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1 LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM Requalificação urbana em áreas de risco à saúde devido à contaminação do solo por substâncias perigosas: Um estudo de caso na cidade de São Paulo Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo Área de concentração: Planejamento urbano e regional Orientador: Profa. Dra. Gilda Collet Bruna São Paulo 2005 Requalificação urbana em áreas de risco à saúde devido a contaminação do solo por substâncias perigosas um estudo de caso na cidade de São Paulo São Paulo 2005 Universidade de São Paulo Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

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Page 1: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

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LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

Requalificação urbana em áreas de risco à saúde devido à contaminação do solo por substâncias perigosas:

Um estudo de caso na cidade de São Paulo

Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo para obtenção do título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo Área de concentração: Planejamento urbano e regional Orientador: Profa. Dra. Gilda Collet Bruna

São Paulo 2005

Requalificação urbana em áreas de risco à saúde devido a contaminação do solo

por substâncias perigosasum estudo de caso na cidade de São Paulo

São Paulo 2005

Universidade de São PauloFaculdade de Arquitetura e Urbanismo

Page 2: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

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AUTORIZO A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE. Luís Sérgio Ozório Valentim [email protected]

Valentim, Luís Sérgio Ozório. V156r Requalificação urbana em áreas de risco à saúde devido

a contaminação do solo por substâncias perigosas: um estudo de caso na cidade de São Paulo / Luís Sérgio Ozório Valentim – São Paulo, 2005. 158 p. : il.

Dissertação (Mestrado) – FAUUSP Orientador: Profª. Drª. Gilda Collet Bruna

1. Requalificação Urbana – São Paulo (Cidade). 2. Contaminação

do solo – São Paulo (Cidade) 3. Riscos à saúde – São Paulo (Cidade) I. Título

CDU 711.4-168 (816.11)

Page 3: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

3

À Patrícia e Sofia que, de maneira enfática, me fizeram lembrar a necessidade de permanente

equilíbrio entre as atividades profissionais, acadêmicas e familiares.

À todos que buscam a superação de um modelo de produção agressivo ao meio ambiente e à

saúde humana.

Page 4: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

4

Meus sinceros agradecimentos àqueles que colaboraram decisivamente para a realização

desta dissertação, especialmente à Luiz Antônio Dias Quitério e Francisco Adrião Neves da Silva, pela gentileza e paciência na revisão do texto, à

Eneida R. B. Godoy Heck, que também gentilmente ajudou na busca de referências para

a pesquisa, e ao Prof. Nelson Gouveia pelo auxílio na finalização do trabalho.

À Profa. Dra. Gilda Collet Bruna pelo apoio

durante o processo de orientação.

Page 5: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

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RESUMO

VALENTIM, Luís Sérgio Ozório. Requalificação urbana em áreas de risco à saúde devido a contaminação do solo por substâncias perigosas: um estudo de caso na cidade de São Paulo. 2005. 158 p. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. Orientador: Orientador: Profª. Drª. Gilda Collet Bruna

A implantação da indústria na cidade de São Paulo é um fenômeno que teve origem na segunda metade do século XIX. Os recursos tecnológicos e sistemas de produção adotados nesse mais de um século de industrialização, especialmente aqueles próprios às primeiras fases da revolução industrial e ao modelo fordista, acarretaram um passivo ambiental que somente agora vem sendo devidamente avaliado. Como a distribuição espacial das atividades econômicas não se caracterizou pela homogeneidade, a localização das áreas contaminadas reflete a história da ocupação do território paulista. Deste modo, mais da metade das 1336 áreas atualmente diagnosticadas como contaminadas pela Cetesb estão localizadas na Região Metropolitana de São Paulo, com destaque para a capital paulista, que concentra cerca de um terço do total. Apesar de historicamente construído, apenas recentemente este passivo ambiental vem sendo considerado pela sociedade, que o tem entendido não apenas como um problema de ordem ambiental, mas também como uma preocupação de saúde pública e fator limitante do desenvolvimento urbano. A contaminação do solo na Vila Carioca, distrito do Ipiranga, é emblemática das relações históricas entre a cidade e suas forças produtivas, cujos impactos ao ambiente e à qualidade de vida se mostram hoje inaceitáveis e suscitam a busca de soluções amplas e integradas para sua superação.

Palavras-chave: requalificação urbana. Contaminação do solo. Riscos à saúde.

Page 6: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

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ABSTRACT

VALENTIM. Luís Sérgio Ozório. Urban requalification in risk areas due to soil contamination by hazardous substances: a case study in the city of Sao Paulo. Industrialization in city of Sao Paulo is a phenomenon of the second half of the 20th century whose technological resources and production systems, which were adopted until recently and belong to the first periods of the industrial revolution and to the fordist model, resulted in an environmental degradation that only recently has been satisfactorily evaluated. As the spatial distribution of economic activities was not characterized by homogeneity, the location of contaminated land mirror the history of occupation of the paulista territory. Therefore, more than half of the 1336 areas recently identified as contaminated by Cestesb are located in the Metropolitan Region of São Paulo especially in the city of São Paulo which hosts about one third of them. Although historically built, only recently this environmental degradation has been considered by society which have understand it not only as an environmental problem but also as a public health concern and a limiting factor for urban development. The soil contamination in Vila Carioca, Ipiranga District, is illustrative of the historical relations between the city and its production forces whose impacts in the environment and in quality of life are unacceptable and demand the search for broad and integrated solutions. Key-words: urban requalification. soil contamination. Health risks.

Page 7: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Fotos 1 e 2 Padrão de industrialização paulistana nas primeiras décadas do século XX 21

Fotos 3 e 4 Padrão de industrialização paulistana nas primeiras décadas do século XX 22

Fotos 5, 6 e 7-

Padrão de industrialização paulistana nas primeiras décadas do século XX 23

Fotos 8 e 9 Exemplo de novas imposições de atividades comerciais e de serviços em detrimento de usos industriais na capital.

35

Fotos 9 e 10 Exemplo de novas imposições sociais no uso do território urbano em detrimento de atividades industriais e de apoio à produção na capital.

36

Foto 11 - Instalações da empresa Shell do Brasil Ltda, município de Paulínia. 50

Foto 12 - Vista aérea da empresa Shell do Brasil, município de Paulínia. 50

Foto 13 - Vista aérea do conjunto Barão de Mauá, município de Mauá. 51

Foto 14 - Aterro industrial Mantovani, município de Santo Antônio de Posse. 51

Foto 15 Contaminação do solo por chumbo, município de Bauru. 52

Foto 16 - Avaliação médica do estado de saúde da população infantil exposta ao chumbo em Bauru.

52

Foto 17 - Estudo esquemático para avaliação de riscos à saúde, município de Campinas. 52

Foto 18 - Estudo da Secretaria de Estado da Saúde com vista aérea do lote da Sabesp, município de São Paulo.

52

Foto 19 - Vila Carioca e Ferrovia Santos-Jundiaí no contexto urbano da Região Metropolitana de São Paulo.

112

Foto 20 - Meio urbano e cenários gerais de riscos à saúde à saúde. panorama da Vila Carioca e entorno.

113

Foto 21 - Panorama geral da Vila Carioca, com instalações da Shell Brasil em primeiro plano.

132

Foto 22 - Panorama geral da Vila Carioca, com base da Petrobrás em primeiro plano. 132

Foto 23 Vila Carioca, com ribeirão dos Meninos em primeiro plano. 133

Foto 24 Vila Carioca, com residências em primeiro plano. 133

Foto 25 Vila Carioca com vista dos tanques da base de armazenamento de combustíveis da Shell.

134

Foto 26 Vila Carioca com ocupação de barracos em primeiro plano. 134

Foto 27 Vila Carioca em 1940. 139

Foto 28 Vila Carioca em 1954 139

Foto 29 Vila Carioca em 1968 140

Foto 30 Vila Carioca em 1976 140

Foto 31 Vila Carioca em 1986 141

Foto 32 Vila Carioca em 1994 141

Foto 33 Vila Carioca em 2001

142

Ilustração 1 Ilustração 2

Vila Carioca no contexto do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo Simulações da concentração de plumas de contaminação por dieldrin e chumbo no aquífero da Vila Carioca para os anos 2002 e 2012.

124

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Page 8: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

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SUMÁRIO Introdução.............................................................................................................................9 Capítulo 1 Industrialização, contaminação do solo e expansão urbana na capital paulista.........13

1.1 Origens do problema................................................................................................17 1.2 Alterações na geografia da produção: desconcentração e desmonte industrial......28 1.3 O legado ambiental: áreas contaminadas no meio urbano......................................37

1.3.1 Conceitos básicos.............................................................................................37 1.3.2 A situação dos países desenvolvidos...............................................................41 1.3.3 Áreas Contaminadas como problema de relevância pública no Brasil.............44 1.3.4 O diagnóstico das áreas contaminadas............................................................54

Capítulo 2 Políticas públicas de regulação de riscos e desenvolvimento urbano.........................59

2.1 Riscos sanitários e ambientais.................................................................................62 2.2 Histórico da regulação de riscos e zoneamento das atividades produtivas potencialmente poluidoras..............................................................................................65 2.3 Regulação de riscos e áreas contaminadas.............................................................73

2.3.1 As iniciativas pioneiras no Estado de São Paulo............................................74 2.3.2 Áreas contaminadas como fator limitante do desenvolvimento urbano da

capital paulista................................................................................................78

Capítulo 3 Requalificação urbana de áreas contaminadas................................................................86

3.1 Renovação, revitalização, requalificação e outras intervenções no ambiente urbano.................................................................................................88

3.2 Reabilitação de áreas industriais degradadas..........................................................95 3.3 Bases legais e econômicas para requalificação de áreas contaminadas no

município de São Paulo.........................................................................................101 3.31 Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) no contexto da

requalificação urbana de áreas contaminadas...............................................104

Capítulo 4 Estudo de caso: contaminação do solo na Vila Carioca...............................................107

4.1 Evolução urbana na região da Vila Carioca...........................................................108 4.2 Novas políticas públicas para o disciplinamento do uso e ocupação do solo e

fomento ao desenvolvimento urbano da região....................................................122 4.3 A contaminação ambiental decorrente das atividades da empresa

Shell do Brasil......................................................................................................125 4.4 Requalificação urbana como instrumento para garantia da saúde e melhoria da qualidade de vida na Vila Carioca..................................................143

Conclusão..........................................................................................................................152 Referências bibliográficas................................................................................................154

Page 9: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

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Introdução

O objeto da pesquisa. A contaminação do solo urbano por substâncias

químicas perigosas, decorrente das atividades industriais desenvolvidas à margem

das preocupações ambientais, em especial naquelas regiões do Estado de São

Paulo mais ativas economicamente, só recentemente tem sido objeto de atenção por

parte do poder público.

Em dezembro de 2004, a Cetesb, agência ambiental vinculada à

Secretária de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, divulgou listagem atualizada

com 1336 áreas contaminadas no território paulista. Estes dados, porém, segundo

as próprias autoridades ambientais, representam ainda pequena parcela do

problema, cuja extensão depende de uma avaliação mais sistemática e abrangente

por parte do poder público e das empresas envolvidas. Estimativas preliminares,

baseadas no histórico da industrialização e no parque industrial hoje instalado no

Estado, além da distribuição geográfica de outras atividades econômicas

potencialmente poluidoras, como os postos de combustível, conduzem a um

horizonte de alguns milhares de áreas contaminadas.

Como a distribuição espacial das atividades econômicas no Estado nunca

se caracterizou pela homogeneidade, a localização destas áreas reflete a história da

ocupação do território paulista. Deste modo, mais da metade das áreas hoje

diagnosticadas como contaminadas estão localizadas na Região Metropolitana de

São Paulo (RMSP), com destaque para a capital paulista, que concentra cerca de

um terço do total.

Interessa-nos especialmente neste trabalho as áreas cujas características

evidenciam impactos ao meio que extrapolam o limite da propriedade do

empreendimento, trazendo repercussões ao entorno, e aquelas sujeitas a mudanças

de uso. São áreas com potencial de provocar riscos mais significativos à saúde

pública e alterações na qualidade do tecido urbano.

Page 10: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

10

Justificativa da pesquisa. A pesquisa procura compreender os processos

que geraram o passivo ambiental relativo à contaminação do solo na capital paulista,

as iniciativas da sociedade para minimizar os riscos decorrentes desses impactos e

os instrumentos hoje disponíveis para seu enfrentamento; considerados como

elementos imprescindíveis para subsídio às políticas voltadas à requalificação

urbana de expressivas áreas do tecido urbano paulista.

Descrição do problema. A implantação da industria na cidade de São

Paulo é um fenômeno que data da segunda metade do século XIX, cujos recursos

tecnológicos e sistemas de produção adotados até recentemente, próprios às

primeiras fases da revolução industrial e ao modelo fordista, acarretaram um passivo

ambiental que somente agora vem sendo devidamente avaliado.

A reestruturação produtiva da indústria nestas últimas décadas, decorrentes

da adoção de novos modelos econômicos, propiciou um deslocamento e maior

mobilidade dos empreendimentos. Neste contexto, grandes áreas são

disponibilizadas para novos usos, favorecendo eventuais exposições da população a

substâncias perigosas porventura existentes nesses sítios.

O aprimoramento da avaliação e controle das fontes poluidoras por parte do

poder público tem demonstrado que em muitas ocasiões as atividades produtivas

geraram impactos que extrapolam os limites de suas propriedades. Tal situação se

traduz em impactos ao meio ambiente, riscos à saúde pública e interferências na

qualidade do tecido urbano, induzindo ao desenvolvimento de políticas públicas

integradas para o seu enfrentamento.

Esta triste herança de um modo de produção pouco sustentável

ambientalmente, que apenas agora se apresenta de forma mais clara aos olhos da

sociedade, possui extensão e complexidade tal que demandam a definição de

políticas públicas mais amplas e integradoras. Neste sentido, as áreas contaminadas

não se circunscrevem apenas a um problema público de ordem ambiental, mas

também de saúde pública e de qualidade do ambiente urbano.

Se o conhecimento hoje disponível não nos permite identificar com precisão a

extensão dos impactos de cada uma das 1336 áreas contaminadas até o momento

Page 11: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

11

cadastradas no Estado de São Paulo, casos como o da contaminação por

organoclorados e outras substâncias nocivas à saúde na Vila Carioca no município

de São Paulo, entre outros, demonstram a necessidade de um olhar mais atento

sobre o problema. Tais casos alteram a condição ambiental do solo, interferindo na

qualidade urbana do entorno destas fontes de poluição, uma vez que restringem,

quando não impossibilitam, os usos e ocupação desses locais.

Os objetivos da pesquisa. O contexto acima descrito motivou a elaboração

da pesquisa, que procura abordar os impactos no solo urbano decorrentes dos

processos históricos de industrialização na cidade de São Paulo para, sob o ponto

de vista dos riscos à saúde e da melhoria da qualidade de vida, indicar instrumentos

e pressupostos para subsídio às políticas públicas de requalificação urbana em

áreas contaminadas.

As hipóteses levantadas. O planejamento urbano em regiões com número

significativo de áreas contaminadas necessita levar em consideração as

características ambientais dessas áreas e incorporar repertório e metodologias de

avaliação de riscos à saúde. Ao mesmo tempo, políticas ambientais e de saúde

pública devem interpretar o ambiente urbano como elemento determinante e

condicionante da qualidade de vida e bem-estar da população.

Além disso, em oposição à medidas mais radicais de remoção de

populações, abandono de áreas e custosas medidas de remediação, a adoção de

técnicas de desenho urbano específicas, focadas na exposição e nos riscos à

saúde, podem ser elemento importante na requalificação dessas áreas.

A metodologia adotada. Para atender aos objetivos propostos, a pesquisa

procura (i) sistematizar, analisar e interpretar o conhecimento disponível a respeito

da dinâmica da localização industrial no município de São Paulo e seus reflexos na

qualidade ambiental do solo e na configuração do meio urbano, (ii) levantar e avaliar

as políticas públicas voltadas à regulação dos riscos decorrentes das atividades

produtivas e de seus passivos ambientais, (iii) levantar e avaliar os conceitos,

instrumentos e mecanismos disponíveis para requalificação urbana de áreas

contaminadas, (iv) coletar dados e informações referentes a caso de contaminação

do solo ocorrido na cidade de São Paulo, representativo da problemática abordada

Page 12: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

12

na pesquisa, com análise e interpretação das soluções até então adotadas pelo

poder público para minimização de riscos e avaliação de instrumentos e

mecanismos disponíveis para requalificação urbana da área.

Conteúdo e estrutura básica da pesquisa. O trabalho se divide em 4

capítulos, estabelecendo como recorte geográfico a cidade de São Paulo, cujo

modelo histórico de exploração do território se mostrou mais intenso do ponto de

vista econômico e dramático sob o enfoque ambiental. Quanto ao ponto de inflexão

do problema, o estudo considera, mais do que o próprio processo histórico de

contaminação - variável em intensidade, porém sistemático na cidade de São Paulo

desde a segunda metade do século XIX -, o recente despertar do poder público e da

sociedade em geral para a questão, que tem possibilitado o desenvolvimento de

mecanismos mais efetivos de regulação e controle.

O Capítulo 1 procura identificar e descrever o objeto de estudo, fazendo

para isto uma síntese histórica do processo de industrialização e seus impactos no

meio urbano paulistano, de forma a subsidiar um melhor entendimento do estado

atual da questão.

No Capítulo 2 são abordadas as formas de enfrentamento do problema e a

busca de alternativas por parte da sociedade, com ênfase no aprimoramento de

mecanismos legais e instrumentais metodológicos pelo poder público.

O Capítulo 3 trata dos conceitos referentes às alterações ou intervenções no

meio urbano e dos instrumentos legais e econômicos para requalificação urbana das

áreas contaminadas.

No Capítulo 4 é analisado um caso representativo e emblemático do

problema aqui tratado: a contaminação ambiental por organoclorados e metais

pesados oriundos da base de estocagem de combustíveis da empresa Shell do

Brasil na Vila Carioca, distrito do Ipiranga, na capital paulista. São abordados

também pressupostos para requalificação urbana de áreas como a aqui estudada.

Page 13: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

13

Capítulo 1

Industrialização, contaminação do solo e

expansão urbana na capital paulista

Page 14: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

14

Capítulo 1

A Bosch do Brasil anunciou que vai fechar a fábrica de

Santo Amaro, onde trabalham 990 funcionários, e

transferir a linha de produção da divisão de autopeças

para a unidade de Campinas (SP). Segundo a empresa,

a mudança faz parte de um projeto de reestruturação e

que o fechamento será feito até o final de 2004.

O Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo vai fazer um

protesto na próxima Segunda-feira na empresa porque

teme a demissão dos trabalhadores.

A Bosch informou em comunicado oficial que “trabalha

com o intuito de transferir seus colaboradores”.

(Bosch decide fechar fábrica de Santo Amaro, in jornal

Folha de São Paulo. 20 de setembro de 2003)

A gênese da industrialização paulistana remonta à segunda metade do

século XIX. Tal processo, ao mesmo tempo que se configurou como reflexo do

modelo de produção dos países centrais, cuja industrialização teve início muito

anteriormente, apresentou características próprias aos países periféricos e

peculiaridades locais.

Porém, tanto lá, nos países detentores das tecnologias de produção

industrial, como aqui, a marcha intensa da indústria causava perplexidade e

sentimentos contraditórios. Esperança, ante a possibilidade do desenvolvimento

econômico, de uma nova vida, livre das privações do passado, e medo, do

desconhecido, dos efeitos colaterais que os discursos progressistas procuravam

minimizar.

Especialmente a partir de 1890, a indústria paulistana demandou

localizações cujos atributos incluiam espaços amplos e planos, proximidade da água

Page 15: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

15

e de meios de transporte. Desta forma, seria possível instalar suas unidades ainda

pouco otimizadas em termos espaciais, desfazer-se dos efluentes ainda não sujeitos

a um controle sanitário e ambiental mais efetivo e escoar mais facilmente os

produtos ainda com pouco valor agregado. Por esse motivo, a indústria se fixou

primeiramente próxima à ferrovia Santos-Jundiaí, às margens dos rios Tietê e

Tamanduateí, em bairros como Lapa, Barra Funda, Bom Retiro, Brás, Mooca e

Ipiranga.

São nesses bairros que a partir de então se manifestam as primeiras

contrariedades ante o desconforto advindo da chaminé, do barulho do tráfego e do

maquinário pesado, do mal cheiro dos corpos d’água já poluídos e dos terrenos

cobertos por rejeitos da produção. O temor das pestes, dos males advindos da

contaminação microbiológica do meio, resultante da impossibilidade de tratar os

efluentes sanitários oriundos dos novos adensamentos populacionais urbanos não

planejados, se somava aos incômodos e agravos causados pela degradação

ambiental por diferentes substâncias químicas descartadas pelas indústrias.

A partir de 1950 a geografia da produção na cidade adquire novas

configurações. Os antigos bairros industriais perdem as vantagens locacionais

características das primeiras décadas da implementação da indústria, cedendo lugar

a bairros mais periféricos ou a municípios vizinhos à São Paulo. A alteração dos

padrões de assentamento das atividades secundárias, cujas tendências se

acentuam nas últimas décadas, permite que novos destinos sejam dados às antigas

regiões pioneiras da industrialização paulistana. Tal processo, ao mesmo tempo que

proporciona o aproveitamento da infra-estrutura já disponível nas áreas mais

centrais, minimizando a tendência de espraiamento da mancha urbana, aproxima a

cidade de seus passivos ambientais, favorecendo riscos sanitários e ambientais.

Desta maneira, os passivos ambientais decorrentes de um modelo de

produção historicamente alienado das práticas de preservação ambiental, aliado ao

dinamismo urbano, tem sido responsável por situações de risco, como a implantação

de condomínios residenciais, shopping centers e mesmos favelas em áreas de

antiga disposição irregular de rejeitos industriais e a contaminação de áreas

Page 16: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

16

ocupadas no entorno de empreendimentos voltados à manipulação ou estocagem

de substâncias tóxicas.

O progressivo aumento da capacidade do poder público em licenciar as

atividades potencialmente poluidoras e diagnosticar aquelas áreas já contaminadas

permite hoje atribuir relevância ao problema em termos ambientais, de saúde pública

e de desenvolvimento urbano.

Page 17: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

17

1.1 Origens do problema

É na segunda metade do século XIX que a cidade de São Paulo começa a

tomar novas feições. Com o café e o trem veio a água e a luz. No último quartel do

século XIX a Companhia Cantareira e a Companhia Paulista de Força e Luz iniciam

suas atividades na capital. Logo depois, o Viaduto do Chá tornou mais efetiva a

ligação entre a velha e a nova cidade. São Paulo, com o Neoclássico e o Art-

noveau, com Ramos de Azevedo e Victor Dubugras, com o Liceu de Artes e Ofícios,

inicia a era em que, no dizer de Benedito Lima de Toledo, passa a construir “em

cima”, em vez de construir “ao lado” (TOLEDO, 1981: 105). Desde então vão se

transpondo e alterando os acidentes naturais do sítio urbano, ocupando-se os vales

dos rios e tornando mais complexa a leitura formal da cidade. Sérgio Milliet indica

bem os rumos da expansão da cidade nesta época: “Em verdade São Paulo já

projetava seus tentáculos pelos campos do Brás e colinas que o rodeiam [...]”

(MILLIET, 1982:141).

E foi a partir desta região, margeando a estrada de ferro Santos-Jundiaí,

construída entre 1860 e 1868, que as indústrias de São Paulo e do ABC se

instalaram de forma mais significativa. Rolnik (2003: 78) descreve com detalhes a

situação

Nas várzeas do Tamanduateí e Tietê, junto às estações ferroviárias,

ao longo das estradas de ferro, desenvolveu-se, em face do baixo

preço dos terrenos e da facilidade de transporte dos produtos, o

parque industrial paulistano, constituído principalmente por empresas

de porte médio e pequenas oficinas, fabriquetas e ateliês, muitos

deles de caráter doméstico. Assim Brás, Bom Retiro, Mooca, Água

Branca, Lapa, Ipiranga foram loteados e cresceram rapidamente

marcados por uma paisagem de fabriquetas, casebres, vilas e

cortiços. Por volta de 1901, concentraram-se nesses núcleos as

indústrias mais expressivas, coexistindo ao lado de um incalculável

número de tendas de sapatarias, marcenarias, fábricas de macarrão,

graxas, óleos, tintas, fundições, tinturarias, fábricas de calçados,

Page 18: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

18

roupas, chapéus, além de ateliês domésticos que produziam

alimentos, bebidas e produtos químicos como sabão e velas.

Tal quadro, de acordo com Santos (1982: 89), reproduzia uma característica

comum ao modelo de urbanização e industrialização dos países subdesenvolvidos

Nos dois períodos anteriormente citados [antes da primeira guerra e

entre as duas guerras], mostrou-se que a industrialização levara à

criação de numerosos empregos, graças a um aumento da produção

pela agregação de novas unidades e graças a uma preservação do

artesanato e à criação de indústrias aptas a sobreviver com um nível

antigo de produtividade [...].

O potencial de impacto ao ambiente dessas indústrias podia ser pressentido

na própria denominação de alguns logradouros públicos que surgiam em razão da

expansão industrial. A antiga rua do Formicida – hoje avenida Goiás, em São

Caetano do Sul –, por exemplo, devia seu nome ao forte odor originário da Fábrica

de Formicida Paulista, instalada em 1890 nessa via.

O crescimento populacional de 268% em apenas 10 anos, passando de

64.934 habitantes em 1890 para 239.820 em 1900, ilustra bem as transformações

urbanas por que passou a capital da então província de São Paulo na transição do

século. A partir daí, “a indústria emerge da tempestade do encilhamento solidamente

estabelecida, principalmente o ramo da fiação e da tecelagem” (SINGER, 1968: 46).

Segundo ainda o autor, entre os anos de 1907 e 1920 o Estado de São Paulo

aumenta sua participação no total da produção industrial brasileira de 16,5% para

31,5%. A magnitude deste processo pode ser avaliada pelo número de empregados

na indústria de transformação do estado: em 1907 o censo industrial registrava

24.686 operários, em 1919 este contingente saltou para 80.782, em 1928 já eram

158.746 as pessoas empregadas na indústria (NEGRI, 1996: 36).

No entanto, a expansão da malha urbana e a escalada industrial, conduzida

na época sem qualquer parâmetro e controle ambiental, começavam a ser

entendidos como ameaça aos recursos naturais: em 1911,

Page 19: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

19

[...] o fiscal de rios de São Paulo, Dr. José Joaquim de Freitas,

alertava já naquele começo de século, no qual o crescimento da

população e o desenvolvimento industrial estava em marcha, que a

poluição das águas do rio Tietê estava começando a causar

preocupação (ROCHA, 1997: 24).

Para consolo de nossa gente, tal condição não era prerrogativa de São

Paulo, mas comum àquelas cidades que receberam, e concentraram, grande

número de instalações fabris. Com ressalvas de ordem temporal e de magnitude dos

impactos, não se pode dizer que os problemas sanitários e ambientais das cidades

industriais européias fossem diversos do cenário aqui encontrado. Engels, em texto

de 1872, assim narra a situação

Quando vemos que, só aqui em Londres, se deita diariamente ao

mar, com gastos enormes, uma quantidade de adubos superior à

produzida em todo o reino da Saxónia e que colossais instalações se

tornam necessárias para impedir que esses adubos envenenem toda

a cidade de Londres,[...]. E mesmo a relativamente insignificante

cidade de Berlim se afoga desde a pelo menos trinta anos nos seus

próprios lixos (ENGELS, 1984: 98).

Tanto lá, como depois aqui, os mesmos efeitos negativos de um novo

modelo de produção e de ocupação do espaço urbano se faziam sentir. Hobsbawm

indica o ponto de inflexão deste cenário

Depois de 1830 (ou por esta época) a situação muda rápida e

drasticamente, a ponto de, por volta de 1840, os problemas sociais

característicos do industrialismo – o novo proletariado, os horrores da

incontrolável urbanização – se transformarem no lugar-comum de

sérias discussões na Europa Ocidental e no pesadelo dos políticos e

administradores (HOBSBAWM, 1977: 192).

Foucault qualifica como “medo urbano” o sentimento decorrente do

aparecimento de uma nova classe, operária e pobre, nas grandes cidades a partir do

final do século XVIII

Page 20: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

20

[...] medo da cidade, angústia diante da cidade que vai se

caracterizar por vários elementos: medo das oficinas e fábricas que

estão se construindo, do amontoamento da população, das casas

altas demais, da população numerosa demais; medo, também, das

epidemias urbanas, dos cemitérios que se tornam cada vez mais

numerosos e invadem pouco a pouco a cidade; medo dos esgotos,

das caves sobre as quais são construídas as casas que estão

sempre correndo o risco de desmoronar (FOUCAULT, 1979: 87).

Sobre os aspectos de ordem urbana na cidade de São Paulo do início do

século XX, Bandeira Júnior narra assim a situação da época

Nem um conforto tem o proletário nesta opulenta e formosa capital.

Os bairros em que mais se concentram por serem os que contêm

maior número de fábricas, são os do Brás e do Bom Retiro. As casas

são infectas, as ruas, na quase totalidade não são calçadas, há falta

de água para os mais necessários misteres, escassez de luz e

esgotos (BLAY,1985: 52).

Aliás, situação mais uma vez muito parecida com as descrições de Engels:

[...] os chamados ”bairros maus” onde os operários estão apinhados

são os focos de todas as epidemias que de tempos a tempos afligem

nossas cidades. A cólera, o tifo e a febre tifóide, a varíola e outras

doenças devastadoras espalham os seus germes no ar pestilento e

na água contaminada destes bairros operários”. (ENGELS, 1984:

47).

Segundo Benevolo, entre os fatores que influenciaram a ordem das cidades

e do território no período da revolução industrial na Europa, está a desvalorização

das formas tradicionais de controle público do ambiente construído, decorrentes das

tendências liberais do pensamento político vigente na época. O desenvolvimento

tecnológico orientado para a máxima eficiência da produção, independente dos

impactos negativos gerados, aliado a uma necessidade crescente de mão de obra,

induzia também à uma miscelânea de diferentes usos do solo, na época pouco

compatíveis entre si. Situações incompatíveis mas toleradas, conforme descrição do

autor: “As fábricas perturbam as casas com as fumaças e o ruído, poluem os cursos

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21

Foto 1. Padrão de industrialização paulistana nas primeiras décadas do século XX.Vista do bairro do Brás,município do São Paulo. Sem data . (Arquivo Edgard Leuenroth)

Foto 2. Padrão deindustrializaçãopaulistana nas

primeiras décadas doséculo XX.

Interior de Indústria.(Arquivo Edgard

Leuenroth)

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Fotos 3 e 4. Padrão de industrialização paulistana nas primeiras décadas do século XX. CotonifícioCrespi. (Arquivo Edgard Leuenroth)

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Fotos 5,6 e 7. Padrão deindustrializaçãopaulistana nas primeirasdécadas do século XX.Interior de fábrica (ArquivoEdgard Leuenroth)

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de água, e atraem um trânsito que deve misturar-se com o das casas.”(BENEVOLO,

1983: 566).

Parte significativa da poluição e contaminação do meio urbano se devia ao

desenvolvimento da química industrial, cuja origem na Europa remonta ao final do

século 18, principalmente em razão da demanda por soda (carbonato de sódio)

utilizada na fabricação de sabões e alvejantes. Conforme Robsbawm (1977: 305),

A revolução que transformou a astronomia e a física em ciências

modernas ocorrera no século XVII; a que criou a química estava em

pleno desenvolvimento no início do nosso período [1789-1848]. De

todas as ciências, esta foi a mais íntima e imediatamente ligada à

prática industrial, especialmente os processos de tingimento e

branqueamento da indústria têxtil.

Ao final do século XIX a indústria química conheceu grande

desenvolvimento, em particular na Alemanha e depois nos Estados Unidos. Por volta

de 1920 instalaram-se no Brasil as primeiras subsidiárias de indústrias americanas e

européias do setor químico, automobilístico e de eletrodomésticos.

Reflexo dessas tendências mais amplas de industrialização e expansão das

cidades, em 1920, o recenseamento federal, efetuado pelo Ministério da Agricultura,

Indústria e Comércio, já contabilizava 72.869 prédios na capital, sendo 10 acima de

5 andares (BRASIL,1924). A cidade criava, ou incorporava, novos distritos, iniciava o

processo de verticalização e se industrializava. Este mesmo censo registrava 1.214

fábricas ou oficinas na cidade, 43% do existente no Estado e quase 10% do país.

Eram, em especial, as fábricas têxteis, de vestuário ou tocador, de couros e peles,

de madeiras, cerâmicas ou de alimentação que empregavam boa parte da

população do município.

Apenas as indústrias classificadas como têxteis, de vestuário ou tocador

ocupavam 44.866 paulistanos. Paulistanos ou imigrantes, é necessário lembrar, pois

em determinadas faixas etárias havia muito mais estrangeiros que naturais do Brasil.

Negri (1996: 38) menciona que em 1928

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25

[...] o setor têxtil e a indústria de produtos alimentícios juntos

respondiam por mais da metade da indústria paulista (pessoal

ocupado e valor da produção). Os demais setores mais expressivos

eram o de vestuário, calçados e artefatos de tecidos, química,

perfumaria, sabões e velas, minerais metálicos e metalurgia.

Nesse aspecto, a predominância inicial das fábricas de produtos têxteis e

alimentícios em São Paulo traz reflexos dos primórdios da industrialização ocorrida

na Europa. Comentando sobre o período de 1830 a 1848, Hobsbawm afirma que

Como na Grã-Bretanha, os bens de consumo – geralmente têxteis,

mas às vezes também produtos alimentícios – lideraram estas

explosões de industrialização; mas os bens de capital – ferro, aço,

carvão etc. – já eram mais importantes do que na primeira revolução

industrial inglesa (HOBSBAWM, 1977: 193).

O setor têxtil estava voltado na época à fiação e tecelagem de algodão, de

lã, de malha e de seda, além do beneficiamento de algodão. No ramo alimentício

destacava-se a produção e refinação de açúcar e o de carnes e derivados, com

participação importante também dos moinhos de trigo, beneficiamento de café,

arroz, mandioca e milho e fabricação de chocolate, balas, bombons caramelos,

massas alimentícias e óleos vegetais. No ramo das bebidas, cabia destaque para a

fabricação de licores, xaropes, gasosos, cervejas e demais bebidas alcoólicas. A

indústria de minerais não-metálicos produzia cal e cimento, tijolos, telhas, ladrilhos e

mosaicos, espelhos, vidros lapidados, vidros, garrafas, louça de pó de pedra. Na

metalurgia, destacava-se a produção de ferros esmaltados, artefatos de alumínio,

ferro, aço e bronze, serralherias e fundições.

