual English dictionaries: Astudy of language needs and reference skills. Applied Linguistics II,3: 207-222.1981.
3. DAMIM C., BUGUEÑO MIRANDA F. Elementos para uma escolhafundamentada de dicionários bilíngües português/inglês, em Entrelinhas Ano II, n°3, set/dez 2005 disponivel em: http://www.entrelinhas.unisinos.br/index.php?e=3&s=9&a=18, 2005.
4. PARREIRA M. C. Lexicografia bilíngüe: uma verificação dos substantivosmais freqüentes em dicionários bilíngües francês-português e português-francês emNUNES DE OLIVEIRA LONGO B. e DIAS DA SILVA B. C. (org.) A construçãode dicionários e de bases de conhecimento lexical, Cultura Acadêmica, UNESP,Araraquara, 2006.
5. SCHMITZ, J. R. A problemática dos dicionários bilíngües. In: OLIVEIRA,A. e ISQUERDO, A. N. (org.), p. 159-168. 1998.
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Dicionários pesquisados
MICHAELIS Dicionário escolar inglês-português / português-inglês, Melhoramentos(créditos: Ivanete Tosi Araújo Silva, Jeferson Luis Camargo, Maria Thereza ParreiraStetner, Sérgio Ifa, Guiomar Therezinha Gimenez Boscov), São Paulo, 2001.
OXFORD Dicionário escolar para estudantes brasileiros de inglês, Oxford Uni-versity Press, 1999.
LONGMAN Dicionário escolar inglês-português / português-inglês, (créditos: Ritade Cássia Marinho Bueno de Abreu, Claudia Maria de Souza Amorim, SusanaD’Avila, Heloisa Gonçalves Barbosa, Robert Clevenger, Regina Lyra, KathleenMicham, José Ferreira Newman, Adalgisa Campos da Silva, João Mario Werner.Harlow, 2002.
Gálvez, J. A. (Coord. Ed.) LAROUSSE Essencial Dicionário inglês-português /português-inglês, Larousse do Brasil, São Paulo, 2005.