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8/14/2019 MAROLA, SEGUINDO O CURSO DAS GUAS PROJETO EXPERIMENTAL EM VDEO
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE SANTA CRUZ
DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
COLEGIADO DE COMUNICAO SOCIAL
JAQUELINE DE JESUS CERQUEIRA
MAROLA, SEGUINDO O CURSO DAS GUASPROJETO EXPERIMENTAL EM VDEO
ILHUS BAHIA2008
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JAQUELINE DE JESUS CERQUEIRA
MAROLA, SEGUINDO O CURSO DAS GUAS
PROJETO EXPERIMENTAL EM VDEO
Memorial Descritivo apresentado ao curso
de graduao em Comunicao Social Rdio e TV da Universidade Estadual deSanta Cruz como requisito parcial paraobteno do grau de Bacharel emComunicao Social.
Orientador: Prof. Me. Antnio Marcus Lima Figueiredo
ILHUS BAHIA2008
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JAQUELINE DE JESUS CERQUEIRA
MAROLA, SEGUINDO O CURSO DAS GUAS
PROJETO EXPERIMENTAL EM VDEO
Memorial Descritivo ao curso degraduao em Comunicao Social Rdio e TV da Universidade Estadual deSanta Cruz como requisito parcial paraobteno do grau de Bacharel emComunicao Social.
Banca Examinadora
____________________________________________
Prof. Me. Antnio Marcus Lima Figueiredo - Orientador
____________________________________________
Prof. Me. Rodrigo Bonfim Oliveira
____________________________________________
Prof. Me. Roberto Pazos Ribeiro
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Meu irmo Paulo Alexandre de Jesus Cerqueira, que foi para to longe de ns em
busca de um sonho. Mas o que nos conforta a certeza de que este sonho
aconteceu primeiro no corao de Deus.
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AGRADECIMENTOS
Ao Deus da minha vida, por me mostrar a cada dia, nas coisas mais simples, a
razo de existir e pela fora nos momentos difceis.
Aos meus pais, Maria de Ftima Cerqueira e Emiliano Cerqueira Filho, por todo
amor, pelas oraes intercessoras e pela compreenso.
Ao meu noivo e amigo Celso, pelo carinho, amor e pela compreenso nos
momentos de pnico e ainda pela disponibilidade de me acompanhar nas pesquisas
de campo.
Aos meus tios e avs pelas oraes e pela unio.
s marisqueiras de Ilhus (Zelina, Ktia, Ins, Dinalva, Tertulina e Rosemeire) pela
grande contribuio e pela disponibilidade em participar do documentrio
Aos colegas de trabalho da TV Cabrlia e em especial a Lorena Pio, pela fora ecompreenso com os horrios de edio e gravao.
s colegas Fabiana e Poly, pela ajuda nesse processo. Duas pessoas muito
queridas que descobrir nessa nova turma.
Ao meu orientador Antnio Figueiredo, pela competncia e seriedade.
Emiron Golveia pela disponibilidade em ajudar sempre.
Ao grande cinegrafista Hlio Heleno, pelas belas imagens e pela dedicao ao
trabalho.
Camila Oliveira, pela pacincia durante a edio e disposio em ajudar.
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A histria pra mim foimais triste de que alegre,
porque enfrentar esse manguepra criar dez filhos no fcil,
mas eu criei.(Tertulina Mota, marisqueira do Teotnio Vilela, Ilhus)
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CERQUEIRA, Jaqueline de Jesus. PROJETO EXPERIMENTAL EM VDEO:MAROLA, SEGUINDO O CURSO DAS GUAS- Bahia. 56f. il 2008. Memorial
Descritivo (Graduao) Comunicao Social - RTV, Universidade Estadual deSanta Cruz, Ilhus, 2008.
RESUMO
Este memorial visa embasar teoricamente o contedo temtico, o suportevideogrfico e os procedimentos metodolgicos desenvolvidos para a realizao doprojeto experimental em vdeo Marola. Atravs do estudo de Gnero, buscou-seentender a representatividade da mulher na comunidade pesqueira. Por meios dos
estudos da relao de gnero e trabalho que tem como anlise principal, a divisosexual do trabalho, ser possvel compreender uma constante existente na histriadas mulheres e homens. O presente projeto no analisa um grupo especfico demarisqueiras, mas trabalha com histrias isoladas em detrimento da valorizao dahistria de cada uma entorno de uma mesma atividade profissional.
Palavras-Chave: Gnero. Trabalho. Marisqueiras. Meio ambiente. Audiovisual.
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CERQUEIRA, Jaqueline de Jess. PROYECTO EXPERIMENTAL EN VIDEO:Marola, que va al gua - Bahia. 56f. il de 2008. Memorial descriptivo (Graduacin) -
Medios de comunicacin - RTV, Universidade Estadual de Santa Cruz, Ilhus, 2008.
RESUMEN
Este memorial se destina base terica del contenido temtico, el apoyo devdeo y los procedimientos metodolgicos para la aplicacin experimental delproyecto en video "Marola". A travs del estudio de gnero, tratando de entender larepresentacin de la mujer en la comunidad pesquera. Por medio de estudios de larelacin entre el gnero y el trabajo que tiene como principal el anlisis, la divisinsexual del trabajo, puede comprender una constante en la historia de las mujeres ylos hombres. Este proyecto no se ocupa de un grupo especfico de marisqueiras,pero el trabajo con historias individuales en lugar de la recuperacin en la historia decada una de cualquier lugar de una sola actividad profesional.
Palabras clave: Gnero. Trabajo. Marisqueiras. Meio ambiente. Audiovisual.
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SUMRIO
1 INTRODUO 10
2 DA MULHER AO GNERO 132.1 Gnero e Trabalho 132.2 A diviso sexual do trabalho e a mulher pescadora 182.3 As marisqueiras e meio ambiente 22
3 DA OBSERVAO A CRIAO 283.1 Marola: um modo observativo 283.2 Na prtica 303.3 Conhecendo um ponto de vista por meio da voz 323.4 Gravando 343.5 Trilha Sonora: independncia como conceito 37
3.6 O que o filme representa? 40
4 CONSIDERAES FINAIS 43
REFERNCIAS 45
ANEXOS 48I Roteiro de Edio 48II Ficha Tcnica 55III Ficha de Decupagem 55IV Fotografia 56
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1 INTRODUO
O presente memorial tem como objetivo relatar o processo de
desenvolvimento do vdeo documentrio Marola, seguindo o curso das guas, alm
de contextualizar historicamente o tema de reflexo do vdeo. Atravs dos
depoimentos das pescadoras, mais conhecidas como marisqueiras, contidos no
vdeo, o presente trabalho levanta uma discusso a cerca do trabalho feminino na
pesca numa perspectiva de gnero.
As pescadoras entrevistadas so da cidade de Ilhus e vivem da cata de
mariscos como o moapen e o siri. Ilhus est localizada no sul da Bahia e por ser
uma cidade litornea, possui um grande fluxo na atividade pesqueira. O municpiopossui cerca de vinte comunidades pesqueiras e os principais locais de pesca
podem se encontram na barra de Ilhus, na costa, e nas lagoas e rios internos:
Cachoeira, Almada e Lagoa Encantada. Cada comunidade de pesca apresenta as
suas peculiaridades, porque o meio vai oferecer determinado tipo de espcie para a
sua captura.
As mulheres que vivem da pesca no municpio so consideradas pescadoras
artesanais porque trabalham com instrumentos considerados rudimentares e pegampouca quantidade de mariscos e peixes. Ao exerceram este tipo de pesca, as
mulheres contribuem para o equilbrio ambiental mesmo que de forma no
perceptvel, ou seja, parece no haver, por parte das pescadoras, a conscincia da
relao direta entre as atividades por elas desenvolvidas e a conservao dos
recursos ambientais. (SANTOS; COSTA, 2004).
As peculiaridades da profisso motivou a realizao do vdeo. Historicamente
possvel notar a presena marcante das mulheres em todo o mundo. Ao longo dahistria elas conquistaram espao no mercado de trabalho, na poltica e se tornaram
objeto de estudos para muitos pesquisadores.
Nesse documentrio o que se v so mulheres que conseguiram seu espao
mesmo em uma comunidade tradicional de pesca e em propores pouco vistas
pela comunidade. Ao escolher trabalhar com estudos de gneros tomando como
base marisqueiras no sul da Bahia, h uma plena convico de que, as conquistas
das mulheres em um mbito regionalizado so pouco vistas.
So mes, esposas e filhas que se dividem entre os trabalhos domsticos e a
atividade da pesca. J que a pesca uma atividade considerada tipicamente
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masculina, o exemplo das mulheres marisqueiras um retrato da considervel
alterao do papel da mulher nas ltimas dcadas.
Dentro desse contexto, ser necessrio estudar os conceitos de gnero e
trabalho que tem como anlise principal, a diviso sexual do trabalho, uma constante
na histria das mulheres e homens. Para alguns autores, as diferenas, longe de
serem naturais so, antes, elaboradas a partir de um discurso que social e
discriminatrio.
As mulheres marisqueiras de Ilhus entrevistadas no projeto experimental,
participam das atividades da pesca tanto na coleta quanto na cata de mariscos.
Desta forma o trabalho dessas mulheres no meramente de complemento ou
ajuda na renda familiar, j que assim como os homens, elas dividem espaosprodutivos, na atividade da pesca artesanal, desde a tarefa da pr-captura, captura e
ps-captura.
Nos depoimentos do vdeo, a maioria das mulheres relata ter entrado na
pesca, devido a dificuldades econmicas, cabendo a elas na maioria das vezes o
papel de mantenedora do lar. Segundo BARROS (1995), o aumento de mulheres
com responsabilidades familiares que se vem integrando na fora de trabalho
cada vez maior um dos fatores que contriburam para que as mes prosseguissempara um emprego justamente a necessidade econmica.
