Maués, Sheila. 'Percurso Visual Da Poesia Ou a Diacronia Do Moderno Poético' (Artigo) - ZUNÁI- Revista de Poesia & Debates (2009)

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O uso plástico da palavra é um velho desejo estético dos poetas. Dos vestígios distantes às manifestações contemporâneas, o percurso visual da poesia denuncia agudas investidas nas possibilidades expressivas das combinações intersígnicas.

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    ZUNI Revista de poesia & debates[ retornaroutros textos home ]

    PERCURSO VISUAL DA POESIA OU

    A DICRONIA DO MODERNO POTICO

    Sheila Maus

    Cantando espalharei por toda parte,Se a tanto me ajudar o engenho e arte.

    Lus de Cames. Os Lusadas, Canto I, versos 15 e 16)

    O uso plstico da palavra um velho desejo esttico dos poetas.Dos vestgios distantes s manifestaes contemporneas, o percurso visual dapoesia denuncia agudas investidas nas possibilidades expressivas dascombinaes intersgnicas.Na ambgua floresta de signos da linguagem, resvaladia a poesia fixa o olho nopoema e no poeta. A Musa no d pra qualquer um. Sempre foi assim, os bardossabem disso, os crticos no. Difcil para putos preguiosos entenderem que nemsempre a poesia ser cativa da semitica verbal. A poesia no se vende, antes,se d, se abre lasciva e falsa quele que oferecer, outra moeda, a inveno, ainteligncia de uma arquitetura potica fora do convencional. A poesia curtida, meu bem.A plstica do poema preocupao antiga, fundamental. O artista sempreesteve subalterno ao, mas nem sempre escravo do formato do texto potico.Todos os seus modos concentraramse na organizao visual de seus textos emum inquietante jogo criativo entre tradio e ruptura.A visualidade da poesia uma questo diacrnica. Forma clssica, parnasiana,vanguardeira, concretista, digital, nada disso adianta, quem decide Ela. Ela eos tempos, os gostos, os temperamentos e as tecnologias.Talvez seja por isso, que poucos se arriscam a criar uma definio para o termopoesia visual. Mas os De Campos mandaram avisar que poesia risco... Seaceita a provocao especulando que poesia visual, assim entendida, amensagem passada pelo arranjo intersignico organizado pelo artista. umconceito valise que comporta possibilidades visuais sem fim. No h limitespara a arquitetura potica, nem mesmo os teraputicos, recomendados pelacrtica (carcinomatosa) do momento.O termo poesia visual ele mesmo um embuste, uma vez que todas as mentescriativas tentaram atingir formas inventivas em funo de poticas diversas.Hoje se fala em poesia visual como resultante da interseo entre poesia e aexperimentao visual pela utilizao de signagens simultneas. Essa dicocontempornea atribui ao conceito de poesia visual falso ar atual.A idia de novidade, em visualidade potica, parece sedutoramente ligada aosculo XX, no entanto, sabemos que em arte o conceito de novo relativo,no caso especfico da plasticidade visual do verbo potico, ainda maisimportante rever conceitos endurecidos e refletir a propsito do que chamamosaqui de diacronia do moderno em poesia visual.O presente uma utopia que confere ao conceito de moderno uma noo demomento de distino substancial com relao aos perodos anteriores. Deacordo com Philadelpho Menezes (2001), essa ideia de distino tanto pode ser

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    de notvel desenvolvimento como de ruptura radical com o passado[1].Embora no seja objetivo nosso conceituar o moderno, uma vez que grandespersonalidades do pensamento humano j o fizeram, nosso interesse estendero termo surgido ainda no sculo XVIII, conformado no sculo XIX e definindocomo o entendemos hoje no sculo XX a momentos de criao potica cujoselementos caractersticos importantes revelam uma natureza em comum tantocom a noo de tradio quanto com a de progresso e ruptura num jogo entrecontinuidade e descontinuidade. Aqui consideramos o moderno um conceitoplstico, ideia ligada ao mesmo tempo estabilidade e relatividade. Sob esseponto de vista, a poesia visual, alimentase ao mesmo tempo de repeties ediferenas na busca sempre renovada da expressividade potica. O modernono poca, modo prprio da imaginao, do pensamento, da enunciao,da sensibilidade, como define Lyotard (1987).O primeiro poema visual de que se tem notcia, no mundo ocidental data de 300a. C., no reinado de Ptolomeu I. Em uma pequena ilha chamada Simi, anordeste de Rodes, o poeta Simmias de Rodes construiu um poema em forma deovo cuja leitura imprime simultaneidade mensagem potica (O 1 verso aprimeira linha, mas o 2 a ltima linha e o 4, a antepenltima, sendo que oltimo verso ocupa o eixo central do poema). O poema foi chamado de O Ovo,o texto fala do nascimento de Eros a partir de um ovo primordial, o Caos. OOvo o primeiro poema cuja forma atinge o significado, causando uma curiosasensao de simultaneidade. O que chama ateno a concepo visual eexperimental da palavra potica, o desafio do jogo, do movimento e doconceito. Do mesmo poeta h uma sequncia de poemas em forma de coisa,como o poema Asas de Eros e O Machado. Nesses poemas se conjugam forma,palavra, ritmo e poesia.

    O Ovo, de Simmias de Rodes Asas de Eros, de Simmias deRodesO Machado, de Smias deRodes

    Ainda na antiguidade grega h dois poetas que experimentaram com avisualidade da palavra, Julius Vestinus, Dosadas, Tecrito.

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    O Altar, de Julius Vestinus Poema de Dosadas Poema de TecritoNo sculo IV, Porfyrius Optatianus cria um rgo de palavras, um poema quemimeticamente recria um rgo hidrulico. Em relao estrutura, bem aogosto dos futuros concretistas o texto projetado minuciosamente tendo 26linhas verticais, sendo que cada verso acrescido de uma letra no topo,atingindo, desse modo, o ltimo verso o dobro do tamanho do primeiro.Simulando o teclado, um verso horizontal transpassa o poema, logo abaixo, 26versos menores simulam a base do instrumento. Essa disposio dita um ritmopotico diferente interferindo no tempo de leitura e no espao do poema nopapel.

