Upload
others
View
0
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
ENTRE ENSINO DE FILOSOFIA, LUDICIDADE E A LEI 10639: UMA PROPOSTA
AFROPERSPECTIVISTA PARA AULAS DE FILOSOFIA A PARTIR DO CARD
GAME COMBATE FILOSÓFICO.
Marcelo dos Santos Ribeiro
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-
graduação em Filosofia e Ensino do Centro Federal de
Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ,
como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de
mestre em Filosofia e Ensino.
Orientador: Prof. Dr. Renato Noguera
DUQUE DE CAXIAS
Dezembro 2019
ENTRE ENSINO DE FILOSOFIA, LUDICIDADE E A LEI 10639: UMA PROPOSTA
AFROPERSPECTIVISTA PARA AULAS DE FILOSOFIA A PARTIR DO CARD
GAME COMBATE FILOSÓFICO.
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Filosofia e Ensino do Centro
Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de mestre em Filosofia e Ensino.
Marcelo dos Santos Ribeiro
Banca Examinadora:
_________________________________________________________________
Presidente, Prof. Dr. Renato Noguera Junior – UFRRJ/ CEFET/RJ
(orientador)
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo Senna Guimarães – UNIRIO/ PPFEN-CEFET/RJ
_________________________________________________________________
Prof.ª. Dra. Viviane Andrade - CEFET/RJ
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Marcelo José Derzi Moraes– UERJ
Suplentes:
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Fabio Sampaio– CEFET/RJ
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Rafael Haddock-Lobo – UFRJ
DUQUE DE CAXIAS
Dezembro 2019
Dedico ao meu ex-aluno Gabriel, cuja
provocação em 2013 levou-me a sair em busca
de formas lúdicas de ensinar Filosofia.
AGRADECIMENTOS
Quero ao agradecer a minha companheira Patrícia pela paciência de horas comigo testando o
jogi comigo e se esforçando para controlar o seu gigantesco espírito competitivo. Meu amor,
toda vez que você ganhou eu deixei. Ao meu sobrinho Paulo Isaque e o meu primo Eudes
Júnior pela empolgação e tempo gastos com partidas de testes. Ao meu filho Marcos Apollo
pela coragem de me enfrentar para decidir quem lavava a louça da janta. Toda vez que você
me ganhou eu deixei também meu filho. Aos alunos que participaram dos testes e
acreditaram na proposta, os de hoje e de ontem. Principalmente o Vitor, meu eterno consultor
de Magic! A minha amiga Renata Brasil e o seu irmão Ricardo Brasil pelas belíssimas
ilustrações que me entregaram. Ao Colégio Estadual Doctor Alfredo Backer por te cedido o
tempo e o espaço para as reuniões de testes.
RESUMO
A presente Pesquisa de Mestrado pretendeu desenvolver um card game didático do tipo
estratégia para a promoção de um ensino de Filosofia alinhado com as exigências da lei
10.639/03. O referencial teórico para construção do jogo foi o conceito de Filosofia
Afropespetivista e a noção de história ampliada da Filosofia do filósofo Renato Noguera
(2014). O referencial de ensino de filosofia se estruturou a partir da abordagem de Noguera
(idem) no livro “Ensino de Filosofia e a lei 10.639”. Os conceitos de jogo educativo e produto
didático foram compreendidos pela pesquisa dentro da perspectiva da aprendizagem
significativa, especificamente da noção de organizador prévio. O teste do jogo seguiu os
princípios da metodologia de coleta de dados conhecida como grupo focal, que foi combinada
com o uso do aplicativo de mensagens instantâneas WhatsApp, pesquisa-ação e pesquisa-ação
participante. Os testes tiveram como objetivo verificar a percepção dos alunos sobre o jogo no
que refere a sua mecânica, grau de satisfação como atividade lúdica e possibilidade de uso
como organizador prévio para a promoção de uma educação filosófica para as relações étnico-
raciais.
Palavras-chave: Organizador prévio; Disputa teórica; Agon; Afroperspectividade; Jogo.
Produto didático; Denegrir.
ABSTRACT
The present Master's Research aimed to develop a didactic strategy card game for the
promotion of a philosophy teaching aligned with the requirements of law 10.639 / 03. The
theoretical framework for the construction of the game was the concept of Afropespetivist
Philosophy and the notion of extended history of the philosopher Renato Noguera (2014). The
reference of philosophy teaching was structured from Noguera's approach (idem) in the book
“Teaching Philosophy and the Law 10.639”. The concepts of educational game and didactic
product were understood by research from the perspective of meaningful learning, specifically
the notion of previous organizer. The game test followed the principles of the data collection
methodology known as the focus group, which was combined with the use of the WhatsApp
instant messaging application, action research, and participant action research. The tests
aimed to verify the students' perception of the game regarding its mechanics, degree of
satisfaction as a playful activity and possibility of use as a previous organizer for the
promotion of a philosophical education for ethnic-racial relations.
Keywords: Prior Organizer; Theoretical dispute; Agon; Afroperspectivity; Game. Didactic
product; Denigrate.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 - Cards da primeira versão do Combate Filosófico---------------------------------- 67
Figura 2 - Partes de um card----------------------------------------------------------------------- 70
Figura 3 - Tipos de terreno básico---------------------------------------------------------------- 71
Figura 4 – De que forma os cards afetam e são afetados no jogo---------------------------- 72
Figura 5 - Zonas do jogo e cards na pilha-------------------------------------------------------- 73
Figura 6 - Procedimento de virar um card------------------------------------------------------- 74
Figura 7 - Procedimentos de combate------------------------------------------------------------ 75
Figura 8 – Verso dos cards e card de filósofo permanente------------------------------------ 78
Figura 9 - Card de filósofo de ação instantânea------------------------------------------------- 79
Figura 10 - Card de filósofa----------------------------------------------------------------------- 79
Figura 11 - Partes de um período tradicional---------------------------------------------------- 80
Figura 12 - Períodos tradicionais----------------------------------------------------------------- 81
Figura 13 - Período especial----------------------------------------------------------------------- 81
Figura 14 - Card do tipo problema---------------------------------------------------------------- 82
Figura 15 - Card de entidade---------------------------------------------------------------------- 83
Figura 16 – Fichas---------------------------------------------------------------------------------- 84
Figura 17 - Cards clássicos do Combate Filosófico com o novo layout--------------------- 85
Figura 18 - Zonas do Combate Filosófico------------------------------------------------------- 86
Figura 19 - Duelo, ataque e contra-ataque------------------------------------------------------- 88
Figura 20 - Opções de layout de card oferecido pelo Magic set Editor--------------------- 90
Figura 21: Print do grupo de watt zap para discutir questões do jogo------------------------ 94
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8
1 ENSINO DE FILOSOFIA E A LEI 10.639: CONTEXTUALIZANDO A QUESTÃO 11
1.1 O ENSINO DE FILOSOFIA E A LEI 10.639/03: CONTEXTUALIZANDO .................. 11
1.2 O MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO E A LUTA POR UMA EDUCAÇÃO
ANTIRRACISTA NO BRASIL ............................................................................................... 11
1.3 A LEI 10.639/03 E O CENÁRIO POLÍTICO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO ...... 14
1.4 A LEI 10.639: DESDOBRAMENTOS E EMBATES ....................................................... 19
1.5 DIFICULDADES PARA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639 POR DISCIPLINAS: O
CASO DA FILOSOFIA ........................................................................................................... 21
1.5.1 Breve histórico da Filosofia como disciplina escolar no Brasil ...................................... 21
1.5.2 O ensino de Filosofia e a lei 10.639/03: em busca de um referencial ............................. 27
1.5.3 O ensino de Filosofia e a lei 10.639: condições atuais .................................................... 28
1.5.3.1 O ensino de Filosofia como questão filosófica ............................................................. 29
1.5.3.2 Dificuldades materiais e gerais para o ensino de Filosofia .......................................... 30
1.5.3.2.1 O problema do desânimo ........................................................................................... 31
1.5.3.2.2 A falta de condições pedagógicas para um ensino de Filosofia em conformidade
com a lei 10639 ........................................................................................................................ 32
2 POSSIBILIDADES E CAMINHOS PARA UM ENSINO DE FILOSOFIA EM
CONFORMIDADE COM A LEI 10.639 .............................................................................. 35
2.1 A FILOSOFIA AFROPERSPECTIVISTA ........................................................................ 36
2.2 A HISTÓRIA DA FILOSOFIA DENTRO DOS PARÂMETROS DA LEI 10639/03 ..... 38
2.2.1 Centralidade grega na antiguidade e racismo epistêmico ................................................ 39
2.3 A DESNATURALIZAÇÃO DO CARÁTER EMINENTEMENTE EUROPEU QUE
IMPREGNA A FILOSOFIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A EDUCAÇÃO ............ 41
2.3.1 O racismo epistêmico como fator potencial para o desinteresse em aulas de Filosofia:
uma discussão importante ......................................................................................................... 43
2.4 A REVISÃO DA HISTORIOGRAFIA FILOSÓFICA EUROPEIA E A AMPLIAÇÃO
DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA ............................................... 45
2.4.1 Os contornos da historiografia filosófica europeia e a crítica da periodização
quadripartite .............................................................................................................................. 46
2.4.1.1 A crítica da periodização quadripartite na história da Filosofia ................................... 48
2.5 O JOGO EM QUESTÃO ................................................................................................... 50
2.5.1 O jogo e a Filosofia ......................................................................................................... 52
2.5.1.1. O Agon na história da Filosofia ocidental ................................................................... 53
2.5.1.1.1 O Agon no período socrático ..................................................................................... 54
2.5.1.1.2 O Agon no período clássico ...................................................................................... 54
2.5.1.1.3 O Agon no período medieva ...................................................................................... 55
2.5.2 O jogo e a educação ......................................................................................................... 56
2.5.2.1. O jogo educativo .......................................................................................................... 58
2.5.2.2. O jogo didático e a aprendizagem significativa........................................................... 60
2.5.2.2.1. Condição para que haja aprendizagem significativa ................................................ 62
2.5.2.2.2. Organizador prévio ................................................................................................... 63
3 DENEGRINDO A DISPUTA DIALÉTICA: UM A RELATO DE EXPERIÊNCIA DA
APLICAÇÃO DO CARD GAME COMBATE FILOSÓFICO APÓS SUA EXPANSÃO
PARA ATENDER OS DISPOSITIVOS DA LEI 10.639 .................................................... 66
3.1. O PRODUTO DIDÁTICO: FORMATO DOS CARDS, APRESENTAÇÃO DOS
REFERENCIAIS E DA MECÂNICA ..................................................................................... 66
3.1.1 O Magic The: Gathering ................................................................................................. 68
3.1.1.1 Os cards de magic ......................................................................................................... 69
3.1.1.2 As Zonas do jogo .......................................................................................................... 72
3.1.1.3 Conceitos básicos e procedimentos de combate. .......................................................... 74
3.1.2 Do Magic The: catering ao Combate Filosófico ............................................................. 76
3.1.2.1 Os cards do Combate Filosófico após sua expansão .................................................... 76
3.1.2.1.1 Card do tipo filósofo e filósofa .................................................................................. 77
3.1.2.1.2 Cards de Período: períodos tradicionais e períodos especiais ................................... 80
3.1.2.1.3. Cards do tipo problema ............................................................................................ 82
3.1.2.1.4 A Entidade e a Ficha .................................................................................................. 83
3.1.2.1.4. Como se joga Combate Filosófico? .......................................................................... 85
3.1.2.2 A metodologia utilizada para a expansão do Combate Filosófico. .............................. 88
3.2 METODOLOGIA PARA TESTAR O PRODUTO DIDÁTICO ....................................... 90
3.2.1 Aplicação da metodologia de grupo focal para testar o produto didático ....................... 92
3.2.2. Detalhamento das etapas da aplicação da metodologia .................................................. 93
3.2.2.2 Reuniões para testar o produto didático ....................................................................... 95
3.3 ANÁLISES DA PERCEPÇÃO DOS ALUNOS SOBRE O PRODUTO DIDÁTICO ...... 97
3.3.1. Considerações sobre as falas dos sujeitos de pesquisa ................................................... 99
CONCLUSÕES PARCIAIS ................................................................................................ 103
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 105
APENDICE A -
MANUAL...................................................................................................108_Toc27998820
8
INTRODUÇÃO
Desde 2013, quando alunos da terceira série do ensino médio da rede Estadual me
procuraram para conversar sobre suas dificuldades com os conteúdos das aulas de Filosofia já
se passaram aproximadamente 6 anos. As queixas diziam respeito a distância entre eles e os
conteúdos. Entre uma queixa e outra, para minha surpresa, eles revelaram que sua intenção
ao me procurar não era se queixar ou fazer alguma exigência, mas sugerir uma forma para
tornar os conteúdos mais próximos da realidade deles, o que de fato fizeram. Sugeriram então
que eu utilizasse referências que eles conheciam para explicar a matéria. Foi quando
sugeriram que eu utilizasse elementos de um famoso jogo da SNK, o The King Of Fighters1
para explicar os conteúdos. Infelizmente eu não consegui naquele ano tomar qualquer
providencia sobre a sugestão que eles fizeram, todavia, também não consegui ignorar a
provocação. Foi quando descobri em pesquisas um jogo de luta desenvolvido pela revista
abril chamado Filosofighters. O jogo “dá vida” a nove filósofos, que se enfrentam em lutas
que lembra muito os famosos árcades que fizeram sucesso na década de 1990 no Brasil a
exemplo de jogos como Street Fighter e Mortal Combat2.
Infelizmente a oferta do Filosofighters em plataforma on line impossibilitou seu uso
em sala de aula, mas, alguns anos depois ele serviria de inspiração para a criação do
“Combate Filosófico”, card game desenvolvido no programa de residência docente do colégio
Pedro II em 2017 para aproximar alunos de baixa renda da Filosofia. A experiência foi
enriquecedora sendo o combate filosófico o resultado de uma iniciativa sugerida por alunos e
que encontrou no professor alguém disposto a fazer a Filosofia habitar entre as pessoas
comuns. Assim o combate filosófico era visto como o ápice da convergência dos interesses
1 Conforme Benjamin Wai-ming (2006) a KOF, sigla para King Of Fighters é um jogo de luta lançado pela
desenvolvedora de jogos SNK em 1994, que desde então lança uma nova versão do jogo a cada ano. Segundo
Wai-ming Ng o jogo, que reune dentre os personagens mais formosos de outros jogos da SNK equipes de três
jogadores, alcançou seu ápice no Brasil e no Mundo na década de 90 ( Benjamin Wai-ming. Street Fighter e The
King of Fighters em Hong Kong: um estudo sobre consumo cultural e localização de jogos japoneses em um
contexto asiático. Game Studies , v. 6, n. 1, 2006).
2 Segundo Erika Urakawa Madureira (2015) os jogos de luta são um subgênero abrigado dentro dos jogos de
ação, sendo um um jogo em que duas personagens, jogador contra jogador ou jogador contra máquina, se
enfrentam em um espaço delimitado como um ringue de boxe ou octógono de MMA, vencendo o round aquele
que demonstrar melhor habilidade e obter um melhor aproveitamento dos golpes que a sua personagem dispõe
(MADUREIRA, Erika U. Estereótipos Brasileiros nos Jogos de Luta. In: Seminário de jogos eletrônicos,
educação e comunicação, 11, 2015, Salvador. Anais... Salvador: UNEB, 2015. p. 27-37. Disponível em <
http://www.revistas.uneb.br/index.php/sjec/article/view/1240/837 >. Acesso em 12 dezembro de 2019).
.
9
entre aluno e professor, até que por ocasião do meu ingresso no Programa de pós-graduação
em Filosofia e ensino do CEFET em 2017 eu entrei e uma nova fase e comecei a repensar os
objetivos do jogo, bem como iniciei uma busca por novos referenciais para sua reformulação.
Nesta fase eu já não via o jogo como um fim, mas como um meio, eu só não sabia ainda de
que. Foi quando a dificuldade em encontrar um novo referencial teórico para o Combate
filosófico fez com que eu me lembrasse de uma vocação que ele já tinha e que não foi
explorada, pois um pouco antes de eu terminar o protótipo do jogo para apresentar na defesa
de minha proposta de produto didático no programa de residência docente do Colégio Pedro II
eu me lembre que, sob influência do livro “Ensino de Filosofia e a lei 10639” eu abri uma
porta no jogo para a proposta apresentada pelo professor Renato Noguera no livro, que dizia
respeito a ampliar a história da Filosofia para inserir a contribuição dos povos silenciados pelo
racismo epistêmico, conceito que acabara de conhecer ao ler o livro “Ensino de Filosofia e a
lei 10.639”.
Daí em diante, foi só questão de convidar o professor Renato Noguera para me
orientar e escancarar a porta que eu já havia aberto no jogo, foi quando decidi transformá-lo
em um material didático para ajudar professores de Filosofia a levar para o contexto de suas
aulas parte dos conteúdos prescritos pela lei 10.639 para a promoção de uma educação
filosófica comprometida com a educação para as relações étnico-raciais. Essa proposta foi
apresentada à banca por ocasião da minha qualificação e pareceu razoável, de forma que a
partir das orientações recebidas ali foram formulados os objetivos e traçada a nova estratégia
para a transformação do jogo.
Após a qualificação o objetivo geral da pesquisa passou a ser desenvolver um card
game para o ensino de filosofia com foco nos conteúdos prescritos pela lei 10.639.
Conforme o novo projeto, desenhado a partir do objetivo geral, decidimos que as etapas a
serem percorridas para alcançá-lo seriam: em primeiro lugar, avaliar estratégias para
aplicação das exigências da lei 10.639/03 ao ensino de Filosofia a partir de estudos relativos
ao contexto de sua promulgação e das questões que envolvem o cumprimento de seus
dispositivos em aulas de Filosofia; analisar possibilidades teóricas e práticas para a
implementação da lei 10.639/03 em aulas de Filosofia no contexto educacional brasileiro,
desenvolver um protótipo do card game Combate Filosófico expandido conforme o objetivo
geral da pesquisa; inserir o protótipo no contexto das aulas de Filosofia como um organizador
prévio; elaborar novos cards para o jogo e um novo manual de regras; testar e avaliar o
10
protótipo do jogo após sua expansão a partir da análise das percepções dos alunos que
participaram do teste.
Tendo em vista os objetivos propostos acima os assuntos abordados pela dissertação
foram distribuídos da seguinte forma: no capítulo um “Ensino de Filosofia e a lei 10.639:
contextualizando a questão” foi contada a história da lei 10.639 desde as campanhas do
Movimento Negro Unificado (MNU) até as estratégias e embates que envolveram a aplicação
de seus dispositivos em aulas de Filosofia. Para tanto foi traçado o percurso da Filosofia como
disciplina escolar no Brasil desde o período colonial até seu retorno obrigatório para o ensino
médio. Por fim, o capítulo se encerra apresentando a problemática que envolve o ensino de
Filosofia no Brasil.
No capítulo dois “Possibilidades e Caminhos para um Ensino de Filosofia em
conformidade com a lei 10.639” buscou-se apresentar uma possibilidade teórica e uma prática
para viabilizar o ensino de Filosofia em conformidade com a lei 10.639, sendo: a noção de
história ampliada da filosofia e o conceito de organizador prévio. No referido capítulo també
foram abordados pontos relevantes para a discussão sobre a filosofia africana e afro-brasileira
e os conteúdos prescritos pela lei 10.639, como: o racismo epistêmico, o conceito de
colonialidade e a crítica da periodização na história da filosofia. Também abordou-se o
conceito de jogo, questões teóricas ligadas a noção de organizador prévio e jogos educativos.
No capítulo três “Denegrindo a disputa dialética: um a relato de experiência da
aplicação do card game Combate Filosófico após sua expansão para atender os dispositivos da
lei 10.639” foi contada a história do card game Combate Filosófico, apresentada sua nova
versão e detalhada a metodologia utilizada para os testes com os alunos. No capítulo três
podem ser conhecidos também alguns cards do jogo, da sua mecânica e do processo para sua
construção e expansão. Também se encontra no capítulo três uma avaliação feita do jogo
pelos sujeitos de pesquisa analisada pelo pesquisador.
11
1 ENSINO DE FILOSOFIA E A LEI 10.639: CONTEXTUALIZANDO A
QUESTÃO
1.1 O ENSINO DE FILOSOFIA E A LEI 10.639/03: CONTEXTUALIZANDO
A proposta desta dissertação, de transformar um card game que foi produzido com
outro objetivo, em um material didático voltado para apoiar professores de Filosofia no
cumprimento da lei 10.639/03, surge da tentativa de unir teoria e prática num esforço lúdico
de representar e levar para a sala de aula uma proposta teórica construída para viabilizar o
cumprimento das determinações da lei 10.639 para uma educação para as relações étnico
raciais em aulas de Filosofia.
A proposta teórica é a noção de “história estendida da Filosofia” teorizada pelo
professor Renato Noguera em seu livro “Ensino de Filosofia e a lei 10.639”. No próximo
capítulo conheceremos melhor a proposta, momento em que a dissertação irá detalhar os
referenciais escolhidos para a transformação do card game - Combate Filosófico - e um
material didático voltado para apoiar professores de Filosofia no cumprimento da lei
10.639/03. Todavia, precisamos antes, conhecer melhor o contexto em que a lei 10639/03 foi
pensada, os embates que envolveram sua promulgação e as implicações das transformações
que a lei trouxe para o ensino de Filosofia. Além é claro, de parte da problemática que
envolve seu cumprimento em aulas de Filosofia.
1.2 O MOVIMENTO NEGRO UNIFICADO E A LUTA POR UMA EDUCAÇÃO
ANTIRRACISTA NO BRASIL
A promulgação da lei 10.639, em 2003, representou um marco na história dos
movimentos de resistência negra no país, sendo verdade inclusive, que para compreender o
contexto em que a lei foi pensada e proposta até sua promulgação, é preciso que se
compreenda a própria história da militância negra no Brasil republicano sob a liderança do
Movimento Negro Unificado (MNU) e a história das lutas do MNU por uma educação que
fizesse frente ao racismo e à discriminação da população negra na sociedade brasileira. Desta
forma, esta dissertação se propõe, sem qualquer pretensão de exaurir o tema, a traçar um
breve histórico do MNU e de sua militância em prol de uma educação antirracista no Brasil
republicano.
12
O estudo da história do movimento negro no período republicano torna evidente que,
as pautas ligadas à educação sempre estiveram presentes nas reivindicações que os militantes
levavam aos governantes, sendo da mesma forma, preocupação constante e prioritária das
instituições negras de maior importância e destaque desde tempos remotos da história do
Brasil.
Conforme Amílcar Pereira Araújo (2013, p. 28),
[...]ainda no início do período conhecido como “pós-abolição”, antes mesmo da
criação da Frente Negra Brasileira (FNB) – que foi a maior organização do
movimento social negro na primeira metade do Século XX – em 1931 na cidade de
São Paulo, a questão da educação de pessoas negras já despontava como um tema de
grande importância para as organizações de negros em nosso país. Entre essas
organizações, o Centro Cívico Palmares, criado em 1926, merece destaque, pois,
segundo George Andrews, essa organização teria sido um marco importante para a
mobilização política dos negros em São Paulo, justamente durante o período que
antecede a Revolução de 1930.
Para Araújo (idem, p. 28), portanto,
[...] a Lei 10.639/03 é fruto dessas histórias [da resistência negra] ainda pouco
pesquisadas e, portanto, pouco conhecidas e pouco estudadas em nossas escolas. Se
essa lei não pode ser pensada como uma construção realizada a partir de uma
simples relação de causa / consequência, como formador de professores de História,
atuando em cursos de formação inicial e continuada, acredito que para melhor
entendermos e contextualizarmos o processo de construção dessa lei, seja
fundamental conhecer a história do movimento negro organizado no Brasil
republicano.
Petrônio Domingues (2007, p. 02) define movimento negro como “[...] a luta dos
negros na perspectiva de resolver seus problemas na sociedade, especificamente os que são
provenientes do preconceito e da discriminação racial”. O autor divide o período da
militância do movimento negro em três fases: a primeira fase vai da Primeira República ao
Estado Novo ( de 1889 a 1937); a segunda fase da República à ditadura militar (1945 a 1964);
e a terceira fase do início do processo de redemocratização à República Nova (1978-2000).
Para um entendimento razoável da história do movimento negro é crucial que se
conheça o marco divisório que ele experimentou sob a liderança do Movimento Negro
Unificado (MNU), entidade que representou a unificação de todas as entidades de
representação negra no Brasil sob uma nova perspectiva de militância.
Conforme Domingues (2007), no dia 18 de junho de 1978 na cidade de São Paulo em
reunião que contou com a representação de diversas entidades negras, dentre elas: o Centro de
Cultura e Arte Negra (CECAN); o Grupo Afro-Latino América; a Câmara do Comércio Afro-
Brasileiro, além dos jornais “Abertura” e “Capoeira”, bem como os Grupos de Atletas e
Artistas Negros, foi criado o “Movimento Unificado Contra a Discriminação Racial”
13
(MUCDR). Domingues (2007) esclarece ainda que na mesma semana, no dia 23 de julho, foi
adicionada a palavra “negro” ao nome do Movimento, que passou se chamar “Movimento
Negro Unificado Contra a Discriminação Racial” (MNUCDR).
Em 1982 o MNU apresentou seu projeto de ação, que tinha como reivindicações
mínimas, a
[...] desmistificação da democracia racial brasileira ; organização política da
população negra; transformação do Movimento Negro em movimento de massas;
formação de um amplo leque de alianças na luta contra o racismo e a exploração do
trabalhador; organização para enfrentar a violência policial; organização nos
sindicatos e partidos políticos; luta pela introdução da História da África e do
Negro no Brasil nos currículos escolares3, bem como a busca pelo apoio
internacional contra o racismo no país (Idem, p, 15).
Para Domingues (2007), o Movimento Negro Unificado (MNU) se insere na terceira
fase do Movimento Negro organizado na República. Essa fase representou uma rearticulação
do Movimento depois do refluxo percebido no período da ditadura militar de 1964:
[...] o golpe militar de 1964 representou uma derrota, ainda que temporária, para a
luta política dos negros. Ele desarticulou uma coalizão de forças que palmilhava no
enfrentamento do “preconceito de cor” no país. Como consequência, o Movimento
Negro organizado entrou em refluxo. Seus militantes eram estigmatizados e
acusados pelos militares de criar um problema que supostamente não existia, o
racismo no Brasil (Idem, 12).
O contexto nacional da reorganização do MNU foi a ascensão de movimentos
populares, sindicais e estudantis, recebendo especial influência ideológica da organização
marxista “Convergência Socialista”. Domingues (idem, p. 13) explica que,
[...]havia na Convergência Socialista, um grupo de militantes negros que
entendia que a luta antirracista tinha que ser combinada com a luta
revolucionária anticapitalista. Na concepção desses militantes, o capitalismo
era o sistema que alimentava e se beneficiava do racismo; assim, só com a
derrubada desse sistema e a consequente construção de uma sociedade
igualitária era possível superar o racismo. A política que conjugava raça e
classe atraiu aqueles ativistas que cumpriram um papel decisivo na fundação
do Movimento Negro Unificado [...].
Para Domingues (2007), a formação do MNU representou um marco na história da
militância negra no Brasil, o que se deveu, dentre outros fatores, ao fato de o MNU ter
conseguido apresentar um projeto capaz de unificar as lutas de todos os grupos e organizações
antirracistas em nível nacional. O projeto do MNU, que objetivava fortalecer o poder político
do movimento negro, tinha como parte significativa do seu plano de ação, segundo o autor,
3 grifo nosso
14
direcionar todos os esforços para inserir na pauta das reivindicações sociais a luta contra o
racismo.
Ainda conforme Domingues (2007), com tal estratégia o MNU pretendia articular a
luta dos negros com a de todos os oprimidos da sociedade, reivindicando mudanças na ordem
social vigente. Neste sentido, o MNU atuou em duas frentes principais: adotou medidas que
visavam levar o negro a reconhecer sua condição racial e pressionou o governo para que, a
partir de reformas estruturais em setores estratégicos da sociedade brasileira, fossem tomadas
medidas urgentes de combate ao racismo. No que se refere a primeira parte da estratégia,
Domingues (idem, p.23) explica que
[...] o movimento negro organizado “africanizou-se”. A partir daquele instante, as
lides contra o racismo tinham como uma das premissas a promoção de uma
identidade étnica específica do negro. O discurso tanto da negritude quanto do
resgate das raízes ancestrais norteou o comportamento da militância. Houve a
incorporação do padrão de beleza, da indumentária e da culinária africana.
Sobre a segunda parte da ofensiva do MNU, que dizia respeito a pressionar o governo
a fazer reformas em setores estratégicos da sociedade brasileira para combater o racismo,
Domingues (idem, p.23) esclarece que,
[...] naquele período, o movimento negro passou a intervir amiúde no terreno
educacional, com proposições fundadas na revisão dos conteúdos preconceituosos
dos livros didáticos; na capacitação de professores para desenvolver uma pedagogia
interétnica; na reavaliação do papel do negro na história do Brasil e, por fim, erigiu-
se a bandeira da inclusão do ensino da história da África nos currículos escolares4.
Reivindicava-se, igualmente, a emergência de uma literatura “negra” em detrimento
à literatura de base eurocêntrica.
A reivindicação do MNU por mudanças no currículo, são um nítido sinal da nova
orientação do movimento negro sob a sigla do Movimento, em que abandona-se a fase
“assimilacionista” que reivindica a inclusão do negro na sociedade sem a busca pela
transformação da ordem social. Não se pode perder de vista todavia, que, as reivindicações
por mudanças estruturais na educação, que resultaram na promulgação da lei 10.639/03, tem
como contexto a longa história de luta pela inserção do negro na educação, iniciada logo após
a abolição da escravatura.
1.3 A LEI 10.639/03 E O CENÁRIO POLÍTICO CONTEMPORÂNEO BRASILEIRO
No tópico anterior vimos que na década de 1970, com a reorientação dos movimentos
sociais negros sob a liderança do Movimento Negro Unificado (MNU), foi construído o
contexto mais remoto para a promulgação da lei 10639/03. Já o seu contexto imediato foi
4 grifo nosso.
15
construído em meio ao processo de redemocratização do país, tendo início mais ou menos em
1982, momento em que tanto o cenário político brasileiro, como o educacional, já contavam
com uma pequena, mas contundente representação negra.
Conforme Nilma Lino Gomes (2011), essa representação negra se refere a intelectuais
ligados ao movimento negro, formados em programas de pós graduação na década de 70.
Esses intelectuais, que também eram militantes do movimento negro, passam a produzir
conhecimentos sobre as relações étnico raciais por meio de pesquisas educacionais voltados
para a temática, “negro e educação”. Para Gomes (2011) a redemocratização do país iniciada
na década de 1980 contribuiu para a construção das condições que possibilitaram a imersão
desse novo perfil de intelectuais no cenário político brasileiro. Esses novos intelectuais
tematizam, agora via academia e não mais via militância apenas, as relações raciais, sobretudo
no campo educacional. A reboque dessas mudanças e transformações surge no cenário
político brasileiro, figuras como a do renomado militante da causa racial Abdias do
Nascimento, que em 1983 assumiu na Câmara Federal, um mandato de deputado pelo estado
do Rio de janeiro.
A ascensão de políticos como Abdias do Nascimento, em 1980, tem relação direta
com a campanha iniciada em 1970 pelo MNU, reivindicando a presença dos negros nas
esferas do poder, dessa forma, na década de 80, além de contar com um grupo de intelectuais,
que a partir das universidades tematizam as questões raciais produzindo pesquisas que lançam
luzes sobre a problemática da relação entre a população negra e a educação no país, as lides
contra o racismo contam ainda com representação política capaz de transformar o
conhecimento produzido por essas pesquisas em políticas públicas efetivas para combater o
racismo, propondo transformações estruturais na ordem social, como o projeto do deputado
Abdias do Nascimento.
Neste sentido, é fundamental para a compreensão do contexto imediato da
promulgação da lei 10.639/03 o conhecimento de algumas proposituras do então deputado
federal do estado do Rio de Janeiro pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) Abdias do
Nascimento.
Conforme lecionam Solange Rocha e Antônio Novaes da Silva (2013), entre os
projetos propostos pelo deputado federal Abdias do Nascimento destaca-se o Projeto de Lei
1.332/1983, que continha em seu texto “medidas de ação compensatórias” para a população
negra nas áreas educacionais e do trabalho. O deputado propôs também um projeto
16
voltado especificamente para a educação que propunha alterações no currículo, sendo
conforme Rocha e Silva
[...]‘incorporar ao conteúdo do curso de história brasileira, o ensino das
contribuições positivas dos africanos e de seus descendentes à civilização
brasileira’, e também a importância de ‘incorporar o conteúdo dos cursos sobre
História Geral o ensino das contribuições positivas das civilizações africanas’
(ROCHA e SILVA, 2013, p. 62).
Alexsandro Gomes da Conceição (2019) nos informa que, embora o projeto tenha
tramitado por cinco anos e dez meses em várias comissões da Câmara dos Deputados, sendo
inclusive aprovado de forma unânime em todas, jamais foi a plenário para a votação final, o
que resultaria em sua aprovação ou rejeição, sendo arquivado em abril de 1989. Na década
seguinte, uma série de mudança na conjuntura política brasileira deixaria para trás o cenário
de recusa das propostas de Nascimento abrindo novos caminhos para a militância contra o
racista na arena política brasileira. Marcia Moreira Pereira e Maurício Silva (2012, p.5)
explicam que
[...]os diversos acontecimentos concernentes à causa negra vinham se intensificando
desde o final da década de 80 e início da década de 90, quando foram publicadas
pesquisas demonstrando o quanto a população negra estaria em defasagem em
relação ao contingente populacional branco, em vários indicadores: saúde, educação,
mercado de trabalho, entre outros. As pesquisas serviram também para comprovar o
quanto a discriminação estava presente em nossa sociedade. Ainda na década de 80,
foi promulgada a Constituição Federal, documento no qual não apenas se reconhece
a pluralidade cultural como parte integrante de nosso país, mas também se busca
combater a discriminação racial e promover a valorização das identidades étnicas.
Conforme apontam Pereira e Silva (2012), na década de 1990 o debate em torno da
questão racial, que já tomava proporções significativas na esfera política, chega a esfera social
chamando a atenção da mídia e ocupando espaço nas instituições escolares. Essa mudança de
cenário, de acordo com os autores, possibilitou conquistas importantes para a população
negra. No que se refere a políticas governamentais de maior amplitude, por exemplo, em 1996
o Governo federal lançou o Programa Nacional de Direitos Humanos, documento que
estabeleceu diversas metas para a promoção dos Direitos Humanos e também metas
específicas para a luta contra a discriminação racial. No campo educacional, foi instaurado no
Rio de Janeiro o Movimento Pré-Vestibular para Negros e Carentes (PVNC), que visava
promover a entrada de estudantes negros nas universidades públicas. Essas conquistas
aconteceram a sombra da “Marcha Zumbi dos Palmares: 300 anos contra o racismo, pela
cidadania e vida”, organizada pelo Movimento Negro Brasileiro, que reuniu em Brasília
aproximadamente 30 mil ativistas. Na ocasião, foi entregue ao governo federal o documento
17
“Por uma política nacional de combate ao racismo e à desigualdade racial” que exigia ações
efetivas do Estado na luta contra o racismo (ROCHA; SILVA, 2013, p. 61).
Foi nesse contexto, de visibilidade para a questão racial na mídia, fortalecimento da
discussão sobre racismo nas instituições de ensino e adoção de medidas governamentais para
a promoção da igualdade racial, que o deputado Paulo Paim se aproveitou das conquistas no
texto constitucional para propor o projeto de lei, que conforme Pereira e Silva, foi o
“embrião” da lei 10639. Não obstante as condições serem razoavelmente favoráveis, a
proposta ainda não contava com força política suficiente e foi rejeitada.
A cena política brasileira precisava ainda de mais intervenções até que o passo
definitivo em direção a promulgação de uma lei com a importância da lei 10.639 fosse dado,
e no que dependeu da militância negra, as intervenções não faltaram. Em 1999 foi lançado o
livro “Superando o racismo na escola”. Organizado pelo professor da USP e militante do
Movimento Negro, Kabengele Munanga, o livro continha 11 artigos que versavam sobre
educação e relações raciais e foi considerado, segundo Solange Rocha e José Antônio
Novaes da Silva (idem), “ [...] um dos resultados (na área da educação) dos debates entre
sociedade civil e governo federal ocorridos na década de 1990 [...]”.
Ainda no ano de 1999 é aprovado o Projeto de Lei nº 259, formulado pelos então
deputados Ben-Hur Ferreira e Esther Grossi. Conforme Rocha e Silva (2013) o projeto, que
em seu primeiro artigo justificava a intenção de reconhecer a luta dos negros no Brasil na
formação da sociedade nacional, resgatando sua contribuição, estabeleceu a obrigatoriedade
da temática História e Cultura Afro-Brasileira no currículo oficial da rede de ensino. A
aprovação do projeto dos referidos deputados no fim da década de 90 foi de suma importância
para avanço da militância do movimento negro por mudanças estruturais na educação
brasileira, tendo em vista que, outros acontecimentos importantes da década de 1990 no que
tange a educação, anteriores ao projeto de Lei nº 259, que foram, segundo Rocha e Silva: a
aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBN) em 1996, e a criação,
no ano seguinte, dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), não representaram avanços
significativos no que se refere a inclusão de conteúdos afrocentrados o currículo escolar.
