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Ivan Luís Corrêa da Silva
HORA DE POESIA
Publicação?
2
Ivan Luís Corrêa da Silva
Hora de Poesia.
Nasceu no Distrito Administrativo de Pires Belo, Município de
Catalão, Estado de Goiás, no dia 28 de dezembro de 1965, tendo passado a infância na
Zona Rural de Catalão, onde iniciou os estudos no Grupo Escolar de Pires Belo. Fez o
antigo Ginásio no Colégio Estadual João Netto de Campos, logo após, cursou Direito no
Centro de Ensino Superior de Catalão – CESUC, sendo formando da primeira turma (27
de junho de 1989) daquela entidade de ensino. Há aproximadamente 25 (vinte e cinco)
anos é servidor público municipal, ocupando o cargo de Assessor Jurídico do Município
de Catalão desde o ano de 1989. É membro da Academia Catalana de Letras –
www.acletras.org.br - E-mail: [email protected] e [email protected] .
3
Dedico este trabalho primeiramente a Deus, pois, sem Ele, nada
seria possível.
Aos meus pais Homero e Sebastiana; pelo esforço, dedicação e
compreensão, em todos os momentos da minha vida.
Dedico especialmente as minhas filhas e a minha Esposa Isabel
(Bel), pelo apoio e o incentivo, sem elas, talvez este livro não
existisse.
Ao meu irmão e irmã, a todos os meus amigos, que de uma
forma ou de outra, contribuíram e incentivaram sempre.
Ao amigo e acadêmico Valdo Alencar Rolin, que sempre
acreditou e incentivou-me a publicar meus escritos.
4
Nada do que eu diga neste livro será totalmente original. Tudo, de
alguma forma, já foi falado algum dia, em algum lugar. Embora
sempre queiramos ouvir as mesmas coisas ditas de uma forma um
pouquinho diferente. - o Autor -
5
Índice:
6
Hora de poesia
“Qualquer hora é hora de fazer um poema.” (Gertrude Stein).
Bateram à minha porta
não era noite
nem era dia,
era hora de poesia.
Bateram à minha porta
não tinha corpo
nem tinha alma,
tinha a calma da poesia.
Bateram à minha porta
ninguém chamou
ninguém entrou,
inquietou-se a poesia.
Bateram à minha porta
e era à hora da hora
da poesia de agora,
...e nasceu a poesia.
Bateram à minha porta
a poesia é quem batia...
7
É este o poema que eu caço
Se o poema não nasce
ou surge meio torcido,
quem pranteia sou eu.
A dor dilacera o tecido
e no peito meu a carne,
a mercê da dor, adoece.
Se o poema não corre solto
e leve nas linhas do papel,
perco o chão e o meu céu.
Fico, assim: sem sal e mel.
Aturdido, um tanto revolto,
vida torta, um porto morto.
Busco o poema arrebatador
que na primeira mão de cal
aparece pronto e magistral.
Uma diva em noite nupcial,
a deleitar-se em puro amor,
louca, sem nada de divinal.
É este o poema que eu caço,
armo laço, arregaço o peito,
e ele teima em não nascer.
Quanto mais faço e desfaço
mais me perco no fracasso
de não vê-lo resplandecer.
Se o poema não corre solto
e leve nas linhas do papel,
perco o chão e o meu céu.
8
Doce escolha...
Se até a manhã de amanhã
eu não estiver de volta,
foi que a morte,
pareceu-me, uma doce escolha...
Que Deus, na sua calma,
acolha a minha alma,
e, dela faça a escolta
a uma terna fleuma...
Desta insana escolha
que não tem volta,
perdoe-me Deus
e todos os meus...
Que a bondade solta
deste seu coração,
recolha meus erros
no baú da saudade...
E, na volta da tarde,
de um dia qualquer;
ainda suspire por mim,
seus desejos de mulher...
Se até a manhã de amanhã
eu não estiver de volta,
foi que a morte,
pareceu-me, uma doce escolha...
9
Um beija-flor estradeiro...
Vou ser feliz e voltarei, talvez.
Se grande for o seu amor,
de aceitar-me depois...
Vou ser feliz e voltarei, talvez.
Feliz ou com mais amargor,
ruflar asas para amadurar-me.
Vou ser feliz e voltarei, talvez.
Beberemos o legítimo licor,
Brindaremos o dulçor da vida.
Vou ser feliz e voltarei, talvez.
Se, de ti, ainda, for merecedor.
Eu, um beija-flor estradeiro,
venturoso retornarei ao ninho.
Para de novo beijar a mais bela
das flores. Você, minha querida.
10
Assim sou eu
“Não sou alegre nem sou triste: sou poeta.” (Cecília Meireles).
Não procure em mim
um ponto final.
Jamais encontrará.
No máximo deparará
com um ponto e vírgula;
já um tanto afoito
querendo prosseguir...
11
Dentro de mim tem um mar...
“Se um homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável.” (Sêneca).
Dentro de mim tem um mar...
Um mar feito de desenganos.
Flutua nele toda falta de amor
ermos navios singram águas azuis.
Dentro de mim tem um mar...
Que navega um Vasco da Gama,
velejam os sonhos de um homem
antes de finar-se na areia da costa.
Dentro de mim tem um mar...
Águas doces e salgas, calmas e bravias,
com gaivotas e golfinhos brincalhões,
noutras vezes de monstros e piratas.
Dentro de mim tem um mar...
Um mar revolto e sem fim.
Navegando-o, pasmo, descobri,
meu barco navega sem rumo.
Dentro de mim tem um mar...
Desvairado dentro do tempo.
Percorre as minhas artérias
e banha minhas entranhas.
12
Dentro de mim tem um mar...
De água que serve pra beber.
Sorvo dela nas noites e dias,
às vezes sacia, às vezes vicia.
Dentro de mim tem um mar...
Somente você não percebe.