Na especialidade da mecânica sobressaiam as indústrias de máquinas,

equipamentos, peças e acessórios de reposição para a agricultura e outras

indústrias como a têxtil, de chapéus, metalúrgicas etc. A indústria de material de

transportes era formada basicamente pelas oficinas de reparação e conserto de

veículos e produção de peças para locomotivas, carros e vagões. No ramo da

química tinham maior relevância as unidades de produção de anilinas, ácido

carbônico, carbonatos, fosfatos e silicato, fósforos, pólvoras, explosivos, inflamáveis

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e fogos artificiais, adubos, tintas, vernizes e esmaltes, extração de óleos vegetais e

fiação de seda artificial (NEGRI, 1996).

Embora não fosse considerado relevante à época, convém assinalar alguns

impactos ambientais associados aos ramos de atividade industrial então

emergentes. O setor têxtil (beneficiamento e acabamento de fios e tecidos) é fonte

potencial de contaminação do solo e das águas subterrâneas por chumbo, cobre,

cromo, cianetos, hidrocarbonetos e aminas aromáticas. Já as indústrias alimentícias

(considerando apenas os abatedouros, matadouros e frigoríficos) podem contaminar

o solo e águas subterrâneas especialmente com sódio. Os principais contaminantes

da indústria química são os ácidos, bases, metais, solventes, fenóis e cianetos. No

ramo da perfumaria, destacam-se os óleos e graxas, glicerina, chumbo e zinco. A

fabricação de sabões e detergentes produz especialmente resíduos com fluoreto e

surfactantes. A indústria de minerais metálicos gera ferro, chumbo, alumínio, cobre,

cromo, cádmio, estanho, níquel, manganês, vanádio e antimônio. Na metalurgia

básica são gerados ferro, cádmio, chumbo, cobre, cromo, bário, níquel, antimônio,

cianetos, asbestos, bifenilas policloradas-PCB, solventes, hidrocarbonetos, tintas,

óleos e graxas.

Essas indústrias, e seus passivos, acompanhavam os eixos de crescimento

da capital. Observando as estatísticas de nascimentos na cidade de São Paulo, é

possível verificar para onde a cidade se dirigia. O Brás, bairro que registrou maior

número de nascimentos no ano de 1901, dividia, 17 anos depois, este posto com

novos distritos. Em 1918, Brás, Mooca e Belenzinho, bairros localizados às margens

do Tamanduateí e da estrada de ferro, foram os que registraram maior número de

nascimentos: 41% de todo o setor dito urbano do município (BRASIL, 1924).

Rolnik (2003:165) afirma que o padrão urbanístico de São Paulo na segundo

metade dos anos 20 do século passado já estava baseado na expansão horizontal,

no ônibus e no automóvel como meios de transporte, na autoconstrução dos

assentamentos populares e numa quase total irregularidade perante as leis e

códigos que determinavam o uso e a ocupação do solo da cidade. Langenbuch

(1970: 131) entende que “Entre 1915 e 1949 os arredores paulistanos são sujeitos a

uma série de processos evolutivos.” Segundo o mesmo autor, por volta de 1930 “As

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divisas municipais começam a perder o seu sentido”, quando se inicia o processo de

metropolização (1970: 138). Para Negri (1996: 29), neste período já haveria uma

diversificação significativa da industria paulista,

[...] com a implantação de segmentos que recebem políticas

específicas de incentivos como cimento e siderurgia. Com a

superação do problema de limitação na capacidade para importar na

segunda metade da década [1920] implantam-se várias unidades de

ramos mais dinâmicos e complexos como cimento, siderurgia, fibras

químicas para o setor têxtil, equipamentos agrícolas, teares,

implementos agrícolas etc.”

Segundo ainda Negri, a década de 1920, trouxe “[...] um primeiro ensaio de

participação do capital estrangeiro na forma de investimentos diretos na indústria,

[...]” (1996: 33).

Na década de 1930 novos ramos industrias ganham destaque

Entre as indústrias que produzem bens intermediários, os maiores

crescimentos se deram na química e metalurgia. Na primeira,

percebe-se o incremento na produção de derivados de petróleo e

carvão, de fios artificiais e matérias plásticas (até então não

fabricados), de óleos e essências vegetais e matérias graxas animais

e da farmacêutica, num claro processo de expansão e diversificação

da indústria química nacional. Na metalurgia são introduzidos dois

novos segmentos: a siderurgia e metalurgia dos não-ferrosos

(NEGRI, 1996: 61).

Em 1935, Milliet (1982: 30) menciona a existência de 3.966 fábricas na capital,

ocupando 120.773 operários.

Ancorada na indústria, a expansão urbana da cidade se acentua e ganha

novos contornos, conforme relato de Nóbrega ( 1978: 67) nos anos 40

Até hoje, pelos meandros caprichosos do Tietê, que se ligam pelos

canais de rega e pelas calmas lagoas deixadas pelas enchentes,

trafegam as barcaças carregadas até a borda, lentas e pesadas, à

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força do varejão, carregando materiais para os arranha-céus da

cidade.

Os impactos ao meio natural desta cidade que o rio ajudava a construir

podem ser observados no mesmo relato ao descrever as embarcações que

percorriam o Tietê: “À proa, o fogareiro de carvão, em que se cozinha o almoço. E o

ancorote de água potável, que a do Tietê é poluida pelos esgotos da cidade e pelos

despejos das indústrias que fumegam às suas margens (NÓBREGA,1978: 67).

As indústrias que no decorrer da década de 40 “fumegavam às margens do

Tietê” caracterizavam o Estado de São Paulo, em particular sua capital, como “[...]

indubitavelmente, a maior aglomeração de capacidade manufatureira em toda a

América Latina” (DEAN, s/d: 20).

1.2 Alterações na geografia da produção: desconcentração e

desmonte industrial

Nos anos 50, as indústrias do município de São Paulo que produzem

material de transporte e elétrico ultrapassam as têxteis em termos do valor do

produto industrial (SINGER, 1968: 59). Segundo o autor, a supremacia dos bens de

produção em relação aos bens de consumo na capital podia ser explicada pelo

demanda resultante do desenvolvimento industrial do restante do país. O autor

destaca o papel da capital paulista neste contexto

São Paulo ocupa uma posição especial dentro do processo [de

desenvolvimento industrial], pois ele se encontra na vanguarda da

transformação do parque industrial brasileiro. O que no plano

nacional aparece como tendência incipiente, manifesta-se em São

Paulo com força invulgar (1968: 60).

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Acrescente-se como informação, que as atividades industriais consideradas

(material de transporte e elétrico) podem produzir poluentes como ferro, cádmio,

chumbo, cobre, cromo, berílio, cianetos, hidrocarbonetos, ácidos e solventes.

É nos anos 50 que, conforme Grillo (1997), se inicia o declínio do transporte

ferroviário e a valorização e expansão das rodovias1. A Nitro-Química, implantada

em 1935 no bairro de São Miguel, extremo leste da capital, é ilustrativa deste

modelo, em superação, de ocupação do território baseado na ferrovia, cujos

impactos ambientais quase sempre eram relegados a segundo plano. Segundo

Langenbuch (1970: 142), a Nitro-Química

[...] aí encontrou um excelente sítio para sua implantação: terreno

grande e plano limitado de um lado pela novel ferrovia; a qual era

ligada por desvio, e de outro lado pelo rio Tietê, que garantia o

abastecimento de água, necessária em grande quantidade nas

indústrias químicas. O fato de o local ainda não ter conhecido

nenhum desenvolvimento, nesse caso específico, ao invés de ser

desfavorável, era conveniente em virtude dos fétidos resíduos

gasosos expelidos pela fábrica, que poderiam provocar problemas

em áreas habitadas.

Altera-se, a partir de então, a preferência tradicional das indústrias pelo

trinômio ferrovias-terrenos planos-água, que conferiam às várzeas do Tamanduateí

e do Tietê vantagens locacionais. Nesse período, verifica-se a tendência de

saturação da “Faixa Industrial de Beira-linha” e da “Zona Mista Sub-Ferroviária”,

com a diminuição da oferta de grandes lotes em decorrência da expansão do uso

residencial e a substituição deste tipo de uso em muitas das edificações por

armazéns.

De acordo com Grillo, citando Langenbuch, a Faixa Industrial de Beira-linha

corresponde às margens de Ferrrovia Santos-Jundiaí, no trecho compreendido entre

a Lapa e Utinga (localidade situada adiante de Santo André). Já a Zona Mista Sub-

1 Villaça (1998:136) entende que “[...] os transportes sempre foram, em qualquer modo de

produção, os maiores modeladores do espaço, tanto intra-urbano como regional”. No caso dos transportes urbanos, o autor lembra que eles “[...] não provocam crescimento urbano, apenas atuam sobre o arranjo territorial desse crescimento” (1998: 70).

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Ferroviária abrange os bairros mais afastados da ferrovia, que apresentam maior

diversificação do solo, principalmente com a presença do uso residencial, além do

industrial. Segundo Langenbuch, após a Primeira Guerra “a faixa industrial da Beira-

linha conhece um adensamento de fábricas no trecho já anteriormente definido

(entre Barra Funda e Mooca), enquanto outros estabelecimentos a prolongam em

ambas as direções, passando mesmo a ocupar trechos varzeanos, até então

evitados. Dessa maneira, já em 1930 pode ser notada uma fileira contínua de

fábricas e armazéns, estendendo-se desde a Lapa até um pouco adiante da estação

Ipiranga” (GRILLO, 1997: 24).

Para Schiffer (1999: 88) os anos 50 inauguram um novo estágio de

industrialização nacional, privilegiando o principal pólo econômico nacional (São

Paulo) e o capital estrangeiro. Deste modo, a segunda metade da década de 50

seria marcada por uma fase da “industrialização pesada”, com o incremento de bens

de consumo e de produção, consolidando-se a posição de liderança do Estado de

São Paulo na economia nacional.

Os dados do censo industrial de 1960 confirmam este cenário de

concentração industrial. Ele registra que 51% do produto industrial do Estado de São

Paulo era originário da sua capital. Singer, no entanto, ressalva que

[...], os limites administrativos da Capital, em absoluto, correspondem

ao contorno do conjunto socioeconômico que se desenvolveu em

função da cidade. A indústria muito cedo ultrapassava as fronteiras

dos municípios vizinhos, sem solução de continuidade (1968: 60).

Nos anos 60, observa-se a tendência de deslocamento dos investimentos da

cidade de São Paulo para os municípios que hoje constituem a Região Metropolitana

de São Paulo. No artigo escrito em 1968, Singer já descrevia este movimento

Os novos ramos industriais, que se constituíram nos últimos anos, se

afastaram das antigas zonas industriais de terreno supervalorizado,

como Brás, Mooca, Ipiranga etc., procurando se localizar na periferia

da própria capital (Sto. Amaro, Jaguaré, Osasco, São Miguel) ou nos

municípios limítrofes servidos pelas principais estradas de rodagem,

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como Guarulhos (via Dutra) e São Bernardo (via Anchieta)

(SINGER,1968: 65).

Como se vê, neste novo ciclo de crescimento é a rodovia, e não a estrada de ferro,

que direciona a expansão das indústrias no próprio território paulistano ou em suas

bordas.

Com esta maior mobilidade do setor secundário na década de 60, é

oferecida a possibilidade da cidade se apropriar para outros usos de parte das

vastas áreas antes ocupadas por indústrias, cujas atividades muitas vezes

resultaram em significativo passivo ambiental. Esta percepção das alterações da

geografia da produção e do uso e ocupação do solo urbano já é registrada no

trabalho de Singer

Dentro desta região de características eminentemente industriais,

São Paulo tende a ser cada vez menos centro de indústrias. A sua

função industrial está sendo paulatinamente substituída pela de

serviços. Este processo, que hoje é apenas incipiente, pode ser

percebido pela mudança do uso do solo urbano (condicionada pelo

seu preço) (1968:74).

Reforçando sua argumentação, o mesmo autor entende que

deste modo, se verifica a expulsão das empresas para a periferia da

cidade ou, melhor, para a periferia da Grande São Paulo e a

transformação dos bairros industriais em bairros mistos e estes em

bairros predominantemente residenciais (SINGER, 1968: 75).

Cabe salientar que estatísticas de 1968 (CETESB, 1994:21) mostram que a

Região Metropolitana gerava diariamente 175 toneladas de resíduos industriais, cuja

destinação, de acordo com as práticas da época, era muitas vezes os grandes lotes

ainda não ocupados, utilizados como lixões, quando não enterrados diretamente nas

cercanias da própria empresa geradora. A própria Secretaria de Meio Ambiente

(GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 1998: 41) admite que “Há uma geração,

era comum que os resíduos tóxicos e industriais fossem jogados fora de forma

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simples e mais barata: os sólidos lançados ao solo e os líquidos aos rios, poços, ou

também ao solo”2.

Schiffer (1999: 101) entende que, a partir dos anos 70, houve indução a

novos padrões de assentamento das atividades secundárias que se configuraram

em dois movimentos simultâneos: a descentralização da metrópole no sentido do

interior do próprio Estado e no sentido das principais capitais regionais, como Belo

Horizonte, Salvador e Porto Alegre. De acordo com Baldoni (2002) a reestruturação

das empresas industriais a partir dos anos 70 estaria relacionada à crise do modelo

fordista-keynesiano, com a supremacia dos interesses de mercado sobre os

interesses públicos decorrentes das políticas neoliberais. Desde então, novas

práticas industriais são adotadas, como a utilização de tecnologia de automação,

reorganização do trabalho nas linhas de produção, redução da mão de obra

empregada, terceirização das funções, flexibilização das relações de trabalho e

ênfase nas áreas de pesquisa, design e marketing.

Grillo (1997) cita como causas estruturais (condicionantes e determinantes)

da alteração da geografia da produção as inovações tecnológicas, globalização,

pensamento neoliberal, alterações dos processos produtivos, padrões

organizacionais, competitividade do mercado global, automação, terceirização de

atividades, flexibilização das relações de trabalho e demanda locacional mais

flexível.

Segundo Boddy (1990: 45),

a produção em série fordista caracteriza-se pela maior padronização

de produtos e por técnicas repetitivas de produção em série para

mercados de massa. Enfatizam-se concorrência de preços e o

barateamento dos custos unitários de produção.

Já o sistema pós-fordista de produção “[...] caracteriza-se, sobretudo, pela sua

flexibilidade. As bases da concorrência deslocaram-se dos preços para a

2 Schatan (1999: 18), citando dados do Banco Mundial (Industrial Pollution Projection Systen), classifica os ramos industriais que produziriam maior contaminação em relação ao valor da produção (toneladas de contaminação por milhões de dólares produzidos em 1987). No topo da classificação estariam as indústrias químicas, seguidas pelas de materiais não ferrosos e refinarias de petróleo.

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diferenciação do produto e para a ocupação temporária de ‘nichos’ lucrativos,

diferenciados de mercado”.

A reestruturação da produção induziu também o aprimoramento dos mecanismos de

controle de resíduos e de gestão ambiental das empresas.

Citando obras de Storper e Negri produzidas na década de 80, Schiffer

(1999:102) afirma que as indústrias mais dinâmicas “[...] têm demonstrado maior

tendência a se situar fora da região metropolitana, implantando-se tanto no interiordo

próprio Estado como nas capitais regionais com maior desenvolvimento industrial” e

que foi constatado, adicionalmente, “[...] maior deslocamento de indústrias de médio

e grande porte baseadas em tecnologia avançada, particularmente vinculadas aos

setores metal-mecânico, petroquímico e eletrônico”. Ressalta, no entanto, que a

descentralização do setor secundário a partir da década de 70 não significou perda

de hegemonia econômica, ao contrário, possibilitou reforço das condições de

dominação do capital paulista no âmbito nacional.

Negri (1996: 17), citando Azzoni, menciona que “[...] na década de 1970

ocorreu, em São Paulo, um processo de ‘espraiamento da indústria’ da Região

Metropolitana de São Paulo para o seu entorno num raio de, aproximadamente, 150

quilômetros, numa espécie de ‘desconcentração concentrada’”, possibilitado pelo

desenvolvimento tecnológico, que separou as atividades produtivas das atividades

de comando empresarial.

Outros estudos indicam haver tendência, desde os anos 80, à concentração

industrial na região do “entorno metropolitano”, que engloba as regiões de

Campinas, São José dos Campos, Sorocaba; eixos das rodovias

Anhanguera/Bandeirantes, Dutra e Castelo Branco, além da Baixada Santista. Desta

maneira, haveria um espraiamento da mancha industrial a partir da capital,

reafirmando a centralidade da RMSP e conferindo a ela e ao seu entorno o status de

região industrial mais importante do país. (BALDONI, 2002: 39)3. Neste contexto,

3 Os dados da Pesquisa Anual Industrial de 2002 do IBGE mostram que a microregião de São Paulo (unidade geográfica do IBGE que compreende a RMSP sem os municípios de Osasco e Guarulhos) teve sua participação no valor total da produção industrial nacional reduzido de 26,8% em 1985 para 13,9% em 2000. No mesmo período, o Estado de São Paulo manteve na faixa de 48% sua

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os ramos mais complexos da indústria, ou seja, os

predominantemente produtores de bens de capital e de bens de

consumo duráveis, característicos da industrialização mais recente

da RMSP, convivem no município de São Paulo com segmentos

originários da antiga industrialização, [...] (BALDONI, 2002: 39).

Haveria então uma tendência à mistura de usos industriais com outros usos

urbanos. Para Baldoni (2002: 92), a atividade industrial no município de São Paulo

deverá se basear em “[...] pequenas empresas que se beneficiam da inserção no

mercado de consumo metropolitano e das relações com as empresas maiores;

grandes indústrias reestruturadas, que comandam uma ampla rede produtiva,

composta por empresas terceirizadas”. Estaria ocorrendo, também, uma tendência à

saída dos setores mais tradicionais, como os dos minerais não metálicos, têxtil,

calçados, borracha, couro e fumo, uma vez que “[...] as possibilidades de

reestruturação produtiva são mais remotas e onde o ambiente metropolitano não

oferece vantagens significativas” (BALDONI, 2002: 93).

Estudo efetuado com base no Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), a

partir de cadastro da Secretaria Municipal de Finanças, dá mostras da dinâmica do

processo de alteração de usos na capital (SEPE e SILVA, 2004: 46). Entre 1996 e

2004 foram identificadas 2070 áreas industriais que sofreram alteração de uso com

solicitação de alteração de sua classificação para fins de recolhimento de IPTU.

Parte dessas áreas (65,5%) passou a abrigar atividades comerciais variadas, lojas,

armazéns e depósitos. Outra parte significativa (17%) teve o uso modificado para

fins residenciais e escolares. O cadastro registra ainda áreas caracterizadas como

“terrenos” (8,6%), onde as edificações foram demolidas e cujos usos ainda não

foram definidos.

Silva (2002) pesquisou, entre 2001 e 2002, 309 imóveis industriais de

grande porte situados ao longo dos eixos ferroviários no município de São Paulo e

verificou que apenas 142 deles mantinham os usos originais. Quanto aos demais, 59

estavam desativados, para alugar ou vender, 42 mantinham outros usos industriais e

participação em relação ao restante do país (IBGE Constata Interiorização da Industria, in Folha de São Paulo, pag. B4, 29 de junho de 2002).

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35

Fotos 8 e 9. Exemplo de novasimposições de atividades comerciaise de serviços em detrimento de usosindustriais na Capital.À direita, fragmento das antigasinstalações do Parque Industrial dasIndústrias Matarazzo no bairro da BarraFunda, margeando a via férrea. Aschaminés correspondem à “Casa dasCaldeiras”, inaugurada em 1927 e queserviu por quase meio século comonúcleo central de fornecimento deenergia para o complexo Matarazzo, queenvolvia a fabricação de giz, sodacáustica, sabão, glicerina, pregos, velasetc. O local foi tombado pelo Condephaatem 1986 e é utilizado desde 1999 parapromoção de eventos.À esquerda, torres do CentroEmpresarial Água Branca, construído nadécada de 1990, aproveitando osbenefícios da Lei de Operação UrbanaÁgua Branca. Há previsão daimplantação de mais 6 torres no lote.

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Fotos 9 e 10. Exemplode novas imposiçõessociais no uso doterritório urbano emdetrimento deatividades industriais ede apoio à produção naCapital.Em primeiro plano,instalação de favela aolongo da via férrea daCPTM (CompanhiaPaulista de TrensUrbanos) no bairro deSta. Cecília.Ao fundo, antigo MoinhoCentral, desativado desdea década de 1960.

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66 haviam sofrido mudança de uso para fins não industriais (comercial, serviço,

institucional ou residencial). A autora entende que o processo de

[...] reocupação de imóveis industriais desativados, dá-se

freqüentemente sem qualquer preocupação quanto à possível

existência de contaminação no solo ou águas subterrâneas, ou

mesmo nas dependências do imóvel” (SILVA, 2002: 99).

Desta maneira, a nova conformação do modelo industrial induz uma

reorganização da cidade, com tendência a substituição dos usos anteriormente

consolidados nos grandes lotes e glebas, ocupados de acordo com a lógica fordista

de produção. Conforme Baldoni (2002: 93), estas áreas ”[...] podem constituir-se em

um grande atrativo para o capital imobiliário, resultando em situações ainda não

avaliadas”. Ao se atentar para as práticas industriais passadas é possível inferir que

muitas das áreas porventura disponíveis à novos usos na capital ainda mantenham

em seu solo e entorno substâncias ou compostos químicos que podem comprometer

o meio ambiente e a saúde da população.

Em síntese, o processo de reestruturação produtiva e seu movimento de

desconcentração das atividades, legou à cidade de São Paulo e municípios vizinhos

a herança de um passivo ambiental decorrente de mais de um século de

crescimento industrial intenso e variado, cuja efetiva regulação ambiental e sanitária

por parte do poder público somente nestas últimas duas décadas se fez sentir com

alguma consistência.

1.3 O legado ambiental: áreas contaminadas no meio urbano

1.3.1 Conceitos Básicos

A Cetesb define área contaminada como um local ou terreno onde há

comprovadamente poluição ou contaminação causada pela introdução de quaisquer

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38

substâncias ou resíduos que nela tenham sido depositados, acumulados,

armazenados, enterrados ou infiltrados de forma planejada, acidental ou até mesmo

natural4. Sob uma ótica mais ampla, ela pode ser também caracterizada com uma

área, terreno, local, instalação, edificação ou benfeitoria que contenha quantidades

ou concentrações de matéria em condições que causem ou possam causar danos à

saúde humana, ao meio ambiente ou a outro bem a proteger5. Já poluição do solo é

entendido por Sánchez como a

[...] presença de substâncias que alteram negativamente sua

qualidade e possam, por conseguinte, afetar a vegetação que dele

depende, a qualidade da água subterrânea ou ainda representar um

risco para a saúde das pessoas que com ele entrem com contato

direto (2001: 82).

De acordo com Cunha (1997: 1),

a origem das áreas contaminadas pode estar associada a diferentes

fontes de poluição, sendo as mais usuais as de natureza industrial,

de sistemas de tratamento e disposição de resíduos e as

relacionadas ao armazenamento e distribuição de substâncias

químicas, entre elas a comercialização de combustíveis.

Assim, os aterros e lixões, indústrias ativas e desativadas, áreas comerciais

que manipulam substâncias nocivas (postos de combustíveis, bases de distribuição

de derivados de petróleo, depósitos de produtos químicos) e os acidentes

envolvendo produtos tóxicos são considerados como potenciais fontes geradoras de

contaminação ambiental.

Convém entender melhor o que é considerado um empreendimento ou

instalação industrial. Para Sánchez (2001: 19)

[...] inclui não só indústrias manufatureiras mas também os ramos das

indústrias extrativas, da construção civil, da produção de energia, do

4 Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas, elaborado pela CETESB e disponível no site www.cetesb.sp.gov.br. 5 Segundo definição contida no Anteprojeto de Lei sobre Proteção da Qualidade do Solo e Gerenciamento de Áreas Contaminadas, apresentado ao Conselho Estadual de Meio Ambiente – Consema na 194ª Reunião Ordinária de seu Plenário, ocorrida em 10/012/2003, e aprovada através de Deliberação Consema 30/2003.

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tratamento e disposição de resíduos e, de modo geral, qualquer atividade

econômica que produza bens ou matérias-primas em escala industrial, ou

seja, não-artesanal.

Tais empreendimentos, juntamente com aqueles destinados ao

armazenamento de matérias-primas e produtos, são os grandes responsáveis pela

contaminação do solo e pelos passivos ambientais hoje presentes no meio urbano,

que acarretam riscos à saúde pública e limitações ao desenvolvimento urbano.

No tocante ao passivo ambiental, o termo vem sendo utilizado para

designar “[...] o acúmulo de danos ambientais que devem ser reparados a fim de que

seja mantida a qualidade ambiental de um determinado local” (Sánchez, 2001: 18).

Apesar de originariamente estar relacionado ao custo financeiro da reparação

desses danos, ele

[...] é empregado com freqüência sem sentido monetário, para conotar o

acúmulo de danos infligido ao meio natural por uma determinada atividade

ou pelo conjunto das ações humanas, danos esses que muitas vezes não

podem ser avaliados economicamente. Representa, num sentido figurado,

uma dívida para com as gerações futuras (Sánchez, 2001: 19).

Grande parte dos passivos ambientais existentes na cidade de São Paulo

está relacionada às indústrias que não mais exercem atividade no local onde foram

originalmente instaladas. Para Cunha (1997) as indústrias desativadas são uma das

fontes de contaminação mais críticas da Região Metropolitana de São Paulo,

implicando efeitos ao ambiente e à população ainda pouco conhecidos. Sánchez

aborda a questão do ciclo de vida das instalações industriais, entendendo que esta

análise pode fundamentar um novo paradigma de gestão ambiental na indústria.

Como as indústrias estão inseridas em determinados contextos econômicos, seria

necessário o planejamento não só de sua instalação mas também definir a logística

de sua futura desativação, sendo para tal utilizado o termo Desengenharia. Segundo

o autor

Não se antevê uma vida útil determinada para uma indústria, mas é fato que

indústrias fecham, seja por razões econômicas, comerciais, sociais ou

ambientais, em outras palavras, perdem competitividade, mercado, sua

localização torna-se desvantajosa ou precisam ser modernizadas, ou ainda

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40

o valor imobiliário do terreno é tal que se torna mais rentável fechar a

indústria e reutilizar o terreno para outra finalidade (2001: 18).

Em razão desse passivo, muitos dos usos do solo metropolitano mostram-

se hoje incompatíveis com o nível de contaminação nele presente, acarretando

situações de risco potencial à seus habitantes. O problema se torna mais agudo

quando os passivos estão em ambientes sujeitos a intenso processo de expansão

ou reestruturação urbana.

Cabe lembrar que os potenciais impactos decorrentes das atividades

industriais ou produtivas em geral não se circunscrevem necessariamente aos

limites de sua propriedade. Falhas no processo produtivo, na estocagem de matérias

primas ou no gerenciamento dos resíduos podem implicar impactos no solo do

terreno onde está situado o empreendimento mas também no seu entorno. O grau

de espraiamento da contaminação é resultante de uma série de fatores, como a

quantidade e características físico-químicas das substâncias envolvidas, a

configuração geológica do solo e o comportamento das águas subterrâneas, as

práticas adotadas na manipulação, estocagem ou destinação final dos resíduos,

além do tempo de contato dos contaminantes com o meio ambiente. A

contaminação, no entanto, nem sempre é proveniente do local onde o gerador dos

resíduos está instalado, uma vez que o histórico das práticas de destinação final de

rejeitos das atividades produtivas mostram que estes eram dispostos muitas vezes

em lixões ou em lotes ainda não urbanizados ou ocupados6.

As áreas contaminadas adquirem uma relevância maior quando favorecem

a exposição da população às substâncias tóxicas nelas presente, implicando, por

conseqüência, riscos à saúde. A possibilidade dessa exposição está estreitamente

relacionada ao tipo de uso e à forma de ocupação que se faz do solo.

A dinâmica da expansão urbana tem permitido que conjuntos residenciais

ou mesmo favelas se instalem em locais antes destinados à disposição clandestina

de resíduos industriais ou em lotes ocupados no passado por indústrias já

desativadas; que haja a ocupação, ou adensamento, para fins residenciais ou

6 Tais práticas eram não só toleradas mas também admitidas nos dispositivos legais, como pode ser observado no Capítulo 2, que trata das Políticas Públicas de Regulação de Riscos e Desenvolvimento Urbano.

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comerciais do entorno de indústrias ou atividades produtivas potencialmente

poluidoras ou que estas atividades se instalem, alterem ou ampliem sua produção

em espaços urbanos já adensados ou consolidados.

Em razão disto, o conhecimento da dinâmica urbana adquire papel

fundamental na avaliação e gerenciamento do problema pois pode favorecer riscos

mesmo em situações onde as alterações do uso e ocupação do solo não tenham

sido tão significativas. Exemplo cabal disso verifica-se com a crescente tendência

observada na Região Metropolitana de São Paulo em buscar água mais barata e

menos sujeita a intermitência de abastecimento por meio da perfuração de poços

tubulares. Abastecendo não só indústrias, mas outros estabelecimentos, como

hospitais e condomínios residenciais, essa água, proveniente de aqüíferos sujeita à

contaminação por diferentes substâncias tóxicas, graças aos passivos ambientais,

representam perigo para a saúde da população7.

1.3.2 A situação dos países desenvolvidos

Primeiro, a lagoa ficou preta. Depois, os peixes começaram a morrer. Por

fim, as autoridades declararam a terra condenada. Sem o conhecimento

de Galli, a palha escura que ele espalhou em seus campos de trigo, milho

e legumes era lixo industrial altamente tóxico 8.

A descrição ilustra a situação dramática que a Itália vem enfrentando em

razão do descarte clandestino de subprodutos industriais, incluindo resíduos

tóxicos, em vastas áreas de seu território. Trevi, Caserta, Bari, Salermo e outras

regiões italianas convivem com depósitos ilegais de lixo tóxico provenientes na

7 A relevância do problema é evidenciada pela mobilização do poder público no sentido de estabelecer um controle mais efetivo sobre a perfuração de poços em áreas urbanas e a comercialização de água potável. São exemplo disso, a Resolução Conjunta entre as Secretarias de Estado da Saúde, Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Resolução Conjunta SES/SMA/SERHS 01/2003) e as discussões que vem sendo travadas no âmbito do Conselho Estadual de Recursos Hídricos para restrição à utilização de mananciais subterrâneos em regiões potencialmente contaminadas ou cujos mananciais já estão intensamente explorados. Quanto à potabilidade da água, seu padrão para consumo humano é determinado pela Portaria Federal 518/2000, de 29//12/2000.

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maioria dos casos das fábricas do norte do país. Pitelli, cidade situada numa

encosta do litoral da Ligúria, é hoje declarada uma área de desastre natural em

virtude dessa prática. Por trás do problema estão grupos criminosos ligados à

Máfia que retiram das indústrias seus rejeitos tóxicos por preços reduzidos e, ao

invés de dar-lhes um destino ambientalmente correto, despejam o refugo em áreas

rurais. Estima-se que cerca de 11 milhões de toneladas de lixo industrial

desaparecem todos os anos na Itália, 300 mil toneladas desse lixo é considerado

altamente tóxico.

O caso italiano ganha contornos mais intensos e peculiares devido à forte

presença da Máfia no país. No entanto, os países industrializados em geral

convivem há bastante tempo com o problema da geração cada vez maior de

resíduos e de seu descarte inadequado do ponto de vista ambiental. Estimativas do

Ministério do Meio Ambiente da França, por exemplo, indicam que as empresas do

país produziam anualmente 150 milhões de toneladas de resíduos industriais. Tal

situação obrigou a Governo Francês a criar uma rede de incineração e de tratamento

físico-químico, além de uma agência específica para tratar do problema, a Agência

Nacional para a Recuperação e a Eliminação de Resíduos (MINISTÈRE DE

L’ENVIRONNEMENT, 1991: 16).

Em razão da intensa produção e descarte inadequado de rejeitos, os países

mais desenvolvidos já identificaram milhares de sítios contaminados

[...],compreendendo não somente locais de disposição inadequada ou

mesmo clandestina de resíduos tóxicos mas também sítios industriais

abandonados, oficinas e pátios de manutenção, áreas de estocagem de

hidrocarbonetos, minas e outros tipos de atividades industriais e comerciais

(SÁNCHEZ, 2001: 94).

Estima-se em 50 a 100 mil as áreas contaminadas no Reino Unido.

Segundo Cunha (1997) já no início da década de 80, a Holanda possuía um

inventário com mais de 4 mil áreas potencialmente contaminadas. Na Alemanha,

quase 140 mil áreas haviam sido identificadas com suspeitas de contaminação até

1993. Nos Estados Unidos, informações baseadas no decreto “Resource

8 Eco-Máfia trafica lixo e causa desastre ambiental na Itália. Reportagem da BusinessWeek, publicada no jornal Valor em 29 de janeiro de 2003.pag. A3.

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Conservation and Recovery Act” (RCRA) registram a descoberta, desde 1984, de

439.385 áreas contaminadas. O programa americano conhecido como “Superfund”,

instituído em 1980 pelo Decreto “Comprehensive Environmental Response,

Compensation and Liability Act” (CERCLA) registra 11.500 áreas contaminadas,

além de 1518 áreas consideradas como prioritárias (National Priorities List) devido

ao maior risco em termos ambientais e de saúde pública.

Grimski (2004: 6) menciona que a Alemanha teria hoje 360 mil áreas

contaminadas. Ao se referir às áreas degradadas, o mesmo autor (2004: 4) alerta

que o termo ainda carece de uma definição comum para toda a Europa e que a

maior parte dos países do continente ainda não tem estimativas da dimensão do

problema. O autor ressalta que mesmo aqueles países que apresentam informações

sobre as áreas degradadas – como a Alemanha, que teria 128 mil hectares de áreas

degradadas, ou os Países Baixos, com 9 a 11 mil hectares – não possuem dados

comparáveis entre si, uma vez que incluem diversos tipos de terrenos.

Wenger e Kugler (2004: 20) informam que a Suíça registrava em 2003 cerca

de 500 áreas industriais subtilizadas ou abandonadas (incluindo estradas de ferro e

áreas de utilização militar). Estas áreas totalizariam algo próximo a 20 milhões de m²

e diriam respeito a antigas instalações que abrigaram indústrias de maquinários,

produção de relógios, indústria têxtil, indústrias químicas e farmacêuticas,

gasômetros, indústrias de processamento de madeira, fundições, indústrias

alimentícias etc. Os autores procuram justificar a condição ambiental das áreas:

Como em outros países, a maioria dessas áreas sofreu com a poluição

provocada pelos processos industriais por mais de cem anos e

conseqüentemente quase sempre se encontra pesadamente poluída (2004:

20).

Além da contaminação, os autores expõem os motivos do abandono “[...], nos

últimos 10-20 anos, a economia suíça tem vivido um transição radical da produção

industrial para o setor de serviços” (2004: 19).

