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CAMBIASSU EDIO ELETRNICA Revista Cientfica do Departamento de Comunicao Social da
Universidade Federal do Maranho - UFMA - ISSN 2176 - 5111
So Lus - MA, Julho/Dezembro de 2012 - Ano XIX - N 11
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AS LONDON RIOTS NO BRASIL E NA
INGLATERRA: Comparaes discursivas e
conflitos semnticos nos jornais
Nathalia Pereira BUSTAMANTE ABREU 35
Wedencley ALVES 36
RESUMO: Este estudo tem por objetivo entender os conflitos que acontecem em ambientes
urbanos buscando compreender, pela anlise do discurso, sua relao com o meio e com a
mdia. Discursivamente, o ambiente citadino encarado como uma construo de sentido, e o
ataque a este ambiente pode ser observado como um ataque direto aos discursos vigentes.
Analisando o caso das revoltas de Agosto de 2011, em Londres, procuramos entender o papel
da imprensa, especialmente dos jornais escritos, nas atribuies de sentido aos
acontecimentos e consequente construo de um discurso urbano, comparando, para isso, a
cobertura dos jornais locais ingleses entre si e, por fim, com jornais brasileiros, apontando
aproximaes e distanciamentos.
PALAVRAS-CHAVE: imprensa; discurso; revoltas; cidade; cobertura internacional
1. Introduo
A cidade se organiza de acordo com os costumes de seus habitantes, sua histria, suas
lembranas e seus conflitos. Isso vlido tanto para as pequenas cidades que se formaram no
incio da histria humana, com o fim do nomadismo, como para as grandes capitais
globalizadas do nosso sculo. Cada cidade tem uma lei social, construda diariamente e
contestada constantemente. A mdia tem um papel expressivo nessa construo do discurso
citadino, pelo simples fato de dar nome s coisas e aos acontecimentos. Seu poder ainda
35 Aluna de graduao em jornalismo, do curso de Comunicao Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Email: nathalia_elenove@yahoo.com.br 36 Professor Adjunto da Faculdade de Comunicao Social da Universidade Federal de Juiz de Fora. Email: wedenn@yahoo.com.br
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maior pelos significados que essa nomeao carrega: as atribuies de sentido que se agregam
vida urbana.
Tomamos o caso de agosto de 2011, em Londres, para identificar como acontece essa
construo de sentido pelos jornais impressos. A escolha dos jornais britnicos se deu pela
relevncia, circulao e credibilidade mas no s por isso. The Guardian, The Daily
Telegraph e Daily Mirror foram escolhidos pela similaridade de suas fotos de capa, o que
reduz as variantes da anlise, direcionando o foco para o discurso produzido ao redor da
imagem. Para a escolha dos jornais brasileiros, pensou-se em dois jornais de ampla circulao
nacional: Folha de S. Paulo e Estado de So Paulo so, ambos, dirios fortes no cenrio
brasileiro. Assoma-se a esses atributos, o fato de serem jornais da mesma cidade brasileira, o
maior centro econmico do pas: So Paulo. Assim como, para os jornais britnicos, foram
escolhidos apenas peridicos londrinos, a escolha de publicaes apenas paulistas exime-nos
das variantes compostas pelos diferentes discursos citadinos.
A anlise voltada para a compreenso dos sentidos atribudos pelos jornais s
revoltas populares. Desta forma, esta pesquisa est inserida no apenas no mbito da
comunicao, ao buscar tratar do relacionamento mdia/discurso/realidade, mas tambm, de
certa forma, no mbito das discusses sobre as cidades, prprias s Cincias Sociais. O foco,
no entanto, sempre a linguagem, neste caso, a linguagem da mdia.
Enxergar a cidade e as contradies que carrega como uma afirmao de sentidos um
passo para entender as revoltas que nela acontecem e suas motivaes.
2. O Acontecimento Histrico37
As revoltas de agosto de 2011, em Londres (noticiadas como London Riots),
surpreenderam a muitos pela rapidez com que se espalharam e pela violncia de suas
manifestaes. A causa imediata dos protestos foi o assassinato, pela polcia metropolitana, de
um morador do distrito londrino de Tottenham. Mark Duggan, segundo o IPCC (rgo
independente britnico que investiga aes violentas da polcia), estaria sendo investigado por
crimes na comunidade negra, e a morte ocorreu durante uma tentativa de priso.
37 A descrio dos acontecimentos baseada em uma sntese da cobertura da imprensa, local, de veculos grandes ou independentes.