Conforme Araújo e Souza (2016)
“[...] a LDB 9394/1996 teve uma lacuna deixando fora, por ignorância ou por
motivação própria a relevância do ensino da ensino da história da cultura afro para
desenvolvimento psicointelectual e cognitivo humanística dos estudantes da
educação básica (ARAUJO e SOUZA, 2016, p. 11)
18
Já Rocha e Silva (2013) explicam que o problema dos PCNs, se referindo
especificamente ao “tema transversal da Pluralidade Cultural” foi que
“[...] não há unanimidade em relação aos propósitos explicitados, sendo eles
severamente criticados por alguns teóricos e educadores, que censuram a forma
como a diferença racial é abordada no documento. Assim, [...] trata-se de uma
proposição que insiste demasiadamente na diferença, podendo-se, entre outras
coisas, questionar se a escola seria, de fato, um espaço de culturas diversas que se
manifestariam plena e livremente (PEREIRA e SILVA, 2012, p. 12).
O passo definitivo para a construção de um currículo antirracista na educação
brasileira foi dado em 2003, quando o então presidente da República Luiz Inácio Lula da
Silva, em cumprimento a uma promessa de campanha, em que assumiu o compromisso de
apoiar a luta da população negras, promulga o projeto de lei que foi aprovado em 1999. A lei
recebeu dois vetos ao propor alterações na LDB: o primeiro, segundo Pereira e Silva (2012)
foi na proposta que determinava, desde o projeto de lei, que as disciplinas História do Brasil e
Educação Artística, deveriam dedicar pelo menos dez por cento de seu conteúdo programático
anual ou semestral à temática africana e afro-brasileira no ensino médio; o segundo, atingiu à
proposta referente aos cursos de capacitação para professores, que pela proposta da lei,
passariam a contar com a parceria de entidades do movimento afro-brasileiro, das
universidades e outras instituições de pesquisa que tinha ligação com o tema. Segue abaixo a
justificativa do governo para os vetos na íntegra:
[...]o referido parágrafo [dedicação de pelo menos dez por cento de seu conteúdo
programático anual ou semestral à temática africana e afro-brasileira no ensino
médio] tratada não atende ao interesse público consubstanciado na exigência de se
observar, na fixação dos currículos mínimos de base nacional, os valores sociais e
culturais das diversas regiões e localidades de nosso país. [Sobre a capacitação de
professores]: verifica-se que a lei nº 9.394, de 1996, não disciplina e nem tampouco
faz menção, em nenhum de seus artigos, a cursos de capacitação para professores. O
art. 79-A, portanto, estaria a romper a unidade de conteúdo da citada lei e,
consequentemente, estaria contrariando norma de interesse público da Lei
Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1988, segundo a qual a lei não conterá
matéria estranha a seu objeto. (BRASIL, 2003b, p. 01)
Apesar dos vetos, a lei foi bem recebida pelo movimento negro, que viu se tornar
realidade uma de suas bandeiras mais importantes desde 1980, que vinha acompanhada da
reivindicação da presença de negros no poder como estratégia para transformar a ordem
social. Uma realidade que ganhou corpo e começou a se efetivar com a promulgação da lei
10639, um produto dos esforços da militância, quer seja atuando como grupo de pressão junto
ao governo ou apresentando dados de pesquisas, via academia, para demonstrar os impactos
negativos do racismo na educação brasileira. Um processo que se consolidou graças ao
protagonismo do deputado federal Ben-Hur Ferreira, homem negro, que elaborou o projeto
19
de lei que foi provado e deu seguimento a atuação de outros parlamentares que se valeram de
seus mandatos para fazer avançar a luta contra o racismo na educação, a exemplo de Abdias
do Nascimento.
1.4 A LEI 10.639: DESDOBRAMENTOS E EMBATES
A lei federal 10.639 de 9 de janeiro de 2003, acrescentou à LDB os artigos 26, 2 A e
79 B estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira no
currículo oficial da rede de ensino. Porém, apesar da grande conquista que a lei representou,
de sua promulgação até a implementação, foi um longo caminho, entre: regulamentações
pelos órgão de educação do governo e a efetivação de políticas públicas para implementação
da lei.
Sobre a regulamentação pelos órgãos de educação do governo, Maria da Guia Viana
(2009) nos informa que no dia 10 de março de 2004 foi aprovado pelo Conselho Nacional de
educação (CNE) e o Conselho Pleno (CP) o Parecer 03/04 que instituiu as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais para o Ensino de História
e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Viana (2009, p. 62) explica que:
[...] o Parecer ressalta, entre outras orientações, o compromisso com a educação de
relações étnico-raciais, a valorização da história e da cultura afro– brasileira e
africana, traz indicações de conteúdos a serem incluídos no currículo nas diversas
áreas de conhecimento, assim como indica ações a serem desenvolvidas pelo poder
público nas três esferas.
No que tange às políticas públicas para a implementação da lei, conforme Viana
(2009), nos anos subsequentes à sua promulgação, o Ministério da Educação, por meio da
SECAD, tratou de desenvolver programas educacionais de acesso e permanência da
população negra à educação escolar em todos os níveis e modalidades, além de ações que
possibilitassem, de forma ampla, a reflexão da sociedade sobre as relações étnico-raciais no
Brasil. De acordo com Viana (2009), portanto, tendo como base dados coletados por um
grupo de trabalho interministerial, as ações da SECAD/MEC foram desenvolvidas adotando-
se as seguintes estratégias:
Projetos Inovadores de Curso (PICS), que integram o Programa Diversidade na
Universidade, dando apoio financeiro a cursos preparatórios para vestibulares
populares e comunitários voltados para a população negra e indígena [...] [;]
Comissão Técnica Nacional de Diversidade para Assuntos Relacionados à Educação
dos Afro-Brasileiros (CADARA), que foi criada em 2003 com atribuição de
assessorar o MEC/SECAD. [...] Fóruns Estaduais – Entre o ano de 2004 a 2005
foram realizados 21 fóruns estaduais de educação e diversidade étnico–racial, com o
objetivo de combater a desigualdade no cotidiano escolar, articulando diversos
segmentos governamentais e não governamentais e organizações de movimento
20
negro para divulgar a Lei nº 10.639/03. [...] Programa Brasil Quilombola (SEPPIR)
– Participação do MEC/SECAD no comitê gestor do programa. Este Programa
abrange as ações governamentais para a comunidade remanescente de quilombos,
por meio de articulações interinstitucionais, com ênfase na participação da sociedade
civil. A participação do SECAD no Programa deu-se por meio do Programa Cultura
Afro-Brasileira (PPA 2004/2007) que apoiou técnica e financeiramente as
prefeituras das áreas remanescentes na ampliação da rede física escolar, na formação
continuada de professores e na aquisição de material didático específico para essas
áreas. [...] Formação de Professores – A formação continuada de professores foi
desenvolvida por meio do programa UNIAFRO que financiou cursos presenciais,
coordenado pelos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros (NEABs) e pelo curso a
distância Educação-Africanidades – Brasil, ministrado pela UNB, e pelas oficinas de
Cartografia sobre geografia afro-brasileira e africana. [...] Produção e distribuição de
material de referência para professores – Publicações de 29 títulos da coleção
educação para todos (SECAD/UNESCO), seis destes fazem referência à
implementação da Lei nº 10.639/03. [...] Cor da Cultura – Materiais produzidos em
parceria com a Fundação Roberto Marinho, kit contendo jogos, cds, dvds, livros,
havendo momento de formação sobre a metodologia de utilizações desses materiais.
O MEC/SECAD promoveu também o Concurso Nacional de Material Didático-
pedagógico para o reconhecimento e a valorização da história e cultura e da
identidade afro-brasileira e africana (2006), porém, como os participantes que se
inscreveram não preencheram os requisitos exigidos, não houve vencedores. [...]
Publicação do texto das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das
Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana, com cerca de 1.000.000 exemplares distribuídos. [...] Diálogos Regionais
sobre a implementação das Diretrizes Curriculares da Educação Étnico-Raciais.
Trata-se de consulta pública sobre o Plano Nacional de implementação da Lei nº
10.639/2003. - “Os seis diálogos regionais permitiram melhor observação dos
obstáculos a serem superados para uma educação que efetivamente leve em
consideração a diversidade étnico-racial” [...] (VIANA, 2009, p. 64).
Para Viana (2009), não obstante as ações desenvolvidas pelo governo federal com o
intuito de implementar a Lei 10.639/2003, ainda nos anos subsequentes a sua promulgação, a
descontinuidade de ações e a falta de financiamento, representaram grandes entraves no
processo. Em novembro de 2007, a representação da UNESCO e o SECAD/MEC realizaram
no distrito federal uma oficina de trabalho que tinha como objetivo discutir a implementação
da Lei no País. Conforme parte do texto do documento oficial transcrito por Viana (2009, p.
65) a oficina revelou que:
[...] apesar da riqueza de muitas das experiências desenvolvidas nos últimos anos, a
maioria delas restringem-se à ação isolada de profissionais comprometidos (as) com
o princípio da igualdade racial que desenvolvem a experiência a despeito da falta de
apoio dos sistemas educacionais. A consequência são projetos descontínuos com
pouca articulação com as políticas curriculares de formação de professores e de
produção de materiais e livros didáticos sofrendo da falta de condições institucionais
e de financiamento.
Viana (2009) esclarece que as dificuldades, anteriormente detalhadas, também foram
reproduzidas nas esferas de poder Estaduais, dessa forma, embora em cada Estado da
federação tenham sido adotadas estratégias e políticas públicas diversas para a implementação
da lei, em todos se percebe o impacto da ineficiência das políticas da União. No estado do
Maranhão, por exemplo, além do impacto da ineficiências das políticas do governo federal, o
21
processo de implementação da lei 10639 foi prejudicado devido a inércia do governo local.
De forma que, conforme Viana (2009, p.65), uma vez que não houve
[...] manifestação do governo do Estado do Maranhão para implementação da Lei nº
10.639/03 em maio de 2004, o Movimento Negro, por meio da Associação das
Comunidades Negras Rurais Quilombolas (ACONERUQ), em reunião no palácio do
governo, entregou aos representantes governamentais do Estado uma pauta de
reivindicações para a população negra maranhense, considerando as desigualdades
raciais no Brasil e no Maranhão, que se constitui o terceiro Estado brasileiro de
maior população negra.
1.5 DIFICULDADES PARA IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639 POR DISCIPLINAS: O
CASO DA FILOSOFIA
A negligência do governo do Maranhão em relação a políticas para implementação da
lei 10639, um ano após sua promulgação, demonstrou mais uma vez a importância do
protagonismo exercido pelo movimento negro, atuante também na fase descentralizada da luta
pela implementação da lei 10639, que se deu nos estados.
Os embates envolvendo os governos estaduais, o movimento negro e a comunidade
docente sociedade marcaram os primeiros dez anos da promulgação da lei, sendo os próximos
anos marcados pela discussão em prol das estratégias docentes para que a lei fosse cumprida
nas salas de aula da educação básica. Neste momento, os professores que decidiram se
comprometer com o cumprimento da lei sentiram diretamente os efeitos da ineficiência das
políticas públicas da década anterior.
Neste sentido, a Filosofia constitui um caso particular de dificuldade ao cumprimento
das exigências da lei 10639, pois, além das dificuldades compartilhadas por todas as
disciplinas, ela conta com uma trajetória única na história da educação brasileira, trajetória
que lhe impôs como disciplina escolar desafios muito particulares no que se refere aos
conteúdos prescritos pela lei 10639, conforme veremos nos tópicos seguintes.
1.5.1 Breve histórico da Filosofia como disciplina escolar no Brasil
Conforme Norberto Mazai e Maria Alice Coelho Ribas (2001), a Filosofia como
disciplina escolar chegou ao Brasil com os jesuítas no século XVI. No período, a educação
como um todo era posta a serviço da empreitada colonial portuguesa e ganha forma de
catequese dos povos da colônia, que passam a integrar o grande projeto de expansão da fé
católica. De acordo com Mazai e Ribas (2001, p. 02), “[...] os jesuítas exerciam, de certa
22
forma, uma espécie de teocracismo, que suscitava assim um monopólio do pensamento e
afastava Portugal das contribuições do movimento científico da época, com Descartes, Bacon,
Galileu e outros.”.
Dessa forma a educação no período colonial era dirigida a setores da elite, com a
oferta de disciplinas formalistas de cunho retórico, as chamadas “Ciências Sociais e
Humanas”. Para Maria Tereza Pentedo Cartolano (1985), a tradição filosófica no período
colonial foi reduzida uma série de comentários filosóficos de pouca importância teórica, tendo
como fundamento o pensamento escolástico. Segundo Cruz Costa (1960), a Filosofia no
período colonial, sob a responsabilidade dos jesuítas, era livresca, consistindo em um
amálgama de concepções teóricas que vinham prontas da Europa para serem reproduzidas na
colônia.
Ponderam Mazai e Ribas (2009) que a forma que o ensino assumiu com os jesuítas
deixou traços marcantes na educação colonial, tendo efeitos nefastos no ensino de Filosofia,
que se estabeleceu como assimilação, registro e comentário de teorias e escolas de
pensamento européias. De forma que:
[...] a Ratio Studiorum foi a máxima expressão do esforço de sistematização do
conhecimento, constitui-se na organização e no plano de estudos dos jesuítas.
Subordinava o ensino superior à teologia e ao dogmatismo (Filosofia da salvação),
que se alicerçava, por sua vez, na procura de uma ortodoxia definida pelos próprios
jesuítas e que levava a expurgar os textos dos autores que se afastassem das ideias de
Sto.Tomás de Aquino e Aristóteles (MAZIO e RIBAS, 2009, p.3).
O sistema de ensino jesuíta vigorou até as reformas empreendidas pelo Marquês de
Pombal, que resultaram na expulsão dos jesuítas em 1759. As reformas pombalinas ocorreram
como resultado de uma série de transformações políticas, econômicas e sociais que tiveram
início em Portugal e repercutiram no Brasil. De acordo com Armindo Quillici Neto (2007,
p.02) as reformas do Marquês de Pombal marcou o início de uma nova era para a colônia
portuguesa, em que
[...] as novas determinações, ditadas pelo então Marquês de Pombal traziam
grandes mudanças no perfil econômico, cultural e, consequentemente, no
educacional. Nessas circunstâncias, o interesse nas mudanças econômicas levou o
Governador Geral de Portugal a agir de forma drástica, fazendo com que
seguidores dos jesuítas, principalmente os indígenas, fossem forçados ao trabalho
escravo, ou ainda submetidos a torturas que, muitas vezes, levavam à morte.
Quillici Neto (idem) segue esclarecendo que:
[...] outro elemento fundamental que influenciou na expulsão dos jesuítas do reino
português foi o surgimento do Iluminismo, que tinha bases no Movimento
Renascentista e na Reforma Protestante. A exaltação da razão contrapondo-se à
religião revelada, marca do século das luzes, em oposição à era das trevas,
possibilita o surgimento das novas doutrinas democráticas e impulso do
23
desenvolvimento científico, e a Educação ganha um novo rumo, tanto em Portugal
como no Brasil.
No que se refere ao ensino da Filosofia, Quillici Neto (2007, p. 08) nos informa ainda
que no período pombalino a Filosofia “[...] deixou de ocupar o espaço doutrinário do
catolicismo Jesuítico, o vínculo com a visão medieval do Ratio e passou a receber uma
influência Iluminista”, passando a “[...] privilegiar os gregos e a concepção moderna fundada
nas ciências naturais [...]” (idem). Não obstante a importância das transformações trazidas
pelas reformas pombalinas para a educação, especialmente para o ensino de Filosofia, com a
importante mudança de paradigma, da ratio medieval para o Iluminismo, Mazai e Ribas
(2009, p.08) esclarecem que, “[...] as reformas do Marquês de Pombal não deixam de marcar
[...] um retrocesso na educação [...]”. Sobre este ponto Cartolano (1985) explica que, apesar
de todos as transformações trazidas com as reformas do Marquês de Pombal, a educação na
Colônia não deixou de se pautar pelos objetivos religiosos como era na época dos jesuítas,
cujos métodos pedagógicos ainda continuaram a ser aplicados depois da expulsão da ordem
dos soldados de Cristo, um método que pendia para a falta de criação individual e original.
Também persistiram no ensino de Filosofia práticas livrescas e escolásticas.
A partir do século XIX, todavia, impulsionada por transformações impostas pela
mudança da sede da coroa portuguesa, de Portugal para o Brasil, a educação, e
consequentemente o ensino de Filosofia, entram em uma nova fase. Mazai e Ribas (2009, p.
05) explicam que
[...]com a vinda de Dom João VI para o Brasil, com toda a sua corte em 1808,
abriram-se às portas para o comércio mundial, o que contribuiu também, para a
introdução de novas idéias na vida da colônia. Nesse período, chegaram a realizar-se
conferências filosóficas. Nasceram novos colégios para a preparação da nova classe
que iria administrar e governar a colônia. Os negócios aumentavam e exigiam uma
expansão da educação. Nesse clima de transformação, a Filosofia no Brasil e o seu
ensino estavam voltados para a formação profissional e não mais para um ensino
propedêutico visando à formação sacerdotal e a propagação da fé cristã.
De acordo com Mazai e Ribas (2009) em 1838 o ensino de Filosofia se torna
obrigatório, sendo incluído nos currículos dos liceus e dos ginásios do curso secundário desde
o início do 19. Conforme os autores supracitados, o ensino de Filosofia no século XIX, foi
marcada pelo setor econômico, uma tendência que se justifica diante das grandes
transformações que ocorreram no período, a exemplo da ascensão das companhias anônimas,
comerciais e industriais, fundação do Banco do Brasil, linha do telégrafo elétrico e a abertura
da Estrada Central do Brasil. Essas transformações vieram acompanhadas de novas ideias, de
24
forma que a educação em terras coloniais, e consequentemente o ensino de Filosofia, agora
sofrem influência do positivismo e do evolucionismo, destaque para o Positivismo:
[...] entre as correntes filosóficas em ascensão, nas últimas décadas do século XIX,
por volta de 1870, o Positivismo foi a que mais repercussão teve no seio do
pensamento brasileiro e na educação que aqui se ministrava. A razão fundamental
desse fato radica-se na preexistente tradição cientificista que se iniciou com as
reformas pombalinas, à luz das quais se estruturou todo o sistema de ensino
superior, em bases que privilegiavam a ciência aplicada e a instrução estritamente
profissional (MAZAI e RIBAS, 2009, p. 06).
O Positivismo de Auguste Comte foi muito bem recebido no Brasil, que ainda
contava com um ensino de Filosofia engessado por um método escolástico de raiz medieval,
embora a tempos esse método vinha sendo minado pelo paradigma iluminista, que
enfraqueceu sobremaneira a pedagogia jesuíta. No século 20, sob a República, uma nova
orientação passa a dirigir o ensino de Filosofia, trata-se da busca por um pensamento racional
originalmente brasileiro. Conforme Mazai e Ribas (2009, 13)
com a queda do império e com a instauração da República em 1889, a preocupação
com a busca de uma sociedade racional tornou-se meta prioritária da elite intelectual
brasileira. Surgiram novos centros urbano- industriais e um forte processo de
desarmonia entre campo e cidade. No ano de 1908, fundava-se a Faculdade Livre de
Filosofia e Letras que possuía uma orientação puramente neotomista. Nesse período
também apareceram novos livros de ensino da Filosofia e quase todos possuíam uma
orientação católica.
Nesta fase de busca por um pensamento racional brasileiro as correntes de pensamento
europeu começam a encontrar dificuldade para entrar no Brasil, que já não mantém sua porta
escancarada para o pensamento estrangeiro. Mazai e Ribas (2009) explicam que nessa fase a
principal concorrente a polemizar com o Positivismo de Comte foi a Sociologia, dentre outros
motivos, por se adequar melhor ao perfil do pensamento brasileiro, voltado para problemas
práticos. Conforme assevera Costa (1967, p. 353)
[...] a inteligência brasileira se dá [...] com o trato de problemas concretos. Isto é
assim, porque as questões mais gerais estão contidas em problemas concretos e
vivos, porque tal tarefa se nos impõem com insistência, antes de nos lançarmos a
elucubrações mais largas e profundas [...].
Mazai e Ribas (2009) pontuam que, a busca por um pensamento racional brasileiro e a
diminuição da entrada de correntes europeias de pensamento não foram suficientes para
aproximar o ensino de Filosofia da sociedade brasileira e em 1915 a reforma instituída pelo
decreto n° 11.530 fez da Filosofia uma disciplina facultativa. Porém a situação da Filosofia
ainda não estava definida, mais duas reformas ainda ocorreriam na década de 30. A primeira
“[...] determinava que a educação visava não somente à matrícula nos cursos superiores, mas
também, à formação do homem para todos os setores da vida [...]” (MAZAI; RIBAS, 2001, p.
9), a segunda, de 1942 instituída pelo decreto n° 4.244 dividiu o ensino em dois ciclos: o
25
ginásio, cursado em quatro anos e o colegial em três anos. O colegial foi divido em científico
e clássico. O científico tinha como objetivo principal o ensino das ciências e o clássico tinha
uma reserva de quatro horas semanais para o ensino de Filosofia, essas quatro horas deviam
dar conta da chamada formação intelectual. Segundo Cartolano (1985, p.59), “a Filosofia era
disciplina comum aos cursos clássico e científica e deveria ser ensinada de acordo com um
mesmo programa para ambos os cursos, apenas com maior amplitude no curso clássico”.
Mas o grande revés a Filosofia sofreria na década de 60, Já no primeiro ano com a
promulgação da primeira edição da Lei de Diretrizes e Bases da educação Nacional, houve a
sugestão de que a Filosofia se torna-se uma disciplina complementar, o que significou na
prática o fim da obrigatoriedade de seu ensino em nível federal. Em 64 com o Golpe militar as
ciências humanas sofrem restrições em seu ensino, e o ensino de Filosofia passa de
complementar a facultativo, o que significou segundo Mazai e Ribas (2009), o seu banimento
oficial do currículo.
Conforme Mazai e Ribas (idem, p. 13),
[...]a expansão econômica, impulsionada pela chegada do capital estrangeiro, bem
como a proteção do governo militar e os investimentos dados à educação
contribuíram para a extinção da Filosofia do currículo das escolas. A educação
acabou exercendo um papel ideológico, pois foram impostos valores culturais
estrangeiros, como modelos a serem seguidos pela educação no Brasil. O modelo
educacional a ser seguido era totalmente técnico e burocrático.
Para Cartolano (1985) a Filosofia ficou de fora das reformas que se pretendiam
implementar na educação na década de 60 por não atender, segundo o governo militar, aos
interesses tecnoburocráticas e político-ideológicas do regime. Dessa forma, segundo o autor, o
extinção da Filosofia como disciplina, foi muito bem planeada e executada por meio de leis,
decretos e pareceres. Todo esse aparato jurídico tinha como objetivo principal, além banir o
ensino de Filosofia da estrutura educativa estatal, centralizar as decisões na área da educação.
Em 1971 se consolida o processo de expulsão do ensino de Filosofia da estrutura
educacional brasileira, quando a disciplina deixa de integrar oficialmente o currículo, e só
retorna em 1986. Ainda de acordo Mazai e Ribas (2009), a reforma educacional
implementada com a lei n° 5692, que baniu a Filosofia dos currículos, conseguiu conduzir o
ensino público de nível médio a uma profunda crise de identidade cujos efeitos são sentidos
até os dias atuais. Para os autores supracitados o ensino médio público tem uma baixa
capacidade de profissionalizar estudantes, além de deixar a desejar na integração do aluno
com uma educação humana e social.
26
Para Cartolano (1985), portanto, com a reforma implementada pela lei 5692, que baniu
a Filosofia dos currículos e introduziu o ensino de uma série de disciplinas5 que objetivavam
doutrinar os estudantes,
[...]ficou muito claro [...] que o pensar crítico e transformador característico da
atividade filosófica constituía uma ameaça ao poder e à ordem vigentes, à medida
que se propunha a formar consciências que refletissem sobre os problemas reais da
sociedade. Nesse sentido, procurou-se aniquilar essa atividade reflexiva,
substituindo-a por outra de caráter mais catequista e ideológico, a nível político. A
educação moral e cívica, sendo também “moral”, estava atendendo ao que se queria
que fosse o ensino da Filosofia, num período de grandes agitações estudantis e
operárias: apenas vinculadora de uma ideologia que perpetua a ordem estabelecida e
defende o status quo (CARTOLANO, 1985, p.74).
Fazendo um balanço do ensino de Filosofia até 1985, Mazai e Ribas (2009) pontuam
que no Brasil, via de regra, a alienação e o dogmatismo sempre foram a principal roupagem
do ensino de Filosofia, que jamais teve como seu objetivo a formação humana ou a produção
de pensamento crítico, pelo contrário, sempre reproduziu ideias vindas de fora sem o mínimo
questionamento, se prestando, portanto, ao papel de canal de transmissão de ideologias
estrangeiras. Um ensino de Filosofia que antes de tudo visava conferir status para quem fosse
capaz de dominar um tipo de ideias que se quer podia ser aplicada a vida prática e a realidade
das pessoas comuns. Para os autores supracitados somente com a abertura democrática em
1982, a Filosofia pode respirar novos ares:
[...] surgem depois de um longo período de espera e discussão, no âmbito da
educação brasileira, a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a LDB 9394/96,
e, na seqüência, em 1999, os Parâmetros Curriculares Nacionais, para o ensino
brasileiro [...] (MAZAI e RIBAS, 2009, p. 13).
A nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação e os PCNS introduziram
transformações importantes na educação brasileira, mas no que se refere à Filosofia, houve
um claro sinal de que, embora o cenário fosse novo e até mais favorável, a luta por sua
inclusão como disciplina obrigatória continuaria, a prova disso é que os PCNs rechaçaram o
papel da Filosofia como disciplina e a recomendaram, para a decepção de muitos, como
complemento dos Temas Transversais. A Filosofia é, portanto, recomendada nos PCNs como
conteúdo e não como uma disciplina.
Finalmente perto do fim da primeira metade do século XXI a Filosofia passou a
integrar o currículo da educação básica de forma obrigatória. Uma novidade introduzida pela
lei 11684/08. Renato Noguera esclarece que a partir da lei 11684/08, foi desfeita a confusão
legal estabelecidas por dispositivos anteriores, onde a Filosofia ora era colocada o como
5 Eram elas “[...] Moral e cívica e Organização Social e Política do Brasil, OSPB” (MAZAI e RIBAS, 2009, p.
11).
27
“curso livre”, ora como “matéria optativa”. Essas denominações, dentre outras que a Filosofia
recebeu até a promulgação da lei 11684/08, estiveram presentes nos seguintes dispositivos
legais: lei 4.024/61, 5.692/71 e 7.044/82. A lei 11685/08 deu fim a confusão estabelecendo
de forma definitiva a presença da Filosofia na educação básica de nível médio como
disciplina. Noguera (2012, p.19) pontua ainda que
O mesmo se aplica à disciplina de Sociologia. Esta também se tornou obrigatória
com a mesma mudança da legislação educacional. Com a publicação da Lei
11.684/08, em 3 de junho de 2008, o Art. 36 da Lei 9.394/96 passou a vigorar com
um novo inciso, preconizando a obrigatoriedade de Filosofia e Sociologia durante
todo o Ensino Médio.
1.5.2 O ensino de Filosofia e a lei 10.639/03: em busca de um referencial
Conhecidas as idas e vindas do percurso trilhado pela Filosofia como disciplina na
legislação educacional brasileira, bem como as metamorfoses que a disciplina sofreu em seus
referenciais desde o modelo adotado pelos jesuítas, fica mais fácil dimensionar o tamanho do
desafio que é adequar o seu ensino às exigências da lei 10.639/03. Neste caso, inclusive,
conforme Renato Noguera (2014), um dos primeiros a teorizar a adequação do ensino de
Filosofia as exigência da lei 10639/03, trata-se de dois desafios específicos: ensinar Filosofia
e “[...] ensinar e promover relações étnico-raciais equânimes através do estudo de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana.” (Idem, p.19).
Ora, sobre o ensino de Filosofia, conforme vimos no tópico anterior, entre os embates
resultantes da luta da disciplina pela sua permanência nos currículos e a busca por um modelo
de ensino que melhor se adequasse a realidade brasileira, foi sendo construído
paulatinamente, a cada nova influência externa, crítica interna, adequação a prática e
legislação reguladora, um modelo de ensino de Filosofia com potencial para aplicação na
educação básica. Já a educação para as relações etnicorraciais em aulas de Filosofia, sequer
contou com uma discussão mais profunda até 2012. Soma-se a isto a realidade de que a
temática africana e afrodescendente nunca esteve presente no debate sobre as matrizes em
torno do arcabouço teórico por detrás daquilo que deveria figurar como conteúdo das aulas de
Filosofia, que sempre considerou estritamente temáticas e modelos ligados a tradição
filosófica europeia.
A tradição filosófica europeia, embora arraigada na matriz curricular do ensino de
Filosofia foi preterida como ferramenta prioritária para pensar os grandes dilemas nacionais,
tarefa que ficou a cargo da sociologia. Conforme Cruz Costa (1967, p. 353),
28
[...] a inteligência brasileira se dá melhor, [...] com o trato de problemas concretos.
Isto é assim, porque as questões mais gerais estão contidas em problemas concretos
e vivos, porque tal tarefa se nos impõem com insistência, antes de nos lançarmos a
elucubrações mais largas e profundas [...].
Dessa forma, adequar o ensino de Filosofia às exigências da lei 10.639/03 é fazê-la
pensar alguns dos grandes problemas do Brasil, e portanto, trilhar um caminho nunca antes
trilhado pela disciplina em terras tupiniquins. Isso impõe a professores de Filosofia o desafio
de interpretar os dispositivos da lei 10.639/03 e transformá-los em conteúdos para serem
ensinados na educação básica. Deste modo, o ensino da Filosofia segundo Noguera (2014)
envolve as seguinte problematizações:
[...] o que é próprio da Filosofia que pode contribuir para horizontes antirracistas
na sociedade brasileira? O que a Filosofia tem a dizer sobre o racismo antinegro?
Existem pontos de contato entre a Filosofia e a história da África? As culturas
africanas e afrodiaspóricas, em especial a afro-brasileira, são relevantes para o
entendimento da Filosofia? Ou ainda, existe Filosofia africana e/ou Filosofia afro-
brasileira? (NOGUERA, 2014, p. 19).
Ora, essas problematizações por si só, independente de obterem uma resposta positiva
ou não, já representam um programa com potencial para levar para aulas de Filosofia parte
dos conteúdos prescritos pela lei 10639, todavia, a proposta de Noguera (2014) para levar
para a sala de aula os conteúdos prescritos pela lei e cumprir seu objetivo, que é combater o
racismo, envolve “uma contribuição e um esforço em favor da visibilidade da Filosofia
africana, da Filosofia afrodiaspórica e da Filosofia afro-brasileira para uma educação
antirracista.” (Idem, p. 20). Ou seja, estamos diante de duas propostas de transposição dos
conteúdos prescritos pela lei 10.639 para aulas de Filosofia, que são complementares: uma
mais especulativa e geral, focada em questionamentos que fazem a Filosofia se auto
questionar ao investigar a existência de referenciais até então ignorados pela história da
Filosofia, e outra mais específica, com potencial para igualar as relações étnico raciais e
combater de forma efetiva o racismo no ensino de filosófico, ao trazer a tona a realidade da
Filosofia africana, afrodiaspórica e afrobrasileira, para aulas de Filosofia na educação básica.
1.5.3 O ensino de Filosofia e a lei 10.639: condições atuais
É realmente um grande alento o fato de podermos contar com um livro dedicado
inteiramente ao ensino de Filosofia e da lei 10.639, como o do professor Renato Noguera
(2014), obra pioneira, que representa uma nova fase para o ensino de Filosofia na educação
básica. No entanto, a discussão sobre a aplicabilidade da lei ao ensino de Filosofia está no
29
início, bem como a tese que o professor Noguera desenvolve em seu livro sobre a existência
de uma Filosofia afrobrasileira. Dessa forma, antes de abordarmos as possibilidades para um
ensino de Filosofia em conformidade com as determinações da lei 10639, de forma mais
detida, como nos termos do livro supracitado (que ocorrerá no próximo capítulo), precisamos
abordar, ainda que de forma introdutória, as dificuldades mais gerais ligadas ao ensino de
Filosofia no Brasil atualmente, que giram em torno: da discussão teóricas sobre o ensino de
Filosofia, das condições adversas, tanto gerais como específicas, e, finalmente, as questões
ligadas ao currículo, a formação docente e aos materiais didáticos.
1.5.3.1 O ensino de Filosofia como questão filosófica
Conforme Alejandro Cerletti (2009), da mesma forma que não é possível encontrar
uma resposta única para a pergunta “que é Filosofia?”, sendo tal problemática tema próprio e
fundamental da Filosofia, também se constituirá uma problemática oferecer uma resposta para
a pergunta: “o que é ensinar Filosofia?”. Para Cerletti (2009), as diversas respostas possíveis à
pergunta “o que é Filosofia?” poderiam dar lugar a concepções diferentes de Filosofia e de
filosofar, tendo tais concepções formas diversas de interferir no sentido do ensinar Filosofia.
Dizendo de outra forma, cada concepção de Filosofia exige uma delimitação específica de seu
ensino. De acordo com Cerletti (2009, p. 11) “encontrar uma resposta unívoca para ‘que é
Filosofia’ não somente não é possível, mas cada uma das eventuais respostas poderia dar
lugar a concepções da Filosofia e do filosofar, o que influíra, por sua vez, sobre o sentido do
ensinar ou transmitir Filosofia”.
Conforme Cerletti, (2009) ainda, esse problema se daria porque cada filósofo ou
filósofa responde à pergunta “o que é Filosofia?” desde seu próprio horizonte teórico, o que
complica o diálogo com outras respostas feitas à mesma pergunta. Como consequência dessas
formas de se conceituar Filosofia, desconectadas umas das outras, surgem também formas de
se ensinar Filosofia desconectadas, ou pelo menos se incorre nesse risco. O que pode
representar um desafio ao ensino de Filosofia, uma vez que esta desconexão poderia
transmitir a falsa ideia de que as diversas formas de se conceituar e ensinar Filosofia não
dependem de um lastro que as ligue, quando, na verdade, conforme nossa compreensão, disso
pode depender a própria existência da Filosofia como disciplina escolar.
Não obstante, para Cerletti (2009), não se pode evitar que quem pretenda ensinar
Filosofia seja necessariamente conduzido a ensaiar uma resposta sobre “o que é Filosofia” e,
consequentemente, sobre “o que é seu ensino”. Dessa forma, o escopo da conceituação da
30
Filosofia e de seu ensino alarga-se cada vez mais. Como se, a cada tentativa, a possibilidade
de conceituação ficasse mais longe de uma forma universalmente instrumental e, portanto,
didática e possível de ser trabalhada em contextos diversos. Cerletti (2009, p.12) observa
ainda que “se a isso somarmos que nos interessa pensar o ensino de Filosofia em um contexto
educativo formal, isto é, naquele em que os conteúdos estão prescritos ou regulados pelo
Estado, o panorama se complexifica ainda mais”.
A discussão sobre a natureza do ensino de Filosofia nos termos de Cerletti (idem) é de
suma importância para a questão que esta dissertação coloca sobre o ensino de Filosofia e a
lei 10.639, pois, o engessamento da discussão sobre “o que é ensinar Filosofia” representa um
verdadeiro entrave a aplicação das exigências da lei, que não poderá contar com professores
preparados para pensar o ensino de Filosofia para além de seu referencial teórico principal.
1.5.3.2 Dificuldades materiais e gerais para o ensino de Filosofia
Além do aspecto teórico, devemos ter em conta também as condições materiais
precárias em que as aulas de Filosofia acontecem. Não se tratando de problemas específicos
de uma aula de Filosofia, mas das condições gerais da educação pública brasileira. Conforme
Ricardo Navia (2004), essas condições, que ele chama de “empobrecimento material do
sistema educativo estatal”, estariam no primeiro nível das dificuldades para uma aula de
Filosofia, sendo:
[...] as péssimas condições materiais em que se desenvolve o ensino médio público:
locais inadequados, falta de materiais e de livros, turmas superlotadas, docentes
pessimamente remunerados e "multi-empregados" que carecem de tempo para
atualização e adequado acompanhamento de seus alunos (NAVIA, 2004, p. 02).