As áreas contaminadas configuram-se, assim, como um dos problemas

ambientais mais relevantes nos países industrializados. Eles vêm adotando há pelo

menos duas décadas políticas específicas para o gerenciamento e controle desses

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locais, que implicam aprimoramento da legislação, inventário de áreas contaminadas

e suspeitas, procedimentos de avaliação e priorização, desenvolvimento de

tecnologias e criação de fundos para remediação de áreas prioritárias (Cunha,

1997).

Estes países vêm, paulatinamente, reconhecendo que são muitas as áreas

contaminadas, assim como é elevado o montante de recursos financeiros

necessários para sua remediação. Tornou-se preciso, assim, conhecer em detalhes

os níveis de contaminação existentes na área, bem como seu potencial em causar

danos à saúde para, então, definir prioridades.

1.3.3 Áreas contaminadas como problema de relevância pública no Brasil

Em decorrência do histórico de maior concentração das atividades

industriais e de possuir uma estrutura institucional melhor organizada para

diagnosticar seus passivos ambientais, São Paulo é atualmente o Estado brasileiro

com maior número de áreas contaminadas identificadas. É o único Estado que vem

desenvolvendo um trabalho sistemático de identificação, avaliação e gerenciamento

desses passivos9. No entanto, outros estados têm lidado já há algum tempo com

este tipo de problema, especialmente em casos que ganharam destaque devido à

extensão da contaminação e do potencial de riscos à saúde da população local. A

contaminação por organoclorados em área do município de Duque de Caxias, no

Rio de Janeiro, e por chumbo em Santo Amaro da Purificação, na Bahia, são os

exemplos mais notórios10.

No Estado de São Paulo o caso mais conhecido de contaminação do solo

ocorreu na década de 80 na Baixada Santista, quando se descobriu depósitos

clandestinos de resíduos organoclorados em Cubatão e São Vicente oriundos do

processo de fabricação de agrotóxicos da empresa Clorogil, que em 1976 foi

9 Maiores Informações no obtidas no site www.cetesb.sp.gov.br. 10 Para maiores informações a respeito desses casos de contaminação e suas implicações em termos de saúde pública consultar relatórios do Ministério da Saúde (BRASIL, 2003) e da Universidade Federal da Bahia (UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA, 2002).

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adquirida pela Rhodia S.A. A contaminação até hoje não foi devidamente enfrentada

e tem sido motivo de denúncias por parte de moradores e ex-trabalhadores quanto

ao passivo ambiental não remediado e a inoperância da empresa poluidora.

Segundo a Rhodia, este imenso passivo ambiental consumiu, até 1994, cerca de

US$ 60 milhões para remediação de parte das áreas contaminadas, além de

implementação de programas de prospecção de outros locais possivelmente

impactados11.

Outro caso de contaminação do solo no Estado de São Paulo que teve

grande repercussão diz respeito à empresa Shell Brasil Ltda. no município de

Paulínia. A empresa transferiu na década de 70 instalações de fabricação de

pesticidas organoclorados, antes situadas no bairro do Ipiranga, no município de

São Paulo, para uma área de 79 hectares localizada à beira do rio Atibaia e

circundada em parte por 66 chácaras residenciais. A manipulação entre 1975 e 1990

de pesticidas da família dos drin’s, além da incineração no local de rejeitos tóxicos

variados, resultou na contaminação do solo da propriedade da empresa e de seu

entorno imediato. Investigações da Secretaria Municipal de Saúde de Paulínia

indicaram intoxicação de parte dos moradores das chácaras, associando a

contaminação ambiental com diversos efeitos à saúde, tais como tumores,

dermatoses, alterações hepáticas, neurológicas, neurocomportamentais,

hematológicas e gastrointestinais12.

A empresa Shell do Brasil foi motivo de denúncia também em relação à sua

base de estocagem de combustíveis e fábrica de pesticidas, já desativada, na Vila

Carioca, distrito do Ipiranga em São Paulo13. Apesar de conhecido o problema desde

1993, o caso teve ampla repercussão na imprensa a partir de 2002 quando se

constatou que a contaminação por metais pesados e organoclorados teria

11 O caso suscitou inclusive o surgimento em 1994 da Associação dos Contaminados Profissionalmente por Organoclorados (APCO), composta por ex-funcionários das unidades da Rhodia na Baixada Santista. Muitos deles alegam problemas de saúde relacionados à exposição aos chamados poluentes orgânicos persistentes – POPs. 12 Diagnósticos obtidos por meio de avaliação clínica e exames complementares, de acordo com o 1° Relatório da Avaliação do Impacto na Saúde dos Moradores do Recanto dos Pássaros, Referente a Contaminação Ambiental do Antigo Site da Shell –Química, produzido pela Secretaria Municipal de Saúde de Paulínia em agosto de 2001. 13 O caso será mais profundamente descrito e avaliado no Capítulo 4.

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ultrapassado os limites da propriedade da empresa, possibilitando riscos à saúde da

população moradora no seu entorno.

No município de Santa Gertrudes, as atividades de extração de argila,

realizadas há mais de 30 anos pelas indústrias ceramistas de piso esmaltado,

provocaram a formação de cavas, originando o que se convencionou chamar de

“Região dos Lagos”. Estes lagos e o solo do entorno foram contaminados por

lançamento de resíduos da linha de esmaltação das cerâmicas contendo metais

pesados, como chumbo, cádmio e zinco. Em virtude das dimensões do problema, a

Secretaria Estadual de Meio Ambiente se viu impelida a implantar o Projeto

Corumbataí Cerâmicas14, para recuperar as áreas contaminadas, melhorar a

qualidade ambiental da região e restaurar a paisagem natural. A possibilidade da

exposição humana aos contaminantes, uma vez que no local há também atividades

agro-pastoris e recreativas, levou também a Secretaria de Estado da Saúde a

estabelecer medidas para prevenção de riscos à saúde, como a proibição da pesca,

comercialização e consumo de peixes dos lagos, além do monitoramento da

qualidade das águas e dos pescados locais15.

Em abril de 2000 a Cetesb atendeu a uma emergência com vítimas em

conjunto habitacional, composto por 72 blocos de 8 andares cada no município de

Mauá, Região Metropolitana de São Paulo, decorrente da explosão no interior de

uma caixa d’água subterrânea. Investigações posteriores indicaram que a causa do

acidente foi a migração de gases inflamáveis provenientes do subsolo contaminado.

Os compostos orgânicos voláteis ali presentes mostraram que o local fora

por muito tempo, anteriormente à implantação dos prédios, um depósito de resíduos

industriais. Em razão disso, os moradores dos 43 blocos de prédios já ocupados na

ocasião foram colocados no centro de um debate, que mereceu ampla cobertura da

mídia acerca dos possíveis impactos à saúde decorrentes da exposição aos 44

diferentes compostos orgânicos ali presentes, alguns deles altamente tóxicos.

14 Este projeto estava vinculado a uma proposta mais ampla de Cooperação Técnica entre os governos do Estado de São Paulo e do Canadá, no âmbito do Projeto Watershed 2000, no subtema relativo à negociação de conflitos ambientais. 15 Comunicados CVS-231/2002, de 22 de junho, e CVS-254/2002, de 18 de julho de 2002, do Centro de Vigilância Sanitária.

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Após a identificação do problema, foram adotadas diversas medidas de

avaliação e controle, como a paralisação das obras das unidades habitacionais

ainda não concluídas e das movimentações de terra, implantação de sistema de

extração de vapores, cadastramento e avaliação de exposição dos moradores. Na

ocasião ficou evidente a pouca capacidade do poder público em prevenir tais fatos,

além do desprezo dos empreendedores imobiliários no tocante ao conhecimento do

histórico do uso e ocupação do solo e da possível presença de passivos ambientais

nos lotes a serem edificados.

Apesar das ações empreendidas pelos órgãos públicos, até hoje os

moradores locais convivem com o estigma de morar em área sabidamente

contaminada, com a depreciação do valor de seus imóveis, insegurança devido à

possibilidade de novos acidentes e incerteza quanto aos efeitos à saúde decorrentes

de eventual exposição aos contaminantes presentes no subsolo16.

Em Campinas, uma empresa operou desde os anos 70, no bairro conhecido

como Mansões Santo Antônio, com atividades relacionadas à recuperação de

solventes e fabricação de produtos de limpeza. A empresa foi interditada em 1995

pela Cetesb devido à contaminação das águas subterrâneas, solo e ar. Após

desativação da empresa, o lote de aproximadamente 16.000 m² foi vendido à

construtora Concima que iniciou obras para construção de 400 apartamentos na

área. Em 2002, com três blocos já construídos, um deles já ocupado por 45 famílias,

foi constatado passivo ambiental devido à contaminação do solo e águas

subterrâneas por solventes clorados e metais pesados, cuja abrangência já

extrapolava os limites do lote, colocando em risco os moradores da área e de seu

entorno imediato. Diante do fato, a Cetesb proibiu a continuidade das obras dos

demais blocos de apartamentos ainda não concluídos, qualquer movimentação de

terra e a comercialização das unidades habitacionais já finalizadas. No mesmo ano,

a Secretaria de Saúde do Município de Campinas interditou poços e nascentes do

bairro e iniciou avaliação clínico-epidemiológica da população do entorno,

priorizando aqueles moradores com mais tempo de moradia no local e que

consumiram água de poços. Além disso, o município embargou obras no entorno da

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área contaminada como medida preventiva para resguardar a saúde dos

trabalhadores envolvidos nas etapas de movimentação de terra, cujas atividades

poderiam expô-los aos contaminantes porventura presentes no solo17.

Em Bauru, a emissão de chumbo na atmosfera em níveis muito superiores

aos limites estabelecidos pela legislação ambiental, levou a Cetesb a interditar em

2002 a empresa Acumuladores Ajax Ltda., fabricante de baterias automotivas. As

emissões atmosféricas provocaram significativa contaminação do solo no entorno da

empresa, ocupado por bairros residenciais. Ações empreendidas para diagnóstico e

assistência à saúde dos moradores afetados indicou a contaminação, especialmente

de crianças, em níveis acima do tolerado pela Organização Mundial de Saúde.

Diante da situação foi necessário a adoção de medidas emergenciais para redução

dos riscos à saúde que envolveram intervenções no ambiente urbano, tais como

raspagem da camada superficial do solo de todas as vias não pavimentadas do

bairro, aspiração da poeira impregnada de chumbo no interior de 164 residências,

bem como a lavagem de seus reservatórios de água18.

Em 2001, a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de

Estado de São Paulo (CDHU) manifestou intenção de implantar um empreendimento

habitacional de interesse social no bairro da Vila Prudente, município de São Paulo.

A área de 144 mil metros quadrados, às margens do rio Tamanduateí e da estrada

de ferro Santos-Jundiaí, pertence à SABESB e está enquadrada como Zona de Uso

Predominantemente Industrial (ZUPI). Parte do lote estava ocupada na ocasião por

duas favelas (Paraguai e da Paz), além de creche com capacidade para 300

crianças, unidade prisional, estação elevatória, estação de tratamento de esgotos e

prédios administrativos do Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE). Como

já abordado anteriormente, a região é conhecida pelo seu histórico de intensa

industrialização e possui passivos ambientais decorrentes das práticas passadas de

descarte de resíduos industriais.

16 Em 2003 o Ministério da Saúde iniciou um estudo de avaliação de riscos à saúde dos moradores do condomínio tendo por base a metodologia da Agency for Toxic Substances and Disease Registry- ATSDR, já concluído, porém ainda não divulgado. 17 Decreto municipal nº 14.091, de 27 de setembro de 2002. 18 Intoxicação por chumbo e saúde infantil: ações intersetoriais mudando a história do município de Bauru – SP. Trabalho apresentado no VII Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva. Livro de Resumos II, pag 54, 2003.

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Nos termos da Lei 9.999/9819, foi necessário proceder ampla investigação

ambiental do lote que indicou a deposição no passado de grande quantidade de

resíduos “[...] realizada desordenadamente em possíveis depressões antes

existentes do terreno”. Estes resíduos foram caracterizados como de composição

arenosa com “[...] coloração cinza escuro e preto, impregnado de óleo”,

possivelmente rejeitos de fundição e outros processos industriais, cujas análises

posteriores indicaram a presença de vários contaminantes, dentre outros chumbo,

benzo(a)pireno, clorobenzeno, pesticidas e compostos orgânicos voláteis20.

Em razão do fato (ou sob este pretexto), em julho de 2003 iniciou-se a

remoção das 857 famílias moradoras nas favelas, encaminhadas para conjuntos

residenciais recém-construídos no bairro do Iguatemi, na zona leste21. Em abril de

2004, o Centro de Vigilância Sanitária exigiu também a desativação da creche

devido aos novos dados da investigação ambiental, que apontavam concentrações

acima dos valores de referencia para benzo(a)pireno no solo superficial.

Outro caso de contaminação, na região de Campinas, ilustra bem o histórico

descuido das grandes companhias quanto ao destino de seus resíduos tóxicos. Na

área rural do município de Santo Antônio de Posse foi instalado em 1974 um aterro

industrial (Aterro Industrial Mantovani) que recebeu uma variada gama de resíduos

industriais tóxicos oriundos de aproximadamente 70 empresas de grande porte, tais

como Dupont, Clariant, Boehringer, Alcan, Embraer, Daimler Chrysler, Basf, Philips,

Rhodia e Texaco. Recebendo no início de suas operações apenas resíduos

industriais gerados no processo de reciclagem de óleos lubrificantes, o aterro passou

posteriormente a dispor no solo de maneira bastante precária diferentes tipos de

resíduos industriais, inclusive líquidos. O problema levou a Cetesb em 1987 a autuar

e interditar o aterro e exigir de seu proprietário a remediação da área. Em 1988 o

Ministério Público do Estado entrou com Ação Civil Pública, que condenou seu

proprietário a pagar indenização para “recompor o complexo ecológico do local”. A

não realização das ações previstas para remediação do passivo, em razão da falta

19 Esta e outras leis, relativas ao enquadramento das atividades produtivas potencialmente poluidoras e seus passivos ambientais serão abordadas no Capitulo 2. 20 Avaliação Ambiental do Subsolo do Terreno da Sabesp ZUPI – 120. Vila Prudente, São Paulo – SP. Volume 1 – Texto. SABESP/CSD- GEOKLOCk. Dezembro de 2002. 21 CDHU sorteia 300 apartamentos para famílias de Favela Paraguai. Diário Oficial do Estado - Executivo II. São Paulo, 113 (132), quinta feira, 17 de julho de 2003.

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Foto 11. Instalações da empresa Shell Brasil Ltda., município de Paulínia, com solo contaminado porpesticidas clorados, metais e outras substâncias perigosas à saúde. Em primeiro plano, rio Atibaia e chácarasdo bairro recanto dos pássaros, cujos moradores foram removidos em razão dos riscos à saúde. (SecretariaMunicipal de Saúde de Paulínia).

Foto 12. Vista aérea da empresa Shell Brasil, município de Paulínia, envolvida pelo rio Atibaia e por chácarasresidenciais (Secretaria Municipal de Saúde da Paulínia).

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Foto 13. Vista aérea de conjunto residencial Barão de Mauá, município de Mauá, implantado em áreade antigo aterro clandestino de resíduos industriais, contaminado por compostos orgânicos voláteis eoutras substâncias perigosas. (Secretaria Municipal de Saúde de Mauá).

Foto 14. Aterro industrial Mantovani, no município de Santo Antonio de Posse. Vista de uma das valasde resíduos industriais, que geraram contaminação do solo e das águas subterrâneas.

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Foto 15. Contaminação do solo porchumbo no município de Bauru. Açõesde raspagem do solo superficial nas viassituadas no entorno da fonte decontaminação, para minimização dopassivo ambiental e da exposição dapopulação do entorno.(Fonte: Secretaria Municipal de Saúdede Bauru)

Foto 16. Avaliação médica do estadode saúde da população infantilexposta ao chumbo em Bauru. (Fonte:Secretaria Municipal de Saúde deBauru).

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Foto 17. Estudo esquemático para avaliação de riscos à saúde, com croquis da pluma decontaminação por solventes clorados e metais pesados em lote ocupado por conjunto residencial nomunicípio de Campinas. (Fonte: Secretaria Municipal de Saúde de Campinas).

Foto 18. Estudo da Secretaria de Estado da Saúde com vista aérea de lote da Sabesp, localizado emZona de Uso Predominantemente Industrial (ZUPI 120), no município de São Paulo, - onde estavaminstaladas a favela Paraguai e da Paz, além de creche, - contaminado por compostos orgânicos voláteise outras substâncias perigosas à saúde. (Fonte: Centro de Vigilância Sanitária)

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de recursos financeiros do proprietário, e a avaliação da extensão da contaminação

levaram a Cetesb e o Ministério Público em 2000 a responsabilizar também as

empresas que depositaram resíduos no aterro.

Em 2001 constatou-se que poços rasos dos sítios vizinhos haviam sido

impactados pela pluma de contaminação, levando a Secretaria Municipal de Saúde

de Santo Antônio de Posse a interditar estes mananciais devido a detecção do

contaminante 1,2-dicloroetano em concentração acima do padrão de potabilidade.

Apesar de estabelecido Termo de Compromisso entre o Ministério Público e cerca

de 50 empresas responsáveis pela contaminação, e das medidas de investigação e

remediação em curso, o problema gera ainda bastante polêmica quanto à sua real

extensão e seus possíveis impactos à saúde da população local.

É razoável supor que novos casos venham a ganhar destaque, uma vez que

a grande maioria das 1336 áreas hoje consideradas contaminadas ainda não foi

devidamente caracterizada em termos de riscos à saúde da população e que há um

grande universo de áreas sendo investigadas ou que ainda não foram identificadas.

Uma pesquisa realizada no ano de 1997 pela Secretaria de Estado do Meio

Ambiente, em prefeituras de 450 municípios do estado, dá indícios da dimensão do

problema. Ela indicou que 74 municípios identificaram algum tipo de problema de

poluição do solo por indústrias, outros 97 apontaram também problemas de várias

ordens no gerenciamento de resíduos (CETESB, 1998).

1.3.4 O diagnóstico das Áreas Contaminadas

Apesar da legislação paulista há mais de um século procurar regular as

conseqüências negativas da industrialização, só recentemente o poder público

tomou iniciativas mais incisivas nesse sentido. Inspirada na experiência dos países

industrializados, que passaram a partir da década de 70 por experiências mais

intensas de desmonte de grandes estruturas industriais e remediação de seus

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55

passivos ambientais, a Cetesb buscou há dez anos mecanismos para avaliação e

controle desses riscos22.

Em 1993 a Companhia firmou acordo de cooperação técnica com o governo

alemão, por meio da Agência Alemã de Cooperação Técnica (Deutsche Gesellschaft

Für Technische Zusammenarbeit – GTZ), de forma a adquirir conhecimento e

método para lidar com o problema. Os principais produtos da cooperação foram o

Manual de Gerenciamento de Áreas Contaminadas e o Cadastro de Áreas

Contaminadas no Estado de São Paulo.

O Cadastro23 foi inicialmente divulgado ao público em maio de 2002,

ocasião em que apresentou uma relação de 255 áreas comprovadamente

contaminadas no Estado, além de mais de 600 outras em fase de avaliação. Em

outubro de 2003 foi apresentada uma atualização do Cadastro, desta vez com 727

áreas contaminadas. Em dezembro de 2004, o cadastro foi novamente atualizado,

apresentando então 1336 áreas contaminadas. Destas, apenas 19 já contavam com

processo de remediação concluído, enquanto outras 484 se encontravam em

variados estágios de remediação. Para a Cetesb, o cadastro é importante não só

para a remediação e controle ambiental das áreas, mas também como suporte para

o planejamento urbano e a ocupação do solo.

Em consonância com a história da ocupação do território paulista, 54,8%

destas áreas estão localizadas na RMSP. Na cidade de São Paulo foram

diagnosticadas 489 áreas com algum tipo de passivo ambiental, correspondendo a

36,6% do total do Estado. A contaminação ambiental proveniente das bases de

estocagem de combustível da empresa Shell no bairro do Ipiranga é uma das mais

significativas do ponto de vista dos riscos ambientais e de saúde pública.

22 Na década de 90 ficou evidente também a maior preocupação do setor produtivo com o problema do solo contaminado, fato que favoreceu o surgimento de empresas de consultoria especializadas na investigação e remediação de passivos ambientais. Maiores informações sobre o comportamento deste segmento ver “A ordem é descontaminar o solo: empresas investem em programas de descontaminação de solos degradados pela ação de resíduos”, in Revista Banas Ambiental. Ano I – Número 2. Outubro de 1999. 23 Para a Cetesb, o Cadastro de Áreas Contaminadas constitui-se no instrumento central do gerenciamento dessas áreas, no qual são registradas todas as informações adquiridas durante a execução da etapas de gerenciamento referentes às áreas potencialmente contaminadas, áreas suspeitas de contaminação e áreas contaminadas. Maiores informações podem ser obtidas no site www.cetesb.sp.gov.br.

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56

Cabe destacar que mais de dois terços das áreas contaminadas (931)

referem-se aos postos de combustível, atividade sujeita a licenciamento ambiental

desde 200024 e cujo passivo ambiental em conseqüência de eventuais vazamentos

nos tanques de armazenamento subterrâneos são diagnosticados e documentados

pelos proprietários como parte dos procedimentos para o licenciamento. A

preocupação com os passivos ambientais gerados pelas atividades relacionadas ao

armazenamento e distribuição de derivados de petróleo é grande. Prova disto foi a

assinatura em agosto de 2004 de Cooperação Técnico-Operacional entre a Agência

Nacional de Petróleo (ANP) e CETESB para “otimização do controle ambiental das

atividades de armazenamento, distribuição e coleta seletiva de produtos derivados

de petróleo”.

As indústrias propriamente ditas, cujos impactos ambientais são, em geral,

mais significativos e variados em relação aos contaminantes, perfazem pouco

menos de um quinto deste universo (237). O restante diz respeito a atividades

comerciais, locais enquadrados como de disposição de resíduos e outras atividades

variadas (168).

Apesar do cadastro refletir razoavelmente, em termos espaciais, a história

da ocupação industrial do território paulista, ele não é um retrato fiel da situação do

ponto de vista do número de sítios contaminados. Entretanto, com o avanço do

processo de diagnóstico deste tipo de passivo ambiental, ainda incipiente, prevê-se

a incorporação nos próximos anos de centenas ou milhares de outras áreas.

Na cidade de São Paulo, mais de 80% das contaminações hoje confirmadas

são oriundas dos postos de combustíveis (397). São 42 as indústrias com

contaminação já comprovada do solo na cidade. Entre as substâncias químicas que

configuram este passivo estão os compostos aromáticos, fenois, metais pesados e

hidrocarbonetos. Os monitoramentos ambientais que vêm sendo realizados nos

últimos dois anos mostram a presença destes e de diversos outros contaminantes

nas águas subterrâneas da RMSP. Casos como o da Shell, na Vila Carioca, retratam

24 O licenciamento prévio de postos de combustíveis passou a ser exigida com a publicação da Resolução CONAMA nº 273, de 29 de novembro de 2000; regulamentada no Estado de São Paulo pela Resolução SMA nº 5, de 28 de março de 2001.

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quão traumática pode ser a convivência entre as atividades potencialmente

poluidoras e a população.

Com a divulgação de casos aqui comentados, como os de Mauá, Bauru e da

Shell Paulínia e Vila Carioca, o assunto teve a partir de 2002 ampla repercussão na

opinião pública. Um indicador do interesse despertado pelo tema é o número de

pedidos de instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) na

Assembléia Legislativa Paulista cuja pauta dizia respeito à denúncia de

contaminações do solo e degradações ambientais. Das 31 CPIs propostas em 2003,

5 eram relativas ao tema25. No âmbito municipal, uma CPI a respeito dos postos de

distribuição de combustíveis enveredou para os passivos ambientais resultantes

destas atividades, com foco específico na Base de Distribuição de Combustíveis da

Empresa Shell do Brasil na Vila Carioca. Logo após, outra CPI tratou de forma mais

geral da contaminação e do passivo ambiental do município26.

Outro indicador do interesse despertado pelo tema nos vários segmentos da

sociedade são os eventos promovidos para a divulgação e debate do assunto. Em

2003 a Cetesb promoveu seminário sobre “Gestão de áreas contaminadas”. Entre os

anos de 2002 e 2004 o Centro de Vigilância Sanitária promoveu, em conjunto com a

Organização Pan-Americana de Saúde e Faculdades de Saúde Pública e de

Medicina da USP, três seminários sobre “Áreas contaminadas e saúde”. Neste

mesmo período, o Instituto Ekos Brasil, em parceria com a GTZ, realizou três

seminários internacionais sobre remediação in-situ de sites contaminados.

Por fim, é oportuno destacar que as áreas hoje consideradas contaminadas

representam possivelmente uma parcela reduzida do problema. Cunha (1997:1)

menciona que, dentre as 4.238 indústrias desativadas na RMSP, 2.076 delas

possuíam elevado potencial poluidor. Desta forma, mesmo sem um histórico preciso

das atividades nelas desenvolvidas, as indústrias desativadas são consideradas

25 Assembléia de SP engaveta 31 CPIs em 2003. Jornal Folha de São Paulo, 03 de janeiro de 2004, pag. A6. 26 A Comissão Parlamentar de Inquérito para Apurar a Responsabilidade na Construção e Operação de Postos de Combustíveis Localizados no Âmbito do Município, foi instalada na Câmara Municipal de São Paulo em 20 de março de 2002 e encerrada, após prorrogação, em 15 de outubro do mesmo ano. A Comissão Parlamentar de Inquérito de Contaminação e Passivo Ambiental iniciou as atividades em 12 de novembro de 2002 encerrando seus trabalhos em 13 de março de 2003.

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uma das fontes de poluição mais críticas da RMSP e das demais regiões

industrializadas do Estado.

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Capítulo 2

Políticas públicas de regulação de riscos e desenvolvimento urbano

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Capítulo 2

“[...] a situação de instável equilíbrio em que vivem

estas cidades decorre do funcionamento simultâneo

de movimentos expontâneos e de estruturas de

enquadramento” (Santos, 1990: 184)

Desde o final de século XIX, quando São Paulo recebeu as primeiras brisas

da industrialização e da expansão urbana mais intensa, a população vem não só

colhendo frutos desse processo mas também sofrendo seus efeitos indesejáveis.

Para evitar que esses efeitos impliquem riscos ao meio ambiente e à saúde, a

sociedade tem procurado estabelecer regras para enquadramento das atividades

produtivas.

Uma das formas de prevenir riscos é por meio do controle espacial da

produção. É o que o Estado tem procurado fazer nesse mais de século de

regulação: afastar atividades incompatíveis entre si. Ao caracterizar a natureza das

indústrias e oficinas como incômodas, perigosas ou insalubres, o primeiro Código

Sanitário do Estado definia um maior ou menor afastamento delas em relação às

habitações. Dada a dificuldade de exercer maior controle do processo produtivo e

das emissões dele decorrentes, e face a inevitabilidade da poluição, restava manter

parte da cidade a uma distância prudente dos locais onde se produzia.

No entanto, a boa intenção da lei e dos planos nem sempre é suficiente para

conter forças sociais e econômicas mais vigorosas e intensas, que demandam novas

localizações e se apropriam de espaços de acordo com lógicas (e incoerências)

próprias. Especialmente por isso, a legislação paulista evoluiu numa realidade

adversa, refém de problemas cujas regulações anteriores foram incapazes de conter

plenamente. Por esta razão, as ações regulatórias hoje em curso demandam não

apenas o disciplinamento do uso e ocupação do solo, com foco na localização das

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61

atividades produtivas e suas relações com a cidade, mas também o estabelecimento

de medidas para remediação dos passivos ambientais.

O agravamento dos problemas ambientais a partir dos anos 60, decorrentes

da industrialização e da expansão das cidades, demandou novas formas de

organização do Estado. O surgimento de órgãos voltados exclusivamente à proteção

ambiental é fruto deste contexto. No Estado de São Paulo, a criação da Cetesb na

década de 70 pode ser considerado um ponto de inflexão fundamental no histórico

da regulação das atividades econômicas e dos riscos ambientais e sanitários delas

decorrentes. A partir daí, as estruturas de enquadramento se aprimoram e políticas

voltadas ao zoneamento industrial, à proteção de áreas ambientalmente frágeis e ao

controle de emissões e de processos produtivos adquirem maior efetividade.

No entanto, o entendimento das áreas com solo contaminado como fator

limitante do desenvolvimento urbano é recente. Este estorvo à cidade, que mais de

um século de procedimentos – ou hábitos – ambientalmente incorretos por parte do

setor produtivo propiciou, emergiu e tocou a opinião pública somente quando as

investigações apontaram a possibilidade de riscos significativos à saúde de

determinadas parcelas da população.

Diante da relevância e magnitude do problema, ainda que parcialmente

avaliado, o poder público municipal tem procurado desde 2000 instituir mecanismos

legais para reverter este quadro.

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62

2.1 Riscos Sanitários e ambientais

O desenvolvimento tecnológico e a industrialização são processos voltados,

a princípio, para a melhoria da qualidade de vida e bem-estar coletivos. No entanto,

a busca incessante de novas tecnologias e da elevação da produtividade não gera

apenas benefícios. Os aspectos não desejados, ou não previstos, das atividades

produtivas resultam em riscos27 ou danos aos próprios trabalhadores, à saúde

pública, ao meio ambiente, ao patrimônio etc. São as chamadas externalidades

negativas de um processo.

Muitas vezes a relação risco-benefício na produção de determinado bem é

estreita. Ogenis Magno Brilhante (BRILHANTE & CALDAS, 1999: 37) comenta que

Como é impossível eliminar o risco, o melhor a fazer é tentar estabelecer

uma comparação entre os riscos e os benefícios. Um número maior de

pessoas morreria de frio se o governo banisse o uso de aquecedores a gás,

por causa do risco de incêndios ou explosões. Nesse caso, o benefício

ultrapassa o risco largamente e a decisão, desse modo, torna-se mais fácil.

Não são de todo raras as ocasiões em que a sociedade entende que

determinado produto pode lhe propiciar um risco maior do que o benefício por ele

gerado. É o caso de alguns agrotóxicos organoclorados altamente persistentes no

ambiente, cuja fabricação e uso geral foi proibido no território brasileiro na década

de 8028. Assim também tem sido no campo da energia nuclear para fins pacíficos,

que apesar da pequena probabilidade de acidentes, devido ao rigoroso controle do

processo, pode gerar danos em caso de eventuais falhas cuja magnitude a torna

pouco tolerável do ponto de vista ambiental. Na medida em que compete ao estado

o papel de zelar pelo interesse coletivo, historicamente tem sido reservado a ele

27 São muitos os conceitos hoje existentes para o termo risco. Ogenis Magno Brilhante (BRILHANTE & CALDAS, 1999: 36) entende que um ponto comum entre eles é a inclusão da noção de probabilidade. Citando várias fontes, Ogenis destaca duas definições de risco: como a medida da probabilidade e da severidade de efeitos adversos e como probabilidade de ocorrer acidentes e doenças, resultando em ferimentos e mortes. O Anteprojeto de Lei sobre Proteção da Qualidade do Solo e Gerenciamento de Áreas Contaminadas, que será tratado mais adiante neste Capítulo, define risco como “probabilidade de ocorrência de um efeito adverso em um receptor sensível”. 28 Portaria n° 329, de 2 de setembro de 1985, do Ministério da Agricultura.

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regular os processos de produção de forma a disciplinar e minimizar os diferentes

tipos de riscos à sociedade decorrentes de suas externalidades negativas.

Nas relações entre o meio ambiente urbano e saúde pública, em especial

naquelas áreas consideradas contaminadas, os conceitos não só de saúde, mas

também de avaliação de risco e de exposição são importantes para melhor

compreensão e enfrentamento do problema.

O conceito de saúde muito se alterou ao longo dos tempos. Mudou

conforme a época e as condições de vida da população. Pode-se, no entanto,

pensar em saúde como um estado de equilíbrio e adaptação dos organismos vivos

às condições do ambiente.

A doença é um fenômeno subjetivo, pois depende da suscetibilidade de

cada indivíduo. Alguns autores tendem a definir doença como norma. Ela seria,

então, um desvio negativo do estado de um indivíduo diante de um padrão. Desta

forma, sob o ponto de vista médico/científico, o paciente pode ser considerado

doente quando suas funções se desviam de algum parâmetro preestabelecido, com

conseqüências negativas para a própria pessoa ou para a sociedade. Para o

indivíduo, ausência de saúde está relacionada a diminuição/interrupção de suas

funções ou atividades físicas e mentais, incômodos, sofrimento ou incapacidade de

comportamento normal.

O conceito de bem-estar, no entanto, permite que a saúde seja encarada

de uma forma mais ampla, não apenas como “uma vida sem doença” mas também

como resultado de fatores que resultam numa vida com qualidade. Assim, a

habitação, a renda, a alimentação, a educação, entre outros, são elementos

imprescindíveis para a condição de saúde.

Com este entendimento, a Organização Mundial de Saúde - OMS define

saúde como “um completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência

de doença ou enfermidade”. Trata-se de uma meta ideal, já que termos como

“completo” e “bem-estar” são subjetivos e de difícil mensuração. Esta concepção, no

entanto, estende o significado e a maneira de se pensar a saúde, deslocando-a do

plano individual e situando-a no âmbito do conjunto da sociedade. Uma sociedade

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64

saudável é definida, assim, não só por determinadas características epidemiológicas

mas também por diferentes indicadores, não relacionados, necessariamente, às

informações oriundas do diagnóstico médico. Assim colocado, não basta “tratar” o

indivíduo de forma isolada, sem considerar os diferentes aspectos sociais,

ambientais e, inclusive, urbanos dos quais ele é dependente. Nesse novo sentido,

saúde passa a ser entendida como qualidade de vida, estando dependente não só

das ações terapêuticas mas também, e principalmente, das iniciativas de cunho

preventivo e de promoção de uma vida melhor29.

Como nem sempre é tarefa simples estabelecer vínculos diretos entre um

dano à saúde e suas causas, uma vez que tal processo envolve geralmente muitas

incertezas, foram desenvolvidos diferentes métodos para avaliação e gerenciamento

dos riscos à que esta sujeita a sociedade. Para Ogenis Magno Brilhante

(BRILHANTE & CALDAS, 1999), avaliação de risco é uma caracterização sistêmica

e científica do potencial adverso dos efeitos das exposições humanas a agentes ou

a atividades perigosas. O Anteprojeto de Lei sobre Proteção da Qualidade do Solo e

Gerenciamento de Áreas Contaminadas define avaliação de risco como um “[...]

processo pelo qual são identificados, avaliados e quantificados os riscos à saúde

humana, ao meio ambiente e a outros bens a proteger”.

