Manchas Solares e Índice da Atividade do Sol.pdf

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  • Revista Brasileira de Ensino de Fsica, vol. 25, no. 2, Junho, 2003 157

    O Numero de Manchas Solares, Indice da Atividade do SolSunspot Number, Solar Activity Index

    Ezequiel Echer(1), Nivaor Rodolfo Rigozo(1,2), Daniel Jean Roger Nordemann(1),Luiz Eduardo Antunes Vieira(1), Alan Prestes(1) e Heloisa Helena De Faria(1)

    1Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais INPE,POB 515, 12201-970 Sao Jose dos Campos, Brazil.

    Fone: 55 12 3456840 - Fax 55 12 3456810.2Faculdade de Tecnologia Thereza Porto Marques FAETEC,

    CEP 12308-320, Jacare, BrazilE-mail: [email protected], [email protected], [email protected], [email protected],

    [email protected], e [email protected]

    Recebido em 17 de fevereiro, 2003. Aceito em 4 de abril, 2003.

    O numero de manchas solares e o ndice mais antigo da atividade solar, com observacoes de manchas solaresestendendo-se desde 1611. Ele serve como uma medida da atividade magnetica geral do Sol. Neste trabalhoapresentamos uma descricao das caractersticas fsicas das manchas solares, a definicao do numero de manchassolares, uma analise espectral do mesmo e uma reconstrucao de 1000 anos.

    The sunspot number is the longest solar activity index available with observations since 1611. It is a measureof the general state of solar magnetic activity. In this work we present a desciption of sunspot physical caracte-ristics, the definition of the sunspot number, a spectral analysis and a reconstruction for the last 1000 years ofthe sunspot number.

    I IntroducaoO Sol e uma estrela ordinaria da sequencia principal e temidade estimada de 4,5 bilhoes de anos. A distancia mediaTerra-Sol (1 Unidade Astronomica) equivale a 150 milhoesde km. Sua composicao e de aproximadamente 90% deHidrogenio (H), 10% de Helio (He) e aproximadamente0,1% de elementos mais pesados: Carbono (C), Nitrogenio(N) e Oxigenio (O). A temperatura superficial do Sol e de5780K, mas no nucleo a temperatura chega a milhoes degraus. Esta alta temperatura faz com que os gases sejamquase totalmente ionizados, formando um plasma.

    Embora o Sol, em seu perodo calmo, seja de imensointeresse astronomico, por ser a unica estrela cujas ca-ractersticas espaciais sao observaveis em detalhe com ostelescopios de que dispomos, a maior parte dos efeitosgeofsicos de interesse resulta do Sol ativo, exceto aquelesdevido a irradiancia solar.

    As caractersticas mais claras da variabilidade solar saoas mudancas com o tempo no numero de manchas solaresvistas na metade visvel do Sol (Stuiver e Quay, 1980). Osregistros observados do numero de manchas solares mos-tram um ciclo regular medio da atividade solar proximo dos11 anos. Nao existe ainda uma explicacao fsica completapara a observacao do ciclo solar (Eddy, 1976). Modernasteorias atribuem as caractersticas periodicas das manchas

    solares a` existencia de um dnamo solar em que a conveccaoe a rotacao diferencial da superfcie interagem para amplifi-car e manter um assumido campo magnetico inicial (Leigh-ton, 1969). Modelos de dnamo sao bem sucedidos nareproducao de certas caractersticas do ciclo de 11 anos, masainda nao e possvel explicar a variacao de amplitude nasepocas de maximo e de outras mudancas caractersticas delongo perodo (Eddy, 1976).

    II Caractersticas Fsicas das Man-chas Solares

    Manchas solares sao regioes mais frias (cerca de 2000 K)e mais escuras (por efeito de contraste) do que a fotos-fera solar circunvizinha. Elas emitem menos energia doque a fotosfera em geral porque possuem intensos camposmagneticos (cerca de 1000 vezes mais intensos que a su-perfcie solar normal, 0,1 T contra 104T, onde T= Tesla)que parcialmente bloqueiam a energia transmitida para cimapelas celulas de conveccao na regiao sub-fotosferica (Eddy,1976; Schove, 1983; Kivelson and Russel, 1995). As man-chas solares sao geradas por campos magneticos toroidaisque sao trazidos a` superfcie solar, por efeito de empuxo.No decorrer de cada ciclo solar de 11 anos esses tubos ascen-