    Carmina Figurata(rgo Hidrulico)

    Carmina Figurata(A garrafa)

    Os poemas, dos primeiros sculos cristos, exploram as formas (asas, coraes,altares, instrumentos, cruses, anjos, garrafas, etc.). Eles estabelecem o modelobsico para a maior parte da poesia figurada que se produziu ao longo da IdadeMdia e Renascimento, quando a cultura ocidental revive o pensamento daantiguidade grega. Esses poemas mimticos de origem grega ficaramconhecidos como carmen figuratum ou carmina figurata. A ousadia visualdesses textos esteve desde sua origem ligada a temas sublimes religiosos e decarter mstico.No comeo da Idade Mdia, Venncio Fortunato, do sculo VI d.C. introduz emseus textos, conceitos de simetria e geometria, ao dar ao poema a forma decruz, smbolo de cristandade e reconciliao com Deus:

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    Poema de Venncio FortunatoSob influncia de Venncio Fortunato, a produo do monge beneditinogermnico Hrabanus Maurus se notabiliza por tratar a temtica da criaodivina de forma muito particular. Seu conjunto de 28 poemas, intitulados de DeLaudibus Sanctae Crucis enigmaticamente cifrado como em disposiogeomtrica mesclando imagem e texto verbal. Suas possibilidades de leitura somltiplas porque os versos so inseridos de modo independente, se pode ler otexto como um todo ou em quadros separados que, por sua vez, encerrampoemas a parte. Ele construiu um sistema de cdigo de 36 versos que continham36 letras espacializadas uniformemente em quadrantes. Sua linguagem erasimples e logo se tornou popular. Alguns estudos sobre as HQs apontam o poetacomo iniciador da tcnica de comunicar em quadros.

    Poema de Rbano Mauro Poema de Rbano MauroO modelo de Hrabanus diferente do carmina figurata porque amplia autilizao da palavra figurada para a palavra que se quer icnica cujos signosde diferentes signagens se possam fundir. A potica do monge germnicoaproximase das transgresses renascentistas, em especial do ludismo e dolabirinto verbal barroco alm do geometrismo dos concretos. Contemporneosde Hrabanus ainda praticam a carmina figurata como o visigtico Teodolfo e oprovavelmente africano Publins O. Phorphyrius.Do incio do sculo XVI at meados do sculo XVIII, momento que correspondeesteticamente ao Maneirismo e ao Barroco, depois de um perodo de certadesvalorizao do visual na poesia consequncia da repetio exaustiva e banalde recursos figurativos dse a redescoberta daquela poesia, revestida deexuberante inventividade pictural exercendo efeito mgico e encantatrio pelainstabilidade tipicamente maneirista/barroca. A contextura paradoxal dapoesia visual barroca funde numa mesma pea potica, ludismo e rigor

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    matemticocombinatrio, num arranjo visual que aceita todas as colaboraespossveis do acaso, antes mesmo de Mallarm e John Cage. Desse modo, apoesia maneirista/barroca estabelece dilogo prodigioso com Oswald deAndrade, os Concretos e com a Poesia Experimental contempornea uma vezque usa a visualidade, que herda de sua tradio cultural, como artifcio doofcio potico, como forma de recusa de descontinuidade e no de repetio, aprova disso que recursos j desgastados como anagramas, acrsticos, textosamuleto so oxigenados criativamente dando lugar a verdadeiros labirintospoticos que se multiabrem em possibilidades significativas. Uma vastaantologia, em lngua portuguesa, dessa visualidade pode ser verificada em AExperincia do Prodgio de Ana Hartherly onde figuram o corpus visual doseiscentismo portugus. Como no barroco portugus, no barroco baianopercebese a tentativa de acordar o leitor para uma forma de leitura mais livre,uma reformulao do olhar para a apreciao do objeto literrio.

    Labirinto de Letras, de Luis TinocoAnagrama arithmtico de LuisTinoco Labirinto Cbico

    No Labirinto Cbico[2]de Anastcio Ayres de Penhafiel [3] (Barroco Baiano) issoacontece:

    Labirinto Cbico de AnastcioAyres de Penhafiel. Sculo XVIII.

    No poema de Anastcio, a clssica dicotomia barroca de claro/escuro,humano/divino ampliada no corpo da prpria obra. Esta consiste de umperptuo jogo de contrastes entre a forma e o contedo, ao que ambos seinterpenetram para na tenso criar o poema uma sntese potica. Aqui afrase latina que significaria algo como nos dois sentidos de Csar a chavepara entender a multiplicidade de caminhos possveis de se caminhar atravs dolabirinto. O leitor pode ler a mesma frase de varias maneiras. A cada letra elepode optar por caminhar entre dois caminhos, continuar reto ou virar. Hsempre dois caminhos a seguir da letra em que ele se encontra para a prxima;formando uma diversidade de caminhos a serem trilhados. (Otvio Guimares,2007). De acordo com a matemtica do poema, a letra i a hipotenusa quedivide as bases angulares do poema, enquanto a frase in utroque Csar (em umoutro Csar) repetese linha a linha, como se estivesse girando. Hconformao evidente entre a disposio do signo verbal e geomtrico, porintermdio de certa gestalt matemtica que se d pela explorao de ngulos e

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    obtusas. H, assim, estrutura de aparncia especular que inverte a significaodas partes destacada pela direo de leitura dos ngulos retos:Canto superior direito A leitura no sentido horrio sugere o Csar grego,modelar, original, paradigmtico.

    S A RE S AC E S

    Canto inferior esquerdo A leitura no sentido antihorrio j espelha o outroCsar, o baiano, a cpia, o reflexo.