No caso específico dos riscos ambientais e à saúde relacionados às áreas

contaminadas, destacam-se as metodologias da Agência Ambiental Americana (EPA

– Environmental Protection Agency) e da Agência Americana para Substâncias

Tóxicas e Registro de Doenças (ATSDR – Agency for Toxic Substances and Disease

Registry). A ATSDR está mais diretamente voltada aos aspectos relativos à saúde e

foi criada em 1980 pelo Congresso Americano no âmbito da chamada Lei do

Superfundo (Superfund Law), fundo destinado a identificar e despoluir locais com

resíduos perigosos nos EUA. Em síntese, a metodologia da ATSDR procura avaliar

se as pessoas que moram em determinada localidade estão expostas à

substâncias perigosas, se tal exposição pode afetar a saúde e quais as medidas

que devem ser tomadas para eliminar ou minimizar esta exposição.

29 A respeito desses conceitos, ver Lebrão (1997)

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A exposição pode ser aqui entendida como o contato da população com

os agentes químicos que têm potencial de comprometer sua saúde. Desta forma, a

compreensão de como se dão as relações entre esta população e o ambiente

urbano, seus modos e estilos de vida, padrões de produção e consumo são

fundamentais para a avaliação e minimização de riscos.

Assim, os conceitos de risco e exposição, originalmente inerentes aos

campos ambiental e da saúde pública, podem servir como ferramental de apoio para

os profissionais vinculados ao planejamento e desenho urbano em estudos para

requalificação de áreas contaminadas por substâncias perigosas, áreas estas, como

já visto no Capítulo 1, abundantes na cidade de São Paulo.

2.2 Histórico da regulação de risco30 e zoneamento das atividades

produtivas potencialmente poluidoras

O desenvolvimento da indústria em São Paulo desde cedo se configurou

como um problema de risco à saúde pública e ao meio ambiente. Uma consulta à

legislação paulista da época que coincide com o início do crescimento populacional

mais intenso da cidade de São Paulo, em especial o Código Sanitário de 189431, é

interessante para mostrar as primeiras manifestações efetivas do poder público no

sentido da contenção dos efeitos danosos ao ambiente que a nascente indústria e a

urbanização não planejada começavam a causar.

Os artigos 313 e 314 deste Decreto já mostravam preocupação com os

efeitos da expansão urbana sobre os recursos hídricos: “As matas existentes nas

cabeceiras [dos mananciais] deverão ser conservadas do melhor modo possível” e

“Deverão ser absolutamente proibidas habitações acima das represas e tomadas

30 Lucchesi (2001: 50) entende regulação de risco como algo que “engloba toda a parte de estudos de análise de risco, bem como as regulamentações dela decorrentes e as políticas de gerenciamento do risco empreendidas pelo Estado, [...]” . 31 Decreto nº 233, de 2 de março de 1894. Código Sanitário do Estado de São Paulo.

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d’água”. Além de proteger as áreas de mananciais, a legislação tentava evitar o

lançamento de resíduos nos corpos d’água: “Deve ser proibido o despejo de

matérias residuais nos cursos d’água potável dentro e fora dos povoados,[...]”(Art.

82).

Mas, diante da inevitável expansão das fábricas e oficinas dentro ou

próximas aos núcleos urbanos, o Código previa exceções quanto à proibição do

lançamento de efluentes: “Na falta de canalização de esgotos, os resíduos poderão

ser lançados nos rios, mas depois de purificados” (Art. 173). Porém, este despejo

não deveria ocorrer de forma qualquer: “O lançamento no caso deve ser feito

sempre no meio do rio, onde a corrente é mais forte e também à jusante da

povoação” (Art. 174).

É também interessante verificar como o Código procurava orientar a

localização de potenciais estabelecimentos poluidores e disciplinar o lançamento de

seus efluentes. No caso dos matadouros, assim mandava a lei: “Deverá ficar

próximo de cursos de água, que corram em direção oposta à povoação, e ser

abundantemente abastecido de boa água” (art. 280). Dizia a mesma lei que: “Os

seus resíduos líquidos só deverão ser lançados aos rios depois de depurados e

mesmo neste caso o lançamento deverá ser feito no centro da correnteza, onde as

águas têm maior velocidade” (artigo 281) e “Havendo pequeno volume de água nos

rios é preferível lançar os resíduos líquidos nos campos previamente preparados”

(art. 282).

Nota-se que já naquela época, ainda que de forma não muito elaborada, se

manifestava a preocupação não só com o efluente lançado mas também com a

localização da fonte geradora e a capacidade de autodepuração do corpo receptor.

No tocante ao uso do solo urbano para fins industriais, já era patente o

desejo de regular a localização das atividades produtivas: “As autoridades locais

deverão determinar onde devem ser construídas as fábricas e oficinas, e para onde

deverão ser removidas as que são prejudiciais” (art. 154) e “A natureza das

indústrias regula o maior e o menor afastamento das fábricas em relação aos

centros populosos” (art. 155).

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A natureza das indústrias, que “podem concorrer para modificar o meio

sanitário”, permitia enquadrá-las em 3 categorias: incômodas, perigosas e insalubres

(art. 149). Quando Incômodas32, “[...]rigorosamente não é necessário afastá-las das

habitações, permitindo-se, porém, a permanência delas, desde que não incomodem

nem causem dano aos vizinhos” (art. 159). As Perigosas podiam ficar próximas das

habitações mas “[...] submetidas a rigorosa e eficaz vigilância” (art. 151). Por fim,

eram Insalubres aquelas que “[...] pela natureza da sua produção, não devem ficar

próximas das habitações” (art. 152). O artigo 153 do Código aponta o que para ele

significava distanciamento entre a indústria e a habitação: “Na generalidade dos

casos, as fábricas mais prejudiciais nenhum dano causam a 2000 metros de

distância”.

O Código procurava definir não só a localização das indústrias mas também

o destino de seus rejeitos: “Os resíduos sólidos, que não forem aproveitáveis para

outras indústrias, serão incinerados no estabelecimento ou removidos para fora do

limite urbano” (art. 175). É importante lembrar que ainda em 1918 bairros como

Santana, Lapa, Penha de França, São Miguel, Nossa Senhora do Ó e Butantã eram

ainda distritos considerados “sub-urbanos” (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO

PAULO: 1921). Rolnik (2003: 48) descreve bem a maneira como era construída a

cidade de São Paulo naquela época

para dentro [dos muros da cidade], o comércio, as fábricas não incômodas e

a moradia da elite; para fora, a habitação popular e tudo que cheira mal,

polui e contamina (matadouro, fábricas químicas, asilos de loucos, hospitais

de isolamento etc.).

A partir deste primeiro Código até a década de 70, a legislação sanitária

tentou sem muito sucesso regular os conflitos decorrentes da intensa urbanização e

industrialização. O código de 1918, por exemplo, acompanhando a tendência de

expansão das cidades, divide os serviços de higiene em urbano e rural. Para este

último pouco espaço restou na nova legislação. Apenas 13 dos 682 artigos se

referem ao Código Sanitário Rural.

32 Interessante notar que o termo “incômodo” como critério para caracterizar e segregar atividades produtivas perpassa a legislação urbanística, sanitária e ambiental há mais de um século, como pode ser observado no Código Sanitário de 1894 e numa gama variada de regulações posteriores, como a Lei Federal 6.803/80 e Leis municipais 42.319/02 e 13.885/04.

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68

Mas é após os anos 70 que o poder público estadual começa a se estruturar

de forma mais efetiva para enfrentar os desafios da degradação ambiental que

adquiriam novas configurações em termos de complexidade e magnitude. Em 1968

foi criada a Cetesb33, inicialmente voltada para o desenvolvimento de bases

tecnológicas relacionadas ao saneamento básico. Somente em 1976 o Estado

ganha legislação específica, que estabelece o Sistema de Prevenção e Controle da

Poluição do Meio ambiente, dando ao poder público competência para a regulação

das atividades potencialmente causadoras da poluição das águas, ar e do solo.

A partir daquele ano, o poder público ganhou condições mais efetivas para

intervir em situações ou atividades que pudessem tornar o ambiente “impróprio,

nocivo ou ofensivo à saúde; inconveniente ao bem estar público; prejudicial à

segurança, ao uso e gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade”.

Desde então, passou-se a exigir licenças ambientais para todas aquelas atividades

consideradas como “fontes de poluição”34.

Esta Lei foi regulamentada no mesmo ano de 197635. O regulamento confere

à Cetesb novas competências, como propor aos municípios “normas a serem

observadas ou introduzidas nos Planos-Diretores urbanos e regionais, no interesse

do controle da poluição e da preservação do mencionado meio” (art. 6°). O

Regulamento, no capítulo específico que trata do parcelamento do solo, passa a

exigir manifestação do órgão ambiental quanto à “compatibilidade do

empreendimento [sujeito à licença prévia] com o zoneamento estabelecido para o

local, assim como a sua compatibilidade com a ocupação do solo circunvizinho” (Art.

67). Enquadradas como fontes de poluição, mais de 400 tipos diferentes de

atividades industriais passam a ser classificadas segundo um Fator de

Complexidade, variável numa escala de 1 a 5. Nesta classificação estão incluídas

atividades como, por exemplo, a fabricação de artefatos de tapeçaria e a fabricação

de produtos químicos inorgânicos, entendidos, respectivamente, como atividades de

baixo e alto potencial de impacto ao meio ambiente. Apesar das áreas contaminadas

33 Decreto Estadual 50.079, de 24 de julho de 1968. Cria o Centro Tecnológico de Saneamento Básico (CETESB). 34 Lei Estadual 997, de 31 de maio de 1976. Dispõe sobre o controle da poluição do meio ambiente. 35 Decreto Estadual 8.468, de 8 de setembro de 1976. Aprova o Regulamento da Lei n° 997, de 31 de maio de 1976, que dispõe sobre a Prevenção e o Controle da Poluição do Meio Ambiente.

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não terem assumido o status que lhes é conferido hoje, já se admitia e procurava,

ainda que timidamente, reduzir estes passivos ambientais: “o saneamento das áreas

objeto de deposição, aterramento ou contaminação com materiais nocivos à saúde

pública deverá ser executado previamente ao pedido de Licença de Instalação [...]”

(Art. 69-A).

Em 1978, passa-se a legislar sobre o desenvolvimento e o zoneamento

industrial metropolitano36. A Lei busca estimular a “[...] implantação de indústrias de

vocação ou especialização metropolitana, o direcionamento, a ordenação e o

controle do desenvolvimento industrial na Região,[...]” (Art. 1°). Espera-se com isso

“manter a vitalidade do Parque Industrial da Grande São Paulo [...]”, “promover a

melhor distribuição espacial dos empregos industriais[...]”, ”compatibilizar o

desenvolvimento industrial com a melhoria de condições de vida da população e

com a preservação do meio ambiente”, a “renovação de indústrias obsoletas” e a

“descentralização de estabelecimentos industriais, que não sejam de especialização

ou de vocação metropolitana, [...]” (Art. 1°).

Somente os estabelecimentos industriais que apresentassem características

urbanísticas, econômicas, produtivas e tecnológicas “viáveis” estariam aptos a se

instalar na região. As características viáveis estavam relacionadas à utilização de

recursos humanos especializados, dependência do setor terciário, de alta tecnologia

ou de insumos industriais de origem metropolitana. Para o zoneamento industrial,

mediante o “disciplinamento do uso e ocupação do solo para fins de localização

industrial”, a Lei estabeleceu 3 categorias de zonas de uso industrial: estritamente

industrial (ZEI), predominantemente industrial (ZUPI) e de uso diversificado (ZUD).

Por sua vez, o porte e o tipo de atividade passaram a definir a localização da

indústria, sendo divididos também em categorias. Nas categorias mais restritivas

estavam aquelas atividades industriais com “[...] potencial poluidor do ambiente,

baseado nas emissões, lançamentos ou liberações de poluentes e em razão do tipo,

qualidade do combustível a ser queimado, da matéria prima e do processo a serem

utilizados,[...]” (Art. 12).

36 Lei 1.817, de 24 de outubro de 1978. Estabelece os objetivos e as diretrizes para o desenvolvimento industrial metropolitano e disciplina o zoneamento industrial, a localização, a classificação e o licenciamento de estabelecimentos industriais na Região Metropolitana da Grande São Paulo, e dá providências correlatas.

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70

Ficou proibida então “[...] a implantação, a alteração do processo produtivo e

a ampliação de área construída dos estabelecimentos industriais” considerados

incompatíveis com o interesse metropolitano (Art. 15). A alteração do processo

produtivo destas empresas ficou condicionado à “redução de sua incompatibilidade

com o interesse metropolitano”, cuja avaliação estava a cargo da Secretaria dos

Negócios Metropolitanos. Em outra categoria estavam aqueles empreendimentos

cujas características o tornavam apto a ocupar apenas zonas de uso estritamente

industrial (ZEI). A inovação tecnológica era uma alternativa prevista na Lei para que

as indústrias pudessem se enquadrar em categorias menos restritivas (Art.18).

Qualquer indústria que a partir de então pretendesse se instalar ou mudar suas

características físicas ou operacionais passou a depender, além das licenças

ambientais, da Licença Metropolitana de Localização Industrial, expedida pela

Secretaria dos Negócios Metropolitanos, ou pelo município, quando delegada a

competência.

A regulação da localização industrial progressivamente se intensificava. Em

1978 foi proibida a instalação de indústrias potencialmente poluidoras nas estâncias

hidrominerais, climáticas e balneárias do Estado37; no ano seguinte, vetou-se a

instalação e o funcionamento de indústrias de celulose e papel na bacia de

drenagem do Rio Paranapanema38

Em 1980, o Governo de Estado de São Paulo admite que “[...] em

determinadas áreas do Estado de São Paulo, especialmente na Região

Metropolitana, a poluição das águas e do ar atingiu níveis que afetam a saúde, a

segurança e o bem-estar da população”39. Em razão disso, institui o Programa de

Controle da Poluição Industrial, que previu linhas de financiamento para que, em

especial as pequenas e médias empresas, executassem ações de controle da

37 Lei Estadual n° 1.563, de 28 de março de 1978. Proíbe a instalação nas estâncias hidrominerais, climáticas e balneárias de indústrias que provoquem poluição ambiental. 38 Lei Estadual n° 2.090, de 27 de agosto de 1979. Proíbe a instalação e funcionamento de indústrias de alto risco poluidor na bacia de drenagem do Rio Paranapanema. 39 Decreto n° 14.806, de 04 de março de 1980. Institui o Programa de Controle da Poluição Industrial, e dá outras providências.

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71

poluição ambiental. Os recursos deveriam ser aplicados, entre outros, na

modificação de processos produtivos e relocalização das indústrias40.

Em 1986 proibiu-se a instalação de indústrias químicas, de produtos

inflamáveis ou explosivos e de usinas de concreto na Região Metropolitana de São

Paulo41.

Em 1987 foi proibida a implantação, alteração do processo produtivo e

ampliação da área construída de diversos tipos de estabelecimentos industriais na

bacia do Rio Moji-Guaçu42. Por serem consideradas incompatíveis com o meio

ambiente, indústrias como as que produziam organoclorados, herbicidas, produtos

de limpeza e polimento, desinfetantes, inseticidas, germicidas, fungidicas,

concentrados aromáticos, adubos, fertilizantes, tintas, vernizes, solventes e celulose

ficaram impedidas de se instalar ou expandir na região.

Nove anos após se definir diretrizes para o desenvolvimento industrial

metropolitano são estabelecidas normas para o interior do Estado43. A

compatibilidade entre as atividades industriais e a proteção ambiental deveriam

ocorrer com base na definição de zonas destinadas à instalação de indústrias “[...]

definidas em esquema de zoneamento urbano, estabelecido em lei municipal”. (Art.

1°). Com base nessa premissa, são definidos e estabelecidos 6 tipos de zonas,

cabendo àquelas mais restritivas abrigar empreendimentos que “[...] possam causar

perigo à saúde, ao bem-estar e à segurança das populações” (Art. 2°). Não só as

zonas, mas também as atividades ganham classificação. As mais preocupantes em

termos de risco ambiental, consideradas de extrema periculosidade, são os pólos

petroquímicos, carboquímicos, cloroquímicos e usinas nucleares. Nos casos mais

graves, as indústrias, agrupadas ou isoladas, poderiam ser obrigadas à

“relocalização”.

40 No âmbito federal, ver Lei 6.803/80, de 02 de julho de 1980, para o Zoneamento Industrial em Áreas Críticas de Poluição. Ver Também FILHO & GRECO (1981: 2) para uma análise do tema frente ao II Plano Nacional de Desenvolvimento. 41 Lei Estadual n° 4.963, de 14 de março de 1986. Veda a instalação de indústrias químicas, de produtos inflamáveis ou explosivos e de usinas de concreto pré-misturado na Região Metropolitana de São Paulo. 42 Lei n° 5.560, de 28 de abril de 1987. Restringe as atividades industriais nas áreas de drenagem da Bacia do Rio Mogi-Guaçu. 43 Lei Estadual 5.597, de 6 de fevereiro de 1987. Estabelece normas e diretrizes para o zoneamento industrial.

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72

A geografia da produção no Estado de São Paulo deveria estar condicionada

não só ao potencial de poluição do empreendimento mas também em razão de sua

dependência dos recursos naturais. Em 1988 a implantação de distritos industriais

que fizessem uso de águas subterrâneas passou a depender de “[...] estudos

hidrogeológicos para a avaliação das reservas e do potencial dos recursos hídricos

[...]” 44.

Reconhecendo a discrepância entre a intenção da norma e a lógica própria

da expansão urbana, passa-se a admitir em 1996 usos comerciais de prestação de

serviços em Zonas de Uso Predominantemente Industrial que “tenham sofrido

descaracterização significativa do uso industrial” (Art. 1°), além de flexibilizar as

restrições relativas à expansão industrial nessas zonas45. São incorporadas também

novas abordagens para a avaliação, controle e prevenção da poluição ambiental das

instalações industriais, como a minimização, reciclagem, tratamento ou disposição

segura de resíduos sólidos46, aperfeiçoamento de métodos de produção,

planejamento de produtos, relacionamento com a comunidade e comunicação de

riscos.

Em 1998, a Lei Estadual 9.999, admitiu os usos residencial, comercial, de

prestação de serviços e institucional em Zonas de Uso Predominantemente

Industrial (ZUPIs) que já tivessem “sofrido descaracterização significativa do uso

industrial”47 e não apresentassem contaminação da área. Para avaliar este último

quesito, tornou-se necessário a partir de então que todo empreendimento não

industrial que pretendesse se instalar nessas zonas contassem com parecer técnico

do órgão ambiental estadual, além do atendimento às exigências constantes da

legislação municipal. Desde então, o poder público passou a olhar mais diretamente

para as relações entre passivos ambientais, industrialização e expansão urbana.

44 Lei n°6.134, de 2 de junho de 1988. Dispõe sobre a preservação dos depósitos naturais de águas subterrâneas do Estado de São Paulo, e dá outras providências. 45 Lei Estadual n° 9.472, de 30 de dezembro de 1996. Disciplina o uso de áreas industriais que especifica e dá outras providências. 46 A esse respeito ver a “Convenção da Basiléia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito”, que entrou em vigor em 1996 e do qual o Brasil é signatário (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO (2), 1997). 47 A dificuldade em estabelecer parâmetros para definir “descaracterização” tem gerado pontos de vistas conflitantes no tocante à regulação das zonas industriais.

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73

Em 2002, são feitas alterações na legislação relativa a prevenção e controle

da poluição do meio ambiente48. A partir de então, a expedição de licença ambiental

de instalação fica condiciona à não existência de indícios ou evidências de que

ocorrerá lançamento ou liberação de poluentes nas águas, ar ou solo. Para alguns

estabelecimentos considerados como “fontes de poluição” - loteamentos ou

desmembramento de imóveis, condomínios horizontais ou verticais e conjuntos

habitacionais, independentemente do fim a que se destinam – torna-se necessário

comprovar que a área objeto do licenciamento não apresenta impedimentos à

ocupação proposta, sob o ponto de vista ambiental e de saúde pública, ficando o

licenciamento condicionado ao equacionamento das pendências ambientais. No

caso daquelas áreas objeto de deposição, aterramento ou contaminação com

materiais nocivos à saúde pública, é exigido seu saneamento previamente ao

pedido de licença de instalação. A legislação passa também a considerar a

renovação do licenciamento ambiental, estabelecendo prazo de validade de 5 anos

para a licença de operação.

Também em 2002, Decreto Estadual estabelece prazos de validade para

cada modalidade de licenciamento ambiental e condições para sua renovação49. A

legislação definiu também que os empreendimentos sujeitos ao licenciamento

ambiental deveriam comunicar a suspensão ou o encerramento das suas atividades,

condicionando estes procedimentos à recuperação dos passivos ambientais e

averbação no Registro de Imóveis das restrições ao uso porventura impostos pelo

órgão ambiental.

2.3 Regulação de riscos e áreas contaminadas

48 Decreto n° 47.397, de 04 de dezembro de 2002. Dá nova redação ao Título V e ao Anexo 5 e acrescenta os Anexos 9 e 10, ao Regulamento da Lei n° 997, de 31 de maio de 1976, aprovado pelo Decreto n° 8.468, de 8 de setembro de 1976, que dispõe sobre a prevenção e o controle da poluição do meio ambiente. 49 Decreto n° 47.400, de 04 de dezembro de 2002. Regulamenta dispositivos da Lei Estadual n° 9.509/97, referente ao licenciamento ambiental, estabelece prazos de validade para cada modalidade de licenciamento ambiental e condições para sua renovação.

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Apesar do órgão ambiental do Estado de São Paulo já estar se estruturando

desde o início dos anos 90 para a identificação e intervenção em áreas

contaminadas, foi especialmente a partir de 2001, quando ganhou significativa

repercussão na opinião pública a divulgação de situações de contaminação

ambiental no Estado de São Paulo, envolvendo potenciais riscos à saúde dos

moradores do entorno de empreendimentos industriais ou de antigas áreas de

disposição de rejeitos tóxicos, que o poder público se viu instado a intervir com mais

ênfase na questão.

Assim como a contaminação do solo na Baixada Santista decorrente das

práticas inadequadas de disposição de resíduos tóxicos provenientes de empresa do

Grupo Rhodia - que nas décadas de 80 e 90 teve ampla cobertura da mídia e

resultou na mobilização de amplos setores da sociedade - casos como os da Shell

em Paulínia e em São Paulo, Condomínio Barão de Mauá em Mauá, empresa Ajax

em Bauru e favela Paraguai também em São Paulo50 evidenciaram que o problema

tinha uma amplitude maior do que se imaginava; aproximaram o problema do

cotidiano da população, uma vez que tais ocorrências diziam respeito diretamente à

qualidade de vida e condições de saúde da comunidade; além de difundir a idéia do

despreparo dos órgãos públicos (em especial os voltados à proteção da saúde e do

meio ambiente) para a solução de problemas de tal ordem.

2.3.1 As iniciativas pioneiras no Estado de São Paulo

Nesse contexto, de preocupação com os potenciais ou reais impactos

gerados pelas áreas contaminadas, o poder público foi induzido a propor

regulamentações específicas para lidar com o problema. Em 2003 a Secretaria de

Estado do Meio Ambiente elaborou e apresentou ao Conselho Estadual de Meio

Ambiente (Consema) um anteprojeto de lei sobre Proteção da Qualidade do Solo e

Gerenciamento de Áreas Contaminadas51 mencionando, entre outras, a necessidade

50 Estes casos são abordados no Capítulo 1. 51 Apresentado na 192ª Reunião Ordinária do Plenário do Conselho Estadual de Meio Ambiente – Consema, em 15/10/03, e aprovado conforme Deliberação Consema n° 30/2003, na 194ª Reunião

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75

de “proteger a saúde humana, o meio ambiente e outros bens contra os efeitos

negativos decorrentes de atividades poluidoras”, “articulação dos órgãos públicos”52

e “revitalização de ambientes urbanos degradados pela implementação de políticas

públicas direcionadas à remediação de áreas contaminadas”.

No anteprojeto fica entendido que um dos meios de garantir o uso

sustentável do solo é através do incentivo à reutilização de áreas já remediadas53

(art. 2°) e que o plano diretor e a legislação de uso e ocupação do solo municipal

são instrumentos para a implantação do sistema de proteção do solo e

gerenciamento de áreas contaminadas (art. 4°).

O anteprojeto faz também menção ao que para ele são consideradas

funções do solo. Dentre outras, a sustentação da vida e habitat para pessoas,

plantas e organismos do solo; manutenção do patrimônio histórico, natural e cultural,

além de meio para manutenção da atividade socioeconômica (art. 5°). Propõe-se

ainda que após a remediação de uma área contaminada – cujos valores de

referência de qualidade ambiental do solo seriam variáveis em decorrência do uso

que será dado a ela – seja feita sua averbação no Registro de Imóveis, constando

não só a remediação mas também o uso permitido para o local, definido previamente

pelo órgão ambiental e pela legislação de uso e ocupação do solo (art. 25). Qualquer

novo uso ou ocupação da propriedade estaria condicionado a uma nova avaliação

de risco, tendo em conta o uso pretendido, além de averbação pelo Cartório de

Registro de Imóveis (art. 26).

Os empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental e potenciais

geradores de contaminação ficariam obrigados a comunicar aos órgãos ambientais a

suspensão ou o encerramento de suas atividades, devendo para isso ser elaborado

um Plano de Desativação com descrição da situação ambiental da área e das

estratégias a serem adotadas para recuperação de sua qualidade ambiental.

Ordinária do órgão, em 10/12/2003. Após isto, o Anteprojeto foi enviado ao Governador para apreciação e possível encaminhamento à Assembléia Legislativa. 52 O surgimento de novos casos de contaminação do solo e a intensificação das cobranças da população para avaliação da extensão dos impactos ambientais e de suas implicações à saúde já levara as Secretarias de Estado da Saúde e do Meio Ambiente a estabelecer “procedimentos para ação conjunta em áreas contaminadas por substâncias perigosas”, definidas por meio da Resolução Conjunta SS/SMA – 1, de 06 de junho de 2002. 53 Segundo o Anteprojeto, a remediação de área contaminada consiste na adoção de medidas para a eliminação ou redução dos riscos em níveis aceitáveis para o uso declarado.

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76

No que concerne aos instrumentos econômicos, é proposta a criação do

Fundo Estadual para Prevenção e remediação de Áreas Contaminadas – FEPRAC,

vinculado a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, cujos recursos seriam “[...]

aplicados em operações financeiras destinadas a apoiar e a incentivar a execução

de ações relacionadas com a remediação de áreas contaminadas” (art. 30). Os

recursos seriam provenientes de dotações consignadas no orçamento do Estado,

transferência do saldo de outros fundos, transferência da União, Estado e

municípios, acordos e cooperação internacional, operações de crédito, doações,

compensações ambientais, multas e licenças. Em casos de “perigos iminentes à

saúde pública”, o Estado poderia fazer uso desses recursos, a fundo perdido, para

intervenção no problema.

Por fim, o anteprojeto indica como necessário que os planos diretores

municipais e respectiva legislação de uso e ocupação do solo considerem as áreas

com potencial ou suspeita de contaminação e as áreas contaminadas (at. 39); que a

aprovação de projetos de parcelamento do solo e de edificação devem garantir o

uso seguro das áreas com potencial ou suspeita de contaminação e das áreas

contaminadas (art. 40) e que no licenciamento de empreendimentos em áreas que

anteriormente abrigaram atividades com potencial de contaminação deve ser exigido

o levantamento do passivo ambiental (art. 41). Como veremos neste trabalho, o

município de São Paulo se adiantou, a partir de 2002, na regulação destes aspectos

em razão do grande número de áreas contaminadas ou potencialmente

contaminadas presentes em seu território.

A descoberta e ampla divulgação de casos de contaminação do solo causou

preocupações não só à população mas também aos empreendedores imobiliários.

Para estes, o problema do conjunto residencial Barão de Mauá, no município de

Mauá, implantado em área de antigo depósito de rejeitos industriais, foi emblemático

e significou um alerta para a necessidade de adotar cuidados na avaliação do solo

urbano e aquisição de lotes.

Em reação ao problema, foi elaborado em 2003 um Guia para Avaliação do

Potencial de Contaminação em Imóveis, no âmbito da Câmara Ambiental da

Indústria da Construção (PIRES, 2003). Esta é uma das seis Câmaras Ambientais

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77

da Atividade Produtiva instituídas a partir de 1995 para, em caráter consultivo,

subsidiar as ações da Cetesb. Delas fazem parte representantes dos setores do

comércio de derivados de petróleo, construção, minerais não metálicos, químico e

petroquímico, têxtil e sucroalcooleiro.

Na apresentação do Guia, o Secretário Estadual de Meio Ambiente adianta

o problema que se quer evitar

[...] casos de contaminação do solo, alguns emblemáticos, envolvendo

famílias que, embalados no sonho da casa própria, acabaram adquirindo

imóveis assentados sobre verdadeiros coquetéis de rejeitos químicos

industriais, cujas emanações passaram a constituir verdadeiras ameaças à

sua saúde, transformando a antiga esperança em pesadelo (PIRES, 2003:

9).

Admitindo que “[...] na maioria das vezes, a existência de contaminação no

imóvel é desconhecida dos empreendedores imobiliários, tanto públicos como

privados” (PIRES, 2003: 21), o trabalho procura prevenir os “[...] erros que, no

últimos anos, têm levado à construção de edificações em terrenos contaminados

[...]”. (PIRES, 2003: 11). Neste quadro de incertezas generalizadas quanto à

qualidade do ambiente urbano, a avaliação do passivo existente do próprio lote não

é suficiente para garantir tranqüilidade ao empreendedor, pois “[...] a contaminação

proveniente de um terreno vizinho ou situado nas proximidades pode também causar

danos ou impor riscos ao imóvel” (PIRES, 2003: 22).

Assim, o Guia foi elaborado para

[...] orientar empreendedores imobiliários, profissionais e empresas afins

sobre as precauções e os procedimentos a serem adotados antes da

realização de uma transação imobiliária, ou do início da implantação de um

empreendimento, para verificar se a área a ser ocupada apresenta

contaminação que coloque em risco a saúde pública e o meio ambiente

(PIRES, 2003: 11).

Nele é proposta uma metodologia para identificar indícios de contaminação

em imóveis que receberão novos empreendimentos, “[...],notadamente em áreas que

foram aterradas ou que foram ocupadas por indústrias,[...]” (PIRES, 2003: 25).

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78

Para sensibilizar os empreendedores acerca das conseqüências de

intervenções imobiliárias em áreas potencialmente contaminadas, não pareceu

suficiente elencar apenas os possíveis riscos à saúde pública e ao meio ambiente. O

Guia lembra então a possibilidade do comprometimento da imagem da empresa e,

mais importante, que

A remediação das áreas contaminadas, a remoção e destinação adequada

de resíduos industriais, assim como o desmonte e a disposição dos

resíduos de demolição de antigos edifícios fabris, que se encontram

contaminados, são atividades de alto custo (PIRES, 2003: 33).

Desta forma, adquire significativa importância o que se fez – ou o que se

deixou de fazer – na cidade para efeito de renovação ou expansão urbana. Não é

por outro motivo que a primeira das etapas básicas sugeridas pelo Guia para

avaliação ambiental de um imóvel seja o levantamento do histórico de sua ocupação

e da vizinhança.

Reconhecendo que ainda não existe no Brasil uma legislação específica

para as questões que envolvam áreas contaminadas, o Guia dá destaque à

regulação do uso do solo como instrumento relevante para o controle do problema,

fazendo menção, a título de exemplo, à legislação do município de São Paulo.

2.3.2 Áreas contaminadas como fator limitante do desenvolvimento urbano da

capital paulista.

As políticas municipais mais diretamente voltadas ao desenvolvimento

urbano em áreas impactadas por contaminação do solo e de controle dos riscos

decorrentes da ocupação dessas áreas são também recentes e pioneiras.

O Estatuto da Cidade54, de 2001, teve papel importante no desenvolvimento

dessas políticas, pois propiciou uma série de instrumentos para regulação e

54 Lei Federal n° 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.

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intervenção na qualidade do ambiente urbano, com implicações na questão das

áreas contaminadas.

Se considerarmos que o Estatuto representa uma

[...] possibilidade de intervir efetivamente no crescimento da cidade,

promovendo uma ocupação mais intensa nas áreas onde a infra-estrutura é

mais presente e dessa maneira reduzindo a pressão pela urbanização das

áreas periféricas, sem infra-estrutura e ambientalmente frágeis55,

pressupõe-se que numa cidade como São Paulo, onde parte significativa dessa

infra-estrutura está localizada em áreas anteriormente ocupadas por indústrias ou

outras atividades potencialmente impactantes do ponto de vista ambiental, a adoção

de políticas urbanas desta ordem devam ser acompanhadas de medidas que

garantam o uso e ocupação sem riscos adicionais à população.

Interessante notar que o Estatuto, “[...] objetivando ordenar o pleno

desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana,[...]” (art.

2°), indica, entre outros, a necessidade de planejamento do desenvolvimento das

cidades como forma de “[...] evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e

seus efeitos negativos sobre o meio ambiente”. Menciona, também, como diretriz

geral para o desenvolvimento das funções sociais a “adoção de padrões de

produção e consumo de bens e serviços e de expansão urbana compatíveis com os

limites de sustentabilidade ambiental,[...]” (Art. 2°, inciso VIII). Levando em conta o

caso da cidade de São Paulo, é necessário admitir que estes limites de

sustentabilidade ambiental já há muito se colocam como ponto crucial para qualquer

política de desenvolvimento urbano.

Em 2002 a administração municipal reconhece que

[...] o município de São Paulo vem sofrendo, nas últimas décadas,

modificação de seu perfil econômico, com a desativação de parte de seu

55 Texto de Renato Cymbalista para apresentação do Estatuto da Cidade em “Dicas Instituto Pólis: Idéias para a Ação Municipal”, n° 181, 2001. (http://www.polis.org.br) .

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parque industrial e conseqüente ocupação dessas áreas para novas

finalidades”56.

Diante do problema, considera necessário identificar as áreas contaminadas e a “[...]

definição de instrumentos de intervenção que levem a ações articuladas, tanto de

caráter preventivo como corretivo”. Assim, estabelece que

qualquer forma de parcelamento, uso e ocupação do solo, inclusive de

empreendimentos públicos, em áreas consideradas contaminadas ou

suspeitas de contaminação, só poderá ser aprovada ou regularizada após a

realização, pelo empreendedor, de investigação do terreno e avaliação de

risco para o uso existente ou pretendido,[...](Art. 3°).

O Decreto entende como importante no processo de decisão para a

reabilitação de áreas contaminadas a garantia da participação da população

eventualmente afetada. É estabelecida também a obrigatoriedade da manutenção

de um cadastro de áreas contaminadas, base para a fiscalização preventiva por

parte das subprefeituras, que devem impedir qualquer tipo de ocupação irregular.

Abre-se a possibilidade também para que sejam utilizados nas Operações Urbanas

instrumentos de incentivo à reabilitação dessas áreas (art. 7°).