Olhe com olhos de poeta
e também verás o azul além...
13
Se tivesse o seu amor...
Se tivesse o seu amor...
As canoas do Tejo
tornariam inúteis;
As gôndolas de Veneza
perderiam o encanto.
Se tivesse o seu amor...
Nem lembraria que o
belo Tejo existe.
Veneza não seria
mais que uma cidade.
Se tivesse o seu amor...
Qualquer fio d água
seria o meu Tejo.
Minha cidade,
nossa Veneza!
Se tivesse o seu amor...
Eu seria o mais feliz.
14
Esse é o meu amor...
Se decidires morrer,
mesmo que sejas
aos noventa anos,
avise-me, antes:
para que eu tenha
chance de falecer
ao mesmo tempo,
ou, quem, sabe,
um dia antes de ti.
Pois, sei, não terei
ânimo de seguir
a vida, sabendo
que não estais
mais comigo.
15
Escura noite
Agora a noite chega
e não me traz nada
além de si mesma.
Logo ela,
que no passado,
era tão repleta de tudo...
16
O adeus não tem que doer
“Faz a tua ausência para que alguém sinta a tua falta. Mas não prolongue demais para que esse alguém não sinta que pode viver sem você.” (Flóra Cavalcanti).
Não me perguntes,
quanto tempo ficarei.
Talvez partirei
ao amanhecer;
talvez, depois
de depois de amanhã.
Talvez, bem depois...
além até, da sua
vontade de que,
aqui, eu permaneça.
Saiba, apenas,
Que, um dia, partirei.
Quando eu for partir,
não chores.
Faze cintilar
em teu olhar,
o tempo bom
que tivemos.
Levarei, na bagagem,
a leveza do teu sorriso.
O adeus não tem que doer.
Tem, sim, que ter o gosto
do recomeçar,
do andar em
outras direções,
do descobrir novos caminhos...
17
Se eu teimar em ficar tempo demais,
Faze-me partir.
Nem que seja
para eu voltar depois.
O meu amor necessita
de novos sopros para
suavizar minha alma:
- de alma leve, te amarei melhor.
18
O amor quebrou ao meio
“O fraco jamais perdoa: o perdão é característica do forte.” (Gandhi).
O amor quebrou ao meio
e não há como restaurá-lo.
Fragmentou-se a confiança.
Despedaçou-se a cumplicidade.
No peito a dor, na face o choro;
nos olhos não há mais viço...
O amor quebrou ao meio
e não há como restaurá-lo.
Seus cacos se espalharam
pelo chão da casa, há risco
de se cortar, de se ferir.
Dor já não há maior.
O amor quebrou ao meio
e não há como restaurá-lo.
Quebrado perdeu a forma,
não há mais cor nem luz.
Remendá-lo não há cola
que consiga segurar.
O amor quebrou ao meio
e não há como restaurá-lo.
O amor não é máquina
que se retifica e funciona.
Amor é confiança, doação
tato e cumplicidade.
19
Amor em vão...
“O apaixonado tímido nunca é feliz: a felicidade é o preço da audácia.” (Lope de Vega).
Amo-te, hoje,
menos que amarei
no amanhã.
Amo-te, atualmente,
mais que ontem,
mais que antes.
Amo-te, tanto,
e não menos
desejo-te.
Somente tu, cativas
em ti mesma,
nem percebe.
20
Deu choro no meu riso...
“Desconfia da tristeza de certos poetas. É uma tristeza profissional e tão suspeita como a exuberante alegria das coristas.” (Mário Quintana).
Deu noite escura
na minha lua cheia,
derreteu-se toda
minha pedra de gelo.
Caiu chuva grossa
na manhã de domingo.
Dos meus olhos
obstinadas lágrimas
quentes brotaram...
Deu noite escura
na minha lua cheia,
somente pimenta
na minha canja.
Muito sal
no meu feijão.
Deu vários zeros
as minhas
respostas...
Deu noite escura
na minha lua cheia,
faltou vontade
pra vencer.
Deu desejo
de esquecer.
Deu tanta água
no meu fogo
que até o fogo
virou água...
21
Deu noite escura
na minha lua cheia,
deu insônia na
minha cama.
Deu escassez de amor
no meu deleite.
Deu saudade
não sei de que
ou de quem.
Deu choro no
meu riso...
22
Empresta-me seus olhos...
Empresta-me seus olhos
para que de você
eu possa ter ciência
de como é que me vê.
Empresta-me seus lábios
para que eu possa sentir
o exato sabor
do beijo meu.
Empresta-me sua mente
para eu explorar
e saber se estou
integrado a ela.
Empresta-me seus sonhos
para que eu possa saber
se divide comigo
as ações do seu sonhar.
Empresta-me seu corpo
para que eu possa sentir
o que é que ele sente
quando a amo.
23
O corpo do homem...
“Pensamos muitas vezes que Deus não escuta nossos apelos. Nós é que não escutamos suas respostas”. (F Mauriac)
O corpo do homem é
feito de duas porções:
uma, animal, carne apenas.
Outra, intelecto e compaixão.
Uma, bicho, meio selvagem.
Outra, doce, meio poeta.
Uma, sente, até chora.
Outra bate, até mata.
O corpo do homem é
feito de duas porções:
uma, meiga, meio mãe.
Outra, fera, tão indócil.
O corpo do homem é
feito de duas porções,
onde as disparidades
se juntam, compondo-se
e formando o todo.
No rosto, mostra-se
apenas, a parte homem...
Nas ações, o ser inteiro.
O corpo do homem,
feito de duas porções,
diferentes demais,
encantadoras além.
24
O milagre se deu,
quando Deus fez,
duas díspares porções
comporem um só corpo.
Somente Ele mesmo
para saber tão bem,
estas duas metades
de uma parte Dele.
