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Cópias da sentença do 7.° Juízo Cível da Comarca de Lisboa e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferidas no processo de registo de marca nacional n.°254 903. I - Relatório Jaba Farmacêutica, S. A., sediada em Lisboa, veio in- tentar o presente recurso de marca do despacho do Sr.Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que não recusou o registo à

marca nacional n.° 255 903, publicado no Boletim da Pro- · entidade e serviço e que foi exarado no uso de poderes de substancial discricionariedade. Assim, a nosso ver, tal decisão

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Cópias da sentença do 7.° Juízo Cível da Comarca de Lisboa e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferidas no processo de registo de marca nacional n.° 254 903.

I - Relatório

Jaba Farmacêutica, S. A., sediada em Lisboa, veio in- tentar o presente recurso de marca do despacho do Sr. Director do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que não recusou o registo à

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marca nacional n.° 255 903, publicado no Boletim da Pro- priedade Industrial e a favor de Rhône-Poulenc Santé, sociedade de direito francês, sediada em 92160 Antony, França. Pedido - seja revogado o despacho do Ex.m° Sr. Di-

rector do Serviço de Marcas do Instituto Nacional da Propriedade Industrial que concedeu o registo à marca nacional n.° 255 903.

Causa de pedir - o despacho recorrido violou o dis- posto no n.° 12.° do artigo 93.°, o artigo 94.° e o arti- go 212.°, todos do Código da Propriedade Industrial, uma vez que a recorrente é detentora da marca nacional, já registada, com o n.° 216 140, nominativa Cloxam, desti- nando-se ambas as marcas, a da recorrente e recorrida, a produtos farmacêuticos da classe 5.ª da tabela n.° 5 anexa ao Código da Propriedade Industrial; que há uma usurpação parcial da marca por haver uma tal semelhança gráfica e fonética entre elas que, perante o consumidor médio, sem possibilidades de fazer imediatas comparações, tendo de decidir com o auxílio da memória, com vocábu- los homófonos e com idêntica tonicidade entre si, à re- corrente parece existir evidente possibilidade de confusão. E quanto à confusão ideográfica pela possibilidade de suscitar as mesmas ideias com a simples leitura das ex- pressões em apreço, o consumidor, a quem os produtos se destinam, pode ter tendência a julgar que as duas marcas assinalam o mesmo produto. Instruiu a sua petição de recurso com documentos perti-

nentes. Foi ouvida a autoridade recorrida, que fez juntar, por

apenso, o processo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Indicou dever sustentar-se o registo atacado, in- dicando a pessoa a citar como representante da detentora da marca em oposição. Citada a recorrida, veio contra-alegar nos termos de

fl. 26 a fl. 37 e em forma mui douta, fazendo uma autên- tica dissecação da petição de recurso e rebatendo, um a um, os argumentos da recorrente, estabelecendo esquema comparativo da extensão terminológica e fonética das marcas e concluindo que inexiste a alegada ofensa dos normativos do Código da Propriedade Industrial, pelo que sustenta a manutenção da inscrição no registo da sua marca n.° 255 903. Cumpre apreciar. O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da

hierarquia e do território. O processo é o próprio e isento de nulidade. Recorrente e recorrida são os próprios, têm personali-

dade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representados em juízo, sendo, por isso, partes legítimas. Inexistem quaisquer outras excepções de natureza dilató-

ria, ou mesmo peremptórias, invocadas, de que deva conhe- cer-se. Observação prévia: Do cabeçalho da petição de recurso constata-se um

manifesto lapsus calami ao ver-se aí afirmado que o recurso era de «não» admissão do registo da marca n.° 255 903. Algo surpreendente e confuso, quase pare- cendo que a recorrente viria em defesa da recorrida. En- tão, não haveria objecto de recurso.

Só que nem sempre o que parece é, também aqui, a fl. 10, fica desfeita a dúvida, quando a recorrente formula o seu e já acima enunciado pedido. Conclui-se, assim, e sem qualquer margem de dúvida, que a recorrente deixou escapar, por omissão, a partícula «não», que deveria an- teceder o termo «recusou». Assim, deve ler-se «[...] não recusou [...]», como no final pede. Tal como nós o entendemos, igualmente o entendeu a

recorrida que se lhe opôs com afinco, profundidade e frontalidade, não manifestando nisso nenhuma dúvida. É assim que se deixa a petição entendida.

11 - Os factos provados

1 - A recorrente Jaba é titular da marca nacional n.° 216 140, caracterizada pela expressão «Cloxam-Portu- gal». 2 - A recorrida Rhône-Poulenc Santé, em 29 de Maio

de 1989, formulou pedido de registo da marca nacional, que no Instituto Nacional da Propriedade Industrial rece- beu o n.° 255 903, caracterizada pela expressão «Clexane». 3 - Ambas as marcas destinam-se a assinalar a comer-

cialização de produtos das interessadas da classe 5.', subes- pécie de «produtos farmacêuticos» do mapa n.° 5 da lista anexa ao Código da Propriedade Industrial - veja-se fl. 13 dos autos e no processo que pende apenso ao re- curso do Instituto Nacional da Propriedade Industrial. 4 - O despacho recorrido foi publicado no Boletim da

Propriedade Industrial, n.° 3, de 30 de Setembro de 1993, que concedeu à recorrida a protecção daquela marca n.° 255 903. 5 - Do processo em apenso ao recurso instruído no

Instituto Nacional da Propriedade Industrial constam as pe- ças de requerimento da recorrida, a oposição aí deduzida pela aqui recorrente, a resposta, em defesa da sua preten- são, da ora recorrida, e, finalmente, a informação do téc- nico instrutor do processo administrativo, parecer da che- fia de concordância e a confirmação do director recorri- do, como se patenteia.