    S E CA S ER A SNo poema, o plano grfico marcante, sua tessitura criada pela forma fsicadas letras compondo uma imagem que tambm d significao ao poema. Apalavra ganha movimento atravs dos versos. A partir dessas premissas,podemos considerar que a visualidade faz do Barroco uma estticaintersemitica que conjulgase a outros cdigos (GOMES, 1993), um jogo de(des/re)montagem de peas e formas verbais cannicas como o soneto e asformas picturais elementares (crculo, retngulo, quadrado) dando origem auma terceira linguagem subversiva dos cdigos primeiros.O jogo tenso entre tradio e inovao se prolonga passagem da Idade Mdiaao Renascimento. Alm dos poetas barrocos, Petrarca, consideradohistoricamente como restaurador das formas poticas antigas gregas, o poetadas formas perfeitas rigidamente clssicas, mesmo nele se encontraexperimentalismos com os corpos tipogrficos das letras que se alternam entrecaixas alta e baixa numa metalinguagem marca de uma conscincia delinguagem muito alm de qualquer conceito de moderno.Soneto VQuando eu movo os suspiros a chamarteE o nome que o Amor ao peito imps,LAUreando me vem aquela voz,Em puros doces sons, de qualquer parte.Teu estado REal que assim vislumbroRedobra a alta empresa o meu valor:Mas, cala, griTA o fim, fazerlhe honor soma que no pode sobre os olhos(...)Destacase visualmente nas entrelinhas um chamado a amada LAURA pelodestaque, em caixa alta, do diminutivo LAURETA. A experincia visual fazemergir do poema outra voz, uma leitura paralela, um significado outro quepoderia no ter sido revelado.O experimentalismo do carmina figurata atravessa todo o Renascimentosobrevivendo como influncia em poetas da modernidade como Apollinaire.Como j vimos, as tcnicas de acrstico e anagrama no podem serconsideradas novidade no contexto renascentista, j que quase todos os jovenspoetas escreviam poemas com os nomes de suas amadas. Em Petrarca, contudo,o acrscimo sensvel e pessoal a esses aportes retiraos da obviedade. NoSoneto V, acima traduzido por Philladelpho Menezes, o acrstico diluise portodo o poema deixando de ser simples maneira, adereo formal ou merorequinte tcnico para tornarse dado significativo vinculado temticapassando a noticiar certa dificuldade de expresso do nome da amada fazendoda voz do poeta um elemento digno de enaltecer a mulher fugidia como seunome espalhado pelo texto: LAU RE TA...

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    Em relao tradio do carmina figurata, Petrarca no representa temareligioso, Cristo ou outro deus mtico, mas uma mulher representada pelaescrita visual ferindo de um golpe s duas tradies: de reservar poesialinguagem sria e procedimentos cannicos e, de outra parte, utilizar poemasfigurativos com temticas mundanas, a mulher. H em Petarca o quePhiladelpho Menezes chama de casamento entre forma e contedo,tradicional e novidade que refora a idia de modernidade.Do sculo XVI ao XVIII poetas como o ingls George Herbert (1593 1633) eFrancis Quarles (1592 1644) transitam pelas formas geomtricas construindopoemas mimticos. A tradio da escrita figurada se manteria firme at osculo XVIII, na Alemanha h o registro desse costume no livro Arte deescrever, de Baurefeld, 1736.

    EafterWings, George Herbert A Arte de Escrever, Baurefeld, 1736.A visualidade, ainda no sculo XVIII, vai encantar a William Blake (1757 1827)que revive a iluminura manuscrita, medieval mesclandoa com textoscaligrficos, ilustraes e tipografias de formas e cores diversas. Taiselementos na potica de Blake assumiam presena ativa e revolucionria, opoeta encarava a visualidade como veculo para a verdadeira revoluoimaginativa verbal. As imagens que Blake compunha no eram repeties docontedo dos textos, para ele representavam parte do corpo potico. A leiturade seus textos deveria seguir o percurso dado pela viagem verbovisual de suapoesia.

    Poema de Blake Poema de BlakeNo Brasil o romntico Fagundes Varela (1841 1875) tambm explora a relaoentre forma e contedo:EstrellasSingelas,Luzeiros

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    Fagueiros,Esplendidosorbes, queo mundoaclarais!Desertos emares, florestasvivazes.Montanhasaudazes queo cotopetais!AbysmosProfundos!CavernasEternas!Extensos,Immensos!EspaosAzues!Altares ethronosHumildes esbios,soberbos egrandes!Dobraivosao vultosublime dacruz!S ella nosmostra dagloria ocaminho,S ella nosfalla dasleis Jesus!

    Poema A Cruz, de Fagundes

    Varela

    Carto postal antigo. Editor/publisher M. OROZCO, Rio de Janeirocirca, 1904

    Mas o grande marco divisor de guas da poesia visual Un Coup De Ds (UmLance de Dados) de Mallarm (1897), poema de estrutura fragmentria que opoeta chamou de subdivises prismticas da idia, subtamente influenciadopela tipografia do jornal e pelas partituras musicais. Mallarm conferematuridade ao dado visual aprimorando a visualidade da letra e fazendo dobranco do papel elemento significante. O livro aproveitado por inteiro, nadupla pgina, o poema se movimenta regido pela disposio das palavras, pelostipos grficos e suas diferentes dimenses e pelos brancos da pgina. O leitor convidado navegar de forma simultnea pelos caminhos de fluxo e refluxo dopensamento criativo. Mallarm o regente dessa viagem de letras, tons,pausas, silncios e intervalos. Ele instala a ruptura pela forma, depois de UmLance de dados, jamais haver retorno.

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    Un Coup De Ds (Um Lance de Dados) deMallarm (1897),

    Augusto de Campos lembra em Poesia da Recusa que nessa obra e nosdesenvolvimentos subsequentes das vanguardas histricas, que vo serreciclados e radicalizados pela poesia concreta, encontramse os pressupostosformais da poesia da Era Tecnolgica, que se expande ao longo da segundametade do sculo. O autor diz ainda que alm de Mallarm das vanguardas oque entendemos por poesia visual hoje teria como precedentes, Ezra Pound (o"mtodo ideogrmico", a colagem e a metalinguagem dos Cantos), James Joyce(o caleidoscpio vocabular do Finnegans Wake e sua polileitura textual),cummings (a atomizao e o deslocamento sinttico dos seus poemas maisexperimentais) e, num segundo plano, por mais idiossincrtica e menosrigorosa, a prosa experimental, minimalista e molecular, de Gertrude Stein. Nocaso particular da poesia brasileira, o Sousndrade (sc.19) de O Inferno DeWall Street, com seus epigramasmosaicos prcolagsticos, Oswald de Andradee o poemaminuto "antropfago", a engenharia construtivista de Joo Cabral.Numa considerao transdisciplinar, menciona as transformaes da linguagemmusical de Webern a Cage e da visual de Malvitch/Mondrian a Duchamp queteriam afetado profundamente a questo visual.Apollinaire um caso a parte nesse percurso. Ele criou o termo Caligrama nosanos de 1910 para designar poemas calligramticos (texto em forma de figura)que imitam a imagem do objeto representado. uma estrutura externa aopoema, as imagens no partem de dentro para fora do poema como emMallarm, elas assumem forma do recipiente, mas no provoca modificaesprofundas nas palavras. Mesmo assim dele o mrito de ter sido o primeiro aexplicar o poema espacial, na nova ordem potica, atravs da noo deideograma: a ligao entre os fragmentos do poema farseia, no pela lgicagramatical, mas pela lgica ideogrfica, que culmina numa ordem de arranjoespacial totalmente diversa da justaposio discursiva, sequencial e linear.