25
Oração de bebê
“Em cada dia de nossas vidas, depositamos algo no banco de memórias de nossos filhos”. (Charles R. Swindoll)
Querido papai do céu,
peço-lhe que se empenhe,
em não me deixar faltar o sono,
quando da escuridão da noite.
Caso não seja possível atender-me,
nunca deixe faltar paciência
ao meu papai da terra;
quando com medo do escuro,
passo a passo, eu procurar
sua cama no meio da noite.
Querido papai do céu,
abrandes o coração do meu pai,
para não me zangar,
quando nas noites,
eu fizer carinho
no rosto dele,
simplesmente para acordá-lo
e comigo ficar de companhia;
Se não for pedir demais,
que ele brinque comigo
até que o dia expulse a noite,
e com ela vão embora os meus medos.
Papai do céu,
se não ouvires os meus pedidos,
não vou aborrecer com você.
Então lhe peço apenas
que me dê coragem;
26
uma coragem de pai,
para enfrentar os meus fantasmas.
E, que a cada noite,
seja fortalecida esta bravura,
pois a cada pôr do sol,
parece que mais crescem
os meus temores,
ou, então, simplesmente
faça-me acostumar
com a escuridão,
e se puder, faça com que
eu goste das noites,
mesmo que escuras.
Obrigado,
meu papai do céu,
por ouvir-me, amém.
27
Além das curvas do corpo...
Você não sabe,
você nem desconfia;
mas este meu silêncio
é carinho que faço na sua alma.
Você não sabe,
você nem desconfia;
mas quem acaricia alma
ama além das curvas do corpo.
28
Quero morrer contigo
“Ninguém morre por falta de sexo. É por falta de amor que nós morremos.” (Margaret Atwood).
Quero morrer contigo;
sem alarde, sem nada,
morrer apenas...
Quero morrer contigo;
sentindo poesia,
pedindo perdão...
Quero morrer contigo;
afogado no teu seio e
tremendo de emoção...
Quero morrer contigo;
saciado de gozo e prazer,
extasiado de suas formas...
Quero morrer contigo;
antes que sozinho e triste
eu morra pensando em ti...
29
Quero morrer contigo;
apenas para feliz morrer.
Viver assim não mereço...
Quero morrer contigo;
sorrindo de mim e
feliz com a morte...
Quero morrer contigo;
para saber se morrendo
morrerá, ainda, o meu amor.
30
Separação
Você devia
ter estado comigo,
no primeiro dia,
após sua partida.
Somente assim,
perceberia o quanto
aquele adeus ruiu
minhas esperanças;
o quanto doeu
no peito meu,
nossa separação.
Você devia
ter estado comigo,
no primeiro dia,
após sua partida.
Para ver o quanto chorei,
para saber o que sofri,
para se ter idéia
da dor que me causou,
para saber que somente
faltou, no meu peito,
o coração parar de bater.
31
Você devia
ter estado comigo,
no primeiro dia,
após sua partida.
Pra, quem sabe?
depois de ver
a dor que me
inundava,
pedir pra voltar.
Pra, quem sabe?
apenas me consolar.
Você devia ter estado comigo...
Talvez, agora, estivéssemos juntos.
32
À espera das baleias...
“Quando não podemos mais sonhar, morremos.” (Emma Goldman).
Estou à beira do mar
a esperar as baleias;
Já refiz as orações,
colhi das roseiras
flores orvalhadas,
busquei no pomar
as frutas do final
de semana.
Estou à beira do mar
a esperar as baleias;
Já compus o
poema do dia,
alimentei o canário,
reguei com água fria
o pé da macieira.
Estou a esperar...
Estou à beira do mar
a esperar as baleias;
Já atravessei o atalho,
brinquei na chuva,
joguei com a vida
e sonhei o instante
de arrostar as baleias.
Estou a esperar...
Estou à beira do mar
a esperar as baleias;
não quero gaivotas
nem quero golfinhos...
33
Quero das baleias
apenas o bailar feliz
na deserta praia
dos meus sonhos.
Estou a esperar
a beira do mar...
34
Os olhos ávidos de todos nós
“Se nós não tivéssemos defeitos, não teríamos tanto prazer em notá-los nos outros.” (La Rochefoucauld).
Do alto do mais alto farol,
observam o mundo os olhos
do último olheiro da terra.
Ele sabe de tudo e se cala,
sabe das falas e não fala,
das dores e dos temores
de cada ser que leva a vida
no frescor desse Vale...
Do alto do mais alto farol,
observam o mundo os olhos
daquele que não precisava
de olhos, ele que tão bem
discerne o mal do bem,
o puro do impuro;
somente ele distingue
o além do que há aqui...
Do alto do mais alto farol,
observam o mundo os olhos
daquele que sabe que o amor
de Letícia pertence a Simão,
que o coração de Simão palpita
pela menina da casa de pedra,
e que Paula, a doce menina
da casa de pedra, nem sabe
nada sobre o amor ainda...
Do alto do mais alto farol,
observam o mundo os olhos
35
daquele que sabe dos versos
secretos que João Paulo
dedica à Maria;
daquele que sabe
que nas noites escuras
Josué espia Maria
quando ela vai se deitar,
daquele que vê quando
Maria vai se encontrar
com Décio na pedra do mar...
Do alto do mais alto farol,
observam o mundo os olhos
daquele que viu, quando o
negrinho Tiziu, saciou-se
com a dama de companhia
da moça mais pura da Vila.
Aquela que do magno jardim
de casa, nas noites de lua,
sai de sua casa para ver
os afagos, que os homens
que pagam recebem
das mulheres de rua...
Do alto do mais alto farol,
observam o mundo os olhos
daquele que sabe que a peça
encenada, não era cena,
que no beijo do ator e atriz,
tinha amor, queriam bis.
Daquele que viu, quando
da platéia, brotaram duas
lágrimas dos olhos da
menina que sonhava
ser a estrela deste
36
teatro da vida...