III - Direito aplicável

Em face da matéria petitória do recurso dos presentes autos, não há formulação de alegações e conclusões para que, com precisão, se possa delimitar ou circunscrever o objecto do recurso. Não obstante, resulta, assim, que todo o despacho foi posto em crise e que os fundamentos do recurso terão de se surpreender das esparsas e mui doutas alegações contidas na petição e da observação das nor- mas aí invocadas como violadas pelo dito despacho. E de cada uma delas extrair o segmento de inobservância invo- cado e, subsequentemente, analisá-lo, reconduzindo o as- pecto eventualmente caracterizador da invocada ofensa aos factos e à conclusão jurídica a extrair. Isto se tentará fa- zer. Não obstante, lembra-se que estamos em presença de

um acto administrativo constitutivo de direitos para a re- corrida e alegadamente denegador de razão e prejudicador de gozo de direitos para a recorrente. Só que, por força da lei processual própria, é apreciado neste tribunal de jurisdição plena e não em contencioso administrativo, como a generalidade de tais actos, para simples anulação.

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Poder-se-á assim dizer que o despacho recorrido, ao ad- mitir a inscrição no registo de marcas a n.° 255 903, postu- lava a virtual afectação de interesses pretensa e legalmente protegidos pela marca n.° 216 140, concessão da mesma entidade e serviço e que foi exarado no uso de poderes de substancial discricionariedade. Assim, a nosso ver, tal decisão estaria submetida ao regime da alínea b) do n.° 1 do artigo 1.° do Decreto-Lei n.° 256-A/77, de 17 de Junho. Se assim fosse, como pensamos que é o caso, então o despacho em causa teria de obedecer aos requisitos de fundamentação a que estão sujeitos os referidos actos administrativos, como dispõe o n.° 2 daquele mesmo arti- go e diploma acabado de citar. O que se vê do processo apenso a este recurso? Um

parecer simplesmente redigido em meia dúzia de linhas (não é caricatura, não) e que nas três últimas se limita, o analista do processo, a dizer que «não se apura entre os sinais em confronto a alegada confusão fácil». E por isso propôs a concessão do registo, o que as chefias sanciona- ram e homologaram. Só que a um serviço assim especializado se pedia e

esperava bastante mais. São serviços de especialidade donde era de esperar uma decisão, suportada numa infor- mação exaustiva, abrangente das várias vertentes de ví- cio, que já então a recorrente imputava à pretensão da aí requerente da nova marca. Já aí era exigível uma análise mais detalhada e incisiva da razão da requerente e da sem razão da impugnante. Deveria ter-se apontado quais as objectivas razões, de facto e de direito, por que se estava a deferir a pretensão sem que isso significasse senão res- peito pela legalidade do peticionado, que não pela sim- ples submissão a deixar passar os conflitos de interesses. Os técnicos aí em exercício têm necessariamente conheci-

mento das regras de respeito por comportamentos e con- dutas no espaço industrial e comercial capazes de preen- cher melhor e mais convincentemente as questionações aí postadas pela ora recorrente. E talvez a recorrente pudes- se ficar convencida. Mas, mesmo que ainda assim isso não sucedesse, talvez se ajudasse este tribunal a fazer melhor justiça, já que ele nisso não é nem especializado nem naturalmente demasiado conhecedor das «habilidades» do mundo empresarial. Resulta assim, apesar de a recorrida nisso se louvar a

fl. 27, que o acto, a nosso ver, não contém um mínimo substancial de fundamentação fáctico-jurídica que o pudesse sustentar como satisfatoriamente fundamentado e que mereça com ele perder-se tempo na sua análise. A trazer-se ele à colação e a extrair-se alguma conclusão seria a de que tal despacho teria violado aqueles n.01 1 e 2 do citado Decreto-Lei n.° 256-A/77, do seu artigo 1.° Mas este é um tribunal de plena jurisdição. Por isso, te- mos de prosseguir. Como o objecto do recurso não pode e não deve ser

conduzido por essa via da ausência de fundamentação do acto, pois aqui não se cura de saber da existência de re- quisitos de sindicabilidade do aludido despacho, voltamo- -nos para as razões de cada uma das partes. É o que se passará a fazer, com a específica referência às alegações da recorrente, já que a ela cabe o ónus de prova de tais violações - artigo 342.°, n.° l, do Código Civil.

Dos fundamentos do recurso: Agora afigura-se-nos possível delimitar a análise dos

fundamentos do recurso às questões seguintes:

1) Há imitação, total ou parcial, de marca regista- da, em proibição do n.° 12.° do artigo 93.° do Código da Propriedade Industrial?

2) Há usurpação, total ou parcial, de marca para os mesmos produtos por haver semelhança gráfica e fonética que induza em erro o consumidor?

3) Devido às semelhanças referidas e à semelhança ideográfica, ocorre a possibilidade de concorrên- cia desleal?

