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Manual Práticas Positivas e Colaborativas 2014

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  • Prticas colaborativas e positivas na

    INTERVENO SOCIAL

  • ficha tcnica

    ttuloManual - Prticas Colaborativas e Positivas na Inter-veno Social.

    autoresCatarina Rivero, Liliana Sousa, Patrcia Grilo e Sofia Rodrigues

    edioEAPN Portugal / Ncleo Distrital de LeiriaRua Miguel Franco, lote 8, 1022400-191 LeiriaTel 244 837 228 | Fax. 244 837 229E-mail. [email protected]: www.eapn.pt

    Este Manual surje no mbito do Projeto Para alm da crise:

    otimismo, criatividade e capacitao

    design grfico e paginaoRain Design

    isbn978-989-8304-30-8

    data de edioDezembro de 2013

  • NDICE

    Introduo

    Parte I

    A complexidade na interveno com famlias socialmente

    vulnerveis

    Patrcia Grilo

    Emergncia de abordagens colaborativas na interveno

    com famlias vulnerveis

    Sofia Rodrigues & Liliana Sousa

    Interveno positiva com famlias socialmente vulnerveis

    Catarina Rivero

    Parte II

    Enquadramento ao projeto Para alm da crise: otimismo,

    criatividade e capacitao

    Patrcia Grilo

    Materiais das atividades realizadas no mbito do projeto

    Para alm da crise: otimismo, criatividade e capacitao

    Anexos

    2

    6

    16

    30

    54

    60

    94

  • O Manual que aqui apresentamos, resulta do projeto Para alm

    da crise: otimismo, criatividade e capacitao, desenvolvido

    durante o ano de 2012, e pretende ser um instrumento de

    apoio aos/s profissionais da rea social que intervm, sobre-

    tudo, com famlias em situao socialmente vulnervel.

    Tal como a literatura e a investigao nesta rea nos referem, a interveno

    para ter sucesso dever passar, cada vez mais, por uma postura colaborativa e

    positiva para e com as famlias em situao socialmente vulnervel.

    INTRO

    DUO

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

  • S assim os/as profissionais conseguiro envolver eficaz-

    mente as famlias na resoluo dos desafios que diaria-

    mente as assolam e no caminho da mudana.

    Assim, para o referido projeto foram desenhados dois

    grandes desafios. Um dos primeiros desafios foi, precisa-

    mente, a criao de espaos de participao e interao

    entre os diferentes atores que trabalham na luta contra a

    pobreza e a excluso social dirigentes e profissionais - e

    os/as prprios/as cidados/s em situao socialmente vul-

    nervel. Atravs da potenciao destes espaos de partici-

    pao e interao, acreditamos que podemos fomentar o

    intra e inter-conhecimento, bem como a autorreflexo sobre

    as prticas, com o intuito de (re)pensar a interveno social.

    Tambm acreditamos que possam nascer daqui projetos

    ino vadores e sustentveis, baseados numa nova abordagem

    que se distancia do modelo tradicional, centrado nos prob-

    lemas e nos dfices e preocupado com a correo dess-

    es mesmos problemas e dfices. Assim, a relao profis-

    sional/famlia deve, cada vez mais, desfocar as lentes do

    dfices e dos problemas, que parecem, muitas das vezes

    serem insolveis, e colocar a nfase nas solues, nas ca-

    pacidades, nas competncias, naquilo que funciona melhor.

    Alm disso, a confiana e proximidade estabelecida entre

    os/as profissionais e as famlias, resultante da adoo desta

    abordagem, permite dar voz a todos, potencia a autonomia

    e contribui para uma maior integrao. A criatividade e a

    inovao nascem tambm destas premissas.

    Acreditamos, ainda, que a partir destas experincias, os es-

    teretipos e preconceitos que, muitas das vezes, so gera-

    dos a partir de falsas generalizaes e de percees infun-

    dadas, se possam, de facto, diluir.

    O segundo desafio deste projeto consistiu no desenvolvi-

    mento de aes formativas destinadas a dirigentes, profis-

    sionais e cidados/s em situao socialmente vulnervel,

    com a finalidade de promover a reflexo sobre as suas prti-

    cas e, simultaneamente, fornecer instrumentos de trabalho

    para uma interveno social mais colaborativa e positiva.

    O referido projeto foi promovido pelo Ncleo Distrital de

    Leiria da EAPN Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza, em

    parceria com um conjunto de organizaes e entidades que

    passamos a citar: Academia Cultural e Social da Maceira;

    ADESBA Associao para o Desenvolvimento e Bem Estar

    Social da Barreira; APEPI Associao de Pais e Educa-

    dores para a Infncia de Pombal; Associao para o Desen-

    volvimento Social da Loureira; Cmara Municipal de Leiria;

    Critas Diocesana de Leiria; Centro Distrital de Leiria do ISS,

    I.P.; Cruz Vermelha Portuguesa Delegao de Leiria; Inter-

    mediar Associao de Mediadores do Oeste; IDT, I.P.; In-

    stituto Portugus do Desporto e Juventude, I.P.; Mulher Scu-

    lo XXI e Vida Plena Associao de Solidariedade de Leiria.

    Foi o contributo dos/as dirigentes e profissionais destas enti-

    dades que permitiram que o projeto se concretizasse, ao se

    envol verem e envolverem os/as cidados/s em situao de

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

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  • vulnerabilidade social com quem trabalham. Teve, ainda,

    a parceria da APEIPP - Associao Portuguesa de Estudos

    e Interveno em Psicologia Positiva, no desenvolvimento

    dos contedos e dinamizao das aes. Cabe, assim, ao

    Ncleo Distrital de Leiria da EAPN Portugal/ Rede Euro-

    peia Anti-Pobreza agradecer o envolvimento de todos/as.

    E agradecer, igualmente, s duas principais dinami zadoras

    que permitiram, em termos formativos, o desenvolvimento

    deste projeto, Catarina Rivero, da APEIPP - Associao Por-

    tuguesa de Estudos e Interveno em Psicologia Positiva e

    Sofia Rodrigues, da Universidade de Aveiro.

    Para finalizar esta parte introdutria do manual, importa

    referir que este se encontra estruturado em duas partes: uma

    primeira parte de enquadramento terico, com trs artigos

    da autoria de Patrcia Grilo, Sofia Rodrigues & Liliana Sousa

    e Catarina Rivero. A ltima parte apresenta um breve enqua-

    dramento ao projeto, bem como materiais, dinmicas de

    grupo e alguns exerccios que foram sendo utilizados nas

    sesses e que podem constituir instrumentos teis para os/

    as profissionais que queiram aprofundar e trabalhar estas

    temticas com famlias em situao socialmente vulnervel.

    Dezembro 2013

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

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  • PARTE IA complexidade na

    interveno com famlias socialmente

    vulnerveis

    frequente os/as profissionais da rea social se referirem complexi-

    dade na interveno com famlias socialmente vulnerveis. O que ,

    ento, a complexidade? Que estratgias complexas podemos utilizar

    para trabalhar com famlias que se apresentam como sistemas com-

    plexos? O presente artigo pretende, embora de forma sucinta, procurar res-

    ponder a estas duas questes.

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

  • H alguns sculos atrs, Descartes (1596-1650) e Newton (1642-

    1727) influenciaram de tal forma a viso do mundo, que ainda hoje

    esta viso persiste, no apenas nas cincias, mas igualmente na vida

    social e poltica ocidental. Estamos, assim, a falar do paradigma

    linear, caracterizado pela ordem, reducionismo, previsibilidade e

    determinismo (Geyer e Rihani, 2010). Tal como refere Santos, este

    paradigma assentava na reduo da complexidade, sendo que, para

    conhecer era necessrio dividir e classificar para depois poder de-

    terminar as relaes sistemticas entre o que se separou (1988:50).

    , portanto continua o autor um conhecimento causal que as-

    pira formulao de leis, luz de regularidades observadas, com

    vista a prever o comportamento dos fenmenos (ibidem:51). Nesta

    perspetiva, Geyer e Rihani salientam que, A estratgia para com-

    preender e controlar o corpo (corrigindo os seus erros) foi reduzi-lo

    aos seus componentes e encontrar ferramentas para compreender e

    medir os seus movimentos.(2010:92-93)1.

    Todavia, a mesma cincia - a fsica -, que legitimou este paradig-

    ma, mostrou-nos, mais tarde, que existe um outro paradigma, o da

    complexidade, que nos veio mostrar que nem todos os fenmenos

    podem ser explicados com base na ordem, reducionismo, previsibi-

    lidade e determinismo. O princpio da incerteza de Heisenberg con-

    tribuiu, em grande parte, para alterar esta viso dogmtica. A partir

    daqui, outros contributos foram dados pela cincia. Deste modo, a

    universalidade aplicada a todos os fenmenos, a linearidade das

    causas e efeitos, o todo como simples soma das partes, foram postos

    1 Verso original: The trick to understanding and controlling the body (correcting its mistakes) was to reduce it to its componentes parts and find tools for understanding and measuring its motions. (Geyer e Rihani, 2010:92-93).

    Licenciada e mestre em Sociologia

    pela Faculdade de Economia da

    Universidade de Coimbra (FEUC).

