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CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENSINO DE CIÊNCIAS EXATAS MESTRADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS EXATAS A FÍSICA NO ENSINO FUNDAMENTAL: UTILIZANDO O JOGO EDUCATIVO “VIAJANDO PELO UNIVERSO” MARCOS GERVÂNIO DE AZEVEDO MELO Lajeado, dezembro de 2011

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    CENTRO UNIVERSITRIO UNIVATES

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENSINO DE CINCIAS EXATAS

    MESTRADO EM ENSINO DE CINCIAS EXATAS

    A FSICA NO ENSINO FUNDAMENTAL: UTILIZANDO O JOGO

    EDUCATIVO VIAJANDO PELO UNIVERSO

    MARCOS GERVNIO DE AZEVEDO MELO

    Lajeado, dezembro de 2011

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    MARCOS GERVNIO DE AZEVEDO MELO

    A FSICA NO ENSINO FUNDAMENTAL: UTILIZANDO O JOGO

    EDUCATIVO VIAJANDO PELO UNIVERSO

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao em Ensino de Cincias

    Exatas do Centro Universitrio UNIVATES,

    como requisito parcial para obteno do grau

    de Mestre em Ensino de Cincias Exatas.

    Orientadora: Dr Ana Ceclia Togni

    Coorientadora: Dr Marlise H. Grassi

    Lajeado, dezembro de 2011

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    MARCOS GERVNIO DE AZEVEDO MELO

    A FSICA NO ENSINO FUNDAMENTAL: UTILIZANDO O JOGO

    EDUCATIVO VIAJANDO PELO UNIVERSO

    Dissertao apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao em Ensino de Cincias

    Exatas do Centro Universitrio UNIVATES,

    como requisito parcial para obteno do grau

    de Mestre em Ensino de Cincias Exatas.

    BANCA EXAMINADORA

    ___________________________________________________

    Dr Isabel Krey Garcia ______________________________________________

    Dr Silvana Neumann Martins ___________________________________________________

    Dr Jaqueline Silva da Silva ______________________________________________

    Dr Marlise Heemann Grassi (Coorientadora) ___________________________________________________

    Dr Ana Ceclia Togni (Orientadora)

    Lajeado, dezembro de 2011

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    DEDICATRIA

    minha filha, Sara Lyla, que veio ao mundo intensificando minha vida, abrilhantando

    meus pensamentos, iluminando meus sonhos, abenoando meus dias, acelerando

    meu corao, alegrando ao meu redor e, principalmente, me trazendo a esperana

    de ser um homem melhor.

    Que Deus possa estar sempre presente em seus caminhos!

    Voc a minha vida, lindinha!

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    AGRADECIMENTOS

    A Deus, pois Ele a fonte de tudo o que norteia o meu ser e o meu estar.

    minha famlia: minha av Carolina, in memorian, eternamente carinhosa e

    amorosa; aos meus pais Joo e Arnalda, pela educao proporcionada; aos meus

    irmos Sullivan e Ndia, pelo companheirismo; minha esposa Luciana e minha

    filha Sara Lyla, pela presena constante ao meu lado; ao Elderson e Maria

    Carolina, pelo carinho; s tias Marinalda e Matilde, pela torcida pelo meu sucesso.

    Prof Dra Ana Ceclia Togni, pela pacincia, companheirismo, amizade e

    competncia, colaborando com a qualidade na realizao deste estudo.

    Prof Dr Marlise Heemann Grassi, pelo apoio na realizao deste trabalho e pelo

    carinho sempre demonstrado.

    Aos professores do Programa de Ps-Graduao em Ensino de Cincias Exatas da

    UNIVATES, pelos ensinamentos oportunizados.

    direo, superviso e vice-direo da Escola Municipal de Ensino Fundamental

    Porto Novo, por ter-me possibilitado a aplicao da proposta de trabalho, em

    especial, s Professoras Loni e Tnia, colaboradoras dos momentos de

    observaes, alm da Prof Carla, pela possibilidade e contribuio direta para a

    efetivao desta proposta em sala de aula.

    Aos alunos da 8 Srie, turma 81, da Escola Porto Novo, pela disposio de

    participarem deste estudo.

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    UNIVATES, pela organizao conferida, pelo acolhimento, pela oportunidade e

    pela confiana, elementos imprescindveis ao meu crescimento.

    Aos meus colegas e amigos de turma, em especial, Vra, Frontino, Ismael, Nara,

    Liliane e Elaine, pelos momentos alegres e prazerosos juntos.

    Aos amigos que ajudaram diretamente nesta caminhada: Victor, Elton, Ledi, Eltinho,

    Henrique e Aline Diesel.

    A todos, muitssimo obrigado.

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    Disse certa vez um poeta: Todo o universo est em um copo de vinho.

    Provavelmente jamais saberemos o que ele quis dizer, pois os poetas no escrevem

    para ser entendidos. Mas verdade que, se examinarmos um copo de vinho bem de

    perto, veremos todo o universo. H as coisas da fsica: o lquido vivo que evapora

    dependendo do vento e do clima, os reflexos no copo, e nossa imaginao

    acrescenta os tomos. O copo uma destilao das rochas da Terra e, em sua

    composio, vemos os segredos da idade do universo e da evoluo estelar. Que

    estranho arranjo de substncias qumicas est no vinho? Como vieram existncia?

    H os fenmenos, as enzimas, os substratos e os produtos. Ali no vinho encontra-se

    a maior generalizao: toda vida fermentao. Ningum descobre a qumica do

    vinho sem descobrir, como Louis Pasteur, a causa de muitas doenas. Como vivo

    o clarete, impondo sua existncia conscincia que o observa! Se nossas pequenas

    mentes, por alguma convenincia, dividem esse copo de vinho, o universo em partes

    fsica, biologia, geologia, astronomia, psicologia e assim por diante , lembre-se de

    que a natureza as ignora! Assim, reunamos tudo de volta, sem esquecer para que

    serve, afinal. Que nos conceda mais um ltimo prazer: beb-lo e esquecer tudo isso.

    Richard P. Feynman

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    RESUMO

    Este estudo foi desenvolvido com o objetivo de elaborar e propor ao ambiente escolar um jogo educativo para o ensino de Fsica que possibilite a participao ativa do aluno no processo de ensino-aprendizagem. A questo que este estudo procurou responder foi: Que benefcios a utilizao do jogo Viajando pelo Universo pode proporcionar ao ambiente escolar dos alunos do ltimo ano do ensino fundamental em uma escola pblica da rede municipal de ensino? A experincia pedaggica ocorreu em uma turma de uma escola municipal da cidade de Lajeado-RS. O estudo est fundamentado nas teorias das inteligncias mltiplas de Howard Gardner e da aprendizagem significativa de David Ausubel, sendo de natureza qualitativa com enfoque direcionado ao estudo de caso. A utilizao do jogo despertou interesse nos alunos e alunas, proporcionou uma atmosfera prazerosa e entusiasta, em que o discente assumiu o papel principal no processo de ensino-aprendizagem. Possibilitou, igualmente, a construo do conhecimento e a validao da atividade realizada em grupo, evidenciou habilidades e manifestou inteligncias, ressaltou otimismo e segurana em relao ao processo de ensino-aprendizagem em Cincias e realou um momento em que brincadeira e seriedade estiveram sempre juntas, oportunizando aprendizagem de contedos conceituais, procedimentais e atitudinais, demonstrando ser um interessante instrumento na verificao dessas aprendizagens. . PALAVRAS-CHAVE: Jogo educativo. Ensino de Fsica. Inteligncias Mltiplas. Aprendizagem significativa.

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    ABSTRACT

    The present study aimed to build and propose an educational game for Physics teaching environment aiming to enable the students effective participation in the teaching and learning process. It aimed to answer the following question: Which benefits may the use of Traveling the Universe game provide for senior elementary students environment of a public town school? The educational experience was carried out in a town school group in Lajeado-RS. It was based on multiple intelligence theory by Howard Gardner and meaningful learning by David Ausubel. It is a qualitative research which focuses on a case study. The use of games called the students attention; provided a pleased and enthusiastic environment; in which students assumed the main role on the teaching and learning process. It also enabled the construction of knowledge and the confirmation of group activity; showed evidence of abilities and intelligences; reinforced optimism and certainty regarding to Science teaching and learning process. It also stressed the moment in which game and seriousness came along very well; offering contents of concepts, procedures, and attitudes, assuming to be an interesting instrument in the confirmation of such learning. KEY-WORDS: Educational Game. Teaching Physics. Multiple Intelligences. Meaningful Learning.

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    LISTA DE FIGURAS

    Figura 1 Inteligncia espacial: escolha a forma que uma rotao da forma alvo........................................................................................................... Figura 2 Peas antigas do xadrez.................................................................. Figura 3 Tabuleiro de jogo da glria impresso na Inglaterra em 1790, mostrando figuras tpicas da poca Georgina................................................... Figura 4 Tabuleiro do jogo Viajando pelo Universo..................................... Figura 5 Cartas do Viajando pelo Universo................................................. Figura 6 Planetas do Viajando pelo Universo.............................................. Figura 7 Jogo como organizador prvio......................................................... Figura 8 Jogo como objeto de incentivo Histria da Cincia...................... Figura 9 Alunas recebendo orientao sobre o jogo...................................... Figura 10 Alunas viajando pelo universo.....................................................

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    LISTA DE QUADROS

    Quadro 1 Jogos e suas especificidades........................................................ Quadro 2 Habilidades operatrias................................................................. Quadro 3 Respostas dos alunos ao questionrio aplicado antes do jogo.....

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    LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Demanda hipottica de professores e nmero de licenciados por disciplina............................................................................................................ Tabela 2 - Nmero de egressos de 2001 a 2005 das 30 instituies investigadas.......................................................................................................

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    SUMRIO

    1. INTRODUO ..................................................................................... 2. FUNDAMENTANDO O ESTUDO ........................................................