Do alto do mais alto farol,
observam o mundo,
os olhos ávidos de todos nós...
37
Quem sabe Deus
“Creio no Deus que fez os homens e não nos deuses que os homens fazem.” (A.Karr).
Se eu busquei seu beijo
foi que um louco desejo
aninhou-se no âmago
coagindo meus passos;
Se ganhei seu carinho
sei, por certo sozinho,
de agora em diante
não saberei caminhar...
Se eu pranteei na vida
foi àquela despedida
que sangrou no peito
ulcerando a carne.
Se eu tombei de amor
foi que o peso da dor
inventou-se de aninhar
sobre os meus ombros;
Se suportei seu adeus
foi quem sabe Deus
que me fez meio poeta
para desvendar na poesia
todo valor que tem o amor.
38
A mãe que há em cada mulher
"Aqueles que amamos nunca morrem; apenas partem antes de nós.” (A. Nervo).
Ao seu redor
reinava a paz
e a exultação.
E Deus se fazia
presente em
cada gesto seu...
O seu olhar
era um mar
de calmaria.
E Deus falava
por meio
daqueles olhos...
Deus se desejasse,
curava por meio
de suas mãos;
rezava e doutrinava
através de sua
boca...
Mãe, você era tudo
e se mostrava
tão pouco;
e até a sua
fragilidade inundava
de vida o nosso mundo...
Era tão perfeita
e cheia de amor,
39
que, Deus, um dia,
decidiu levar-lhe
para junto
Dele...
E, nós ficamos
para sempre, sem
a luz da nossa vida;
sem onde buscar abrigo,
sem saber para
que lado seguir...
40
Vinha como se viesse do céu...
“A poesia é a arte de materializar sombras e dar existência ao nada.” (Edmund Burke).
Vinha como se viesse do céu...
Aparentava flutuar na estrada.
Aquela visão de encantar,
parecia apenas querer,
ao mundo enfeitiçar...
De um feitiço moreno.
Vinha como se viesse do céu...
Vinha como se fosse pra mim,
vinha como se quisesse ficar.
Vinha como se viesse do céu...
Talvez, fosse um anjo,
talvez, apenas mulher,
talvez, dádiva celestial.
Talvez, devesse me declarar.
Talvez, apenas cobiçar.
Quiçá jamais fosse ter
aquela visão de arrebatar.
41
Vinha como se viesse do céu...
Flutuava como num sonho.
Partiu como quem
nunca veio.
Talvez
devesse
encantar
outros
mundos.
42
Pela fenda do seu olhar...
Pela fenda do seu olhar,
pude ver a sua alma,
pude ver o seu querer,
pude crer no seu amor.
Pela fenda do seu olhar,
pude ver o que não via
sentir o que não sentia;
pude ver o amor fazer festa
e valsar feliz em noite de lua.
Pela fenda do seu olhar
pude ver o que ainda
estava por ocorrer,
consegui ver
o amor repousar
anos depois do hoje.
Estava de cabelos brancos
Mas ainda parecia feliz.
Pela fenda do seu olhar,
pude ver a sua alma,
brincar na sua calma.
Consegui espantar os traumas
e passei a acreditar no amor.
43
Agonia de um velho...
“O fogo vê-se nos olhos dos moços, mas nos olhos dos velhos vê-se a luz”. (Victor Hugo)
Trago a mala
plena de dor e de coisas,
e a mente apinhada de fatos...
Trago na algibeira
um velho lenço e retratos,
testemunhas de tantos eventos...
Trago no corpo o peso
de noventa anos de história,
todos entalhados na memória.
Trago nos olhos
a saudade de filhos e netos
e das pessoas da rua de casa...
Trago na face
as marcas do meu cansaço,
nos ombros uma carga de suplícios...
Trago um restinho de vida
cheio de amarguras e mágoas,
e a fadiga de tantos dias e noites...
44
Trago no coração
uma indústria de perdões,
e um elenco a serem perdoados...
Trago na aparente calma
uma indomável pressa,
de ir para o além-mundo...
45
Passei da vez ...E esta minha cidade
que não se atreve
a sair do lugar,
prosperar,
virar Paris.
Também, quem sabe,
melhor fosse recuar,
retroceder à época
dos lampiões a gás
e das ruas de chão,
aos tempos de antes...
Assim, quem sabe,
novamente, eu veria,
na varanda da velha
morada da rua de baixo,
a minha antiga namorada,
linda! naquele vestido de chita...
Somente eu caminhei no tempo
e tenho, comigo, a sensação,
que, sem perceber,
passei da vez.
não fui feliz,
nem minha cidade,
parece Paris.
46
- Se sou feliz?
“A felicidade se faz, não se acha.” (Hardy).
- Se sou feliz?
Como não seria?
Tenho tudo:
saúde e paz.
O que às vezes
falta-me,
tem gente que tem
ou gente que faz...
- Se sou feliz?
evidente que sou.
Estou aqui,
isto é o bastante:
viver o instante,
reviver o antes,
buscar o depois...
- Se sou feliz?
Como não seria?
Se Deus me esteia,
e se tenho você?
Tenho as noites
para te sentir,
e são ardentes e
inebriantes meus dias?
- Se sou feliz?
Veja os meus olhos
e saberás que fui,
e mais sou agora.
Agora que sei
o valor de um abraço
47
ou de um beijo da mulher;
que sei da sinceridade do
sorriso de uma filha.
- Se sou feliz?
Estou vivo e sou poeta,
ora, pois...
48
Seu amor, um santo pecador...
O seu amor é contradição.
É silêncio, fogo, ação.
Seu amor é conforto,
porto, segurança.
O seu amor é puro,
uma pureza angelical.
Ardente, meio vulcão,
ora doce, qual o mel.
Às vezes, o seu amor,
é só amor de carne.
