Upload
renato-amorim
View
101
Download
36
Embed Size (px)
Citation preview
Doracina Aparecida de Castro Araujo; Ademilson Batista Paes;
Léia Comar Riva [Organizadores]
DIREITOS E EDUCAÇÃO:
PESQUISAS, PRESCRIÇÕES E PRÁTICAS
© dos autores.
Doracina Aparecida de Castro Araujo; Ademilson Batista Paes; Léia Comar Riva [Organizadores]
Direitos e Educação: Pesquisas, prescrições e práticas. São Carlos: Pedro & João Editores, 2013. 213p. ISBN 978‐85‐88533‐81‐3 1. Educação. 2. Iniciação à docência. 3. Inclusão Social. 4. Autores. I. Título.
CDD – 370
Capa: Marcos Antonio Bessa‐Oliveira, Editores: Pedro Amaro de Moura Brito & João Rodrigo de Moura Brito Conselho Científico da Pedro & João Editores:
Augusto Ponzio (Bari/Itália); João Wanderley Geraldi (Unicamp/Brasil); Nair F. Gurgel do Amaral (UNIR/Brasil); Maria Isabel de Moura (UFSCar/Brasil); Maria da Piedade Resende da Costa (UFSCar/Brasil); Rogério Drago (UFES/Brasil).
Pedro & João Editores www.pedroejoaoeditores.com.br
13568‐878 ‐ São Carlos – SP 2013
SUMÁRIO
PREFÁCIO
APRESENTAÇÃO
I. DIREITO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL
ANÁLISE DOS REQUISITOS CONSTITUTIVOS DA UNIÃO ESTÁVEL À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIROJuliana Gomes Marques e Léia Comar Riva
CASAMENTO, UNIÃO ESTÁVEL E O CONSENTIMENTO DA MULHER PARA A REALIZAÇÃO DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
IMOBILIÁRIOSLéia Comar Riva
LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA: UMA SITUAÇÃO DE DEPENDÊNCIA
Fernanda Peres Soratto e Aires David de Lima
MOVIMENTOS SOCIAIS: UMA ESPERANÇA DEMOCRÁTICA DENTRO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO
Vitor Luiz Carvalho da Silva, Renato Amorim e Ailton de Souza
II. EDUCAÇÃO: CONHECIMENTO, INCLUSÃO E PRÁTICAS SOCIAIS
“EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E SOCIEDADE” E “EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA”: CONVERGÊNCIAS OU
DESAPROXIMAÇÕESDouglas Gonçalves da Silva
5
8
13
30
50
67
83
ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA REGIÃO CENTRO‐OESTE DO BRASIL EM
TESES E DISSERTAÇÕES DA ÁREA DA EDUCAÇÃO (2000‐2010)
Doracina Aparecida de Castro Araujo, Edinéia da Silva Freitas e Raquel Marques Ribeiro dos Santos
IDENTIDADE, DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR: REFLEXÕES (E) CRÍTICAS A PARTIR DE UMA REPORTAGEM
DO PERIÓDICO NOVA ESCOLAGiovani Ferreira Bezerra
O BULLYING NO ÂMBITO ESCOLAR E A MÍDIA: ALGUMAS REFLEXÕES
Gilmar Ribeiro Pereira e Maria José de Jesus Alves Cordeio
PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA (PIBID): FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM
DIFERENTES ESFERASDeuzélia Alves Gomes e Doracina Aparecida de Castro Araujo
UMA REFLEXÃO SOBRE OS LIVROS DA COLEÇÃO MATEMÁTICA: NUMA ABORDAGEM DA HISTÓRIA DA
MATEMÁTICA COMO RECURSO NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA
Ronilce Maira Garcia Lopes e Sabrina Helena Bonfim
103
121
151
168
183
PREFÁCIO
Uma palavra que não representa uma idéia é
uma coisa morta, da mesma forma que uma idéia não incorporada em palavras não passa de uma
sombra. Lev. S. Vygotsky
Prefaciar uma obra é sempre uma grande honra e coube‐me em especial fazê‐lo em um trabalho que tem como inestimável fonte a pesquisa, não sendo meramente uma junção de artigos, mas a concretização de uma proposta de mudança que a Universidade pretende, na contramão de uma sociedade que tem se notabilizado pela ausência de fundamentos teóricos. Os textos são resultantes dos trabalhos enviados aos eventos X Simpósio Científico‐Cultural (SCIENCULT), IX Seminário em Educação, IV Ciclo de Debates em Ciências Sociais e II Simpósio Nacional de Pesquisadores das Ciências Sociais (SINPECS), promovidos pela Unidade Universitária de Paranaíba, da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, que nestes anos tem buscado incessantemente uma produção pluridisciplinar, considerando que os mencionados Eventos abarcam todas as áreas do conhecimento representadas nesta Unidade, bem como tem em conjunto a participação de outras instituições de ensino. É um trabalho que envolve e une os cursos de Ciências Sociais, Direito e Pedagogia e demais cursos de outras Instituições, como Psicologia e Matemática, que, ousando não se limitar às questões territoriais ou mesmo geográficas, ampliam e demonstram que o cientificamente construído independe de fatores externos, mas é resultante de um projeto de Universidade que tenha em suas entranhas sua função maior, que é construir a cidadania por meio da ciência. E este livro é resultado de parte deste trabalho, intencionalmente iniciado há dez anos. Muitos outros trabalhos teriam condições de compor a presente obra, por motivos alheios a nossa vontade e por restrição de tempo, que se tem tornado o balizador da academia por muitas serem as atividades, não o fizerem, embora sejam valorosos.
Podemos observar o envolvimento de acadêmicos e orientadores neste processo, seja em nível de Graduação ou Pós‐Graduação, lato ou stricto sensu, o que denota a intenção de integração horizontal e vertical entre os cursos, visando à produção de futuros pensadores das ciências humanas, produção que se constrói pela incessante inquietação em relação aos problemas sociais, e eles são numerosos e constantes. Mas não há como declinar de viver em sociedade e muito menos de pensar nas necessárias transformações, responsabilidade maior de nossa produção intelectual. A obra que lhe é oferecida não tem o condão de solucionar questões de ordem imediata, mas é o germe que alimenta a reflexão e que sugere que o processo se encontra em andamento e também que o compromisso social não é uma alternativa ou opção, constitui‐se como dever impositivo aos que vivem no espaço universitário, um quase “dever‐ser” kantiano. Os trabalhos científicos que lhe chegam às mãos possuem a marca do progresso de uma Unidade da Universidade que tem por escopo o crescimento intelectual de todos que a compõem e daqueles que desejam recompor o espaço público como propriedade da sociedade; tal atitude somente pode acontecer pela consciência de que as possibilidades existem e são resultados de trabalho, no sentido de transformação da natureza humana, esta com a capacidade de transformar a sociedade e influir no meio. O tema sobre Políticas objetiva discutir a ação do Estado frente às demandas sociais, assim o aspecto principal foi direcionado para a concepção e efetivação das políticas de governo, sempre com o foco na relação do humano, seu ambiente e sua construção histórica. Dessa forma, gostaria de anexar uma máxima marxista, que acredito estar bastante relacionada ao momento em que produzo este singelo texto:
[...] são os homens que desenvolvem a sua produção material e o seu intercâmbio material que, ao mudarem esta sua realidade, mudam também o seu pensamento e os produtos do seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, é a vida que determina a consciência (MARX, Ideologia Alemã, p.23).
A materialização da produção intelectual presente nesta
coletânea reflete a intenção, por parte de seus autores, de divulgar suas reflexões teóricas acerca de temáticas relevantes no cenário atual, promovendo o intercâmbio necessário à mudança de nossos pensamentos e dos produtos de nossos pensamentos, como preconizado por Marx. Um prefácio deve ser sempre breve, a fim de que o leitor possa adentrar aos trabalhos apresentados, que são o que de fato importa em uma produção acadêmica. Assim, esta brevíssima menção não tem a capacidade de ser uma pré‐leitura da obra, mas tenho a certeza de que a honra que me foi concedida nesta oportunidade não será menor do que a certeza de que a leitura poderá ampliar suas reflexões sobre o humano, a política, a transformação e a Universidade. A frase de abertura de Vygotsky é o que se deseja nesta obra, nossas palavras transformadas em ideias e ações. Boa leitura a todos e que nossos pensamentos, por meio de sua socialização, estejam em constante evolução.
Drª Maria Silvia Rosa Santana
Paranaíba, novembro de 2013.