Em 2002, é aprovado o Plano Diretor Estratégico do Município de São

Paulo57. Segundo a Lei, nele estão definidos, entre outros, a política de

desenvolvimento urbano do município e seu “plano urbanístico-ambiental” (Art. 3°). A

melhoria da qualidade do ambiente urbano, um dos objetivos gerais do Plano,

permeia as intenções expressas em seus 307 artigos. Ele se compromete a corrigir

as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio

ambiente, além de interferir em situações de proximidade ou conflitos entre usos

incompatíveis ou inconvenientes e em áreas urbanas deterioradas (Art. 10)58 .

56 Decreto Municipal n° 42.319, de 21 agosto de 2002. Dispõe sobre as diretrizes e procedimentos relativos ao gerenciamento de áreas contaminadas no Município de São Paulo. 57 Lei Municipal n° 13.430, de 13 de setembro de 2002. Dispõe sobre o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo. 58 O papel dos Planos Diretores nas cidades brasileiras é abordado por Maricato (2000), que demostra sua histórica desvinculação da gestão urbana, caracterizando-os como “discurso pleno de intenções mas distante da prática”. Rolnik (2003) aborda também a questão, com enfoque na restrita aplicabilidade da legislação urbanística em nossas cidades.

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81

Na política para resíduos sólidos tem-se como diretriz, entre outras, “a

recuperação ambiental e paisagística das áreas públicas degradadas ou

contaminadas e a criação de mecanismos para que o mesmo se dê em áreas

particulares” (Art.71). No entanto, para os interesses deste trabalho, os artigos 190 e

253 se destacam. O primeiro faz referência aos controles adicionais para o

desenvolvimento do “caráter urbanístico ou ambiental”, definidos a partir da Lei de

Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo ou leis específicas. Nesse sentido, o Plano

entende que devam ser “[...] consideradas de interesse ambiental as áreas

contaminadas ou suspeitas de contaminação, que só poderão ser utilizadas após

investigação e avaliação de risco específico”. O artigo 253 institui o Programa de

Intervenções Ambientais para, entre outros, identificar e reabilitar para novos usos

as áreas contaminadas. Cabe destaque também para o estímulo “[...] ao crescimento

da Cidade na área urbanizada, dotada de serviços, infra-estrutura e

equipamentos,[...]” e à “[...] reestruturação e requalificação urbanística para melhor

aproveitamento de áreas dotadas de infra-estrutura em processo de esvaziamento

populacional ou imobiliário;” (Art. 76). No que concerne à política de habitação, o

Plano promete coibir novas ocupações em áreas de risco e intervir em áreas

degradadas e de risco, “[...] de modo a garantir a integridade física, o direito à

moradia e a recuperação da qualidade ambiental dessas áreas” (Art. 80).

O Plano trata também das ações estratégicas da Política Habitacional,

fazendo menção, entre outras, à quantificação e qualificação de problemas relativos

às áreas com solo contaminado (art. 81). Ao abordar o macrozoneamento do

município, faz-se distinção entre as macrozonas de Proteção Ambiental e as de

Estruturação e Qualificação Urbana. Às primeiras é atribuída a necessidade de “[...]

manter ou restaurar a qualidade do ambiente natural e respeitar a fragilidade dos

seus terrenos”, nas segundas o uso e ocupação do solo estão subordinados às “[...]

exigências relacionadas com os elementos estruturadores e integradores, à função e

características físicas das vias, e aos planos regionais a serem elaborados pelas

prefeituras”.59

59 Segundo o Plano Diretor Estratégico, os elementos estruturadores do espaço urbano são as redes hídrica, viária, de transporte público coletivo e de eixos e pólos de centralidades; já os elementos integradores dizem respeito à habitação, equipamentos sociais, áreas verdes, espaços públicos e espaços de comércio, serviço e indústria.

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82

Em razão da heterogeneidade dos ambientes construídos constantes da

Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana, esta é subdividida em

macroáreas: de Reestruturação e Requalificação Urbana, de Urbanização

Consolidada, de Urbanização em Consolidação e de Urbanização e Qualificação.

De maior interesse à esta pesquisa, a Macroárea de Reestruturação e

Requalificação Urbana inclui

[...] o centro metropolitano, a orla ferroviária, antigos distritos industriais e

áreas no entorno das marginais e de grandes equipamentos a serem

desativados, foi urbanizada e consolidada há mais de meio século, período

em que desempenhou adequadamente atividades secundárias e terciárias,

e passa atualmente por processos de esvaziamento populacional e

desocupação dos imóveis, embora seja bem dotada de infra-estrutura e

acessibilidade e apresente alta taxa de emprego (art. 155).

O Plano Diretor define ainda a localização das Macroáreas de

Reestruturação e Requalificação Urbana: distritos da Barra Funda, Bela Vista, Bom

Retiro, Brás, Cambuci, Liberdade, Mooca, Pari, República, Santa Cecília, Sé, Vila

Leopoldina, e também

[...] áreas das Operações Urbanas existentes e propostas, pelas atuais

zonas de uso industrial Z6 e Z7 e ZUPI criadas por Lei Estadual, pelas

áreas de Projetos Estratégicos e pelas Áreas de Intervenção Urbana ao

longo das linhas de transporte de alta capacidade (art. 155).

Nestas macroáreas espera-se obter “[...] transformações urbanísticas

estruturais para obter melhor aproveitamento das privilegiadas condições locacionais

e de acessibilidade, [...]”. Para isto é preciso, entre outras medidas, reverter o “[...]

esvaziamento populacional através do estímulo ao uso habitacional de interesse

social e da intensificação da promoção imobiliária”, melhorar a qualidade dos

espaços públicos e do meio ambiente.60

60 O Plano Diretor Estratégico indica instrumentos urbanísticos e jurídicos que devem ser utilizados prioritariamente nas Macroáreas de Estruturação e Requalificação, que serão abordadas no Capítulo 3.

Page 83: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

83

Na seção que trata do zoneamento são definidas 3 diferentes tipos de zonas

na cidade61: Exclusivamente Residenciais – ZER, Industrial em Reestruturação –

ZIR e Mistas (art. 159). As Zonas Industriais em Reestruturação – ZIR correspondem

às “[...] porções do território em processo de reestruturação com a implantação de

usos diversificados e ainda destinados à manutenção e instalação de usos

industriais” (art. 162).

O Plano Diretor cria também Zonas Especiais que são “[...] porções do

território com diferentes características ou com destinação específica e normas

próprias de uso e ocupação do solo, edilícia, situadas em qualquer macrozona do

Município, (...)” (art. 167). Nesta categoria estão as Zonas Especiais de Interesse

Social – ZEIS, destinadas “[...], prioritariamente, à recuperação urbanística, à

regularização fundiária e produção de Habitações de Interesse Social – HIS ou de

Mercado Popular [...]” (art. 171). Refletindo o receio da ocupação de áreas

contaminadas, a Lei procura impedir o parcelamento do solo naquelas ZEIS que “[...]

apresentem risco à saúde, ou à vida,” (art. 181), especialmente, entre outros, em

“terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde pública, salvo se

previamente saneados”, “nas áreas em que a degradação ambiental impeça

condições sanitárias adequadas à moradia digna” e “nas áreas contaminadas no

subsolo ou lençol freático por infiltrações químicas que causem dano à saúde”.

Ao tratar das diretrizes para revisão de uso e ocupação do solo, o Plano

Diretor menciona a possibilidade de controles adicionais das leis de zoneamento e

de uso e ocupação do solo “[...] tendo em vista desenvolver o caráter urbanístico ou

ambiental”. No que concerne às áreas de interesse ambiental, estão nelas

enquadradas, também, as “[...] áreas contaminadas ou suspeitas de contaminação,

que só poderão ser utilizadas após investigação e avaliação de risco específico” (art.

190).

O Plano Diretor, ao tratar dos instrumentos de gestão ambiental, define que

o zoneamento ambiental – a ser instituído por lei – deverá ser observado na

legislação de Uso e Ocupação do Solo. Para sua elaboração deverá ser

considerado, entre outros fatores, “o cadastro de áreas contaminadas disponíveis à

61 Mais especificamente, na Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana.

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84

época de sua elaboração” (art. 249). Institui também o Programa de Intervenções

Ambientais, com a finalidade de “[...] proteger, recuperar e melhorar a qualidade

ambiental do município”. Entre as ações previstas nesse Programa está a

“identificação e reabilitação, para novos usos, de áreas contaminadas”62

Em 2003, Lei Municipal63 estabeleceu diretrizes para disciplinar a

“aprovação do solo, edificação ou instalação de equipamentos em terrenos

contaminados ou suspeitos de contaminação por materiais nocivos ao meio

ambiente e à saúde pública”. A partir de então, tornou-se necessária a apresentação

de Laudo Técnico de Avaliação de Risco para aprovação daqueles

empreendimentos a serem instalados em terrenos considerados “contaminados ou

suspeitos de contaminação”. Segundo a Lei, o Laudo deve comprovar a existência

de condições ambientais aceitáveis para o uso pretendido do imóvel. Enquadra-se

na categoria de suspeitos de contaminação todos aqueles lotes que tenham

abrigado atividades relacionadas ao depósito e manuseio de produtos químicos ou

radioativos, hospitais, postos de abastecimento de combustíveis, minerações,

cemitérios ou aterros sanitários. Prevendo a necessidade de reabilitação das áreas

afetadas, a Lei facultou à prefeitura a definição de regras urbanísticas específicas

para “resguardar a saúde pública e a qualidade ambiental”, ou seja, vincular o uso

do solo à remediação por meio de regras específicas.

Em agosto de 2004 foi publicada Lei complementar ao Plano Diretor

Estratégico que aprova os planos regionais e disciplina o uso e a ocupação do solo

no município de São Paulo64, incorporando e regulamentando aspectos das

legislações anteriormente tratadas no que diz respeito, entre outros aspectos, ao

zoneamento industrial e passivos ambientais. Segundo seus proponentes, “O novo

zoneamento cria condições para uma criteriosa mistura de usos e

atividades”(PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO [1], 2004: 6). Ao

62 Na implantação do Programa de Intervenções Ambientais, o Plano Diretor prevê o uso de instrumentos, entre eles o Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta Ambiental – TAC, que será abordado no Capítulo 3. 63 Lei Municipal n° 13.564, de 24 de abril de 2003. Dispõe sobre a aprovação de parcelamento do solo, edificação ou instalação de equipamentos em terrenos contaminados ou suspeitos de contaminação por materiais nocivos ao meio ambiente e à saúde pública. 64 Lei nº 13.885, de 25 de agosto de 2004. Estabelece normas complementares ao plano diretor estratégico, institui os planos regionais estratégicos das Subprefeituras, dispõe sobre o parcelamento, disciplina e ordena o uso e ocupação do solo do município de São Paulo.

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85

considerar que São Paulo é um cidade mista por excelência, a Lei “[...] reconhece

essa realidade e incentiva o uso misto, protegendo o direito de morar com mais

qualidade ambiental" (idem: 12).

No tocante às atividades industriais”, o novo zoneamento “[...] reconhece as

alterações ocorridas nos processos industriais [...] desde a última regulamentação

[de 1972] [...]” motivo pelo qual confere maior relevância aos processos produtivos

do que ao tamanho das edificações para classificar essas atividades em

compatíveis, toleráveis ou incômodas em relação à convivência com outros usos. Ao

atentar para a natureza das atividades industriais e o processo produtivo utilizado, a

legislação concede às chamadas “indústrias limpas” o direito de se instalar em zonas

mistas65. Já os usos industriais classificados como “especiais”, cujas atividades

possam “[...] causar prejuízo à saúde, à segurança, ao bem-estar público [...]”(art.

164) ficam proibidos de se instalarem no território municipal.

No que diz respeito à contaminação do solo, a Lei também condiciona a

aprovação de projetos em áreas contaminadas ou suspeita de contaminação por

“material nocivo ao meio ambiente e à saúde pública” à apresentação de Laudo

Técnico Conclusivo de Avaliação de Risco. São suspeitos de contaminação todos os

lotes que abrigaram anteriormente indústrias químicas, petroquímicas, metalúrgicas,

farmacêuticas, montadoras, têxtil/tinturarias, além de depósitos de resíduos, de

materiais radioativos, de materiais provenientes de indústrias químicas, aterros

sanitários, cemitérios, minerações, hospitais, postos de abastecimento de

combustíveis. Se comprovada a contaminação, o proprietário de lote fica obrigado a

apresentar projeto de recuperação ambiental (art. 201).

65 Para efeito da distribuição ou restrição das atividades industriais no território municipal, a lei classifica seus usos em compatíveis, toleráveis, incômodos e especiais.

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86

Capítulo 3

Requalificação urbana de áreas

contaminadas

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87

Capítulo 3

Dentro de um ciclo permanente de desequilíbrio e reequilibro,

correspondendo a situações de inadequação e readequação

dos espaços, vai sendo tecida a história da cidade” (MEYER,

1986: 115)

Renovação, requalificação, revitalização, reabilitação, entre outros. Os

termos usados para designar as ações voltadas a intervenção na cidade se

distinguem – quando não se confundem – em decorrência de múltiplos fatores,

especialmente os de ordem ideológica e econômica.

Desta forma, a “renovação” estaria relacionada àquelas ações urbanas

pouco afetas à manutenção do existente, à conservação do patrimônio. Haveria

neste modo de agir um incômodo com o lento evoluir, com a paciente e contínua

agregação das experiências e conflitos sociais na arquitetura da cidade,

compromissado que estaria na construção do novo. Paradigma da renovação

urbana, o Movimento Moderno teria sido pródigo no pensar e agir baseado nesses

princípios

A “revitalização” ou “requalificação” são utilizadas por muitos autores como

contraponto às práticas mais radicais de demolição/reconstrução, próprias à

renovação urbana. A revitalização/requalificação ensejaria uma maneira menos

traumática – ou mais respeitosa - de transformar a cidade, que procuraria

compreender e interagir com o contexto do ambiente a ser alterado. Nesse sentido,

o respeito à tradição da comunidade e à cultura local, a atenção às relações da área

com seu entorno e aos laços sociais existentes seriam alguns dos pressupostos

básicos para o planejamento e a ação.

O termo “reabilitação” tem sido encampado mais recentemente por

determinados autores para expressar um modo de intervenção urbana voltado à

superação dos passivos ambientais e econômicos resultantes de um histórico de

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88

industrialização pouco preocupado com suas externalidades negativas. A

reabilitação teria como metas a devolução das áreas impactadas ao ciclo econômico

da cidade e o desenvolvimento urbano sustentado.

É preciso ressaltar que estes termos ora se aproximam ou se distanciam

conforme o contexto e as intenções daqueles que deles se apropriam. Como

veremos no último capítulo, a expressão “requalificação urbana” é adotada nesta

pesquisa por seu autor entendê-la mais próxima e adequada à temática aqui

abordada: a qualidade de vida da população em áreas impactadas por

contaminação do solo.

3.1 Renovação, revitalização, requalificação e outras intervenções

no ambiente urbano.

A intensidade na alteração do ambiente construído variou muito ao longo da

história das cidades. A respeito da evolução das cidades, Santos sintetiza com

propriedade a questão

[...], uma vez fundadas, as cidades vivem se refazendo, jamais estão

prontas. Talvez esse enfrentamento do espaço e do tempo através de

ações sociais se pudesse chamar com mais propriedade de história – de

história urbana pelo menos” [...]. “Há cidades que param. Deixam de se

transformar através dos diálogos, nem sempre mansos, entre espaço e

tempo. A rigor, não deveriam ser chamadas de cidades” (SANTOS, 1986:

59).

Meyer (1986: 115) se manifesta também em relação ao assunto

É difícil contestar o caráter orgânico da cidade, e portanto a sua

predeterminação às mudanças e à evolução cíclica, que envolve estágios

de crescimento, transformação, adaptação, decadência, revitalização e

outros. A capacidade de captar novos estímulos e novas demandas

gerando respostas adequadas, é a marca definitiva da vitalidade urbana.

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89

No entanto, os processos de transformação urbana adquiriram maior

dinâmica a partir do advento das práticas capitalistas, quando o comércio, e depois

as indústrias, promoveram crescente aglomeração do homem nas cidades.

Esta dinâmica implicou constantes alterações na qualidade do meio urbano,

levando a sociedade a valorizar ou relegar parcelas da cidade de acordo com as

lógicas sociais e econômicas do momento. Em muitos períodos da história tal

situação exigiu a intervenção do poder público no sentido da reversão de

determinadas tendências ou alteração de situações estabelecidas que contrariavam

os interesses e as lógicas vigentes na ocasião.

De acordo com Del Rio (1991: 8), já em fins do século XVI são registradas

intervenções em áreas centrais da cidade de Roma, superpondo uma nova estrutura

sobre o tecido existente. Duas catástrofes, o incêndio de 1666 em Londres e o

Terremoto de 1756 em Lisboa, exigiram também grandes intervenções do poder

público nos centros já consolidados dessas cidades. Foi, porém, com as iniciativas

do prefeito Haussmann na Paris da segunda metade do século XIX, “marco nas

transformações das práticas de Estado para com a cidade”, que “os novos espaços

e elementos surgidos iriam contrariar as estruturas existentes e impor novas

lógicas”66 (DEL RIO, 1991: 8). Segundo o mesmo autor,

“[...] foi a partir do ‘aburguesamento’ do espaço urbano, da consolidação do

capitalismo e de sua expansão permitida pela Revolução Industrial, que as

cidades, principalmente os seus centros, viriam a receber ampla e

sistematicamente o impacto decorrente de políticas públicas e suas ações

‘corretivas’” (1991: 8).

Com o Movimento Moderno, surgido nas primeiras décadas do século XX,

as ações voltadas à renovação urbana adquirem características mais intensas, com

tendência à negação da cidade existente e construção de um novo modelo voltado

ao atendimento das necessidades de um homem idealizado, e, portanto, abstrato.

Nuno Portas, citado por Del Rio (1991: 13), descreve o método de trabalho adotado

por Le Corbusier, um dos principais ícones do Movimento Moderno: “[...] substituição

66 As transformações urbanas em Paris e sua repercussão em outras cidades da Europa e América do Sul, inclusive no Rio de Janeiro é tratada por Moraes (1998: 114), Paulo Santos (MUSEU NACIONAL DE BELAS ARTES 1982: 12), Filho (1986: 111) e Amádio (1998: 28).

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90

pura e simples das estruturas físicas existentes como condição apriorística da

adaptação das cidades herdadas às necessidades da vida moderna”. Para Jane

Jacobs, também em Del Rio (1991: 14), o urbanismo modernista “não leva em

consideração a vida comunitária, as vantagens das altas densidades e das

diversidades de funções e topologias edilícias”.

Para Del Rio (1991: 11) a metodologia “arrasa quarteirão” da renovação

urbana do movimento moderno buscava a obtenção de maiores densidades,

expulsão da população residente e livrar-se das “deseconomias” de mercado. Para o

autor, o movimento implicava colocar toda a técnica e progresso industrial na

perseguição de melhores condições de vida e moradia, numa visão futurista ingênua

e otimista. Neste contexto, as intervenções mostravam-se “[...] impessoais,

esteticamente pouco aceitas, limitadas em sua capacidade funcional, destituídas de

animação que caracteriza os centros urbanos e extremamente elitistas,[...]” (1991:

61).

Santos (1986: 61) abordou a prática desse modelo em nossas cidades:

Teorias de urbanismo, pouco testadas, ajudaram a implantar uma política

de terras arrasadas. Imaginava-se que, abrindo claros, a pujança e a

valorização de núcleos hipercongestionados iriam se alastrar. Crença

ingênua, pois as leis do crescimento urbano não correspondem à dos

vegetais nos trópicos.

Segundo AMADIO (1998: 29),

[...], a renovação urbana surge inicialmente como uma perspectiva de

solução, dentro das concepções do Movimento Moderno a um quadro de

urgências econômicas e sociais, desencadeado pela crise de entre-guerras

e o período pós-guerra na Europa e América do Norte.

Para Portas (1986: 94), a renovação urbana seria caracterizada por uma

[...] corrente sobretudo a partir do pós-guerra e enunciado em textos

doutrinários como o da mais conhecida “Carta de Atenas”, publicada em

1943 pela mão de Le Corbusier, nos quais se postulava a substituição pura

e simples das estruturas físicas existentes como condição apriorística da

adaptação das cidades herdadas às “necessidades da vida moderna”.

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91

O modelo de intervenção modernista teria se mostrado pouco sustentável,

do ponto de vista econômico, nas suas iniciativas de demolição/reconstrução, pois

dependiam de fortes investimentos públicos, resultando em grande “[...], volume de

recursos envolvidos e carência de soluções para a maioria dos moradores” (LUCINI,

1996: 02). Além disso, o modelo ficou, a partir dos anos 60, sujeito à “crítica quanto

ao impacto dos empreendimentos sobre o meio ambiente e a vida das comunidades,

e a própria qualidade dos espaços urbanos e da arquitetura”(DEL RIO, 1991: 59).

Esta crítica era particularmente contundente no que tange aos programas

habitacionais, que “[...] rompiam com toda rede social e econômica original dos

moradores” (DEL RIO, 1991: 61).

Estas formas de interferência no espaço urbano também se fizeram sentir no

Brasil. Amádio (1998: 31) cita que “No Brasil os períodos ligados ao

desenvolvimentismo dos anos 50 e do ‘milagre brasileiro’, na passagem dos anos 60

à década de 70, foram caracterizados por intervenções urbanas com enfoque na

renovação”. O autor cita a reurbanização da Praça Roosevelt e Praça da Sé, em São

Paulo, como exemplo da reestruturação radical dos espaços pré-existentes.

Os propósitos da renovação urbana foram também bastante contestados,

uma vez que serviriam exclusivamente às necessidades do capital financeiro. Ao

comentar a respeito da ruptura dos padrões históricos de evolução urbana, Meyer

(1986: 115) cita a entrada em cena das falsas demandas,

[...] das demandas externas ao ciclo urbano, produzidas pela

transformação da cidade em objeto de consumo, onde as transformações

são ditadas pelas regras de especulação fundiária e imobiliária. Simula-se a

obsolescência do espaço físico e funcional, possibilitando e facilitando a

instalação do outro, mais propício às exigências do capital financeiro.

Para a autora, “A priori, as propostas de renovação possuem compromissos com

multiplicação dos lucros fundiários e imobiliários” (MEYER, 1986: 115).

As críticas aos paradigmas modernistas, aliada às crises políticas e

econômicas que se sucederam, motivaram a busca de novas alternativas às

intervenções nos centros urbanos. A partir de então, ganham importância, em

contraponto à muitas vezes traumática renovação urbana, propostas que

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92

contemplavam a requalificação ou revitalização urbana. Adquirem peso políticas de

intervenção que advogam maior respeito ao existente e a participação mais ativa da

comunidade. Del Rio (1991: 31) menciona que a partir desses princípios,

“desenvolveu-se a concepção atualmente prevalente que reza uma intervenção

progressiva, flexível e contínua, através de etapas muitas vezes pequenas em áreas

concentradas”. Mais adiante, o autor (1991:36) afirma que os processos de

desenvolvimento e intervenção em áreas centrais se distanciam dos conceitos de

renovação urbana e se tornam mais vinculados “a uma realidade compartida por

diversos segmentos da comunidade”. Concordando com esta postura Santos (1986:

109) afirma que “quanto mais rápida e economicamente eficaz, a operação e os

seus efeitos tendem a se tornar mais brutais”.

A revitalização seria, desta forma, um conceito abrangente, pressupondo

uma “nova postura que se distancia igualmente tanto dos processos traumáticos de

renovação quanto das atitudes exageradamente conservacionistas” (DEL RIO, 1991:

36), envolvendo práticas vinculadas à renovação seletiva de áreas deterioradas,

desenvolvimento de áreas desocupadas, preservação de interesse histórico e

cultural, reciclagem cuidadosa de usos em imóveis históricos, promoção de novos

usos e recuperação ambiental.

Nas palavras de Del Rio (1991: xx), a revitalização deveria promover “nova

vida” às áreas, tanto econômica quanto socialmente, transformando a “imagem

pública” de uma área. Segundo o autor, tal transformação implica em processos

perceptivos e cognitivos próprios à revitalização. Para Del Rio, existiriam

[...] imagens coletivas, ou públicas, coincidentes a grupos de cidadãos,

formando um repertório comum e relativo a um lugar e seus elementos

urbanos, que servirão para caracterizar a percepção deste lugar segundo

estes grupos populacionais (1991: xxiii).

Desta forma, a percepção ambiental permitiria lidar com os paradigmas, as

imagens e as expectativas do público usuário e potencial (DEL RIO, 1991: 3). Nesta

condição, os usuários seriam “[...] como instrumentos de medição e identificação da

qualidade de diferentes ambientes e, portanto, suas experiências, percepções e

expectativas devem constar das atividades avaliadas” (DEL RIO, 1991: x).

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93

Citando casos do uso de ferramentas de revitalização nas políticas de

desenvolvimento - como as ocorridas em São Francisco, Boston, Baltimore, Nova

Iorque, Londres, Hamburgo, Barcelona e Nápoles – o autor descreve os objetivos

destas iniciativas: “alterar a imagem da área de intervenção perante a população e

os potenciais investidores”. Assim, “as imagens das áreas a receberem esforços e

ações conjuntas promovidas pelo poder público deveriam mudar de ‘negativas’ para

‘positivas’, de ‘decadentes’ para ‘em recuperação’, de ‘perigosas’ para ‘seguras e

animadas’” (1991: xxi).

É importante destacar também as duras críticas que vários autores

dedicaram a modelos de intervenção urbana como os de Barcelona, classificados

por David Harvey - citado por Vainer (2000: 85) - como “empresariamento da

gestão urbana”. Esta nova forma de planejamento, dito estratégico, teria, segundo

Vainer (2000: 75), ocupado o vazio deixado pela derrocada do tradicional padrão

tecnocrático-centralizado-autoritário de planejar a cidade, submetendo-as às

mesmas condições e desafios que as empresas. Neste contexto, a “competitividade

urbana” se sobreporia a temas como crescimento desordenado, reprodução da força

de trabalho, equipamentos de consumo coletivo, movimentos sociais urbanos,

racionalização do uso do solo etc. O discurso a permear o planejamento estratégico

estaria então articulado em “[...] três analogias constitutivas: a cidade é uma

mercadoria, a cidade é uma empresa, a cidade é uma pátria” (VAINER, 2000: 77)

Para Lucini (1996: 03) a crise do modelo de renovação urbana, baseado em

ações voltadas à demolição/reconstrução, cedeu lugar a iniciativas de requalificação

urbana setorial e recuperação seletiva de edificações. Neste contexto, o

planejamento urbano centralizado teria se retraído em favor de um padrão que

demandaria um “redesenho urbano setorial”, envolvendo necessariamente a

participação real da comunidade no processo, além de maior direcionamento aos

aspectos relativos às características de localização, valor intrínseco

(econômico/social), condições de habitabilidade e destino de uso. De acordo com o

mesmo autor (1996: 92), os processos de requalificação urbana de edificações na

Europa estariam direcionados a “[...] melhorar as condições vivenciais da cidade e

incrementar por reabilitação o estoque habitacional”. Desta forma, a requalificação

seria voltada à melhoria da qualidade da vida urbana.

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No entendimento de Amádio (1998: 32), as operações de requalificação

teriam como principais características a valorização do patrimônio edificado como

elemento de importância aos ambientes urbanos, a primazia dos espaços públicos

como articuladores dos demais elementos urbanos, a valorização dos marcos e

referências como elemento de vitalidade e a autonomia das comunidades e grupos

sociais na recuperação de seus espaços de vida.

Portas (1986) também aborda o assunto, fazendo distinções conceituais

entre a intervenção na cidade existente, a produção urbana de extensão ou criação

de novos aglomerados, as intervenções sobre o patrimônio que visam o seu restauro

monumental e a “renovação urbana” (renewal, renovation). Para este autor,

intervenção na cidade existente seria definido como um

[...] conjunto de programas e projetos públicos ou de iniciativas autônomas

que incidem sobre os tecidos urbanizados dos aglomerados, sejam antigos

ou relativamente recentes, tendo em vista a sua reestruturação ou

revitalização funcional (atividades ou redes de serviços); a sua recuperação

ou reabilitação arquitetônica (edificação e espaços não construídos,

designadamente os de uso público), finalmente a sua reapropriação social e

cultural (grupos sociais que habitam ou trabalham em tais estruturas,

relações de propriedade e troca, atuações no âmbito da segurança social,

educação, tempos livres etc.) (PORTAS, 1986: 94).

Para o autor, a contribuição inovadora ao tema da cidade existente resultaria

da confluência dos seguintes vetores: a ampliação do conceito de patrimônio

arquitetônico; a tomada de consciência por órgãos da administração municipal local

da importância do stock construído; a emergência de movimentos sociais nos bairros

históricos, opondo-se à erradicação da famílias existentes a pretexto do saneamento

das condições ambientais e a crise dos conceitos e receitas da arquitetura urbana

face à decepção com os resultados das novas urbanizações dos anos 60 (PORTAS,

1986: 95).

Segundo ainda Portas, ao se opor às iniciativas mais radicais da “renovação

urbana” as intervenções na cidade existente não devem sacralizar toda a edificação

pelo fato de já existir, mas sim tomar

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95

[...] como um dado econômico e cultural a estrutura da cidade, de seus

bairros e centros, dos seus edifícios, ruas e quintais, e também como um

dado social a trama de relações sociais e de atividades que aquelas

estruturas físicas suportam e refletem (PORTAS, 1986: 94).

Desta forma, este nova concepção procuraria “[...] a integração física e

social de cada área do conjunto urbano, privilegiando as seqüências de espaços

públicos e sítios mais ou menos heterogêneos mas sempre testemunho de

memórias coletivas” (PORTAS, 1986: 94). As iniciativas deveriam, assim, privilegiar

intervenções fragmentárias ou sistemáticas de melhoria do existente, devendo ser

coordenadas pela esfera de governo local “[...] mais próxima do teatro de operações

e dos atores diretamente envolvidos”.

Nas discussões acerca dos modelos de alteração dos centros urbanos, um

aspecto vêm ganhando relevância desde a década de 70: a presença de passivos

ambientais. Para determinadas áreas urbanas, anteriormente ocupadas por

empreendimentos industriais ou outras atividades produtivas com potencial de

contaminação do solo, fez-se necessário desenvolver políticas específicas de

intervenção, uma vez que envolvia uma variável só recentemente considerada nas

políticas urbanas: a possibilidade de exposição da população a substâncias

químicas perigosas.

3.2 Reabilitação/revitalização de áreas industriais degradadas

A intervenção em áreas industriais degradas é um dos componentes

importantes das políticas de requalificação das cidades, especialmente daquelas,

como São Paulo, cujas aglomerações industriais estiveram historicamente

entrelaçadas ao tecido urbano. Uma das principais peculiaridades destas em relação

às demais áreas degradadas nos centros urbanos diz respeito ao potencial de

contaminação que suas atividades passadas, ou ainda presentes, encerram. Tal

característica implica muitas vezes na existência de passivos ambientais, que

ameaçam diretamente a saúde e qualidade de vida dos usuários dessas áreas ou de

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96

seu entorno. Apesar de só nos últimos 20 anos o poder público e a sociedade nos

países mais desenvolvidos terem efetivamente despertado para o problema, alguns

governos vêm lidando de forma bastante pragmática com o assunto, procurando

“reabilitar” tais áreas perante o mercado imobiliário.

Brownfields, Brachflächen, Derelict land e Altlasten são alguns dos termos

usados em países que passaram por processos mais intensos de industrialização e

urbanização para designar os

espaços ociosos e abandonados, onde no passado se desenvolveram

atividades industriais e comerciais, muitas vezes agressivas ao meio

ambiente, resultado de uma exploração e utilização extensiva do solo e dos

recursos naturais” (MARKER, 2003:5) 67.

Tais conceitos dizem respeito, portanto, àquelas áreas urbanas ocupadas

por atividades industriais que, por variados motivos, se distanciaram dos interesses

econômicos da cidade, tornando-se ociosas ou subutilizadas. A retomada da

atenção por tais áreas está associada à necessidade de requalificação dos espaços

urbanos degradados e da contenção das tendências de espraiamento das cidades,

cujas conseqüências se fazem sentir nos planos econômico, social, sanitário e

ambiental.

Para Marker (2003: 5), o gerenciamento das áreas urbanas degradadas vem

sendo contemplado já há algum tempo nas políticas de desenvolvimento regional e

urbano, de fomento à economia e de meio ambiente dos países do hemisfério norte.

Segundo o autor,

A reabilitação de áreas já ocupadas, utilizadas e atualmente abandonadas,

baldias e economicamente ociosas, muitas vezes contaminadas ou

degradadas pelo uso passado, representam uma das prioridades nas

políticas de ordenamento e planejamento territorial e da gestão do solo,

fazendo parte integral do gerenciamento dos recursos espaciais-territoriais

(land management, Flächenressourcenmanagement).

67 Para Marker (2003: 5), “A definição inglesa de derelict land (Susskraut el al., 2001) se refere à ‘solo danificado pelas atividades industriais e outros de maneira que fica impedido seu uso sem tratamento específico’. Brachflächen, na Alemanha, é uma ‘área degradada, ociosa e abandonada na qual pode ou não existir contaminações reais que dificultam a sua reutilização’. Segundo USEPA (2003) Brownfield significa ‘propriedades abandonadas ou subutilizadas cuja reutilização é dificultada pela presença real ou potencial de substâncias perigosas poluentes ou contaminantes”.

Page 97: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

97

O autor esclarece que a reabilitação tem êxito quando a área é

comercializada, indicando que as medidas adotadas para segurança e saneamento

foram adequadas. Diferencia-se da remediação, cuja eficiência é medida pela

contenção ou eliminação do risco. Pela abrangência, a reabilitação insere-se no

conceito de desenvolvimento sustentável das cidades. Estas políticas compreendem

os instrumentos de planejamento e a implementação de ações que visam diminuir e

controlar o uso excessivo do solo e reintegrar as áreas ociosas e degradadas ao

ciclo econômico.

Marker (2003: 7) traça um histórico da evolução das políticas públicas dos

países europeus e Estados Unidos nestes últimos 30 anos no que se refere à

reabilitação das áreas industriais degradadas categorizando-as em três diferentes

estágios:

- Década de 70: Políticas reativas diante da detecção de áreas contaminadas com

risco a saúde humana, baseadas em leis que focavam na defesa ao perigo e

inibiam a reutilização.

- Década de 80: abordagem corretiva do problema, com o estabelecimento de leis

que regulamentam a questão da responsabilidade legal e apresentam critérios

para remediação conforme o uso do solo;

- Década de 90: Leis que minimizam a responsabilidade, incentivam e viabilizam a

reutilização através da relação entre objetivo da remediação , uso futuro do solo

e flexibilização dos padrões.