Análise subsequente: Saliente-se, antes de mais, que qualquer dos sobreditos

fundamentos, a verificar-se, de per si tem virtualidade sufi- ciente para fazer ou lograr a procedência do presente re- curso. E daí que todos os itens, à partida, tenham de ser ponderados, salvo se algum deles se mostrar de inequívo- ca existência, caso em que se poderá, eventualmente, decla- rar prejudicada a apreciação dos demais. É, porém, certo que ainda que algum deles claudique, nem por isso fica definida a sorte do recurso, atenta aquela autonomia. Uma outra observação que importa aqui fazer é a de

que a nossa legislação, no caso o Código da Propriedade Industrial, tem de ser interpretada em consonância com o Tratado CEE e hoje, no pós-Maastricht, do Tratado da UE, que impõe uma visão mais acautelada, mais actualista e circunspecta, por forma que de uma qualquer leitura das normas em apreço e até com uma decisão escudada em boa jurisprudência dos nossos mais altos tribunais, eventualmente até acompanhada de óptima doutrina, não se esteja a fazer uma leitura restritiva ou, eventualmente, revogatória das normas dos artigos 36.° e 37.° do Tratado de Roma.

É que estas normas insurgem-se contra os monopólios e contra as restrições da liberdade de comércio, com vista à plena satisfação das reais necessidades dos seus consumidores. Contudo, elas aceitam e são compatíveis com uma leitura e interpretação de aplicação de normas disciplinadoras da sadia observância da livre concorrência de mercado, vista numa perspectiva de princípio de justa proporcionalidade contida em normas para a sua salvaguar- da e criação ou implementação de correcta agressividade de mercado, sem prevalência de regras selváticas ou desrespeitadoras de princípios atentadores dos interesses dos consumidores e produtores e prestadores de bens e serviços. É uma forma de salvaguarda do meio empresa- rial com obstaculização ao uso de práticas como as de- nunciadas pela recorrente que, a verificarem-se, justificam a censura e o recurso a meios que efectivem a sua consu- mação, na via que peticiona a recorrente. É a esta luz que se irá fazer ou procurar fazer a

observância do justo enquadramento daquelas situações e, nessa medida, lhes estender a tutela pedida pela recorren- te, ou a defendida pela recorrida, consoante nos pareça assistir a razão a uma ou à outra. Começaremos pela última das questões por nos parecer

a de mais simples análise e isso não contender com ne- nhuma ordem lógica ou com o demais raciocínio.

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a) Ocorre violação do artigo 212.° do Código da Pro- priedade Industrial? As actuais técnicas de marketing exploram todas as for-

mas de se fazerem passar no mercado. E não ignoram elas que, uma vezes, a publicidade torna-se eficaz pela forma de dissonância com o que há de comum no mercado; e outras vezes, a tentativa de «personalização» dos destina- tários da publicidade leva a que se encare cada produto e a sua «embalagem» como algo que não basta oferecer ao consumidor, sendo necessário e essencial que, de forma eficaz, se descubra como lhes chegar. Sendo embora, pelo menos assim nos parece, isso evi-

dente nos dias que correm em que os media, especialmente os meios televisivos, são os veículos privilegiados para a implementação de regras e práticas criadoras de «quotas» de mercado e de consumidores, produtos há em que só isso não basta. E então as regras de marketing espreitam mais a «colagem» possível a outros produtos de óptima aceitação para lograrem a sua ambicionada expansão. Isto sem se estar a olhar às subliminares mensagens que se pretende, mais ou menos encapotadamente, fazer passar ao consumidor. É mais uma outra forma de se singrar ou se destacar da muita mediocridade que por aí grassa mas que também se consome ... É aqui que aparecem e podem começar a levantar-se

as defesas que o sistema institui, relevante e validamente, através do Código da Propriedade Industrial. Só que essas defesas não podem ser accionadas a uma qualquer e sim- ples aparência de perigo. É necessário que ele, de facto, exista. Seja perigo concreto ou bem concretizável. Se vis- lumbre e seja possível e haja mal a esconjurar. É claro que a aplicação de tais medidas surge como

última ratio ao uso, sem escrúpulos, de práticas lesivas ou possivelmente lesivas de interesses de operadores comerciais por terceiros que daí pretendam ilegítimos be- nefícios. Ora, é aí, nessa factualização, que existe o momento

essencial da apreciação dessa realidade para que se possa fazer accionar o mecanismo tutelar. Mas como disse, e aí bem, a recorrida, a fls. 35-36, não se vislumbra um míni- mo de coerência argumentativa da recorrente que nos in- cline a conferir-lhe alguma razão. Na verdade, ficou referido que ambas as marcas de

destinavam a produtos farmacêuticos da espécie 5.' da lista n.° 5 anexa ao Código da Propriedade Industrial. Mas só isso. Só que nenhuma das partes concretizou a existência em mercado, ao alcance dos consumidores e destes co- nhecidos e a sofrer impolgância comercial pela existência comercial simultânea de ambas e em detrimento da da recorrente. Nada foi mencionado de acções publicitárias ou equivalentes donde se possa inferir essa concorrência, incluindo a semelhança de embalagem e de géneros de bens a que se aplicasse a tal alegada «empatia» geradora ou materializadora desse tal desiderato «ideográfico», como a recorrente invoca. De resto, os argumentos expendidos na área dos de-

mais enunciados fundamentos, que a seguir-se se analisa- rão, não vemos que aqui pudessem, ainda, relevar, só por si. É que nos parece que o momento de tal tutela legal da norma do artigo 212.° não terá de ser, nem será normal- mente, contemporâneo no seu infringimento e subsequen-

te aplicação das demais regras como infringidas e invocadas. Acrescendo a isto o facto de estarmos a tratar de mar-

cas nominativas, como é pacífico entre as partes, não nos parece que tenha alguma razão a recorrente. Decidir-se-á, a final, que este fundamento não poderá

vingar, como se vê da proposição i do Acórdão da Rela- ção de Lisboa de 20 de Março de 1990, in Boletim do Mi- nistério de Justiça, n.' 395, p. 657, ao abordar a perfigu- ração e recortes que deverão revestir uma figura ideo- gráfica em caso que estava associado a uma marca nominativa e emblemática.

