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LUZ GARCA NEIRA
Estampas na tecelagem brasileira
Da origem originalidade
So Paulo2012
LUZ GARCA NEIRA
Estampas na tecelagem brasileira Da origem originalidade
Tese apresentada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Arquitetura e Urbanismo.
rea de concentrao: Histria e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo.
Orientao: Prof. Dr. Luiz Amrico de Souza Munari
So Paulo2012
FOLHA DE APROVAO
Nome: NEIRA, Luz Garca.Ttulo: Estampas na tecelagem brasileira. Da origem originalidade.
Tese apresentada Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo para obteno do ttulo de Doutor em Arquitetura e Urbanismo.
Aprovado em: _____/_____/2012.
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr.___________________________________________________
Instituio: ________________________________________________
Julgamento: ____________________ Assinatura: __________________
Prof. Dr.___________________________________________________
Instituio: ________________________________________________
Julgamento: ____________________ Assinatura: __________________
Prof. Dr.___________________________________________________
Instituio: ________________________________________________
Julgamento: ____________________ Assinatura: __________________
Prof. Dr.___________________________________________________
Instituio: ________________________________________________
Julgamento: ____________________ Assinatura: __________________
Prof. Dr.___________________________________________________
Instituio: ________________________________________________
Julgamento: ____________________ Assinatura: __________________
Dedicatria
Ao Walter, que me acompanha.
Agradecimentos
Como no poderia deixar de ser, agradeo, primeiramente e de maneira emocionada,
ao meu orientador, Prof. Dr. Luiz Amrico de Souza Munari. Em minha primeira aula
na Maranho, ele se disps a ler o projeto e na semana seguinte me aceitou. Durante
os quatro ltimos anos, reagiu de maneira positiva s minhas necessidades, dvidas e
inseguranas, sugerindo e respeitando meu trabalho e esforo, apesar das fragilidades
que, eu sei, ainda constituem a pesquisa.
Em segundo lugar mas com imensa importncia, tenho que agradecer ao Walter, no
s pelo apoio incondicional nos momentos de fracasso e de sucesso, mas sobretudo
por acreditar em minha capacidade. Sem ele a incrvel estadia em Londres no teria se
realizado, e eu jamais teria passado tanto frio, comido tantos sanduches e visto tantos
museus e arquivos. Isso tudo sem contar a oportunidade de viver de modo intenso
com meus filhos uma experincia nica na vida de todos ns, que incluiu muitos
passeios e picnics em parques, inmeras viagens em trens, shows, luta de WWE,
cantorias no metr, lojas de games e de msica, alguns papos com a polcia britnica,
livrarias e Mac Donalds. Aproveito para agradecer ao Fernando e Vitria pelo amor
recebido em todos esses momentos, pois, sem ele (e sem eles), eu no estaria aqui.
Agradeo tambm, e muito, ao ambiente familiar, que inclui no s minha famlia
biolgica, mas tambm os que me acolheram e que comigo convivem. Finais
de semana, frias na praia, aniversrios, viagens, casamentos e datas especiais
atravessaram esta pesquisa, que sempre foi assunto repetitivo meu e, apesar
disso, despertaram interesse, preocupao e apreo dessas pessoas que vivem no
meu corao. Meu pai, que mora no cu, tambm teria compartilhado tudo isso,
principalmente em razo do vis poltico do assunto. S a famlia tambm compartilha
na ausncia...
Devo ao Dr. Philip Sykas a inspirao para a abordagem do tema. Seu pronto
atendimento s minhas dvidas, seu conhecimento incomensurvel sobre os tecidos
estampados, sua capacidade em extrair histrias das fontes imagticas, me mostrou
que possvel fazer um grande trabalho a partir de algo simples.
Agradeo, pela leitura cuidadosa e atenta e pelas sugestes enriquecedoras da banca de
qualificao, da qual participaram os professores Maria Claudia Bonadio e Artur Simes
Rozestraten. No posso deixar de agradecer tambm s professoras Maria Eduarda Arajo
Guimares, Cyntia Malagutti de Sousa, Ana Paula Simioni (que, alis, sugeriu o orientador
via Maria Claudia) e Lilia Moritz Schwarcz, que leram alguns trechos ou at integralmente
e se dispuseram a apontar detalhes que eu ainda no havia percebido. Agradeo queles
que, como Sarah e Catherine Wain, Sr. Gasto Leonidas de Camargo, Priscilla e Sr. Paulo
Cortez, entre outros, me deram informaes que, sem eles, eu jamais saberia, pois no
encontram-se em livro algum. Sou muito grada Miriam Keiko Matsuda que leu, corrigiu
e palpitou sobre este trabalho e sobre o andamento da pesquisa muitas e muitas vezes,
sempre com carinho e respeito.
Instituies e pessoas generosas tambm so muito lembradas neste momento especial:
Sr. Marcos Mascarenhas, do Museu Txtil Dcio Mascarenhas, em Caetanpolis,
Minas Gerais, por ter me apresentado, sem restries, seu precioso arquivo.
Elisabeth, que l me recebeu, conhece o arquivo profundamente e me antedeu
com toda a disposio deste mundo e com pacincia mineira.
BradfordTextileArchive, em Bradford, que abriu o arquivo que ainda no pblico
e fotografou as imagens dos pattern-books de tecidos negociados com o Brasil.
BlyteHouseArchive, em Londres, que passou meu nome na frente para que
eu pudesse consultar as revistas e pattern-books tantas vezes quantas fossem
necessrias, antes de meu regresso ao Brasil.
AssociaoBrasileiradaIndstriaTxtil, em especial sua bibliotecria, Cida, que
me recebeu milhes de vezes, incansavelmente.
AssociaoBrasileiradeTcnicosTxteis que organizou eventos que permitiram o
contato com depoentes, com conhecedores tcnicos do ramo e com novas ideias de
pesquisa, tambm para o futuro.
Todo lo que puedas imaginar es real.
Pablo Picasso
Modelo que estampa matria
sobre o algodo brasileiro na
Revista Manchete (1974).
UNIVERSIDADE DE SO PAULO SISTEMA INTEGRADO DE BIBLIOTECAS
Reviso do texto: Persio Nakamoto e Miriam Keiko MatsudaArte da Capa: Luz Garca Neira
Diagramao do texto: Luz Garca Neira
AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNI-CO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
E-mail: [email protected]
Neira, Luz Garca N415d Estampas na tecelagem brasileira. Da origem origi-nalidade/Luz Garca Neira. So Paulo, 2012. 306 p. : il. Tese (Doutorado - rea de Concentrao: Histria e Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo
Orientador: Luiz Amrico de Souza Munari
1. Indstria txtil Brasil 2. Design txtil 3. Estamparia I. Ttulo
CDU 677(81)
RESUMO
A indstria txtil brasileira viveu seu apogeu econmico nas dcadas de 1950, 1960 e
1970. Seus expressivos nmeros, associados ao clima eufrico nacionalista, contriburam
para transformar esse setor num segmento importante para a consolidao de
sentidos acerca da existncia de uma identidade nacional, que se teria dado por
meio da produo de estampas genuinamente brasileiras. Com base nessa hiptese,
esta pesquisa dedica-se a explorar o processo de produo de sentidos nacionalistas e
patriticos implantados e difundidos por imagens, tendo como metodologia principal
a investigao dos processos internos da indstria e a observao da divulgao dada
atuao da indstria txtil naquele perodo. Procura-se comprovar que os sentidos
produzidos foram decorrentes bem mais de um discurso eficiente do que de uma
criao autntica ou genuna que tenha havido nesse setor.
Palavras-chave: indstria txtil: histria; design txtil: estamparia; design txtil: projeto.
ABSTRACT
The Brazilian textile industry reached its apogee in the period 1950-1970. The
widespread impact it made in a climate of euphoric nationalism, led to this sector
being turned into a means of strengthening feelings about the existence of a particular
Brazilian national identity, which it achieved by producing printed designs that were
genuinelyBrazilian. On the basis of this supposition, this research project is devoted to
exploring the way nationalistic and patriotic feelings have been instilled and spread
through images, by employing a methodology that mainly involves investigating the
inner processes of industrialisation and the observation of the promotion of the textile
industry in that period. The study seeks to support the view that the feelings that have
been evoked, arise more from an effective discourse than any authentic or genuine
creation that has taken place in this sector.
Keywords: textile industry: history; textile design: printed textile; design.
a investigao dos processos internos da indstria e a observao da divulgao dada
atuao da indstria txtil naquele perodo. Pro
Sumrio
Breve introduo ao tema 12
A instaurao do problema da pesquisa 13
A insero da pesquisa frente historiografia dos txteis 20
Procedimentos metodolgicos 26
Estrutura e organizao da tese 29
Perspectivas da pesquisa 31
Tecido estampado: origem, percurso e indstria 33
Antecedentes histricos 34
Desenvolvimentos posteriores 57
Fluxograma de trabalho e processos de impresso 60
Consideraes finais sobre os meios de produo e as linguagens de expresso 62
A ornamentao em debate: no tempo, o fazer e a crtica 64
A ornamentao como problema 65
A ornamentao txtil 71
Princpios da ornamentao txtil: questo de estilo? 79
O sculo XIX: tipologias 83
Primeira metade do sculo XX: estruturas 84
Segunda metade do sculo XX: linguagem 90
Origens e condies de desenvolvimento da estamparia txtil no Brasil 101
A indstria txtil e o segmento de estamparia 102
Made in Brazil: por uma Histria do projeto txtil 126
Demandas para uma esttica brasileira nos tecidos estampados 127
Condies para uma esttica brasileira nos tecidos estampados 142
A ausncia de um passado artesanal 142
O ensino artstico para as artes industriais 145
A distncia entre a indstria e os artistas 150
A cultura industrial 157
Iniciativas de inovao no desenho industrial 167
O nascimento de uma linguagem 176
Da origem originalidade 216
A dimenso do problema 217
Estampando identidades 220
Diferentes conformaes de nossa identidade txtil 227
A proposta dos artfices: tradio 230
A proposta dos artistas: modernidade 236
A proposta dos designers: antropofagia 246
O mundo tropical! 268
A visualidade dos tecidos brasileiros industrializados 279
Brasil: originalidade e identidade no design de txteis 283
Fontes e bibliografia 292
12
Breve introduo ao tema
Estampas na tecelagem brasileira: da origem
originalidade discute a hiptese de que, no Brasil,
as noes de desenvolvimento, progresso e
modernidade da nao foram apoiadas pelas
indstrias txteis. Sobretudo durante as dcadas
de 1950, 1960 e 1970, indstrias, governo e
veculos de comunicao aderiram ao discurso
de desenvolvimento por meio da adoo de uma
suposta identidade visual brasileira na estamparia
que se relacionava nossa cultura.
