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MALVERIQUE NECKEL A PRÁTICA DE LEITURA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA E SEUS GÊNEROS: UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR FLORIANÓPOLIS 2005 PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

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  • MALVERIQUE NECKEL

    A PRTICA DE LEITURA DA MSICA POPULAR BRASILEIRA ESEUS GNEROS: UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR

    FLORIANPOLIS2005

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  • MALVERIQUE NECKEL

    A PRTICA DE LEITURA DA MSICA POPULAR BRASILEIRA ESEUS GNEROS: UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Lingstica da Universidade Federalde Santa Catarina como exigncia parcial obtenodo ttulo de Mestre em Lingstica, rea deconcentrao, Lingstica Aplicada.

    Orientadora: Prof Dr. Rosngela HammesRodrigues

    FLORIANPOLIS2005

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  • MALVERIQUE NECKEL

    A PRTICA DE LEITURA DA MSICA POPULAR BRASILEIRA ESEUS GNEROS: UMA ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR

    Dissertao aprovada como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em

    Lingstica, pelo Programa de Ps-graduao em Lingstica da Universidade Federal de

    Santa Catarina, na rea de concentrao Lingstica Aplicada.

    Prof. Dr. Fbio Lopes da SilvaCoordenador do Programa de Ps-graduao em Lingstica da

    Universidade Federal de Santa Catarina

    BANCA EXAMINADORA:

    Prof. Dr. Rosngela Hammes RodriguesOrientadora

    Universidade Federal de Santa Catarina

    Prof. Dr. Terezinha Kuhn JunkesUniversidade Federal de Santa Catarina

    Prof. Dr. Heronides M. de Mello MouraUniversidade Federal de Santa Catarina

    Florianpolis, 21 de maro de 2005.

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  • Aos meus filhosMalwe e Bruno

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  • AGRADECIMENTOS

    Agradeo CAPES o apoio financeiro, por meio da bolsa de mestrado.

    Prof. Dr Rosngela Hammes Rodrigues, orientadora, a dedicao, a pacincia, os

    puxes de orelha e o incentivo, ajudando-me a crescer e despertando minha necessria

    inquietude.

    s professoras Mary Stela e Mary Neiva Surdi o incentivo e socorro nas horas de

    sufoco durante o mestrado.

    Aos meus colegas das vrias disciplinas que cursei durante o curso de ps-graduao

    em nvel de mestrado o companheirismo.

    minha me e aos meus irmos o apoio e o orgulho.

    minha esposa Eliane a dedicao, o carinho e ter segurado as pontas durante a

    minha ausncia.

    Aos colegas da banda a pacincia pelas minhas faltas nos ensaios.

    Aos meus filhos Malwe e Bruno, principal razo do meu esforo, existirem.

    A meu pai sua sempre presena, mesmo em outro plano.

    A DEUS.

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  • RESUMO

    O objetivo principal desta dissertao desenvolver uma proposta interdisciplinar de ensino-aprendizagem de leitura da msica popular brasileira e seus gneros. O foco terico dapesquisa centra-se na perspectiva sociointeracionista da linguagem e da leitura e numaperspectiva da msica popular brasileira como unio indissolvel entre a linguagem verbal eno-verbal. A base emprica da pesquisa ao desenvolveu-se em uma sala de aula de LnguaPortuguesa e Educao Artstica, numa 8 srie do Ensino Fundamental da rede estadual deensino de Santa Catarina. A metodologia contou com um perodo de observao e um deinterveno, considerado, mais precisamente, um perodo de participao ativa. O perodo deobservao possibilitou verificar e comprovar como ocorre o ensino-aprendizagem de leiturana disciplina de Lngua Portuguesa e, em ambas as disciplinas, como abordado o objeto deensino-aprendizagem (a msica), como acontece o processo de apreenso de sentido naatividade de leitura em sala de aula e, at mesmo, como ocorre e abordada a atividade deproduo de textos na escola. O perodo de participao ativa foi contemplado com a leiturade vrias msicas de diversos gneros da msica popular brasileira, seguida de discusses,que ofereceram real possibilidade de construo de sentido durante a leitura-interao doaluno com os textos e gneros desse campo da msica. Como fechamento do projeto deleitura, os alunos produziram uma msica do gnero rap, um dos gneros explorados em salade aula. A partir da anlise da elaborao didtica efetuada, observou-se que a msica popularbrasileira, como objeto de ensino-aprendizagem de leitura, mesmo num curto perodo detempo, permitiu que os alunos manifestassem leitura compreensiva dos textos (msicas)propostos, ou seja, eles demonstraram resposta ativa e, assim, foram alm do processo dedescodificao e repetio pura e simples dos textos apresentados pelo livro didtico, cujapresena era constante nas aulas observadas. Nesse sentido, este trabalho prope mudana dedirecionamento das aulas de leitura, de forma que nelas prevalea um real processo deinterao verbal, de confrontos de saberes e conhecimentos acumulados scio-historicamente,e no o cumprimento de meras atividades cristalizadas e monitoradas somente pelos textosdidticos ou provocadoras do silncio e do apagamento do mundo dos alunos.

    Palavras-chave: leitura; interdisciplinaridade; msica popular brasileira; gneros do discurso.

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  • ABSTRACT

    The main objective of this dissertation is to propose and develop an inter-curricular learningand teaching proposal concerning the reading of popular music and its genres. This researchfocus is on the socio-interactionist perspective of language and reading and on a perspectiveof Brazilian popular music as an indissoluble union between the verbal and nonverballanguage. The empirical basis of the action research was developed in Portuguese Languageand Arts classes, in an eight-grade classroom in Elementary School of the Educational Systemin Santa Catarina. An observation period and an intervention one characterized themethodology of the present study. The intervention period was considered more precisely asan active participation period. During the observation period was possible to notice and toprove how the teaching and learning process of reading is developed during the PortugueseLanguage classes. It was also possible to observe, in both subjects, how music, our learningand teaching object, is approached, how the students understand the meanings in their readingactivities in the classroom, and even how the text writing activities are approached anddeveloped at school. During the active participation period, the students worked on thereading of several Brazilian popular songs from different genres and discussed them as well.Besides allowing the students to have a real possibility of constructing meanings during theinteractive reading process with the texts and the different kinds of the music, as aconsolidation activity of the reading project, the students composed a rap song, that was oneof the musical genres studied during the classes. From the analysis of the data, it wasobserved that the Brazilian popular music, as an object of the teaching and learning process ofreading, even in a short period of time, allowed the students to have a comprehensible readingof the proposed texts, in other words, the students demonstrated their active reaction (theiranswer to the work) and then they could learn much more than they do when they just simplydecode and repeat the texts presented by the text book, which was a really present practiceobserved during the classes. This way, this work proposes a different approach to the readingclasses, where a real interaction verbal process can prevail, where the students can share andsocialize their different previous knowledge, and not just work on mere and unchangingactivities that are only monitored by the text books and that do not motivate the students to actand speak meaningfully, to change their world, remaining in silence and watching their worldfading.

    Keywords: reading; inter-curricular teaching; Brazilian popular music; speech genres.

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  • SUMRIO

    INTRODUO........................................................................................... 101 CONSIDERAES TERICAS PARA UMA VISO PEDAG-GICA E SOCIAL DA ATIVIDADE DE LEITURA ................................. 181.1 A ATIVIDADE DE LEITURA COMO PROCESSO COGNITIVO.......................... 191.2 A ATIVIDADE DE LEITURA COMO PROCESSO DE INTERLOCUO ........... 251.3 PERSPECTIVAS PEDAGGICAS ACERCA DA ATIVIDADE DE LEITURA..... 332 O OBJETO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA LEITURA: A

    MSICA POPULAR BRASILEIRA ...................................................... 402.1 A CONSTITUIO DA MSICA E SUA CONCEITUAO................................ 412.2 A MSICA COMO LINGUAGEM.......................................................................... 442.3 BREVE HISTRICO DA MSICA POPULAR BRASILEIRA............................... 482.4 A MSICA NA PERSPECTIVA PEDAGGICA.................................................... 532.5 O GNERO MUSICAL RAP.................................................................................... 573 METODOLOGIA .................................................................................... 613.1 CONSIDERAES SOBRE A PESQUISA-AO................................................. 623.2 A ESCOLA E OS PARTICIPANTES DA PESQUISA ............................................ 653.3 O PRIMEIRO PASSO DA PESQUISA: O PERODO DE OBSERVAO............. 683.4 O SEGUNDO PASSO DA PESQUISA: O PERODO DE PARTICIPAO

    ATIVA ..................................................................................................................... 684 ANLISE DOS DADOS.......................................................................... 714.1 A OBSERVAO DAS AULAS DE LNGUA PORTUGUESA............................. 724.1.1 O uso do Livro Didtico ......................................................................................... 734.1.2 A produo de Textos ............................................................................................ 804.1.3 As aulas de Leitura Livre ....................................................................................... 874.2 A OBSERVAO DAS AULAS DE EDUCAO ARTSTICA............................ 914.2.1 A arte na Histria ................................................................................................... 924.2.2 O trabalho com o folclore....................................................................................... 944.2.3 O trabalho com Poesia ......................................................................................... 964.3 DIRIO DA PARTICIPAO ATIVA ................................................................... .994.3.1 O Aluno como Co-responsvel pelos Objetivos Pedaggicos (2/10/2003) .............. 1014.3.2 Concepes de Leitura: ler ou oralizar (3/10/2003)................................................. 1034.3.3 Leitura Estudo do Gnero Rock/pop: a leitura compreenso e a leitura pretexto

    (12/10/2003) .......................................................................................................... 1074.3.4 Eginha Pocot: leitura e debate dos diferentes nveis de linguagem

    (15/10/2003) .......................................................................................................... 1104.3.5 A Atividade de Produo Textual: um autor annimo(17/10/2003)......................... 1144.3.6 Leitura de Msicas com Assuntos do Cotidiano do Aluno (24/10/2003) ................. 1194.3.7 Reconstruo dos Textos dos Alunos: a prtica de anlise lingstica (30/10/2003) 1244.3.8 Breve Histrico da Msica Popular Brasileira (31/10/2003) ................................... 1274.3.9 Leitura Estudo do Gnero Rap: tema, estilo e composio (05/11/2003)................. 1294.3.10 O processo de produo textual coletiva da letra da msica do gnero Rap(12/11/2003) ................................................................................................................... 131

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  • 4.3.11 A Leitura da Msica Produzida pelos Alunos (26/11/2003) .................................. 1334.4 AVALIAO DA PESQUISA................................................................................. 135CONSIDERAES FINAIS......................................................................142REFERNCIAS..........................................................................................145ANEXOS .....................................................................................................148

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  • LISTA DE CONVENES DE TRANSCRIO

    A Aluno(a)

    P Professora

    Pesq. Professor pesquisador

    As Alunos(as)

    ... Pausa na fala

    ( ) Comentrio do pesquisador

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    INTRODUO

    Esta dissertao pauta-se no intento maior de desenvolver uma proposta

    interdisciplinar de ensino-aprendizagem de leitura da msica popular brasileira e seus

    gneros. Para tanto, relata a pesquisa realizada em uma 8 srie do Ensino Fundamental do

    perodo noturno da Escola Estadual Professor Nelson Horostecki, no municpio de Chapec,

    em que se aliaram os conhecimentos construdos durante o Curso de Letras na UNOESC

    (Universidade do Oeste de Santa Catarina) e o Curso de Mestrado da Ps-graduao em

    Lingstica da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) com a experincia do

    pesquisador como msico profissional e com aspectos da realidade escolar, proporcionados

    pela forma como a pesquisa foi conduzida.