APRESENTAÇÃO Em plena primavera de 2013 floresce o fomento ao conhecimento científico, na junção de quatro eventos realizados na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)/Unidade Universitária de Paranaíba: X Simpósio Científico‐Cultural (SCIENCULT), IX Seminário de Educação, IV Ciclo de Debates em Ciências Sociais e II Simpósio Nacional de Pesquisadores das Ciências Sociais (SINPECS), sob o tema Políticas Públicas na Contemporaneidade. Em forma de conferências, minicursos, simpósios temáticos, comunicações orais e pôsteres, buscou‐se debater, refletir e disseminar a produção acadêmica que se vem construindo sobre o tema dos eventos, de modo a instalar‐se uma cultura científica desde a graduação. De acordo com a Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES), há vários critérios para aferir a vitalidade das pesquisas desenvolvidas pelo corpo docente e discente realizadas durante os cursos de graduação e de pós‐graduação lato ou stricto sensu. Entre esses critérios está a veiculação de pesquisas por meio de trabalhos de conclusão de curso, monografias, dissertações e teses. Acrescesse‐se a esses a divulgação de artigos oriundos de pesquisas desenvolvidas também por docentes e discentes apresentados sob a forma de comunicação em eventos científicos. A presente publicação, portanto, busca contemplar esse último critério. Composta pela compilação de artigos em que se apresentam resultados de pesquisas desenvolvidas por docentes ou em coautoria por docentes e alunos de graduação e pós‐graduação, e tendo sido apresentados sob a forma de comunicação oral nos eventos citados, foram aqui reunidos e organizados em dez capítulos, divididos em duas partes. A parte I está dividida em quatro capítulos. No primeiro, intitulado ʺAnálise dos requisitos constitutivos da união estável à luz do ordenamento jurídico brasileiroʺ, de autoria da acadêmica Juliana Gomes Marques e da professora Drª. Léia Comar Riva
buscou‐se analisar os requisitos necessários para que a união estável se constitua de acordo com o entendimento majoritário dos doutrinadores. No segundo, intitulado ʺCasamento, união estável e o consentimento da mulher para a realização dos negócios jurídicos imobiliáriosʺ, de autoria da professora Drª Léia Comar Riva, examinaram‐se várias questões jurídicas concernentes à anuência da esposa e da companheira para a alienação de bens imóveis, cuja investigação faz parte da pesquisa bibliográfica intitulada “Casamento e união estável: anuência da mulher para a elaboração dos contratos imobiliários”, que está sendo desenvolvida junto à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, na Unidade Universitária de Paranaíba. No terceiro, intitulado ʺLinguagem e linguagem jurídica: uma situação de dependênciaʺ, de autoria da professora Me. Fernanda Peres Soratto e do professor Me. Aires David de Lima objetivou‐se discorrer acerca da linguagem, demonstrando sua importância e função social, bem como, conceituá‐la na visão de diversos autores que discutem o tema e abordar a questão da linguagem jurídica, que se manifesta dentro do Direito enquanto um grupo social específico. E, no quarto, intitulado ʺMovimentos sociais: uma esperança democrática dentro do orçamento participativoʺ, de autoria dos acadêmicos Vitor Luiz Carvalho da Silva e Renato Amorim e do professor Me. Ailton de Souza visou‐se analisar o programa de orçamento como reflexo dos movimentos sociais e esperança de democracia direta na contemporaneidade. A parte II está dividida em seis capítulos. No primeiro, intitulado ʺEducação matemática e sociedade e educação matemática crítica: convergências ou desaproximaçõesʺ, de autoria do mestrando Douglas Gonçalves da Silva, refletiu‐se teoricamente acerca das afirmações incisivas expressas no parecer técnico da seleção de bolsas do curso de pós‐graduação stricto sensu, mestrado em Educação Matemática, do projeto de pesquisa/dissertação intitulado “O ensino de frações na perspectiva marxiana: possibilidades para Educaçãoʺ.
No segundo, intitulado ʺEstado do conhecimento sobre educação especial na região centro‐oeste do Brasil em teses e dissertações da área da educação (2000‐2010)ʺ, de autoria da professora Drª Doracina Aparecida de Castro Araujo e das mestrandas Edinéia da Silva Freitas e Raquel Marques Ribeiro dos Santos, procedeu‐se ao levantamento, por meio do Estado do Conhecimento sobre Educação Especial, das pesquisas realizadas em Programas de Pós‐Graduação em Educação na Região Centro‐Oeste do Brasil, de 2000 a 2010, a fim de compreender o que se tem pesquisado sobre Educação Especial e, dessa forma, contribuir para a ampliação de estudos neste tema. No terceiro, intitulado ʺIdentidade, deficiência e inclusão escolar: reflexões (e) críticas a partir de uma reportagem do periódico Nova Escolaʺ, de autoria do professor Me. Giovani Ferreira Bezerra houve a proposição de análise da reportagem, publicada na revista Nova Escola em 2004, sobre o tema da inclusão. No quarto, intitulado ʺO bullying no âmbito escolar e a mídia: algumas reflexõesʺ, de autoria do mestrando Gilmar Ribeiro Pereira e da professora Drª Maria José de Jesus Alves Cordeiro, investigou‐se acerca das questões que permeiam o bullying no âmbito escolar e na mídia ‐ como uma das formas de agressões violentas que tem marcas registradas e ocorrências no mundo todo e na sociedade brasileira. A pesquisa pretendeu esclarecer por meio de referenciais teóricos como têm sido as abordagens referentes à violência no Brasil, em especial o bullying no âmbito escolar e também como a sociedade midiática tem abordado tal questão. No quinto, intitulado ʺPrograma Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID): formação de professores em diferentes esferasʺ, de autoria da acadêmica Deuzélia Alves Gomes e da professora Drª Doracina Aparecida de Castro Araujo, buscou‐se analisar o Programa Institucional de Iniciação à Docência (PIBID). Dessa forma, para compreender a proposta do Programa, relatou‐se a implantação do PIBID, da esfera nacional à local (de 2007 a 2012), a fim de abordar o Programa e sua inserção positiva nas Instituições de Ensino Superior – IES.
No sexto, intitulado ʺUma reflexão sobre os livros da coleção Matemática numa abordagem da história da matemática como recurso no processo de ensino e aprendizagem de matemáticaʺ, de autoria da pós‐graduanda Ronilce Maira Garcia Lopes e da professora Me. Sabrina Helena Bonfim objetivou‐se apresentar a ideia geral do Trabalho de Conclusão de Curso desenvolvido durante o curso de Matemática – Licenciatura, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Paranaíba (CPAR) e, principalmente, expor uma subseção do 4º capítulo denominado ʺAnálise dos Livrosʺ. Como se pode observar, são textos oriundos de diferentes áreas sobre diversas temáticas que abordam de maneira abrangente e instigante inúmeras possibilidades de abordagem de prescrições e práticas relativas aos direitos, à educação e à sociedade. Convidamos àqueles que se interessam por questões políticas e de participação social a enveredarem por estas diferentes posturas frente ao conhecimento científico e, como na primavera, acreditar que novas experiências são possíveis.
Drª Léia Comar Riva Drª Estela Natalina Mantovani Bertoletti
Primavera de 2013
I.
DIREITO E PARTICIPAÇÃO SOCIAL
ANÁLISE DOS REQUISITOS CONSTITUTIVOS DA UNIÃO ESTÁVEL À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO
BRASILEIRO
Juliana Gomes Marques Léia Comar Riva
Introdução
A união estável é um instituto do Direito de Família, que
tem por objetivo assegurar os direitos dos casais que vivem de maneira informal, não contraindo matrimônio. O reconhecimento da união estável pela Constituição Federal de 1988 (CF/1988) foi um grande progresso no cenário jurídico brasileiro, assegurando aos companheiros, direitos decorrentes desse vínculo.
Dessa forma, a CF/1988, em seu art. 226 § 6º, determina que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento. No entanto, quando ocorre essa conversão, não há equiparação dos institutos, pois a união estável se caracteriza pela informalidade enquanto o casamento pelas formalidades previstas em lei. Dentre as leis que visam regulamentar o dispositivo constitucional referente à união estável, destacam‐se as Leis n. 8.971/1994, n. 9.278/1996 e o Código Civil de 2002 (CC/2002).
O Código Civil de 2002 (CC/2002) dedicou um Título à regulamentação dessa forma de união, estabelecendo alguns requisitos acerca da configuração da união estável. Com esse propósito, o art. 1.723 do CC/2002 estabeleceu como requisitos para caracterizar a união estável: uma união pública, duradoura, contínua e com o intuito de constituir família.
Esses elementos são indispensáveis para a configuração da união estável, sua ausência inviabiliza a caracterização dessa entidade familiar. Além disso, a assistência é elemento primordial para que haja a configuração de unidade familiar. Portanto, com a ausência de algum dos requisitos essa união não resultará na configuração de uma entidade familiar.
Mediante o exposto, o presente artigo busca analisar os requisitos necessários para que a unidade familiar se constitua de acordo com o entendimento majoritário de doutrinadores brasileiros. Para alcançar o objetivo proposto, recorreu‐se à pesquisa bibliográfica como principal ferramenta.
Pretende‐se que o trabalho sirva como fundamentação para futuras pesquisas e estudos que tratem do mesmo tema, contribuindo na compreensão desses requisitos e situando essa contribuição àqueles que adotarem essa forma de união, procurando pôr em relevo o conhecimento de seus direitos e deveres.
Para abordar o tema, em um primeiro momento, será apresentado um breve percurso histórico acerca do reconhecimento do instituto no ordenamento jurídico brasileiro. Em seguida, serão investigados o dispositivo na CF/1988, alguns dos principais pontos trazidos pela legislação e os elementos caracterizadores da união estável à luz do CC/2002. Ao final, serão apresentadas as últimas considerações da presente pesquisa.
1. Percurso Histórico
No ordenamento jurídico brasileiro, ainda hoje há
resquícios da elaboração legislativa do Direito Romano (RIVA, 2013, p. 21), por isso é imprescindível a pesquisa e o estudo do Direito Romano “por seu conteúdo ético, lógico e prático, na solução dos problemas cotidianos” (AZEVEDO,1999, p. 7).
A família significava para os romanos um conjunto de pessoas submissas ao poder de um cidadão independente. Dessa forma, a unidade familiar era constituída com o ingresso da mulher na família do marido por meio do casamento realizado pela “conventio in manum” ou pelo “sine manu” (RIVA, 2013, p. 22).
Embora houvesse a união entre os peregrinos, ou ainda, entre um peregrino com uma mulher romana, bem como a união entre os escravos ou entre um escravo e uma pessoa livre, não se consideravam essas uniões. Com isso, não existia o “ius civile”, pois as mencionadas unidades familiares eram consideradas apenas
simples uniões de fato, que não apresentavam quaisquer consequências jurídicas (CRETELLA JÚNIOR, 2006, p. 83‐84 ). A “manus” era adquirida por meio da “conventio in manum”, que produzia efeitos em relação à mulher, como também em relação aos bens que lhe pertenciam (RIVA, 2013, p. 2). Mayns (1891, p. 2) ensina que “os mesmos termos manus, mancipium, potestas eram usados no mesmo sentido para referir‐se à propriedade quiritaire e de coisas corpóreas e ao poder do pater famílias sobre as pessoas livres ou que estão submissas a sua autoridade”.