    Tcnica Superior no Ncleo Dis-

    trital de Leiria da EAPN Portugal /

    Rede Europeia Anti-Pobreza. Co-

    autora do livro: Famlias Pobres:

    Desafios Interveno Social,

    publicado em 2007, pela Editora

    Climepsi.

    PatrciaGrilo

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

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  • em causa (Geyer e Rihani, 2010). Outros autores vieram,

    igualmente, contribuir para o aprofundamento desta abord-

    agem, destacando-se o qumico russo Ilya Prigogine. Este

    autor refere que a eternidade, o determinismo, a reversabi-

    lidade, a ordem e a necessidade marcaram a cincia mod-

    erna e vm agora dar lugar histria, imprevisibilidade,

    espontaneidade e auto-organizao, irreversibilidade e

    evoluo, desordem e criatividade (Santos, 1988:56).

    O futuro deixa, assim, de ser previsvel e passa a uma mera

    possibilidade (Neves e Neves apud Curvello e Scroferneker,

    2008:3).

    Assim, aos fenmenos que no podem ser explicados de

    forma reducionista, linear, hierrquica e mecnica, chama-

    ram-se de complexos, cabendo aqui os fenmenos naturais,

    mas igualmente sociais. Neste sentido, uma famlia e uma

    organizao constituem sistemas complexos, pelo que de-

    vero ser compreendidos e explicados atravs da teoria da

    complexidade. Parte-se, assim, da premissa que s podemos

    responder complexidade com complexidade. No pos-

    svel responder eficazmente a um sistema complexo, como

    a famlia, adotando uma abordagem linear, baseada em

    pressupostos de causa-efeito (Se fizermos isto, acontece

    isto), uma vez que lidar com sistemas complexos, lidar

    com a imprevisibilidade e a no linearidade, dois conceitos

    centrais na teoria da complexidade.

    Assim, com este meu contributo, procuro evidenciar que

    h uma outra abordagem, baseada na teoria da complexi-

    dade, que no anula a perspetiva da linearidade, mas que,

    tal como refere Byrne, essencialmente um quadro de

    referncia uma forma de compreender como que as

    coisas so, como funcionam e como podem ser postas a

    funcionar (2001:8). Ainda segundo este autor, a teoria da

    complexidade pode ajudar-nos a compreender como que

    as transformaes acontecem e como que podemos, dia-

    logicamente, envolvermo-nos para fazer acontecer (Byrne,

    2005:101). A utilizao desta abordagem revela-se, assim,

    pertinente em contextos de interveno social, na medida

    em que estamos a lidar com relaes sociais que se con-

    stituem como complexas.

    Byrne define a teoria da complexidade como A compreen-

    so interdisciplinar da realidade, composta por sistemas ab-

    ertos complexos, com propriedades emergentes e potencial

    de transformao. (2005: 97)2 [traduo minha]. A comple-

    xidade no sinnimo de completude. A complexidade diz

    respeito impossibilidade de se chegar a um conhecimento

    completo. Desta forma, ela no traz certezas sobre o que

    incerto, no entanto, pode reconhecer a incerteza e dialogar

    com ela (Bauer 1999 apud Silva e Rebelo, 2003). Desta

    forma, o pensamento complexo no tem como ambio, ao

    contrrio do pensamento linear, controlar e dominar o real,

    mas sim dialogar e negociar com ele (Morin, 2008).

    2 Verso original: The interdisciplinary understanding of reality as composed of complex open systems with emergent properties and transformational potencial. (2005: 97).

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

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  • Cilliers (1998), referindo-se aos sistemas complexos, salien-

    ta que estes devem ser compreendidos atravs da interao

    entre os seus elementos, bem como entre estes e o am-

    biente que os rodeia, permitindo assim que o sistema mude,

    atravs da auto-organizao:

    Num sistema complexo () a interao entre os

    elementos do sistema e a interao entre o sis-

    tema e o seu ambiente, so de tal natureza que

    o sistema no pode ser totalmente compreendido

    como um todo analisando apenas os seus elemen-

    tos. Alm disso, as relaes no so estticas,

    alteram-se e mudam, muitas vezes, como resultado

    de auto-organizao. Tal pode resultar em novas

    caractersticas, geralmente referidas em termos de

    propriedades emergentes. O crebro, a linguagem

    e os sistemas sociais so complexos (1998: xiii-ix).3

    [traduo minha]

    Stevens e Cox, referindo-se ao comportamento de um sis-

    tema, como o da famlia, salientam que o comportamento,

    mais um produto de interaes entre os agentes

    e o seu ambiente, do que o resultado de aes in-

    dividuais. Assim, o comportamento de uma pessoa

    afeta o comportamento de outras -, mas essa pes-

    3 Verso original: In a complex system () the interaction among constituents of the system, and the interaction between the system and its environment, are of such a nature that the system as a whole cannot be fully understood simply by analising its components. Moreover, these relationships are not fixed, but shift and change, often as a result of self-organization. This can result in novel features, usually referred to in terms of emergent properties. The brain, natural language and social systems are complex (1998: xiii-ix).

    soa , por sua vez, afetada pelo comportamento de

    outra e pelo seu ambiente. nessas interaes que

    a famlia se auto-organiza (2008: 1324) [traduo

    minha].4

    Desta forma, o conceito de interao assume uma dimenso

    fulcral quando falamos em sistemas complexos. A intera-

    o definida, por Morin, como aces recprocas que

    modificam o comportamento ou a natureza dos elementos,

    corpos, objetos, fenmenos em presena ou em influncia

    (2002:72 apud Curvello e Scroferneker, 2008:8). Guerra

    defende que,

    () num contexto complexo, deve deslocar-se a

    ateno, do paradigma da resoluo dos proble-

    mas (problem solving) para a ateno aos prob-

    lemas dos processos de interaco mltipla ()

    aceitando que os problemas so uma construo

    social permanente (problema setting) num con-

    texto complexo, de grande incerteza, cuja ori-

    entao pertence a um colectivo de actores em

    interaco (2006:9).

    Passamos, de seguida, a apresentar dois dos conceitos cen-

    trais da teoria da complexidade.

    4 Verso original: is as much a product of interactions between agents and their envi-ronment as it is a result of individual actions. So, one persons behavior affects others but that person is, in turn, affected by the behavior of the other and by their environment. It is in these interactions that the family self organizes (2008: 1324).

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

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  • No linearidade

    A complexidade enfatiza a interao contnua entre siste-

    mas, num processo dinmico, em que um sistema afeta o

    outro de forma cclica e no linear. Geyer e Rihani refe-

    rem que, quando estamos a lidar com sistemas complexos,

    como o caso das famlias e organizaes devemos ter em

    conta que estes se movem de forma no linear e, por isso,

    de forma imprevisvel ao longo do tempo. No existe um

    endpoint, o principal objetivo e estratgia a adaptao

    e o equilbrio na mudana. O principal ator o/a cliente,

    em que as escolhas, as opinies pessoais, as experincias e

    aprendizagens so importantes. Os profissionais tm o pa-

    pel de ajudar nesse caminho (2010: 108).

    As famlias que se encontram em situao socialmente vul-

    nervel, deparam-se, na maioria das vezes, com mltiplos

    problemas (ex: a mulher encontra-se desempregada e em

    estado depressivo, o pai alcolico, o filho tem tido dificul-

    dades de aprendizagem). A abordagem ancorada num pen-

    samento linear, mecnico e determinista, no conseguir

    responder eficazmente ao entrelaar destes problemas - em

    que uns so causas e consequncias de outros, estando,

    desta forma, perante causalidades circulares -, na medida

    em que para a abordagem linear, para cada problema se

    traa uma soluo, invisibilizando, assim, a dimenso rela-

    cional e interacional entre estes mesmos problemas. Assim,

    precisamos de uma interveno que consiga compreender:

    as ligaes entre os vrios fatores que desencadeiam os

    problemas; as relaes e interaes que se estabelecem en-

    tre os vrios elementos da famlia; que a interveno no

    pode ser realizada de forma isolada (indivduo a indivduo;

    problema a problema); que a interveno ter que ter sem-

    pre em conta o contexto onde a famlia se insere mas, igual-

    mente, o contexto meso e macro, sendo que a abordagem

    complexa tem em conta todos estes elementos.

    Reeler (2007) refere que a interveno a partir da causali-

    dade linear incapaz de lidar com a complexidade dos sis-

    temas, propondo, desta forma, que se olhe para a teoria

    da mudana social nos sistemas complexos, a partir da 1)

    mudana emergente, que se opera, sobretudo, a partir da

    aprendizagem pela experincia e, nomeadamente, a partir

    da aprendizagem horizontal; 2) mudana transformativa,

    que se opera a partir das crises e a 3) mudana projetvel,

    que tende a ser mais bem sucedida quando os problemas,

    as necessidades e as possibilidades so mais visveis e se

    encontram sob condies e relaes estveis.