O desenvolvimento do tema partiu de alguns
pressupostos: por meio dos tecidos, como
exemplares da cultura material e visual,
possvel construir-se uma narrativa histrica se
considerados luz de sua existncia prtica; como
tal, os tecidos podem ser usados, assim como
outros artefatos, tanto por suas funes prticas
quanto simblicas e; finalmente, como legtima
produo cultural do contexto no qual se inserem,
tm potencial lingustico para compartilhar
sentidos socialmente.
13
A instaurao do problema da pesquisa
O senso comum, muitas vezes, aposta que existe uma esttica brasileira1 ou estilo
brasileiro2 prprios dos tecidos estampados. A lembrana da chita, como um
tecido genuno, fato corriqueiro e, depois dela, os tecidos floridos e coloridos de
algodo tambm so signos de uma brasilidade associada ao ambiente tropical e
alegria do nosso povo, considerada, muitas vezes, o carter que nos identifica. E
essa sensao no algo que tenha se manifestado somente um tempo e espao
que hoje so distantes de ns. Uma prova muito recente disso, por exemplo, foi a
coleo de tecidos lanada pela Tecelagem Santa Constncia, a qual descrita como
uma homenagem s estampas brasileiras. A empresa explica a brasileirice em suas
palavras:
O mundo est de olho no Brasil que deixa de ser apenas o pas do futebol para ser tambm o pas da moda, que faz moda e referncia para ela! Os temas tropicais so abordados pela Santaconstancia em seu projeto Estampas
1 A partir deste momento, a expresso esttica brasileira ser utilizada muitas vezes como referncia composio visual para a estamparia, que pretende filiar-se num sentido de origem nao brasileira. Deve-se entender, dessa forma, que a insero do adjetivo j caracteriza um produto produzido no Brasil e forjado para promover esse significado no espectador, no havendo, sobre ele, qualquer juzo de valor que no seja essencialmente evocado por sua forma, ou seja, que no se refira sua concepo com essa inteno especfica. A conotao, desse ponto de vista, compartilhada socialmente e independe do sujeito espectador.2 Como tratamento razoavelmente homogneo dado aos recursos expressivos de uma determinada cultura.
1. Corner de produtos brasileiros expostos na Galerie Lafayette, Paris, durante
as celebraes do Ano Brasil na Frana (2005). A imagem denota claramente a associao do tecido brasileiro chita.
A decorao desse setor foi inspirada pelo livro Chita Bacana (bibliografia)
e com o auxlio da A Casa - Museu do Objeto Brasileiro em So Paulo, que
tambm publicou em francs a parte textual do livro.
Fonte: desconhecida (web).
14
Brasileiras com uma personalidade absolutamente nacional, antenados com os ltimos e mais interessantes movimentos internacionais de moda e arte. Aps o sucesso da primeira edio (maro|2011), a tecelagem apresenta a segunda verso de seu projeto com 43 estampas concebidas, feitas e fabricadas por brasileiros sob a coordenao de Estilo e viso vanguardista de Costanza Pascolato.
O Brasil e os elementos tropicais ganham evidncia em coloraes inditas que passeiam de tons pastel a cores mais vibrantes e em desenhos - ora explcitos, ora subjetivos - inspirados em elementos da natureza como o cu, repleto de borboletas e pssaros, e a gua, com peixes e ondas, imprimindo um ar bem brasileiro s colees. []. Os temas brasileiros so universais quando tratados de maneira moderna e em compasso ao contemporneo, comenta Costanza sobre a nova edio de Estampas Brasileiras Sta. Constncia.
Para oferecer mltiplas possibilidades de modelagens, a Santaconstancia coloriu com o melhor da brasilidade tecidos planos []. Acho impossvel o tema [Brasil] se esgotar, porque depender do olhar. H uma infinita maneira de ver as mesmas coisas!, finaliza Costanza entusiasmada com o novo olhar para o pas3.
Se, ao final da leitura deste texto, pairar uma ideia de que a associao da imagem
brasileira ao repertrio tropical j tradicional soa ultrapassado e principalmente
equivocado, provavelmente se tratar de um engano. Conforme muito bem afirma
Leito (2007, p. 206), nos ltimos anos
[] h um retorno, por parte da produo e divulgao de moda no Brasil, temtica do nacional. Nos grandes eventos nacionais de moda ocorridos em 2004 e 2005, assim como na escolha de imagens e discursos a respeito deles por parte da imprensa nacional, v-se uma presena hiperblica de Brasil. Nos discursos de produtores de moda e da imprensa especializada tal presena toma consistncia em falas sobre procurar razes, valorizar nossa cultura popular, positivar nossa natureza, e fazer uso do que h de mais autenticamente brasileiro. Nas imagens, em colees de alta moda repletas de referncias flora e fauna, materializam-se tipos nacionais/regionais, religiosidade popular, patrimnio histrico e paisagens tursticas.
A conservao desse conjunto de sentidos, no poder ser tomado como oposto ao
pas com o qual nos identificamos pois, afinal, quem vive numa metrpole como
So Paulo dificilmente convive cotidianamente com esses smbolos , entretanto,
considerando que esse imaginrio social razoavelmente generalizado no pode ser, como
a prpria histria afirma, algo repentino, mas consequncia de uma sociabilidade que
engendra um processo especfico, esta investigao dedica-se a percorrer a sequncia de
3 http://www3.santaconstancia.com.br/moda/tendencias/estampa-brasileira-sta. Acesso em 25nov. 2011.
2. Estampa brasileira segundo a Tecelagem Santa Constncia.
Fonte: www.santaconstancia.com.br. Acesso em 01.jul.2011.
15
acontecimentos que contriburam para sua elaborao e a investigar se, por fim, existe
algo de particular em nossos tecidos estampados4 que legitime tal entendimento.
Apesar da ausncia de pesquisas anteriores, na impossibilidade de fazer um recorte
muito abrangente, a pesquisa limita-se por duas margens, tentando destacar o
perodo (dcadas de 1950, 1960, 1970) e o tipo especfico de artefatos (tecidos
estampados), nos quais as questes discutidas, pensando no segmento txtil,
parecem ser mais intensas. Uma vez que tais enquadramentos configuram categorias
extra-artsticas (BELUZZO, 1988) que no possibilitam a insero de parmetros ou
referncias para a anlise formal dos artefatos, procura-se ento situar a questo
por meio da discusso e da compreenso desse contexto, e tambm elaborar sua
verificao segundo os critrios do prprio campo, fundamentalmente das artes e do
design aplicados aos txteis. Tenta-se escapar s anlises externalistas e, sobretudo,
deterministas, que condicionam toda a produo artstica ao contexto social e
econmico no qual se desenvolvem ou, pelo menos, a justificam dessa forma.
As margens que delimitam a investigao, o que aqui se chama de campo de prova,
restringem a pesquisa ao universo dos tecidos estampados, pois em outros produtos
txteis industrializados a inovao de linguagem bem mais contida e bem menos
identificvel e idiossincrtica. A escolha devida potencialidade da tcnica de
produo que, no perodo selecionado, j permitiria praticamente a livre criao
artstica com poucos limites cromticos e de composio visual, alm de seu grande
apogeu no Brasil tambm coincidir com o perodo selecionado para o estudo.
A pesquisa debrua-se sobre as dcadas 1950, 1960 e 1970, selecionadas em termos
prticos e sociais. Antes da dcada de 1950 no se podia contar com recursos eficientes
para a estamparia industrial no Brasil, e alternativas artesanais devem ser descartadas,
pois o problema da pesquisa foca-se no trabalho das indstrias. Esse incio tambm
definido, ao mesmo tempo, pelo fortalecimento do discurso sobre a imagem positiva do
pas, tomando a palavra imagem em seu sentido estrito, j que os meios de comunicao
a disseminavam. O trmino, ao final da dcada de 1970, foi determinado porque, naquele
momento, com o pas a caminho de uma democracia oficial e inserido num sistema de
moda global, o discurso de fortalecimento da nao de forma patritica j tinha deixado
de fazer tanto sentido, de maneira que desapareceram dos veculos de comunicao a
4 Restringindo a investigao e a anlise ao conjunto selecionado e denominado, no decorrer da pesquisa, como campo de prova selecionado e que a seguir ser mais bem explicado.
16
associao da indstria txtil poltica desenvolvimentista e nacionalista. Por mais que
ainda possam existir exemplos a partir de ento, como o da Tecelagem Santa Constncia
anteriormente citado, provavelmente eles no fazem parte do processo aqui estudado.
Assim, o problema discutido, pode ser entendido como o estudo da produo de
sentido em um sistema codificado por imagens. No se trata, portanto, de decodificar
o uso de tais imagens, mas de compreender a sua elaborao e justificar a relao
imagem e produo de sentido como uma produo histrico-social. A nfase dada
na visualidade, tomando-a como um agente social como sugere Meneses (2003).
O tema bem acolhido pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, especialmente
pela linha de pesquisa Histria e fundamentos da arquitetura e urbanismo. Trata-se
essencialmente da discusso de um problema prprio do campo da histria da arte e do
design industrial que privilegia a realidade brasileira e promove a elaborao de uma
crtica sobre o produto industrial calcado nas linguagens artsticas. Cabe mencionar, a
ttulo de curiosidade, que o programa de ps-graduao da FAUUSP ocupa aquela que
foi a residncia de Antonio lvares Penteado (1852-1912), incentivador da indstria
nacional: no salo de entrada da Vila Penteado, trs pinturas de Oscar Pereira da Silva e De
Servi (1867-1939) narram a histria da indstria txtil nacional por intermdio da fiao
de algodo representada pelo indgena que fia a mo, pela mulher que fia na roca e
pela alegoria da glria da indstria , e abrem as portas para esta pesquisa.
A narrativa qual esta pesquisa se prope passa necessariamente pela histria da
indstria txtil brasileira, tanto em seus aspectos sociais quanto econmicos, mas no se
limita a eles. Dedicando-se a compreender o processo de desenvolvimento de produtos,
entende-se que a melhor maneira de tratar o objeto no divorciar a pesquisa histrico-
social da histrico-econmica, ou seja, o consumo da produo. Afinal, uma no existe
sem a outra, fato j apontado por Roche (2000). Ao contrrio, economia e sociedade so
passveis de integrao a fim de alcanar uma nova anlise e, inclusive, inaugurar um
novo campo para a reflexo e o debate sobre a produo industrial brasileira. Ressalva-se
que pesquisas prvias que tangenciam o tema so focadas ora em aspectos econmicos
ora sociais da nossa indstria e de seus produtos, majoritariamente de forma isolada.