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    dem e irrompem na superfcie solar, e as aberturas dos tubosde fluxo ou manchas, aparecem primeiro em medias latitu-des heliograficas medias (30o - 40o) em ambos hemisferios.No maximo do ciclo solar elas estao concentradas na regiaoentre 10o - 20o, proximo ao equador solar. As manchassolares tem sido observadas a olho nu pelo menos desde1000 anos A. C. na antiga China (Eddy, 1976) e telescopi-camente na Europa desde 1611 (Eddy, 1976; Schove, 1983).A Figura 1a apresenta uma fotografia na linha H-alfa (filtrousado na linha de emissao intensa, na regiao visvel do ver-melho, em torno de 650 nm, 1nm=109m) da superfcie doSol, onde as manchas solares aparecem como caractersticasmais escuras (www.sunspotcycle.com), e na Figura 1b te-mos uma visao mais detalhada de um grupo de manchas so-lares (http://www.solarviews.com).

    Figura 1. (a) Imagem da superfcie solar na linha H-alpha, apre-sentando a`s caractersticas mais escuras, as manchas solares, e (b)visao mais detalhada de um grupo de manchas solares. Fonte:NASA, Sunsposts and Solar Cycle, http://www.sunspotcycle.com;http://www.solarviews.com/eng/sun.htm

    Figura 2. Imagem da superfcie solar na linha H-alpha, apre-sentando as caractersticas das manchas solares, a parte in-terna mais escura (umbra) e a parte circundante, mais clara(penumbra). Fonte: NASA, Sunsposts and Solar Cycle,http://www.sunspotcycle.com

    Uma mancha solar grande pode cobrir uma area de cercade 700 vezes a area superficial da Terra, tendo 20x10 6 mem diametro (Hoyt e Schatten, 1997). A estrutura da man-cha solar e apresentada na foto, em detalhe, da Figura 2. Aregiao central, mais escura, e chamada umbra, a uma tempe-

    ratura de cerca de 4100 K e com campo magnetico total de0,3 T, cercada por uma regiao fronteirica acinzentada, a pe-numbra, de filamentos radiais claros e escuros. Penumbrastem em geral 2,5 vezes o diametro das umbras, que variamentre 300-2500 km em media, mas apenas 50% das manchassolares desenvolvem uma penumbra. O campo magnetico equase vertical na umbra, e mais horizontal nas penumbras.

    A polaridade magnetica de uma mancha pode ser norteou sul. Manchas complexas podem apresentar uma mis-tura de ambas polaridades, o que pode ser compreendidocomo o resultado da fusao de manchas solares menores nao-complexas. Entretanto, as manchas tendem geralmente, aocorrer em pares de polaridade oposta, como apresentado naFigura 3. Um grupo de manchas e orientado primariamentena direcao leste oeste com relacao a um observador fixo naTerra (ao meio-dia, a borda oeste do Sol estara mais proximado horizonte oeste da Terra). A mancha mais a oeste de umgrupo e conhecida como mancha lder ou precedente, e asmanchas mais a leste como as seguidoras. A mancha lder eem geral a 1a mancha a se formar e a ultima a desaparecer.Tambem e tipicamente a 1a mancha a formar uma penumbrae a ultima a perde-la, alem de ser a maior mancha na vida deum grupo. Os grupos de manchas em um dado hemisferiosolar tendem a ter lderes da mesma polaridade magnetica;lderes no hemisferio norte geralmente tem a mesma pola-ridade que manchas seguidoras no hemisferio sul. Tambemem geral a mancha lder tem a mesma polaridade do campomagnetico de background do hemisferio residente. Comoa cada 11 anos a polaridade magnetica solar se inverte, man-chas lderes em um dado hemisferio terao polaridade opostaem cada fase do ciclo solar de Hale (22 anos). No iniciodo ciclo, epoca de mnimo solar, a polaridade em um polo epositiva (linhas de campo magnetico saindo do Sol) e no ou-tro e negativa (linhas de campo magnetico entrando no Sol).Proximo ao maximo solar parece nao existir polaridade do-minante em nenhum polo, e uma reversao da polaridadedo Sol comeca a tornar-se aparente cerca de 2 anos aposo maximo solar (Kivelson e Russel, 1995; Hoyt e Schatten,1997).

