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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO FACULDADE DE LETRAS MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr. Abdelhak Razky Profª. Drª. Marilúcia Barros de Oliveira Abril-2011

MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE LETRAS E COMUNICAÇÃO

FACULDADE DE LETRAS

MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA

CONTEUDISTAS: Prof. Dr. Abdelhak Razky

Profª. Drª. Marilúcia Barros de Oliveira

Abril-2011

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APRESENTAÇÃO

Caros alunos,

Essa disciplina está voltada ao estudo da variação e mudança linguística e se

destina a formar professores que saibam identificar, descrever, reconhecer e refletir

sobre fenômenos variacionistas. Mais além desse objetivo de natureza investigativa, a

disciplina tem como meta, como deveria ser num curso de licenciatura, levar vocês,

futuros professores de língua materna, a refletirem sobre a postura que se deve adotar –

e que se deve levar os alunos a adotarem – diante desses fenômenos, valorizando as

diferentes identidades, aqui entendidas como conjunto de diferenças e peculiaridades

dos indivíduos e dos agrupamentos de indivíduos.

Iniciaremos essa disciplina com a leitura de um texto que aborda

praticamente tudo que iremos discutir durante o curso, mas de forma bem sucinta. Na

verdade, o texto só tangencia pontos que serão explicitados, discutidos nas sete

Atividades que iremos estudar. Que esse texto favoreça em cada um de vocês uma

maior ―amplitude do olhar‖, no sentido de lhes possibilitar enxergar aspectos de língua

e de linguagem vinculados ao ―uso‖, à manifestação efetiva desses em contextos

socioculturais diferenciados. É com esse ―olhar‖ diferenciado, cada vez mais próximo

dos usos efetivos de linguagem, e, concomitantemente, mais distanciados de

preconceitos, que pretendemos tratar a variação linguística, tema dessa disciplina.

Na primeira unidade, estudaremos a relação entre língua e sociedade,

focalizando a diferença e a identidade. Na segunda, abordaremos a teoria da variação e

iniciaremos as orientações para a realização de pesquisa de campo, a fim de que sejam

identificados e descritos fenômenos variacionistas. Na terceira unidade, a discussão será

em torno da variação linguística e suas implicações no ensino de língua materna. Por

sinal, você já sabe como deve se portar diante de um aluno quando esse diz [ka ́ nua] em

vez de canoa? Ou [´na], em vez de jornal? E o que fazer quando os alunos riem

dessas pronúncias? Calma, talvez, neste momento, você ainda não saiba exatamente

como se portar diante dessas situações, principalmente na condição de professor de

língua portuguesa, já que as pessoas exigem que esse profissional use e ensine o

português dito correto, mas, com certeza, ao final da disciplina, você vai poder

responder com segurança a questão. Então, vamos adiante.

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1 OBJETIVOS

1.1 OBJETIVO GERAL

Propiciar o conhecimento de teorias e modelos variacionistas, no sentido de

desenvolver competências relativas à análise de fenômenos variacionistas e a

reflexão sobre a postura do professor diante de variação linguística no ensino-

aprendizagem de língua materna.

1.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Conhecer teorias e modelos variacionistas;

utilizar adequadamente os procedimentos investigativos relativos ao estudo

da variação e mudança linguística;

conhecer diferentes modelos de análise da variação linguística;

distinguir variação de mudança linguísticas;

organizar dados coletados de acordo com a orientação sociolinguística;

reconhecer frequências e probabilidades de fenômenos variacionistas;

identificar e descrever fenômenos de variação linguística encontrados na

vida cotidiana dos alunos e refletir sobre suas implicações no ensino de

língua portuguesa;

distinguir erro de variação linguística;

discutir preconceito linguístico.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A disciplina Sociolinguística apresenta carga horária de 68h. Será

desenvolvida na modalidade a distância, com encontros presenciais nos fins de

semana. O curso atenderá alunos dos pólos de Bujaru, Goianésia e Parauapebas. Os

trabalhos serão orientados pelo professor-coordenador da disciplina e por tutores

presenciais e a distância.

A concepção pedagógica do curso pauta-se no conhecimento dos modelos

de análise da variação linguística e na reflexão sobre seu impacto no ensino-

aprendizagem de língua materna, dando-se especial relevo à postura de respeito às

diferenças. Sendo assim, privilegiaremos atividades que impliquem reflexão e

interação dos alunos não só com os tutores, com o professor, mas com o próprio

material didático que visa ao acesso à informação e produção de conhecimentos.

Cabe chamar atenção para os itens DICAS, SAIBA MAIS, PARA REFLETIR,

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RESUMINDO, EXERCITANDO, ANOTE, os quais podem lhes auxiliar a avançar

na compreensão do texto, propiciando melhor entendimento do conteúdo tratado.

Durante o curso se desenvolverão as seguintes atividades:

Leitura do texto-base;

Leitura de textos teóricos e de descrição sociolinguística;

Estudo e análise de fenômenos variacionistas a partir de discussão de textos

escritos e/ou vídeos;

Apresentação de pontos de vista no fórum;

Postagem de atividades que correspondam às ―tarefas‖;

Resolução de exercícios;

Pesquisa de campo;

Apresentação de seminários.

3 PROGRAMA

Etapas CH Data UNIDADE I- RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA E SOCIEDADE

Atividade 01: Diversidade e diversidade linguística no

Brasil/ leitura de texto e assistência de vídeo para reflexão /

comentários sobre os diferentes falares brasileiros.

Atividade 02: Um breve histórico do tratamento dado à

variação e mudança linguística.

15h

Semana 01

UNIDADE II- TEORIA DA VARIAÇÃO

Atividade 03: Teoria e Variação: definindo termos

Atividade 04: Aspectos teórico-metodológicos da teoria da

Variação.

20

horas

Semana 02

UNIDADE II: A PESQUISA VARIACIONISTA NO

PORTUGUÊS BRASILEIRO

Atividade 05: Exemplificando a variação no PB.

Atividade 06: Procedimentos da pesquisa variacionista

20

horas

Semana 03

UNIDADE III: VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E ENSINO

DO PORTUGUÊS

A COMPLETAR

13

horas

Semana 04

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5 AVALIAÇÃO

A avaliação será realizada da seguinte forma:

postagem no fórum, observando-se a relevância da contribuição, inclusive

em relação aos questionamentos dos colegas;

participação nos encontros presenciais, observando-se a relevância da

contribuição, inclusive em relação aos questionamentos dos colegas;

resolução e entrega das atividades no prazo estipulado;

qualidade da produção escrita no que diz respeito à pertinência e à

capacidade de reflexão;

registro adequado dos dados coletados;

apresentação de seminário.

O frequência do aluno será avaliada tomando-se por base as informações

fornecidas pelos tutores nos encontros presenciais, e a frequência no fórum.

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UNIDADE I: RELAÇÃO ENTRE LÍNGUA E SOCIEDADE

Atividade 01

Diversidade e diversidade linguística no Brasil

Objetivos

Ao final desta atividade, você deverá:

compreender a relação entre língua e sociedade;

identificar fenômenos de variação linguística;

discutir conceitos de diferença e identidade;

refletir sobre a postura de cada um da turma diante de fenômenos de

variação linguística;

apontar possíveis fatores condicionadores da variação linguística.

A variação linguística não é um fenômeno recente nas línguas. Antes

mesmo de se propor o estudo sistemático da variação, ela acontecia abundantemente

em vários momentos da história, em diferentes línguas. Os estudos sobre o fenômeno

confirmam que a variação é inerente a todas as línguas.

A relação entre língua e sociedade tem sido tema de vários estudos na

atualidade, mas nem sempre foi assim. Quando se iniciaram os estudos sobre a língua

ou sobre a linguagem, não se deu espaço adequado à influência de fatores sociais

sobre essas ―ações‖ humanas. Atribuía-se a outros condicionadores a variação ou a

mudança linguística. Na verdade, a variação teve espaço nos estudos da linguagem

bem depois do estudo sobre a mudança linguística.

Entretanto, cabe dizer que o estudo sobre a mudança linguística praticado

há séculos não era o mesmo praticado pela sociolinguística variacionista, corrente

que vamos estudar mais detalhadamente aqui. Essa corrente pressupõe que os

condicionadores sociais sejam levados em consideração quando do estudo da língua,

pois para seus adeptos é clara a relação entre língua e sociedade. Por isso, no sentido

de esclarecer os diferentes aspectos destacados no estudo da variação e da mudança

linguística, vamos fazer um breve histórico sobre os diferentes estudos a respeito da

variação linguística, a fim de que você perceba as diferenças entre as abordagens. Em

seguida, trataremos do estudo sociolinguístico que prevê o estudo da língua em

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contexto social, já que concebe que as forças sociais condicionam, como os fatores

estruturais, a variação nas línguas.

Mas antes de fazermos todo esse trajeto que corresponde à próxima

Atividade, vamos desenvolver algumas práticas relativas à Atividade 01 que tratam

do tema Diversidade e diversidade linguística. Essa Atividade apresenta um caráter

diferente das demais. Isso porque é você quem vai desenvolvê-la. Quem sabe,

escrevê-la, por isso essa Unidade vai iniciar com sua perspectiva sobre o conceito de

diferença e identidade, e diversidade linguística ou não.

Ao final da disciplina, retomaremos essa discussão inicial no sentido de

saber se você alteraria ou ampliaria, ou mesmo manteria as impressões apresentadas

nesse primeiro momento.

Para falarmos da relação entre língua e sociedade, precisamos entender que

além da língua, outros hábitos, modos, maneira de vestir, costumes estão ligados à

interferência de fatores sociais. Você vai aprender também que os valores que são

atribuídos a uma dada língua, as diferenças que existem numa língua não levam em

consideração exatamente fatores linguísticos, mas sociais. É assim que a língua ou

variedade linguística considerada ―boa‖ é aquela falada por uma classe favorecida na

sociedade. Geralmente um grupo seleto. Mas isso, como dissemos, não se refere só à

língua. Note, por exemplo, que a moda, em termos gerais, considerada boa, elegante,

também é ditada por um grupo privilegiado. Assim é com a língua.

Aspectos relacionados à diversidade e diversidade linguística, bem como à

diferença e à identidade serão discutidos durante o curso. Antes, no entanto, de

continuar lendo o texto base, convidamos você a fazer a leitura do texto ―Fale que te

direi quem és‖, disponível na Plataforma Modlle. A partir dessa leitura, você poderá

ser despertado para questões que vão enriquecer nosso estudo. Use o conhecimento

de mundo de que dispõe para avaliar cuidadosamente o texto. Reflita, faça

comentários, indique que outros aspectos podem estar presentes no texto. Vamos à

leitura?

Fale que te direi quem és!

Josué Machado publicou instigante artigo sobre a influência

"nefasta" que os tropeços gramaticais do novo presidente da

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República, Luís Inácio Lula da Silva, são suscetíveis de ter nas

salas de aula do país – "Lula e a língua do povo" [EDUCAÇÃO,

São Paulo, 3.2003]

Os "escorregões" de Lula da Silva no exercício do português

padrão – seus "menas", "percas", "acho de que"; a avidez com

que "devora os 's' do plural" etc. – constituem um pretexto para o

autor debater a variedade lingüística com a qual a escola deveria

operar.

No Brasil, nos últimos tempos, a variação linguística na escola

tem sido objeto de complexos debates lingüístico-pedagógicos,

ensejando profunda insegurança sobretudo entre os professores e

futuros professores que atuam em escolas populares.

Há alguns anos, para a grande maioria dos professores de

português, essa questão não existia, predominando a visão de que

a principal função da escola era enquadrar os alunos à variedade

culta da língua nacional.

Com esse pressuposto inquestionável, professores bem

intencionados confundiam comumente a educação com a caça às

formas sintáticas, lexicais e fonéticas desviantes, transformando

as aulas de português em ensino da gramática normativa. A

grande função do professor era corrigir o "português errado".

A ciência ajuda

Novas investigações sobre os fenômenos psico e sócio-

lingüísticos, a psicogênese da escrita e os processos de

aprendizagem, etc. determinaram mudanças profundas na visão

do que deve ser a prática de professores de português nos

diversos níveis de escolaridade.

No citado artigo, Josué Machado alude negativamente ao que

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considera uma "sobrecarga de informações teóricas e

nomenclaturas lingüísticescas" que resultariam "num formidável

caos teórico, capaz de confundir o professor comum".

Para ele, dentre as teorias lingüísticas, apenas a desenvolvida por

Noam Chomsky contribuiria realmente a uma maior eficiência

escolar. Para essa última, todo "falante sabe instintivamente sua

língua e só precisa ser ajudado a desenvolver-se nela por meio de

prática e de exercícios agradáveis".

As grandes questões postas pelo artigo, a exclusividade dada pela

escola à variedade culta do português e a discriminação das

formas lingüísticas populares, não envolvem apenas os processos

de aprendizagem da sintaxe estudados por Chomsky. Também

englobam múltiplos outros componentes de ordem lingüística,

sociológica, histórica, pedagógica, etc.

Língua para uso

De um ponto de vista psicolingüístico, Josué Machado tem razão.

Foi essencial o reconhecimento que todo ser social possui

competência lingüístico-comunicativa e gramática intuitiva,

interior, mesmo sem jamais ter freqüentado a escola. Por si só,

esse reconhecimento põe fim à idéia que a escola deve "ensinar"

a língua materna.

Mas, contrariamente à opinião do autor, a Lingüística pode e

deve contribuir muito mais à prática dos professores de

português. Sobretudo, deve ensejar a compreensão de que a

língua constitui um instrumento de comunicação destinado a

cobrir uma grande diversidade de necessidades humanas –

comunicação racional, afetiva, argumentativa, informativa, etc.