    Autopoiese

    Alarco refere que a famlia um sistema, na medida em

    que 1) composta por objectos e respectivos atributos e

    relaes, 2) contm subsistemas e contida por diversos

    outros sistemas, ou supra-sistemas, todos eles ligados de

    forma hierarquicamente organizada e 3) possui limites ou

    fronteiras que a distinguem do seu meio. (2000: 38). A

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    10

  • interao que a famlia estabelece com o meio, faz dela um

    sistema aberto, uma vez que recebe do meio um conjunto

    de influncias, influenciando-o simultaneamente. Mas a esta

    abertura ao exterior, sucedem momentos de fechamento

    (Alarco, 2000: 46). Ou seja, Sousa e Ribeiro referem que

    os sistemas no so comandados do exterior, pois a troca

    comunicacional (abertura informacional) acompanhada

    por autonomia organizativa (fecho operacional). (2005a:

    3). Neste olhar est inscrito o conceito de autopoiese de

    Maturana e Varela (1997 apud Sousa, 2005b). Neste sen-

    tido, a famlia um sistema autopotico na medida em que,

    () aceita um conjunto finito de transformaes

    estruturais, conservando sempre a sua organi-

    zao. As dificuldades das famlias face s crises e

    os pedidos de interveno surgem quando aquela

    sente ameaada a sua organizao. As implicaes

    prticas desta nova formulao so extraordinrias

    pois permitem compreender as razes pelas quais

    as famlias no aceitam todas as propostas de

    transformao, mesmo que elas paream adequa-

    das a sua prpria evoluo (Alarco, 2000: 26).

    Um sistema autopoitico autnomo em relao ao seu

    ambiente, o que significa que o ambiente no pode in-

    fluenciar um sistema autopoitico seno causalmente e a

    menos que o sistema tenha vontade de cooperar com ele

    (Vos, 2003: 6). Assim, a resistncia que, por vezes, os/as

    profissionais referem como motivo para a no mudana das

    famlias , na tica da complexidade, o resultado da au-

    topoiese da famlia. Desta forma, a acoplao do sistema

    famlia com o sistema organizao/profissional, poder ac-

    ontecer quando as comunicaes do sistema organizao/

    profissional deixa rem de ser compreendidas como irri-

    taes ou barulho pelo sistema famlia, transformando-

    se em informao. Assim, a utilizao de estratgias compl-

    exas por parte dos/das profi ssionais, como a construo e

    manuteno de relaes de confiana; a promoo da re-

    flexividade nas famlias, atravs do dilogo; a flexibilizao

    da interveno e a articulao com as redes formais e infor-

    mais, so algumas das estratgias que podero constituir-se

    como elementos-chave, de forma a facilitar o processo de

    mudana nas famlias.

    A este propsito, Melo defende que,

    Se a interaco profissional-famlia for colaborativa,

    se para ela conflurem diferentes saberes e discipli-

    nas, tidos como diferentes facetas de uma s vida

    e concebidos como parte de um todo unificado, se

    se respeitar a sabedoria do sistema familiar e as

    exigncias do encaixe com o seu meio, talvez mais

    facilmente se crie uma rede que impulsione os mov-

    imentos da famlia para a mudana (2011: 19).

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    11

  • Estratgias complexas na interveno com

    famlias complexas

    Tal como referido no incio deste artigo, s podemos res-

    ponder complexidade com complexidade. Neste sentido,

    intervir com famlias socialmente vulnerveis exige uma in-

    terveno baseada, sobretudo, em estratgias complexas,

    de forma a ultrapassar a anlise simplista causa-efeito, to

    caracterstica da abordagem linear. Referenciamos, desta

    forma, algumas das estratgias que podero ser utilizadas.

    Construo e manuteno das relaes de

    confiana

    Tal como refere Sousa et al. (2007), a confiana estabele-

    cida entre profissional e cliente fundamental no sucesso

    da interveno, constituindo-se, como salientado por Reeler

    (2007), um caminho para a mudana. Assim, parece-nos

    til destacar a construo de confiana que, segundo Al-

    len, se faz a trs nveis: 1) trabalho face a face (facework),

    envol vendo visitas regulares aos/s clientes; 2) trabalho

    emocional (emotional labor), na medida em que permite

    estabelecer relaes interpessoais com os/as clientes, val-

    orizadas por estes/as, acabando por se manterem em

    contato, quase como que uma friendship obligation e 3)

    construo de relaes envolvendo a manuteno de uma

    forte relao interpessoal com os/as clientes, procurando

    responder s diversas necessidades que estes/as apresen-

    tam (2003: 22).

    As visitas domicilirias s famlias sem aviso prvio, por ex-

    emplo, constituem uma estratgia linear e no complexa,

    na medida em que assumem mais uma perspetiva de con-

    trolo. Esta estratgia , assim, contraditria com a estratgia

    de conquistar a confiana, uma vez que a famlia percebe

    este ato como desconfiana por parte do/a profissional em

    relao si.

    Flexibilidade na interveno

    Reconhecer a singularidade de cada famlia (cada caso

    um caso), flexibilizando, assim, a interveno, torna-se fun-

    damental, contribuindo para o sucesso na interveno. A

    negociao que se estabelece entre o/a profissional e a

    famlia, por exemplo, constitui um bom indicador que nos

    permite compreender a flexibilidade junto das famlias com

    quem se trabalha. A este propsito, Andersen, salienta que

    as polticas sociais tm deslocado a contratualizao, entre

    organizao e cliente, do plano de ao, onde o/a profi-

    ssional agia em resposta aos problemas do/a cliente intro-

    duzindo dicotomias entre: problema/soluo; trabalhador/a

    social/cliente; sujeito/objeto para o conceito de contrato

    com o/a cidado/a, onde o foco est na forma como o

    plano usado para organizar o dilogo. Os elementos pro-

    cessuais tornam-se mais importantes do que os puramente

    substanciais e os planos de ao comeam a ter caracters-

    ticas de acordo (2007: 136).

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    12

  • Promover a reflexo na famlia

    A promoo do pensamento reflexivo junto das famlias, tem

    o dilogo como principal instrumento de mudana, envol-

    vendo, desta forma, as prprias famlias no processo de mu-

    dana. Reeler (2007) defende que, para alm da construo

    e manuteno das relaes de confiana, fundamental

    conversar sobre as histrias e biografias destas famlias, que

    nos remetem para a experincia, conhecimento e recursos e

    que podero ser utilizados na prpria interveno.

    Articulao com as redes formais e informais

    A articulao com as redes formais e informais uma outra

    estratgia complexa utilizada na tentativa de responder

    complexidade dos problemas das famlias. A articulao

    com as redes formais (sejam organizaes e/ou servios)

    permitem ao/ profissional obter uma viso multidimen-

    sional da famlia e, por outro lado, contribui para a no du-

    plicao da interveno, pese embora possa existir o risco

    de multiassistncia (Sousa et al., 2007). Por outro lado, o

    recurso a redes informais, tais como amigos, familiares e

    vizi nhos, constituem um outro recurso a ter em conta e, mui-

    tas das vezes, determinante na eficcia da interveno. As-

    sim, e de forma a evitar a multiassistncia, torna-se funda-

    mental a existncia de um intermedirio. Os intermedirios

    desempenham um papel ativo na constituio das relaes

    que medeiam (Medd et al., 2005:4). Segundo Allen, o in-

    termedirio algum que desempenha um papel entre um

    conjunto de relaes profissionais, bem como entre esses

    profissionais, as organizaes e os clientes (2003:6). O

    intermedirio pode atuar a diferentes nveis: bilateral (en-

    volvendo duas partes), multilateral (envolvendo trs ou mais

    partes) ou sistmico (envolvendo uma rede ou sistema), pelo

    que deve ter a capacidade de permitir a comunicao, co-

    ordenar diversos setores, criar, desenvolver ou disseminar

    conhecimento e prestar servios (ibidem:27).

    Desta forma, o desafio que se coloca na interveno com

    sistemas complexos, como o caso das famlias, a atu-

    ao a partir das lentes analticas da complexidade e no

    da linearidade/controlo. Tal como j referido por Geyer e

    Rihani, os mtodos de controlo e comando so inteis para

    situaes complexas: They might succeed temporarily when

    applied with sufficient force but they are not sustainable as

    long-term policies. (2010: 51).

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

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    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    15

  • Emergncia de abordagens

    colaborativas na interveno com

    famlias vulnerveis

    Nos ltimos anos, tm sido assumidos srios compromissos para

    promover o bem-estar das famlias vulnerveis, principalmente

    para as elevar alm da condio de pobreza. Esta determinao

    reclama uma interveno mais colaborativa e participativa, so-

    bretudo atravs do estabelecimento de relaes de maior proximidade entre

    profissionais, famlias e suas redes in/formais.

    intro/duo

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

  • Andolfi (2000) argumenta que o atual sistema de apoio social s

    famlias vive um momento entre paradigmas: ainda com um p

    nos modelos deficitrios ou centrados nos problemas (assente na

    expertise do profissional que constri solues para as famlias); mas

    j com outro p nas abordagens colaborativas (assente na co-ex-

    pertise e co-construo de caminhos de mudana entre profissionais

    e famlias). Assim, assistimos hoje a transformaes conceptuais no

    modo de olhar as famlias e os seus problemas e, consequentemente,

    na forma de conceber a interveno.