    Antecipadamente deciso de ter como meta de pesquisa a realizao de um trabalho

    interdisciplinar de ensino-aprendizagem de leitura da msica popular brasileira, o que

    motivou e conduziu este trabalho foi, primeiramente, uma busca por meios de melhorar a

    prtica de leitura no apenas na disciplina de Lngua Portuguesa (que tem essa prtica como

    uma das unidades de ensino), mas em todas as instncias pedaggicas e no-pedaggicas que

    necessitam e utilizam-se da leitura como meio para atingir seus objetivos. Para isso, em vez

    de reproduzir os discursos pessimistas sobre as dificuldades e problemticas do atual ensino

    no Brasil, optou-se por desenvolver um projeto de pesquisa-ao que esboasse um dos

    caminhos possveis para o ensino-aprendizagem da leitura.

    Iniciou-se o projeto em consonncia com as perspectivas de muitos autores que

    tambm acreditam que o ensino da leitura no deve ser responsabilidade apenas do professor

    de Lngua Portuguesa. Alm disso, adota-se tambm a posio de Orlandi (1996, p.7-11), que

    afirma que um ponto central dos problemas que constituem o ensino-aprendizagem de leitura

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  • 11

    a polissemia da noo de leitura no meio pedaggico. Segundo a autora, a leitura deve ser

    entendida como atribuio de sentidos, pois saber ler saber o que o texto diz e o que ele

    no diz. Ainda, segundo a mesma autora, a leitura no apenas uma questo lingstica,

    pedaggica ou social. Ela constituda, na verdade, pelos trs aspectos ao mesmo tempo.

    Observando a leitura sob essa perspectiva, a interdisciplinaridade um meio de fugir desse

    reducionismo e do discurso constante de responsabilizar, em uma educao fragmentria,

    apenas uma disciplina pelo sucesso ou fracasso dessa atividade, que permeia todas as

    disciplinas escolares e a sociedade. Essa a principal razo de se optar por um trabalho

    interdisciplinar de leitura. Afinal, como mencionado, todas as instncias pedaggicas e no

    pedaggicas utilizam a leitura para atingir seus mais variados objetivos.

    No acredito que se deva restringir a reflexo da leitura ao seu carter maistcnico. Isso conduz ao tratamento da leitura apenas em termos deestratgias pedaggicas exageradamente imediatistas. E a leitura deve ter, naescola, uma funo no trabalho intelectual geral. Na perspectiva imediatista,as solues propostas colocam disposio do aluno apenas um artefatoescolar pronunciadamente instrumental. Visando a urgncia de resultadosescolares, se passa por cima de aspectos fundamentais que atestam a histriadas relaes com o conhecimento tal como ele se d em nossa sociedade,assim como sobre a histria particular de nossas instituies do saber e seusprogramas. (ORLANDI, 1996, p.35-36).

    Em concordncia com essa perspectiva de ensino-aprendizagem de leitura e refletindo

    sobre ela, Foucambert (1994, p.34) afirma o seguinte:

    fcil compreender que o aprendizado da leitura no depende dajustaposio das escolhas de mtodo que os docentes podem fazer, cadaum para sua classe, mas sim, da organizao geral da escola, da polticacoerente que a equipe pedaggica decide adotar para o ensino em seuconjunto. Isso porque tais condies de poder dependem, primeiramente, deestruturas que ultrapassam amplamente o mbito da sala de aula. toda aescola que deve organizar-se em torno de servios gerais,responsabilizando-se pelas diversas funes que permitem a umacoletividade viver, ou seja, gerir seu funcionamento interno e suas relaescom o ambiente.

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  • 12

    Assim, em virtude de a leitura ser um instrumento necessrio vida escolar e a toda

    comunidade grafocntrica e, por essa mesma razo, considerar-se imprescindvel a diviso da

    responsabilidade do sucesso ou fracasso do seu ensino no apenas entre os docentes de

    Lngua Portuguesa, mas com toda a organizao da escola, traou-se um projeto de pesquisa

    de ensino-aprendizagem de leitura que divide essa responsabilidade com outra rea do saber,

    a disciplina de Educao Artstica. Para isso, optou-se pela msica popular brasileira1 como

    objeto de ensino-aprendizagem de leitura, pois, alm de tratar-se de um contedo que j faz

    parte do currculo da disciplina de Educao Artstica, no que diz respeito disciplina de

    Lngua Portuguesa, tambm uma infinidade de letras de msica so usadas como objeto de

    leitura.

    Alm dessas razes, a partir do objeto de ensino-aprendizagem, procurou-se uma

    forma de aproximar os alunos de uma relao entre os textos artstico-musicais e seus gneros

    e os demais textos e gneros do discurso, pois tambm nessa inter-relao que os

    enunciados produzem, reproduzem e entrecruzam (dialogismo) os sentidos em circulao na

    sociedade. Sobre essa relao de dilogo entre os textos de diferentes naturezas semiticas,

    Bakhtin (1997, p.329) afirma o seguinte:

    Se tomarmos o texto no sentido amplo de conjunto coerente de signos, entotambm as cincias da arte (a musicologia, a teoria e a histria das artesplsticas) se relacionam com textos (produtos da arte). Pensamentos sobrepensamentos, uma emoo sobre a emoo, palavras sobre palavras, textossobre textos.

    1 Nesse caso, entende-se a msica popular brasileira como parte do universo da msica, diferenciada de outros domnios quecompem o universo musical, como a msica clssica, a msica religiosa, a msica sertaneja etc. A msica popular brasileira composta por determinados gneros musicais, como o rock, o pop, o reggae, o rap, o forr, a msica gauchesca, nativistaetc. Essa parte da rea da msica no pode ser confundida com a msica dita MPB (Msica Popular Brasileira), que considerada por uma infinidade de crticos musicais e musiclogos um gnero musical, pois, pensando bakhtinianamente, aMPB tem certa estabilidade lingstica (de linguagem), social e ideolgica. Essas questes sero abordadas no captulo 2.

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    Enfim, alm das justificativas apontadas para a escolha da msica popular brasileira

    como objeto de pesquisa, no se pode deixar de destacar a insero dos gneros musicais em

    grande parte dos meios de comunicao, estando eles, portanto, presentes na realidade

    imediata do aluno. A msica popular brasileira um campo da msica constitudo por gneros

    que, por serem facilmente encontrados na sociedade, apresentam-se com certa familiaridade

    para o aluno. Em relao positividade dessa aproximao do aluno com textos de gneros

    que lhe so familiares, Kato (1995, p.75-76) afirma que um texto de contedo altamente

    familiar possibilita ao leitor usar muitos de seus esquemas, o que nos faz prever uma leitura

    com um bom componente de processos, dedutivos e analticos ; no entanto, para a leitura de

    um texto de contedo pouco familiar, de nada serve esse arsenal de esquemas do leitor. Por

    isso, fundamental a interao do aluno leitor com o seu mundo, como ponto de partida para

    a leitura de outros mundos possveis.

    O objetivo e a metodologia partiram, tambm, do princpio de que o ensino-

    aprendizagem da atividade de leitura no ambiente escolar geralmente uma prtica de

    estilhaamento, causada pela utilizao de textos fragmentados ou descontextualizados, seja

    em virtude do livro didtico ou de outro meio pedaggico de apresentao dos textos. Dessa

    forma, se oferece aos aprendizes de lngua materna envolvidos nesta pesquisa uma proposta

    no-fragmentria e contextualizada de prtica de leitura na escola.

    claro que, como discutido, a opo pela msica popular brasileira como objeto de

    leitura no novidade, no que diz respeito a sua utilizao no meio pedaggico. Todavia, o

    diferencial centra-se em duas perspectivas precisas: a primeira diz respeito ao fato de que se

    aborda efetivamente a msica popular brasileira, no apenas as letras das msicas, e,

    quando se fala desse campo da msica, considera-se a unio indissolvel entre letra e msica

    (harmonia, melodia, ritmo e gnero), como objeto de ensino-aprendizagem da atividade de

    leitura; a segunda que se procura, a todo o momento, no utilizar a leitura da msica como

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  • 14

    mero pretexto para enfocar outros contedos no ou muito pouco relacionados com o ato de

    ler isso, quando aconteceu, teve importncia secundria, pois a atividade de leitura como

    compreenso de outros textos e dilogo com eles foi a perspectiva que sempre guiou o

    trabalho.