Essa compreensão permitirá que o professor de português não

caia na tentação de transformar as aulas de expressão lingüística

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em lições de ortografia, de gramática normativa ou, o que é pior,

de nomenclatura lingüística e enfatize, ao contrário, o

desenvolvimento da competência textual dos alunos, para o maior

número possível de necessidades comunicativas e discursivas.

Os avanços alcançados nos estudos de Lingüística Social podem

igualmente contribuir – e já contribuem em larga medida – para a

resolução da questão da variação lingüística na sala de aula.

Apesar da tendência da escola e da sociedade de apresentarem a

língua como organismo monolítico e natural, ela é uma

construção social e histórica, com vínculos essenciais com a

formação social de seus locutores.

O essencial e o acessório

O fato que as divisões e conflitos de toda ordem –

socioeconômicos, socioculturais, de gerações, de gênero, etc. –

materializam-se e manifestam-se plenamente na língua, de forma

explícita ou implícita, comprova o seu caráter social e histórico.

É também preciso enfatizar que todos os elementos que

compõem a estrutura das línguas, fazendo delas eficientes

instrumentos de comunicação social, não têm a mesma

importância. Alguns de seus componentes, como os fonemas, têm

papel secundário nos processos de significação, essência da

linguagem e das línguas naturais nas quais se manifesta.

O mesmo pode ser dito das unidades de nível imediatamente

superior, os morfemas, cuja função é indicar modificações de

número, de gênero, de pessoa ou diferenciar palavras

pertencentes a categorias gramaticais diversas – um verbo de um

substantivo, por exemplo. É através de unidades maiores – os

enunciados e as palavras que os compõem – que se dá a

significação dos intercâmbios verbais.

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Portanto, compreende-se que as manifestações mais visíveis da

variação lingüística apareçam precisamente nos fonemas e

morfemas, elementos da língua que interferem menos nos

processos de construção do sentido, não interferindo, assim, no

processo de intercompreensão.

Onde se fixa o estigma

Não atrapalha a comunicação a confusão entre a lateral [l] e a

vibrante [r] em palavras como garfo – galfo; solvente - sorvente;

voltar – vortar; etc. Não dificulta o entendimento a substituição

da fricativa [v] pela oclusiva [b] em vassoura – bassora. O

mesmo pode ser dito da troca do morfema de primeira pessoa do

plural no presente e passado dos verbos de primeira conjugação:

amos – emo, etc.

A repressão, discriminação e correção sistemáticas dessas

variantes justificam-se apenas do ponto de vista – estético – da

variante dominante, e não a partir de critérios lingüístico-

comunicativos. Portanto, não são práticas necessárias nem, o que

é mais grave, inocentes e sem conseqüências.

Em teoria, qualquer criança, locutora de uma variedade de

português não padrão, é perfeitamente capaz de aprender as

variantes fonológicas e morfológicas padrão, como aprenderia

uma língua estrangeira, próxima de sua língua-mãe.

O problema está no enaltecimento das variantes cultas pela

escola, atribuindo-lhes uma natureza que não possuem:

comunicar melhor do que as variantes não padrão; possuir

valores estéticos, identitários e patrióticos, etc. superiores –

como se a troca do [lh] de "filho" por um [i] diminuísse a

brasilidade do locutor.

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O consenso em relação à necessidade para a escola de eleger

como língua de ensino apenas a variedade lingüística praticada

sobretudo pelas camadas econômica, política e culturalmente

dominantes, é também alimentado por julgamentos

preconceituosos e depreciativos emitidos por indivíduos que

gozam de prestígio social, muitas vezes desprovidos de más

intenções.

O papel da escola

Ao estigmatizar variantes lingüísticas não prejudiciais à

comunicação, valorizadas e utilizadas majoritariamente por

comunidades populares, a escola enseja dificuldades de

aprendizagem e contribui para a perda da auto-estima e a

insegurança lingüística dos alunos.

A repressão lingüística é igualmente caminho para a repressão

social e cidadã. Ela contribui para a reprodução das

desigualdades sociais. Um locutor que é levado a desprezar o

falar seu e de sua comunidade, tende a desprezar-se e a sua

comunidade.

A essência da linguagem verbal não está nos elementos fônicos e

mórficos, mas na possibilidade de construção do sentido,

realizada sobretudo através da palavra, do enunciado, do texto, do

discurso, elementos também embutidos das concepções de

mundo dos locutores.

Ao defender a legitimidade e superioridade da variedade

lingüística padrão e rejeitar a prática de um "multilingüismo

nacional", muitos professores, em geral desconhecedores das

conseqüências de suas práticas, contribuem para o

estabelecimento da hegemonia das visões de mundo das elites,

participando aos processos de unificação e uniformização

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ideológica, política e cultural da sociedade.

A prática do xibolete

Não se trata de deixar simplesmente os alunos das classes

populares utilizarem suas variedades lingüísticas, sem introduzi-

los ao uso da chamada norma culta. A função da escola é

sobretudo ajudar a criança a compreender a realidade material,

social e espiritual, com suas contradições e sua variedade, para

que possa atingir sua emancipação individual e coletiva.

Com sua diversidade e suas potencialidades, a língua faz parte da

realidade social, construída pelos seres humanos para os seres

humanos. O ensino da língua materna deve sobretudo ensejar que

as crianças compreendam a estrutura, o funcionamento, as

funções da língua – instrumento de comunicação –, com todas as

suas variedades, sociais, regionais e situacionais.

A escola deve ser espaço emancipatório. Portanto, não pode

utilizar-se de práticas de dominação. Para não fortalecer

interpretações apologéticas sobre a língua e perpetuar a

discriminação social, deve mostrar que todo preconceito

lingüístico apoia-se num preconceito social.

No Antigo Testamento, o livro dos Juízes relata um episódio da

história de duas tribos de Israel, os guileaditas e os efraditas, que

praticavam línguas muito próximas. Em ocasião de uma guerra,

para impedir que seus então inimigos, os efraditas, atravessassem

o rio Jordão, os guileaditas os obrigavam a pronunciarem a

palavra "Xibolet" ('espiga').

Incapazes de expressar-se com perfeição no padrão superior da

língua de Guilead, os efraditas diziam 'Sibolet', pois tinham uma

fricativa sibilante [s] no lugar da fricativa chiada [ch]. Devido a

essa variante fonética, "morreram quarenta e dois mil dos de

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Efraim" [Bíblia sagrada. Lisboa: Sociedade Bíblica de Portugal,

2001: p. 262]. No Brasil de hoje, simples variantes fonéticas

servem também para justificar a discriminação social, e portanto,

a dominação política e econômica, pelas elites, da imensa maioria

das classes trabalhadoras.

Por FLORENCE CARBONI

Ítalo-belga, é doutora em Liguística pela Université Catholique de Louvain,

Bélgica, e professora do Curso de Letras da UPF, RS, Brasil.

PARA REFLETIR

Você concorda com o ponto de vista defendido no texto ―Fale que te direi

quem és‖? Por quê?

O que você entende por prática do xibolete?

Qual a sua avaliação sobre os escorregões que o Presidente Lula apresentou

em alguns discursos?

Você acha que o modo de falar do Presidente o envergonha, afeta sua

credibilidade ou lhe subtrai respeito?

Você ri quando uma pessoa usa uma variante linguística diferente da sua? Em

caso positivo, por que o faz? Considera isso preconceito?

Essas questões não esgotam as possibilidades de reflexão sobre o texto. Pense em

outras questões que poderiam ser exploradas e as apresente à turma para discussão.

Feita a leitura e discussão do texto ―Fale que te direi quem és‖? , passemos ao

vídeo sobre a diversidade linguística no Paraná. Depois da assistência, poste suas

impressões e opiniões no Fórum.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

TARALLO, Fernando. Tempos Lingüísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. 2

ed., São Paulo: Editora: Ática, 1994.

LABOV, William. On the use of the present to explain the pas. In: L. Heilmann (ed.).

Proceedings of the 11th

International Congress of Linguistic, Bologna: II Mulino, 1982.

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LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.

COMPLEMENTAR

AGUILERA, Vanderci. Atlas Lingüístico do Paraná. Universidade Federal do Paraná,

1994.

CAMARA JR., J. Matoso. Dicionário de Lingüística e Gramática: referente à língua

portuguesa. 13 ed., Petrópolis: Vozes, 1996.

HORA, Dermeval. (Org.) Diversidade Lingüística no Brasil. João Pessoa: Idéia, 1997.

p. 131-140.

RESUMINDO: nesta Atividade iniciamos o estudo da relação entre língua e

sociedade. Apresentamos um conjunto de materiais que focalizam a diversidade e a

diversidade linguística. Você aprendeu que as pessoas não falam de forma uniforme

e que as diferenças encontradas nos diferentes falares do Brasil estão diretamente

ligadas à relação que há entre língua e sociedade. Você aprendeu também que as

diferenças estão relacionadas à identidade e que a maneira como as pessoas falam

identificam-nas como pertencentes a determinados grupos. Isso revela também que a

diversidade linguística é uma forma de identificar não apenas o indivíduo que fala,

mas o grupo que esse indivíduo representa quando fala.

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ATIVIDADE 02

UM BREVE HISTÓRICO DO TRATAMENTO DADO À VARIAÇÃO E À MUDANÇA

LINGUÍSTICA

Objetivos:

Ao final desta atividade, você deverá:

compreender as diferentes abordagens dadas ao estudo da variação e da

mudança linguística;

apontar as diferenças entre as diferentes abordagens da variação e da

mudança linguísticas;

apontar pontos fortes e fracos das diferentes abordagens dadas à variação e à

mudança linguísticas;

Como dissemos, a mudança linguística não se constitui objeto recente de

investigação. Há muito, diversos estudiosos da língua se interessaram em estudar esse

fenômeno utilizando-se de olhares diferentes sobre a língua com o fim de saber o que

causava a mudança. Entretanto, a pergunta direta Por que mudam as línguas? – de

resposta fácil, poder-se-ia pensar – é, na verdade, uma pergunta que exige, como diz

Katz (1982), ao discutir o que é significado, não uma resposta direta, simples, mas uma

teoria a respeito da variação e da mudança linguística.

ANOTE: na Unidade II, estudaremos detalhadamente os pressupostos teóricos

metodológicos da Teoria da Variação.

Esse empreendimento teve como precursor, na década de 60, William

Labov (cf. CALVET, 2002). Entretanto, muitos outros autores que escreveram antes de

Labov (1966) levantaram questões pertinentes que ajudam a refletir sobre esse

fenômeno linguístico e a relação entre língua e sociedade. Antes, vamos ver como

outros abordaram o estudo da variação e da mudança linguística.

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Método Histórico-Comparativo

Conforme foi dito anteriormente, foram diversas as perspectivas adotadas

para o estudo da mudança linguística. Os primeiros investimentos no estudo da

mudança tinham como objetivo saber como uma dada língua se desdobrava em outras

línguas, os fenômenos comuns às línguas no sentido de se conhecer os motivos que

faziam com que as línguas variassem. Assim, a evolução e a mudança das línguas, nos

termos dos estudos históricos, foram durante muito tempo objeto de estudo dos

historiadores das línguas. Nesse período, priorizou-se o estudo diacrônico – ou a

descrição de uma língua ao longo de sua história, com as mudanças que sofreu – cujos

seguidores se voltavam sobre dados de línguas antigas. Esses historiadores comparavam

dados a fim de reconstruir a língua-mãe.

A posição Neogramática

No século XVIII, a teoria de Darwin veio trazer status científico ao estudo

da mudança linguística. Para os adeptos dessa perspectiva, ―as línguas não evoluíam

pela aplicação aleatória das regras; mudavam em virtude da ‗lei da selva‘; no final de

cada mudança triunfava a configuração linguística que fosse mais apta e natural”

(MARQUILHAS, 1996, p. 566). São as regularidades fonéticas. Assim, surgem, na

Alemanha, as leis fonéticas paralelas às ciências naturais. Os neogramáticos

acreditavam que essas leis não apresentavam exceção. Ora, não se podia admiti-las

sob pena de que a língua se constituísse um objeto que não poderia ser estudado

cientificamente.

Na perspectiva dos neogramáticos, as mudanças deveriam ser explicadas

levando-se em consideração o aspecto fisiológico e o psicológico. Para eles, a

mudança sonora era mecânica e não admitia exceções. Porém, a analogia poderia se

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constituir a causa da mudança; a tendência a associações realizadas pelas pessoas

seria responsável pelas exceções.

A analogia, grosso modo, seria um processo no qual as formas modificadas

ou criadas tinham como base padrões preexistentes no sistema. Assim, constituía-se

um processo gramatical, mas não fonológico, pois o princípio da regularidade

fonológica não admitia exceções. Por outro lado, a mudança poderia ser reflexo de

desvios constantes quando da articulação de um som. Muito timidamente, esses

estudiosos também lançaram mão do contato entre línguas para explicar algumas

exceções. Os neogramáticos levaram às últimas consequências a defesa à analogia,

utilizando-a abusivamente para explicar as exceções, o que lhes rendeu muitas

críticas.

Abordagem Estruturalista

Segundo os estruturalistas, a mudança é necessária. Para eles, a mudança na

matéria fônica não altera a oposição das unidades distintivas, o que não se constitui de

todo verdade, pois é sabido que algumas formas sofrem transformações e usos que

alteram, inclusive, seu significado. O desequilíbrio é visto como causa da mudança e

essa como busca do equilíbrio. Essa oscilação no sistema, por sua vez, não deveria ser

atribuída a condicionamentos de ordem social.