Outros fatores apontados por Navia (idem) como adversos para o ensino de Filosofia,
que não serão comentados aqui por questão de espaço, são: a produção de uma “[...]
burocratização da estrutura educativa [...]”, que ele explica não se tratar de excesso de
funcionários, mas,“[...] que os funcionários políticos e administrativos costumam ter maior
poder de decisão do que os docentes e supervisores docentes de carreira.”, a “ [...] politização
dos cargos de direção educativa [...] ” e as “[...] condições socioculturais dos educandos [...] ”
dentre outros (NAVIA, 2004, p. 03).
Sobre as condições socioculturais dos educandos, Navia (2004) menciona famílias que
não podem custear os materiais indispensáveis para os estudos filosóficos, ausência de
bibliotecas e jornais que introduzem noções de cultura geral e habilidades linguísticas
mínimas. O autor está pensando as condições e adversidades para o ensino de Filosofia na
31
América Latina de forma geral, sempre tomando como exemplo o caso do Uruguai, país que
leciona a disciplina e reside. E, embora as condições adversas que ele aponta para o ensino de
Filosofia em sua maioria coincidam com a maioria dos países da América Latina, precisamos
perguntar: o que seriam condições socioculturais adversas para o ensino de Filosofia no
Brasil? Será que tem a ver com o fato de as famílias não poderem custear os materiais
indispensáveis para os estudos filosóficos ou não dispor de bibliotecas nem jornais que
introduzem noções de cultura geral e habilidades linguísticas mínimas apenas? Ora,
certamente a pergunta não pode ser respondida sem uma ampla discussão sobre os grandes
problemas da sociedade brasileira, dentre eles o racismo estrutural, mas, não sendo o objetivo
desta dissertação, iremos direto para um problema enfrentado na educação do Brasil, que
surge a reboque dos grandes dilemas sociais que o país vive: o desinteresse dos estudantes
1.5.3.2.1 O problema do desânimo
Uma reflexão sobre as dificuldades para o ensino de Filosofia na educação básica
precisa analisar de forma detida o desinteresse dos estudantes, pois, se trata de um problema
que atinge todas as disciplinas do ensino médio, sem exceção. É o que demonstra os dados de
uma pesquisa do Centro Brasileiro de Análises de Planejamento (CEBRAP) encomendada
pelo Ministério da Educação (MEC). Conforme o relatório:
[...] a pesquisa qualitativa pretendeu investigar que tipo de relação que os jovens
estabeleceram com a escola de Ensino Médio que frequentam (ou que frequentaram)
e qual o sentido que a escola e os conteúdos que compõem o quadro curricular têm
na [...] vida deles. [Conforme o relatório] por essa metodologia, [buscou-se] [...] um
instrumento que permitissem aos jovens falarem sobre a vida, suas paixões, bem
como sobre os sentidos da escola e do lugar que ela ocupa em suas prioridades e em
sua rotina. Essa etapa do trabalho foi elaborada a partir da coleta de dados por
intermédio de diferentes métodos: participação de jovens em grupos focais;
entrevistas em profundidade; e observação virtual, acompanhando veículos de
sociabilidade e diálogos entre jovens na internet, como redes sociais e fóruns de
discussão sobre escola e adolescência (TORRES et. al., 2013, p. 67).
A pesquisa, que ouviu cerca de 1000 jovens de baixa renda com idades entre 15 e 19
anos nas cidades de São Paulo e Recife revelou que a maioria dos jovens ouvidos não
reconhece a utilidade do conteúdo das disciplinas nas aulas. Conforme o relatório (2013), não
obstante o fato de matérias mais canônicas como Português e matemáticas serem
relativamente bem aceitas, o mesmo não pode ser dito de disciplinas do campo das ciências
exatas como Química e Física, e também as disciplinas ligadas à área das Humanidades e
Ciências Sociais, a exemplo de Geografia, Filosofia e Sociologia, e Literatura. O relatório
32
(2013) aponta que, enquanto, 78,8% e 77,6% consideram Língua portuguesa e Matemática,
respectivamente, as áreas do conhecimento mais úteis, 36% dos entrevistados consideram
Geografia, História e Biologia descartáveis. E, apenas 19 % consideram Literatura importante.
A Filosofia foi considerada importante por 24,9 %. Segundo o relatório, a construção dessas
categorias no questionário quantitativo foi produzida a partir da narrativa dos participantes da
pesquisa qualitativa. Onde o sentido de uma disciplina era associado ao uso instrumental dos
seus conteúdos no cotidiano dos estudantes.
Com base nas informações do relatório, existe uma tríade de disciplinas que são mais
resistentes ao desinteresse: matemática, língua portuguesa e história. O estudo analisou o
desânimo dos alunos de baixa renda dentro do contexto geral da percepção que eles têm da
escola pública, depreciada por eles, dentre outros motivos: pela precariedade de seu espaço
físico, pela falta de recursos para as aulas, ausências de tecnologias e pelo aparato de
vigilância que a escola dispõe. Além da visão negativa que o estudante tem da escola pública,
há ainda os problemas específicos de cada disciplina, que contribuem para o desânimo. No
que diz respeito a Filosofia, por exemplo, o professor Marcos Alexandre Alves (2013, p. 31)
fala em “[...] preguiça mental [...]”. Termos como este, embora apontem para
responsabilidade dos alunos, ignorando a face sistêmica do problema, são importantes para a
reflexão sobre o desinteresse em aulas de Filosofia por revelarem indícios da existência de
fatores geradores de desinteresse específicos de aulas de Filosofia, pois, Alves (2013) fala em
um tipo de “preguiça mental” específica para pensar questões filosóficas. Desta forma, o
desinteresse em aulas de Filosofia, de forma específica, pode não estar nos alunos, ou nas
condições gerais da educação brasileira, embora eventualmente alunos possam ser
preguiçosos e certamente que as condições gerais da educação no Brasil agravam o
desinteresse. Todavia, esta é uma hipótese que não poderá ser confirmada sem que se façam
pesquisas muito específicas, sendo o objetivo deste tópico apresentar o desinteresse pela
Filosofia como um dos desafios que o seu ensino enfrenta no Brasil.
1.5.3.2.2 A falta de condições pedagógicas para um ensino de Filosofia em conformidade
com a lei 10639
Além das dificuldades teóricas e mais gerais que o ensino de Filosofia enfrenta, os
professores se deparam ainda com grandes dificuldades relacionadas especificamente ao
campo pedagógico. No que diz respeito a isto, o professor Renato Noguera (2014) em livro
33
intitulado “O ensino de Filosofia e a lei 10.639/03” apresentou os resultados preliminares de
uma pesquisa realizada pelo Grupo de estudos de Filosofia africana “Gefa”, grupo de trabalho
(GT), que integra uma das linhas de pesquisa do Afrosim, o grupo de pesquisa
Afroperspectivas, Saberes e Interseções da Universidade Federal Rural do Rio De Janeiro
(UFRRJ), que é coordenado por Noguera. A pesquisa, que ouviu pessoas presencialmente e
através de uma ferramenta da internet sobre as dificuldades docentes à implementação da lei
10639, conforme Noguera (2014, p. 15) “[...] aponta de modo panorâmico alguns desafios que
a legislação impõe”. Um dos desafios mais notáveis constatados pela pesquisa se refere a
grande carência na formação de profissionais preparados para um ensino em nível médio
voltado para as diretrizes de uma educação das Relações Étnico Raciais e ensino da história e
culturas afro-brasileira e indígena.
A pesquisa revelou que, embora 84.6 % das pessoas entrevistadas tivessem
conhecimento que as alterações na Lei de diretrizes e Bases da Educação (LBD) tornaram
obrigatórios os conteúdos de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena, 76, 9 % dos
professores e professoras de Filosofia não cumprem essa obrigação legal e 100 % não tiveram
esses conteúdos em sua formação docente. A pesquisa chama atenção ainda para o fato de que
92,3 % dos professores entrevistados se formaram após a LDB tornar obrigatória o ensino de
história e cultura afro-brasileira, africana e indígena, e que, mesmo assim, 100 % não
aprenderam nada a respeito dos conteúdos que a lei tornou obrigatórios. Desses 100 %, 76, 9
% admitem sentir necessidade de formação complementar por não saber como atuar para o
cumprimento da lei (NOGUERA, 2014, p. 16).
A pesquisa aponta ainda que outra reclamação desses professores e professoras é a
ausência de material didático e paradidático que promova um ensino de Filosofia que atenda
minimamente os critérios legais estabelecidos pelo ministério da educação para uma educação
para as relações étnico-raciais. Dessa forma, a ausência de material didático e paradidático
voltados para apoiar professores no cumprimento da lei 10.639/03 é um dos grandes desafios
a serem transpostos por professores de Filosofia comprometidos com uma educação para as
relações étnico-raciais, ao lado da reforma curricular universitária nos cursos de graduação de
Filosofia, através da inclusão de conteúdo afrocentrados, e da busca de formação continuada
na área da educação para relações étnico-raciais. No próximo capítulo esta dissertação tratará
de alguns caminhos e possibilidades teóricas e práticas para o enfrentamento do problema que
constitui a falta de material didático e paradidáticos voltados para apoiar professores no
cumprimento da lei 10.639/03, que foram utilizados como referencial para a adequação e
34
transformação do card game Combate Filosófico em um material didático voltado para apoiar
professores de Filosofia no cumprimento da lei 10.639/03.
35
2 POSSIBILIDADES E CAMINHOS PARA UM ENSINO DE FILOSOFIA
EM CONFORMIDADE COM A LEI 10.639
Não obstante as dificuldades para um ensino de Filosofia em conformidade com a lei
10639, talvez o caminho mais difícil a ser trilhado por quem deseja cumprir as determinações
da lei seja o caminho teórico. Quadro que podemos justificar de duas formas: em primeiro
lugar, conforme o professor Renato Noguera (2014), as Orientações Curriculares Nacionais
para o Ensino Médio publicadas três anos após a promulgação da lei 10639 não abordaram
diretamente as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de História e Cultura Afro-
Brasileira e Africana em aulas de Filosofia, além de ter dado centralidade a história da
Filosofia sem maiores problematizações sobre ela. O documento pontua tão somente que
[...] cabe insistir na centralidade da história da Filosofia como fonte para o
tratamento adequado de questões filosóficas. Com efeito, não realizamos no Ensino
Médio uma simplificação ou uma mera antecipação do Ensino Superior e sim uma
etapa específica, com regras e exigências próprias, mas essas só podem ser bem
compreendidas ou satisfeitas por profissionais formados em contato com o texto
filosófico e, desse modo, capazes de oferecer tratamento elevado de questões
relevantes para a formação plena dos nossos estudantes (BRASIL, 2006, p.16).
Para Noguera (2014) a menção que o documento faz a história da Filosofia sem
maiores problematizações torna-se um desafio para um ensino de Filosofia conforme a lei
10639, uma vez que “[...] recorrer à história da Filosofia não dá conta dos conteúdos
estipulados pela Lei 10.639/03.” (NOGUERA, 2014, p, 84).
Colocada essa primeira dificuldade no caminho teórico para a construção de uma aula
de Filosofia em conformidade com a lei 10639, chegamos ao impasse que nos leva à segunda,
que é, a busca por um referencial teórico a ser utilizado por professores de Filosofia como Sul
para uma abordagem da história da Filosofia que dê conta dos conteúdos estipulados pela lei
10639.
Noguera (2014) em seu livro “Ensino de Filosofia e a lei 10639” apresenta propostas
para elucubrar ambas as questões. Sobre a história da Filosofia não dar conta dos conteúdos
estipulados pela lei 10639, ele propõe que a história da Filosofia seja reescrita com a
ampliação do número de filósofos e filósofas do mundo inteiro, dando um destaque numérico
especial para nomes africanos. Sobre o referencial teórico, ele apresenta o conceito de
Filosofia Afroperspectivista, que em linhas gerais, oferece os parâmetros para o exercício
teórico de reescrita da história da Filosofia conforme os requisitos da lei 10639 que ele
36
propõe. Antes de detalharmos a proposta de Noguera (2014) para a construção de uma história
da Filosofia ampliada, vamos conhecer melhor o seu conceito de Filosofia afroperspectivista.
2.1 A FILOSOFIA AFROPERSPECTIVISTA
Conforme Renato Noguera (2014, p.45), a Filosofia afroperspectivista, ou
simplesmente afroperspectividade “[...] é uma linha ou abordagem filosófica pluralista que
reconhece a existência de várias perspectivas. Sua base é demarcada por repertórios africanos,
afrodiaspóricos, indígenas e ameríndios”. A nova abordagem filosófica proposta pela
Filosofia afroperspectivista tem como referência, segundo o autor supracitado, o
Quilombismo, a Afrocentricidade e o Perspectivismo Ameríndio. Esse amálgama de
conceitos, que fornecem os elementos que compõem a Filosofia afroperspectivista tiveram
suas contribuições para a construção do novo conceito organizados por Noguera (2014, p. 46)
da seguinte forma:
[...] a formulação política do quilombismo de Abdias do Nascimento e alguns
aspectos da formulação intelectual feita por Molefi Asante, articulados com certas
questões suscitadas pela etnologia amazônica de Eduardo Viveiros de Castro, são as
fontes do que denomino Filosofia afroperspectivista.
Visando obter um melhor entendimento dos conceitos em voga, sendo: o
Quilombismo, o Afrocentrismo e Perspectivismo ameríndio, passamos agora a expor de
forma breve mais detalhes sobre cada conceito, a começar pelo Quilombismo.
Noguera (2014, p. 48) nos informa que o quilombismo consiste em uma
[...] releitura do pan-africanismo que, apesar da crítica ao capitalismo, não significa
adesão ao socialismo. O comunitarismo não se assemelha ao comunismo de Marx.
[...] Marx usa bases epistemológicas racistas e opera dentro de uma lógica
supremacista branca. O quilombismo se assenta numa cosmovisão que tem nas
sociedades ancestrais africanas um importante cânone. Ora, esse cânone está longe
das ideologias românticas de salvação ou síntese dialética, mas se encontra dentro de
um entendimento de que a Filosofia política sempre passa por uma cosmovisão
espiritual. [..] Como sistema econômico o quilombismo tem sido a adequação ao
meio brasileiro do comunitarismo [...]
No que se refere ao Afrocentrismo, o professor Molefi Kete Asante (2010, p. 01)
explica que é “[...] um paradigma baseado na ideia de que os povos africanos devem reafirmar
o sentido de agência para atingir a sanidade”. Neste sentido se trata de um método
revolucionário por tentar responder à pergunta, “o que as pessoas africanas fariam se não
existissem pessoas brancas? ”, resgatando a centralidade do sujeito africano dentro do
contexto histórico africano em um exercício de pensar a realidade africana sem ter a Europa
como centro. Noguera (2014) considera importante pontuar que Afrocentricidade não é uma
37
versão africana e negra do Eurocentrismo, tendo em vista que enquanto a “[...] a
afrocentricidade condena a valorização etnocêntrica às custas da degradação das perspectivas
de outros grupos [...], o eurocentrismo apresenta a história particular e a realidade dos
europeus como o conjunto de toda a experiência humana [...]” (NOGUERA, 2014, p. 48).
O Afrocentrismo enquanto método de pesquisa possui três características:
1. O método afrocêntrico considera que nenhum fenômeno pode ser apreendido
adequadamente sem ser localizado primeiro. Um fenômeno deve ser estudado e
analisado a partir das relações de tempo e espaço psicológicos. Ele deve sempre ser
localizado. Ou seja, este é o único modo para investigar as complexas interrelações
entre ciência e arte, projeto e execução, criação e manutenção, geração e tradição e
tantas outras áreas atravessadas pela teoria. 2. O método afrocêntrico considera o
fenômeno múltiplo, dinâmico e em movimento e, portanto, ele é imprescindível para
uma pessoa anotar cuidadosamente e registrar de modo preciso a localização do
fenômeno em meio às flutuações. O que significa que o(a) investigador(a) deve
saber onde ele ou ela se encontra no processo. 3. O método afrocêntrico [...] é uma
forma de crítica cultural que examina a ordem e os usos etimológicos das palavras e
termos para reconhecer a localização das fontes de um(a) autor(a). O que nos
permite articular idéias com ações e ações com idéias baseado no que é pejorativo e
ineficaz, e, baseado no que é criativo e transformador em níveis políticos e
econômicos (ASANTE, 2010, p.3)
Para Noguera (2014), portanto, a afrocentricidade além de uma teoria é também um
método que surge para resistir ao racismo ao tentar recolocar os povos negros dentro de seus
contextos históricos e culturais depois de um deslocamento provocado pelo racismo.
Já o Perspectivismo Ameríndio do antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Castro
(2002, p. 02), invertendo o argumento central do multiculturalismo, postula que dentro da
visão ameríndia existe uma cultura e diversas naturezas:
[...] esse reembaralhamento dos cards conceituais leva-me a sugerir o termo
‘multinaturalismo’ para assinalar um dos traços contrastivos do pensamento
ameríndio em relação às cosmologias ‘multiculturalistas’ modernas. Enquanto estas
se apóiam na implicação mútua entre unicidade da natureza e multiplicidade das
culturas — a primeira garantida pela universalidade objetiva dos corpos e da
substância, a segunda gerada pela particularidade subjetiva dos espíritos e do
significado [...] —, a concepção ameríndia suporia, ao contrário, uma unidade do
espírito e uma diversidade dos corpos. A cultura ou o sujeito seriam aqui a forma do
universal, a natureza ou o objeto a forma do particular.
Partindo do multiculturalismo, portanto, Viveiro de Castro (2002) cria o conceito de
multinaturalismo, base do Perspectivismo ameríndio. Conforme Noguera (2014, p.50):
[...] para o antropólogo [Viveiros de Castro], ao invés de supor, tal como na
cosmovisão ocidental, uma natureza e diversas culturas, dentro da cosmovisão
ameríndia existe uma única cultura compartilhada por todos os seres humanos,
povos e os outros animais, mas muitas naturezas. [Dessa forma, prossegue Noguera]
A chave para a leitura do perspectivismo ameríndio está na definição da
perspectividade como capacidade ou potência para ocupar outro ponto de vista, isto
é, o multinaturalismo remete a práticas corporais. Não se trata de uma diversidade
cultural, tampouco o corpo entendido como “uma fisiologia distinta ou uma
38
anatomia característica; é um conjunto de maneiras e modos de ser que constituem
um habitus, um ethos” [...].
Para concluir essa parte, que trata dos conceitos que fornecem os elementos que
compõe a Filosofia afroperspectivista, sendo, o quilombismo de Abdias do Nascimento, o
Afrocentrismo de Molefe Keite Asante e o Perspectivismo Ameríndio de Eduardo Viveiros de
Castro cabem algumas palavras de Renato Noguera (idem), principal nome ligado ao conceito
e seu criador:
[...]a Filosofia afroperspectivista é devedora da afrocentricidade, do perspectivismo
ameríndio e do quilombismo, uma maneira de filosofar que parte de um pressuposto
geopolítico de que grupos humanos se organizam em busca de hegemonia. A disputa
acadêmica — e, de modo mais geral, toda querela intelectual — faz parte de agendas
políticas. Nosso intuito é favorecer uma política intelectual que amplie as
possibilidades.
A Filosofia Afroperspectivista conta com um método próprio de análise e criação
filosófica: a Roda. Conforme Noguera (idem):
[...]a Filosofia afroperspectivista usa a roda como método de exercício filosófico, um
“modelo” inspirado em rodas de samba, candomblé, umbanda, jongo e capoeira, que
serve para colocar as mais variadas perspectivas na roda antes de uma alternativa ser
alcançada.
O processo criativo na roda de Filosofia tem as seguintes características
[...]o seu funcionamento é semelhante ao exercício de versar nas rodas de partido-
alto, em que cada partideiro ou partideira clama um verso que serve de razão para
ser confrontado ou apoiado por outra(o) partideira(o). No caso da roda de Filosofia,
as ideias são apresentadas pelas pessoas que integram a roda, e o embate intelectual6
segue como base para um texto coletivo. Cada pessoa apresenta o seu argumento
dentro da roda e procura responder as contradições de modo resumido, com
conceitos ancorados em argumentos trabalhados numa métrica filosófica
afroperspectivista. O texto coletivo é o resultado da roda, sempre assinado pelos
vários parceiros de caminhada filosófica (Idem).
2.2 A HISTÓRIA DA FILOSOFIA DENTRO DOS PARÂMETROS DA LEI 10639/03
Depreende-se de Renato Nogueira (2014, p. 52) que, uma história da Filosofia de
acordo com a Filosofia afroperspectivista, portanto, com potencial para atender as exigência
da lei 10.639, passa inevitavelmente por uma “[...] revisão responsável e cautelosa da
historiografia filosófica e das fontes que informam que textos filosóficos anteriores aos gregos
não são quimeras ou suposições”.
No que se refere ao primeiro ponto, ou seja, de revisar a historiografia filosófica
europeia, para Noguera (2014), o exercício de investigação crítica, que problematiza as
6 grifo nosso.
39
próprias bases da Filosofia ocidental, é importante para a abertura de novas modalidades
filosóficas de pensamento. Conforme Noguera (idem), esse “exercício de investigação
crítica”, que antecede a busca por novas modalidades filosóficas de pensamento, cerne da
questão em torno da lei 10639 que segundo o autor, passa pela revisão de certos eixos
geopolíticos e a desnaturalização do caráter eminentemente europeu que impregna a Filosofia.
Passamos a abordar agora esses dois pontos a reboque da revisão das fontes que trazem a
problemática dos textos filosóficos anteriores ao gregos.
2.2.1 Centralidade grega na antiguidade e racismo epistêmico
A considerar a importância da centralidade grega na antiguidade para a historiografia
filosófica europeia, um importante eixo geopolítico a ser investigado com vias a revisar a
historiografia filosófica é o que diz respeito ao “racismo epistêmico [ser um] dos fios
condutores mais decisivos na centralidade grega da Antiguidade” (Noguera, 2014, p. 53).
Sobre este ponto Noguera (2014, p. 56) afirma que
[...] se, de acordo com a historiografia filosófica hegemônica a respeito da
Antiguidade, os trabalhos africanos, assim como outros que não sejam ocidentais,
são terminantemente desconhecidos ou “esquecidos”, pode ser menos por ignorância
do que por orientação política. É preciso que as pesquisas na área de Filosofia
possam romper com esse preconceito e retomar elementos do espírito filosófico
como a capacidade de problematizar radicalmente e especular sistematicamente
sobre a realidade.
Algumas pesquisas têm rompido com o pré-conceito contra a produção filosófica
africana e oriental abrindo caminho para o surgimento de teses que contribuem para o
enfraquecimento da teoria, quase canônica, de que a Filosofia é um saber originalmente
europeu. Dentre essas teses estão as contribuição do cientista senegalês Cheikh Anta Diop, do
orientalista Português José Nunes Carreira e do pesquisador Guianes Jeorge G. M. James.
Conforme Noguera (2014), os resultados da pesquisa de Diop (1954, 1967, 1977)
foram de suma importância para o debate sobre a contribuição dos Africanos para a
construção do conhecimento filosófico. Após questionar a ausência das produções africanas
nas agendas de pesquisa da Filosofia e da História, o cientista senegalês demonstrou
empiricamente que os egípcios da antiguidade eram uma civilização negra. Em acordo com
George G. M James, Diop também se posicionou em favor da existência de escolas filosóficas
egípcias anteriores e contemporâneas as famosas escolas gregas dos pré-socráticos, que teriam
inaugurado o pensamento filosófico com a discussão cosmológica, um ponto de vista que
ganhou bastante força com a demonstração da negritude dos egípcios.
40
Mais longe, porém menos contundente do que Diop, foi George M. G. James (2005)
com sua polêmica teoria do “Legado Roubado”. Conforme Noguera (2014) a polêmica tese
do “Legado Roubado, postula que os primeiros filósofos gregos, os pré-socráticos,
aprenderam procedimentos filosóficos com os egípcios antigos e não lhes deram o devido
crédito, o que contribuiu para que esse pensadores não fossem arrolados pela história como
filósofos, e como consequência, via de regra, não aparecem nos manuais e compêndios de
história da Filosofia. Segundo James (2005) os filósofos Pitágoras de Samos e Tales de
Mileto estão entre os nomes gregos que receberam sua formação filosófica no Egito antigo.
Para Noguera (2014) as pesquisas de Diop confirmaram a tese de James sobre a presença de
Tales no Egito para estudos filosóficos.
Para José Nunes Carreira (1994) a Filosofia começou no Vale do rio Nilo com
Imhotep em 2700 antes de a. C, portanto, mais de dois mil anos antes da primeira tese
cosmológica grega. A posição de Carreira é endossada pelas pesquisas de Théophile Obenga.
De acordo com Noguera (2014), Obenga, que além de filósofo é arqueólogo e historiador,
especialista em hieróglifos pontua que
[...] no Egito antigo existia um termo que circunscrevia Filosofia, sabedoria e
ciência: rekhet. No caso da Filosofia, o termo remete à ideia de mdt nfr, que
podemos traduzir como palavra bem-feita ou palavra bonita, fala bem esculpida e
cuidadosamente talhada (NOGUERA, 2014, p. 56).
As palavra de Obenga estão bem longe de serem consideradas mera especulação, antes
podem ser confirmadas por fontes textuais egípcias anteriores aos textos mais antigos dos
filósofos pré-socráticos. Conforme Noguera (2014), o filósofo egípcio Ptahhotep deixou
registros importantes sobre a prática filosófica no Egito antigo, que era considerada uma
forma de arte capaz de aperfeiçoar a palavra direcionando-a para a verdade. Ptahhtep (2000)
se refere a rheket nos seguintes termos: “pois os limites da arte não podem ser alcançados e a
destreza de nenhum artista é perfeita” (PTAHHOTEP, 2000, p. 247). Para Noguera (2013b, p.
146) “[...] o caráter inconcluso do rekhet indica que a dissecação perfeita nunca é alcançada,
se trata de um artesanato do pensamento que está em contínuo curso”, portanto, uma forma de
ver a realidade muito próxima das primeiras definições gregas de Filosofia.
Tendo sido feitas essas considerações sobre a problemática trazida pela Filosofia
egípcia antiga, chegamos ao ponto fulcral deste tópico, que diz respeito ao racismo epistêmico
ser o fio condutor da centralidade grega na antiguidade. Para começar nossa análise,
consideramos importante explicitar o conceito de Racismo Epistêmico. Para Noguera (2014,
p. 27), “racismo epistêmico remete a um conjunto de dispositivos, práticas e estratégias que
41
recusam a validade das justificativas feitas a partir de referenciais filosóficos, históricos,
científicos e culturais que não sejam ocidentais.”
Conforme Noguera (2014) ainda, no caso específico da Filosofia, o racismo
epistêmico postula que apenas o mundo ocidental tem condições de garantir a filosoficidade
de um saber, sendo filosoficidade o elemento capaz de diferenciar o saber filosófico de outros
saberes não filosóficos.
Para Noguera (2014) o argumento da “filosoficidade” tem origem no racismo
epistêmico por não atender a um critério verdadeiramente filosófico e sim a uma falácia
oriunda do eurocentrismo. Essa falácia postula que um saber só pode ser efetivamente
filosófico, ou seja, preencher certos critérios que diferenciam a Filosofia dos outros saberes,
como já foi explicado, a dita “filosoficidade”, caso sua produção ocorra no ocidente (Europa)
e diante de certas condições políticas e culturais específicas, que se ligam invariavelmente a
pressupostos e temas originalmente gregos. Dessa forma, a considerar a ação do racismo
epistêmico sob os saberes não ocidentais a conclusão não poderia ser outra:
[...] se a Filosofia ocidental tem historicamente sido constituída por uma visão
etnocêntrica — no caso, o eurocentrismo ou excentricidade —, essa visão tenderia a
excluir outros estilos, linhas e abordagens filosóficos, negando a legitimidade
epistemológica dessas abordagens filosóficas que não são ocidentais (Noguera,
2014, p. 28).
A considerar esses argumentos fica explicada a rejeição a priori dos textos egípcios
antigos reivindicados como filosóficos pelos autores supracitados. A rejeição “a priori” se
refere ao fato de que os textos egípcios, como regra, não chegam a ser considerados se quer
para sua rejeição, situação construída e sustentada pelo racismo epistêmico, que ao rechaçar
outros centros de produção filosófica, como as escolas egípcias, por exemplo, garante a
centralidade da Filosofia grega na antiguidade.
2.3 A DESNATURALIZAÇÃO DO CARÁTER EMINENTEMENTE EUROPEU QUE
IMPREGNA A FILOSOFIA E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA A EDUCAÇÃO
Conforme o professor Renato Noguera (2014) o continente europeu deixou sua
assinatura na história da Filosofia por meio do conjunto de temas canônicos que se
estabeleceu e se tornou hegemônico. Para sociólogo
Ramón Grosfoguel (2010), apud
NOGUERA (2014), a Filosofia Ocidental privilegia a “egopolítica do conhecimento” em
detrimento da “geopolítica do conhecimento”. Noguera (2014) coloca que em termos práticos
isso significa que este conjunto canônico de temas, embora esteja referenciado em uma região
42
geopolítica do mundo ocidental, que é a Europa, se apresenta como portador de um
conhecimento capaz de alcançar a consciência universal. Desta forma, as questões filosóficas
“universais” estariam postas desde o primeiro filósofo grego, conforme a tradição, Tales,
Sócrates ou Platão, até o último grande nome da Filosofia contemporânea, sendo consideradas
particularistas as questões dos povos não ocidentais.
Para Noguera (2014) está em jogo a colonialidade, conceito criado pelo sociólogo
peruno Annibal Quijano para explicar “[...] às condições de estabelecimento do capitalismo
como padrão de funcionamento mundial, operando através da ‘imposição de uma
classificação racial-étnica da população do mundo’” (NOGUERA, 2014, p. 26). Conforme
Wendell Ficher Teixeira Assis Wendell (2014) com o conceito de colonialidade Aníbal
Quijano procurou explicar processos que transcendem o colonialismo histórico, pois tais
processos embora tenham se originado com e a partir dele, não teriam desaparecido devido a
ação dos movimentos de independência e consequentemente descolonização que lhes deram
fim. Para Quijano (2010) portanto, esse quadro criou a necessidade teórica de distinguir
colonialidade e colonialismo. Uma distinção que o sociólogo peruano fez recorrendo ao
conceito de colonialidade para explicar a continuidade das formas coloniais.
Conforme Noguera (2014) a colonialidade opera por meio de dispositivos7 tendo um
específico para o conhecimento, que se refere a validade dos saberes e da produção
intelectual. Depreende-se de Noguera (2014) que para a compreensão deste dispositivo é
necessário atentar para os efeitos do processo colonizador, que teria resultado na
desconstrução de estrutura sociais autóctones fora da Europa, reduzindo os saberes dos povos
colonizados a categoria de crenças ou pseudos saberes. Para Noguera (2014, p. 27) “essa
hegemonia, no caso do continente africano, passou a desqualificar e invisibilizar os saberes
tradicionais, proporcionando uma completa desconsideração do pensamento filosófico desses
povos”. Neste sentido, o racismo antinegro assume uma categoria especifica que se chama
racismo epistêmico.
Como já vimos, Noguera (2014, p. 27) defini racismo epistêmico como “[...] conjunto
de dispositivos, práticas e estratégias que recusam a validade das justificativas feitas a partir
de referenciais filosóficos, históricos, científicos, e culturais que não sejam ocidentais”
(idem). Ainda conforme o autor, a colonialidade impregna e constitui a produção filosófica
hegemônica, fazendo da Filosofia acadêmica uma atividade intelectual atravessada pelo
7 Os demais dispositivos apresentados por Renato Noguera nesta ordem atuariam sobre: o trabalho e os seus
produtos, o meio ambiente e os seus recursos de produção, o sexo e os seus produtos, a subjetividade e os seus
produtos e a autoridade e seus instrumentos de regulação das redes sociais. Conforme Noguera (2014, p. 26-27)
o conhecimento se enquadraria na categoria “sexo e seus produtos”.
43
racismo epistêmico ao sustentar, dentre outras formas, que apenas o mundo ocidental pode
garantir a filosoficidade de um saber.
Para Noguera (idem), portanto, é oportuno fazer um exercício filosófico de análise das
relações entre colonialidade, eurocentrismo e Filosofia, sendo tal análise indispensável para se
avançar na busca por geopolíticas que problematizem a perpetuação das relações assimétricas
de poder inerentes ao conhecimento. Neste sentido, ganha significativa importância a
problemática trazida por Wanderson Flor do Nascimento e Denise Botelho, que oferecem um
panorama dos efeitos do racismo epistêmico e da operação da colonialidade na produção
Filosofia mundial afirmando que
[...]embora a Filosofia, na contemporaneidade, seja produzida nos cinco continentes
e com conceitos importantes sendo produzidos em todos eles, o locus privilegiado
de enunciação da Filosofia segue sendo eurocêntrico. A marca mais importante deste
fenômeno se mostra no fato de que nos currículos dos cursos de Filosofia de todo o
mundo aparece um cânone comum que é basicamente europeu8 (com parcas
contribuições norte-americanas). A própria historiografia da Filosofia é
eurocentrada, o que acaba por invisibilizar as produções existentes fora da Europa e
Estados Unidos (FLOR DO NASCIMENTO; BOTELHO, 2010, p. 82).
O quadro descrito por Flor do Nascimento e Botelho (2010) se reflete de forma
nefasta na educação básica de países como o Brasil, onde conforme Katiuscia Ribeiro (2017,
p. 46):
[...] a supremacia racial eurocêntrica traduz, entre outras coisas, a ausência de
conteúdos que valorizem o legado e a história dos povos negros nas ementas
escolares, subtraindo o lugar existencial desses povos. Essa ação é proposital nas
ideologias do racismo, parasitando essa população, sobretudo as crianças negras
no período escolar9.
Neste sentido a discussão sobre o desinteresse de estudantes em aulas de Filosofia
abordado no capítulo um poderia ser encarado como uma consequência do racismo
epistêmico, obviamente sem prejuízo das dificuldades de caráter estrutural mencionadas no
mesmo capítulo. De forma que o racismo epistêmico poderia ser integrado ao quadro geral de
dificuldades para uma aula de Filosofia como uma das grandes questões teóricas envolvidas.
2.3.1 O racismo epistêmico como fator potencial para o desinteresse em aulas de
Filosofia: uma discussão importante
Conforme a professora Marilena Chauí (2005), uma das principais causas do
desinteresse pela Filosofia de forma geral se refere ao fato de ela não ter sua utilidade
reconhecida pelas pessoas comuns, sendo esta, na opinião da autora, uma das principais
8 Grifo nosso.
9 Grifo nosso.
44
causas do desinteresse pela Filosofia também na sala de aula. Chauí (2005) explica, de forma
detalhada, de que forma esse argumento, que conforme ela é um pré-conceito em relação à
Filosofia, se concretiza na pergunta que já se tornou famosa entre os estudantes de Filosofia:
“afinal, para que serve a Filosofia?”. Conforme a autora,
[...]em geral, essa pergunta costuma receber uma resposta irônica conhecida dos
[...]estudantes de Filosofia: “a Filosofia é uma ciência com a qual e sem a qual o
mundo permanece tal e qual”. Ou seja, a Filosofia não serve para nada. Por isso,
costuma-se chamar de “filósofo” alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo
da lua, pensando e dizendo coisas que ninguém entende e que são completamente
inúteis (CHAUÍ, 2014, p. 20).
Para a autora, essa pergunta não deve passar despercebida, ao contrário, deve ser
tratada como um diagnóstico da posição que a Filosofia desfruta no senso comum, tendo em
vista que, ela não faz nenhum sentido em se tratando de disciplinas como a química, a física
ou a matemática, por exemplo. Chauí (2014, p. 20) explica que, “em nossa cultura e
sociedade, costumamos considerar que alguma coisa só tem o direito de existir se tiver
alguma finalidade prática muito visível e de utilidade imediata” como é o caso das disciplinas
anteriormente citadas. Deste modo, nas palavras da autora, o desinteresse pela Filosofia
poderia ser explicado, dentre outros motivos, devido a características das sociedades que
abrigam o saber como disciplina escolar.
Já para o professor Renato Noguera (2014), em linhas gerais, o senso comum vê a
Filosofia pela lente do que ele chama de “hipótese genérica”, um tipo de clichê que a
considera um saber sofisticado, com reconhecido e elevado status acadêmico, mas geralmente
dissociado da realidade. Em conformidade com Marilena Chauí (2014), Noguera (2014)
explica que existe uma ideia corrente no senso comum de que a Filosofia não serve para nada.
Mas, diferentemente dela, para Noguera, a Filosofia, entendida como um saber acadêmico
oficialmente constituído e certificado pelas universidades e como disciplina escolar detém
certas características que contribuem substancialmente para o fortalecimento destes
estereótipos que a ela são atribuídos.
Os argumentos de Noguera (2014) em seu livro sobre o ensino de Filosofia e a lei
10.639/03 parecem indicar que uma possível explicação para a força destes estereótipos
estaria, dentre outros fatores, no conjunto canônico de temas que ainda compõe o corpus
principal da atividade filosófica no ocidente. Conforme Noguera (2014, p.12) “[...] a
formação do campo da Filosofia tem seus cânones. As questões incontornáveis consagradas
na história da Filosofia, como, por exemplo, a verdade”. Esse conjunto de temas que formam
“o campo da Filosofia”, por se mostrarem desconectados da experiência de vida das pessoas
45
comuns, em grande parte das vezes contribui com a ideia corrente no senso comum de que a
Filosofia não serve para nada e explicaria por que “filósofos e filósofas se ocupariam com
questões tão profundas10
que manteriam distância de eventos corriqueiros e
‘desinteressantes’” (NOGUERA, 2014, p. 13).