Mas este caso aí não chega. E concluímos que a preten- são da recorrente aí não vinga. b) Há imitação, total ou parcial, de marca? A norma que a recorrente pretende tutelar esta circuns-

tância é a do artigo 93.°, n.° 12.°, do Código da Proprie- dade Industrial. Diz ela ser inadmissível no registo qual- quer marca que infrinja os artigos 76.° a 79.° ou atentem contra as normas aí alinhadas. Ora, como em causa não estão as tais disposições, temos como objecto decidendum apenas a do n.° 12.° do artigo 93.° Cumpre, antes de mais, referir quais são os momentos

ou segmentos em que ela se desdobra:

1 ) Reprodução ou imitação total ou parcial; 2) Esteja a marca imitada registada; 3) Ela se destine ao mesmo produto ou seja seme-

lhante; 4) Possa induzir em erro ou confusão o mercado.

Perante isto, que há a dizer da pretensão da recorrente? Simplesmente e sem mais rodeios que as alíneas 2) e 3) estão indiscutivelmente verificadas, salvo, quanto à alínea 2), que a conclusão inclua a vertente de que há imitação, por isso, seja pertença da alínea 1). Quanto ao resto, isso é também pacífico para as partes e por isso é que estão aqui nas posições em que se encontram. E os produtos a que se destinam, em abstracto, são os mesmíssimos. Falta, por isso, verificar se existem os demais requisi-

tos. Vejamos o da alínea 1). Deste se dirá, e de resto tam-

bém'o não alega a recorrente, que não existe nem repro- dução nem imitação total. E existe a imitação parcial? Desta questão vinda de colocar-se parece que se postu-

la uma resposta quase conjunta e concertada com a da alínea 4). Seja: a estatuição aí definida tem uma previsão de conjunto que não pode ser encarada singularmente. E uma vez respondida aquela, pouco restará para a última das alíneas. Como já acima se disse, também não há qualquer dis-

cussão sobre a natureza da norma e seu objectivo. Como o não há quanto à natureza da marca: simplesmente nominativa, tal como a enuncia o artigo 79.° do Código da Propriedade Industrial. Já acima mencionámos o escopo em que nos colocáva-

mos para interpretar as sobreditas normas. Não vamos de- fender que sejamos adeptos de uma qualquer liberdade de mercado e que só nos agrade uma qualquer concorrência. É que se esta for desenfreada e sem regras pode isso re- dundar também em grave prejuízo do consumidor, que o somos todos nós!

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Simplesmente que o nosso Estado, em face dos demais países membros da UE, não pode assumir-se como um «Estado de polícia», mesmo na área da indústria e comér- cio, nomeadamente ou mesmo quando possam estar em causa operadores seus súbditos. Impõe-se-lhe uma postura de isenção e a proporcionação de igualdade de meios e de armas a todos e para todos. Da análise cruenta da recorrida, como ela se explana a

fls. 29 e 32, parece-nos que a pretensão da recorrente explanada a fis. 4 e 6 a 8 se mostra bastante desfalecida. Comecemos por observar que a uma olhadela simples-

mente atenta e sem ser de verdadeiro crítico, a pretensão da recorrente não resiste a que se diga que na grafia as duas marcas obtêm distinção bastante, que até se reper- cute na divisão silábica. E num vocábulo tão curto há duas vogais distintas e uma consoante diferente. Ou se está cego ou são perceptíveis as diferenças. Por aqui não iremos, pois. E quanto à fonética? Sendo esta a parte da nossa gramática que estuda os

sons articulados e as leis que presidiram às suas altera- ções, teremos de lhe incluir a vertente da homografia e da tonicidade, como também invoca a recorrente a fl. 8. Veja-se Dicionário da Porto Editora, 6.3 ed. de 1989, p. 894, onde esta ideia se deixa definida. Quando acima aceitamos haver distinção na grafia, pa-

rece que se terá de aceitar existir a correspondente diferen- ciação na observação visual. Pelo menos para nós isso se pressupõe e se deixa assente como verificado. Voltemos à fonia: não iremos aqui acentuar ter uma ou

outra das marcas mais ou menos labiais ou dentais. Por aqui há empate. Só há diferenciação nas vogais. Mas des- ta diferença resulta não só um diferente número silábico, como até ela resulta do som da leitura de cada uma delas. Como alerta a recorrente, são ambas marcas traduzidas em palavras átonas que não sofrem acentuação gráfica artifi- cial sendo a sua leitura a que decorre da colocação do acento tónico na penúltima sílaba. Todavia, sendo a mar- ca da A. traduzida por um dissílabo e a da R. por um trissílabo, daí decorre inexoravelmente que elas têm uma forma externa de expressão de sons perfeitamente percep- tíveis e distintos, por forma que não se podem qualificar de marcas homófonas. E muito menos poderá dizer-se que são de idêntica tonicidade. Visto isto à luz do aresto da Relação de Lisboa de 18

de Abril de 1991, in Colectânea, ano 17.', vol. 2, p. 189, que acentua dever pesquisar-se a existência de imitação com incidência e especialmente partindo da semelhança do conjunto dos elementos caracterizadores de uma mar- ca, e não tanto partindo da dissemelhança de pormenores nela encontrados. Servindo-nos deste ensinamento, pode- remos dizer que aqui os há e de dissemelhança. Ou então o Acórdão da Relação de Coimbra de 13 de

