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MATERIAIS DIGITAIS INTERATIVOS PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM DE ANÁLISE MATEMÁTICA PARA ALUNOS DE ENGENHARIA Resumo: Os Materiais Digitais Interativos são um conjunto de materiais criados como suporte para o ensino/aprendizagem da Análise Matemática para alunos de Engenharia. O seu principal interesse centra-se no facto de serem interativos, de fomentarem a ativa participação dos alunos no processo de ensino/aprendizagem fazendo com que os estudantes escolham as opções que fazem sentido através de ComboBoxes e CheckBoxes e que respondam a perguntas através de TextFields. São personalizáveis e pretendemos que os estudantes os utilizem como caderno diário, slides, livro de apoio, etc.; quer na sala de aula, quer nos momentos de estudo. Na sua conceção tivemos em conta diversos princípios como respeitar a Zona de Desenvolvimento Proximal dos alunos, promover a exploração de múltiplas representações dos conceitos, dar ênfase às aplicações da matemática, tirar partido do uso do computador, fornecer links úteis e fomentar a aprendizagem ativa e colaborativa. Palavras Chave: Recursos Educativos Digitais, Documentos Interativos, Computador, Ensino da Matemática, Aprendizagem ativa Abstract: The Interactive Digital Materials (IDMs) are a set of materials designed to support the teaching / learning of Mathematical Analysis for Engineering students. Their main interest lies in the fact that they are interactive, they promote active participation of students in the teaching / learning by making students choose the options that make sense through ComboBoxes and CheckBoxes and answer questions through TextFields. They are customizable and we want the students to use them as a daiy diary, slides, book support, etc.; either in the classroom or in moments of study. In its design we had in mind several principles such as respecting the Zone of Proximal Development of students, promoting the use of multiple representations of concepts, giving emphasis on applications of mathematics, taking advantage of the use of computer, providing useful links and fostering active and collaborative learning. Keywords: Digital Eduction Resources, Interative Documents, Computer, Mathematics teaching, Active Learning Introdução As taxas de insucesso a matemática no ensino superior são preocupantes não só em Portugal mas também em muitos outros países (Aquino, 2013; Domingos, 2003; Husch, 2002; E. Machado, 2006; Tall, 1993; Treisman, 1992).

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MATERIAIS DIGITAIS INTERATIVOS PARA O ENSINO/APRENDIZAGEM

DE ANÁLISE MATEMÁTICA PARA ALUNOS DE ENGENHARIA

Resumo: Os Materiais Digitais Interativos são um conjunto de materiais criados como

suporte para o ensino/aprendizagem da Análise Matemática para alunos de

Engenharia. O seu principal interesse centra-se no facto de serem interativos, de

fomentarem a ativa participação dos alunos no processo de ensino/aprendizagem

fazendo com que os estudantes escolham as opções que fazem sentido através de

ComboBoxes e CheckBoxes e que respondam a perguntas através de TextFields. São

personalizáveis e pretendemos que os estudantes os utilizem como caderno diário,

slides, livro de apoio, etc.; quer na sala de aula, quer nos momentos de estudo. Na sua

conceção tivemos em conta diversos princípios como respeitar a Zona de

Desenvolvimento Proximal dos alunos, promover a exploração de múltiplas

representações dos conceitos, dar ênfase às aplicações da matemática, tirar partido do

uso do computador, fornecer links úteis e fomentar a aprendizagem ativa e

colaborativa.

Palavras Chave: Recursos Educativos Digitais, Documentos Interativos, Computador,

Ensino da Matemática, Aprendizagem ativa

Abstract: The Interactive Digital Materials (IDMs) are a set of materials designed to

support the teaching / learning of Mathematical Analysis for Engineering students. Their

main interest lies in the fact that they are interactive, they promote active participation of

students in the teaching / learning by making students choose the options that make

sense through ComboBoxes and CheckBoxes and answer questions through

TextFields. They are customizable and we want the students to use them as a daiy

diary, slides, book support, etc.; either in the classroom or in moments of study. In its

design we had in mind several principles such as respecting the Zone of Proximal

Development of students, promoting the use of multiple representations of concepts,

giving emphasis on applications of mathematics, taking advantage of the use of

computer, providing useful links and fostering active and collaborative learning.