E mesmo ocupando a funo de mantenedoras do lar com o trabalho de
pescadoras, enquanto donas de casa elas ocupam normalmente posio de
subordinao, j que nessa esfera, a diviso do trabalho se apresenta mais
desigual, pois so elas que assumem tais funes. E segundo Maneschy (1997)
esse fator refora a viso corrente das mulheres mais como donas de casa,
ajudantes do companheiro e no como sujeitos produtivos. importante ressaltar que foi opcional no trabalhar com um grupo de
marisqueiras especificamente, como associao, colnia de pesca ou de uma vila de
pescadores, pela profunda mobilizao poltica desses grupos. Da a opo de no
localizar no espao a cidade de Ilhus as marisqueiras em detrimento da
valorizao da histria de cada uma entorno de uma mesma atividade profissional.
Grande parte dos trabalhos realizados em vdeo sobre comunidades
tradicionais, negligenciou o trabalho da mulher. O interesse deste trabalho volta-se,
justamente, para o registro do cotidiano das pescadoras que constitui uma histria
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de resistncia e de superao tendo em vista as dificuldades enfrentadas no
cotidiano.
A opo pela utilizao do formato documentrio se deu devido
potencialidade do gnero como a possibilidade de tratar as mais diversas temticas.
O documentrio pretende cumprir, sua funo caracterstica, que documentar a
vida das pessoas e os acontecimentos de modos diversos.
No primeiro captulo deste memorial ser abordado o conceito de gnero e
trabalho. O incio das pesquisas sobre gnero no Brasil, o papel da mulher na
histria e no mercado de trabalho e especificamente o trabalho da mulher na pesca.
Veremos ainda neste captulo a relao das marisqueiras com o meio ambiente a
partir da perspectiva do Ecofeminismo, uma corrente que trabalha com mulheresdentro do movimento ambientalista.
J no segundo captulo analisaremos algumas teorias do documentrio
fazendo assim, um paralelo com o projeto experimental, como por exemplo, a
anlises dos estudos de Bill Nichols de classificao do documentrio e ainda a
representao da realidade presente no documentrio. Neste captulo, todo o
processo de produo (metodologia) ser apresentado em paralelo teoria do
documentrio, j que a classificao de cada documentrio se d justamente nascaractersticas de seus processos de produo. Sero justificados os mtodos de
produo, tcnicas, trilha sonora e edio.
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2 DA MULHER AO GNERO
2.1. Gnero e Trabalho
As pesquisas sobre mulher no Brasil apresentam um crescimento somente a
partir dos anos 70, seguindo uma tendncia que se observa no plano internacional e
os movimentos sociais feministas (MOTA-MAUS,1999). Esses movimentos alm
de propor uma articulao entre a poltica e a vida cotidiana, promoveram novas
formas de entendimento do mundo.
No incio da dcada de 80, pesquisadores de diversas reas do saber
elegeram a mulher como objeto de estudo aumentando a conscincia de processos
sociais e culturais extremamente complexos antes ignorados. Ao mostrarem aimportncia de se incluir o homem no bojo de seus trabalhos, os Estudos da Mulher
converteram-se em Estudos de Gnero (ROCHA-COUTINHO, 1994).
O gnero transformou-se, desta forma, numa categoria de anliseextremamente importante, comparvel, por exemplo, a categoria deraa e classe social. E, hoje, na apenas a famlia vista de umanova perspectiva, como tambm todas as outras instituies sociais,econmicas e polticas que so influenciadas pelo estereotipoacerca de homens e mulheres. (ROCHA-COUTINHO, 1994, p.16).
De acordo com Saffioti (1992), o uso da categoria de gnero no construdo
sobre a categoria natural do sexo, mas tornou-se uma categoria de percepo de
dois grupos que compe a humanidade.
A organizao social do gnero constri duas vises de mundo,donde se pode concluir que a perspectiva da mulher e, portanto,seus interesses divergem do ponto de vista do homem e, por
conseguinte, dos interesses deste. Uma vez que as experinciasadquirem um colorido de gnero, como, alis, ocorre com a classe ea etnia tambm, a vida no vivida da mesma forma por homens emulheres (SAFFIOTI, 1992, p.199).
A anlise e sistemas de categorias e imagens constitutivas da experincia
feminina em diferentes grupos vm possibilitando que se pense agora no apenas
na mulher, mas tambm o homem, como categoria social definida (ROCHA-
COUTINHO, 1994). Desta formas os estudos de gnero abrem caminho para a viso
de que no existe, na verdade, a Mulher enquanto gnero universal mas sim
uma multiplicidade de mulheres.
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Para Joan Scott (1991), a importncia da noo de gnero contribui para a
compreenso dos aspectos relacionais entre homens e mulheres, j que considera
em separado os aspectos essenciais para descobrir a amplitude dos papis
sexuais e do simbolismo sexual na vrias sociedade e pocas. Ainda segundo
Rocha-Coutino, a prpria psicologia social, refora a importncia de se trabalhar
com categoria de gnero, j que no estuda a mulher isoladamente.
Na psicologia social, o estudo das identidades e subjetividades, aonos mostrar que o papel de cada ator social sempredesempenhado em interao com o outro, numa relao dereciprocidade e troca, questionou a possibilidade de se estudar a
mulher isoladamente. O problema da mulher , antes de mais nada,um problema de complementaridades sexuais, onde se interpretamprticas sociais, discursos e representaes dos universosfemininos e masculinos. (ROCHA-COUTINHO, 1994, p.15)
De acordo Sayo (2003), as caractersticas dos indivduos enquanto gnero
geram consequentemente uma condio que vale por toda a vida. Passamos a
ser homens ou mulheres e as construes culturais provenientes dessa diferena
evidenciam inmeras desigualdades e hierarquias que se desenvolvem e vem seacirrando ao longo da histria humana, produzindo significados e testemunhando
prticas de diferentes matizes (SAYO,2003, p.122).
Segundo Michelle Perrot, as diferenas e as representaes entre homens e
mulheres, se perpetuam atravs do tempo, mas assumem formas variveis
conforme as pocas.
Nas sociedades que pensam o poltico, isso se traduz por umadiviso racional dos papis, das tarefas e dos espaos sexuais. (...)Para os homens, o pblico e o poltico, seu santurio. Para asmulheres, o privado e seu corao, a casa. (PERROT, 1998, p.10)
Ao longo da histria as diferenas entre os sexos contriburam para a
imposio de relaes hierrquicas, homens nas posies de dominao e mulheres
nas subordinadas. Para Pierre Bourdieu (2003), as relaes de gnero e o modelo
pragmtico de ser homem ou mulher regulam todas as nossas atividades. Segundo
o autor, o corpo, o lugar de disputa pelo poder na sociedade, nele que nossocapital cultural est inscrito, ou seja, o sexo define a condio de dominados e
dominadores.
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Segundo o autor os agentes especficos (homem e mulher) e as instituies
(escolas, igrejas, Estado, famlia), so estruturadas e estruturantes neste processo
de naturalizao da dominao (masculina). O autor defende que ao mesmo tempo
em que estes agentes tm o poder de moldar a sociedade por ela moldada.
Para Bourdieu, as representaes sociais do homem e da mulher, no se
restringem ao mbito interpessoal, mas se expandem ao mbito econmico, poltico
e religioso. A dominao masculina considera natural internalizada pelo habitus1
humano.
A maioria dos estudos sobre as relaes de poder entre homens e mulheres
na famlia e na sociedade em geral, tratou quase sempre essas questes a partir de
um ponto de vista masculino. Segundo Rocha-Coutino (1994), quase sempre sepesquisou a autoridade e o poder exercido pelos homens, dentro e fora do lar.
Ignorou-se frequentemente o modo como as mulheres encaram aestrutura de poder domestico masculino e as formas por elasencontradas para atuar dentro desta estrutura. (ROCHA-COUTINHO, 1994, p.20)
Segundo Rago (2001), isso significa que lidamos muito mais com a
construo masculina da identidade das mulheres trabalhadoras do que coma sua
prpria percepo de condio social, sexual e individual.
No toa que, at recentemente, falar das trabalhadoras urbanasno Brasil significava retratar um mundo de opresso e exploraodemasiada, em que elas apareciam como figuras vitimizadas e semnenhuma possibilidade e resistncia. Sem rosto, sem corpo, aoperria foi transformada numa figura passiva, sem expressopoltica nem contorno pessoal. (RAGO, 200, p.579)
Para Perrot (1998), de alguma forma, as mulheres ao longo da histria,
exercem algum tipo de domnio, seja ele no cotidiano (nos bastidores) e com isso
pode se perceber uma fuga da dominao e consequentemente criam o
movimento da histria. De acordo com a autora, mesmo em situaes de
desigualdade a mulher possui muito mais poder do que teoricamente se tem
admitido.
1 O Habitus um conceito fundamental para entender como a prtica de dominao adquire umcarter natural, dado e quase divino, ou seja, significa disposio incorporada. (BOURDIEU, 2003)
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Os discursos feministas recentes contriburam para uma reavaliao do poder
das mulheres. Segundo Perrot (1992), as feministas procuram superar o discurso de
opresso subvertendo o ponto de vista da dominao.
[...]ela procurou mostrar a presena, a ao das mulheres, aplenitude dos seus papis, e mesmo a coerncia de sua cultura e aexistncia dos seus poderes. Foi o que poderia chamar a era domatriarcado, triunfante numa certa poca da antropologia feministaamericana, o tempo das Amazonas e Franois dEaubonne [...],simptica e ardente demonstrao de fora fsica dasmulheres. (PERROT, 1992, p.170)
Ao longo da histria, o acesso das mulheres ao domnio pblico refora-se, aponto de se ter podido falar de feminilizao do mundo (PERROT, 1998). Segundo
a autora, entender as proibies tambm compreender a fora de resistncias e a
maneira de control-las ou de subvert-las. As tentativas de frentes de luta das
mulheres, suas tentativas de atravessar os limiares muitas vezes provocam a
violenta reao dos homens (PERROT, 1998, p.91).
