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7/25/2019 Mais Diarios de Uma Sala de Aula
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Mais
dirios de umaSala de AulaQuatro professoras
Coordenao
MARIA FILOMENA MNICA
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Mais dirios de uma Sala de AulaO projecto Dirios de uma Sala de Aulaabrangeu docentes e alunos que deramo seu testemunho directo do dia-a-diapassado em algumas escolas portuguesas.Sob a forma de dirios, escritos com
a salvaguarda do anonimato, o livro conta--nos o que se passa no interior das salas deaula sem intermedirios ou intrpretes.Em rigor, este projecto infindvel e aindabem. Todos os anos, novos alunos entramno sistema de ensino. Todos os anos,
reabre-se um concurso nacional quemovimenta milhares e milhares deprofessores pelo pas inteiro. A riquezae a diversidade dos depoimentos recolhidoslevaram publicao desta nova srie, como ttulo Mais dirios de uma Sala de Aula.
Para o bem e para o mal sobretudo parao mal confirmam e reforam a impressoque tnhamos sobre a coragem de quemensina e a tragdia de quem quer aprender.
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Mais dirios de uma Sala de Aula
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Largo Monterroio Mascarenhas, n. - LisboaPortugal
E-mail: [email protected].:
Fundao Francisco Manuel dos SantosDezembro de
Director de Publicaes: Antnio Arajo
Reviso: Vasco Grcio
Design e paginao: Guidesign
Fotografia da capa: Antnio Pedrosa/See
As opinies expressas nesta edio so da exclusivaresponsabilidade do autor e no vinculam a FundaoFrancisco Manuel dos Santos. A autorizao parareproduo total ou parcial dos contedos desta obradeve ser solicitada ao autor e ao editor.
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PREFCIO DE
Maria Filomena Mnica
e Antnio Arajo
QUATRO PROFESSORAS
Maisdirios de uma
Sala de Aula
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ndice
Prefcio
Dirios
Helena Celeste
Maria do Mar
Maria Pala Maria Queirs
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Prefcio
, -
mar a escola. Seja como for, continuamos a pensar que, se quisermos
uma escola pblica decente, teremos de lutar por uma sociedade
mais justa. Mantendo-se tudo como est, as escolas dos pobres sero
inevitavelmente guetos de onde difcil sair e as dos ricos aqurios
onde os meninos s vem uma parte do mundo. Se as escolas pbli-cas forem boas, os filhos dos pobres podero, at certo ponto, sair do
crculo de misria em que esto encerrados.
A Fundao Francisco Manuel dos Santos publicou em Maro de
o livro de Maria Filomena Mnica intituladoA Sala de Aula, em
simultneo com outro, Dirios de uma Sala de Aula. Entendeu-se
que seria interessante e importante e sobretudo, justo para quemtestemunhou publicar ainda e autonomamente na Internet os outros
dirios de professores e de alunos que igualmente revelam o dia-a-
-dia passado numa sala de aula. Dizendo talvez melhor, os dirios
de professoras e de alunas, pois todas so mulheres, ainda que no
tenha existido qualquer critrio de gnero na escolha dos diaris-
tas. Aconteceu assim, simplesmente.Por vrios motivos, editoriais e de calendrio, no foi possvel
incluir logo no livro Dirios de uma Sala de Aulatodos os textos que
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generosamente nos fizeram chegar. Saem agora, em formato digital,
mantendo-se o anonimato das fontes e o respeito escrupuloso por
tudo quanto entenderam dizer, com inteira liberdade. Agradecemos
a pacincia e o tempo que dedicaram a este projecto. Admiramos
a coragem e a dedicao com que responderam solicitao para
connosco colaborar.
Muito obrigado,
Maria Filomena Mnica
Antnio Arajo
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Dirios
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Helena Celeste
16 de abril de 2012
Acontecimento do dia
Teve de ser, de certa forma, refeito o impresso relativo eventual
visita de estudo Baixa Pombalina, em Lisboa.
Esta visita para realizar com os alunos da turma . M. Ora estaturma uma espcie de um conjunto de micrbios saltitantes. Uma
metade destes muito inteligente, a outra nem tanto! Todos irrequie-
tos. Uns quantos mal-educados.
Em todo o caso o melhor gostar deles, j que passo umas tantas
horas da minha vida com esta turma. Portanto se gostar dos mi-
dos mais fcil. Por isso pensei em ressuscitar a tal ida, meio forade prazo, Baixa Pombalina. (Esta visita j tinha sido pensada, pla-
neada e posta na prateleira vrias vezes pelo peso burocrtico que
estas coisas tm). Mas pode ser que isto me faa gostar dos pequenos
e encontrar-lhes graa.
Sentimento do dia: conformada (em escrevinhar mais papis).
Sensao do dia: alguma resignao; aborrece-me mais ter deescrever umas papeladas do que fazer as coisas a que essas papela-
das se referem.
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17 de abril de 2012
Acontecimento do dia
Tutoria com a Margarida. Pela primeira vez a sala que est desti-
nada ao trabalho de tutoria estava livre. As escolas tm sempre este
problema dos espaos. Por isso que ainda no obrigaram os profes-
sores a ficarem l todos horas em permanncia. que ns, docen-
tes, nem caberamos. Alm de que dvamos despesa, consumindo
pelo menos gua e luz.
Pronto, ento estive com a Margarida. O problema dela, sobre o
qual j troquei impresses com a diretora de turma, que a mida
est sempre convencida de que domina bem as matrias! A prop-
sito de qualquer disciplina est sempre convencida de que sabe o
suficiente ou mesmo mais. Na verdade, perante o mais simples exer-
ccio, no produz nada ou quase nada! Tem sempre uma desculpapara essas situaes: Esqueci-me, mais foi s isso, foi uma branca,
mas foi s agora.
Isto, parece-me, nada tem a ver com autoestima. como se a
aluna no se conseguisse ver ao espelho!
Vou ter de dar uma volta ao assunto, nem sei bem qual. Quando
descobrir digo.Desolao pela preocupao com a Margarida. De resto tudo
como habitual.
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18 de abril de 2012
Acontecimento do dia
Tutoria com o Joo. Tambm no conseguimos ter a tal sala livre.
Mudei para a sala onde se recebem os alunos que so postos fora da
sala de aula, o chamado espao cidado!
O Joo um mimo. Ao longo de toda a escolaridade pouco tem
estudado. Vai andando. Agora ns temos mesmo de o fazer andar. Ele
esfora-se e trabalha, muito presso, e tem de ser bastante empur-
rado. Mas curiosamente at bem esperto. E quando se pe a pensar,
para ser capaz de responder s questes, consegue ir ao fundo dos seus
saberes e encontrar tudo o que por l existe, o que infelizmente no
assim muito, simplesmente porque no estuda. E comea a falar baixi-
nho: Isto eu sei, eu consigo fazer, isto no, isto eu devia saber, mas
No incio da aula com o . M os pequenos tinham a ideia de queamos dar um passeio ao campo. Realmente numa ficha provisria
para a diretora de turma escrevi sada de campo sendo que empre-
guei a palavra campo num sentido tcnico. Foi um alvoroo para
saberem onde ficava esse campo, se amos a p e porque que com
a disciplina de Histria amos a um campo!
Como ainda no tinha a aprovao para a sada fui brincando. Oresto da aula correu de modo razovel. Ou muito me engano ou a
Berta estava com uns fones. Esta mida veio de um colgio privado
(pudera, no h colgio privado que esteja interessado em ter alu-
nos com este perfil). Quando o pai se der conta, j a filha vai l longe
em incumprimentos diversos, incluindo os familiares. Mas uma
cena da vida deles e os pais, infelizmente, reagem muito mal a algumreparo que um professor faa nestas matrias. Na prxima aula tenho
de estar mais atenta porque esta aluna dissimulada e ardilosa.
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Sala de professores
Hoje reparei que havia muito barulho na sala de professores. Se o
gabinete de grupo ficasse c em baixo, mais perto, iria para l mais vezes
e cada vez menos para a sala de professores. Durante muito tempo
achava que esta sala era o melhor lugar do mundo no que diz respeito
ao ambiente de trabalho. J no acho. Os intervalos quase inexistentes
e outros longos demais, graas infeliz passagem de Ana Benavente
pelo Ministrio da Educao, fizeram o primeiro estrago. Questes de
avaliao mal-amanhadas entre pares desfizeram o resto. Por acaso
pena. Porque a nossa matria-prima so seres humanos. E ns, pro-
fessores, devamos estar preferencialmente bem-dispostos por eles.
Portanto, no que respeita a sensaes e a sentimentos, tudo ali
assim pelo mais ou menos.
19 de abril de 2012
Acontecimento do dia
Hoje dei uma aula de substituio.
Apesar de este tipo de aula j existir h uns anos os alunos ainda so
muito resistentes a estas aulas. Tratava-se de uma turma que minha, dealunos a quem dou aulas curriculares, normais; portanto conhecem-me.
Para eles era a ltima aula do dia, ao fim da manh. Os que puderam
(sempre os mesmos) piraram-se. No sei como, mas acho que fizeram
muito bem. Estavam trs alunos na sala. Aproveitei para dar uma aula
de preparao para o teste intermdio da minha disciplina. Passado um
pouco chegaram mais seis ou sete. Marquei falta aos restantes.A aula terminou e eu fiquei por ali a organizar umas coisas.
Quando ia a sair da escola ainda estavam alguns alunos desta turma
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a batalhar com o porteiro para que ele os deixasse sair. Ser porteiro de
uma escola bsica e secundria obra! No tanto por causa dos alu-
nos, esses so umas formiguinhas a sair do frasco, mas por causa
dos pais! Estes exigem que o porteiro faa o que eles no conseguem
fazer. E por mais engenhoso e malfico que tenha sido o filhinho a
iludir ou a enganar o porteiro, para os pais ele sempre um anjo e
o que fez at aceitvel. O porteiro que no cumpre a sua tarefa!
Mas se o porteiro for muito rigoroso outros pais tambm se queixam
Sala de professores
Soube pela coordenadora que o pedido de visita de estudo sada
de campo Baixa Pombalina foi aprovado no conselho pedaggico.
Sensao/sentimento do dia
Ufa, ainda bem que alvio! Tenho a tarde livre. Ai ? Ento voupara casa fazer a matriz do exame de equivalncia frequncia. Sim, o
GAVE tem uma malta l destacada, mas h muito exame feito na escola.