Keywords: Digital Eduction Resources, Interative Documents, Computer, Mathematics

teaching, Active Learning

Introdução

As taxas de insucesso a matemática no ensino superior são preocupantes não só em Portugal

mas também em muitos outros países (Aquino, 2013; Domingos, 2003; Husch, 2002; E.

Machado, 2006; Tall, 1993; Treisman, 1992).

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O ensino expositivo (Ausubel, 1960) é ainda prática corrente no ensino da matemática a alunos

de engenharia (Gonçalves, 2008). Este método de ensino é centrado no professor. O professor

passa a aula no quadro, apresenta definições, proposições, explica os conceitos e resolve ele

próprio os exercícios o tempo todo no quadro, o aluno vai copiando a resolução para o

caderno. Existem várias variações, enquanto alguns professores fazem um monólogo

explicando o que estão a fazer, outros fazem algumas perguntas, esperam que o primeiro

aluno responda, agem como se aquele fosse o último e prosseguem com o raciocínio. Há ainda

os professores que escrevem o enunciado de um exercício no quadro e dão tempo aos alunos

para o resolverem. Estes, normalmente, sofrem da chamada “síndrome do professor” e ao fim

de 10 segundos perguntam “já está?” e começam eles a resolver o exercício.

Estes professores resolvem cada vez mais e mais exercícios (eles, não os alunos!), cada vez

os consideram mais e mais simples. Cada vez se distanciam mais e mais dos alunos perdendo

a perceção de quais as suas dificuldades. Nas avaliações os exercícios são cada vez mais

complexos. O insucesso é cada vez maior e os alunos estão cada vez mais distantes das

unidades curriculares.

Apontam-se como principais desvantagens do ensino expositivo, a monotonia por falta de

variação no método de ensino que não se adequa, de todo, a todos os tipos de alunos pois

existem uns mais verbais outros mais visuais, uns mais ativos outros mais reflexivos, uns mais

sequenciais outros mais globais, uns mais sensoriais outros mais dedutivos, uns mais abstratos

outros mais concretos, uns mais experienciais outros mais conceptuais, etc. (Felder & Brent,

2005; Kolb & Kolb, 2005). A perca de tempo do aluno a ver o professor a resolver o exercício

sem tentar resolvê-lo e perceber efetivamente onde está a dificuldade (ver o professor fazer e

“abanar que sim com a cabeça” é sempre muito mais fácil). A dificuldade que os alunos têm

para interromper o professor e esclarecer as suas dúvidas. A perca de tempo do aluno a

passar as definições, proposições, etc. do quadro (porque usualmente estes professorem nem

utilizam slides) quando podiam utilizá-lo para explorar os conceitos e raciocinar sobre eles.

Falta de interação com os colegas que permite aos alunos desenvolver a capacidade de

colaboração, liderança, etc. O fomentar da dependência dos alunos pelo professor ao invés da

desejada autonomia e sentido crítico. Estas desvantagens têm como consequência uma baixa

aprendizagem efetiva e um fraco desenvolvimento de vários tipos de competências.

De acordo com Polya (1967) a aprendizagem da matemática deve ser feito de forma ativa.

Para aprender o aluno deve descobrir, por si só, uma parte tão grande quanto possível da

matéria ensinada, dadas as circunstâncias. Segundo ele, ”a matemática não é um desporto de

espectadores”. Segundo Bonwell e Eison (1991) considera-se aprendizagem ativa todo o tipo

de aprendizagem em que o aluno não está passivamente a ouvir o professor. Usualmente

pressupõe-se que o aluno está envolvido em atividades como ler, responder, escrever, criticar

discutir, etc. Usualmente dá-se mais importância ao desenvolvimento das capacidades do

aluno do que à transmissão da informação. A aprendizagem ativa permite desenvolver os

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objetivos educacionais de alto nível, segundo a taxonomia de Bloom (1956), como aplicar,

analisar, avaliar e criar não se ficando apenas pelo conhecer e compreender.

Também nos EUA há muito que se defende que o ensino da matemática deve ser feito

utilizando metodologias de aprendizagem ativa. A Mathematical Association of America

("Toward a lean and lively calculus," 1986) defende que os estudantes devem aprender “by

active engagement with the subject”. Muitos investigadores a têm defendido (Bonwell & Eison,

1991; Chickering & Gameson, 1987; Crato, 2009; Prince, 2004).