    A proposta de trabalho com a msica popular brasileira no Ensino Fundamental pauta-

    se em uma concepo de ensino-aprendizagem de lngua materna sociointeracionista. Os

    gneros que compem o campo da msica popular brasileira proporcionaram meios para

    abordar, com mais facilidade, o texto na sua dimenso textual-discursiva. Alm disso, a

    msica popular brasileira composta por gneros musicais que so passveis de diferentes

    abordagens, possibilitando ao aluno leitor o dilogo com diferentes situaes de interlocuo

    e diferentes vises de mundo (horizontes axiolgicos). Como afirma Brando (2000, p.180),

    uma abordagem que privilegie a interao no pode estudar o texto de forma indiferenciada,

    em que qualquer que seja o texto, vale o mesmo modo de aproximao.

    Por ltimo, importante destacar a preferncia pela pesquisa-ao tambm como

    forma de fugir do formalismo esttico que compe muitas das pesquisas e produes

    cientficas. Acredita-se que existe necessidade no apenas pedaggica, mas tambm poltica

    de aproximar os mestrados em Lingstica e em Educao dos maiores interessados nas novas

    pesquisas e nos novos dilogos promovidos para o meio educacional: aqueles envolvidos

    diretamente no ensino, que so os professores, os alunos e a prpria esfera escolar.

    Segundo Linhares et al. (1991, p.59-58, grifo dos autores), ainda est em vigncia no

    Brasil uma diviso de tarefas, em que a produo e a transmisso do conhecimento trabalham

    em instncias separadas:

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  • 15

    [...] o lcus da pesquisa seria a universidade sobretudo a ps-graduao em contraposio aos ensinos Fundamental e Mdio, onde deveria acontecera prtica da disseminao do conhecimento. Assim, supomos que exista umadicotomia entre alguns que produzem o conhecimento e outros queexecutam a sua divulgao.

    claro que, ao optar por essa forma de pesquisa de cunho interventivo e colaborativo,

    alguns problemas vinculados realidade da sala de aula vm tona. Assim sendo, o

    planejamento e o desenvolvimento da pesquisa e das aulas ocorreram conforme a percepo

    acerca das condies de produo propostas pela escola e pelas disciplinas envolvidas. Nesse

    tipo de estudo, o pesquisador acaba tendo de respeitar algumas regras institucionalizadas e

    que, no desafio da pesquisa, devem ser adequadas ao trabalho em andamento. Assim, questes

    no objetivadas pela pesquisa, como a produo textual, o ensino de questes de lngua, a

    prpria avaliao escolar e os conflitos escolares, acabaram sendo enfocadas como

    acontecimentos no previstos no projeto inicial do trabalho pedaggico, que se incorporaram

    a ele e foram relevantes para os resultados da pesquisa.

    Apesar de no caber apenas ao pesquisador o andamento das aulas, que so sempre

    dependentes das condies de produo oferecidas pela escola (que se refere aos alunos,

    professores, planejamentos curriculares e at mesmo ao meio social em que ela se insere), os

    objetivos previstos efetivamente nortearam o desenvolvimento da pesquisa. Assim, acredita-

    se que os contedos e aspectos no objetivados inicialmente no planejamento, que apareceram

    durante a trajetria de trabalho, no alteraram os objetivos da pesquisa.

    Esta pesquisa orienta-se pelos seguintes objetivos, separados em tpicos:

    Objetivo geral

    Desenvolver uma proposta interdisciplinar de ensino-aprendizagem de leitura da

    msica popular brasileira e seus gneros no Ensino Fundamental.

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  • 16

    Objetivos especficos

    Investigar qual o lugar e papel da msica popular nas disciplinas de Lngua

    Portuguesa e Educao Artstica, a partir da anlise de livros didticos do Ensino

    Fundamental e das aulas dos professores da turma escolhida para a pesquisa-

    ao;

    Observar as prticas de leitura propostas pelo professor de Lngua Portuguesa;

    Analisar as concepes tericas e metodolgicas que sustentam a prtica

    pedaggica do professor nas aulas de leitura, de modo geral e quando prope o

    uso da msica popular como atividade escolar;

    Observar as prticas pedaggicas do professor de Educao Artstica;

    Analisar as concepes tericas e metodolgicas que sustentam a prtica do

    professor de Educao Artstica; e

    Promover a interdisciplinaridade entre as disciplinas de Lngua Portuguesa e

    Educao Artstica, por meio de contedos relacionados msica popular e

    leitura.

    Em termos de organizao, este estudo est dividido em mais quatro captulos textuais,

    afora as ltimas consideraes. No primeiro captulo da dissertao, apresenta-se a

    fundamentao terica sobre leitura que norteou a pesquisa, abordando as vrias faces das

    concepes de leitura e o seu ensino-aprendizagem na escola. Apesar de o mote do estudo ser

    a perspectiva sociointeracionista, adentram-se tambm as questes relacionadas leitura

    numa viso cognitivista, pois so inegveis as contribuies de alguns tericos dessa

    perspectiva para a compreenso da atividade de leitura, principalmente no que diz respeito ao

    aspecto pedaggico. Apesar de se contrapor e articular essas duas concepes tericas e do

    trabalho se fundamentar nelas, o olhar do pesquisador esteve sempre voltado precisamente

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  • 17

    para a atividade de leitura numa concepo interlocutiva, ou seja, a leitura como interao

    social.

    O segundo captulo refere-se aos aspectos tericos relacionados ao objeto de ensino-

    aprendizagem da leitura: a msica popular brasileira. Nessa seo, alm de se permear as

    relaes da msica com a histria e a cultura, articula-se o objeto de ensino-aprendizagem a

    aspectos relacionados linguagem e sala de aula.

    No terceiro captulo, expe-se a metodologia que guiou a pesquisa. Inicialmente,

    abordam-se as concepes epistemolgicas da pesquisa-ao, em seguida, apresentam-se e

    discutem-se questes relacionadas ao espao e aos sujeitos envolvidos na pesquisa.

    No quarto captulo, relata-se o perodo de observao e de participao ativa, sempre

    se interpondo e articulando os acontecimentos com a fundamentao terica desta pesquisa.

    Esse relato seguido de uma avaliao geral da pesquisa realizada, que revisita os objetivos

    propostos e os pressupostos da pesquisa-ao.

    Nas consideraes finais, revela-se o anseio pela continuidade deste trabalho e a

    importncia da incorporao da msica popular como objeto de ensino-aprendizagem de

    leitura. Por fim, reafirma-se o que se discute em toda a dissertao, ou seja, a relevncia do

    respeito pelo conhecimento do aluno adquirido fora do ambiente escolar, sua cultura e sua

    viso de mundo.

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  • 18

    1 CONSIDERAES TERICAS PARA UMA VISO PEDAGGICA E

    SOCIAL DA ATIVIDADE DE LEITURA

    Apesar de o objeto de investigao e a prxis desta pesquisa abrangerem vrios

    aspectos da linguagem, ela centra-se, mais precisamente, nas vrias perspectivas acerca da

    atividade de leitura. As posies discursivas do autor e do leitor, mediadas pelo texto e pela

    lngua, e o contexto scio-histrico so fundamentais para que se possam evidenciar questes

    conceituais e procedimentais que constituem o ato de ler. Aborda-se a atividade da leitura

    numa perspectiva de interlocuo, compartilhando a postura terica de Marcuschi (2002,

    p.22) de que a lngua a partir de hipteses scio-interativas [...] uma forma de ao social e

    histrica.

    Como a leitura pode ser estudada com base em diferentes aspectos, como o cognitivo,

    o lingstico, o social e o pedaggico, procura-se, em razo de a pesquisa estar voltada aos

    aspectos pedaggicos, considerar diferentes perspectivas tericas, porm se privilegia a

    posio sociointeracionista, focalizando a leitura mais intimamente, a partir da interao

    verbal. Com esse procedimento, objetiva-se dar voz no apenas ao discurso terico e

    pedaggico sobre o ensino da leitura, mas aos participantes envolvidos diretamente neste

    estudo: os alunos, que so a razo de ser desta e de vrias outras pesquisas que a antecederam,

    na busca por meios para desenvolver na escola essa atividade a leitura , que transpassa

    todo o meio pedaggico, independentemente da rea ou disciplina, e a sociedade.

    Assim, na primeira seo deste captulo, aborda-se a leitura, a partir da perspectiva

    cognitiva; mais precisamente, remete-se s questes referentes memria do sujeito leitor,

    como mecanismo fundamental na constituio desse processo, que o ato de leitura. Na seo

    seguinte, trata-se da leitura numa perspectiva sociointeracionista, at focar-se referncias

    PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

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  • 19

    voltadas mais especificamente aos seus aspectos pedaggicos. Nessa seo, em especial,

    parece vivel um dilogo entre o ato de ler como processo cognitivo (a partir da noo de

    memria) e uma viso sociointeracionista da leitura.

    1.1 A ATIVIDADE DE LEITURA COMO PROCESSO COGNITIVO

    Contrariando um enfoque antes restrito s habilidades perceptivas e motoras, nos anos

    1970 e 1980, a atividade de leitura foi abordada sob uma viso cognitiva, preocupada,

    sobretudo, com o sujeito leitor. Nessa perspectiva, a leitura conceituada como um processo

    de descodificao, de busca e extrao de significados de um texto, de reconstruo de

    sentido e de compreenso.

    A atividade de leitura constituda a partir de uma multiplicidade de processos

    cognitivos, nos quais o leitor se engaja na busca de sentido do texto escrito. Revendo sob uma

    viso pedaggica essa afirmao, pressupe-se que o papel do professor criar e desenvolver

    estratgias que permitam efetivar a leitura mediante o conhecimento dos aspectos envolvidos

    na compreenso (KLEIMAN, 2002).

    Para Kleiman (2002), a leitura no um objeto abstrato, mas uma realidade material e

    um objeto coerente. Dessa forma, pode-se considerar que a compreenso de um texto escrito

    no apenas um ato individual e cognitivo, mas tambm social, pois a prpria compreenso

    verbal extrapola os limites desse processo. O material verbal apenas uma parte do todo que

    envolve o ato de ler.

    De fato, a compreenso de um texto escrito envolve a compreenso de frasese sentenas, de argumentos, de provas formais e informais, de objetivos, deintenes, muitas vezes de aes e de motivaes, isto , abrange muitas daspossveis dimenses do ato de compreender, se pensarmos que acompreenso verbal inclui desde a compreenso de uma charada at acompreenso de uma obra de arte. (KLEIMAN, 2002, p.10).

