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D Cinthya Oliveira [email protected] A origem humilde em Catagua- ses, na Zona da Mata, não impe- diu Luiz Ruffato de se tornar um dos escritores brasileiros de maior destaque internacional no século 21. Para se ter uma ideia de sua repercussão no ex- terior, seu primeiro romance, “Eles Eram Muitos Cavalos”, chegou à terceira edição na Ale- manha, apenas 18 meses após o lançamento por lá. A obra também foi lançada na Argenti- na, México, Colômbia, Itália e França – onde foi colocada nas prateleiras em formato de bol- so, um sinal de popularidade. Nos Estados Unidos, o lança- mento acontece via Amazon, mesmo em formato físico. A mesma trilha de sucesso tem sido percorrida pela série “Inferno Provisório”, que tam- bém começa a ter destaque nos países de língua alemã. “O curioso é que as primeiras edi- ções dos meus livros na Alema- nha saíam com o meu nome pequeno e destaque para o títu- lo. Agora é o contrário, é o meu nome que aparece grande na capa das publicações”, reconhe- ce o escritor. Antes mesmo da Feira do Li- vro de Frankfurt do ano passa- do – quando o Brasil foi home- nageado – ele já era celebrado por editores europeus. Uma prova disso é a antologia “Entre as Quatro Linhas – Contos so- bre Futebol”, lançada inicial- mente na Alemanha e agora pu- blicada no Brasil, via Editora DSOP. A edição brasileira con- ta com 16 autores, como Fer- nando Bonassi, Eliane Brum, Carola Saavedra, André Sant’ anna e Cristovão Tezza. “Em um jantar em Berlim, fa- lei com meu editor que podería- mos realizar uma antologia de contos que tivessem a ver com a Copa do Mundo e a literatu- ra. Ele topou, desde que fossem inéditos”, lembra Ruffato. “Pro- curei dividir bem entre homens e mulheres e tentar mapear o Brasil, sem focar apenas no ei- xo Rio-São Paulo”. Segundo Ruffato, embora o futebol seja extremamente po- pular entre os brasileiros, a te- mática não costumava ser mui- to abordada pelos escritores fic- cionais. Houve, inclusive, um momento em que textos sobre a paixão nacional eram usados por governos (em especial, as ditaduras varguista e militar) para disseminar suas ideolo- gias – fato que afastava os me- lhores escritores do tema. “No século 21, o futebol come- ça a tomar corpo, mas de forma diferente. O futebol do imaginá- rio popular é aquele que deu cer- to, com a seleção vencedora ou os jogadores bem-sucedidos. Mas essa é só a ponta do iceberg. O futebol é feito de dramas e tragédias e as histórias que não deram certo são as mais interes- santes”, diz Ruffato. Leia mais na página 3 DOMINGO HOJE BELO HORIZONTE DOMINGO,27.4.2014 Em campo “No século 21, o futebol começa a tomar corpo, mas de forma diferente. O futebol do imaginário popular é aquele que deu certo, com a seleção vencedora ou os jogadores bem-sucedidos. Mas essa é só a ponta do iceberg. O futebol é feito de dramas e tragédias e as histórias que não deram certo são as mais interessantes” Luiz Ruffato domingo.com.br Sucesso na Europa, o escritor mineiro Luiz Ruffato lança antologia de contos sobre futebol e mais um romance, uma coletânea de crônicas e uma fábula inspirada na própria história Além de “Entre as Quatro Linhas”, Luiz Ruffato já foi organizador de mais de dez antologias, como “25 Mulheres que Estão Fazendo a Nova Literatura Brasileira” e “Mário de Andrade: Seus Contos Preferidos” INTERCONTINENTAL – Luiz Ruffato viaja em maio para a Alemanha para divulgar o lançamento por lá de “O Mundo Inimigo” Editora: Cultura-Patrícia Cassese [email protected] TADEU JUNGLE/DIVULGAÇÃO

Matéria sobre Luiz Ruffato no jornal Hoje em Dia de 27 de abril de 2014

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Matéria sobre Luiz Ruffato no jornal Hoje em Dia de 27 de abril de 2014.

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Page 1: Matéria sobre Luiz Ruffato no jornal Hoje em Dia de 27 de abril de 2014

D

CinthyaOliveira

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Aorigemhumilde emCatagua-ses,naZonadaMata,não impe-diu Luiz Ruffato de se tornarumdos escritores brasileiros demaior destaque internacionalno século 21. Para se ter umaideia de sua repercussão no ex-terior, seu primeiro romance,“Eles Eram Muitos Cavalos”,chegouà terceira ediçãonaAle-manha, apenas 18 meses apóso lançamento por lá. A obratambémfoi lançadanaArgenti-na, México, Colômbia, Itália eFrança – onde foi colocada nasprateleiras em formato de bol-so, um sinal de popularidade.