As abordagens reativa e corretiva do problema, próprias às décadas de 70 e

80, teriam estigmatizado as áreas, colocando-as em situações legalmente

complicadas, uma vez que eram estabelecidas metas muitos exigentes de

descontaminação e restrições quanto ao uso futuro destes locais. Esta vinculação

das ações de remediação e reutilização de áreas contaminadas a critérios restritivos

ou extremamente conservadores entraram “[...] em colisão com as políticas de

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98

desenvolvimento, muitas vezes conflitando com as leis de planejamento e uso do

solo” (MARKER, 2003: 8)68. Para o autor (2003: 11),

Freqüentemente existem conflitos entre as secretarias de meio ambiente por

um lado e de planejamento e habitação por outro, em função das diferentes

atribuições e interesses destas entidades. Não é raro que as restrições

ambientais entrem em conflito com os objetivos do desenvolvimento urbano.

Marker (2003: 9) descreve também diversas iniciativas recentes nos países

desenvolvidos para reabilitação das áreas urbanas contaminadas. Nos EUA foi

criado em 1994 o Brownfield Economic Redevelopment Iniciative, programa federal

para

tornar mais eficiente e flexível a reutilização econômica dessas áreas, e o

Small Business Liability Relief and Brownfield Revitalization Act, de 2002,

que estabelece critérios para isenção financeira dos agentes interessados

na revitalização de Brownfields.

Outras iniciativas, na esfera estadual, têm procurado flexibilizar a

responsabilidade e os padrões para remediação de áreas visando a sua

revitalização, como o “certificate of completion”, instrumento legal que fixa objetivos,

medidas e procedimentos aplicados a uma remediação, conforme o uso que se

queira dar a área. No estado de Maryland, por exemplo, o Priority Funding Areas

define “regiões de desenvolvimento prioritário”, de acordo com critérios ambientais,

para, entre outros, a “revitalização de Brownfields”, inibindo o consumo de áreas não

edificadas e vinculando a liberação de recursos a projetos de desenvolvimento

urbano sustentáveis. Em nível municipal, há também diversas iniciativas para

minimizar a ocupação de greenfields (áreas verdes não edificadas), muitas delas

baseadas em “programas de desenvolvimento regional ou fomento à economia

regional”.

Sánchez (2001: 140) também aborda a situação nos Estados Unidos

afirmando que lá “[...] há sérios problemas de desenvolvimento urbano associados à

68 Marker (2003: 8) cita como exemplos de “impedimentos no desenvolvimento econômico e decadência social” as regiões industriais tradicionais, em Pittsburg e Buffalo, no EUA; e Liverpool, na Inglaterra; além das regiões carboníferas da França, Bélgica, Inglaterra e Alemanha, onde “[...] nos anos 70 aconteceu um forte declínio da indústria pesada deixando atrás passivos ambientais enormes”.

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99

grande quantidade de antigos terrenos industriais”. Ao comentar a respeito das

razões do uso de incentivos fiscais no programa chamado Brownfield, desenvolvido

pela Environmental Protection Agency (EPA), o autor menciona que eles devem

facilitar

[...] a recuperação dessas áreas pela iniciativa privada e sua reincorporação

ao tecido urbano, favorecendo usos menos exigentes do solo, ou seja,

atividades que possam ser desenvolvidas de maneira segura sem que a

área deva necessariamente ser limpa em níveis comparáveis aos existentes

antes da contaminação, que é a abordagem clássica do programa

Superfund.

Marker (2003: 12) considera que

Em relação à revitalização de áreas degradadas, a Alemanha, mais que os

Estados Unidos, baseia-se e utiliza a legislação de planejamento e

ordenamento territorial. Isto se explica pelo fato de que já existe uma

integração entre questões ambientais e de desenvolvimento sustentável em

tais leis.

No tocante à legislação de planejamento e ordenamento territorial e de obras

na Alemanha, o autor cita a Lei de Ordenamento Territorial (Raumordnungsgesetz),

que “regulamenta o planejamento do uso do solo e prioriza a reutilização de áreas

degradadas”, e o planejamento de expansão urbana (bauleitplanung), que “insere e

prioriza a reutilização/reabilitação de áreas no planejamento”. Versões mais recentes

da Lei Federal de ordenamento territorial, de 1989 e 1993 (Bau-und

Raumordnungsgesetz) priorizam a fortalecimento das áreas rurais e verde e os

aspectos ambientais, enfatizando o uso e o consumo moderado de espaços livres.

Nestas novas revisões, a Lei Federal Alemã exige, entre outros, a

[...] manutenção das condições de moradia que garante a salubridade e o

bem estar da população, a preservação dos bairros tradicionais e o uso do

solo de maneira econômica e cuidadosa, preservando as áreas verdes

rurais e florestais (MARKER 2003: 14).

Ainda no que diz respeito à Alemanha, Marker (2003: 15) menciona a Lei

Federal de Proteção do Solo e Remediação de Áreas Contaminadas (Bundes-

Bodenschutzgesetz), de 1998, identificando dois aspectos importantes na

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100

reabilitação de áreas contaminadas: os valores de referência (aplicados para

determinar se um certo uso é tolerável ou se há indicações para a existência de um

risco) e os planos para investigação e remediação. No que concerne à remediação,

a lei prevê um contrato de remediação,

[...] um instrumento central na reabilitação de áreas que acelera este

processo, já que ele representa um acordo ou ajuste público-privado que,

desde o início, fixa e sintoniza os objetivos da remediação com o novo uso

que se quer dar à área, levando em consideração interesse dos envolvidos

[...] (MARKER, 2001: 15).

Ao tratar do financiamento e dos instrumentos econômicos para reabilitação

de áreas degradas na Alemanha, Marker (2003: 21) comenta que “[...] 40% das

mediadas implementadas [para reabilitação] são realizadas através de parcerias

público-privadas, seguido de financiamentos exclusivamente privados em 32% e

exclusivamente público em 24% das reabilitações realizadas”. O autor aborda

também as “Sociedades de Desenvolvimento Estadual”

(Landesentwicklungsgesellschaft), criadas por lei em vários estados da Alemanha.

Estas empresas, de direito privado majoritariamente estadual, atuam segundo regras

de mercado e têm comprado, reabilitado e comercializado uma quantidade

significativa de áreas industriais abandonadas e muitas vezes contaminadas69.

Nos Países Baixos, estima-se que as áreas degradadas ocupem de 90 a

100 km², gerando a necessidade do desenbolso de cerca de US$ 363 milhões por

ano com medidas de revitalização urbana. No Reino Unido, a estimativa é que as

áreas degradadas correspondam a 39,6 km², motivo pelo qual existem quatro

programas governamentais que tratam da reabilitação de áreas degradadas. O

programa Town and Country Planning System “[...] inibe a utilização exagerada de

áreas verdes através de um mecanismo que força a autoridade local de

planejamento a checar o potencial de reabilitação de áreas degradadas antes de

69 Marker (2003: 21) cita o exemplo do Fundo Imobiliário de NRW, que, no período compreendido entre 1980 e 1997, “[...] comprou 2400 hectares de áreas degradadas, majoritariamente industriais. Deste total 971 há foram reabilitadas e desenvolvidas para o ciclo econômico (40,5%)”. Neste mesmo período, o autor afirma que cerca de US$ 1,16 bilhões “[...] foram investidos na reabilitação de áreas de interesse urbanístico ou regional que estavam desvalorizados em decorrência de degradação ou contaminação”.

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101

ocupar áreas verdes” (MARKER, 2003: 16). No que diz respeito ao Canadá,

Sánchez (2001: 98) afirma que

A conversão de edifícios industriais tem sido empregada em Montreal como

uma resposta à atual dinâmica econômica, que impõe o fechamento ou a

transferência de indústrias, e ao mesmo tempo com a finalidade de

revitalizar antigos bairros industriais, em declínio por essa mesma razão.

3.3 Bases legais e econômicas para requalificação de áreas

contaminadas no município de São Paulo

Como já abordado nos capítulos anteriores, em período pouco superior a

cem anos, São Paulo testemunhou ciclos intensos de transformação urbana,

caracterizados pela demolição e reconstrução sistemática de seus prédios. O

fenômeno levou Toledo (1981: 67) a comparar a cidade a um palimpsesto: “um

imenso pergaminho cuja escrita é raspada de tempos em tempos, para receber outra

nova, de qualidade literária inferior, no geral. Uma cidade reconstruída duas vezes

sobre si mesma, no último século”.

A renovação intensa do construído caminhou paralela à expansão

descontrolada da periferia, que implicou o espraiamento do tecido urbano para além

de seus limites político-administrativos. Entende-se hoje, no entanto, que este

modelo se mostrou pouco sustentável e gerador de exclusão social. Para Lucini

(1996: 2) “investir no novo destruindo o existente e expandindo a cidade sem limites

significa atender grupos reduzidos de demanda com condições econômicas de

enfrentar esse processo”. Como mostrado no Capítulo 2 deste trabalho, novas

legislações, em especial o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo,

procuram reverter este quadro por meio da redução da pressão pela urbanização

das áreas periféricas e valorização das áreas centrais degradadas, inclusive

daquelas anteriormente ocupadas por atividades potencialmente poluidoras.

Neste contexto, uma das iniciativas do poder público municipal que merece

destaque é o projeto “Revitalização de Áreas Degradadas por Contaminação”. O

projeto é realizado pela Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente com suporte

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102

técnico da Agência Alemã de Cooperação Técnica – GTZ (Deutsche Gesellschaft für

Technische Zusammenarbeit), que desenvolve projetos de gestão ambiental urbana

para municípios brasileiros em cooperação com o Ministério do Meio Ambiente70.

Para justificar a iniciativa, a Prefeitura de São Paulo admite que o não

reconhecimento do poder público dos passivos ambientais, permitiu a instalação de

novas atividades em áreas potencialmente contaminadas, com riscos à saúde

pública. Por este motivo, a recuperação e revitalização de áreas urbanas

contaminadas e degradadas é objeto atual de preocupação da prefeitura, que tem

procurado se organizar do ponto de vista legal e institucional para melhor abordar o

problema, buscando um “modelo de gerenciamento para a recuperação de áreas

degradadas por contaminação” (PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO [1],

2003: 1).

Alguns dispositivos legais criados recentemente no âmbito municipal, como

apresentados no Capítulo 2 deste trabalho, proporcionaram instrumentos de

incentivo, de responsabilização e de regulamentação para ocupação de áreas

contaminadas. Uma pesquisa realizada pelo município no âmbito do projeto

“Revitalização de Áreas Degradadas por Contaminação” procuram destacar e avaliar

alguns instrumentos legais e econômicos passíveis de serem utilizados para

recuperação de áreas contaminadas.

Dentre os instrumentos classificados como de incentivo, destacam-se as

Operações Urbanas Consorciadas e a Outorga Onerosa do Direito de Construir,

ambas previstas como instrumentos de política urbana no Estatuto da Cidade71 e no

Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo.

70 O Projeto Gestão Ambiental Urbana – ProGAU é um projeto da Cooperação Técnica Brasil /Alemanha, integrado ao Programa Gestão Ambiental, Urbana e Industrial, e tem como responsável político-institucional o Ministério do Meio Ambiente. Segundo seus idealizadores, o ProGAU visa “fortalecer e aperfeiçoar a capacidade gerencial dos órgãos municipais competentes para que estes, em parceria com outros atores locais, atuem com maior eficiência na melhoria da qualidade ambiental urbana”. Outras informações podem ser obtidas no site: www.gau.org.br. 71 O Estatuto da Cidade (Lei Federal n° 10.257/01, abordada no Capítulo 2 deste trabalho) considera Operação Urbana Consorciada “[...] o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”. Já a outorga onerosa é “o direito de construir exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário”.

Page 103: LUÍS SÉRGIO OZÓRIO VALENTIM

103

A pesquisa do município aborda também alguns instrumentos ditos de

responsabilização - aqueles que possibilitam exigir dos proprietários a recuperação

das áreas -, como o parcelamento, edificação e utilização compulsórios do solo

urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado; o IPTU progressivo no tempo e a

desapropriação mediante títulos da dívida pública. Estes são também instrumentos

de política urbana previstos no Estatuto da Cidade para garantir a função social da

propriedade urbana.

Por fim, a pesquisa trata dos Instrumentos de Regulação para Ocupação de

Áreas Contaminadas, cujas diretrizes estão hoje definidas no Decreto n° 42.319/02 e

Lei n° 13.564/03. Uma vez que esta legislação impõe exigências ao proprietário de

terrenos contaminados ou suspeitos de contaminação - que deverá proceder

detalhada investigação ambiental e avaliação de riscos – alerta-se que

O decreto e a lei criam restrições à ocupação de áreas contaminadas que,

com a implementação do cadastro e dos respectivos procedimentos,

certamente acarretarão dificuldades para a implantação de

empreendimentos, criando ou mantendo terrenos ociosos e aumentando a

demanda de áreas a serem reabilitadas” (PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE

SÃO PAULO [1], 2003: 13).

No tocante aos instrumentos econômicos para reabilitação de áreas

contaminadas, a pesquisa os divide naqueles “[...] que representam fundos com

destinação específica e aqueles que prevêem incentivos fiscais através da renúncia,

temporária ou permanente, de recolhimento dos impostos pela prefeitura”

(PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO [1], 2003: 14). Dois fundos

municipais com algum potencial para o financiamento da recuperação de tais áreas

se destacam: o Fundo Municipal de Meio Ambiente (FEMA) e o Fundo de

Desenvolvimento Urbano (FUNDURB).

As conclusões da pesquisa apontam que os instrumentos legais hoje

existentes

[...] não permitem uma aplicação específica para o fomento à revitalização

de áreas contaminadas, embora em algumas regiões em reestruturação as

ações possam ser facilitadas, principalmente através do instrumento de

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104

outorga onerosa (PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO [1], 2003:

17)72.

Outro instrumento que pode adquirir caráter complementar ou suplementar

aos ainda incipientes mecanismos públicos para financiamento das ações de

revitalização urbana em áreas contaminadas é o Termo de Compromisso de

Ajustamento de Conduta (TAC). Hoje largamente utilizado pelos órgãos ambientais e

Promotorias de Justiça para imputar responsabilidade corporativa aos poluidores e

garantir a avaliação e remediação de passivos ambientais, o TAC pode se configurar

também, em determinadas situações, como instrumento importante para

intervenções voltadas à melhoria da qualidade de ambientes urbanos contaminados.

3.3.1 Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) no contexto

da requalificação urbana de áreas contaminadas.

A figura jurídica conhecida como Termo de Compromisso de Ajustamento de

Conduta (TAC) foi criada em 1985, no âmbito da Lei de Ação Civil Pública73. O TAC

tem por objetivo

[...] a recuperação do meio ambiente degradado por meio da fixação de

obrigações e condicionantes técnicas que deverão ser rigorosamente

cumpridas pelo infrator em relação à atividade degradadora a que deu

causa, de modo a cessar, adaptar, recompor, corrigir ou minimizar seus

efeitos negativos sobre o meio ambiente (GOVERNO DO ESTADO DE SÃO

PAULO [1]: 1997, 4).

O TAC tem a eficácia de um título executivo extrajudicial, pois propicia a

imediata execução judicial das obrigações pactuadas (sem a necessidade de todo o

processo de conhecimento, que antecede a fase de execução judicial), permitindo

72 O Projeto “Revitalização de Áreas Degradadas por Contaminação” realizou também um extenso levantamento bibliográfico acerca de pesquisas acadêmicas ou outras iniciativas referentes ao tema, com avaliação de cerca de 200 referências publicadas no Brasil. Observou-se que “[...] quando o assunto é recuperação, com remediação e reabilitação para um novo uso, não há trabalhos publicados” (PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃOPAULO [2], 2003: 13). 73 Lei Federal n° 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Posteriormente, a Lei Federal 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispõe sobre a proteção do consumidor, acrescentou nova redação ao artigo 5° da Lei de Ação Civil Pública facultando que “[...] órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais [...]”.

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105

adaptar às exigências legais a conduta daqueles que causaram danos ao meio

ambiente.

Inicialmente prerrogativa circunscrita ao âmbito judicial e ao Ministério

Público, a tomada de ajustamento de conduta foi estendida ao poder executivo

estadual com a publicação em 1997 de resolução da Secretaria de Estado do Meio

Ambiente (SMA)74. Invocando a necessidade de evolução no modo de atuar da

administração pública, que deve buscar formas alternativas de cumprimento da

legislação ambiental, e argumentando que “O modelo jurídico de simples punição

tem se mostrado em parte ineficaz quando se trata de defender o Meio Ambiente”

(GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO [1]: 1997, 3), a SMA procurava formas

mais ágeis e eficazes para a recuperação dos passivos ambientais.

A partir de então, o TAC vem sendo freqüentemente utilizado como

instrumento alternativo ou complementar às sanções administrativas aplicadas pelas

órgão ambiental, para garantir a efetiva execução, por parte do poluidor, de

investigações ambientais, avaliações de risco à saúde humana e

recuperação/reconstituição do meio ambiente degradado. Em virtude das

implicações não só ambientais que as áreas contaminadas encerram, os TACs vêm

mais recentemente incorporando cláusulas pertinentes às questões relacionadas à

saúde pública e uso e ocupação do solo na área contaminada e em seu entorno.

Um exemplo disto é o TAC firmado em 2003 entre o Ministério Público do

Estado de São Paulo, Cetesb, Esso Brasileira de Petróleo Limitada e ExxonMobil

Química Ltda., em decorrência dos passivos ambientais existentes no terminal de

combustíveis instalado no bairro da Mooca, em São Paulo, pertencente às empresas

em questão. Entre outras exigências, o TAC prevê avaliações e tratamento de

saúde, além do fornecimento de água potável aos moradores locais, caso as

avaliações ambientais indiquem impactos no entorno da propriedade e eventuais

exposições humanas. O TAC restringe também o uso da área até a plena

“descontaminação, remediação e recuperação ambiental da área”.

74 Resolução SMA n° 5, de 07 de janeiro de 1997. Institui o compromisso de ajustamento de conduta ambiental, com força de título executivo extrajudicial, no âmbito da Secretaria do Meio Ambiente, da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental – Cetesb e da Fundação Florestal do Estado de São Paulo, e dá outras providências.

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106

No município mineiro de Nova Lima foi firmado, em 2002, um TAC entre a

prefeitura, a Fundação Estadual de Meio Ambiente, a empresa Anglo Gold e a

Promotoria de Justiça do município em virtude da existência de cinco depósitos de

rejeitos de mineração contendo arsênio na região. Além de estabelecer obrigações à

empresa para um controle mais efetivo desses depósitos, o TAC prevê o

financiamento da avaliação de saúde da população eventualmente exposta ao

contaminante e a “revitalização” destes locais75.

Exemplo mais amplo da abertura desses instrumentos aos aspectos de

qualidade urbana e de vida de população pode ser observado no caso da Shell Vila

Carioca, assunto do próximo capítulo. Mesmo ainda não assinado, o TAC da Vila

Carioca, cuja elaboração envolveu diferentes atores – órgãos ambientais e de saúde

pública municipais e estaduais, representantes da comunidade, empresa poluidora e

ministério público - , pode ser considerado importante referência, como veremos

adiante, para o uso mais eficaz desses termos em benefício da população

potencialmente exposta e da cidade em geral.

75 Arsênio: riscos e polêmica, in Jornal Manuelzão: saúde, meio ambiente e cidadania, páginas 8 e 9, ano 7, número 28, setembro de 2004. Editado pela Universidade Federal de Minas Gerais.

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107

Capítulo 4

Estudo de caso: contaminação do solo na

Vila Carioca

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108

Capítulo 4

Não é verdade que os bairros mais desatendidos são muitas

vezes o lugar onde a solidariedade humana suscita gestos de

maior desprendimento e generosidade? João Paulo II -

Discurso aos trabalhadores no Estádio do Morumbi, 3VII.1980

(TOLEDO, 1981)

4.1 Evolução urbana na região da Vila Carioca

Brás, Mooca, Ipiranga, entre outros bairros. Como já abordado nos

capítulos anteriores, a gênese da industrialização na capital paulista está

estreitamente relacionada ao percurso das estradas de ferro. A Vila Carioca, no

bairro do Ipiranga, se localiza junto à várzea do rio Tamanduateí, nas bordas da

primeira ferrovia implantada no Estado: a São Paulo Railway, ou Santos-Jundiaí76.

A ocupação industrial da região do Ipiranga data dos primeiros anos do

século XX. Em 1906 começa a funcionar a Fiação, Tecelagem e Estamparia

Ipiranga-Jafet, primeira indústria de porte a implantar-se no bairro. Segundo Barro e

Bacelli (s/d: 107), em 1906 os irmãos Jafet compraram 6.000 m² de “baratíssimas”

terras no Ipiranga, entre as ruas do Manifesto, Patriotas, Sorocabanos e Agostinho

Gomes, área esta logo expandida para 16.000 m². Em 1919 a industria já

empregava 1200 operários, que faziam uso de 800 teares. Em 1907 se instala na

rua do Manifesto a indústria Linhas Corrente S.A. (denominada popularmente no

passado como Fábrica de Linha dos Ingleses) - hoje considerada a mais antiga

fábrica ainda em funcionamento no bairro77 - voltada à fabricação de linhas para

76 Conforme descrito no Capítulo 1, a Vila Carioca situa-se em área definida por Langenbuch como Faixa Industrial de Beira-Linha, que concentrou grande parte das fábricas implantadas nas primeiras décadas da industrialização paulistana. 77 A empresa é uma filial do grupo inglês Coats Viyella PLC, cujas origens remontam a 1812. Ocupa ainda hoje área de 50.000 m² na rua do Manifesto, empregando cerca de 3.000 trabalhadores. Para

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109

costura, fios para tricô e bordados, entre outros acessórios. Em 1909 é a vez da

industria Silex, do ramo metalúrgico, ocupar uma área de 40.000 m² no Ipiranga,

iniciando a produção anual de 150 toneladas de louça esmaltada. Barro e Bacelli

(s/d: 110), citando a “trindade” Estamparia Ipiranga, Linhas Corrente e metalúrgica

Silex, afirma que “Não há morador antigo do Ipiranga que não tenha trabalhado,

direta ou indiretamente, pelo menos para uma delas”. Segundo o autor, em 1915 já

se contabilizava cerca de 1500 trabalhadores nessas três indústrias. Destes, pouco

mais de 20% residiam no bairro.

Apesar da tendência à industrialização, na primeira década do século XX

a região não se caracterizava pelo assentamento mais intenso de moradores.

Segundo Barros e Bacelli (s/d: 110), o Ipiranga “[...] tinha o m² vendido a preços

irrisórios, devido à improdutividade da terra, reconhecida por todos, e à dificuldade

de lá se chegar, cousa que o tornava fora de cogitação. Mesmo para os mais

necessitados”. Logo após a primeira década, Langenbuch (1970: 147) aponta

alterações nesse quadro: “[...] as fábricas precediam o estabelecimento residencial

maciço. Mas os operários eram paulatinamente atraídos ao lugar pela conveniência

oferecida pelo custo relativamente baixo dos terrenos e pela vizinhança das

fábricas”.

A ocupação, no entanto, era ainda incipiente. Analisando a planta da

cidade de São Paulo, elaborada em 1922 pela Comissão Geográfica de São Paulo,

Langenbuch (1970: 132) observa que “[...] Nossa Senhora do Ó, Casa Verde,

Santana, Penha, Vila Gomes Cardim, Vila Prudente, Ipiranga e Vila da Saúde

continuam isoladas, territorialmente separados do resto da cidade”.

Apartado ou não do núcleo urbano central, a região continua a despertar

o interesse do setor industrial. Em 1918 as Indústrias Reunidas Francisco Matarazzo

(IRFM) adquirem a fábrica de sabão, óleo e graxa Pamplona, instalada desde 1896

na confluência do rio Tamanduateí e ribeirão dos Meninos. No local, eram fabricados

maiores detalhes consultar Linhas corrente é a mais antiga fábrica em operação, in Ipiranga News On Line. Suplemento especial da edição n° 347, de setembro de 2004.

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110

produtos à base de gordura animal, passando a partir dos anos 30 a produzir uma

variada gama de produtos químicos.78.

Ainda na década de 20 começa a funcionar na av. Presidente Wilson a

primeira linha de montagem de veículos da General Motors. A partir de então,

diversas outras indústrias se instalaram no bairro, entre elas a fábrica de artefatos

Artex, serraria Frandoli, Metalúrgica Mercúrio e Indústria de Papel e Celulose Bates

do Brasil. Na década de 1930,

O Ipiranga continuará a crescer em demografia, residências e fábricas,

enquanto certos bairros como Liberdade e Sé ficam estagnados, Bom

Retiro, Brás e Moóca, também eminentemente fabris, retrocedem, já

estrangulados pela ocupação irracional” (BARRO e BACELLI, s/d: 63).

No período de 1920 a 1940, Langenbuch (1970: 170) destaca o notável

crescimento dos considerados na ocasião como “bairros periféricos e subúrbios” da

Capital, no qual o Ipiranga se inscreve. Nesse período, a região compreendida pelos

distritos do Ipiranga, Vila Mariana-Saúde e Vila Prudente passam de 34.676 para

189.654 habitantes. Foi, de longe, a região que mais agregou população no período,

correspondendo a 21,3% do crescimento do município. De acordo com o autor, “Este

notável crescimento corresponde ao adensamento da ocupação dos antigos ‘bairros

isolados’ e à paulatina ocupação dos loteamentos que surgem em seus arredores,

quer contínuos, que isolados [...]” (1970: 172).

A ocupação do bairro, no entanto, ocorre de maneira desigual,

condicionada, entre outros fatores, pelo relevo:

Os mais aquinhoados ocuparão preferencialmente as casas e terrenos

localizados nos trechos altos, obrigando a saída dos que primeiramente as

ocupavam. Estes fluirão para locais próximos, consolidando as futuras Vila

Independência, Dom Pedro e Carioca e demais que circundam o Ipiranga

(BARRO e BACELLI, s/d: 64).

78 Segundo Cunha (1997: 47) em 1932 inicia-se a produção de ácido sulfúrico, celulose de linter e rayon. A partir de 1946, as IRFM passam a produzir soda cáustica, cloro e seus compostos e BHC técnico. Nas décadas de 70 e 80 entram em operação outras unidades de produção de substâncias químicas variadas. Tais atividades geraram grandes passivos ambientais até hoje não remediados.

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111

Neste período, novos estabelecimentos industriais de vulto surgem no

Ipiranga, como a fiação e tecelagem Lutfalla, fábrica de linhas Alete Marconcini,

Serralgodão Comércio e Indústria, Companhia de Máquinas Hobart-Dayton do

Brasil, Swift Armour e Companhia Brasileira de Petróleo Ipiranga. Barro e Bacelli

(s/d: 114), ao citar o crescente interesse para uso industrial do bairro entende que

A conduta desregrada da Prefeitura nestes anos é patente. A indústria, seja

qual for seu ramo, instala-se indiscriminadamente, Laminações, serrarias,

cotonifícios, com suas fornalhas e chaminés poluidoras, ladeiam fábricas de

produtos alimentícios e farmacêuticos. Na década seguinte [1940] a

cegueira governamental beiraria o criminoso.

Mesmo neste contexto de acelerada ocupação do território, o início da

década de 1940 mostra um cenário urbano ainda não consolidado, especialmente

nas imediações da Vila Carioca, conforme narrativa de Raul de Andrada e Silva

citado em Langenbuch (1970: 142):

O viajante que parte de São Paulo no rumo de Santos, pela São Paulo

Railway, observa em ambos os lados da estrada de ferro aspectos de vida

industrial já muito desenvolvida. A direita e a esquerda sucedem-se os

grandes armazéns e depósitos, erguem-se muros de fábricas junto ao limite

da linha térrea, e quando a perspectiva se amplia percebem-se ao longe os

vultos das chaminés dos bairros industriais: Braz, Moóca, Ipiranga. Além da

estação deste nome, vai desaparecendo o panorama industrial, substituído

por extensão de terrenos ainda vazios, à espera de ocupação. Vêem-se

apenas manchas mais ou menos afastadas de casas isoladas ou em grupos

reduzidos, localizados nos bairros extremos da capital. Mas, logo adiante, a

entrada do município de Santo André, o panorama industrial é de novo

anunciado por dois grandes estabelecimentos, à esquerda fábricas das

indústrias Francisco Matarazzo, à direita a fábrica de louças da firma Barros

Loureiro. Reproduzem-se aquela sucessão de fábricas e armazéns, menos

compacta agora, até atingir-se a estação ferroviária de Santo André.

Nesses anos 40, a indústria continua a ocupar intensamente o bairro:

Indústria Brasileira de Condutores Elétricos, Papel Leon Feffer, Bernardini Indústria e

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1

Foto 19. Vila Carioca e Ferrovia Santos-Jundiaí no contexto urbano da Região Metropolitana de São Paulo

“...as diretrizes essenciais do arranjo espacial da Grande São Paulo se estruturaram no período imediatamente anterior à metropolização, período este que delimitamos ente 1875 e 1915”. “Nesse período estruturou-se a rede ferroviária que forneceu os principais eixos e pólos (‘povoados-estação’) ao processo”. (LANGENBUCH, 1970: 336)“O arranjo espacial da Grande São Paulo repousa sobretudo na infra-estrutura de vias de transporte. Sem encontrar grandes obstáculos físicos pela frente, tanto indústrias quanto habitantes funcionalmente vinculados a São Paulo puderam se estabelecer onde a comunicação com a Capital fosse mais fácil”. (LANGENBUCH, 1970: 334)

Foto de Satélite

Vila Carioca

Ferrovia Santos-Jundiaí

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2

Central Plaza Shopping. Inaugurado em 1999. Vizinho à área da Sabesp (ZUPI 120), cadastrada como contaminada por metano e TPH.

Foto 20. Meio urbano e cenários gerais de riscos à saúde. Panorama da Vila Carioca e entorno.

Favela Heliópolis: ocupada por cerca de 100 mil moradores, distribuídos em 14 glebas totalizando quase 1 milhão de metros quadrados. O início da ocupação remonta a 1971, quando a prefeitura transferiu provisoriamente 150 famílias da Vila Prudente para o lote, adquirido em 1942 pelo já extinto IAPAS (Instituto da Administração Financeira da Previdência e Assistência Social).

Estação de Tratamento de Esgotos do ABC: Iniciou obras em 1978, porém começou a operar apenas em 1998, devido a problemas na implantação do sistema de coletores e interceptores afluentes à estação. Trata hoje 1,3 metros cúbicos por segundo de esgotos (apenas 15% de sua capacidade final de projeto) provenientes dos municípios de Santo André. São Caetano, São Bernardo do Campo, Diadema, São Caetano, Mauá e parte de São Paulo. O processo de tratamento ocorre por meio de lodo ativado convencional, com eficiência de 90% de remoção de carga orgânica, lançando o efluente no córrego dos Meninos

Base de Distribuição de Combustíveis da Petrobrás. Ocupa área de 220 mil metros quadrados. Iniciou operações em 1972 e executa hoje atividades relacionadas ao carregamento e descarregamento de caminhões-tanque, armazenamento e distribuição de derivados: álcool, gasolina, óleos combustíveis, solventes aromáticos

Cohab Heliópolis – Gleba L. Inaugurado em 1988. Área cadastrada como contaminada por metais

Cingapura Heliópolis. Construído na gestão do Prefeito Paulo Maluf (1993-1996) com capacidade para alojar 600 famílias, a maioria deslocada do bairro vizinho do Sacomã, cujos lotes foram desapropriados para construção de obra viária.

Pátio de recolhimento de veículos do Detran, implantado no início da década de 1970, em local que abrigou anteriormente instalações de uma refinaria de petróleo do Grupo Matarazzo.

Córrego dos Meninos. Desviado do seu leito natural entre 1973 e 1986. A média de qualidade de suas águas foi considerada pela Cetesb como péssima em 2003 (segundo o Índice de Qualidade da Água Bruta para fins de Abastecimento Público – IAP).

Rio Tamanduateí, A média de qualidade de suas águas foi considerada pela Cetesb como péssima em 2003 (segundo o Índice de Qualidade da Água Bruta para fins de Abastecimento Público – IAP).

Base de estocagem de combustíveis da Shell (BIP I), contaminada por chumbo, mercúrio, compostos orgânicos aromáticos, compostos orgânicos halogenados e pesticidas organoclorados

Instalações da Shell (BIP II), já desativadas, voltadas à manipulação de pesticidasorganoclorados. contaminada por chumbo, mercúrio, compostos orgânicos aromáticos, compostos orgânicos halogenados e pesticidas organoclorados

Hospital Heliópolis: Inaugurado em 1969.

Linha férrea da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. Antiga Ferrovia Santos-Jundiaí, inaugurada em 1867.

Unidades, já desativadas, das Indústrias Matarazzo. Funcionou no período de 1932 a 1986. Área cadastrada como contaminada por mercúrio e hexaclorobenzeno.

Divisa dos municípios de São Paulo e São Caetano do Sul.

Vila Carioca

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114

Comércio, Gema Equipamentos Industriais, Usina Santa Olímpia Indústria de Ferro e

Aço, Cibraço Indústria e Comércio, Gráfica São Luiz, Lanifício Jafet, Indústria de

Papel Simão, Gráfica Romote, Liquid Carbonic, Laminação Santa Terezinha,

Persianas Columbia, entre tantas outras. É nesta década, como veremos adiante em

mais detalhes, que instala-se, próxima da confluência do ribeirão dos Meninos com

o rio Tamanduateí, vizinho às Indústrias Matarazzo, a empresa Shell do Brasil, com

o propósito inicial de estocar e distribuir derivados de petróleo, provenientes do porto

de Santos por via férrea. Em 1958 uma parte da área da empresa é destinada à

formulação de agrotóxicos organoclorados, atividade que se estendeu até 1978,

quando foi transferida para o município de Paulínia79.

Na década de 1950 tem continuidade a implantação indiscriminada de

fábricas e galpões de apoio à produção, com destaque para o setor automobilístico.

Graças ao ainda baixo valor dos terrenos e principalmente pela facilidade oferecida

pela ferrovia ligando a região ao porto de Santos, por onde chegavam os veículos

desmontados80. A Ford se instala no Ipiranga em 1953, depois de passar pelo

Centro da cidade e pelo bairro do Bom Retiro. Neste mesmo ano, na rua do

Manifesto, é implantada a primeira unidade de produção da Volkswagen fora da

Alemanha. Lá eram montados veículos com componentes trazidos do porto de

Santos pela ferrovia. Em 1956 a Vemag desembarca às margens dos rios Ipiranga e

Tamanduateí, na rua Grota Funda. A Toyota instalou-se na avenida Presidente

Wilson em 1958, começando suas atividades como montadora de veículos. Depois

de ocupar por dois anos as antigas instalações da Vemag, em 1959 a Scania

mudou-se para um terreno de 10 mil m2 na rua Guamiranga. Além da

automobilística, continua intensa a implantação de indústrias no Ipiranga: Oxigênio

do Brasil, Juresa Industrial de Ferro, Onan-Montgomery do Brasil, Toledo do Brasil

Indústria de Balanças, Meiatex Indústria e Comércio, Algodoeira Paulista, Indústria

de Plásticos Katy, Siderúrgica Barra Mansa, Companhia Ultragás, Plásticos

Bustamante, Metalúrgica Atlas etc (BARRO e BACELLI, s/d: 115).