Esses obstculos enfrentados pelas mulheres, no se limitavam ao espao
pblico, mas comeava pela prpria hostilidade com que o trabalho feminino fora do
lar era tratado no interior da famlia (RAGO, 2001). Um desses obstculos, e que
marca a histria da insero da mulher no mercado de trabalho, foi a associao do
trabalho fora de casa e a moralidade sexual.
No discurso de diversos setores sociais, destacava-se a ameaa honra
feminina representada pelo mundo do trabalho. As mulheres deixariam de ser mes
dedicadas e esposas carinhosas, se trabalhassem fora do lar; alm do que um bom
nmero delas deixariam de se interessar pelo casamento e pela
maternidade (RAGO, 2001, p.585). A definio da falta de moral feminina to
ampla que se torna uma arma potencial contra praticamente qualquer mulher adulta
(FONSECA, 2001).
Bruschini (2007), ao traar um panorama da situao das mulheres no
mercado de trabalho brasileiro desde a ltima dcada do sculo XX at os primeiros
anos, do novo milnio, revela uma nova identidade feminina, voltada tanto para o
trabalho quanto para a famlia.
Mas ainda segundo o panorama, apesar desta nova identidade, permanecem
as responsabilidades das mulheres pelas atividades domsticas e cuidados com os
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filhos e outros familiares, o que indica a continuidade de modelos familiares
tradicionais (BRUSCHINI, 2007, p.538).
Em dados gerais, a primeira questo destacada a intensidade e constncia
do crescimento da atividade feminina:
Nesse caso, os indicadores para o Brasil revelam que, no perodoconsiderado, a Populao Economicamente Ativa PEA femininapassou de 28 para 41,7 milhes, a taxa de atividade aumentou de47% para 53% e a porcentagem de mulheres no conjunto detrabalhadores foi de 39,6% para 43,5%. (BRUSCINHI, 2007, p.538)
Ao analisar os dados, Bruschini, identifica que mais da metade da populao
feminina em idade ativa trabalhou ou procurou trabalho em 2005 e que mais de 40em cada 100 trabalhadores eram do sexo feminino, na mesma data (BRUSCHINI,
2007, p 539). Apesar do considervel avano, no entanto, as mulheres ainda esto
longe de atingir, seja as taxas masculinas de atividade, superiores a 70%, seja o
nmero de ocupados ou de empregados, nessa data (Tabela I).
Outra observao importante a mudanas nos padres culturais e nosvalores relativos ao papel social da mulher que consequentemente alteraram a
identidade feminina que cada vez mais voltada para o trabalho
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remunerado (BRUSCHINI, 2007). As trabalhadoras, que, at o final dos anos 70,
em sua maioria, eram jovens, solteiras e sem filhos, passaram a ser mais velhas,
casadas e mes.
De acordo com a Tabela II, Em 2005, a mais alta taxa de atividade feminina,
74%, encontrada entre mulheres de 30 a 39 anos, 69% das mulheres de 40 a 49
anos e 54% das de 50 a 59 anos tambm so ativas.
2.2. A diviso sexual do trabalho e a mulher pescadoraA diviso sexual do trabalho uma constante na histria das mulheres e
homens, as diferenas biolgicas, portanto, longe de serem naturais so, antes,
elaboradas a partir de um discurso que social e discriminatrio.
A primeira forma de diviso do trabalho nas sociedades primitivasocorreu entre os dois sexos. Aos homens eram confiadas a caa e apesca e mulher, a coleta de frutos, evoluindo para a cultura daterra. (BARROS, 1995, p.27)
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A invisibilidade da mulher nos espaos pblicos um fator histrico. Segundo
Michelle Perrot, o sculo XIX, levou a diviso das tarefas e a segregao sexual ao
seu ponto mais alto. Lugar das mulheres: a maternidade e a Casa cercam-na por
inteiro. (PERROT, 1988, p.186).
A invisibilizao da mulher de modo geral, e em particular daquela que vive
em sociedades pesqueiras, deve-se a considerao do modelo bipolar de diviso
scio-espacial e do trabalho, e a pretensa generalizao do mesmo a partir da
anlise de uma realidade particular (ALENCAR, 1993).
Este modelo bipolar da diviso scio-espacial e do trabalhorecorrente nas etnografias tem sido caracterstico da visointelectual da tradio pesqueira. Em alguns casos, aparece deforma rgida, principalmente porque refora as distines dasatividades de acordo com os espaos e com o gnero que asrealiza. (...) Assim, muito da invisibilidade da mulher em atividadesde pesca decorre da tica do pesquisador na construo etnogrficae interpretativa do seu objeto de estudo (ALENCAR,1993, p. 66).
As caractersticas e as capacidades atribudas s mulheres no so inatas,
mas sim habilidades desenvolvidas a partir de um aprendizado social. Entrevista no
projeto experimental Marola, a marisqueira Rosemeire reconhece as dificuldades
fsicas enfrentadas pelas mulheres em comparao aos homens.
[...] na profisso de marisqueira pra mulher bom assim porque mais uma opo, mas ruim em outras porque a doena chegamais rpido n. Reumatismo, dores, porque a mulher sempre tevemenino, coisa que o homem no faz, a eu acho que mais difcil(Rosemeire, 09/09/2008)
No entanto, tais dificuldades no a impediram de aprender a profisso e que
por meio dela, gerasse o sustento dos filhos e se realizasse profissionalmente, como
relata:
[...] eu tenho orgulho de ser marisqueira, de hoje eu ter minhacarteirinha de marisqueira profissional. (Rosemeire,09/09/2008)
Assim, do mesmo modo que os homens no nascem pais, as mulheres,apesar de seu aparato biolgico, tambm no nascem me. E do mesmo modo que
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a paternidade, por si s pode no preencher o projeto de vida do homem, por si s,
pode no preencher o projeto de vida da mulher. (ROCHA-COUTINHO,1994, p.
155).
A pesca uma atividade tradicionalmente exercida pelos homens, o trabalho
feminino na pesca geralmente pouco considerado, principalmente quando esta
pesca se refere captura de crustceos. A pesca, quase sempre esta associada
atividade em alto mar, um dos motivos que contribuem para isso caracterizao da
atividade como sendo inerente a captura do peixe e sempre simbolizada pelo
pescador, no barco em mar aberto (ANDRADE, 2007).
As atividades femininas tendem, pois, a ser multidirecionadas, ao contrrio
das masculinas, geralmente centradas em uma ou duas atividades principais, comopor exemplo, pesca e lavoura (ALENCAR, 1993). As marisqueiras realizam
atividades diversificadas envolvendo a pesca no rio, cata do marisco, confeco e
costura das redes, cata do pescado e a captura na beira da praia nas redes de
arrasto.
Eu tiro moapen, tiro ostra, tiro sururu, pesco de anzol, remo canoa,fao tudo. (Ins,08/09/08)
Quando no d o marisco parte pra tarrafa, a ns aqui como pouca gente, s eu e meu menino, a tudo d, pedindo foras aDeus que a gente. (Ktia, 10/09/08)
Esse fato refora a invisibilidade de seu trabalho e dificulta sua identificao
como trabalhadoras.
A desconsiderao do trabalho feminino pode ser melhor compreendida a
partir da perspectiva de gnero por se tratar de algo que uma construo socialpois, naturaliza-se o trabalho da mulher como algo inerente ao domnio domstico,
quando ocorre sua insero no domnio pblico o seu trabalho visto como ajuda
ao trabalho do homem (CARDOSO, 2002).
As mulheres marisqueiras entrevistadas no projeto experimental, participam
das atividades da pesca tanto na coleta quanto na cata de mariscos. Desta forma o
trabalho dessas mulheres no meramente de complemento ou ajuda na renda
familiar, j que assim como os homens, elas dividem espaos produtivos, na
atividade da pesca artesanal, desde a tarefa da pr-captura, captura e ps-captura.
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As chamadas marisqueiras, realizam a pesca artesanal e este trabalho
envolve a pesca no rio e a cata de mariscos na beira da praia, do rio ou do mangue.
A pesca artesanal caracterizada pela utilizao de instrumentos rudimentares e
pela quantidade de mariscos e peixes pescados que pouca.
Um fator histrico j citado e que remete a para a invisibilidade da mulher na
pesca a diviso bipolar do trabalho que atribui equivocadamente mulher o
trabalho na terra e ao homem o trabalho no mar (CARDOSO, 2002). No entanto
entre as populaes pesqueiras, a produo das mulheres to importante quanto a
dos homens, ainda que no seja reconhecida como tal (MANESCHY, 1997).
A entrada da maioria das mulheres na pesca aconteceu devido a dificuldades
econmicas, cabendo a elas na maioria das vezes o papel de mantenedora do larcomo relata a marisqueira Zelina Nascimento em entrevista ao projeto experimental
em vdeo Marola.
Eu comecei a ser marisqueira depois que sai do trabalho, no tinhamais o que fazer e tive que lutar na pescaria, [...] e eu aprendi quasetudo de pescaria, para poder sobreviver e d comida para meusfilhos. (Zelina, 08/09/08)
Assim como Rosemeire que durante toda a vida mesmo no perodo em que
foi casada trabalhou na pesca para manter os filhos.
Agora sempre pescando e criando meus meninos com o dinheiro depesca, pegando peixe na praia, no tempo agora de vero e pegandosiri na ponte que a eu vendo. (Rosemeire, 09/09/08)
Segundo Barros (1995), o aumento de mulheres com responsabilidades
familiares que se vem integrando na fora de trabalho, nos ltimos quarenta anos(em 1995), uma realidade significativa. Segundo a autora um dos fatores que
contriburam para que as mes prosseguissem para um emprego justamente a
necessidade econmica.
a presena dos filhos no lar aumenta as atividades domsticas eproduz efeito desestimulador n participao da mulher no mercadode trabalho. Portanto, s as mulheres com alto nvel de instruo ouaquelas que tem a necessidade de aumentar a renda familiarcompatibilizam trabalho e maternidade. E as causas econmicas,que do origem ao crescimento da atividade feminina, tambmproduzem efeitos ideolgicos sobre as atividades e prefernciassociais. (BARROS, 1995, p.205)
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Mesmo que a relao dominado/dominador seja amena nas representaes
dos papeis femininos e masculinos no mbito da pesca, percebe-se que a mulher
marisqueira, enquanto dona de casa ocupa uma posio de subordinao, j que
nessa esfera, a diviso do trabalho se apresenta mais desigual, pois so elas que
assumem tais funes (LIMA, 2003).