Coisa profana, insana...
Coisa de mulher e homem;
Sedução, paixão, entrega.
Quando a noite chega,
nosso amor torna pleno,
de um inteiro vigoroso,
sereno, um santo pecador.
Seu amor é meu,
e será sempre e sempre.
49
Teus olhos
Teus olhos deixam marcas
indeléveis na palidez do meu rosto.
Teus olhos encerram segredos
segredados, inclusive, de Deus.
São por demais formosos,
de tão belos estão a toda hora a ferir-me.
Teus olhos mudos dizem mais
que dez mil belas palavras.
São meias frases que se
fazem inteiras e cabais,
capazes de mudarem o curso da vida.
Sob o fogo dos teus lindos olhos
sinto-me largado do mundo.
Sou levado a cometer erros e equívocos
e não vislumbro cais seguro.
Teus olhos talvez não me conheçam
bem, mas eu os sei intimamente.
Sinto falta quando não
fitam-me de frente e
um sublime alívio
por tê-los perto.
Teus olhos deixam marcas
esculpidas na minha
alma de homem.
50
Sonhador da hora
Sempre sou eu
a seguir teus passos,
a rogar teus beijos,
a idolatrar-te além
do além do amor...
Sempre sou eu
a mendigar carinhos,
a reclamar cuidados,
a desejar-te bem mais
que a própria vida...
Sempre sou eu
a acreditar num
amanhã diferente,
e que no teu peito
surgirá o amor...
Sempre sou eu,
o sonhador da hora
de agora e sempre.
51
Sou tantos
Revelo, ao mundo, parcelas do que sou:
ora sou ébrio descrente, ora fé e apego.
Disfarço, nego e renego. Depois eu sou
choro e canção, o sorriso e o sossego.
Aos olhos das pessoas eu sou tantos:
rei, súdito, o rio, o muito e o pouco.
Sou o dia de sol, noites de prantos,
sou à distância, a ânsia e o louco...
Sou vestígio, sou a prata e o ouro.
Sou eu e sou os outros, sou vário.
Sou idas e vindas, sou os atalhos...
Sou o antes e o depois do depois...
Sou o frio, sou o calor e sou desejo.
Eu sou a pluralidade a cada ensejo.
52
Os teus seios
Estes teus seios
dourados, sensuais
e alforriados sob o
decote da blusa.
Estes teus seios
prestes a aflorarem
contentam-me
mesmo sem tocá-los.
Estes teus seios
nos meus sonhos
habitam, transitam
e ficam a me humilhar.
53
Que inveja que eu tenho...
Que inveja que eu tenho
da velha que mora
na casa velha
do final da rua...
Ela é tão feliz
naquele casebre
de chão batido
e paredes barreadas...
No seu quintal
apanha as frutas
que sobraram
da ceia dos pássaros...
Que inveja que eu tenho
de quem nem
sabe quem é o
presidente do Brasil...
Que inveja que eu tenho
da velha que mora
na casa velha
do final da rua...
Que Deus a proteja
da inveja
que eu tenho
dela.
54
Parto da poesia...
De você, agora,
preciso apenas
de um puro carinho,
daqueles despretensiosos.
Com suas mãos de fada,
continuamente
quero que toque
meu rosto.
Não pare,
não cesse por nada.
Continue, continue;
apenas continue...
Flutuarei acima do mundo
e propositadamente
permanecerei imóvel
com os olhos cerrados.
É que justamente
neste instante,
estarei entrando
no útero da inspiração,
para arrebatar a poesia
que acabamos de conceber.
55
Brincando de poeta
Até agora levei a vida
brincando de ser poeta...
Enquanto brincava,
quantas poesias
se esconderam
em mim!
Comigo brincaram de roda,
embirraram, choraram, gritaram à toa.
Depois cresceram.
Crescidas partiram.
Qual filhos, ganharam vida
e desapareceram no mundo.
Algumas ainda mantêm comigo
relação de pai e filho. Foram-se,
mas deixaram um pouco delas neste peito.
De mim levaram tudo, até os sonhos.
Até agora foram as poesias que
brincando me fizeram meio poeta.
56
Devaneios de criança
“As crianças precisam mais de exemplos do que de conselhos”. (Joubert)
Quero brincar de ser criança.
Sorrir do nada,
correr à toa,
levar a vida, assim, numa boa...
Tropeçar na pedra,
chorar e gritar
ao ver o sangue,
e entre as lágrimas
novamente deixar
brotar o riso.
Quero brincar de ser criança.
Ganhar presentes
que não sejam roupas.
Quero brinquedos modernos,
nada de cavalo de pau,
pião, carrinho de latas...
Quero games e DVDs
de lutas, com disputas
acirradas e muitos tapas.
Quero brincar de ser criança.
Ter sete namoradas lindas,
uma no Clube, outra na Escola,
e uma na rua de casa...
Quero que os sonhos
ganhem asas e voe.
Quero brincar de ser criança
e criança voltar a ser,
assim: do nada, do sonho, do devaneio...
57
Um olhar de soslaio Um olhar à espreita,
lançado com receio,
depois outro e outro
e outros depois...
Na face, um riso
meio desconfiado,
expõe todo querer
de se dar por inteira.
E, um dia, sem hora
nem lugar indicado,
uns beijos roubados,
dois peitos marcados.
Depois de loucos beijos
e de toques sensuais,
um desejo alucinado
já queimava os corpos.
Um quarto testemunhou
o auge de uma paixão,
que nasceu de um olhar,
de um olhar de soslaio.
E, assim, se fez o amor,
um amor de um olhar,
de um olhar de soslaio.
58
De forma bem discreta
“Quando sentir vontade de sair, não bata a porta... Para quem escancara a sua própria porta, qualquer barulho é ensurdecedor.” (Cláudia Letti).
Queres deixar-me eu aceito.
Arrume suas coisas
e saia sem alarde.