Estruturalistas como Bloomfield (1933), Hjelmeslev (1971) e Chomsky

(1965), por exemplo, diferenciavam-se em relação às descrições que propunham para a

estrutura linguística, mas eram unânimes no que se refere a conceber seu objeto de

estudo como uma estrutura abstrata. Para os estruturalistas, a interpretação linguística

tinha de se pautar sobre relações internas, fatores estruturais internos. Isso exclui o

estudo do comportamento social, em outras palavras, o estudo da fala.

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Hjelmeslev (1971, p. 30-31) assinalava que a preocupação da linguística

estrutural devia ser pautada nas relações internas da língua:

La linguistique structurale étudie le langage pour en dégager la partie

essentielle, qui est, selon l‘ hypothèse, une entité autonome de dependences

internes (...) La linguistique structurale n‘approche pas du langage du dehors,

mas du dedans. Elle y reste, tout en tenant compte de ses rapports extérieurs.

ANOTE : Isso não significa dizer que a linguística estrutural não teve seu lugar dentro

da linguística variacionista, pois Labov (1976) recorre à linguística estruturalista de

Praga e, posteriormente, à Gramática Gerativa, quando de suas descrições linguísticas.

Geografia Linguística e Difusão Lexical

A visão da Geografia Linguística opunha-se ao pressuposto neogramático de

que as leis fonéticas não apresentam exceções e ao seu caráter gradual. Enquanto os

neogramáticos defendiam o pressuposto de que a mudança fonológica era foneticamente

gradual e lexicalmente abrupta, os defensores da difusão lexical, baseados na ideia de

que cada palavra tinha sua história, acreditavam que a mudança era lexicalmente

gradual e foneticamente abrupta. Para eles, o fato de as palavras terem histórias

diferentes justificava as irregularidades. Assim, um caso de irregularidade poderia ser

explicado pela ocorrência de duas mudanças fonológicas regulares e não pela ação da

analogia.

Os estudos de Dialetologia oficialmente divulgados na França, a partir de

Julles Guilliéron (1918), tiveram por objetivo identificar as formas lexicais

sobreviventes em cada dialeto. Nessas formas encontraram-se motivos para se acreditar

que não só as regularidades fonéticas eram responsáveis pela coexistência de algumas

formas num mesmo dialeto, mas que essa coexistência poderia estar ligada a fatores de

ordem social.

Surge, anos depois, por volta da década de 60, a Sociolinguística, tendo

como um dos precursores William Labov, para quem a mudança num determinado

Page 20: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

20

sistema linguístico resulta sempre de um período de variação no qual coexistiam formas

que ―lutavam entre si‖.

Como vimos, as diferentes abordagens da variação e da mudança

linguísticas não admitiam a interferência de fatores externos, sociais sobre esses

fenômenos. Ou se admitiam, faziam-no muito timidamente. Não era considerada a

relação entre língua e sociedade. Entretanto, com o advento dos estudos variacionistas, a

abordagem do fenômeno mudou, inclusive a natureza dos dados sobre os quais se

pautava a análise, como veremos mais adiante.

Agora que estudamos as diferentes abordagens dadas ao estudo da variação

e das mudanças linguísticas, passemos ao estudo mais detalhado da abordagem que

considera, impreterivelmente, a relação entre o linguístico e o social. Iniciaremos,

focalizando a complexidade que envolve esse estudo.

Mudança linguística e sua complexidade

A mudança lingüística, diga-se, foi desde muito tempo concebida como uma

transgressão à forma considerada padrão. Marquilhas (1996) faz referência a um mito

brahmana no qual se dizia que o povo usura era privado de linguagem correta, pois

apresentava língua bárbara que não se devia imitar. Usavam as he lavo e he lavar,

variantes das formas sânscritas consideradas padrão he rayo, he rayah, respectivamente.

A mesma autora (op. cit.) atribui a Sócrates um enunciado em que a evolução dos sons é

considerada como afastamento condenável da língua padrão. Esse olhar estigmatizante

sobre a língua pode ser encontrado mesmo em um dos nossos grandes filólogos, a saber,

Melo (1981), que avalia a variação linguística como própria dos incultos que

descaracterizam a língua pura. Como se apenas esses fossem os responsáveis pela

variação e pela mudança na língua.

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21

ANOTE: estudos realizados no Brasil com falantes de língua culta revelam que esses

usuários apresentam em sua fala muitas variações linguísticas. Não há quem não cometa

variações na língua. Mesmo o falante mais conhecedor da norma culta, vai usar

variantes ditas não cultas em seu falar.

SAIBA MAIS: para mais detalhes a respeito de estudos sobre língua culta, consulte

Projeto NURC, http://www.fflch.usp.br/dlcv/nurc/index.html.

Muitos dos estudos realizados a partir das mudanças que ocorreram no latim

ajudam a compreender melhor as regularidades fonológicas. Entretanto, há que se fazer

referência a outros fatores que contribuem para que a mudança linguística aconteça,

pois mesmo as mudanças mais regulares deixam espaço para as exceções. Nem sempre

a configuração que parece mais simples e natural é adotada pelos falantes de uma

língua. De outra parte, parafraseando Labov (1976), não há nada que comprove que as

formas estigmatizadas, as quais se opõem ao padrão culto, sejam mais fáceis de ser

pronunciadas do que as formas consideradas de prestígio. Isso enfraquece a hipótese

segundo a qual a variação e a mudança linguísticas estariam diretamente relacionadas ao

menor esforço.

A constante oscilação nos sistemas linguísticos e a mudança que neles se

verifica levam a inferir que a língua não é homogênea. As mudanças fonológicas e

fonéticas não são de todo regulares, o que convoca a interferência de outros fatores que

justifiquem tais mudanças. Em alguns casos, há mudanças que se proliferam em uma

determinada forma lexical, podendo-se estender a outras formas muito frequentes e,

posteriormente, mesmo àquelas menos frequentes, afetando, depois de algum tempo,

praticamente todas as formas lexicais nas quais se encontre contexto. Esse princípio foi

formulado por Guilliéron (1918). Para ele, cada palavra tem uma história. Tudo isso

aponta para a complexidade da mudança linguística.

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22

Sociolinguística Variacionista

Segundo Labov (1976), as irregularidades linguísticas devem ser estudadas

levando-se em conta as oscilações da estrutura social, dada a relação direta que há entre

língua e sociedade. Esse tipo de procedimento já pode ser encontrado no trabalho desse

autor, publicado em 1966. Trata-se de um estudo em que utilizou os dados de fala de

lojas de departamento nova-iorquinas para descrever a estratificação social do (r),

mostrando, por meio de dados retirados de situações concretas, a relação entre a

estrutura linguística e a estrutura social. Outro estudo que teve grande significado para o

fortalecimento da Sociolinguística foi Sociolinguistics Patterns, cuja primeira

publicação aconteceu em 1972. A partir daí, foram inúmeros os trabalhos que levavam

em consideração a estrutura interna e a externa no estudo da língua.

Um dos pressupostos básicos da Sociolingüística é que toda variação e

mudança linguísticas são motivadas por fatores de natureza linguística e social. Não se

pode, assim, atribuir uma dada variação só à parte interna ou externa dos dados da

língua.

DICA: há alguns fenômenos cuja variação, inicialmente, parece estar diretamente ligada

à estrutura interna, fato que suscita o entendimento de que essa estrutura seria suficiente

para explicar a variação. Mas, como se verá adiante, há uma correlação de forças

internas e externas que motivam e estruturam os diferentes processos de variação.

Segundo Labov (1972), as forças internas e externas alternam sua pressão sobre os

diferentes fenômenos de variação e de mudança linguísticas.

Para Labov (1976), é apenas aparente a desorganização que resulta da

variação linguística, pois as variações e mudanças na língua são sistemáticas,

previsíveis e regulares. Para o autor (op. cit.), o tipo de convivência entre as diferentes

variantes pode indicar em que sentido caminha a mudança, a partir da avaliação da

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probabilidade correspondente a diferentes grupos sociais. A renda financeira, o gênero,

a idade são alguns dos indicadores da direção da mudança linguística, do seu caráter

estável ou de progressão. Labov (1976) apresenta duas possibilidades por meio das

quais se pode medir o estágio de uma mudança. O autor propõe o estudo em tempo

aparente e em tempo real.

A Sociolinguística guarda, sem dúvida, relação com a Gramática Histórica e

com a Dialetologia, pois está interessada na mudança lingüística. Cabe, entretanto,

ressaltar que, como diz Wetzels (2002), ela não se interessa pelo produto da mudança,

mas pelo próprio processo de variação, que pode resultar em mudança linguística. É

possível, a partir dessa perspectiva, apontar as tendências, ou seja, a direção que segue a

mudança linguística.

Essa problemática amplamente discutida pelos sociolinguistas pode ser,

ainda que timidamente, encontrada no trabalho de Sapir (1921). Esse autor explica que a

mudança linguística pode caminhar em diferentes direções, mas obedece a uma deriva

linguística, ou seja, a variação e a mudança em uma determinada língua não se dão

aleatoriamente, mas seguem determinadas tendências. Essas, do ponto de vista

sociolinguístico, são motivadas linguística e socialmente.

Sapir (1921) não chega a tratar diretamente de fatores de ordem social, mas

tangencia outro ponto importante que é a diversidade motivada pelo espaço geográfico.

Não se pode esquecer que o espaço é também um fator de ordem social, sendo, por sua

vez, um indicador social. A unidade e diversidade dentro de um determinado espaço

geográfico estão ligadas a relações sociais.

Outro autor merece ser citado quando se trata de considerar a língua como

fato social: Meillet (1921). Nas palavras de Calvet (2002), diferentemente de Sausssure

(1921), que também afirmava ser a língua um fato social, Meillet (op. cit.) considerava

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que se devia levar em consideração, quando do estudo linguístico, a parte externa dos

fatos da língua. Entretanto, sua argumentação, ao defender esse ponto de vista em

termos práticos, não foi muito convincente. Apesar de reconhecer que o estudo da

linguagem deveria levar em consideração o contexto social, ateve seus estudos

principalmente à investigação de línguas mortas para fins de comparação. Isso o fez

distanciar do pressuposto sociolinguístico que prevê o estudo da língua a partir de dados

colhidos de situações concretas. Porém, sua discussão a respeito de se considerar o

contexto social na abordagem linguística foi de suma importância para discussões

posteriores da Sociolinguística.

Vamos parar por aqui, pois o detalhamento sobre a Teoria da Variação e

sobre a Sociolinguística será realizado na Unidade II. Antes, porém, precisamos

entender o que é uma teoria. É por esse tema que iniciaremos a Atividade 03.

BIBLIOGRAFIA

BÁSICA

TARALLO, Fernando. Tempos Lingüísticos: Itinerário histórico da língua portuguesa. 2

ed., São Paulo: Editora: Ática, 1994.

LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.

MARQUILHAS, Rita. Mudança Lingüística. In: Introdução à Lingüística Geral e

Portuguesa. FARIAS, Isabel Hub et al. (Org.). Lisboa: Editora Caminho, 1996, p. 563-

588. Série Lingüística.

COMPLEMENTAR

ARAGÃO, Maria do Socorro & MENEZES, Cleusa P. Bezerra. Atlas Lingüístico da

Paraíba: cartas léxicas e fonéticas. Brasília: UFPB/CNPq- Coordenação Editorial,

1985.

LABOV, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers,

1994.

LABOV, William. The social stratification of English in New York city. Washington:

Center of Applied Linguistics, 1966.

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25

RESUMINDO: nesta Atividade, apresentamos um breve histórico do tratamento dado à

variação e à mudança linguística. Estudamos a abordagem dada aos fenômenos pelo

Método Histórico-Comparativo, pelos Neogramáticos, pelo Estruturalismo, pela

Geografia Linguística e Difusão Lexical, e pela Sociolinguística Variacionista.

Estudamos também a mudança linguística e sua complexidade, mostrando que o estudo

desse fenômeno não é recente, mas antigo e muito complexo. Você também deve ter

aprendido que a variação e a mudança não são concebidas de maneira uniforme. A

depender da abordagem, elas são entendidas de forma diferente. No entanto, há de

comum entre as diferentes abordagens apresentadas o fato de que o objeto da

linguística sempre foi a estrutura interna da língua, excetuando a Sociolinguística,

abordagem que discutiremos mais demoradamente nessa disciplina.

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UNIDADE II: TEORIA DA VARIAÇÃO

Atividade 03

Teoria e variação: definindo termos

Objetivos:

Ao final desta unidade, você deverá:

entender o conceito de teoria e de teoria linguística;

compreender o conceito de variação em geral e de variação na/da língua;

identificar os mecanismos que regem a variação linguística;

compreender os métodos científicos de uma descrição sociolinguística;

compreender como a Teoria da Variação reavaliou alguns princípios da teoria

estruturalista e gerativista.

1 Teoria e variação : generalidades

Antes de abordarmos a questão da teoria da variação, temos que estudar

esses dois termos: ―teoria‖ e ―variação‖.

1.1 O que é teoria

A palavra "teoria" significa um número de coisas diferentes, dependendo

do contexto. Em matemática e ciências, por exemplo, uma teoria é um conceito

testado e analisável que é usado para explicar um fato. Para estudantes das artes, "a

teoria" refere-se ao aspecto não-prático do seu trabalho, enquanto os leigos a tratam

como ideias não comprovadas, frutos de especulação.

As diferentes interpretações desta palavra podem levar a conflitos, mas o

seu objetivo é geralmente claro dentro de seu contexto.