[...] acordo 4 horas da manh para fazer caf, deixar a roupa daescola tudo em cima da mesa para eles (os filhos) poder ir pra ocolgio. A quando chego vou cuidar dos que fazer. (Zelina,08/09/08)
Esses fatores reforam a viso corrente das mulheres mais como donas de
casa, ajudantes do companheiro e no como sujeitos produtivos (MANESCHY,
1997).
O carter muitas vezes inconstante e variado de seu trabalho, bemcomo o fato de que a renda que produz no assumenecessariamente a forma monetria - por exemplo, peixes, mariscosou produtos da roa para consumo domstico, reparos ou confecode apetrechos de pesca para o marido ou filhos, etc. temcontribudo para ocultar esse trabalho. [...]Muitos dos trabalhosassumidos por mulheres em comunidades pesqueiras apresentamcomo caractersticas a variabilidade no tempo e no espao, airregularidade na demanda, sua compatibilizao com as tarefasdomsticas e, por conseqncia, a dificuldade de contabilizar otempo de trabalho. (MANESCHY, 1997, p.88)
Essa caracterstica inerente ao trabalho feminino na pesca, como a atividade
descontnua, que nem sempre se traduzem em renda monetria e ainda a
compatibilizao com as atividades domsticas, contribuem para reforar a
indiferena ao trabalho da mulher no setor (ANDRADE, 2007).
Mesmo diante a invisibilidade, ao exercer tais funes no espao domstico, tais
como cuidar dos filhos, manter a casa e pescar e plantar para o consumo das
famlias, so elas que, mais que os homens, enfrentam cotidianamente as
dificuldades da vida em terra.
2.3. As marisqueiras e o meio ambiente
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Como j mencionado neste trabalho, as mulheres marisqueiras exercem em seu
cotidiano a pesca artesanal caracterizada pela utilizao de instrumentos
considerados rudimentares e pegam pouca quantidade de mariscos e peixes. Cada
comunidade de pesca apresenta as suas peculiaridades, como afirma Andrade
(2007) em sua pesquisa:
porque o meio vai oferecer determinado tipo de espcie para a suacaptura. No So Miguel, as mulheres costumam pescar o siri no rioe o peixe no mar, enquanto os seus maridos vo para o alto mar. Jno Teotnio Vilela as mulheres costumam pegar o siri no rio, comotambm adentram no mangue em busca do aratu e das ostras,sendo que tanto mulheres quanto os homens exercem a pescaartesanal. Na Lagoa Encantada, as pescadoras e pescadorescostumam pegar o camaro e o peixe na Lagoa. Nesses lugaresencontramos especificidades tanto no que a natureza oferece comonas prticas de pesca que so utilizadas nesses espaos.(ANDRADE, 2007, p.2)
Ao executarem a pesca artesanal as marisqueiras preservam a biodiversidade
como afirma Santos e Costa (2004):
a produo de produtos de pequeno porte oriundos dos rios,mangues e mares, bem como a recuperao, conservao econfeco dos materiais necessrios pesca e os artesanatosproduzidos, que abastecem os mais diversos mercados, resultado,predominantemente, do trabalho das pescadoras. Alm disso, astrabalhadoras da pesca so responsveis por grande parte da pescaartesanal, o que contribui para a preservao da biodiversidade,deixando clara a sua insero no que diz respeito ao equilbrioambiental (SANTOS; COSTA, 2004, p.3)
A exerceram este tipo de pesca, as mulheres contribuem para o equilbrio
ambiental mesmo que de forma no perceptvel, ou seja, parece no haver, por
parte das pescadoras, a conscincia da relao direta entre as atividades por elas
desenvolvidas e a conservao dos recursos ambientais. (SANTOS; COSTA,
2004).
Alm disso, pode-se observar, a partir dos depoimentos das marisqueiras, que
em meio aos diversos problemas vivenciados no cotidiano na pescaria, perceptvel
a crescente diminuio da quantidade de mariscos capturados ao longo dos anos.Elas atribuem essa situao a fatores de degradao ambiental, como a quantidade
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de esgotos despejados indiscriminadamente no rio e quantidade de lixo encontrado,
como afirma Rosemeire:
[...] hoje pra gente pegar uma lata d bastante trabalho, tem que tdando bastante siri e tem que ter bastante siripoia./Antigamente no,rapidinho, hoje t difcil, no sei se a poluio, porque no rio passamuita coisa, muito saco, muito garrancho, muita coisa que no deviajogar no rio.
A pesca artesanal sempre teve grande importncia para o setor, mas diante da
grave crise mundial do setor pesqueiro desde a dcada de 1980, o COFI Comit
de Pesca da FAO (rgo das Naes Unidas para Alimentao e Agricultura)
props, em 1991, um conceito, considerado central, para nortear a promoo de um
novo estilo de desenvolvimento da atividade pesqueira, que o de pesca
responsvel.
Trata-se de um enfoque muito importante, pois pretende associardesenvolvimento e responsabilidade. Seus princpios estoexpressos no Cdigo de Conduta para a Pesca Responsvel,elaborado sob os auspcios da FAO, a ser adotado pelos vriospases pesqueiros. (MANESCHY, 1997, p.83)
O cdigo incorporou a noo do direito pesca atrelada a importncia da
conservao ambiental como garantia dos recursos para as futuras geraes. O
direito de pescar inseparvel do dever de ordenar e de conservar os recursos,
para as geraes presentes e futuras (MANESCHY, 1997, p.90).
Ainda se tratando preservao ambiental numa perspectiva de gnero, Cardodo
(ano) firma que a mulher valorizada mais pelo seu papel de reprodutora social do
que por ser um agente de transformao em potencial (ou mesmo um agente deconservao e equilbrio ambiental). (CARDOSO, 2002, p.5).
Dentro dessa perspectiva foi criado na dcada de 70, um movimento com
objetivo de estabelecer uma relao entre a dominao da natureza e a dominao
das mulheres (SILIPRANDI, 2000). O Ecofeminismo pode ser considerado como
uma corrente que trabalha com mulheres dentro do movimento ambientalista.
Segundo Emma Siliprandi (2002), um dos princpios do pensamento ecofeminista
a seguinte questo:
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do ponto de vista econmico, existe uma convergncia entre a formacomo o pensamento ocidental hegemnico v as mulheres e aNatureza, ou seja, a dominao das mulheres e a explorao daNatureza, so dois lados da mesma moeda da utilizao derecursos naturais sem custos, a servio da acumulao de capital.(SILIPRANDI, 2000, p.3)
Para o Ecofeminismo, o patriarcalismo a forma de opresso, que mantm as
mulheres na posio de dominadas da mesma forma que acontece com os animais.
Os ecofeministas vem a dominao patriarcal de mulheres porhomens como o prottipo de todas as formas de dominao eexplorao: hierrquica, militarista, capitalista e industrialista. Elesmostram que a explorao da natureza, em particular, temmarchado de mos dadas com a das mulheres, que tm sidoidentificadas com a natureza atravs dos sculos. [...] osecofeministas vem o conhecimento vivencial feminino como umadas fontes de uma viso ecolgica da realidade. (CAPRA, 1996, p.27)
No entanto a viso ecofeminista criticada por alguns autores por ter sua
discusso baseada nos centrismos, ecocentrismo ou o centrismo de
gnero (ARRUDA, 1995). Segundo a autora, o ecofeminismo e a perspectivabiocntrica no tm fora no Brasil e esto ligados s origens comuns (os
movimentos sociais) e afirma ainda que os movimentos sociais surgem de pessoas
vinculadas a resistncia ditadura, uma perspectiva ligada ao paradigma do
socialismo e desta forma questiona: como ele vai separar os explorados em
homens e mulheres?. (Arruda, 1995).
As atividades exercidas pelas marisqueiras requer o domnio de mecanismos
prprios, um amplo conhecimento de apropriao dos recursos marinhos e de umsbio manejo dos instrumentos da pesca como afirmam as marisqueiras Dinalva
Alcntara de Carvalho, Tertulina Ferreira Mota e Maria Ins de Aquino :
[...] tem vez que a gente vai com a mar alta, tem vez que vai com amar baixa. Tem vez que o marisco d mais na alta e tem vez qued na mar baixa [...]
[...] No vero, assim na beira do mangue, ele ta cheio, fica assim as
carreiras porque cai as folhas ele vem comer a folha, a vocescoa uma varinha pegou um balde de junto de voc, o arat vemv o que aquilo ele chegou pegou suspendeu a vara ele caiudentro do balde [...]
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[...] Quando a mar bem seca, as vezes a gente sai 5 horas damanh chega 9, cada dia ela vai dando mais tarde...5 outro dia 7,outro dia j 8, 9,10 e assim vai [...]
As marisqueiras mantm uma relao com o meio ambiente e atravs dessa
relao e por meio de experincias do dia a dia, ou passadas de gerao em
gerao, elas percebem os perodos de vazantes e a relao com a lua, que tipo de
marisco possvel pegar a depender da mar.
A dependncia da mar, faz com que o trabalho das mulheres marisqueiras
seja determinado pelo tempo subjetivo diferente da sincronizao do relgio:
Ao contrrio dos trabalhadores industriais que esto presos aotempo do relgio, na sua prtica cotidiana, as pescadoraspossuem o seu prprio tempo porque o seu trabalho depende doacompanhamento do tempo da natureza. O descaso pelo tempodo relgio s pode ser aplicado em comunidades de pequenosagricultores e pescadores, cuja estrutura de mercado eadministrao mnima e nas quais as tarefas dirias parecem sedesenvolver pela lgica da necessidade. (ANDRADE, 2007, p.3)
A no dependncia do tempo formal portanto uma caracterstica de
comunidades tradicionais como a de pescadores.