Nos Estados Unidos, o lança-mento acontece via Amazon,mesmo em formato físico.A mesma trilha de sucesso

tem sido percorrida pela série“Inferno Provisório”, que tam-bém começa a ter destaque nospaíses de língua alemã. “Ocurioso é que as primeiras edi-ções dos meus livros na Alema-nha saíam com o meu nomepequenoedestaqueparao títu-lo. Agora é o contrário, é omeunome que aparece grande nacapadaspublicações”, reconhe-ce o escritor.Antes mesmo da Feira do Li-

vro de Frankfurt do ano passa-do – quando o Brasil foi home-nageado – ele já era celebrado

por editores europeus. Umaprovadisso éaantologia “Entreas Quatro Linhas – Contos so-bre Futebol”, lançada inicial-mentenaAlemanhaeagorapu-blicada no Brasil, via EditoraDSOP. A edição brasileira con-

ta com 16 autores, como Fer-nando Bonassi, Eliane Brum,Carola Saavedra, André Sant’anna e Cristovão Tezza.“Emum jantar em Berlim, fa-

lei commeueditorquepodería-mos realizar uma antologia decontos que tivessem a ver coma Copa do Mundo e a literatu-ra. Ele topou, desde que fosseminéditos”, lembraRuffato. “Pro-curei dividir bementre homense mulheres e tentar mapear oBrasil, sem focar apenas no ei-xo Rio-São Paulo”.Segundo Ruffato, embora o

futebol seja extremamente po-pular entre os brasileiros, a te-mática não costumava ser mui-toabordadapelos escritores fic-

cionais. Houve, inclusive, ummomento em que textos sobrea paixão nacional eram usadospor governos (em especial, asditaduras varguista e militar)para disseminar suas ideolo-gias – fato que afastava os me-lhores escritores do tema.“Noséculo21,o futebol come-

ça a tomar corpo, mas de formadiferente.O futebol do imaginá-riopopularéaquelequedeucer-to, com a seleção vencedora ouos jogadores bem-sucedidos.Masessaésóapontado iceberg.O futebol é feito de dramas etragédias e as histórias que nãoderam certo são asmais interes-santes”, diz Ruffato. l

Leiamais na página 3

DOMINGOHOJE

BELOHORIZONTEDOMINGO,27.4.2014

Emcampo

“Noséculo21,ofutebolcomeçaatomar

corpo,masdeformadiferente.Ofutebol

doimagináriopopularéaquelequedeu

certo,comaseleçãovencedoraouos

jogadoresbem-sucedidos.Masessaésóa

pontadoiceberg.Ofuteboléfeitode

dramasetragédiaseashistóriasquenão

deramcertosãoasmaisinteressantes”

LuizRuffato

domingo.com.br

SucessonaEuropa, oescritormineiroLuizRuffato lançaantologiadecontos sobre futebol emais umromance, umacoletâneadecrônicaseuma fábula inspiradanaprópriahistória

Além de “Entre asQuatro Linhas”, LuizRuffato já foiorganizador demais dedez antologias, como“25Mulheres que EstãoFazendo a NovaLiteratura Brasileira” e“Mário de Andrade:Seus Contos Preferidos”

INTERCONTINENTAL–Luiz

Ruffatoviajaemmaioparaa

Alemanhaparadivulgaro

lançamentopor láde“O

MundoInimigo”

Editora:

Cultura-Patrí[email protected]

TADEU JUNGLE/DIVULGAÇÃO

Page 2: Matéria sobre Luiz Ruffato no jornal Hoje em Dia de 27 de abril de 2014

Quando foi convidadopara realizar a aberturada Feira de Frankfurt,no ano passado, Ruffatonão imaginou que gera-ria tanta polêmica noBrasil. Desenvolvido aolongode40dias e entre-gue com bastante ante-cedência (para que fos-se transcrito para o ale-mão e o inglês), o textoapontou para todos osproblemasgraves viven-ciados no país.A violência – sofrida

especialmente pelosmais pobres – foi o temamais abordado. “Nasce-mossobaégidedogeno-cídio. Dos quatro mi-lhões de índios que exis-tiam em 1500, restamhoje cerca de 900 mil,parte deles vivendo em

condições miseráveis emassentamentos de beirade estrada ou até mesmoemfavelas nas grandes ci-dades”, disse o escritor noevento. Homofobia, ma-chismo, racismo e o abis-mo que há entre ricos epobres foram alguns as-suntos apontados.No mesmo dia, ele teve

de lidar com uma chuvade críticas. “Nunca imagi-nei um texto diferente pa-raomomentoenemespe-rava que fosse polêmico.Estava de acordo commeu compromisso comointelectual. Poderia serumtexto lidoemCatagua-ses, emBeloHorizonte ouFrankfurt, isso não faz amenor diferença. Se eunãopuder levar essa refle-xão a uma feira de livros,para onde levarei? A umafeira de gado?”, questio-na Ruffato.“Tevegentequequestio-

nou o fato de eu falar deproblemasdoBrasil,dizen-do que minha viagem foipagapelogovernobrasilei-ro. Não, a viagem não foipaga pelo governo, maspeloEstadobrasileiro, queé diferente. E não aceitoque digam que a fala nãoera adequada ao lugar,porque isso não é argu-mento. Errado seria men-tir sobre o Brasil”. (CO) l

Polêmica emFrankfurtnão era esperada

[email protected]