20 de abril de 2012
Sala de professores
Estive a trocar impresses com as colegas sobre a matriz do exame
de equivalncia frequncia. Na minha opinio, e bato-me todos os
anos por ela, estes exames so para dar aos alunos a possibilidade
de tirar a carta de conduo e candidatarem-se a um emprego na
junta de freguesia. Ou seja, devem permitir ao jovem obter o diplomado . ano sem delongas. No uma balda. Mas o exame tem de se
adequar ao cliente. Se o aluno tem dificuldades com o raciocnio
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abstrato, reduz-se a abstrao do exame, por exemplo. Isso no faz
do exame um teste nem mais simples nem mais simplrio, mas sim
mais assertivo, logo mais justo.
Sentimento/sensao do dia
Alguma insatisfao. No estou certa de conseguir que todos os
exames de equivalncia tenham esta inteno. H professores muito
ronhosos!
23 de abril de 2012
Acontecimento do dia
Amanh, tera-feira, devia haver reunio do grupo de professores
de Histria, mas a delegada no a convocou. Tem havido aqui umdesencontro entre a delegada e a coordenadora (esta diviso de com-
petncias outra das maravilhosas introdues da mente brilhante
de Ana Benavente). Havia o delegado e pronto. Foi, ento, criado o
coordenador. Parece que se queria acabar com os delegados! Como
se fosse mais prtico! O resultado que agora temos coordenador
de departamento e delegado de disciplina. E reunies para as duasfunes, pois claro!
Tem havido uns atrasos nas convocatrias. Ao segundo atraso da
delegada de disciplina, a coordenadora (hierarquicamente acima e
com assento no conselho pedaggico) reagiu no estando presente
na reunio e exigiu que a justificao da falta fosse essa mesma:
ausncia de convocatria nos termos legais!Este episdio provocou uma confuso no calendrio da escola. Ao
que parece a coordenadora enviou para a delegada um calendrio
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desatualizado. No estou muito por dentro de todos os pormenores. No
tnhamos feito reunio em maro. Se calhar em abril teria sido til. Mas
embora tenha o assunto da matriz do exame de equivalncia para tratar
(mudar uns contedos), tenho feito os contactos por maile tudo est OK.
Se calhar, sem dar por isso, j estou dependente de reunies! Isso
que era mau.
O melhor delegado que tive em anos era tambm croupierno
casino local. Manobrava a papelada do Ministrio e afins como quem
mexe com fichas e j estava, acabou a reunio, tudo para casa.
Sentimento/Sensao do dia
Fiquei um tanto desolada. No queria nada que as colegas se
desentendessem e muito menos que houvesse estas coisinhas de
queixas e acusaes por minudncias de burocracias.
24 de abril de 2012
Acontecimento do dia
Hoje passei no mercado e comprei uns cravos antes de ir para a
escola. Levei-os para dar aos alunos que me soubessem dizer algosobre os acontecimentos de de Abril de . Acabei por os distri-
buir tambm na portaria e na receo. Levei-os direo da escola e
deixei-os na sala de professores. J l vai o tempo em que as Cmaras
Municipais mandavam cravos para a escola. Numa escola em que
estive, o ento presidente do Municpio, que era um cavalheiro, alm
de uma figura interessante, at no Dia da Mulher mandava flores parans, professoras. Agora nem a escola compra dois cravinhos. Deve
ser para no ferir suscetibilidades, como est na moda!
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Bom, mas voltando ao assunto, l fiz as perguntas sobre o de
Abril. verdade que a matria, em termos formais, ainda no foi
dada: mais para o final de maio (h professores que nem chegam
a d-la). Mas nem um simples nome saa. E a minha pergunta no
era de avaliao escolar. L consegui ouvir um miado: Salgueiro
Maia. Ofereci um cravo. Os meninos e as meninas acharam muito
bom ter uma flor. Seguiu-se um corrupio de nomes e de factos L
veio um Otelo Saraiva de Carvalho e depois mais umas quantas coi-
sas soltas entre as quais algumas corretas. Foram-se os cravos. Espero
que alguns tenham chegado a casa e motivado conversa!
Sentimento/Sensao do dia
Divertimento. O dia acabou por ser divertido. Mas gostava que
houvesse mais emoo a propsito da Revoluo de Abril.
26 de abril de 2012
Acontecimento do dia
Hoje andei mais preocupada com a ao de formao que estou a
fazer. quinta-feira s dou uma aula, a de hoje correu normalmente.Fiz uma aula de substituio. A essa, mais de metade dos alunos fal-
tou. Tratava-se de uma turma de secundrio e era ao fim da manh, de
modo que os alunos se foram embora. Claro que h alguns que gas-
tam mal esse tempo de aulas, l fora. Mas so os mesmos que tambm
desperdiam o tempo quando esto numa sala de aula encarcerados
fora com um professor. Apostam em boicotar tudo e dar cabo do pro-fessor e dos colegas. Este tipo de ocupao interessa muito aos pais dos
alunos cujo comportamento no controlam nem sequer em casa. De
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resto no serve para mais nada. Os alunos que ficam de boa vontade
e trabalham so precisamente aqueles que no precisam. Eu, quando
era aluna e tinha furos na escola, nunca deitei a escola abaixo, nunca
parti nada, nunca estraguei nada, enfim
Sentimento/Sensao do dia
Continuo preocupada com a preparao dos alunos para o teste
intermdio. Acho-os um tanto apticos mesmo perante os resumos e
os testes resolvidos que lhes tenho dado.
27 de abril de 2012
Acontecimento do dia
O dia de sexta sempre um tanto pesado. Dou trs blocos de minutos. Fui ficando rouca ao longo do dia. No intervalo de almoo
quase nunca saio da escola. Gostava de sair para mudar um pouco
de ambiente. Mas ir at ao centro comercial quase como estar na
escola, pela quantidade de midos que por l almoam nofast-food.
Faz impresso como tantos pais autorizam tal coisa. O restaurante
atrs da escola muito bom e barato. Mas este ano no vai l ninguma esta hora e nem sempre me apetece ir sozinha. Agora com o bom
tempo ainda acabo por ir alguma vez. Assim at nem tenho de falar.
Como sopa e mais qualquer coisa no bar da sala de professores. No
a melhor das opes, principalmente para mim que tenho gastrite.
Mas prtico e aproveito o resto do tempo de modo til. Sei bem que
o intervalo a meio do trabalho faz mesmo falta. No se devem desva-lorizar estes intervalos e ocup-los com afazeres. A aula da tarde cor-
reu bem. Costuma correr bem. Nesta turma, o lder um mido com
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uma maturidade muito gira, com um sentido de responsabilidade e
um saber-estar muito adequados. H dois anos, quando foi meu aluno
no stimo ano, dificilmente eu diria que evoluiria assim to bem. Isto
marca a energia da turma e o evoluir dos comportamentos. J o dele-
gado e subdelegado da turma no so nada assim. Mas como eu gosto
muito deles, eles agem muito bem comigo, apesar de serem uns dia-
bretes. O subdelegado negro. No . ano ofereceu-se para ser Jlio
Csar numa atividade. Um Jlio Csar negro! Altamente!
Sentimento/Sensao do dia
Muito cansao. Acabei com a garganta bem estafada apesar de
ter encontrado estratgias para me poupar. Vamos ver se recupero
rapidamente.
30 de abril de 2012
Acontecimento do dia
Cheguei do Norte e fui escola para dar a aula ao . ano. Estava
muito rouca. Disse aos midos que tinha andado na festa do Drago,
no Porto. Uns alunos disseram que era bom eu ter vindo dar a aulae outros que nem por isso. Mas normal. Com muita gente h sem-
pre diversidade de opinies. A aula foi proveitosa. Avanmos com
a Revoluo Francesa. Quando se conta uma boa histria da Hist-
ria (e a Revoluo Francesa uma boa histria em que at o rei vai
parar guilhotina) os cachopos alinham. Soube-me bem ir escola
s ao fim da tarde. Acho que realmente j est na altura de passar ater horrios s tarde e l para o fim. J passei da fase em que que-
remos sempre as aulas da manh. Ao fim da tarde tudo assim mais
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sossegado. S desconfortvel no inverno. Mas como eu gosto de
chuva, isso ser o menos.
Conversei um pouco com duas colegas na sala de professores. Fica-
ram admiradas por eu estar to rouca e, tendo a falta justificada, estar
presente. No sou abnegada, para mim isso um defeito srio numa
pessoa. Mas aqui entre ns que ningum nos ouve, no estava bem certa
sobre se o teste era j na aula seguinte ou se tinha sido mudado! Ora,
esta aula aos alunos bons no fazia falta e aos alunos fracos tambm
no. Mas aos pais de alunos que viessem a ter negativa, ia fazer muita
falta. Ia ser um sarilho enorme e a culpa seria minha! Essa que essa.
De entre as colegas com quem falei, uma me de uma aluna
minha e tem manuais escolares publicados. A outra diretora de
turma do meu aluno de tutoria, que me deu a excelente notcia de
que o pequeno teve positiva em Lngua Portuguesa. Telefonei me
dele para dar um alento e parabns.
Sentimento/Sensao do dia
Satisfao boa e gira. Apesar de estar um tanto adoentada e febril
o dia soube-me bem, e ter ido escola assim no fim da tarde, com
to pouca gente, deu-me outra energia.
7 de maio de 2012
Acontecimento do dia
Hoje os alunos do . ano fizeram o teste intermdio de Histria.
Tenho cinco turmas. o ano que eu mais gosto de lecionar.Um dia de teste provoca um certo nervoso porque os alunos
podem fazer m figura, o no depende s do trabalho do professor.
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Lembro-me da minha filha que foi a exame do . ano com a Ln-
gua Portuguesa e teve um do qual ela prpria se envergonhou
quando soube. Mas a verdade que me deu uma aflio ao pensar
que de repente podia haver um resultado inesperado. Mas no valia
a pena ficar assim. Seria melhor um pensamento positivo, pois claro.
S depois de o teste terminar vi o enunciado. Era acessvel. Pareceu-
-me bem formulado, com as questes bem colocadas e nada difcil.
Uma parte da pontuao, quase um tero, pode obter-se nas res-
postas de escolha a preencher os espaos. A questo de desenvolvi-
mento era sobre Portugal. Podia correr bem.
Nas turmas que tive nesse dia vimos um filme Goodbye Lenine
para descontrair um pouco e abordar o colapso do comunismo. Nada
mais. Eles precisavam. O . ano fez teste. A descansei eu.