Paralelamente ao casamento “cum manu”, também existiu o casamento “sine manu”, que não ocorria com a aquisição da “manus” sobre a mulher, mas apenas por meio de uma cerimônia simbólica (RIVA, 2013, p. 24). Cretella Júnior (2006, p. 83) afirma que a cerimônia simbólica era apenas a simples condução da mulher para a casa do marido, além de haver, na maioria dos casos, a constituição de um dote.
Exigiam‐se três requisitos, tanto para a constituição do casamento “cum manu”, quanto para o casamento “sine manu”. Os requisitos exigidos eram o consentimento, a puberdade para a mulher aos doze anos e para o homem aos quatorze e o “conunbim”, que consistia em uma capacidade reconhecida pelo direito positivo de constituir entre o homem e a mulher uma união conjugal juridicamente válida. (RIVA, 2013, p. 26).
Em Roma, além das “justae nuptiae”, havia também, outras formas de união entre o homem e a mulher. Dentre as quais se destaca o concubinato, que, gradativamente, se expandiu devido a proibições de natureza social que pairavam sobre o instituto do casamento. Por isso, o concubinato não se confunde com o casamento. (RIVA, 2013, p. 27) ). Conforme Biondi (1957, p.339):
No mundo romano, ao lado do matrimônio coexistiu o concubinato, que é a união estável entre duas pessoas de sexo diferentes sem a vontade de ser marido e mulher; diverge da simples relação sexual pela estabilidade e do matrimônio pela falta do “honor matrimonii” e relativa “affectio maritalis”. É um instituto não vedado pela lei, nem reprovado pela consciência social, tanto que a pessoa poderia ser considerada como exemplo de moralidade, mesmo vivendo em concubinato.
Em razão disso, na Sociedade Imperial, o concubinato não era considerado lesivo à moral tampouco aos costumes. Era contraído em razão das proibições que a própria sociedade estabelecia para o matrimônio (RIVA, 2013, p. 27). Assim, o concubinato produziu efeitos jurídicos com o direito pós‐clássico, transformando‐se em instituto jurídico.
O casamento não se confundia com o concubinato em razão das consequências jurídicas que estes produziam, pois o concubinato não produzia quaisquer efeitos inerentes ao casamento, tanto em relação às pessoas quanto aos bens que lhe pertenciam (RIVA, 2013, p. 30). Nesse contexto, Monteiro (1980, p.16) assevera que o concubinato era considerado uma união inferior ao casamento, já que era contraído sem haver qualquer formalidade. Assim:
No Direito Romano, enquanto algumas leis procuravam garantir direitos aos concubinos e a seus filhos, outras, ao contrário, afastavam qualquer possibilidade de reconhecimento dessa união. Os imperadores cristãos, no período pós‐clássico, para preservar a família legitima, por um lado, inferiorizavam a condição da concubina e de seus filhos e, por outro, integravam a mulher legítima nas honras e condição social do marido, procurando, dessa forma, incentivar os concubinos a contrair matrimônio legítimo e a legitimarem os filhos por casamento subsequente (RIVA, 2013, p. 32).
A família romana independia de participação estatal para sua configuração, e o Direito reconhecia as diversas formas de enlace entre o homem e a mulher. Apesar de reconhecer as diversas formas de enlace, considerava somente o casamento como entidade familiar passível de produzir efeitos jurídicos (RIVA, 2013, p.43). Para Monteiro (1980, p. 16), o concubinato era “um quase casamento, união inferior ao casamento, semimatrimônio, contraído sem formalidades. Faltava‐lhe, no entanto, a affectio maritalis, sempre presente nas justae nuptiae, e era despido da finalidade social e familiar inerente ao matrimônio”.
Com o surgimento e fortalecimento do cristianismo como religião oficial do Império, o instituto do Direito de Família foi
influenciado pelas questões religiosas. No início, a igreja católica não interferia na constituição das entidades familiares, mas, com a sua crescente influência passou a intervir nas formas de constituição familiar, instituindo o casamento como a única forma legítima de família. (RIVA, 2013. p. 47‐53).
Nesse contexto, Czajkowski (2001, p. 55‐ 56) afirma que: Por fim, a influência cada vez maior da Igreja Católica no âmbito das relações familiares e a sacramentalização do casamento, aliado à sua reconhecida posição contra quaisquer uniões extramatrimoniais, orientou toda a Idade Média, e mesmo períodos subsequentes, num sentido de grave repressão a quaisquer uniões concubinárias, jogando‐as na vala comum do incesto, do adultério e do homossexualismo para, a todos, condenar indistintamente.
A Igreja Católica interferiu fortemente nas convicções
acerca da entidade familiar, uma vez que considerava legítimos somente os casamentos realizados com solenidade, que seguiam os dogmas e princípios religiosos. Diante dessa interferência da Igreja, o concubinato e o segundo matrimônio foram considerados como ilegítimos e imorais (RIVA, 2013, p. 67‐68).
O cristianismo ainda reconheceu a existência de várias formas de composição familiar, e por essa razão traçou impedimentos quanto ao matrimônio. Nesse sentido, pode‐se afirmar que a Igreja, ao reconhecer a afinidade entre os membros familiares, considerou os vínculos conjugais entre os ascendestes e descendentes como meramente ilegítimos, dentre outras formas de impedimentos matrimoniais. (RIVA, 2013, p. 59‐65).
2. Ordenações do Reino de Portugal
Após longos anos, é frequente que passem a existir
codificações que busquem regulamentar situações fáticas. Dessa forma, surgiu a necessidade de uma ordenação legislativa, no início do século XV, concluída como Ordenações Afonsinas do Reino de Portugal (RIVA, 2013, p. 69). Essas ordenações eram representadas segundo Valesco (1994, p. 14 e17) como um “esforço pioneiro de
sistematização do que podemos propriamente chamar um direito nacional”.
Em seguida, surgiram as Ordenações Manuelinas e as Filipinas, assemelhando‐se às Ordenações Afonsinas, mas com pequenas modificações, tendo em vista a época em que se encontravam. Essas modificações tornam‐se explicáveis uma vez que as normas devem adequar‐se ao tempo que produz vigência (RIVA, 2013.p. 69‐70).
As ordenações Filipinas admitiam o casamento de marido conhecido, que consequentemente lembrava a tradição romana “usus”, em que o enlace familiar era comprovado por meio do “affectio maritalis”, a pública forma de enlace entre o homem e a mulher pelo decurso de tempo (Wald, 2002, p. 18). Deve‐se salientar ainda, que as Ordenações de Portugal foram recepcionadas no Brasil. Riva (2012, p. 57) pontua que:
No Brasil, não obstante a positivação das Ordenações, os usos e costumes adotados de Portugal ou adquiridos dos índios imperavam na organização da vida privada dos colonos mais que na dos metropolitanos. Durante a vigência das Ordenações Filipinas, várias leis e decretos no período Imperial e Republicano foram promulgados para regulamentar o casamento e a situação dos filhos [...] Embora as Ordenações Filipinas fossem tendentes a igualar
juridicamente a mãe ao pai, verifica‐se que o pátrio poder prevalecente à época, só era exercido, exclusivamente, pela figura masculina. Com isso não foi possível demonstrar a igualdade de direitos e obrigações entre os membros familiares. A mãe possuía como obrigação primordial a criação e educação dos filhos (RIVA, 2012, p. 55) e ao pai cabia determinar o gênero de educação, corrigir, castigar, conceder ou negar consentimento para o casamento de seus filhos (PEREIRA, 1918, p. 234‐238, 241‐244)
No que diz respeito às formas de unidade familiar, pode‐se salientar que se aceitavam vários vínculos, no entanto, a celebração dos matrimônios deveria seguir as disposições do Concílio Tridentino e da Constituição do Arcebispo da Bahia (RIVA, 2012, p. 63).
3. Código Civil de 1916 Com a promulgação e vigência do Código Civil de 1916
(CC/1916), o casamento tornou‐se a única forma de sociedade familiar, em razão da solenidade exigível para a configuração do vínculo. Outrossim, a legislação pátria previa direitos e deveres decorrentes do enlace matrimonial, bem como produzia os seus efeitos jurídicos quanto às relações de parentesco, à dissolução do vínculo e aos regimes de bens entre os cônjuges (RIVA, 2012, p. 75‐77). Ainda nesse contexto, Czajkowski (2001, p. 21) afirma que o CC/1916 tornou‐se insuficiente em razão da nova postura constitucional, que associava o concubinato ao adultério.
O concubinato não produzia efeitos jurídicos, tampouco era reconhecido pela legislação pátria como unidade familiar, sendo considerado imoral e ilegítimo. Isso porque a unidade familiar não respeitava o ordenamento jurídico vigente à época. Considerando que as normas são feitas para serem observadas e respeitadas, isso não ocorria com as uniões que não se formavam sem que houvesse solenidade, isto é, celebração reconhecida pela legislação civil da época (RIVA, 2012, p. 77).
O concubinato apresentava‐se em duas espécies: o concubinato puro e o impuro. O concubinato puro refere‐se àquele em que os companheiros se unem sem que haja interrupções, sendo duradouro, com o intuito de obter prole em comum. Paralelamente a essa forma de união, temos o concubinato impuro, que é a convivência estabelecida entre pessoas que são impedidas de consistir família entre si, em razão de alguma característica peculiar, como por exemplo, a relação conjugal estabelecida entre pessoas casadas (TARTUCE e SIMÃO, 2008, p. 267‐269).