A aprendizagem ativa é utlizada em vários programas de ensino superior de sucesso como o

SCALE-UP (2008) na North Carolina State University, o TEAL (Dori & Belcher, 2004) no

Massachusetts Institute of Technology (MIT) ou o Peer Teaching (Lasry, Mazur, & Watkins,

2008) na Harvard University.

Também em Portugal, nas Orientações Pedagógicas para Docentes do Ensino Superior,

Gonçalves (2008) afirma que o professor “deve socorrer-se de estratégias de envolvimento

activo dos estudantes”. Ponte, Matos e Abrantes (1998) também sugerem métodos de

aprendizagem ativa no ensino da matemática assim com Machado e César (2012) com recurso

ao trabalho colaborativo.

O desenvolvimento e utilização em massa dos computadores veio abrir uma nova panóplia de

oportunidades para utilizar o computador em proveito da aprendizagem do aluno (Caprotti,

Seppala, & Xambó, 2007; E. Machado, 2006; Neves, Silva, & Teodoro, 2009).

Segundo Gonçalves (2008) deve adaptar-se o ensino às atuais funções do ensino superior, às

diferentes formas de aprender que cada estudante tem e aos novos recursos que a tecnologia

potencia.

O National Council of Teachers of Mathematics dos EUA propôs seis princípios para alcançar

educação matemática de alta qualidade:

Equity: Excellence in mathematics education requires equity—high expectations and strong support for all students.

Curriculum: A curriculum is more than a collection of activities: it must be coherent, focused on important mathematics, and well-articulated across the grades.

Teaching: Effective mathematics teaching requires understanding what students know and need to learn and then challenging and supporting them to learn it well.

Learning: Students must learn mathematics with understanding, actively building new knowledge from experience and prior knowledge.

Assessment: Assessment should support the learning of important mathematics and furnish useful information to both teachers and students.

Technology: Technology is essential in teaching and learning mathematics; it influences the mathematics that is taught and enhances students’ learning. (NCTM, 2000, p. 12)

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Assim, decidimos criar uma nova abordagem ao ensino da Análise Matemática 1 (que se pode

estender ao ensino das outras unidades curriculares de matemática dos primeiros anos dos

cursos de engenharia) que tire partido da utilização do computador e que fomente a

aprendizagem ativa por parte dos alunos. Esta abordagem, a que chamámos ActivMathComp

assenta em vários pilares:

Na sala de aula os alunos aprendem de forma ativa e colaborativa. O professor

apresenta um tópico durante cerca de cinco minutos e durante os restantes 85 minutos

os alunos trabalham em conjunto uns com os outros; quando um aluno não consegue

avançar sozinho nem com a ajuda dos colegas, o professor dá-lhe, individualmente,

sugestões para que o aluno encontre o “caminho” e descubra uma forma de resolver o

problema;

Os alunos e o professor levam o portátil para as aulas e utilizam-no como ferramenta

computacional, como suporte para os Materiais Digitais Interativos concebidos para a

abordagem, como suporte para explorarem recursos online (ex.: animações) e como

ferramenta de comunicação;

Os alunos têm semanalmente mini-testes online com feedback imediato. Estes mini-

testes são realizados na sala de aula e contam para a nota final;

A relação professor/aluno assenta na confiança, compreensão mútua e no

envolvimento dos estudantes na sua própria aprendizagem.

Os Materiais Digitais Interativos (MDIs) têm em vista a criação de interação com os alunos de

modo a que não sejam um tradicional PDF onde a matéria é exposta mas sim um documento

que vai “perguntando” ao aluno qual é a resposta que faz sentido. Tipicamente, após a

introdução de um conceito, as suas propriedades não são simplesmente apresentadas mas é

pedido ao aluno que complete as propriedades, por exemplo, com “<”, “=” ou “>”. São, neste

sentido, documentos que cada aluno vai construindo.

Os MDIs têm em conta vários princípios pedagógicos. Por exemplo, para desenvolver a

autonomia, evitar sensações de incapacidade e permitir que cada aluno trabalhe ao seu próprio

ritmo, temos em conta a Zona de Desenvolvimento Próximal (Vygotsky, 1978) do aluno.