A preocupao com a menina da tutoria. A pequena no d
uma para a caixa. muito fraquinha em todas as matrias. Temum conceito de si prpria complexo, pois considera-se sempre bem
preparada e a dominar todas as matrias de modo bom ou sufi-
ciente, mas desmorona-se primeira reviso que fao com ela. O
problema que quer ir para economia e no aceita a via do curso
profissional. Dizem que na Alemanha o professor, ou o conse-
lho de professores, quem define se o aluno vai ou no para a viaprofissional. Se calhar devamos fazer algo idntico. A famlia da
aluna, limitada em recursos materiais, diz que far tudo para ela
seguir a via que escolher. Os pais j tm uma outra filha mais velha
num curso de teatro, numa escola nada credvel e cara, e agora esta
sonha que vir a ser uma gestora de gabarito. Sei l, at pode ser
mas por agora isto est mal.
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Sentimento/Sensao do dia
Calma depois do medo de os meus alunos falharem no teste, e
eu ficar aborrecida e a pregar grandes sermes. Se me deixam ficar
mal vou ter de os espremer.
11de maio de 2012
Acontecimento do dia
Hoje faltei s aulas! Arranjei um atestado mdico, infelizmente
verdadeiro, e sendo verdadeiro, fiquei com a sensao de que agora
deu uma febre nos mdicos que os leva a imaginar que todo o fun-
cionrio pblico cria cenrios para obter justificao para faltar.
Ora no assim, mesmo admitindo que possa acontecer. Vendo o
meu historial registado o mdico concordou que eu devia parar umpouco. E foi mesmo s um dia. A um senhor deputado basta a sua
palavra a dizer que esteve doente e a falta est justificada. O cida-
do comum tem de recorrer a um mdico convencionado ou ao
mdico de famlia. Resolvido esse assunto, foi precioso este dia em
casa. Avancei com coisas para a escola, pois claro!
Deixei planos para a aula de substituio, mas fiz umas oraespara que o anjo da guarda das turmas as livre de substituies.
A turma da tarde teve aula de francs. A professora prescindiu da
sua tarde livre, de tempo com as suas filhas bebs, para dar uma aula
extra! Em tempos pode ter havido exageros nas faltas dos docentes.
Mas s eu sei a preciosidade que um dia sem ir escola com falta
justificada como se fosse feriado para todos, por exemplo.
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Sentimento/Sensao do dia
Alvio por ter posto coisas em dia e ter recarregado baterias.
16 de maio de 2012
Acontecimento do dia
Hoje, com uma turma do . ano, vimos o filme Goodbye Lenine.
Vimos a primeira parte, a que interessa em relao matria sobre
a queda dos regimes comunistas. Quase no final da aula fui at ao
fundo da sala. Vi que um aluno tinha uns fones nos ouvidos. Cha-
mei-lhe a ateno. Quando o mido retirou os fones vi que estavam
ligados a um pequeno aparelho que se encontrava a funcionar, que
no sei como se chama, mas no era telemvel nem MP. Este apa-
relhinho estava no bolso das calas. O mido comeou logo por afir-mar que o aparelho estava desligado, isto , no estava a dar msica.
Como provar? No se prova. Mas ligado estava. Se por acaso eu avan-
ar com alguma participao aos pais, estes vo achar que o menino
est a dizer a verdade, mas ainda que no seja completamente ver-
dade a escola e a professora devem ser pedaggicas!!!
uma moda que j chegou Polcia. Agora pagamos (sim, que euno fujo aos impostos) polcia para andar a verificar se os jovens
bebem demais e para exercer sobre eles um efeito pedaggico! No
os autua nem os multa, nem os deve criticar. No. S pode ter um
efeito pedaggico!
O ano passado confisquei um telemvel a uma aluna porque esta
o tinha posto a carregar numa tomada no fundo da sala. Estvamos apreparar-nos para ver um filme. Quando dei pelo telemvel ligado
tomada, peguei nele e meti-o no meu bolso. Estava ligado, no modo
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de silncio, e vibrou o tempo todo. Quando a mida viu que eu o
tinha apanhado ainda disse que tinha sido por um minuto pois estava
mesmo a colocar a mochila a tap-lo. Enviei uma nota ao encarregado
de educao que respondeu que concordava com meu procedimento;
no entanto achava que eu devia ter sido mais pedaggica. Claro que
a mida exibiu a resposta do pap s colegas como uma vitria o
pap no dava razo professora! Mal sabe ele com que trupe a sua
linda menina anda envolvida, nem quer saber. Mas os professores
sabem. Os professores sabem coisas sobre os midos que faziam tanto
jeito aos pais agarrarem nessa informao e cuidar dos seus rebentos.
Mas no querem, e um risco enorme para o professor contar.
Portanto, se o Joaquim estava com fones e um aparelho ligado,
eu nem pensei em o confiscar pois o modo como a coisa se apre-
sentava a cena ainda ia parar internet como aquele episdio do
Porto. A fatura destes comportamentos chega a casa, l isso chega,mas dos pais deles, no minha! Ficou a informao remetida
diretora de turma, que diz que os pais deste mido so atentos e
vo tratar do caso. OK.
O resto do dia correu bem. Na turma da tarde foi possvel avan-
ar e ter uma aula com dinmica. Duas midas desta turma andam
muito extraviadas. Uma delas veio de um colgio privado. Os colgiossempre arranjam forma de pr fora os midos de tipo problemtico.
Entre outros argumentos dizem que na escola pblica os filhinhos
tero melhores notas pois a exigncia menor e coisa e tal. No
que h pais que acreditam?
Sentimento/Sensao do diaFiquei aborrecida pelo comportamento traioeiro e manhoso do
Joaquim, postura que cada vez mais crianas e jovens exibem. o
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reinado absoluto dos chicos-espertos. Mas foi s isso. A minha dis-
posio tem sido boa.
17 de maio de 2012
Acontecimento do dia
Hoje foi o Dia da Escola.
Pensar que eu quando era aluna nunca alinhei nem achei piada
a estes eventos e atividades! Para mim a escola era um lugar para
assistir a umas aulas, aprender umas coisas, ou mesmo muitas coi-
sas, conversar um bocado com os colegas e vir embora porque a vida
mesmo era em casa e por a assim.
Agora como professora continuo a no sentir o esprito deste tipo
de acontecimentos. No entra no fundo da minha pessoa. Mas faosempre qualquer coisa ou participo de boa vontade em atividades
que me sejam propostas ou que precisem da minha colaborao.
No gosto, e nelas no voltarei a colaborar, de atividades que
sejam realizadas na rua. Se o senhor presidente da junta quer palha-
os, que os contrate e os pague. Depois da cena que houve h tempos,
numa vila no Minho por causa de um desfile, perdi completamentea vontade. Mas j era muito crtica, principalmente depois de fazer
o mestrado em Educao Multicultural. Alm disso, sei que este tipo
de atividades d imenso trabalho aos professores e tambm muita
despesa. Os pais, na sua maioria, no aceitam bem colaborar quer
financeiramente quer disponibilizando tempo. Sempre que participei
em atividades desse tipo entrei em despesas que sei l. So ganchosde cabelo, tintas, maquilhagens, etc. No estou disponvel para isso.
E, na verdade, na minha opinio, o resultado nunca grande coisa
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pelo amadorismo que lhe est na origem. Quando a atividade na
rua, esta enche-se de avs e de tias babadas que distorcem as habi-
lidades dos pimpolhos. Estes acabam convencidos de capacidades
que no tm nem viro a ter. O cortejo de recriao histrica a que
assistimos o que e tem a qualidade que tem porque as escolas so
usadas sem reforo de recursos humanos ou materiais da o aspeto
simplrio e amador, nada instrutivo, de que no gosto. De qualquer
modo o dia aberto da escola estava no plano de atividades, portanto
toca a alinhar.
Pensei em fazer um trabalho designado Objetos que contam
Histria. Para isso, alunos e pais disponibilizariam escola um ou
vrios objetos que contem Histria. Por exemplo, se a famlia tiver
um aparelho de picar carne antigo, manual, e um aparelho moderno,
eltrico, colocaramos os dois ao lado um do outro e uma legenda
com datas e alguma observao curiosa sobre a evoluo deles. Ten-tei arranjar um telemvel dos primeiros, que eram uns caixotes, para
colocar ao lado de um mais atual. No arranjei. Todas as pessoas da
famlia que tiveram um antigo j o tinham mandado para reciclagem.
Na altura em que estava organizar as ideias e a preparar o roteiro
escrito para apresentar, veio-me cabea que parte desses objetos
podem ter algum valor, material ou estimativo, e a sua seguranaseria um assunto complicado. As escolas tm sempre falta de arm-
rios-vitrine com chave. Assim, como no avancei com esta ideia mais
cedo, no poderia ir muito longe. Por esta vez ficmos com peas
minhas que eu prpria forneci. Entre elas um preciosssimo fogo de
ferro, em miniatura, feito pelo meu av paterno e por um tio, em que
cheguei a cozinhar, de verdade, em menina. A minha me pintou-omuito bonitinho de preto e prateado. Estava um mimo. Ao lado pus
um fogareiro de petrleo, inestimvel, da minha me. E a seguir um
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camping gs. Havia um teclado de PC e uma mquina de escrever dos
anos , de que os midos e os professores gostaram. E as Barbies das
colees etnogrficas e histricas (que contam com a princesa Cata-
rina de Bragana) que fui buscar, socapa, caixa das minhas filhas.
A ideia ficou no grupo. No prximo ano iremos trabalh-la melhor
e dever ter a colaborao dos pais para avanar de forma mais vis-
tosa e produtiva, indo ao encontro de contedos e de objetivos da
disciplina.
Foi giro. Carreguei tudo para a escola, montmos a exposio e,
por sorte, no fim do dia, o porteiro deixou-me entrar com o carro no
recinto, carreguei tudo de volta, assim mesmo tipo cigano na feira do
relgio, mas mesmo esses podem ser felizes. Eu tambm portanto.
Sentimento/Sensao do dia
As folhas que ao longo do dia se foram enchendo de escritos, namquina de escrever, eram elogiosas (alm de um ou outro pala-
vro!). Portanto valeu a pena. Soube bem, a todos, um dia na escola
sem aprendizagens convencionais. Mas sei que podia ter feito melhor.
Para o ano h mais e vai ser melhor.