As referncias histricas, que aqui so utilizadas na reviso bibliogrfica, so em
parte decorrentes do reconhecimento, no incio do sculo passado, da importncia
econmica e social da indstria txtil brasileira. Isso aconteceu com certo atraso em
3. Evoluo da indstria txtil brasileira. As pinturas decoram o hall da Vila Penteado.
Fonte: Contribuio ao estudo do Art Nouveau no Brasil .
17
relao Europa e aos Estados Unidos, que j haviam descoberto sua importncia em sua
natureza especfica: a abrangncia de seus produtos, a inerente diviso do trabalho, os
constantes avanos tcnicos e cientficos que haviam reverberado na sociedade.
Estudos recentes desenvolvidos nas faculdades de economia e de histria5 esto
atentos ao fato e colocam-na entre os principais segmentos geradores de emprego e
de riqueza para o pas, pelo menos desde a ltima dcada do sculo XIX. As pesquisas
pioneiras a seu respeito, como as desenvolvidas por Caio Prado Jnior em meados da
dcada de 1930, pelo brasilianista Stanley Stein na dcada de 1950 e as posteriores,
produzidas por Alice Canabrava, Nicia Vilela Luz, Flvio Rabelo Versiani e outros, so
apenas alguns dos exemplos que apresentam um retrato da economia e do trabalho
(como histria social e econmica) no Brasil a partir da indstria txtil, especialmente
no segmento6 de fiao e tecelagem. Tais estudos j refletem a renovao do
pensamento social brasileiro e tambm a apropriao pelos historiadores do mtodo
de interpretao materialista, no qual se destaca a preocupao em explicar as
relaes sociais a partir das bases materiais (MOTA, 2008, p.70).
Por outro lado, difcil localizar qualquer pesquisa acerca dos produtos desenvolvidos pela
indstria txtil, porque o campo do design tambm recente entre ns j que a abordagem
socioeconmica foi prioritria. O tecido, propriamente, foi muito pouco ou nada discutido:
padres, cores, estampas, tipos e qualidades foram sempre ignorados pelos estudos
disponveis (PAULA, 2004, p. 76) e somente nos ltimos anos, no Brasil, uma nova viso
historiogrfica considera a possibilidade de tomar os txteis como objetos da cultura material,
apesar de esses trabalhos ainda no terem obtido, no mercado editorial, o merecido destaque.
Sem dvida, a escassez das pesquisas deve-se tambm s dificuldades que
impossibilitaram, at ento, o seu desenvolvimento. Se os documentos que
sobrevivem, como postula Le Goff (1994), so uma escolha da sociedade, j h razes
suficientes para abandonar o tema. A carncia de fontes essencialmente primrias, seja
devido s condies climticas dos pases tropicais, seja ao desconhecimento dos que nos
antecederam sobre a importncia de preservar sua memria, foi responsvel pelas maiores
5 Na bibliografia podem ser consultados os estudos recentes realizados na ltima dcada por pesquisadores brasileiros. Alm das fontes utilizadas na investigao, na biblioteca da FFLCH-USP verificou-se a existncia de muitos estudos sobre a indstria txtil na perspectiva histrica e social.
6 terminologia comum na indstria txtil a utilizao da palavra segmento para explicar a rea fabril de cada empreendimento. Os segmentos so fiao, tecelagem, malharia e acabamento, sendo que tanto tecelagem quanto malharia se dedicam produo de tecidos, mas o que as diferencia o tipo de equipamento utilizado. As malharias tambm produzem alguns semi ou confeccionados, como o caso das meias, por exemplo.
4. Capa do relatrio de 1922 de Arno Pearse sobre a produo e
beneficiamento do algodo no Brasil. Este relatrio, elaborado a pedido
do governo britnico, procurava apresentar um panorama do algodo
no Brasil, tanto do ponto de vista da agricultura quanto da indstria que o
beneficiava. Fonte: Brazilian cotton.
18
dificuldades enfrentadas durante a pesquisa e, por isso, tiveram que ser substitudas por
outras muitas vezes. Comparando-nos aos pases europeus que conservam em seus acervos
txteis peas com muitas centenas de anos, com as quais conseguem elaborar diferentes
narrativas de sua prpria histria, vemo-nos desprovidos de memria, isto , de recursos
necessrios para interpretar nosso desenvolvimento nesse segmento.
A inconformidade, no entanto, um vcio do pesquisador e, por isso, a inovao temtica
foi uma das principais justificativas para a postulao desta pesquisa que, quando se
tratava de um projeto, alegava no existirem no Brasil trabalhos que se dedicassem ao
design de txteis na perspectiva da cultura e, de modo especial, ao estudo dos nossos
tecidos estampados. Apesar de esta pesquisa adentrar esse espao, a sua extenso no
esgotou o tema. H muito que se descobrir ainda a respeito dos produtos, dos processos,
da ao projetual e as razes sobre as bases nas quais o design de txteis se desenvolveu
no pas e, por outro lado, identificar quais so as interferncias externas a ele que se
manifestaram em seus processos e em sua visualidade em diferentes momentos.
Resumidamente fala-se de histria da cultura material, pois se procura compreender
como os artefatos txteis so apropriados pelos indivduos (nesse caso, as pessoas, a
sociedade e o governo) que os utilizam prtica e simbolicamente, construindo com
eles uma relao de identidade (ATTFIELD, 2000), ou de maneira mais restrita ainda,
mas com o mesmo enfoque, de histria da cultura visual, ou seja, de tomar os objetos
visuais e compreender seu uso e sua significao (MENESES, 2003) . Do ponto de vista
prtico, obviamente, o estudo poderia ser resumido questo funcional que justificasse
a preferncia por determinadas materialidades e visualidades em detrimento de outras,
porm esta abordagem privilegia as funes personalizadora e humanizadora dos txteis
(SCHOESER, 1986) por acreditar que os objetos, as relaes fsicas ou humanas que eles
criam no podem se reduzir a uma simples materialidade, nem a simples instrumentos
de comunicao ou distino social (ROCHE, 2000, p.13), j que prpria materialidade
condiciona a leitura dos objetos como afirma o autor. Entende-se que os tecidos
produzidos nas diferentes fases do nacionalismo7 no so sintomas daqueles contextos,
mas que, eles mesmos, possuem uma realidade que permite produzir discursos e
mentalidades que, nesse caso, so consideradas nacionalistas.
7 Ao longo da pesquisa no se buscou definir o termo. De modo geral, aqui utilizado para designar o desejo de conquistar a unidade da nao e o bem estar de seu povo de modo geral. Em Anderson (2009), h uma interessante definio utilizada por Ernest Gellner e que bem resume o sentimento verificado ao longo da investigao: O nacionalismo no o despertar das naes para a autoconscincia: ele inventa naes onde elas no existem.
19
Diagrama 1: Mapa conceitual que identifica e organiza a relao entre as principais questes
articuladas durante a pesquisa.
20
A insero da pesquisa frente historiografia dos txteis
Desde a mais remota antiguidade, ao cobrir o corpo com txteis, o homem revelou sua
alma. Se em algum momento da existncia humana essa espcie de artefato obtido
pelo entrelaamento de fibras vegetais ou peles de animais limitou-se proteo
humana, logo adquiriu funes simblicas e, mais tarde, tornou-se um elemento de
distino social.
Os tecidos, como os entendemos hoje, sobrepem uma srie de significaes que, em
sua confluncia, os caracterizam majoritariamente pelo seu valor prtico, esttico ou
simblico8. Nesse sentido, quando seu valor simblico enfatizado a ponto de determinar
sua esttica ou sua funo, todas as variveis de sua vida social (APPADURAI, 1986) so
determinantes para sua conformao material, tanto do ponto de vista do substrato
(a matria), quanto de sua ornamentao, sendo essa ltima merecedora de grande
destaque j que , em teoria, prescindvel s funes primrias do artefato txtil.
Nem o fato de grande parte da potencialidade expressiva dos tecidos ter sido,
ao longo de muito tempo, concentrada em sua superfcie ou em sua aparncia
superficial e, portanto, no ornamento livrou-os do tribunal modernista9, isto ,
das crticas sua prpria configurao. Do ponto de vista prtico, a ornamentao
de tecidos tornou-se uma atividade relegada ao segundo plano, e uma prova disso
que, na indstria moderna, foi um trabalho majoritariamente desempenhado por
mulheres que historicamente ocuparam postos de trabalho considerados menos
importantes. Em seu aspecto terico, foi tema marginalizado e abandonado durante
um longo tempo, tornando-se, nas palavras de Trilling (2003), criticamente
8 Para Bernd Lbach (2001), resumidamente, os produtos do desenho industrial podem destacar seu valor simblico, esttico ou prtico em maior ou menor medida, conforme a relao que acontece com o usurio. Entende-se que os tecidos estrangeiros, que originalmente possuam melhor desempenho prtico e esttico que os de produo nacional, transformaram esse valor em simblico, consolidando-se como signos de beleza, moda, qualidade, refinamento etc. Deve-se notar que nesse caso o valor simblico no gerado no momento em que o produto concebido, mas negociado socialmente e, por isso, depende muito das prticas de circulao e do consumo dos objetos no meio social.
9 Ao longo deste trabalho, os termos modernismo, modernidade, moderno e modernizao sero repetidos. Para contextualizar seu entendimento desde o incio, esclarece-se que as distines entre eles foram buscadas em Teixeira Coelho (2005). O autor define modernismo como um fato; modernidade como as mais diversas e variadas reflexes sobre ele; e, finalmente, moderno como a ideia do novo, em oposio (o no moderno, portanto), estaria o velho e arcaico. Modernizao cultural, contudo, como o caso, est mais associada ao projeto de renovao cultural e cientfica da rea na qual atuamos, sem desconsiderar que existem outros desdobramentos como o processo de independncia das manifestaes culturais de normas rgidas (Estado e Igreja, por exemplo) e a aposta na educao e na democratizao da cultura e do conhecimento.
21
invisvel (p. 228). Acredita-se que as principais reflexes sobre o tema tenham
surgido a partir da influncia da arquitetura, isto , quando txteis e interiores
integraram-se (SCHOESER, 1986).