    As experincias das Vanguardas Europias como o Futurismo e o Dadasmolibertaram a palavra revolucionaram pela tipografia e lideraram a batalhacontra a priso do verso. Seu impulso era de ruptura com a linearidade dalgica cartesiana. A visualidade Dada era ela prpria o ato revolucionrio, sua

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    potica no tem a funcionalidade interna que tinha a de Mallarm, os caminhosdadastas levam concepo niilista do texto literrio. O dadasta Hans Arp, noentanto profetiza a poesia concreta quando afirma que o Dadasmo no temintenes sentenciosas ou didticas. De fato, tambm os concretistas viriam adefender a ideia de que o poema concreto se apresenta ao leitor como obraaberta, resultado de uma tradio histrica ativa de inveno, que exige doleitor uma interveno criativa, uma (co)participao na criao dos sentidospoticos.

    No Futurismo, a visualidade mais mecanicista e poltica, h pouco rigorconstrutivo, desprezo aos valores semnticos (zaum, lettrisme, poesiafontica). Os experimentos de vanguarda pem em desigualdade constante osnveis verbais, sonoros e visuais do poema.

    No Brasil da dcada de 50 um grupo de jovens poetas paulistas decreta o fim dociclo do verso, desvinculando a arte potica das variedades e hibridizaes donaturalismo. Era o concretismo na poesia, primeiro movimento literriobrasileiro com reconhecimento internacional cujos criadores foram os poetasHaroldo de campos, Augusto de Campos e Dcio Pignatari. O movimentobuscava a renovao dos valores essenciais das artes visuais num momento psutpico, propondo uma linguagem potica ideo grmica que fundia espaotempo, movimento e matria. A forma do texto poderia ser o prpriosignificado do texto ou interferir plurisignificativamente nele como no poemaSe Nasce/Morre de Haroldo de Caps:

    se nasce morre nasce morre nasce morre renasce remorre renasce remorre renasce remorre re

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    re desnasce desmorre desnasce desmorre desnasce desmorre nascemorrenasce morrenasce morre seA forma ideogrmica de nascemorre sugere desdobramentos vrios de leituranas mais diversas direes. O poema movimentase em redobramentos edesdobramentos dos signos que levam idia de um fluxo de vida e morteconstante. A visualidade de cada uma das partes do poema a o do smbolomatemtico do infinito, uma bela metfora do ciclo infinito de vida e morte dohomem e suas criaes, como o prprio poema.A escrita pictrica de inspirao oriental se mescla ao elemento tecnolgicocriando necessidades visuais que s poderiam ser resolvidas mecanicamente,modificando sobremaneira o prprio ato criador, cada vez menos artesanal emais tcnico. Os poetas concretos so antes de tudo designers de palavras e desonhos. Em Organismo (1960), Dcio Pignatari cria um poema em que atipologia o prprio significado ao criar a sensao de movimento (closeup)causada pela mudana de tamanho dos tipos grficos.

    A Poesia Concreta para muito alm do elemento visual propunha uma espciede arte geral da palavra:A expresso joyceana verbivocovisual sintetiza essa proposta que, desde os anos1950, foi colocada em prtica pelos poetas Augusto de Campos, DcioPignatari, Haroldo de Campos, Jos Lino Grnewald e Ronaldo Azeredo,desdobrandose at hoje, ao longo de mais de cinco dcadas de produo emsuportes e meios tcnicos diversos livro, revista, jornal, cartaz, objeto, lp,cd, videotexto, holografia, vdeo, internet.(...) Os poetas concretosestabeleceram, desde o incio, ligaes entre a sua produo, a msicacontempornea, as artes visuais e o design de linhagem construtivista.Reprocessaram elementos dessas artes em seus poemas e mantiveram extensacolaborao com artistas e designers, compositores e intrpretes, seja na esferada msica erudita, seja na da msica popular, sem falar de outros poetas ecrticos, tanto do Brasil quanto do exterior. [4]O conceito de poesia visual, ainda por criar, deve partir da reviso deapreciaes histricas, para considerar o todo. Poesia visual poesia livre, dizer como nunca foi dito, sem pudores de invadir territrios artsticos visinhosou cdigos impensados. Poesia visual formar por formar, quer escreva,desenhe, cole, pinte, digite, publique ou emoldure; quer construa por clculos,projetos ou acredite em inspirao, instinto, acaso. O essencial que hajapoesia.Mas se por um lado o conceito de poesia visual nos leva a reflexesespeculativas e filosficas, at; por outro surge a necessidade metodolgica de