Exploram múltiplas representações dos conceitos: gráficas, numéricas, analíticas e verbais. As

aplicações da matemática são consideradas uma parte fundamental da matéria. A matéria

começa por ser ilustrada em casos concretos, só depois sendo realizada a sua generalização

abstrata. Os alunos são incentivados a fazer mapas conceptuais dos conceitos.

Foi realizado um estudo quasi-experimental (não experimental porque os sujeitos não puderam

ser alocados aleatoriamente) em que uma turma foi submetida ao ActivMathComp, utilizando

os MDIs como suporte da abordagem, e as outras sete turmas funcionaram como grupo de

comparação.

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Materiais Digitais Interativos

Os Materiais Digitais Interativos (MDIs) foram criados pelos investigadores de modo a servirem

de suporte aos alunos na aprendizagem da Análise Matemática 1 (AM1). Os MDIs e os

ficheiros LaTeX que permitem alterá-los e adaptá-los estão disponíveis em

http://sandragasparmartins.wordpress.com/activmathcomp/.

Interatividade

Os MDIs são interativos, não são documentos estáticos dos quais o aluno retira informação

como num PDF tradicional, eles levam o aluno a responder a questões, a completar as

definições, a selecionar as propriedades que fazem sentido, a escolher as opções

significativas, etc.

Criámos os MDIs usado LaTeX e a package eForms que é parte da AcroTeX

(http://www.acrotex.net/) para obter interfaces de utilizador como Combo Boxes, Check Boxes,

Text Fields, etc. Escolhemos usar LaTeX para criar os MDIs porque permite escrever símbolos

matemáticos, também permite criar interação, é grátis e permite gerar documentos PDF aos

quais os alunos podem adicionar comentários. O produto final é um ficheiro PDF de nova

geração que permite interação com o utilizador.

Figura 1. Utilização de ComboBoxes para explorar o conceito de conjunção.

As ComboBoxes permitem aos alunos escolher a opção com significado quando é a

apresentada uma definição, um teorema, um exemplo, uma propriedade ou um exercício (ver

Figura 1). As CheckBoxes permitem a escolha de um ou mais entre vários itens. A diferença

fundamental para as ComboBoxes é que todas as opções estão sempre visíveis e é possível

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escolher mais do que um item. Ambas as caixas, ComboBoxes e CheckBoxes, permitem que

os estudantes escolham uma resposta, mas não dão feedback dizendo se a escolha é a

correta ou não, embora isso seja possívelde implementar. Os TextFields permitem uma

resposta aberta por parte do estudante (ver Figura 2)

Figura 2. Utilização de CheckBoxes e TextFields para explorar o conceito de valor absoluto.

Figura 3.Exemplo de uma página personalizada usando as ferramentas do Adobe Reader.

Outra forma de Interatividade é fornecida pelo facto de ser um arquivo PDF. O Adobe Reader,

permite, em qualquer parte de qualquer página, sublinhar o texto, escrever um comentário,

fazer setas, quadrados ou outras formas, escrever nele usando a ferramenta de lápis, capturar

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um instantâneo e carimbá-lo noutro lugar, capturar voz, etc. Cada aluno poderá personalizar

seu documento de acordo com o seu trabalho como faria em papel, como se exemplifica na

Figura 3.

Escrever simbologia matemática nos MDIs

Os alunos escreviam no MathType (ver Figura 4) e depois copiavam (em formato de imagem)

para o MDI.

Figura 4. Resoluções de exercícios escritas com o editor de matemática (MathType).

Inicialmente admitimos que escrever no MathType pudesse levar a que os alunos resolvessem

os exercícios com calma, pensando passo a passo, e que talvez fosse produtivo. Mas ao fim de

poucas aulas, os alunos e a professora aperceberam-se de que o tempo que os alunos e a

professora gastavam era a pensar em que símbolo colocar, o que escrever, etc. — não

estavam a pensar propriamente no exercício matemático mas sim na forma de o editar.

Enquanto que ao escrever à mão só se pensa em como resolver o exercício — a parte de

escrever à mão é natural, acontece automaticamente — quando se escreve no editor de

matemática, temos de pensar nas duas coisas. Temos que gastar tempo a pensar sobre como

escrever, mesmo para pessoas que teclem rapidamente.