A partir das ideias difundidas pelo austraco Adolf Loos (1870-1933) ao publicar,
em 1908, Ornament and crime, a antiornamentao10 tornou-se um discurso
consideravelmente homogneo, exceo do Art dco11, quando, alis, a
estamparia txtil gozou de um brilho especial. Para Trilling (2001), esse o marco
do movimento moderno para artistas e designers e uma das razes apontadas
para que o mundo do design tenha, ao longo do sculo XX, voltado seus olhos
para a filosofia que se desenvolvia na Alemanha (SCHOESER, 1986), por ter o pas
assumido e at liderado essa perspectiva. Nenhum desses fatos, no entanto, deve
ser isoladamente responsabilizado pela ausncia de envolvimento artstico e crtico
sobre esse tipo de material.
Primeiramente, os txteis sempre foram considerados uma arte menor devido
ao valor material que lhes era atribudo se comparados com outros tipos de
patrimnios histricos ou artsticos no interior dos museus (PAULA, 1998); em
segundo lugar, o dficit de discusso tambm devido velocidade com a qual
os tecidos so substitudos tanto em razo de novos desenvolvimentos, quanto
pela atualizao dos estilos, o que eventualmente, destaca algumas produes
em detrimento de outras. Soma-se a isso o fato de ser um objeto muito mais
difcil de lidar do que outras manifestaes mais perenes da arte e do design.
difcil torn-los documentos de anlise (JACKSON, 2002) devido a um processo
acelerado de troca de matria-prima, tcnica e design em constante evoluo
que prprio dos txteis. Ainda, em virtude de uma grande variedade e
simultaneidade de linhas estilsticas adotadas num mesmo tempo-espao,
os estudos dominantes versam sobre o vesturio acabado ou sobre o txtil
tridimensional (PAULA, 1998), isto , nas roupas, pois estes tendem a consolidar
estilos, principalmente depois que os ciclos da moda, como perodos nos quais
se difundem determinadas premissas estticas em detrimento de outras,
instauraram-se com fora no incio da Idade Moderna.
10 No captulo sobre a ornamentao essa questo ser aprofundada.
11 Estilo de decorao que floresceu entre 1918 e 1939 na moda, interiores, arquitetura e design. O nome decorre da Exposition Internationale des Arts Dcoratifs et Industriels Moderns de 1925. Caracteriza-se, esteticamente, por elementos florais, figurativos e geomtricos.
22
A efemeridade do material tambm fundamental nesse caso, tornando-se, por vezes,
determinante de algumas possibilidades. Ao observar as publicaes que trazem
reprodues de tecidos da Antiguidade e da Idade Media, por exemplo, percebe-se que
muitos deles pertenciam nobreza e ao clero e, por isso, sobreviveram: so de melhor
qualidade material, resistiram ao uso e esto menos deteriorados, alm de terem sido
guardados de forma mais adequada, fazendo parte de heranas e inventrios. Essa
apenas uma reflexo que comprova que a materialidade hoje disponvel tambm
uma seleo, o que nos permite perceber a responsabilidade que temos sobre a
preservao dos materiais txteis que hoje ainda esto em trnsito social.
Dada a condio de privilgio de algumas espcies materiais, uma primeira reviso
bibliogrfica sobre a histria dos txteis aponta que j na primeira metade do
sculo XIX, quando arquitetos propuseram estudos focados nesse tema, gerou-se
preferncia pelo estabelecimento de categorias estticas correspondentes aos
estgios de desenvolvimento da arte em diferentes civilizaes e culturas, de
alguma forma semelhante ao que j era feito na historiografia artstica. Percebe-
se, inclusive, grande semelhana com o desenvolvimento da historiografia da
arquitetura que tambm se deteve em alguns momentos nas correspondncias
naturais entre expresses artsticas e perodos histricos determinados, sobretudo,
por fatos histricos relevantes, como se a um perodo, obrigatoriamente,
correspondesse uma determinada esttica.
O trabalho mais emblemtico desse momento (1877), LOrnament des tissus, comprova esse
entendimento. Organizado por Monsieur Dupont Auberville, adotou um vis classificatrio
cronolgico e geogrfico inspirado em Grammar of Ornament de Owen Jones (1856), com
a inteno de subsidiar a criao industrial para que essa se limitasse a reviver os estilos
anteriores. Dessa maneira, teoriacamente, impediria a produo de grande variedade de
modelos que fugissem a padres de beleza leia-se equilbrio e proporo vigentes.
Esse tipo de abordagem, no entanto, como proposta cientfica caracterizada pela
organizao cronolgica e tipolgica, foi sendo substitudo ao longo do tempo pela
narrativa histrica que colocava os tecidos como fio condutor de parte da histria
humana. Tal concepo revela os valores de uma histria anterior Nova Histria12,
ou seja, antes da dcada de 1970, e que estava caracterizada pelo estabelecimento
12 chamado Nova Histria o movimento que tem origem na Frana, na dcada de 1960, e que tem seu foco de estudo em novos objetos.
23
de ordens cronolgicas e de desenvolvimento humano apoiada em alguns nomes, datas,
inventos e por acontecimentos prximos e contextuais, permitindo, com isso, atribuir certo
herosmo s sucessivas etapas de aprimoramento tcnico prprias da transio para a
industrializao. Nessas abordagens, percebe-se que o tratamento dado s fontes visuais
no nos conduz compreenso de um fenmeno histrico particular, ou porque priorizaram
a classificao e o julgamento, ou porque priorizaram a narrativa baseada em datas e fatos.
No entanto, nas ltimas quatro dcadas, a renovao da historiografia dos txteis
foi arejada. Isso foi em razo, provavelmente, das propostas trazidas por Fernand
Braudel (1902-1985) histria que, alm de sugerir a ampliao de suas temticas,
apontou diferentes formas de apreenso dos objetos, sem que ainda se falasse,
necessariamente, sobre o seu design, mas j se enfatizando aspectos prticos,
estticos e simblicos desses objetos em circulao ou em sua sociabilidade.
Na perspectiva do design, somente nas ltimas dcadas do sculo XX que trabalhos
de grande extenso so identificados. Pode-se citar Mary Schoeser, Susan Meller,
5. Acima direita, lmina de ornamentao persa em Grammar of
Ornament de Owen Jones (1856).6. Acima esquerda, lmina com
os tecidos persas catalogados em Lornament des tissus de Auberville (1877).
Nas duas lminas buscou-se definir tipologias ornamentais a partir de
conceitos geogrficos polticos e culturais, ou seja, o objetivo foi o de categorizar as produes artsticas.
24
Lesley Miller, Philip Sykas ou Jennifer Harris, que encontram na trajetria dos
txteis (produo, circulao e consumo) o principal foco de novas investigaes.
Eles tm como fonte essencial de pesquisa acervos museogrficos pblicos ou
privados associados aos dados e s estatsticas da histria econmica, e expandem o
conhecimento ao contar com a contribuio dos dados advindos da antropologia,
da qumica e de outras cincias (GINSBURG, 1993). Por essa razo, a partir de
ento, os txteis, que j vinham sendo acumulados no patrimnio dos museus,
tenham passado a ser utilizados como fontes de pesquisa para temas variados nas
universidades (MILLER, 2006), como gnero, relaes comerciais, antropologia,
engenharia etc. Atualmente admite-se a classificao dos txteis ou uma
perspectiva para fins de estudos, como arqueolgicos, etnogrficos e histricos. Os
tecidos modernos, portanto, entram nesse ltimo grupo.
Comunidades acadmicas dedicadas aos estudos, reunio de especialistas,
disseminao do conhecimento, discusso de trabalhos, metodologias e outras
questes sobre os txteis, esto espalhadas pelas Amricas do Norte e do Sul e
Europa13. Publicaes cientficas que acolhem os txteis como objetos de estudo
tambm tm crescido substancialmente.
A mais importante delas, que adota a perspectiva histrica, surgiu em 1968 na Inglaterra
e at hoje ativa. Patrocinada pela Pasold Research Fund, fundao dedicada pesquisa
da histria dos txteis, foi fruto da iniciativa pessoal de um industrial do segmento
13 Dado nosso posicionamento geogrfico e nossa herana histrica, essas correntes so as que mais nos influenciam.
7. Capas da revista Textile History publicadas pela Maney Publishing com
apoio da Pasold Research Fundation. Fonte: www.pasold.co.uk .
Acesso em 01.05.2011.
25
txtil e de vesturio. Interessada sobretudo na histria da indstria txtil, a publicao
Textile History adquiriu prestgio internacional ao longo do tempo, caracterizando-se,
no entender do editor David Jenkins (2008), por ter inovado cientificamente ao tratar
simultaneamente dois aspectos do desenvolvimento txtil que, talvez, sempre tenham
sido tratados de maneira separada: a histria econmica da indstria txtil e o campo da
arte e do design txtil (p.10).
No difcil perceber que essa proposta se insere na fase mais recente da historiografia
e, por essa razo, tem um dilogo profcuo com a histria do design, superando
algumas restries e submetendo-se a novos desafios, como o de privilegiar as
grandes tendncias sociais e culturais que condicionaram o desenvolvimento do
design, e no as biografias dos designers mais famosos (CARDOSO, 2004, p. 13).
Entende-se que, nesse caso, condicionar no determinar a priori.
Esse tipo de partido atribui tanto ao visual quanto ao verbal o carter de argumento
(CARDOSO, 2004), o que, pode-se entender, capaz de apaziguar o desconforto
manifestado por Ulpiano Meneses (2003) ao elencar as inmeras abordagens e
controvrsias existentes nas definies dos campos da cultura material e cultura visual
e das respectivas pesquisas focadas nessas vertentes. Os txteis, em sua condio
especfica de objeto industrial, tanto nos intriga por sua materialidade da concepo
ao descarte , quanto por sua visualidade, especialmente os ornamentados.
Ornamento, esclarece-se, no se limita etapa de beneficiamento posterior possvel
de ser aplicada sobre txtil, mas inclui a concepo de fios, a estrutura de tecimento e
tambm o arranjo de fragmentos txteis que d origem a novas superfcies, como o
caso dos xadrezes e listrados ou patchwork (tecido construdo a partir do recorte e da
costura de tecidos formando um novo), por exemplo.
Isso no quer dizer, sem dvida, que unicamente se apreendam os tecidos por meio de
exemplos materiais. Segundo Ulpiano Meneses (2003), o erro mais comum nesse tipo
de metodologia que
[...] alm da impropriedade de conformar a modalidade de pesquisa natureza da fonte e no do problema histrico, h o inconveniente suplementar de se reduzir o alcance das questes substantivas, principalmente por essa limitao da fonte a uma tipologia exclusiva. (p. 26)
26
E tambm:
a interao social que produz sentidos, mobilizando diferencialmente (no tempo, no espao, nos lugares e circunstncias sociais, nos agentes que intervm) determinados atributos para dar existncia social (sensorial) a sentidos e valores e faz-los atuar. Da no se poder limitar a tarefa procura do sentido essencial de uma imagem ou de seus sentidos originais, subordinados s motivaes subjetivas do autor, e assim por diante. necessrio tomar a imagem como um enunciado, que s se apreende na fala, em situao. Da tambm a importncia de retraar a biografia, a carreira, a trajetria das imagens. (p. 28)
Partindo de tais orientaes metodolgicas, nesta pesquisa tomou-se uma srie
de imagens que circularam em tecidos estampados no para interpretar nelas
significados. Ao contrrio. Os significados dados pelos distintos sujeitos que foram
confrontados s imagens sem que a elas fosse atribudo o carter de discurso14 visual.