Na década de 60, a região do Ipiranga era ainda entendida como possuidora

de vantagens locacionais para a indústria, instalando-se ali, entre tantas outras, a

79 Como visto no Capítulo 1, as atividades da Shell no município de Paulínia a partir de 1978 ocasionaram um dos maiores passivos ambientais do estado.

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115

Probel, Sun Eletric, Marfinite Produtos Sintéticos, Diselli Equipamentos Indústrias,

Bertante Modelação e Fundição, Confecções Micatex, Cematex Indústria de

Máquinas, Puma Veículos e Motores, Fieiras Sintetizados Nacional, Metalfrio

Indústria e Comércio de Refrigeração, Hoesch Scripelliti Indústria de Molas,

Companhia Brasileira de Petróleo Ibrasil, Siderúrgica Coferraz, Visconti Indústrias

Alimentícias, Olivetti do Brasil, e Cervejaria Mãe Preta (BARRO e BACELLI, s/d: 117).

Nos anos 70, a imagem do bairro do Ipiranga, em particular a Vila Carioca,

estava estreitamente vinculada ao seu histórico industrial, como pode ser observado

em reportagens da época:

Só no bairro da Vila Carioca, situado junto ao núcleo mais antigo do

Ipiranga, existem atualmente mais de 500 indústrias, entre as quais

destacam-se a Ford, Volskswagen e Puma, de automóveis, Ultragás, Linhas

Corrente, tecidos Paramount e Alumínio Couraça81

[...] núcleo industrial tradicional, a AR-Ipiranga conta com quatro mil fábricas

– predominantemente tecelagens, fundições, forjarias e de celulose e papel

–que se espalham por toda a região e se concentram na Vila Independência

e Carioca82.

Confirmando esta vocação industrial ou de apoio à produção, em 1972 é

inaugurada junto ao bairro da Vila Carioca, numa área de 220.000m², a base de

distribuição de combustíveis da Petrobrás, cujas operações estavam relacionadas ao

carregamento e descarregamento de caminhões-tanque, armazenamento e

distribuição de derivados de álcool, gasolina, óleo de combustíveis, solventes

aromáticos, entre outros.

No entanto, a intensa e não planejada ocupação do território direcionava

inevitavelmente o olhar para novos cenários resultantes das externalidades

negativas deste modelo de crescimento urbano. Em 1976, o bispo auxiliar do

Ipiranga assim descrevia a região: ”possui de tudo um pouco: bairros beneficiados

por todos melhoramentos públicos, núcleos industriais, favelas, periferia carente e

80 Sobre o assunto ver Às margens do Ipiranga, in Revista Auto Esporte. Edição 464, janeiro de 2004. 81 A história faz o bairro, in jornal Folha de São Paulo de 11 de novembro de 1971. 82 Ipiranga vive o seu medo constante: as chuvas, in Jornal o Estado de São Paulo de 4 de janeiro de 1979.

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116

loteamentos clandestinos”83. Três anos depois, entrevista do administrador regional

do Ipiranga ilustra o desconforto dos habitantes locais ante ao que viria ser

considerada a maior favela da América Latina:

recentemente, entre as 300 reclamações que recebe por mês, uma lhe

chamou a atenção: um abaixo-assinado de moradores do Sacomã

protestando contra o crescimento do alojamento provisório de Heliópolis,

uma favela oficial criada em 1971 pela prefeitura84.

A ocupação desregrada das várzeas do Tamanduateí e seus tributários já a

algum tempo cobrava seu preço, conferindo ao bairro não só a imagem do vigor

industrial mas também da degradação, resultante das constantes enchentes. A

respeito do avanço da cidade sobre seus trechos de várzeas, Langenbuch (1970:

132) cita a implantação da Vila Carioca, assim como outros bairros, como “[...] uma

experiência infeliz que poderia ser evitada, caso a expansão paulistana tivesse se

subordinado a alguma regulamentação urbanística séria,[...]”85.

Recorremos novamente ao relato dos jornais para mostrar o estado de

ânimo de seus moradores no verão de 1976: “os habitantes da região, convivendo

com grandes enchentes há pelo menos 12 anos, reagem com rapidez resignada ao

avanço das águas sujas e mal cheirosas do rio [Tamanduateí]”86. As águas sujas do

Tamanduateí e de seu tributário, o córrego dos Meninos, já era, muito antes dos

anos 70, motivo de angústia por parte dos moradores da Vila Carioca, como pode

ser comprovado pelo depoimento do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, que se

instalou no bairro com a família, ainda criança, em 1956: “Tenho muita experiência

de viver de enchente. Quando saí de Santos e fui para São Paulo, fui morar em um

bairro chamado Vila Carioca, e qualquer chuva que caía enchia a Vila Carioca de

água”87.

Certamente havia muitas razões para as águas do Tamanduateí serem mal

cheirosas, pois não existia qualquer tipo de tratamento para os esgotos gerados em

83 Idem 84 Idem 85 O autor busca referência em Aziz Ab’Saber, cujos comentários sobre a Vila Maria, podem ser estendidas àqueles bairros, como a Vila Carioca, implantados em áreas de várzea: “Foi uma grande e triste aventura a história desse bairro, que escolheu mal o seu sítio urbano [...]”. 86 Ipiranga: a deterioração gradativa, in Jornal O Estado de São Paulo, 15 de fevereiro de 1976.

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117

sua bacia88. Além disto, o controle ambiental das fontes de poluição era ainda

incipiente, permitindo que a grande maioria das indústrias lançassem seus efluentes

diretamente nos corpos d’água, ou no solo, sem qualquer tipo de tratamento. Como

exemplo desta prática comum na época, divorciada de qualquer preocupação

ambiental, pode ser citada a produção de cloro, soda e ácido sulfúrico das Indústrias

Matarazzo, que lançava diretamente no córrego dos Meninos, sem qualquer

tratamento, os efluentes líquidos resultantes da fabricação de cerca de 180

toneladas diárias de soda cáustica, cloro líquido, hipoclorito de sódio, ácido clorídrico

e ácido sulfúrico. Estas unidades funcionaram entre 1946 e 1986 (CUNHA, 1997:

51).

Se no passado o Ipiranga era motivo de orgulho ante ao vigor industrial, os

anos 80 encontram a região receosa e acuada pelas enchentes: “Quase todas as

ruas do bairro, mesmo nos dias mais quentes, são inundadas, e na rua Auriverde,

em particular, as calçadas ainda acumulam grande quantidade do barro proveniente

das últimas inundações”89. Se não escapavam dos transtornos das enchentes, as

fábricas ao menos se precaviam de seus efeitos econômicos, conforme demonstra o

depoimento de um morador do bairro: “As únicas pessoas que não chegam a temer

as enchentes no bairro, segundo Waldemar Vesselli, são os donos das indústrias ali

instaladas. ‘Eles têm seguro-enchente e são reembolsados a cada perda enquanto

nós [...]”90.

Vale lembrar que as indústrias locais manipulavam amplo leque de

substâncias químicas, que possivelmente ganhavam mobilidade e se espalhavam no

ambiente por ocasião das inundações. As enchentes serviram também como

argumento para livrar responsabilidades quanto a eventuais contaminações. A

presença de concentrações de mercúrio acima dos limites de intervenção da Cetesb

87 Discurso do presidente da República, Luis Inácio Lula da Silva, em 04 de fevereiro de 2004, no município de Terezina - Piauí; divulgado pela Radiobrás (www.radiobras.gov.br). 88 As obras da Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) do ABC, que deveriam tratar os esgotos produzidos na região, tiveram início apenas em 1978, permanecendo, no entanto, interrompidas durante muitos anos devido a problemas na implantação do sistema de coletores e interceptores. Sobre o assunto ver Cetesb (2004). Ainda hoje a ETE trata apenas 15% da sua capacidade de projeto. 89 Prefeitura não atende pedido de limpeza de 300 metros do rio Tamanduateí, in Jornal Diário Popular, 01 de agosto de 1982. 90 Idem.

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118

no solo da base de estocagem de combustíveis da Shell na Vila Carioca (BIP I),

detectada em 2003, é assim justificada:

Por não haver no processo industrial da Base, provavelmente estas

concentrações de mercúrio encontradas são decorrentes de enchentes da

bacia do rio Tamanduateí/Córrego dos Meninos, a jusante da Base,

carreando o mercúrio de outras indústrias elétricas instaladas na região

(CSD-GEOKLOCK, 2003: 33).

O modelo de abastecimento de água para consumo humano no bairro, que

por muito tempo esteve baseado no uso de poços rasos ou mesmo minas,

potencializava os riscos de exposição da população a toda sorte de contaminantes,

por meio de ingestão de água de aqüíferos sujeitos aos efeitos das enchentes e das

atividades industriais. Entrevistas com moradores da Vila Carioca, realizadas em

maio de 2002 pela Cetesb, descrevem que

No passado, grande parte da água utilizada para ingerir provinha de minas

de água existentes na região, que eram consideradas de excelente

qualidade pelos moradores. Com as construções de galpões no terreno da

Shell do Brasil S/A., a industrialização e o crescimento urbano, as minas

secaram. (CETESB, 2002)

Nos anos 90 intensifica-se o desmantelamento do modelo que permitiu a

configuração preponderantemente industrial da região. O relato de um acidente

ocorrido em 1995 exemplifica com perfeição o processo de desmonte industrial que

ganhava contornos concretos e, em certas ocasiões, dramáticos:

A chuva de granizo que atingiu São Paulo na última sexta-feira provocou a

queda de um muro da antiga fábrica de papel Simão, no Ipiranga, matando

sete pessoas [...] A edificação pertencia desde o ano passado à Apoio,

empresa do Grupo Arco-Íris Agropecuária Ltda. A empresa pretencia

construir no local um supermercado. [...] As proximidades do local do

acidente estão cheias de galpões parcialmente ou completamente

abandonados, que apresentam paredes corroídas e rachaduras91.

91 Muros do Ipiranga correm o risco de desabar, in Jornal da Tarde, 27 de julho de 1995. A morte de sete pessoas na queda de um muro fez com que a prefeitura vistoriasse os galpões de antigas fábricas da região e ordenasse, em nome da segurança pública, demolição de alguns prédios.

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119

O abandono dos prédios industriais não era, entretanto, motivo unicamente

de apreensão ou temor. A disponibilidade de extensas áreas subutilizadas ou em

desuso, com boa localização e infra-estrutura, aguçava a expectativa de lucros por

parte dos empreendedores imobiliários. O diretor-superintendente da construtora

Encol assim percebia a situação em 1994: “A saída das fábricas fez os terrenos

ficarem nobres, por isso a demanda é muito grande”92. O diretor da Empresa

Brasileira de Estudos do Patrimônio, fazia, no entanto, ressalvas quanto à ocupação

do bairro e caracterizava o modelo de expansão urbana possível: “Para os

empreiteiros, construir no Ipiranga significa adquirir um fábrica vaga ou um grande

conjunto de casinhas geminadas, o que é sempre mais complicado do que atuar

numa região com grandes áreas livres”93. A complicação referida possivelmente

estaria na época mais relacionada à preocupação com entraves legais e

burocráticos da aquisição dos lotes do que com eventuais passivos ambientais

decorrentes das atividades das indústrias.

Ao entrevistar tradicionais moradores do Ipiranga, a imprensa dava mostras

do novo perfil que o mercado desejava para o bairro:

A história da família Bigucci é um exemplo da transformação do Ipiranga

operário no bairro sintonizado com a nova vocação paulistana de metrópole

de serviços. Num certo sentido, o bairro em que Roberto e Trindad

trabalharam e criaram seu filho não existe mais94.

O relato de antigos moradores dá indícios dos hábitos e das muitas vezes

estreitas relações entre a população local e as indústrias: “Nessa época [década de

50] ocorreu uma das maiores tragédias do bairro: ‘morreu um grupo de meninos que

nadava na lagoa de uma fábrica de cerâmica’”95. As lagoas tinham geralmente a

função de tratar os efluentes industriais dessas empresas e também, pelo que indica

o relato, podiam servir para lazer dos moradores do entorno.

E em certa medida, mesmo que não homogeneamente, o bairro industrial

realmente deixava aos poucos de existir, sucumbindo às novas forças de mercado.

Nos primeiros anos da década de 90 a Fiação Tecelagem e Estamparia Ipiranga

92 Terrenos de indústrias viram áreas nobres, in jornal o Estado de São Paulo, 31 de outubro de 1994. 93 Idem. 94 Idem.

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120

Assad é demolida para dar lugar a oito prédios residenciais e um de escritórios.

Prédios residenciais também ocupariam o lote que abrigara desde 1936 a tecelagem

Lutfala. Outra indústria têxtil, a Companhia Fiação Tecelagem e Estamparia Ipiranga

Jafet, de 1906, já tinha suas instalações ocupadas por várias lojas e pequenas

empresas. A Silex, fábrica de louça esmaltada implantada no bairro em 1909, tinha

seu galpão loteado entre um desmanche de automóveis, uma loja de fábrica e um

estacionamento. Uma loja de materiais de construção ocupava o que antes havia

sido a fábrica de correntes G. Hadley. Outros antigos lotes ou instalações industriais

permaneciam desocupadas, à espera de novos usos, como as antigas indústrias de

óleos Rubi, panelas Panex, fabrica de anilinas Ênia, usina de lâminas metálicas

Santa Olímpia (de 1943). A tendência da implantação de novos usos na região

ganha impulso com a inauguração em 1999 do Central Plaza Shopping, na av. do

Estado, vizinho ao terreno da Sabesp (Zona de Uso Predominantemente Industrial),

ocupado por favelas e outras instalações, que posteriormente viria a ser identificado

como contaminado, conforme já abordado no Capítulo 1.

A Vila Carioca, no entanto, não despertou o interesse do mercado

imobiliário, mantendo-se distante do dinamismo que tem caracterizado as áreas

localizadas em cotas mais elevadas do Ipiranga. A ocupação do bairro permanece

preponderantemente restrita aos galpões industriais, mesclados com pequeno

comércio local e residências unifamiliares. A herança do vigor econômico do

passado legou à Vila Carioca passivos ambientais que só recentemente têm sido

devidamente caracterizados.

Das 1336 áreas contaminadas cadastradas atualmente pela Cetesb no

estado, ao menos 12 estão na Vila Carioca ou em suas proximidades imediatas.

Uma delas diz respeito às Indústrias Matarazzo, símbolo desde as primeiras

décadas do século passado do progresso industrial da região. Suas instalações

resumem-se hoje a escombros que abrigam significativo passivo ambiental. A

fabricação no local de pesticidas organoclorados e outros produtos químicos,

encerrada em 1986, resultou na contaminação do solo e das águas subterrâneas por

mercúrio e hexaclorobenzeno, entre outras substâncias. Como o Grupo Matarazzo

95 Idem

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faliu, o terreno foi investigado e avaliado ambientalmente pela Cetesb, porém não há

proposta de remediação para a área96.

Na avenida Carioca, uma das principais do bairro, três empresas

apresentam contaminação do solo, segundo cadastro da Cetesb. A Carboroil,

empresa do ramo de derivados de petróleo que atua na distribuição de óleos

combustíveis, óleo diesel, querosene e lubrificantes, tem o solo e as águas

subterrâneas contaminadas por BTEX (benzeno, tolueno, etilbenzeno e xileno) e por

PAHs (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos). No caso das águas subterrâneas, a

pluma de contaminação já extrapolou os limites da propriedade da empresa. A Risel,

que atua desde 1950 no comércio e distribuição de derivados de petróleo,

contaminou o solo e as águas subterrâneas (inclusive fora do site) também com

BTEX e PAHs. A Zanettini Barossi, desde 1969 na Vila Carioca produzindo

componentes metálicos e termoplásticos para a indústria automobilística e de

eletrodomésticos, possui passivo ambiental relacionado com o lançamento no solo

de PAHs, BTEX, metais, tetracloroeteno, 1,3 dicloropropano e clorobenzeno. Neste

caso, as águas subterrâneas, dentro e fora do site, também foram contaminadas. Ali

próximo, na rua Auriverde a empresa Babylove, que produz artigos infantis, possui

passivo ambiental devido a contaminação do solo por metais e outras substâncias.

A Petrobrás, que como já visto anteriormente, mantém base de estocagem e

distribuição de combustíveis desde 1972 no bairro, contaminou o solo por PAHs e

solventes aromáticos.

Na avenida Presidente Wilson, estão cadastradas quatro áreas

contaminadas. A empresa SP A Alumínio possui passivo ambiental devido à

contaminação do solo por metais e outras substâncias inorgânicas. O solo onde foi

instalado em 1988 conjunto habitacional da Cohab Heliópolis (Gleba L) está

contaminado por metais. A Salemco, empresa que adquiriu em 1994 as instalações

da base de distribuição de petróleo Ipiranga, desde 1949 no bairro, tem área

cadastrada como contaminada devido à contaminação do solo e das águas

subterrâneas (inclusive no entorno da empresa) por metais, solventes aromáticos e

PAHs. Nesta mesma avenida, assim como na rua Auriverde, a empresa Shell Brasil

96 Sobre o assunto ver Cunha (1997).

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possui instalações em área contaminada por chumbo, mercúrio, compostos

orgânicos aromáticos, compostos orgânicos halogenados e pesticidas

organoclorados, entre outras substâncias. Como veremos mais detalhadamente

adiante, apesar de investigado desde 1993, o caso adquiriu repercussão pública em

2002 devido a constatação do espraiamento da contaminação no entorno das

instalações da empresa, atingindo área residencial.

4.2 Novas políticas públicas para o disciplinamento do uso e

ocupação do solo e fomento ao desenvolvimento urbano da região.

A partir de 2002, com a aprovação do Plano Diretor Estratégico, o distrito do

Ipiranga, assim como a quase totalidade da área urbanizada do município, passa a

ser classificado como Macrozona de Estruturação e Qualificação Urbana. Nela

inserida, a Vila Carioca se enquadra ainda em uma Macroárea de Reestruturação e

Requalificação Urbana; espaço, como já abordado no Capítulo 2 deste trabalho, no

qual o Plano identifica “privilegiadas condições locacionais e de acessibilidade”, e

procura, entre outras iniciativas, reverter o esvaziamento populacional e melhorar a

qualidade dos espaços públicos e do meio ambiente.

Nesta Macroárea, a Vila Carioca passou com o Plano a estar contida

também em Zona Industrial em Reestruturação – ZIR (nomenclatura que,

posteriormente, nos termos de Lei 13.564/03, foi alterada para Zona

Predominantemente Industrial – ZPI)97.

Como também já mencionado no Capítulo 2, em agosto de 2004 é aprovada

lei que estabelece Planos Regionais Estratégicos (PREs) específicos para cada um

das 31 Subprefeituras da capital e cria nova disciplina para o uso e ocupação do

solo no município98. A legislação é resultante de um novo entendimento sobre a

97 O Plano incorporou nesta nova zona todos os perímetros que antes abrigavam as zonas de uso industrial Z6 e Z7, da Lei de Zoneamento Municipal anterior, e as Zonas de Uso Predominantemente Industrial – ZUPI, criadas em 1978 por meio de legislação estadual. 98 Lei n° 13. 885, de 25 de agosto de 2004.

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123

dinâmica urbana, coerente com as diretrizes gerais das recentes regulamentações

dos níveis federal e municipal pertinentes à políticas urbanas, dispostas

particularmente no Estatuto da Cidade e no Plano Diretor Estratégico do Município

de São Paulo. A Vila Carioca está contemplada no Plano Regional Estratégico da

Subprefeitura do Ipiranga (PRE-IP).

O PRE-IP tem entre seus objetivos “solucionar conflitos de interesses” de

forma a obter-se um “arranjo institucional que vise um maior bem-estar para a toda a

comunidade local”(art. 1°). Para que o desenvolvimento econômico e social ocorra, é

preciso reverter a “tendência de desindustrialização da região” (art. 3°), sendo para

isso necessário “incentivar a constituição e instalação de novas empresas locais, tais

como, indústrias de médio e pequeno porte, depósitos, centros de distribuição

varejista ou atacadista, operadores logísticos e armazéns aduaneiros na Região da

Operação Urbana Consorciada Diagonal Sul99, aproveitando-se dos diferenciais

logísticos da região – em especial a possibilidade de integração entre os modais

ferroviários e rodoviários e da infraestrutura existente” (art. 4°).

Atendo à crise do modelo industrial fordista-keynesiano e do transporte de

carga ferroviário, que estruturou e ainda mostra reflexos na região, o PRE-IP procura

fomentar a “[...] constituição de incubadoras de empresas de alta tecnologia” e a “[...]

manutenção do transporte [ferroviário] de carga” (art. 4°)100.

Ciente não só da transição da estrutura industrial e de transporte, o Plano

traça objetivos para o “desenvolvimento humano e qualidade de vida” prevendo a

necessidade do “incremento da convivência social” e da “melhoria da qualidade

ambiental” do distrito (art. 5°), definindo para isto algumas diretrizes e ações

99 Segundo o Plano Diretor Estratégico, “As Operações Urbanas Consorciadas são o conjunto de medidas coordenadas pelo Município com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental, notadamente ampliando os espaços públicos, organizando o transporte coletivo, implantando programas habitacionais de interesse social e de melhorias de infra-estrutura e sistema viário, num determinado perímetro” (art. 225). Na Operação Urbana Diagonal Sul, está previsto o mapeamento de áreas com problemas de contaminação do solo, subsolo e água subterrânea. Sobre o tema ver Novas operações urbanas irão valorizar quatro regiões, in http://portal.prefeitura.sp.gov.br/secretarias/planejamento, acessado em 28/12/2004. 100 No que concerne ao transporte de passageiros, cabe destaque às intenções do PRE-IP de viabilizar a “implantação da integração Metrô/Ferrovia na Estação Tamanduateí” (art. 13).

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124

Vila Carioca

Ilustração 1: Vila Cariocano contexto do PlanoDiretor Estratégico doMunicípio de São Paulo.

Perímetro da áreadelimitada para fins daOperação UrbanaDiagonal Sul.

Perímetro da Área deIntervenção Urbana nafavela Heliópolis

(Fonte: Lei 13.885, de 25de agosto de 2004)

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125

estratégicas, como a preservação e criação de “[...]novas áreas verdes, com

saneamento de córregos e áreas degradadas” (art. 6°).

Ao tratar dos elementos estruturadores do que definiu como “Plano

Urbanístico Ambiental”, o Plano menciona a necessidade de “controlar a ocupação

dos fundos de vale, de forma a recuperar a permeabilidade do solo”, “mitigar o

desconforto térmico e a poluição atmosférica por meio da arborização dos espaços

de uso público e preservação das concentrações arbóreas significativas” e “ampliar

as áreas de uso público, as áreas verdes, a arborização e as calçadas” (art. 8°).

No capítulo pertinente aos “Instrumentos de Gestão Ambiental Urbana”, o

Plano trata das Áreas de Intervenção Urbana - AIU e das Operações Urbanas

Consorciadas. Da primeira, podem ser destacadas as diretrizes voltadas à “implantar

Áreas Verdes de recreação e lazer”, “valorizar a paisagem privilegiando espaços de

uso público” e “criar e qualificar o espaço de uso púbico destinado ao lazer [...]”(art.

45). O Plano não se resume às diretrizes, mas também delimita a “Área de

Intervenção Urbana, AIU-05 Ipiranga-Heliópolis”, cujo “Projeto Urbanístico

Específico” deverá ser aprovado pelo Executivo e orientar a aplicação dos recursos

provenientes da outorga onerosa do direito de construir no perímetro da AIU, [...]”.

Entre os propósitos desta iniciativa estão a necessidade de “integrar o Complexo

Habitacional de Heliópolis ao conjunto dos bairros vizinhos” e “preservar a

vegetação significativa existente nos terrenos e glebas particulares” (art. 47).

4.3 A contaminação ambiental decorrente das atividades da

empresa Shell do Brasil

O despertar para o problema ambiental, ou a percepção mais aguda por

parte da população da Vila Carioca quanto à sua condição de risco em relação ao

cenário ali presente ocorreu efetivamente em 2002. Apesar de já parcialmente

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126

noticiado no início da década de 1990101, foi em 2002 que a grande imprensa

divulgou com destaque o caso da contaminação da Shell do Brasil, abordando-o não

apenas como um problema ambiental restrito ao interior da empresa, mas,

fundamentalmente, como um problema de saúde pública.

Como abordado neste capítulo, a multinacional de origem holandesa

Shell102 instalou-se na Vila Carioca na década de 1940, implantando sua base de

armazenamento e distribuição de combustíveis e de outros produtos químicos à

margem da ferrovia Santos-Jundiaí, próximo à confluência do ribeirão dos Meninos

com o rio Tamanduateí. Nesta área de várzea, sujeita a constantes enchentes,

tendo como vizinho as Indústrias Matarazzo, foram instalados 37 grandes tanques

para armazenamento de derivados de petróleo e de outros produtos.

Na ocasião, a empresa adquiriu dois lotes, separados pela av. Presidente

Wilson. O menor deles, conhecido como BIP II (Base do Ipiranga II), tem cerca de

24.000 m² e é lindeiro à ferrovia. O outro, identificado como BIP I, possui

aproximadamente 180.000 m² e faz divisa direta hoje, por um lado, com lotes

residenciais e, por outro, com o pátio do Detran, onde antigamente funcionou uma

refinaria de petróleo do Grupo de Indústrias Matarazzo.

Não há histórico preciso das atividades desenvolvidas no local. No

entanto, entrevistas realizadas informalmente pela empresa CSD-GEOCLOK103 com

ex-funcionários indicam que a BIP II foi, entre os anos 40 e 1958, utilizada para “[...]

a distribuição de derivados de petróleo, funcionando como área de servidão para os

101 Em 1993, já era divulgado pela imprensa que o local continha “alta concentração de chumbo” que poderia “[...]estar prejudicando a saúde das 190.429 pessoas que moram nos 16,3 km² do distrito do Ipiranga,[...]”, além dos “220 funcionários que trabalham na empresa”. Segundo a reportagem, a Shell negava as acusações feitas pelos ambientalistas e sindicato, pois alegava que há vários anos havia deixado de enterrar resíduos de chumbo tetraetila, uma vez que “[...] eles passaram a ser reprocessados e utilizados em outros fins, como na confecção de concreto”. Para a empresa, “A presença de chumbo total no solo pode ter outras origens, como, por exemplo, óxidos de ferro proveniente dos próprios tanques”. Vazamento de chumbo da Shell afeta Ipiranga, in Jornal do Ipiranga em 09 de janeiro de 1993. 102 A Shell é uma das maiores companhias do mundo no ramo petrolífero, atuando em cerca de 145 países, nos quais emprega algo como 115.000 pessoas, com faturamento anual na ordem de 235 bilhões de dólares. Mantém atividades no mercado brasileiro desde 1913, possuindo 2,6 mil postos de serviços, 42 bases de distribuição de combustíveis e diversas outras instalações ligadas à exploração, produção e refinação de petróleo, exploração e distribuição de gás, além da fabricação de produtos químicos. 103 A empresa Geoklock Geologia e Engenharia Ambiental Ltda. foi contratada pela Shell a partir de 1999 para realizar investigação ambiental e avaliação de riscos em suas bases da Vila Carioca.

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127

oleodutos de suprimento da Base de Distribuição do Ipiranga (BIP I)”. Segundo a

empresa de consultoria, os produtos eram transportados pela ferrovia e, por meio de

um desvio ferroviário, descarregados no local e enviados aos tanques instalados na

BIP I por tubulações subterrâneas. No início dos anos 60, o suprimento da base de

distribuição deixou de ser feito por vagões ferroviários com a instalação de oleodutos

a partir do Terminal de Utinga da Petrobrás, em Santo André.

Entre 1958 e 1978, parte deste site (BIP II) passou a ser utilizado em

processos de formulação de agroquímicos organoclorados e organofosforado,

produzindo, em média, 5.000 a 6.000 toneladas por ano destes produtos. Até 1970,

o recebimento e a distribuição dos produtos acabados eram feitos por desvio

ferroviário. No mesmo local, entre o início dos anos 60 até os anos 80, foram

desenvolvidas também atividades de envase de produtos petroquímicos adquiridos a

granel, armazenagem de produtos embalados e formulação de detergentes

industriais, além da estocagem de produtos lubrificantes (esta atividade perdurou até

2003).

A BIP I é uma das maiores bases de estocagem de derivados de petróleo

operadas pela Shell Brasil. Seus 180.000 m² estão hoje ocupados por instalações de

tancagem, tubulações, plataformas de recebimento e distribuição de produtos,

laboratório, central de controle e oficinas de manutenção, além de edificações, hoje

desativadas, anteriormente ocupadas por escritórios (área conhecida como

“Colorado”). Os 37 tanques aéreos verticais existentes na base desde os anos 40

armazenam volume superior a 65.000 m³ de produtos tão diversos quanto álcool

anidro e hidratado, óleo diesel, gasolina automotiva e solventes orgânicos, como

tolueno e xileno. A distribuição desses produtos aos postos de serviços e outros

locais de comercialização ocasiona um movimento diário de cerca de 300

caminhões-tanque, que até recentemente percorriam as ruas internas da Vila

Carioca para acesso à base104.

104 Em abril de 2003, o Centro de Vigilância Sanitária, invocando riscos à saúde, incômodos e interferência na qualidade de vida da população, publicou a Portaria CVS-4, exigindo providências para evitar o fluxo destes veículos pelas ruas locais. Ao final daquele ano, pressionada pelos moradores vizinhos à base e pelo poder público, a Shell concluiu as novas obras de acesso à BIP, fato que evitou o trânsito dos caminhões tanque pelas ruas internas do bairro.

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Ilustração 2: Simulação deplumas de contaminação por

dieldrin e chumbo no aqüífero daVila Carioca para 2002 e 2012,

Fonte: CSD-GEOKLOCK

Dieldrin em 2002

Dieldrin em 2012

Chumbo em 2002

Chumbo em 2012

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129

A área denominada “Colorado”, com cerca de 40.000 m², foi até 1972 utilizada por

unidade esportiva e recreativa da empresa. Entre 1972 e 1976 abrigou instalações

da unidade química da Shell, produzindo praguicidas (Matabicheira). Posteriormente,

o local foi ocupado por unidade administrativa da empresa até 1997, quando foi

desocupada, permanecendo nessa condição até hoje. Reportagem de 2002, ocasião

em que foram entrevistados antigos moradores locais por conta das denúncias de

contaminação, dá mostras do uso da área e das incompatibilidades, em termos de

saúde pública, entre os hábitos da comunidade e as práticas da empresa:

“Era maravilhoso. A mãe chamava para dentro de casa, mas a gente

passava o dia brincando lá no parquinho”. A afirmação é de Leila Alves, que

passou a infância na Vila carioca. O “parquinho” a que ela se refere ficava

dentro do depósito. Leila conta que, no final da década de 50, as crianças

do bairro costumavam passar o dia no terreno da empresa. Naquela época,

os portões da unidade permaneciam abertos à população. Lá dentro, uma

área infantil completa, com escorregador, gangorra e campinho de futebol,

entretia as crianças. Além disso, havia na área um espécie de “clube da

Shell” – para funcionários e vizinhos - , que promovia festas e bailes

periodicamente. “Vinha gente de todos os lados”. “Pertencente a outra

geração, Luciana Martins, 29, também passou alguns anos brincando na

Shell. Na época – início da década de 80 – a empresa já não tinha o parque

e o clube, mesmo assim, atraía crianças”105.

O órgão ambiental (Cetesb) só ficou sabendo que o local havia sido utilizado para a

manipulação de pesticidas em 1999, por ocasião das investigações ambientais, o

que resultou em autuação da Shell.

Alguns possíveis acidentes ocorridos nesses mais de 50 anos de

atividades da Shell no local, que resultaram em lançamentos de contaminantes no

ambiente, pequenos vazamentos ao longo dos anos ou práticas operacionais pouco

cuidadosas são as prováveis razões da contaminação do solo e das águas

subterrâneas no interior das bases da empresa na Vila Carioca e no seu entorno

imediato, cujas dimensões e conseqüências só começaram a ser efetivamente

avaliadas a partir de 1993.

105 Vila Carioca teme virar “área fantasma”, in jornal Folha de São Paulo de 10 de junho de 2002.

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130

Naquele ano, o Sindicato dos Trabalhadores no Comércio de Minérios e

Derivados de Petróleo no Estado de São Paulo (SIPETROL) e a Associação Civil

Greenpeace apresentaram denúncia junto à Promotoria de Justiça da Capital contra

a Shell por contaminar a área com resíduos de chumbo, em decorrência da prática

de enterramento no solo da própria empresa de resíduos (borras) resultantes da

limpeza periódica do fundo dos tanques de armazenamento de combustível. A Shell

justifica a prática adotada na época alegando que o enterramento das borras “tinha

origem num processo adotado internacionalmente pela indústria”106. Em razão disto,

o Ministério Público instaurou em janeiro de 1993 Inquérito Civil (nº 001/93) com o

objetivo de investigar a existência de contaminação ambiental. Desde então, a

Cetesb exigiu da Shell um estudo detalhado da contaminação da área. Cabe

destacar que, como a base de combustíveis foi implantada na década de 40, bem

anterior, portanto, à Lei nº 997/76, que passou a exigir o licenciamento de diferentes

tipos de empreendimentos potencialmente poluidores, suas instalações não foram

objeto, nesse período, de um olhar mais acurado por parte do órgão ambiental.

As investigações ambientais iniciadas a partir daquele ano indicaram

contaminantes como BTX (benzeno, tolueno e xileno) e metais pesados

(especialmente chumbo) enterrados em diversos locais do site da empresa. Entre

1993 e 1999 foram adotadas medidas para remediação do interior do site, com a

remoção dos focos primários dessas substâncias do solo. Entre os anos 1999 e

2000 foram descobertos novos focos de contaminação, na área conhecida como

Colorado (antiga unidade esportiva e recreativa), com a detecção de compostos

organoclorados (conhecidos como drins), resultante de práticas de manipulação de

pesticidas, até então desconhecidas naquele local. Posteriormente, foi identificada

contaminação por drins também na BIP II, onde, por muito tempo, se formulou

pesticidas clorados.

Uma avaliação pormenorizada dos riscos á saúde relacionados à

exposição dos moradores aos inúmeros contaminantes apresentados foge aos

objetivos deste estudo. Entretanto, julgamos oportuno apresentar, ainda que

resumidamente, algumas características toxicológicas de dois desses contaminantes

106 Depoimento de representante da empresa na Audiência Pública ocorrida na Capital Federal em 11 de junho de 2002 por iniciativa da Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias da

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131

– chumbo e drins -, para uma melhor aproximação da transcendência do problema.