    2.1 Contextualizando o ensino de Fsica .............................................. 2.2 Discutindo a Aprendizagem Significativa ....................................... 2.3 Falando das Inteligncias Mltiplas ................................................ 2.4 O jogo e sua importncia na Educao ..........................................

    3. O JOGO VIAJANDO PELO UNIVERSO .......................................... 3.1 A origem das ideias e o desenvolvimento do jogo ......................... 3.2 Mostrando as cartas: revelando o jogo Viajando pelo Universo... 3.3 O jogo como um organizador prvio no ensino de Fsica .............. 3.4 O jogo como objeto de incentivo Histria da Cincia ..................

    4. DESCREVENDO OS PROCEDIMENTOS METODOLGICOS ........

    4.1 Apresentando a Escola .................................................................. 4.2 Caracterizando a turma .................................................................. 4.3 A proposta de ensino-aprendizagem .............................................. 4.4 Caracterizando a metodologia da pesquisa ...................................

    5. REALIZANDO ATIVIDADES DE PESQUISA ...................................... 5.1 Planejando estratgias.................................................................... 5.2 Observando aulas de Artes ............................................................ 5.3 Observando aulas de Geografia ..................................................... 5.4 Observando aulas de Cincias ....................................................... 5.5 Iniciando a prtica pedaggica........................................................ 5.5.1 Questionando os alunos .............................................................. 5.5.2 Aplicando o jogo Viajando pelo Universo................................... 5.5.3 Socializando atividades avaliativas............................................

    6. ANALISANDO DADOS ........................................................................ 7. CONCLUSES E CONTRIBUIES ................................................. REFERNCIAS ......................................................................................... ANEXOS ....................................................................................................

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    1. INTRODUO

    Pensar na utilizao de um jogo no ensino de Cincias foi uma forma de

    contribuir para um momento diferente, intenso e interativo, no qual o prazer e a

    satisfao, o ensino e a aprendizagem possam atuar concomitantemente e oferecer

    assim um sentido inovador educao.

    Historicamente, sabe-se que a educao reergueu pases que se

    encontravam em grandes dificuldades e pode-se constatar tal fato principalmente no

    Japo1 aps a Segunda Guerra Mundial, entretanto episdios como esses ainda so

    negligenciados por alguns pases que teimam em colocar a educao bem distante

    das prioridades no que se refere ao desenvolvimento. O Brasil apresenta esboos

    de melhoria direcionados educao, como mostram os ltimos resultados do

    ndice de Desenvolvimento da Educao Bsica2 - IDEB, mas ainda se encontra

    longe das necessidades especficas de algumas regies do pas. Verifica-se tal fato

    ao se fazer dois questionamentos: Que tipo de escola se precisa para atender s

    demandas sociais? Que escola atende sociedade contempornea?

    Vrios so os problemas que assolam a sociedade e que poderiam, ao

    menos, ser minimizados com uma escola atuante, reflexiva, atraente, enfim, com

    uma escola contempornea. As mazelas educacionais, entretanto, so intensas e

    1 Aps a derrota na Segunda Guerra Mundial, ocorrem as reformulaes educacionais em 1947 que

    priorizam eliminar a educao militarista e objetivam democracia e ideais de liberdade e igualdade na educao. Disponvel em . Acesso em: 03 dez. 2010. 2 O IDEB observado em 2005 para o ensino mdio brasileiro foi de 3,4 com metas de 3,4 para 2007 e

    de 3,5 para 2009. Tais metas foram superadas, pois obtiveram-se os ndices de 3,5 em 2007 e de 3,6 em 2009. O objetivo agora alcanar 5,2 em 2021. Disponvel em . Acesso em: 03 dez. 2010.

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    agravam os problemas especficos de cada escola do nosso extenso pas.

    Paradoxalmente, esta instituio educacional evoluiu, pois reflete um mapa muito

    aproximado de uma sociedade que se esqueceu de prezar por alguns valores,

    porm se manteve conservadora no sentido de continuar com prticas empiristas e

    tradicionais, priorizando a passividade do aluno e, consequentemente, sua

    alienao, como salienta Gardner (1999, p. 45):

    [...] com exceo de umas poucas mudanas relativamente superficiais, seres humanos milagrosamente transportados de 1900 reconheceriam muito do que acontece nas salas de aulas de hoje predomnio das prelees, nfase sobre os exerccios prticos baseados na instruo recebida, matrias e atividades descontextualizadas. As escolas se no a educao de um modo geral so instituies inerentemente conservadoras.

    Tal conservadorismo verificado, principalmente, no que se refere s prticas

    comportamentalistas3 na educao, pois as mesmas so antigas, desde a criao

    das primeiras escolas registradas historicamente as casas das tabuinhas4, em

    meados de 3000 a.C, onde se utilizavam tabuinhas de cera, num primeiro momento,

    para um registro detalhado de contas e transaes agrcolas e, posteriormente, para

    outras atividades sociais (POZO, 2002) como a educao , predominando a

    repetio e a memorizao de contedos. Dessa forma, inevitavelmente, enfatiza-se

    a ideia de um conhecimento verdadeiro, um fiel reflexo da realidade, do mundo,

    bastando assim, memoriz-lo. O professor, nessa perspectiva, o detentor do saber

    e funciona como elemento chave transmisso do conhecimento, enquanto o aluno,

    por sua vez, esmorece num mar de passividade e vaga pelo cio da escurido. O

    direito de pensar minimizado frente ao de memorizar, e a prtica da repetio

    baterias de exerccios idnticos no contexto da educao valorizada, sobretudo,

    para que sejam atingidas respostas esperadas pelo professor.

    No h, aqui, a inteno de desvalorizar todo o trabalho de Pavlov, Watson e

    Skinner, mas a preocupao de refletir sobre a complexidade epistemolgica e

    axiolgica do conhecimento. O aluno precisa interagir em todo o processo

    3 O Comportamentalismo ou Behaviorismo originou-se nos meios acadmicos dos Estados Unidos da

    Amrica, criado por John B. Watson, mas antes traado pelo cientista russo Ivan P. Pavlov. O norte-americano Burrhus F. Skinner foi outro expoente desse paradigma. O comportamentalismo, lembrado tambm como E-R, estmulo-resposta, tornou-se conhecido por conceber o ser humano como se fosse uma caixa preta, um recipiente lacrado e indevassvel sobre cujo interior nada podemos afirmar (CUNHA, 2003, p. 43-45). 4 Tais escolas surgem pela necessidade da civilizao sumria (prximo do atual Iraque) de formar

    escribas, aps o surgimento da escrita em tabuinhas de cera, h 5000 anos (POZO, 2002).

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    educacional, isto , necessita refletir sobre sua ao, atuando sempre como um ser

    pensante. Apesar disso, na viso do pesquisador, ainda grande a existncia de

    professores conservadores que acreditam piamente na fora do contedo sem levar

    em conta o poder de reflexo que cada aluno carrega. Nossas escolas esto cheias

    de alunos que deixam de existir pela prtica de professores academicistas e

    empiristas, os quais tiram deles o direito de pensar, atuar e refletir. Todas essas

    mazelas relacionadas educao so culturas recorrentes, que se mantm no

    espao escolar e das quais fazem parte o professor e sua histria de vida, sujeito de

    uma educao condutista, conservadora e muitas vezes repressora.

    Iniciou-se o Renascimento, e, com ele, a possvel soluo para a necessidade

    imperativa de memorizao e repetio. Surgiu a imprensa, trazendo consigo a

    possibilidade de crescimento multidimensional da escola. De acordo com Pozo

    (2002, p. 28),

    As mudanas mais notveis na cultura da aprendizagem se devem a uma nova revoluo na tecnologia da escrita. A inveno da imprensa, ligada cultura do Renascimento, permitir no s uma maior divulgao e generalizao do conhecimento como tambm um acesso e conservao mais fceis do mesmo, libertando a memria da pesada carga de conservar todo esse conhecimento. Agora, a escrita passa a ser a Memria da Humanidade.

    No h dvidas de que a escola foi uma das instituies que mais se

    beneficiaram com a inveno da imprensa. A utilizao das tabuinhas de cera

    apresentava limitaes explcitas, sobretudo, no que se refere conservao do

    conhecimento. A mente, pode-se dizer, ficou livre para pensar, para sair da

    escurido, para alar voo.

    Outra contribuio expressiva para o crescimento e desenvolvimento do

    ambiente escolar5 foi o trabalho construtivista de tericos6 como Piaget, Vygosty,

    Wallon, Ausubel, Gardner, entre outros, que passaram a valorizar o pensamento, a

    reflexo, a construo do conhecimento em detrimento da simples memorizao e

    repetio. A cincia da cognio obteve respostas mais consistentes com o trabalho

    5 O termo ambiente escolar se refere, neste estudo, sala de aula, biblioteca escolar, ao

    laboratrio escolar ou a qualquer espao na escola que oferea condies para a ocorrncia de ensino-aprendizagem. 6 Vale ressaltar que alguns desses tericos no propunham inicialmente seus trabalhos voltados

    educao, como o caso de Piaget e Gardner.

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    construtivista7 desses pensadores, e a escola, teoricamente, mais uma vez,

    beneficiou-se.

    Entretanto, tal melhoria ainda est no desejo da sociedade, pois a escola, em

    geral, manteve-se conservadora, o que pode ser constatado pela anlise da sua

    histria: desde a origem, na civilizao sumria, a prtica predominante a

    memorizao. Tal prtica ainda permanece intensa no espao escolar de hoje, com

    prioridades para atividades mecnicas de repetio de exerccios

    descontextualizados e prevalncia de contedos neutros, sem significados para os

    alunos.

