Marx Segundo ERIC VOEGELIN.pdf

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    Karl Marx segundo Eric Voegelin

    Mendo Castro Henriques, professor na Universidade Catlica de Lisboa e j conhecido dosvisitantes desta homepage, selecionou alguns textos inditos compostos por Eric Voegelinpara oabortado projeto de uma History of Political Ideas e com eles montou um volume, Estudos de

    Idias Polticas de Erasmo a Nietzsche, publicado pelas Edies !tica, de Lisboa, em "##$% &oiportanto em portugu's (ue esses textos, originalmente datilografados em ingl's, se publicaram pelaprimeira ve) no mundo% * volume saiu com uma bela introdu+o pelo prprio endo Castro-enri(ues e uma nota assinada pela vi.va do autor, Liss/ 0oegelin% 1 *% de C%

    Karl Marx (1818-1883)

    por Eric Voegelin

    2radu+o de endo Castro -enri(ues

    1.1. Marx: histria e lenda.

    3o iniciar o estudo de arx, nunca demais acentuar (ue a polmica partidria dificultou o acesso4 obra5 muitos escritos considerados secundrios permaneceram inditos at 4 edi+o E63 de"#78197 e, ainda em vida, a pessoa histrica de arx desapareceu debaixo da figura m:tica% ;osmarxistas da primeira gera+o e nos da revolu+o russa, cresceu a lenda (ue n+o valia a penaconhecer o filsofo precoce (ue, apenas a partir de " desenvolvera as verdadeiras intuies no

    Manifesto e e m O Capital, e (ue foi fundador da "? @nternacional% Aebateu1se, depois, se overdadeiro arx era o de Bernstein, autsD/, osa Luxemburgo ou Lenine% F aps o @nstitutoarx1Engels1Lenine de oscovo e os sociais1democratas alem+es desenterrarem os manuscritosdos ar(uivos comeou uma interpreta+o sria na (ual se destacam as obras de F%Landshut e G%H%a/erDer historische Materialismus. Die Frhschriften, 7 vols%, Leip)ig, "#97%

    Hor detrs desta histria de incompreens+o e redescoberta est a tragdia do activista% Hara passar dovelho para o novo mundo, arx exigia uma metanoia, semelhante 4 convers+o de BaDunine masobtida atravs de um movimento revolucionrio% 3 revolu+o seria uma mudana radical dohomemI permitiria derrubar as instituies e purificar a classe operria% Libertaria a classe oprimidada Jporca misriaJ KDrecke e permitiria recriar a sociedade% arx n+o (ueria criar primeiro o povoeleito e depois fa)er a revolu+oI pretendia (ue a cria+o do Jpovo eleitoJ resultasse da experi'nciada revolu+o% Esta ideia profundamente trgica por(ue, caso n+o houvesse revolu+o, o cora+ohumano n+o mudaria% * carcter insensato da ideia permaneceria mascarado at (ue a experi'nciafosse levada a cabo% E ao contrrio do (ue se passou com o anar(uismo de BaDunine, este carcter

    peculiar da ideia marxiana foi agravado pela vis+o comunista do novo mundo%

    1.!. "#is$o dos reinos da necessidade e da li%erdade.

    arx sobressai entre os revolucionrios da sua gera+o pelos superiores poderes intelectuais% Evocaum novo mundo mas n+o cai nas propostas delirantes de aboli+o da sociedade industrial e nasutopias socialistas% Gamais aceitaria a metamorfose comteana da tradi+o francesa catlica dosclercsem intelectuais positivistas, desejosos de con(uistar o poder temporal% 3travs de -egel e dos

    jovens hegelianos, herdara as tradies do protestantismo intelectualista luterano, defensor daverdadeira democracia reali)ada em cada homem% ;o mundo do sistema industrial, o novo reino da

    liberdade resultaria da experi'ncia emancipadora da revolu+o%Esta vis+o n+o foi um apenas um episdio da juventude5 permaneceu constante at ao fim da vida%Em O Capital vol%9, reflecte na grande vantagem do sistema de produ+o capitalistaI maior