Luiz Ruffato é a provade que sucesso não éconquistado apenascom talento, mas tam-bémcomintensadedica-ção e disciplina. Quan-do está em sua casa, nobairro Perdizes, em SãoPaulo, ele acorda sem-pre às 6h para ler jor-nais e tomar café dama-nhã.Das7às 12h, escre-ve para seus projetos li-terários. À tarde, se tor-na “funcionário de mimmesmo”, com afazeresadministrativos, domés-ticos e de produção –agendandoviagens ene-gociando contratos. “Es-tou tentando estabele-cer uma rotina tambémem hotéis, mas isso ébemmais complicado”.O resultado de tanta

disciplina é um trabalhoprofícuo. Nem bem lan-çou “Entre as Quatro Li-nhas”, ele já se preparapara colocar no merca-doo romance “FloresAr-tificiais”, previsto parachegar às livrarias no fi-naldemaiopelaCompa-nhia das Letras. A histó-ria parte do engenheiroDorio Finetto que traba-lhou como consultor doBanco Mundial e viajouomundo inteiro.Duran-te o Réveillon de 2000,ele se vê sozinho em seubelo apartamento noRio de Janeiro, e senteuma intensa depressão.“Ele vai se tratar com

um psiquiatra, mas nãoconta histórias de suavida, mas de pessoasque ele conheceu.Opsi-quiatra, então, fala pa-ra ele escrever essas his-

tórias e o engenheiro en-via para mim. São histó-rias bacanas, masmal es-critas e as reescrevo. Éuma viagem a uma terraalheia”, adianta Ruffato,confirmando que o enge-nheiro existe e hojemoraem Itaipava, região serra-na do Rio de Janeiro.Mas os lançamentos de

2014 não param por aí.Ruffato acaba de assinarum contrato com a Edito-ra DSOP para a edição de“AHistória Verdadeira doSapo Luiz”, uma fábula

(que não necessariamen-te precisa ser relacionadaao universo infantil) cria-da a partir da história devida do próprio escritor.Já em novembro, sai pelaeditora Arquipélago umacoletânea de crônicas queo escritor mineiro desen-volveu para o jornal espa-nhol El Pais.

REFERÊNCIASe Ruffato soube ter umaprodução abundante econsistente desde 2001,quando lançou “Eles

EramMuitosCavalos”,de-ve ao aprendizado passa-do por seus pais, que tra-balharam como pipoquei-ro e lavadeira. “Tive paisque sempre me mostra-ram que tinha que trilharcaminho da educação.Embora tenha estudadoem escolas ruins, semprepersegui o objetivode sairda ignorância”, explica oescritor, que credita seusucesso a uma somatóriade qualidades. “Tive em-penho, trabalho, discipli-na e foco”. l

Nascidoem1961,Ruffatotrabalhoucomooperáriodeumafábricatêxtil,pipoqueiroelojista,antesdesetornarjornalistapelaUniversidadeFederaldeJuizFora.Ouniversodostrabalhadoresdaclassemédiabaixa,queconhecetãobem,setornouofocodesualiteratura.Maselenãoaceitaquesecoloqueumrótuloemsuaobra.“Nuncadeixeiquefalassemquefaçoumaliteraturasocial,operáriaouregional.Adjetivarumaliteraturaérebaixá-la.Sóporqueéumescritornegronãoquerdizerquefaçaliteraturanegra.Sóporqueéumamulher,nãoquerdizerquefaçaliteraturafeminina”.

Suapreocupaçãonãoéapenascomospersonagens,mastambémemprocurarporumalinguageminteressante,quemexacomointelectodoleitor.“Descobriqueeuprecisavaarruinaralinguagemparaconstruiralgumacoisa”,afirmaRuffato.“Paraalémdahistória,existeumapropostadetranscendênciadahistóriaeissosóaconteceatravésdalinguagem.Quandoleioumtexto,desejoumamudançaemmim”.

Novo romancedeRuffato, “FloresArtificiais”, foi construídoapartir deescritosdoengenheiroDorioFinetto

Porumaliteraturasemrótulos

TRABALHO–

Exemplode

comooestudoé

transformador,

Ruffato

trabalhoucomo

operáriode

fábrica,

pipoqueiroe

lojista,antesde

estudarna

Universidade

FederaldeJuiz

deForaese

tornar

jornalista

Umaviagemporhistórias alheias

Funcionário doBancoMundial, oengenheiro DorioFinetto enviou aRuffato o livro“Viagens à TerraAlheia”, que foireescrito etransformado noromance “FloresArtificiais”

Em Frankfurt: “Oque significa serescritor num paíssituado na periferiadomundo, um lugaronde o termocapitalismoselvagem definitiva-mente não é umametáfora? Escreveré compromisso”

ZIRALDO–Ocartunista foiumdos intelectuaisquese

manifestarampublicamentecontrao textodeRuffato

SAIBAMAIS

Perfil

ADRIANA VICHI/DIVULGAÇÃO

IVALDO CAVALCANTE/DIVULGAÇÃO

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hojeemdia.com.br l03BeloHorizonte,domingo,27.4.2014

DOMINGO,HOJEEMDIA