Assim, os tecidos selecionados pelo recorte desta pesquisa, em sua materialidade e
visualidade, erguem apenas uma plataforma de observao (MENESES, 2003) para
que se possa conhecer melhor o contexto no qual circularam como parte da histria
humana, essencialmente do Brasil e dos brasileiros na segunda metade do sculo XX.
Procedimentos metodolgicos
Por mais que aparentemente a pesquisa pudesse ser desenvolvida a partir de uma
metodologia de anlise visual, tendo como objetos tecidos ou suas reprodues
imagticas, essa opo mostrava-se desde o incio empobrecida, pois o tema da
pesquisa residia, como dito anteriormente, em considerar as imagens uma parte
viva da nossa sociabilidade. Seu carter sgnico tomaria parte de sua existncia, mas
no seria analisado em si mesmo, e seu carter documental seria utilizado e at
privilegiado, mas, sobretudo, colocado em contexto e no como condutor da narrativa.
Determinou-se tambm que a pesquisa no deveria assumir a abordagem da
comunicao, ou seja, no se dirigiria compreenso dos processos de significao ou
eficincia destes tanto no que tange aos tecidos como no que se relaciona aos discursos.
Extrairia, dos discursos e das imagens, dados e fatos que permitissem compreender o
design e o papel de determinados artefatos txteis naquele contexto poltico e social
14 O termo discurso ao longo da pesquisa utilizado na perspectiva das cincias da linguagem, ou seja, como um lao social estruturado pela linguagem, onde o que se diz perde importncia se comparado ao como dito. Trata-se de uma herana de minha pesquisa de mestrado (ECA-USP), fundamentada nas aulas e conversas com a inesquecvel e saudosa Profa. Dra. Jeanne Marie Machado de Freitas.
27
to importante para a histria do pas, ou seja, permitiria a aproximao histria das
atitudes em relao ao objeto e mercadoria, como prope Roche (2000, p.17).
Tal demanda apresentou-se como um grande desafio, sobretudo em funo da
inexperincia metodolgica com esse tipo de problema e objeto. As competncias
necessrias para trabalhar com fontes diversas que orbitariam ao redor de imagens
falantes, foram sendo conquistadas a partir da aproximao s metodologias mais
recorrentemente utilizadas no tratamento de problemas similares, tendo-se chegado
experincia inglesa15 como a mais relevante a ser seguida, ainda que no seja a
nica. Assim como no Brasil, na Inglaterra o design de txteis estampados passou
a ter grande importncia quando tornou-se um produto industrial, e naquele pas as
pesquisas costumam cotejar informaes da histria social e econmica simultaneamente,
prtica que no to comum entre ns, onde esses campos, muitas vezes, so considerados
inclusive linhas de pesquisa distintas. A Inglaterra, nesse sentido, acabou tornando-se
o elemento de dilogo do Brasil com o mundo no universo da tecnologia dos tecidos
estampados, balizando a anlise da produo e da crtica nacional tanto no que tange aos
seus aspectos estruturais quanto de criao.
Diferentemente do caso britnico, contudo, a pesquisa no contava nem com
bibliografia substancial anterior que tenha sido publicada em lngua portuguesa sobre
os txteis (independentemente da abordagem) que permitisse que a investigao
nela se apoiasse, muito menos sobre os tecidos no Brasil, problema j apontado
por outros pesquisadores (PAULA, 2004; ANDRADE, 2006). Desse modo, para fazer
sentido, a pesquisa exigiu a construo de um quadro que situasse o pas frente
historiografia dos txteis num plano global (com nfase no Ocidente), assim como
aos principais parmetros da ornamentao txtil, o que serviria para subsidiar a
anlise da produo local no perodo de recorte da investigao. Deve-se ressaltar que
essa abordagem tambm permite inserir os txteis dentro da perspectiva da histria
da arte e da cultura e aproveitar, desse modo, a utilizao de diferentes concepes
estticas no Brasil para melhor apreend-los em nosso contexto.
15 Pelo menos desde a feira das indstrias de 1851 em Londres, a Inglaterra mostrou-se ao mundo por seu domnio industrial e que inclua, tambm, uma preocupao com o design. Resumidamente, a poltica industrial inglesa, ao longo dos anos, baseou-se na educao em design, na cultura para seu consumo (ou educao do povo) e no desenvolvimento tecnolgico. Em 1946, aps o fim da guerra e com o mercado internacional prejudicado, o governo ingls e entidades diversas patrocinaram uma grande exposio no V&A Museum, em Londres, denominada Britain We Can Make It. Procurava-se, com esse evento, mostrar populao a capacidade de produo e a grande qualidade do design dos produtos ingleses, que possibilitavam colocar a Inglaterra, novamente, no comercio internacional de produtos industrializados.
28
Apesar de condies to favorveis, que permitiriam tratar o tema com liberdade
temtica e de nfase, decidiu-se adotar uma prtica prudentemente regressiva, como
sugeriu Marc Bloch (2002), j que estimava-se contar com um maior nmero de fontes
para consulta, tentando evitar, dessa forma, perseguir fenmenos que poderiam resultar
imaginrios como adverte o autor.
Chegou-se ao perodo da pesquisa a partir dos resultados obtidos em pesquisa inicial, utilizada
no projeto de pesquisa apresentado no processo seletivo para ingresso na ps-graduao
da FAUUSP, quando verificou-se a existncia de etapas com caractersticas bem distintas que
marcaram o desenvolvimento de txteis no Brasil. Na ltima etapa, a segunda metade do
sculo XX, identificou-se a viabilidade de investigar a hiptese formulada, que props que
durante as dcadas de 1950, 1960 e 1970, solues visuais para as estampas e produo de
discursos sobre elas, procuraram destacar a grandeza do pas.
Tabela 1: Evoluo da indstria txtil brasileira, sua estrutura e as caractersticas
de seus produtos em diferentes momentos histricos.
29
Deve-se ressaltar que, nesta pesquisa, muito embora os produtos txteis sejam
o objeto de interesse, eles no so, em si mesmos, o principal objeto de anlise.
Isso porque o que interessa desvendar a relao existente entre os produtos e os
discursos sobre eles produzidos, para que se revele, nesse contexto, a ao projetual
que deveria atender demanda por uma visualidade que correspondesse ao discurso
nacionalista, este configurado como um dado a priori. Assim, os elementos que
articulam na forma de referentes, tanto quanto o mtodo e os recursos de trabalho,
so parte imprescindvel da anlise j que condicionam, invariavelmente, o produto
resultante. A ao projetual (considerando os diferentes polos de criao existentes e
que sero explicados no decorrer da tese) que visa produo de estampas poderia
ainda mostrar todos os componentes da estrutura qual estamos submetidos. Esse
procedimento foi utilizado para evitar que a anlise acontecesse prioritariamente na
forma da leitura das imagens, a fim de que fosse possvel iluminar a imagem com
informao histrica [no somente] externa a ela e ultrapassar a tentativa de se
buscar um sentido naquilo que se v (MENESES, 2003, p. 37).
Estrutura e organizao da tese
Sem dvida, tanto o mapa conceitual que articula os dados da pesquisa bem como
o procedimento da investigao devem diferenciar-se da estrutura da tese, que visa
transmitir ao leitor os resultados alcanados a partir de uma metodologia isenta e
vlida para tal. Dessa forma, a organizao ou estrutura da tese foi planejada para
atender necessidade de inserir o tema entre ns, mapear a produo txtil do
Tabela 2: Aes em anlise. No eixo de aes em anlise, acredita-se, de
acordo com a hiptese formulada, que se impe uma nova relao com os modelos e aqualificao humana e tcnica relativa
indstria txtil.
30
perodo e justificar a criao na e para a sociedade na qual ela se desenvolvia. Somente
a partir desses dados que a produo selecionada foi analisada.
Para melhor compreender o objetivo dos captulos para o desenvolvimento da
hiptese e o processo de sua construo, explica-se, a seguir, a estrutura da tese e as
fontes de pesquisa utilizadas.
O primeiro captulo traz uma abordagem histrica dos tecidos estampados, que explica
o desenvolvimento da tcnica, a sua descoberta comercial pelos portugueses no sculo
XVI e a sua industrializao na Europa a partir do desenvolvimento de tecnologias para
a sistematizao e mecanizao do trabalho de estamparia. O captulo justificado
porque no se dispe no Brasil de publicaes com o tema na abordagem aqui
proposta, importante tanto para a histria da arte quanto para a histria da moda e do
design. As fontes de pesquisa utilizadas so inglesas e francesas, muitas delas publicadas
antes da dcada de 1950, j que, pde-se verificar, os raros trabalhos produzidos no
Brasil que se referem ao assunto cometem equvocos, sobretudo em decorrncia da
incompreenso de termos tcnicos e da prtica da estamparia txtil propriamente dita.
O segundo captulo dedicado questo da ornamentao. justificado em face da
necessidade de compreender os pressupostos que direcionaram o desenvolvimento
da ornamentao txtil no Ocidente e tambm a sua crtica. Alm de revises
bibliogrficas sobre os estudos ornamentais arquitetnicos, foram utilizados guias para
a ornamentao txtil moderna e anlises de criaes contemporneas (dcadas de
1950 a 1970) publicadas na The Ambassador Magazine16. Ainda que esse captulo no
esgote o tema, ele rene os principais pensamentos que permitem compreender, nos
captulos seguintes, o desenvolvimento do projeto para o design de txteis no mundo
ocidental e tambm no Brasil, alm dar subsdios para a anlise esttica das estampas
aqui investigadas.