Novembro de 1990, Colectânea, ano 16.°, vol. 5, p. 46, o qual afirma que a imitação não é uma cópia servil e sen- do este juízo de imitação da semelhança ou não a aferir pelo posicionamento dos consumidores. Dado comungarmos, em grande medida, desta forma de

raciocínio aqui expendido, importa aqui dizer ou fazer mais uma observação: já se vai respondendo à última das alí- neas. Mas não poderemos atentar na posição de um qual- quer consumidor. Estaremos, no mínimo, colocados na pla-

taforma legal definida pelo legislador do Código Civil, seu artigo 487.°, n.° 2, ao referir a figura do «bom pai de fa- milita». Mas a que há que acrescentar um alerta específi- co: estamos no ramo de produtos farmacêuticos. São es- pecialmente «remédios» que também são «venenos», como diz a sabedoria popular. Logo, esse «bom pai de família» tem de estar com atenção mais desperta aquando da aqui- sição de tais produtos. E se isto não bastar, então haverá que lhe introduzir

mais uma variante: os produtos farmacêuticos não se ven- dem - é ainda aí proibida a sua venda - em supermerca- dos. São servidos especialmente ou quase só exclusiva- mente em farmácias. Normalmente são utilizados median- te receita médica. Acaba a imprensa de dar notícia ter o Conselho de

Ministros discutido o diploma que visa regulamentar a di- rectiva CEE que obriga a discriminar quais os medicamen- tos que se podem e os que se não podem vender em farmá- cia com ou sem receita médica. Contudo, o seu local de venda, parece que se não terá discutido, continuará a ser a farmácia. Logo, até que cheguem ao destinatário, o consumidor

final estará a ser «manuseado» por técnicos especialistas que não podem nem têm uma visão simplista dessas coi- sas ou produtos. Quem os receita é o médico de saber e que usa, em seu apoio, enciclopédias médicas, glossários e simpósios e apoiados por propaganda médica. Portanto, tais receitas e usos são actos, normalmente, assumidos e conscientes. E o farmacêutico, em princípio - salvo se a comercialização dos genéricos vier a popularizar-se - serve aquilo que o médico prescreveu. Parece, pois, que se está numa área privilegiada onde

o consumidor não está, assim, tão exposto e onde não será, normalmente, exercitável o acto de comparação do tipo de produtos a adquirir. Do que vem de expor-se parece-nos ter de concluir que

o tipo de consumidor aqui reveste uma característica espe- cial e compósita. Será, pois, um consumidor mais exigen- te e não tão fácil de levar. É que o julgamento de cada caso exige que a situação se subsuma à especialidade do seu caso e suas circunstâncias. Mas mesmo que se conceda que há produtos farmacêuti-

cos adquiríveis por simples solicitação ao balcão da farmá- cia ao técnico de venda (provavelmente um vulgar empre- gado de balcão), e isso nem o discutiremos, pois, é uma simples constatação de uma ida a uma farmácia que a maioria dos cidadãos deste país já terão efectuado (talvez até muitas vezes!) e o terá constatado. Ainda aí aparece o espírito crítico do farmacêutico que compra e acantona os produtos que depois serve ao consumidor. Concluímos, por isso, não ocorrer a imitação, mesmo

parcial, passível de causar confusão no mercado, não se indiciando a violação do n.° 12.° do artigo 93.° do Código da Propriedade Industrial. c) E haverá usurpação de marca (artigo 195.° do Códi-

go do Direito do Autor)? A recorrente faz um especial apelo para o facto de o

consumidor, que não dispõe sempre de produtos das di- versas marcas para os comparar antes da aquisição, se valer bastante das mnemónicas para auxiliar da sua memória na aquisição do que querem. E que é a partir desse fenómeno associativo que pode empolgar-se a empatia de erro.

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Diremos que nem sempre o consumidor detém uma em- balagem devidamente rotulada e já usada para apresentar ao comerciante, no nosso caso ao farmacêutico, para lhe pedir uma igual dose de igual marca. E até é do conheci- mento de todos que no caso dos fármacos isso até se pra- tica com mais frequência que o desejável. Pese embora as campanhas sanitárias levadas a efeito, desde há vários anos, pelo Ministério da Saúde, apelando a que o cidadão não se socorra da automedicação, o certo é que bastante uso se faz ainda da embalagem finda para aquisição de uma outra.