    Figura 3. Diagrama indicando que pares de manchas solares ocor-rem com polaridade oposta em ambos os hemisferios. A primeiramancha que surge em um par depende do hemisferio no qual asmanchas se formam.

    No mnimo solar, as manchas se formam a latitudes decerca de 40o em ambos os hemisferios solares. Raramentemanchas solares aparecem em latitudes maiores do que 40oe nunca no equador. `A medida que o ciclo solar progride, onumero de manchas primeiro aumenta e depois diminui emuma regiao larga que gradualmente se move para o equador.

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    O incio de um novo ciclo e caracterizado pelo reapareci-mento de manchas em maiores latitudes. Este padrao deformacao de manchas a cada ciclo em latitudes maiores e amigracao para menores latitudes constitui um padrao deno-minado lei de Sporer, representado pelo diagrama de borbo-leta de Maunder, apresentado na Figura 4. O que esta mu-dando e a localizacao das manchas sucessivas, enquanto asmanchas individuais tipicamente duram apenas uma rotacaosolar ou menos e movem-se muito pouco relativamente a fo-tosfera.

    Figura 4. Diagrama de Maunder mostrando a localizacao (la-titudes e longitudes heliograficas) da formacao das manchassolares em funcao do tempo, em anos, para os ciclos sola-res mais recentes. Fonte: NASA, Sunsposts and Solar Cycle,http://www.sunspotcycle.com

    A teoria proposta para explicar o movimento cclico emlatitude engloba producao e relaxacao de tensao magneticapor rotacao diferencial. Por nao ser um corpo solido, oSol nao gira a uma velocidade uniforme, como a Terra,mas apresenta uma rotacao menor em regioes equatoriais emaior em regioes polares. A rotacao diferencial do Sol eem media entre 27-28 dias. Esta rotacao diferencial produzmaior tensao sobre o campo magnetico proximo a 40 o de la-titude. Devido a` esta tensao, as linhas de campo magneticoirrompem atraves da fotosfera, tornando-se o incio para odesenvolvimento das manchas. Quando a tensao magnetica,em torno de 40o, esta sendo relaxada por erupcoes solares(solar flares), a tensao continua a crescer em menores lati-tudes solares a` medida que o ciclo solar continua (Kivelsone Russel, 1995; Hoyt e Schatten, 1997).

    A mancha solar e escura por ser mais fria do que a fo-tosfera vizinha. O esfriamento ocorre localmente, porque ocampo magnetico inibe a conveccao de plasma das camadassub-superficiais do Sol, mais quente que a superfcie solar,e torna a temperatura da regiao menor. Por contraste como restante da fotosfera, esta regiao mais fria sera vista comouma regiao escura. Na fotosfera normal a conveccao misturaas camadas superficiais com as sub-superficiais mais quen-tes e contribui para aquecer a superfcie. Um tubo de fluxomagnetico abaixo da superfcie tende a subir pelo processode empuxo magnetico. O balanco de pressao lateral total(magnetico e plasmatico) entre o tubo de fluxo e sua regiaovizinha livre de campo implica que

    p+B2

    20= p0, (1)

    em que p e a pressao de plasma, p0 e a pressao navizinhanca, B2/20 pressao magnetica, e 0 e a permis-sividade magnetica. Esta equacao implica que p < po, ouseja, a pressao de plasma dentro do tubo de fluxo e menor doque nas vizinhancas, e, se a diferenca de temperatura nao formuito grande, isto implicara que a densidade de plasma dotubo de fluxo sera menor do que a das vizinhancas, e entao otubo de fluxo experimenta uma forca de empuxo ascendente.Quando o tubo sobe e irrompe atraves da superfcie solar, elepode criar um par de manchas solares de polaridade oposta,como e frequentemente observado.

    Supoe-se que um mecanismo de dnamo opera atravesda zona de conveccao, gerando o campo que oscila com umperodo de 11 anos. Um fator e a rotacao diferencial do Sol,que estica um campo inicialmente poloidal e cria um campotoroidal. Um outro fator e que quando um elemento de fluxotoroidal sobe, ele tende a ser torcido por forcas de Coriolisem um sentido que gera um novo fluxo poloidal de polari-dade oposta.