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    produtividade e, portanto, redu+o do horrio laboral% * homem civili)ado e o primitivo t'm delutar com a nature)a para satisfa)er car'ncias5 nenhuma revolu+o abolir este reino da necessidadenatural, (ue continuar a crescer 4 medida das necessidades humanas% 3 liberdade neste dom:nioser, (uando muito, a regulamenta+o racional do metabolismo humano% * homem sociali)ado, dervergesellschaftete Menschpoder controlar colectivamente este metabolismo, redu)indo as horas detrabalho e as perdas de produ+o e organi)ando os la)eres em ve) de os deixar ao acaso% F depois

    comea o reino da liberdade, a finalidade (ue n+o resulta da base material mas da experi'ncia darevolu+o%

    3 distin+o entre os dois reinos bastante clara% 3 aboli+o da propriedade privada n+o o fim emsi mesmo e o controle colectivo s interessa para diminuir as horas de trabalho% 3s horas de la)erganhas s+o o solo no (ual o reino da liberdade poder enrai)ar1se% 3 burguesia usa esse tempo paracio, entretenimento recreio, jogo, divertimento% as ser isto preencher a liberdadeM Aados osconhecimentos filosficos de arx, por reino da liberdade dever1se1ia entender a ac+oconcreti)adora das capacidades humanas, algo de semelhante 4s aristtlicas schol e !iostheoretikos% * decisivo (ue a liberdade n+o provenha da base material mas da experi'ncia derevolu+o% 3 supera+o K"ufhe!ung do trabalho convert'1lo1ia em auto1determina+o

    K#el!st!et$tigung%

    1.3. & desca'inho de Marx 183-18.

    Ae "

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    revolu&-esJ% 3 revolu+o foi transformada em evolu+o% -orrios, salrios e controles laboraispoderiam ser ad(uiridos por legisla+o% 3 ala revisionista tornara1se um movimento de reformasocial%

    Fe no dom:nio das ideias estes problemas marxistas t'm pouco interesse, j no da histria s+oimportant:ssimos% Hara um autsD/ convicto de (ue revolu+o inescapvel, o revolucionrioapenas tem de esperar (ue a situa+o esteja madura para agir% * revolucionrio genu:no aguarda5 outpico fa) aventuras% Este descaminho (uase cmico de autsD/ aparece j no arx de "

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    6uerra, sendo estigmati)adas por arl raus como o tic:tac dos t,c:ticosmarxistas%

    1.. /riun0o ol2tico do 'arxis'o.

    ;um artigo de Enciclopdia de"#"=, Lenine fa) curta biografia de arx e depois expOe oaterialismo &ilosfico, baseando1se no "nti:Dhring, na dialctica em Engels e &euerbach e na

    concep+o materialista da histria, da pgina famosa da Cr4tica da 8conomia Politica% Aepois vemluta de classes e doutrina econmica, socialismo e tctica% ;+o h uma s palavra sobre o Jreino daliberdadeJ e as suas precrias reali)aes% Aeste modo, Lenine e os leninistas recuperaram a tens+orevolucionria no dom:nio da necessidade mas perderam1na ao n:vel da liberdade% 3 passagem dotempo obrigava1os a considerarem cada ve) mais os acontecimentos histricos como passostcticos% 3ps "#"8 continuou a debater1se se a(uela era mesmo a grande revolu+o, se apenas oseu comeo, se deveria ser expandida no mundo, se estaria segura en(uanto n+o fosse mundial, sepoderia ser num s pa:s, (uanto tempo levaria o Estado a desaparecer,etc% Como aps o triunforusso n+o surgiu o Hentecostes da liberdade, surgiu a in(uieta+o% * jogo da tctica servia para osdirigentes mas o comum n+o o entendia% Hassaram de), vinte anos, e o Estado n+o desaparecia% E arelevNncia doutrinria de Estaline consiste em ter encontrado um substituto para o milnio 1 a ptriado socialismo% 3 injec+o de patriotismo no comunismo russo um apocalipse substituto paramassas (ue n+o podem viver em permanente tens+o revolucionria% as a tctica do descaminhon+o desaparece s por(ue uma paragem tctica foi oferecida 4s massas%

    !.1. ial4ctica in#ertida. " 0or'ula5$o da quest$o.