    Este momento de transio torna-se mais visvel e relevante na inter-

    veno em sistemas mais complexos, como as famlias socialmente

    muito vulnerveis. Estas famlias deparam-se com mltiplas necessi-

    dades, experienciam sucessivas situaes de crise, vivem em con-

    dies de pobreza e esto envolvidas rotas de excluso social, que

    com frequncia apresentam reproduo geracional (Sousa, 2005).

    Os modelos deficitrios (tradicionais) tm-se revelado pouco efica-

    zes na interveno com estas famlias, apesar da perseverana de

    instituies e profissionais, acabando por gerar sentimentos de fra-

    casso e impotncia em todos os envolvidos - famlias, profissionais

    e instituies - reduzindo as expectativas de sucesso futuro (Sousa,

    Ribeiro & Rodrigues, 2006). Por sua vez, as abordagens colaborati-

    vas (centradas nas competncias e nas solues) esto numa fase de

    desenvolvimento terico sustentado e de progressiva incorporao

    na prtica com bons resultados (e.g. Saleebey, 2001).

    Famlias vulnerveis: um olhar colaborativo

    Caracterizar as famlias como vulnerveis reconhecer que no res-

    Psicloga, Terapeuta Familiar,

    Doutorada em Cincias da Edu-

    cao. Pr-Reitora (2010 - ) na

    Universidade de Aveiro na rea de

    desenvolvimento social. Professora

    Auxiliar com Agregao do Depar-

    tamento de Cincias da Sade da

    Universidade de Aveiro.

    Doutoranda em Psicologia na

    Universidade de Aveiro; Licenciada

    em Psicologia, ramo Psicologia

    Clnica Dinmica; Ps-graduada

    em Anlise e Interveno Familiar;

    Especializao em Interveno Sis-

    tmica e Familiar pela Sociedade

    Portuguesa de Terapia Familiar;

    Integra a equipa do Gabinete de

    Investigao em Sade Familiar e

    Comunitria da Universidade de

    Aveiro; Co-Autora do livro Faml-

    ias pobres: desafios interveno

    social

    SousaLiliana

    SofiaRodrigues

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    17

  • pondem de forma eficaz s suas necessidades (relacionais,

    materiais e organizacionais) com os recursos familiares e/

    ou ambientais que lhes esto disponveis. So famlias que

    agregam um conjunto de desvantagens e condies que

    lhes impem desafios capazes de debilitar as suas foras e

    recursos, colocando-as numa posio de maior suscetibi-

    lidade (Carrilio, 2007). Estas famlias parecem viver imer-

    sas num crculo de desvantagem: as suas circunstncias de

    vida expem-nas a mais stressores, enquanto os seus insu-

    ficientes recursos materiais as impendem de os enfrentar,

    aumentando a sua vulnerabilidade ao stresse e fragilizan-

    do-as cada vez mais (Murali & Oyebode, 2004). No nosso

    pas, o Portugal 2020 - Programa Nacional de Reformas

    [PNR 2020], indica como grupos vulnerveis as famlias de

    educador nico, as pessoas idosas, os jovens desemprega-

    dos ou que abandonaram os sistemas de ensino ou de for-

    mao, as pessoas com deficincia, as pessoas sem-abrigo

    e os beneficirios de Rendimento Social de Insero.

    Recentemente, a literatura tem sublinhado a importncia

    de conhecer as caractersticas das famlias mais vulnerveis

    para obter uma compreenso dos seus padres de funcio-

    namento; isto , as formas de operar das famlias perante

    os seus contextos de vida. Ao invs de centrar o processo

    de ajuda na identificao e descrio de cada problema

    ou dfice, passa-se a procurar reconhecer padres de fun-

    cionamento e a identificar tambm as capacidades e re-

    cursos das famlias. Alm disso, sublinha-se a necessidade

    de compreender melhor as redes de relacionamento destas

    famlias e a forma como ativam, combinam e gerem os di-

    versos apoios in/formais para responder s suas necessi-

    dades (Sousa et al., 2006; Sousa & Rodrigues, 2009).

    As seguintes caractersticas das famlias vulnerveis tm sido

    apontadas como fundamentais para auxiliar a definio de

    estratgias colaborativas de interveno: i) enfrentar mlti-

    plos desafios; ii) a vivncia de sucessivas crises; iii) dificul-

    dade em confiar nos outros; iv) sentimentos de incapacidade

    aprendida; e v) resilincia (e.g., Carrilio, 2007; Madsen,

    1999; Sousa & Rodrigues, 2008; Summers, Templeton &

    Fuger, 1997).

    Mltiplos Desafios

    As famlias vulnerveis so sistemas complexos que enfren-

    tam mltiplos problemas/desafios severos e de longa du-

    rao. Alguns desafios so internos e intrasistmicos, como

    o abuso de substncias e a violncia familiar; outros so

    externos ou intersistmicos, tais como a pobreza de longa

    durao (Kaplan, 1986). Isto significa que estas famlias

    vivenciam diversos desafios em simultneo: frequentemente

    sobrevivem com rendimentos insuficientes ou instveis; ten-

    dem a ter a cargo familiares dependentes ou com graves

    doenas crnicas ; apresentam baixos nveis educacionais;

    habitam em casas com condies precrias; encontram-

    se desempregados ou tm emprego precrio; apresentam

    gastos elevados, por exemplo com medicamentos, devido

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    18

  • s necessidades dos seus membros e esto envolvidas em

    situaes de conflito familiar e/ou com vizinhos (Sousa &

    Rodrigues, 2009). Com efeito, vivem uma intrincada teia

    de problemas, que tende a assumir uma elevada taxa de

    manuteno ao longo do tempo (ainda que com perodos

    cclicos de alguma melhoria ou de baixa resoluo) que, em

    muitos casos, assume um carter transgeracional.

    Crises Sucessivas

    As famlias vulnerveis experimentam mais episdios impre-

    visveis e estressantes nas suas vidas do que a maioria da

    populao. So comuns os conflitos nas relaes interpes-

    soais, o agravamento cclico das condies precrias da

    habitao (por exemplo, no inverno abrem-se fissuras no

    telhado podendo tornar algumas divises inabitveis), e a

    instabilidade nos rendimentos fruto de oscilaes no mer-

    cado de trabalho que as coloca, com frequncia, no limite

    da capacidade de resposta s necessidades bsicas (Demi

    & Warren, 1995; Ennis, Hobfoll & Schroder, 2000; Gordon

    et al., 2000; Sousa, Hespanha, Rodrigues & Grilo, 2007;

    Summers et al., 1997). Estas crises sucessivas criam rotinas

    e interaes que reforam a condio de vulnerabilidade

    dos agregados e geram ansiedade e sofrimento individual

    e familiar. Neste contexto, at os eventos mais comuns po-

    dem ser experienciados como esmagadores (por exemplo,

    as doenas sazonais dos filhos), pois sobrecarregam as ca-

    pacidades para resolver problemas e geram tenso (por ex-

    emplo, decidir quem acompanha os filhos ao mdico ou

    como se adquire a medicao). Viver em permanente crise

    ou com crises sucessivas, torna a crise um padro normal

    e previsvel para estas famlias, ainda que gerador de eleva-

    dos nveis de stress.

    Dificuldade em confiar

    Os elementos destas famlias tendem a exibir falta de confi-

    ana nos outros, provavelmente decorrente do seu histrico

    familiar. Alguns autores descrevem esta dificuldade como

    um sentimento de alienao (Summers et al., 1997). A vida

    das pessoas que vivem em condies de vulnerabilidade

    durante vrios anos frequentemente pautada por uma

    longa srie de rejeies, abandonos, promessas quebra-

    das e traies; em primeiro lugar, por pessoas significati-

    vas (como pais, familiares e amigos) e, mais tarde, tambm

    por elementos pertencentes aos servios de apoio (Summers

    et al., 1997). A frgil experincia de acontecimentos posi-

    tivos permite compreender as dificuldades em confiar que

    os servios lhes podem ser teis ou podero reconhecer as

    suas necessidades, dificultando o envolvimento e reteno

    das famlias nos programas de apoio.

    Incapacidade Aprendida

    As famlias vulnerveis tendem a demonstrar passividade e

    incapacidade aprendida. A vivncia de crises persistentes,

    o stress acumulado e a presso podem desencadear um

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    19

  • sentimento de incapacidade aprendida, manifestado por

    uma extrema dificuldade em identificar as prprias foras

    e na passividade perante os servios e profissionais e para

    agir sobre a mudana. Os recursos materiais e emocio-

    nais desgastados raramente permitem que os seus esfor-

    os dirios culminem numa resoluo substancial dos seus

    problemas e na mudana significativa das suas condies

    de vida. O resultado das suas aes excecionalmente acar-

    reta os efeitos desejados. Assim, as famlias parecem no

    sentir poder ou capacidade para influenciar o mundo sua

    volta, desenvolvendo-se sentimentos de incapacidade que,

    por vezes, se manifestam atravs da passividade para agir

    ou at mesmo para ponderar as consequncias das suas

    aes (Summers et al., 1997).