Não faça drama,
não faça cena.
Partas assim:
de forma bem discreta.
Seja igual ao nosso amor,
que partiu sem avisar,
sem destino e sem adeus,
perdeu a voz, passou da vez.
Queres deixar-me eu aceito.
Arrume suas coisas
e saia sem alarde;
não diga nada,
apenas siga...
Antes, feche a porta suavemente
e partas para longe,
assim, feito o nosso amor
que fugiu por entre os dedos,
não suportou tantos e tantos segredos,
talvez, partiu, fugindo das nossas culpas.
59
Queres deixar-me eu aceito.
Arrume suas coisas
e saia sem alarde;
não me culpe por nada,
amaldiçoe o amor.
Este, sim, foi um fraco,
que fugiu pela tampa
do frasco e sumiu...
Fugindo de nós dois.
60
O que a saudade faz
Deitei na noite toda
a minha inquietação,
joguei pelos ares
os meus pesares...
Busquei ao longe
os meus ausentes,
tentei aconchego
nos seus sorrisos...
Acariciei cada face,
Abracei cada vulto...
Doei a eles todo meu
estoque de beijos,
antes tão contidos
no cerne do meu ser.
Fiz poeira fina de todos
os meus suplícios,
brinquei na carência,
fiz verdade à mentira.
Abusei da fantasia...
E, igual ao poeta,
fingi não sentir
a dor que doía;
Deitado na rede da saudade,
cobri o rosto com o negror da noite.
Adormeci assim: na presença dos meus ausentes.
61
Um pé de versos...
Há muito tentei
cultivar dentro de mim um pé de versos.
Eliminei as pragas,
lacerei canteiros,
adubei o terreno,
reguei as sementes...
Passou as noites,
brilhou forte o sol,
procurei os primeiros brotos que não saíram.
Chorei calado,
em solo estéril,
não nasce versos.
Agora levo a vida a degustar
versos cultivados em outros solos.
Não consegui fazer
nascer às sementes
que noutras terras
abrolham robustas.
Há muito tentei
cultivar dentro de mim um pé de versos.
62
Depois do amor
Depois do amor...
Assim deitada no meu peito,
o mundo parece completo.
A vida torna-se perfeita,
o silêncio reflete a paz.
É musical nossa mudez.
Depois do amor...
Assim deitada no meu peito,
já fartos de corpos ainda
acaricio seus cabelos:
como quem sabe o que faz,
como quem sabe o que fez.
Depois do amor...
Assim deitada no meu peito,
nem fazemos conta
como é fino o liame
que separa o duelo
de antes da paz de agora.
Depois do amor...
Assim deitada no meu peito,
a quietude da alcova
nos faz dormir pra
noutra hora, refeitos de tudo,
recomeçar nossa batalha.
Depois do amor...
Quero somente que deite
no meu peito e comigo sonhe.
63
Teu corpo
Ninguém...
Nem o poeta,
tradutor
de sonhos,
senhor das palavras;
Nem o escultor
que eterniza detalhes,
senhoril das formas
e das minúcias;
Nem mesmo
o pintor,
possuidor
do domínio
das cores
e dos contornos;
conseguiriam
dar ao mundo
obra mais
perfeita e real
que o teu corpo,
assim: desnudo,
a mercê dos meus olhos...
64
Teu passeio matinal
Teu olhar
sensual
cintila,
na manhã
dos passantes,
felizardos andantes,
que, a cada dia,
na necessidade
da caminhada
matinal para
o ganha pão,
recebem
como prêmio
o brilho do teu olhar,
vindo do calçadão da
avenida central...
donde,
para o deleite de todos,
a cada novo alvorecer,
passeia imponente,
feito uma Deusa grega.
65
Teus olhos de Deusa
Teus olhos são setas certeiras
lançadas rumo ao coração...
Com eficácia maneja o arco,
jamais erra o alvo que mira.
Teus olhos passeiam a esmo
a procura de seguro porto...
Brincam de possuir bulindo
aos poucos e fazendo ferida.
Teus olhos fazem a fera virar
presa mansa, domesticada...
Adjudicada e sem as forças
estará sempre a tua mercê.
Teus olhos cessariam guerra
e meio santa seria venerada...
Se quisessem, além de tudo,
abrasariam o campo de luta.
Teus olhos pujantes aclarariam
a tenda do Capitão da tropa...
De tal forma e tamanha força
Que, após, tu tornarias Deusa.
66
Quase poesia
Nasce de dentro de mim
um verso chorado,
inseguro e meio morto...
Ganha vida na virgem
página do papel a morte
que habita em mim...
Solta a voz nas linhas desordenadas
do meu poema o grito que sempre
esteve preso à minha garganta...
Assim sou eu:
um poema tristonho, meio doente,
de versos tortos, brancos e frágeis.
Eu sou assim:
uma dor dissimulada de poema
que possui pernas e que vaga pela vida...
67
Assim...
Assim,
como quem sonhasse sair vagando pelo mundo;
como quem tivesse partido a busca de venturas;
como quem tivesse suplantado o louco duelo;
assim,
como quem viesse sem saber de onde viera.
Assim,
como quem ficasse noites a espreitar estrelas;
como quem lutasse com uma lauda de papel,
branca como a neve, virgem como os anjos;
assim,
como quem ficasse a espiar nas minúcias...
Assim,
como quem não soubesse do hoje, nem do manhã;
como quem ouvisse a pregação conhecendo o final;
como quem buscasse a paz, não fugindo a guerra;
assim,
como quem soubesse mais da terra que dos céus...
Assim,
como quem fizesse odes em vez textos memoráveis;
como quem colhesse botões de rosa a cada manhã;
como quem andasse por atalhos buscando o verde;
assim,
como quem buscasse apenas saciar e matar a sede.
Assim,
quem sabe,
fosse eu quem caminhasse naquele caminho.