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    pensar em classificaes de possveis poticas visuais. Pode ser que todos ospoetas tenham feito poesia visual, de acordo com os modelos de seu tempo,mas o fizeram usando poetcnicas (tomando o termo de Jlio Plaza)diferentes. O modo de operar, do qual resulta a visualidade parece maissimptico de examinar. Isso seria importante para evitar que determinadasvisualidades se absolutizassem, de modo a parecer conter toda a verdadepotica, monopolizando o exerccio da poesia.Poesia digital: uma possvel potica visualA Poesia Digital[5] uma possvel potica visual. No entanto, o quecaracteriza a Poesia Digital no apenas a visualidade da palavra, mas amontagem artstica multimdia. E antes que algum diga que poesia sempre foimultimdia, intersemitica ou hipertextual, admitese o fato como verdadeiro,mas no sem antes anotar que na produo potica digital h intencionalidadee conscincia da intersemiose.Na base da produo potica digital est o hibridismo de linguagens sonoras,visuais, de movimento e de escrita. Essa produo pode ser intertextual ouhipertextual, admitir interferncias, interatividade ou no, ser linear e/ou nolinear. A Poesia Digital se destaca como uma adequao e/ou emprego dosrecursos tecnolgicos digitais na produo de novos significados e tem comoestratgia criar um alto grau de imerso, sugesto de presena, de estar l,dentro, no centro da poesia. Um bom exemplo disso o poema SOS, de Augustode Campos, que foi elaborado em 1983 e publicado em livro s em 1991, comopoesiapapel e recebeu verso intermiditica, com durao deaproximadamente 2 15, letras em tom vibrante de amarelo, animao e asonorizao. Nele a imerso acontece pela sensao de perda de distinoentre autor e observador, uma vez que, o poema se constroi diante do leitor:em uma tela inicial negra, surgem gradativamente as vogais [o], []; emseguida o ponto de interrogao [?] e, consecutivamente, o pronome em ingls[I], as vogais [a] e, por fim, as demais letras, at formar o poema todo.Concomitantemente, a trilha sonora de Cid Campos potencializa o jogo poticoproposto por Augusto. O dado sonoro remete a uma atmosfera intergalctica.Evidentemente, a construo dessa visualidade segue um projeto. No caso deSOS, o fato de as letras aparecerem, uma a uma, com certa sonorizao, indicater sido uma soluo absolutamente apropriada ao objeto, uma vez que remete ideia de pontos luminosos que se acendem na escurido do cosmo e que naverdade so as unidades mnimas de som que funcionam, tambm, comoespcies de janelas semnticas que se abrem para o cosmo potico. A formacatica[6] com que esses elementos surgem impulsiona o eixo semntico dotexto: o desespero ensimesmado que tambm a procura de possveis sadaspara a prpria construo do texto. Tais sadas abrangem significaes tantoestticas quanto existenciais.A disposio dos versos revela uma tendncia muito forte dentro da PoesiaDigital, a interdisciplinaridade. No poema SOS, h o dilogo com a Fsica e aQumica. Os versos se apresentam visualmente tal como a distribuio decamadas eletrnicas ou nveis de energia de um tomo[7], o que funciona muitobem num texto que transborda cosmicidade. A correspondncia espacial dasinformaes da estrutura significativa, entra diretamente em relao com ocontedo. O intercmbio de informaes entre as disciplinas faz do poema umdiscurso hbrido, complexo, aberto, susceptvel de ser decomposto. Asfronteiras do texto, e da prpria concepo de arte na qual ele se abriga, estorarefeitas, sinalizando o trnsito permitido.Os versos, dispostos de modo concntrico, ganham movimento, ou melhor, asensao de[8]. Ento comea uma viagem lingustica em direo ao centro, osignificante SOS:A primeira camada verbal, [ego (Latim) eu (Portugus) (Russo) ich (Alemo)io (Italiano) je (Francs) yo (Espanhol) I (Ingls)], movese de forma levgira[9](sentido antihorrio). O verso adjacente, [ns ss ps], assinalado por ummovimento dextrgiro[10]. O terceiro, [que faremos aps?], tem amovimentao igualmente levgiro, o quarto volta a estabelecer o movimentodextrgiro, [sem sol sem me sem pai], e assim sucessivamente at se chegarao ncleo significante [SOS][11].No primeiro verso o eu/ns que vaga, em crculos concntricos que se

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    fecham. O homem csmico se repete cpia de cpias joguete do universo. Omovimento lembra a busca de uma combinao numrica para a abertura deum cofre, o segredo. Isso muito curioso porque h nessa imagem a sugestoda chave, da decodificao ou traduo que viabilize a sada. O poema seabre. O eu/ns um sobrevivente. Um nufrago notvago enviandomensagens telegrficas sufocadas, de socorro e solido, para o espao, assimcomo Celan lanou suas garrafas ao mar e o jovem poeta pediu socorro a Rilke.Prosseguindo, quando atingida pelos movimentos, a palavra SOS duplicase esofre um processo de dilatao plstica. O [o] expandese engolindo todas ascamadas em um movimento centrfugo, contrrio ao movimento centrpetoanterior.H uma errncia, um vagar, expresso na movimentao das camadas verbais.Seus movimentos em direes opostas sugerem uma busca frentica de umaidentidade em meio ao caos do mundo ps. As palavras andam em crculoscomo se procurassem uma sada na infinitude do cosmo, a aventura da busca daautenticidade potica. Tudo isso causa certa hipnose, torpor, imerso. Mastambm acena para uma reflexo universal do eu, o eu em todos ns, umadesolao partilhada em vrias lnguas: ego eu ich io je yo I tomada deconscincia existencial da solido criadora num mundo inspito: noite queanoitece, sem sol, silencioso.No aspecto visual do poema, curiosa a relao que se d entre a expanso dosignificante SOS e as cores usadas pelo poeta. No crculo cromtico, o amarelo a cor que se considera mais prxima do branco, da luz e do calor. Tende acausar a sensao de expanso. Em pintura, ela que intensifica os matizesprovocando mudanas de efeito em oposio ao roxo e ao preto ou negro, quecausam sensao oposta de compresso, aperto. O negro em que est disposto overbo opressor, sem sol sem me sem pai / na noite que anoitece, na qual sevaga consumido. E ento a vogal o se dilata como um sol amarelo e sonoro,apontando para uma nova possibilidade potica. inegvel que a verso digital do poema tem uma energia diferente. Surgeuma nova dinmica que expande e multiplica as tramas semnticas do texto. Osrecursos hipermididitos, tais como texto, imagem, grficos, udio, ilustraoe animao, so acoplados via interconexo, transpondo a criao potica dailuso imerso. Isso se traduz numa tecnologia que oferece estmulos para acriao de uma linguagem potica digital, na qual texto, som, imagens fixas eanimadas num mesmo suporte numrico promovem a aproximao entre arte etecnologia. A implicao disto, em SOS, que h um ganho estimvel emambiguidade, carga plsticosonoromusical, e em gerao de novascombinaes sgnicas, o que motiva uma multiplicidade de significaesextraordinria.O acrscimo plsticosonoromusical colabora para a construo daconcretude[12] dentro do poema e estimula a articulao dos elementosmateriais da linguagem. Essa articulao dos signos equivale a uma dana dasintaxe. Tal tenso na linguagem do poema, nos termos estabelecidos, revela aheterogeneidade da criao potica digital contempornea. Herdeiro davanguarda, mas livre dela, o poeta do pstudo[13] fica vontade, inclusive,para embaralhar todos os estilos postulados pela Histria da Literatura.O suporte digital, com seus recursos de animao, muda tudo. O desafio passa aser a poesia que se locomove e explode em cores e sons, dando origem a umanova proposta semnticoestilstica. Na verdade, muito mais que isso, a criaopotica intermiditica embaralha no s estilos, mas tambm signos denaturezas diferentes, permitindose, desse modo, experimentaes delinguagem para muito alm do Concretismo e da prpria literatura[14]. O poemano se sustenta mais como puramente verbal. Ele precisa reinventarse,decomporse infinitesimalmente[15]. Desse modo, a arte potica se dilataalastrandose para a msica, as artes visuais, o cinema e para os maisavanados instrumentos multimiditicos, lanando mo de outras signagens[16],tornandose mesmo interdisciplinar. Esse o caso de SOS, que foi produzido emconjunto tanto por pesquisadores das reas de Engenharia Eletrnica e daArquitetura quanto pelo poeta Augusto de Campos e seu filho, Cid Campos.Outra propriedade da Poesia Digital o dialogismo, manifesto em grausdiferenciados de interatividade, produzindo efeitos sobre o leitor e viceversa.A interao pode ir de um grau zero at a interatividade de comando contnuo,