Além disso, o concubinato se demonstrava com vários impedimentos: incestuoso, desleal ou adulterino. O concubinato incestuoso se caracteriza, por tratar de relações conjugais entre parentes, tanto consanguíneos como por afinidade. Nesse sentido, o vínculo entre a mulher e seu sogro, por exemplo, é meramente imoral e ilegítimo. Já no concubinato desleal, uma das pessoas possui vínculo conjugal com terceiro. E no concubinato adulterino,
a mulher ou o homem da entidade familiar possui um amante, estranho ao vínculo inicial (TARTUCE e SIMÃO, 2008, p. 267‐269).
4. Constituição Federal de 1988 e os Princípios Gerais de Direito
A CF/1988 reconheceu expressamente a união estável, que
era considerada pelo CC/1916 como concubinato puro, como entidade familiar (LEITE, 2003, p. 18‐19).
Desse modo, o Texto Maior além de prever o casamento como forma de configuração familiar, ainda assegurou aos membros familiares proteção integral quanto aos seus direitos e deveres adquiridos com a constituição da unidade familiar. Segundo Leite (2003, p. 18‐19) existem diferenças entre os conceitos de “família” e “entidade familiar”; ao se referir “à família”, o art. 226, caput, referiu‐se ao “casamento” e às “entidades familiares”. Nesse sentido, Leite (2003)leciona que:
Quando o legislador se refere à união estável (em verdade, está se referindo à união livre) ou a comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descentes (família monoparental), é porque reconhece expressamente a inserção destas realidades naqueles modelos familiares., ou porque progressivamente elas adquiriram legitimidade (LEITE, 2003, p. 18‐19).
Em relação aos Princípios Gerais de Direito, podemos
salientar que são base para o ordenamento jurídico brasileiro, além de terem caráter primordial para o efetivo exercício de direito. Assim, quando as normas silenciarem acerca de determinado caso referente às relações familiares, se mostram necessárias medidas hábeis à aplicação dos princípios que versem sobre dada matéria. Em outros termos, os princípios serão aplicados ao caso concreto com ponderação, devendo‐se buscar a dignidade da pessoa humana, bem como a igualdade de direitos.
Por outro lado, os princípios norteadores do Direito de Família deverão respeitar aos princípios gerais de direito que se encontram previstos na Constituição Federal (REALE, 1981, p. 300). No que diz respeito aos princípios, podemos ressaltar que são aplicáveis não somente aos membros familiares constituídos pelo
matrimônio como também aos companheiros provenientes da união livre (RIVA, 2013, p. 138‐143)
Assim, os princípios da solidariedade familiar, dignidade da pessoa humana, dentre outros, são inerentes às relações familiares, tendo todos os membros familiares direitos e deveres recíprocos, em especial, os pais possuem o dever de sustentar os seus próprios filhos (RIVA, 2013, p. 139). Nesse contexto, Ferreira (1975, p. 1.319) esclarece acerca do significado atribuído à palavra solidariedade. Segundo o autor solidariedade é “laço ou vínculo recíproco de pessoas [...], sentido moral que vincula o indivíduo à vida, aos interesses e às responsabilidades dum grupo social, duma nação, ou da própria humanidade” (Ferreira, 1975 , p. 1.319) .
Com a CF/1988 houve a equiparação da mulher ao homem quanto ao exercício de direito e deveres referente à entidade familiar. A mulher passou a ter obrigações de manter economicamente sua prole, deixando de ser apenas dever do genitor suprir as necessidades basilares dos infantes (Wald, 2002, p. 24).
Posteriormente, promulgou‐se a Lei n. 8.971/1994 versando a respeito dos direitos e obrigações a alimentos e à sucessão que os companheiros possuem em decorrência da extinção da união. Assim, o mencionado texto legal por ser considerado infraconstitucional respeita a simetria das normas no ordenamento jurídico brasileiro (RIVA, 2013, p. 149).
Dessa forma, os companheiros terão direitos assegurados por lei, desde que comprovem suas necessidades e não constituam nova união, e ainda, o companheiro devedor deverá ter possibilidade de fornecê‐los. Embora atualmente haja previsão legal, a legislação anterior não mencionava nada acerca dos direitos a alimentos. Isso ocorria porque os companheiros não eram considerados cônjuges tampouco parentes (WALD, 2002, p. 247).
5. Código Civil de 2002 e elementos caracterizados da união
estável O Código Civil prevê no Livro IV, Direito de Família, Título
III, nos arts. 1.723 aos 1.727 as disposições que regulam acerca da
união estável. Dentre esses dispositivos, cabe salientar os requisitos indispensáveis para a configuração da união estável como unidade familiar.
O concubinato puro, com o advento da CF/1988 e o CC/2002, tornou a união estável, na hipótese de serem os companheiros viúvos, solteiros, divorciados ou separados faticamente ou judicialmente, desde que atendidos os demais elementos, como a convivência pública, contínua, duradoura e com o intuito de constituir família, não sendo recomendável a utilização do termo concubinato, mas sim união estável, em razão do uso da nomenclatura pela legislação civil (TARTUCE e SIMÃO, 2008, 127).
O Código Civil traz também o conceito (art. 1.723 § 1º), os impedimentos e as causas suspensivas, que ensejam na inviabilidade da composição da união estável entre o homem e a mulher (art. 1.723 § 2º). Regulamenta, ainda, acerca dos efeitos patrimoniais e pessoais entre os companheiros (art. 1.724) e trata do concubinato ou concubinato impuro (art. 1.727), dentre outros dispositivos que versam sobre o assunto (TARTUCE e SIMÃO, 2008, p. 269).
Não só a CF/1988, como também o CC/2002 reconhecem a união estável – modo informal de unidade familiar – como uma família que comporta direitos e deveres em razão da composição de vínculo entre os companheiros, não bastando apenas o vínculo afetivo para sua configuração (VENOSA, 2010, p. 36‐42).
De acordo o art. 1.723 da legislação civil, “é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradora e estabelecida com o objetivo de constituição de família”. Assim, a ausência de um dos elementos caracterizadores previstos pelo dispositivo, anteriormente citado, não ensejará na configuração da união estável. Torna‐se imprescindível para a constituição dessa forma de unidade familiar informal o preenchimento de todos os requisitos já mencionados (TARTUCE e SIMÃO, 2008, p. 263).
A união deverá ser pública, no sentido de que não somente a família tenha conhecimento sobre a unidade familiar fática, como também a sociedade local, não podendo assim ser clandestina.
Além disso, os companheiros não só se visitam, mas vivem juntos, sem intenção de se separarem, participando um da vida do outro (AZEVEDO, 2003, p. 255‐256).
O autor salienta ainda, que não há um prazo estabelecido pela legislação como requisito necessário para a configuração da entidade familiar, mencionando apenas no texto legal que a união entre o homem e a mulher deverá ser duradoura. Ressalta ainda que a ausência de fixação de prazo não prejudicou a configuração da união estável, pois existem uniões fáticas, que mesmo não apresentando longo prazo de constituição, preenchem os demais elementos previstos pela legislação civil (AZEVEDO, 2003, p. 255‐256).
Além disso, as relações meramente afetivas e sexuais entre o homem e a mulher não configuram união estável, tendo em vista não tratar‐se de unidade familiar, pois não há companheirismo entre o casal, tampouco se presume existência de participação constante na vida do outro (TARTUCE, 2008, p. 267).
Nesse mesmo sentido, pontua o renomado civilista Venosa (2010, p. 42‐43) que:
Se levarmos em consideração o texto constitucional, nele está presente o requisito da estabilidade na união entre o homem e a mulher. Não é qualquer relacionamento fugaz e transitório que constitui a união protegida; não podem ser definidas como concubinato simples relações sexuais, ainda que reiteradas. Venosa (2010) salienta ainda, que a consequência da
estabilidade consiste na característica de ser duradora, como menciona o texto legislativo. E embora a norma legal não faça menção à estabilidade como elemento primordial para configuração da união estável, pressupõe‐se, diante os costumes, que o vínculo entre o homem e a mulher consiste na ausência de interrupção. Esse vínculo pode ser longo ou até mesmo ocorrer algum lapso temporal, sendo assim caracterizador para a constituição da união, mesmo que doutrinariamente.
Entende‐se que as relações serão duráveis até que ocorra a efetiva separação ou extinção do vínculo (VENOSA, 2010, p. 43). O
Tribunal de Justiça do Distrito Federal afirma que para que haja a configuração da união livre faz‐se necessário a comprovação de vida e de interesses em comum, restando evidência dos elementos da união informal. Diante disso, a coabitação é elemento caracterizador, mesmo não estando disposto, explicitamente, no art. 1.723.
É a partir dessa conduta entre os casais que resta evidenciado a intenção de constituir uma família. E a maior prova a se levar em consideração é a convivência sob o mesmo teto. A convivência sob o mesmo teto poderá ser dispensada caso os companheiros vivam relativamente longe, em razão do emprego, cargo ou função. Em outros termos, será dispensada a coabitação caso haja justa causa para tanto. (RIVA, 2012, p. 131‐132).
Há outros requisitos que embora não descritos no texto legal se apresentam como elementos indispensáveis para configuração da união estável. Esses elementos são avaliados, conjuntamente, com os demais, em cada caso concreto. Exemplo disso, é o dever de lealdade, mesmo não prescrito em norma, é considerado um elemento caracterizador da união, pois não existem relacionamentos que contrariem os costumes da presente sociedade (VENOSA, 2010, p. 47).
De acordo com o art. 1.724 do CC/2002, as relações entre os companheiros devem se pautar por lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos, ou seja, trata‐se de deveres e obrigações recíprocas e solidárias (VENOSA, 2010, p. 47). Esses elementos subjetivos apresentam “sempre um substrato comum que é o afeto, o amor, o respeito e consideração mútuos são regras morais antes que jurídica” (Czajkowski, 2001,p.75).