Pelo que, daí em diante, passámos a usar os MDIs como slides, livro, os alunos respondiam

nos MDIs quando a resposta era curta e sem símbolos matemáticos, ou nos momentos de

interação com ComboBoxes, CheckBoxes, etc. mas, para resolver massivamente exercícios,

faziam-no em papel.

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O problema de escrever matemática não aconteceu só connosco. De acordo com Capriotti et

al. (2007) “this difficulty regarding expressing mathematical formulae in the virtual setting is

probably the main obstacle slowing down the spread of e-education in the sciences”.

Aprendizagem ativa, centrada no estudante, ao seu próprio ritmo

Estes documentos promovem a aprendizagem ativa, uma vez que não são estáticos, não

“dizem” só aos alunos o que são os conceitos e como resolver os exercícios, levam também os

alunos a distinguir o que faz e o que não faz sentido para esse conceito.

Para além disso, cada grupo de exercícios começa com exercícios simples e termina com

complicados. Cada estudante resolve os exercícios ao seu próprio passo. Enquanto os alunos

que têm mais facilidade avançam mais rapidamente para os últimos debatendo-se com

exercícios mais complicados. Os alunos que têm mais dificuldades avançam com mais calma,

combatendo cada dificuldade, ganhando autoconfiança e ficando conscientes de que estão a

“construir” o seu conhecimento “tijolo a tijolo”.

As duas figuras anteriores (Figura 2 e Figura 3) e a seguinte (Figura 5) são ilustrativas de como

os MDIs promovem a aprendizagem ativa. De como os MDIs são base de uma aprendizagem

centrada no aluno, onde os alunos aprendem por si próprios, independentemente, ao seu

próprio ritmo. Mais, de que os MDIs levam à construção, por parte dos alunos (de uma forma

orientada e suportada) do seu próprio conhecimento.

Figura 5. Construção do polinómio de Taylor pelo estudante.

Software e links

Os MDIs são utilizados em conjunto com outro software e alguns links.

Um sistema de computação algébrica serve para fazer manipulação algébrica; para vários tipos

de cálculos e para visualização de gráficos.

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Uma folha de cálculo é utilizada principalmente para o estudo de sequências e funções, para

permitir o estudo gráfico e numérico para além do analítico (ver Figura 6).

Figura 6. Utilização da folha de cálculo para obter um gráfico e uma tabela de alguns termos de uma sucessão.

O programa Modellus é utilizado para modelar problemas da vida real. A Figura 7 mostra como

foi possível modelar, através de foto, a frente do Centro Comercial Vasco da Gama, em Lisboa.

Figura 7. Modelagem da frente do Centro Comercial Vasco da Gama utilizando o Modellus.

O Modellus também é utilizado para proporcionar múltiplas representações do mesmo

conceito. Na Figura 8 o MDI utiliza um ficheiro Modellus para ilustrar do ponto de vista

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algébrico, gráfico e numérico, com uma animação, a relação entre o seno de um ângulo

medido no círculo trigonométrico e a função trigonométrica seno.

Figura 8. Múltiplas representações de ( ) usando o Modellus- inclui animações.

Os MDIs também sugerem links externos para applets usando interfaces visuais, muitas vezes

com animações (exemplo: http://www.math.psu.edu/dlittle/java/calculus/taylorseries.html). E

links para páginas onde os alunos podem avaliar o próprio desempenho em tópicos de

matemática básica que são pré-requisitos importantes para AM1. Exemplos:

http://modulos.math.ist.utl.pt/ e http://cmup.fc.up.pt/cmup/apoiomat/. Por fim, os MDIs são ainda

complementados com frequentes mini-testes no Moodle com feedback imediato.

Abordagem dos conceitos

A abordagem dos conceitos segue alguns princípios. A sua apresentação começa por um

problema (uma aplicação do conceito para resolver um problema real) para motivar os alunos e

torná-lo mais concreto (mais tangível para a maioria dos alunos), só então se segue a

generalização e abstração consequente. Em seguida, começam os exercícios a partir do mais

simples até aos mais complexos, tendo em mente a Zona de Desenvolvimento Próximo para

permitir que o aluno faça os exercícios sozinho (ou com um pequeno apoio dos colegas ou do

professor), os exercícios (especialmente os iniciais) pretendem concentrar-se num objetivo de

cada vez. Sempre que faz sentido, são abordadas múltiplas representações dos conceitos (não

somente a forma analítica, mas também as formas gráficas, numéricas e verbal). No final do

capítulo, sugere-se que os alunos façam um mapa conceitual "para organizar na sua mente" os

conceitos e as relações entre eles, para fazerem a visão de conjunto do capítulo.