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  • 20

    Em concordncia com essa concepo cognitiva da leitura, porm voltado para o ato

    de ler mais como produto e nem tanto como processo, Cagliari (1998, p.150) afirma que a

    leitura opera no mundo da escrita, do significado e da oralidade. Trata-se de um processo

    extremamente complexo, que no envolve apenas aspectos relacionados semntica, mas

    tambm a fatores culturais, ideolgicos, filosficos e at fonticos.

    Um dos pontos relevantes da leitura como processo cognitivo diz respeito ao

    conhecimento prvio do leitor. Segundo Dalla Zen (1997, p.54), na atividade de leitura o

    leitor leva em considerao o que j sabe, ou seja, o conhecimento acumulado ao longo de

    sua vida, o qual altamente relevante para a compreenso do que est sendo lido. Ao se

    pensar na leitura como processo de aquisio de significados, esse conhecimento prvio do

    leitor um aspecto relevante, que no pode ser deixado de lado, ao contrrio, deve ser

    ativado.

    De acordo com Kleiman (2002, p.13), a leitura um processo interativo, pois o

    leitor interage constantemente com diversos nveis de conhecimento, como o lingstico, o

    textual e o conhecimento de mundo, que so conhecimentos prvios bsicos para a construo

    do sentido no ato de ler.

    A primeira forma de conhecimento prvio do leitor, ou seja, o conhecimento

    lingstico, desempenha papel central no processamento do texto, que aquela atividade pela

    qual as palavras [...] so agrupadas em unidades ou fatias maiores, tambm significativas

    (KLEIMAN, 2002, p.13). O conhecimento lingstico um conhecimento implcito, no-

    verbalizado, nem verbalizvel, na grande maioria das vezes, que faz com que, por exemplo,

    falemos o portugus como falantes nativos. Ele abrange desde o conhecimento da pronncia

    da lngua em questo, passando pelo seu vocabulrio e regras gramaticais, chegando ao

    conhecimento sobre o seu uso.

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  • 21

    J o conhecimento textual, segundo as teorias cognitivas, refere-se ao conhecimento

    de estruturas textuais e de tipos de discurso necessrios ao leitor na efetivao do ato de ler.

    Para essas teorias, os tipos de discurso dizem respeito, mais precisamente, aos domnios

    discursivos, como o jornalstico, o jurdico, o literrio etc. Assim, quanto maior a exposio

    do leitor a diferentes textos, diferentes estruturas textuais e tipos de discurso, com menos

    dificuldade esse leitor reconhecer e compreender os mais diversos textos presentes na vida

    em sociedade.

    O terceiro tipo de conhecimento prvio, o conhecimento de mundo, diz respeito

    recuperao parcial ou rpida do conhecimento extralingstico acumulado pelo leitor durante

    a sua vida. o conjunto de informaes e assuntos diversos adquiridos no seu meio social, os

    quais so resgatados sucessivamente de sua memria, no ato da leitura. relevante que se

    ressalte tambm a necessidade de conhecimento mtuo entre os envolvidos na leitura, ou seja,

    leitor e autor (KLEIMAN, 2002).

    Em consonncia com o que foi exposto at aqui, Kato (1999, p.8) afirma que, no ato

    da leitura, o reconhecimento das formas verbais determinado, em boa parte, por

    processos de inferncias e de predies ditadas pelo conhecimento lingstico e

    extralingstico do leitor. Pensando na maneira como ocorre o processamento em leitura, a

    autora afirma que se trata, na verdade, de um processo de reconhecimento instantneo, em que

    as palavras so lidas como um todo e no letra por letra ou slaba por slaba. o

    reconhecimento ou a interpretao da palavra por meio do todo.

    Da mesma forma [...] que podemos identificar uma rvore enxergandoapenas uma parte de sua copa, a palavra pode ser reconhecida ou adivinhadasem que enxerguemos a sua totalidade. A leitura de uma palavra por umleitor competente feita, pois, de maneira ideogrfica. (KATO, 1999, p.34).

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  • 22

    Em resumo, para Kato (1999, p.39), a preciso da leitura de uma palavra

    dependente dos seguintes fatores: de a palavra estar registrada no lxico visual do leitor e a

    freqncia com que ele foi exposto a ela; do conhecimento de regras e imposies

    fonottico-ortogrficas, sintticas, semntico-pragmticas, colocacionais e estilsticas, para

    que o leitor possa predizer sua forma e seu contedo; e da capacidade do leitor de inferir e

    antecipar itens ainda no vistos. Como dito, segundo a autora, uma leitura proficiente no se

    processa palavra por palavra, mas por blocos que constituem unidades de informao (1999,

    p.40). Esses blocos, os quais Kato denomina unidades de informao, em nvel de

    compreenso, so dependentes do conhecimento de mundo do leitor ou de fatores previsveis

    do texto. Somente a partir de tais expectativas torna-se possvel a plenitude de uma leitura

    interpretativa.

    Vale ressaltar que um dos principais pontos conceituais que envolvem a leitura quanto

    ao processamento de informao, conforme a perspectiva cognitiva, a descodificao.

    Segundo Kato (1999, p.50), o processamento de informao na leitura ocorre via dois tipos

    bsicos de processamento: o descendente (top-down), que uma forma de abordagem no-

    linear, em que as dedues so obtidas de forma no visual e cuja direo parte da macro para

    a microestrutura de um texto e da funo para a forma; e o ascendente (bottom-up), que uma

    abordagem que faz o caminho inverso, ou seja, em que se constri o significado, partindo-se

    das unidades menores para as maiores. A autora observa que, enquanto a psicologia

    privilegiou o primeiro tipo de processamento nos seus modelos de aprendizagem, a lingstica

    estruturalista, pela sua prpria histria, privilegiou o segundo. Para Kato, esses tipos de

    processamento podem servir para descrever tipos de leitores. Nessa perspectiva,

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  • 23

    [...] o leitor maduro [...] aquele que usa, de forma adequada e no momentoapropriado, os dois processos complementarmente. o leitor para quem aescolha desses processos j uma estratgia meta-cognitiva, isto , o leitorque tem um controle consciente e ativo de seu comportamento (KATO,1999, p.51).

    J para Cagliari (1998, p.150, grifo do autor), a leitura eficiente realiza-se por dois

    processos distintos:

    [...] uma decifrao e uma decodificao. O leitor dever em primeiro lugardecifrar a escrita, depois entender a linguagem encontrada, em seguidadecodificar todas as implicaes que o texto tem e, finalmente, refletir sobreisso e formar o prprio conhecimento e opinio a respeito do que leu.

    Assim, segundo o autor, impossvel que um escritor defina limites precisos de leitura

    para sua obra, pois cada leitor interfere na leitura conforme seu conhecimento de mundo. Uma

    obra completamente dependente da estrutura de conhecimento do leitor. Essa leitura inferida

    a partir do modo pessoal e da histria do leitor denominada pelo autor leitura paradigmtica.

    J se a leitura ocorrer apenas a partir do sentido literal da palavra, buscando apenas um

    significado, nomeada como leitura sintagmtica.

    Uma leitura sintagmtica aquela em que o leitor acompanha palavra porpalavra, numa certa ordem, adquirindo, em geral, apenas um significadoliteral de leitura; j uma leitura paradigmtica faz com que o leitor no sdescubra o significado literal das palavras e expresses, medida que vailendo, como tambm traga para esse significado os conhecimentosadicionais, oriundos de seu modo pessoal de interpretar o que leu, tendo emvista toda sua histria como leitor e falante de uma lngua (CAGLIARI,1998, p.152).

    Voltada a uma crtica ao modelo centrado nas habilidades perceptivas e motoras e

    adotando uma perspectiva mais pedaggica da atividade da leitura, Dalla Zen (1997, p.51)

    afirma que o processo de decodificao e a construo de significados ocorrem paralelamente:

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  • 24

    os significados no so obtidos apenas atravs de palavras, frases, pargrafos ou mesmo

    textos. Segundo a autora, fundamental que o ensino de leitura preveja essa perspectiva de

    aquisio do leitor aprendiz, pois, assim, os ndices visuais devem ser enriquecidos medida

    que ocorre a interao do texto com o conhecimento e a viso de mundo do leitor.

    E quanto ao trabalho com leitura? Ao que parece, pelas condies em que sedesenvolve, professora e alunos no tm operado com a idia de que a leitura um processo de interao entre leitor e texto e que nesse encontro a histriade ambos se modifica. Modifica-se o leitor porque acorda toda a suaexperincia de mundo e a coloca em confronto com a experincia do autorque ganha outra vida. um intercmbio ativo. No estamos, neste caso,falando apenas de um texto ou de uma leitura, mas das vrias possibilidadesde leitura que um mesmo texto oferece (DALLA ZEN, 1997, p.27).

    A atividade de leitura consiste no processo de formular um juzo de valor sobre o que

    est escrito, uma vez que ler significa ser questionado pelo mundo e por si mesmo, significa

    que certas respostas podem ser encontradas na escrita, significa construir uma resposta que

    integra parte das novas informaes ao que j se (FOUCAMBERT, 1994, p.9).

    Logo, pode-se concluir que a atividade de leitura perpassa a mera perspectiva da

    decodificao das palavras, trata-se de um processo de compreenso que deve chegar s idias

    centrais, s inferncias, descoberta dos menores detalhes e s concluses a respeito de um

    texto. O ato de ler um processo de percepo e interpretao de sinais grficos e das

    relaes de sentido que os mesmos guardam entre si (ZILBERMANN, 1986, p.26-27).

    Assim, resumidamente ao que foi exposto nesta seo dedicada a apenas algumas

    pinceladas acerca da leitura como processo cognitivo, quer-se ressaltar que uma das maiores

    contribuies dos estudiosos cognitivistas para esta pesquisa diz respeito importncia e ao

    carter de necessidade do conhecimento prvio do leitor para uma leitura eficiente. no

    respeito pelo mundo do leitor que deve estar centrada uma perspectiva pedaggica que

    almeje no apenas o aluno decifrador, mas o aluno ativo e crtico. Essa contribuio vai

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  • 25

    muito alm de uma viso cognitiva, ela vem ao encontro das teorias centradas na leitura como

    interlocuo.