Nota extraSoube que as escolas da Parque Escolar no podem acrescentar
placardsnem vitrinas nos edifcios, por muito necessrios que sejam,
pois isso viola o desenho de sua Excelncia e Eminncia o senhor
arquiteto. Havia de ser eu o diretor da escola: pegava numa marreta
e nuns pregos e montaria as vitrinas e tudo o mais. Se o arquiteto no
equipou o edifcio com o que necessrio ao seu funcionamento,alm de arquiteto, burro. S quem vive um ano nestes edifcios
sabe do que falo.
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18 de maio de 2012
Acontecimento do dia
Hoje o Filipe, o meu lindo Filipinho, que j foi meu aluno noutro
ano, resolveu fazer mais uma das suas. So coisas que no possvel
entender. Mas no faz mal. Toda a famlia deste menino original.
Entramos na sala, logo aps o almoo. Comeamos com o habitual:
pegar nas coisas, escrever o sumrio Quando olho para o Filipe
estava ele com o queixo na mesa e a segurar algo que podia ser um
papel daqueles empacotados que os pequenos comem, tipo bollycao!
Quando perguntei o que estava a fazer, reparei que o nosso Filipinho
enfiou rapidamente o que quer que fosse nas bochechas e respon-
deu, com a boca mais do que cheia, que j estava, j tinha acabado
e ia deitar o resto no lixo. Nessa altura, quando eu ia dizer que no
se pe comida no lixo, o que ele tinha escondido nas mos caiu parao caixote! E, pasme-se, alm do bolo tinha um pacote de sumo! O
Filipe nem grande, nem tem as mos grandes! Perguntei se estava
com fome, se no tinha tido tempo de almoar. Respondeu que sim,
que almoara bem e no tinha fome, mas estava ali aquela sobra
e resolvera comer tudo num instante. No queria ir para o espao
cidado porque estava fazer um PIT! Mas como houve ordem parasermos estritos com questes disciplinares tive mesmo de o mandar
sair, para ir refletir sobre o assunto na sala do espao cidado e voltar
para o segundo tempo da aula. Azar do mido: quem estava na tal
sala era uma professora que tambm o conhece de ginjeira! Foi feita
a comunicao diretora de turma, mas confesso que lhe disse que
no deixasse esta cena interferir na avaliao do PIT. O mido comeuporque calhou, deu-lhe para ali e pronto, j estava pago.
Se este episdio visto de fora parece pouco disciplinado, no sei.
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Enquanto isto acontecia veio-me memria um acontecimento
do primeiro ano em que fui professora. Tinha, numa turma, um aluno
que jogava futebol no clube local e andava a ser sondado por um
clube grande da capital. A certa altura esse negcio concretizou-se.
No ltimo dia de aulas que teve na nossa escola, antes de ser trans-
ferido, veio ter comigo e apresentou-me um dos grandes desejos que
tinha e que gostaria de concretizar antes de ir embora para outra
escola que no conhecia. Pois claro, ento que realizasse o sonho
dele. O sonho era sair de uma aula a meio, ir ao bar da escola, dar
uma voltinha e entrar novamente na sala sem repreenso! Pronto,
cada qual tem a sua pancadita! E assim foi. Este rapaz, que foi guarda-
-redes do Sporting e depois de outros clubes, no cresceu tanto
quanto se esperava e por isso no foi mais longe. Na mesma turma
estava um outro que foi jogador com algum significado no Porto e
na seleo. A coisa mais marcante da passagem de figuras destasnas escolas secundrias a quantidade de suspiros que provocam
nas raparigas.
Sentimento/Sensao do dia
Tudo bem. s crianas e aos adolescentes passa-lhes cada coisa
pela cabea Ou ento a nossa cabea de adulto que j perdeuelasticidade. Como fomos ns, adultos, que fizemos a norma, aquilo
que no est l no normal e nem sempre conseguimos aceitar!
Mas a expresso do mido e aquele enfiar o bolo fora pela boca
dentro teve muita piada! Eu, como sou adulta, s me estou a rir agora!
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23 de maio de 2012
Acontecimento do dia
Mais uma entrega de testes intermdios. No esquecer que
tenho cinco turmas de . ano. Tudo bem quando a mdia geral
dos alunos boa tal como o nmero de positivas. Faltaram dois
alunos desta turma ao teste intermdio. Os dois, um rapaz e uma
rapariga, estavam presentes na aula hoje, mas nenhum disse o que
quer que fosse quanto falta. Optei por deixar isso nas mos da
diretora de turma.
Tutoria com o meu Joozinho: depois de, no Dia da Escola, ter ido
com ele ver as escolas profissionais, com cursos de mecnica, aqui
por perto. Conversmos sobre o assunto. Este sim, tem uma viso
realista sobre uma srie de coisas e acima de tudo sobre o que quer
para si, o que imagina para o seu futuro. muito interessante que,contra o que habitual, este aluno no se v apenas em produo
de intelectualices, ele v-se mesmo a fazer coisas. Coisas daque-
las de que precisamos mesmo. Eu posso ler um livro ou no. Posso
dar um passeio ou no. Mas desde o Neoltico, no mnimo, que h
objetos mecnicos que tm de funcionar. Esta a rea do Joo. Fazer
as coisas funcionarem, caso no funcionem. Diz-se que um homem(talvez tambm uma mulher) deve ter um filho, plantar uma rvore
e escrever um livro. O assunto do Joo a rvore. Excelente. Sem o
filho a gerao no continua. Mas sem a rvore ningum vive. Sem o
livro, por muito que custe a muitos, a vida segue. Pois o ser humano
viveu, j depois de ser homo sapiens sapiens, mais tempo sem livros
do que com livros.A casa deste menino precisaria de uma interveno do Querido,
mudei a casa!, mas talvez no deva imiscuir-me por demais na vida
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pessoal, no v romper equilbrios prprios e depois no ter forma
adequada de sair.
Mas l que me apetece, apetece.
Sentimento/Sensao do dia
Tudo muito fixe.
25 de maio de 2012
Acontecimento do dia
de maio uma sexta-feira. Felizmente para mim, um dia bom.
S tenho aulas de minutos. As turmas esto normalmente muito
bem. A primeira da manh ainda vem meio a dormir. A do meio da
manh menos simptica e est mais agitada, mas j me conheceh muito e a coisa foi rolando sempre. A da tarde, acho que j referi
isso, tem a barriguinha cheia e quer fim de semana.
Esta sexta no foi diferente. S que j tem sabor de fim de ano e
de concluso de matrias. H uma certa impacincia para acabar e
achar que j nem vale muito a pena.
Mas as turmas estiveram atentas. Uma delas fez teste. Estes testesde fim de ano letivo so, como todos os meus testes, de minutos de
durao. Abordam matria de forma global. Depois das dificuldades
de viso que tive, recorro bastante a testes de preencher espaos e
de completar ideias. Tambm a alguns de escolha mltipla. Mas h
sempre espao para os alunos mostrarem as suas capacidades de
analisar, de comentar e de sintetizar. Quanto crtica, prefiro queseja feita na oralidade. Neste dia, em todas as turmas, avanmos
bastante na rea da crtica. Embora, uma vez instalado um ambiente
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de crtica, seja difcil, a dada altura, conseguir que se calem e escu-
tem um comentrio acerca das fragilidades das suas crticas a fim de
serem mais prudentes com o que dizem.
Piaget pode estar um bocado fora de moda, mas nestas aulas veri-
fico que h muita verdade nos seus estudos.
Sentimento/Sensao do dia
OK, estamos a ir bem, neste esprito de fechar as contas.
Um dia, talvez para o ano, levada pela reflexo a que a escrita des-
tes dirios me obrigou, vou gravar uma primeira e uma ltima aula de
. ano, planificando para ambas abordagem crtica a algum assunto
de contedo da disciplina que tenha pontos comuns.
Sou capaz de jurar que h evoluo, mas toda a gente desata a
dizer que os alunos no avanam nada e que o ensino no presta!
Vou ver isso, mas s para mim mesma.
31 de maio de 2012
Acontecimento do dia
Hoje o acontecimento foram as eleies para sindicato.Eu sou sindicalizada, por sinal em dois sindicatos, mais por princ-
pio do que por fidelidade ardente aos ideais de qualquer dos sindicatos.
De modo que quando me telefonaram a perguntar se tinha disponibi-
lidade para a mesa eleitoral aceitei. Ocupava a minha tarde livre.
Acho que as profisses e os profissionais so tratados conforme
se tratam. E ns estamos mal.Muito me di saber tudo o que as geraes antes de ns, desde o
sculo XIX, fizeram, lutaram. Deram a vida para ns termos qualquer
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coisinha merecedora de respeito e de considerao mas agora o
comodismo e a parvoeira dos mais novos levam-nos tudo. Porque
o que temos de benefcios so conquistas adquiridas com muito
sofrimento, nenhum poltico ou governante deu algo bom ao povo
que governa que no tivesse sido duramente conquistado, na rua,
no parlamento, na imprensa, etc. Se poucos so sindicalizados, so
menos ainda os que foram votar. Mas est bem. Vai afetar mais os
mais novos do que a mim!
Sentimento/Sensao do dia
Fiquei bem triste por to pouco empenho de uma classe com for-
mao superior, com conscincia das coisas, assim alheada.
1 de junho de 2012
Acontecimento do dia
Ontem foram as eleies para o sindicato. A absteno foi alta.
Tal como a sindicalizao o . O meu av materno foi empresrio,
daqueles que empreendiam com o seu dinheiro e no com o dinheiro
do banco, e na sua condio de empresrio sempre me disse que aspessoas devem estar organizadas e informadas, embora tudo isso
se passasse antes do de Abril. Depois que andei a mexer na sua
mquina de escrever (que levei no Dia da Escola para expor) penso
nele. Pois Quando avancei para ser professora tive um convite de
um tio, tambm empresrio, para ficar a tomar conta dos escritrios
dele em Lisboa. Era uma sede, porque tudo o resto estava centradol numa cidadezinha no distrito de Aveiro. Eu no quis. Achei que
era melhor ter um canudo e um trabalho, no sentido clssico. Hoje
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acho que fiz uma opo segura mas perdi algumas coisas tambm.
Depois disso nunca fui capaz de atirar a vaca pela ribanceira abaixo.
Talvez por esse motivo no seja grande adepta de investimentos de
vida em percursos escolares muito contrariados e forados que tra-
gam anos de sofrimento.
Bom, para no me desviar, mandei-me ali aos temas da nova
ordem mundial e do papel das organizaes no governamentais,
como se fosse um assunto pessoal da maior urgncia. Acho que os
alunos entenderam, embora talvez lhes tenha parecido um bocado
excessivo. Mas as aulas correrem bem.