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É dada ênfase às aplicações da matemática. Por exemplo o problema da Figura 9 tem uma

formulação abstrata que é “determine a menor área de um cilindro com 1000 u.v.”. Nos MDIs é

conscientemente preferido o enunciado na forma de problema da vida real.

Figura 9. Problema sobre a determinação das melhores dimensões de um reservatório.

Figura 10. Exercícios para introduzir as técnicas de primitivação.

A abordagem dos conceitos é feita partindo do concreto para o abstrato em oposição à

abordagem tradicional do cálculo que é feita partindo do abstrato para o concreto (ver Figura

2). Depois de um caso concreto a definição abstrata torna-se mais tangível. É mais simples

fazer conexões com o conhecimento prévio e obter aprendizagem significativa.

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Nos MDI os exercícios são construídos tendo em mente a Zona de Desenvolvimento Próximo

para permitir ao estudante progredir por si próprio ou, no máximo, com a ajuda de um colega

ou do professor. Por exemplo, para os alunos aprenderem a calcular primitivas (ver Figura 10)

não se começa por um exercício difícil, ou por exercícios desgarrados uns dos outros.

Construímos uma sequência que permite ao aluno perceber a lógica por detrás deste conceito.

Em cada momento focamos apenas um objetivo e apenas esse objetivo é explorado. Por

exemplo quando se propõem os exercícios da Figura 10 mostramos ao mesmo tempo a tabela

de derivadas, senão por não saberem as derivadas os alunos não poderão compreender como

fazer primitivas.

Nos MDIs abundam múltiplas representações dos conceitos, sempre que faz sentido, não

abordamos apenas a visão analítica mas também a gráfica, numérica e verbal (ver Figura 11).

Figura 11.Calculo do limite de sucessões usando múltiplas representações.

Os MDIs encorajam os alunos a fazer mapas conceituais (Figura 12) no final de cada capítulo

para compreender as relações entre os conceitos.

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Figura 12. Exemplo de um mapa conceitual.

Estudo

Para avaliar o ActivMathComp, e implicitamente os Materiais Digitais Interativos (MDIs),

fizemos um estudo quasi-experimental (não experimental porque os sujeitos não puderam ser

alocados aleatoriamente). Para tal sujeitou-se uma turma à abordagem ActivMathComp

(Martins, 2013) durante um semestre. Esta turma era constituída por 16 alunos de Análise

Matemática 1 da Licenciatura em Engenharia Civil do Instituto Superior de Engenharia de

Lisboa que decidiram inscrever-se nesta turma experimental. Era pedido a estes alunos que

trouxessem o seu próprio portátil para todas as aulas.

As outras sete turmas, de Análise Matemática 1, com abordagem tradicional funcionaram como

grupo de comparação. A investigadora foi a professora da turma experimental e de duas outras

turmas. Todas as turmas foram submetidas à mesma avaliação final. Chegámos à conclusão

de que a taxa de sucesso e as notas eram significativamente superiores para a abordagem do

ActivMathComp comparativamente com a abordagem tradicional. Estes resultados foram

resistentes a vários testes de enviesamento. Os MDIs constituíam uma parte importante da

abordagem o que sugere uma avaliação positiva destes MDIs, não há no entanto garantia

desta avaliação.

Os MDIs foram utilizados diariamente na sala de aula e a docente seguiu-os como base para

as aulas. A docente não era responsável pela unidade curricular pelo que teve que seguir o

programa previsto e a avaliação final a que se submeteu foi a avaliação “normal” da unidade

curricular. Assim, embora não fosse isso o desejado pela investigadora, as aplicações da

matemática foram exploradas apenas como motivação para os alunos, não no sentido de os

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alunos conseguirem resolver, por si, problemas de aplicação da matemática; e a utilização de

software para obter modelos, gráficos e explorações numéricas, etc. também só se verificou

sendo a professora a “fazer” e depois mostrar aos alunos. Isto aconteceu porque como os

alunos não eram avaliados nestes itens, se gastassem muito tempo neles ficariam com muito

menos tempo para trabalhar o que ia ser avaliado. Tudo o resto foi completamente seguido.