    O cuidado com o aspecto conhecimento de mundo do leitor, principalmente no que

    diz respeito ao seu conhecimento sociocultural, foi um dos motes importantes que guiaram a

    parte procedimental desta pesquisa e que pode ser observado na proposta de ensino-

    aprendizagem de leitura da msica popular brasileira (apresentada nos captulos 3 e 4).

    1.2 A ATIVIDADE DE LEITURA COMO PROCESSO DE INTERLOCUO

    Nos ltimos anos, mais precisamente na dcada de 1990, surgiu no Brasil, como

    reflexo de uma concepo scio-histrica da linguagem e da aprendizagem, sobretudo no que

    se refere s concepes de Bakhtin e Vygostsky, uma perspectiva da atividade de leitura como

    processo de interlocuo. O ato de ler, segundo essa perspectiva, delineia-se agora pela

    atividade discursiva, fundada em, e constitutiva das interaes verbais (SMOLKA, 1989,

    p.24).

    Com os estudos na rea interacionista, houve mudana de foco na atividade de leitura.

    O texto como produto deixa de ser o principal elemento de anlise do ato de ler, para dar lugar

    ao processo de interlocuo, em que a leitura torna-se uma relao de confronto entre os

    interlocutores. Conforme Orlandi (1996, p.9), o leitor no interage apenas com o texto, mas

    com outros sujeitos, num processo de interao, de dilogo.

    Essa nova concepo de leitura e a nfase nas suas possveis interlocues no meio

    pedaggico podem ser observadas nas formulaes das novas propostas curriculares nacionais

    e estaduais, bem como nas ainda confusas tentativas de abordagem didtica da leitura, numa

    perspectiva interacionista, nos novos livros didticos. De um modo ou de outro, essas

    diferentes abordagens pedaggicas da atividade de leitura desses documentos procuram

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  • 26

    encontrar meios que concretizem a formao de leitores crticos e ativos socialmente.

    Como exemplo dessa nova perspectiva, sustentada pela teoria sociointeracionista e

    objetivando a formao de alunos leitores crticos e comprometidos com um processo

    histrico e social da linguagem, a Proposta Curricular de Santa Catarina (SANTA

    CATARINA, 1998, p.80) parte do pressuposto de que o ser humano deve ser entendido

    como social e histrico. De acordo com a proposta, no mbito terico, isso significa ser

    resultado de um processo histrico conduzido pelo prprio homem. A linguagem

    considerada mais do que mera habilidade ou parte desse conhecimento, aquilo que reproduz

    sentidos e torna concreta essa interao social entre os sujeitos histricos, por meio do

    discurso concretizado nos textos, considerados como centro do processo de interao

    locutor/interlocutor, autor/leitor. Assim sendo, a proposta considera que o sentido ou a

    compreenso do texto no se encontra nele mesmo, mas no espao entre o prprio texto, o

    autor e o leitor.

    Nesse aspecto,

    Nos dias de hoje, j no se pode mais trabalhar a literatura ou a leitura damesma forma que h um sculo. O que se queria do aluno nas aulas deleitura nesse tempo que j vai longe e o que se quer hoje deve ter e tem, comcerteza, uma diferena substancial. Se no primeiro caso buscava-se aformao do leitor decodificador, no segundo, busca-se o leitor/criador,recriador e contestador. Vai da que, se num primeiro momento se trabalhoucom um leitor que nos devolvia o texto que apenas decodificava atravs dequestionrios, resumos ou fichas de leitura neste momento novo no sequer mais o texto decodificado e sim recriado, ampliado e, por isso mesmo,lido. Essa mudana de concepo de leitor exige tambm uma mudana deencaminhamento de leitura. (SANTA CATARINA, 1998, p.43).

    Para compreender melhor o funcionamento dessa perspectiva do sujeito como ser

    social e histrico, necessrio que primeiramente se repassem alguns conceitos que acabaram

    eclodindo como o caminho para se chegar a esse processo de leitura como interlocuo, que

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  • 27

    so as noes bakhtinianas a respeito da linguagem como interao, da palavra como

    discurso, do enunciado, do texto e dos gneros do discurso.

    Partindo da lngua como forma de ao social e histrica e centradas mais

    precisamente nos seus aspectos discursivos e enunciativos, as concepes tericas do Crculo

    de Bakhtin foram determinantes para a formao de uma nova perspectiva de leitura como

    interlocuo. A partir de suas concepes acerca da lngua, pode-se dizer que o leitor

    (interlocutor) coloca uma contra-palavra palavra do autor (locutor), construindo o sentido do

    texto numa compreenso responsiva ativa, pois, de acordo com Bakhtin (1992, p.113), toda

    palavra comporta duas faces. Ela determinada tanto pelo fato de que procede de algum,

    como pelo fato de que se dirige para algum. Ela constitui justamente o produto da interao

    do locutor e do ouvinte.

    Segundo o autor (1997, p.350), a palavra no de direito apenas do locutor, ela

    interindividual, pois tudo que dito, expresso, situa-se fora da alma, fora do locutor, no

    lhe pertence com exclusividade [...] o ouvinte tem seus direitos, e todos aqueles cujas vozes

    soam na palavra tm seus direitos.

    A lngua tem sua efetivao, conforme Bakhtin (1997, p.279), na forma de

    enunciados (orais e escritos), concretos e nicos, que no existem isolados, pois um

    enunciado sempre pressupe enunciados que o precederam e que lhe sucedero; ele nunca o

    primeiro, nem o ltimo; apenas o elo de uma cadeia e no pode ser estudado fora dessa

    cadeia (p.375). O enunciado concebido como um todo de sentido (p.351) e a

    compreenso (escuta e leitura) desse todo sempre dialgica.

    Para o autor (1997, p.293-294), o enunciado a unidade real da comunicao verbal

    e as suas fronteiras so determinadas pela alternncia dos sujeitos falantes, ou seja, pela

    alternncia dos locutores, que uma das trs caractersticas do enunciado. Assim, o

    enunciado tem incio e fim absolutos, porm, existe ligao ntima entre os enunciados que o

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  • 28

    precederam. Tambm, depois do seu fim, ainda ocorrero as atitudes responsivas, que so os

    novos enunciados (as reaes-resposta ativas dos interlocutores) que se seguiro. Cada

    enunciado, em seu acabamento especfico, contm a posio ideolgica do locutor, e, assim,

    somente possvel responder a este tambm com uma posio responsiva ativa e um juzo de

    valor.

    [...] toda compreenso de uma fala viva, de um enunciado vivo, sempreacompanhada de uma atitude responsiva ativa (conquanto o grau dessaatividade seja muito varivel); toda compreenso prenhe de resposta e, deuma forma ou de outra, forosamente a produz: o ouvinte torna-se o locutor(BAKHTIN, 1997, p.290).

    J o texto, tal como visto na filologia, por exemplo, para Bakhtin (1997), corresponde

    a apenas uma parte do todo da sua noo de enunciado, pois, nessa perspectiva, existe uma

    fronteira terica de anlise entre texto e enunciado. Segundo o autor, dois fatores

    determinam um texto e o tornam enunciado: seu projeto (a inteno) e a execuo desse

    projeto, tornando, assim, o texto uma realidade imediata para o estudo do homem e da sua

    linguagem (1997, p.330).

    Segundo o autor, o texto visto na sua condio de enunciado individual, nico e

    irreproduzvel (1997, p.330). Nessa questo da individualidade do texto-enunciado reside a

    sua compreenso: cada nova leitura do texto oferece diferentes interpretaes (reaes-

    resposta), dependendo das condies em que se encontram os envolvidos, o locutor, o

    interlocutor e o prprio texto. Assim, a partir da perspectiva bakhtiniana, pode-se afirmar que

    no existe uma leitura nica, neutra e passiva de um texto. Afinal, como dito, toda

    compreenso sugere, tem o germe de uma atitude responsiva ativa por parte do interlocutor,

    que, nesse processo de interao, tambm acaba se tornando um locutor. Uma compreenso

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  • 29

    responsiva passiva do leitor vem sempre acompanhada de uma atitude responsiva ativa, que

    a razo de ser do texto-enunciado.

    Uma concepo de lngua viva e dinmica, bem como a possibilidade de interao nas

    e entre as diferentes esferas culturais somente possvel, segundo Bakhtin, a partir do

    domnio dos diferentes gneros do discurso. Para o autor (1997, p.279), os gneros so tipos

    relativamente estveis de enunciados, que se constituram historicamente nas interaes

    sociais. por meio dos gneros do discurso que o ser humano constri e molda os seus

    enunciados (orais e escritos), bem como aprende a ouvir e a ler a fala do outro, tornando

    possvel a interao verbal ou a interao mediante outro material semitico, como , neste

    caso, a msica.

    Stam (1992) afirma que o dialogismo bakhtiniano consiste num conceito

    multidimensional e interdisciplinar, refere-se no apenas ao contedo semntico de um texto,

    mas ao dilogo de vozes no interior do texto, na interdiscursividade, no processo de

    produo, caractersticas que permeiam o texto e nos quais esto envolvidos o autor e a

    compreenso e atitude responsivas do leitor.

    Para Bakhtin, a realidade da fala-linguagem no o sistema abstrato dasformas lingsticas, no o enunciado monolgico isolado, mas o eventosocial da interao verbal. A palavra orienta-se para um destinatrio e essedestinatrio existe numa relao social clara com o sujeito falante. (STAM,1992, p.42).

    Seguindo as noes bakhtinianas acerca do enunciado e dos gneros do discurso, no

    que diz respeito ao insucesso no raro ocorrido na prtica de leitura, em nvel de compreenso

    e dilogo (reao resposta ativa), pode-se dizer que tal falta de xito, muitas vezes, ocorre em

    virtude da grande diversidade e heterogeneidade dos gneros, de um lado, e em decorrncia

    da no-familiaridade do interlocutor com vrios deles, de outro. O desconhecimento dos

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  • 30

    gneros fator de insucesso na leitura, pois os gneros funcionam como horizonte de

    expectativas para o interlocutor.