    Resilincia

    No obstante, as famlias vulnerveis so entidades resili-

    entes que mostram uma notvel capacidade para usar es-

    tratgias de enfrentamento criativas (Edin & Lein, 1997;

    Zedlewski et al., 2003). Reconhece-se que possuem com-

    petncias e recursos, todavia frequentemente desgastados

    pelos contextos de sobrevivncia em que vivem. Estas famli-

    as resistem por muitos anos em habitaes degradadas,

    com rendimentos instveis e insuficientes, enfrentando crises

    persistentes e sendo alvo de discriminao e estigmatizao.

    Perante as adversidades, pem as suas foras e recursos

    em ao para superar os obstculos, tomam decises (por

    exemplo, como, onde e a quem pedir ajuda), no entan-

    to, as suas condies empobrecidas e fragilizadas tornam

    difcil reconhecer e valorizar as suas competncias (Probst,

    2009; Silberberg, 2001). Para as identificar fundamental

    conside rar o contexto em que vivem (todas as barreiras e

    foras do ambiente) e olhar estas famlias considerando a

    sua inteno de fazer o melhor por si e pelos seus membros

    (Walsh, 2003).

    Modelo de interveno tradicional (centrado

    nos problemas)

    O modelo tradicional descreve as famlias vulnerveis atravs

    de uma lente deficitria, definindo-as pelos problemas fa-

    miliares e individuais, e caracterizando-as como caticas,

    disfuncionais e difceis na relao com os servios for-

    mais. Neste contexto, a interveno desenrola-se assente na

    expertise do profissional, que desencadeia um processo de

    diagnstico exaustivo e criterioso para encontrar todos os

    problemas da famlia e dos seus membros. A partir do dia-

    gnstico desenvolve-se o plano de interveno, atravs da

    definio de objetivos e estratgias. Para tal, o profissional

    interveno com famlias vulnerveis:dos modelos tradicionais s abordagens colaborativas

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    20

  • dispe de critrios normativos atravs dos quais analisa e

    compara o funcionamento da famlia/pessoa, procurando

    identificar, corrigir ou minimizar desvios norma que pos-

    sam afetar o seu bem-estar. Aos clientes, destitudos de ex-

    pertise, cabe cumprir as instrues do perito. Este modelo

    exerce uma funo de regulao e controlo; a sua focali-

    zao e escrutnio dos diversos problemas, torna necessrio

    o envolvimento de vrios especialistas, resultando numa

    acumulao de intervenes (famlias multiassistidas).

    Apesar de todo o esforo e at correo tcnica deste pro-

    cesso, esta abordagem tem demonstrado pouca eficcia

    para aumentar o bem-estar destas famlias e coloc-las

    acima da pobreza. Os servios e os profissionais, apesar

    dos esforos, a maior parte das vezes, apenas remedeiam

    problemas pontuais, fazendo com que a interveno no

    se traduza numa melhoria efetiva da qualidade de vida das

    famlias (e.g. Kagan & Schlosberg, 1989; Sharlin, Shamai &

    Sharlin, 2000; Sousa, Ribeiro & Rodrigues, 2006; Rodrigues

    & Sousa, 2008).

    A literatura tem indicado que este tipo de abordagem tem

    efeitos secundrios negativos a nvel individual, familiar e

    na prpria interveno: a situao familiar mantm-se vul-

    nervel potenciando o acentuar ou o emergir de novos

    problemas; o processo de interveno decorre de forma

    fragmentada (e.g., por rea de problema) e/ou descoorde-

    nada colocando a famlia a gerir apoios, informaes e

    solues de diversas fontes, com frequncia, contraditrias;

    o processo familiar tende a diluir-se, com enfraquecimento

    das fronteiras e da coeso familiar, decorrentes da crescente

    dependncia das famlias dos sistemas de apoio; as mltip-

    las intervenes de diversos profissionais em simultneo in-

    troduzem stress adicional na vida das famlias, contribuindo

    para a sua incapacitao (e.g. Boyd-Franklin, 2003; Colap-

    into, 2005; Elizur & Minuchin, 1989; Madsen, 1999; Rodri-

    gues & Sousa, 2008).

    Madsen (1999) destaca as dificuldades relacionais que

    podem ser desenvolvidas entre clientes e profissionais, su-

    blinhando os seus efeitos no trabalho com estas famlias:

    i) perda de ligao aos clientes (as histrias de vida destas

    pessoas podem despertar diferentes reaes nos profission-

    ais, desde crtica, medo, repulsa, desespero, resignao e

    interferir na relao estabelecida); ii) perda de sentimentos

    de competncia (a natureza dramtica dos problemas des-

    tas famlias e a inadequao dos servios podem gerar sen-

    timentos de incompetncia nos profissionais, pois no con-

    seguem ajudar as famlias a resolver os seus problemas); iii)

    perda de viso (os profissionais sentem-se frequentemente

    esmagados com a natureza e severidade dos problemas das

    pessoas e tm dificuldade em saber por onde comear a in-

    terveno); e iv) perda de esperana (na mudana, ou seja,

    que a vida das famlias possa vir a ser diferente).

    neste contexto de ineficcia dos modelos de interveno

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    21

  • tradicionais que as abordagens colaborativas tm vindo a

    emergir (Sousa, 2005; Rodrigues & Sousa, 2008).

    Emergncia das abordagens colaborativas

    As abordagens colaborativas so melhor descritas como

    um estilo de interveno, caracterizado por uma postura

    no-hierrquica e no-confrontacional entre profissionais e

    famlias (e.g, Madsen, 2007; Monk & Gehart, 2003). Ali-

    ceradas em diferentes contributos terico-prticos da era

    ps-moderna (ver Tabela 1), estas abordagens emergem

    como uma resposta ao desejo de providenciar servios mais

    adequados s necessidades das famlias.

    Nas abordagens colaborativas, o profissional veste o pa-

    pel de um aliado apreciado - do ingls appreciative ally -

    (Madsen, 1999), assumindo perante os clientes uma postu-

    ra de respeito, abertura e esperana, enfatizando ligaes

    e relaes positivas entre os sistemas formais de apoio,

    Abordagens Colaborativas (AC)

    Correntes/Abordagens Orientao Contributos para as AC

    Construtivismo e Construccionismo Social

    Perspetiva epistemolgica: o conhecimento e a realidade so socialmente construdos, podem variar historicamente ao longo do tempo e entre os diferentes grupos culturais.

    Respeitar e incorporar a viso do mundo do cliente no processo de interveno; incentivar a colaborao e evitar o uso de uma linguagem patologizante.

    Abordagem centrada no empowerment

    Abordagem/orientao prtica: os problemas dos clientes so o resultado da insuficincia ou fraco uso de recursos (pessoais, interpessoais e ambi-entais), o que impede os clientes de controlar de forma satisfatria as suas vidas.

    Aumentar o poder (capacitar) dos clientes ao nvel pes-soal, interpessoal e/ou poltico, para que eles possam tomar medidas para melhorar as suas vidas.Redefinir o Self do cliente como empoderado

    Abordagem centrada nas competncias

    Abordagem/orientao prtica: todas as pessoas e todos os ambientes tm foras e recursos que so necessrios para lidar de forma bem-sucedida com os desafios. Muitas vezes esses recursos e foras no so usados, so subaproveitados ou encontram-se esquecidos.

    Ativar (identificar e amplificar) as foras e recursos do cliente, construir e manter uma relao positiva com os clientes; conversar com os clientes ao invs de os interrogar.

    Abordagem centrada nas solues

    Prtica Clnica: a soluo para o problema de um cliente assenta na sua perceo acerca do mes-mo; no h apenas uma nica soluo para um determinado problema.

    Envolver os clientes no dilogo centrado nas solues (vivel e adequado ao contexto cultural do cliente)

    Teoria da Resilincia

    Enfoque terico: As famlias tm o poder de se recuperar e crescer a partir das adversidades; os momentos de crise so uma oportunidade para descobrir recursos do cliente/famlia, repensar pri-oridades e incentivar novos objetivos de vida.

    Anlise das reaes/padres de funcionamento do cliente/famlia perante circunstncias adversas e das estratgias utilizadas para super-las.

    tabela 1 | abordagens colaborativas: pressupostos tericos e prticos

    Adap

    tado

    de

    Ande

    rson

    , 19

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    De

    Jong

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    , 199

    6, 2

    002.

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    22

  • profissionais e clientes. De forma genrica e simples, ser co-

    laborativo significa que cada um dos intervenientes (profis-

    sionais e clientes) conhece o seu lugar e sabe que os pa-

    pis so interdependentes: o profissional especialista nos

    caminhos de mudana (na criao de clima interaccional

    propcio mudana), apoiando os clientes na ativao das

    competncias e capacidades; e o cliente especialista na

    sua experincia de vida (dor, sofrimento, memrias, preo-

    cupaes, objetivos) e forma de construir a sua mudana.

    Reconhece-se que clientes e profissionais so parceiros no

    processo de mudana, colaborando na deciso sobre o ob-

    jetivo da interveno.