    III O Numero de Manchas SolaresSchwabe descobriu o ciclo de 11 anos em 1843 e Wolf nosanos de 1850 fez um gigantesco esforco para compilar ereconstruir a atividade solar (Hoyt e Schatten, 1997). Eleteve sucesso em construir uma serie de medias anuais desde1700 (Eddy, 1976), o numero de manchas solares de Wolf,tambem conhecido como numero de Zurich ou Internacio-nal, e definido como:

    Rz = k(10g + f) (2)Na equacao 2, Rz e o numero de manchas solares de

    Wolf, k e uma constante de normalizacao para um observa-dor particular, g e o numero de grupos de manchas solares ef e o numero de manchas solares individuais visveis sobreo disco solar. A serie de Rz foi determinada por Wolf utili-zando apenas um observador primario, e as observacoes quefaltavam foram substitudas por observadores secundarios.O fator de correcao k e usado para compensar diferencassistematicas em observacoes causadas por variacoes nos ta-manhos de telescopio, condicoes atmosfericas e erros de ob-servadores. A serie temporal de Rz nao apresenta barrasde erro, e muitas das antigas observacoes nao foram usa-das ou encontradas por Wolf em sua pesquisa. Os perodossem dados foram preenchidos por Wolf com valores inter-polados (Hoyt e Schatten, 1998). Para o perodo 1700-1748somente medias anuais estao disponveis, entre 1749-1817medias mensais estao disponveis e valores diarios (poremcom muitos intervalos sem dados, incluindo meses intei-ros) estao disponveis desde 1818. A Figura 5 apresentaas medias anuais de Rz para o perodo entre 1700-2000.A oscilacao caracterstica do perodo de 11 anos e facil-mente distinguida, assim como variacoes de perodos maislongos, com maximos do ciclo de 11 anos mais e menosintensos. Particularmente o perodo entre 1800-1830 que

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    apresentou maximos menos intensos do ciclo solar, e co-nhecido como mnimo de Dalton da atividade solar. Dadosde numero de manchas solares podem ser obtidos a partirdo National Geophysical Data Center, Boulder, Coloradohttp://www.ngdc.noaa.gov/.

    Figura 5. Serie anual do Numero de Manchas Solares de Wolf parao perodo 1700-2000.

    Figura 6. Valores diarios de Rz para o ano de 2000.

    Os valores diarios de Rz variam muito mais do que asmedias de longo perodo. No maximo solar os valores deRz podem ser maiores do que 100 por muitos dias, e nomnimo solar e comum observarem-se varios dias sem man-chas. Na Figura 6 sao apresentados os valores diarios de Rzpara o ano de 2000.

    A Figura 7 apresenta as medias mensais do perodo 1980 2002, nota-se a variabilidade presente mes a mes. Tambemneste perodo, centrado no ciclo solar de 22 anos (maximoem 1990) pode-se observar a assimetria existente no ci-clo solar. A fase ascedente, do mnimo para o maximo, emais curta (media de 4 anos) do que a fase descendente, domaximo para o mnimo (5-6 anos). Este padrao repete-senos ciclos solares em geral.

    Figura 7. Ciclo solar apresentando a assimetria entre a fase as-cendente, mais curta, e a fase descendente. FONTE: NASA, SolarPhysics http://science.nasa.gov/ssl/pad/solar/sunspots.htm

    As observacoes de manchas solares anteriores a 1850sao menos precisas do que as observacoes mais recentes(Hoyt e Shcatten, 1997). Uma nova analise das observacoesde manchas solares, realizada por Hoyt e Schatten (Hoyt eSchatten, 1997) e outros (Wilson, 1998), levou-os a concluirque a serie do Rz aparenta ter 25-50% a mais de amplitude,por volta de 1882, e que um novo parametro, o Numero deManchas Solares de Grupo, RG, poderia ser um melhor in-dicador da atividade solar, especialmente para o perodo ini-cial (Hoyt e Schatten, 1998).