Em Inglês, a palavra ―teoria‖ data de 1592, quando foi usada para

significar um conceito ou esquema. Na década de 1630, os cientistas usaram a

palavra para descrever uma explicação ou um pensamento baseados em observação

e prova. O termo ―teorizar‖ também emergiu nessa época.

Nas artes, muitos se referem ao trabalho não-prático como teórico. Por

exemplo, um músico que toca a tuba (instrumento musical) consideraria o estudo da

história da música, a matemática da música, e outros, como teoria. A crítica da arte é

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27

também um campo da teoria pelo fato de os críticos discutirem a obra de arte, em vez

de produzi-la ativamente. Em decorrência das discussões na crítica da arte, compõe-

se a teoria da arte.

Para leigos, uma teoria é simplesmente uma ideia. Algumas pessoas

usam "teoria" no sentido de "hipótese", ou seja, uma ideia a ser testada. Em outros

momentos, uma ideia pode ser descartada por constituir ―somente uma teoria‖,

tomando-se ―teoria‖ como algo que não pode ser comprovado, como uma ―ideia

vaga‖, não um fato firme ou uma opinião.

SAIBA MAIS: para mais detalhes sobre essa discussão, consulte

http://www.wisegeek.com/topics/theory.htm

ANOTE: Num sentido geral, então, teoria é uma explicação bem substanciada de

algum aspecto do mundo natural; um sistema organizado do conhecimento que se

aplica em várias circunstâncias para explicar fenômenos específicos. É importante

destacar que toda teoria pode incorporar fatos, leis e hipóteses testadas.

1.2. Princípios, axiomas e leis

O desenvolvimento de uma teoria em geral baseia-se em proposições ou

princípios. Existem dois tipos de princípios aqui: princípios teóricos, necessários ao

desenvolvimento de um raciocínio dedutivo, e princípios de ação, essenciais à

implementação de uma prática. Um princípio é uma primeira proposição sobre o que

é ou o que fazer; ele é a regra inicial para uma descrição, uma explicação de uma lei

ou norma.

Se, por exemplo, tomarmos como base a linguística, podemos dizer que

um dos seus princípios fundamentais pode ser: toda língua humana tem uma

gramática (fonética, sintaxe e semântica), única, diferente de qualquer outra. Ou o

contrário: todas as línguas humanas são regidas pelas mesmas regras básicas. Ao

considerar o primeiro desses princípios, o linguista começa a descrever, analisar as

particularidades de uma língua ou línguas, estabelecendo, quando possível,

comparações. Foi assim na linguística histórica ou a linguística puramente

descritiva. Adotando o segundo princípio, o linguista vai tentar descobrir operações

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universais em cada língua para mostrar como elas se manifestam. Nesse caso,

estaríamos diante de uma linguística explicativa.

O princípio não deixa de ser um tipo de hipótese a ser validada. Em

algumas áreas, como a matemática, prefere-se o termo axioma (veremos adiante

alguns axiomas da sociolinguística).

SAIBA MAIS: para méis detalhes sobre o tema, consulte

http://www.biblioconcept.com/textes/principe.htm.

1.3 Variação

Antes de falarmos da Teoria da Variação em linguística ou variação

linguística, precisamos entender o conceito de variação e, em particular, as causas

comuns e especiais da variação.

A variação tem sua origem em causas comuns e especiais. Imagine

quanto tempo você leva para chegar ao trabalho pela manhã, de carro. Digamos que

você leva 30 minutos em média. Às vezes, esse tempo pode ser mais longo ou mais

curto. Mas enquanto você está dentro de certa variabilidade desse tempo, você não

fica preocupado, pois ela está praticamente dentro do que é possível esperar. Por

exemplo, esse tempo pode variar entre 25 e 35 minutos para mais ou para menos.

Essa variação representa a variação de causa comum. É a variação que está sempre

presente no processo. Esse tipo da variação é consistente e previsível. Você não sabe

quanto tempo leva até o trabalho, mas você sabe que estará entre 25 e 35 minutos

enquanto o processo permanece o mesmo.

Agora, suponha que o pneu do seu carro furasse no caminho, quanto

tempo levaria até seu trabalho? Definitivamente, mais do que os 25 ou 35 minutos

usados na sua variação "normal". Poderia gastar, talvez, uma hora a mais. Isso é uma

causa especial da variação. Algo aconteceu; não era previsto; não fazia parte do

processo normal. As causas especiais não são previsíveis e são esporádicas na

natureza.

Mas você pode estar se perguntando: por que é importante saber o tipo de

variação presente no processo? Pelo simples fato de que a ação que você toma para

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melhorar o processo depende do tipo de variação que você tem1. Essa discussão vai

nos ser útil, mais a diante, quando nos reportarmos aos fatos da língua, tipos de

variações linguísticas que foram descritas e analisadas e as usarmos para fins

educacionais.

Ora, melhores seriam as tomadas de posições políticas para a

qualificação do ensino da língua, por exemplo, ou para a resolução de problemas

ligados a políticas linguísticas, se fossem levados em conta esses estudos como

veremos adiante. Mas, antes, vamos nos debruçar sobre a questão da variação e sua

relação com a língua e a sociedade. A investigação dessa relação resultou numa

disciplina chamada Socioliguística (termo que apareceu primeiro em 1939, no

trabalho de Thomas Callan Hodson2), que retomou os princípios subjacentes à teoria

linguística e desenvolveu uma teoria da variação – ou teoria da mudança –

linguística.

EXERCITANDO...

Em dupla ou individualmente, responda as seguintes questões, tomando por base as

disciplinas que já cursou ou pesquisa bibliográfica:

1. Quais são as teorias linguísticas que você conhece?

2. Faça uma pesquisa rápida na internet ou na sua biblioteca e cite alguns exemplos

de teorias linguísticas.

3. Quais critérios conferem o título de teoria à linguística?

4. É possível teorizar sobre algo que varia? Por quê?

1 http://www.spcforexcel.com/variation

2 T. C. Hodson and the Origins of British Socio-linguistics by John E. Joseph Sociolinguistics

Symposium 15, Newcastle-upon-Tyne, April 2004

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Variação na língua: a relação entre língua e sociedade

Nessa secção, abordaremos a questão da diversidade ao redor da língua.

Veremos que para uma teoria da língua obter tal título, precisa levar em consideração

a estrutura externa complexa do falante (fatores sociais, por exemplo) e a estrutura

complexa do produto verbal e não verbal desse falante. Sendo assim, se queremos ter

uma teoria da variação é preciso, antes de tudo, situar o falante nos seus vários

ambientes de interação; acompanhá-lo por meio de vários mecanismos de observação

(técnicas de observação, de pesquisa de campo etc.); situá-lo em relação ao espaço

geográfico, sociológico, psicológico, político etc.; analisar seu produto linguístico

nesse contínuo externo para poder descrever cientificamente a sua fala, a fala do seu

grupo e/ou grupos (comunidade/s) dentro de um formato em que o conceito de

variação é visto como uma riqueza que ultrapassa os conceitos de norma para atingir

o conceito de variabilidade.

Vamos acompanhar esse percurso para alcançarmos o conceito da

variação linguística?

A variação na língua que só foi estudada cientificamente no final do

século 19 e mais intensamente nos meados do século 20, já era objeto de estudo da

biologia (natureza dos seres vivos), da antropologia (cultura do homem e suas

variações). Os biólogos, por exemplo, já estudaram e estudam na natureza as

variações dos insetos, dos animais, das plantas etc. Também estudaram a variação do

homem (homem mulher, jovem/adulto etc.). Os sociolinguistas estendem essa

preocupaçao para a diversidade na fala do homem e seus e seus efeitos sobre os

processo de comunicação. Os antropólogos, além de estudar a variação na cultura

do homem, estudaram as variações em relação às diferentes maneiras de se vestir, de

andar, de cantar, de falar, de se relacionar com o tempo e o espaço.

Os sociolinguistas e os filósofos da língua especializaram-se no estudo da

variação linguística. Veja por exemplo, a afirmação do filosofo Donald Davidson no

seu artigo ―a Segunda Pessoa‖ (1992):

... Todos falamos tão livremente de língua, ou línguas que tendemos a

esquecer que essas coisas não existem no mundo real; o que existe são apenas

pessoas e seus diversos produtos acústicos e escritos e escritos. Esse ponto,

obvio em si mesmo, é, no entanto, fácil de esquecer.

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Essa citação já nos alerta para o conceito de termos como língua, que

consideramos tão óbvio, mas que é muito complexo, pois só pode ser estudado em

contexto e atrelado a fatores como o espaço temporal, espacial, social, geográfico,

psicológico, econômico e político.

PARA REFLETIR: Outro termo bastante discutido na literatura que tem como tema

o estudo da língua é o termo língua materna, já que é difícil definir o grau de

natividade numa criança que fala duas línguas ao mesmo tempo.

Por que esses e outros conceitos foram questionados no início e,

sobretudo, nos meados do século 20?

Antes tínhamos uma visão unilateral do mundo (totalitária, prescritiva).

Ela foi seguida por uma visão binária (preto VS branco, padrão VS não padrão,

direita VS esquerda) que, posteriormente, foi questionada por uma visão em

construção que é multidimensional (global, contínuo, cidadão do mundo, variação e

diversidade).

Destacam-se entre os resultados dessa última visão, a multidimensional, o

conceito de desenvolvimento sustentável e biodiversidade, ecologia linguística,

direitos linguísticos etc., que são hoje objetos de estudo da Sociolinguística.

Atualmente, na Sociolinguística, podemos falar, por exemplo, de ecologia da língua

que vai além do conceito da variação linguística.

Variação e mudança nas línguas

Não há consenso entre os especialistas sobre o número de línguas

faladas no mundo. Esse número oscila entre 4.000 a 7.000 línguas. Mas você pode se

perguntar: por que não há o consenso?

Voltemos, de novo, à definição de língua que, como dissemos, não é um

construto bem claro e que, fundamentalmente, baseia-se sobre critérios externos ao

sistema linguístico. O fato é que qualquer comunidade pode decidir sobre sua língua

e denominá-la. Assim, os linguistas, apesar de tentarem aplicar critérios de

comparação entre os sistemas que compõem essas línguas, não conseguem impor

suas análises sobre os falantes dessas línguas. Isso revela que fatores sociais,

políticos e econômicos tem mais importância sobre essas decisões do que fatores

meramente mecânicos de descrição pura dos sistemas dessas línguas. Assim,

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podemos ver que a variação está por toda parte ao redor de uma língua ou grupos de

línguas.

ANOTE: é comum, por exemplo, algum linguista instituir dialetos falados por várias

comunidades linguísticas como integrantes de uma mesma língua, mas essas

comunidades não aceitarem que dividem a mesma língua, afirmando ser seu dialeto

uma língua, o que altera a contabilidade do número de línguas, dentre outros. Há um

caso desses aqui mesmo no Pará, próximo a Marabá.

Comunidade linguística: a definição de comunidade linguística não depende

estritamente do grau de entendimento entre os membros da comunidade, mas as

atitudes dos seus membros para o uso e funções. Uma comunidade linguística é vista

não como um conjunto de indivíduos que falam uma mesma linguagem, que usam as

mesmas formas, mas sim como um grupo de indivíduos que compartilham um

conjunto de atitudes sociais em relação a linguagem.

Hoje, estima-se que as línguas mais faladas do mundo não ultrapassam o

número de 20. Dentre essas línguas estão, por exemplo, o inglês, o chinês, o árabe, o

francês, o português etc. Elas só conseguem impor-se por motivos aquém do sistema,

(a pronúncia, a gramática ou o léxico), mas por motivos, principalmente, políticos,

econômicos, sociais (por exemplo, o desenvolvimento científico e econômico, o

número de faltantes nativos, o grau de presença na imprensa etc.)

Variação nas famílias de línguas

Vimos que existe uma variação no número de línguas faladas no mundo e

o peso de algumas delas no cenário internacional. Podemos também falar de variação

que existe dentro do que passou a ser chamado na literatura linguística de famílias de

línguas.

Podemos, ao consultar livros sobre a história das línguas, ver o quanto o

latim ainda é presente em todas as línguas ditas românicas e como ele é presente em

línguas germânicas também (inglês, alemão etc.). Existe uma variação entre as

línguas latinas como o português, o francês, o italiano, o espanhol etc. Essa variação

diz respeito, primeiro, ao léxico, organização gramatical e fonologia. Podemos

observar essa variação também nas famílias de línguas germânicas (alemão,

inglês...), ou nas famílias de língua semíticas (árabe, hebraico).

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Variação dentro de uma língua

Na própria evolução de uma língua podemos ter variação:

o inglês de Shakespeare em relação ao Inglês moderno;

o árabe clássico em relação ao árabe moderno;

o inglês britânico, australiano, nigeriano, sul-africano;

o inglês como língua estrangeira (o inglês falado por um francês, brasileiro,

japonês...);

o português do século 16 e o português moderno;

o português do Portugal, Cabo verde, São Tome e Príncipe, Angola.

Variação dentro de um território nacional

Canadá: duas línguas (inglês e francês) co-existem oficialmente gerando

variações dentro de cada uma dessas línguas e nos falantes dessas línguas;

Suécia: 3 línguas oficiais (italiano, o alemão e o francês);

Bélgica: 3 línguas oficiais (o neerlandês, o francês e o alemão);

Espanha: O castelhano, o catalã e o galego, o basco.

Esses e outros exemplos não mencionados aqui demonstram o quanto é

variável a situação das línguas dentro do mesmo território político. Quais são as

conseqüências de contato entre essas línguas do ponto de vista de uso de uma mais

de uma língua por mais de um falante, as influências mútuas dentro do sistema

linguístico de cada uma, a influência política que uma delas possam exercer uma

sobre as outras por razões econômicas, políticas e/ou sociais? Essas e outras

perguntas estão dentro de uma chamada variação macro-sociolinguística que remete

a um termo já utilizado na literatura: a sociologia da língua que compartilha com a

Sociolinguística semelhantes objetivos quando se trata de estudar a variação

linguística e as variações sociais e suas conseqüências sobre a língua e a sociedade.