    Assim, a interveno ocorre como um compromisso no pro-

    cesso de empowerment entre o profissional e a famlia, num

    contexto de respeito e curiosidade cultural. Note-se que es-

    tas famlias so microculturas que tm a sua forma singular

    de funcionar e de operar num determinado sistema (Mad-

    sen, 1999). Usando uma metfora: o profissional colabora-

    tivo opera como um astronauta, que ao aproximar-se de

    outro planeta (famlia), deseja acoplar a sua nave (ins-

    trumentos de interveno) para poder explorar e conhecer

    novas realidades, podendo dessa forma dispor de conheci-

    mento para apoiar os clientes a atingirem o seu potencial.

    O profissional trabalha em parceria para conhecer os mem-

    bros da famlia, suas necessidades e desejos, compreender

    como vivem e se organizam, que recursos usam, como ope-

    ram no seu sistema (meio, comunidade) e como resolvem

    problemas. A negociao dos objetivos deve promover o

    equilbrio entre a garantia de segurana familiar e o respeito

    pelos seus valores e cultura. Os profissionais (e os gestores

    nesta rea social) tm de aceitar que no so fornecedores

    de solues (pois a mudana no acontece do exterior para

    o interior, ou seja, por prescrio de comportamentos e es-

    tilos de vida); o seu papel de facilitadores de caminhos

    para solues atravs da mobilizao das competncias das

    famlias (Seikkula, Arnkil & Eriksson, 2003).

    As prticas colaborativas no so intervencionistas no sen-

    tido tradicional do termo em que a interveno tem predeter-

    minados os efeitos a obter nos clientes. Apresentam-se antes

    como possveis prticas ou sugestes que podem (ou no)

    ser teis com determinado cliente (Monk & Gehart, 2003).

    Os profissionais continuam especialistas na conduo dos

    processos de ajuda, no entanto o poder e a certeza (conhe-

    cimento convencional) so substitudas por curiosidade (so-

    bre o que o outro faz e como faz) e co-expertise pois am-

    bos (profissionais e clientes) trazem para a interveno as

    suas competncias (Amundson, Stewart & Valentine, 1993).

    Intervir colaborativamente implica assumir uma atitude de

    abertura e de incerteza que leva o profissional a questio-

    nar (mesmo quando supe saber a resposta) e a ouvir para

    saber mais sobre a histria do cliente, convidando-o a par-

    ticipar numa conversa que respeita e honra a sua histria e

    saber e incita o cliente a assumir-se como proprietrio do

    seu plano de interveno.

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    23

  • O termo colaborao (do latim collabrre, que significa

    trabalhar em conjunto) expe a mudana relacional entre

    profissionais e clientes, capaz de gerar maior ativao dos

    clientes no controlo das suas vidas. Trata-se de um processo

    contnuo, em que os profissionais trabalham para encontrar

    formas de cooperar com os clientes, em vez de os olhar

    apenas como recetores passivos de solues pensadas por

    profissionais/servios, quase sempre estandardizadas, i.e.,

    iguais para todas as famlias (Madsen, 1999).

    Resumindo, intervir de forma colaborativa significa que os

    profissionais devem (Anderson & Goolishian, 1992; Mad-

    sen, 2007, 2009; Monk & Gehart, 2003):

    Adotar uma postura de curiosidade cultural e honrar o

    conhecimento dos clientes;

    Acreditar nas possibilidades e focar-se nas mudanas

    desejadas (futuro);

    Envolver-se em processos de capacitao, ajudando os

    clientes a experimentar e a desenvolver sentimentos de

    autoeficcia;

    Trabalhar em parceria, ajustando os servios e tornan-

    do o trabalho dos profissionais mais til e adaptado s

    carac tersticas das famlias.

    Foras das abordagens colaborativas

    Um dos principais pontos fortes das prticas colaborativas

    o seu contributo para a melhoria dos resultados com todos

    os envolvidos no processo de ajuda: famlias, profissionais,

    servios e comunidades. No caso das famlias, os ganhos

    tm sido associados ao aumento da participao e moti-

    vao das famlias na interveno, pois ficam com o poder

    de conduzir o curso das suas vidas; e ao incremento de uma

    atitude de abertura mudana e de maior compromisso

    por parte das famlias na resoluo dos seus problemas (De

    Jong & Berg, 2001; Madsen, 2009; Mireault & Duchesne,

    2001; Turcotte & Simard, 1992). No caso dos profissionais,

    destaca-se o respeito e a sensibilidade na relao com os

    clientes, dado que a abordagem colaborativa contribui para

    transformar a forma como os profissionais interagem com

    as famlias. De Jong & Berg (2001) acreditam que o modo

    como esta abordagem envolve os clientes na interveno

    pode ser mais tica, pois respeita a autodeterminao dos

    clientes e perceciona-os como seres humanos que detm

    conhecimento, competncias e fazem escolhas.

    Constrangimentos implementao das

    abordagens colaborativas

    Os constrangimentos implementao das abordagens

    colaborativas prendem-se com a forma como as polticas,

    servios e instituies esto estruturadas, ainda impregna-

    das das perspetivas tradicionais. A interveno social foi

    edificada considerando que os clientes apresentam proble-

    mas, dfices, patologias e so incapazes de resolver os seus

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    24

  • problemas sem ajuda profissional. Esta perspetiva centrada

    no dfice ainda dominante na cultura organizacional, nas

    premissas e prticas profissionais, assim como na perceo

    dos clientes sobre o processo de ajuda (Madsen, 1999;

    Saleebey, 2009).

    Outro obstculo sua implementao centra-se nas carac-

    tersticas do prprio processo de ajuda colaborativa que

    acarreta a mobilizao dos envolvidos na interveno, exi-

    gindo tempo de negociao entre profissional e cliente (na

    definio dos objetivos e estratgias para a mudana) e

    compromisso para manter relaes estendidas no tempo.

    Adicionalmente promover mudanas a longo prazo, apesar

    de desejvel, assume-se como uma meta pouco popular em

    termos polticos, podendo ser vista como mais dispendiosa e

    morosa do que o desejado (McMillen, Morris & Sherraden,

    2004).

    Rumo a uma prtica colaborativa

    Ir alm das abordagens tradicionais pode tornar mais exi-

    gente o papel dos profissionais, mas constitui um estmulo

    ao permitir experimentar formas de ajuda potencialmente

    mais bem-sucedidas (Wang & Pies, 2004). Importa com-

    preender que este apelo reorientao para um modelo

    de apoio mais colaborativo constitui uma resposta s falhas

    do sistema atual. O papel tradicional do profissional de-

    safiado e emerge a necessidade de discutir as suas funes

    e de reorganizar os seus papis. Os profissionais envolvidos

    na interveno reconhecem a necessidade de concretizar

    esta transio, mas trata-se de uma mudana que exige

    tempo e adaptao (Rodrigues & Sousa, 2008). Colocar as

    abordagens colaborativas em marcha um esforo a lon-

    go prazo que envolve mltiplas etapas, desde a formao

    dos profissionais a transformaes contextuais e estruturais

    (Probst, 2009; Rodrigues & Sousa, 2008).

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    25

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    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    29

  • Interveno Positiva com FamliasSocialmente Vulnerveis

    Nas ltimas dcadas, uma mudana de paradigma tem-se feito no-

    tar em diversos campos das cincias sociais e humanas no geral

    e na psicologia em particular. Hoje, intervir ao nvel dos sistemas

    humanos ser mais do que detetar falhas e resolver problemas.

    Quando falamos de famlias socialmente vulnerveis somos desafiados a pen-

    sar mais alm, a considerar o todo: a carncia e o potencial, as limitaes e

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

  • possibilidades, as famlias, mas tambm cada um dos seus elemen-

    tos e relaes que estabelecem entre si, e naturalmente a comuni-

    dade envolvente e sociedade que integram. As intervenes positivas

    passam, assim, por procurar promover bem-estar ao nvel individual

    e coletivo, considerando todos os atores, e respetivas inter-relaes,

    que direta ou indiretamente contribuem para o desenvolvimento dos

    sistemas humanos implicados, com um foco nas solues e possibi-

    lidades.

    No presente artigo, sero apresentadas as abordagens da Psicologia

    Positiva e do Inqurito Apreciativo, que nos permitem trabalhar no

    sentido de identificar e potenciar o melhor de cada indivduo, famlia

    ou comunidade, numa perspetiva de preveno e/ou superao,

    rumo a uma Sociedade onde o bem-estar e a equidade social so

    prioridades. Ser feita uma descrio histrica e princpios tericos

    de base, seguindo-se a sua aplicabilidade na interveno especfica

    com famlias socialmente vulnerveis.

    Psicologia Positiva

    Durante muitos anos tivemos uma cultura da sade psicolgica dedi-

    cada ao que no funciona ou considerado patolgico (Gable &

    Haidt, 2005). Profissionais e investigadores desta rea trabalhavam

    ento com vista a diagnosticar e tratar, e no tanto para prevenir e/

    ou promover bem-estar individual e coletivo. Se bem que ao longo

    dos anos houve alguns autores a procurarem compreender o bem-

    estar, tratava-se de casos pontuais e fora daquilo que era o main-

    stream (Delle Fave, Massimi & Bassi, 2011). Sobretudo depois da II

    Guerra Mundial, esta necessidade de tratar foi fortalecida pelos evi-

    Master em Terapia Familiar e Siste-

    mas pela Universidade de Sevilha.