Sem dvida, esse descaso pelo tempo do relgio s possvelnuma comunidade de pequenos agricultores e pescadores, cujaestrutura de mercado e administrao mnima, e na qual as tarefasdirias (que podem variar da pesca ao plantio, construo de casas,remendo das redes. (THOMPSON, 1998, p.271)
Essa espcie de marcao do tempo livre e do tempo do trabalho, causa
nas marisqueiras uma certa autonomia e sensao de independncia associada a
no subordinao que os trabalhadores urbanos no usufruem. (BLUME, 2008).
Tais pescadores e marisqueiras tm como particularidades um ritmode vida destoante do trabalhador industrial e um conhecimentoprprio construdo pela ligao direta que mantm com o ambientedos mares, rios, lagoas e mangues. Alm disso, as organizaes
das atividades cotidianas e de trabalho esto imbricadas,proporcionando uma relativa autonomia do tempo do trabalho.(BLUME, 2008, p.7)
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Questionadas sobre a possvel adequao em emprego formal todas foram
unnimes em dizer que no conseguiriam se adaptar, como relata os trs
depoimentos a seguir:
Trabalhar para os outros voc tem que trabalhar o dia todo. Pravoc no. Voc trabalha o dia que quer vai a hora que quer, vem ahora que quer e pra os outros (Dinalva, 08/09/08)
Eu acho timo esse negcio de pescaria, porque no tem ningumpara ficar mandando na gente. A gente chega em casa descansa eno trabalho dos outros a gente no tem isso de descansar (Zelina,08/09/08)
Eu j tentei e no consegui. Na ponte, na praia eu vou no dia que euquiser, na hora que eu quiser, no falo nada e no ouo nada./Prapatroa a gente tem que falar, ouvir n. Ento melhor que no(Rosemeire, 09/09/08)
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3 DA OBSERVAO CRIAO
3.1. Marola: um modo observativo
Segundo Nichols, no formato documentrio, cada subgnenro apresenta
caractersticas peculiares e a partir de tal diviso possvel compreender as
peculiaridades de cada um. A identificao do filme com todas as caractersticas de
um modo no precisa ser total. Segundo Nichols, um documentrio reflexivo pode
conter pores bem grandes de tomadas observativas ou participativas. (NICHOLS,
2005, p.136).
Historicamente, o modo observativo surge com a disponibilidade de cmerasportteis de 16 mm e gravadores magnticos nos anos 60. Desta forma j era
possvel filmar acontecimentos cotidianos com um mnimo de encenao e
interveno. A nova forma de observao espontnea resultou em filmes com
caractersticas especficas.
[...] resultou em filmes sem comentrios com voz-over, semmsica ou efeitos sonoros complementares, sem legendas, sem
reconstituies histricas, sem situaes repetidas para a cmera[...] (NICHOLS, 2005, p.147)
A identificao do projeto experimental Marola com o modo observativo
pode ser analisada a partir das caractersticas tcnicas como a utilizao da voz-
over evitando-se textos em off, a ausncia de efeitos sonoros que fossem alm das
trilhas sonoras, de legendas e feitos de computao grfica. No vdeo, buscou-se
uma caracterstica similar ao documentrio de Coutinho2 (LINS, 2004, p.184),
misturando personagens, suas falas, sons ambientes, imagens, expresses.
O modo observativo prope uma srie de consideraes ticasque incluem o ato de observar os outros ocupando-se de seusafazeres. (NICHOLS, 2005, p.148)
Essa caracterstica do modo observativo pode ser percebida em Marola, ao
registrar experincia de pessoas reais (e comuns). O relato da atividade na pesca, a
2Eduardo Coutinho um dos mais importantes nomes do documentrio brasileiro, teve uma formaoque passou pelo cinema, teatro e jornalismo. Seu trabalho caracterizado pela profundidade esensibilidade com que aborda problemas e aspiraes da grande maioria marginalizada.
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relao de dependncia do rio e o cotidiano da pesca em si formam cenas que situa
o espectador dentro da especificidade daquele lugar e daquele determinado
momento.
Uma caracterstica do modo analisado sua atuao no sentido da no
interveno do realizador nos acontecimentos que esto sendo filmados. No filme,
so os personagens que determinam o andamento temporal do filme e a montagem
sempre tem em vista a temporalidade autntica dos acontecimentos.
Bill Nichols ressalta que o modo de observao tem sido utilizado como
ferramenta etnogrfica, j que permite aos realizadores observar atividades e
costumes de maneira direta, sem as mediaes textuais do documentrio
expositivo. Segundo Yakhni (2001), a caracterstica etnogrfica est justamenteregistro de experincias de vidas dentro seus contextos.
O que representado a experincia vivida e as caractersticaspeculiares de seu cotidiano, no qual diferentes relaes sociaisso apreendidas, linguagens diferentes so ouvidas e identificadasem seus respectivos contextos culturais (YAKNI, 2001, p.11)
Outra caracterstica marcante no modo observativo a presena da cmerana cena como marca de um comprometimento ou engajamento com o imediato.
(Nichols, Ibid.). No entanto essa presena que causa a sensao de fidelidade ao
que acontece, foram construdas para ter determinada aparncia.
A questo da interveno da cmera seja no cotidiano dos personagens seja
nos depoimentos, o que suscita o questionamento de Nichols:
Quanto do que vemos seria igual se a cmera no estive l, ou
quanto seria diferente se a presena do cineasta fosse maisfacilmente reconhecida. (NICHOLS, 2005, p.153)
Que conclui o questionamento com uma justificativa que se mostra como
mola-propulsora para a investigao e aprimoramento das caractersticas do modo
observativo:
O fato de que esse debate seja insolvel, por sua natureza,
continua a alimentar um certo mistrio, ou inquietao, sobre ocinema observativo. (Ibid., p.153)
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A partir da descrio do tpico a seguir, que relata a processo da pr-
produo, possvel constatar de que forma o presente trabalho se apropria ao
modelo apresentado.
3.2. Na prtica
O planejamento do documentrio comea com a idia e a idia do
documentrio pode comear com nada mais do que um vago impulso em alguma
direo3. Segundo Santos (1986, p.43), no adianta ter uma idia, mas preciso
que se fique completamente envolvido por ela, que ela passe a ser incorporada ao
dia-a-dia, sustentando-se em outras idias paralelas.A princpio tudo no passava de uma vaga idia que se consolidou a partir de
leitura de vrios trabalhos de dissertao de mestrado e matrias jornalsticas sobre
o tema na internet. A partir de ento passei a ter uma noo maior das dificuldades
enfrentadas por essas mulheres no dia a dia e, sobretudo a percepo da
invisibilidade do trabalho dessas mulheres. Com as pesquisas bibliogrficas foi-se
percebendo a escassez de materiais sobre a temtica especfica sobre mulher e
pesca e, portanto foi necessrio recorrer dissertaes de mestrados e artigoscientficos.
A noo real sobre as dificuldades da mulher pescadora foi comprovada a
partir da pesquisa de campo. A primeira pesquisa de campo foi feita no bairro de
So Miguel, caracterizada como uma vila de pescadores de Ilhus, mas diante da
resistncia da presidente da Associao de Marisqueiras daquele local em conceder
entrevistas, foi impossvel conhecer mais a fundo o trabalho das mulheres naquela
localidade.Essa dificuldade inicial contribuiu para um ponto decisivo no vdeo, no
trabalhar com um grupo de marisqueiras especificamente, como associao, colnia
de pesca ou de uma vila de pescadores, pela profunda mobilizao poltica desses
grupos. Da a opo de no localizar no espao as marisqueiras em detrimento da
valorizao da histria de cada uma entorno de uma mesma atividade profissional.
As pesquisas de campo foram feitas ainda nos bairros de So Domingos e
Teotnio Vilela e para isso foi de suma importncia a ajuda da pesquisadora
3 A idia do documentrio, traduo livre e resumida dos principais tpicos do captulo 9 de:MAKING DOCUMENTARY FILMS AND REALITY VIDEOS. Barry Hampe. New York: Henry Holt andCompany, 1997. (Traduo: Roberto Braga).
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Fabiana Andrade4 . Nos reconhecimentos de campo no bairro Teotnio Vilela,
encontramos dificuldade com relao segurana, fomos aconselhadas a andar
com pouco ou quase nenhum objeto na mo, usar roupas simples e andarmos pelo
bairro e principalmente na Quadra 1, at no mximo as 17 horas. Chegamos a
andar por meio de pessoas armadas, o que inevitavelmente causou certa
preocupao.
Cinco personagens do vdeo so do bairro Teotnio Vilela, sendo quatro delas
Zelina, Dinalva, Ktia e Ins de uma mesma rua, a Quadra 1 e dona Tertulina de
uma outra rua do bairro. A sexta personagem, Rosemeire mora e pesca no bairro de
So Domingos, zona norte de Ilhus.
Diante das pesquisas de campo e ao conhecer as histrias de vida dealgumas marisqueiras e suas lutas dirias pela sobrevivncia, trabalhar com os
conceitos de gnero e trabalho foi inevitvel. Em momento nenhum, pensei em
trabalhar com a histria das mulheres marisqueiras tornando-as vtimas ou
heronas, um dos erros dos estudos iniciais sobre mulheres (BRUSCHINI; COSTA,
1992, p.10), mas revelar experincias de vidas.
Segundo Watts (1990), a pesquisa deve ser feita de todas as formas
possveis, atravs de leituras, conversas formais ou informais. Segundo o autor nesse momento que nasce o pr-roteiro.
hora de comear a pensar na msica, se voc pretende usa-la emsua produo. Ela pode afetar a maneira de lidar com suas imagens.[...]raciocine em seqncia visuais. (WATTS, 1990, p.29)
Ainda segundo o autor, nesse momento devem ser analisados as condies
naturais de iluminao o que indispensvel para uma boa fotografia.