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    permitindo a modificao e o deslocamento de objetos sonoros ou visuaismediante a manipulao do usurio, como em alguns videogames. Em SemSada, de Augusto de Campos, o leitor interage com o texto movimentando omouse:

    Clemente Padn diz que

    O poema digital se oferece ao leitor semelhante ao poema tipogrficodesenhado em uma folha de papel, porm, a diferena que, se o leitor desejaradentrar nos contedos dever necessariamente se inserir pessoalmente naleitura para completar o processo de comunicao e aceitar as sugestespropostas do autor a abrir novos espaos (atravs de hipertextos ou vnculos).Para aceitar a viagem proposta pelos vnculos basta passar o mouse sobre oaobjetos linkados ou clicar nos lugares propostos pelo poeta/disigner.A Poesia Digital pode ser apenas releitura, ou transcriao de um poemagutemberguiano (traduo intersemitica), ou pode ser inteiramente produzidaem computador, distinguindose, portanto, da poesia (digital)izada, isto ,daquela que apenas hipertextualizada, ou ainda que passa do papel para opixel sem acrscimo esttico, criativo ou significativo. Os textos digitaisartsticos diferem dos demais exatamente pelo uso do computador, comomdium entre a criatividade humana e a produo de signos com finsestticos. O que est em jogo a impossibilidade da realizao dessa poesia emlivros sem prejuzo do efeito esttico. O uso do computador modifica econdiciona todo o processo de criao potica: concepo, obra e recepo.A Poesia Digital uma das diversas modalidades de poesia produzida e/ouarmazenada em meio digital, h outras como, a poesia sonora, a poesia verbaldigitalizada, a fractal etc. A poesia aqui denominada digital talvez, a formamais hbrida dentre as circulantes na rede de computadores em virtude deconglomerar linguagens diferentes num nico objeto. Jorge Luis Antnio[17] dizque a Poesia Digital hiper e intertextual:Ela dialoga consigo mesma, com a palavra ou vestgio dela, com a imagem,com o "mundo exterior", com o "mundo interior" (da mquina, do hardware, dosoftware, etc.), com o som que a palavra evoca, ou com o som includo nesseconjunto, com o leitorfruidoroperador, e com o operador da mquina. Umtexto artstico digital , faz parte e participa de outros textos da cultura, edialoga com ela, sofrendo influncias as mais diversas. Assim, ao chamar essetexto de poesia digital, ns atribumos a ele a caracterstica geral de poesia, ouseja, linguagem tambm, mas no s, verbal (mas que dialoga com as artesplsticas, visuais, sonoras, teatrais, fotogrficas, cinematogrficas,videogrficas, hologrficas, etc.), que se comporta semelhana de poesia.[18]Em virtude de ser um gnero potico emergente, a Poesia Digital no temuma denominao definitiva, sendo tambm chamada de Infopoesia[19],Ciberpoesia[20], Poesia Algortmica, Gerao automtica de texto, Poesiaanimada por computador, Clippoema digital[21], Eletronic Word[22],Interpoesia[23], Multipoesia, Poesia Miditica, Poesia Experimental, Nova PoesiaVisual, Poesia Interntica, Nova poesia das mdias e finalmente Poesia Digital,etc. No obstante, Poesia Digital o termo mais recorrente e talvez o maispotico por remeter aos digitus, dedos sugerindo um fazer (arte)sanal.A escrita potica digital abriga em si a noo de sobreposio de escrituras, opalimpsesto, onde coincidem camadas verbais, visuais, sonoros e de animao,permitindo ainda, interferncias inesperadas (se o artista assim desejar) dosleitores. Outra peculiaridade da Poesia Digital, que para produzila o poetaprecisa conhecer as regras do Software disponvel. Ele precisa (re)adaptar seu