    O numero de manchas solares de Grupo RG foi cons-trudo por Hoyt e Schatten (1998) para ser mais auto-consistente (menos dependente de observacoes de manchassolares quase nao visveis) e menos ruidoso do que Rz .Observacoes diarias, mensais e anuais foram determinadasentre 1610-1995. Esta serie foi determinada para ser similarao Rz :

    RG =12.08N

    (kiGi), (3)

    em que Gi e o numero de grupos de manchas solares ob-servado pelo i-esimo observador, k i e o fator de correcaodo i-esimo observador, N e o numero de observadores uti-lizado para formar o valor diario e 12,08 e um numero denormalizacao escolhido para fazer a media de RG identicaa media de Rz entre 1874-1976 (Hoyt e Schatten, 1998). AFigura 8 apresenta as medias anuais deRG no perodo 1610-1995. A serie foi descontinuada apos 1995, nao tendo sidomais calculada (Hoyt e Schatten, 1998).

    Nesta serie e possvel ver parte do mnimo de Maun-der, perodo entre 1650-1715 em que a atividade solar me-dida pelo numero de manchas solares foi muito baixa (Eddy,1976) e inclusive em muitos anos nao tendo sido constatadaobservacoes de manchas solares. Comparando as Figuras 5e 8 observa-se que Rz tem maiores amplitudes do que RGantes de 1882, sendo a amplitude das duas series equivalenteapos 1882 (Hoyt e Schatten, 1998). Outra caracterstica ob-servada e de que no perodo de cerca de 1700-1750, a varia-bilidade de RG e maior do que a`quela de Rz (maior numerode oscilacoes de alta frequencia).

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    Figura 8. Serie anual do numero de manchas solares de Grupo parao perodo 1610-1995.

    IV Analise EspectralComumente multiplica-se a serie temporal por uma janelaantes de realizar a transformada de Fourier para reduzir avazamento espectral (potencia da frequencia real que vazapara frequencias vizinhas). Sem a janela, a parte de altafrequencia do espectro pode ser tendenciosa para o vaza-mento espectral (Parks et al., 1987). Entretanto, o uso deuma unica janela em geral pondera desigualmente os pon-tos de dados e tende a aumentar a variancia estatstica daestimativa espectral. Sempre que apenas uma janela for uti-lizada, havera um balanco entre a resistencia ao vazamentoespectral e a variancia de uma estimativa espectral (Parks etal., 1987).

    Thomson (1982) introduziu a tecnica de analise es-pectral por janelamento multiplo (Multiple Taper Method-MTM). Os dados sao multiplicados nao apenas por uma,mas por varias janelas resistentes ao vazamento, e cadajanela amostra diferentemente a serie. A informacao es-tatstica perdida pela primeira janela e recuperada pela se-gunda, e assim por diante. A estimativa de janelas multiplasnao e entao restrita pelo balanco entre vazamento e varianciacomo a estimativa por uma unica janela. Este metodo utilizajanelas ortogonais para obter estimativas aproximadamenteindependentes do espectro de potencia e entao combina-lasem uma estimativa. Esta estimativa exibe mais graus de li-berdade e permite uma quantificacao mais facil da tendenciae do compromisso da variancia, comparada a` analise con-vencional de Fourier. O MTM tem a capacidade de detec-tar oscilacoes de pequena amplitude em uma serie temporalcurta sem a necessidade de filtrar o sinal. O metodo tambempossui um teste estatstico interno, teste-F (distribuicao F),para obter o nvel de significancia das periodicidades encon-tradas (Thomson, 1982).

    A Figura 9 apresenta o espectro de amplitude obtido como MTM para a serie doRz . Os principais perodos aparecemidentificados no grafico. Ao nvel de 95% de confianca, os

    perodos encontrados foram: 100,7; 27,5; 21,6; 11,2; 4,6;3,6; 3,4 e 2,80 anos.

    Figura 9. Espectro de amplitude do numero de manchas solares deWolf.

    O principal pico no espectro visto na Figura 9 e cla-ramente relacionado ao perodo do ciclo solar de 11 anos.Tambem e observado o perodo de 100,7 anos, associado aociclo de Gleissberg, o perodo de 21,6 anos, associado a ci-clo magnetico de 22 anos de Hale, e o perodo de 4,6 anos,provavelmente associado ao segundo harmonico do ciclo deSchwabe de 11 anos. O perodo de 27 anos e os perodosmenores nao tem uma associacao clara a algum ciclo conhe-cido de variacao da atividade solar.