Confira onde o sol estar quando voc retornar para a gravao oufilmagem. Isso importante. Um sol baixo no horizonte, tardinha,pode tornar impossvel filmar algumas cenas. Um sol brilhante atrsdo edifcio pode dar uma sombra to escura na frente dele que nadaproduzir uma imagem aceitvel. (WATTS, 1990, p.32)
4Fabiana Andrade h quatro anos desenvolve um trabalho histria oral sobre marisqueiras de Ilhusatualmente ela aluna do Programa de Ps-Graduao-Mestrado em Histria da Universidade Feirade Santana e defende sua tese intitulada Tecer Redes, Tecer Histrias: As experincias de vida etrabalho das pescadoras em Ilhus - BA, 1980-2007
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Durante os reconhecimentos de campo alm das entrevistas, foram feitas
fotos com mquina digital para que se tivesse posteriormente uma melhor anlise da
iluminao e dos possveis enquadramentos e das composies de cenas, que por
opo foram feitas em cenrios naturais.
Com as pesquisas preliminares feitas, partiu-se para a elaborao do roteiro.
Segundo Comparato (1995, p.341), o roteiro do documentrio [...] unicamente
orientativo, um ponto de referncia para o trabalho de filmagem, visto que a
realidade muitas vezes interfere e introduz novos elementos no previstos..
Segundo Larson e Meade, as limitaes do documentrio residem na necessidade
de faz-lo conforme os fatos vo acontecendo.
O roteiro de gravao do vdeo foi feito foi feito apenas para sequenciar osambientes onde as imagens seriam feitas e com alguns takes de imagens estticas
com composio visual determinada (Anexo IV). O que se procurou em todo
momento foi tornar o filme o mais natural possvel concordando com os autores
citados:
A satisfao que d um documentrio , justamente, registra umapersonalidade, um tema ou acontecimento, sem modifica-lo. O
cineasta deve ento basear-se quase totalmente na montagem, paraexprimir seu ponto de vista. (LARSON; MEAD, 1969, p.2)
3.3. Conhecendo um ponto de vista por meio da voz
Um documentrio transmite um discurso e para isso se faz necessrio o uso
de imagens e sons, o que se pode chamar de voz do documentrio. Segundo
Nichols (2005), voz, nesse sentido, no entendida no sentido literal da palavra.
bvio que a palavra falada desempenha papel crucial na maioriados vdeos e filmes documentrio. [...] Ainda assim, quando falamdo mundo histrico, os documentrios fazem-no com todos osmeios disponveis, especialmente com sons e imagens inter-relacionados ou, nos filmes mudos, s com imagens. (NICHOLS,2005, p.72)
Para o autor, a partir do momento em que um documentrio no reproduz
uma realidade, passa a ter uma voz prpria, ou seja, uma viso singular do mundo.
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por meio da voz, que se pode conhecer o ponto de vista ou uma perspectiva no
documentrio.
A voz do documentrio pode defender uma causa, apresentar um argumento,
bem como transmitir um ponto de vista, durante o processo de pr-produo foi
necessrio pensar de que forma o discurso se daria no vdeo. Em Marola, o
trabalho da mulher na pesca numa perspectiva dos Estudos de Gnero um
argumento que representado a partir das vozes femininas, a partir de depoimento
de mulheres marisqueiras, imagens de mulheres em contato com a profisso,
imagens de mulheres exercendo atividades historicamente masculinas, como remar
canoa, planos fechados que demonstram expresses do olhar.
No entanto, nada impede que o trabalho da mulher na pesca possa ser vistoatravs de outro ngulo ou ponto de vista. A voz est ligada ao estilo, que segundo
Nichols (2005, p.74) prprio de cada autor:
No documentrio, o estilo deriva parcialmente da tentativa dodiretor de traduzir seu ponto de vista sobre o mundo histrico emtermos visuais, e tambm de seu envolvimento direto no tema dofilme. [...] o estilo ou a voz do documentrio revelam uma formadistinta de envolvimento com o mundo histrico.
Nichols fortalece o argumento de que a voz do documentrio no esta restrita
ao que dito verbalmente, mas a voz que fala atravs de todos os meios
disponveis, como arranjo de som e imagem. Entretanto, a fala a forma mais
explcita de voz.
Em Marola, no utilizado em momento algum o uso da voz off, sendo
predominantemente utilizada a voz dos personagens devido a caractersticas que
so inatas ao recurso. Eduardo Coutinho, ao evitar a voz off em seu documentrio,
defende a criao da narrativa pelo prprio atores sociais e a utilizao do recurso
como caracterstica tpica ao forma documentrio.
Contrariamente s informaes telejornalstica, em que a lgica dotexto em off o que determina a edio das imagens e onde osilncio e os tempo mortos de uma conversa no tem vez, aqui algica das imagens e do que dizem ou deixam de dizer os
entrevistados que pesa na construo das seqncias. (LINS,2004, p.184)
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Hlio e consequentemente de Emiron a travessia foi feita e tudo aconteceu de forma
satisfatria. No entanto as imagens feitas no barco pouco foram utilizadas pelo
movimento constate do barco e muitas dessas imagens saram tremidas.
O udio foi um dos maiores problemas encontrados pela equipe, j que todas as
sonoras foram gravadas ao ar livre, exposto ao vento, sons automotivos, dentre
outros. Segundo Watts, importante ouvir os rudos na locao7 e alerta:
Se vier de fontes que o espectador no ver, eles ficaro mais altosquando gravados do que realmente so na realidade, e podero serextremante desagradveis. (WATTS, 1990, p.34)
Em duas sonoras houve grande interferncia de rudos, a da marisqueira Dinalva
Carvalho, que mora prximo ao um bar e onde havia muitas pessoas bebendo.
Como faz parte do papel da produo, foi pedido para o dono do local baixar som, o
que foi feito, mas no necessrio para que no houvesse interferncia na sonora. No
segundo caso foi em um pequeno trecho da sonora de Rosemeire, mas no foi
pedido aos vizinhos que baixassem o som, como orientado pela entrevistada, j que
eram pessoas que, segundo ela iriam criar confuso.
Outro rudo que atrapalhou muito e principalmente na sonora da senhoraTertulina, foram os fortes ventos. Para tentar solucionar o problema o cinegrafista
sugeriu que utilizssemos o microfone em volume mais baixo, o que amenizou a
situao, mas em alguns momentos, com a fora do vento foi impossvel controlar.
O microfone boom o modelo disponvel que possibilitar captar o udio sem que
haja interferncia esttica na imagem, ou seja, ele no entra na cena, mas como o
boom um microfone direcional que apresenta vantagens e desvantagens
especficas como a sensibilidade e capacidade de captar vrios sons no ambiente.Todas as personagens entrevistadas durante a gravao foram utilizadas no
vdeo. Ao total foram seis mulheres marisqueiras entrevistadas conforme um
planejamento prvio:
DIA HORRIOS LOCAES08/09 14:00 s 17:30 Sonoras com as marisqueiras do Teotnio
Vilela: Dinalva, Ktia e Ins
imagens de insert
8
09/09 14:00 s 17:30 Sonora e imagens in loco do trabalho da
7 Qualquer local fora do estdio
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marisqueira Rosemeire no So Domingos10/09 14:00 s 17:30 Sonoras comas as marisqueiras do Teotnio
Vilela: Ktia e Tertulina/
imagens de insert
17/09 08:00 s 11:30
Gravao do trabalho das marisqueiras nacoroa, Teotnio Vilela
Com a concluso das gravaes comeou-se ento trabalho de decupagem
(ver ficha Anexo III), que consiste na seleo e marcao dos minutos das
melhores cenas. Segundo Watts, na edio se escolhe as melhores tomadas-de-
cena, ou as melhores partes das melhores cenas, desta forma o processo de
decupagem essencial para a edio.
Com as imagens escolhidas e com a transcrio de todas as sonoras foimontado ento o roteiro de edio (Anexo I). Esses processos ajudaram na
otimizao da edio que foi concluda em cinco turnos com durao de quatro
horas, das 08:00 s 12:00.
No processo de edio, segundo Watts (1990, p.95), a chave descobrir o
ponto preciso onde a tomada-de-cena comea a ficar interessantes e o ponto de
preciso onde ela deixa de ser interessantes. Em Marola a edio foi um
processo guiado pela lgica das imagens e do que diziam os entrevistadospesou para a construo das seqncias. (LINS, 2004, p.63).
A fala das personagens foram montadas em uma seqncia onde os
discursos se reafirmam ou se discordam ao mesmo tempo como na seqncia
seguinte onde as marisqueiras falam sobre a profisso:
00:14:21 00:14:57 Tertulina - Hoje eu agradeo a Deus,eu sou nos meus documentosmarisqueira profissional
00:16:46 00:17:32 Zelina - Eu mesmo trabalho porque ojeito, eu sou doente, tenho problemano posso ficar na frieza, mas eu novou vez meus filhos na casa dos outrospedindo po, no vou.
00:01:30 00:02:07 Rosemeire - Ajuda e como ajuda emtenho orgulho de ser marisqueira, dehoje eu ter minha carteirinha demarisqueira profissional
Na edio no foi usado nenhum efeito nas imagens, nem computao
grfica, o nico efeito usado foram os fades9 de transio de imagens. O filme
8 Imagens feitas para substituir uma cena por outra de idntica durao, neste caso para cobriralgumas sonoras (depoimentos gravados).9 Efeito de transio gradual de uma cena para outra
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pretende ser suave e tentou-se o mximo possvel no fazer nenhum tipo de
alterao na esttica visual, apenas:
Apresentar uma seqncia que flui suavemente, sem nos fazerdemasiadamente conscientes dos cortes (LARSON; MEAD, 1969, p.113)
Um recurso adotados com o objetivo de no tornar o documentrio cansativo
foi a insero de dois pequenos clipes de imagens no meio do vdeo quebrando
sempre um assunto na seqncia das sonoras. O primeiro clip uma seqncia
de imagens onde as mulheres saem de casa e percorrem um caminho at
chegarem a beira do rio. J a segunda a sada das canoas pelo rio.