    Para no dizer que esse conservadorismo absoluto, h mudanas

    facilmente detectveis no ambiente escolar, mas que tambm precisam de intensa

    reflexo e de aes coletivas do poder pblico e da sociedade num sentido de

    reestruturao, pois a escola, em algumas regies do Brasil, agoniza num mar de

    desrespeito e abandono: agresso a professores e alunos, ausncia de estrutura

    fsica e pessoal, desvio de verba e merenda e falta de comprometimento dos

    responsveis pela definio dos rumos da educao so alguns dos problemas

    atuais que dificilmente sero resolvidos com aes isoladas.

    Estudos realizados por pesquisadores como Mesquita e Soares (2008)

    revelam que os problemas se intensificam nas aulas de Cincias, pois alguns

    paradigmas esto fortemente enraizados na sociedade que resiste a mudanas. A

    figura do professor de Cincias fortemente estereotipada pela mdia televisiva, que

    insiste em massificar a ideia, nos desenhos animados e filmes de fico, de cientista

    maluco, sem vida social, salvador da ptria, etc., fazendo com que, inevitavelmente,

    essa imagem seja passada ao professor de Qumica, Biologia, Matemtica e Fsica.

    Na viso de Gleiser (1997), existem outros mitos relacionados Cincia e ao

    cientista que merecem reflexo, como a ideia de que Cincia objeto de atividade

    exclusivamente masculina.

    O professor atual, indubitavelmente, est inserido num mundo de desafios,

    pois precisa trabalhar a interdisciplinaridade na escola, entretanto foi submetido, na

    7 Ser construtivista assumir um paradigma. adotar uma concepo de realidade em construo.

    adotar conscientemente uma epistemologia. , em conseqncia, viver de acordo com isto, assumir atitudes construtivistas. considerar-se permanentemente incompleto, inacabado e em constante construo (MORAES, 2008, p.128).

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    sua formao, continuamente, a atividades multidisciplinares. Necessita trabalhar

    dentro de uma perspectiva de incertezas, mas foi condicionado a viver num mundo

    de verdades absolutas. Precisa trabalhar a transversalidade de temas como meio

    ambiente e educao sexual, no entanto, nunca h tempo. Enfim, vrios so os

    compromissos que esbarram em despreparo, falta de estrutura, falta de tempo e at,

    por que no dizer, m vontade.

    A escola um lugar de transformao, pois nela que devem ser promovidas

    a socializao e a interdependncia, em detrimento do individualismo e da

    dependncia. preciso oportunizar a reflexo e toda e qualquer ao que possa

    fazer do aluno ou at mesmo do professor um ser livre, emancipado e crtico

    para atuar na sociedade.

    A educao, em ambiente escolar, necessita ser direcionada erradicao da

    inrcia da passividade discente que caracterstica do tradicionalismo hegemnico.

    O aluno precisa sentir-se elemento principal e no coadjuvante na escola.

    Entretanto, no se podem creditar todos os problemas referentes educao

    somente ao desempenho dos professores ou ao papel dos alunos. Apesar de no

    ser o foco deste estudo, importante ressaltar que outros aspectos que envolvem

    esse processo de ensino-aprendizagem, como a estrutura fsica e a de pessoal das

    escolas, merecem ateno especial.

    O Programa Internacional de Avaliao de Alunos (PISA) divulgou, em

    dezembro de 2010, uma pesquisa que mostra que a educao brasileira ainda est

    entre as piores do mundo8. Garcia (2001, p.15) salienta que existe um consenso,

    dentro das prprias esferas da gesto educacional pblica, de que a educao no

    pas vai mal. Indubitavelmente, no h dificuldades de se verificar isso na prtica,

    pois h escolas onde o ambiente desestimulador: alunos passivos, sem poder de

    deciso (GARDNER,1999) e professores estressados, desvalorizados e mal

    remunerados (VIEIRA, 2002). Assim, o pesquisador, concordando com esses

    estudos, tem observado, ao longo de sua carreira docente, pedagogos exercendo

    8 Dos 65 pases verificados, o Brasil ocupa a 53 posio, ficando atrs de pases como o Chile e o

    Mxico. A avaliao ocorreu em 2009 com 20 mil alunos brasileiros do ensino fundamental a partir da 7 srie (8 ano). A cada trs anos, o PISA divulga resultados. Disponvel em . Acesso em: 07 dez. 2010.

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    funes de controladores de frequncias de professores, ausncia de psiclogos

    e/ou assistentes sociais, concluindo, dessa forma, que ainda h escolas andando na

    contramo das necessidades atuais.

    No que se refere ao ensino de Cincias, mais especificamente ao de Fsica,

    verifica-se um enfoque exageradamente direcionado aos aspectos formais, que

    promovem intensa aplicao de equaes, sem uma devida significao dos

    conceitos. Nesse contexto, a aprendizagem ganha uma conotao mecnica. O

    aluno acaba dedicando mais importncia memorizao das frmulas do que s

    ideias, aos conceitos, que normalmente ficam em segundo plano. Pietrocola (2009,

    p.127) afirma que se pode

    [...] constatar um grave problema na forma como a educao cientfica vem sendo praticada. Nas reas em que a matematizao desenvolveu-se de forma acentuada, como na Fsica e na Qumica, acredita-se que as frmulas precedem as ideias. Em situaes mais extremas, as frmulas acabam por concentrar os esforos dos educadores, que de forma inconsciente relegam as ideias ao segundo plano. Essa prtica extirpa da cincia seu material mais precioso, pois sem as ideias o conhecimento cientfico matria morta.

    Diante destas mazelas educacionais apresentadas no ensino de Cincias,

    prope-se que a questo norteadora deste estudo seja: Que benefcios a utilizao

    do jogo Viajando pelo Universo pode proporcionar ao ambiente escolar dos alunos

    do ltimo ano do ensino fundamental em uma escola pblica da rede municipal de

    ensino?

    A busca da reposta a tal questionamento ser o alvo da pesquisa. Vale

    lembrar que o jogo foi escolhido como elemento principal deste estudo por se tratar

    de uma ferramenta ldica e intencionalmente pedaggica, favorecendo o trabalho

    direcionado ao desenvolvimento de inteligncias, principalmente as pessoais, e

    possibilitando a construo de aprendizagens significativas.

    O jogo Viajando pelo Universo foi planejado e desenvolvido a fim de ser

    utilizado no ensino de Fsica, para que o aluno possa interagir, refletir, visualizar,

    verificar, enfim, desenvolver habilidades e buscar a emancipao e a autonomia

    numa sociedade cada vez mais interdependente.

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    Percebida a problemtica existente no processo de ensino de Cincias no

    ensino fundamental, elaborada a questo norteadora, foram propostos, para o

    desenvolvimento do estudo, os objetivos apresentados a seguir.

    Como objetivo geral, a proposta foi elaborar e propor ao ambiente escolar o

    jogo educativo Viajando pelo Universo, possibilitando a participao ativa do aluno

    no processo de ensino-aprendizagem de Fsica.

    Especificamente, o estudo objetiva a:

    - disponibilizar aos alunos do ltimo ano do ensino fundamental o jogo

    educativo Viajando pelo Universo como uma ferramenta que trabalhe o contedo

    de Fsica de forma interativa, despertando a curiosidade dos mesmos e colaborando

    com a construo de seus conhecimentos por meio da interatividade;

    - acompanhar a participao e interao dos alunos do ltimo ano do ensino

    fundamental nas aulas de Fsica, antes da aplicao e aps a utilizao do jogo

    Viajando pelo Universo;

    - verificar os potenciais ldicos e pedaggicos do jogo Viajando pelo

    Universo quanto manifestao de inteligncias mltiplas e ao desenvolvimento de

    aprendizagens significativas.

    Para o melhor entendimento dos caminhos percorridos na realizao deste

    estudo, apresenta-se a estruturao da dissertao dividida em sete captulos.

    Alm da presente introduo onde se narram as razes que justificam a

    pesquisa e o problema investigado, os demais captulos esto assim estruturados:

    O segundo captulo Fundamentando o Estudo apresenta o referencial

    terico da pesquisa, abordando aspectos referentes ao ensino de Fsica no Brasil,

    refletindo sobre a aprendizagem significativa de David Ausubel, falando sobre as

    inteligncias mltiplas de Howard Gardner e comentando sobre a importncia do

    jogo para a educao.

    No terceiro captulo O Jogo Viajando pelo Universo descreve-se a

    origem das ideias que levaram ao desenvolvimento do referido jogo para ser

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    utilizado como objeto de aprendizagem e apresenta-se o jogo: os elementos que o

    compem e suas regras. Tambm, oportuniza-se o jogo para funcionar como um

    organizador prvio no ensino de Fsica e servir de objeto de incentivo Histria da

    Cincia.

    O quarto captulo Descrevendo os Procedimentos Metodolgicos

    apresenta a escola e caracteriza a turma foco do estudo, relata a proposta para o

    desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem, alm de se descrever a

    abordagem metodolgica para a realizao da pesquisa.

    No quinto captulo Realizando Atividades de Pesquisa descrevem-se as

    estratgias que norteiam o estudo, relatam-se as observaes das aulas de Artes,

    Geografia e Cincias e apresenta-se o desenvolvimento da prtica pedaggica,

    incluindo a aplicao de questionrio aos alunos, a utilizao do jogo Viajando pelo

    Universo em sala de aula, alm da construo e socializao, pelos alunos, de

    atividades avaliativas como jornais, palavras cruzadas, mapa conceitual e poesia.

    O sexto captulo Analisando Dados constitui o espao do trabalho no

    qual se discorre sobre anlises do estudo relacionadas ao referencial terico,

    apresentando os depoimentos escritos pelos alunos relativos utilizao do jogo

    Viajando pelo Universo e s atividades avaliativas desenvolvidas e apresentadas

    pelos mesmos em sala de aula.

    Finalmente, o stimo e ltimo captulo Concluses e Contribuies

    aborda reflexes sobre a utilizao de jogos no ensino de Cincias, retorna

    questo norteadora da pesquisa, enfatiza a abordagem dos objetivos do estudo e

    esboa algumas contribuies conferidas.