Mas o que poderia ser considerado, em sentido amplo, um evento corriqueiro e
desinteressante para um filósofo profissional? Noguera (2014) nos oferece uma pista ao
colocar que uma pessoa pode ter uma formação filosófica considerada boa sem examinar nem
de perto questões como: relações étnico-raciais, racismo antinegro, a relevância da história da
África para a história da Filosofia, os processos de subalternização das produções africanas e
afrodiaspóricas de conhecimento diante do processo de colonização. Certamente não é a
intenção de Noguera advogar que filósofos profissionais não reconhecem a relevância dos
temas listados, mas sim que, dificilmente os reconheceriam como legítimos para uma genuína
investigação filosófica. A esse conjunto de temas considerados inapropriados para uma
legítima investigação filosófica se somam uma gama de questões e temas que ao serem
ignorados contribuem substancialmente para que a Filosofia seja vista como uma área do
conhecimento que nada tem a ver com a realidade das pessoas comuns.
Dessa forma, concluímos esta breve análise da relação racismo epistêmico versus
desinteresse, considerando a existência de uma convergência para a tese de que o desinteresse
que se atribui aos estudantes da educação básica pela Filosofia (conforme a exposição feita no
capítulo um), não seria de fato pela Filosofia em sentido amplo, mas sim, por uma certa
perspectiva filosófica, que por ser eurocêntrica, não contempla as referências culturais e
experiência de vida dos estudantes.
2.4 A REVISÃO DA HISTORIOGRAFIA FILOSÓFICA EUROPEIA E A AMPLIAÇÃO
DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Os argumentos apresentados até o momento, no que se refere a lei 10.639 e o ensino
de Filosofia convergem para a necessidade de uma educação filosófica que se oponha ao
racismo epistêmico, ou seja, uma educação antirracista. Para a filósofa Katiuscia Ribeiro
(2017) o desafio proposto pela educação antirracista ao ensino de Filosofia é o
estabelecimento de formas de reforço subjetivo através da educação, para dessa forma ampliar
seus ensinos e permitir aos alunos um exercício responsável de si e dos outros, incorporando
10
Grifo nosso.
46
uma epistemologia afroperspectivista que seja capaz de trilhar novas possibilidades e
proporcionar uma efetiva descolonização do pensamento.
Neste sentido, a lei 10.639/3 seria a ponte entre as formas de educação hegemônicas
(baseadas no colonialismo) e uma educação comprometida com a descolonização do
pensamento, já que conforme Ribeiro (2017) a aplicação da lei 10.639/03 ao garantir a
reflexão sobre os saberes africanos nos espaços escolares, ampliando e reescrevendo a história
desses povos, poderia levar os alunos negros a refletir filosoficamente sobre seu lugar, (re)
construindo a referência positiva de sua história.
Trata-se, portanto, de contribuir com o combate ao desânimo dos alunos da educação
básica em aulas de Filosofia , bem como de outras áreas das humanidades, em grande parte
alunos negros, promovendo o deslocamento de uma perspectiva de educação filosófica de
base eurocêntrica e, que, portanto, será desinteressante para afrodescendentes e indígenas, por
desmerecer suas referências culturais, para uma educação filosófica Afroperspectivista, ou
seja, que resgate o protagonismo dos povos africanos, indígenas e afrodiaspóricos na
produção do pensamento filosófico. Conforme o professor Renato Noguera (2014, p. 66) “[...]
uma rica história da Filosofia precisa de um deslocamento do território geopolítico ocidental”.
O autor acrescenta que para que esse deslocamento se efetive é preciso que se cumpra os
dispositivos da lei 10639/03 construindo uma história da Filosofia ampliada com um elenco
de filósofas e filósofos do mundo inteiro, incluindo um vasto time africano. Uma tarefa que
segundo ele passa pelo duplo esforço de reescrever a História da Filosofia inserindo e
articulando a produção africana, asiática, ameríndia e escrever a História da Filosofia
Africana.
A proposta desta dissertação de transformar o card game Combate Filosófico em uma
ferramenta para ajudar professores de Filosofia a levar para o contexto de suas aulas os
conteúdos exigidos pela lei 10639 para uma educação filosófica para as relações étnico-raciais
se pauta parcialmente no primeiro esforço sugerido por Noguera, que diz respeito a reescrever
ou ampliar a História da Filosofia inserindo e articulando a produção africana e afrobrasileira
2.4.1 Os contornos da historiografia filosófica europeia e a crítica da periodização
quadripartite
A proposta de Renato Noguera (2014) explicitada no tópico anterior esbarra em
algumas questões teóricas ligadas a história da Filosofia, como por exemplo, o
questionamento dos limites da historiografia europeia. Esses limites, cujos contornos a lei
47
10.639/03 precisa “alterar” são evidentes na obra de autores brasileiros que tradicionalmente
se ocupam da história da Filosofia e são referência para o ensino da história da Filosofia nas
redes públicas, a exemplo de Danilo Marcondes (2010) e Marilena Chauí (2014).
O professor Danilo Marcondes, por exemplo, em livro intitulado “Iniciação a história
da Filosofia, dos pré-socráticos à Wittgensten”, divide a história da Filosofia em quatro
partes. A parte I ele chama de origens, a II Filosofia medieval, a III Filosofia moderna e a IV
Filosofia contemporânea. Todos os fatos importantes, e com fatos queremos dizer
formulações teóricas e conceitos, descritos por Marcondes (2010, p. 19) estão ligados a
regiões do ocidente, já que segundo ele:
[...] os diferentes povos do oriente – assírios e babilônicos, chineses e indianos,
egípcios, persas e hebreus -, todos tiveram visões próprias da natureza e maneiras
diversas de explicar os fenômenos e processos naturais. Só, os gregos, entretanto,
fizeram ciência, e é na cultura grega que podemos identificar o princípio desse tipo
de pensamento que podemos denominar, nesta sua fase inicial, de filosófico-
científico.
Da mesma forma que Marcondes (2010), a professora Marilena Chauí em seu manual
didático para o ensino médio intitulado “Iniciação à Filosofia” postula que “por estar na
história e ter uma história, a Filosofia costuma ser apresentada em grandes períodos que
acompanham, de modo mais geral, os períodos em que os historiadores dividem a história da
sociedade ocidental” (CHAUÌ, 2014, p. 51). Pois bem, o que Marcondes e Chauí, dois ilustres
comentadores da história da Filosofia no Brasil deixaram passar, e que será demonstrado no
próximo tópico, foi, que, a muito historiadores têm questionado a chamada “periodização
quadripartite ou quadripartismo”, esquema de repartição histórica adotada por ambos para
balizar a história da Filosofia, que por se tratar de uma divisão histórica da sociedade
ocidental, é insuficiente na tarefa de abarcar a história de toda a humanidade, tendo sido por
isso, objetada por historiadores.
Neste sentido, podemos perguntar: o que deixa uma pensadora do nível da professora
Chauí à vontade para atribuir a história da Filosofia, sem maiores problematizações, uma
forma de divisão histórica a muito objetada? A resposta é simples: mesmo motivo de
Marcondes, o fato de ela negar aos povos do oriente a condição de sujeitos de conhecimento,
quer seja ele filosófico ou científico, ficando assim “livre” para atribuir exclusivamente ao
ocidente (daí a escolha da periodização quadripartite) a invenção e o desenvolvimento do
pensamento científico e filosófico:
[...] os gregos transformaram em ciência [...] aquilo que era elemento de uma
sabedoria prática. Assim, transformaram em matemática o que os egípcios
praticavam como agrimensura para medir contar e calcular os terrenos após as
cheias do rio Nilo; transformaram em astronomia [...] a astrologia praticada por
caldeus e babilônicos como adivinhação e previsão do futuro; transformaram em
48
medicina aquilo que, nas culturas precedentes, eram práticas de grupos religiosos
secretos para cura misteriosa de doenças. [Chauí não para por aí e completa sua
argumentação “epistemicida” na página seguinte escrevendo que “ os gregos
inventaram não somente a ciência ou a Filosofia, mas também a política (CHAUÌ,
2014 p. 34 e 35).
A considerar os pontos defendidos por Marcondes e Chauí, dentre os vários desafios
teóricos que a “ampliação” da história da Filosofia apresenta a professores e professoras,
dois se mostram bastante urgentes: o avanço na discussão teórica sobre a existência de um
pensamento filosófico oriental produzido fora dos limites do ocidente e a busca por um
modelo de demarcação histórica mais próximo de uma verdadeira história total da Filosofia.
Mas antes que se chegue a ambos os objetivos, a considerar a especificidade do produto
didático proposto por esta dissertação, nos prenderemos por hora na crítica da periodização
quadripartite na historiografia filosófica.
2.4.1.1 A crítica da periodização quadripartite na história da Filosofia
No que diz respeito a crítica da periodização, para Leila Alvarenga Turini (2004) a
história organizada segundo o quadripartismo, História Antiga, Medieval, Moderna e
Contemporânea, consiste em uma premissa extremamente questionável por não levar em
conta a diversidade, a multiplicidade de tempos e a especificidade de cada realidade social e
cultural. Conforme Turini (2004, p. 98) “a história-conhecimento organizada segundo o
quadripartismo procura dar conta de tudo o que se passou com a humanidade, na pretensão de
uma história universal. ”, todavia, “ao estabelecer a divisão entre História Antiga, Medieval,
Moderna e Contemporânea, em uma perspectiva eurocêntrica, a periodização quadripartite
desconsidera a história dos povos não europeus”, ou pelo menos o seu protagonismo.
A periodização quadripartite é etnocêntrica e apresenta a visão das classes dominantes,
pois segundo Oliveira e Miranda (2014, p. 03):
[...] as rupturas apresentadas refletem como as mesmas percebem e discursam sobre
o vivido histórico. Em um processo de escolhas entre o que deve ser
lembrado/rememorado e o que será esquecido/apagado, geralmente resultou do
empenho dos vencedores. Karl Marx e Friedrich Engels nos lembram que “a
ideologia consiste em transformar as ideias da classe dominante em ideias
dominantes”. Periodizar é estabelecer marcos, sendo assim, este ato é ideológico,
tem seus condicionantes na sociedade que o concebe.
Para Marilena Chauí (2014), apud Oliveira e Miranda (2014), a mesma autora que
aplica a periodização quadripartite a história da Filosofia, é preciso “elucidar o sentido da
periodização oficial, de sorte a evidenciar que esta última não é uma ação teórica e
49
desinteressada, mas um Ato de Poder [...]. A periodização produz o lugar da história e, como
ele, o dá origem legítima do poder vigente (Idem, p.9)”.
Neste sentido, não seria um ato despretensioso a adoção desta mesma divisão
(periodização quadripartite) na história da Filosofia, mesmo sob a alegação de que a Filosofia
inexiste fora das “cercanias europeias” ou que “por estar na história e ter uma história, a
Filosofia costuma ser apresentada em grandes períodos [...] que acompanham a história”
(CHAUÌ, 2014, p.51), pois, como coloca a própria Chauí (2014) apud Oliveira e Miranda
(2014), elucidar o sentido da periodização oficial é necessário para evidenciar que ela não é
uma ação teórica desinteressada, mas um ato de poder. Este “ato de poder” operacionalizado
pela periodização quadripartite no caso da Filosofia objetivaria produzir “o lugar da história”
da Filosofia enquanto produto ocidental legitimando o poder que a sociedade ocidental tem
sobre o conhecimento filosófico.
O professor Mario Ariel González Porta (2007) questiona a periodização quadripartite
por sua falta de base filosófica. Segundo Porta (idem), a história da Filosofia carece de uma
divisão que atenda a critérios filosóficos, e neste sentido, ele aponta dois critérios para uma
divisão filosófica. O primeiro diz respeito a presença de fatores intra-sistemáticos de caráter
filosóficos, o segundo, de fatores evolutivos ou dinâmicos. Para Porta (idem) o
desenvolvimento do pensamento especulativo precisa compreender, além da diferença
essencial entre o pensamento de diferentes períodos, também o princípio interno que
determina a passagem de um pensamento a outro sem apelar para eventos históricos
consagrados pela história geral. Principalmente se esses eventos se referem somente uma
região do globo, já que, “[...] uma rica história da Filosofia precisa de um deslocamento do
território geopolítico ocidental” (NOGUERA, 2014, p. 66).
Este é o ponto fulcral da questão da crítica da periodização quadripartite na
historiografia filosófica, pois o deslocamento a que se refere Noguera (idem) redundará não
apenas na inclusão de nomes de filósofos estranhos a historiografia filosófica tradicional,
como na sua proposta de história ampliada da Filosofia, mas, também a uma nova forma de
divisão dessa historiografia. Pois, uma vez que a história da Filosofia é estendida com textos
filosóficos de outras regiões do globo, automaticamente estaremos diante da necessidade de
novos marcos para o balizamento dessa história.
Conforme o filósofo Alexandre Koiré (1982, p. 16) “a história da evolução espiritual
da humanidade apresenta uma complexidade incompatível com divisões categóricas e
radicais, [pois as] correntes de pensamento atravessam séculos inteiros, se superpõem e se
50
entrecruzam”. Neste sentido, nossas reflexões têm apontado para duas possibilidade: ou
opera-se uma ampliação das categorias da periodização quadripartite, que dizem respeito a
antiguidade, medievo, modernidade e contemporaneidade, como marcos atravessados pela
experiência europeia ocidental, para dessa forma incluir na divisão tradicional a experiência
dos povos desprivilegiados, e neste sentido não se falaria mais em Filosofia antiga grega ou
africana, mas, em Filosofia antiga com experiência africana, grega, indiana, chinesa; ou,
abandona-se a periodização quadripartite optando-se por uma divisão da história da Filosofia
que seja filosófica, e mais do que isto, que tenha potencial para ir além da experiência
europeia.
2.5 O JOGO EM QUESTÃO
De acordo com Tizuco Morchida Kishimoto (2002) definir jogo é uma tarefa
extremamente difícil. O autor aponta como exemplo para justificar essa dificuldade, dentre
outros, a variedade de fenômenos considerados como jogo. Sobre este ponto, inclusive, o
filósofo Wittgenstein fala em família de jogos, que inclui os diferentes tipos de jogos e suas
analogias. Para Wittgenstein (1975) por assumir significados diversos e vagos, jogo é um
termo impreciso. Confira abaixo a opinião do filósofo
[...] considere, por exemplo, os processos que chamamos de jogos [...]. Refiro-me, a
jogo de tabuleiro, de cards, de bola, torneios esportivos etc. O que é comum a todos
eles? Não diga: "Algo deve ser comum a eles, se não se chamariam jogos", - mas
veja se algo é comum a eles todos - Pois, se você os contemplar, não verá na
verdade algo comum a todos, mas semelhanças, parentescos, e até toda uma série
deles. Como disse: não pense, mas veja! - Considere, por exemplo, os jogos de
tabuleiro, com seus múltiplos parentescos. Agora passe para os jogos de cards: aqui
você encontra muitas correspondências com aqueles da primeira classe, mas muitos
traços desaparecem e outros surgem. Se passamos agora ao jogo de bola, muita coisa
comum se conserva, mas muitas se perdem. São todos 'recreativos'? Compare o
xadrez com o jogo da amarelinha. Ou há em todos um ganhar e um perder, ou uma
concorrência entre os jogadores? Pense nas paciências. Nos jogos de bola há um
ganhar e um perder; mas se uma criança atira a bola na parede e apanha outra vez,
este traço desapareceu. Veja que papéis desempenham a habilidade e a sorte. E
como é diferente a habilidade no xadrez e no tênis. Pense agora nos brinquedos de
roda: o elemento de divertimento está presente, mas quantos dos outros traços
característicos desapareceram! E assim podemos percorrer muitos, muitos outros
grupos de jogos e ver semelhanças surgirem e desaparecerem (WITTGENSTEIN,
1975, p. 42-3).
Essa grande imprecisão de termos resultou em uma robusta discussão sobre a natureza
do jogo, em que diversos autores tentaram apresentar perspectivas teóricas para caracterizar o
jogo. Veremos em seguida a posição de dois importantes nomes deste debate, Johan Huizinga
e Roger Callois.
51
Huizinga (2000) vê o jogo como um elemento da cultura, embora não omita em seus
estudos a existência do jogo fora do universo humano:
[...] os animais brincam tal como os homens. Bastará que observemos os
cachorrinhos para constatar que, em suas alegres evoluções, encontram-se presentes
todos os elementos essenciais do jogo humano. Convidam-se uns aos outros para
brincar mediante um certo ritual de atitudes e gestos. Respeitam a regra que os
proíbe morderem, ou pelo menos com violência, a orelha do próximo. (HUIZINGA,
2000, p. 05).
Conforme Kishimoto (2002) além da relação com a cultura, Huizinga (2000) pontua
como elementos constitutivos do jogo: o prazer, a irreverência, a liberdade, atividade não
ligada ao cotidiano, seu caráter fictício, e finalmente, as regras e a limitação no tempo e no
espaço. Mas sobre tudo, Huizinga coloca contra alguma perspectiva utilitarista envolvendo o
jogo que ele tem um fim em si mesmo. Este fim não está relacionado a fatores físicos ou
biológicos. Conforme Huizinga (2000, p. 6) “[...] o jogo, seja qual for sua essência, não é
material. Ultrapassa, mesmo no mundo animal, os limites da realidade física. Para Huizinga
(idem, p. 07) portanto,
[...] a existência do jogo não está ligada a qualquer grau determinado de civilização,
ou a qualquer concepção do universo. Todo ser pensante é capaz de entender à
primeira vista que o jogo possui uma realidade autônoma, mesmo que sua língua não
possua um termo geral capaz de defini-lo. A existência do jogo é inegável. É
possível negar, se quiser, quase todas as abstrações: a justiça, a beleza, a verdade, o
bem, Deus. É possível negar-se a seriedade, mas não o jogo.
Callois (1958), no geral, concorda com as características do jogo postas por Huizinga,
embora ele veja uma contradição entre o caráter fictício do jogo e sua regulação, e discorde do
papel que Huizinga atribui ao jogo na construção da cultura. Callois (1958) também
acrescenta uma nova característica ao jogo, a improdutividade. Sobre a contradição
encontrada em Huizinga Callois (1958, p. 29) afirma que:
[...] os jogos não são regulados ou fictícios. São antes, ou regulamentados ou
fictícios. De tal forma que, se um jogo regulamentado surge em determinadas
circunstâncias como uma atividade séria e fora do alcance dos que ignoram as suas
regras, isto é, se surge como fazendo parte da vida diária, esse jogo pode logo
proporcionar a um leigo confundido e curioso o esboço de um divertido simulacro.
Não obstante a dura crítica, Callois reconheceu a importância do trabalho de Huizinga
para os estudos sobre o jogo e escreveu nas primeiras páginas do seu livro “O Jogo e os
homens: a máscara e a vertigem” que a obra de Huizinga, embora “[...] contestável na maioria
de suas formulações, não deixou de abrir vias extremamente fecundas para a pesquisa e para a
reflexão. ” (Idem, 23). Callois não esconde de ninguém que reconhece a importância da obra
de Huizinga, da mesma forma que deixa muito claro que sua obra sobre o jogo representa de
alguma forma a continuação da obra de Huizinga, sendo mais completa e profunda. Neste
52
sentido, uma das maiores contribuições de Callois para as reflexões sobre os jogos se refere a
sua classificação dos jogos.
Para Callois (1958), em acordo com Huizinga, salvo as exceções já pontuadas, no que
se refere as características, o jogo, além de ser caracterizado como uma atividade livre,
delimitada, incerta, improdutiva, regulamentada e fictícia, pode ser classificado em:
categorias fundamentais e da turbulência a regra. Conforme Callois (idem) o jogo conta com
quatro categorias fundamentais: Agon (competição), Alea (sorte), Minicry (simulacro) e Ilinx
(vertigem). Essas quatro categorias foram divididas em dois grandes grupos: a Ludus,
relacionada a diversão e ao improviso e a Paidia, que diz respeito as regras do jogo.
Em nível de conclusão é preciso dizer que tanto os estudos de Huizinga como os de
Callois constituem riquíssimas fontes de informação sobre o conceito de jogo: Huizinga com
sua grande contribuição sobre o papel do jogo como elemento da cultura e Callois com sua
singular sistematização das categorias do jogo, dentre outras contribuições que ambos
forneceram para as reflexões sobre o jogo. Por esse méritos, ambos se tornaram leitura
obrigatória para quem deseja buscar informações sobre a natureza do jogo. Outros nomes
importantes para quem deseja se aprofundar neste debate são: Wittgenstein, Henriot,
Fromberge e Christie.
2.5.1 O jogo e a Filosofia
Conforme Huizinga (2000) os gregos do período clássico faziam uma certa relação
entre o surgimento da Filosofia na Hélade e o jogo, especificamente o enigma. De acordo com
Huizinga (2000), um discípulo de Aristóteles chamado Clearco escreveu um tratado em que
expunha uma teoria que relacionava a resolução de enigmas primitivos ao surgimento da
Filosofia. A respeito dos enigmas, Huizinga (2000, p. 197).
[...]os antigos usavam-no como prova de sua educação [...], observação que
nitidamente se refere ao jogo de enigmas de que acima tratamos. E, com efeito, não
seria exagerado considerar os primeiros produtos da Filosofia grega como derivados
dos enigmas primitivos.
A teoria de Clearco se encaixa como uma luva na teoria geral de Huizinga, que
relaciona o jogo, ou a atividade lúdica, ao surgimento de todo que é fundamental na cultura
humana. Neste sentido, Huizinga vê na primeira fase da Filosofia ocidental, que é o período
cosmológico, bem como no desenvolvimento posterior da Filosofia, às marcas mais
indeléveis da atividade lúdica:
[...] o filósofo, desde as épocas mais remotas até aos últimos sofistas e retores,
sempre assumiu todas as características do campeão. Desafiava seus rivais,
53
submetia-os à crítica mais veemente, afirmando suas próprias opiniões como as
únicas verdadeiras, com toda a autoconfiança juvenil própria do homem arcaico.
Quanto ao estilo e quanto à forma, os exemplos mais antigos de Filosofia possuem
um caráter polêmico e agonístico. Falam, invariavelmente, na primeira pessoa do
singular. Falam, invariavelmente, na primeira pessoa do singular. Quando Zenão de
Eléia ataca seus adversários, fá-lo por meio de aporias — isto é, procura
ostensivamente partir das premissas deles para chegar a duas conclusões
contraditórias e que se excluem reciprocamente. Esta forma é a mais próxima do
enigma que é possível. Zenão pergunta: "Se o espaço é alguma coisa, o que pode
existir nele [...]? O enigma não é difícil de resolver". Para Heráclito, o "filósofo
obscuro", a natureza e a vida são um griphos, um enigma, e ele próprio é um
decifrador de enigmas [...]. (Idem).
Callois (1958) sem dúvida se oporia a essa opinião de Huizinga e o acusaria, como já
o fez11, de exagerar o papel do jogo como elemento da cultura. Todavia, Huizinga não foi o
único pensador a ceder à tentação de interpretar o desenrolar dos acontecimentos da história
da Filosofia como uma grande disputa nos termos da categoria de “Agon” de Callois. Antes
de prosseguir com essa análise, precisamos expor aqui algumas considerações de Callois
(1958, p. 33-34) sobre a categoria de Agon:
[...] há todo um grupo de jogos que aparece sob a forma de competição, ou seja,
como um combate 12
em que a igualdade de oportunidades é criada artificialmente
para que os adversários se defrontem em condições ideias, susceptíveis de dar valor
preciso e incontestável ao triunfo do vencedor. Trata-se sempre de uma rivalidade
que se baseia numa única qualidade (rapidez, resistência, vigor, memória,
habilidade, empenho, etc.), exercendo-se os limites definidos e sem nenhum auxiliar
exterior, de tal forma que o vencedor apareça como sendo o melhor, uma
determinada categoria de proezas. É esta a regra das provas desportivas e a razão de
ser das suas múltiplas subdivisões, que oponham dois indivíduos ou duas equipas
[sic] [...].
2.5.1.1. O Agon na história da Filosofia ocidental
Conforme G. Reale e D. Antiseri “a história da Filosofia é a história dos problemas
filosóficos, das teorias filosóficas e das argumentações filosóficas. É a história das disputas
entre filósofos13
e dos erros dos filósofos (REALE; ANTISERI, 2005, p. 20). Tendo como
ponto de partida a colocação de Reale e Antiseri (2005), as postulações de Huizinda e a
categoria de Agon de Callois, a história da Filosofia desde que a centralidade grega
determinou a hegemonia europeia pode ser vista como uma grande arena de disputa em que
pensadores europeus travam um excludente combate em torno da melhor teoria para resolver
os problemas essenciais da humanidade (Europa). Obviamente esta disputa segue regras
11 Callois (1958, p. 13). 12
Grifo nosso 13
Grifo nosso.
54
ocidentais e exclui a priori competidores de fora das “cercanias europeias”, como já foi
discutido em tópicos anteriores.
2.5.1.1.1 O Agon no período socrático
A presença do Agon já foi apontada por Huizinga na Filosofia pré-socrática, mas ela
também esteve presente no período antropológico com Sócrates e suas disputas com os
sofistas e demais conterrâneos em Atenas. Sobre este ponto a filósofa Marilena Chauí (2011)
ao traçar um paralelo entre o personagem Neo do filme Matrix e o filósofo Sócrates, afirma
que ambos travavam combates mentais e de pensamento. Conforme Chauí (2011), Neo lutava
contra o controle que a Matrix exercia sobre a inteligência humana, e Sócrates, contra as
opiniões estabelecidas, contra os pré-conceitos, contra as crenças inquestionadas de seus
conterrâneos.
Em seu combate, o filósofo Sócrates contava com um poderoso arsenal oriundo de sua
mente questionadora e do espirito que supostamente o fazia desconfiar das aparências. Seus
ataques vinham normalmente na forma de perguntas dirigidas a seus conterrâneos. Chauí
(2011), informa, que, essas perguntas eram do tipo: o que é isso que você acredita, o que é
isso que você está dizendo, o que é isso que você está fazendo? As perguntas atingiam
frontalmente o conjunto de crenças que formavam o ideário dos atenienses, já que eles não
tinham um fundamento sólido que os permitisse revidar diante dos ataques socráticos.
Ocasionando que em várias vezes o interlocutor do incansável perguntador abandonasse o
diálogo por ser incapaz de lhe oferecer qualquer resistência. Mas, nem sempre foi assim.
Muitos interlocutores de Sócrates foram capazes de revidar, porém o incansável perguntador
sempre estava pronto a contra-argumentar recorrendo a estratégia de investigação inventada
por ele e conhecida na história da Filosofia como Maiêutica.
2.5.1.1.2 O Agon no período clássico
Platão, discípulo de Sócrates, também apostava no diálogo na busca pela verdade,
mas, diferentemente da técnica de seu mestre, que visava combater as ideias do interlocutor
levando-o a reconhecer seu caráter ilusório, e, portanto, iniciar uma nova busca pela verdade
dentro de si, conforme Chauí (2011), a dialética platônica é um procedimento intelectual que
parte de alguma coisa que deve ser separada ou dividida em duas partes contrárias, de forma
que se reconheça sua contradição e se possa determinar qual dos contrários é verdadeiro e
55
qual é falso. Isso devia ser feito através do confronto dessas duas partes. Chauí (2011) explica
que a conversa dialética consiste em uma conversa em que cada participante possui opiniões
diferentes sobre alguma coisa e deve discutir ou argumentar com o outro de modo a superar
sua posição e chegar a uma unidade, uma ideia que é a mesma para ambos e para todos que
procuram a verdade. Desta forma, do confronto entre a tese e a antítese surgiria a síntese.
Essa síntese deve ser divida em duas partes contrárias para serem confrontadas novamente até
que se chegue a uma síntese que não possa ser dividida. Essa ideia indivisível será a verdade
sobre o assunto discutido.
Não é difícil encontrar na dialética platônica a influência da maiêutica de Sócrates, a
começar pela relação que ele vê entre a busca da verdade e o diálogo, por exemplo. No
entanto, a diferença de um método para o outro é bastante clara. Na maiêutica, um dos
interlocutores, no caso específico Sócrates, detém supostamente a habilidade para pôr em
xeque as crenças do outro, exercendo dessa forma um protagonismo. Já na dialética platônica,
os interlocutores estão em pé de igualdade com suas teses e antíteses e precisam atacar a
posição do outro, isto é, por em cheque as crenças, os pré-conceitos e as ideias pré-concebidas
que corroboram com suas teses. A ideia é que com o que resistir da tese e antítese se construa
a síntese. Se uma delas não resistir aos ataques no combate dialético e for descartada
totalmente, significa que se tratava de uma ideia falsa. A tese que resistiu deve buscar uma
nova antítese para reiniciar o processo e construir uma síntese. Assim, a investigação da
verdade na dialética platônica pode ser vista como construção, desconstrução e reconstrução
de uma ideia através do confronto teórico e retórico. Um bom exemplo desse tipo de combate
na Filosofia clássica pode ser a disputa entre Platão e seu mais proeminente discípulo,
Aristóteles sobre a natureza da realidade.
2.5.1.1.3 O Agon no período medieva
O método de investigação dialético não se restringiu ao período antigo e clássico da
história da Filosofia. Conforme Rodriguez (2008), os intelectuais medievais debatiam a
respeito da dialética e da metafísica no período da história da Filosofia conhecido como
escolástica. Pedro Abelardo foi um dos grandes nomes do período. Para Rodriguez (2008) a
pesquisa filosófica em Abelardo se focava na discussão e elucidação de problemas. Rodriguez
(2008) explica que Abelardo contribuiu com a Filosofia medieval com um método filosófico e
pedagógico único que consistia em colocar o estudante em situações que apresentavam
problemas com prós e contras.
56
O método filosófico e a postura intelectual de Abelardo deram a tônica do que foram
as disputas dialéticas da escolástica. Sobre o problema dos universais, por exemplo,
Rodriguez (2008, p. 11) explica que o problema ocupava os filósofos escolásticos dialéticos e
foi o centro das discussões filosóficas, “Abelardo atacou cruamente a postura de Roselino
[...] e foi intransigente com o realismo de Guilherme Champeaux [...] porque não concordava
com a concepção filosófica destes mestre”.
O autor relata também que Abelardo, não obstante o fato de reconhecer Guilherme
Champeaux como um grande mestre “[...] não se intimidou e começou a questionar seus
ensinamentos, transformando-se em seu rival ”. (RODRÍGUEZ, 2008, p. 5). Vejamos em que
termos o próprio Abelardo coloca o combate com Guilherme Champeaux:
[...] finalmente cheguei a Paris, onde essa disciplina conseguira florescer ao
máximo, junto a Guilherme, a saber, o de Champeaux, meu preceptor, reputado
então como o principal expoente nesse magistério, tanto pela fama como de fato.
Com ele demorei algum tempo; de início fui bem aceito, mas logo depois eu lhe
pareci muito incômodo quando tentei refutar algumas das suas opiniões e acometi
contra ele a argumentar frequentemente, sendo que, por vezes, eu parecia levar a
melhor nas discussões (ABELARDO, 1973, p. 250).
Conforme João Eduardo Pinto Basto Lupi (2013), não obstante o fato de a escolástica
ser a expressão pedagógica do saber adquirido e completo, existia um espaço para o diálogo
entre mestre e discípulo ou, entre concorrentes e adversários. Lupi (2013), observa que
posteriormente o método dialético daria lugar ao modelo do tratado, passando a ficar em
segundo plano. Todavia, mesmo que a disputa dialética já não fosse mais o método por
excelência da Filosofia, e é bem verdade que para muitos nunca foi, a Filosofia no ocidente
possivelmente já havia se constituído como uma área do conhecimento cuja disputa e a
concorrência provavelmente ditavam a ordem e a medida da produção filosófica. Como
exemplo da afirmação anterior, podemos citar a disputa entre os grandes sistemas construídos
no período da Filosofia moderna, que determinou a concorrência entre “rivais” das mais
diversas áreas filosóficas. Como a clássica concorrência entre empiristas e racionalistas, e
depois, a acirrada disputa entre as grandes sínteses, chegando finalmente a crítica da razão
feita no período contemporâneo, que também envolveu diversos combates teóricos.
2.5.2 O jogo e a educação
Conforme Guilles Brougère (1998) em seu livro “Jogo e Educação” o habito de
associar jogo e educação nem sempre foi tão comum como se vê nos dias atuais. Segundo
Brougère (1998) os termos já chegaram a ser vistos, inclusive como, antimônios. Para o autor,
57
portanto, é importante identificar como passou-se da noção de jogo como atividade “fútil”
para atividade de valor educativo. Obviamente que esta passagem não aconteceu da noite para
o dia, antes tratou-se de um processo em que o jogo foi paulatinamente se ajustando as
necessidades e demandas da educação.
De acordo com Tizuco Morchida Kishimoto (2002) antes das revoluções românticas,
as relações entre jogo e educação eram orientadas por três concepções: recreação, reforço
escolar para facilitação do ensino de conteúdos e diagnóstico da educação infantil. O jogo
como atividade recreativa está presente já na antiguidade clássica como atestam textos do
filósofo Aristóteles:
[...]ora, esforçar-se e trabalhar com vistas na recreação parece coisa tola e
absolutamente infantil. Mas divertir-nos a fim de poder esforçar-nos, como se
expressa Anacársis, parece certo; porque o divertimento é uma espécie de relaxação,
e necessitamos de relaxação porque não podemos trabalhar constantemente. A
relação, por conseguinte, não é um fim, pois nós a cultivamos com vistas na
atividade. (ARISTÓTELES, 1985, p. 228).
A ligação do jogo a atividade de recreação foi hegemônica durante toda a antiguidade
clássica até a idade média, quando devido a sua ligação com os jogos de azar, rechaçados pela
Igreja, ela foi considerada uma atividade “Não seria”. Importante pontuar que, o fato de o
jogo na Idade Média ser considerado atividade “Não seria” não significa que a atividade
recreativa deixou de ser praticada. Kishimoto (2002, p, 24) explica que,
a Idade Média vê a atividade lúdica se desenvolver no centro da vida social mas às
margens da religião oficial, que a abominava. É nas festas, nos teatros, nos
carnavais, nas festividades de organizações de juventude que o jogo preserva a
identidade dos grupos. Associados ao dinheiro, à novidade, ao não-sério, o jogo se
expande pelos séculos seguintes com a proliferação do jogo de azar, de cards e
dados.
Conforme Kishimoto (2002) somente a partir do Renascimento a brincadeira começa a
ser vista como uma atividade livre capaz de desenvolver a inteligência e facilitar os estudos.
Assim o jogo no Renascimento foi uma forma de contrapor processos verbalistas de ensino,
devendo o pedagogo dar forma lúdica aos conteúdos. Ainda segundo a autora, essa
perspectiva aparece em educadores como Rabelais e Montaigne.
No Romantismo é construída uma nova forma de ver a relação da criança com o jogo,
que passa a ser visto “[...] como conduta espontânea e livre instrumento de educação da
pequena infância (Idem, p.24), perspectiva que aparece em Jean-Paul Richter, Hoffinann e
Froebel. Conforme Kishimoto (2002) a construção dessa concepção envolveu diversas teorias
até sua afirmação enquanto “[...] processo metafórico relacionado a comportamentos naturais
e sociais.” (Idem, p.24). Dentre essas teorias se destacam: o conhecimento da criança como
via de acesso a humanidade de Russeau, o jogo como necessidade biológica, instinto e ato
58
voluntário de Gloss e a construção dos processos psicológicos a partir de injunções do
contexto sócio-cultural de Vygosrsky.
2.5.2.1. O jogo educativo
Desde a antiguidade clássica as atividades lúdicas têm sido relacionadas a educação. O
Filósofo Platão falava em “aprender brincando” (PLATÃO apud KISHIMOTO, 1996, p. 6).
Mas, conforme Tizuko Morshida Kishimoto (2002) Froebel foi o primeiro a ver o jogo como
parte fundamental do processo educativo. De acordo com Kishimoto (1996, p. 09):
[...]a partir de sua Filosofia educacional baseada no uso dos jogos infantis, Froebel
defini a metodologia dos dons e ocupações, dos brinquedos e jogos propondo [...]
propondo materiais como, bolas, cubos, vareta, anéis e etc. que permitem a
realização de atividade denominadas ocupações, sob a orientação da jardineira, e [...]
brinquedos e jogos, atividade simbólicas, livres, acompanhadas de música e
movimentos corporais, destinada a liberar as crianças para a expressão da relações
que estabelece sobre objetos e situações de seu cotidiano. Os brinquedos são
atividades imitativas livres, e os jogos, atividades livres com o emprego dos dons.