Afirma ainda que os mencionados requisitos são considerados essências para a configuração da unidade familiar, em especial, o vínculo afetivo que une abstratamente o homem e a mulher. Ainda nesse viés, a assistência moral é considerada para Czajkowski (2001, p. 76) como o apoio psicológico e emocional que mutuamente os companheiros possuem um com o outro. Isso quer dizer que os companheiros se ajudam na medida em que passam por necessidades, problemas ou ainda, dificuldades.
Czajkowski (2001) salienta também que a assistência moral entre os companheiros vincula a convivência. Para o referido autor, as uniões livres pressupõem ao menos um terço de convivência juntos. Em outros termos, é difícil imaginar a união entre duas pessoas que não vivam juntas, embora existam atualmente, uniões estáveis sem convivência contínua, consideradas protegidas pelo ordenamento jurídico brasileiro como entidade familiar.
Desse modo, a ausência de moradia fixa para um dos companheiros não descaracteriza a convivência. Contemporaneamente, deve‐se levar em consideração,a existência de casamento religioso que consolida o vínculo, tornando‐o válido. Conforme os preceitos do nosso sistema, considera‐se casamento válido somente aquele realizado perante uma autoridade religiosa ou espiritual. Assim, a mera celebração judicial não estampa uma relação de fato. (VENOSA, 2010, p. 47)
Outro elemento que a doutrina considerava essencial para caracterização da união estável era a diversidade de sexos, que tinha como escopo a procriação, ou seja, visava constituir família, gerando, assim prole em comum entre os companheiros (VENOSA, 2010, p. 44). Contudo, o Supremo Tribunal Federal se posicionou no sentido de que as uniões contraídas entre pessoas do mesmo sexo possuem os mesmos direitos e deveres que os casais heterossexuais, passando a tratar as uniões homossexuais como um novo tipo de entidade familiar prevista pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Posteriormente a essa decisão, na V Jornada de Direito Civil, realizada em 2011, pelo Conselho da Justiça e Superior Tribunal de Justiça, foi aprovada, no Enunciado 526, a possibilidade de conversão de união estável constituída entre pessoas do mesmo sexo em casamento, desde que respeitados os requisitos para a respectiva habilitação.
Com o advento das Leis n. 8.971/1994 e 9.278/1996 podemos salientar que houve uma enorme contribuição para minimizar as discussões que tratavam as uniões entre o homem e a mulher com ilegais, imorais e ilegítimas. Essas discussões também contribuem para assegurar e proteger as relações patrimoniais e pessoais decorrentes deste tipo de união. Embora a questão anteriormente
suscitada não esteja integralmente protegida, de acordo com os princípios norteadores do Direito de Família, deve‐se dar ênfase às questões afetivas e solidárias. (RIVA, 2012, p. 168).
A união estável ou o casamento de fato é considerado por Tartuce (2008, p. 257‐270) como uma convivência não incestuosa, tampouco adulterina, entre um homem e uma mulher, convivendo como se casados fossem, constituindo uma família de fato. No entanto, a união estável não se confunde com o casamento. Prova disso é que a legislação constitucional tratou no § 3º sobre a conversão dessa união em vínculo matrimonial. Desse modo, salienta Wald (2002, p. 242):
Foi concedida, portanto, proteção constitucional às famílias de fato, ou naturais, sem que tal signifique a sua equiparação às famílias legítimas ou constituídas pelo matrimônio. Tanto é assim que o dispositivo constitucional determina que a lei deverá facilitar a conversão das uniões estáveis em casamento. A necessidade de conversão, ou o incentivo a ela, exclui evidentemente a equiparação da união estável ao casamento.A matéria merece regulamentação em lei ordinária, impondo a definição do que seja “união estável” e os seus efeitos legais.
Não só a legislação constitucional, mas também o § 8º da
Lei 9.278 prevê que “os conviventes poderão, de comum acordo e a qualquer tempo, requerer a conversão da união estável em casamento, por requerimento ao Oficial do Registro Civil da Circunscrição de seu domicílio”. Isso não quer dizer que os companheiros deverão ter c de se casar, mas sim poderão optar por uma união protegida pelo ordenamento jurídico brasileiro, já que o mencionado texto legal faz referência à possibilidade da conversão da união em casamento (CZAJKOWSKI, 2001, p. 65).
Ademais, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais entende que o mero namoro não configura a união estável, tendo em vista a ausência de um elemento caracterizador objetivo de constituir família, mesmo havendo o preenchimento dos demais elementos previstos no art. 1.723 do diploma legal.
Nesse mesmo sentido, cabe pontuar que o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro entendeu que os contratos de namoro pactuados pelos casais serão considerados nulos, pois
visam afastar os direitos e deveres existentes nos enlaces familiares. O namoro não se confunde com a união estável, pois esse é mais singelo do que a união.
Para Venosa (2010, p. 25) a natureza jurídica da união estável é considerada um fato social e jurídico. Em contrapartida, o casamento seria um fato social e um negócio jurídico, que produziria efeitos imediatos no ordenamento jurídico brasileiro. Fato jurídico é qualquer acontecimento que gere consequências jurídicas. Desse modo, a união estável é um fato humano que, ao gerar efeitos jurídicos, torna‐se um fato jurídico. Czajkowski (2001, p. 81) afirma que:
A união livre continua sendo, em si, e a princípio, um fato jurídico; ela não é previamente pactuada, sua existência é constatada dia‐a‐dia, sua subsistência no tempo lhe dará foros de estabilidade e, então, produzirá seus principais efeitos jurídicos.
Contudo, prevê o § 1º, do art. 1.723 do CC/2002 que a união
estável não se configurará caso haja os impedimentos do casamento; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. O dispositivo prevê a aplicação dos impedimentos do casamento para a união estável, salvo a possibilidade de o separado faticamente ou judicialmente constituir união com terceiro.
Tal entendimento apresenta controvérsias entre os doutrinadores, pois tornaria difícil ou até mesmo impossível apontar os bens que foram adquiridos, conjuntamente, na constância do casamento ou da suposta união estável (TARTUCE, 2008, p. 265). Além do mais, é situação notória e admitida no Brasil, a existência de uniões desleais ou adulterinas entre os companheiros, não sendo tal fato legislado pelo ordenamento jurídico por apresentar total injustiça com as companheiras legítimas (TARTUCE, 2008, 265).
Ademais, dispõe o § 2º do art. 1.723 que as causas suspensivas do casamento (art. 1.523, CC) não operam efeitos à união estável, pois não impedem a caracterização de unidade familiar entre os companheiros. Nesse sentido, as pessoas que
constituem enlace matrimonial que infringem a causa suspensiva terão como regime de bens a separação total, uma vez que a legislação civil protege os bens que não foram adquiridos, conjuntamente, entre os companheiros. Trata‐se de uma união impossibilitada de se configurar devido à circunstância já explanada, anteriormente (TARTUCE, 2008, p. 265). CONCLUSÃO
Após análise dos dados, podemos assumir que a união
estável não era considerada uma forma legítima de unidade familiar no contexto do CC/1916. No entanto, ao ser reconhecida pela CF/1988, foi regulamentada pelas leis especiais, bem como pelo CC/2002.
Com o advento das novas legislações, tornou‐se possível a constituição de união entre o homem e a mulher, podendo desta união decorrer direitos e deveres impostos aos companheiros. Como por exemplo, temos o direito à meação, aplicando‐se, no que couberem, as normas relativas ao regime de comunhão parcial de bens, conforme dispõe o art. 1.723 do CC/2002; a conversão da união estável em casamento (art. 1.726, CC); o direito a alimentos (art. 1.694, CC), bem como, os direitos sucessórios, disposto pelo art. 1.790 da Legislação Civil.
Por fim, cabe pontuar que a legislação pátria estabelece alguns elementos caracterizadores da união estável. Elementos, imprescindíveis para configuração do mencionado vínculo entre o homem e a mulher. Nesse sentido, a união deverá apresentar como elementos a convivência pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família.
Além desses elementos, os doutrinadores ressaltam como requisitos, a lealdade, o respeito e a assistência. Nesses termos, temos que a união estabelecida entre o homem e a mulher não poderá ser incestuosa, adulterina ou ainda, desleal, pois atentaria contra os princípios norteadores do Direito de Família, bem como, pelos costumes.
REFERÊNCIAS AZEVEDO, Álvaro Villaça. Direito romano. Qualimetria, São Paulo, v. 11, n. 93, maio, 1999. BIONDI, Biondo. Il diritto romano. Bolonha: Licinio Cappelli, 1957. CRETELLA JÚNIOR, José. Direito romano moderno: introdução ao direito civil brasileiro. 12. ed. rev., atual. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2006. CZAJKOWSKI, Rainer. União livre à luz da lei 8.971/1994 e da lei 9.278/1996. 2. ed. rev., atual. e amp. Curitiba: Juruá, 1999. MAYNS, Charles. Cours de droit romain. 5. ed. Bruxelles: BruylantChristophe; Paris: A. Durand & Pedone‐Lauriel, 1891. T. 3. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito de família. 19. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 1980. v. 2. PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de família. Anotações e adaptações ao Código Civil, por José Bonifácio de Andrada e Silva. Rio de Janeiro: Virgilio Maia & Comp., 1918. RIVA, Léia Comar. União estável sob a perspectiva do parentesco por afinidade. 2012. 251 f. Tese (Doutorado em Direito Civil). Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da Universidade de São Paulo, 2012. ______. . União estável e parentesco por afinidade. Campo Grande: Life, 2013. REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1981. TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito civil: família. 3. ed. rev., atual. São Paulo: Método, 2008. v. 5. VALESCO, Ignácio Maria Poveda. Ordenações do reino de Portugal. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, v. 89, p. 11‐67, jan. 1994. VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. São Paulo: Atlas, 2010. WALD, Arnold. O novo direito de família. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.