    Mestrado Executivo em Psicolo-

    gia Positiva Aplicada pelo ISCSP,

    Universidade de Lisboa. Licenciada

    em Psicologia Clnica pela Univer-

    sidade de Lisboa. Co-fundadora e

    formadora da Associao Portu-

    guesa de Estudos e Interveno

    em Psicologia Positiva (APEIPP).

    Coordenadora do Ncleo de

    Formao Sistmica da Associao

    Portuguesa de Terapia Familiar e

    Comunitria (APTEFC). Co-autora

    do livro Positiva-Mente: Viva

    o seu dia-a-dia com equilbrio,

    bem-estar e otimismo publicado

    em 2011, pela editora Esfera dos

    Livros.

    RiveroCatarina

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    31

  • dentes desafios do momento - a interveno e investigao

    foram ento muito dirigidas aos processos de resoluo de

    problemas decorrentes do perodo que ento se vivia, nas

    diferentes reas das cincias sociais e humanas (Gable &

    Haidt, 2005; Fredrickson & Kurtz, 2011). Tal ter tido um

    impacto positivo ao nvel de conhecimento e estratgias

    desenvolvidas e que hoje nos permitem tratar e intervir em

    mltiplas situaes problemticas ao nvel da sade men-

    tal e da interveno social. Contudo, como referem Gable

    & Haidt (2005), como se tivssemos aprendido a passar

    de oito negativos para zero, mas nos faltasse compreender

    como ir de zero a oito positivos.

    no ano 2000 que a Psicologia Positiva surge formalmente,

    com o lanamento de uma edio especial da revista

    American Psychologist inteiramente dedicada ao tema da

    Felicidade. Seligman, o ento presidente da APA (American

    Psychologist Association ), juntamente com Csickzentmihaly,

    afirmavam nesta publicao a importncia de melhor con-

    hecer o que faz com que a vida merea a pena ser vivida.

    Na perspetiva dos autores, teramos vasto conhecimento so-

    bre o que traz mal-estar, mas muito por conhecer no tocante

    ao que potencia o florescimento humano. Neste sentido, o

    movimento da Psicologia Positiva vem afirmar-se como o

    estudo das condies e processos que contribuem para o

    florescimento e funcionamento timo de pessoas, grupos e

    instituies (Gable & Haidt, 2005:104).

    Bem-estar Individual e Coletivo

    Nos ltimos treze anos a rea da Psicologia Positiva tem

    crescido exponencialmente, com investigao e interven-

    es um pouco por todo o mundo, em domnios diversos

    como a clnica, educao, sade, comunitria ou organiza-

    cional. Integra atualmente no apenas profissionais da rea

    da Psicologia, como da Economia, Sociologia, Gesto,

    Educao, Filosofia, que se unem em torno da misso da

    promoo do florescimento humano. assumido como um

    imperativo tico pela comunidade da Psicologia Positiva

    o repensar das vivncias individuais e relacionais (Rivero,

    dArajo & Marujo, 2013), bem como das vivncias coleti-

    vas no que toca s comunidades e naes (Marujo & Neto,

    2013).

    A promoo de bem-estar ter assim de considerar difer-

    entes nveis de atuao, do individual ao coletivo. De acor-

    do com o socilogo Veenhoven (2011), autor da maior base

    de dados mundial de investigao sobre felicidade1, intervir

    para o aumento de felicidade ter de passar pelo nvel so-

    cial (livability das sociedades), organizacional (livability das

    instituies) e individual (life-ability dos indivduos).

    Livability das Sociedades

    Ao nvel das sociedades, procura-se compreender a difer-

    ena entre naes, no tocante aos nveis de felicidade dos

    seus cidados. Veenhoven (2011) considera que 80% da

    1 http://worlddatabaseofhappiness.eur.nl, acedido em 02 de Dezembro de 2013

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    32

  • variao da felicidade mdia explicada pela qualidade da

    sociedade. Neste sentido, intervir para a promoo de bem-

    estar passar pela conhecimento dos fatores facilitadores

    de bem-estar identificados nos pases onde a populao se

    considera mais feliz.

    A riqueza das naes um dos fatores muito considerados,

    pese embora o crescimento econmico tenha um impacto

    mais evidente nos pases pobres (Veenhoven, 2011). Frey

    (2009) considera a felicidade numa perspetiva multifato-

    rial, na medida em que haver fatores concorrentes ao PIB,

    como a qualidade da democracia - de modo geral, nos

    pases mais ricos que encontramos mais democracia. Mais

    importante do que considerarmos a riqueza das naes,

    porm, ser a diferena de rendimentos que a encontra-

    mos (Wilkinson & Picket, 2011; Frey, 2009). A desigualdade

    dentro das naes poder comprometer o bem-estar e a

    qualidade de vida, encontrando-se uma relao significa-

    tiva com problemas sociais e de sade, tais como o nvel

    de confiana, doena mental, esperana de vida, mortali-

    dade infantil, obesidade, desempenho escolar das crianas,

    parentalidade adolescente, homicdios, taxa de reclusos ou

    mobilidade social (Wilkinson e Picket, 2011). H, assim, que

    considerar a posio relativa dos indivduos no seu contexto

    e no apenas o rendimento absoluto auferido.

    Considerar apenas o PIB (Produto Interno Bruto) quando

    queremos compreender o bem-estar de uma nao insufi-

    ciente. De facto, nem todos os fatores que potenciam o PIB

    tero benefcios para o bem-estar, e at podem, pelo con-

    trrio, ter um impacto negativo - ser o caso do terrorismo

    ou acidentes de viao que, mesmo tendo um impacto posi-

    tivo nas transaes econmicas de um pas, comprometem

    naturalmente o bem-estar dos seus cidados (Lopes, Jardim

    e Alves, 2013). O inverso tambm pode acontecer: dinmi-

    cas sociais e comunitrias de generosidade e suporte social

    (quando, por exemplo, h doao ou trocas de bens numa

    comunidade) ir influenciar positivamente o bem-estar de

    uma dada populao, mas penalizar o consumo e, conse-

    quentemente o PIB (Lopes et al., 2013).

    De acordo com Veenhoven (2011), a felicidade facilitada

    pela justia, um governo de qualidade, direitos humanos,

    igualdade de gnero, existncia de um estado de direito e

    baixo nvel de corrupo. Uma perspetiva de maior facili-

    tao de condies ou oportunidades sociais para que os

    indivduos, a nvel individual e coletivo, possam realizar as

    suas aspiraes a proposta de vrios autores do campo

    da Economia, no sentido de possibilitar a Felicidade Pblica

    (Porta & Scazzieri, 2007; Bruni, 2008). Ser fundamental,

    segundo Bruni (2008), conseguirmos uma harmoniosa co-

    existncia entre mercado e bens relacionais, em que se ul-

    trapassa uma suposta tenso ou competio entre ambas,

    numa filosofia de exclusividade de uma em detrimento de

    outra. Nesta perspetiva, apenas quando integrarmos estas

    duas formas de reciprocidade - o contrato e a ddiva -, en-

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    33

  • contraremos as condies necessrias para um verdadeiro

    florescimento da sociedade civil (Bruni, 2008).

    Livability das Instituies

    nas Instituies que passamos grande parte do tempo das

    nossas vidas: nas escolas, empresas, associaes, centros

    comunitrios ou lares. Que instituies promovem mais

    felicidade? Que dinmicas relacionais encontramos nestas

    instituies? Esto ligadas aos resultados efetivos? Ligam-

    se s notas da escola? Aos rendimentos auferidos? s bol-

    sas ou subsdios atribudos? O que faz que nos sintamos

    melhor em algumas instituies, e menos noutras, enquanto

    alunos, colaboradores ou utentes?

    De acordo com Seligman (2002), as Instituies Positi-

    vas sero o terceiro pilar da Felicidade Autntica (sendo o

    primeiro as Emoes Positivas, seguido do pilar das Carac-

    tersticas ou Traos Positivos). Garcea e Linley (2011) defen-

    dem que transformar positivamente as nossas organizaes

    ser uma forma de transformar positivamente a sociedade,

    na medida em que poderemos tocar milhares de pessoas

    por todo o mundo, tendo em conta o seu bem-estar, mas

    tambm das suas relaes, potenciando um maior envolvi-

    mento com a organizao e sociedade, numa dinmica

    participativa e inclusiva em que todos ganham valor e sen-

    tido individual e coletivo.