Guilles Brougère (1998) esclarece que a noção de jogo educativo surge da
necessidade de aliar a vocação da criança à missão educativa da escola. Conforme Brougère
(1998) duas noções formam a base do conceito de jogo educativo: em primeiro lugar, a de que
o jogo é um fim em si para as crianças, e em segundo, a de que para os educadores ele é um
meio. Dessa forma, o jogo educativo consiste em uma forma de “[...] conciliar a criança e a
educação, sem renegar um dos termos [...]” (BROUGÈRE, 1998, p. 122). Partindo da ideia de
que o jogo é o trabalho da criança, presente nos estudos de Pauline Kergomard (1910), busca-
se com o jogo educativo conciliar o respeito a criança, que tem no jogo uma expressão de sua
natureza, e ao mesmo tempo não descuidar do processo educativo. Não obstante as
expectativas construídas em torno do jogo educativo, de acordo com Brougère (1998, p.127),
[...]o jogo educativo foi uma atividade bastarda, dando ares de jogo a uma atividade
escolar, a um exercício, em uma estratégia próxima do estratagema [...]. Trata-se
menos de seduzir do que de injetar o jogo com seu valor educativo em uma atividade
que continua a ser totalmente dominada pelo adulto. Aí, sem dúvida, jaz o paradoxo
e a incessante oscilação entre atividades que são mais ou menos próximas do jogo
ou do exercício. Ele se tornou, pela necessidade de propor um material pŕé-fabricado
para auxiliar o trabalho dos professores um objeto completamente paradoxal:
vendido como os brinquedos, propõe incluir aí elementos de ordem didática, suporte
de uma aprendizagem em potencial.
O alerta de Brougère (1998) diz respeito ao perigo de que o jogo educativo, ao propor
uma aproximação entre dois elementos cujas naturezas contém pontos excludentes, jogo e
educação, acabe por fracassar duplamente: privando o jogo de seu caráter livre e espontâneo e
59
a educação de seu caráter sério e produtivo, prendendo as crianças em um esquema de
educação fraudulento maquiado pela atividade lúdica.
A noção de jogo educativo ou pedagógico, todavia, sobreviveu a estas objeções
conseguindo se afirmar como ferramenta potencial de apoio a atividade pedagógica na
educação infantil e fora dela. Celso Antunes (2008) assinala que o jogo ajuda o estudante a
construir novas descobertas, desenvolve e enriquece sua personalidade, além de simbolizar
um instrumento pedagógico que eleva o professor à condição de condutor, estimulador e
avaliador de sua aprendizagem. Essa concepção de Antunes se coaduna com as conclusões de
Marli Santa Santos (1997) sobre a importância e utilidade da ludicidade para o ser humano de
modo mais geral. Conforme Santos (1997, p. 12):
[...] a ludicidade é uma necessidade do ser humano em qualquer idade e não pode ser
vista apenas como diversão. O desenvolvimento do aspecto lúdico facilita a
aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, colabora para uma boa
saúde mental, prepara para um estado interior fértil, facilita os processos de
socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento.
Ricardo R. Fragelli e Fábio M. Mendes (2011) corroboram com os autores
supracitados e afirmam que existem poucas dúvidas que jogos de aprendizagem sejam
capazes de promover o aprendizado efetivo. Embora os autores estejam se referindo
especificamente aos jogos voltados para as ciências exatas como a matemática, eles tocam em
um ponto que diz respeito ao uso dos jogos no processo de ensino aprendizagem de modo
geral. Este ponto se relaciona ao debate que busca “[...] determinar quais são as
características dos jogos e quais são as situações de aprendizagem que tornam o seu uso mais
eficiente que as aulas expositivas tradicionais.” (idem, 101). Um debate que pela sua extensão
não será aprofundado aqui, mas que conforme Fragelli e Mendes (idem) passa por pontos
como:
[...] alguns jogos estimulam uma experiência de aprendizagem rica e estruturada,
mas oferecem pouco em termo de diversão aos aprendizes; outros jogos sofrem do
problema oposto, em que são capazes de prender a atenção dos estudantes, mas não
oferecem muitas oportunidades para estruturar os conhecimentos adquiridos”.
Os jogos do primeiro grupo, embora pedagogicamente mais atraentes pela sua
capacidade de oferecer um ensino estruturado, estão destinados a agradar mais a educadores
do que a educandos. Ou seja, contém um vício que se não for sanado compromete seu uso nos
fundamentos, pois os jogos educativos ou pedagógicos se destinam aos alunos e não aos
professores. Já os do segundo grupo, mesmo sem a oferta de uma experiência de
aprendizagem completa, explicam Fragelli e Mendes (idem, p 91), “[...] podem ser muito
efetivos para promover o aprendizado quando associados a outras atividades em sala de aula”.
60
Fragelli e Mendes (2011) estão, tratando da utilização de jogos para potencializar a
educação dentro da perspectiva da aprendizagem significativa, e, neste sentido para os autores
[...] o jogo não precisa cumprir sozinho o papel de engajar os estudantes em uma
atividade de aprendizado, sugerir e induzir que os estudantes produzam as
estratégias e o conhecimento capazes de abordar o problema proposto e, além disto,
organizar e formalizar estes conhecimentos na estrutura cognitiva do mesmo. O
objetivo principal dos jogos aqui discutidos é engajar o estudante na tarefa de
aprendizado, fazendo com que o conteúdo discutido torne-se significativo e
motivador. (Idem, p. 102).
A partir da colocação dos autores supracitados, entendemos que a utilização de jogos
didáticos dentro da perspectiva da Aprendizagem Significativa pode ser a chave para a
questão colocada por Brougère (1998) e atualizada por Fragelli e Mendes (2011), que diz
respeito a dificuldade para conservar os elementos fundamentos do processo de aprendizagem
e da atividade lúdica por ocasião do encontro entre ambos no jogo didático. Para entendermos
melhor esse ponto, passamos a abordar no próximo tópico alguns dos princípios basilares da
Aprendizagem Significativa.
2.5.2.2. O jogo didático e a aprendizagem significativa
Conforme Marco Antônio Moreira (2010, p. 01) “aprendizagem significativa é aquela
em que ideias expressas simbolicamente interagem de maneira substantiva e não-arbitrária
com aquilo que o aprendiz já sabe”. Ainda segundo o autor, “interação substantiva” é aquela
que não é literal, que não é ao pé-da-letra, e “não-arbitrária” é aquela em que a interação não é
com qualquer ideia prévia, mas com algum conhecimento especificamente relevante já
existente na estrutura cognitiva do sujeito que aprende.
Essa informação relevante presente no sistema cognitivo do aluno, que deverá
interagir com novas ideias simbólicas, dentro da teoria da aprendizagem significativa se
chama subsunsor ou “ideias ancoras”. De acordo David Ausubel14 (2010), criador da teoria
da aprendizagem significativa, “subnsunsor” é o fator que possibilitará que o indivíduo de
significado a um novo conhecimento. Para Moreira (2010, p. 01),
[...]em termos simples, subsunçor é o nome que se dá a um conhecimento
específico, existente na estrutura de conhecimentos do indivíduo, que permite
dar significado a um novo conhecimento que lhe é apresentado ou por ele
descoberto. Tanto por recepção como por descobrimento, a atribuição de
14 Conforme Moreira, principal teórico da aprendizagem significativa no Brasil, David Ausubel, que
vivei entre 1918-2008 foi um Médico e psicólogo que dedicou sua vida acadêmica ao
desenvolvimento de uma visão cognitiva à Psicologia Educacional (Moreira, 2010).
61
significados a novos conhecimentos depende da existência de conhecimentos
prévios especificamente relevantes e da interação com eles.
De acordo com Moreira (2010) a aprendizagem significativa pode ser superordenada
ou subornada. Sendo mais comum à última. Ainda segundo o autor, a aprendizagem
significativa é superordenada quando:
[...] uma nova idéia, um novo conceito, uma nova proposição, mais abrangente,
passa a subordinar conhecimentos prévios [...]”, e ela é subordinada quando “[...] um
novo conhecimento adquire significado na ancoragem interativa com algum
conhecimento prévio especificamente relevante [..] (MOREIRA, 2010. 01).
Para ilustrar seu argumento Moreira (idem) traz dois exemplos, o primeiro na área da
física, se refere à aprendizagem significativa superordenada:
[...] para um aluno que já conhece a Lei da Conservação da Energia aplicada à
energia mecânica, resolver problemas onde há transformação de energia potencial
em cinética e vice-versa apenas corrobora o conhecimento prévio dando-lhe mais
estabilidade cognitiva e talvez maior clareza. Mas se a Primeira Lei da
Termodinâmica lhe for apresentada (não importa se em uma aula, em um livro ou
em um moderno aplicativo) como a Lei da Conservação da Energia aplicada a
fenômenos térmicos ele ou ela dará significado a essa nova lei na medida em que
“acionar” o subsunçor Conservação da Energia, mas este ficará mais rico, mais
elaborado, terá novos significados pois a Conservação da Energia aplicar-se-á não só
ao campo conceitual da Mecânica mas também ao da Termodinâmica (MOREIRA,
2010, p. 02).
O segundo exemplo, na geografia, se refere à aprendizagem significativa subordinada:
[...] poderíamos também tomar como exemplo a construção do subsunçor mapa. As
crianças na escola formam o conceito de mapa geográfico através de sucessivos
encontros com instâncias desse conceito. Aprendem que o mapa pode ser da cidade,
do país, do mundo. Progressivamente, vão aprendendo que um mapa pode ser
político, rodoviário, físico, etc.. O subsunçor mapa vai ficando cada vez mais rico,
com mais significados, mais estável e mais capaz de interagir com novos
conhecimentos. Dependendo dos campos de conhecimentos que o sujeito busque
dominar em suas aprendizagens futuras, terá que dar significado a conceitos tais
como mapas cognitivos, mapas mentais, mapas conceituais, mapas de eventos e,
sabe-se lá, que outros tipos de mapas. Então, ao longo de sucessivas aprendizagens
significativas o subsunçor vai adquirindo muitos significados, tornando-se cada vez
mais capaz de servir de idéia-âncora para novos conhecimentos (Idem).
No que se refere a ambos os exemplos, Moreira alerta para a realidade de que, caso os
relativos conhecimentos prévios (lei de conservação e mapa) não fossem submetidos a
dinâmica de elaboração, diferenciação e cognição não teriam se expandido até os limites
dados nos exemplos. Conforme Moreira (idem, p. 4) “a clareza, a estabilidade cognitiva, a
abrangência, a diferenciação de um subsunçor variam ao longo do tempo, ou melhor, das
aprendizagens significativas do sujeito. Trata-se de um conhecimento dinâmico, não estático,
que pode evoluir e, inclusive, involuir”.
O processo dinâmico que constitui a aprendizagem significativa segundo Moreira
(2010) é caracterizado por dois processos: a diferenciação progressiva e a reconciliação
62
integradora. Conforme Moreira (idem, p. 6) “[...] a diferenciação progressiva é o processo de
atribuição de novos significados a um dado subsunçor (um conceito ou uma proposição, por
exemplo) resultante da sucessiva utilização desse subsunçor para dar significado a novos
conhecimentos”.
Como exemplo da diferenciação progressiva Moreira mostra como o conceito de força
pode ganhar novos significados em relação àquelas noções básicas que lhe são atribuídas
desde cedo por crianças:
[...] qualquer criança já formou esse conceito [força] antes de chegar à escola, mas
com significados do tipo puxão, empurrão, esforço físico, “ fazer força”, “não ter
força”, etc.. Na escola, em ciências, aprenderá que existe na natureza uma força que
é devida à massa dos corpos – a força gravitacional – e que essa força é muito
importante para o sistema planetário, que é atrativa, que é regida por uma
determinada lei, etc.. (Idem, p, 6).
Sobre a reconciliação integradora ou integrativa, Moreira (idem) explica que trata-se
de “[...] um processo da dinâmica da estrutura cognitiva, simultâneo ao da diferenciação
progressiva, que consiste em eliminar diferenças aparentes, resolver inconsistências, integrar
significados, fazer superordenações”. A reconciliação integradora visa regular e limitar a
diferenciação progressiva para dessa forma impedir, por exemplo, que haja uma diferenciação
exacerbada e geral de todas as coisas. Portanto, por meio da diferenciação progressiva e da
reconciliação integradora se dá a dinâmica da aprendizagem significativa: a diferenciação
progressiva mais ligada a aprendizagem significativa subordinada e a reconciliação
integradora à aprendizagem significativa superordenada.
2.5.2.2.1. Condição para que haja aprendizagem significativa
Conforme Marco Antônio Moreira (2010) são duas as condições para que haja
aprendizagem significativa: um material de aprendizagem que seja potencialmente
significativo e um aprendiz pré-disposto a aprender.
Sobre a primeira condição, Moreira (idem) destaca a necessidade de livros, aulas e
aplicativos (exemplos que ele fornece de materiais educativos) que apresentem uma estrutura
lógica em sua natureza, pois conforme Moreira (idem, p.8) esta é a condição para que o
material seja “[...] relacionável de maneira não-arbitrária e não-literal a uma estrutura
cognitiva apropriada e relevante”.
A segunda condição para o autor, é a mais difícil, pois diz respeito à vontade do aluno
de relacionar novos conhecimentos (de maneira não-arbitrária e não-literal) a seus
conhecimentos prévios. Moreira chama essa contribuição do aluno de “predisposição para
63
aprender” (Idem), e pontua que a “pré-disposição para aprender” não tem a ver exatamente
com
[...] motivação, ou de gostar da matéria. Por alguma razão, o
sujeito que aprende deve se predispor a relacionar (diferenciando e integrando)
interativamente os novos conhecimentos a sua estrutura cognitiva prévia,
modificando-a, enriquecendo-a, elaborando-a e dando significados a esses
conhecimentos. Pode ser simplesmente porque ela ou ele sabe que sem compreensão
não terá bons resultados nas avaliações. Aliás, muito da aprendizagem memorística
sem significado (a chamada aprendizagem mecânica) que usualmente ocorre na
escola resulta das avaliações e procedimentos de ensino que estimulam esse tipo de
aprendizagem (Idem).
Além da situação anterior, em que o aluno não tem vontade de relacionar novos
conhecimentos, de maneira não-arbitrária e não-literal, existe outro impedimento a
aprendizagem significativa: um aluno que deseja dar significados aos novos conhecimentos e
não tem conhecimentos prévios adequados, ou o material didático não ter significado lógico.
Por esse motivo Moreira coloca que o material didático precisa ser, pelo menos
potencialmente lógico. Potencialmente porque “[...] o material só pode ser potencialmente
significativo, não significativo: não existe livro significativo, nem aula significativa, nem
problema significativo, pois o significado está nas pessoas, não nos materiais (Idem).
2.5.2.2.2. Organizador prévio
Segundo Marco Antonio Moreira (2010) o fator determinante para a aprendizagem
significativa, se tratando de uma premissa que está no próprio Ausubel, é aquilo que o aluno
já sabe. Neste sentido, a figura do subsunçor se torna central no esquema proposto por
Ausubel, tendo em vista que, subsunçores são, segundo Moreira (2010), conhecimentos
prévios relevantes para a aprendizagem de outros conhecimentos.
A clareza, a estabilidade e a organização do conhecimento prévio em um dado corpo
de conhecimentos, em certo momento, é o que mais influencia a aquisição
significativa de novos conhecimentos nessa área, em um processo interativo no
qual o novo ganha significados, se integra e se diferencia em relação ao já existente
que, por sua vez, adquire novos significados fica mais estável, mais diferenciado,
mais rico, mais capaz de ancorar novos conhecimentos ( Idem, p. 9).
A considerar a colocação anterior, se constitui um grande problema para a
aprendizagem significativa quando o aprendiz não dispõe de subsunçores “[...] adequados que
lhe permitam atribuir significados aos novos conhecimentos [...]” (Idem, p. 9). Nestes casos
Ausubel propôs como solução o uso de “Organizadores prévios”.
[...] organizador prévio é um recurso instrucional apresentado em um nível mais alto
de abstração, generalidade e inclusividade em relação ao material de aprendizagem.
Não é uma visão geral, um sumário ou um resumo que geralmente estão no mesmo
64
nível de abstração do material a ser aprendido. Pode ser um enunciado, uma
pergunta, uma situação-problema, uma demonstração, um filme, uma leitura
introdutória, uma simulação [um jogo]. Pode ser também uma aula que precede um
conjunto de outras aulas. As possibilidades são muitas, mas a condição é que
preceda a apresentação do material de aprendizagem e que seja mais abrangente,
mais geral e inclusivo do que este (Idem).
De acordo com Moreira (idem), existem dois tipos de organizador prévio: expositivo e
comparativo. O organizador prévio expositivo é adequado diante de um material didático que
não é familiar para o aprendiz, pois neste caso, possivelmente o aprendiz não possui
subsunçores, sendo a função do organizador prévio fornecer esses subsunçores. O que em
tese, conforme coloca Moreira, ele é capaz de fazer, sendo sua função atuar como uma ponte
entre o que o aprendiz sabe e o que ele deve saber para que o material didático seja para ele
potencialmente significativo. O organizador prévio comparativo deve ser utilizado quando o
aprendiz já tem certo grau de familiaridade com o material didático, sendo sua função neste
caso, ajudar o aprendiz a integrar novos conhecimentos a sua estrutura cognitiva e discriminar
esses conhecimentos de outros já existentes nela.
Exatamente esta última característica do organizador prévio torna interessante o uso de
jogos na perspectiva da aprendizagem significativa, especificamente como organizador
prévio. Pois, diferentemente da concepção de jogo educativo renascentista, em que o jogo era
visto como um potencial transmissor de conteúdos (KISHIMOTO, 2002), uso que, como já
vimos em tópicos anteriores, pode ocasionar perda de características fundamentais do jogo, o
uso de jogos educativos na perspectiva da aprendizagem significativa, justamente por não ter
como objetivo principal a transmissão de conteúdo (uso como organizador prévio), o que
pode ocorrer eventualmente, pode preservar as característica fundamentais que compõem a
natureza do jogo, conforme a construção teórica de autores clássicos do tema como Wizinga e
Callois, e ao mesmo tempo, ser utilizado como um material educativo eficiente.
Sobre a eficácia dos organizadores prévios, Moreira (2010) esclarece que no caso de
organizadores expositivos pesquisas tem apontado a existência de um baixo aproveitamento,
sendo preferível para o autor como opção em caso de ausência de subsunçores, ao invés da
utilização de organizadores prévios, promover e facilitar sua construção antes de prosseguir
com a apresentação do novo material. Já o uso de organizadores prévios com o intuito de
mostrar a relação entre novos conhecimentos e conhecimentos prévios, na opinião de Moreira
(2010, p. 11), devem sempre ser utilizados no ensino, tendo em vista que:
[...] o aluno muitas vezes não percebe essa racionabilidade e pensa que os novos
materiais de aprendizagem não têm muito a ver com seus conhecimentos prévios.
Organizadores prévios devem ajudar o aprendiz a perceber que novos
conhecimentos estão relacionados a ideias apresentadas anteriormente, a
subsunçores que existem em sua estrutura cognitiva prévia.
65
Em suma, os organizadores prévios devem “[...] suprir a deficiência de subsunçores
[organizadores expositivos] ou para mostrar a relacionalidade e a discriminabilidade entre
novos conhecimentos e conhecimentos já existentes, ou seja, subsunçores [organizador
comparativo]” (Idem).
66
3 DENEGRINDO A DISPUTA DIALÉTICA: UM A RELATO DE
EXPERIÊNCIA DA APLICAÇÃO DO CARD GAME COMBATE
FILOSÓFICO APÓS SUA EXPANSÃO PARA ATENDER OS
DISPOSITIVOS DA LEI 10.639
3.1. O PRODUTO DIDÁTICO: FORMATO DOS CARDS, APRESENTAÇÃO DOS
REFERENCIAIS E DA MECÂNICA
A primeira versão do card game teve seu primeiro protótipo apresentado como como
produto didático ao programa de Residência Docente do Colégio Pedro II em 2017 como
parte de um “Produto Acadêmico Final”, nome do trabalho de conclusão de curso exigido
como um dos requisitos para a obtenção do título de especialista em docência de Filosofia na
educação básica. O protótipo contava com 58 cards, que não chegaram a ter uma versão
finalizada. Para sua criação foi seguida a seguinte metodologia:
[...] o primeiro procedimento foi elaborar um protótipo do jogo (conforme o projeto)
e apresentá-lo aos estudantes. Nesta fase, a estratégia adotada foi selecionar um
pequeno grupo de estudantes (em torno de cinco) ditos mais afeitos a jogos de forma
geral, para verificar a viabilidade do modelo planejado antes de iniciar o processo de
confecção do formato para ser usado em sala de aula. Tendo recebido um parecer
favorável desse grupo em relação a esse protótipo, tiveram início os testes de um
modelo mais bem estruturado. Os primeiros testes [do modelo mais elaborado] se
deram com voluntários da própria família do pesquisador (namorada, sobrinhos e
primos, todos com idades entre 15 e 27 anos. Foram verificados, inicialmente, a
jogabilidade, o nível de dificuldade oferecido e, principalmente, até que ponto o
jogo era capaz de divertir e despertar interesse (RIBEIRO, 2017, p.14).
Conforme Ribeiro (2017) a considerar o objetivo geral do PAF, que era aproximar
estudantes do ensino médio da Filosofia, tendo como inspiração o jogo da revista Abril, o
Filosofighters15
, o projeto previa que a partir da estrutura de um card game de estratégia já
consagrado se recorreria a temas do universo dos estudantes para a construir um novo card
game de estratégia com potencial para diminuir a distância entre os estudantes de baixa renda
e parte dos “conteúdos universais da Filosofia”, sendo este o problema central para o qual a
pesquisa visava contribuir para a solução. Visando alcançar tal objetivo os cards do Combate
Filosófico foram construídos para aproximar os estudantes dos “Conteúdos Universais da
Filosofia”:
15
Jogo de luta on-line em que os jogadores, por meio do teclado do PC, controlam filósofos e usam seus
conceitos para golpear o filósofo controlado pelo oponente. O jogo conta com nove filósofos ao todo a
disposição dos jogadores.
67
O Jogo “Combate Filosófico” transforma os competidores em pensadores que põem
sua “reputação em jogo” ao participar de um duelo cujo objetivo é reduzir à
reputação do oponente a zero. O confronto se dá por meio de um duelo indireto, em
que os competidores precisam atrair filósofos para um “Campo de Batalha”. Estes
filósofos representam cartas que dispõe de “Recursos” para atacar o adversário ou
ativar efeitos (determinações) sobre as cartas que ele controla. Os recursos são
construídos na maioria das vezes a partir dos conceitos criados por cada filósofo.
[Por exemplo:] Os conceitos não são meramente expostos, [nos cards] mas
interferem no jogo de acordo com a especificidade que lhe foi atribuída pelo filósofo
que o criou [além de estarem relacionadas com as habilidades demais habilidades, o
que contribui para a ligação de todos os cards do jogo] jogo. Por exemplo, na carta
Sócrates a dialética se transformou em um espelho (Espelho Dialético) para
devolver ataques ao adversário. Da mesma forma que o conceito de Mais-valia de
Marx se transformou em uma espada (espada Mais-valia) que rouba parte da
capacidade de ataque do adversário. Também a Genealogia da Moral da carta
Nietzsche, que enfraquece cartas que representam filósofos teístas, inicialmente
cristãos (RIBEIRO, 2017, p. 22).
Vejamos na figura 1 o modelo construído para os cards do Combate Filosófico em sua
primeira versão. Os modelos aparecem na figura nesta ordem: card de período, filósofo
permanente e problema.
Fonte: Ribeiro (2017).
Os cards da primeira versão tinham um modelo construído no editor de texto do Word,
se tratando de uma caixa de texto dívida por linhas retas (card de filósofo) separando as partes
do texto. A caixa de texto, que media 9,3 milímetros de cumprimento por 6,3 milímetros de
largura era impressa por impressora comum, preto e branco em papel A4 e recortada para
ganhar a aparência de card.
O jogo escolhido para oferecer a estrutura do novo card game foi o “Magic: The
Gathering”. Dois motivos determinaram a escolha: em primeiro lugar, o projeto contava com
a colaboração de um estudante que habitualmente jogava Magic (RIBEIRO, 2017, p. 25), e,
Figura 1 - Cards da primeira versão do Combate Filosófico
68
portanto, conhecia bem sua estrutura, em segundo lugar, como será melhor explicado em
seguida, o Magic, como a dissertação irá se referir ao jogo daqui por diante, dispõe de uma
mecânica já consagrada pelos cards games mais bem sucedidos entre os jogadores de card
game. No que se refere aos temas do universo dos alunos utilizados para construção do jogo
foram utilizados como inspiração elementos do “The King Of Fighters”, jogo eletrônico de
luta para plataforma Neo-Geo que ficou famoso na década de 1990 e ainda se mostra muito
popular até os dias de hoje entre a juventude mais pobre. A franquia da SNK fez muito
sucesso ao reunir e organizar em equipes, e em um só jogo, seus personagens mais famosos.
O novo jogo se inspirou ainda em elementos do universo dos animes que fazem grande
sucesso entre os jovens brasileiros como, Naruto16
e Cavaleiros do Zodíaco17
.
3.1.1 O Magic The: Gathering
Conforme Pedro Panhoca da Silva (2016), o Magic The: Gathering se tornou o padrão
mais comum de jogabilidade a ser encontrado nos jogos de cards do tipo estratégia de forma
geral. Segundo Silva (2016, p. 61):
[...] após o sucesso comercial de Magic: The Gathering são lançados anualmente
dezenas de jogos. Este, assim como outros card games, surgiu de uma ideia de
facilitar os já consagrados RPGs e torná-lo mais dinâmico, simples e fácil de ser
transportado. Como foi o pioneiro dos CCGs (sigla comumente utilizada para
Collectible Card Games), carrega a fama de ser o CCG “clássico” e o mais jogado
dentre todos os outros. Para se jogar Magic: the Gathering, assim como muitos
outros jogos, basta apenas cada jogador ter o seu próprio baralho.
Silva (2016) explica que, no Magic: the Gathering, de agora em diante referido por
essa dissertação simplesmente como Magic, cada card do baralho representa uma magia a ser
executada, que, de alguma forma, interfere ou interferirá nos planos dos demais jogadores. De
16
José Messias (2011) explica que no anime Naruto, cujo protagonista homônimo é um ninja adolescente que
sonha se tornar o líder da Vila Oculta da Folha, uma espécie de cidade-estado nos moldes da polis grega de
Esparta. O menino órfão de pai e mãe vive o drama de ter dentro de si o terrível espirito da Raposa de Nove
Caldas, a clássica entidade do folclore japonês que lhe confere poderes extraordinários, mas também atrai o ódio
dos outros moradores da vila que lembram com tristeza a destruição e as mortes causadas pelo demônio antes de
ser lacrado dentro de Naruto. Que “por esse motivo [...] busca se tornar o melhor ninja de sua vila para poder
finalmente conseguir o reconhecimento de seus pares. ” (MESSIAS, 2011, p. 6). 17
Conforme José Messias o anime “Os Cavaleiros do Zodíaco” ou simplesmente (CDZ), Saint Seiya no original,
narra as histórias de cinco guerreiros com habilidades sobre-humanas que defendem a reencarnação da deusa
grega Atena. Os cinco protagonistas são: Seiya protegido pela constelação de Pégaso, Shiryu constelação de
Dragão, Hyoga de Cisne, Shun de Andrômeda e Ikki de Fênix possuem armaduras de bronze que representam
suas respectivas constelações (MESSIAS, José. No superhero allowed: o herói de mangá contemporâneo. Texto
apresentado na primeira jornada de histórias em quadrinhos da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo de 23 a 26 de agosto de 2011, São Paulo).
69
acordo com Silva (idem), durante a partida, alguns cards são postas na mesa e representam
elementos do jogo. Os cards simbolizam exércitos/hordas (monstros, guerreiros, criaturas
mitológicas), itens mágicos (armas, auras, veículos) e bases de controle (portais, fortalezas,
castelos, esconderijos) sob o comando do jogador, aquele que gerencia os recursos.
Conforme Matt Tabak (2013, p.4), redator do Manual de Regras autorizado de 2013
[...] o Magic: The Gathering é um jogo de estratégia entre dois ou mais jogadores,
cada um com seu próprio deck personalizado de cards de Magic. Durante o curso do
jogo, os jogadores se alternam em turnos para jogar cards como terrenos (que
permitem que você jogue outros cards), criaturas, feitiços e outras mágicas. Cada
jogador começa com 20 pontos de vida. Você vence quando reduz o total de pontos
de vida de seu oponente a 0 atacando-o com criaturas e mágicas!.
No Magic os jogadores integram um universo específico construído para o jogo e
desempenham um papel:
[...] em Magic, você faz parte da elite dos melhores magos do Multiverso — os
planeswalkers. Alguns são amigos, outros inimigos. Todos controlam magias
aterrorizantes e comandam exércitos de criaturas arrancadas dos infinitos planos da
realidade. O seu deck de cards representa todas as armas de seu arsenal. Ele contém
as mágicas que você conhece e as criaturas que pode invocar para lutar por você.
Personalize seu próprio deck de Magic e desafie seus amigos para ver quem tem a
centelha mais brilhante! (Idem).
Com essa explicação fica fácil nos localizarmos no jogo. No Magic como são
chamados os jogadores? Planeswalkers. Contra quem eles duelam? Contra outros
Planeswalkers. De onde vem suas armas? Do seu Arsenal de mágicas. Onde acontece o
duelo? No multiverso, que está dividido em planos. Como é o duelo? Indireto, através do uso
de cards que representam criaturas. Qual o objetivo do duelo? Ver quem tem a centelha mais
brilhante do multiverso. O que é preciso ter para jogar? Um deck de cards. Passamos a
conhecer agora os tipos de card que compõe um deck de Magic.
3.1.1.1 Os cards de magic
O Magic conta com sete tipos de cards: a mágica instantânea, o feitiço, o
encantamento, o artefato, o planeswalker, o terreno e a criatura. Cada uma tem uma função e
interfere no jogo de uma forma específica.
Conforme Tabak (2013), os cards do tipo criaturas são as que efetivamente lutam
pelos jogadores, são do tipo permanente, significando que ficam no campo de batalha até
serem destruídas, o que pode ocorrer, dentre outras formas, quando bloqueiam um ataque
maior que sua capacidade de resistência, pois cada card do tipo criatura traz números que
indicam seu “poder e resistência”. Conforme Tabak (2013, p.6)
70
[...]diferentemente de outros tipos de permanentes, as criaturas entram no campo de
batalha com “enjoo de invocação”: uma criatura não pode atacar nem usar uma
habilidade [...] até que esteja no campo de batalha desde o início de seu turno [...].
Confira na figura 2, a visão geral de um card de Magic:
Fonte: Tabak, (2013).
O card do tipo “Feitiço” representa um procedimento mágico. Os feitiços só podem ser
conjurados durante a fase principal de um dos turnos dos jogadores. Turno é o momento em
que cada jogador de Magic tem oportunidade de tomar suas decisões e executar
procedimentos no jogo. As fases do turno serão explicadas posteriormente. Conjurar uma
mágica é o ato de retirar um card da mão e mostrar ao oponente para que ela interfira no jogo,
indo em seguida para a Pilha. A Pilha é a zona do jogo onde as mágicas ganha vida. Após ter
interferido no jogo, isto é, ter suas instruções seguidas, “o Feitiço” é colocado no cemitério do
jogador que o conjurou. Cemitério é o local do jogo para onde vão os cards que já foram
utilizados e não interferem mais no jogo (TABAK, 2013).
Figura 2 - Partes de um card
71
Os cards do tipo “Mágica instantânea” são como os do tipo Feitiço em tudo, com a
exceção de que eles podem entrar no campo de batalha a qualquer momento conforme a
vontade de um jogador, mesmo durante o turno do seu oponente e também em resposta a
outra Mágica. (TABAK, 2013).
Os cards do tipo “Encantamento” diferentemente do feitiço e da mágica instantânea,
representa uma manifestação mágica estável. Isso significa, em primeiro lugar, que você só
pode conjurá-lo, junto com um card do tipo Feitiço, e em segundo que, após conjurá-lo, ele
deve permanecer na mesa a menos que seja destruído, pois o encantamento é um card
permanente (TABAK, 2013).
Os cards do tipo terreno são fundamentais para o funcionamento do jogo, porque a
maioria deles tem a habilidade de gerar Mana. A Mana é a moeda do jogo, necessária para
custear a maioria dos procedimentos no jogo. Por exemplo: para que um card do tipo criatura
entre no campo de batalha, é preciso que o jogador pague o seu custo de Mana. Conforme
Tabak (2013) cada terreno básico tem uma habilidade que gera mana de uma determinada cor.
As Planícies geram Mana branca, a Ilha Mana azul, os Pântanos geram mana preto, as
Montanhas geram mana vermelho e as Florestas geram mana verde. Esses são os cinco
terrenos básicos. Confira na figura 3 os tipos de terreno básico e a mana que eles geram:
Fonte: Tabak, (2013).
Figura 3 - Tipos de terreno básico
72
Os cards do tipo artefato representam relíquias mágicas. Assim como um
encantamento, um artefato é um card permanente, ou seja, permanece no campo de batalha e
afeta o jogo. Alguns artefatos são equipamentos que podem ser anexados as criaturas que os
jogadores controlam deixando-a mais poderosa.
Finalmente chegamos ao card de “Planeswalker”. Estes cards representam aliados que
o jogador de Magic pode convocar para lutar do seu lado. São cards permanentes. Os
Planeswalker podem ser atacados pelas criaturas de seus oponentes, podendo o jogador nesse
caso, recorrer a suas criaturas para bloquear normalmente. Um jogador pode causar danos aos
Planeswalker de seu adversário, ao invés de causar nele, usando as próprias mágicas e
habilidades. Os danos causados a um Planeswalker fazem com que ele perca uma quantidade
equivalente de marcadores de lealdade. Caso perca todos os seus marcadores de lealdade, o
Planeswalker será colocado no cemitério. Vejamos na figura 4 de que forma os cards de
Magic afetam e são afetados no jogo
Fonte: Tabak, (2013).
3.1.1.2 As Zonas do jogo
Conhecidos os cards do Magic, vamos conhecer agora as zonas do jogo, que são:
Grimório, Mão, Pilha, Campo de Batalha, Cemitério e Exilio.
O Grimório é o monte de compra de cada jogador, chamado de deck antes de começar
a partida, sendo Grimório um conceito especifico do Magic. O Grimório fica voltado para
Figura 4 – De que forma os cards afetam e são afetados no jogo
73
baixo e os cards permanecem na ordem em que estavam no início do jogo, não sendo
permitido que os jogadores olhem os cards de seu Grimório. É chamado de monte de compra
porque a cada turno os jogadores podem renovar seus arsenais mágicos com cards de Magic
comprando uma carta (TABAK, 2013).
A Mão é para onde vão os cards que você compra, isto é, retira do Grimório a cada
turno, como acontece em outros card game. Os cards da mão só podem ser vistos pelo jogador
que os possui. No Magic os jogadores iniciam a partida com sete cards na Mão e o tamanho
máximo da sua mão é de sete cards. Se os cards da Mão ultrapassarem a marca de sete, o
jogador deve descartar cards até atingir um total de sete no final de cada um de seus turnos. A
Pilha é o local onde as mágicas e habilidades aguardam para serem resolvidas, o que acontece
quando a os jogadores decidem não conjurar mais mágicas nem ativar habilidades novas.
Quando isso acontece, e a última mágica ou habilidade a ser colocada na pilha é resolvida os
jogadores têm a oportunidade de conjurar mágicas e ativar habilidades novamente. A pilha é
uma zona compartilhada pelos jogadores. Vejamos na figura 5 uma demonstração das zonas
do jogo na representação de uma partida de Magic e uma demonstração de cards na pilha:
Fonte: Tabak (2013)
Figura 5 - Zonas do jogo e cards na pilha
74
3.1.1.3 Conceitos básicos e procedimentos de combate.
Até este ponto já contamos com informação suficiente para uma explicação sobre os
procedimentos de combate, mas, antes é necessário que se aborde um procedimento de suma
importância para uma partida de Magic, e, crucial para os procedimentos de combate, que é o
conceito de “virar” uma carta. Por exemplo: como já vimos neste capítulo, no Magic,
praticamente todos os terrenos básicos têm uma habilidade que gera mana. Para extrair essa
mana os cards do tipo terreno devem ser “viradas” horizontalmente, ao fazer isso você terá
uma mana da cor correspondente ao terreno virado a sua disposição para ser utilizada.
Exemplo: se virar um terreno do tipo “Floresta” você terá a sua disposição uma mana da cor
verde, se virar um do tipo “Pântano” terá uma mana da cor preta. Outro uso importante do
“Virar” um card é a indicação que o card permanente está sendo utilizado. Conforme Tabak
,“Virar” um card
[...] é girá-lo horizontalmente. Você faz isso quando usa um terreno para
gerar mana, quando ataca com uma criatura, ou quando ativa uma habilidade [...].