    3 dialctica da matria uma invers+o consciente da dialctica hegeliana da ideia, e corresponde aprocessos semelhantes praticados por sofistas, iluministas e anar(uistas% Fob a designa+o maisrespeitvel de Jmaterialismo histricoJ ou mesmo Jinterpreta+o econmica da histria e dapol:ticaJ correntemente aceite e surpreende (ue o diletantismo filosfico de tais teorias n+o abale

    a sua influ'ncia macia% Aialctica um movimento intelig:vel das ideias, (uer na mente (uernoutros dom:nio do ser ou, ent+o, em todo o universo% -egel interpretava a histria dialecticamentepor considerar o logosincarnado na histria% ;o Hrefcio 4 7? ed% de O Capital, "

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    !.!. " roi%i5$o-de-erguntar ouFragesverbot.

    as se afinal arx compreendia perfeitamente -egel, como revela a passagem da Cr4tica da8conomia Pol4tica0p%lv%, onde mostra (ue a filosofia cr:tica discorda de vis+o pr1cr:tica, foi talve)por desonestidade intelectual (ue deliberadamente se fe) desentendido% R um problema depneumopatologiaI receava os conceitos filosficos, sofria de logofo!ia% Engels no"nti:Dhring, ed"#"#, pp%"P e ss%, dissera (ue o materialismo moderno dialctico pois dispensa uma filosofiaacima do discurso das ci'ncias% En(uanto a dialctica pes(uisar leis e processos de evolu+o, afilosofia suprflua% Cada ci'ncia (uer clare)a no contexto total das coisas e dos conhecimentos dascoisas K6esamt%usammenhang 5 mas uma ci'ncia particular do total suprflua e pode serdissolvida em ci'ncia positiva da nature)a e da histria% 2ambm a(ui, apenas umapneumopatologia pode conferir sentido a estas afirmaes de Engels% *s conceitos cr:ticoscondu)iriam ao contexto total da ordem do ser ou ordem csmica% Um contexto total n+o deveexistir para o sujeito autnomo de (ue arx e Engels s+o insignificantes predicados5 a existir, scomo predicado de todos os sujeitos, nomeadamente Engels e arx%

    3tingimos a(ui o estrato profundo da revolta marxiana contra Aeus% 3 anlise levaria a reconhecer aordem do logosna constitui+o do ser, esclarecendo como blsfmia in.til a ideia marxiana de

    estabelecer um reino da liberdade e de mudar a nature)a do homem atravs da revolu+o% Comoarx se recusa a utili)ar uma linguagem cr:tica, temos de compreender os s:mbolos a (ue recorre%arx criou um meio espec:fico de express+oI (uando atinge um ponto cr:tico, apresenta metforas(ue foram as relaes entre termos indefinidos como se viu no j citado passo do Hrefcio, p%xvii Jo ideal nada mais (ue o material transformado e tradu%ido na ca!e&a do homem J% Feria umaafirma+o brilhante se condensasse numa imagem o (ue j fOra dito de modo cr:tico% as oproblema (ue n+o existe esse contexto cr:tico% * (ue JpOr na cabeaJ M R milagre fisiolgico M3ctividade mental M 3cto cognitivo M Hrocesso csmico M 3tente1se de novo na passagem da=ritik

    p.lv>

    "? J*a produ&'o social dos seus meios de e;ist?ncia0 os seres humanos efectuam rela&-es

    definitivas e necess,rias (ue s'o independentes da sua vontade0 rela&-es de produ&'o (uecorrespondem a um est,dio definido de desenvolvimento das suas for&as produtivas materiais J% *estilo fraco mas passagens anteriores explicaram cada um destes termos% 7? JO agregado destasrela&-es de produ&'o constitui a estrutura econ7mica da sociedadeJ% ;ada a di)er% 9? J" estruturaecon7mica da sociedade a !ase real na (ual uma superestrutura

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    da histria e a insist'ncia de (ue j existe o In!egriff , o total da verdade absoluta% Censura atentativa de interpretar a histria como desdobramento de uma ideia (ue alcanou conclus+o nopresente% econhece, portanto, a falcia da gnose histricaI o decurso emp:rico da histria n+o deveser interpretado como o desdobramento da @deia%

    as Engels engana1se redondamente ao argumentar (ue o processo da histria, por nature)a, n+oencontra conclus+o natural mediante a descoberta de uma verdade absoluta% Helo contrrio, esseseria o .nico modo poss:vel de encontrar uma conclus+o para o decurso emp:rico da histria5 pelamesma ra)+o, a histria n+o fechada mas permanece processo transcendental% 3 falcia destagnose consiste na imanenti)a+o da verdade transcendental% Fe (uissesse di)er a verdade, Engelsdeveria afirmar (ue o fim1da1histria imanentista n+o pra a historia e, portanto, n+o deve ser usado%as para Engels apenas a realidade emp:rica tem significado como desdobramento da ideia massem a conclus+o, um eterno fluxo de -eraclito% 3 realidade hegeliana do desdobramento da ideia abolida e fica s a realidade emp:rica como se fosse uma @deia% Ao mesmo modo se explica aincompreens+o do problema de -egel por parte de arx como:se:fossedeliberada% 3rrasta1se osignificado da ideia para a realidade, sem encontrar o problema da metaf:sica da ideia%