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    2. FUNDAMENTANDO O ESTUDO

    2.1 Contextualizando o ensino de Fsica

    Em 1549, na Bahia, inicia-se o processo de educao escolar no Brasil com

    uma organizao educacional voltada poltica de colonizao dos portugueses. Do

    perodo colonial at o golpe militar, a educao concebe-se como uma oportunidade

    destinada a poucos, entretanto, com a necessidade de popularizao da educao

    decorrente do processo capitalista industrial iniciado na Era Vargas, as escolas

    particulares passaram a servir s elites e o ensino pblico passou a servir

    populao menos favorecida (GOBARA; GARCIA, 2007, p. 519).

    No que se refere ao contedo programtico trabalhado, at ento, nas

    instituies de ensino, pode-se dizer que, somente 288 anos aps a aurora da

    educao formal brasileira, a Fsica aparece nas escolas, pois estudos como os de

    Neto e Pacheco (2001) afirmam que, a partir de 1837, esta Cincia da Natureza foi

    introduzida como disciplina do currculo escolar brasileiro e que tal fato est

    relacionado fundao do Colgio Pedro II, no Rio de Janeiro. importante

    entender como est dividida a educao bsica atual no Brasil para analisar o

    contexto em que o contedo de Fsica trabalhado.

    O art. 21 da Lei de Diretrizes e Bases para a Educao Brasileira, Lei

    9394/96, afirma que a educao bsica est dividida em educao infantil, ensino

    fundamental e ensino mdio. O contedo formal de Fsica tem seu incio, introdutria

    e superficialmente, no ltimo ano do ensino fundamental (agora com 9 anos,

    conforme o art. 32 da referida Lei) e no ensino mdio (dividido em 3 anos, de

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    acordo com art. 35 da citada Lei) que esta disciplina ganha maior espao por estar

    distribuda nos 3 anos que o compem.

    Nesse contexto, para se ter uma dimenso dos aspectos referentes ao ensino

    de Fsica no Brasil, Neto e Pacheco (2001, p.17) afirmam que

    Ao longo de quase 160 anos, o processo escolar de ensino-aprendizagem dessa cincia tem guardado mais ou menos as mesmas caractersticas. Um ensino calcado na transmisso de informaes atravs de aulas quase sempre expositivas, na ausncia de atividades experimentais, na aquisio de conhecimentos desvinculados da realidade. Um ensino voltado primordialmente para a preparao aos exames vestibulares, suportado pelo uso indiscriminado do livro didtico ou materiais assemelhados e pela nfase excessiva na resoluo de exerccios puramente memorsticos e algbricos [...]. Um ensino que apresenta a Fsica como uma cincia compartimentada, segmentada, pronta, acabada, imutvel.

    Dessa forma, o ensino de Fsica tem contribudo muito para resultados

    desfavorveis educao, seja em nvel bsico, seja em universidades, pois h

    elevados ndices de reprovao e evaso relacionados a esta disciplina (MOREIRA,

    1983b).

    O autor afirma que a inadequao do ensino de Fsica no primeiro grau (hoje

    ensino fundamental), ao repassar os primeiros conceitos, pode ser um diferencial a

    levar o aluno a no gostar de Fsica e que quase nada se faz para resolver esse

    problema no segundo e terceiro graus (ensino mdio e superior).

    Consequentemente, verifica-se uma averso explcita ao contedo de Fsica

    em ambiente escolar que salientada por Moreira (1983b, p.11) ao mencionar que

    [...] na escola de segundo grau, muitos alunos, provavelmente a maioria, preferem, em termos de cincias, a Biologia e a Qumica em relao Fsica. [...] a Fsica considerada uma matria difcil, a qual muitos alunos evitariam se pudessem. Ao que parece, eles aprendem muito cedo a no gostar de Fsica.

    Esta preferncia por outras reas da cincia, como a Biologia e a Qumica,

    em detrimento da Fsica, reflete-se, inclusive, no nmero de licenciados por

    disciplina no Brasil. Tal predileo pode ser observada num esboo dos licenciados

    de 1990 at 2001, apresentado pela Tabela 1.

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    Tabela 1 Demanda hipottica de professores e nmero de licenciados por

    disciplina

    DISCIPLINAS

    DEMANDA HIPOTTICA

    NMERO DE

    LICENCIADOS

    DE 1990 A 2001

    ENSINO

    MDIO

    5 A 8 SRIE DO

    ENSINO

    FNDAMENTAL

    TOTAL

    Lngua Portuguesa 47.027 95.152 142.179 52.829

    Matemtica 35.270 71.364 106.634 55.334

    Biologia 23.514 55.231 53.294

    Fsica 23.514 95.152* 55.231 7.216

    Qumica 23.514 55.231 13.559

    Lngua Estrangeira 11.757 47.576 59.333 38.410

    Educao Fsica 11.757 47.576 59.333 76.666

    Educao Artstica 11.757 23.788 35.545 31.464

    Histria 23.514 47.576 71.089 74.666

    Geografia 23.514 47.576 71.089 53.509

    235.135 475.758 710.893 456.947

    Fonte: MEC/INEP censo 20039. Nota (*) Cincias

    A tabela mostra uma necessidade de 23,5 mil professores de Fsica para o

    ensino mdio, entretanto, em 12 anos, de 1990 a 2001, licenciaram-se apenas 7,2

    mil para trabalhar com esta disciplina, enquanto se formaram 13,5 mil para atuar

    com Qumica e 53,2 mil para lecionar Biologia. Assim, pode-se dizer que o nmero

    de pessoas que optaram por Licenciatura em Qumica pequeno se comparado

    procura por Biologia, ainda assim, quase o dobro dos que buscaram a Fsica.

    Contudo, o nmero que mais preocupa quanto s exigncias educacionais,

    observado na tabela, o de professores de Cincias para atuarem no ensino

    fundamental anos finais: a necessidade de 95,1 mil. Estes docentes podem ter

    Licenciatura em Fsica, Qumica ou Biologia, porm no difcil perceber, dado o

    maior nmero de professores licenciados em Biologia, quem predominantemente

    atua de 5 a 8 srie no ensino de Cincias. Esse contexto observado e criticado

    por Silva et al. (2002, p. 243-4) ao afirmarem que

    muito ntido que, em muitas instituies de ensino no Brasil, os professores encarregados de conduzir o processo de ensino em Cincias

    9 Ministrio da Educao, Estatstica dos Professores no Brasil (Instituto Nacional de Estudos e

    Pesquisas Educacionais, Braslia, 2003). Disponvel em http://web.inep.gov.br/imprensa/noticias/outras/news03_17.htm. Acesso em: 20 dez. 2010.

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    no ensino fundamental tm formao em Biologia, sem grande entusiasmo em relao ao ensino de Qumica ou Fsica. Uma das nefastas conseqncias disto que, na prtica, o ensino de Cincias neste nvel, na maioria das escolas, restringe-se quase exclusivamente Biologia. Fsica e Qumica s comparecem, mas ainda de modo desconectado da Biologia, na 8 srie quando, pelo elevado grau de estranheza, tornam-se os bichos-papes dos alunos daquela fase. evidente que durante o reinado absoluto dos bichos e plantas nas primeiras sries, inmeras oportunidades de insero de Fsica e Qumica so deixadas de lado, sem qualquer justificativa pedaggica plausvel [...]. Infelizmente, o que parece acontecer em muitas escolas que os professores de Fsica e Qumica no se interessam pelo ensino fundamental e os professores de Biologia no se interessam pelo ensino de Fsica e Qumica.

    evidente que o contexto complexo, no entanto, alguns resultados positivos

    podem ser observados, entre eles, o crescimento do nmero de licenciados em

    Fsica ocorrido nos ltimos anos, investigado em 30 instituies brasileiras e

    apresentado na Tabela 2.

    Tabela 2 Nmero de egressos de 2001 a 2005 das 30 instituies investigadas

    Regies/Ano 2001 2002 2003 2004 2005

    Sul (8) 89 104 78 119 160

    Sudeste (13) 172 199 217 262 268

    Centro-Oeste (1) 3 3 7 4 14

    Nordeste (8) 28 36 42 80 78

    Norte (0) - - - - -

    Total 292 342 344 465 520

    Fonte: Gobara e Garcia (2007).

    Os valores entre parnteses, ao lado das regies, correspondem ao nmero

    de cursos. Vale ressaltar que a Regio Norte no enviou os relatrios preenchidos

    da pesquisa. importante dizer que o simples crescimento do nmero de

    licenciados em Fsica no Brasil, isoladamente, no suficiente para resolver os

    problemas do ensino de Cincias no nvel fundamental. H de se fazer muito para

    que se alcance a otimizao na qualidade do ensino de Fsica, o professor precisa

    estar atento e atualizado quanto s propostas pedaggicas, necessita romper com

    vises simplistas sobre o ensino de Cincias, que o direcionam ideia de que basta

    saber bem o contedo, ter alguma prtica e complementos psicopedaggicos para

    atuar no ensino de Cincias (GIL-PREZ; CARVALHO, 2009).

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    Para alcanar esse nvel de maturidade, o professor, entre outras coisas,

    precisa ser um pesquisador de suas aes, pois os resultados parciais da pesquisa10

    em educao em Cincias (Transformative Research Activities Cultural Diversities

    and Education in Science TRACES), realizada por universidades latino-americanas

    e europeias, constatou, em 2010, que os pesquisadores brasileiros que buscam

    respostas acerca da educao em Cincias no conhecem a realidade do cotidiano

    escolar, so espordicas suas aes e no h retorno dos resultados para as

    escolas.

    importante que os pesquisadores encontrem, literalmente, o caminho de

    volta s escolas, no entanto, tudo indica que o elemento chave, quantitativa e

    qualitativamente diferencial nesse contexto, o professor, pois, como afirmam Neto

    e Pacheco (2001, p. 29),

    As pesquisas podero ajud-lo a identificar deficincias, limitaes e problemas do processo educacional, apontando caminhos ou sugerindo pistas para interveno. Todavia, ser o professor quem, em ltima instncia, instalar o processo transformador de ao-reflexo-ao, tornando-se assim o prprio pesquisador de sua realidade.