A turma experimental foi submetida a um questionário online sobre o ActivMathComp que

incluía uma parte sobre os MDIs onde os alunos indicaram o grau de acordo/desacordo com as

seguintes perguntas, utilizando a escala: 0-Sem Opinião, 1-Nada,…, 4- Médio,…, 7-Muitíssimo.

Os materiais estavam bem organizados?

Era simples encontrar uma dada matéria/fórmula nos PDFs?

Pareceu-lhe útil a standardização/uniformidade dos materiais?

O facto de os materiais serem muito uniformes atrapalhou a memória visual? Ou seja,

conseguia memorizar que o teorema X era o que aparecia no canto direito daquela

certa página? (como acontece quando escrevemos em papel?)

Achou prático e funcional a experiência inicial de escrever matemática no computador?

Agradou-lhe a forma como as aulas foram conduzidas?

Pareceu-lhe útil o facto de não gastar tempo a passar a teoria (que estava nos slides)

utilizando-o para resolver exercícios?

Foi importante o facto de se ver não só a parte analítica da matemática mas também a

parte gráfica e numérica?

Foi interessante o facto de ver algumas aplicações das matérias que estava a estudar?

Foi-lhe útil o facto de a matéria ser dada de forma interativa e não expositiva. Por

exemplo em vez de a professora afirmar que as propriedades são A< B e C>D. Pedir

aos alunos para preencher com desigualdades as relações entre A e B, e entre C e D.

Responderam todos os alunos exceto um que desistiu do curso. As respostas apresentam-se

na Tabela 1.

Em conversas informais e no Focus Group realizado com estes alunos, a perceção da

investigadora foi de que os alunos gostaram de trabalhar com os MDIs e os consideraram

proveitosos.

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Tabela 1. Número de alunos com um determinado grau de acordo com as afirmações sobre os MDIs.

S.O.

0

Nada

1 2 3

Médio

4 5 6

Muitís

7

N

Média

Bem organizados 5 3 7 15 6.1

Simples encontrar matéria 3 7 5 15 6.1

Uniformidade útil 2 2 6 5 15 5.9

Mau para memória visual 2 2 2 4 3 13 4.3

Prático escrever matem. 2 2 6 1 3 1 15 4.9

Agradaram-lhe as aulas 9 6 15 6.4

Útil não passar teoria 1 2 5 7 15 6.2

Parte Gráfica/Numérica 1 4 6 4 15 5.9

Aplicações 2 3 7 3 15 5.7

Interação útil 1 3 5 6 15 5.1

Conclusões

Os Materiais Digitais Interativos são documentos de aprendizagem que condensam num só

documento todo o material necessário para a unidade curricular (slides, livro, caderno diário,

etc.); que proporcionam interatividade através de ComboBoxes, CheckBoxes e TextFields; que

são pertença do aluno e são personalizados por ele. Estes materiais fomentam a

aprendizagem ativa, centrada no estudante, em que ele evolui ao seu próprio ritmo. São

complementados com o uso de software. A abordagem dos conceitos dá ênfase às aplicações

da matemática, é feita partindo do concreto para o abstrato. São exploradas múltiplas

representações dos conceitos. Os exercícios são apresentados tendo em conta a zona de

desenvolvimento próximal do aluno. Sugerimos a realização de mapas conceituais no final dos

capítulos.

Os Materiais Digitais Interativos foram avaliados de uma forma positiva pelos alunos da turma

experimental que os utilizou. Foi considerado que são organizados, que é simples encontrar

neles um conceito/fórmula desejado e que é útil a sua uniformidade embora tenha, para alguns

alunos, problemas a nível da memória visual. Quanto a escrever matemática num computador,

não é (ainda) possível escrever linguagem matemática de uma forma fluente num computador

de modo que se pense no conteúdo que se está a escrever e não na forma, como acontece

quando se escreve em papel.

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Os alunos gostaram das aulas proporcionadas pelos MDIs, consideraram útil não ter que

“passar do quadro” a teoria, consideraram interessante ver a abordagem gráfica e numérica

dos conceitos, bem como as aplicações dos conceitos. Consideraram útil a interação.

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