68
Quem delirasse sempre a cada novo alvorecer.
Assim,
como quem apenas ainda estivesse vivo.
E, disso, soubesse bem.
69
Sou terra
Sou da terra,
a ela pertenço.
Quando cravo os pés no chão,
dele recebo forças que sobem
pelas minhas pernas e nutre
todo o meu ser.
Na cidade enfraqueço,
na roça restabeleço,
revigoro, venço guerras...
Sou mato, sou rio,
sou queda d'água.
Sou pássaro;
sou trilha, atalho,
sou floresta, sou galho...
Sou da terra,
a ela pertenço;
a ela voltarei.
Sou da terra,
a ela pertenço.
Com o tempo
serei terra,
sendo terra,
serei eu.
70
O poema que eu não te fiz
Meu amor!
Recoste-se no meu peito e ouça
o meu acanhado amor sussurrar,
o que, eu mesmo, assim sóbrio,
jamais diria a alguém...
Tu terás de saber extrair de dentro de mim,
o belo poema que eu não te fiz,
mas, que, há muito tempo,
jaz entorpecido neste corpo...
Meu amor!
Recoste-se no meu peito e ouça
o meu tímido amor revelar
tantas coisas que eu,
em meu juízo normal,
segredaria para a eternidade...
Ele dirá baixinho que você
é importante demais,
e que há muito passou a
ser e fazer parte de mim...
Meu amor!
Recoste-se no meu peito
e não diga nem tente ouvir nada.
Apenas recoste aqui,
o momento dirá por nós...
71
Perdas da vida
Perdi a inocência da infância
e sobrevivi...
Perdi a alegria dos domingos
e sobrevivi...
Perdi toda força da juventude
e sobrevivi...
Perdi até a vontade de viver
e sobrevivi...
Perdi meu pai, perdi minha mãe,
e sobrevivi...
Depois perdi a doçura dos seus beijos
e disse adeus para a vida...
Somente aí, foi que eu,
de fato, morri.
72
Dos atalhos sabemos bem
Vamos nós outra vez
fazer o mesmo amor
com muito mais amor...
Um velho amor vale mais,
que mil diferentes amores,
dos atalhos sabemos bem...
Vamos nós outra vez
fazer um amor novo
do nosso velho amor...
Um velho amor feito
de maneira especial,
tem gosto extraordinário...
Vamos nós outra vez
fazer do nosso velho
amor um amor púbere...
Amor velho feito
de jeito inovador e
pecador, é um novo amor...
Vamos nós outra vez
regar o velho amor,
e dele cuidar melhor...
Irrigado cedo e à noite
responde bem
e rende mais...
Vamos nós outra vez
trilhar as mesmas trilhas,
rever as mesmas coisas...
Que bom que podemos
refazer os caminhos,
73
agora, com a calma que temos!
Vamos nós outra vez
viajar no velho amor e
atracar em seguro porto...
Tudo é invariável
nesse nosso amor,
menos a intensidade.
74
Como quem se ama além da conta...
Quem me encante com o olhar,
quem me convença pelos atos.
Procuro...
Quem se disponha a andar
pelas alamedas da cidade
de mãos dadas comigo,
assim:
como quem se ama
além da conta...
75
Feito princesa
Se bem alto
eu gritasse
quem sabe
ouvirias e
prontamente
na minha frente
surgira...
E, igual à Isabel,
alforriar-me-ia
desta dor de amor
que me maltrata,
desde que partistes...
76
Noite de lua cheia
“O que sabemos é uma gota, o que não sabemos é um oceano.” (Newton).
Nas noites de lua cheia
a linda beata do
velho sobrado
uiva aos céus...
Uiva, e meio louca,
deixa furiosos
os moradores
do Povoado...
Aterroriza
até o pároco,
que ora em vão
uma hora e meia...
E, quando some a lua,
ela ainda nua,
acorda para a
vida real...
E, na outra lua cheia,
ela cheia de vida
novamente uiva,
mais forte ainda...
As noites de lua cheia
guardam segredos
segredados até do
Onipotente Criador.
77
Loucos (serei normal?)
Têm os loucos
uma doçura ingênua,
uma pureza de alma,
tal qual um sorriso de criança.
São tábuas em branco,
sem nenhuma escrita,
nem por nós,
ditos normais,
podem ser
manipulados.
Estão imunes,
postos por Deus
acima do bem
e do mal.
São, na realidade, salvos pela peculiar loucura.
Nela se alicerçam e criam um mundo à parte,
independente e intransponível.
Geram o próprio casulo e isolam-se
do mundo dos normais, para eles,
os verdadeiros dementes.
Ultimamente tenho nos loucos acreditado piamente.
Serei normal ou impiedosamente louco?
78
Morte do escritor Cornélio Ramos
“Ao mestre Cornélio Ramos”
Morreu Cornélio...
O homem que contava
a história dos homens...
Morreu Cornélio,
o ferroviário feito
de ferro forte.
Morreu Cornélio...
O poeta, o contista,
o historiador...
Morreu Cornélio,
o mais goiano
dos mineiros.
Morreu Cornélio...
E o baque seco
inundou de dor.
Morreu Cornélio...
Agora o Criador
ouvirá estórias.
Morreu Cornélio...
Quem sabe foi
excesso de verso!
Morreu Cornélio...
Vitimou a cultura
de um povo.
Morreu Cornélio...
79
Queria um verso pleno
Queria assim,
que surgisse de mim
um verso pleno;
belo e ambíguo,
forte e real,
quiçá ingênuo,
se fosse lindo.
Queria assim,
que surgisse de mim
um poema divino;
quem sabe ela
valsando nas linhas
liberta e linda,
quem sabe nós.
Queria assim,
que surgisse de mim
a poesia mais perfeita;
que a face dela
não fosse só ela,
que a parte meio
fosse cabal.