    Dessa forma, entende-se que o professor vive hoje um grande desafio, pois, a

    partir da dcada de 1970, inicia-se a Era da Informao, na qual a eletrnica e a

    computao ampliaram o poder da comunicao e o mundo passou a se conectar

    instantaneamente (HART-DAVIS, 2010, p. 419). Nesse contexto, o tradicionalismo

    academicista presente nas aulas de Cincias deve ser passvel de reflexo e

    interveno. A cada dia que passa, fica mais evidente que a informao, que o

    contedo formal das disciplinas escolares est ao alcance de todos. O professor

    precisa fazer bem mais do que ser apenas um transmissor de contedo, deve ser

    um norteador, estimulador, incentivador, um elemento importante no processo de

    transformao significativa do aluno, necessita estar atento multiplicidade que

    existe em sala de aula, isto , que cada aluno tem seu tempo e sua maneira de

    aprender.

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    O autor desta dissertao foi pesquisador, bolsista da pesquisa TRACES.

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    2.2 Discutindo a Aprendizagem Significativa

    A complexidade, caracterstica do homem, pode ser percebida na variedade

    de opes de que ele lana mo na condio de aprendiz. A interao com o meio e

    o contexto social proporcionam uma multiplicidade de condies e so exemplos

    concretos da pluralidade de possibilidades de aprendizagens que caracterizam o

    homem.

    Por essa razo, Moran apud Togni (2007) exalta o poder da mente como uma

    tecnologia, infinitamente superior em complexidade ao melhor computador, porque

    pensa, relaciona, sente, intui e pode surpreender (p. 41). Tal superioridade pode ser

    observada por Moreira (1983a, p. 61) ao mencionar a existncia de trs tipos gerais

    de aprendizagem, a saber:

    Cognitiva, afetiva e psicomotora. A aprendizagem cognitiva aquela que resulta no armazenamento organizado de informaes na mente do ser que aprende e esse complexo organizado conhecido como estrutura cognitiva. A aprendizagem afetiva resulta de sinais internos ao indivduo e pode ser identificada com experincias tais como prazer e dor, satisfao ou descontentamento, alegria ou ansiedade. Algumas experincias afetivas sempre acompanham as experincias cognitivas. Portanto, a aprendizagem afetiva concomitante com a cognitiva. A aprendizagem psicomotora envolve respostas musculares adquiridas atravs de treino e prtica, mas alguma aprendizagem cognitiva geralmente importante na aquisio de habilidades psicomotoras.

    Assim, verifica-se que a aprendizagem cognitiva pode ocorrer juntamente com

    o desenvolvimento de outras competncias, por isso, para falar de aprendizagem,

    interessante saber que o psiquiatra norte-americano Ausubel foi o elaborador, na

    dcada de sessenta, de uma das primeiras teorias que, para a explicao da

    aprendizagem e do ensino, colocam o aluno na condio de elemento principal,

    dando incio a um afastamento das teorias condutistas, que colocavam o professor

    como referencial (SANTOS, 2008).

    A Teoria da Aprendizagem Significativa de David Ausubel, como conhecida,

    direciona-se explicao terica do processo de aprendizagem na tica do

    cognitivismo, isto , da psicologia da cognio que, por sua vez, preocupa-se com o

    processo de compreenso, transformao, armazenamento e uso da informao

    envolvida na cognio (MOREIRA, 1983b, p.15).

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    O aspecto central da teoria de Ausubel o de que o fator isolado mais

    importante influenciando a aprendizagem aquilo que o aprendiz j sabe

    (MOREIRA; MASINI, 2001, p.17) e esta estrutura de conhecimento especfica

    recebe o nome de conceito subsunor ou somente subsunor.

    Nesse contexto, importante lembrar que a aprendizagem mecnica11,

    preterida quando comparada aprendizagem significativa, tem papel importante na

    formao dos subsunores de uma rea, at ento, desconhecida pelo indivduo.

    Isto , alguns conceitos subsunores existentes na estrutura cognitiva de uma

    determinada pessoa podem ter sua origem em atividades de memorizao

    (MOREIRA; MASINI, op. cit.).

    Este elemento subsunor ou ncora representa um conhecimento prvio

    importantssimo para a aprendizagem significativa, pois, de acordo com Ausubel, a

    aprendizagem muito mais significativa medida que o novo contedo

    incorporado s estruturas de conhecimento de um aluno e adquire significado para

    ele a partir da relao com seu conhecimento prvio (SANTOS, 2008, p. 53).

    Segundo o terico acima citado, mesmo verificada a importncia de um

    conhecimento prvio para o sucesso da aprendizagem, a simples presena do

    subsunor no suficiente para ocorrer aprendizagem significativa, pois, como

    lembra Ausubel (2003, p. 72),

    A aprendizagem significativa exige que os aprendizes manifestem um mecanismo de aprendizagem significativa (ou seja, uma disposio para relacionarem o novo material a ser apreendido, de forma no arbitrria e no literal, prpria estrutura de conhecimentos) e que o material que apreendem seja potencialmente significativo para os mesmos, nomeadamente relacional com as estruturas de conhecimento particulares, numa base no arbitrria e no literal.

    Essa questo tem que ser bem entendida pelo professor ao preparar uma

    determinada aula, pois parece no haver dvidas de que a escolha de um material

    potencialmente significativo diminuir muito os obstculos apresentados no processo

    de ensino-aprendizagem.

    11

    Aprendizagem em que o contedo novo ser armazenado isoladamente ou atravs de associaes arbitrrias na estrutura cognitiva do indivduo. O contedo escolar no consegue ligar-se a algo j conhecido, pois encontra bem pouca ou nenhuma informao prvia na estrutura cognitiva para se relacionar (SANTOS, 2008).

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    O professor necessita ter a sensibilidade para enxergar a necessidade

    conferida por Ausubel para que ocorra a aprendizagem significativa. De forma

    sintetizada, Santos (2008) afirma que preciso que:

    o aprendiz demonstre uma disposio para o relacionamento e no para a

    simples memorizao mecnica, muitas vezes at simulando alguma

    associao. Esse fato bem caracterstico em estudantes acostumados a

    mtodos de ensino, exerccios e avaliao repetitivos e padronizados;

    exista um contedo, isto , um conhecimento mnimo na estrutura cognitiva

    do aluno, com subsunes suficientes para suprir as necessidades

    relacionais;

    o conhecimento a ser assimilado seja potencialmente significativo, isto , no

    arbitrrio em si. Contedos arbitrrios podem se tornar significativos com o

    auxlio de organizadores prvios.

    Os organizadores prvios so mencionados por Moreira e Masini (2001) ao

    salientarem que representam materiais introdutrios apresentados antes do

    contedo a ser aprendido. Servem de ncora para a nova aprendizagem e

    desenvolvem os conceitos subsunores para facilitar a aprendizagem subsequente.

    Trata-se de uma sugesto de Ausubel que visa, deliberadamente, a manipular a

    estrutura cognitiva com a inteno de facilitar a aprendizagem significativa.

    Os autores relatam, ainda, que a principal funo dos organizadores prvios,

    na viso de Ausubel, servir de ponte entre aquilo que o aprendiz sabe e o que ele

    precisa saber. Ao funcionarem como ponte cognitiva, os organizadores prvios so

    teis para facilitar a aprendizagem. Resumidamente, pode-se dizer que os

    organizadores devem ser utilizados para superar o limite entre o que o aluno j

    sabe e aquilo que ele precisa saber, antes de poder aprender a tarefa apresentada

    (MOREIRA; MASINI, 2001, p. 21).

    Entretanto, dois aspectos precisam ser lembrados, na viso dos autores

    acima citados, a respeito dos organizadores prvios: primeiramente, eles so mais

    eficientes ao serem apresentados no incio das atividades de aprendizagem do que

    quando introduzidos simultaneamente com o contedo a ser aprendido. O segundo

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    aspecto importante que no se deve esperar que os organizadores prvios

    facilitem a aprendizagem de algumas informaes sem significado, e sim de

    contedos potencialmente significativos.

    Nesse contexto, ao propor um contedo a ser aprendido, funo do

    professor planejar estratgias que permitam a manifestao das concepes prvias

    dos alunos (MORETO apud HENGEMHLE, 2008). O autor menciona, ainda, que

    necessrio associar o contedo ao contexto para que ele adquira sentido. Dessa

    forma, parece no haver dvidas de que, para a aprendizagem ser significativa, no

    adianta simplesmente associar contedos a conhecimentos prvios, importante

    que esta associao amplie no s o conhecimento de um determinado assunto,

    mas tambm a possibilidade de solucionar problemas complexos da

    contemporaneidade. Nesse sentido, faz-se necessrio atentar para a linha tnue

    entre a aprendizagem significativa e o desenvolvimento de inteligncias, pois, como

    afirma Smole ([20--?], texto digital),

    Em uma perspectiva de aprendizagem significativa, a inteligncia est, acima de tudo, associada aptido de organizar comportamentos, descobrir valores, inventar projetos, mant-los, ser capaz de libertar-se do determinismo da situao, solucionar problemas e analis-los. [...] a funo da escola passa a ser a de propiciar o desenvolvimento harmnico dessas inteligncias e usar os diferentes potenciais de inteligncia dos aprendizes para fazer com que eles aprendam.

    Tal relao tambm mencionada por Togni (2007), que ressalta que esto

    envolvidas no ato de aprender as capacidades cognitivas dos alunos, quais sejam:

    inteligncia, raciocnio, memria, bem como as capacidades motoras de equilbrio

    pessoal e de relaes interpessoais (p. 42). No entanto, cabe ao professor estar

    atento multiplicidade de competncias presentes nos alunos, pois, como afirmam

    Walter et al. (2006, p. 4),

    o professor, sabendo qual inteligncia predomina em sua sala de aula, pode desenvolver um trabalho que leve os alunos a aprenderem/assimilarem com mais facilidade o contedo e a desenvolverem ferramentas para melhorar a aprendizagem daqueles com maior dificuldade de assimilao.