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    modus operandi ao do computador. corrente tambm a formao de equipesem torno de um projeto de poesia, isso porque nem sempre o poeta domina osrecursos digitais do computador, necessitanto, assim do auxlio de profissinaisda rea da informao, para viabilizar seus projetos artsticos.[24]Um dos grandes desafios da Poesia Digital, para o poeta, produzir resultadosartsticos que mesclem criatividade e artesanato tcnico, criando ambiguidadespoticas icnicas e ideogrmicas. Melhor dizendo, criar uma (no)palavra queseja imagem e som antes de mais nada, que mesmo partindo do verbal, apele comunicao noverbal; que funcione como estruturacontedo[25],verbivocovisual. A Poesia Digital no pode prescindir de formas, texturas, sons,movimentos, dimenses e cores, assim como do mesmo modo no pode abrirmo de sua funo simblica motivada pelos dados verbais do texto. O poeta,quase um artista grfico, msico ou cineasta transita nesse lugar desconhecido,entre o figurado da palavra e o icnico das imagens e dos sons.Diante dos fatos, quais processos de leitura seriam vlidos, tendo em vista acomplexidade da produo potica digital? A leitura de textos desta natureza,no pode obedecer a parmetros habituais de leitura, esses textos impemsintaxes diferentes que demandam leituras em direes diferentes.Autores como E. M. de Melo e Castro, Elson Fros, Lcio Agra, Arlindo Machado,Julio Plaza, Clemente Padn, Eduardo Kac, Wilton Azevedo e PhiladelphoMenezes so nomes fundamentais na criao e na apreciao crtica de poticasdigitais. Dentre estes, Wilton Azevedo teria sido o primeiro poeta brasileiro afazer um CDROM de poesia digital interativa [Hiperpoesia/Interpoesia].O poetae crtico portugus E. M. de Melo e Castro publicou em 1993, sob a organizaode Ndia Battella Gotlib, O Fim Visual do sculo XX, em que textos crticos devrios autores discutem as poticas tecnolgicas da contemporaneidade. Melo eCastro colaborou muito para os estudos da Poesia Digital com pesquisasdesenvolvidas entre Portugal e Brasil. Em 1998 elaborou um manifesto tericoprtico apresentando o conceito de Transpotica 3D. No mesmo documentoesto os resultados dos estudos de Melo e Castro e seus alunos do curso deInfopoesia da PUCSP. As experincias foram realizadas em um PC (199798),em ambiente Windows 95 com os softwears Adobe Photoshop 4.0, Fractint V18e Corel Motion 3D 6. O poeta e ensasta tambm se dedicou aos estudos dasrelaes intersemiticas nas linguagens oral e visual, props e desenvolveuoutros conceitos de poticas digitais tais como Infopoesia, Poesiapermutacional e Vdeopoesia nos livros O Prprio Potico, Potica dos Meios eArte High Tech, Dialctica das Vanguardas, Algorritmos, Trans(a)parncias,dentre outros. O texto Infopoesia: produes brasileiras est disponvel naseguinte url: http://www.ociocriativo.com.br/meloecastro.Sobre o mesmo assunto, porm, dando maior nfase mquina e sua relaocom o imaginrio humano escreve Arlindo Machado em Mquina e imaginrio: odesafio das poticas tecnolgicas. J Philadelpho Menezes juntamente comWilton Azevedo abordam mais de perto a Poesia Digital, no seu textoInterpoesia: Poesia Hipermidia Interativa, obrachave para o entendimento daproblemtica da produo potica em contexto digital. Julio Plaza, sozinho ouem outras parcerias tem textos basilares[26] sobre o tema, um exemplo otexto que produziu em parceria com Mnica Tavares, Processos criativos com osmeios eletrnicos: Poticas digitais[27], obra bsica para o estudo de poticasdigitais por ser o resultado de anos de pesquisa daqueles autores, a propsitodos domnios mais revolucionrios e criativos da produo estticainfogrfica[28].A produo cibercultural, em seus aspectos mais criativos, fonte de estudosde autores como Lcia Santaella, Antnio Risrio, Omar Khouri e DerrickKerckhove, sendo que, os trs primeiros, com enfoque mais esttico, o ltimo,mais antropolgico. Haja uma considervel literatura voltada para o assunto,seria enfadonho enumerar nomes e obras aqui.Apesar do envolvimento de pesquisadores e artistas que pensam a literaturabrasileira de forma inventiva, h sempre quem queira a beleza fcil da tradiodisciplinar, mas no possvel seguir ou retornar floresta de signos deBaudelaire sem as marcas do mundo digitalizado, nem tampouco ignorar que aarte digital seja um tipo novo de linguagem geradora de conceitos que, atento, no existiam. Talvez alguma crtica que ainda opere com critrios quej no correspondem ao nvel do estgio de desenvolvimento das forasprodutivas, possa desconhecer que a linguagem potica sempre vai criar modos

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    de rever a si prpria. O meio pode ser a areia, o papel ou o ecr, a Musa indiferente ao engenho solitrio, prefere sentir novos olhares febris, mesmo quepara velhos temas.Num movimento barroco retomase o incio deste ensaio como que para oinacabvel exerccio do rever: a poesia fixa o olho no poema e no poeta. AMusa no d pra qualquer um. Sempre foi assim, os bardos sabem disso. Poundacertou: Beaut is difficult...NOTAS:[1] Habermas (1983) ao fazer referncia a Hans Robert Jauss menciona que a palavramoderno do latim modernu foi usada pela primeira vez no fim do sculo V paradiferenciar o presente, que tinha se tornado cristo do passado romano e pago.[2] Labirinto Cbico uma espcie potica de engenho ibrico. Uma composioacrstica sem centro, cujo nmero de letras igual em todos os lados. No dizer deMaria dos Prazeres Gomes, Prof Dr. Da PUC/SP, em sua tese de doutorado OutroraAgora: Sua dissimulitude, duplamente urdida pela excentricidade e pelo princpiocintico de construo, ressalta mais uma vez a importncia da instabilidadedasformas, do jogo especular e tico e do efeito surpreendente, fulcrais na catadurabarroca.[3] Integrante da Academia Braslica dos Esquecidos (Bahia, 1724 1725) presididapelo vicerei do Brasil, Vasco Fernandes Csar de Menezes a quem Penhafiel dedicouo poema Labirinto Cbico.[4] Texto extrado do site oficial da Poesia Concreta com curadoria de Cid Campos:www.poesiaconcreta.com[5] A poesia sempre foi digital, isto , se for levado em considerao o significado maisprimitivo do vocbulo digital, que por sua vez procede do latim digitus, significando,dedo. O poeta usou pena, caneta, mquina datilogrfica e teclado do computador,empregando, os dedos. Por outro lado, o termo digital de Poesia Digital, no significaapenas que seja uma poesia feita pelas mos, mas tambm pode ser compreendidocomo a poesia traduzida para uma linguagem matemtica, baseada nos nmeros dedgitos (dedos) que o homem possui.A Poesia Digital seria a poesia que foi traduzida em dgito, condio essencial paraque possa circular no meio informacional. Traduzir em dgito digitalizar informaescomo fontes, cores, movimento, sons etc., o texto potico, com todas as informaesque a criatividade de um poeta pode criar, manifesto numa linguagem que baseiaseu funcionamento na lgica binria em que toda a informao guardada eprocessada sob a forma de zeros (0) e uns (1). Este preceito tem sua origem nosistema de numerao indoarbico de base dez, pois so dez os dedos das duas mosda maior parte dos seres humanos. Com este sistema s possvel contar valoresinteiros, por essa caracterstica que se estabeleceu a analogia entre dgitos edigital, uma vez que trabalham com valores discretos, finitos, no caso, seqncias dezeros e uns.Neste texto, entretanto, Poesia Digital deve ser compreendida no apenas como umapoesia traduzida em cdigo numrico/binrio, mas como produto de manipulao dededos inventivos que criam como quer o poeta Andr Vallias, a poesia traduzida emdgitos, aqui, talvez aquilo que sempre escapa por entre os dedos, e nos faz denovo agarrar o vazio... (VALLIAS, [online] Disponvel na internet viaURL:http://www.textodigital.ufsc.br) Capturado em 08/03/2006.[6] Aqui o termo foi usado tendose em vista justamente a idia contida em diversasmitologias, segundo as quais o caos est na origem do cosmo, similar ao que aconteceno poema referido.[7] O tomo formado por um pequeno ncleo, constitudo por prtons e nutrons,envolvido por uma regio muito maior, denominada eletrosfera, em que se encontramos eltrons, que, por sua vez, esto distribudos em sete grupos, pois se encontram adiferentes distncias em relao ao ncleo. Esses grupos so denominados camadaseletrnicas ou nveis de energia. As camadas podem ser representadas pelas letrasK, L, M, N, O, P e Q ou pelos nmeros 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7. A visualidade do poemacorresponde exatamente a essa configurao. Os versos esto dispostos em setecamadas, como os eltrons, e o significante SOS ocupa a posio central, a exemplodo ncleo atmico. Portanto, no se trata de uma visualidade meramente fortuita,mas sim de um componente vital para a carga semntica do poema, parte de umprojeto previamente pensado.[8]Centenas de frames so dispostos de modo a compor a animao. A montagem muito importante para o resultado de um vdeotexto. Assim como no cinema, criasenos textos a iluso de movimento.[9].Termo oriundo da Qumica. Do latim, dexter, direito e do Baixo latim gyrare, fazerrodar, contornar. Dizse dos compostos que vo circular o plano de polarizao deuma luz no sentido inverso, antihorrio.[10] Contrrio de dextrgiro. Dizse dos compostos que vo contornar o plano de