Sentimento/Sensao do dia
Um tanto de calor faz bem nas aulas, mas tanto tambm me
esgota. Vale agora o fim de semana.
5 de junho de 2012
Acontecimento do dia
L vai mais uma segunda-feira, a ltima do ano letivo.
A entrega e a correo de testes dominaram o dia, tal como as ava-liaes orais de recuperao. engraado que h alunos que levam a
srio este esforo e constatam que ficam a conhecer matrias sobre
as quais nem eles imaginavam ser capazes de saber tanto. Outros
tm a mania de que estas recuperaes so mais um pretexto para
o professor dar a nota positiva independentemente do que o aluno
fez. E ento trazem uns trabalhos to mal preparados que do pena.Acho que h casos em que isso que pretendem explorar, a fim de
obter a nota.
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Numa turma deu-se o caso de a mida que deveria apresentar
o seu trabalho para garantir um nvel desatar a chorar, que no
estava preparada, mas estava, que eu percebi. Mas como as outras
midas s apresentavam trabalho na aula seguinte, muito contra
minha vontade, deu-lhe para se sentir insegura. Ficou muita coisa
para a ltima hora. uma forma de estar e de produzir muito inte-
ressante que os portugueses tm. Na hora H que avanam e fazem
tudo. Est bem, no h problema. No necessariamente verdade
que a antecipao seja mais produtiva ou mais criativa. E preciso
muita fora para fazer as coisas desta forma, o que muito me agrada,
ou no fosse tambm o meu estilo deixar coisas para a ltima! A ver-
dade que em outras turmas os trabalhos foram aparecendo e esta-
vam bem, na generalidade.
A segunda-feira um dia de aulas de minutos (criao maravi-
lhosa da Ana Benavente). uma correria de sala em sala, sem nuncater a certeza de estar a horas em lado nenhum, mesmo que os atra-
sos no sejam considerveis! Gostava de voltar a ter unidades de tra-
balho de uma hora, em que minutos correspondiam a trabalho
e minutos a descanso. Mas no sei se isso vai acontecer. Ento
agora que descobriram que os tempos supervenientes deixaram de
ser pagos enquanto tempo extra, mesmo que sejam tempos de ati-vidade letiva, estamos feitos.
No . ano avanmos um pouco mais, praticamente conclumos
a matria, incluindo as invenes do fim do sculo XIX e a arte. Os
alunos no gostam muito das matrias de arte. Mas com exerccios de
memria entrou alguma coisa. Esta a matria com que se pode dar
incio ao prximo ano letivo, e estas informaes, estando l pelosfundos, iro aparecer.
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Sentimento/Sensao do dia
H sempre alguma nostalgia no final do ano letivo, mas tambm
fixe. Vamos ter um intervalo de uns mesitos. O facto de diversificar a
atividade, no estando em frias, introduz uma renovao no esprito.
6 de junho de 2012
Acontecimento do dia
Hoje foi a ltima aula da turma D. Portanto quis mesmo concluir
os temas, e o sumrio foi o tema K (dei o tema K primeiro) Os
desafios do nosso tempo. Os alunos fizeram um exerccio de leitura,
de anlise e crtica de uns textos do manual. Foi proveitoso. Quando
a ltima aula no no ltimo dia ainda se aproveita. Quando no
ltimo dia j nem sempre possvel que seja til. Depois fizemosa autoavaliao, que nesta turma pacfica. O Bernardo no veio.
No tem vindo. A diretora de turma j fez tudo o que est ao seu
alcance. Mas difcil. Quando lhe perguntei se tinha informado o
pai do rapaz de que vai passar o caso para a Comisso de Proteo
de Menores, ela arregalou os olhos e perguntou-me se eu j tinha
visto o pai dele, se conhecia o estilo e o tamanho da personagem. Opai l foi justificando as faltas. A diretora aceitou as justificaes, a
lei a isso obriga. Vamos l a ver como vai ficar na reunio. Na ver-
dade o rapaz tem uma pancada! Mas entende-se tudo quando se
conhece o pai, diz ela.
Com os alunos do . ano falmos de Fontes Pereira de Melo e
das suas estradas. Vai um iluminado pergunta: Ento, e agora aindafoi preciso fazer mais autoestradas? No percebi muito bem se foi
mesmo a srio ou se era a brincar. Em todo o caso voltmos a pgina
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da cronologia para perceber que entre Fontes Pereira de Melo e Jos
Scrates passou um tempinho!
Sentimento/Sensao do dia
Pronto. Caso encerrado. Acabou-se o . D. Estive com ele trs
anos e correu bem.
Alm do aluno referido, h o caso da Bubas, que ao longo des-
tes trs anos, sempre de nariz empinado e malcriadota, enfrentou
a morte do av, com cancro, que fazia as vezes do pai, que j tinha
falecido pouco antes, e o cancro da me, que o superou.
Que que se vai fazer?
Eu digo o que vou fazer: vou agradecer a Deus por nem eu nem
as minhas filhas termos tido tal adolescncia e, se necessrio, propor
ao conselho de turma um consenso-votao para a mida passar.
Hoje h uma determinao para que estes casos se resolvamassim, mais do que por sensao ou por sentimento.
8 de junho de 2012
Acontecimento do diaHoje foi o ltimo dia de aulas. O ltimo dia para mim. Para a
semana ainda dou aulas ao ., mas como s uma turma e trs
tempos em dois dias, j nem conta, na medida em que no maa.
Portanto por este ano acabou.
Na aula da manh ainda estiveram quase todos os alunos. Fal-
mos da autoavaliao muito rapidamente porque os midos queriamver um filme. Eu tinha levado dois filmes. O HAIR, muito a propsito
de assuntos falados nas matrias de final de . ano e uma comdia
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ligeira. Vimos umas cenas do HAIRe depois passmos para a com-
dia. Como uma escola com ensino secundrio o final do . ano no
tem muito significado. Os midos das escolas que s tm . ciclo
fazem deste dia um drama e umas despedidas. Neste caso nem por
isso.
Mas eu nunca fui de grandes despedidas nem de choraminguices
perante os alunos ou os colegas. Em anos de trabalho s tive uma
lagriminha no canto do olho, e dizia respeito aos colegas, ao grupo
de Histria e sala de professores em geral, quando deixei a escola
de A. Uma escola fantstica. Nos tempos sombrios do consulado da
Maril, criaram-se solidariedades e companheirismos. Para mim, e
para mais uns quantos, a questo era sobreviver com a boa disposi-
o possvel. E realmente muito nos divertamos. Comearam a srio
as substituies. Nesse trabalho conheci a turma de alunos da aca-
demia de um clube de futebol. Devia ser proibido. Ou antes, os paisno deviam permitir os filhos em tais stios. Mas quem no sonha ser
a senhora me de uma estrela de futebol?
Passar a ponte Vasco da Gama logo pela manh era coisa mais
zen que podia acontecer. Adorava. Maravilha. Apesar da distncia
e da portagem.
Voltando ao ltimo dia de aula, a turma seguinte estava compouco mais de metade dos alunos. Os outros estavam em ativida-
des desportivas. Duas alunas vieram apresentar um trabalho, em
desespero de causa, para terem positiva. De facto j dei as notas
diretora de turma e dei-lhes a cada uma. Imaginei que se empenha-
riam neste trabalho. E assim foi. O tema era Jos Afonso e a cano
de interveno. Estiveram bem. Uma mais do que a outra. A queesteve melhor quer ir para um curso profissional que tem teatro, por-
tanto vai mudar de escola. Vai a me pagar uma pipa de massa para
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a menina estudar uma coisa de que gosta muito e no fim continuar a
viver custa da me, porque estas coisas so muito difceis, embora
no sejam impossveis. S estou a dizer isto ao meu dirio, que nin-
gum o ouve, porque se fizesse um alerta mida, que nem muito
dotada, estava a traumatiz-la, a desanim-la e coisa e tal. Uma outra
decidiu tambm apresentar um trabalho para melhorar a nota. Mas
acho que no vai dar em nada. O trabalho era sobre Che Guevara.
Estava fraquinho e as avaliaes dela so muito fraquinhas tambm.
Esta mida j foi da minha direo de turma. Chumbou. Ser por-
tanto reteno repetida, caso volte a chumbar. Uma maada para a
reunio. Parece-me que a me da mida ps o pai a andar de casa
para fora, porque quem trabalhava era a senhora, que no esteve para
manter o panudo. Mas no d conta da mida. boa mida, no se
mete em drogas nem em confuses, mas tambm no estuda e rara-
mente est atenta. mais conversa e dormitar nas aulas.No intervalo de almoo (almocei na sala de professores), as con-
versas habituais sobre as possibilidades de aferir notas antes das reu-
nies para evitar a atribuio de notas por deciso do conselho de
turma. Quando necessrio encontrar um consenso, sou, invaria-
velmente, a favor da transio do aluno. Ento quando o caso com
Educao Fsica, voto sempre para favorecer o aluno. Os colegas deEducao Fsica meteram na cabea uma carrada de disparates que
fizeram que a Educao Fsica passasse de disciplina preferida quela
que mais contestada em todos os nveis. O programa nacional desta
disciplina o mais longo de todos os publicados na pgina do Minis-
trio da Educao.
Na aula da tarde os alunos desertaram. Era a nica aula da tarde e,aproveitando o facto de haver atividades de Educao Fsica, j no
voltaram. Fiquei na sala o tempo todo a fazer trabalhos. Apareceram
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trs alunos para fazer a sua autoavaliao. Na verdade, para me con-
vencerem a dar as notas que eles querem. Mas nem era preciso. Dois
deles vo ter o . Apesar de o Filipinho ter aquele jeito para copiar.
Jeito e um certo casaco que leva para os testes quer chova quer faa
sol. Mas um truque to velho que no chega a incomodar pois
deteta-se. O outro aluno ter . Pouco lhe apanho para a avaliao
oral, mas, como ele muito reservado, h que respeitar.
E pronto, vou para casa.
Sentimento/Sensao do dia
Uff, que bom! Este ano foi bem complexo, sobretudo pelas dificul-
dades de viso que senti. Mas tem um balano muito positivo. Sobre-
tudo porque as minhas cinco turmas de . ano tiveram resultados
acima das mdias!
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Maria do Mar
DIRIO 1
Reflexo sobre os cursos profissionais no ensino
secundrio/nas escolas secundrias
Tpicos: a escolarizao dos cursos profissionais; a partilha dos
mesmos espaos cursos gerais e cursos profissionais; tratamento
idntico para profissionais distintos: professores e tcnicos vrios;regimes de avaliao e de assiduidade muito distintos que geram
confuses.