Queria assim,
que surgisse de mim
frases apuradas;
queria o amor
pronto e purificado,
queria a paixão
vestida para amar.
80
Queria assim,
que surgisse de mim
algo além das letras,
que o amor contido
se revelasse todo,
mesmo que pouco
se fosse louco.
81
Sou todo delírio
“Os poetas possuem autorização para mentir.” (Plínio – o Moço).
Sou sonhador do mundo, amante da lua.
Sou caminhante das estradas e um pouco poeta,
sou uma parte do dia e o muito de todas as noites,
sou os pingos da chuva e o calor de todos os sóis,
sou a loucura dos amantes e a rotina dos casais,
sou, às vezes, o jogo jogado, a lágrima chorada...
Sou o canto dos pássaros e a poeira da estrada.
Sou ator da vida, amante de toda Madalena,
sou o movimento dos bebês no útero de toda mãe,
sou o vento cantador da sua madrugada,
sou o grito preso na garganta do operário.
Sou uma parte do céu que caiu na terra,
sou um pouco da chaga que maltrata o corpo
sou e serei tudo que sua imaginação permitir.
Sou a paz, sou a alegria, sou ternura...
Também posso ser a dor e a tortura.
Sou, na verdade, uma parte de você
e um mínimo do meu próprio ser,
sou todo é delírio, devaneio...
82
Prazer extremo
“A única maneira de se livrar de uma tentação é entregar-se a ela.” (Oscar Wilde).
Tu és prazer,
cheiro de cio,
fogo a arder...
Milagrosamente
tornas-te um lago,
onde me banho
e me descanso.
Tu és um castelo,
e eu te invado
e te conheço.
Tu és um ninho,
que me acolhe
tão bem...
Tu és uma obra de arte,
e em tuas formas
eu me encaixo
e me acho um rei.
Tu possuis uma brasa,
que não te queima as pernas,
mas alucina-te.
E, eu sou um rio
e o meu líquido cura-te,
te salva momentaneamente,
e em seguida,
tu te agitas,
imploras,
choras,
83
uivas,
gozas,
calas,
morres,
para depois,
noutro momento,
novamente tornares a viver,
e em outro dia, talvez,
voltares a te entregar,
para novamente
tornares a morrer.
84
Borboleta de Deus pai
Borboleta folgazã e multicor
Que brinca nesse meu jardim.
Fale pra mim com todo vigor,
- tu foste sempre bela assim?
Não saiu da lagarta esse primor.
Não esconda a verdade de mim.
Um bichinho tão aterrorizador,
Não tornaria assim esse cetim!
Borboleta. Sou seu admirador!
Deleite-se nessas flores, e enfim,
Voeje aqui todo dia; com o ardor
E sede desse meu verde sem fim.
E, Deus Pai, grato por ser o criador,
Faz mais linda a flor e esse jasmim.
E, do céu, o Supremo, de apreciador,
Assisti a você fazer todo esse motim.
85
A chegada de Cabral
Vi a lua brincar faceira
Na esquadra de Cabral.
Eu vi Deus e a feiticeira
Ele do bem e ela do mal.
Vi gente de toda maneira,
Um bravo, outro liberal.
Vi uma menina trigueira
Com um olhar angelical.
Estava nua e de pulseira
Corpo pintado ao natural.
Não sabia da desgraceira
Que chegava de Portugal.
Teve até missa, a primeira,
Disseram sobre o celestial,
E a indiazinha na palmeira
Nada sabia sobre espiritual.
Seu moço foi dessa maneira
Que em 1500 chegou Cabral,
Pra roubar a terra brasileira
E fazer do Brasil seu quintal.
86
- Diálogo de pai e filha (de cinco anos)
- Por que estais a banhar no meu banheiro, se tens um somente
para ti?
- Foi à mamãe quem mandou usar este daqui.
- Brincando com a pequenina:
- Então vou dar uns cascudos na cabeça dela.
- Não, não papai, não bata nela. Pode bater em mim, se quiser,
mas não bata na minha mãe, ta?
Fazer o que, depois dessa? - Apenas sorrir...
87
Mãe parece árvore do cerrado...
“Fosse eu Rei do Mundo, baixava uma lei: Mãe
não morre nunca, mãe ficará sempre junto de
seu filho e ele, velho embora, será pequenino
feito grão de milho.” (Carlos Drummond de
Andrade)
Mãe parece árvore do cerrado...
Agora quando abro os olhos
vejo uma mulher meio cansada.
... E nem Deus tem piedade dela.
Não abranda suas dores e aflição,
nem atenua a carga sobre ombros...
Parece que dela não se lembra mais.
Nem suas preces Ele ouve.
Somente a deixa viva
para mostrar que é o todo poderoso...
Deixa-a largada no mundo.
Talvez, para compreender
o quanto as mães são fortes.
O quanto resiste aos desgostos da vida.
Sempre com nobreza de alma e paciência.
Mãe parece árvore do cerrado...
resiste seca, se retorce toda,
enfrenta fogo, escurece as cascas,
mas não tombam nem perecem.
O tronco pode até ficar feio e ferido
Mas no topo florescerá sempre verde...
88
Mãe, mesmo cansadas continuam a ser
o que elas sabem tão bem ser: mãe.
Nós, os filhos, continuamos alucinados
e indiferentes a esta doce figura.
Para a mãe, oferecemos sempre
menos do que deveríamos.
Mãe sente a própria dor e a dos filhos,
sente a dor do marido e a dos outros.
Passa noite acordada rezando
e esperando filho voltar de festa.
Mãe parece que não se cansa nunca.
Mãe resiste sempre e não fraqueja.
Mãe deve ser uma parte de Deus
Que caminha pela terra para deixá-la
mais dócil. Mãe não se explica, nem se
compreende. Como falou o poeta mineiro:
Mãe devia ser eterna e não morrer jamais.
89