    Uma comparacao do espectro usando o metodo deanalise por regressao iterativa (Rigozo e Nordemann, 1998)mostrou que os components espectrais mais estatisticamentesignificativos, para o perodo 1700-1999, foram 65,3; 52,0;12,0; 11,0; 10,0 e 8,5 anos (Rigozo et al., 2001). A analiseespectral do numero de Wolf tambem foi feita por variosautores. As caractersticas espectrais mais frequentementeidentificadas sao: um conjunto de perodos relacionadoao sinal de 11 anos, perodos relacionados ao segundoharmonico solar do ciclo de 11 anos, ao ciclo magnetico deHale de 22 anos e ao ciclo de Gleissberg em torno de 80-100anos (Herman e Goldberg, 1978). Alguns trabalhos recentesdemonstraram resultados similares aos apresentados nestetrabalho.

    V Reconstrucao do Numero de Man-chas Solares

    Rigozo et al. (2001) reconstruram o numero de WolfRz para um perodo de 1000 anos, utilizando a transfor-mada ondeleta (wavelet) para decompor a serie em nveis defrequencia e a analise por regressao iterativa para encontraras principais periodicidades, amplitudes e fases. Utilizandoa expressao:

  • 162 Ezequiel Echer et al.

    Rz(t) =n

    1

    rnsin(2t

    Tn+ n) (4)

    Eles calcularam a serie para o perodo de 1000 a 2000D.C., que se encontra reproduzida na Figura 10 juntamentecom a identificacao dos grandes maximos e mnimos da ati-vidade solar. Dois grandes maximos na atividade solar saoidentificados, o Medieval (ao redor de 1150-1200 D.C.) eo Moderno (a partir de 1900) e 5 grandes mnimos, Oort(1090-1140 D.C.), Wolf (1300-1380 D.C.), Sporer (1410-1515 D.C.), Maunder (1641-1715 D.C.) e Dalton (1790-1825 D.C.). Estes perodos sao coincidentes com maximos emnimos da atividade solar identificados atraves de registrosde radionucldeos naturais, tais como o C14 (Damon e Ler-man, 1978), mas foram obtidos de maneira totalmente in-dependente, utilizando-se uma reconstrucao matematica deperiodicidades contidas nos nveis de frequencia de ondeletada propria serie do Rz .

    Figura 10. Reconstrucao para 1000 anos do numero de manchassolares de Wolf feita por Rigozo et al. (2001).

    Pesquisas recentes tem demonstrado que os registrosisotopicos em arvores apresentam informacoes significati-vas sobre as mudancas ambientais e as relacoes Sol-Terrano passado. Um monitoramento indireto dessas variacoesno passado foi feito por Stuiver e Quay (1980), atraves demedidas dos conteudos do 14C produzidos na atmosferaterrestre e assimilados pelas arvores. Mudancas na razao deproducao do 14C estao associadas as magnitudes da ativi-dade solar, que apresentam uma relacao inversa - nas epocasque a atividade solar e maxima existe uma baixa producaodo 14C e nas epocas que a atividade solar e mnima existeuma maior producao do 14C -, estas flutuacoes se apresen-tam em escalas seculares bem como em escalas decadal,incluindo o ciclo solar de 11 anos. A existencia de tais

    variacoes seculares causadas pela atividade solar tambemtem sido confirmada pelas concentracoes do 10Be no gelo(Beer et al., 1988). Atraves desta relacao inversa entre osradionucldeos cosmogenicos e a atividade solar, acredita-seque nos ultimos 1000 anos o Sol apresentou algumas epocasem que estava bastante ativo e outras em que sua atividadeera baixa. Estas epocas sao chamadas de grandes maximose mnimos da atividade solar.

    A relacao inversa entre raios cosmicos e atividade so-lar e explicada porque os radionucldeos sao o produto dareacao de raios cosmicos galacticos (RCG) com constituin-tes da alta atmosfera. Na atividade solar maxima, o campomagnetico heliosferico e mais irregular e intenso, refle-tindo mais os RCG, reduzindo sua intensidade na terra, e,portanto, a producao de radionucldeos e menor. Duranteperodos de menor atividade solar, o campo magnetico heli-osferico, mais fraco, desvia menos os RCG e estes chegamem maior intensidade na alta atmosfera da Terra, aumen-tando a producao de radionucldeos.