    Assim, importante conhecer a ideia pluralista da inteligncia e a relevncia

    dessas competncias no desenvolvimento da autonomia e na formao de um

    cidado crtico.

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    2.3 Falando das Inteligncias Mltiplas

    De acordo com Gardner (1995), foi em Paris, na Frana, em 1900, que surgiu

    o teste do QI, isto , um teste de inteligncia desenvolvido, a pedido dos pais

    daquela cidade, pelo psiclogo Alfred Binet. O referido teste tinha por objetivo

    predizer o sucesso ou o fracasso das crianas nas escolas daquela sociedade. No

    entanto, foi apenas com o advento da Primeira Guerra Mundial que o teste de QI

    passou a ter um imenso reconhecimento, aps ser utilizado em cerca de um milho

    de recrutas americanos, e tornou-se o maior acontecimento da psicologia, pois

    parecia certa, com a sua utilizao, a possibilidade de quantificao da inteligncia,

    isto , de sua medida real ou potencial.

    Nesse aspecto, percebe-se um problema interessante, pois, de acordo com

    Gardner (1994) e Gardner e Walters (1995), o quociente de inteligncia, ou QI,

    bem eficiente no que se refere ao desempenho escolar da criana12, entretanto, no

    prediz com exatido se esta ter, ou no, sucesso na vida, numa determinada

    profisso, por exemplo, aps o formalismo de seus estudos. Alm disso, o teste de

    QI mede somente as faculdades lgico-lingusticas.

    Para se ter uma ideia da viso reducionista da inteligncia, os autores

    mencionam a definio sob o ponto de vista tradicional, afirmando que a inteligncia

    definida operacionalmente como a capacidade de responder a itens em testes de

    inteligncia (GARDNER; WALTERS, 1995, p. 21).

    Alm deste entendimento singular e geral da inteligncia, verifica-se

    tradicionalmente uma concepo congnita bem acentuada, pois a experincia ou o

    treinamento no proporcionariam mudanas intensas na faculdade geral da

    inteligncia e a mesma ganharia uma definio de atributo inato13 do indivduo.

    Os autores citados questionam, assim, o porqu dos testes de inteligncia

    no identificarem, por exemplo, o espetacular jogador de xadrez, o violinista

    conhecido mundialmente e o brilhante atleta campeo. Eles no seriam

    inteligentes especificamente naquilo que fazem?

    12

    Com este pensamento, a inteligncia ganha uma viso de faculdade singular, de uma capacidade geral, presente em todos os indivduos em nveis variveis (GARDNER; WALTERS, 1995). 13 A inteligncia nasce com o indivduo e quase no sofre interferncias externas.

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    Numa tentativa de ultrapassar a noo de inteligncia, dada como um

    potencial geral, e de questionar quanto possibilidade de ser medida por

    instrumentos como o teste de inteligncia, Gardner (1994) escreveu Estruturas da

    Mente, livro que, segundo Gardner e Walters (1995), pluralizou o conceito, at

    ento, tradicional de inteligncia. nesta obra que Howard Gardner elaborou a

    Teoria das Inteligncias Mltiplas (IM) e, nesta perspectiva, concebe-se que uma

    inteligncia implica na capacidade de resolver problemas ou elaborar produtos que

    so importantes num determinado ambiente ou comunidade cultural (GARDNER;

    WALTERS, 1995, p. 21).

    importante salientar tambm que, na elaborao da lista das IM, Gardner

    (1994) buscou fundamentar-se em evidncias de fontes bem diversificadas: estudo

    de prodgios, idiotas sbios, crianas autistas, indivduos talentosos, pacientes com

    danos cerebrais, crianas normais, adultos normais, especialistas em diferentes

    linhas de pesquisas e indivduos de diversas culturas.

    Inicialmente foram elaboradas e apresentadas sete inteligncias que, de

    acordo com Gardner (1994, 1995), so descritas conforme segue.

    1 Inteligncia Lgico-Matemtica: caracteriza-se por enfatizar a

    capacidade lgica e matemtica, bem como a cientfica, pois notria a facilidade

    para a realizao de clculos, percepo geomtrica nos espaos, anlise de

    problemas lgicos, etc., sendo caracterstica dos matemticos, engenheiros, fsicos

    e at dos jogadores de xadrez.

    2 Inteligncia Lingustica: caracteriza-se pela capacidade de organizar

    palavras na formao de sentenas, manifestando-se por meio da escrita ou no,

    como no caso de oradores e vendedores que usam as palavras e transmitem, com

    clareza, suas ideias e emoes. caracterstica principal de poetas e escritores.

    importante mencionar, entretanto, que as inteligncias lgico-matemtica e

    lingustica, frequente e facilmente, manifestam-se no senso-comum, em que

    pessoas simples como pedreiros, carpinteiros, feirantes, etc., demonstram

    habilidades explicitamente inerentes a tais capacidades.

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    3 Inteligncia Espacial: a capacidade de reconhecer objetos, iguais

    ou diferentes, vistos de ngulos variados (ver Figura 1), para observar o mundo

    visual com exatido, com preciso, para realizar uma orientao no espao, para

    executar alteraes sobre suas percepes iniciais, para recriar aspecto do

    conhecimento, isto , da experincia visual, mesmo que esteja longe de estmulos

    fsicos relevantes, para apreciar similaridades entre duas formas aparentemente

    incompatveis, como no exemplo de John Dalton, ao conceber o tomo como um

    pequeno sistema solar, ou da concepo de Freud do inconsciente submerso sendo

    igualado a um iceberg.

    A inteligncia espacial caracterstica dos arquitetos, marinheiros, gegrafos,

    cartgrafos, especialistas em computao grfica, etc., entretanto, faz-se presente,

    tambm, em indivduos comuns que recebem esteretipos genricos de muito

    criativos.

    4 Inteligncia Musical: Manifesta-se pela sensibilidade a sons, incluindo

    suas qualidades fisiolgicas como, por exemplo, o timbre, a ritmos, e ainda na

    habilidade para produo e/ou reproduo de msicas. O talento musical o que

    surge mais cedo nos indivduos. Alm disso, a inteligncia musical pode ser

    facilmente observada em separado das outras, pois h casos de crianas autistas

    que tocam instrumentos musicais maravilhosamente, no entanto, apresentam

    dificuldades intrapessoais e, algumas vezes, lingusticas e espaciais.

    Target form

    (a) (b)

    (c) (d)

    Figura 1 Inteligncia espacial: escolha a forma que uma rotao da forma alvo.

    Fonte: Gardner (1994, p. 133).

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    5 Inteligncia Corporal-Cinestsica: a capacidade de utilizar seu

    corpo de diversas maneiras e com habilidades para finalidades expressivas assim

    como direcionadas a objetivos. Observada, por exemplo, nos mmicos que

    demonstram grande astcia para fingir correr, subir num trem, ou at carregar sua

    maleta pesada. Tal inteligncia se caracteriza tambm pela capacidade de trabalhar

    com objetos engenhosamente, utilizando parte do corpo como os dedos e mos ou o

    corpo inteiro. Verificada em artesos, instrumentistas e jogadores de futebol, que

    apresentam a capacidade de manipular objetos habilmente, ou tambm em

    nadadores e danarinos, que apresentam grande domnio dos movimentos de seus

    corpos.

    6 Inteligncia Interpessoal: a capacidade de observar, nos outros,

    diferenas, principalmente, verificando contrastes entre suas intenes, motivaes,

    temperamentos e estados de nimo. Aparece de forma bem desenvolvida em

    professores, lderes religiosos, polticos, pais, terapeutas, etc. Tal inteligncia,

    quando bem desenvolvida, d a um adulto a condio de perceber as intenes e

    at os desejos de outras pessoas, mesmo que estas tentem esconder tais

    sentimentos.

    7 Inteligncia Intrapessoal: a inteligncia que permite a um indivduo

    conhecer a si prprio e trabalhar consigo, isto , uma capacidade de perceber, de

    conhecer aspectos internos da prpria vida, como seus sentimentos e emoes,

    com habilidades para distinguir tais emoes e direcion-las ao entendimento e

    orientao do prprio comportamento.

    Em entrevista concedida Revista Nova Escola, Gardner (1997) salienta

    outra inteligncia, a naturalista ou biolgica, que no consta nas obras iniciais do

    autor, sendo uma das ltimas apresentadas. Tal capacidade caracterstica

    principalmente de pessoas que trabalham no campo, paisagistas, gegrafos e

    botnicos.

    Essa [...] inteligncia se refere habilidade humana de reconhecer objetos na natureza. Em outras palavras, trata-se da capacidade de distinguir plantas, animais, rochas. E no se pode esquecer de que ela vital para as sociedades que ainda hoje dependem exclusivamente da natureza, como alguns ndios da floresta amaznica (GARDNER, 1997, p. 43).

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    A inteligncia naturalista pode se manifestar explicitamente em alguns

    indivduos, como possvel observar em comunidades tribais que apresentam

    intensa relao com o ambiente, no entanto, se pouco desenvolvida, tal

    relacionamento se reduz percepo da natureza voltada para uma abordagem

    econmica e esttica.

    Vale ressaltar que no Brasil existem estudiosos com trabalhos direcionados

    s Inteligncias Mltiplas (MACHADO, 2011; SMOLE, 2000) e, nesses estudos,

    salienta-se a existncia de uma oitava inteligncia, denominada inteligncia

    pictrica. Ao se observar a manifestao e o desenvolvimento das habilidades

    infantis, possvel notar que qualquer criana, desde idade muito tenra, expressa-se

    atravs de desenhos (MACHADO, 2011, p.102).