Os cursos profissionais chegaram s escolas secundrias h cinco
anos (existiam anteriormente nas escolas profissionais).
Samos da escola em finais de julho e ningum sabia de nada.Quando regressmos, em setembro, deparmo-nos com os cursos
profissionais j implantados.
Como possvel que, tratando-se de um novo paradigma de
ensino como alguns diziam , as coisas fossem feitas deste modo?
Sem qualquer preparao, explicao, formao ou mesmo serie-
dade. Decerto que foi tudo, apenas, para cumprir as metas eco-nomicistas em que o ensino ter sido das reas mais prejudicadas.
Na educao que se quer de futuro, na educao que se quer de
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qualidade, preparando cidados de excelncia, no se poupa, gasta-
-se: o melhor investimento de um pas. Continuo a no me con-
formar com muitos polticos no o entenderem, ou no o quererem
entender, e, assim, irem arrastando o desenvolvimento de um pas
para o nunca.
Nas diversas reunies que fomos tendo, e refiro-me s dos profes-
sores que ficaram com turmas dos cursos profissionais (para saber,
por exemplo, a contagem das horas, a questo dos mdulos que
nada tem a ver com os perodos letivos , os imensos planos de recu-
perao a aplicar aos alunos, etc., etc.), o que nos foi dito foi que
se tratou de uma imposio da Direo Regional de Educao. No
fui apurar, mas sabemos que mais uma vez presidiram a esta deci-
so questes financeiras, porque sempre mais barato (em recursos
humanos e outros) juntar tudo, fechando muitas das escolas profis-sionais, do que respeitar as diferenas, as especificidades e os ritmos,
fazendo um trabalho diferenciado.
Os alunos ainda me chegaram a dizer (porque uma vez que eu
era a mais nova do grupo, fui de imediato presenteada com duas
turmas profissionais e tinha de aceitar o que viesse) que tinham
sido fechados numa sala, com a psicloga da escola a fazer-lhesuma lavagem ao crebro, dizendo-lhes que o melhor que tinham a
fazer era optarem pelo curso profissional, porque lhes dava todas
as garantias de um curso geral (de prosseguimento de estudos) e
ainda porque saam dali com um certificado profissional de tcnico
de nvel , uma enorme mais-valia caso quisessem ingressar no mer-
cado de trabalho.Hoje, como os nveis dos cursos foram alterados h um ano, o
nvel destes cursos o .
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Acresce que os alunos eram financiados (quanto a isto, sei que
nem todas as escolas o fizeram da mesma maneira). Nesta escola
cada aluno recebia, sensivelmente, a euros mensais, resul-
tado dos subsdios de refeio e de deslocao a que tinham direito.
Todo o material que utilizavam era gratuito. Foi assim at h dois
anos, depois deixou de haver dinheiro e muito os alunos protestaram!
A ns, docentes, aos que trabalhvamos com os cursos profissio-
nais, por uma vez na vida deram dois ou trs dossis e permitiram
um nmero ilimitado de fotocpias.
Era assim que nos tentavam agarrar. O certo que numa incer-
teza e desconhecimento completos inicimos os cursos profissio-
nais: tcnico de animao sociocultural e, tambm, tcnico de apoio
psicossocial.
Fiquei com a disciplina de Psicologia. J lecionava esta disciplina
h muitos anos, mas os programas novos nada tinham que ver comos antigos. No que sejam piores, mas era necessrio ter tido tempo
para os preparar. Com muito, muito, muito tempo de trabalho de
casa (investigao, anlise dos textos, montagem, aferio de coe-
rncia com o programa e com o novo modelo de avaliao, etc.) l
fui preparando os materiais para cada aula, dia a dia. Por no termos
quaisquer materiais e, como dizia a ministra da altura (eu ouvi-a adiz-lo), nem termos de ter, uma vez que havia que respeitar a espe-
cificidade de cada turma e, assim, criar individualmente os materiais
adequados.
Um manual impe demasiado a uma aula, razo pela qual estes
cursos no devem ter manual, argumentava a ministra Maria de Lur-
des Rodrigues. Este conceito, levado ao mximo rigor, significaria termateriais no apenas para cada turma, mas tambm para cada aluno.
O que no est muito longe do que, na verdade, preciso fazer. Se
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o aluno no cumprir o mdulo (isto , se no obtiver classificao
igual ou superior a , valores) na sala de aula e na frequncia diria,
o docente deve promover um plano de recuperao que obriga-
toriamente individual, para que, respeitadas as especificidades do
aluno, ele consiga realizar o mdulo.
O Ministrio da Educao no queria manuais e, com estes novos
programas, na grande maioria das disciplinas, no era vivel adaptar
os manuais existentes (exceo feita disciplina de Portugus). Na
escola onde estou s este ano letivo foi permitido adotar manual para
os cursos profissionais. Os manuais s comearam a ser publicados
pelas editoras recentemente.
Eu, que tenho trabalhado sempre com materiais por mim cria-
dos, e porque agora h menos dinheiro em cada casa, escolhi no
usar manual, opo que justifiquei perante a direo da escola, que
concordou. Os meus alunos, com euros e cntimos compramtodo o material para as minhas disciplinas para o ano inteiro, e assim
foi tambm este ano. No futuro veremos. Refira-se que o preo dos
manuais ronda os euros. Alguns alunos, no incio, compreende-
ram mal e refilaram: Ah, ir comprar fotocpias, ah isto, ah aquilo;
depois, com calma, perceberam a razo e j muitos me disseram que
o correto o que eu fao.A preparao dos materiais constituiu um stresse imenso: posso
dizer que na maioria das vezes os preparava em casa at s h da
manh para entrar na escola s h. Este s mais um dado que
ningum imagina nem valoriza.
Passado este stresse imenso, veio o stresse das avaliaes e da an-
lise do tipo de alunos. Porque o critrio para organizar as duas turmasfoi, precisamente, selecionar os alunos repetentes do ano anterior e
os alunos que tinham chegado escola com pssimos resultados do
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. ciclo, particularmente do . ano. Habitualmente esta anlise dos
resultados do . ciclo faz-se sempre. Aqui foi feita tambm com este
novo objetivo. A situao na altura pareceu-me estranha e algo incor-
reta tambm; acreditava que os alunos deveriam apenas escolher
estes cursos como mais uma opo entre outras (percebi que pode
no ser bem assim). O certo que a lei geral assim o determina: se o
aluno no est a fazer o percurso adequado nos cursos gerais deve
ir para os profissionais; e se no est a fazer o percurso adequado
nos profissionais deve ir para os cursos EFA (Educao e Formao
de Adultos) ou para uma qualquer alternativa do CNO (Centro de
Novas Oportunidades).
S mais tarde vim a saber destas orientaes, e acerca delas no
fao qualquer juzo de valor. Como princpio, pensaria que no deve-
ria ser assim, isto , que estes cursos no deveriam ser a primeira
opo para alguns alunos. Os cursos deveriam ter tanto valor comoquaisquer outros e a escolha dos alunos por um qualquer percurso
deveria ser natural, digamos; mas h razes ponderosas para com-
preender esta opo legislativa. Como sejam, todos adquirirem uma
certificao de nvel secundrio, o que para alguns alunos nos cursos
gerais no seria fcil; estarem envolvidos num percurso de formao
enquanto tm / anos e no acedem ao mercado de trabalho e,tambm, serem alunos que no tm gosto ou aptido para a escola
regular.
Quanto ao tipo de alunos percebe-se que um conjunto com
caractersticas e necessidades muito especficas. Muitos com algu-
mas dificuldades e com muita necessidade de um apoio constante
do docente. Nada autnomos, nada desembaraados. Alunos que,pelas mais diversas razes, no desenvolveram as competncias e
capacidades inerentes aos . e . ciclos e que, por isso, esto num
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patamar muito mais distante do que seria necessrio para enfrenta-
rem os contedos e todo o trabalho dos cursos gerais (de prossegui-
mento de estudos).
H uns tempos houve aqui na cidade uma sesso com a profes-
sora R. C. M. (e uma outra professora cujo nome no recordo, que a
acompanhou no projeto de que ali vieram falar), em que ela descre-
via o sucesso que teve com um projeto PIEF (Plano de Interveno,
Educao e Formao, creio). Designamo-lo, frequentemente, como
um plano de educao prioritrio, que se aplica aos casos mais gra-
ves de insucesso ou de abandono escolar. Segundo estas professoras,
tinha corrido bem.
Eu no duvido de que estes projetos-piloto corram lindamente,
porque neles tudo concorre para o sucesso (as condies fsicas, o
espao de trabalho, os horrios dos docentes que se envolvem nestas
experincias-piloto, a preparao que muitas vezes tm, etc.). Nestesmoldes corre bem necessariamente.
Mas ser que temos os mesmos cuidados quando se generaliza
a aplicao destes projetos? O que se generaliza fica muitas vezes
desvirtuado, deturpado.
Aceito que se faam experincias positivas; o que me custa a acei-
tar que quem est muito envolvido, que sabe perfeitamente as con-sequncias implicadas, use uma singular experincia-piloto como
modelo para tudo e para sempre. Por amor de Deus! Haja pacincia.
Com isto que eu no lido nada bem. Nada mesmo.
Este caso lembra-me um outro que se vive na minha escola, o de
uma colega que no . ano dos cursos profissionais deu uma disci-
plina (das imensas disciplinas especficas, para no dizer estranhas,que estes cursos contemplam) a uma turma que naquela opo dis-
ciplinar tinha seis alunas!
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At aqui tudo correto, mas passados cinco anos nunca mais teve
uma turma de cursos profissionais porque no quer, apesar de os
gerir, de fazer parte da direo. Continua a falar nessa maravilhosa e
gratificante experincia que foi dar aulas aos cursos profissionais. E
repete-o! Confesso que tive de a ouvir uma boa dzia de vezes para
um dia, calmamente, lhe apresentar as coisas como elas so. Disse-
-lhe: Se foi tudo to bom e to perfeito, por que razo j no queres
ficar com uma turma dos cursos profissionais?
A mim parece-me que, sobretudo por uma questo de coerncia,
ficaria bem a quem o responsvel mximo destes cursos aqui na
escola lecion-los. No verdade? Devo dizer que se trata de uma
colega que amiga, de facto. Para mim no uma pessoa qualquer
naquela escola, mas comeo a perceber a sabedoria popular que diz:
Amigos, amigos, negcios parte. assim.