O terceiro captulo dedica-se ao desenvolvimento da indstria txtil no Brasil, com
nfase no segmento de estamparia. Elaborado predominantemente a partir de fontes
16 Revista inglesa dedicada divulgao da indstria britnica de moda e de tecidos, sobretudo para o mercado de exportao. Foi publicada entre 1933 e 1987, sendo que o perodo de mais relevncia e atuao o ps-guerra. Inicialmente chamava-se International Textiles, quando ainda tratava-se de uma publicao decorrente da parceria entre a Inglaterra e a Holanda. Aps a guerra, mais especificamente a partir de 1946, passou a nomear-se The Ambassador Magazine enquanto o ttulo International Textiles passou a ser publicado na Holanda. Ao longo do trabalho utiliza-se somente o ttulo The Ambassador, com finalidade de uniformizao. Seu primeiro diretor de arte foi Lszl Moholy Nagy, professor da Bauhaus. O arquivo completo encontra-se em Londres, no Blyte House Archive.
31
secundrias dedicadas histria econmica e social da indstria txtil no Brasil e
tambm a partir da consulta ao acervo da Revista Txtil primeira publicao tcnica
do setor a ser editada no Brasil desde 1931 sendo o editor o seu proprietrio, Sr.
Ricardo Haydu , esse captulo contribui decisivamente para compreender as bases
tecnolgicas nas quais as estampas ditas modernas e brasileiras foram desenvolvidas.
A Revista Txtil uma importante publicao do setor, editada ainda hoje em
peridiocidade bimestral, voltando-se atualmente tambm cobertura especializada
tcnica da moda. Pelo menos durante suas quatro primeiras dcadas de publicao dedicou-
se de maneira destacada a instruir os profissionais tcnicos da indstria txtil brasileira17.
No quarto captulo, os principais argumentos da tese so formulados e apresentam-se
as demandas e condies para a proposio de uma esttica brasileira aplicada aos
tecidos, a partir da seleo de exemplos destacados de momentos significativos e
qualitativos (BELLUZZO, 1988) e no a partir de amostragem quantitativa.
No quinto captulo, no qual se alcanam as concluses da pesquisa, a produo de
estampas brasileiras por diferentes sujeitos analisada em sua visualidade e em
confronto com os conceitos de nacionalidade estabelecidos nos captulos anteriores.
Cada uma das abordagens discutida separadamente e compreendida segundo sua
prpria natureza e suas premissas de desenvolvimento. A nfase dada nos tecidos
produzidos pela indstria, j que estes so o foco desta pesquisa.
Perspectivas da pesquisa
Este trabalho no tem a pretenso de esgotar o tema, porm pretende pontuar os
principais marcos ou as aes externas aos txteis que, na histria do pas, alteraram a
maneira de produzir tecidos e com eles interagir, ou seja, projeto e produto.
Esta tese almeja contribuir, ainda que modestamente, para a construo de nossa
histria projetual com nfase na indstria txtil. Tem tambm o objetivo de compreender
17 Acerca dessa fonte, merece ser destacado que o ento proprietrio da revista, Sr. Ricardo Haydu, era tambm proprietrio, diretor e professor da Primeira Escola de Tecelagem em So Paulo. Isso foi verificado a partir de muitos anncios publicados pela revista, onde so apresentados os cursos ministrados e os programas. Vendem-se, tambm, alguns materiais teis aos futuros tcnicos em txteis. A revista basicamente caracterizava-se por matrias de cunho tecnolgico, procurando instruir os leitores. Reportagens sobre feiras, informaes sobre processos, usos de novos insumos, materiais etc., e poucas matrias sobre criao ou desenvolvimento de produtos do ponto de vista esttico. Os anunciantes primeiramente so os de engenharia txtil em geral (mquinas e peas) e, a partir da metade da dcada de 1950, muitos anunciantes das indstrias qumicas. O arquivo consultado encontra-se na Associao Brasileira da Indstria Txtil - ABIT.
32
a permanncia de alguns processos internos s indstrias txteis, que revelam a
fragilidade da formao superior no pas que ainda v com preconceito as atividades
relacionadas ao fazer manual e indstria. Quem sabe, poder apresentar o segmento
industrial txtil como um campo de atuao importante, inexplorado e promissor para
a pesquisa cientfica aplicada na rea de desenvolvimento de materiais, processos,
produtos e profissionais, j que, como se ver a seguir, um segmento que parece dever
seu desenvolvimento e aprimoramento sua motivao interna.
33
Tecido estampado: origem, percurso e indstria
A estamparia txtil tm origem artesanal, a partir
de diferentes mtodos desenvolvidos no Oriente.
Primeiramente absorvida pelas manufaturas
europeias, a tcnica de estampar por blocos
foi sendo aprimorada a ponto de transformar-
se em uma tecnologia promissora, que teve
grande importncia para a Revoluo Industrial
na Inglaterra. Nesse momento, o trabalho do
designer tambm passou a ser incorporado pelo
processo produtivo, e grande parte do debate que
se travou desde meados do sculo XIX a respeito
do papel social do design, da atividade criativa
e projetual e, por fim, da relao entre os objetos
produzidos pela indstria e o objeto artstico,
deve-se, ao menos parcialmente, s profundas
transformaes provocadas pelas indstrias
txteis em todos os seus segmentos.
34
Antecedentes histricos
Muito embora o algodo possa ser encontrado em diferentes pontos do globo
como uma espcie nativa, foi com a sua utilizao na produo de tecidos
estampados na ndia e do interesse que estes despertaram na Europa a partir
do sculo XVII, que sua utilizao destacou-se mundialmente. Sua importncia
como valiosa mercadoria de troca uma commodity18 inquestionvel desde
a Antiguidade, e seu destaque no mbito da histria industrial advm do difcil
processo de transformao de uma tcnica artesanal to bem-sucedida em uma
indstria promissora.
No possvel localizar no tempo a descoberta dessa fibra como uma matria-
prima txtil, mas algumas fontes indicam o seu uso desde, pelo menos, o sculo
V a.C. (ARKWRIGHT, 1835) pelos indianos e egpcios. Sua rvore, os indianos
a chamavam de tala, e ao algodo florescido, chintz (ARKWRIGHT, 1835), mas a fibra foi recebendo nomes variados em diferentes localidades medida que
seu comrcio se expandiu. Primeiramente pela Prsia e pelo Egito e, mais
tarde, durante a Era Crist, foi introduzida pelos navegantes gregos, na forma
de tecidos lisos ou ornamentados, nos portos da Arbia, e entrou tambm no
mundo romano e nas cidades gregas. Ainda segundo Arkwright (1835), dadas
as caractersticas da fibra e dos tecidos a partir dela obtidos, naquela poca os
tecidos de algodo no concorriam com as luxuosas sedas, circunscrevendo-se
s vestes mais simples.
H controvrsias acerca da origem da arte de estampar tecidos, mas certo
que Herdoto a relatou, dando indcios que sua origem, portanto, anterior ao
sculo V a.C. e por isso, provavelmente, se deu em linho e algodo:
No Caucaso [...] Assegura-se possurem eles uma espcie de rvore cujas folhas pisadas e deitadas ngua, promovem uma tinta com a qual pintam nos trajes figuras de animais. A gua no apaga, absolutamente, essas figuras, que ali se gravam como se fossem tecidas no desbotando seno com o desgaste da prpria fazenda19.
18 Mercadoria com pouca ou nenhuma industrializao, produzida por grande nmero de fornecedores, e que, negociada em grandes mercados tem um valor global.
19 Conforme CC111, p. 126, Livro 1 - Clio. Traduo do grego por P.H. Lamcher e verso para o portugus de J. B. Broca. Fonte: Perseus Digital Library, Tufts University. Disponvel em www.perseus.tufts.edu. Acesso em 30.abr.2012.
8. Uma das espcies de arbusto de algodo.
Fonte: The cotton manufacture.
35
Plnio, o velho, o mais importante naturalista da Antiguidade, ao relat-la
em 70 d.C., afirma que a tcnica de estampar tecidos teria sido desenvolvida
primeiramente no Egito (PERCIVAL, 1923), assim como Arkwright (1835), que
afirma:
Os indianos foram no somente os primeiros manufaturadores, mas tambm, provavelmente, os primeiros que imprimiram ou pintaram algodes. Plnio menciona que os linhos tintos (mas sem dvida eram algodes) foram os primeiros tecidos desse gnero vistos pelos gregos na guerra de Alexandre com os indianos. Antes disso, Herdoto mencionou uma nao s margens do Cspio que pintava figuras de animais em suas vestes com uma tinta vegetal. (p. 254-255, grifos nossos)
B. Closter (s/d, conforme Perseus Tufts Digital Library), ao traduzir Plnio,
concluiu que
muito difcil, provavelmente impossvel, atualmente, determinar qual das naes da Antiguidade participou, sem dvida, da inveno da arte do tingimento. Sabe-se que txteis foram coloridos em vrias partes do Pentateuch, e esta a razo para supor, que a arte foi praticada, desde um perodo muito primrio, pelos egpcios, fencios e indianos. Eles chegaram a conhecer o tingimento parcial, o que tecnicamnte nomeado impresso, aplicado ao algodo ou ao linho.
Se certificar a veracidade das origens um debate que na atualidade pode gozar de
pouca importncia, discriminar as tcnicas e compreender sua relao com a sociedade
o ponto de partida para as pesquisas na histria do design: por essa razo, a identificao
das tcnicas normalmente necessria construo de novos argumentos.
Schoeser (2003) afirma que tanto a pintura quanto o tingimento de padres ou a
impresso (estampagem) so tcnicas decorativas de txteis com uma perspectiva
vertiginosamente diferente das do trabalho com fios de cores diferentes, seja pelo
entrelaamento, seja pela sua aplicao na forma de bordados. Elas [as tcnicas de
pintura, tingimento ou impresso] so uma resposta para o meio tanto quanto a base
dele (p. 134).
Os princpios fsico-qumicos que possibilitam a elaborao de estampas sobre
superfcies txteis, bem como a manuteno da cor em determinadas reas aps o
uso e as lavagens, baseiam-se na ao dos mordentes, que so substncias qumicas
que regulam a tonalidade da cor e fazem a tinta permanecer (REATH, 1925, p. 143).
36
9. Tecido indiano para o comrcio exterior, estampado pelo mtodo de
blocos sobre algodo tinto. Gujarat, c. 1340-1380.
Fonte: V&A Pattern Indian Florals.
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Sendo aplicados antes, junto ou aps o processo de estampagem e/ou tingimento,
eles fazem com que o corante aplicado no se solte facilmente do tecido. Dessa forma,
o domnio da tcnica de estampar exige necessariamente um conhecimento qumico
aplicado bastante profundo, que varia conforme as tcnicas e o tipo de ornamentao,
bem como em funo dos substratos txteis e dos elementos corantes disponveis.
praticamente impossvel o desenvolvimento acidental dos princpios que regem a
tcnica e seus processos, afirma Reath (1925).