Segundo Watts (1990, p.126), a msica possui grande influncia no vdeo ela
tem o poder maravilhoso de atingir os sentidos das pessoas em poucos
segundos. No entanto o autor alerta sobre a importncia de saber utilizar a
msica, no a cortando de forma abrupta s porque a seqncia terminou
preciso baixar suavemente.
Uma opo para as escolhas das trilhas foi utilizar msicas de artistas
independentes uma forma de divulgar esse tipo de trabalho e tambm trabalhar oconceito de direito autoral, como falaremos mais a fundo a seguir.
3.5 . Trilha sonora: independncia como conceito
A trilha sonora do filme Marola foi composta por msicas que alm de
concordarem com a temtica proposta, so novos modelos de compartilhamento,
interatividade e consumo musical favorecidos pelos desenvolvimentos
tecnolgicos. Todas as msicas utilizadas foram adquiridas atravs de
downloads gratuitos dos sites Palco Mp3, Bandas de Garagem e Trama Virtual10.
A gravadora brasileira Trama um exemplo de modelo alternativo
de negcio que no criminaliza o download gratuito, mas compe
10Endereos virtuais: www.palcomp3.com.br; www.bandasdegarem.com.bre www.tramavirtual.com.br.
http://www.palcomp3.com.br/http://www.bandasdegarem.com.br/http://www.tramavirtual.com.br/http://www.palcomp3.com.br/http://www.bandasdegarem.com.br/http://www.tramavirtual.com.br/8/14/2019 MAROLA, SEGUINDO O CURSO DAS GUAS PROJETO EXPERIMENTAL EM VDEO
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com ele, servindo-se desta tecnologia para inaugurar novamodalidade de prospeco de mercado. (CASTRO, 2006, p.3)
O Trama Virtual espao criado pela gravadora independente que permiteaos artistas e bandas disponibilizem informaes, agenda e msicas em formato
mp3 para que estas sejam analisadas pelo pblico que visita o site (MONTEIRO,
2008),. Para fazer downloads preciso que o usurio faa um cadastro.
O Palco Mp3 tem cerca de quinze mil artistas cadastrados e mais de setenta
e cinco mil msicas disponveis e alm de disponibilizar vdeos, agenda, letras e
cifras, os artistas podem colocar suas msicas disposio do pblico para
download. (MONTEIRO, 2008).
O Bandas de Garagem um site que permite que cada banda possua um
espao para divulgao do seu trabalho, fotos, discografia, rdio, agenda de
shows.
Estes sites so classificados como agregadores que so definidos como
empresa ou servio que coleta ampla variedade de bens e os torna disponveis
e fceis de achar, quase sempre num nico lugar (MONTEIRO, 2008, p. 86).
Com a internet e as novas prticas de consumo de msica digital, surgiu uma
discusso sobre a pirataria e o direito autoral. Os direitos autorais foram
estabelecidos atravs da Conveno de Berna em 1886 e integrados no
mercados global atravs dos Acordo de 1994 da Organizao Mundial do
Comrcio. (CASTRO, 2006).
As leis de copyright mediam no campo da msica as relaes contratuais
entre msicos e gravadoras e segundo Castro (2006, p.1), tm a funo de
regular o poder de barganha das instncias intermedirias entre criador e seu
pblico.
A situao passa a ter outros contornos com a entrada em cena das
tecnologias digitais que ento problematiza o papel das instncias intermedirias
e traz conseqncias para a implantao dos direitos autorais.
A adoo do CD (compact disc) como formato preferencial dedistribuio no mercado fonogrfico trouxe em seu bojo aproliferao da pirataria em escala industrial [...] finalmente a
digitalizao da msica possibilitou a apropriao da internet comocanal de distribuio. (CASTRO, 2006, p.02)
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Nesse novo cenrio foi afetado o poder de barganha das instancias
intermedirias e a prpria estruturao dos contratos do copyrights. Entretanto
para os artistas nas maiorias deles pouco conhecidos que disponibilizam
suas msicas em formato mp3 em sites especficos, o que importa tornar a
msica conhecida e popular.
Na composio da renda destinada aos msicos, convites parashows, participao na venda de ingressos e produtos com aimagem do artista, etc, representam muito. (CASTRO, 2006, p.4)
Todas as trilhas de Marola so de artistas considerados independentes, ou
seja, aqueles que assumem integralmente as responsabilidades e os custos
envolvidos, sem nenhuma veiculao que implique em subordinao a uma
empresa ou instituio com fins lucrativos (VAZ, 1988).
O termo independente se refere ao mesmo tempo: a) a umacaracterstica de bandas que no teriam sido lanadas por grandesgravadoras; b) a gravadoras independentes, pequeno selos com
relativa autonomia no processo produtivo e criativo, contratao epromoo dos artistas; e c) a uma condio especfica de produo,que diz respeito a um estilo musical alternativo, associado a umconjunto de valores musicais, como a autenticidade (MONTEIRO,2008, p.2)
A msica Coco Dub, de Chico Science e Nao Zumbi, alm est disponvel
sob licena Creative Comonns11, foi escolhida por ser do movimento Mangue Beat,
movimentomusical que surgiu no Brasil na dcada de 90 em Recife que mistura
ritmos regionais com rock, hip hop, maracatu e msica eletrnica, mas que tem em
sua essncia a marca de engajamento cultural, o que o tornou marcante
musicalmente e socialmente.
o Mangue Beat vai se distinguir pelo fato de ter sido puxado por jovens nascidos nas camadas populares dessa regio [Recife].Neste sentido, o comparamos ao Quilombo dos Palmares. ComoPalmares, com sua pluralidade tnica que acolheu os excludos dosistema colonial, o movimento de Chico Science, em alguns anos
11 Organizao sem fins lucrativos sediada na Standford Law School, tm o intuito de oferecer opesem termos de regimes de proteo de direitos autorais que sejam legalmente viveis e tambmadaptados aos tempos de consumo de mdia digital. www.creativecommons.org.br
http://www.creativecommons.org.br/http://www.creativecommons.org.br/8/14/2019 MAROLA, SEGUINDO O CURSO DAS GUAS PROJETO EXPERIMENTAL EM VDEO
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vai dar a palavra a uma camada da sociedade que at ento notinha encontrado um eco de maneira autnoma. (TESSER, 2007, p.70)
Chico Science, ex-vocalista da banda Chico Science e Nao Zumbi o conedesse movimento e idealizador do rtulo mangue e principal divulgador das idias,
ritmos e contestaes do Mangue Beat. No entanto os msicos ligados ao
movimento souberam se impor frente a uma indstria musical que h vrios anos
restringe a sua produo a uma esttica (TESSER, 2007, p.71)
3.1. O que o filme representa?
A definio de documentrio no mais fcil do que a de amor ou
de cultura. Seu significado no pode ser reduzido a um verbete de
dicionrio, como temperatura, ou sal de cozinha.
Bill Nichols, Introduo ao Documentrio.
O documentrio diferencia-se da fico,onde o cenrio imaginado e suposto
e existem atores. No documentrio, que ocorre em cenrio natural, no existem
personagens, mas pessoas reais que ali aparecem.
Segundo Yakhni (2001), uma das caractersticas bsicas do documentrio a
de representar um fragmento do mundo histrico. Segundo a autora, o espao
documental histrico e o realizador se situa como parte integrante desse mundo.
(YAKHNI, 2001, p.4). Nesse sentido, o ponto de partida do realizador est sempre
referido a algum, a um grupo de pessoas, instituio, a um lugar ou manifestao
cultural.
Nichols acredita que se o documentrio fosse realmente uma reproduo darealidade, teramos simplesmente a rplica ou cpia de algo j
existente (NICHOLS, 2005, p. 47). Segundo o autor, diferente de reproduzir a
realidade, o filme documentrio uma representao do mundo em que vivemos.
Representa uma determinada viso do mundo, uma viso com aqual talvez nunca tenhamos deparados antes, mesmo que osaspectos do mundo nela representado nos sejam familiares.Julgamos uma reproduo por sua fidelidade ao original suacapacidade de se parecer com o original, de atuar como ele e deservir aos mesmos propsitos. (NICHOLS, 2005, p.47)
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Penafria (2006, p. 184) entende o documentrio no tanto como um gnero,
mas um projeto de cinema, j permite pensar tanto em relao a temtica, quanto
em relao a outro filmes.
[...] esta classificao de gnero uma abordagem que se deveultrapassar.[...] Os filmes que se designam como documentriocontero em si um projeto de cinema que permite pensa-los emrelao aos restantes filmes e em relao ao mundo em quevivemos.
O que justifica tal pensamento o valor documental que a imagem estabelece
com o que existe fora dela. Grierson (PENAFRIA, 2006
) ao analisar o filme Moama(1926) de Robert Flaherty justifica o valor documental.
Para Grierson, Moana no apenas um registro ou uma descrioda vida de uma famlia polinsia. Esse seu valor documental ou(dizemos ns) o valor fotogrfico secundrio em relao suapotica, sua capacidade em transmitir a beleza e harmonia darelao que o homem estabelece com a natureza circundante.Essa sua capacidade s possvel pelo manuseamento dastcnicas cinematogrficas (PENAFRIA, 2006, p.185).
Julgamos uma representao mais pela natureza do prazer que ela
proporciona, pelo valor das idias ou do conhecimento que oferece e ainda segundo
Nichol (2005, p.48), pela qualidade da orientao ou da direo, do to ou do ponto
de vista que instila.
Esperamos mais da representao que da reproduo. Para o autor
atravs da fotografia, que percebemos a representao, j que uma cena pode (e
deve ser) representada fielmente mas alguns artistas conseguem ver e representarmais verdades, e verdades maiores, do que qualquer transeunte conseguia
observar (NICHOLS, 2005, p.48).
Segundo Yakhni, todo e qualquer filme, independente do gnero, uma
interpretao da realidade, j que a partir da escolha sobre o que filmar, desde o
plano escolhido at a escolha dos entrevistados e a edio, se constroem uma
interpretao, que segundo a autora, se traduzem um determinado ponto de vista
subjetivo e singular (YAKHNI, 2001, p.9).