Na minha opinio o mal-estar dos docentes em boa parte moti-vado pelas direes das escolas que, genericamente, no protegem
nada os professores. Fazem o que podem e o que no podem para
se perpetuar na gesto, porque atualmente quase ningum quer dar
aulas ou gosta de o fazer. Dar aulas, no tempo presente, das ativi-
dades mais desgastantes e mais exigentes.
Recuperando a sesso com a professora R. C. M., digo que nuncatrabalhei com um PIEF (e dou graas a Deus), mas todos os cole-
gas que conheo que nele trabalharam no se pronunciam favora-
velmente; ou esto doentes ou a caminho de o ficar. No falam da
experincia como positiva para os alunos. Usam frequentemente a
designao guarda prisional para significar que esto ali a cuidar
dos alunos, no sentido menos nobre do que , de facto, cuidar.Quando participei no debate falei professora R. C. M. na minha
experincia com os alunos dos cursos profissionais (estavam
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professores na sesso) e no facto de que muita coisa est mal a este
propsito. A professora concordou com tudo o que afirmei, e no seu
discurso posterior corroborou as minhas perspetivas. A generalidade
dos meus colegas disse-me que eu falei o que era a realidade mas que
as pessoas no a querem assumir. Por exemplo: no possvel ter
com estes alunos e estes cursos o mesmo horrio que nos atribudo
quando se tm turmas de cursos gerais. Se para fazer um trabalho
diferenciado, temos de criar condies diferenciadas para os que
com aqueles primeiros trabalham. Falamos de alunos muito mais
cansativos, exigentes e difceis do que os outros. E isto no conta?
No vemos todos o mesmo? Porque no agimos?
Devo dizer, para que no haja mal-entendidos, que mesmo com
um horrio bastante reduzido nestes cursos (sugeri horas), se eu
pudesse escolheria sempre trabalhar com os alunos dos cursos gerais
e, assim, poder lecionar a minha disciplina.Sendo defensora da necessidade das condies mencionadas,
seria bom que se concretizassem, porque acho que so justas. Mas
no alteraria a minha escolha. Fiz este esclarecimento para que no
se pense que, pelo facto de lecionar os cursos profissionais h muito
tempo, desejo a mudana em proveito pessoal. No o caso, quero
muito que tudo melhore, mas nem por isso pretendo ficar a traba-lhar nestes cursos.
Por outro lado, a professora R. C. M. insistia muito na diversifica-
o de estratgias, na sua enorme importncia. Decerto que uma
ideia com que todos concordamos. Mas preparar estas aulas dife-
rentes e criativas sem disponibilizao de materiais nem de espaos
prprios, para alunos genericamente especiais, exige um tempomuito mais longo do que o de preparar um contedo terico, ou uma
atividade, para alunos com boas capacidades de aprendizagem e
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motivados. A professora assentiu, disse que isso se resolveria com
trabalho conjunto entre os docentes. Concordo que pode ajudar, mas
voltamos ao mesmo, o horrio destes docentes tem de ser outro. Ou
ningum aguenta. O tempo no estica.
Ainda a considerar, uma das questes mais significativas: o espao.
As escolas secundrias que lecionam estes cursos no tm espa-
os adequados para o fazer, salvo rarssimas excees. O modo como
organizaram os cursos profissionais e a partilha dos espaos nem
sempre permite fazer um bom trabalho. Os alunos dos diferentes
cursos (gerais e profissionais) partilham inteiramente a escola: as
mesmas salas de aula e tudo o resto. Estamos permanentemente
misturados. Dou um exemplo. Este ano tenho um horrio substan-
cialmente melhor, com duas turmas da minha disciplina nos cursos
gerais e trs turmas de rea de Integrao nos cursos profissionais;
esta combinao aparece de forma totalmente aleatria no meuhorrio: saio de uma disciplina (ou de uma turma, de um curso), sigo
para outra situao totalmente distinta, que por sua vez acaba e me
faz voltar a um outro ponto de partida, e assim sucessivamente. No
ano letivo anterior tinha seis nveis, durante todo o ano no dei uma
nica aula com o mesmo contedo.
Acontecia em todas as turmas, todos os contedos eram diferentesentre si, o que me provocava grande cansao e gerava uma quanti-
dade de documentao diria indescritvel. Desde que estou nesta
escola tenho tido anualmente quatro ou cinco nveis, ou disciplinas.
O pior ano foi o anterior em que tive seis. Este ano estou muito bem
nesse sentido: s tenho trs nveis, o que muito melhor para a pre-
parao das aulas e dos materiais.A Ministra da Educao, quando lanou esta iniciativa, ou seja,
quando colocou os cursos profissionais nas escolas secundrias,
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chegou a declarar que queria em trs anos uma paridade do nmero
de alunos em ambos os cursos. Depois, deve ter sido mais bem infor-
mada e disse que desejava uma frequncia de nos cursos gerais
e de nos profissionais, e este tem sido o objetivo perseguido. Na
minha escola, ainda no foi conseguido. Calculo que teremos
alunos nos cursos profissionais e nos cursos gerais, nos trs
anos da escola: ., . e ..
Enquanto terica, a percentagem a alcanar no me choca. Um
professor que tive explicou-me muito claramente a importncia do
ensino tcnico ou industrial. E facilmente se percebem a sua impor-
tncia e a sua necessidade. Mas temo pela falta de seriedade e de exi-
gncia com que estes cursos so tratados em todos os mbitos. No
estamos a falar das antigas escolas industriais ou tcnicas, pelo que
sei globalmente boas, onde se formavam bons profissionais. Esta-
mos a falar de uma salada feita pressa, j l vo cinco anos e queainda no foi melhorada.
No conheci ningum que trabalhasse nas antigas escolas pro-
fissionais (muitas delas entretanto fechadas) que dissesse que o
trabalho e o resultado eram fracos ou maus. Os espaos estavam
preparados com valncias adequadas aos cursos lecionados. E, de
repente, os cursos saltam para dentro das salas de aula das escolassecundrias, sem qualquer preparao e investimento. Uma tristeza.
Discordo ainda, liminarmente, de partilhar o mesmo espao
entre estes cursos e os cursos de prosseguimento de estudos, por-
que creio que todos perdem. Eu valorizo muito o espao porque na
minha opinio define muita coisa: marca e impe comportamentos,
atitudes e posturas. O espao determina-nos, e muito. O que temosagora so alunos com uma avaliao peridica (., . e . pero-
dos, dos cursos gerais) em simultneo com alunos sujeitos a uma
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avaliao modular, que uma avaliao distinta: cada mdulo tem
tempos diferentes, o que resulta em momentos de avaliao bem
diversificados. Alis, a diviso dos cursos profissionais em perodos
letivos tradicionais no faz muito sentido porque os alunos assinam
um contrato (o que diferente de fazer uma matrcula) no qual se
diz que o nico perodo que nunca ser ocupado pela formao
o do ms de agosto.
Discordo tambm de partilhar (em aparente igualdade de circuns-
tncias) o mesmo lugar, a mesma posio, com profissionais que no
sendo professores vo s escolas dar mdulos especficos e que em
muitos casos nos complicam o trabalho. So sem dvida excelentes
psiclogos, engenheiros, socilogos, gestores, etc., mas no tendo
qualquer formao pedaggica e estando a dar aulas numa escola
secundria suscitam muitas interrogaes.
Assistindo aos conselhos de turma dos cursos profissionais umapessoa fica atnita. So feitas, claro, as avaliaes dos mdulos que
foram lecionados. Mas s vezes o que dizem os docentes, como o
dizem, o que lhes importa, o que pensam, o que permitem, o que no
valorizam, d que pensar. Descredibilizam muito um lado de uma
atividade docente genuna: as preocupaes pedaggicas, a evolu-
o no trabalho, a correo na relao connosco, colegas, so ques-tes na maioria das vezes inexistentes, omisso que se torna difcil
de corrigir ou de explicar aos alunos e a esses mesmos colegas (tc-
nicos especialistas).
Depois, a avaliao e o regime de assiduidade. Tambm total-
mente distintos dos dos cursos gerais e que os alunos, porque esto
juntos e convivem, insistem em querer comparar.Em meu entender a escolarizao dos cursos profissionais no
trouxe bons resultados.
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DIRIO 2
Tambm eu estou tristssima com o meu pas.
Terminei um mdulo de rea de Integrao: avaliaes finais,
fazer pautas, elaborar os planos de recuperao para cada aluno que
no realizou o mdulo porque nada quis fazer na aula e o declarou
(e no foi um caso isolado): Eu agora no quero fazer, logo fao o
plano. Imagine-se!
Ainda hoje disse na direo que temos de repensar esta situao
porque estes alunos que esto em aulas e no realizam uma nica
atividade proposta (fiz trs testes, trs fichas de trabalho e solicitei
o porteflio organizado e enriquecido em casa), tudo o que alguns
deles declararam foi no fao, no me apetece. Esses estudantes
no deveriam ter direito a planos de recuperao, sobretudo por-que so altamente desestabilizadores na sala de aula. Os planos de
recuperao deveriam existir para quem se esforou, mas que por
uma ou outra razo no alcanou o objetivo. Nunca para os baldas.
Na direo ouvem-me, at sorriem e dizem iremos pensar, mas
d-me a sensao de que no me levam muito a srio, pelo menos
algumas vezes.Sobre como est e como continua este pas: a Parque Escolar,
ainda!
Fui h pouco escola para levantar os requerimentos pedidos de
plano de recuperao de mdulo dos alunos que no os entregaram
at ao incio da tarde, e acabei por ficar um pouco conversa com
a funcionria da noite. uma boa senhora (j h poucas senhoraseducadas, prestveis e discretas nesta escola). As boas funcionrias
saram todas, reformadas, nestes ltimos seis anos. Agora chegam
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umas senhoras que s vezes at me envergonham. Desde falarem dos
ordenados dos professores dizendo que no concordam porque elas
trabalham igual (pasme-se!), a dizerem aos gritos: Ela est a fal-
tar, no vs que ela no est aqui? Ela, como se percebe, era uma
professora. No aguentei, senti necessidade de a interpelar. Com o
mximo cuidado pedi-lhe que no falasse assim, que no gritasse
para a colega que est no outro lado, bem longe, e que tratasse os
professores pelo nome e num outro tom, que o seu no era nada
elegante; que os alunos ouvem e que isso no bom. Embaraada,
respondeu: Desculpe professora, desculpe. Mas creio que, seme-
lhana do que acontece com os jovens, aquilo repetir-se-. Tomara
que no.