CASAMENTO, UNIÃO ESTÁVEL E O CONSENTIMENTO DA MULHER PARA A REALIZAÇÃO DOS NEGÓCIOS
JURÍDICOS IMOBILIÁRIOS
Léia Comar Riva
O casamento é o acto solemne pelo qual duas pessoas de sexo differente se unem para sempre, sob a promessa reciproca de fidelidade no amor e da mais estreita communhão da vida”. Além disso, segundo o autor, a razão de ser desta instituição, sua finalidade capital “está nessa admiravel identificação de duas existencias, que confundindo‐se uma na outra, correm os mesmo destinos, soffrem das mesmas dores e compartem, com egualdade, do quinhão de felicidade que a cada um cabe nas vicissitudes da vida (PEREIRA, Laffayette Rodrigues, 1869, p. 12).
Introdução
Várias legislações referem‐se à necessidade da autorização
da esposa para a prática de numerosos atos da vida civil. O direito codificado brasileiro, desde o início, seguindo a tradição de outros países, é fiel à necessidade de certos elementos, considerados indispensáveis para a realização dos negócios jurídicos, e entre eles também consta o consentimento, inclusive e, se for o caso, da mulher, para atribuir legitimação ao ato.
A pesquisa se propõe a examinar várias questões jurídicas concernentes à anuência da esposa e da companheira para a alienação de bens imóveis. A bibliografia consultada foi escolhida de forma aleatória, mas buscou os ensinamentos de doutrinadores que trabalham na área.
A investigação faz parte da pesquisa bibliográfica intitulada “Casamento e união estável: anuência da mulher para a elaboração dos contratos imobiliários”, que está sendo desenvolvida junto à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade Universitária de Paranaíba.
Para alcançar o objetivo proposto escolheu‐se por, no momento, compreender a origem dos institutos dos contratos, do casamento, da união estável e abordar o consentimento da mulher, para a alienação de bens imóveis, no Direito Romano. Ao final serão apresentados os resultados parciais da pesquisa. 1. Direito Romano: breve resenha histórica dos contratos
O antigo Direito Romano não conheceu o termo obrigação
(AZEVEDO, 2008, p. 10) nem contrato. Segundo Alves (2000b, p. 8), embora, no Direito Romano, haja controvérsias a respeito da evolução histórica do conceito de obligatio, é possível identificar que não havia um conceito comum utilizado nem no direito pré‐clássico nem no clássico. O autor, ladeado por outros romanistas, anota que o conceito genérico de obligatio como “relação jurídica pela qual alguém deve realizar uma prestação, de conteúdo econômico, em favor de outrem”, apenas, foi concebido no período pós‐clássico e justinianeu.
Nesse mesmo sentido, Cretella Júnior (2006, p. 181) concorda com o autor acima e reafirma que os romanos, nos primeiros séculos de Roma, período do Direito Romano Arcaico, não conhecem a noção genérica e abstrata de obrigação, porque eles:
[...] positivos por excelência, raciocinam concretamente e só conhecem os coobrigados, pessoas ligadas por laços materiais, porque o devedor era amarrado ao credor. Em períodos posteriores, o vínculo material é transformado em vínculo jurídico, de que nos fala Justiniano em sua definição (vinculum juris) (CRETELLA JÚNIOR, 2006, p. 181).
Nesse Direito, as duas clássicas conceituações de obrigação
são dos jurisconsultos de Justiniano nas Institutas e a de Paulo no Digesto:
Obrigação é ʹo vínculo jurídico por necessidade do qual nos adstringimos a solver alguma coisa, segundo os direitos de nossa cidade (Obligatio est juris vinculum, quo necessitate adstringimur alicuius solvendae rei, secundum nostrae civitatis iursʹ. Institutas, livro III, título XIII, princípio). ʹessência da obrigação não consiste em que se faça uma coisa corpórea
ou uma servidão, mas em que se obrigue outrem a nos dar, fazer ou entregar alguma coisa (Obligationum substancia non in eo consistit, ut aliquod corpus nostrum aut servitutem nostram faciant, sed ut alium nobis obstringant ad dandum aliquid, vel faciendum vel praestandumʹ Digesto, livro 44, título 7, lei 3) (AZEVEDO, 2008, p. 11).
Complementa o autor, orientando no sentido de que,
atualmente, as ʺcaracterísticas conceituais da obrigação continuaram, praticamente, as mesmas, diferenciando‐se a obrigação do Direito moderno pelo conteúdo econômicoʺ (AZEVEDO, 2008, p. 12).
Quanto às fontes das obrigações que “constitui o ato ou fato que lhe dá origem, tendo em vista as regras do direito” (MONTEIRO, 1983a, p. 32), os romanistas, igualmente, citam os textos dos jurisconsultos nas Institutas e no Digesto, para explicá‐las:
[...] para entendermos bem as fontes das obrigações, que nos retroprojetamos no passado, até o tempo dos romanos, recebendo as lições de Gaio, que, em suas Institutas, no período do direito clássico, relacionou, em sua Summa divisio, duas fontes das obrigações: o contrato e o delito [...] dois outros textos, surgidos após a época do direito clássico, atribuídos ao mesmo jurisconsulto Gaio, apresentam outras fontes de obrigações, além do contrato e do delito. Realmente, o primeiro desses dois textos, que apareceu no Digesto, acrescenta às referidas fontes outros casos de obrigações reconhecidos pela jurisprudência, que delas não surgiam, mas de outras figuras não perfeitamente identificadas [...]. O segundo dos dois textos citados, aparece nas Institutas do Imperador Justiniano (AZEVEDO, 2008, p. 22). Azevedo (2008, p. 22) leciona que nas Institutas (3, 13, 2) de
Justiniano, também atribuída a Gaio, as fontes das obrigações romanas são quatro: o contrato, o delito, o quase contrato e o quase delito e Cretella Júnior (2006, p. 182) acrescenta ʺas obrigações que derivam da leiʺ. Quanto a essas, as que decorrem da lei, e a declaração unilateral da vontade, outra possível forma de contrair obrigações (ALVES, 2000b, p. 241), há divergências entre os doutrinadores. Monteiro (1983a, p. 33) afirma: “Fonte ex lege, com caráter autônomo não existia entre os romanos, sem embargo de opinião em contrário de Ferrini”. Nesse diapasão Alves (2000b, p. 241) explica que as obrigações decorrentes da lei obrigationes ex legis
constam em poucos textos romanos e que as mesmas não foram conhecidas dos jurisconsultos clássicos; quanto à declaração unilateral de vontade, assevera que as fontes são omissas a respeito.
Em razão do objetivo da presente pesquisa, de todas as fontes que dão origem às obrigações, estudar‐se‐á a derivada dos contratos, a qual, segundo Monteiro (1983a, p. 34), era e continua sendo a fonte mais rica e fecunda.
Em períodos distintos e com significados nem sempre correspondentes aos atuais, o Direito Romano ‐ Antigo, Clássico e Pós‐Clássico ‐ conheceu os termos: obrigação, convenção, contrato, nexum, sponsio e pactos. Embora não seja pacífico entre os autores consultados, é provável que, no início, existisse a convenção para designar o acordo de vontade entre duas ou mais pessoas (ROLIM, 2003, p. 220), o contrato fosse uma das modalidades de convenção (MEIRA, 1971, p. 321) e o nexum, constituísse uma das espécies de contrato verbal (ALVES, 2000b, p. 117 e 136; MEIRA, 1971, p. 320). Ao lado desses, havia os pactos. Nesse sentido, Monteiro (1983a, p. 34) leciona:
Conventio era a expressão genérica empregada pelos romanos e que compreendia simultaneamente não só os contratos propriamente ditos, isto é, as convenções reconhecidas pelo direito civil, providas de obrigatoriedade e de tutela judicial, como também os pactos, isto é, as convenções não sancionadas pelo direito civil, despidas de força obrigatória e de tutela processual. As convenções entre duas ou mais pessoas sempre
existiram na história de alguns povos antigos, sendo na Época da Realeza – período do Direito Romano Arcaico – regulamentadas pelo jus civile ou direito quiritário. As convenções, no Direito Romano antigo, ʺeram celebradas de modo rígido, solene e formal, através das formas do nexum e do sponsioʺ (ROLIM, 2003, p. 220).
O último, sponsio, se consolidava na frente da estátua de um de seus deuses e posteriormente foi substituída pelo stipulatio, outra forma de contrair obrigações no Direito Romano (ROLIM, 2003, p. 221). A stipulatio era o contrato verbal, celebrado por meio de perguntas e respostas, sendo considerado o mais importante do Direito Romano. Essa forma de contrair obrigação, também ʺsofreu,
ao longo da evolução do direito romano, profundas modificações, e sobre seu alcance há grande controvérsia entre os autores modernosʺ (ALVES, 2000b, p. 138‐139).
Correia e Sciascia (1961, p. 226) comentam que o nexum, é uma das formas mais antigas de contrair obrigação e Meira (1971, p. 319) aponta que pesar de os romanistas divergirem quanto ao nexum ser ou não uma espécie de contrato, eles são conformes ao afirmarem ser o mesmo uma das espécies de convenção. Segundo o autor, ʺPara Giffard, o nexum não era pròpriamente um contrato mas ʹuma convenção criadora de uma dívida e ato de alienação ou de vinculação da pessoa do devedor ao credorʺ.
Segundo a leitura do material consultado, é possível inferir que o nexum era mais utilizado pela população mais pobre e que ele desapareceu com a promulgação da Lex Poetelia Papiria 326 a.C, a qual ʺdeterminou que o patrimônio, e não mais a vida do devedor, deveria responder pelo inadimplementoʺ da obrigação (ROLIM, 2003, p. 221), isso porque:
O nexum conferia poder ao credor de exigir do devedor o cumprimento de determinada prestação. Em caso de inadimplemento, de não cumprimento obrigacional, respondia esse devedor com seu próprio corpo, podendo ser reduzido à condição de escravo, o que se dava por meio da actio per manus iniectionem (ação pela qual o credor podia vender o devedor como escravo, além do rio Tibre) (AZEVEDO, 2008, p. 10). Sobre o nexum Alves (2000b, p. 117), também comenta que
se trata de um negócio jurídico arcaico (espécie de empréstimo) e que os “jurisconsultos romanos do século I a.C. já não tinham noção exata do nexum”.