Existem apenas dois fundamentos de aplicao de cor em reas pr-definidas
(isto , de formao de desenhos) sobre uma superfcie txtil, explica Schoeser
(2003). Eles, por sua vez, determinam o tipo de expresso plstica possvel e
resultante:
A primeira, conhecida como shibori, mantm protegida toda a rea com resistncia fsica tal como dobras, pregas, amarras e grampos (a ltima frequentemente feita ao redor do arroz, sementes, galhos, pedras ou entre tbuas). O tie-and-dye (chamado bahda na ndia e plangi pelos malaio-indonsios), o tritik (protegendo a rea com pontos costurados) e o ikat (no qual o urdume e/ou a trama a serem tranados so previamente tintos em reas salteadas antes do tecimento) entram nessa categoria. O outro grupo de tcnicas de desenho de superfcie direta ou aditiva. O tecido preso esticado, mas no com grande tenso, sem a necessidade de estar erguido ou de usar bastidores. Dedos, galhos, pincis rudimentares ou outros objetos com superfcie texturada com suficiente proeminncia tambm so usados para elaborar desenhos e padres complexos diretamente sobre o tecido, aplicando-se ocres disponveis na terra ou secrees de frutas e vegetais. O batique, o uso de blocos e todas as formas de impresso mecnica e originadas pelo uso dessas ferramentas bsicas [so exemplos desse grupo]. (SCHOESER, 2003, p. 134)
Joyce Storey (1974), por sua vez, divide em quatro os princpios de impresso de
desenhos nos tecidos: por resistncia (onde esto o shibori/tie-and-dye e o batique); por tingimento, com uso de mordentes que determinam a rea de absoro do
corante (equivale ao que Schoeser tambm chamou de aditiva); por descarga, no
qual uma cor preexistente retirada pela ao de um alvejante; e finalmente o
princpio direto, em que se supe a aplicao da cor sobre o tecido, seja com o uso de
pincis (pintados), seja com o uso de moldes planos (estncil) ou em relevo, como
os blocos de madeira. Todas elas compem o universo da esttica que se associa
estamparia txtil.
10. Tecido ornamentado com a tcnica ikat com origem na sia Central (c.1883).
Fonte: objeto IS 1366-1833 - Victoria & Albert Collection.
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possvel que a ideia de depositar ou retirar cor dos tecidos tenha sido a primeira
tcnica a ser desenvolvida pelo homem para a ornamentao de txteis dedicados
ao vesturio (REATH, 1925). Embora no Oriente ela tenha sido comum a diferentes
regies, tecidos impressos e/ou pintados produzidos no continente americano, datam
de antes do Imprio Inca (previamente ao sculo XIII) e so provenientes do Peru
(REATH, 1925), podendo ter sofrido, segundo Schoeser (2003), alguma influncia das
rotas indianas. Acredita a autora que tanto incas quanto astecas seriam conhecedores
do shibori ou tie-and-dye e ikat, processos que no permitem o acesso dos corantes
a determinadas reas, mas no dominariam a aplicao da cor no tecido para a
formao do desenho em reas determinadas.
Para haver estamparia ou tingimento eficientes, h, sem dvida alguma,
domnio sobre a extrao da cor da natureza e tambm sobre seu processo de
transformao em substncia corante para sua posterior fixao no substrato txtil.
Isso inclui a extrao da substncia corante de plantas, insetos ou animais e da
eliminao, por processo de purga, das ceras e resinas presentes na substncia, o
que feito por meio de uma srie complexa de operaes em solues aquosas
macerao (corte e esmagamento), ebulio (pela fervura), fermentao usando
temperaturas controladas e acidez (DELAMARE; GUINEAU, 2009, p. 34).
11. direita, tecido ornamentado com a tcnica tie-and-dye (shibori), produzido
na Inglaterra em 1961. Fonte: objeto CIRC 97-1962 - Victoria &
Albert Collection.12. Abaixo, tecido ornamentado com a
tcnica batik, produzido em Java no final do sculo XIX.
Fonte: objeto IS 131-1984 - Victoria & Albert Collection.
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A estamparia exige ainda que diferentes cores sejam extradas e aplicadas adequadamente
cada substrato txtil exige um tipo de substncia corante e mordente especfica ,
normalmente em sequncias precisas, especialmente nos processos que se utilizam do
mordente como substncia reveladora do desenho, como o caso do processo indiano.
Se a origem dos tecidos estampados, como anteriormente exposto, incerta, a ideia de
estampar com blocos dividindo a composio do desenho em partes, segundo as cores
que o formam, uma tcnica de origem egpcia, j que a prtica indiana, ao menos
inicialmente, era a de criar contornos com um nico bloco e preencher as diferentes
cores a mo (PERCIVAL, 1923). Pelo que se sabe, foi esse o processo que inspirou o
desenvolvimento da tcnica da estamparia e de sua industrializao na Inglaterra e na
Frana - como poder ser visto a seguir -, tendo sido os portugueses os responsveis
pela sua descoberta quando visitaram a ndia em 1498 (ARKWRIGHT, 1835), ainda
que, pelo menos desde os sculos IV ou V a.C., tenham sido estampados tecidos na
Europa, especificamente pelos gregos.
Isso no significa, segundo Reath (1925), que o desenvolvimento do processo tenha
sido grego, pois tanto o domnio dos egpcios no perodo Ptolomaico (323-30 a.C.)
(DELAMARE; GUINEAU , 2009), quanto o contato com os chineses, inventores da
xilogravura, podem ter contribudo para o desenvolvimento da tcnica naquele local,
apesar de os chineses no serem conhecedores do algodo antes do sculo XIII.
Na sia menor, um tecido de algodo estampado com blocos de madeira no sculo VI ou VII foi encontrado em uma tumba na Prssia, e alguns tecidos armnios tambm so conhecidos. Uma vez que os armnios eram tanto orientais quanto cristos, era natural a relao entre o leste e o oeste. Seus tecidos estampados com a tcnica da resistncia, utilizados nos frontes dos altares do sculo XVII, com arquitetura bizantina nos desenhos, e barrados com flores e figuras persas e turcas, so uma ligao entre os tecidos estampados da sia e aqueles da Europa. (REATH, 1925, p. 144)
13. direita, blocos de impresso de tecidos em vista lateral e frontal
14. Acima, exemplo da separao da impresso em partes, contorno e
preenchimento Fontes: Manual of Textile Printing e
acervo pessoal de fotografias.
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A prtica da estamparia direta na Europa antes da Idade Mdia pouco provvel,
segundo Percival (1923). Os romanos, afirma o autor, at ento no conheciam
qualquer processo de tingimento de fibras de origem vegetal ou animal e, por isso,
substncias para colorao utilizadas para outras finalidades tinham seu uso estendido
aos txteis a fim de produzir cpias baratas de tecidos ornamentados, procurando
imitar desenhos gerados por processos de tecimento20, como a seda e o brocado,
sem ter, no entanto, caractersticas apropriadas a eles. Deve-se estimar, entretanto, a
possibilidade de que o domnio sobre os gregos tenha lhes rendido o desenvolvimento
dessas tcnicas.
A partir do sculo XI, evidncias materiais indicam que nos Mosteiros de Rhineland,
na Alemanha, a tcnica de impresso com blocos, com o objetivo de ser aplicada aos
tecidos, comeou a ser desenvolvida. Os primeiros desenhos tambm procuravam
imitar brocados e sedas a partir, inclusive, da aplicao de tons metlicos obtidos por
uma espcie de cola misturada ao p de metal.
Segundo observam Delamare e Guineau (2009), as iluminuras medievais revelam
diferentes nveis de tecidos no tintos, isto , aqueles que apresentam vrias
tonalidades do marrom caracterstico das fibras naturais utilizadas (que pode ir do
quase branco a um bege bem escuro) e trazem tambm novas tonalidades. Podiam
ser obtidos tambm diferentes tons de azul a partir da amora e da groselha; malvas
foram retirados de moluscos martimos e de fungos; flores e piaava deram origem
aos amarelos; outras flores e madeiras revelavam os vermelhos; castanhas e nozes, os
marrons; e finalmente o sumac, uma espcie de tempero, e a noz moscada permitiam atingir os pretos. Na ocasio, a qualidade da cor era medida pelo seu brilho e intensidade
alm, obviamente, da estabilidade aps o uso e as lavagens. A maioria das substncias
era trazida por mercadores da ndia, da Malsia, do Ceilo, da Prsia e tambm do Brasil,
especificamente o pau-brasil para a obteno de variedades de vermelhos.
As padronagens obtidas pelo entrelaamento dos fios seriam, ento, referncia mais
prxima para o desenvolvimento da estamparia e seriam substitudas pelos tecidos
estampados em um curto espao de tempo. A mudana de gosto que atingiu a Frana
e a Inglaterra notada no s pela materialidade promovida pelo toque e pela leveza
20 Com fios tintos, tecidos com a utilizao de tcnicas adequadas, possvel obter tecidos plenamente ornamentados a partir de mltiplas possibilidades para o seu entrelaamento, o que se denomina woven design. Em portugus, no existe um termo que substitua adequadamente essa expresso e, normalmente, a palavra padronagem utilizada com essa finalidade, embora se refira tambm aos tecidos estampados.
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do tecido de algodo, mas pelas cores e referncias dessas novas estampas que se
distanciaram das referncias medievais.
Se anteriormente ao sculo XIV valorizavam-se, sobretudo, os tecidos pesados, como
damascos, brocados e veludos (moda ibrica), a partir de ento se difundiu uma moda mais
leve de raiz francesa, que ps em evidncia a leveza da seda, do algodo e do linho. Charles II
(1630-1685) era admirador da Frana e, por isso, foi incentivador das importaes francesas,
responsveis pela difuso desse gosto na Inglaterra (THOMAS, 1924).
A entrada dos tecidos indianos na Inglaterra foi favorecida pela permisso de
importao obtida em 1631 pela Companhia das ndias Ocidentais (PERCIVAL, 1923;
THOMAS, 1924) e potencializada pela proibio de importao de tecidos franceses,
que vigorava desde 1678 (ou 1676) que terminaria por completo somente em 1774.
No s a Companhia das ndias inglesa, mas tambm a francesa e a holandesa
puderam negociar sedas, clicos21, chintzes e musselinas em grande quantidade,
difundindo o gosto por esses tecidos primeiramente aos mais pobres, mas depois a
todas as classes sociais a ponto de, ao longo dos sculos XVII e XIX, pr fim moda
dos tecidos com fio de ouro, a glria da Inglaterra (THOMAS, 1924).