Variável: o conjunto de fatores linguísticos e não linguísticos.

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Variação no Brasil

No Brasil existe o português brasileiro ou o brasileiro que convive com

outras línguas que fazem parte da paisagem linguística do Brasil (Línguas indígenas

e línguas de imigrantes e sua diversidade). Estima-se que no Brasil existem 180

línguas além do português e das línguas de outros países (verifiquem, por exemplo,

na internet quais são as populações que compõe o Brasil e quais são as línguas que

eles falam). Os linguísticas no Brasil estão mapeando a diversidade linguística do

país e mostrando o quanto o território brasileiro é rico em sonoridades de famílias de

línguas próximas ou distantes. Os especialistas da variação linguística vem

demonstrando essa diversidade e suas possíveis repercussões sobre o sistema de

ensino e língua materna e de língua estrangeira. Se considerarmos o português falado

no Brasil, podemos rapidamente distinguir os chamados dialetos regionais

(nordestino, mineiro, baiano, sulista etc.) que compõem o mosaico dos falares

brasileiros.

O estudo do português brasileiro tem sido um campo fértil de

investigação sobre a variação linguística no Brasil. Foram primeiramente os

dialetólogos (especialistas em estudar os dialetos e suas ramificações geográficas e

sociais) e, depois, os socioliguistas que trouxeram a maior parte da contribuição

sobre a diversidade do português falado no Brasil.

SAIBA MAIS: consultar na página do Atlas Linguístico do Brasil (ALiB) quantos

atlas linguísticos já foram publicados no Brasil e quantos livros sobre o assunto há

atualmente, acessando http://twiki.ufba.br/twiki/bin/view/Alib/WebHome

EXERCITANDO...

1- Qual é a atual situação das línguas indígenas faladas no Brasil?

2- Você saberia apontar as variações fonéticas que caracterizam áreas brasileiras?

Cite exemplos.

3- Quais são as famílias de línguas indígenas faladas no Brasil (ver o site da

Socioambiental).

4- Cita alguns exemplos do léxico que caracterizam algumas cidades brasileiras.

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Variedade e variação

Utilizamos o termo língua e dialeto tão naturalmente no nosso quotidiano

que achamos que esses conceitos são bem delimitados. De fato, não temos mecanismos

científicos para definir o que é uma língua e o que é um dialeto porque esses conceitos

não estão dentro do sistema linguístico, mas fora dele. Eles só podem ser abordados do

ponto de vista de fatores políticos, sociais e geográficos. Por exemplo, uma das grandes

sociolinguistas da atualidade, Weinreich, popularizou o seguinte aforismo ―a Língua é

um dialeto como o exército é a marinha‖, que ela ouviu de um membro de audiência

numa palestra que ministrava. Isso ilustra muito bem a problemática da definiçao de

Língua e dialeto. Uma língua adquire o status de língua apenas se ela tem uma política

que a sustenta e a defende, senão ela perde esse status, sobretudo, num território onde

duas variedades próximas coexistem e onde apenas uma deve permanecer para o

controle de todas as instituições e os sistemas desse território. Por essa razão, quando

falamos de variação no sentido da presença de mais de um falar num dado território

geográfico, utilizamos o termo variedade. Assim, podemos falar de:

Variedade de origem individual (ideoleto: caraterísticas individuais na fala das

pessoas);

Variedade de origem social (socioleto: o falar dos jovens, de uma categoria

social);

Variedade de origem geográfica (dialeto: o falar de determinada região dentro

um mesmo território nacional; ex.: O dialeto baino, mineiro etc.);

Variedade de origem religiosa/étnica (etnoleto: o falar de um dado grupo

religioso ou étnico);

Variedade ―Padrão‖ que possui uma dimensão simbólica, intelectual, oficial e

que é politicamente chamada de ―língua‖.

Percebemos, então, que dentro de cada variedade existe variação. A

variação está presente em função do tempo (na história da língua), espaço fisico

(geografia), espaço social (classe social etc.) espaço psicológico (as atitudes sobre as

variedades), espaço político (decisões políticas sobre uma dada variedade)

Depois de tudo Isso, você pode ainda se perguntar: porque existe

variação? Ora, diferentemente do que alguns pensam, a língua não é lógica, ela é

Page 36: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

36

apenas regular. Se fosse lógica, ela seria artificial (linguagem do computador, por

exemplo). Se fosse lógica não inventaríamos as línguas lógicas.

Porque a língua varia? Ela é viva (mas não é um organismo vivo, ela é

produto dos falantes). Por ser viva precisa crescer, entrar em conflito, vencer e ser

vencida. Pode morrer e, às vezes, depois de morta, ressuscitar, a exemplo do

hebraico moderno.

Outros questionamentos podem surgir em meio a toda essa discussão:

quem é responsável pela mudança? A comunidade, no tempo e no espaço físico e

social.

Dito isso, passemos ao estudo da tipologia da variação.

a) Variação extralinguística

variação histórica (diacrônica, há evolução do português até hoje, por

exemplo);

variação geográfica (diatópica – regional, o português mineiro e baiano);

variação sociocultural (diastrática, variação de acordo com a classe social);

variação de idade (diageracional, variação dos jovem e adultos);

variação de sexo (diagenérica, diferenças entre homens e mulheres);

variação de situação (variação de uso, ligada ao fato de se estar numa sala

de aula ou num mercado popular);

variação de estilo (diafásica: variação relacionada ao uso formal e informal,

por exemplo, ex. o oral e o escrito);

variação de indivíduo (ou grupo) (variação de indivíduo para indivíduo);

variação de escolarização (escolarizados, não escolarizados ou pouco

escolarizados);

variação de profissão ou jargão (jargão do médico, do advogado etc.);

variação de bairro residencial (bairro nobre e bairro de periferia, ou entre

um bairro de periferia e um outro bairro de periferia).

Alguns agrupamentos, no entanto, são possíveis aqui. Por exemplo, a

variação de situação inclui a variação de profissão.

b) Variação intralinguística

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Variação fonética: a diferença na pronúncia de ditongos (caixa, caxa) no

português brasileiro;

Variação morfossintática: a presença ou ausência da marca do plural (duas

caixa, duas caixas),

Variação lexical (aipim, macaxeira);

EXERCITANDO

1- A variação de idade é importante para o futuro professor de língua. Observe, em

grupo, o léxico dos jovens do seu bairro ou de sua escola e faça uma lista do

vocabulário que mais caracteriza esse grupo.

2- Entreviste um professor ou uma professora sobre o tipo de variação que ela

observa na sua sala de aula e verifique até que ponto o professor tem consciência

da diversidade que caracteriza seu ambiente de trabalho. Socialize seus

resultados no encontro presencial com o tutor e os colegas.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos

Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.

LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.

LABOV, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers,

1994.

COMPLEMENTAR

LABOV, William. The social stratification of English in New York city. Washington:

Center of Applied Linguistics, 1966.

BOURDIEUX, P. Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1975.

HEYE, Jürgen. Sociolingüística. In: Manual de Lingüística. São Paulo: Editora global,

1986, pp.203-238.

Page 38: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

38

RESUMINDO: nesta Atividade, apresentamos primeiramente o conceito de teoria e

definimos alguns termos atrelados à teoria e à variação. Você aprendeu sobre alguns

princípios e leis necessários à existência de uma teoria. Estudou a relação entre língua

e sociedade e os diferentes tipos de variação que podemos encontrar nas línguas. Você

aprendeu que pode haver variação e mudança nas línguas e que essa variação pode se

dar entre famílias de línguas, como aconteceu no latim. Também aprendeu que pode

ocorrer variação dentro de uma determinada língua e que pode haver, ainda, variação

dentro de um dado território nacional quando há coexistência de várias línguas num

mesmo território. Por fim, abordamos a variação que ocorre no Brasil, focalizando a

diferença entre variação, diversidade e a variação extralingüística.

Page 39: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

39

Atividade 04

Aspectos teórico-metodológicos da teoria da Variação

Objetivos

Ao final dessa unidade, você deverá:

estabelecer diferença entre a abordagem dos diferentes teorias sobre o objeto da

linguística;

compreender a diferença entre variação e mudança;

apontar a diferença entre variável e variantes (linguísticas e sociais);

compreender como a teoria da variação reavaliou alguns princípios da teoria

estruturalista e gerativista;

entender os procedimentos práticos de um trabalho de campo;

distinguir estudo em tempo real de estudo em tempo aparente;

O estudo da variação possibilita a investigação da estrutura e da mudança

linguística e permite fazer uma ponte entre as duas. A Sociolinguística Variacionista

demonstrou que existe uma correlação entre a estrutura da língua e a estrutura social.

A Sociolinguística busca o que não varia dentro da variação, o invariante dentro da

variação. Ela estuda:

o uso quotidiano da língua nas comunidades urbanas;

os pidgins e os crioulos;

a geografia dialetal (estudo dos dialetos urbanos ou geograficamente

distribuídos);

as comunidades minoritárias (línguas indígenas, línguas em perigo),

a política linguística;

as situações de contato de línguas;

a variação linguística, a mudança social e políticas de ensino.

ANOTE: língua de contacto é o nome dado a qualquer língua que é criada, normalmente

de forma espontânea, de uma mistura de outras línguas, e serve de meio de comunicação

entre os falantes de idiomas diferentes. Os pidgins tem normalmente gramáticas

rudimentares e um vocabulário restrito, servindo como línguas de contacto auxiliares. São

improvisadas e não são aprendidas de forma nativa. O crioulo é uma designação comum a

várias línguas mistas surgidas a partir do contato entre língua européias e línguas nativas da

África, Ásia ou Américas.(fonte: Wikipedia).

Page 40: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

40

Mudança: de acordo com a teoria da variação, toda mudança é acompanhada

necessariamente de variação: a mudança implica a variação. Há mudança quando

uma dada variante vence a batalha entre variantes, assumindo o lugar de outra

variante.

Modelos de descrição da Teoria da Variação

A sociolinguística, como toda ciência, procura validar seu campo de

investigação por meio de modelos de descrição científicos, como apresentamos a

seguir.

4.1.1 Descrições indutivas

A Sociolinguistica integrou a abordagem indutiva (estruturalista) e

dedutiva (gerativista). A Sociolinguística, quando de sua investigação indutiva sobre

a heterogeneidade na língua ou nas línguas, segue essas etapas:

a) Observação: observação objetiva da fala cotidiana, coleta de dados (corpus), e

realização de classificação para identificar os princípios gerais que regem a

relação dentro da língua e fora dela.

b) Hipóteses: elaboração de hipóteses a serem testadas a partir dos dados

coletados.

c) Experimentação: condução de experimentos ou exercícios que permitam testar

as hipóteses levantadas.

d) Formulação de regras: uma vez que o resultado do experimento é consistente

com as hipóteses, o sociolinguista formula regras ou leis; essas regras são

chamadas de regras variáveis, pois tratam de dar conta de uma realidade que não

pode ser vista em termos do errado/certo, mas em termos do que é aceitável pela

comunidade e o contexto de comunicação.

Nessa abordagem indutiva, o sociolinguista vai do específico para o geral

(em linguística geral, partia-se do componente fonético para o sintático, passando-se

pelo fonológico e morfológico).

Page 41: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

41

4.1.2 Descrições dedutivas

A descrição dedutiva é uma descrição oposta à indutiva. Parte do geral

para o especifico (gerativistas como Chomsky utilizaram essa descrição, pois partiam

de componentes intuitivos presentes na gramática interna, no cérebro de cada

falante). Para a sociolinguística, esse componente é valido também quando se trata,

por exemplo, de pedir o ponto de vista de um falante sobre sua maneira de falar e

sobre a maneira de falar dos outros. A teoria da variação integrou essa descrição para

poder quantificar as atitudes linguísticas da comunidade linguística a respeito do seu

modo de ver a língua. O respeito à diversidade passa por uma atitude descritiva dos

pontos de vista, concepções, preconceitos, aspirações, dentre outros, dos próprios

falantes autores dos seus discursos e membros ativos dentro de seus respectivos

grupos sociais. Essa descrição é acoplada na sociolinguística a outra descrição que

veremos a seguir.

4.1.3 Descrições probabilísticas

Além de seguir as dimensões de descrição indutiva e dedutiva, a

sociolinguística incorporou os métodos de trabalho da estatística para validar o seu

modelo de descrição e análise. Aqui, estamos na frente do centro dos métodos de

investigação da atualidade, pois tudo o que fazemos hoje é mensurado por agências

que usam cálculo de frequências, cálculo de pesos dos fenômenos estudados.

Podemos ver que, ao nosso redor, tudo é numero; todas as projeções e decisões

econômicas e políticas são baseadas em cálculos estatísticos (ex. eleições, políticas

de ensino etc). Todas as ciências sociais já utilizavam procedimentos estatísticos que,

inicialmente, eram do domínio das ciências naturais e de outras ciências exatas. A

maior contribuição da teoria da variação para os estudos das ciências da linguagem

foi demonstrar que o fato linguístico não é um fato puro, homogêneo, mas um fato

heterogêneo, contrariando o Estruturalismo.