Como o termo obrigação, Meira (1971, p. 320) mostra que a palavra contrato, também ʺnão foi conhecida do antigo direito romanoʺ. O contrato, enquanto uma nova e mais restrita modalidade de convenção entre pessoas, surgiu no direito romano no século I d.C. (ROLIM, 2003, p. 220; ALVES, 2000b, p. 108; MEIRA, 1971, p. 320).
Junto aos textos dos jurisconsultos, ao lado das convenções e dos contratos havia os pactos, distintos dos últimos, porque não eram obrigatórios. A distinção entre pactos e contratos desapareceu
no direito contemporâneo (MONTEIRO, 1983b, p. 23 e 35), assim, como, também, no direito moderno a convenção e o contrato, enquanto acordo de vontade, se confundem (ALVES, 2000b, 108‐109). Naquele direito a noção de contrato era mais restrita que no atual. Isso ocorre:
a)primeiro, porque, durante toda a evolução do direito romano, só se enquadram entre os contratos os acordos de vontade que se destinam a criar relações jurídicas obrigacionais (e não, como no direito moderno, a criar, regular ou extinguir relações jurídicas em geral; e b) segundo, porque, em Roma, nem todo acordo de vontade lícito gera obrigações: contrato (contractus) e pacto (pactum, conuentio) eram acordos de vontade, mas, ao passo que aquele produzia obrigações, este, em regra, não (ALVES, 2000b, p. 108‐109). Ainda, no Direito Romano, o modo rígido e formal
empregado nos contratos também o diferencia dos pactos, cuja validade não é a mesma dos contratos. Os pactos caracterizavam‐se por “simples manifestações de vontade entre pessoas (nuda pacta), não podendo, portanto, serem reclamados em juízo pelas partes. ʹDo simples pacto não nasce açãoʹ, ensinava Ulpiano (Ex nudo pacto non nascitur actio ‐ Sentenças, 2,14)” (ROLIM, 2003, p. 241).
Nesse mesmo sentido, Cretella Júnior (2006, p. 187) ensina: no direito de Justiniano e seus comentadores, que ʺpela primeira vez a palavra contractus é empregada com o sentido de convenção destinada a criar obrigações (Teófilo, 3, 14, 2)”.
Comentando sobre o formalismo no Direito Romano, Cretella Júnior (2006, p. 189) aponta: “As formalidades que acompanham os pactos, no antigo direito, transformando as simples convenções em contratos são de três espécies: 1ª) bronze e balança (aes et libra); 2ª) palavras (verba); 3ª) letras (litterae)”. Sobre o caráter rigoroso e sacramental dos atos jurídicos no direito antigo ou pré‐clássico, consigna‐se:
Esta é uma peculiaridade de todos os institutos primitivos, que não concebem atos jurídicos senão baseados em ritos solenes, capazes de atestar‐lhes pùblicamente a realização. Pouco importa que as formas não correspondem à vontade dos contraentes; a intenção das partes está materializada nas palavras pronunciadas que são em todo caso
decisivas. A Lei das XII Tábuas dispõe: uti lingua nuncupassit, ita ius esto (CORREIA e SCIASCIA, 1961, p. 274). Posteriormente, mas, ainda durante a vigência do Direito
Romano, os contratos foram classificados como: obligationes, quae sunt ex contractu, aut consensu contrahuntur, aut re, aut verbis, aut litteris (Institutas, III, 89), ou seja, contratos consensuais, porque se originavam do mútuo consenso entre as partes (consensu); reais, quando tinham por pressuposto a entrega de uma coisa ou o adimplemento de outra prestação (re); verbais aqueles que se constituíam pelas palavras, ou seja, mediante o ʺemprego de expressões solenes que os contraentes deveriam pronunciar (verbis)ʺ e literais quando eram convencionados por escrito (litteris). Essas categorizações não desapareceram e foram usadas pelo direito moderno (MONTEIRO, 1983a, p. 34). Portanto, quatro são as obrigações que nascem dos contratos (ALVES, 2000b, p. 116).
No Direito Romano, em meio a essas obrigações, que nascem dos contratos, apenas as decorrentes da compra e venda (emptio uenditio),1 da locação (locatio conductio), do mandato (mandatum) e da sociedade (societas) (ALVES, 2000b, p. 116 e 153) são denominadas consensuais, porque ʺse formam pelo mútuo consentimento ou pela vontade recíproca das partesʺ; esses contratos, no início, eram considerados ʺinsólito e aberrante no sistema contratual romanoʺ (CRETELLA JÚNIOR, 2006, p. 187).
Segundo o primeiro romanista, os contratos consensuais são mais recentes que os reais e os formais, ʺsua existência é atestada no tempo de Quinto Múcio Scévola, que viveu, aproximadamente, de 140 a 82 a.C.ʺ e representam, segundo Voci ʺo primeiro sinal de reação da vontade (uoluntas) contra o formalismo. Além de independerem da forma, são eles contratos
1 ʺChama‐se COMPRA e VENDA (emptio venditio) o contrato bilateral, consensual pelo qual o vendedor se obriga a entregar uma coisa ao comprador mediante um preço em dinheiro, que este se obriga a pagar (Gai. 3, 139‐141) [...] A venda se aperfeiçoa simplesmente pelo consentimentoʺ (CORREIA e SCIASCIA,1961, p. 226).
sinalagmáticos2 perfeitos ou imperfeitos, e sancionados, todos, por iudicia bonae fidei (ações de boa‐fé)ʺ. Dentre eles, somente o mandato é sinalagmático imperfeito (ALVES, 2000b, p. 155).
Alves (2000b, p. 109), novamente, comenta que do Direito Romano clássico ao justinianeu, ʺo sistema contratual romano sofreu alterações profundas, observando‐se, nessa evolução, uma constante: o alargamento gradativo do círculo de acordos de vontade a que a ordem jurídica concede a eficácia de gerar obrigações”. Nesse mesmo sentido, Cretella Júnior (2006, p. 186) explica a evolução da figura contratual no Direito Romano, da seguinte forma: “Do formalismo para o não formalismo, do apego excessivo à forma para um abrandamento ininterrupto, em benefício do conteúdo, da intenção das partes – eis o sentido exato da evolução da figura contratual no direito romano”.
Com fundamento no material bibliográfico levantado, é possível afirmar que as modernas legislações foram influenciadas pelo direito romano, sendo o direito das obrigações o que ʺde maneira mais completaʺ se destacou (CRETELLA JUNIOR, 2006, p. 189), além de ser considerado ʺsem dúvida a parte mais importante do direito romano, sobretudo por sobreviver substancialmente no direito moderno, mais que qualquer outraʺ, consolidando‐se ʺao longo dos séculos, num mais perfeito corpo doutrinalʺ (CORREIA e SCIASCIA, 1961, p. 227).
Quanto às obrigações decorrentes dos contratos, observa‐se, ressalvadas as mudanças ocorridas no tempo e no espaço, que 2 ʺO contrato é sempre um negócio jurídico bi ou plurilateral com relação à sua formação, pois sempre necessitará de duas ou mais vontades para se aperfeiçoar. [...] Entretanto, formado o contrato, este poderá ser classificado como bi ou unilateral, dependendo do número de prestações existentes para as partes. Unilaterais: só há prestação para uma das partes (mútuo, comodato, doação simples); bilaterais ou sinalagmáticos: há prestação e contraprestação. Ambos os contraentes têm o dever de prestar (compra e venda, locação, empreitada). É decorrência da bilateralidade que não pode um dos contraentes, antes de cumprir a sua parte, exigir o cumprimento da do outro (exceptio non adimpleti contractus, CC, art. 476). Os contratos bilaterais podem ser cumulativos ou aleatóriosʺ (SIMÃO, 2010, p. 4‐5).
sua origem, sua classificação e algumas de suas modalidades, previstas pelo Direito Romano “com fisionomia bem diversa da que o caracteriza, por exemplo, nos períodos clássicos e justinianeu” (CRETELLA JUNIOR, 2006, p. 186), se fazem presentes em nossa legislação, como a compra e a venda, o mandato e a locação. Outras foram extintas, como o nexum; ou foram criadas, como os contratos eletrônicos, e outras, ainda, serão necessárias para a efetivação do direito enquanto ius est ars boni et aequi (direito é a arte do bom e do justo) (Digesto de Justiniano 1.1.), ainda, hoje reconhecido e que deve ser aplicado.
Ainda quanto às obrigações decorrentes do contrato, não há divergências entre os autores consultados de que o Direito Romano exigia os mesmos requisitos para os negócios jurídicos em geral: ʺcapacidade e legitimação das partes, manifestação de vontade isenta de vícios (que, nos contratos, se traduzem no acordo de vontade dos contraentes ‐ conuentio) e objeto lícito, possível, determinado e determinávelʺ (ALVES, 2000b, p. 111; CRETTELA JÚNIOR, 2006, p. 195; ROLIM, 2003, p. 224). Esses requisitos, no plano da validade (AZEVEDO, 2002b, p. 77), sobreviveram ao tempo e, no direito moderno, ainda se fazem presentes. Dos três elementos, abordar‐se‐á o consentimento, mais especificamente o consentimento da esposa (outorga uxória) e da companheira para a validade dos contratos imobiliários.