Falando da funcionria que est de servio de noite, a D. Cata-
rina (trabalhei noite seis anos e fui professora da filha da senhora
durante trs, e reconheo que temos uma certa proximidade) disse--me que ontem chegaram vrios candeeiros de um preo exorbitante.
Recebi a encomenda e fiquei com a fatura para entregar na direo,
por isso vi o valor. A D. Catarina ficou estupefacta e no era para
menos. E acrescentou: O professor Tiago, responsvel pelas obras,
diz que nunca sero ligados, sero colocados mas no ligados, por-
que tm um gasto elevadssimo. O Tiago apareceu e opinou: Isto um pas irreal, Maria, est tudo maluco. Eu acrescentei: Ainda bem
que eu no sei de quase nada, mesmo nada. Porque creio que no
aguentava. No sou melhor do que ningum (ateno, sei bem que
no sou), serei, apenas, consciente da realidade humana em geral.
Mas como que isto possvel? Ningum pe esta gente a pagar a
fome e a misria que vo alastrando no pas? A D. Catarina aindame disse: professora, quando que vamos ter escola? Esto trs
homens a trabalhar, quando que isto acaba? Era janeiro quando
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as obras pararam dois meses, estavam homens nos trabalhos. Res-
pondi: Ainda ontem cheguei aqui portaria e disse D. Dorinda
que ou isto termina e vamos para salas de aulas ou vamos todos
adoecer de vez.
Andei por estes dias a levar umas injees para tratar um nervo
inflamado (na zona da omoplata); a segunda vez, no espao de
um ano, que me acontece. Esgoto-me naquelas aulas. tremendo,
h uma degradao do espao envolvente, estamos a ter aulas prati-
camente no meio do estaleiro. Ontem mesmo aguentei minutos
com um senhor das obras a bater sem interrupo num ferro de uma
parede. Estava esgotada, literalmente exausta. Apanhei o Tiago no
intervalo e disse-lhe: Esta aula foi demais, o pedreiro ali colado a
ns da janela da sala at obra sero talvez dois metros e nunca
parou de martelar. O Tiago respondeu: Maria, quando assim, ou
pedes diretamente ao senhor para parar ou chamas o funcionriopara ir dizer-lhe. Confesso que no sabia que o podamos fazer, mas
algo ambguo: queremos ver as obras avanarem, depois pedimos
para parar? Disse o Tiago: isso.
Estas obras nunca deviam ter comeado. A escola era provavel-
mente a melhor secundria de toda a regio, tinha estado alguns
anos em obras e era uma escola linda. Infelizmente acho que novoltar a ser o que era. A avaliar pelo novo edifcio que foi construdo
e que tem apenas alguns meses, existem problemas de toda a ordem.
Salas pequenas, mal concebidas. Parece que o arquiteto que pro-
jetou a escola no se encontrava devidamente sensibilizado para o
que estava em causa. Custa-me a acreditar, mas os colegas de Design
dizem que ele um tolo de todo o tamanho. Eu, que entendo poucodo assunto, fico perplexa com algumas ms opes. Uma, evidente:
quem est na portaria da escola no v quem entra e quem sai, o que
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inadmissvel. Parece que esta incongruncia foi mencionada em
tempo ao senhor arquiteto, mas ele no permitiu a alterao. Con-
fesso que me custa a crer, mas j ouvi diferentes pessoas a contarem
este episdio. O certo que o projeto ter custado muito dinheiro.
doloroso para todos ns vivermos com isto e sentirmos que pouco
ou mesmo nada podemos fazer. Eu vivo muito mal com coisas des-
tas. Acresce que na escola ingrato fazermos reparos, porque cor-
remos o risco de nos chamarem antiquada e outros mimos que tais.
No sei como suportar isto e ter razes para acreditar no futuro.
durssimo. Creio mesmo que se eu, no que me toca, no tivesse F e
Esperana em Deus seria impensvel conseguir a vontade, a alegria
e a energia para viver e partilhar todos os meus dias com os jovens e
com os que me rodeiam. No entanto (sou incapaz de verbalizar esta
ideia em pblico), parece-me que os prximos anos vo ser muito
maus. Sem comparao com o que j aconteceu no passado. Esperoque assim no seja, que esteja muito enganada. Mas este pas est a
afundar-se, e digo-o em vrios sentidos: no econmico, no educa-
cional, nos valores familiares, etc. suficiente para provocar todo o
mal a que estamos a assistir.
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DIRIO 3
Cursos profissionais continuao
No que diz respeito s aulas, anteriormente referidas, a que
os alunos tm de assistir, cabe dizer que os programas das discipli-
nas se apresentam em mdulos. Esta formao dos cursos profis-
sionais modular, nada tem a ver com o tempo dos perodos letivos.
H mdulos a lecionar e as respetivas horas dedicadas a cada um
deles. essencial conseguir gerir este todo num contexto de escola-
ridade (toques, salas, no haver furos, adequao entre as diversas
disciplinas, etc.) atendendo sobretudo aos horrios da maioria dos
docentes que lecionam simultaneamente os cursos profissionais e
os cursos gerais.
Cada mdulo tem um conjunto especfico de horas que no podeser alterado, est definido pelo Ministrio da Educao. Por exemplo,
a disciplina de Psicologia tem ao todo sete mdulos: a durao de
cada mdulo varia entre as e as horas. A disciplina de rea de
Integrao tem na totalidade seis mdulos, cada um tem a durao
de horas. Esta disciplina um caso nico porque todos os mdu-
los tm exatamente o mesmo nmero de horas, o que creio que noacontece com nenhuma outra. Os mdulos tm de ser convertidos
em tempos letivos. Nos cursos profissionais os tempos letivos so de
minutos e ns lecionamos sempre dois tempos letivos seguidos,
pelo que fazemos dois sumrios, marcamos duas faltas se o aluno
faltar s duas aulas. Assim cumprimos os minutos na sala de aula,
tal como acontece nos cursos gerais.Por isso falei de aulas, que so o resultado das horas que o
programa impe para cada um dos mdulos de rea de Integrao.
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O clculo : horas vezes minutos, dividindo o resultado por
minutos, d as aulas mencionadas.
Com os contedos integralmente lecionados, no final das aulas
conclui-se a avaliao. Depois, ns, professores, lanamos as notas
numa pauta que levamos para a aula seguinte a fim de os alunos
tomarem conhecimento da classificao obtida e assinarem. Ou
a classificao de valores ou registada na pauta uma alnea
aluno em recuperao, e vamos entregando planos de recupera-
o individuais a cada aluno respeitantes ao mdulo que terminou
para que realize as atividades propostas. Legalmente o aluno tem
dias para cumprir este plano. Se cumpre faz-se nova pauta com
a classificao obtida. Se no cumpre h vrias opes: ou a escola
impe que se vo aplicando planos de recuperao at que o aluno
finalmente cumpra; ou o aluno fica com o mdulo em atraso para
o realizar numa das trs pocas de exames de mdulos dos cursosprofissionais.
A lecionao nunca se interrompe, como natural. Termina-se
um mdulo, encerra-se o tema e tudo o que respeita a esse mdulo
e inicia-se outro na aula seguinte. E sempre assim. As horas dedi-
cadas a cada mdulo so muito variveis, temos apenas de transfor-
mar as horas em aulas e cumprir a lecionao dos tempos respetivos.H mdulos em vrias disciplinas com ou mesmo com horas.
Tambm h mdulos, por exemplo em Educao Fsica, com cinco e
seis horas. A carga horria de cada mdulo to varivel quanto isto.
A variedade no termina aqui. A elaborao do horrio dos pro-
fessores e dos alunos tem sofrido ao longo dos anos uma quantidade
de mudanas. Falo da minha disciplina porque a lecionei nos qua-tro anos anteriores; s este ano no a tenho, em detrimento de ter
a rea de Integrao, que para mim muito mais desinteressante.
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No incio, quando os cursos profissionais se iniciaram nas escolas
secundrias, fizeram-se os currculos dos alunos com a minha dis-
ciplina distribuda pelos trs anos de formao (que correspondem
aos ., . e . anos). Assim, os alunos tinham dois mdulos no
. ano do curso, outros dois no . ano e, no ltimo teriam trs mdu-
los. Salvaguardando que as horas dos mdulos so muito diferentes,
no fim a carga horria era igual.
Depois a escola entendeu, desde o ano passado, que era melhor
concentrar todas as disciplinas de cariz mais terico nos . e . anos
do curso (correspondentes aos . e . anos) e deixar o ltimo ano
para as disciplinas de carter mais prtico. assim que estamos agora
a proceder: todas as disciplinas de cariz mais terico so leciona-
das nos . e . anos com uma carga horria superior. As discipli-
nas de carter mais prtico comeam a aparecer no . ano do curso
(. ano) e esto presentes de forma intensa na formao do . ano docurso que termina obrigatoriamente, de acordo com o disposto pelo
Ministrio da Educao, com uma Formao em Contexto de Traba-
lho (FCT), vulgarmente designada pelos alunos como estgio, de
horas. A formao dos alunos de nvel perfaz um total de horas,
se no erro. Aps todo este processo a formao est terminada e os
alunos adquirem uma certificao de tcnico profissional de nvel .Os itens que todos os alunos tm de reunir para obterem o certi-
ficado final so:
Noventa por cento de assiduidade ao longo do curso;
Concluso de todos os mdulos com classificao igual ou supe-
rior a , valores;
FCT com avaliao satisfatria, isto , com boa avaliao; Apresentao pblica de uma Prova de Aptido Profissional, vul-
garmente designada PAP.
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Este conjunto de pressupostos parece ter credibilidade, o pro-
blema surge no modo como eles se conjugam no terreno.
Noventa por cento de assiduidade: em horas de formao
no negligencivel o nmero de faltas que so permitidas aos alu-
nos; contudo muitos deles ultrapassam largamente esse limite, pelo
que tm de fazer atividades de recuperao de horas de formao
na biblioteca. H dois meses que vou dois ou trs dias por semana
entregar na biblioteca da escola fichas de atividades para oito alu-
nos (depois recolho-as, corrijo-as e entrego-as ao diretor de turma).
Estes oito alunos, que faltaram muito no ano anterior, no eram meus
alunos mas a verdade que agora sou eu que tenho de andar a fazer
as fichas de recuperao de tempos de formao. uma trabalheira
tremenda, tenho uma resma de fich