    O autor afirma ainda que a expresso pictrica, manifestada por meio de

    trao, associa-se naturalmente a manifestaes artsticas de diversas naturezas,

    como a pintura (p.102), sendo, assim, caracterstica de ilustradores, pintores e

    cartunistas.

    Um exemplo destacado de manifestao da inteligncia pictrica que merece

    ser lembrado no Brasil o do cartunista, criador da Turma da Mnica, Maurcio de

    Souza. A revista de sua principal personagem foi lanada em 1970, seguida pelas

    revistas de Cebolinha, Chico Bento, Casco, Magali, Pelezinho14, entre outras.

    Com relao ao funcionamento das inteligncias, Gardner (1995, p. 22) afirma

    que, com exceo dos indivduos anormais, as inteligncias sempre funcionam

    combinadas, e que qualquer papel adulto sofisticado envolver uma fuso de vrias

    delas.

    Os estudos de Antunes (1998b), Gardner (2009), Machado (2011) e Smole

    (2000, p.138) apontam a utilizao de jogos para trabalhar as mltiplas inteligncias,

    pois o jogo propicia situaes que, podendo ser comparadas a problemas, exigem

    solues vivas, originais, rpidas.

    14

    Disponvel em: . Acesso em: 14 mar. 2011.

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    Dessa forma, acredita-se que o jogo, quando bem planejado, pode ser um

    aliado do professor para o trabalho em sala de aula e merece ateno,

    principalmente, por ser um objeto de interesse popular.

    2.4 O jogo e sua importncia na Educao

    O termo jogo tem origem latina, jocu, que quer dizer gracejo, e, no

    entendimento etimolgico, exprime uma brincadeira, um divertimento, um

    passatempo condicionado por regras que necessitam ser verificadas ao se jogar

    (ANTUNES, 1998b).

    Falar sobre a aurora dos jogos provavelmente remonta Grcia Antiga, onde

    Plato (427-348) mencionava que as primeiras atividades das crianas deveriam

    estar voltadas utilizao de jogos educativos, praticados em comum pelos dois

    sexos, sob a vigilncia e em jardins de crianas (ALMEIDA, 1987, p.15).

    Estudos como os de Huizinga (2008) vo alm ao afirmar que todo

    acontecimento mundial tem a presena do objeto distinto e fundamental do jogo,

    sendo este um dos elementos bsicos da civilizao. Ele lembra que

    [...] na sociedade primitiva, verifica-se a presena do jogo, tal como nas crianas e nos animais, e que, desde a origem, nele se verificam todas as caractersticas ldicas: ordem, tenso, movimento, mudana, solenidade, ritmo, entusiasmo. S em fase mais tardia da sociedade o jogo se encontra associado expresso de alguma coisa, normalmente aquilo que podemos chamar vida ou natureza. O que era jogo desprovido de expresso verbal adquire agora uma forma potica. (HUIZINGA, 2008, p. 21).

    No entanto, mesmo com a presena das caractersticas ldicas no jogo desde

    a sociedade primitiva, a histria mostra que nem sempre as opinies foram

    favorveis a sua utilizao, pois um ponto importante destacado por Almeida (1987)

    refere-se questo axiolgica relacionada ao jogo. Nesse contexto, ele afirma que,

    com a ascenso do Cristianismo, consideraes profanas, imorais e sem

    significao, atribudas ao jogo, foram marcantes para sua desvalorizao.

    Outro estudo que menciona a viso religiosa sobre o jogo o de Duflo (1999).

    O autor ressalta que a Igreja crist sempre encorajar as autoridades a condenar,

    nem sempre com sucesso, os jogos, em especial, os jogos de azar e a dinheiro, e

    salienta ainda que

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    Para os que reprovam os jogos, os jogadores se caracterizam essencialmente por comportamentos nocivos tanto para si mesmos como para seu entorno, com conseqncias deplorveis e socialmente repreensveis: vo a lugares maus, na fronteira do lcito e do interdito, arrunam-se, empobrecem e desonram sua famlia, deixam-se levar por suas paixes, blasfemam, brigam, etc. (DUFLO, 1999, p.18).

    No entanto, este repdio ao jogo alcanou momentos de calmaria, pois, ao

    fazer um apanhado histrico do mesmo, Kishimoto (2002, p. 62) afirma que o

    Renascimento v a brincadeira como conduta livre que favorece o desenvolvimento

    da inteligncia e facilita o estudo, e relata ainda que foi um momento importante de

    intensas atividades ldicas, em que o jogo perdeu a reprovao, passando a estar

    na natureza do ser humano.

    H estudos que reforam a aprovao da utilizao do jogo, como o de

    Huizinga (2008), ao salientar que todo jogo, seja de crianas ou adultos, pode ser

    realizado numa completa esfera de seriedade, onde o ldico pode estar presente

    nas mais elevadas aes. O autor menciona Plato, que afirma existir uma

    identidade entre o ritual e o jogo, no hesitando em incluir o sagrado na categoria

    de jogo (p. 22).

    Outra meno seriedade existente no jogo pode ser percebida em Os

    melhores [19--?] ao afirmar que, originalmente, os jogos apresentam ligaes a

    rituais mgicos e atos religiosos, destacando o cabo de guerra, que representa o

    episdio dramtico do embate entre as foras da natureza. Uma pergunta se faz

    necessria: como este e outros jogos conseguiram chegar at os dias atuais?

    Para entender como vrios jogos puderam contemplar geraes e chegar

    contemporaneidade, importante lembrar que, de acordo com Os melhores [19--?],

    Afonso X, de Leo e Castela, que reinou entre 1252 e 1284, o Sbio, como era

    conhecido, coordenou a escrita de alguns livros, entre eles, o importante Livro dos

    jogos. Vrios jogos desse trabalho j existiam e puderam ser apreciados em vrios

    cantos do planeta, como o xadrez, originrio da ndia, que teve suas peas

    transformadas de elefantes, marajs e carros de guerra em bispos, reis e torres com

    passar do tempo.

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    Assim como o xadrez, vrios jogos atravessaram geraes, por isso Retondar

    (2007, p.17) menciona pensar o jogo como um componente universal, isto ,

    presente em todas as culturas e se manifestando de maneiras diferentes nas

    diversas sociedades. Assim, importante ter uma postura flexvel, isto , apresentar

    mente aberta ao observar um jogo, pois o mesmo pode apresentar diversificao

    no nmero de pessoas praticantes ou no tempo de durao, pode ser de raciocnio,

    de sorte ou de destreza. O Quadro 1 apresenta um esboo de alguns jogos e suas

    especificidades.

    Figura 2 Peas antigas do xadrez: a) O Rei (pea dinamarquesa do Sc. XIV) monta

    um leo. b) O primeiro Bispo, feito em 1170 com presas de leo-marinho, descoberto na

    Esccia. c) O Secundo, a cavalo, uma pea alem do Sc. XIV. d) A Rainha, pea

    dinamarquesa do Sc. XIII.

    Fonte: Os melhores, ([19--?], p. 53).

    (a) (b) (c)

    (d)

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    Jogo

    Jogadores

    Racio

    cn

    io

    Sort

    e

    Destr

    eza Durao

    1

    2

    3 ou

    mais

    Curt

    a

    Mdia

    Longa

    Alquerque x x x

    Amarelinha x x x

    Astrgalos x x x x

    Bocha x x x

    Bola de Gude x x x x

    Cabo de Guerra x x x x

    Corrida de Sacos x x x

    Damas x x x

    Diabol x x x x

    Domin x x x x

    Fan-Tan x x x

    Futebol Indgena x x x x

    Gamo x x x x

    Go x x x

    Jogo da Glria x x x

    Jogo do Gnu x x x

    Jogo Real de Ur x x x x

    Loto e Bingo x x x

    Pio x x x x

    Pingue-Pongue x x x x

    Pula Corda x x x x

    Quebra-Cabea Matemtico x x x

    Ringo x x x

    Roleta x x x

    Sinuca e Bilhar x x x x

    Tangram x x x

    Trilha x x x

    Xadrez x x x

    Yot x x x

    Quadro 1 Jogos e suas especificidades

    Fonte: Do autor, adaptado de Os melhores, [19--?].

    interessante observar a flexibilidade, isto , a liberdade existente em alguns

    jogos, como no caso do gamo, sendo concebido como de raciocnio e sorte, ou do

    domin, que pode ser para duas, trs ou mais pessoas. Alm de tais

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    especificidades, Huizinga identifica, ainda, algumas caractersticas formais e

    informais do jogo:

    Quatro [...] formais [...]: a voluntariedade, as regras, a relao espcio-temporal e a evaso da vida real. E algumas caractersticas informais como a tenso e a incerteza, a presena do acaso, o esprito ldico, o esprito agonstico e o sentido do faz-de-conta (RETONDAR, 2007, p. 18).

    O autor salienta que, na opinio de Huizinga, qualquer manifestao social

    que mostre as caractersticas formais e informais mencionadas anteriormente pode

    ser considerada como uma forma de jogo.

    Parece no haver dvidas de que tais caractersticas apresentam relevante

    importncia para o processo educacional, o que reforado em Os melhores [19--?]

    ao dizer que continuamente os jogos foram objetos de ensino e aprendizagem, alm

    de teis para transmisso de certos conhecimentos e algumas conquistas sociais.

    Assim, o desenvolvimento intelectual e a aprendizagem ttica e estratgica da arte

    da guerra podem ser oferecidos, pelos mais velhos, atravs da utilizao de vrios

    jogos como o go e o xadrez.

    Gardner (1995) tambm menciona o jogo de xadrez ao descrever a

    inteligncia espacial e afirma que a convocao soluo de problemas espaciais

    ocorrente nesse jogo.

    Duflo (1999) ressalta a importncia do jogo como espao singular ao exerccio

    da inteligncia. Retondar (2007) afirma que o jogo no contempla repeties

    mecnicas e, por isso, apresenta diferena importante do simples exerccio.