    So muitas as pessoas que, dominando magnificamente a lngua, sentem-selogo desamparadas em certas esferas da comunicao verbal, precisamentepelo fato de no dominarem, na prtica, as formas do gnero de uma dadaesfera. No raro o homem que domina perfeitamente a fala numa esfera dacomunicao cultural, sabe fazer uma explanao, travar uma discussocientfica, intervir a respeito de problemas sociais, calar-se ou ento intervirde uma maneira muito desajeitada numa conversa social. No por causa deuma pobreza de vocabulrio ou de estilo (numa acepo abstrata), mas deuma inexperincia de dominar o repertrio dos gneros da conversa social,de uma falta de conhecimento a respeito do que o todo do enunciado, que oindivduo fica inapto para moldar com facilidade e prontido sua fala edeterminadas formas estilsticas e composicionais [...] (BAKHTIN, 1997,p.303-304).

    Contrapondo essa expectativa a algumas das perspectivas cognitivas citadas na seo

    anterior, sustenta-se que uma leitura decifratria, sem comprometimento e reao resposta

    ativa contempla apenas um leitor passivo, ou seja, trata-se de uma leitura que no passa de

    repetio da atitude do autor. Para constituir um processo de leitura vivo e dialgico,

    necessrio ter em vista o fato de que todo enunciado, que se pode denominar processo de

    interlocuo, sempre proferido por algum e em razo de uma atitude responsiva ativa do

    interlocutor, que a razo de ser do enunciado, como afirmado anteriormente.

    Assim, a partir de uma perspectiva bakhtiniana, na atividade de leitura, no existe

    destinatrio abstrato, tampouco o texto pode ser assim vislumbrado, nem o autor do texto

    busca uma atitude de compreenso passiva. O ato de leitura no apenas reduplicar a fala do

    autor, mas , a partir do horizonte social e valorativo do leitor, tomar uma atitude responsiva

    ativa. O discurso escrito apresenta-se da mesma forma que o ato da fala, pois o seu processo

    transcorre como um objeto de discusses ativas sob a forma de dilogo, uma discusso

    ideolgica mediada pela escrita.

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  • 31

    A leitura como ato de constituio do sentido faz parte de um permanente conflito de

    vozes entre o texto, o autor, o leitor, as outras vozes sociais e o prprio mundo histrico-social

    que circunda todos os envolvidos no processo. Logo, a leitura constri-se justamente no

    dilogo, na fronteira entre essas diversas vozes que circundam o texto.

    O dilogo, no sentido estrito do termo, no constitui, claro, seno uma dasformas, verdade que das mais importantes, da interao verbal. Mas pode-se compreender a palavra dilogo num sentido mais amplo, isto , noapenas como a comunicao em voz alta, de pessoas colocadas face a face,mas toda comunicao verbal, de qualquer tipo que seja. (BAKHTIN, 1992,p.123).

    Na tentativa de encontrar meios de reorientar o ensino-aprendizagem da leitura e da

    produo textual no meio pedaggico, vrios autores incorporaram as perspectivas

    bakhtinianas acerca da linguagem, considerando o texto (visto na condio de enunciado)

    como unidade e ponto de partida para essas prticas pedaggicas. Geraldi (1997), dentre eles,

    afirma que o texto uma unidade construda materialmente com palavras que portam

    significados, organizadas em unidades que acabam construindo informaes, em que o

    sentido e a orientao somente encontram possibilidade quando vislumbrados a partir de uma

    unidade global. Essa unidade global dialoga com outros textos sem os quais no existiria.

    Este continuum de textos que se relacionam entre si, pelos mesmos temas de que tratam, pelos

    diferentes pontos de vista que os orientam, pela sua coexistncia numa mesma sociedade,

    constitui nossa herana cultural. (GERALDI, 1997, p.22, grifo do autor).

    Quanto interao entre os participantes envolvidos no processo de leitura, para

    Orlandi (1996), a leitura ocorre sob a forma de bipolaridade contraditria, ou seja, o leitor

    move-se de um lado para o outro, num momento, est no lugar de um, e, em outro, no lugar

    de outro, o seu domnio do sentido do texto como interlocutor parcial.

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  • 32

    O sentido do texto no est em nenhum dos interlocutores especificamente,est no espao discursivo dos interlocutores; tambm no est em um ououtro segmento isolado em que se pode dividir o texto, mas sim na unidade apartir da qual eles se organizam. (ORLANDI, 1996, p.180).

    Quanto compreenso (leitura), segundo a autora (1996), ela no ocorre apenas em

    nvel da informao, pois faz entrar em conta o processo de interao e a ideologia. A tenso,

    o confronto existente aquele que se pode observar quando se pergunta pelo interlocutor do

    texto. Assim, aproximando-se da noo de dialogismo dos enunciados de que fala Bakhtin,

    pode-se afirmar que um texto no inteligvel apenas em razo de suas prprias

    caractersticas, mas tambm em razo de outros textos (enunciados) e de seus interlocutores.

    A compreenso encontra-se muito alm das palavras e da prpria linguagem, ela

    reside no mundo da deciso. Ela no se resume a apenas captar a intencionalidade do autor

    ou a restaurar o seu sentido outorgado no texto. O sentido de um texto a possibilidade que

    ele oferece ao leitor de superar-se. (SILVA, E., 1988, p.53).

    Indo ao encontro dessas concepes acerca da leitura e das postulaes de Bakhtin,

    Kleiman (1989, p.158) afirma que o processo de interao o nico meio possvel de se

    chegar a uma verdadeira compreenso das vrias leituras possveis de um texto. A complexa

    interao entre leitor e autor para depreender o significado do texto no ato da leitura, a

    multiplicidade de leituras possveis de um mesmo texto remetem necessidade de optar por

    processos dinmicos e criativos de prtica de leitura, processos mediante os quais o leitor ter

    a real possibilidade de recriar o texto.

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  • 33

    Numa viso de leitura como interao distncia entre dois sujeitos, no hapenas uma leitura ou uma interpretao possvel; duas interpretaesdiversas podem ser igualmente aceitveis, adequadas, desde que ambassejam respostas ao texto concebido como uma unidade significativa dodiscurso, embora deva haver convergncia entre os leitores sobre o contedoreferencial do texto, especialmente sobre o seu contedo referencialespecfico. Podemos ento considerar que quando o texto apenasconcebido como uma srie de estmulos para um processo de associaoaleatria no temos leitura. (KLEIMAN, 1989, p.92).

    As diversas perspectivas a respeito da leitura e da linguagem citadas at o momento

    so determinantes para que se possa dar o primeiro passo na busca de meios que concretizem

    um ensino-aprendizagem vivo e dinmico da leitura, ou seja, vislumbrar o ato de ler como

    interao, como uma verdadeira prtica social.

    Sem direcionar o estudo precisamente para uma linha terica ou outra, mas dialogando

    com elas, na prxima seo, discute-se a atividade de leitura no meio escolar, a partir de

    algumas questes, para as quais se tenta encontrar algumas respostas:

    Qual a importncia da atividade da leitura no meio escolar?

    Quais os encaminhamentos possveis e quais os propsitos mais relevantes

    para sua orientao?

    A quantas anda a leitura no ambiente pedaggico?

    Como a escola tem trabalhado com a leitura do texto no-verbal?

    1.3 PERSPECTIVAS PEDAGGICAS ACERCA DA ATIVIDADE DE LEITURA

    Por meio das perspectivas de diversos autores, indiferentemente linha terica que os

    sustenta, pois o que interessa neste momento so vises diversas da atividade de leitura no

    meio pedaggico, apresentam-se as diferentes concepes e propostas de encaminhamento da

    leitura na escola.

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  • 34

    inegvel que, na sociedade atual, a leitura tem sido motivo de debates em vrios

    setores, todos cientes da sua importncia cada vez maior na sociedade, cujas interaes so

    cada vez mais mediadas pela cultura escrita. Entretanto, a preocupao maior consiste no fato

    de que, apesar dos avanos tericos conquistados na rea da leitura, por meio de um elevado

    nmero de pesquisas nas ltimas dcadas e mesmo com o incentivo dos meios de

    comunicao em massa, ainda poucos tm sido os resultados concretos, no que diz respeito

    formao efetiva de crianas e adultos leitores.

    Apesar de ser uma atividade necessria a todas as interaes mediadas pela escrita,

    portanto, a toda a sociedade e, por conseqncia, de responsabilidade dela tambm, a

    incumbncia do ensino da leitura e a culpa do fracasso no seu domnio recaem sobre a escola.

    Segundo Foucambert (1994, p.25), a responsabilidade de formar leitores e tornar possveis e

    acessveis os meandros dessa atividade to complexa e necessria no deve ser tarefa apenas

    do meio pedaggico. claro que a escola tem o dever de estar sempre atenta e dar tudo de si,

    na conquista e formao do aprendiz leitor, j que a ela cabe o ensino-aprendizagem

    sistematizado da leitura. Entretanto, essa tarefa deve constituir-se no espao escolar de

    alguma forma que proporcione a expectativa do meio docente em dilogo com o meio

    circundante (FOUCAMBERT, 1994, p.25), que os resultados positivos obtidos pela escola

    na rea da leitura sejam sentidos e demonstrados para toda a sociedade, assim como as suas

    dificuldades tambm sejam conhecidas e debatidas entre a sociedade e a escola.

    D-se tanta importncia ao ato de ler que muitos autores acabam concordando que a

    leitura a principal atividade desenvolvida pela escola para a formao do aluno. Todas as

    disciplinas e todas as reas do currculo escolar necessitam de que seus alunos sejam leitores

    eficazes. Assim, na perspectiva de Cagliari (1998), muito mais importante saber ler do que

    escrever, a leitura , na verdade, uma extenso da escola na vida das pessoas, pois a maior

    parte do que se deve aprender na vida dever ser conquistado por meio do ato de ler fora da

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  • 35

    escola. No obstante, para o autor, a escola ainda peca ao dar maior nfase escrita do que

    leitura e ao utilizar, muitas vezes, essa atividade apenas como pretexto para chegar a outros

    objetivos.