Esses tecidos, que aliavam elegncia a preo baixo, primeiramente foram utilizados
no segmento da decorao dos lares, mas em seguida serviram confeco de
roupas para homens, mulheres e crianas, chegando a ser considerados uma praga
(THOMAS, 1924). Em virtude do prejuzo financeiro que esse consumo causou s
indstrias inglesas, William III (1650-1702), em 1700, acabou por proibir a importao
de tecidos pintados ou impressos de algodo que, se num primeiro momento
limitaram-se ornamentao indiana, aos poucos desenvolveram um negcio na
ndia que permitia, inclusive, a compra por encomenda de desenho:
Exemplos e pedidos eram ento enviados para a ndia por meio de encomendas especiais com casacos de brases e outros padres europeus, assim como os desenhos eram enviados para a China para serem copiados na porcelana Lowestoft22. (REATH, 1925, p. 145)
21 Nome que tambm dado aos tecidos estampados, em virtude de sua origem em Calicute na ndia.
22 Nome de cidade inglesa que, na metade do sculo XVIII, abrigou uma oficina artesanal com o mesmo nome e que produzia uma porcelana de alta qualidade, que caracterizada pelo fundo branco e desenhos coloridos, mas com nfase no azul e, numa primeira fase, com motivos orientais. Esta tambm foi produzida na China. Fonte: http://www.lowestoftporcelain.com/history.htm. Acesso em 09.mar.2011.
15. Retrato de Richard Sackville pintado por William Larkin (1616). Esse tipo de ornamento, caracterizado como
brocado, constitui um woven design, imitado pelas estampas de origem
europeia. O retrato apresenta, tambm, a voga da explorao do
pattern nos tecidos, como importante elemento decorativo.
Fonte: www.azerbaijanrugs.com. Acesso em 07.nov.2011.
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Tal movimento mercantil provocou a desvalorizao dos tecidos ingleses,
notadamente sedas e pesadas ls que eram o seu principal produto at ento,
provocando o controle e a proibio de novas importaes. Assim, segundo Thomas
(1924), foi estimulado, pela necessidade, o desenvolvimento interno desse tipo de
segmento j que, por si s, os atos governamentais no eram capazes de fazer retornar
o gosto de consumo quilo que os britnicos acreditavam ser old fashioned, como a
produo de tecidos pesados.
Antes do desenvolvimento cientfico do sculo XVII e XVIII, a migrao das tcnicas
de produo era possvel pelo trabalho de intermedirios, viajantes e artesos que se
deslocavam entre as regies. Isso fez com que, alm do gosto, a prtica se transferisse
da ndia para a Inglaterra e a Frana (GEKAS, 2007).
As primeiras manufaturas inglesas de algodo estampado se instalaram somente
a partir de 1641 no entorno de Londres e, a partir do sculo XVIII, transferiram-se
para o norte do pas nas regies de Lancashire e Yorkshire, pois essas reas reuniam
caractersticas importantes para o assentamento dessas indstrias (fora motriz de
gua, energia de origem material e ferro), alm de boas linhas de comunicao que
permitiam a ligao com outras regies do pas para a aquisio de insumos e para o
transporte da produo e das matrias-primas.
Durante aproximadamente cinquenta anos, a produo no foi nem muito expressiva
nem muito significativa. A data oficial para o surgimento dessa indstria na Inglaterra
passa a ser ento o ano de 1690, quando uma pequena manufatura de estampar tecidos
teve sua patente registrada e foi montada por Ren Grillet, um refugiado francs que
chegou Inglaterra com a revogao em 1685 do dito de Nantes, documento assinado
pelo Rei da Frana Henri IV em1598, que concedia tolerncia aos protestantes franceses.
Apesar das inmeras referncias a esse contexto, possvel, pela descrio de outros
autores citados por Thomas (1924), que o proprietrio do negcio tivesse sido um catlico
romano obrigado a deixar a Frana no por questes religiosas, mas devido proibio
de produzir tecidos estampados em territrio francs, que vigorava desde 1686. Antes de
chegar Inglaterra, Grillet teria se instalado temporariamente na Holanda.
Thomas (1924) afirma que, antes dessa data, j havia tecidos sendo impressos na
Inglaterra pelo menos desde 1676, e isso confirmado pela patente dada a um
William Sherwin naquele ano pela inveno de uma nova e veloz maneira para
16. Madame de Pompadour, grande apreciadora dos tecidos estampados
(chintz indianos), retratada por Franois Hubert Drouais (1763-1764)
utilizando um vestido plenamente adornado com pintura manual.
Fonte: National Gallery, Londres.
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imprimir casimira, na qual a velha e verdadeira maneira de impresso da ndia
ocidental permanece em tais tipos de gneros (p. 209). Percival (1923), por outro
lado, revela uma curiosa patente anterior concedida a Jerome Lanyer em 1634,
relacionada a uma mquina que produziria desenhos com a aplicao de uma cola que
poderia fixar substncias e gerar uma superfcie com textura aveludada. So diferentes
relatos que indicam que a estamparia comeava a despertar na Inglaterra.
Toda a impresso inglesa, sem dvida, era feita sobre tecidos de algodo importado
ou linho, que poderiam ser trazidos da Holanda ou produzidos no pas. Havia um
problema de domnio de tcnica de fiao que impedia a produo de tecidos de
algodo na Inglaterra adequados estamparia, e esse obstculo s foi superado
ao redor de 1750, quando os britnicos conseguiram produzir fios de algodo com
suficiente resistncia para a sua utilizao na urdidura, a partir das invenes e dos
aprimoramentos de filatrios, desenvolvidos primeiramente por James Hargreaves
(1720-1778) e, mais tarde, por Richard Arkwright (1732-1792) (THOMAS, 1924).
Elas teriam possibilitado a produo de fios adequados produo de tecidos feitos
inteiramente de fibras de algodo, assim como os originais indianos.
A expanso de manufaturas inglesas semelhantes, via de regra, aconteceu na forma
de ampliao de um negcio de comercializao de tecidos lisos e estampados j
em funcionamento. A importao de tecidos lisos para posterior beneficiamento foi,
tambm, uma maneira encontrada de dar trabalho populao inglesa e manter as
relaes comerciais com a ndia no s pela compra dos tecidos, mas pela transferncia
de tcnicas (ou de ideias) necessrias boa impresso e que j era domnio daquele
povo desde a mais remota antiguidade. A questo relativa permanncia das cores
aps as lavagens ainda era o grande desafio a ser superado, j que, de acordo com
as descries dos produtos obtidos, fica claro o desconhecimento ingls acerca dos
processos qumicos necessrios ao desenvolvimento e fixao das cores, o que ainda
seria um problema durante algumas dcadas (THOMAS, 1924).
Essa deficincia seria superada apenas a partir de 1742, quando um missionrio francs
que esteve na ndia aproximou-se da tcnica de impresso em todas as suas etapas.
Padre Courdoux publicou os segredos para a impresso de tecidos desenvolvida pelos
indianos e que, na verdade, no era muito diferente do processo descrito por Plnio em
relao aos egpcios (PERCIVAL, 1923). Segundo o autor, o religioso teria afirmado que
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tanto os trabalhadores quanto os cientistas europeus no tinham conseguido alcanar as
cores e a sua estabilidade nos tecidos como os indianos, pois no possuam as mesmas
substncias corantes nem tampouco a sua gua, insumo auxiliar na preparao das tintas
para o tingimento e a pintura. No entanto, o domnio da tcnica foi insistentemente
perseguido pelos ingleses, que viam na estamparia de tecidos mecanizada, que utilizava
tcnicas de ornamentao velozes e permitia a repetio interminvel dos desenhos, um
modo de promover lucros incrveis aos fabricantes (CARDOSO, 2004).
O desenvolvimento da tcnica de estampar tecidos tambm havia sido estimulado
na Frana em funo do gosto pelas mercadorias indianas. Embora o surgimento
da estamparia naquele pas seja semelhante ao percurso ingls, sua implantao,
entretanto, foi mais planejada do que na Inglaterra: Ela [a indstria] foi possvel graas
instalao de uma colnia de armnios em Marselha, onde foi criado um porto-franco
por Colbert23 (1619-1683) em 1669. E nasceram os primeiros indiennes provenales
comparveis aos chafarcanis vindos do Levante (RENAU, 2000, p. 62) que, por sua vez,
eram inspirados tambm nos tecidos indianos:
Desde o sculo XVII, mas particularmente no XVIII, os tecidos indianos comearam a tornar-se moda no imprio otomano e, pelo menos para a camada mais alta, produtores otomanos comearam a imitar os tecidos indianos. O chafarcani era tecido e impresso na maioria das vezes em Diyabakir, no Kudisto, pondo fim velha produo txtil localizada nos centros iranianos e de Mosul. E a maioria destas tcnicas viajou com os mercadores armnios do Ir, especificamente de Nova Julfa, o subrbio de Isfahan, um assentamento de artesos e mercadores armnios do sculo XVII. (GEKAS, 2007, p. 12)
Segundo Raveux (2008), o aprimoramento da estamparia e dos negcios decorreu de
condies especficas favorveis, relativas tanto habilidade industrial, que abrange
a capacidade de absorver as tcnicas orientais e de estruturar-se para a produo,
quanto habilidade comercial, que diz respeito ao desenvolvimento de expanso dos
negcios para alm do territrio de produo.
Como o interesse popular pelos tecidos estampados foi equivalente, em alguns aspectos
concretos, ao cenrio ingls, as indstrias de l e de seda francesas sentiram-se igualmente
ameaadas. A partir de 1686, desse modo, a deciso legislativa oscilou entre a proibio e a
permisso das importaes, da produo local e at mesmo do uso de tecidos estampados.
23 Jean Baptiste Colbert, que serviu ao estado de 1665 a 1683, foi ministro de finanas francs da corte de Lus XIV.
45
17. Madame Moitessier, por Jean-August Dominique Ingres (1856).
Nesta obra Ingres apresenta a moda do perodo, atualizando a obra que
tinha sido iniciada muitos anos antes. O detalhamento do tecido,
onde a padronagem se acomoda ao panejamento, traduz a importncia
que a roupa tem para o artista na construo de seu retratado.
Fonte: National Gallery, Londres.
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Segundo Reath (1925), uma vez que a Frana est prxima de pases nos quais no
havia proibio de qualquer espcie fabricao, ao uso ou ao comrcio de tecidos
estampados, as presses para a nulidade dos embargos, bem como a informao
sobre a moda, eram bem mais fortes que na Inglaterra. Ao mesmo tempo, verificou-se
que internamente, dada a existncia dos portos livres, tanto a fabricao clandestina
quanto o