    3 confus+o entre realidade emp:rica e a realidade da @deia arrasta a dialctica da ideia para a

    realidade emp:rica% * marxiano apresenta o filsofo como uma criana da escola (ue ainda acreditana conclusividade dos sistemas metaf:sicos% as ent+o o marxismo n+o seria tambm um diaultrapassvel M ;a confus+o em (ue Engels se move, as dificuldades deste gnero s+o ultrapassveispelo simples es(uecimento% Cem pginas adiante, Engels reconhece (ue -egel descobriu (ue odecurso da histria a reali)a+o da liberdade5 -egel compreendeu (ue a liberdade a intui+o danecessidade%J" necessidade cega apenas en(uanto n'o compreendidaJ% 3 liberdade da vontade apenas a capacidade de tomar decises baseadas em conhecimentos K#achkentnnis% E a liberdadeprogride com as descobertas tecnolgicas% 3 m(uina a vapor a promessa da J verdadeirali!erdade humanaJ% Que a incarna+o do logosseja substitida pela m(uina a vapor bem umsintoma da indisciplina intelectual de Engels, na (ual se conjugam vrias tend'ncias dadesintegra+o ocidental%

    "% 3 gnose de arx1Engels difere da de -egel apenas por afastar um pouco o fim1da1histria, paraabarcar a curta etapa da revolu+o%

    7% Como s a forma da conclus+o intelectual de -egel, n+o a substNncia, o intelecto programticotorna1se o portador do movimento% - um salto revolucionrio para a nature)a revolucionada dohomem% Elimina1se o !ios theoretikos.F fica o conhecimento do mundo exterior% Quem conhecero problema do propsito (ue causa indecis+o, ser livre% E Lenine, (ue se baseia mais em Engels do(ue em arx, louva a(uele no artigo de Enciclopdia em"#"= sobre Os 8nsinamentos de Mar;portransformar a coisa1em1si em coisa1para1ns% R a destrui+o da substNncia humana%

    9% 3 frmula de (ue a liberdade consiste no dom:nio do homem sobre a nature)a e sobre si prprio,

    lembra as posies de Littr, ill e de outros intelectuais positivistas e liberais (ue s+o fontes deEngels% - bastante espao entre as capas do livro para desenvolver esta especula+o pseudolgica%3pesar de ter dissolvido a exist'ncia humana, Engels ocupa1se da moral crist+1feudal, burgu'smoderna e da moralidade proletria% ;+o existe outra tica absoluta a n+o ser o sistema proletrio,tema maior da8ndgltigkeitcomo sistema moral de sobreviver no fim%

    !.. 6n#ers$o.

    0imos de (ue modo o ata(ue anti1filosfico marxiano, estabelecendo a realidade emp:rica comoobjecto de investiga+o, utili)a um meio lingu:stico especial5 a destrui+o logofbica dos problemasfilosficos% Aentro do novo meio de express+o, nada se inverte5 a gnose hegeliana tradu)ida emespecula+o pseudolgica% 3 invers+o surge numa terceira fase em (ue o resultado das duasprimeiras operaes construido como uma interpreta+o dos reinos do ser a partir da base dahierar(uia ontolgica%

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    Hara analisar esta tarefa de arx, seria a(ui necessria uma filosofia da cultura% Feria precisoexplicarI "3 nature)a dos fenmenos culturais5 7 Que tais fenmenos podem ser considerados apartir de uma base da exist'ncia, por exemplo, a matria5 9 E finalmente, o (ue esta base daexist'ncia% arx s fornece a frmula de (ue a consci'ncia condicionada pela exist'ncia% Furgemainda passagens sobre JideologiaJ% H* pp%lv e ss% 3s revolues comeam na esfera econmica earrastam a superestrutura% Fe isso significa (ue o conte.do da cultura mais n+o sen+o luta pelo

    dom:nio da esfera econmica, n+o verdade%Em rela+o 4 base do fundo da exist'ncia, veja1se a nota