    Assim, entende-se que a utilizao do jogo, no s como um recurso ldico,

    mas tambm com objetivos pedaggicos e epistemolgicos, envolve um leque de

    dimenses, em potencial, para o desenvolvimento do indivduo.

    Antunes (1998b) destaca, ainda, o uso do jogo como um estmulo ao

    crescimento, como uma astcia em direo ao desenvolvimento cognitivo e aos

    desafios do viver, e no como uma competio (p.11) direcionada a vitoriosos ou

    derrotados. Salienta que, em sentido integral, o jogo proporciona o elemento de

    maior eficincia para o exerccio de inteligncias.

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    Pestalozzi (1746-1827) citado por Almeida (1987, p.18) ao retratar que o

    jogo um fator decisivo que enriquece o senso de responsabilidade e fortifica as

    normas de cooperao.

    Para se ter uma ideia da importncia histrica da utilizao deste objeto ldico

    na educao, relevante lembrar o jogo da glria, ou jogo do ganso cuja

    interface est na Figura 3 como era conhecido em pases de lngua inglesa, bem

    difundido no sculo XVI, pois foi muito utilizado como material didtico e at para

    propaganda poltica, religiosa ou comercial, onde as figuras de seu tabuleiro eram

    trocadas por figuras relacionadas cincia, literatura, religio, poltica, geografia,

    etc. Ao ser utilizado na Frana, suas figuras ganharam referncias Revoluo

    Francesa, Napoleo, Aliana Franco-Russa, etc.

    Alm do jogo da glria, outros jogos podem ser planejados e adaptados para

    uma utilizao pedaggica direcionada ao contexto escolar, porm importante

    entender a diferena entre um jogo pedaggico e outro que apresente uma

    caracterstica apenas ldica.

    Jogos ou brinquedos pedaggicos so desenvolvidos com a inteno explicita de provocar uma aprendizagem significativa, estimular a construo de um novo conhecimento e despertar o desenvolvimento de uma habilidade operatria: [...] uma aptido ou capacidade cognitiva e apreciativa especfica, que possibilita a compreenso e a interveno do

    Figura 3 Tabuleiro de jogo da glria impresso na Inglaterra em 1790, mostrando figuras

    tpicas da poca Georgina.

    Fonte: Os melhores, ([19--?], p. 55).

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    indivduo nos fenmenos sociais e culturais e que o ajude a construir conexes (ANTUNES, 1998b, p. 38).

    Tais habilidades so essenciais s inteligncias de um individuo. A

    capacidade lgico-matemtica pode ser trabalhada ao desenvolver habilidades

    como decifrar e comparar, embora a habilidade de comparar, por exemplo, possa

    atuar em outras inteligncias como a lingustica (ANTUNES, 1998b).

    O Quadro 2 apresenta uma pequena relao das habilidades operatrias que

    podem ser desenvolvidas no aluno e que devem ser ajustadas ao projeto

    pedaggico da escola, pois tais habilidades so bem mais ligadas ao

    desenvolvimento do jogo do que especificidade do contedo.

    Ed. Infantil Ensino Fundamental Ensino Mdio Ensino Superior

    Observar

    Conhecer

    Comparar

    Localizar no Tempo

    Separar/Reunir

    Medir

    Relatar

    Combinar

    Conferir

    Localizar no Espao

    Classificar

    Criticar

    Enumerar

    Transferir

    Demonstrar

    Debater

    Deduzir

    Analisar

    Julgar/Avaliar

    Interpretar

    Provar

    Concluir

    Seriar

    Sintetizar

    Refletir

    Criar

    Conceituar

    Interagir

    Especificar

    Ajuizar

    Discriminar

    Revisar

    Descobrir

    Levantar/Hipteses

    Flexionar

    Adaptar

    Decidir

    Selecionar

    Planejar

    Negociar

    Persuadir

    Liderar

    Edificar

    Quadro 2 Habilidades operatrias

    Fonte: Antunes (1998b, p. 38).

    Parece no haver dvida, ao observar o Quadro 2, que a utilizao de um

    jogo pedaggico pode apresentar potenciais condies ao desenvolvimento de

    vrias habilidades concomitantes, no entanto, interessante que o professor o

    direcione para essa funo ao trabalhar suas regras e fundamentos (ANTUNES,

    1998b).

    O autor salienta ainda que no se deve entender que os jogos estejam longe

    de alguma classificao, recomenda separ-los de acordo com a inteligncia que

    mais explicitamente desenvolvem e tomar como referncia o seguinte esquema.

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    Inteligncia Lingustica: apresenta-se no vocabulrio, na fluncia verbal, na

    gramtica, em alfabetizao e na memria verbal.

    Inteligncia Lgico-Matemtica: manifesta-se principalmente em

    conceituao, sistemas de numerao, operao e conjunto, instrumentos de

    medida e pensamento lgico.

    Inteligncia Espacial: relaciona-se lateralidade, orientao espacial e

    temporal, criatividade, alm da alfabetizao cartogrfica.

    Inteligncia Musical: revela-se na percepo auditiva, discriminao de

    rudos, compreenso de sons, discriminao de sons e estrutura rtmica.

    Inteligncia Corporal-Cinestsica: exigida na motricidade e coordenao

    visual, na coordenao viso-motora e ttil, na percepo de formas, peso e

    tamanho, no paladar e na audio.

    Inteligncia Naturalista: est presente em momentos de curiosidade,

    explorao, descoberta, interao e aventuras.

    Inteligncia Pictrica: importante no reconhecimento de objetos, cores,

    formas e tamanhos, alm da percepo de fundo e viso-motora.

    Inteligncia Pessoal: manifesta-se na percepo corporal, no

    autoconhecimento e no relacionamento social, ao se administrar as emoes,

    na tica e na empatia, no autoconhecimento no processo de comunicao

    interpessoal.

    Como pode ser observado, cada inteligncia est relacionada a algumas

    linhas do desenvolvimento pessoal do indivduo que compem um campo variado de

    habilidades.

    Assim, importante ressaltar, em relao utilizao dos jogos, segundo

    Antunes (1998b), que nunca h o trabalho isolado de uma inteligncia. Almeida

    (1987, p. 22) sintetiza afirmando que

    Considerando toda a evoluo dos jogos, podemos dizer que a educao ldica integra na sua essncia uma concepo terica profunda e uma concepo prtica atuante e concreta. Seus objetivos so a estimulao

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    das relaes cognitivas, afetivas, verbais, psicomotoras, sociais, a mediao socializadora do conhecimento e a provocao para uma reao ativa, crtica, criativa dos alunos.

    Dessa forma, entende-se o jogo como um instrumento importante, que deve

    fazer parte do planejamento pedaggico do professor, no intuito de agregar,

    contribuir e elucidar atividades inerentes ao trabalho docente. No se pode conceber

    a aprendizagem reduzida resoluo de exerccios ou explicao de um

    conceito. O elemento ldico presente na interao subjetiva do homem com o

    mundo pode ser potencializado pelo professor e fazer parte do ato de ensinar

    cincias com objetos ou ideias que utilizem o conhecimento cientfico como regra ou

    atributo ldico (RAMOS; FERREIRA, 2001, p.140), onde qualquer elemento, jogo,

    brinquedo, charadas, etc., pode apresentar conhecimentos cientficos estabelecendo

    implicitamente regras.

    Os autores salientam ainda que, por meio da interao ldica entre o homem

    e o conhecimento, a aprendizagem dispor de algumas possibilidades como:

    A formao de novos conceitos; o desenvolvimento cognitivo; o exerccio de estruturas cognitivas e/ou motoras j existentes; ou contribuir para a formao de uma espcie de massa crtica para aprendizagem futura, devido familiarizao do sujeito com este objeto ou idia (RAMOS; FERREIRA, 2001, p.140).

    Assim, pode-se observar que a utilizao de recursos ldicos na educao

    apresenta possibilidades interessantes ao trabalho cognitivo, necessrio para o

    desenvolvimento do aluno. Tudo indica que este objeto pode contribuir como um

    aliado na melhoria do ensino de Fsica.

    Ramos e Ferreira (2001) concluem relatando que o uso, no ensino de Fsica,

    de jogos e brinquedos constitui um artefato pedaggico poderosssimo, interessante

    e sedutor na construo de possibilidades educacionais.

    Dessa forma, apresenta-se a seguir o jogo educativo Viajando pelo Universo

    com a pretenso de propor uma ferramenta pedaggica para os alunos. Tal recurso

    ser direcionado ao processo de ensino-aprendizagem de Fsica nos anos finais do

    ensino fundamental.

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    3. O JOGO VIAJANDO PELO UNIVERSO

    3.1 A origem das ideias e o desenvolvimento do jogo

    A ideia da realizao do jogo educativo Viajando pelo Universo comeou em

    2009, ano internacional da Astronomia, pois, durante aulas de Fsica (Gravitao)

    realizadas numa turma da Educao de Jovens e Adultos de uma escola pblica do

    centro de Belm do Par, ocorreram questionamentos por parte dos alunos que

    motivaram o planejamento de um objeto de aprendizagem que pudesse proporcionar

    maior interatividade entre alunos e entre alunos e professores.

    O planejamento do jogo iniciou com pesquisas bibliogrficas na rea de Fsica

    e Astronomia. A construo do jogo foi realizada com a utilizao de recursos de

    informtica e material de fcil acesso como cartolinas, dado, etc. Alguns testes foram

    efetuados com um pblico bem variado, como professores de Fsica e Biologia e

    alunos do ensino mdio. Os testes serviram como referenciais para a realizao de

    modificaes no jogo que o tornaram mais interativo.

    A participao em um curso de extenso em Astronomia ocorrido no primeiro

    semestre de 2010 na UNIVATES, em Lajeado-RS, tambm proporcionou uma

    bagagem de conhecimentos que contribuiu para modificaes significavas no jogo.