Quando uma permanente é virada, isso geralmente significa que ela já foi usada
no turno. Você não poderá virá-la novamente até que ela tenha sido desvirada
(endireitada). No início de cada um dos seus turnos, você desvira seus cards virados
para poder usá-los novamente (TABAK, 2013, p. 9).
Vejamos na figura 6 ambos os procedimentos representados, vira um card para gerar
mana e para indicar que um card permanente foi usado:
Fonte: Tabak, (2013)
Sobre os procedimentos de combate, deve-se atentar para suas três fases: declaração
de ataque, de bloqueadores e de dano de combate. Veja na figura 7 uma representação das três
fases do procedimento de combate:
Figura 6 - Procedimento de virar um card
75
Fonte: Tabak, (2013)
Conforme a primeira parte da figura 7, da esquerda para a direita, o jogador atacante
ataca com suas três maiores criaturas, perceba que elas estão viradas. Na segunda parte da
figura o jogador defensor (parte de baixo) declara os bloqueadores para dois dos atacantes e
deixa o terceiro livre. O jogador defensor deve decidi que cards serão usados para bloquear.
Finamente, na última parte da figura, o atacante que não foi bloqueado causa 3 pontos de dano
ao jogador defensor. Os atacantes bloqueados e os bloqueadores causam danos uns aos outros.
As criaturas com resistência menor morrem, as maiores vivem.
Para concluir essa exposição sobre o Magic, cabe esclarecer que não foi nosso objetivo
exaurir o tema, que neste caso careceria de muitas páginas além das que utilizamos aqui dada
a complexidade e volume de informações necessárias para sua elucidação, sendo nosso
objetivo tão somente informar os tópicos considerados essenciais para uma completa
explicação sobre o funcionamento do produto didático apresentado por essa dissertação.
Interessados em apreender mais sobre o Magic, inclusive, visando se tornar um jogador, deve
recorrer aos manuais de regras autorizados pela editora Devir.
Figura 7 - Procedimentos de combate
76
3.1.2 Do Magic The: catering ao Combate Filosófico
Da mesma forma que no Magic, no Combate Filosófico, e agora em diante referido
por esta dissertação simplesmente pela sigla CF, os jogadores também integram um universo
específico construído para o jogo e desempenham nele um papel. Se no mundo imaginário do
Magic o jogador é um “Planwalker”, tipo de mago que faz parte da elite dos melhores magos
do Multiverso. No CF, os jogadores são “Pensadores”, grandes sábios que se enfrentam em
um conflito teórico para decidir quem tem a reputação mais sólida da história da Filosofia.
No Magic a moeda é a “Mana”, energia vital que alimenta as mágicas. No CF a
moeda é a “Reflexão”, atividade que oferece sustentação para os procedimentos teóricos
executados no jogo. O “Planwalker” invoca uma das cinco cores da Mana (Preta, azul,
amarela, verde e branca) de um dos cinco terrenos básicos existentes no jogo (Planície, Ilha,
Pântanos, Montanhas e Florestas) angariando, dessa forma os meios necessários para acessar
os recursos e executar os procedimentos no jogo, que são, dentre outros: invocar criaturas,
conjurar magias e etc.
O “Pensador” extrai Reflexão de uma das cinco área da Filosofia (Ética, Estética,
Epistemologia, Lógica e Metafísica) de um dos cinco períodos tradicionais da história da
Filosofia (Pré-socrático, Clássico, Medieval, Moderno e Contemporâneo), para acessar os
recursos e executar os procedimentos no CF, que podem ser: “Atrair” um filósofo para o
Campo de Batalha, inserir um Problema ou Período e etc.
No Magic, os jogadores iniciam o jogo com 20 pontos de vida (HP) e perdem quando
seus pontos de vida são reduzidos a zero. No CF da mesma forma os jogadores também
iniciam com pontos de reputação (RP) perdendo o jogo aquele que tiver sua reputação
reduzida à zero. A disputa no Combate filosófico é para decidir qual pensador tem a
reputação mais sólida história da Filosofia, sendo a consequência de a derrota ter o seu nome
apagado da história da Filosofia.
3.1.2.1 Os cards do Combate Filosófico após sua expansão
O Combate Filosófico, referido por esta dissertação doravante simplesmente como CF,
funciona com uma mecânica similar à do Magic, resguardadas as diferenças e adaptações. Por
exemplo: O CF conta com quatro tipos de card contra sete do Magic. No Magic temos o
feitiço, a mágica instantânea, o encantamento, o artefato, a criatura, o terreno e o
planeswalker. Já no CF temos: o filósofo e a filósofa, o problema, o período e as entidades.
77
Na pratica esses quatro tipos de cards do CF simulam ou tem potencial para simular o
funcionamento de todos os card de Magic, com exceção do planeswalker, card que não tem
similar no CF.
Dizendo de outra forma, no CF não existe uma carta correspondente para cada carta do
Magic em questão numérica, como ocorre com os Períodos tradicionais, por exemplo, que são
similar aos terrenos em número, todavia, os quatro tipos de cards que compõe o CF pode
funcionar de forma similar aos cards do Magic, exceto o planeswalker.
3.1.2.1.1 Card do tipo filósofo e filósofa
Os card do tipo filósofo e filósofa18
são equivalentes às criaturas do Magic, card que
luta pelo jogador. No CF existem dois tipos de card de filósofo e filósofa: os permanentes e os
de ação instantânea. Os Permanentes ao entrar no Campo de Batalha não afetam o jogo
imediatamente, porém permanecem nele à disposição do jogador. As de ação instantânea são
na maioria das vezes (existem exceções) como um feitiço do Magic, o jogador o põe no
campo de batalha e segue as instruções que ele traz, em seguida ele vai para o seu cemitério.
Relembrando que o Cemitério é o monte de descarte do Magic. No CF o filósofo de ação
instantânea, após afetar o jogo vai para a “Caverna” monte de descarte do CF. Não confundir
Caverna no CF, com Cemitério no Magic. A caverna é um local compartilhado pelos
jogadores, pois no CF não existe Cemitério, os cards que já foram utilizados vão para a
Caverna, não importando a que jogador ela pertencia.
O que faz um card do tipo filósofo ser permanente ou de ação instantânea é a
quantidade de habilidades que ela possui. Essa é uma diferença significativa em relação à
criatura do Magic. Existem cards de filósofo que possuem três habilidades, card que possuem
duas e cards que possuem uma. A regra para defini-las como permanentes ou de ação
instantânea é a seguinte: filósofos com três habilidades são sempre permanentes, filósofos
com duas ou uma são sempre de ação instantânea. Os filósofos, quer sejam permanentes ou de
ação instantânea, só podem utilizar uma habilidade por turno, salvo se uma carta determinar o
contrário. Filósofos permanentes vão para a caverna um turno após utilizarem a sua terceira
habilidade.
18
Teoricamente cards de filósofos e de filósofas são equivalentes e entram na mesma categoria de card, mas na
prática eles se diferenciam, pois alguns cards do CF contam com habilidades que afetam de forma especifica
cards de filósofas, dentre outras peculiaridades de habilidades que poderão diferenciar os respectivos cards. Caso
não se trate de uma habilidade com tais características, se aplicam as mesmas regras para cards de filósofos e de
filósofa.
78
Em suma, se o filósofo possui três habilidades, vai para a caverna quando tiver
utilizado as três, se possuir duas ou uma habilidade, afeta o jogo de uma única forma ao entrar
no campo de batalha e vai para a caverna quando sessarem os efeitos de sua habilidade. Os
cards de filósofo não têm poder e resistência como as criaturas do Magic, porém como elas ao
entratrem no campo de batalha não podem ser usadas, pois estão sob o efeito “confusão de
atração” similar a ao enjoo de invocação no Magic.
Os filósofos permanentes vêm com as habilidades numeradas, dessa forma cada vez
que uma habilidade é utilizada coloca-se sobre ela um dado com a numeração referente a
habilidade utilizada. Por exemplo: se foi utilizada a habilidade três de um card, coloca-se o
dado com o número três sobre ele, já se sabe que naquele turno ela não pode ser utilizada e
nem aquela habilidade até o card sair do jogo. Quando um card tiver sobre ele três dados
marcando, um, dois e três, no turno seguinte ao uso da última habilidade ele deverá ir para a
caverna.
Os filósofos não são descartados porque foram destruídos por um ataque superior à
sua resistência, como acontece com as criaturas, mas quando suas habilidades se esgotam.
Como já foi explicado, os filósofos não possuem “poder e resistência” como as criaturas. Para
utilizar os filósofos para bloquear ou atacar é preciso que eles possuam habilidades de ataque
ou de bloqueio. Tendo um custo de Reflexão para ambos. Inclusive, existe no CF, cards de
filósofos que não possuem habilidades de ataque ou de defesa, mas somente de efeitos.
Vejamos a seguir a figura 8 trazendo o verso dos cards do CF e visão geral de um card de
filósofo permanente:
Fonte: autoria própria.
Figura 8 – Verso dos cards e card de filósofo permanente
79
Vejamos na figura 9 um card de filósofo de ação instantânea
Fonte: autoria própria.
Para encerrar este subtópico, vejamos na figura 9 um card de filósofa de ação
instantânea, cuja habilidade afeta somente filósofos:
Fonte: autoria própria.
Figura 9 - Card de filósofo de ação instantânea
Figura 10 - Card de filósofa
80
3.1.2.1.2 Cards de Período: períodos tradicionais e períodos especiais
Os períodos “tradicionais” do CF são similares aos terrenos básicos do Magic. A cada
turno os jogadores podem inserir um período no campo de batalha, o oponente não pode
reagir a isso. Dos períodos o jogador deverá extrair “Reflexão” de uma das cinco áreas da
Filosofia para custear os procedimentos do jogo. A extração é obtida através do procedimento
de “virar a carta” horizontalmente como no Magic com os terrenos. O CF conta com cinco
períodos tradicionais: pré-socrático, clássico, medieval, moderno e contemporâneo,
igualmente o Magic com seus cinco terrenos básicos. Eles geram Reflexão de uma das cinco
áreas da Filosofia: ética, estética, epistemologia, metafísica e lógica, como o Magic com a
mana que pode ser de uma das cinco cores.
Agora vejamos algumas diferenças entre “terrenos” e “períodos”. Diferentemente dos
terrenos, que tem habilidade de gerar mana apenas de uma cor, os períodos, com exceção do
pré-socrático, oferecem ao jogador a opção de escolher, dentre Reflexão de áreas diversas, a
que prefere utilizar. Da mesma forma que no Magic com os terrenos, os períodos só geram
reflexão de uma área por turno, mas, com exceção do pré-socrático, eles oferecem ao jogador
em torno de três, no caso dos períodos clássico, medieval e moderno, e cinco opções, no caso
do Período Contemporâneo. Vejamos na figura 11 as partes de um card de Período
Tradicional:
Fonte: autoria própria.
Figura 11 - Partes de um período tradicional
81
Vejamos na figura 12 os demais períodos tradicionais:
Fonte: autoria própria.
O CF conta ainda com outro tipo de card de período, trata-se do Período Especial. Os
períodos especiais seguem todas as determinações de uso dos Períodos tradicionais, tendo
somente duas exceções: em primeiro lugar, os Períodos tradicionais possuem outras
habilidades além da capacidade de gerar Reflexão, e em segundo lugar, alguns podem gerar
Reflexão de mais de uma área de forma simultânea. Vejamos um modelo de período especial
na figura 13:
Fonte: autoria própria.
Figura 12 - Períodos tradicionais
Figura 13 - Período especial
82
Figura 14 - Card do tipo problema
3.1.2.1.3. Cards do tipo problema
O card do tipo Problema na maioria das vezes desempenha no jogo (CF) uma função
semelhante à do card “Mágica instantânea” do Magic, seguindo também suas regras de uso,
resguardadas as exceções. Por exemplo, como a “mágica instantânea”, quando um card do
tipo problema é inserido no campo de batalha suas determinações devem ser seguidas e após
isso o card ser enviado para o local de descarte, no CF a Caverna. Sobre as diferenças entre os
cards, diferente da “Mágica instantânea” do Magic, no CF os competidores podem inserir um
card do tipo problema no campo de batalha livremente, já que eles não têm “custo de
reflexão”. Da mesma forma, diversamente do card “mágica instantânea” do Magic, os
problemas só podem ser inseridos no turno do adversário se for para responder a inserção de
outro problema. O problema tem uma habilidade que o permite gerar Reflexão Especial, nome
da habilidade dos problemas. Vejamos na figura 14 um card do tipo problema:
Fonte: autoria própria.
83
3.1.2.1.4 A Entidade e a Ficha
A entidade afeta o jogo como um filósofo de ação instantânea, com uma exceção: a
Entidade é banida do jogo assim que o afeta, só retornando se “Invocada” nominalmente por
outro card. A “Invocação” é uma modalidade de inserção de cards no campo de batalha
exclusiva do card de Entidade. A Invocação pode ser nominal, quando um card solicita a
entrada da Entidade no Campo de Batalha (pode ser um card de filósofo ou de período
especial) ou pagando-se o seu Custo de Reflexão. As Entidades são banidas do jogo após o
afetarem, podendo retornar em caso de uma invocação nominal. Confira na figura abaixo um
card de Entidade:
Fonte: autoria própria.
Os cards do tipo Ficha são equivalentes aos do tipo “Entidade” para todos os efeitos,
eles recebem essa nomenclatura diferente para pontuar sua posição no Jogo como cards
especiais devido à natureza dos personagens que eles representam, pois não são filósofos ou
entidades. Confira na figura 16 os dois cards de Ficha que integram o jogo:
Figura 15 - Card de entidade
84
Fonte: autoria própria.
Em suma, este tópico apresentou os tipos de cards do Combate Filosófico após sua
expansão para se adequar as exigências da lei 10.639 e ser usado como material didático para
ajudar professores de Filosofia a levar para o contexto de suas aulas temas exigidos pela lei
10639 para uma educação filosófica para as relações étnico-raciais. Com a expansão o card
game ganhou mais dois tipos de cards, Entidade e Ficha, e teve uma nova modalidade de card
de filósofo, sendo o card de “filósofa”. Com o novo formato os cards do Combate Filosófico
ganharam um layout profissional, ilustração ou fotografia e uma divisão por cores: cards de
filósofo permanente ficaram com fundo roxo escuro, de ação instantânea azul, de entidade e
ficha verde, de problema vermelho e de período tradicional vermelho e de período especial
cinza. Lembrando que o jogo foi ampliado com novos cards, todavia, conservou a maioria dos
card da primeira versão, que representavam os clássicos da tradição filosófica ocidental.
Confira alguns destes cards na figura 17:
Figura 16 - Fichas
85
Fonte: autoria própria.
3.1.2.1.4. Como se joga Combate Filosófico?
Conhecidos os cards do Combate Filosófico já podemos nos inteirar sobre alguns
procedimentos e informações necessárias para jogarmos uma partida de Combate Filosófico.
Falaremos primeiro sobre os locais do jogo e em seguida sobre os procedimentos de combate
básicos. Relembrando, as zonas do Magic são: Grimório, Mão, Pilha, Campo de Batalha,
Cemitério e Exilio. As zonas do CF são similares ás do Magic, com duas exceções: o local de
descarte de cards (cemitério) e a pilha (local do jogo onde as mágicas ganham vida). A pilha
não tem uma Zona similar no CF, tendo em vista que as características das habilidades de
efeito dos cards do CF, diferente de algumas “mágicas do Magic”, como regra geral, afetam o
jogo de forma imediata (conferir tipo de habilidades do CF no Manual de Regras nos anexos).
O cemitério enquanto local de descarte de cards individual também não tem similar no CF,
que conta com uma zona de descarte de cards que é compartilhada pelos jogadores chamada
de Caverna. No mais, o CF conta com o Deck ou monte de compra, nome dado a coleção de
cards de um jogador. No Magic se chama Grimório, no CF “Arsenal de Conceitos”. As
demais zonas do Magic existem no CF de forma similar ao Magic, sendo: a Mão, para onde
Figura 17 - cards clássicos do Combate Filosófico com o novo layout
86
vão os cards que você compra, isto é, retira do Grimório (monte de compra) a cada turno, no
CF “Arsenal de Conceitos”; o Campo de Batalha, local da mesa onde o duelo acontece e
ficam os cards permanentes como períodos e filósofos no CF, terrenos e criaturas no Magic;
os exílios, para onde são enviados os cards que são expulsos do campo de batalha.
Fonte: autoria própria.
Na figura 18 temos um ambiente do CF preparado para uma partida de combate
filosófico. Mas como esse ambiente foi construído? Perceba que de em ambos os lados da
figura temos a ilustração de um deck, esse é o monte de compra dos jogadores, de onde viram
os cards para formar sua Mão. A cada turno, que é o momento do jogo em que um jogador
executa procedimentos, ele pode comprar um card tirando-o do seu arsenal de conceitos
Figura 18 - Zonas do Combate Filosófico
87
(deck) e colocá-lo em sua Mão, seu pequeno arsenal “pronto emprego”. Da Mão os cards
precisam ser colocados no Campo de Batalha o mais rápido possível.
No que diz respeito aos procedimentos de combate, existem diferenças significativas
entre o Magic e o CF. Diferentemente do Magic, em que os “cards” do tipo criatura como
regra tem “poder e resistência”, podendo, portanto, atacar e bloquear conforme a decisão de
seu controlador, o card de “filósofo”, como já vimos anteriormente, só atacam ou bloqueia se
possuirem habilidades de ataque ou de defesa. Desta forma, um jogador ao ser atacado,
mesmo tendo cards de filósofo no campo de batalha pode não ter como revidar o ataque ou
bloqueá-lo. Caso um jogador seja atacado e tenha no campo de batalhas cards com
habilidades para contra-atacar e decida faze-lo, estará dando seguimento a um procedimento
do CF chamado “Duelo”. O Duelo se inicia com a declaração de atacante, isto é, quando um
jogador informa ao seu oponente que irá ataca-lo, diz o nome da habilidade que irá utilizar ,
põe o dado sobre a carta com o seu respectivo número e passa o turno.
A dinâmica do duelo é a seguinte: digamos que o Pensador “X” decida atacar seu
oponente, o Pensador “Y”, com a habilidade de nº 2 do card Platão. Nesse caso ele precisa
virar períodos para pagar o “custo de reflexão” da habilidade, em seguida virar o card e por
sobre ele o dado com o número da habilidade que vai usar. Feito isso, é só passar o turno e
estará desferindo um ataque de -7 com a habilidade “Pelotão de choque da República” do card
Platão. O Pensador “Y” precisa decidir, se, e como vai responder ao ataque. Mas, ele não
precisa fazer isso assim que receber o turno, poderá comprar um card, inserir um período ou
problema, atrair um filósofo e etc., proceder com as fazes de um turno normalmente (ver as
fazers de um turno no manual de regras em anexo), isso porque os ataques no CF não causam
danos de forma imediata, mas somente quando o jogador atacado passa o turno. Mas o que
acontece se ao invés de receber o dano o Pensador Y decidisse contra-atacar com uma
habilidade de maior capacidade? Se ele por exemplo, recorresse a habilidade número três do
card Aristóteles, “Chuva de conceitos da metafísica”, que causa – 12 de dano na reputação?
Neste caso o maior ataque suplantaria o menor e seguiria com o devido desconto para o
pensador X, que teria de lidar com um contra-ataque de -10 e o duelo seguiria. Observe na
figura 19 um esquema explicativo de uma partida de CF com uma demonstração de duelo
com ataque e contra-ataque, como acabamos de descrever.
88
Fonte: autoria própria.
Como ficou bem nítido na figura 19, o pensador X teve seu ataque suprimido pelo
ataque maior e agora está em perigo, pois, segundo as regras do duelo (mais informações
sobre o duelo no manual de Regras em anexo) o card usado para atacar não pode ser
desvirado até o fim do duelo. No caso, o card Platão não pode ser utilizado até o duelo
terminar e o pensador X está recebendo um contra-ataque de -10. Perceba na figura 19, que
Platão não é o único card de filósofo que o Pensador X possui no campo de batalha, ele pode
contar com mais dois cards com habilidades de ataque, Immanuel Kant e Marilena Chauí. E
como seus períodos poderão ser desvirados para serem utilizados novamente, ele poderá
responder ao ataque de -10 e dar sequência ao duelo, que só terminará quando um dos
jogadores receber danos em sua reputação, desviar o ataque ou anulá-lo com um ataque de
mesma capacidade.
3.1.2.2 A metodologia utilizada para a expansão do Combate Filosófico.
Como vimos no capítulo 2, a Filosofia afroperspectivista foi a principal referência
teórica para a expansão do CF. Temos chamado as mudanças de expansão porque a estrutura
do jogo permaneceu a mesma do início da pesquisa, que esteve totalmente focada na
Figura 19 - Duelo, ataque e contra-ataque
89
ampliação da história da Filosofia com a inserção de parte da produção filosófica africana,
afrodiaspóricas e afro-brasileira. Essa ampliação na prática resultou na inserção no jogo de
novos cards de Período especial, problema, filósofo, criação dos cards de filósofa, de entidade
e de ficha. No que se refere aos textos dos novos cards foi utilizada a mesma metodologia da
versão antiga, em que se recorreu aos conceitos e informações pertinentes da biografia de um
filósofo e a relação deles com seus pares ou período da história da Filosofia para a construção
das habilidades, que na maioria das vezes assumiu o formato de uma técnica secreta de
personagens de animes. Exemplo: a habilidade número três do card Platão no jogo se chama
“Prisão suprassensível” tem relação com sua teoria do mundo das ideias ou das formas,
impacta o jogo enviando um card de filósofo do adversário para o mundo das ideias; a
habilidade de número um do card Abdias do Nascimento se chama “Espada do
Quilombismo”, inspirado em seu conceito de quilombismo, impacta o jogo desferindo um
ataque de -10 na “reputação do adversário”, nome dos pontos de vida no Combate Filosófico.
A pesquisa bibliográfica foi à metodologia dotada na busca por referências para
fundamentar as mudanças que o jogo sofreu no que se refere ao objetivo da pesquisa, que foi
de reconfigurar o jogo visando sua utilização como material didático para ajudar professores
de Filosofia a levar para o contexto de suas aulas temas que atendam às exigências da lei
10.639 para uma educação filosófica para as relações étnico-raciais. Neste sentido, os novos
cards, bem como a modificação dos antigos se inspirou em nomes, período históricos,
conceitos e movimentos filosóficos relacionados a Filosofia afroperspectivista conforme a
construção teórica do professor Renato Noguera (2014) no livro “Ensino de Filosofia e a lei
10.639”, e também em obras de sua autoria que direta ou indiretamente tratam do assunto,
sendo elas, além do livro já mencionado: o capítulo, “Sambando para não sambar,
afroperspectivas filosóficas sobre musicidade do samba e a origem da Filosofia” no livro
“Sambo, logo penso” organizado por Wallace Lopes; o artigo “A ética da serenidade: O
caminho da barca e a medida da balança na Filosofia de Amen-em-ope”; o artigo
“Denegrindo a educação: um ensaio filosófico para uma pedagogia da pluriversalidade”; o
artigo “Zumbi como personagem conceitual e a favela como heterotopia: fronteiras entre a
literatura de Agualusa e as Filosofias de Foucault e Deleuze”.
Para a construção do layout dos cards foi utilizado o programa Magic set Editor versão
1.0 em português criado por Twan Van baixado gratuitamente na página https://magic-set-
editor.br.uptodown.com/windows/download. O Magic set Editor oferece suporte para criação
90
de cards nos estilos do Magic e Yu-gi-oh19
, podendo ser baixado por computadores que
utilizam sistema operacional Windows XP ou superior. Confira na figura 19 as opções de
layouts que o editor de cartas oferece:
Fonte: Editor -Disponível em: https://magic-set-editor.br.uptodown.com/windows/download.
As ilustrações e fotos dos cards foram extraídos da internet, com exceção das
ilustrações dos períodos tradicionais, do período especial “Manifesto Antropofágico” e da
ilustração do verso das cartas (logo do jogo), que foram criadas pelo ilustrador Ricardo Brasil
em parceria com a ilustradora Renata Brasil. Outros cards com ilustrações não extraídas da
internet são: Immanuel Kant, Pitah-Hotep, Anaxímenes, filósofos de Frankfurt e Guilherme
de Okham. Ilustrações criadas pelo ilustrador Allan Silva. As cartas foram impressas em uma
gráfica em papel cartão.
3.2 METODOLOGIA PARA TESTAR O PRODUTO DIDÁTICO
Para testar o produto didático adotou-se a metodologia de pesquisa qualitativa
conhecida como grupo focal. Foram considerados os princípios da pesquisa qualitativa
enquanto método que se caracteriza por uma abordagem subjetiva do objeto de pesquisa.
Conforme Claudia Augusto Dias (2000) diferente da pesquisa quantitativa, que usa números
para testar construtos científicos e hipóteses, a pesquisa qualitativa se caracteriza justamente
pela ausência de medidas numéricas e analises estatísticas, pautando sua análise em aspectos
19
Card game de estratégia que utiliza uma mecânica similar à do Magic.
Figura 20 - Opções de layout de card oferecido pelo Magic set
91
que estão muito além dos números e estatísticas, que dize respeito a subjetividade do objeto
que está sendo estudado. Para P. Liebscher Apud Dias, “[...] para aprender métodos
qualitativos é preciso aprender a observar, registrar e analisar interações reais entre
pessoas, e entre pessoas e sistemas” (DIAS, 2000, p. 01).
De acordo com Dias (2000) a pesquisa qualitativa costuma utilizar métodos menos
estruturados em relação à pesquisa quantitativa, mas em contrapartida, por lidar com a
subjetividade, dispõe de uma análise a partir de informações mais amplas e detalhadas do que
o método qualitativo. A partir de Calder, Dias (2000) aponta três diferentes abordagens
presente na pesquisa qualitativa: exploratória, fenomenológica e clínica. Sobre cada uma delas
Dias (2000, p. 2) informa que
[...] a abordagem exploratória ocorre em duas situações distintas: quando o
pesquisador está interessado em testar aspectos operacionais de uma pesquisa
quantitativa, como por exemplo, o teste-piloto de um questionário; ou quando seu
objetivo é estimular o próprio pensamento científico, por meio da concepção mais
aprofundada de um problema e da geração de novas ideias ou hipóteses a serem
testadas em pesquisas futuras. [A abordagem fenomenológica] [...] tem como
propósito “transferir” o pesquisador para o ambiente que lhe é pouco ou nada
familiar, fazendo com que experimente as mesmas sensações, problemas,
necessidades e satisfações da população pesquisada. [A abordagem clínica] [...]
objetiva trazer à tona sensações e sentimentos que não poderiam ser facilmente
percebidos por meio de métodos de pesquisa estruturados. Na verdade, lida com
informações veladas, por vezes inconscientes e inacessíveis nos relacionamentos
interpessoais, constituindo-se em uma boa ferramenta na obtenção de informações
úteis para o julgamento clínico de um profissional especializado.
Segundo Dias (2000) o grupo focal se encontra entre as técnicas mais utilizadas em
abordagens qualificativas e tem se tornado popular entre pesquisadores das áreas mais
diversas. De acordo a definição de Coplan apud Dias (2000, p.3), grupos focais são “[...]
pequenos grupos de pessoas reunidos para avaliar conceitos ou identificar problemas [...]”.
Para Dias, (idem, p. 3):
[...] o objetivo central do grupo focal é identificar percepções, sentimentos, atitudes
e idéias dos participantes a respeito de um determinado assunto, produto20
ou
atividade. Seus objetivos específicos variam de acordo com a abordagem de
pesquisa. Em pesquisas exploratórias, seu propósito é gerar novas idéias [sic]ou
hipóteses e estimular o pensamento do pesquisador, enquanto que, em pesquisas
fenomenológicas ou de orientação, é aprender como os participantes interpretam a
realidade, seus conhecimentos e experiências. No caso de pesquisas clínicas, há uma
modalidade de grupo focal, conhecida como entrevista de grupo focal em
profundidade (in-depth focus group interview), cujo objetivo é identificar
informações mais profundas do que as que se encontram acessíveis nos
relacionamentos interpessoais.
No que diz respeito a utilização da metodologia de grupo focal na educação, para
Sandra Regina Gomes (2011) ainda se trata de um método em construção, mas que, já é aceito
20
Grifo nosso.
92
por muitos como um método de pesquisa educacional por tratar-se de uma ação planejada,
com base num quadro de procedimentos previamente conhecidos que pode eventualmente
comportar outras estratégias de pesquisa. Segundo Alberto Albuquerque Gomes (2011, p. 6):
[...]nas investigações em educação, as entrevistas de grupo focal oferecem [...] a
oportunidade de armazenar dados qualitativos relativos às percepções e opiniões de
indivíduos selecionados. Se aplicadas adequadamente, o investigador poderá captar
informações preciosas sobre os pensamentos e sentimentos dos participantes, em
tempo relativamente curto.
3.2.1 Aplicação da metodologia de grupo focal para testar o produto didático
O teste do jogo Combate Filosófico foi realizado no Colégio estadual Doutor Alfredo
Backer, Unidade Escolar onde o pesquisador é lotado. A turma escolhida foi a 2003, turma da
segunda série do ensino médio segundo a avaliação da escola de baixo rendimento e
indisciplinada. O critério de escolha da turma foi a proximidade entre o conteúdo regulado
para turmas da segunda série do ensino médio regular da rede estadual, se tratando da teoria
do conhecimento, e a proposta da pesquisa, que consiste em testar o card game Combate
Filosófico como um organizador prévio comparativo a fim de que os estudantes aprendam de
forma significativa que a história da Filosofia no ocidente, dentre outras formas de ver a
realidade filosófica, consiste em um combate teórico em torno de problemas que dizem
respeito unicamente a parte ocidental do globo e que portanto, apresenta uma história parcial
da Filosofia. Neste sentido, consideramos que as disputas teóricas em torno das teses sobre o
conhecimento, bem como o “silenciamento”21
dessas discussões sobre a produção filosófica
não ocidental, se encaixariam melhor com a natureza do produto didático.
O grupo focal foi escolhido como metodologia, em primeiro lugar, por ser
tradicionalmente utilizado para testar novos produtos (DIAS, 2000, p. 3), o que possibilitou
um alinhamento entre a natureza do grupo focal enquanto metodologia de pesquisa qualitativa
e a proposta da dissertação. Conforme Coplan Apup Dias (2000), o objetivo central do grupo
focal é identificar percepções, sentimentos, atitudes e ideias dos participantes a respeito de um
determinado assunto, produto ou atividade. Em nosso caso trata-se de um produto (o card
game Combate Filosófico), pois, produto didático também é produto. E o que a pesquisa quer
descobrir tem relação com “atitudes e ideias”, sendo: se os estudantes após o contato com o
produto educacional (Combate Filosófico) foram capazes de aprender de forma significativa
21
Grandes nomes da teoria do conhecimento como kant e Hume adotaram posturas racistas e afirmaram a
incapacidade dos povos africanos de produzir qualquer conhecimento considerado sofisticado de acordo com os
critérios ocidentais (Kant, 1993, p. 75-76).
93
fazendo a relação entre a “ideia” de combate que eles já têm previamente, com a ideia de
Combate teórico e filosófico apresentada pelo jogo. Neste sentido, como já vimos ao
comentar o papel dos organizadores prévios, a referida relação depende da “atitude” do
aprendiz.
O segundo motivo para a escolha do grupo focal se refere ao tempo que ele possibilita
que o pesquisador economize na coleta de dados. Segundo Alberto Albuquerque Gomes
(2011) quando a metodologia é aplicada de forma adequada as informações coletadas no
grupo Focal podem ser reunidas em um curto espaço de tempo. Esse elemento foi
determinante para a escolha da metodologia, tendo em vista que o fator tempo representou
uma considerável dificuldade para a pesquisa.
Finalmente, a opção pelo grupo focal se deveu a possibilidade que a metodologia
oferece de se combinar com outras metodologias. Gomes destaca que “uma das vantagens da
adoção da entrevista de grupo focal como técnica principal para coleta de dados é a
possibilidade de usá-la isoladamente ou combinada com outras técnicas” (GOMES, 2011, p.
9).
3.2.2. Detalhamento das etapas da aplicação da metodologia
Conforme Gomes (2011) a formação de um grupo focal se inicia com a formulação do
problema e a definição de critérios para a formação do grupo. Sobre o segundo ponto
adotamos como critério para ter experiência com card game de estratégia. Mas, devido à
ausência da referida característica pré-determinada optou-se pela escolha aleatória dos
participantes, procedimento defendido por Gomes ( 2011, p. 11) para esses casos, tendo em
vista que,
[...]a definição de uma amostra aleatória extraída de um grupo deve considerar, na
seleção dos membros, características predeterminadas. Se houver um grande
conjunto de indivíduos que possua essas características, é possível fazer a seleção
aleatória dos participantes daquele grupo.
Desta forma, seis alunos foram selecionados aleatoriamente formando um grupo
bastante heterogêneo de quatro rapazes e duas moças com idades entre 15 e 17 anos. A
segunda providencia a ser tomada após a seleção dos participantes foi criar um grupo de
WhatsApp para troca de informações, recados e para que os alunos se expressassem sobre sua
experiência com o jogo.
94
Fonte: autoria própria.
Como já vimos anteriormente, a metodologia de coleta de dados do tipo grupo focal
oferece aos pesquisadores a possibilidade de combinar técnicas metodologias de pesquisa
diversas, não obstante isso, a técnica de coleta de dados para pesquisa combinando grupo
focal e aplicativos de mídias sociais não são uma prática muito comum em pesquisas
qualitativas, isso fica evidente quando se busca por informações da referida combinação
metodológica em portais de pesquisa acadêmica como o Google Acadêmico e Scielo. No
entanto, existem experiências bem-sucedidas da referida combinação, inclusive com uso de
WhatsApp já publicadas. Como por exemplo, a experiência relatada no XII Simpósio de
Excelência em Gestão em Técnologia referente a metodologia utilizada na avaliação
institucional da Universidade do Grande Rio (UNIGRANRIO):
Este texto trata da experiência de uma universidade privada do Estado do Rio
de Janeiro na avaliação institucional através de abordagem metodológica e
instrumental diferenciada na busca da qualidade da gestão. Tem como objetivo
demonstrar como a combinação de Tecnologias da Informação e de
Comunicação (TIC) com técnicas presenciais de abordagem podem
incrementar o processo de avaliação institucional dando-lhe mais alcance,
transparência e credibilidade (ARANA et al, 2015, p. 3).
Conforme Arana et. al. (2015) os canais que tiveram mais destaque na experiência que
combinou mídias sociais e grupo focal na coleta de dados para proceder a avaliação
institucional da UNIGRANRIO foram o site da faculdade, o blog, o e-mail, o Marketing e o
WahatsApp. O papel do WahatsApp no processo foi
[...]proporcionar a devolutiva imediata frente a alguma demanda mais urgente da
comunidade, bem como [...] para manter a mobilização dos membros da Comissão
(alunos, professores, funcionários e representantes externos) por meio de um grupo
específico criado no aplicativo (ARIANA et. al., 2015, p. 9).
Figura 21: Print do grupo de watt zap para discutir questões do jogo
95
Para Arana et. al. (2015) devido à combinação da técnica de grupo focal com o uso de
mídias sociais no processo de avaliação institucional houve um significativo aumento da
participação dos alunos em relação ao ano anterior, processo que ocorreu sem prejuízo da
qualidade metodológica de ambas as técnicas. Segundo Arana et. al. (2015, p. 11):
[...] as dimensões “virtual” e “presencial” da avaliação [...] [se deram através
da utilização de] instrumentos e roteiros de entrevista com enfoque nos cursos
– o currículo, as práticas pedagógicas – e a unidade em que este se realizava –
a estrutura física e a comunicação interna, dos quais os alunos deveriam
apresentar pontos fortes e pontos fracos, contemplando assim várias dimensões
avaliativas propostas [...] sem, contudo, esgotá-las.
Em nossa pesquisa o WahatsApp foi utilizado como método auxiliar de coleta de
dados, além de mural de avisos e canal para a entrega de documentos e informações referentes
as reuniões do grupo. Dessa forma buscou-se com o uso do aplicativo viabilizar certas
exigências metodológicas ligadas a aplicação da técnica do grupo focal, como por exemplo, a
necessidade de gravação das falas, que não se faz necessária em um grupo virtual, além de
suprir deficiências dos encontros físicos em relação as dificuldades que o formato adotado
(teste de produto didático mais conversa sobre as regras do jogo) ofereceu no que se refere a
oportunidade de os sujeitos de pesquisa se expressarem sua experiência com o produto
didático.
No decorrer da pesquisa, principalmente nas reuniões para testar o produto didático,
também foram utilizados técnicas de pesquisa-ação e pesquisa-ação participante nos termos
de Thiollent, autor que a vê a pesquisa-ação como uma
[...] metodologia de observação [...] na qual os pesquisadores estabelecem relações
comunicativas com pessoas ou grupos da situação investigada com o intuito de
serem melhor aceitos. Nesse caso, a participação é sobretudo participação dos
pesquisadores e consiste em aparente identificação com os valores e os
comportamentos que são necessários para a sua aceitação pelo grupo considerado.