Não obstante tudo isto, é um pouco verídico que, algu- mas vezes, distorcendo-se até a fonografia de certos ter- mos, socorrendo-se de mnemónicas [...] aviva a sua me- mória para ter presente que em certos momentos o puro uso da memória pode falhar. Mas isto não factualiza o artigo 195.° do Código do Direito de Autor. Que dizer de tudo isto? É de desprezar uma tal observa-

ção como suporte da construção ideográfica? Certamente que não. Aquele normativo exige coisa diversa e mais. Não vamos negar nem desprezar esse factor gerador de

associação de imagens e de sons que todos utilizamos um pouco como «muleta» da nossa falível memória para, as- sim, a tornar mais produtiva, mais segura ou menos falí- vel. Simplesmente não é só aqui que reside a questão da invocada usurpação de marca, a que se reporta o arti- go 94.° do Código da Propriedade Industrial. O legislador postula que esse valor de semelhança de

imagem ou de marca induza facilmente em erro ou confu- são o consumidor e que este erro só seja passível de desfa- zer-se após prévio confronto dos dois produtos. E aquele momento ideográfico seria apenas um deles. Como acima se disse, não é isso que normalmente su-

cede ao consumidor. E a figura da usurpação o que pre- tende é que alguém não leve para casa «gato por lebre». E quando o legislador utilizou o termo ou expressão «in- duza facilmente» não deverá esquecer-se o alcance quan- titativo que isso implica. Pense-se só como é usado um advérbio semelhante na base xix, n.° 1, alínea a), da Lei n.° 2127, de 3 de Agosto de 1965, e que foi regulamenta- da pelo Decreto-Lei n.° 360/71, de 21 de Agosto, no seu artigo 55.°, n.° 1, quantificou esse sensivelmente em 0,75 de incapacidade de ganho. É mesmo coisa sensível. O julgador ao apreciar uma qualquer questão sempre

terá de ter presente todo o conjunto de normas e princí- pios jurídicos do sistema em que se mexe. Nunca poderá fazer uma interpretação impressionista. Tem de imperar a objectividade das normas. O juízo de valor tem de tradu- zir-se em algo de palpável aos olhos de quem quer que seja, desde que não se mostre insensível a tais valores. Aliás, esta questão prende-se com a da anterior alínea b)

quando aí se encarou a questão da imitação e a possibili- dade de tais marcas gerarem ou não confusão no merca- do. Aqui se encara mais a vertente específica da perspec- tiva do consumidor final. É uma ideia diversa daquela norma. Já acima se salientou a especificidade desta questão e

ela aqui não pode ser esquecida. Este é um julgamento objectivo, suportado em nonnas preexistentes e para afe- rir num caso concreto de um certo e dado circunstan-

cialismo. Mas que aqui se haverá de subjectivar às esfe- ras jurídicas das intervenientes processuais e se há-de, a final de contas, ter em mente o destinatário dos produtos e a forma como lhes hão-de chegar. É por tudo isto e com tudo isto que tem de haver-se o

julgador. E é a essa luz que há-de extrair as suas conclu- sões que lhe pareçam em perfeita lógica e coerentes com o sistema. O Código do Direito de Autor tem diferentes pressupostos. Quando o Prof. Ferrer Correia, in Lições de Direito

Comercial, vol. i, pp. 328 e segs., Universidade de Coimbra, 1973, sustenta que a figura do consumidor mé- dio deve ser concebida com a imagem (com toda a sinalética que no nosso consciente e inconsciente se acu- mula) que ele próprio constrói, isso não se pode olvidar. Mas não é só a partir desse momento que se há-de cons- truir a figura e o juízo de valor daquilo que é ou pode e deve ser o consumidor médio, ressalvadas as específicas circunstâncias que o permeiam neste processo de consu- mo. E é a partir daí que se afere a possibilidade ou im- possibilidade de erro da parte do consumidor. Acrescente-se que, como sustenta Paul Roubier, in Le

droit de la proprieté industrielle, p. 360, ao fazer recair o acento tónico na existência de diferenças notórias nas mar- cas para que elas não se confundam, se está a fazer a tal leitura quase revogatória da liberdade de comércio e criatividade de bens. A afunilar tanto o universo de mar- cas como uma tal leitura parece sugerir e pretender impor que seria acabar por consagrar uma difícil progressão no universo das novas marcas. E seria uma leitura em total contraposição com a referida norma do Decreto-Lei n.° 360/71, seu artigo 55.°, já acima mencionado. Repare-se que estamos em marcas nacionais, simples-

mente nominativas e integrando ambas elas vocábulos que nem sequer são comportados pelo universo de termos do léxico dos nossos dicionários. Confira-se, v. g., por sim- ples consulta o aludido da Porto Editora. E também o não comporta a Grande Enciclopédia Portuguesa-Brasileira. É um outro léxico, como se referiu. Pertence aos manuais técnicos da medicina ou da farmacologia. Onde se tipifica a usurpação do Código do Direito de Autor? Sendo isto assim, como nos parece que é, igualmente

nos parece que, mantendo aqui as considerações e pressu- postos já acima mencionados, se conclua, como ensina o Acórdão da Relação de Coimbra de 23 de Fevereiro de 1994, in Colectânea, vol. i, p. 42, ano xix, que nos deve- remos bastar com a existência de elementos individualiza- dores que lhe dêem relevância, sem que tenham de ser notórios, como pretendia Paul Roubier, in op. cit. Mantendo este entendimento e esperando do comum do

cidadão com uma escolaridade frequentada em termos de dominância qualificada (ainda há dias a imprensa referia números da ONU que rondariam os 80 %) e em que os media não devem deseducar e não se deve esperar distorção de pronúncia dos vocábulos só para justificar leituras restritivas das normas, se nos afigura legítimo concluir que não ocorre tal usurpação de marca, nem mesmo parcial, nem as marcas se apresentam ao consu- midor letrado em forma de fácil indução em erro ou con- fusão entre si.