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No dia 6 de agosto, parentes e amigos da vtima organizaram uma passeata pacfica,
para cobrar justia das autoridades locais. A marcha parou em frente sede policial de
Tottenham, com a exigncia de que a superintendncia da polcia local prestasse
esclarecimentos sobre o caso. Enquanto os cerca de 200 manifestantes esperavam que algum
comandante chegasse a Tottenham, uma multido juntou-se a eles. O estopim para o incio do
tumulto foi o rumor de um ataque da polcia a uma garota de 16 anos. A alegao da polcia
que a menina estaria representando riscos, por brandir uma garrafa de vidro.
Em sete de agosto, as notcias sobre o acontecimento em Tottenham se espalharam
para outros distritos da cidade, que se mobilizaram em suas prprias manifestaes. Na noite
desse mesmo dia, seis localidades, incluindo o centro da cidade, registraram protestos
violentos. No dia 8, a cidade foi palco de uma onda de saques e incndios foram 16 os
bairros atingidos. Outras cidades, como Gloucester e Birmingham, tambm tiveram protestos
semelhantes.
No dia 9 o policiamento na capital britnica foi reforado. Em outras cidades
prximas, porm, a manifestao continuou, chegando a atingir localidades mais distantes, ao
norte da Inglaterra. Em 10 de agosto, os protestos cessaram em Londres, acompanhando as
aes policiais: mais de 3000 pessoas foram presas. Em localidades prximas a Liverpool e
Manchester, os protestos continuaram ainda no dia 10.
Em 1985, uma revolta semelhante de 2011 aconteceu no mesmo distrito de
Tottenham. As motivaes tambm foram semelhantes. Em 8 de outubro daquele ano, uma
mulher afro-caribenha morreu ao ter um ataque do corao enquanto a polcia revistava sua
casa. Esse foi o estopim para a revolta, em um contexto em que a tenso entre a Polcia
Metropolitana e a comunidade negra local estava exaltada. No dia seguinte, houve uma
manifestao em frente ao posto policial de Tottenham, e o confronto entre manifestantes e
policiais foi violento.
Na ltima dcada, a capital britnica foi por diversas vezes palco de manifestaes,
por vezes violentas, como os atentados a bombas em estaes de metr, em 7 e 21 de julho de
2005, outras quase pacficas, como os protestos na ocasio da reunio da Cpula do G-20, em
2009.
No so raras as organizaes de passeatas e protestos em Londres contra medidas
governamentais. S os ltimos trs anos registraram pelo menos quatro manifestaes de
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grande porte: Em 2009, uma grande marcha acompanhou o Encontro da Cpula do G-20,
fazendo reivindicaes e levantando pontos de discusso que iam de mudanas climticas
guerra contra o terrorismo. Em 2010, houve protesto estudantil contra as redues de
investimento em educao em todo o Reino Unido, com foco principal em Londres. Em 2011,
foi realizada uma passeata contra o anncio de cortes de gastos governamentais.
3. A cidade como textualidade e como espao de discursividades
Evitando entrar em discusses filosfico-tericas sobre lingustica, em um sentido
prtico a linguagem reconhecida pela Associao Americana de Discurso-Linguagem-
Escuta (ASHA) como um complexo e dinmico sistema de smbolos convencionados,
usados em vrios modos para pensamento e comunicao. Assim, a fala, o gesto, a arte, a
dana so formas tradicionais de linguagem.
Disciplinas como a Anlise de Discurso, por exemplo, vem em toda produo de
sentido e troca de informaes uma possibilidade de linguagem e atravs dela que
enxergamos a construo da cidade como uma afirmao discursiva. Raquel Rolnik explica
que construir cidades tambm uma forma de escrita:
O desenho das ruas e das casas, das praas e dos templos, alm de conter a
experincia daqueles que os construram, denota o seu mundo. por isto que as
formas e tipologias arquitetnicas, desde quando se definiram enquanto habitat
permanente, podem ser lidas e decifradas, como se l e decifra um texto. (ROLNIK, 2004, p. 17)
Uma forma de escrita que, ainda segundo Rolnik, serve para organizar o territrio em
uma razo poltica. J Pcheux (2008) percebe a linguagem como um terreno de conflitos
polticos e simblicos, onde os sentidos so movimentados. Nesta viso, a cidade, como
conjunto de linguagem, seria palco de um discurso poltico dominante onde combatem as
esferas do social e do popular, na tentativa de criar e modificar significados atribudos.
Cada cidade teria, assim, a partir de sua formao histrica, social, de sua vocao