O Estruturalismo europeu e o americano não aceitavam a variação como

componente natural da descrição linguística, pois seu formato de descrição (do

estruturalismo) era baseado em corpus fabricado e não num corpus autêntico da fala

autêntica não apenas de um informante isolado ou ideal (Chomsky), mas de um

grupo de indivíduos que formam uma comunidade. Para descrever a variação,

fenômeno natural de uma comunidade linguística, a Sociolinguística foi a primeira a

Page 42: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

42

desenvolver o conceito de regra variável. A regra variável, nesse sentido, é um dado

fenômeno linguístico que apresenta duas ou três formas diferentes para o mesmo

fenômeno sem mudar o sentido (ex. a regra de concordância nominal diz respeito ao

uso da marca de plural ou ausência dessa marca na fala dos brasileiros ou, por

exemplo, a variação no uso do pronome tu e você).

Na teoria da variação, apresentamos a presença/ausência da marca do

plural, respectivamente, –s ou (as casas e as casa), dentro de uma regra que

demonstra quais são os fatores linguísticos e não linguísticos que influenciam a

realização de uma ou outra variante. Para se chegar a fazer um modelo de análise

dessa regra variável, é preciso incorporar um modelo estatístico que mostre não

apenas as frequências de presença ou ausência desse fenômeno em função de fatores

como natureza da sílaba, natureza da palavra que precede o substantivo etc. (fatores

internos ou linguísticos), influência da escolaridade, idade, sexo etc. (fatores externos

ou sociais) que influenciam essa regra variável, mas que aponte probabilidades.

Variante: diferentes maneiras de se dizer a mesma coisa.

Podemos ver, assim, que o uso do método estatístico dá ao modelo da

teoria de variação um caráter robusto, pois indica o peso de cada fator interno ou

externo sobre a realização da regra variável. No Brasil, um dos programas que mais

se destacaram para efetuar essa análise é o pacote de programas VARBRUL

(Variable rule analysis), o programa de análise de regra variável.

4.1.4 Descrição funcionalista

Além dessas abordagens, a teoria da variação integrou ao seu processo

descritivo-analítico o componente funcional. Por exemplo, a tarefa de uma gramática

funcional é, como enfatiza Beaugrande (1993, cap. III. apud. Neves, 2004, p. 03),

―fazer correlações ricas entre forma e significado dentro do contexto global do

discurso‖. Como enfatiza Neves (2004) ―uma teoria da organização gramatical das

línguas naturais procura se integrar a uma teoria global da interação social‖ (Neves,

2004, p. 15). Nesse sentido, uma teoria da variação integra o componente funcional,

Page 43: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

43

pois ele se ocupa da estrutura interna da língua, mas, também, da análise da situação

comunicativa.

4.1.5 Descrições genéticas

A Sociolinguística incorporou ainda descrições sobre as análises

históricas e as aproximações entre famílias de línguas ou influências de línguas

majoritárias sobre outras minoritárias, para estudar as diversas situações de contato

de línguas. Por exemplo, muitos trabalhos mostram resultados interessantes sobre o

perfil linguístico das chamadas línguas Pidgin e Crioulo. A Sociolinguística tem

estudado essas situações de contato em vários lugares do mundo e tem contribuído

para a teoria da variação e mudança linguística. Os estudos sobre a história das

línguas tem também lugar importante na descrição sociolinguística. O estudo da

variação não rompeu com a tradição da dialetologia (o estudo comparativo dos

dialetos) e geolinguística (o método da dialetologia para a elaboração de mapas

linguísticos denominados de atlas linguísticos).

EXERCITANDO

1- Procure um artigo sobre a variação linguística no português brasileiro que tome

por base uma análise estatística que utiliza o pacote Varbrul. Tente entender as

tabelas e procure tirar as dúvidas no fórum e no encontro com o tutor.

2- Procure saber o que é um peso relativo e como interpretá-lo. Poste sua resposta

ou dúvida no fórum. A resposta pode estar atrelada à questão 1.

A Teoria da variação e os axiomas da linguística descritiva

Agora que já estudamos aspectos relacionados à Sociolingüística, vamos

elencar alguns princípios da linguística moderna e como a Sociolinguística se

posicionou em relação a eles.

5.1 Língua/fala (Langue-parole) e competência/desempenho

Saussure, apesar de suas novas ideias, estava procurando um sistema

homogêneo que existia na mente coletiva da comunidade (langue).

Page 44: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

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Para Chomsky, a forma pura (competência) é ainda mais abstrata, ela existe no

cérebro de um falante- ouvinte ideal. Assim, ―ser um falante nativo, significa não

apenas adquirir um estado de uma língua, e não apenas saber interpretar a orientação

social ou estilística, mas também saber em que direção vai a mudança‖ (Labov,

1976).

O que é comum a todas estas teorias é que o desempenho na fala é

heterogêneo e desafia a sistematização.

A Teoria da variação não aceita esse postulado redutor segundo o qual a

fala não pode ser sistimetizada. Assim, William Labov, o pesquisador que mais

popularizou a Sociolinguística, não aceito que a performace seja uma manifestaçao

deformada da competência. A fala segue um modelo complexo que, para ser

sistematizado, deve integrar, além do aspecto interno da língua (gramática), seu

aspecto externo (social e psciológico). Desse modo, ser competente numa língua

presume saber quando e como falar, pois sem essa capacidade o ―falante ouvinte

ideal‖, termo utilizado por Chomsky, seria como afirma Dell Hymes (1967b, p.

639). ―um monstro cultural‖.

Mas você deve se perguntar: o que isso quer dizer? Falar não é apenas

uma decisão mecânica que o cérebro toma sem influência do mundo externo. Se o

mundo externo age sobre a maneira de falar, é preciso verificar quais são os fatores

no mundo externo que influenciam o que dizer, quando dizer, e por que dizer.

Quando falamos, não falamos por falar, mas sempre para transmitir algo, mudar algo,

exigir algo, revendicar algo etc. Isso porque, antes de falar, decidimos de uma

maneira consciente e/ou inconsciente responder a perguntas como: com quem eu vou

falar, onde me econtro, quando devo falar, porque eu falo algo, como devo falar, o

que eu devo falar, qual efeito que minha fala terá sobre meu ouvinte etc. Essas

mesmas questões se aplicam à escrita de um texto.

5.2. Sincronia e diacronia

A dicotomia Saussuriana sincronia/diacronia foi uma reação aos estudos

puramente históricos do século 19. A sincronia caracteriza-se pelo estudo da língua

num dado momento da sua história, por exemplo, estudar o fenômeno do léxico dos

adolescentes no presente. Foi um marco do estruturalismo moderno iniciado por

Saussure no início do século XX. Já a diacronia caracteriza-se pelo estudo da

Page 45: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

45

evolução da língua num período de tempo relativamente longo a partir de

documentos escritos. Mas recentemente estudo de documentos sonoros que datam do

início da tecnologia de gravação da fala para efeito de comparações históricas etc.

Para a Teoria da variação, essa visão binária hoje é apenas uma

comodidade metodológica, ou seja, o sociolinguista, num dado estudo, procura

evidenciar mais o componente histórico ou o atual, pois o passado explica o presente

e o presente explica o passado. O sociolinguista tenta estudar a língua no chamado

tempo real ao tentar analisar, por exemplo, a fala de uma comunidade que ele

pretende observar por longo tempo; ou pode entrar em contato com participantes de

uma pesquisa linguística que foi feita há 20 anos para verificar mudanças linguísticas

decorrentes desse tempo que pode ser maior ou menor a depender do tempo etc.

O sociolinguista pode também decidir estudar a língua em tempo

aparente. Nessa perspectiva, ele procurará dividir os participantes de sua pesquisa

em faixas etárias separadas que vão dos mais jovens aos mais idosos. Aqui, ele

observará a evolução da fala em dois momentos da história da língua num dado

momento.

5.2.3 Os dados linguísticos (o corpus)

A linguística tem por objetivo criar modelos (teorias, gramáticas) que

refletem aproximadamente os dados reais da língua. O estruturalismo tradicional

afirmava que um informante bem escolhido tem condições de fornecer dados

linguísticos suficientes para a descrição de uma língua. Assim, os estruturalistas

descartaram de sua descrição a variação linguística de dado indivíduo em relação a

outro indivíduo. De fato, a descrição da fala de um informante significa descrever os

hábitos linguísticos de apenas um informante, o idioleto é não o dialeto.

Os gerativistas, ao tentar descrever os dados linguísticos, apegaram-se

mais à questão do ―um falante ouvinte ideal‖, de testes de avaliação de

gramaticalidade e/ou aceitabilidade de sentenças geralmente fabricadas e não

autênticas. A integração da intuição do próprio linguista serviu de método para

descrever a gramática de uma língua. As pesquisas decorrentes dessa corrente teórica

mostraram sua incapacidade em descrever o uso real e autêntico da língua devido ao

fato de que o modelo tinha, e tem ainda, nas suas versões atuais, uma visão limitada

do que é o uso real da língua.

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46

Na tentativa de não negar os legados históricos dessas duas correntes que

tratam do mesmo objeto da Teoria da variação, a estrutura da língua, a

Sociolinguística elegeu a comunidade linguística como objeto de estudo. O indivíduo

é parte de um grupo que ele influencia e por ele é influenciado. O indivíduo se move

em contextos diferentes em interações com outros indivíduos que tem características

sociais diferentes, o que faz que sua maneira de falar e sua maneira de agir se

adequarem a situações físicas e psicológicas. Assim, para descrever a língua,

segundo o pressuposto sociolinguístico, é preciso primeiro situar o indivíduo num

contexto maior para poder descrever a fala da comunidade ou as comunidades as

quais ele pertence. Para conseguir fazer essa descrição complexa, a Sociolinguística

integrou o componente estatístico, probabilístico, em sua análise.

Porque a Sociolinguistica utiliza a estatística?

Ao tentar descrever a comunidade, a Sociolinguística se depara com um

problema que as outras teorias sempre ignoraram, a complexidade dos fatores que

fazem com que um indivíduo decida falar algo diferente dependendo da sua situação

em que ele se encontra, por exemplo, falar com um amigo, ou falar numa situação de

entrevista de emprego. Os fatores, então, diversificam-se (idade, sexo, etnia, classe

social, escolaridade etc.) e necessitam de um método não binário (certo, errado), mas

de um método que se inscreve no chamado contínuo que diz que um fenômeno

acontece X vezes num contexto e Y vezes noutro contexto. O método que daria conta

dessa exigência seria o probabilístico.

DICA: No Brasil, temos a cultura (trata-se do único conjunto de programas) de

utilizar o programa Varbrul (Variable ruel analysis), que permite codificar os dados

linguísticos coletados e analisar os pesos dos fatores sociais e linguísticos que

influenciam um dado fenômeno linguístico.

Podemos ver, aqui, um avanço metodológico na abordagem

sociolinguística que tenta conceber a língua no seu aspecto real e contínuo que é,

para o sociolinguista, uma variável determinante quando decide abordar um dado

fenômeno linguístico.

A Teoria da variação tentou, ao longo das investigações sociolingüísticas,

no Brasil, demonstrar a diversidade linguística que caracteriza o português brasileiro.

Vários pesquisadores no Brasil, sejam eles dialetólogos (estudo comparativo dos

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47

dialetos) ou sociolinguistas, identificaram os componentes linguísticos (fonéticos,

morofossintaticos e lexicais) que variam no português. Para fazer isso, o método

sempre é o mesmo, identificar primeiro a comunidade linguística a ser estudada (um

grupo étnico, uma aldeia, uma cidade, uma região etc.). Após a seleção do grupo,

identifica-se uma amostra estratificada, ou seja, um número de indivíduos

representantes dessa comunidade e que serviriam como objeto de investigação no

que diz respeito à fala. Essa amostra é, geralmente, constituída levando-se em

consideração grupos de fatores (variáveis) externos ou extralinguísticos (idade, sexo,

escolaridade etc.). Após essa seleção, o pesquisador procede à observação por meio

de técnicas (gravação, questionário, observação, anotações etc.), a fim de coletar os

dados linguísticos que serviriam de corpus para a análise de fenômenos linguísticos

predefinidos, como, por exemplo, o uso ou não da marca de plural.

EXERCITANDO...

1- Quais são as técnicas de trabalho de campo em linguística que você conhece?

2- O que é uma amostra sociolinguística? Como proceder à escolha de uma

amostra sociolinguística?

3- Qual é a importância de se utilizar ferramentas de análise computacional na

sociolinguística?

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos

Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.

LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.

LABOV, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers,

1994.

COMPLEMENTAR

LABOV, William. The social stratification of English in New York city. Washington:

Center of Applied Linguistics, 1966.

BOURDIEUX, P. Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1975.

HEYE, Jürgen. Sociolingüística. In: Manual de Lingüística. São Paulo: Editora global,

1986, pp.203-238.

Page 48: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

48

RESUMINDO: nesta Atividade, você estudou aspectos teórico-metodológicos da

Teoria da variação. Abordamos os modelos de descrição da Teoria da variação,

focalizando diferentes tipos de descrições, tais como: descrições indutivas, dedutivas,

probabilísticas, funcionalistas e genéticas. Nós discutimos também a Teoria da

variação e os axiomas da linguística descritiva. Abordamos os pares língua/fala

(langue-parole), competência/desempenho, sincronia e diacronia, a fim de

compreendermos a diferença de abordagem dada pelo sociolinguísitca à análise da

língua. Finalizamos com o estudo das caracterísitcas dos dados linguísticos (o corpus)

para análise sociolinguística e do tratamento estatístico feito pela sociolinguística

quantitativa.

Page 49: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

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UNIDADE III- A PESQUISA VARIACIONISTA NO PORTUGUÊS

BRALILEIRO

Atividade 05

Exemplificando a variação linguística no português brasileiro

Objetivos

Ao final desta Atividade, você deverá:

conhecer diferentes fenômenos de variação linguística;

identificar a variação linguística nos diferentes níveis da língua;

apontar condicionadores linguísticos e sociais da variação;

relacionar variantes a uma determinada variável e vice-versa.