    No mbito dos estudos organizacionais, vrias correntes

    tm emergido, entre as quais a Psicologia Organizacion-

    al Positiva (POP) enquanto estudo cientfico dos traos e

    experincias positivas subjetivas no local de trabalho e or-

    ganizaes positivas, e a sua aplicao para melhorar a

    eficcia e qualidade de vida nas organizaes (Donaldson,

    2010:178). Da investigao e prticas desenvolvidas, h

    dados bastante inspiradores sobre como promover organi-

    zaes felizes:

    Numa interveno a nvel individual, consideram-se a

    promoo de foras humanas e capacidades psicolgicas

    como a auto-eficcia, esperana, otimismo e resilincia

    (estudadas de forma individualizada no Comportamento

    Organizacional Positivo (ou Positive Organizational Be-

    havior POB , que integra a rea de estudo da POP) ou

    na relao entre estas dimenses (estudadas na rea do

    PsyCap) (Luthans & Youssef, 2007);

    Numa interveno a nvel organizacional e coletiva (am-

    plamente estudada pela rea do Positive Organizational

    Scholarship (igualmente integrado na POP)), potencian-

    do e transformando o contexto organizacional, e respe-

    tivas dinmicas interpessoais e estruturais dentro e entre

    organizaes (Cameron & Caza, 2003). Foca-se nas

    dinmicas que podem levar a uma performance indi-

    vidual e organizacional excecional como desenvolver as

    foras humanas, produzir resilincia e restabelecimento,

    e promover vitalidade, a par do aumento da satisfa-

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    34

  • o/reteno de empregados e aumento da felicidade

    dos funcionrios (Lopes, Cunha, Kaiser & Mller-Seitz,

    2008: 281).

    O conceito de Virtuosidade Organizacional (integrados no

    mbito do POS) tem ganho terreno, considerando-se que

    integra aes individuais, e atividades coletivas, atributos

    culturais ou processos que potenciem a disseminao e per-

    petuao de virtuosidade numa organizao (Cameron,

    Bright & Caza, 2004), sendo associada bondade moral,

    florescimento humano, foras de carter, e enriquecimento

    social (no sentido de ir alm de benefcios ou vantagens

    prprias), sendo vrios autores a sugerirem o impacto da

    virtuosidade ao nvel do aumento de emoes positivas,

    capital social e comportamento pro-social (Cameron, Bright

    & Caza, 2004).

    Temos hoje conhecimentos que nos permitem co-criar cul-

    turas organizacionais de abundncia, social e capital, pro-

    motoras de florescimento humano. So considerados trs

    pontos essenciais no desenvolvimento de uma cultura de

    abundncia (Cameron, 2009; apud Lewis, 2011):

    1. Desvio Positivo, isto , uma organizao onde o floresci-

    mento, a benevolncia, a generosidade acontecem, e

    que honra as pessoas e seus contributos; orientada para

    a criao de uma abundncia de coisas boas e positi-

    vas (Lewis, 2011:15);

    2. Aes Virtuosas, numa cultura orientada para a entrea-

    juda, o perdo e a benevolncia, com prticas organiza-

    cionais como uma avaliao de desempenho baseada

    nas foras, e formas apreciativas de trabalhar (Lewis,

    2011);

    3. Vis Afirmativo, havendo um foco no melhor, mais do

    que no pior. No nega as ocorrncias negativas, mas

    integra-as numa narrativa, de modo flexvel e orientando

    a sua ao sobretudo para a potenciao de foras, ca-

    pacidades e possibilidades, e menos para o que no

    funciona ou ameaa (Lewis, 2011).

    Promover uma organizao positiva passa, assim, por trans-

    formar uma linguagem baseada nas fraquezas, para uma

    outra forma, mais positiva, assente nas foras e possibili-

    dades. A co-construo comea com dilogos generativos

    e apreciativos que permitam a todos os envolvidos partilhar

    aspiraes e sonhos, em que consideram onde a organi-

    zao deveria estar, para ento poder desenhar um percur-

    so. A mudana acontecer como que por contgio social,

    atravs do dilogo e de movimentos que chamem todos a

    participar e mobilizarem-se na mesma direo (Garcea &

    Linley, 2011). Nesse sentido, ser importante considerar o

    nvel individual (estratgias de promoo de positividade in-

    dividual), interpessoal (potenciando a partilha, cooperao

    e colaborao entre colaboradores, parceiros e/ou clientes/

    utentes), grupal (promover o humor positivo, postura apre-

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    35

  • ciativa, integrando divergncias ou conflitos que tm de ser

    trabalhados em equipa), e organizacional (numa mudana

    participada por todos os elementos do sistema, com di

    logos generativos e especial sensibilizao dos lderes, cujo

    papel ser de grande importncia em todo o processo, na

    inspirao para o comportamento positivo e tico, e valo

    rizao das foras de todos e cada um) (Garcea & Linley,

    2011).

    Life-ability dos Indivduos

    Se a forma como a sociedade e instituies tm impacto no

    bem-estar dos indivduos, a forma como cada pessoa gere

    a sua vida dar um contributo fundamental. Ser nas aes

    de todos os dias - a capacidade de apreciar o que de bom

    e belo acontece, alimentar a esperana e otimismo, desen-

    volver um sentido de vida, cuidar das relaes interpessoais

    e/ou das suas atividades de cada dia que cada um ter

    um potencial decisivo no seu prprio florescimento. A inves-

    tigao sugere que, sobretudo nos pases mais igualitrios

    e previsveis em termos sociais e/ou polticos, h uma per-

    centagem considervel de bem-estar que explicada pela

    arte de gerir a vida de cada um2 (life-ability).

    Esta capacidade torna-se ainda mais evidente, quando fala-

    mos de populaes socialmente vulnerveis. A investigao

    sobre bem-estar em contextos de pobreza, no raras vezes

    nos surpreende, pela valorizao de relaes positivas ao

    2 Heady e Wearing (1990, apud Veenhoven, 2011) referem 30% da varincia de bem-estar ser explicada pela life-ability, j Sheldon e Lyubomirsky (2007) referem 40%.

    nvel da famlia e comunidade um exemplo estar no tra-

    balho de investigao desenvolvido por Balancho (2013)

    em Rabo de Peixe (Aores), onde encontrou uma populao

    muito vulnervel e carenciada materialmente, mas com nar-

    rativas de vida que valorizavam fortemente a forma como

    olhavam para a vida e as relaes familiares.

    Florescimento Humano

    Se queremos promover bem-estar e felicidade, torna-se

    essencial definir sobre o que falamos. Irei considerar aqui

    o conceito j abordado de Florescimento Humano. Duas

    abordagens h que se evidenciaram em termos de estudo

    e interveno para a promoo de florescimento: o hedo-

    nismo e a eudaimonia.

    Ao nvel do hedonismo, h um enfoque na promoo de

    prazer e minimizao da dor, sendo fortemente influenciado

    pela obra de Epicuro (Delle Fave et al., 2011). Neste m-

    bito, tem vindo a ser desenvolvido o estudo das emoes

    positivas ao nvel das respetivas condies facilitadoras e

    impacto no bem-estar. Integra assim uma dimenso emo-

    cional - presena de emoes positivas e ausncia de dor

    ou sofrimento -, e uma dimenso cognitiva - julgamento/

    avaliao sobre a sua satisfao com a vida no geral ou

    em reas de vida especficas (Delle Fave et al., 2011). Con-

    sidera-se que o hedonismo estar mais relacionado com

    o momento presente, e objetivos a curto prazo. Ao nvel

    da Eudaimonia, procuram-se os processos inerentes a uma

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    36

  • vida boa, tal como proposto por Aristteles no seu livro

    Etica a Nicmano: uma vida virtuosa com vista poten-

    ciao do daimon, a efetivao da verdadeira natureza de

    cada pessoa (Deci & Ryan, 2008). Enquadrado naquilo que

    se considera a felicidade eudaimnica esto o estudo e as

    intervenes ao nvel do sentido de vida, foras de carter

    e virtudes humanas, bem como a

    autodeterminao. No obstante se

    tratarem de tradies distintas, he-

    donismo e eudaimonia tm vindo a

    ser consideradas enquanto dimen-

    ses interligadas na explicao do

    bem-estar e florescimento humano

    (Huta & Ryan, 2010; Keyes, Shmot-

    kin & Ryff, 2002).

    Podemos, assim, considerar a exi-

    stncia de processos de compen-

    sao e complementaridade en-

    tre as duas dimenses, tal como

    proposto por Keyes, Shmotkin e Ryff

    (2002): se co-existirem em nveis

    equivalentes traro um maior nvel

    de auto-congruncia mas, mesmo

    quando uma das dimenses est de

    algum modo diminuda, pode haver

    algum bem-estar. De facto, quando

    um indivduo sente a sua felicidade

    eudaimnica comprometida, em

    termos de valores ou sentido de vida

    (seja por falta de recursos, oportu-

    Prticas Colaborativas e Positivas na Interveno Social

    37

  • nidades ou sade) poder haver um complemento por um

    bem-estar hednico elevado. Por outro lado, em momentos

    de maior dor emocional, ser a eudaimonia que poder

    vir a trazer um complemento (reforando o sentido para a

    vida, por exemplo) que permite ao indivduo manter algum

    bem-estar e continuar a gerir a sua vida de forma eficaz tal

    ocorre frequentemente em processos de resilincia. Assim,

    no florescimento humano h uma relao dinmica entre o

    prazer (e ausncia de dor) e o propsito de vida, cujo equil-

    brio ser mais ou menos estvel de acordo com caracters-

    ticas pessoais, aes individuais e circunstncias de vida.

    Seligman (2011), prope um modelo de bem-estar resu l

    tante de investigao em diferentes domnios da vida, e in-

    tegrando hedonismo e eudaimonia. Considera, assim, que

    o florescimento humano