(THIOLLENT, 2003, p.14).
3.2.2.2 Reuniões para testar o produto didático
As reuniões para testar o produto ocorreram na unidade escolar e contou com a
presença do pesquisador e dos 6 alunos da turma 2003 selecionados para participar da
pesquisa. O grupo se reuniu em três ocasiões, duas no pátio da Unidade Escola e uma na sala
de aula. Para que houvesse a primeira reunião foi necessário solicitar que um colega da
unidade liberasse os alunos envolvidos com a pesquisa de sua aula, tal encontro se deu dia no
dia 16 de outubro de 2019 a partir das 14 horas e 30 minutos e terminou exatamente às 16
horas e 20 minutos, horário que marcou o fim dos tempos de aula do colega que cedeu os
alunos para o teste.
96
A segunda reunião, também realizada no pátio da Unidade Escolar se deu no dia 22 de
outubro a partir das 14 horas e 35 minutos, se aproveitando de um horário vago no quadro de
horários da unidade escolar. A reunião se estendeu até às 16 horas e 20 minutos. O último
encontro ocorreu no dia 28 de outubro na aula de Filosofia sob a regência do professor e
pesquisador com início às 13 horas e zero minuto e termino às 14 horas e 15 minutos. Todas
as partidas foram gravadas e ocorreram sob a mediação do pesquisador, com exceção da
última que por ter acontecido durante uma aula de Filosofia, não contou com mediação direta
do pesquisador.
Em cada encontro, com exceção do primeiro que envolveu além do teste uma
exposição sobre as regras do jogo, houve partidas para testar o produto didático. Para as
partidas os alunos foram divididos em duas equipes, cada uma com três integrantes. Cada
equipe iniciou o jogo com um total de 12 cards em sua “Mão”. Esses cards foram distribuídos
entre os integrantes do grupo. Foi a primeira vez que o card game funcionou com o formato
de 12 card no início da partida, estratégia utilizada para agilizar as jogadas e diminuir o tempo
das partidas. Os materiais usados em cada teste foram: um deck de Combate Filosófico, 12
dados comuns, um telefone para marcar o tempo das jogadas por meio de um aplicativo com
relógio para cronometrar partidas de xadrez (quando um lado é ativado o outro desliga).
A primeira reunião, levando em conta a explicação do pesquisador sobre as regras do
jogo e a apresentação das cartas durou uma hora, 26 minutos e 50 segundos. A segunda durou
uma hora, 6 minutos e 35 segundos. A terceira durou 58 minutos e 22 segundos. Fazendo um
balanço das reuniões de teste, pode-se dizer que a primeira reunião consistiu em uma palestra
para apresentar o jogo, mas que houve tempo para uma partida de teste. A segunda reunião
serviu basicamente para relembrar os fundamentos do jogo aprendidos na primeira, e a
terceira foi de fato o grande teste das equipes. Somente na terceira reunião de teste as equipes
jogaram com uma razoável independência em relação as orientações do pesquisador.
Durante as reuniões de teste, o pesquisador atuou como mediador tirando dúvidas
sobre as regras (os sujeitos de pesquisa não leram o manual de regras), sugerindo jogadas para
incentivar uma maior interação com o produto didático (primeira e segunda reunião de teste),
medindo o tempo de duração da pesquisa e mediando conflitos ligados ao funcionamento do
jogo. Neste sentido o pesquisador adotou a dupla função “de observador crítico e participante
ativo” (GORI, 2006, p. 116), comuns em metodologias de pesquisa-ação e pesquisa-ação
participante.
97
3.3 ANÁLISES DA PERCEPÇÃO DOS ALUNOS SOBRE O PRODUTO DIDÁTICO
Conforme Alberto Albuquerque Gomes (2011), embora não exista um modelo
acabado para a análise de dados, os que são obtidos por meio de grupo focal devem ser
analisados segundo certos critérios. Esses critérios segundo Gomes (2011) incluem: o uso
repetido de palavras, o contexto em que as informações foram coletadas, os pontos de
concordância dos participantes, opiniões que resultaram de pressão de outros debatedores,
respostas que decorrem de experiências pessoais em detrimento de respostas vagas, ideias
importantes, comportamentos, gestos, reações, sentimentos, valores, pré-conceitos,
dificuldades de compreensão das perguntas, entusiasmo, dificuldades e aproveitamento dos
espaços de liberdade.
Os critérios em questão serão utilizados por esta análise à medida que forem
consideradas eficazes ante os propósitos da pesquisa, que é: a avaliação do jogo como produto
didático para ajudar professores de Filosofia a levar para o contexto de suas aulas conteúdos
exigidos pela lei 10.639 e o uso do jogo dentro da perspectiva da aprendizagem significativa
como um organizador prévio comparativo. Neste sentido, visando abordar ambos os objetivos
e aplicar da melhor forma os critérios para análise de dados listados por Gomes (2011)
pretendemos nesta análise expor o relato de experiência de cada jogador fornecida no grupo
do wahtsapp, comparar as opiniões sobre o jogo aplicando alguns princípios para análise de
dados na perspectiva do grupo focal conforme a lista de Gomes (2011) e por fim analisar as
falas em bisca de indícios da aprendizagem significativa e diagnósticos da avaliação do jogo.
Para expor a opinião dos participantes preservando o anonimato optarmos por identifica-los
por números, conforme a ordem que cada um forneceu suas impressões sobre o jogo no
grupo.
Sujeito de pesquisa número 1:
Em relação ao jogo o número de cartas e tipos é bastante elevado sendo muito
variado isso acaba sendo um pouco confuso e fica difícil de tirar 100% do seu leque
ainda mais sendo novato no jogo, fazendo então que cartas como problemas e
invocações serem deixadas de lado. Em minha opinião um leque com um número
de cartas limitado logo no início faz que seu jogador busque o 100% das suas
cartas dando importância é tirando o máximo de aproveitamentos mas isso não seria
limitado os jogadores poderiam de alguma forma "comprar" um máximo de por
exemplo uma carta aleatória por turno. Enfim estou enfatizando que as habilidades
e os filósofos em si tiram seu foco das outras cartas e elas acabam sendo deixadas de
lado.
Sujeito de pesquisa número 2:
minha experiência com o jogo foi boa, porém senti falta da "pancadaria" na minha
opinião ficou um jogo muito dialético, oque não é ruim, afinal de contas desenvolve
98
a criatividade, porém eu acho que tinha que ter algo mais cativando no jogo que
fizesse ele ser tanto um jogo casual quanto um jogo competitivo, como um sistemas
de modo de jogo, tipo, "partida rápida" onde cada jogador começa com 10 cartas e
só pode comprar no 3° turno do jogo, e outro modo como, "partida casual" onde tem
as regras padrões presentes atualmente no jogo, e o outro modo "competição
dialética" onde cada jogador pronto pra dialogar incessantemente joga em um modo
ultra focado onde somente o que tiver melhor os seus conceitos levara a vitória, seria
um modo de jogo muito mais demorado é claro, onde cada jogador começa com 50
pontos de integridade tem seu inicio de jogo com 16 cartas e pode colocar no 1°
turno, e somente neste, 5 períodos, porem não pode colocar nenhum problema ou
carta de ação rápida nem período especial, sendo assim um jogo muito massante
porém bem dialético exceto se seu oponente for uma tabula rasa.
Sujeito de pesquisa número 3:
Minha experiência com o jogo foi boa mas assim como um dos outros jogadores,
achei que começa com muitas cartas e dificulta na hora de agir, e além de tudo
demora a terminar o jogo, mesmo sendo c o tempo contado se torna difícil de
executar algumas outras cartas, como “entidade” e alguns problemas também
Achei legal, mas difícil de entender
Pra jogar ele só lendo o manual e entendendo
Sujeito de pesquisa número 4:
O jogo em é bom mas poderia melhorar,ele pode ser mais rapido, o que atrapalha e
so poder colocar um período por turno, então demora muito pra colocar um filósofo
no campo de batalha, se fosse 2 períodos por turno iria ficar melhor, Mais o jogo é
bom na minha opinião eu gostei do jogo
E não é tão difícil de se jogar vc so tem que entende o jogo e como funciona
Sujeito de pesquisa número 5:
Minha experiencia com o jogo foi boa , porem meio conturbada pois o jogo e de
pensamento rapido e estrategico e eu não costumo pensar muito , e alem disso não
consigo ser ativo em jogo com 3 ou mas pessoas , gostei muito das cartas pois tem
algumas imagens que são recentes e facil de entender oque a imagen quer passa por
mas que pra min seja dificil montar uma estrategia gostei muito dos poderes das
cartas .
Sujeito de pesquisa número 6:
Minha experiência com o jogo "combate filosofico" foi boa, não perfeita, pois tem
uns pontos em que eu não achei perfeito. Como as cartas, o fato de poder ter
"infinitas" cartas em jogo acaba deixando o jogo confuso, pois com muitas cartas em
jogo você acaba pensando pensando e não fazendo nada. Porém mesmo com
infinitas cartas Em jogo eu achei excelente o poder de limitação, como cartas que
banem filósofos para a caverna, ou que deixa seu filosofo pensando numa solução
para um problema de outro filosofo, mas com isso tem as cartas que podem resgatar
os filósofos das cavernas e tira eles de problemas. E outro lado com muitas cartas
em jogo você não fica limitado a 4 cartas e 1 ou 2 combos, isso é muito bom!
As cartas são muito bem feitas, cada uma com 3 poderes explicados e que tem
ligação direta com o filósofo, tirando as de ações rápidas que são as mais filha da...
São as mais chatas né kk
Dentre outras...
E é impossível jogar esse jogo sem ter pelo menos 3 neurônios, e isso é perfeito. Pq
você não vence o jogo apenas jogando cartas fortes.
Já em aula, eu achei que acrescentou muito em assuntos que vimos e não vimos esse
ano.
Essa é a minha opinião é essa é minha carta
99
Estes foram os relatos de cada participante sobre sua experiência com o jogo deixadas
no grupo do WahtsApp. Antes de compararmos as falas, precisamos fazer alguns
apontamentos. Em primeiro lugar, as falas dos sujeitos de pesquisa após o sujeito de pesquisa
número 2 aconteceram depois que o pesquisador lançou ao grupo algumas perguntas:
Vamos lá pessoal, ainda faltam alguns relatos. Quem já escreveu pode escrever
novamente ou acrescentar algo. Digam como foi a experiência de vocês com o teste
do jogo Combate Filosófico. Foi boa? Ruim? Muito rápida? Jogo chato? Legal?
Difícil? Muito difícil? Teve a ver com as aulas? Não teve? O jogo n faz o seu tipo?
Te cativou? O que ficou de bom?
Em segundo lugar, o mediador fez outras perguntas ao grupo, que até o fim da escrita
desta dissertação só haviam sido respondidas pelos sujeitos de pesquisa 3 e 4. Vejamos a
seguir as perguntas e como foram as respostas:
Pergunta do pesquisador: “a falta de leirura do manual na opinião de vocês fez muita
diferença?”.
Resposta do sujeito de pesquisa número 4: “fez um pouco pq a gente tinha q parar pra
perguntar como a gente usava as cartas”.
Resposta do sujeito de pesquisa número 3: “sim, fez bastante”.
3.3.1. Considerações sobre as falas dos sujeitos de pesquisa
O que chama a atenção nas falas logo de início é o volume. Alguns sujeitos de
pesquisa não pouparam esforços ao relatar sua experiência com o jogo, o que pode ser um
indício de que houve por parte deles um razoável envolvimento com a experiência.
Interessante notar já nas primeiras falas, que estão inclusive entre as mais robustas e
estruturadas, como os sujeitos de pesquisa podem se expressar de formas diversas sobre a
mesma experiência.
A primeira fala, por exemplo, do sujeito de pesquisa número um, é totalmente técnica.
Não se encontra em seu texto expressões comuns neste tipo de fala como: “gostei, não gostei”
ou “foi bom, não foi bom”. O sujeito de pesquisa tão somente omite uma opinião técnica
sobre o jogo sem deixar claro se a experiência o tocou ou não: “[...] o número de cartas e tipos
é bastante elevado sendo muito variado isso acaba sendo um pouco confuso e fica difícil de
tirar 100% do seu leque ainda mais sendo novato no jogo” (Sujeito de pesquisa número 1).
Do lado oposto esteve o sujeito número 2, que demostrou empolgação em sua fala:
“minha experiência com o jogo foi boa, porém senti falta da "pancadaria [...]". Embora ele
ensaie uma crítica ao jogo no que se refere a falta da “pancadaria”, que não ficou bem claro o
100
que significa, acaba por focar sua fala no vir a ser do jogo fazendo diversas sugestões e
apontando possibilidades para o seu melhoramento. O que pode ser um indicio de que sua
experiência foi além do momento em que se deram os testes, que parou para refletir sobre a
experiência:
[...] eu acho que tinha que ter algo mais cativando no jogo que fizesse ele ser tanto
um jogo casual quanto um jogo competitivo, como um sistemas de modo de jogo,
tipo, "partida rápida" onde cada jogador começa com 10 cartas e só pode comprar no
3° turno do jogo, e outro modo como, "partida casual" onde tem as regras padrões
presentes atualmente no jogo, e o outro modo "competição dialética" onde cada
jogador pronto pra dialogar incessantemente joga em um modo ultra focado onde
somente o que tiver melhor os seus conceitos levara a vitória [...].
Após as colocações dos sujeitos de pesquisa 1 e 2 somente na fala do sujeito 6 se verá
novamente uma fala robusta e bem estruturada, trazendo certa objetividade sobre sua
experiência com o jogo. Mas uma diferença deve ser feita sobre as falas dos sujeitos 1 e 2 e
do sujeito 6. Os sujeitos 1 e 2 fizeram suas colocações antes das perguntas do mediador serem
postadas no grupo. Talvez por esse motivo e por ter sido escrita após as outras falas a
participação do sujeito número 6 tenha apresentado um alto grau de organização em que opõe
certos problemas que viu no jogo a pontos que considerou forte demostrando clareza e
atenção ao que está escrevendo.
O sujeito de pesquisa número 5 parece fazer uma crítica ao jogo baseada em critérios
pessoais: “minha experiência com o jogo foi boa, porem meio conturbada pois o jogo e de
pensamento rápido e estratégico e eu não costumo pensar muito , e além disso não consigo ser
ativo em jogo com 3 ou mais pessoas”.
O sujeito de pesquisa número 3 parece ter sido influenciado pela crítica do sujeito
número um, pois além de sua fala ter sido bastante curta, o menciona ao fazer sua crítica:
“minha experiência com o jogo foi boa mas assim como um dos outros jogadores, achei que
começa com muitas cartas e dificulta na hora de agir [...]”.
Não obstante ter havido falas curtas e longas, bem estrutura e confusas, elas foram
suficientes para que, após essa análise, fossem tiradas algumas conclusões, ainda que parciais,
sobre a percepção dos sujeitos de pesquisa sobre o produto didático. Em primeiro lugar,
diversos sujeitos de pesquisa apontam em suas falas problemas em relação ao tempo e ao uso
do potencial máximo dos cards do jogo (sujeitos 1, 3 e 4) e ao grande número de cards
disponíveis para iniciar o jogo (Sujeitos 1 e 6). Dessa forma, o número de cards e o tempo de
duração do jogo já aparece como problemas verificados pelo uso pratico do jogo, não sendo
uma questão de percepção casual.
101
Em segundo lugar, a maioria dos sujeitos de pesquisa parece ter considerado a
experiência positiva, tendo em vista que apenas o sujeito de pesquisa número 1 não se
expressou com “gostei”. Os sujeitos de pesquisa número 3 e 6 apontaram pontos positivos nos
cards, o primeiro se referiu as imagens e o segundo ás habilidades, os demais silenciaram, o
que pode indicar uma aprovação unanime do formato e funcionamento dos cards no jogo.
Em terceiro lugar, o sujeito de pesquisa número 2 se referiu ao produto didático como
“jogo dialético” anteriormente ao moderador perguntar sobre a relação entre o jogo e os
conteúdos dados em aula. Isso pode ser interpretado como um forte indício de uso bem
sucedido do jogo como um organizador prévio, tendo em vista que ele fala também em um
modo do jogo que seria uma “competição dialética”, provavelmente o conceito de disputa ele
já conhecia antes do contato com o jogo, mas ao que tudo indica essa ideia foi expandida e ele
agora fala em “disputa dialética”. Algo próximo do esperado pelo uso do produto didático
como um organizador prévio comparativo, que é a utilização por parte dos estudantes da
noção que cada um traz de casa de combate ou disputa, presente, por exemplo em esportes,
jogos eletrônicos e no senso comum para o aprendizado de outras formas de combate ou de
disputa, neste caso especifico, a disputa teórica empreendida por filósofos em busca da
melhor resposta a problemas essenciais, que caracteriza a Filosofia ocidental. Conforme
Marco Antônio Moreira um organizador prévio deve ser a ponte entre o que o aprendiz já
sabe e o que deveria saber para que o material seja potencialmente significativo. Neste
sentido, um
[...] organizador [prévio] deve prover uma ancoragem ideacional em termos que são
familiares ao aprendiz. Quando o novo material é relativamente familiar, o
recomendado é o uso de um que ajudará o aprendiz a integrar novos conhecimentos
à estrutura cognitiva e, ao mesmo tempo, a discriminá-los de outros conhecimentos
já existentes nessa estrutura que são essencialmente diferentes, mas que podem ser
confundidos. (MOREIRA, 2010, p. 11).
No que se refere aos conteúdos prescritos pela lei 10639 de forma especifica, vemos
uma estreia relação entre a noção da história da Filosofia vista como um combate ou uma
disputa teórica em prol de definir a melhor tese para elucidar problemas essenciais da
humanidade e a contestação dessa disputa (aqui entram os conteúdos regulados pela lei) por
considerar apenas teses do lado ocidental do globo. Ora, se os alunos trazem de casa a noção
de combate como disputa em que forças se opõem, certamente também entende a nação de
um combate de segunda classe ou disputa depreciado por certas razões. Por exemplo: imagine
um campeonato que se propõe a reunir os melhores times de futebol da América do Sul, sem
times do Brasil participando, seria certamente uma disputa de segunda classe, dada
102
importância dos times brasileiros. Da mesma forma que para Noguera (2014) conceber a
história da Filosofia sem a produção africana, asiática e ameríndia resulta em uma história
parcial da Filosofia, e que, para Obenga, apud Noguera (2014, p. 66) “[...] é empobrecedor e
muito prejudicial para o pensamento especulativo reduzir a história da Filosofia em tempos
mais remotos a um conjunto de textos de uma pequena região do mundo”.
A noção que acabamos de apresentar pode parecer um tanto vaga em relação a noção
de “combate” por exemplo, já delimitada e consagrada como conceito, mas conforme Moreira
(2010) os subsunçores devem ser conhecimentos prévios relevantes para que os materiais de
aprendizagem, bem como os novos conhecimentos, sejam potencialmente significativos. Por
esse motivo, “[...] subsunçores podem ser proposições, modelos mentais, construtos pessoais,
concepções, ideias, invariantes operatórios, representações sociais e, é claro, conceitos, já
existentes na estrutura cognitiva de quem aprende (MOREIRA, 2010, p. 10)”.
Conforme Moreira (2010), portanto, o papel do organizador prévio é fazer com que o
aprendiz perceba a relação que existe entre o conhecimento que ele possui e o novo
conhecimento trazido pelo material didático. Portanto, a noção de que um combate esportivo
pode ser desqualificado por excluir um determinado grupo de participantes pode servir como
ancora ou subsunçor para fazer uma crítica a concepção de história da Filosofia restrita a
Europa. Assim, o tópico “história ampliada da Filosofia” mantem relação estreita com o
tópico “História da filosofa como combate teórico ou disputa dialética”, da mesma forma que
o subsunçor “combate” e a “noção de disputa restrita e excludente.
103
CONCLUSÕES PARCIAIS
Esta dissertação buscou apresentar o jogo educativo Combate Filosófica enquanto um
organizador prévio em uma tentativa de viabilizar a problemática do uso dos jogos educativos
sem a pretensão de caráter conteúdista tradicionalmente ligada às atividades lúdicas em
contextos educacionais, e ao mesmo tempo, ousou ao sair da zona de conforto do
eurocentrismo transformando a tentativa em estratégia para levar para aulas de Filosofia parte
dos conteúdos prescritos pela lei 10639 para uma educação filosófica para as relações étnico-
raciais. Portanto, nem de perto foi a pretensão deste projeto apresentar um modelo
metodológico perfeito de aplicação de jogos conforme a teoria da aprendizagem significativa,
nem mesmo pretendemos apresentar um modelo. Importante também esclarecer que da
referida teoria esta dissertação se utilizou do conceito de subsunçor, enquanto conhecimento
prévio que pode ser relacionado com um novo material didático para favorecer a
aprendizagem significativa, e o conceito de organizador prévio, enquanto recurso didático
para favorecer a ligação entre o que o aluno já sabe e o conteúdo apresentado pelo novo
material didático.
Dito isso, vamos às conclusões parciais de nossa experiência, tendo como referencial,
o objetivo geral da pesquisa, que foi antes de qualquer coisa, desenvolver um material
didático com foco nos conteúdos prescritos pela lei 10639 para o ensino de filosofia, mas, que
,trouxe implícito um segundo objetivo e motivação, que foi: ajudar professores de Filosofia
na árdua e solitária tarefa de levar para o contexto de suas aulas conteúdos prescritos pela lei
10639 para uma educação filosófica para as relações étnico raciais. Atarefa é árdua porque
ainda falta apoio dos órgãos de Estado para a aplicação da lei e solitária porque a maioria dos
professores de Filosofia ainda não despertou para as obrigações trazidas pela lei à realidade da
educação filosófica no Brasil.
Não obstante isso, a partir de nossa pesquisa os professores de Filosofia podem contar
com um card game de filósofos, talvez o primeiro do Brasil e do mundo, a reunir em um só
jogo e produto educativo, temas ligados à tradição ocidental europeia, africana, afro-brasileira
e afrodiaspóricas, e os alunos, principalmente, a partir da proposta podem entrar em contato
com os conteúdos prescritos pela lei 10639 de forma lúdica. Isso pode dizer, porque o
Combate Filosófico conseguiu reunir sob a lógica da ampliação da história da filosofia e da
disputa teórica nomes como Tales de Mileto e Cheik Anta Diop, Hanna Arendt e Ângela
Davis, o demiurgo e a cobra gigante Boiuna, Hegel e Abdias do Nascimento. Portanto, o
104
apesar de todas as dificuldades verificadas durante o processo de testes, dentre elas, a falta de
tempo e de espaço para reuniões do grupo, prazo curto para analisar os dados obtidos e
problemas com o formato que foi adotado para o teste (número muito grande de cards para
iniciar a partida), os sujeitos de pesquisa demostraram empolgação e se empenharam jogando
durante mais de três horas em três reuniões um jogo de estratégia que exigiu muito de suas
mentes.
105
REFERÊNCIAS
ABELARDO, Pedro Alberto. A História das minhas calamidades. São Paulo: Abril, 1973.
ALBERTO, Albuquerque Gomes. Apontamentos sobre a pesquisa em educação: usos e
possibilidades do grupo focal. EccoS Rev. Científica, São Paulo, v.18, n. 2, p. 275-290,
2005.
ALVES, Marcos Alexandre. Desafios e potencialidades: o ensino de filosofia no cenário da
educação básica brasileira. Rev. Sul-Americana de Filosofia e Educação, Brasília, n.21, p.
157-169, 2013
ANTUNES, Celso. Jogos para estimulação das múltiplas inteligências. 15. ed. Petrópolis:
Vozes, 2008.
ARANA, Andressa Maria Freire da Rocha. Fala que eu te escuto: a utilização da técnica de
grupos focais combinada com as mídias sociais no processo de avaliação institucional e
construção da qualidade de uma universidade privada. XII Simpósio de excelência em
gestão e tecnologia. 2015.
ARAÚJO, Liliane de; SOUZA, Sérgio Rodrigues de. Reflexões sobre a aplicabilidade da lei
10.639/2003 e a práxis docente. In: Anais do Congresso Africanidades e Brasilidades.
2017.
ARISTÓTELES. Política. Tradução: Mario da Gama Cury. Brasília: Universidade de
Brasília, 1985.
ASANTE, Molefi Kate. Afrocentricidade. Tradução Renato Noguera Junior, 2010.
BENJAMIN Wai-ming. Street Fighter e The King of Fighters em Hong Kong: um estudo
sobre consumo cultural e localização de jogos japoneses em um contexto asiático. Game
Studies, v. 6, n. 1, 2006.
BRASIL Lei nº 9394/96 Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Gráfica do Senado, 1996.
_______. Lei n. 10.639, 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de
1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”,
e dá outras providências. Disponível em: < <http://www6.senado.gov.br/legislac.
action?id=2>. Acessado em 09 de novembro de 2019.
_______. Ministério da Educação, Secretaria da Educação, Mídia e Tecnologia. Parâmetros
Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.
_______. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo
106
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira",
e dá outras providências. Brasília: Gráfica do Senado, 2003.
_______. Secretaria de Educação Básica. Ciências humanas e suas tecnologias. Orientações
Curriculares Nacionais para o Ensino Médio. v.3. Brasília: MEC/SEB, 2006.
BROUGÈRE, Gilles. Jogo e Educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
CAILLOIS, Roger. Les jeux et les hommes. Paris: Gallimard, 1958.
CARREIRA, José. Filosofia Antes dos Gregos. Mem Martins: Publicações Europa-América,
1994
CARTOLANO, Maria Teresa Penteado. Filosofia no ensino de 2 Grau. São Paulo: Cortez.
1985. Autores Associados.
CERLETTI, Alejandro. O ensino de filosofia como problema filosófico. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2009.
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 1.ed. São Paulo: Ática, 1995.
_______. Convite à filosofia. 3. ed. São Paulo: Ática, 2005.
_______. Iniciação à filosofia. São Paulo: Ática, 2011.
_______. Iniciação à Filosofia. 2. ed. São Paulo: Ática, 2014.
CONCEIÇÃO, Alexsandro Gomes da. O racismo no Brasil, o Movimento Negro e a Lei
10.639/03. Rev. África e Africanidades, v.12, n. 31, 2019.
COSTA, Cruz. Panorama da História da Filosofia no Brasil. São Paulo: Cultrix, 1960
________. Contribuição à História das Ideias no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1967.
________. Panorama da História da Filosofia no Brasil. São Paulo: Cultrix.1985
ARAÚJO, Liliane de; SOUZA, Sérgio Rodrigues de. Reflexões sobre a aplicabilidade da lei
10.639/2003 e a práxis docente. In: Anais do Congresso Africanidades e Brasilidades.
2017.
DIAS Claudia Augusto. Grupo Focal: técnica de coleta de dados em pesquisas
qualitativas. Rev. informação sociedade. v.10, n.2, 2000.
DIOP, Cheikh Anta. Nations nègres et culture. tomo I. Paris: Présence Africaine, 1954.
_______. Antériorité des civilisations nègres:mythe ou vérité historique? .Paris: Présence
Africaine, 1967.
107
_______. Parenté génétique de l’égyptien pharaonique et des langues négro-africaines.
Dakar: IFAN; Abidjan: NEA, 1977.
DOMINGUES, Petrônio. Movimento negro brasileiro: alguns apontamentos históricos.
Niterói: Tempo, v. 12, n. 23, p. 100-122, 2007
FLOR DO NASCIMENTO, Wanderson; BOTELHO, Denise. Colonialidade e
Educação: O currículo de filosofia brasileiro entre discursos coloniais. Rev.
Sul Americana de Filosofia e Educação, n. 14, p. 66-89, 2010.
FRAGELLI, Ricardo R. e MENDES, Fábio M. Batalha Naval dos Extremos Locais:Jogos de
aprendizagem para o Ensino dos Cálculos. In: Third International Symposium
on Project Approaches in Engineering Educatio (PAEE’2011): Aligning Engineering
Education with Engineering Challenges.
GOMES, Nilma Lino. Diversidade étnico-racial, inclusão e equidade na educação brasileira:
desafios, políticas e práticas. RBPAE, v.27, n.1, p. 109-121, 2011. Disponível
em:<http://www.anpae. org.br/iberolusobrasileiro2010/cdrom/94.pdf.>. Acessado em 11 nov
2019.
GONZÁLEZ PORTA, Mario Ariel. A filosofia a partir de seus problemas. São Paulo:
Loyola, 2002.
GORI, Renata Machado de Assis. Observação participativa e pesquisa-ação: aplicações na
pesquisa e no contexto escolar. Rev. Eletrônica de Educação do Curso de Pedagogia do
Campus Avançado de Jataí da Universidade Federal de Goiás. v.1, n. 2. Jan/jul, 2006.
GROSFOGUEL, Ramón, “Para Descolonizar os Estudos de Economia Política e os Estudos
Pós-coloniais: Transmodernidade, Pensamento Fronteira e Colonialidade Global”, In Santos,
Boaventura de Sousa; Meneses, Maria Paula (orgs.), Epistemologias do Sul. 2. ed. Coimbra:
Almedina, pp. 405- 439, 2010.
HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. 4. ed. São Paulo:
Perspectiva, 2000.
JAMES, George Granville Monah. Stolen legacy: the greek philosophy is a stolen egyptian
philosophy. Drewryville: Khalifah’s, 2005
KANT, Emmanuel. Observações sobre o sentimento do belo
e do sublime. Tradução de Vinícius de Figueiredo. Campinas: Papirus, 1993.
KERGOMARD, Pauline. Les Écoles maternelles de 1837 jusqu'en 1910 aperçu rapide.
Librarie classique Fernand Nathan, 1910.
KISHIMOTO, Tizuco Morchida. Jogo, brinquedo, brincadeira e a educação. São Paulo:
Cortez, 1996
________. O jogo e a educação. In: KISHIMOTO, Tizuco Morchida (Org). Jogo, brinquedo,
brincadeira e a educação. 6 ed. São Paulo: Cortez, 2002.
108
KOYRÉ, Alexandre. Estudos de história do pensamento cientifico. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1982.
LUPI, João Eduardo Pinto Basto. O método de argumentação na Filosofia
Escolástica. Mirabilia: electronic journal of antiquity and middle ages, n. 16, p. 170-177,
2013.
MADUREIRA, Erika Urakawa. Estereótipos Brasileiros nos Jogos de Luta. In: Seminário
de jogos eletrônicos, educação e comunicação, 11, 2015, Salvador. Anais... Salvador:
UNEB, 2015. Disponível em <
http://www.revistas.uneb.br/index.php/sjec/article/view/1240/837 >. Acesso em 12 dez 2019
MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia: Dos Pré-Socráticos a
Wittgenstein. 13. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2010.
MAZAI, Norberto; RIBAS, Maria Alice Coelho. Trajetória do ensino de filosofia no Brasil.
Rev. Disciplinarum Scientia: Ciências Sociais e Humanas. Santa Maria, v.2, p.1-13, 2001.
Disponível em: <http://sites.unifra.br/Portals/36/CHUMANAS/2001/trajetoria.pdf>. Acesso
em 09 nov 2019.
MOREIRA, Marcos Antônio. O que é, afinal, aprendizagem significativa? Material de
apoio aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Naturais
da UFMG, Cuiabá, MT, 2010. Disponibilizado na disciplina Teorias de Aprendizagem
do Curso de Pós-Graduação em Ensino em Biociências e Saúde, IOC/Fiocruz, Rio de
Janeiro, RJ, 2010.
NAVIA, Ricardo. Ensino médio de filosofia nas presentes condições culturais e sociais
de nossos países. In: KOHAN, Walter O. (Org). Filosofia: caminhos para o ensino. Rio
de Janeiro: DP&A, 2004.
NOGUERA, Renato. O ensino de filosofia e a lei 10.639. Rio de Janeiro: Pallas, 2014
OLIVEIRA, Wellington; MIRANDA, Mônica Liz. Uma discussão sobre a
periodização na História. Tiempo y Sociedad, n.17, pp. 7-32, 2014.
PEREIRA, Amilcar Araújo. A lei 10.639/03 e o movimento negro: aspectos da luta pela
“reavaliação do papel do negro na história do Brasil”. Cadernos de História, Belo Horizonte,
v.12, n. 17. 2º sem. 2011, p. 28. Disponível em: <www.periodicos.pucminas.br>. Acesso em:
04 nov 2019.
PEREIRA, Márcia Moreira; SILVA, Maurício. Percurso da Lei 10639/03: antecedentes e
desdobramentos. Linguagens & Cidadania. Santa Maria, v.14, n.1, jan./dez. 2012
PTAHHOTEP. Ensinamentos de Ptahhotep. In: ARAÚJO, Emanuel. Escrito para a
eternidade: a literatura no Egito faraônico. Brasília: Editora da Universidade de Brasília,
2000.
QUIJANO, Anibal. Colonialidade do poder e classifcação social. In: SANTOS, Boaventura;
MENESES, Maria Paula (Orgs.). Epistemologias do Sul. Tradução e revisão organizada por
Margarida Gomes. São Paulo: Cortez, 2010.
109
QUILLICI NETO, Armindo Quillici. O ensino de filosofia no período da reforma pombalina
e suas consequências na formação cultural do homem brasileiro: breve reflexão. Rev.
HISTEDBR On-line, Campinas, n.27, p.29 –37, 2007.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da filosofia. São Paulo: Paulus, 2005.
RIBEIRO, Marcelo dos Santos. Do filosoght ao combate filosófico: uma proposta de
aproximação entre estudantes da educação básica e o saber filosófico por meio das cartas.
2017. 25 f. Produto Final (Especialização em Docência da Educação Básica na Disciplina
Filosofia) – Colégio Pedro II, Pró-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa, Extensão e Cultura,
Programa de Residência Docente, Rio de Janeiro, 2017.
RIBEIRO, Katiúscia. Kemet, escolas e arcádeas: a importância da filosofia africana no
combate ao racismo epistêmico e a lei 10639/03. 2017. Dissertação (Mestrado em Filosofia e
Ensino) Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ. Rio
de Janeiro, 2017.
ROCHA, Solange; SILVA, José Antônio Novaes da. À luz da lei 10.639/03, avanços e
desafios: movimentos sociais negros, legislação educacional e experiências pedagógicas. Rev.
da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), v. 5, n. 11, p. 55-82,
2013.
ROCHA, Solange; SILVA, José A. N. À Luz da lei 10.639/03, avanços e desafios:
Movimentos Sociais Negro, legislação educacional e experiências pedagógicas. v. 5. n. 11,
jul./out. p.55-82, 2013.
RODRÍGUES, Margarita Victória. O pensamento filosófico medieval de Pedro
Abelardo: Educação e docência, Notandum, Jul – Dez, p. 81-93, São Paulo, 2008.
SILVA, Pedro Panhoca da. Reflexões sobre o consumo do card game: “magic: the
gathering” a partir dos depoimentos dos jogadores. Rev. Observatório da Diversidade
Cultural, v. 3, n.1, 2016.
TABAK, Matt. Manual de Regras Básico de Magic The Ghatering. Publicado em julho de
2013 pela Wizards of the coast. Disponível em:
<https://media.wizard.com/images/magic/resources/rudes/PT MT13 rulebook.pdf>. Acesso
em 18 mai 2018.
THIOLENT, Michel. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 2003.
TORRES, Haroldo da Gama et. al. O que pensam os jovens de baixa renda sobre a escola.
In: Estudos e pesquisas educacionais: Fundação Victor Civita. São Paulo, 2013. Disponível
em:<https://abrilfundacaovictorcivita.files.wordpress.com/2018/04/estudos_e_pesquisas_educ
acionais_vol_4.pdf>. Acesso em: 10 nov 2019.
TURINI, Leide Alvarenga. A crítica da história linear e da idéia de progresso: um
diálogo com Walter Benjamin e Edward Thompson. Rev. Educação e Filosofia, v. 18,
n.35-36, p. 93-125, 2004
110
VIANA, Maria da Guia. Os desafios da implementação da Lei Federal nº 10.639/03: entre
as ações da política nacional de promoção da igualdade racial e a política educacional no
Maranhão. 2009. 108 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Centro de Ciências Sociais,
Universidade Federal do Maranhão, São Luís, 2009. Disponível
em<http://www.tedebc.ufma.br//tde_busca/arquivo.php?codArquivo=441>. Acesso em 09 de
novembro 2019.
VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Perspectivismo e multinaturalismo na América
indígena. O que nos faz pensar, [S.l.], v. 14, n. 18, p. 225-254, set. 2004. Disponível em:
<http://www.oquenosfazpensar.fil.puc-rio.br/index.php/oqnfp/article/view/197>. Acesso em:
15 dezembro de 2019.
WENDELL, Ficher Teixeira Assis. Do colonialismo à colonialidade: expropriação territorial
na periferia do capitalismo. Caderno CRH, v. 27, n. 72, p. 613-627, 2014.
WITTGENSTEIN, Ludwig. Investigações filosófitas. Trad. de José
Carlos Bruni. São Paulo: Abril S.A Cultural e Industrial, 1975.