Apresentamos aqui alguns traços que caracterizam o português falado no

Rio de Janeiro por falantes de classe social e escolaridade baixas. Os exemplos retirados

de uma pesquisa sociolinguística vão mostrar alguns usos da língua portuguesa numa

dada comunidade linguística com características sociais definidas. Aqui, podemos fazer

a diferença entre os tipos de variação linguística que vimos numa seção anterior.

7.1 Fatos morfofonêmicos

a-A síncope nas proparoxítonas

Na lista 1, abaixo, aparece a queda da vogal pós-tônica:

Padrão Popular

cócega cosca

abóbora abobra

xícara xícra

Na lista 2, aparece a queda da vogal pós-tônica. Aqui, pode-se perder a consoante

seguinte:

árvore arvre, arve

óculos oclos, ocos

Petrópolis Pertróplis, petropis

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Na lista 3, pode-se notar a queda da vogal pós-tônica e da consoante que a segue:

lâmpada lempa

sábado sabo

fígado figo

bêbado bebo

almôndega almonda

Na lista 4, temos palavras que não são favoráveis à queda da vogal pós-tônica:

trágico,

prático,

romântico,

elétrico,

cínico,

único,

mágico,

vômito,

hálito,

pálido,

ácido,

úmido,

página,

ótimo,

mínimo,

máximo

Antes de seguirmos com a leitura do texto, você poderia indicar o que há de

comum em todas as elas na sílaba postônica?

A supressão das vogais em 1, 2, 3 e a preservação da mesma em 4 não

são aleatórias. Observe que na

lista 4, o fonema /i/ pós-tônico é responsável pela não redução dessas palavras.

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lista 1, a queda da vogal pós-tônica cria encontros consonantais existentes

dentro dos padrões silábicos da língua.

lista 3, a supressão apenas da vogal resultaria em padrões silábicos estranhos,

isso porque a queda da consoante aparece como a solução à sincope vocálica.

lista 2, temos uma expansão ainda em andamento da regra aplicada a 3 aos casos

que originalmente seriam de tipo (1).

ANOTE: a presença de [i] na lista 3 não é a única causa do impedimento da síncope.

Note que, em alguns casos, se ocorresse a síncope, teríamos formas ambíguas, como

em cínico que passaria a cinco. Há necessidade de se proceder a estudos que

forneçam informações detalhadas sobre o fenômeno.

No que se refere ao ensino-aprendizagem, a existência dessas regras

linguísticas é de grande utilidade para a construção de exercícios de prática e

assimilação da forma padrão, no sentido de se saber em que contexto linguístico os

dialetos diferem.

PARA REFLETIR: por que os exemplos em dois são chamados de fatos

morfofonêmicos, e não fonêmicos apenas?

b- Redução de ditongos

Há alguns grupos de palavras para as quais é grande a tendência à

redução do ditongo. Por exemplo, os ditongos crescentes (em que a semivogal

precede a vogal).

Lista 5

Padrão Popular

paciência paciença

polícia poliça

edifício ediço

salário salaro

O curioso é que essa redução não é permitida em outros vocábulos.

Lista 6

lábio *labo

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câmbio *cambo

gêmio *gemo

Na lista 5 a consoante que precede a semivogal [j] tem o traço [+

coronal] alveolar. Na lista 6 isso não ocorre.

c- Ditongos decrescentes

Em relação às semivogais que seguem a vogal, a supressão de ditongos já

avançou muito no Rio de janeiro. Ela não constitui mais uma marca linguística da

fala não padrão.

lista 7

beijo bejo

queijo quejo

peixe pexe

feijão fejão

Aqui, temos algumas possibilidades de interpretação. Apresentamos uma

delas. [e] e [j] são vogais coronais, anteriores, frontais, ou seja, segmentos muito

parecidos. É possível que tenha se aplicado o Princípio de contorno obrigatório

(PCO), que favoreceu a supressão de um dos segmentos parecidos na estrutura. Não

se pode esquecer que [] também apresenta características muito semelhantes a das

vogais mencionadas, o que pode ter intensificado a aplicação do PCO.

ANOTE: o PCO é princípio que aplica quando ocorrem sequências ou estruturas

idênticas ou parecidas, que, em tese, seriam mal formadas. O objetivo do PCO é

desconstruir essas estruturas. Isso se dá por meio de apagamentos, fusão,

dissimilação, dentre outros.

Lista 8

queima

peito

leite

feita

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azeite

Curiosamente, nesses casos, não há redução do ditongos ou ocorrem

muito esporadicamente.

Lista 9

padeiro

janeiro

beira

Dados estatísticos mostram a redução do ditongo, nesses casos, mesmo

se a consoante não tem o traço [+ alto], isto pode ser um fenômeno de mudança em

progresso entre a lista 7 e 8.

A hipótese da redução do ditongo decrescente diante da consoante [+alto]

se verifica também na lista 10 em comparação com a lista 11.

Lista 10 lista 11

caixa caxa baile

faixa faxa raiva

baixo baxo paiva

paixão paxão

O ditongo [ou] indica também uma tendência de redução diante de

consoantes labiais.

Lista 12

poupa popa

ouve ove

soube sobe

Note que, aqui, também é possível que se aplique o PCO, visto que, além de

haver semelhanças entre [o] e [u], temos consoantes muito parecidas com eles, [p],

[b].

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54

d- Supressão de r final

Observe os contextos fonéticos que precedem e sucedem o /r/. Eles

favorecem a interpretação de grau de queda do /r/ final de palavras. Examinemos os

exemplos.

(1) quero rever esse

(2) Quero rever isso

(3) Quero rever o segundo gol

- Em (1) e (2) a vogal seguinte é tônica; no (3) ela é átona.

- Em (1) a vogal seguinte e a precedente ao -r são idênticas. Tais características

podem influir na probabilidade de supressão de -r.

Outro fator é a categoria gramatical. Sebastião Votre afirma que a

supressão da chamada quarta conjugação (-or) é mais baixa do que naqueles da

terceira (-ir), e nesta, por sua vez, a supressão é mais baixa do que naqueles da

primeira e segunda conjugação (-ar e -er).

ANOTE: com relação à conjunção, é preciso dizer que alguns atrelam os verbos que

terminam em –or como quarta conjugação. Outros os classificam mesmo entre os

verbos de segunda conjugação, visto que derivam de verbos pertencentes à segunda

conjugação no latim, como pôr que veio de ponere.

e- Outros fatores de variação fonética

Redução do grupo consonantal -nd para n

(1) jogno, fazeno, ouvi no ===> gerúndio verbais

(2) mundo, bando, síndico ===> outras categorias gramaticais

Supressão de nasalização das vogais átonas finais

(1) home(m), onte (m), faze (m), come (m)

(2) passagem de /l/ a /r/ em grupos consonantais ou supressão desses fonemas (negro >

nego, planta > pranta, clube > crube;

(3) Descoronalização da fricativa /s/ (alveolar) que passa a [h], ou desaparece

completamente; mas passa a ser [mah] ou [ma].

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55

6.2 Concordância nominal

A queda de /s/ está também relacionada à regra da concordância nominal.

A pesquisa da Maria Luiza Braga sobre « A concordância de número no Sintagma

Nominal no Triângulo Mineiro (1977) » revela issso. Ela mostrou que a variação de

número no Sintagma Nominal é relacionada a fatores linguísticos internos e fatores

sociais, como a diferença entre classe baixa e classe media.

a) Posição da variável no SN

Note que a posição que o vocábulo ocupa no sintagma nominal interfere na sua

variação:

(1) primeira posição: as perna toda marcada/coisas lindas;

(2) segunda posição: os mesmos direitos/ doze latinha;

(3) terceira posição: as duas palavras/ essas estradas nova/ três colega meu/ essas

bestera toda.

Tomando por base os dados analisados, a autora chegou à conclusão de que

a primeira posição parece favorecer a retenção do <s>. Os resultados estatísticos

monstrão que as outras posições tendem a desfavorecer de forma decrescente a presença

da marca formal do plural.

b) Classe gramatical

(1) As casas

(2) As casa

(3) casas pequenas

(4) casas pequena

DICA: para mais detalhes sobre a concordância nominal no PB, consulte a publicação

de Marta Scherre « Sobre a influência de três variáveis relacionadas na concordância

nominal no Portugês », no livro Padrões Sociolinguísticos. Tempo Brasileiro UFRJ,

1996.

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56

c) Condicionamento fonológico

Os determinantes favorecem a retenção do <s>, enquanto substantivos e

adjetivos favorecem sua supressão. A posição do substantivo e adjetivo na segunda

ou terceira posição também interfere sobre a manutenção da marca de plural.

(1) as casas amarela

(2) as casa pequena

Podemos explicar (2) invocando a posição do substantivo no SN. O substantivo

não marcado está na segunda posição e o determinante marcado na primeira posição.

Em (1), a presença da marca do plural na segunda posição pode ser explicada

objetivamente em função do sistema silábico do português, CV (consonante-vogal). O

-s de casas é seguido de uma vogal, formando a estrutura silábica básica: CV

d) Saliência fônica da oposição singular plural (maior ou menor diferença

formal entre as formas de singular e o plural)

O plural « casas » é mais simples do que o plural « ovos » (em ovos temos

diferença entre vogal tônica fechada e aberta: ôvo/ óvos. Outros exemplos são hotéis,

corações). O [s] é mais retido em casas do que em ovos, já que o plural pode ser

indicado pela abertura da vogal em ovos. O plural, nesse vocábulo, é redundante.

4-Estrutura morfossintática

Sentenças interrogativas

a- (O) que eles fizeram?

b- (O) que fizeram eles?

c- Eles fizeram o quê?

d- (O) que é que eles fizeram?

Uso do foi

e- (O) que é que foi que eles fizeram?

f- (O) quê que foi que eles fizeram?

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g- (O) quê que eles fizeram?

Segundo Miriam Lemle, a e b são as mais acordes com a norma gramatical,

não sendo porém empregadas no uso linguístico real. As formas c, d, e são utilizadas

pelos falantes da variedade padrão no uso coloquial cuidado. As formas f e g são de

emprego usual no registro mais distenso possível.

Negação (variação popular)

Não vou mais conversar não

Vou mais conversar não

Relativização

(1)

a- Eu nasci numa cidade one faz muito frio

b- Eu nasci numa cidade que lá faz muito frio

(2)

a- Vai ser preciso trocar a porta cuja a fechadura emperrou.

b- Vai ser preciso trocar a porta que a fechadura dela emperrou

(a) e (b) representam, respectivamente, a forma padrão e a forma não

padrão. Na forma padrão, a oração subordinada adjetiva tem uma posição sintática

vazia, correspondendo à posição original do sintagma anteposto pela relativização. O

dialeto não padrão tem essa posição plenamente preenchida por uma forma anfórica do

nome que é o termo central da construção.

6.3 A concordância verbal

Muitas pesquisas foram desevolvidas a respeito da concordância verbal.

Vamos mencionar a pesquisa feita por Anthony J. Naro e Miriam Lemle sobre o

desempenho linguístico de alunos cariocas do Mobral. Um dos seus objetivos é

analisar os fatores que regem a aplicação da regra variável.

(a) A variável morfológica

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Existe uma correlação entre a probabilidade de emprego da forma verbal

com a marca do plural e o grau de saliência fônica (a oposição entre a forma verbal

do singular e a do plural). Podemos perceber, nos exemplos que seguem, que a

diferença fonética entre o singular e o plural é gradual:

- ele come - eles comem

- ele dá - eles dão

- ele teve - eles tiveram

A hipótese é de que a probabilidade de aplicação da marca do plural é

relacionada à percepção da diferença fonética entre a forma verbal do singular e a do

plural. Os seguintes exemplos servirão de teste:

1- come- comem: a diferença é marcada apenas pela nasalização da

vogal átona final.

2- fala – falam: mudança da qualidade vocálica e nasalização da

vogal átona.

3- faz – fazem: adição de segmento vocálico nasalizado.

4- está – estão: qualidade vocálica e nasalidade.

c) Variável posicional

Essa variável está relacionada à posição do sujeito e do verbo.

1- Aqueles tempos foram muito difíceis

(sujeito imediatamente anteposto ao verbo)

2- Sumiu muitas das minhas coisas

(sujeito posposto ao verbo)

3- Os barracos lá naquele morro não tinham luz

(sujeito anteposto, mas separado do verbo por palavras acentuadas

4- Elas era de menor, e por causa disso não puderam frequentar lá

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(Sujeito oculto)

c- Variável semântica

Parece existir uma correlação entre o caráter definido (referência delimitada) ou

indefinido do sujeito (indefinido = um sujeito plural sem referência exata)

- Sujeito indefinido: (tendência ao emprego do plural)

- Dizem que o companheiro traia ela.

- Aí levaram ela pro pronto-socorro.

- Sujeito definido

- Os garotos ficam furiosos quando eles perde um capítulo.

d- Variável estilística

Um alto grau de formalidade corresponde a um alto grau de emprego das

formas verbais do plural (a formalidade depende da situação da fala).

EXERCITANDO

1. Verifique no You tube exemplos de variação linguística no Brasil, socialize os

links com seus colegas no fórum. O que você percebe de diferente entres os dialetos

que você observou e o seu?

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos

Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.

LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.

LABOV, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers,

1994.

COMPLEMENTAR

LABOV, William. The social stratification of English in New York city. Washington:

Center of Applied Linguistics, 1966.

BOURDIEUX, P. Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1975.