    Escrever e ler so duas atividades da alfabetizao conduzidas mais oumenos paralelamente. Ensina-se a ler e escrever letras, famlias silbicas,palavras, frases e textos. Na prtica, ao longo do ano escolar, se d muitomais nfase escrita do que com relao leitura. Isso se deve ao fato de aescola saber avaliar mais facilmente os acertos e erros de escrita e no sabermuito bem o que o aluno faz quando l, quando ele l em silncio. E a escolatem a mania de querer controlar tudo. O privilgio da escrita sobre a leiturana escola se deve a essa maior facilidade de avaliao escolar. (CAGLIARI,1998, p.167).

    Silva, E. (1988) afirma que os propsitos que devem orientar a atividade de leitura no

    devem, em nenhum momento, estar ligados parte mecnica do ler-escrever, a qual

    geralmente encaminhada a partir de exerccios estruturais, tornando-se um fim em sim

    mesma. O objetivo que deve orientar a constituio da leitura no meio pedaggico o ler

    para compreender nossa sociedade e nos compreendermos dentro dela, [...] tudo ancorado

    numa concepo de leitura que no a veja como simples resposta passiva e mecnica

    (SILVA, E., 1995, p.13).

    Orientando os propsitos de ensino-aprendizagem da leitura formao de alunos

    crticos e no passivos, a escola proporcionar meios para que os alunos conheam e recriem

    os conhecimentos existentes em diferentes reas. Nesse centro de recriao de diferentes

    conhecimentos que fazem parte do currculo escolar, a leitura ocupa lugar de destaque, pois,

    para ambos, professor e aluno, ler indispensvel, contudo, necessrio que se analisem

    criticamente as condies existentes e as formas pelas quais esse ato conduzido no contexto

    escolar (SILVA, E., 1988).

    Ainda, segundo o mesmo autor, a escola tem privilegiado o consumo de textos

    rpidos, tomados como fins em si mesmos, quando, na verdade, a finalidade da leitura

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  • 36

    proporcionar o salto do leitor, fazendo com que o aluno leitor mantenha uma relao no

    somente com o texto e o seu conhecimento adquirido, mas com o mundo circundante do aluno

    leitor. A leitura perde a validade, se o leitor no tiver oportunidade de se situar socialmente na

    compreenso do texto. A escola, por vezes, sugere apenas a mera reproduo de significados

    do autor do texto, ou seja, os signos tomados como autnomos sem que o autor faa uma

    mediao com o real. A escola estabelece, desse modo, um crculo vicioso do silncio

    pedaggico, pois nem o professor, nem o texto abrem espao para a discusso de idias e

    para a interao do aluno com o texto (SILVA, E., 1988, p.4-5).

    A crise que o ensino-aprendizagem da leitura atravessa, segundo Foucambert (1994),

    caracteriza-se pela idia constante de abordar como sinnimas trs realidades diferentes: o

    analfabetismo, o analfabetismo funcional e o iletrismo. Conforme o autor, o analfabetismo

    caracteriza-se pela impossibilidade de compreender ou produzir uma mensagem escrita

    simples, que trate de questes concretas ligadas vida cotidiana; sua origem est na falta de

    domnio do sistema de correspondncia entre grafemas e fonemas (p.118). O analfabetismo

    funcional refere-se ao envolvimento de pessoas que dominaram essas tcnicas de

    correspondncia, mas, num certo perodo da vida, perderam esse domnio por falta de uso e de

    exerccio. J o iletrismo caracterizado pelo afastamento em relao s redes de

    comunicao escrita, pela falta de familiaridade com livros e jornais, pela excluso do

    indivduo das preocupaes e respostas contidas na elaborao da coisa escrita (p.119).

    Sobre essa mesma questo, Silva, E. (1995, p.85) faz uma diferenciao entre a pessoa

    alfabetizada e o sujeito leitor. Segundo ele, a pessoa alfabetizada capaz de traduzir o

    cdigo escrito em cdigo oral, quer faa sentido ou no, j o leitor algum que faz uso

    concreto e objetivo da escrita na sua vida social.

    Nesse contexto, a escola tem gradualmente tentado se desvencilhar dessa relao

    intrnseca de que alfabetizado sinnimo de aluno leitor. Num sistema ainda apegado a essa

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  • 37

    expectativa, ocorre um jogo de empurra-empurra: o professor de uma determinada srie

    culpa o professor anterior pelo fracasso da leitura na escola, o qual, por seu turno, joga a culpa

    na famlia e no ambiente fora da escola pelo no-envolvimento dos alunos com essa prtica,

    os quais, por sua vez, culpam a escola. Enquanto ocorre esse jogo de culpado e no-culpado,

    no ensino-aprendizagem da leitura, o resultado uma prtica em que, muitas vezes, os alunos

    fingem que leram e compreenderam os textos e os professores fingem que acreditam nesse

    jogo de aparncias. Da, talvez, venha a diferena proposta tambm por Silva, E. (1988, p.9)

    entre ledores, formados pela escola, e leitores, to necessrios sociedade.

    Apesar de no se negar a importncia dos estudos relativos alfabetizao para os

    estudos na rea da leitura, no se pode deixar de discutir um novo conceito que vai alm dos

    conceitos de escolaridade e alfabetizao e que, conseqentemente, substituiu a noo de

    sujeito alfabetizado e no-alfabetizado: o letramento.

    A noo de letramento parte do princpio de que os desenvolvimentos da escrita e da

    oralidade ocorrem e influenciam-se mtua e simultaneamente. Segundo Kleiman (1995, p.91-

    92), a escrita e a oralidade fazem parte da vida cotidiana de todo o indivduo, pois ao mesmo

    tempo em que a criana aprende a falar ela comea a aprender as funes e usos da escrita,

    podendo se tornar uma leitora e produtora de textos no alfabetizada, j com concepes

    sobre letramento. Assim, pode-se afirmar que a alfabetizao corresponde a apenas uma

    parte do letramento.

    Um indivduo alfabetizado no um indivduo letrado; alfabetizado aqueleindivduo que sabe ler e escrever, j o indivduo letrado, o indivduo quevive em estado de letramento, no s aquele que sabe ler e escrever, masaquele que usa socialmente a leitura e a escrita, responde adequadamente sdemandas sociais de leitura e de escrita [...] Enfim, letramento o estado oucondio de quem se envolve nas numerosas e variadas prticas sociais deleitura e de escrita. (SOARES, 1998 apud RIZZATTI, 2002, p.107).

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  • 38

    Dessa forma, o mundo fora dos limites da escola (a famlia, a igreja, a rua etc.) passa a

    ser outra agncia de letramento to importante quanto a escola. Conforme Kleiman (1995,

    p.18-19), indivduo pode no saber ler e escrever, mas ser letrado, pois, mesmo marginalizado

    social e economicamente, ele vive em um ambiente onde acontecem leituras e se interessa por

    elas. Ele letrado, porque se envolve em prticas sociais de leitura e escrita.

    Trata-se, portanto, de uma condio e de um dever da escola valorizar e saber utilizar

    as condies de leitor adquiridas pelo aluno fora dos limites pedaggicos, isto , considerar e

    aproveitar as prticas de letramento a que o aluno j est exposto e inseri-lo em novas prticas

    dessa natureza. Essa talvez seja a chave para amenizar o constante insucesso que se v, dia

    aps dia, ocorrer na formao dos leitores escolares.

    Simes (1999, p.199) remete a outra problemtica enfrentada pela escola e que deve

    ser prevista na formulao de novas metodologias para o ensino da leitura: a

    operacionalizao de linguagens no-verbais. Segundo a autora, o docente v-se perdido ao

    lidar com qualquer tipo de linguagem que no seja a verbal escrita. necessrio tambm que

    se leve em conta a composio sinestsica dos sistemas de signos em geral, ou seja, as

    atividades relacionadas leitura no podem deter-se apenas aos aspectos visuais dos signos,

    em especial, dos signos verbais, mas precisam lidar e levar em conta todos os sentidos da

    natureza humana. Afinal, a ao interativa do homem est circundada por todos os sentidos,

    como a audio, o olfato, o tato e, tambm, a viso.

    Levar em conta todos esses aspectos na leitura uma forma de a escola utilizar

    experincias prvias do aluno e, por conseguinte, valorizar o seu potencial. Infelizmente, a

    escola v-se no preparada para isso e, por vezes, nega-se a aceitar que possvel e que se

    deve tambm trabalhar com outras formas de linguagem, alm da linguagem verbal escrita.

    Nesse sentido, esta pesquisa , justamente, uma tentativa de introduzir no ambiente

    escolar, mais precisamente na atividade de leitura, uma perspectiva de trabalho a partir de

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  • 39

    linguagens no-verbais. Para tal, optou-se pela msica popular brasileira. Trata-se de uma

    unio entre a linguagem verbal, privilegiada pela escola, e a no-verbal, que deixa muitas

    vezes de ser explorada, pela falta do conhecimento conceitual e pedaggico dela, por parte do

    professor, ou pela no-praticidade do trabalho docente em sala de aula.

    No prximo captulo, abordam-se alguns aspectos relativos msica como linguagem

    e como elemento da arte, bem como se explora mais de perto o objeto de ensino-

    aprendizagem da leitura.

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  • 40

    2 O OBJETO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA LEITURA: A MSICA

    POPULAR BRASILEIRA

    Ao optar pela msica popular brasileira e seus gneros como objeto para o ensino-

    aprendizagem da prtica de leitura, tornou-se relevante buscar e discutir algumas questes

    centrais, a partir de fontes tericas que abordam esse campo da esfera artstica, dentre elas: as

    conceituaes de o que msica; a abordagem da msica como linguagem; os aspectos scio-

    histricos que permeiam a msica popular brasileira; e as razes que justificam sua presena

    no meio pedaggico como objeto de ensino-aprendizagem. Por fim, discute-se o gnero rap,

    em virtude de ser esse o gnero escolhido para o acabamento do projeto de ensino-

    aprendizagem de leitura da msica popular brasileira e seus gneros.

    Por ser a msica um campo da esfera da arte ainda cientificamente ligado aos padres

    estticos da msica erudita, o conceito de msica ainda causa confuses tericas e diferenas

    de sentido. A mesma problemtica pode ser observada entre as teorias da rea da msica e as

    teorias lingsticas que, como ponto em comum, tm um objeto de estudo, que uma

    linguagem.