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Apesar de um documentrio representar um determinado ponto de vista, nada
impede que ele seja fiel a fiel verdade de determinadas realidades. E a partir das
diferentes formas de representao de uma determinada realidade que Nichols
elabora seis modalidades do filme documentrio, como explica Yakhni (2001, p.9):
Nesse sentido, podemos lanar um olhar para a trajetria que odocumentrio tem percorrido tendo como referncia as diferentesmaneiras como tem se dado a relao realidade x representao.Os modos de representao diferem entre si por empregarem oselementos da narrativa cinematogrfica de maneiras distintas ehistoricamente datadas.
Segundo Nichols (2005), cada documentrio tem sua voz distinta e assim
como toda voz, a voz flmica tem um estilo uma natureza. Em Marola, a narrativa
dos fatos traz ao espectador a impresso da realidade por meio da fala (atravs de
sons e imagens) e sensao da no manipulao desses meios. No entanto, em
qualquer cinema, independente do gnero sempre h um discurso que representa
uma realidade.
A partir de todo processo pr-produo, produo e ps-produo j
mostrado nesse memorial, possvel perceber que em todas as etapas h uma
interpretao da realidade que pode ser entendidas como por exemplo, no
momento em que se escolhe o que filmar, de que ponto de vista, qual a durao do
plano, quem entrevistar, o que perguntar ao entrevistado, como editar o material.
(YAKHNI, 2001, p.11)
4 CONSIDERAES FINAIS
O presente trabalho buscou, por meio de um registro videogrfico, valorizar a
importncia do trabalho das mulheres pescadoras enquanto ocupantes de um papelimportante na atividade da pesca.
Para a contextualizao terica foram pesquisadas autoras importantes para
os estudos de gnero como Michelle Perrot e Maria Lcia Rocha-Coutinho. Para as
anlises do trabalho da mulher na pesca foram de grande importncia o trabalho das
antroplogas Denise Machado Cardoso e Maria Cristina Maneschy. J para o
embasamento terico para o suporte videogrfico foi imprescindvel as pesquisas de
Bill Nichols e Manuela Penafria.
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A partir do pensamento de Michelle Perrot percebe-se que ao longo da
histria as diferenas entre os sexos contriburam para a imposio de relaes
hierrquicas, homens nas posies de dominao e mulheres nas subordinadas. Um
exemplo disso diviso sexual do trabalho, que no so meramente naturais, mas,
elaboradas a partir de um discurso que social e discriminatrio.
A invisibilidade da mulher nos espaos pblicos um fator histrico. Segundo
Michelle Perrot, o sculo XIX, levou a diviso das tarefas e a segregao sexual ao
seu ponto mais alto. Lugar das mulheres: a maternidade e a Casa cercam-na por
inteiro. (PERROT, 1988, p.186).
O documentrio possibilitou dar voz a mulheres, que por meio do trabalho na
pesca conquistaram seu espao de sobrevivncia e independncia. De acordo coma classificao de Bill Nichols, o trabalho possui caractersticas do modo
observativo, j que priorizou observar os outros ocupando-se de seus afazeres
(NICHOLS, 2005, p.148) e registrar esses fatos.
Ao final desse trabalho foi possvel perceber que, muito alm de conquistas
obtidas, essas mulheres trazem consigo marcas das dificuldades enfrentadas
durante a vida. O trabalho em tempos frios, a cata do moapen, que precisa ser
cavado com uma enxada causa seqelas fsicas que muitas vezes interrompem otrabalho dessas mulheres antes da idade previstas.
Observou-se assim que mesmo com as dificuldades e com o trabalho mal
remunerado, a maioria dessas mulheres se orgulha da profisso que exercem.
Profisso que possibilitou o sustento da famlia, a criao dos filhos e a valorizao
enquanto mulheres.
O vdeo abordou ainda relao que as mulheres exercem com o rio, o
perodo da cata do marisco, a observao das mars, a no adaptao com o tempoformal em detrimento do tempo das mars, a vida pelo ritmo das guas e ainda de
que forma elas passam a tradio para os filhos.
A partir dos depoimentos de algumas marisqueiras, foi possvel conhecer
como se d o trabalho dessas mulheres e de que forma elas se vem enquanto
profissionais de pesca. O que podemos concluir com tal discusso que nossa
cultura est compreendida com os mitos das diferenas sexuais demarcadas,
chamadas de masculina e feminina.
Mesmo diante de algumas falhas tcnicas j abordadas no processo
metodolgico os objetivos de mostrar o trabalho da mulher na pesca a fim de
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valorizao desse trabalho foram alcanados. Dentro das limitaes encontradas, o
resultado foi satisfatrio.
Tanto o produto como este memorial, ficaro disponveis na Biblioteca da
Universidade Estadual de Santa Cruz, contribuindo assim com o acervo histrico
audiovisual sobre a cultura local a partir de uma temtica de gnero e trabalho.
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ANEXO I ROTEIRO DE EDIO
Roteiro de Edio Marola
Fita Entrada Sada udio Imagem Observao
05 00:23:22 00:24:31 Tertulina 6- Tenho muita saudadeda pescaria. As vezes da vontadede pescar n, vontade bate devoltar a pescar mais a idade nocompete eu voltar a pescar de novo,mas infelizmente no d mais...
Sonora+
Tertulina sentada olhandopara o rio/ pescador no rio/
Tela escurece
Imagem:Fita 0500:20.4500:20.53/00:22.0700:22.19
Trilha instrumental - 22 (O TeatroMgico)
Tela escura
Aparece ottulo dofilme:Marola
03 00:01:56 00:02:27 Trilha instrumental - 22 (O TeatroMgico) Por do sol, rio Almada
Fita 0400:10:01
http://www.bocc.ubi.pt/pag/penafria-manuela-filme-doc.htmlhttp://bocc.unisinos.br/pag/penafria-manuela-documentarismo-reflexao.pdfhttp://bocc.unisinos.br/pag/penafria-manuela-documentarismo-reflexao.pdfhttp://bocc.unisinos.br/pag/penafria-manuela-ponto-vista-doc.pdfhttp://bocc.unisinos.br/pag/pessoa-fernao-ramos-o-que-documentario.pdfhttp://www.ufrpe.br/pag/santos-costa_37http://www.bocc.ubi.pt/pag/penafria-manuela-filme-doc.htmlhttp://bocc.unisinos.br/pag/penafria-manuela-documentarismo-reflexao.pdfhttp://bocc.unisinos.br/pag/penafria-manuela-documentarismo-reflexao.pdfhttp://bocc.unisinos.br/pag/penafria-manuela-ponto-vista-doc.pdfhttp://bocc.unisinos.br/pag/pessoa-fernao-ramos-o-que-documentario.pdfhttp://www.ufrpe.br/pag/santos-costa_378/14/2019 MAROLA, SEGUINDO O CURSO DAS GUAS PROJETO EXPERIMENTAL EM VDEO
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00:10:09Trilha instrumental
Imagens feitas no barcoFita 0700:05:4000:06:47
Trilha instrumental
Imagens feitas no barco
Fita 07
00:06:4000:06:59
Trilha instrumental Imagens feitas no barco Fita 000:12:4000:13:20
05 00:23:22 00:24:31 Trilha instrumental - 22 (O TeatroMgico)
+Tertulina 6 - a gente olhando aliagora se a tivesse a mar seca,bate mesmo a vontade de pescar
Pescador na canoa (Badar)
Imagem:Fita 0500:21:4000:21:47
06 00:22:08 00:22:28
Trilha instrumental - 22 (O TeatroMgico)
PAN mangue Coroa de Sojoo
06 00:18:12 00:18:34Trilha instrumental - 22 (O Teatro
Mgico)Ktia e Ins empurram a
canoa01 00:25:58 00:26:32 Ins 1 - Eu comecei a ser
marisqueira com a idade de 10 anos,minha me e meu pai saiam parapescar a levava a gente pra noficar a toa na roa, a gente tinha queta junto com eles. A fui aprendendo
Sonora
01 00:12:14 00:12:42 Zelina 1 - Eu comecei a sermarisqueira depois que sai dotrabalho, no tinha mais o que fazere tive que lutar na pescaria. Porqueeu no sabia o que era pescaria
Sonora
01 00:26:36 00:28:13 Ins 2 - ... no comeo sempre difcil porque a gente ainda taprendendo. A tudo que a gente taaprendendo difcil, muito difcil./Uma vez mesmo, quase fuimorrendo afogada (risos).
Ins na canoa com Ktia
Imagem:Fita 0600:18:5300:19:00
01 00:15:58 00:16:34 Zelina 4 - teve uma vez mesmo quens quase se afogava a gente teve
que sair da canoa as pressas e cairtudo dentro dgua, quando a canoatava afundando./ bom, mais umtrabalho muito difcil, arrisca muito avida da gente,
04 00:01:28 0:02:12 Tertulina 1- Hoje t aposentadamas continuo trabalhando s queno vou pro mangue pescar, quempesca meu filho?. Eu cato omarisco e vou vender.
Sonora
01 00:05:41 00:06:02 Dinalva 4 Eu no acho dificuldadenenhuma pra mim/ Porque a gentepesca e no dia que pega pega e o
dia que no pega, no pega, pegapouco./ Tem dia que a gente vai epega pouco, no tem dificuldadenenhuma
Sonora
+Imagem mos catando siri
Imagem:Fita 0100:00.23
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8/14/2019 MAROLA, SEGUINDO O CURSO DAS GUAS PROJETO EXPERIMENTAL EM VDEO
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04 00:06:20 00:06:48 Ktia 3 - Os momentos difceis euacho dessa profisso da gente quando chega a enchente, quealaga tudo isso aqui, ningumtrabalha, ningum faz nada, os
moradores tem que sair porque asguas invadem as casa
PAN Quadra Um+
Ktia na porta (senhor
sentado ao lado
Imagem:Fita 0400:19:0400:19:20/00:16:45
00:16:53
02 00:06:00 00:06:21 Rosemeire - E na profisso demarisqueira pra mulher bom assimporque mais uma opo, mas ruim em outras porque a doenachega mais rpido n./Reu