O chumbo foi por muito tempo imprescindível na composição de uma larga gama de

processos industriais, como na fabricação de tintas, baterias e produtos metálicos

variados. Devido às preocupações no que tange à saúde pública, tem-se reduzido

de forma significativa sua utilização na composição de, entre outros, combustíveis,

tintas, cerâmicas e materiais para calafetar e soldar. A Agency for Toxic Substances

and Disease Registry (ATSDR) registra que o chumbo pode afetar quase todos os

órgãos e sistemas humanos, podendo causar danos particularmente aos sistemas

nervoso, renal e reprodutivo. Em altos níveis, especialmente em crianças, pode

afetar a memória e produzir anemia. Os drins são inseticidas organoclorados

fabricados exclusivamente pela Shell e largamente utilizados entre as décadas de 50

e 70. Devido à sua persistência e agressividade ao meio ambiente, em 1987, a

Environment Protection Agency (EPA) proibiu seu uso nos EUA para qualquer fim.

No Brasil, seu uso foi limitado pela Portaria Federal nº 329, de 02 de setembro de

1985. Segundo informações da ATSDR, a exposição a aldrin ou dieldrin pode afetar

o sistema nervoso, além de outros possíveis efeitos à saúde humana, ainda não

plenamente caracterizados. A EPA define estas substâncias com prováveis

carcinogênicos em seres humanos.

Segundo a Cetesb, até 2000 entendia-se que a contaminação do solo

estava restrita ao interior dos lotes da empresa. Com a descoberta do avanço da

pluma de contaminantes para fora desse limite, a Cetesb exigiu da Shell uma

avaliação mais aprofundada do grau e extensão da contaminação, além dos

eventuais riscos à população moradora do entorno. Em março de 2002, o Ministério

Público do Estado propôs ação civil pública (nº 053.02.008.4950) contra a empresa e

também contra a Cetesb visando garantir a execução de medidas complementares

de diagnóstico e remediação ambiental, além de possível avaliação e tratamento de

saúde. No caso da Cetesb, a Promotoria entendeu que a Companhia fora negligente

e omissa em suas ações de controle.

Motivada pela Ação Civil Pública, em abril de 2002 a grande imprensa

passa a divulgar o caso, entendendo-o como um problema ambiental e de saúde

pública. A partir de então o caso passa a ter intensa repercussão na opinião pública

Câmara dos Deputados – (página 4 do Texto com Redação Final).

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Foto 21. Panorama geral da Vila Carioca. Em primeiro plano, à direita, instalações da Shell Brasil (BIP II),já desativadas utilizadas no passado, entre outras funções, para a manipulação de pesticidas. Ao centro,base de estocagem de combustíveis da Shell (BIP I). À Direita, pátio de recolhimento de veículos doDetran, área anteriormente ocupada por refinaria de petróleo do Grupo Matarazzo.

Foto 22. Panorama geral da Vila Carioca. Ao centro, base de estocagem de combustíveis da Petrobrás. Àesquerda área com predomínio de usos residenciais unifamiliares.

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Foto 23. Vila Carioca. Em primeiro plano o ribeirão dos Meninos. Ao fundo linha férrea da CPTM (Santos-Jundiaí) e escombros das Empresas Reunidas Francisco Matarazzo, contaminado por mercúrio,hexaclorobenzeno e outras substâncias.

Foto 24. Vila Carioca. Em primeiro plano, residências da rua Colorado, ao fundo, tanques de estocagem decombustível na base da Shell (BIP I).

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Foto 25. Vila Carioca. Vista dos tanques da base de armazenamento de combustíveis da Shell (BIP I) apartir dos fundos de residência situada na rua Colorado.

Foto26. Vila Carioca. Em primeiro plano, Ocupação de barracos em área anteriormente destinada adespejo de resíduos sólidos. À direita, BIP II. Ao fundo BIP I.

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135

e ser motivo de inúmeras iniciativas e trâmites de ordem jurídica e administrativa,

envolvendo, entre muitos outros atores, a promotoria pública estadual e federal,

Câmara dos Vereadores, Assembléia Legislativa, Câmara dos Deputados, sindicatos

de trabalhadores, secretarias de meio ambiente e de saúde, associações de bairro e

imprensa. A divulgação, em maio desse ano, da primeira listagem da Cetesb, com

255 áreas contaminadas, intensificou ainda mais as preocupações da opinião

pública a respeito aos riscos que estaria sujeita.

O caso ganha maior cobertura da imprensa quando, em junho, laudos da

Cetesb e da vigilância sanitária apontam a contaminação de poços existentes no

entorno da empresa, entre eles o Condomínio Auriverde que utilizava a água do

aqüífero para abastecer as cerca de 400 pessoas ali residentes. Apesar da Shell

sustentar que era remota a possibilidade da contaminação se estender de forma

significativa além de suas divisas e que as águas subterrâneas fluíam em direção

diversa à dos lotes residenciais e industriais, amostras de água de poços profundos

ainda ativos provenientes do Condomínio Auriverde e de indústrias do entorno

apontaram, além de dieldrin, a presença de tetracloroeteno, cuja exposição humana

a altos níveis pode produzir enjôos, náuseas, dores de cabeça, sonolência, confusão

mental, perda de memória, dificuldades para falar e caminhar e mesmo a morte107.

As evidências de maior abrangência da contaminação, além do site da

empresa, conduziram a uma série de ações no segundo semestre de 2002. A

vigilância sanitária do estado delimita área do entorno e executa cadastramento para

conhecimento das características da população local, com visita a 806 residências e

registro de 1996 moradores, além de promover reuniões com especialistas da área

de toxicologia108 para definição de um plano de ação com vistas a avaliação de

saúde dos moradores locais e estabelecer com a Sabesp ações para monitoramento

da qualidade da água da rede pública de abastecimento.

Em 2003, a Shell apresenta estudos mais detalhados a respeito da

contaminação. No tocante à qualidade da água, o estudo indica que

107 Sobre o tetracloroeteno ver ATDSR, Departamento Americano de Saúde e Serviços Humanos (DHHS). 108 A Comissão Permanente de Especialistas em Toxicologia para Áreas Contaminadas foi oficializada pelo Centro de Vigilância Sanitária por meio da Portaria CVS-20, de 23 de dezembro de 2002.

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Os contaminantes prioritários detectados no aqüífero freático com teores

acima dos limites de intervenção da Cetesb foram dieldrin, aldrin, benzeno e

chumbo, distribuídos principalmente sob as áreas do site da Colorado, BIP I

e BIP II. No caso do chumbo e dieldrin, as plumas identificadas estendem-

se para a área externa (CSD-GEOKLOCK, 2003).

Além dessas substâncias, a investigação do aqüífero freático e profundo,

no interior e no entorno das bases, indicaram a presença de vários outros

contaminantes, em concentrações acima dos valores de intervenção da Cetesb, tais

como hexaclorociclohexano (HCH), mercúrio, bifenilas policloradas (PCBs), fenol,

naftaleno, tetracloroeteno, tricloroeteno, 1,2-dicloroeteno e cloreto de vinila. Quanto

à qualidade do solo, sondagens em profundidades variadas (0 a 10 metros), na área

das bases e em seu entorno, detectaram concentrações de aldrin, dieldrin e chumbo

acima dos valores de intervenção da Cetesb. Ao avaliar algumas amostras situadas

num raio de até 900 metros da BIP I e ressalvar que outros contaminantes não têm

correlação direta com as atividades pretéritas da Shell no local, o estudo concluí

também que “[...] o solo da região apresenta traços de pesticidas, de PCBs, de

chumbo, de mercúrio e de drins de forma disseminada, caracterizando o background

da região” (CSD-GEOKLOCK, 2003: 28). A identificação de traços de drins na

região, é utilizada no estudo para reforçar o argumento de que a presença desses

contaminantes no solo das áreas externas às bases foram decorrentes do “[...]

histórico conhecido de uso intensivo destes produtos pela população local” (CSD-

GEOKLOCK, 2003: 42), uma vez que os drins foram empregados como praguicida e

raticida em áreas urbanas no Brasil109.

Nesse período também é dado início aos entendimentos entre as

secretarias de saúde e de meio ambiente do estado e do município, representantes

dos moradores110 e da Shell, com acompanhamento da Promotoria de Justiça de

Meio Ambiente da Capital, para a elaboração de um Termo de Compromisso de

Ajustamento de Conduta (TAC) que garantisse a execução ou custeio pela empresa

109 Apesar de bastante extensa, a Cetesb contestou a avaliação realizada pela Shell, especialmente nos aspectos relativos aos métodos utilizados, procedimentos adotados e qualidade dos dados produzidos. 110 A contaminação ambiental do bairro ensejou a criação de duas associações voltadas a garantia dos direitos dos moradores, a SOS Vila Carioca e a Reviva Vila Carioca. Segundo a primeira, suas ações visam “a implementação de políticas públicas e a reabilitação ambiental da área degradada da Vila Carioca pela poluição ambiental”.

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das ações voltadas a avaliação e remediação dos problemas ambientais, além da

avaliação e gerenciamento dos riscos à saúde111.

O documento delimita o problema, define responsáveis pelas etapas de

diagnóstico, proposição de medidas de controle, mitigação e recuperação, e

respectiva implementação. As possíveis alterações na saúde dos moradores e

trabalhadores decorrentes da degradação ambiental foram consideradas como parte

do problema, merecendo abordagem similar àqueles de natureza ambiental. Nele é

definido o

[...] rol de atividades a serem custeadas pela Shell destinadas a avaliar o

risco à saúde decorrente da exposição da população aos contaminantes,

compreendendo moradores e trabalhadores (atuais e pregressos) e

respectivos procedimentos médicos, tanto na fase de diagnóstico como para

o tratamento e acompanhamento das pessoas que apresentarem sinais,

sintomas ou evidências de comprometimento ao longo do tempo, atribuíveis

aos contaminantes da Shell (QUITÉRIO e VALENTIM, 2003).

Além dos aspectos relacionados diretamente ao meio ambiente e saúde,

o TAC abordou os “Compromissos da Shell na Área Social”. Nele ficou estabelecido

que a empresa deveria doar parte de seu imóvel, após devidamente remediado, à

prefeitura para integrar o Sistema de Áreas Verdes Municipal, devendo elaborar

plano e projeto executivo e implantar no local unidade de lazer para uso público.

Além disto, a Shell se comprometia a “[...] analisar e desenvolver projetos destinados

a revitalização e requalificação da Vila Carioca em conjunto com a Secretaria de

Estado do Meio Ambiente, Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Sub-prefeitura do

Ipiranga e representantes da Comunidade local”.

Cabe por fim mencionar que esta versão do TAC foi referência na

denúncia do Ministério Público Federal contra a Shell, Agência Nacional de Petróleo

(ANP) e consultores responsáveis por informações constantes dos relatórios da

ANP. A ação foi ajuizada pelos crimes de poluição do ar e falsidade ideológica. No

tocante à Shell foi pleiteada à justiça sua condenação, baseada na Lei de Crimes

Ambientais, por crime de poluição com agravo da saúde da população. A justiça

111 A redação conjunta deste instrumento mereceu inúmeras reuniões entre as partes envolvidas ao longo de 2002 e 2003, cuja última versão data de dezembro de 2003, quando foi finalmente

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138

acatou a denúncia e o processo tramita na 4ª Vara da Justiça Federal de São Paulo,

onde estava sendo discutido um acordo para “Suspensão Condicional do Processo”.

Para esta suspensão condicional, a Shell deveria cumprir integralmente as cláusulas

constantes do TAC. Cabe destacar também que o Ministério Público do Trabalho

vem desde 2003 investigando o assunto no que diz respeito à contaminação no

interior da empresa e suas conseqüências na saúde dos trabalhadores. Quanto à

Ação Civil Pública que tramita desde 2002 no âmbito estadual, a justiça entendeu

que o Ministério Público do Estado não poderia tutelar a saúde da população. Esta

recorreu à 6ª Câmara do Tribunal de Justiça contra a decisão.

encaminhado à Promotoria Pública Estadual.

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139

Foto 27. Vila Carioca em 1940. Aocentro, refinaria de petróleo do GrupoMatarazzo,atual pátio de recolhimentode veículos do Detran. Acima, emdestaque, perímetro das futurasinstalações da base de estocagem decombustíveis da Shell (BIP I). Àdireita, em diagonal, estrada de ferroSantos-Jundiaí.(Fonte: Consórcio Ministério daAgricultura/DNPM/DA – acervoSIURB).

Foto 28. Vila Carioca em 1954. Ao centro, base de estocagem decombustíveis da Shell (BIP I ). Abaixo refinaria de petróleo do GrupoMatarazzo. Acima, núcleo residencial já em consolidação.(Fonte: Consórcio VASP-Cruzeiro – acervo SIURB. Digitalização egeorrefenciamento: SVMA/AT/NUGEO).

BIP 1

BIP 2

BIP 1

BIP 2

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140

Foto 30. Vila Carioca em 1968. Aocentro, base de estocagem decombustíveis da Shell (BIP I ).(Fonte: Cetesb)

Foto 29. Vila Carioca em 1976. Aocentro, base de estocagem decombustíveis da Shell (BIP I ). Notarabaixo alteração no lote do GrupoMatarazzo, que passou a ser utilizadocomo pátio de recolhimento deveículos do Detran.(Fonte: Cetesb)

BIP 1

BIP 2

BIP 1

BIP 2

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Foto 32. Vila Carioca em 1986.(Fonte: Cetesb)

Foto 31. Vila Carioca em 1994.(Fonte: Cetesb)

BIP 1

BIP 2

BIP 1

BIP 2

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Foto 33. Vila Carioca em 2001.(Fonte: Cetesb)

BIP 1

BIP 2

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143

4.4 Requalificação urbana como instrumento para garantia da

saúde e melhoria da qualidade de vida na Vila Carioca.

A Vila Carioca sintetiza de maneira aguda a complexidade e as

externalidades negativas inerentes à história da evolução urbana da metrópole.

Território varzeano, às margens do rio Tamanduateí, nasceu e cresceu sob o

desígnio da ferrovia e da indústria.

Incisiva na ocupação do sítio, porém hesitante no controle do processo

produtivo, a atividade industrial assentada na Vila Carioca foi por muito tempo vista

quase que só por sua face mais evidente: a do progresso econômico. Apesar de

práticas industriais nocivas, como o enterramento de pesticidas no solo, o

lançamento de efluentes ou mesmo resíduos da produção sem qualquer tratamento

nos corpos d’água, ou a emissão de variada gama de poluentes na atmosfera, é

possível afirmar que por muito tempo houve desconhecimento e relativa tolerância

por parte da sociedade quanto a tais procedimentos e seus efeitos.

Incômodos e sofrimentos terão havidos muitos, hoje encobertos pela

história: do funcionário desprotegido, exposto aos metais, solventes,

hidrocarbonetos e outras substâncias perigosas à saúde; aos moradores

desavisados, impassíveis ante o lento e continuo contato com estes mesmos

contaminantes. O modo de assentamento - equivocado e agressivo - das atividades

produtivas nas várzeas do Tamanduateí, a despeito das tentativas de regulação do

poder público, permitiu que o urbano ali se fizesse divorciado de mecanismos

mínimos para garantir qualidade de vida à população.

Hoje, apesar da ainda incisiva presença da indústria na Vila Carioca e

seus arredores, a região vêm sofrendo processo regular de alteração de perfil

industrial ou mesmo esvaziamento no que tange às atividades produtivas mais

tradicionais, refletindo de forma algo dramática os movimentos de reorganização da

cidade e as tendências de reestruturação produtiva da metrópole. O que no passado

era entendido como zona industrial de beira linha, cujas vantagens locacionais para

as indústrias de modelo fordista estavam relacionadas à ferrovia, terrenos planos e

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144

água, cedeu lugar a uma Vila Carioca inserida em Macroárea de Reestruturação e

Requalificação Urbana, cujos atributos no âmbito metropolitano dizem respeito às

condições privilegiadas locacionais e de acessibilidade. Desta forma, o discurso

ufanista e desenvolvimentista da indústria fordista-keynesiana na “cidade

cosmopolita” do início do século XX, contrasta, nos primeiros anos deste novo

século, com a busca de algo que o passado não favoreceu: a qualidade de vida na

“metrópole globalizada”.

Alterados os padrões de assentamento industrial na metrópole em função

do processo ainda em curso de desmonte ou desconcentração da produção, e

diante de novos paradigmas ambientais, o discurso se volta agora ao

desenvolvimento humano e qualidade de vida desta região que sempre careceu de

um e outro. Diante das novas demandas de localização da indústria, o poder público

procura se instrumentalizar para reverter o esvaziamento populacional e melhorar a

qualidade dos espaços públicos e do meio ambiente. Para isto, propõe, entre outras

medidas, controlar a ocupação dos fundos de vale, incrementar o convívio social,

fomentar a implantação de empresas de alta tecnologia, não poluidoras, criar e

preservar áreas verdes e sanear córregos e áreas degradadas.

As bases legais e institucionais para estas intervenções na cidade vêm

sendo construídas em especial nesses últimos anos, particularmente com o Estatuto

da Cidade, Plano Diretor Estratégico e as novas normas de parcelamento,

disciplinamento e ordenamento do uso e ocupação do solo, além de outros

dispositivos legais mais específicos, como os de caráter ambiental e sanitário. Cabe

lembrar, no entanto, que apesar da realidade apontar para uma estrutura urbana já

intensamente conurbada, este arcabouço ainda é elaborado de maneira fracionada,

tendo como barreira os limites político-administrativos municipais.

A Vila Carioca, pequeno fragmento desse complexo e dinâmico

emaranhado urbano, aguarda, em meio a um expressivo passivo ambiental, a

evolução das tendências estruturadoras do espaço da metrópole para conhecer seu

futuro. O solo desta vila que, apesar das limitações de sua geografia, abrigou parte

da indústria responsável pelo desenvolvimento paulistano, está hoje impactado e é

fator limitante na busca de uma nova identidade local. Superar esta limitações

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145

implica prospectar/esquadrinhar o passado de modo a remediar passivos e

compreender as potencialidades ali existentes.

Desta forma, se a evolução da metrópole conferiu à Vila Carioca

vantagens locacionais e de acessibilidade, legou a ela também cenários de risco à

saúde, cuja contaminação do solo é a característica mais particular e notória em

relação ao restante do tecido urbano. Intervir na área requer compreender variáveis

urbanas, ambientais e sanitárias e buscar soluções para a compatibilização do uso

do solo com estes cenários de risco.

Intervir na Vila Carioca implica também abordar o direito da população em

viver com saúde e qualidade de vida no entorno de áreas contaminadas. Neste

sentido, a Vila Carioca parece não ser um caso isolado. Como parte significativa das

contaminações do solo não se limitam à propriedade do empreendimento que a ela

deu origem (das 1336 áreas contaminadas até o momento cadastradas pela Cetesb,

42,7% impactaram o solo ou as águas do entorno), entende-se que há populações

sob risco de exposição merecendo ser contempladas em debate mais aprofundado

quanto às medidas necessárias para uma vivência isenta de risco e com qualidade.

O debate que ora se inicia em São Paulo no tocante às relações da

cidade com suas áreas contaminadas, embora fundamental e imprescindível para a

sociedade, canaliza o discurso para a reabilitação para novos usos dos lotes que

deram origem a esses passivos, reconduzindo-os à dinâmica de mercado, ao ciclo

econômico urbano, ao proveito geral da cidade, carecendo, no entanto, de maior

ênfase no que concerne aos aspectos locais, do interesse daqueles sujeitos à

convivência com a contaminação e cujas conveniências econômicas e laços sociais

os predispõe ao desejo de permanência no local. Nesses casos, a abordagem

requer mais do que o domínio das técnicas de remediação e o fomento a operações

financeiras visando novo uso de áreas degradadas.

Novos que somos no debate do assunto, tendemos a certa inconstância

quando abordamos os riscos à população moradora em áreas contaminadas. Há

ocasiões em que estes são superestimados, exigindo medidas drásticas como a

remoção dos habitantes locais, sem uma avaliação mais efetiva das reais condições

de exposição e sem considerar os custos sociais e econômicos decorrentes de tais

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146

iniciativas. Em outras, negligenciamos estes mesmos riscos, não adotando medidas

mais efetivas para proteção da população. Em ambos os casos, fica a população

sujeita a interesses muitas vezes conflitantes, distantes de suas legítimas

aspirações. Em uma cidade que procura hoje compreender e regular os padrões de

assentamento da população no território, enfrentando significativo esvaziamento

populacional em áreas dotadas de infraestrutura, tal discussão assume relevância

pública.

Há situações que a retirada de moradores torna-se inevitável frente a

dimensão da contaminação e às relações estabelecidas entre a comunidade e o

meio ambiente. É o caso das 66 chácaras residenciais vizinhas à empresa Shell no

município de Paulínia, contaminadas por pesticidas e outras substâncias perigosas.

A remoção, medida extrema para resguardar a saúde da população, no entanto,

interfere muitas vezes de forma intensa na rotina, hábitos, laços sociais e qualidade

de vida das famílias.

Na Vila Carioca, bairro formado ainda na primeira metade do século XX,

parte dos moradores já esboçam opinião a respeito de seus desejos e dos motivos

que os levaram a se organizar por meio da constituição de uma Associação Civil, a

SOS Vila Carioca. Ao rechaçar a possibilidade de requerer da Shell forçosamente a

compra de suas residências, a SOS Vila Carioca se apresenta como associação

sem fins lucrativos e que visa a implementação de políticas públicas e a reabilitação

ambiental da área degradada da Vila Carioca pela poluição industrial. Sendo assim,

ela postula “[...] conhecer as dimensões da área contaminada, suas conseqüências

individuais e ao bairro e, paralelamente, a melhoria da qualidade de vida da Vila

porque muitos moradores lá residem há vários anos e possuem raízes afetivas com

a comunidade que lá existe,[...]”. Para que se concretize a melhoria da qualidade de

vida, os moradores passam a exigir, além de medidas de investigação/remediação

ambiental e avaliação de saúde, o “desenvolvimento de um Plano de Revitalização

Ambiental da Vila Carioca, contemplando o enriquecimento vegetal das ruas da Vila

Carioca, criação de um espaço público de lazer, implementação da Coleta Seletiva e

criação de programas culturais”112. Embora expresso em outras palavras, os

112 A postura e reivindicações da Associação estão expressos, entre outros documentos, no Informativo SOS Vila Carioca, ano 1, número 2, agosto de 2004, e em carta encaminhada à diferentes

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147

legítimos desejos da comunidade são bastante próximos àqueles contidos nos

diplomas legais que atualmente regem o desenvolvimento urbano da Capital e mais

especificamente da região onde está inserida a Vila Carioca, como o Plano Diretor

Estratégico do Distrito do Ipiranga e a Operação Urbana Diagonal Sul.

Tais diplomas, que procuram superar os modelos históricos de

planejamento urbano centralizado por meio do redesenho setorial da cidade, contam

com dispositivos que conferem maiores garantias à real participação da sociedade

no processo de melhoria das condições vivenciais e requalificação urbana da Vila

Carioca.

A mobilização comunitária, motivada pela contaminação ambiental,

propicia àquela população condições mais efetivas para reivindicar o direito a uma

vida saudável e exigir que não sejam mais receptores das externalidades negativas

de um modelo de produção que ao longo da história conferiu vitalidade econômica à

metrópole. Ao reivindicar não só remediação dos danos ambientais e preservação

da saúde, mas também a requalificação urbana do bairro, os moradores parecem

indicar seu temor ante a estigmatização da área que a contaminação e sua

divulgação proporcionou. Desta forma, receiam não só eventuais impactos à saúde,

mas também às condições vivenciais, com possível desvalorização imobiliária e

exclusão do bairro da dinâmica da cidade. Assim, a ameaça à permanência com

qualidade de vida dos moradores no local, estaria também vinculada não à

agressividade do mercado, à verticalização e descaracterização dos modos e

condições tradicionais de vivência local, como parece ocorrer ali próximo, nas

colinas do Ipiranga; mas à possibilidade de serem relegados pela cidade, de ser o

bairro considerado como local isento de atratividade devido ao seu passivo

ambiental.

Neste contexto, devem falar a cidade e a comunidade. A primeira já se

manifestou em lei, comprometendo-se a obter para o distrito do Ipiranga arranjo

institucional que vise um maior bem-estar para toda a comunidade local. Interessada

em reverter as tendências de esvaziamento do bairro e promover o incremento da

instituições em 29 de novembro de 2004. Outra associação formada em decorrência da contaminação ambiental da Shell foi a Reviva Vila Carioca, que postularia ação indenizatória individual e a aquisição por parte da empresa das propriedades afetadas pela contaminação.

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convivência social, a cidade deve atentar para algumas características ainda

presentes na Vila Carioca que tem anunciado como qualidades desejáveis para o

restante da área urbanizada de seu território: certa vida comunitária, consideráveis

densidades demográficas e diversidade de funções.

Quanto à comunidade, esta vem, desde o anúncio da contaminação,

discutindo seu posicionamento a respeito do passivo ambiental e aspirações quanto

à vida no local. Parece entender ela que, em sintonia com os conceitos mais amplos

a respeito do que seja saúde, é necessário reivindicar não só uma vida sem doenças

mas também com qualidade. Para isto, busca não apenas compromissos do poder

público mas também responsabilidade corporativa dos causadores da contaminação

para minimização dos riscos e promoção de melhores condições de habitabilidade e

bem-estar no bairro.

Nesse sentido, o TAC, elaborado de forma integrada pelos órgãos

públicos da área de meio ambiente e saúde, Ministério Público, Shell e

representantes da população traduz parte deste modo de entender a questão ao

prever medidas mitigatórias do risco e compensatórias dos danos (e transtornos)

causados pela disposição inadequada em meio habitado de produtos químicos

perigos à saúde. Em certos aspectos, o TAC reflete diretrizes mais amplas de

desenvolvimento urbano da cidade e da região, como as que conduzem ao

saneamento de áreas degradadas, criação e preservação de áreas verdes e outras

medidas para requalificação urbana. É importante lembrar também que o TAC é um

dos instrumentos urbanísticos previstos no Plano Diretor Estratégico para fins de

planejamento, gestão e promoção do desenvolvimento urbano do município.

Entendendo-se como conveniente à cidade e desejo manifesto de seus

habitantes a manutenção e promoção das condições de habitabilidade do bairro, é

necessário harmonizar o ato de morar com a situação ambiental da área. Nessas

circunstâncias, a remediação da contaminação local para minimização de riscos

sofre limitações uma vez que o bairro é intensamente ocupado, restringindo as

alternativas a técnicas que prescindam de medidas mais radicais, como a remoção

do construído e escavações para retirada do solo, ou seja, ações que interfiram no

cotidiano e no patrimônio edificado da comunidade.

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Para superar tais empecilhos é importante aproximar campos do

conhecimento, fazendo uso de ferramentas de planejamento, desenho urbano e

controle do uso do solo associadas às técnicas de remediação ambiental e

metodologias de avaliação e gerenciamento de riscos à saúde. É possível que com

isto possa ser dada expressão física aos anseios da população de uma vida

saudável mesmo em área de passivo ambiental, adaptando – em respeito ao

existente - a contaminação remanescente ao uso e ocupação do solo vigente no

bairro.

A procura de conformidade entre o passivo ambiental e o bem-estar da

população por meio do uso de ferramentas de intervenção urbana requer o subsídio

de métodos de avaliação de riscos, particularmente do conhecimento de eventuais

rotas de exposição, que implicam a caracterização da fonte de contaminação, dos

mecanismos de transporte dos contaminantes, dos pontos e vias de exposição e da

população receptora. A recomposição paisagística, calçamento e pavimentação de

vias e espaços públicos, retificação do sistema viário ou alteração de fluxo, melhoria

da infraestrutura de saneamento, saneamento de edificações e implantação de

unidades de lazer, saúde ou educação são algumas das intervenções que podem

ser utilizadas para proteção à saúde e requalificação urbana em áreas

contaminadas.

Nesse sentido, elencamos alguns pressupostos para a intervenção com o

objetivo da requalificação urbana na Vila Carioca:

- Delimitação espacial e temporal da contaminação no solo e águas

subterrâneas. O conhecimento preciso da contaminação, incluindo as

particularidades espaciais e de comportamento temporal da contaminação é

imprescindível, não apenas para avaliar riscos, mas também para orientar os

moradores locais quanto às possibilidades em termos do uso e ocupação do

solo.

- Estabelecimento de plano de restrições quanto ao uso e ocupação do

solo. Destina-se a resguardar a população de eventuais rotas de exposição

em decorrência de alterações no uso e ocupação do solo, assim como

interferências na infraestrutura local, que impliquem intervenções tais como

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escavação para implantação de fundações, construção de porões ou

garagens subterrâneas, captação de águas subterrâneas, implantação,

manutenção, ou renovação de rede de saneamento básico, drenagem urbana

e telecomunicações. É preciso definir claramente as diretrizes, enunciando

condicionantes, limitações, restrições ou orientações para evitar riscos à

saúde, estabelecendo, se assim necessário, zoneamento particular para o

local.

- Melhoria das condições de arborização. Tanto a Vila Carioca como o

distrito do Ipiranga são carentes de áreas verdes113. A eventual composição

paisagística da área deve levar em consideração a possibilidade da absorção

de contaminantes pelo sistema radicular das plantas e favorecimento de rotas

de exposição por meio do consumo de vegetais na área. Assim, criar e

preservar áreas verdes no local implica o conhecimento da distribuição da

contaminação do solo, de maneira a selecionar espécies adequadas a estas

condições, estabelecer diretrizes para a remoção do solo superficial em locais

específicos, privilegiar ou restringir o contato recreativo com o solo etc.

- Revisão das características de permeabilidade e pavimentação do solo.

A concentração e o comportamento dos contaminantes no meio ambiente

podem definir diretrizes para o calçamento e pavimento de áreas públicas e

mesmo particulares, de modo a evitar ou promover o contato direto ou indireto

com o solo, que podem favorecer rotas de exposição por contato dérmico,

ingestão ou inalação de solo contaminado.

- Melhoria das condições de tráfego. A alteração, em conformidade com

exigências do poder público e reivindicação da população, do fluxo de cerca

de 300 caminhões-tanque que diariamente percorriam as ruas do bairro já

proporcionou redução de riscos e melhoria de qualidade de vida local. É

preciso, no entanto, repensar as condições viárias e de tráfego para que se

obtenha ganhos mais significativos em termos de qualidade urbana.

113 Segundo o Atlas Ambiental do Município de São Paulo (PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, 2004), o distrito do Ipiranga contava em 1999 com 5,56 m² de cobertura vegetal por habitante. Dos 96 distritos da Capital, 60 têm índice de cobertura vegetal por habitante superior ao Ipiranga. O índice para todo o município é de 73,65 m².

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151

- Criação de espaços públicos de caráter sociocultural. Ao negociar por

meio do TAC a remediação ambiental e a posterior transformação da área de

propriedade da Shell, conhecida como Colorado, em unidade de lazer para

uso público, vinculado ao Sistema de Áreas Verdes Municipal, os moradores

parecem conscientes e despertos para a necessidade de apropriação social e

cultural da área e da importância da promoção da qualidade de seus espaços

de vida. Adota-se com isto firme postura, não no sentido de rechaçar parte do

bairro, entendendo-o como inabitável, vítima de um passado pouco tolerável,

que se quer esquecer, mas voltada à luta por sua limpeza e posse como

espaço público motivador de qualidade de vida. O espaço assim tratado pode

também encerrar certa carga simbólica, ao demonstrar que áreas

contaminadas são remediáveis e passíveis de reapropriação pública; além de

conferir à Vila Carioca, paradigma da ocupação hostil do sítio por parte de um

modelo produtivo em superação, condições de dialogar sem temores com seu

passado. Desta forma, entendemos que a área em questão poderia mesmo

abrigar atividades culturais que extrapolam o interesse local, voltadas à

preservação da memória coletiva das relações entre indústria e meio

ambiente e da difusão do conhecimento voltado à superação deste modelo de

produção não sustentável.

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Conclusão

As tentativas da sociedade em regular os riscos advindos dos processos

produtivos mais intensos e agressivos acompanharam a história da industrialização

paulistana. Estas iniciativas estavam geralmente voltadas à segregação espacial das

indústrias potencialmente poluidoras ou incômodas, mais do que à adoção de

medidas de controle dos processos produtivos ou das emissões.

No entanto, as regulamentações de ordem físico-territorial, voltadas à

limitação ou restrições ao assento industrial ou à segregação de usos considerados

pouco compatíveis, não tiveram força suficiente para se impor frente ao dinamismo

econômico e social da cidade. Devemo-nos lembrar da tradicional ruptura entre os

planos, as intenções reguladoras, e a prática cotidiana; do desequilíbrio de forças

entre o social e o econômico no Brasil. Desta forma, o poder público nunca

conseguiu estabelecer em São Paulo uma conexão satisfatória entre zoneamento

industrial e proteção do ambiente e da saúde pública.

Nos últimos 30 anos a agudização dos problemas ambientais e da

degradação urbana induziu o Estado ao aprimoramento dos instrumentos para

regulação dos riscos. A proibição da implantação de indústrias consideradas

potencialmente impactantes ao meio em regiões metropolitanas ou em áreas

ambientalmente sensíveis e o estabelecimento de padrões ambientais e de emissão

mais consistentes e restritivos foram algumas das medidas adotadas para evitar

incômodos e riscos à população.

No entanto, às expensas das restrições impostas, o passivo ambiental da

cidade de São Paulo foi sendo gradativa e sistematicamente construído, aflorando

recentemente não só como um problema ambiental, mas também como uma

preocupação de saúde pública e um empecilho ao desenvolvimento urbano.

Os últimos anos têm testemunhado as tentativas da construção de um

arcabouço legal e a busca de instrumentação do poder público para dar conta do

problema nos planos urbano, ambiental e sanitário. No tocante às relações da

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153

cidade com seus passivos, a requalificação das áreas degradadas ou contaminadas

é uma necessidade que hoje se impõe e condiciona o desenvolvimento urbano da

capital paulista.

Para a requalificação das áreas contaminadas, a apropriação dos

referenciais teórico-metodológicos utilizados na regulação dos riscos sanitários e

ambientais pode ser considerado um pressuposto para subsídio às intervenções

voltadas à qualidade urbana e de vida da população.

No caso da Vila Carioca, que hoje se vê instada a enfrentar as contradições

e dilemas do padrão agressivo de desenvolvimento que lhe deu origem e a

sustentou, do qual foi ao mesmo tempo beneficiária e vítima, a requalificação urbana

com foco no passivo ambiental parece se mostrar processo importante para a

garantia da qualidade de vida e reintegração do bairrro ao conjunto da cidade.

Desta forma, a adoção de medidas para requalificação da Vila Carioca se

configura como desejo manifesto de seus moradores e iniciativa coerente com os

princípios legias contidos no Plano Diretor Estratégico do município, além de

oportunidade única para discutir a relação da cidade com seus passivos ambientais.

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