    Tambm inegvel que, em razo de sua natureza artstica estar ainda ligada a padres

    estticos e hermenuticos que no fazem referncia constituio da msica como linguagem

    e como objeto cultural permeado pelos acentos de valor constitudos historicamente, por

    vezes, torna-se difcil aproximar as teorias lingsticas e as musicais, apesar de ambas

    trabalharem com linguagem, como comentado. Todavia, como ser demonstrado nas

    prximas sees, apesar do distanciamento que ocorre no raramente entre as teorias dessas

    duas reas, o dilogo possvel e necessrio para o entendimento da msica como linguagem

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  • 41

    e como arte, principalmente, no que diz respeito msica-linguagem como interlocuo, ou

    seja, como interao social, concepo assumida no desenvolvimento da pesquisa.

    2.1 A CONSTITUIO DA MSICA E SUA CONCEITUAO

    De acordo com a musicloga Jeandot (1997), o conceito de msica varia de cultura

    para cultura. Apesar de sua ntima ligao com padres estticos ainda ligados msica

    erudita, a concepo de msica como linguagem universal, isto , presente em todas as

    culturas, um ponto comum entre musiclogos. Jeandot, por exemplo, parte da concepo de

    que o ritmo, principal elemento formador da msica, encontra-se presente no mundo

    inorgnico e at mesmo no orgnico. A autora considera mundo orgnico o ritmo e a

    sonoridade musical nos seres vivos, como os batimentos cardacos ritmados e a noo musical

    instintiva; e mundo inorgnico a noo lgico-matemtica de se produzir msica. Dado o ser

    humano possuir noes rtmicas instintivas, o ritmo um elemento musical conhecido por

    todos os povos do mundo, o que no ocorre com a mesma naturalidade com outros

    elementos musicais, como a melodia e a harmonia. Essa nova concepo de o que msica

    sustentada a partir dos avanos tericos e valorativos obtidos no domnio dos estudos

    musicais, que, nas ltimas dcadas, aceitaram o fato de que, mesmo com a ausncia da

    melodia e da harmonia, um objeto pode ser considerado musical, desde que a sua constituio

    sgnica seja vislumbrada socialmente como tal. Se no fosse assim, a expresso musical dos

    atabaques de tribos africanas seria um objeto subjetivo por si, sem qualquer significado ou

    expresso social.

    Ainda segundo Jeandot (1997), cada povo tem a sua prpria maneira de expresso por

    meio de palavras e tambm por meio da msica, pois, cada cultura manifesta essa forma de

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  • 42

    arte com caractersticas prprias, porm todas elas so reconhecidas como objeto musical

    (signo musical), a partir da primeira audio.

    Ilustra-se essa caracterstica da msica com a denominao de uma parte do campo da

    msica de msica popular brasileira, que assim conhecida em razo dos signos musicais

    que a compem. A msica popular brasileira pode ser assim reconhecida, ao perceber-se o

    modo como so distribudos os ritmos, as melodias e as harmonias dentro das msicas

    brasileiras. A natureza desses signos musicais e sua combinao caracterstica tornam

    possvel ao ouvinte remeter-se ao universo discursivo de onde provm determinada msica e a

    valorao que lhe dada.

    Um diferente posicionamento possvel, a respeito da definio de msica, parte de

    outra musicloga. Segundo Pereira, K. (1991), a msica fica melhor classificada como uma

    forma no-verbal de comunicao. Essa definio pode ser facilmente questionada, pois o

    campo da msica conhecido como cano formado tambm por elementos verbais, ou seja,

    a cano formada por melodia, harmonia, ritmo e letra. Logo, essa definio pode dizer

    respeito a apenas uma parte do todo que compe o objeto de pesquisa.

    Ainda segundo essa autora (1991), a msica deve ser classificada como forma no-

    verbal de comunicao, em virtude de tratar-se de uma rea muito subjetiva. A partir do que

    foi exposto neste estudo, acredita-se que vale a pena contrapor a definio da musicloga ao

    posicionamento de Bakhtin (1992), a respeito da constituio dos signos e da sua natureza

    social e ideolgica. Como resultado dessa analogia, tem-se que a msica (nesse caso, o que a

    musicloga denomina forma no-verbal) deve ser elevada condio de signo

    ideologicamente constitudo. Como signo ideolgico, a msica no realidade subjetiva ou

    apenas parte dessa realidade, mas, como a palavra impressa, oral ou outro objeto semitico

    concreto, a msica, tal como Bakhtin considera a respeito da linguagem verbal, passvel de

    um estudo metodologicamente unitrio e objetivo (BAKHTIN, 1992, p.33). Tambm a

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  • 43

    compreenso desse objeto musical como signo ideolgico funciona como resposta a um signo,

    por meio de outros signos (dialogismo). Essas articulaes aqui feitas com as teorias

    lingsticas sero discutidas com mais profundidade na prxima seo.

    De acordo com Jeandot (1997, p.14), houve, durante sculos, um reducionismo no que

    tange teorizao da composio fsica da msica, entendida anteriormente como

    combinao de notas divididas no tempo, dentro de uma escala. Hoje, no entanto, essa

    conceituao reducionista perdeu por completo o seu valor, pois as palmas, os rudos do

    corpo, os sapateados, os sons guturais ou, ainda, os gestos so elementos considerados

    legtimos participantes do universo musical. Pode-se articular essa concepo de msica com

    o pensamento de Bakhtin (1992) a respeito dos signos verbais e no verbais, trazendo como

    exemplo a tbua de lavar roupas como instrumento musical utilizado por algumas bandas de

    forr e at mesmo de jazz, ou seja, como legtimo participante do universo musical. A tbua

    de lavar roupas, por si, constitui apenas instrumento de trabalho, mas, a partir da

    intencionalidade do compositor ou msico, deixa de s-lo, para transformar-se em

    instrumento de produo de signos. Pode-se fazer essa mesma correlao com a constituio

    das notas musicais. Uma seqncia de notas presentes aleatoriamente na natureza no passa

    de uma seqncia de sons, mas, da mesma forma que no exemplo citado, a partir da

    intencionalidade do msico e da situao social de interao imediata e ampla, essa seqncia

    de sons da natureza transforma-se em signos musicais.

    A msica no nasceu das reflexes de Pitgoras, nem do estudo das cordasou das lminas que vibram. Ela resultado de longas e incontveis vivnciasindividuais do homem e de civilizaes musicais diversas. No podemos,portanto, nos espantar ao depararmos com novas experincias que nosrevelam as vrias facetas concretas e abstratas de que a msica constituda. (JEANDOT, 1997, p.15).

    A todas as questes ligadas msica e constituio de seus gneros respondido a

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  • 44

    partir das especificidades de cada povo, pois a essncia da msica mundial tem uma ntima

    ligao com aspectos relacionados histria e cultura. Na perspectiva de Jeandot (1997), a

    conceituao da msica como campo da arte, formada em sua constituio por harmonia,

    melodia e ritmo, deve ser entendida na verdade como arte e conhecimento sociocultural.

    Mediante o que foi exposto at aqui, pode-se dizer que as divergncias em torno da

    constituio e conceituao da msica encontram-se fundadas e enraizadas no apenas nos

    preceitos ligados aos padres estticos da erudio, mas no posicionamento em relao ao

    objeto. A msica pode ser entendida como meio de linguagem, cujos aspectos formais so

    bem definidos, passveis de estudo, independentemente do seu contedo; como manifestao

    da alma, da psique humana e do instinto humano de expressar sua natureza trgica etc.; ou,

    ainda, como produo humana de carter essencialmente scio-histrico. Tendo em vista que

    aqui a msica considerada objetiva, concreta, viva, dinmica e que a linguagem musical e

    verbal constituem-se na interao social, passa-se, na prxima seo, a tratar da msica,

    abordando-a luz de teorias lingsticas, porm se respeitando sempre a sua signicidade

    musical, sua posio e seu valor esttico especfico dentro da arte.

    2.2 A MSICA COMO LINGUAGEM

    Para abordar a msica como linguagem, necessrio primeiramente relembrar que a

    interao humana realiza-se via signos lingsticos e no-lingsticos que dialogam entre si,

    constantemente; e, em segundo lugar, que, para tratar a msica na perspectiva da linguagem

    como interao, necessita-se olh-la no apenas a partir da sua realidade fsica e estrutural, ou

    seja, precisa-se firmar o olhar para alm da rigidez, da composio inerte e material da sua

    existncia na partitura e transp-la para a condio de signo ideolgico. Segundo Bakhtin

    (1992, p.31-32), qualquer objeto fsico particular, a partir da sua constituio scio-histrica

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    ou da interao social, pode tornar-se uma imagem artstico-simblica que, apesar de

    continuar sendo um objeto fsico, constitui-se em signo e constitui a ideologia, ao refletir e

    refratar a realidade do homem, ser social e histrico. Logo, se a msica pode sair de sua

    natureza meramente fsica e inerte para tornar-se signo ideolgico, abord-la como linguagem

    uma possibilidade real e passvel de um estudo objetivo e unitrio, pois, segundo o autor,

    tudo que ideolgico possui um valor semitico (1992, p.32).

    Nesse raciocnio:

    Os signos tambm so objetos naturais, especficos, [...] todo produtonatural, tecnolgico ou de consumo pode tornar-se signo e adquirir, assim,um sentido que ultrapasse suas prprias particularidades. Um signo noexiste apenas como parte de uma realidade; ele tambm reflete e retrata umaoutra. [...] Todo signo est sujeito aos critrios de avaliao ideolgica [...].O domnio do ideolgico coincide com o domnio dos signos: somutuamente correspondentes. Ali onde o signo se encontra, encontra-setambm o ideolgico. (BAKHTIN, 1992, p.32).

    A possibilidade de equiparar e comparar a msica a outros fenmenos ideolgicos d-

    se, fazendo uma relao com as noes de Bakhtin (1992, p.33), em razo de seu carter

    semitico. Entretanto, a msica, como componente da arte, tem o seu modo especfico de

    orientar e representar a realidade. Essa representao da realidade d-se, por meio da msica,

    numa condio intimamente ligada a s