Page 7: marca nacional n.° 255 903, publicado no Boletim da Pro- · entidade e serviço e que foi exarado no uso de poderes de substancial discricionariedade. Assim, a nosso ver, tal decisão

IV - Decisão

Por tudo o que vem de expor-se se conclui que o pre- sente recurso em nenhuma das invocadas razões passíveis de integrar a violação das normas dos artigos 93.°, n.° 12.°, 94.° e 212.° do Código da Propriedade Industrial não se verificam, pelo que o despacho que admitiu a inscrição no registo do Instituto Nacional da Propriedade Industrial da marca n.° 255 903, embora deficientemente fundamen- tado, se mostra em conformidade com a realidade fáctico- -legal, se decide mantê-lo, declarando-se improcedente, na íntegra, a petição do recurso. Custas pela recorrente, com a procuradoria fixada em

um quarto apenas. Notifique e registe. Transitada, remeta o processo administrativo ao Insti-

tuto Nacional da Propriedade Industrial acompanhado de cópia da sentença para publicação no respectivo Boletim - artigo 287.°, alínea i), do Código da Propriedade Indus- trial.

Lisboa, 27 de Junho de 1994. - José Teixeira Monteiro.

Apelação n.° 8367.

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

Rhône-Poulenc Santé requereu no Instituto Nacional da Propriedade Industrial a concessão de protecção em Por- tugal à marca industrial e comercial Clexane, destinada a produtos farmacêuticos. Na sequência de reclamação apresentada por Jaba Far-

macêutica, S. A., que invocou imitação da sua marca Cloxam, foi decidido conceder o registo. Em recurso desta decisão foi proferida no 7.° Juízo

Cível da Comarca de Lisboa sentença que a confirmou. Daqui apelou a Jaba Farmacêutica, S. A., que pede a

revogação da sentença e a recusa do registo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) A apelante é titular da marca n.° 216 140, Cloxam, destinada a produtos da classe 5.';

b) A recorrida é titular da marca n.° 255 903, Clexane, destinada aos mesmos produtos;

c) Dispõe o artigo 94.° do Código da Propriedade Industrial que se considera usurpada no todo ou em parte a marca destinada a produtos inscritos no repertório sob o mesmo [...], mas de afinida- de manifesta que tenha tal semelhança gráfica, figurativa ou fonética com outra já registada que induza facilmente em erro o consumidor não podendo este distinguir as duas senão depois de exame atento ou confronto;

d) Existe manifesta afinidade entre os produtos que as marcas visam distinguir;

e) A marca Clexane não tem a necessária eficácia distintiva;

f) O consumidor que se depara com uma das mar- cas sem ter, simultaneamente, a outra sob os olhos não conseguirá, no juízo comparativo que efectuará mentalmente, encontrar qualquer dife- rença;

g) Não é, pois, o exame detalhado das marcas, per- mitindo que se encontrem diferenças entre elas, que é essencial no exame comparativo sendo que o público só tem ideia do conjunto e se a justa- posição das marcas é necessária para encontrar as diferenças então exista confusão;

h) A concessão de registo à marca n.° 255 903, Clexane, criará confusão no público;

i) Na verdade, o público consumidor terá a tendên- cia para ler a marca da apelante, que é expressão de fantasia, como «Clocsame»;

j) Lendo a marca da recorrida como «Clecsane»; 1) Concluindo-se, pois, que embora as duas palavras não tenham as mesmas sílabas, os sons obtidos com a sua leitura são absolutamente confundíveis;

m) Pois o som mais característico das duas marcas - csame e csane - é muito aproximado e por isso implica que o consumidor desatento não as possa distinguir;

n) Tratando-se de produtos farmacêuticos deve ter- -se ainda mais cautela no exame comparativo;

o) Igualmente as duas marcas são graficamente con- fudíveis, pois o consumidor não as tem à vista e decide com o auxílio da memória e, neste ponto, não existe distinção bastante entre as marcas;

p) Deve, assim, concluir-se que existe entre as duas marcas uma tal semelhança que induz facilmente em erro o consumidor que só pode distingui-las após exame atento ou confronto, pelo que se mos- tram violados os artigos 93.°, n.° 12.°, e 94.° do Código da Propriedade Industrial;

q) Está igualmente violado o artigo 212.° do Códi- go da Propriedade Industrial, pois, aceitando-se a existência de confusão entre as marcas, forço- so é concluir pela existência de concorrência des- leal, resultante de actos susceptíveis de criar con- fusão com os produtos dos concorrentes qualquer que seja o meio empregue;

r) Aliás, nos termos do artigo 187.°, n.° 4.°, do Código da Propriedade Industrial, bastando a con- corrência ser possível, independentemente da in- tenção do infractor, é óbvio que, também por esta razão, devia ter sido recusado o registo à marca n.° 255 903, Clexane;

s) A douta sentença violou os artigos 93.°, n.° 12.°, 94.°, 187.°, n.° 4.°, e 212.° do Código da Proprie- dade Industrial.

Não houve contra-alegações. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. Os factos são os seguintes:

1) A apelante é titular da marca n.° 216 140, Cloxam, destinada a produtos da classe 5.";

2) A apelada requereu em 29 de Maio de 1989 o registo da marca n.° 255 903, Clexane, destinada a produtos farmacêuticos, também da classe 5.ª

O despacho proferido no Instituto Nacional da Proprie- dade Industrial concedeu o registo por não apurar existên- cia de confusão fácil, no que foi secundado pela sentença recorrida.