    A Figura 11 apresenta uma superposicao de dados me-didos do C14 para o ultimo milenio com a Figura 10(reconstrucao das manchas solares para o ultimo milenio).Os mnimos de Dalton e Oort foram mnimos menos inten-sos do que os de Wolf, Sporer e Maunder, onde a atividadesolar diminui, mas nao tanto (Hoyt e Schatten, 1997). Omaximo medieval e o mnimo de Maunder, particularmente,sao coincidentes com perodos de anomalias climaticas, par-ticularmente temperaturas mais altas (no maximo Moderno)e mais frias (no mnimo de Maunder) no hemisferio norte.O que pode ser interpretado como indicador de uma possvelinfluencia da atividade solar sobre o clima terrestre (Hoyt eSchatten, 1997).

    Uma questao interessante foi levantada por Rigozo et al.(2001). O nvel de Rz no mnimo de Oort corresponde aonvel no mnimo de Dalton, e ambos foram seguidos pormaximos (Medieval e Moderno). Seria possvel entao queeste padrao seja reproduzido no futuro, isto e, o presenteMaximo Medieval podera ser seguido por tres mnimos pro-nunciados, tais como os de Wolf, Sporer e Maunder? E oclima da Terra poderia ser afetado de maneira similar ao pas-sado, com a observacao de uma tendencia de resfriamento?

    Embora na atualidade se observe uma tendencia noaquecimento global do clima, atribuda principalmente aoefeito estufa aumentado devido a maiores concentracoes at-mosfericas de CO2, nem toda variacao da temperatura glo-bal pode ser atribuda a este gas, e o papel da atividadesolar no clima da Terra, como e quanto o influencia, vemsendo amplamente pesquisado e debatido na comunidade ci-entfica (Hoyt e Schatten, 1997). Assim, nao se pode descar-tar a possibilidade de que, apesar do CO2 continuar aumen-tando suas concentracoes, uma reducao da atividade solarnas proximas decadas/seculos pode contribuir para o resfri-amento do clima.

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    Figura 11. Comparacao entre a serie de 14C de Stuiver e Quay (1980) e o numero de Manchas Solares de Wolf calculado por Rigozo et al.(2001).

    VI ConclusoesEste trabalho apresentou uma breve revisao sobre os con-ceitos basicos referentes a`s manchas solares, caractersticasescuras na superfcie solar por possurem intensos camposmagneticos que bloqueiam a conveccao sub-fotosferica e astornam mais frias do que a superfcie solar. Apresentaram-se o numero de manchas solares de Wolf e de Grupo,e comentou-se sobre o ciclo solar de 11 anos e outrosperodos. A reconstrucao para 1000 anos realizada por Ri-gozo et al (2001) tambem foi apresentada com a corres-pondente serie de radionucldeo C14 apresentando boa con-cordancia. O numero de manchas solares e um indicadorgeral da atividade magnetica do Sol, e inumeros fenomenossolares e interplanetarios, que afetam diretamente o ambi-ente eletromagnetico terrestre (magnetosfera), tem variacaomodulada por este ciclo, tais como a ocorrencia de ejecoescoronais de massa, de ondas de choque interplanetario: ex-plosoes solares e eventos de protons solares. Em con-sequencia, a ocorrencia de tempestades geomagneticas eoutras perturbacoes na magnetosfera terrestre e maior du-rante o maximo do ciclo solar. Tambem a incidencia deraios cosmicos galacticos na Terra e observada ser anti-correlacionada ao ciclo das manchas solares, pois duranteperodos de maximo solar o campo magnetico na heliosferatem uma estrutura mais complexa, e blinda melhor o SistemaSolar interno (Kivelson e Russel, 1995). Variacoes com o ci-clo solar na alta atmosfera da Terra (ionosfera) e na camadade ozonio terrestre sao bem conhecidas. Possveis efeitos dociclo solar no clima da Terra tem sido estudados e emboraeste assunto ainda seja controverso, ha varias evidenciasindicando uma variacao de 11 anos em varios parametros

    climaticos (Hoyt e Schatten, 1997).

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