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    polarizao da luz no sentido do ponteiro do relgio, horrio.[11] ARAJO, Ricardo. Poesia visual / Vdeo poesia. So Paulo: Perspectiva, 1999.Debates, 275. p. 39.[12] De concreo, no concretismo. Concretude no sentido da tese de Haroldo deCampos de que toda escrita literria de qualidade necessariamente precisa levarem conta a materialidade do signo.[13] Termo usado por Augusto de Campos.[14]O conceito de literatura esteve ligado, at h pouco, a um juzo de arterefratrio a decomposies, ou seja, uma idia de arte inteira no miscvel oualtervel. As ltimas raias da arte foram excedidas desde que a produo artsticamigrou da escala do indivduo da sociedade global. Mesmo mantendose como amensagem de um indivduo, o artista, para um outro indivduo, a produo artsticafoi profundamente alterada. A reproduo tcnica, hoje representada pelo seumais novo baluarte, o computador, originou um novo modo de comunicaoesttica. O meio tcnico com seus multimeios provocou a gerao de novasmatrizes artsticas e culturais, bem como novos modelos de sensibilidade esttica.E nesse tocante, Walter Benjamin, apesar de muito mal lido e interpretado, emseu ensaio A Obra de Arte na Era da Reprodutibilidade, muito lcido emenfrentar o problema da delimitao e da definio das fronteiras da arte a partirda reprodutibilidade tcnica. O ensaio confronta os valores veiculados pelosprodutores artsticoculturais, suas tcnicas tradicionais e os meios tcnicosimpactantes que atendem s necessidades de produtores capazes de gerar novosmodelos estticos. No se trata, porm, de negar a tradio tcnica. Ao contrrio, um outroenfoque a partir das antigas tcnicas de produo, s que, dentro de um novocontexto de qualidade de produo.[15] Segundo Abraham Moles desde a existncia da geometria infinitesimal, quetoda forma inteira podia ser considerada como um conjunto complexo,susceptvel de ser recomposto por um encadeamento de elementos mais simplesj prefigurava a idia de decomposio das formas estticas. Os artistas queainda no haviam extrado da matemtica (geometria) os princpios para a obraesttica.[16] Termo tomado como emprstimo de Dcio Pignatari pela autora.[17]ANTONIO, Jorge Luis. Alguns aspectos da Poesia Digital. Disponvel na internetvia URL:www.geocities.com/rogelsamuel/poesiadigital2.html. Capturado em 06 Abr2006.[18] Ibid, p.2.[19] Denominao proposta por E. M. de Melo e Castro em seu livro lea e o Vazio(1971), referindose especialmente poesia experimental de Nanni Balestrini,Herberto Helder e Silvestre Pestana e aos estudos de Pedro Barbosa, na dcada de70. Castro faz em 1960, na Universidade de Yale (EUA), denominando suasexperincias de Infopoetry. Op. cit. p.2[20] Denominao proposta por Pedro Barbosa (1996), do ingls Ciberpoetry usada porKomninos zervos, Brian Kim Stefans e outros, relacionase mais estreitamente com oconceito de poesia permutacional. Para Capparelli, poesia visual adequada ao meioeletrnicodigital. Op. cit. p.3[21] Denominao proposta por Augusto de Campos em 1997, em seu stio eletrnico.Op. cit. p.3[22] Denominao proposta por Jim Andrews (19971999) em seu stio eletrnicoreferindose palavra potica produzida em ambiente digital. Op. cit. p.4[23] Denominao proposta por Philadelpho Menezes e Wilton Azevedo na obraInterpoesia (19971998). Seria a poesia das novas mdias termo apresentado porEduardo Kac em antologia de textos com o mesmo ttulo. Op. cit. p.4[24] Foi o que aconteceu com o projeto Poesia VisualVdeo Poesia, documentado porRicardo Arajo em livro homnimo. A exemplo do cinema, formouse uma equipe, noLSI da Escola Politcnica da USP (1993), que constava de pesquisadores das reas deEngenharia Eletrnica e Arquitetura e do grupo de poetas ligados Poesia Concreta.O resultado foi uma sinergia de todas as reas do conhecimento envolvidas, o queresultou em alguns dos poemas digitais estudados nesta dissertao: Bomba e SOS.[25] Conceito proposto pelos concretistas em seu Plano Piloto para a Poesia,publicado em Noigandres: n.4, So Paulo, 1958. CAMPOS, Augusto et ali. Teoria daPoesia Concreta. So Paulo: edies Invenso, 1965.[26] Obras devidamente referidas nas referncias bibliogrficas desta dissertao.[27] PLAZA, Julio e Tavares, Monica. Processos criativos com os meios eletrnicos:Poticas digitais. So Paulo: Hucitec, 1998.[28] Termo utilizado por Walter Zanini no prefcio para Processos criativos com osmeios eletrnicos: Poticas digitais de Jlio Plaza e Mnica Tavares.

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