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Escreveu-se nesta:

E num vocábulo tão curto há duas vogais distin- tas e uma consoante diferente. Ou se está cego ou são perceptíveis as diferenças.

Na verdade, onde numa está «o», está na outra um «e». Onde na primeira está «m», está na outra «n». Isto é o que resulta do confronto das seis letras que

compõem a primeira palavra com as primeiras seis letras da segunda. Outra diferença: a segunda palavra tem sete letras, sen-

do a última um «e», ao passo que a primeira tem seis. Reverso da medalha: em palavras tão curtas, a primei-

ra, segunda, quarta e quinta letras são as mesmas, achan- do-se colocadas precisamente nas mesmas posições relati- vas, isto é, pela mesma ordem. Não resistimos a pensar na dificuldade que experimen-

tará um farmacêutico ao aviar uma receita manuscrita com a tradicionalmente difícil letra de um médico, para conse- guir identificar qual destes medicamentos está a ser-lhe pedido [...] É particularmente evidente a identidade de concepção

destes dois vocábulos, primeira sílaba com três letras em ambos - «clo» e «cle» -, segunda swaba que num deles tem só duas letras e que no outro tem três, mas com a peculiaridade de as duas primeiras serem as mesmas que a compõem naquele - «xa» e «xam» -, terceira sílaba, no que a tem, começada por letra gráfica e foneticamente muito idêntica à última letra do outro vocábulo e seguida apenas por uma vogal muda «ne» e «m». Conclusão: no plano gráfico as semelhanças são mais

que as diferenças e afiguram-se-nos bastante impressivas no plano qualitativo, como ressalta das comparações que atrás ficaram efectuadas. Discutem ainda as partes sobre a comparação fonética,

dizendo a apelante que se pronunciam de modo muito semelhante e dizendo a apelada - na resposta produzida na primeira instância, já que não contra-alegou nesta apela- ção - que se pronunciam de forma muito diferente. Nem uma nem outra têm inteira razão naquilo que di-

zem. Diz a apelante que os sons finais de ambos os vocábu-

los em confronto são «csame» e «csane». Não diremos o mesmo. O som final da marca da ape-

lante será antes csã porque a letra «m», desacompanhada de letra que se lhe siga, tem o efeito de nasalar a vogal «a» que a antecede. Disse a ora apelada naquela resposta que esse som é

«csão», mas o que acabou de ser dito serve para a des- mentir. Disse ainda a ora apelada que a correcta pronúncia

da marca da apelante, face às regras da língua portu- guesa, será como palavra grave, sendo, pois, «clo» a sílaba tónica. Não discutimos o acerto gramatical desta afirmação. Mas temos de ter consciência de que as regras de con-

duta, jurídicas ou não, embora existam para serem cumpri- das, são frequentemente desrespeitadas; e a frequência do seu não cumprimento é tanto maior quanto menos graves são as suas consequências e quanto menor é o grau do seu conhecimento.

As regras linguísticas são, por ambos estes motivos, das que mais vezes deixam de ser observadas. E este argumento usado pela ora apelada mais fraqueja

se se pensar, como nos parece que deve pensar-se, que a circunstância de se estar perante uma marca de fantasia dificulta o funcionamento automático daquela regra, uma vez que a representação intelectual da palavra «Cloxam» não é acompanhada da representação do seu significado, a qual arrastaria a imediata recordação da sua pronúncia usual. Assim, há que prever a muito provável pronúncia des-

ta marca como palavra aguda, com o consequente aumen- to da semelhança fonética com «Clexane». Concluímos, pois, no sentido de que há um forte risco

de confusão entre estas duas marcas por virtude da sua semelhança fonética e gráfica. E maior semelhança não havia entre as marcas que a

seguir se indicam, sobre as quais foram emitidos juízos positivos de possibilidade de confusão pelas decisões que em nota ao artigo 94.° vêm citadas pelo Dr. Ruy de Ma- tos Corte Real ao anotar o Código da Propriedade Indus- trial: Diabelise e Dialinese, Preludin e Relumin, Cuperzine e Superzym, Vistapon e Visadron, Labofit e Catovit, Decasan e Descusan, Humagal e Humegon, etc. Como é entendimento constante, o risco de confusão

deve ser aferido tendo em conta o conjunto das marcas, e não pelo destaque das diferenças pontuais que apresen- tem; e deve igualmente ser aferido em função da impres- são provavelmente causada num consumidor mediamente atento que não tem ambas as marcas sob os seus olhos para poder confrontá-las cuidadosamente. Não se diga ainda que se trata de produtos farmacêuti-

cos que se destinam a ser manuseados por técnicos - médicos, enfermeiros, farmacêuticos -, pelo que seria de presumir um maior conhecimento e facilidade em os distinguir. Nem todos os medicamentos podem ser vendi- dos apenas com receita médica, nem esta exigência, como é sabido e notório, é escrupulosamente cumprida nos ca- sos em que existe, o que esvazia o valor deste argumento. Em suma, as diferenças existem e podem ser percebidas,

mas existem também semelhanças que podem facilmente operar a confusão. Isto basta para afirmar que a marca Clexane imita parcialmente Cloxam e não pode ser regis- tada. Por todo o exposto se julga procedente a apelação, se re-

voga a sentença recorrida e se recusa o registo da marca Clexane. Custas pela apelada. Depois de transitado, cumpra-se o disposto no arti-

go 210.° do Código da Propriedade Industrial

Lisboa, 29 de Julho de 1995. - (Assinaturas ilegíveis.)