WIZARDS OF THE COAST. Manual de Regras Básico - Magic 2013. Publicação
original em junho de 2012 (online). Disponível em: <
https://media.wizard.com/images/magic/resources/rudes/PT MT13 rulebook.pdf>.
Acesso em 18 de maio de 2018.
APÊNDICE A – Manual
Combate Filosófico
Manual de Regras
Autor: Marcelo Ribeiro
DUQUE DE CAXIAS
2019
SUMÁRIO
1 CONCEITOS BÁSICOS 03
2 OS CARDS DO JOGO 03
2.1 FILÓSOFOS 03
2.2 PERÍODOS TRADICIONAIS 05
2.3 PERÍODOS ESPECIAIS 07
2.4 PROBLEMAS 07
2.5 ENTIDADE 08
2.6 FICHA 09
3 ZONAS DO JOGO 10
3.1 O DECK OU ARSENAL DE CONCEITOS 10
3.2 A MÃO 11
3.3 O CAMPO DE BATALHA 11
3.4 A CAVERNA 11
3.5 OS EXÍLIOS 12
4 DINÂMICAS DO JOGO 12
4.1 USO DO DADO 11
4.2 “VIRAR” UM CARD E OS TIPOS DE HABILIDADE 12
4.3 ATAQUE 13
4.4 DEFESA 13
4.5 EFEITO 14
4.6 DUELO 14
4.7 DINÂMICAS DO DUELO E HABILIDADES DE ATAQUE 16
5 TURNO 16
5.1 FASE DE MANUTENÇÃO 17
5.2 FASE DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTOS 17
5.3 FASE DE COMBATE 17
6 PALAVRAS CHAVE 17
6.1 PALAVRAS CHAVE PARA A COLOCAÇÃO DE CARDS NO 17
6.1.1 Inserir 17
6.1.2 Atrair 18
6.1.2.1 Outras Regras De Atração 18
6.1.3 Convocar 19
6.1.4 Invocar 19
6.1.5 Ajuda 19
6.2 PALAVRAS-CHAVE PARA EFEITOS DE HABILIDADES 20
6.2.1 Prender 20
6.2.2 Neutralizar 20
6.2.3 Anular 20
6.2.4 Banir 20
6.2.5 Escavar 21
6.2.6 Sequestro e resgate 21
7 REGRAS ESPECIAIS 21
7.1 REGRA DE OURO 21
7.2 IMUNIDADE DE CARDS “VIRADAS” 21
7.3 SACRIFÍCIO DE FILÓSOFO 22
7.4 INSERÇÃO INCORRETA DE UM CARD NO CAMPO DE 22
7.5 RECUAR DE UMA JOGADA 22
7.6 CARDS QUE VOLTAM DA CAVERNA OU DE ALGUM EXÍLIO 23
7.7 SINAIS NOS CARDS 23
7.7.1 Asteríscos (*****) 23
7.7.2 Traço (-) 23
7.7.3 Barra (/) 23
8 FORMATOS PARA O EMBATE FILOSÓFICO 24
8.1 “MANO A MANO” OU POR EQUIPES 24
1 CONCEITOS BÁSICOS
O Combate Filosófico é um card game didático de estratégia baseado na história da
filosofia onde os jogadores, sendo no mínimo dois e no máximo quatro, organizam cards em
um “Campo de Batalha” para duelar em uma disputa ao longo de turnos alternados. No
mundo imaginário do Embate Filosófico os jogadores são “Pensadores” que se enfrentam em
um duelo teórico para decidir quem tem a reputação mais sólida da história da filosofia. A
“reputação” representa os pontos de vida de um jogador. Os competidores iniciam o jogo com
uma reputação de 20 pontos. Perde aquele que tiver os pontos de sua reputação reduzidos à
zero. Este jogador conforme a construção imaginária do jogo tem seu nome apaga da história
da filosofia.
A "moeda" do jogo é a “Reflexão”, atividade que oferece sustentação para os
procedimentos executados no jogo. O “Pensador” extrai “Reflexão” de um dos cinco Períodos
tradicionais da história da filosofia, que são: Pré-socrático, Clássico, Medieval, Moderno e
Contemporâneo. A Reflexão pode ser de uma das cinco áreas da filosofia: Ética, Estética,
Epistemologia, Lógica e Metafísica.
2 OS CARDS DO JOGO
O Combate Filosófico conta com quatro tipos de card: Filósofo e Filósofa, Período,
Problema, Entidade e Ficha.
2.1 FILÓSOFOS
Os Filósofos são os cards que lutam pelos jogadores. Elas podem ser de dois tipos:
"Permanente" e de "Ação instantânea". Os cards de Filósofo Permanente contam com três
habilidades e uma vez no "Campo de Batalha" só saem dele se forem exiladas ou se tiverem
todas as suas habilidades utilizadas. Habilidade é a capacidade que um card tem de afetar o
jogo. Cards de "Ação instantânea”, contam com uma ou duas habilidades, e, ao entrar no
Campo de Batalha, afetam o jogo para em seguida serem lançadas na zona de descarte de
cards. Portanto, um card de Filósofo com três habilidades é um card de Filósofo Permanente.
Com duas ou uma habilidade é um card de Ação instantânea. Mesmo que um card de Ação
instantânea tenha duas habilidades, o jogador só poderá utilizar uma delas. Da mesma forma,
Verso dos cards e card de filósofo permanente
os cards de Filósofo Permanente só podem ter uma de suas habilidades utilizadas em cada
turno.
Para que um card de Filósofo Permanente ou de Ação instantânea entre no Campo de
Baralha, o jogador precisa ter pagado o seu "Custo de Reflexão" que se refere ao número de
Reflexão de cada uma das cinco Áreas da filosofia que um card de Filósofo necessita para
entrar no Campo de Batalha ou utilizar uma habilidade. O Custo de Reflexão de um card de
Filósofo pode trazer outras exigências além da “Reflexão” como, por exemplo, o sacrifício de
um Filósofo, tendo em vista que “Custo de Reflexão” é, de forma geral, a exigência que um
jogador precisa cumprir para realizar um procedimento no Jogo, não significando
necessariamente o ato de extrair Reflexão de Períodos. Os cards de Filósofos Permanentes
não podem ser utilizados no turno que entram no campo de batalha, pois estão sob o efeito
“Confusão de Atração”, podendo ser utilizadas normalmente no próximo turno. Os cards de
Filósofo de Ação instantânea estão livres do efeito anteriormente citado e afetam o jogo
imediatamente ao entrar no Campo de Batalha.
2.2 PERÍODOS TRADICIONAIS
Os Períodos tradicionais são cards permanentes, uma vez no Campo de Batalha eles
não saem até o fim do jogo. Eles não possuem “Custo de Reflexão” ou qualquer outra
exigência para entrar no “Campo de Batalha”. Os jogadores podem "inserir" um Período no
Campo de Batalha a cada turno, bastando para isso que sejam tirados da Mão e colocados na
mesa. Um card de Período tradicional tem habilidade de gerar “Reflexão”, essa Reflexão pode
ser de uma das cinco áreas da filosofia: Ética, Estética, Lógica, Metafísica e Epistemologia.
Um card de Período tradicional, com exceção do Pré-socrático, pode gerar Reflexão de mais
de uma área, no entanto, os jogadores só poderão extrair Reflexão de uma área por turno. Por
exemplo: do período Medieval, que gera Reflexão da Metafísica e da Lógica, um jogador
poderá extrair “Reflexão” da Ética em um turno e da Lógica em outro, ou novamente da
Lógica, tendo dessa forma duas opções para escolher em cada turno. O mesmo com o Período
Moderno, que oferece três opções de Reflexão, uma de cada área.
Card de filósofo de ação instantânea
Card de período tradicional
Os demais cards de período tradicional
2.3 PERÍODOS ESPECIAIS
Os Períodos Especiais, da mesma forma que os tradicionais, têm habilidade de gerar
“Reflexão” e são cards permanentes. Eles se diferenciam dos Períodos tradicionais em dois
aspectos: primeiro, eles contam com outro tipo de habilidade além de gerar Reflexão;
segundo, alguns podem gerar Reflexão de mais de uma área de forma simultânea por turno.
Uma habilidade de Período Especial (com exceção de gerar mana) pode ser usada apenas uma
única vez no jogo.
2.4 PROBLEMAS
Os Problemas são cards de “Ação Instantânea”, portanto, tem apenas uma habilidade,
como os filósofos de Ação Instantâneos, e da mesma forma que eles, afetam o jogo no exato
momento em que entram no Campo de Batalha e saem em seguida. Mas, como os Períodos,
os Problemas não têm Custo de Reflexão, podendo entrar no Campo de Batalha livremente,
desde que sejam capazes de interferir no jogo. Os cards de Problema vão para a zona de
Card de período especial
descarte de cards após terem sua habilidade utilizada. Os problemas podem ser utilizados no
turno22
do adversário, desde que empregados para responder diretamente a outro problema.
2.5 ENTIDADE
Os cards de “Entidade” bem como os de Ficha afetam o jogo da mesma forma que os
cards de Filósofo de Ação instantânea, havendo duas diferenças entre eles: em primeiro lugar,
um card de Entidades ou Ficha é banido após afetar o jogo com sua habilidade, ao invés de ir
para a zona de descarte; segundo, o seu Custo de Reflexão representa uma quantidade de
danos na reputação do jogador que decidiu fazê-la entrar no Campo de Batalha. Um card de
Entidade ou de Ficha pode retornar ao jogo após seu banimento se a entrada for determinada
por uma habilidade. Habilidades que fazem as “Entidades ou Fichas” entrar no Campo de
Batalha não pode ser utilizadas mais de uma vez.
22
Ver mais detalhes sobre tuno na seção especifica.
Card do tipo problema
2.6 FICHA
As Fichas são cards especiais, eles não são Filósofos, Entidades, Problemas ou
Períodos. Sua presença no jogo se justifica pela relação que eles mantêm com outros cards. A
Ficha, no entanto, tem status de Entidade, pois da mesma forma que as Entidades, elas são
banidas do jogo após seu uso e só podem retornar se invocadas nominalmente por uma
habilidade. Um card de Entidade após ser invocada nominalmente não pode mais retornar ao
jogo, da mesma forma que as Entidades, salvo a exceção explicada no tópico anterior.
Card de Entidade
Cards de Entidade
3 ZONAS DO JOGO
O Combate Filosófico conta com as seguintes zonas: Mão, Deck ou “Arsenal de
Conceitos”, Campo de Batalha, Caverna e os Exílios.
3.1 O DECK OU ARSENAL DE CONCEITOS
O Deck ou “Arsenal de Conceitos” é o monte de compra de cardas de cada jogador. A
partir do seu “Arsenal de Conceitos” os jogadores compram cards para formar sua Mão. O
“Arsenal de Conceitos” deve ser embaralhado antes das partidas e após ser “escavado”23
.
Deve permanecer com os cards com a face para baixo. Depois que a partida tem início não é
permitido aos jogadores examiná-lo sem prévia autorização. Essa autorização normalmente
vem de alguma habilidade.
3.2 A MÃO
23
Será explicado em seção própria.
Zonas do jogo
Na Mão ficam os cards que são comprados, Sequestrados, Resgatados ou recebidos
para cumprir alguma exigência. A partir dela (Mão) os jogadores traçam suas estratégias
decidindo quais (cards) devem e podem descer ao o Campo de Batalha para o “Combate
Filosófico” e quais devem esperar.
3.3 O CAMPO DE BATALHA
É a zona do jogo onde o “Combate Filosófico” acontece. Nele são organizados os
cards após virem da Mão, da Caverna ou de algum exílio. O Campo de Batalha pode ser
dividido em duas ou quatro partes. Cada jogador organiza seus cards na sua parte do Campo
de Batalha. Os períodos, que são cards permanentes nível 01 (um) (ficam no Campo de
Batalha até o fim do jogo), normalmente ficam perto do jogador. Um pouco mais a frente são
organizados os Filósofos, (Permanentes nível 02 (dois), saem do Campo de Batalha sob certas
condições), mais próximos da linha (imaginária) que separa cada lado do Campo de Batalha.
Entre os Períodos e os Filósofos permanentes podem ser postos os Problemas (cards
provisórias nível 01, saem no mesmo tuno), as Entidades e os Filósofos de Ação instantânea,
(cards provisórias nível 02, podem ficar por mais de um turno sob certas condições). O
Campo de Batalha é uma zona de livre acesso, portanto, os períodos devem ficar sempre a
vista do oponente a fim de que ele possa verificar quais estão virados e quais não estão, da
mesma forma os filósofos. Os jogadores devem ter liberdade também para ler os textos com
as habilidades de cada card. Na esquerda do Campo de Batalha pode ficar localizada a
Caverna e na direita os Exílios e os cards Banidos.
3.4 A CAVERNA
A Caverna é a zona de descarte do jogo. É um local compartilhado por todos os
jogadores e de acesso livre. Devem ir para a Caverna: os cards de Filósofos Permanentes que
tiveram suas três habilidades utilizadas; de Ação instantânea que já afetaram o jogo;
Problemas; cards sacrificados por decisão de algum jogador. Neste caso, elas podem vir da
Mão ou do Campo de Batalha. E, finalmente, qualquer card de Filósofo por determinação de
uma habilidade. Os cards de Entidade e Fuicha não vão para a Caverna, por que são banidas
após entrarem no Campo de Batalha e afetarem o jogo.
3.5 OS EXÍLIOS
Os Exílios são zonas do jogo destinadas aos cards que por determinação de alguma
habilidade são expulsos do Campo de Batalha. Os exílios são diversos e se identificam por
nomes que constam nas habilidades dos cards. Os cards exilados ficam fora do Campo de
Batalha para todos os efeitos, todavia, não ficam fora da partida de modo geral, podendo
inclusive retornar se alguma habilidade assim determinar.
4 DINÂMICAS DO JOGO
4.1 USOS DO DADO
No Combate Filosófico os lados do dado são utilizados para demarcar posições e
dinâmicas do jogo. Nos cards de Filósofo Permanente, por exemplo, o dado é utilizado para
indicar cada habilidade utilizada. Pois, as habilidades são numeradas. Assim, deve-se colocar
o dado com o mesmo lado da numeração da habilidade utilizada. Exemplo: se foi utilizada a
habilidade de número três, coloca-se sobre card um dado com o lado que marca o número
três. Quando um card de Filósofo Permanente tiver sobre ela três dados com os lados de cima
que marcam um, dois e três, ela deve ir para a Caverna. Outros usos do dado são: para indicar
habilidades de Defesa neutralizadas, dado com o número quatro (4) sobre o card; Para indicar
habilidades de Ataque neutralizados, dado com o número cinco (5) sobre o card; cards
impossibilitados de serem usados por qualquer motivo, dado com o número seis (6) sobre
card.
4.2 “VIRAR” UM CARD E OS TIPOS DE HABILIDADE
Ao virar um card permanente, da posição vertical para a posição horizontal, o jogador
inicia uma ação que tem como consequência o uso de uma habilidade. No caso de um
Período, o movimento resultará na extração de Reflexão de uma das cinco áreas. Por
exemplo: se um jogador virar um período Pré-socrático, terá a sua disposição uma Reflexão
da Epistemologia.
Se virar u2m período Clássico, poderá escolher Reflexão de uma das cinco áreas, pois
como já vimos, se tratando de períodos tradicionais, só é permitida a extração de Reflexão de
uma área por turno. Neste caso, o período permanece virado até o próximo turno do jogador
que o virou, quando poderá ser desvirado para uma nova utilização.
Se um card virado for de Filósofo, isso significa que uma de suas habilidades será
utilizada imediatamente. Da mesma forma que nos cards de Período, os cards de filósofo
Permanente, uma vez virados e marcada uma de suas três habilidades com o dado, só poderão
ser desviradas no próximo turno de quem os virou.
A dinâmica de “Virar” um card está também diretamente ligada ao uso das
habilidades, essas habilidades podem ser de três tipos: Ataque, Defesa e Efeito.
4.3 ATAQUE
As habilidades de ataque visam causar danos na reputação do oponente. Dessa forma,
eles vêm sempre seguidos de um número antecedido pelo sinal de subtração, exemplo: ataque
de -5, ataque de -4, ataque de -7. O Ataque não tem efeito imediato, deve ser resolvido no
turno do adversário. Exemplo: Jogador “X” atacou o jogador “Y” com uma habilidade de
Ataque para lhe causar -5 de danos. Até o jogador “X” passar o turno nada acontece. Mas,
quando ele passar o turno, o jogador “Y” terá de decidir como irá lidar com o Ataque que lhe
foi desferido. Se ele passar o turno sem decidir, receberá o dano em sua reputação. O Ataque
pode ser “agravado” por uma palavra chave, por exemplo: a palavra seguida da palavra ataque
“Fatal” significa que se o adversário receber o dano total do ataque ele perde o jogo. Outros
exemplos de um ataque agravado são: ataque “Indefensável”, significando que é imune a
habilidades de Defesa, como, escudos, barreiras e afins. Ataque “Indesviável”: imune a
habilidades de esquiva . Ataque “Indelével”: imune a espelhos e afins.
Ataque “Supremo”: reune todos os agravadores anteriores, é Fatal, Indefensável,
Indesviável e Indelével.
4.4 DEFESA
As habilidades de defesa representam uma das possibilidades que um jogador atacado
tem para reagir e não sofrer danos em sua reputação ou diminuir o dano. As habilidades de
defesa são instantâneas, ou seja, surtem seus efeitos de forma imediata, ainda no turno de que
as utilizou. São consideradas habilidades de defesa aquelas que ao serem utilizadas permitem
ao jogador: anular um Ataque ou reduzir seus danos, exemplo: escudo, barreira e etc.; desviar
um ataque de forma total ou parcial, exemplo: esquivas; devolver ataques integralmente,
diminuídos, aumentados ou em mesma quantidade. Exemplo: espelhos e afins.
4.5 EFEITO
As habilidades de “Efeito” seguem as mesmas regras de utilização das habilidades de
Defesa e Ataque, mas, com uma importante diferença em relação às habilidades de ataque, já
que, da mesma forma que as habilidades de defesa, elas são instantâneas. Significando que
seu impacto sobre o jogo é imediatos, afetando-o ainda no turno de quem as utilizou. Dessa
forma, se uma habilidade determinar que um card deve ser exilado, ou que ele ganhe mais 5
de ataque, isso acontece imediatamente.
4.6 DUELO
Chama-se “Duelo” o procedimento de ataque e contra-ataque que testa a capacidade
dos jogadores de se manterem por mais tempo na disputa para decidir quem mantem sua
reputação intacta por mais tempo. Toda vez que um jogador desfere um Ataque tem início um
Duelo. Quando o adversário decide revidar a esse ataque contra-atacando, o Duelo tem
seguimento. Sobre o duelo, quando um dos jogadores decide defender, esquivar, ou receber os
danos de um Ataque, o Duelo termina. Uma vez que um card é virado para participar do duelo
ele só poderá ser desvirado ao fim do duelo. Dessa forma, como estratégia de jogo, ao desferir
um ataque, sempre é bom ter um card preparado para o contra ataque, já que o card que
atacou não poderá ser reutilizado no turno seguinte.
A dinâmica do duelo é a seguinte: digamos que o Pensador “X” decida atacar seu
oponente, o Pensador “Y”, com a habilidade de nº 2 do card Platão. Nesse caso ele precisa
virar períodos para pagar o “custo de reflexão” da habilidade, em seguida virar o card e por
sobre ele o dado com o número da habilidade que vai usar. Feito isso, é só passar o turno e
estará desferindo um ataque de -7 com a habilidade “Pelotão de choque da República” do card
Platão.
O Pensador “Y” precisa decidir se, e como vai responder ao ataque. Mas, ele não
precisa fazer isso assim que receber o turno, poderá comprar um card, inserir um período ou
problema, atrair um filósofo e etc., proceder com as fazes de um turno24
normalmente porque
24
Será explicado na seção fases de um turno.
os ataques no Combate Filosófico não causam danos de forma imediata, mas somente quando
o jogador atacado passa o turno. Mas o que acontece se ao invés de receber o dano o Pensador
Y decidisse contra-atacar com uma habilidade de maior capacidade? Se ele, por exemplo,
recorresse à habilidade número três do card Aristóteles, “Chuva de conceitos da metafísica”,
que causa – 12 de dano na reputação? Neste caso, o maior ataque suplantaria o menor e
seguiria com o devido desconto para o pensador X, que teria de lidar com um contra-ataque
de -10 e o duelo seguiriam.
Observe na figura que segue um esquema explicativo de uma partida de Combate
Filosófico com uma demonstração de Duelo com ataque e contra-ataque, como acabamos de
descrever.
Como ficou bem nítido na figura, o pensador X teve seu ataque suprimido pelo ataque
maior e agora está em perigo, pois, segundo as regras do duelo o card usado para atacar não
pode ser desvirado até o fim do duelo. No caso, o card Platão não pode ser utilizado até o
duelo terminar e o pensador X está recebendo um contra-ataque de -10. Perceba na figura, que
Platão não é o único card de filósofo que o Pensador X possui no campo de batalha, ele pode
contar com mais dois cards com habilidades de ataque, Immanuel Kant e Marilena Chauí. E
como seus períodos poderão ser desvirados para serem utilizados novamente, ele poderá
Duelo com ataque e contra ataque
responder ao ataque de -10 e dar sequência ao duelo, que só terminará quando um dos
jogadores receber danos em sua reputação, desviar o ataque ou anulá-lo com um ataque de
mesma capacidade.
4.7 DINÂMICAS DO DUELO E HABILIDADES DE ATAQUE.
Os ataques desferidos por vários cards viradas devem ser somados formando um único
ataque. Um Ataque formado por “Ataques comuns” e “Ataques agravados” é um Ataque
“misto”. Um ataque sempre se choca com um contra-ataque. Se os ataques tiverem a mesma
capacidade de dano, eles se anulam e termina o Duelo. No caso de ataques com capacidades
de dano diferentes, o de maior capacidade será reduzido pelo de menor seguindo-se a
diferença, o que resultará sempre em uma “conta de subtração”. Por exemplo: imaginemos
que, iniciando um Duelo, o jogador “X” desfira um ataque de -6 contra o jogador “Y”, e este
contra-ataque com -4. Os ataques se chocarão, o que causará uma redução do ataque de -6 em
-4 causando um dano de -2 na reputação do Pensador “Y” que dará fim ao duelo. Em outra
situação, imaginemos que um jogador desfira um ataque de -5 e receba um contra-ataque de -
8. O ataque maior, de -8, será diminuído pelo ataque menor de -5, seguindo a diferença, ou
seja, -3. O jogador que desferiu o ataque de -5 teve seu ataque suprimido em -5 e recebe um
contra-ataque de -3 que dá seguimento ao Duelo.
Em caso de um Ataque ser reduzido ou suprimido por contra-ataque “misto” maior ou
menor, os ataques que formam o Combo misto devem ser eliminados na seguinte ordem:
primeiro os Ataques comuns, depois os “Indesviáveis”, “Indefensáveis”, “Indeléveis” e os
“Fatais”. Por exemplo: se um jogador desferir um Ataque de -27, sendo: 5 comuns, 5
Indesviável, 5 Indefensável, 5 Indelével e 7 Fatal, e receber um contra-ataque de -20, o ataque
fatal de -7 segue colocando sua permanência na partida em risco.
5 TURNO
O Turno é o momento que cada jogador tem para realizar procedimentos no jogo.
Durante o turno de um jogador o jogador adversário não poderá realizar procedimentos, a
menos que tenha um card ou habilidade que o autorize. O turno de um jogador começa
quando o outro sinaliza verbalmente ou pelo relógio de xadrez que o seu terminou. As
atividades de um turno podem ser divididas em três fases: de Manutenção, de “Instaurar
procedimentos” e de Combate.
5.1 FASES DE MANUTENÇÃO
Na fase de manutenção os jogadores devem comprar um card, desvirar as permanentes
viradas no turno anterior e enviar para a zona de descarte cards de Filósofo Permanente que
no turno anterior utilizou sua terceira habilidade.
5.2 FASES DE INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTOS
Na fase de “Instauração de Procedimentos” devem ser utilizadas os cards com
habilidades de efeito, como Problemas, Filósofos de Ação Instantânea e Entidades.
5.3 FASES DE COMBATE
Na fase de Combate os cards de Filósofos Permanentes são viradas para ativar efeitos
sobre cards do adversário e para atacá-lo. Lembrando que as habilidades de Efeito são
instantâneas e as de ataque só surtem seus efeitos no turno do adversário. Ou seja, mesmo que
se tenha virado um card para atacar, até passar o turno, o adversário não corre qualquer risco.
Da mesma forma, o jogador atacado, só sofre danos em sua reputação quando devolve o
turno.
6 PALAVRAS CHAVE
No Combate Filosófico a presença de uma palavra pode determinar o uso de uma
habilidade ou procedimento no jogo. Por exemplo, a palavra “ataque” no texto de uma
habilidade nunca será por acaso, significando, em primeiro lugar, que se trata de uma
habilidade que causa danos na reputação e surte seus efeitos no turno do oponente; em
segundo, que sua utilização dará início a um Duelo e o oponente terá oportunidade de reagir
ao ataque. Outros exemplos seriam os procedimentos para um card entrar no “Campo de
Batalha” e a forma como as habilidades afetam o jogo.
6.1 PALAVRAS CHAVE PARA A COLOCAÇÃO DE CARD NO CAMPO DE BATALHA
6.1.1 Inserir
A palavra chave “Inserir” se refere a Períodos e Problemas, cards que não tem Custo
de Reflexão para entrar no Campo de Batalha. Lembrando que um card de Problema, embora
não tenha Custo de Reflexão, para ser inserida no Campo de Batalha precisa ser capaz de
interferir no jogo com sua habilidade.
6.1.2 Atrair
A palavra chave “Atrair” se refere à entrada de cards de Filósofo no Campo de
Batalha, tipo de card que para entrar no Campo de batalha precisa que seja atendido o seu
custo de reflexão (CR). Além disso, diferente dos Problemas e Períodos, que ao serem
“Inseridos” no Campo de Batalha sempre vem da Mão dos jogadores, os cards de Filósofo
podem vir da Mão, dos Decks, dos Exílios ou da zona de descarte de cards. O que distingui a
“Atração” das demais formas de fazer um card de Filósofo entrar no Campo de Batalha
principalmente, é que, os cards “atraídos” sempre entram sob o efeito “Confusão de Atração”,
significando que não podem ser utilizadas no turno que entram no Campo de batalha (CB),
mas, somente no seguinte. A Atração pode ser comum ou especial. É comum quando um card
de Filósofo é deslocado da Mão para o Campo de Batalha tendo sido pago o seu Custo de
Reflexão. É especial quando um card de Filósofo é deslocada de umas das zonas do jogo, que
não seja a Mão, para o Campo de Batalha, ou da Mão sem ter pagado o custo de Reflexão. Na
Atração Especial o card é trazido ao Campo de Batalha por determinação de uma habilidade.
No mais, segue as mesmas regras da Atração comum.
6.1.2.1 outras Regras da Atração
Quando uma habilidade determina a Atração de um card e não diz de que zona do jogo
ela virá, os jogadores estarão autorizados a acessar a “Mão” e o “Deck”, na seguinte ordem:
assim que a habilidade for utilizada ambos podem procurar o card na “Mão”, se ambos não
encontrarem podem “Escavar os Decks” 25
. Assim que alguém anunciar ter achado card deve
entregá-lo para cumprir a exigência da habilidade e os decks devem ser embaralhados por
seus respectivos usuários, esse é o fim do procedimento de escavação. No caso de uma
“Atração”, os cards não podem vir da Caverna26
ou de algum Exilio, salvo exceções
determinadas pela “Regra de Ouro” 27
.
6.1.3 Convocar
A “Convocação” sempre acontece a partir de uma habilidade e resulta na entrada de
um card de filósofo Permanente ou de Ação instantânea no Campo de Batalha. Os cards de
Filósofos Permanentes “convocados” não entram confusos no Campo de Batalha. Ademais, a
“Convocação” segue as mesmas regras da “Atração”.
6.1.4 Invocar
A “Invocação” é uma forma de um card entrar no Campo de Batalha exclusiva dos
cards de Entidade e Ficha. Existem dois tipos de invocação: comum e especial. A Invocação
comum é determinada por uma habilidade. A especial é quando se paga o Custo de Reflexão
do card de Entidade ou Ficha. Como regra, esse “custo de reflexão” será receber danos na
reputação. Em ambos os tipos de Invocação, comum e especial, o card de Entidade ou de
Ficha é banido após sua entrada no Campo de Batalha. Mas, com uma exceção, em caso de
uma “Invocação especial”, cabe ainda uma “Invocação comum”, por meio de uma habilidade,
sendo vedada a reutilização de tal habilidade se for um filósofo, tendo em vista que o card de
Entidade estará banido sem possibilidade de retorno.
25
Será explicado em seção especifica. 26
Local de descarte de cartas.
6.1.5 Ajuda
A “Ajuda” é uma forma de colocar cards de Filósofo Permanente no Campo de
Batalha para utilização provisória, em apenas um turno. Dessa maneira, quando uma
habilidade disser “Peça Ajuda” significa que um card de Filósofo terá sua entrada no Campo
de Batalha autorizada por um turno, possibilitando que um dos jogadores utilize uma de suas
habilidades sem Custo de Reflexão. Cards que estão no Campo de Batalha do lado do
adversário, presas, com alguma habilidade “neutralizada”, na Caverna ou em algum Exilio,
não podem entrar no Campo de Batalha através da “Ajuda”. No turno seguinte de sua
utilização o card que veio “Ajudar” deve retornar para sua zona de origem (exceto se o efeito
de sua habilidade ainda estiver ativo no jogo), se for o Deck ele dever ser embaralhado pelo
seu respectivo jogador.
6.2 PALAVRAS-CHAVE PARA USO DE HABILIDADES DE EFEITO
As habilidades de efeito também contam com palavras chaves que determinaram o seu
uso no jogo, são elas: prender, neutralizar, anular, banir, escavar, sequestrar e regatar.
6.2.1 Prender
Quando uma habilidade determina que um card de Filósofo seja preso, significa que
este card não pode utilizar habilidades ou ser removido do Campo de Batalha.
6.2.2 Neutralizar
Neutralizar é o ato de impedir que um card de Filósofo utilize alguma ou todas as suas
habilidades de forma provisória. Neste caso, ela pode ser removida do Campo de Batalha para
ser sacrificada (sendo enviada para a Caverna) ou entregue ao adversário para cumprir alguma
exigência (indo para a Mão neste caso).
6.2.3. Anular
Anular é o ato de suspender uma ou mais habilidades de um card de Filósofo
permanentemente, como se ela tivesse sido utilizada. Neste caso, deve ser posto sobre o card
que teve a habilidade anulada o dado com o número corresponde à habilidade. A marcação
com o dado abre a contagem que quando chegar a três determina o envio do card para a zona
de descarte.
6.2.4. Banir
O banimento obriga um card de Filósofo ou de Entidade a ser retirada do jogo (a
Entidade poderá retornar se uma habilidade determinar sua Invocação, porém, por uma única
vez). Uma vez “banido”, um card não pode mais afeta o jogo de qualquer forma que seja. Um
card não precisa estar no Campo de Batalha para ser banido, ele pode estar em qualquer uma
das zonas do jogo, bastando para ser banida, que seja dito o nome dela.
6.2.5 Escavar
A palavra-chave “Escavar” no texto de uma habilidade significa autorização para
vistoriar o Deck. Pode ser do próprio jogador ou do adversário, simplesmente para olhar, para
mudar a ordem dos cards, ou, sequestrar uma delas, dentre outras possibilidades que serão
determinadas pela habilidade. O Deck sempre deve ser embaralhado após uma escavação.
Cada jogador embaralha seu próprio Deck.
6.2.6 Sequestro e Resgate
“Sequestrar” é o ato de tomar um card do adversário e colocá-lo imediatamente na
Mão. “Resgate” é o ato de tomar de volta um card sequestrada pelo adversário, ou de retirar
um card do Campo de Batalha (o card deve ser do jogador que solicita o resgate). Nestes dois
casos o card vai direto para a Mão.
7 REGRAS ESPECIAIS
7.1 REGRAS DE OURO
Conforme a regra de ouro qualquer regra do jogo pode ser suspensa por determinação
de uma habilidade. As habilidades são ordens que devem ser seguidas à risca. Se uma
habilidade disser que um jogador perdeu o jogo, por exemplo, esse jogador perde
imediatamente.
7.2 IMUNIDADES DE CARDS “VIRADOS”
Cards virados não podem ser atingidos por efeitos. Ou seja, se um card for virada para
utilizar uma habilidade, ele não pode ser preso, ter uma habilidade anulada, neutralizada ou
ser exilado e etc. Cards de Filósofo de Ação instantânea e Entidade quando entram no Campo
de Batalha é como se estivessem viradas para todos os efeitos.
7.3 SACRIFÍCIOS DE FILÓSOFO
Os cards de filósofo podem ser sacrificados a qualquer momento do jogo conforme o
interesse de seus controladores, desde que não estejam virados ou presos. Essa regra tem
como exceção cards de Filósofo de Ação instantânea com habilidades que prendem. Pois,
mesmo que elas permaneçam no Campo de Batalha, viradas para todos os efeitos, poderão ser
sacrificadas libertando o card que prendem. Sacrificar um card, como já sabemos, implica
enviá-lo para a Caverna.
7. 4 INSERÇÃO INCORRETA DE UM CARD NO CAMPO DE BATALHA
A inserção incorreta de um card no Campo de Batalha se dá quando o mesmo entra
sem seguir o tramite oficial para a forma de inserção de card necessária para sua entrada.
Exemplo: um card de Filósofo sendo posto no Campo de Batalha sem pagar o seu “Custo de
Reflexão”, ou por engano em lugar de outro e etc. O erro estará confirmado quando o card
encostar totalmente o Campo de Batalha. Um card de Filósofo Atraído ou Convocado de
forma incorreta vai para a Caverna imediatamente. Se o erro se der com uma Entidade ela
deve ser banida. Caso ocorra com um Problema ele deve ir para a Caverna. Com um
Período, para a Mão do adversário.
7.5 RECUAR DE UMA JOGADA
Existem limites para se mudar de ideia em relação ao uso de alguns procedimentos no
Combate Filosófico. Quando um card tocar totalmente o Campo de Batalha (mesa) não
poderá mais sair dele a não ser para a Caverna, caso seja uma entrada ilegal, ou, em um dos
casos citados pela regra anterior. Sobre o uso das habilidades, uma vez que o dado é solto
sobre o card, não se pode mudar de ideia e nem desvirar os Períodos utilizados. É permitido
mudar de habilidade do mesmo Filósofo caso a habilidade escolhida por engano não seja
capaz de afetar o jogo. Neste caso, também podem ser mudados os períodos. Sobre a compra
de cards, as que forem tocadas por um jogador são consideradas compradas para todos os
efeitos.
7.6 CARDS QUE VOLTAM DA CAVERNA OU DE ALGUM EXÍLIO
Filósofos Permanentes convocados ou atraídos da Caverna devem ter uma de suas
habilidades marcadas pelo dado a escolha de quem o convocou ou atraiu. Filósofos de Ação
Instantânea só podem retornar uma vez da Caverna, e a convocação ou Atração não pode
ocorrer no turno em que elas foram descartadas por uso de habilidade. Filósofos convocados
ou Atraídos do exilio não precisam ter habilidades marcadas com o dado.
7.7 SINAIS NOS CARDS
7.7.1 Asteríscos (*****)
Cinco asteriscos em um card de Filósofo de Ação instantânea significa que o card
pode ser utilizado no turno do adversário.
7.7.2 Traço (-)
Traços separando áreas da Filosofia em um card de Período Especial significam “e”,
indicando que o Período em questão permite o uso de Reflexões de mais de uma área de
forma simultânea por turno. O número de áreas listadas em um card de período, separadas por
traço, é indicativo do número de reflexão de cada área, que o período pode gerar em um turno.
Por exemplo: se um Período Especial oferece a opção de gerar Reflexão de Ética,
Epistemologia e Lógica, áreas que devem estar separadas por traço, significa que o jogador
pode extrair três tipos de reflexão em um turno. Pendendo ser: uma de cada área, três da
mesma, duas da mesma e assim por diante.
7.7.3 Barra (/)
Uma Barra separando áreas da Filosofia em um card de Período Tradicional ou
Especial significa “ou”, indicando que o Período permite o uso dr Reflexões de apenas uma
área por turno.
8 FORMATOS PARA O EMBATE FILOSÓFICO
8.1 “MANO A MANO” OU POR EQUIPES
Nesta modalidade um dos jogadores, ou representante de equipe, deve se encarregar de
extrair a partir de um monte de cards, previamente embaralhadas, dois Decks. Desses decks os
jogadores, ou representantes de equipe, devem comprar doze cards para formar sua Mão.
Ambos devem rolar o dado, aquele que tirar o maior número inicia a partida. O jogador que
iniciar a partida não pode comprar card, no entanto, pode inserir um Período se tiver em sua
Mão. Quando for passado o turno o adversário inicia a fase de manutenção comprando um
card de seu Deck ou Arsenal de Conceitos.