HEYE, Jürgen. Sociolingüística. In: Manual de Lingüística. São Paulo: Editora global,

1986, pp.203-238.

Page 60: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

60

RESUMINDO: nesta Atividade, você estudou diferentes fenômenos variacionistas com

base no português brasileiro. Foram abordados alguns fatos morfofonêmicos como, por

exemplo, a síncope nas proparoxítonas, a redução de ditongos decrescentes, a

supressão de <r> final de palavra, a redução do grupo consonantal -nd para n, a

supressão de nasalização das vogais átonas finais. Além do nível morfofonêmico,

abordamos o nível morfosintático. Estudamos a concordância nominal e a

concordância verbal, chegando, inclusive, ao estudo semântico. Você aprendeu a

relevância de alguns fatores para a variação a depender do nível que se avalia como,

por exemplo, a saliência fônica. Por fim, você, agora sabe, que não só fatores

estruturais interferem sobre a variação, mas que fatores sociais, juntamente com os

estruturais são responsáveis pela variação e mudança linguística.

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Atividade 06

Procedimentos da Pesquisa Variacionista3

Ao final desta atividade, você deverá:

conhecer diferentes instrumentos de coleta de dados linguísticos;

usar adequadamente os procedimentos de coleta de dados da sociolinguística;

observar e descrever, na prática, um fenômeno de variação linguística a partir de

dados do português brasileiro;

Agora que você já estudou diferentes tipos de variação em diferentes níveis,

passemos ao estudo prático de que procedimentos se devem adotar para proceder de

forma adequada a uma pesquisa variacionista. Depois, você irá aplicá-los numa pesquisa

piloto a ser apresentada ainda nessa disciplina.

Nessa seção, veremos como um pesquisador em sociolinguística e/ou em

dialetologia procede para coletar dados que úteis à análise da fala de uma

comunidade.

6.1. Preparando a viagem (para a pesquisa de campo)

1. Escolher a comunidade a ser pesquisada;

2. Procurar se informar sobre a comunidade antes de ir a campo;

3. Definir o perfil dos informantes (ou seja, montar o quadro da amostra);

4. Testar os gravadores, verificar as pilhas e acessórios.

5. Levar gravador (ou o MD), questionários e, em alguns casos, gravuras, textos

para leitura, reália;

6. Levar máquina fotográfica (e filmadora), pilhas e fitas (ou CD);

7. Etiquetar as fitas (ou CD);

8. Levar bloco para anotações, caneta, lápis;

9. Usar roupa e calçado confortáveis e adequados ao lugar, ao clima e ao ambiente

em que se realizará o inquérito;

10. Levar vasilha com água potável, biscoitos, frutas, faca de mesa ou canivete,

papel higiênico, comprimidos para dor de cabeça, indisposição estomacal ou

intestinal, repelente para insetos.

3 Essas orientações foram preparadas pela professora, diretora científica do projeto ALiB, Vanderci

de Andrade Aguilera. Fizemos algumas alterações e adaptações ao texto original, para que ficasse de acordo com o objetivo desta disciplina.

Page 62: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

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6.2. Procedimentos preliminares

1. Procurar sempre alguém da comunidade para apresentá-lo ao informante e pedir-

lhe, se possível, para ficar junto até o informante sentir-se mais tranquilo;

2. Preparar-se muito bem para a aplicação do questionário, lendo-o várias vezes

antes de ir a campo. Nada mais desagradável e contraproducente que ficar

procurando as questões na hora, ou já incluir a resposta na pergunta;

3. Manter o material organizado e pronto para iniciar a gravação para não ter que

ficar procurando o fio, as pilhas, as fichas, o questionário, enquanto o

informante espera paciente ou impacientemente.

4. Ficar atento ao funcionamento do aparelho e à preservação do silêncio no local

do inquérito;

5. Levantar dados sobre a localidade (informações históricas, brasão, cartazes

sobre eventos) e tirar fotos dos locais, dos objetos mais significativos para o

conhecimento da localidade, assim como dos indivíduos que se envolveram com

a pesquisa (sobretudo do informante e de sua família).

DICA: reálias são objetos ou coisas, ou imitação delas, que se podem levar a campo

quando se percebe que a compreensão da descrição que é feita pelo pesquisador

apresenta dificuldades de compreensão. Por exemplo, às vezes, leva-se o pão francês

e o cacete para que o informante faça boa distinção entre os dois. Isso é muito útil

especialmente quando da aplicação do questionário semântico-lexical (QSL).

6.3. Formas de abordagem do Informante e postura do inquiridor

1. Apresentar-se, conhecer a família (se for o caso), iniciar uma conversa informal,

para depois falar dos objetivos da pesquisa;

2. Não se referir à pesquisa diretamente como ―estudo da linguagem‖; mas dizer

que se pretende saber como as pessoas falam, que nomes dão às coisas com que

lidam no dia a dia etc.;

3. Combinar com o informante o melhor horário e local para a entrevista;

4. Procurar um local silencioso (onde haja tomada, se se trata de MD) e

confortável;

5. Certificar-se da voltagem da energia, se se trata de aparelhos elétricos;

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63

6. Ficar atento a ruídos externos: animais, carros, panela de pressão, telefone,

crianças;

7. Certificar-se de que o informante escolhido apresenta o perfil desejado

(naturalidade — inclusive dos país — , sexo, idade, grau de escolaridade,

integração social na comunidade a que pertence, bairro em que mora e em que

trabalha). Quanto à naturalidade dos pais, registrar também a dos pais adotivos,

quando for o caso. Evitar informantes que tenham sido criados em ambientes

coletivos (orfanatos, por exemplo), onde tenham recebido influências

linguísticas diversas;

8. Atentar para algum defeito físico do informante ou familiar: surdez, gagueira,

ausência de dentes, problemas de articulação de determinados sons por qualquer

outro motivo;

9. Agir com naturalidade, caso tenha que dispensar o informante.

DICA: no que se refere ao item 9, é importante que o pesquisador faça contato com a

pessoa a ser entrevistada, mesmo que o informante tenha sido indicado por alguém

de sua confiança, a fim de evitar constatar, ao início da entrevista ou, depois, o que é

mais indesejável ainda, que o informante apresenta problemas físicos que

impossibilitam o uso das dados.

6.4. Durante a entrevista

1. Ser amável e atencioso sem ser afetado;

2. Evitar dizer no início da gravação que ―vai entrevistar‖ ou ―está entrevistando‖,

preferindo ―vamos conversar‖, ―estamos conversando‖;

3. Não insistir demais em questões não respondidas adequadamente;

4. Registrar o número das questões não respondidas e voltar a elas no final do

inquérito, quando o informante estiver menos tenso e mais familiarizado com o

questionário. Retomar, no final, essas questões, perguntando ao informante se

ele já se lembrou das respostas;

5. Ter sempre em mente que o informante tem uma história de vida e um

conhecimento de mundo diferente dos seus;

6. Observar quando a questão fere ideologias, princípios religiosos ou tabus.

Conversar, no final, sobre isso, respeitando o modo de pensar do informante;

7. Evitar comentários ou brincadeiras que possam magoar o interlocutor;

8. Passar uma imagem de tranquilidade. Não demonstrar impaciência ou pressa;

Page 64: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

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9. Se o informante demonstrar impaciência, conversar para saber o que o aflige:

horário de trabalho, cansaço, etc.;

10. Ao chegar visitas: interromper a entrevista (pausa), explicando na gravação por

que está interrompendo;

11. Manter sempre o microfone mais próximo do informante do que do inquiridor;

12. Evitar ruídos que prejudiquem a gravação (batidas com a mão na mesa, por

exemplo);

13. Evitar falar mais do que o informante. Se sentir que as vozes se sobrepuseram,

pedir-lhe para repetir, explicando que falou junto;

14. Conversar com o informante sobre a possibilidade de ter que voltar, caso a

gravação apresente problemas.

ANOTE: essas informações estão baseadas nas orientações usadas pelo Projeto

ALiB para a pesquisa de campo.

6.5. Depois da entrevista

1. Ouvir as fitas para se certificar de que a gravação está completa e dentro dos

padrões técnicos pré-determinados (em boa altura, sem a interferência excessiva

de ruídos externos, etc.);

2. Avaliar o desenvolvimento do inquérito, para corrigir problemas, voltar ao

informante ou, se for o caso, realizar um novo inquérito;

6.6. A narrativa

A gravação deve ter em média 30min (trinta minutos) de duração de fala

contínua do informante (mas dependendo do objetivo da pesquisa, é necessário um

tempo maior), assim:

1. Se o objetivo da entrevista for a fala ―natural‖, deve-se sugerir ao informante

falar sobre algum fato ou acontecimento que lhe tenha sido marcante;

2. Se o objetivo da entrevista for observar o controle (monitoração) da fala (pelo

informante), pode-se sugerir temas específicos;

3. A entrevista pode ser feita com dois ou mais informantes conversando entre si

(diálogo monitorado ou interação monitorada).

6.7. Tipos de questionário

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I. Terminológico e socioterminológico:

a) Como são chamadas as pescarias que são feitas perto da costa?

b) E as realizadas em alto mar, que nome recebe?

II. Dialetológico e sociolingüístico (a sociolingüística trabalha mais com

narrativas):

1. Fonético fonológico (QFF):

a) Onde se constrói uma casa? (TERRENO);

b) Como se chama o objeto com que se corta pano? (TESOURA);

c) Quando a água da panela está bem quente, cheia de bolinhas, como é que

se diz que ela está? (FERVENDO).

DICA: no QFF, o objetivo é coletar dados para se analisar um fenômeno fonético-

fonológico. Geralmente, o contexto a ser analisado vem previamente indicado, como

acima, em negrito. Nesses casos, se quer analisar a pronúncia do /r/ prevocálico e

posvocálico e a realização do ditongo.

2. Questionário semântico lexical (QSL):

a) Como se chama aquele morrinho atravessado no asfalto para os carros

diminuírem a velocidade? (LOMBADA, QUEBRA-MOLA,

ONDULAÇÃO);

b) Como se chama o objeto de metal ou plástico que se pega de um lado a

outro da cabeça e serve para prender os cabelos (mímica)? (TRAVESSA,

TIARA, DIADEMA, ARCO);

c) Como se chama a ave de criação parecida com a galinha, de penas pretas

com pintinhas brancas? (GALINHA-D‘ANGOLA, CAPOTE, CATRAI,

GUINÉ, COCAR);

3. Questionário morfossintático (QMS):

a) Você (ou senhor/a) tem filhos / irmãos? Como se chama? O que eles

fazem? (OBSERVAR O USO DE ARTIGO ANTES DE NOME

PRÓPRIO);

b) Se nós dois estamos tomando café e queremos mais uma pessoa na mesa,

dizemos que essa pessoa venha tomar café __________? (CONOSCO,

COM NÓS, COM A GENTE);

Page 66: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

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c) O que você (ou senhor/a) fez ontem (de diferente)? (OBSERVAR O

USO DO PRETÉRITO PERFEITO).

4. Questões de pragmática:

a) Um objeto (carteira, lenço, chave) caiu do bolso de um rapaz jovem e ele

não viu. Como um outro rapaz jovem chama a atenção desse rapaz?

b) Um objeto (carteira, lenço, chave) caiu do bolso de uma mulher jovem e

ela não viu. Como um outro rapaz jovem chama a atenção dessa jovem?

c) Um objeto (carteira, lenço, chave) caiu do bolso de um senhor idoso e ele

não viu. Como um outro rapaz jovem chama a atenção desse senhor?

5. Questões metalingüísticas:

a) Como se chama a língua que você (senhor/a) fala?

b) Tem gente que fala diferente aqui em __________? Poderia dar algum

exemplo?

SAIBA MAIS: para ajudar você na coleta de dados, disponibilizamos um trecho de

aplicação de questionário e outro de coleta de narrativa, no Modlle.

EXERCITANDO...

Tal qual aconteceu na disciplina Fonologia do Português, realizaremos uma pesquisa

piloto. Você deve escolher o fenômeno que deseja estudar. Agora, entretanto,

usaremos dados de uma narrativa. Orientações detalhadas sobre a pesquisa estão no

Modlle. Bom trabalho.

BIBLIOGRAFIA BÁSICA

CALVET, Louis-Jean. Sociolingüística: uma introdução crítica. Tradução de Marcos

Marcionilo. São Paulo: Parábola, 2002.

LABOV, William . Sociolinguistique. Paris: Édition de Minuit.1976.

LABOV, William . Principles of Linguistc Change. Oxford: Blackwell Publishers,

1994.

Page 67: MANUAL DE SOCIOLINGUÍSTICA CONTEUDISTAS: Prof. Dr

67

COMPLEMENTAR

LABOV, William. The social stratification of English in New York city. Washington:

Center of Applied Linguistics, 1966.

BOURDIEUX, P. Ce que parler veut dire. Paris: Fayard, 1975.

HEYE, Jürgen. Sociolingüística. In: Manual de Lingüística. São Paulo: Editora global,

1986, pp.203-238.

RESUMINDO: nesta Atividade, você estudou os procedimentos adotados na pesquisa

variacionista. Assim, estudamos diferentes passos que vão desde a preparação para a

viagem que objetiva a realização da pesquisa de campo até o depois da coleta de

dados. Você aprendeu as diferentes formas de abordagem do informante e a postura

adequada do inquiridor quando da coleta de dados. Focalizamos os procedimentos que

se devem adotar antes, durante e depois das entrevistas no sentido de se evitar

inconvenientes. Além de disso, abordamos a coleta de narrativas e apresentamos

trechos de diferentes tipos de questionários usados para a pesquisa dialetológica.