1.2. O consentimento da mulher no Direito Romano 1.2.1. A outorga uxória: casamento
Como vimos no Direito Romano, entre os elementos de
validade dos contratos, estava o consentimento ou a manifestação da vontade isenta de vício. Sem nos atermos a um estudo profundo sobre todos os atos que um dos cônjuges pode ou não praticar sem autorização do outro, para não nos distanciarmos do objetivo da presente pesquisa, buscar‐se‐á, ainda no Direito Romano, de forma suscinta, investigar duas formas de constituição de família, sendo uma o casamento e a outra o concubinato; verificar alguns dos
efeitos das relações patrimoniais entre o casal e averiguar sobre o consentimento da mulher para os negócios jurídicos realizados pelo chefe da família pater familia ou não.
Segundo Coulanges (2005, p. 46), a institucionalização da antiga família teve como principal elemento constitutivo a preservação da religião doméstica e do culto aos antepassados. Ainda o mesmo autor ensina: “A primeira instituição estabelecida pela religião doméstica, foi de fato, o casamento”.
Inicialmente, é preciso enfatizar, como orienta Azevedo (2002a, p. 38): ʺO fundamento da família e da sociedade romana foi o casamento (iustae nuptiae), embora tenham os romanos admitido efeitos jurídicos de caráter pessoal e patrimonial, semelhantes aos do matrimônio, também ao concubinato”.
A evolução jurídica da família ganha destaque a partir de Roma, devido ao fato de o Direito Romano ter‐lhe dado “estrutura inconfundível, tornando‐a unidade jurídica, religiosa e econômica, fundada na autoridade de um chefe” – o pater familias. (GOMES, 1995, p. 36). Azevedo (2002a, p. 43), acompanhado por outros romanistas, assevera que a forma de organização da família romana era monogâmica.
Em suas pesquisas, Alves (2000b, p. 245‐246) levanta cinco grupos de pessoas vinculadas pelo parentesco ou pelo casamento, no Direito Romano: a gens, a familia comuni iure, o conjunto de cognados em sentido restrito, a família proprio iure e a família natural e afirma serem mais estudados os que formam ʺa familia proprio iure e a família natural. Da gens, da familia comuni iure e do conjunto de cognados em sentido estrito, ele se ocupa incidentalmente”. A familia proprio iure, denominação dada à família na qual as pessoas estavam sob a potestas do pater familia, “foi o organismo básico da estrutura familiar romana, e que, por isso, embora em decomposição, não desapareceu enquanto perdurou o sistema jurídico romano” (ALVES, 2000b, p. 248).
O Direito Romano admitiu, num primeiro momento, três modalidades de parentesco: a agnação (agnatio), a cognação (cognatio) e, ao lado desses a afinidade (adfinitas) (GOMES, 1995, p. 37; ALVES, 2000a, p. 110). Esse romanista, ao estudar a família
proprio iuri, no direito romano pré‐clássico, clássico e justinianeu, observou que houve uma evolução “pelo gradativo enfraquecimento da potestas do pater familias e pela progressiva substituição do parentesco agnatício pelo cognatício – a tendência para se chegar à família moderna” (ALVES, 2000b, p. 248).
Como reunião de pessoas, a família romana foi eminentemente patriarcal nos tempos da Realeza e do Império, com todos os seus membros sujeitos ao poder do pater familias, que era, sempre, o ascendente masculino mais antigo e que, enquanto vivesse, tinha sobre os demais o poder de vida e de morte (jus vitae necisque). [...] Esse rigorismo do patriarcado romano só começou a ser amenizado no período do Principado, influenciado pelas novas idéias trazidas pela filosofia grega e, principalmente, pelo cristianismo. No Dominato os poderes do pater familias foram sendo absolvidos pelo Estado, que passou a ditar normas de convivência e relacionamento no seio familiar (ROLIM, 2003, p. 154‐155). Se houve um enfraquecimento da patria potestas (pátrio
poder) conceituado como o conjunto de poderes que o pater familias tem sobre a pessoa e os bens de seus filii familias (ALVES, 2000b, p. 266) e quanto ao parentesco agnatício em relação ao cognatício, o mesmo não se observou no que diz respeito às relações matrimoniais entre o marido e a mulher.
Segundo as regras aplicadas no Direito Romano, a mulher entra para a família do marido por meio do casamento a conventio cum manu e sine manu. ʺO casamento cum manu e o casamento sine manu, constituem, ambos, as justae nuptiae, casamentos legítimos que, conforme as regras do jus civile, só se verificam entre os romanos, não se aplicando, nem aos latinos, nem aos peregrinosʺ (CRETELLA JÚNIOR, 2006, p. 83). Alves (2000b, p. 290) escudado em vários romanistas, aponta:
Segundo tudo indica, porém, não havia no direito romano, propriamente, duas espécies de casamento. O conceito de casamento era um só. O que ocorria era a possibilidade de ele ser acompanhado de um ato solene – a conuentio in manum – pelo qual o marido (ou seu pater familias) adquiria a manus sobre a mulher. Quando isso se verificava, dava‐se o que, tradicionalmente, se denomina casamento cum manu; em caso contrário – isto é, quando o matrimônio não era seguido da
conuentio in manum –, tinha‐se o que tradicionalmente se chama casamento sine manu. No casamento cum manu o homem sui iuris (não está sobre a
patria potestas de seu pai) ou se alieni iuris (está sobre a patria potestas do pai) seu pater familias adquire a manus (poder marital) sobre a mulher, nesse caso a mulher se desvincula da família de origem e ingressa, na de seu marido, como filha (ALVES, 2000b, p. 289). Nesse casamento, a mulher conserva o status familias anterior ao casamento se fosse alieni juris, mas perde se fosse sui juris porque torna‐se alieni juris.
Escudado em outros romanistas, Alves (2000b, p. 302) mostra: “no direito romano, até o período pós‐clássico, não eram requeridas quaisquer formalidades para que os nubentes manifestassem seu consentimento inicial”. Segundo Gaio (Institutas I, 110 a 113) o casamento cum manu realizava‐se de três modos: farreum, coemptio e usus; nos dois primeiros, o casamento era precedido de determinadas formalidades e no último bastava a coabitação do homem e da mulher durante um ano (AZEVEDO, 2002a, p. 46 e 49).
A confarreatio, que era o procedimento matrimonial reservado ao patriciado, consistia na oferta a Júpiter Farreus de um pão de farinha de trigo (panis farreus), em ritual religioso, perante 10 testemunhas, acompanhado de palavras solenes do sacerdote de Júpiter (flamen Dialis). A coemptio ‘é o casamento privativo dos plebeus, em que a manus se concretiza pela venda simbólica da mulher ao marido’ por meio de ‘cerimônia que se assemelha pela forma, não pelas palavras, à mancipatio (modo solene de transferir a propriedade’ [...] O usus era o modo de aquisição da manus pela convivência de um homem com uma mulher, durante um ano ininterruptamente [...] (AZEVEDO, 2002, p. 46 e 49). Quanto aos efeitos patrimoniais da manus, Azevedo (2002a,
p. 46) ensina que ela “ocasionava a passagem de todos os bens, presentes e futuros, da mulher ao patrimônio do marido, tornando‐se juridicamente, filha deste e irmã de seus filhos, agnada de todos os agnados do marido e herdeira deste”.
Ainda em relação aos bens, Alves (2000b, p. 304) anota que se a mulher é sui iuris, os seus bens ʺpassam a integrar o patrimônio
da família do maridoʺ, ao contrário, se ela é alieni iuris, não possui bens, portanto não há o que transmitir, mas nesse caso o pai da esposa pode dar o dote.
O casamento sine manu era destituído de qualquer formalidade e ʺexistiu em fins da época republicana e começo da imperial” (AZEVEDO, 2002a, p. 47) o homem “não adquire a manus sobre a mulher, que, em virtude disso conserva, além de seus bens, o status familie anterior ao casamento” (ALVES, 2000b, p. 290).
Segundo Rolim (2003, p. 162), no casamento sine manu não havia subordinação como no casamento cum manu, mas havia direitos e deveres recíprocos. Assevera ainda o autor: “O casamento sine manu era geralmente celebrado com separação de bens [...] No século III depois de Cristo o casamento sine manu substituiu definitivamente o casamento cum manu”. Azevedo (2002a, p. 48) clarifica que essa forma de casamento “em fins do século III d.C., era utilizado, normalmente, como modo usual de enlace no período do Baixo Império”.
Quanto às relações patrimoniais no casamento sine manu, verificou‐se que há total independência econômica entre os cônjuges e os patrimônios do homem e da mulher são distintos, além disso, “os romanos jamais conheceram o sistema de autoridade marital para que a mulher pudesse praticar atos de conteúdo econômico” (ALVES, 2000b, p. 304). Nesse sentido, Beviláqua (1979, p. 604) ensina: ʺPelo direito romano, a mulher podia alienar e adquirir bens, estar em juízo como autora ou ré, sem outorga maritalʺ.
Apesar disso, é orientação dos romanistas que nesse direito, a mulher era absolutamente incapaz, porque “se alieni iuris, ficava sob o poder do pai ou do marido; se sui iuris, sob a tutela perpétua, instituição criada para remediar a infirmeza do seu caráter, propter sexus infirmitatem, e suprir sua inexperiência nos negócios; et propter forensium rerum ignorantiam” (PONTES DE MIRANDA, 1983, p. 118). Provavelmente, essas declarações têm como referência as afirmações de Gaio (I, 144), o qual sustentou que ela era debilitada fisicamente em razão do sexo (infirmitas sexus), faltava‐lhe
raciocínio lógico (infirmitas consilii), além de sua inconstância de caráter (levitas animi).
No Direito Romano antigo as relações entre os cônjuges eram regulamentadas pela moral; somente aos poucos ʺa lei, os costumes e o pretor vão atribuindo ao casamento efeitos pessoais entre os cônjugesʺ e estabelecendo o regime de dote no qual, conforme a capacidade ou não dos cônjuges, a mulher, seu pater familias ou um terceiro transfere ao marido ou a seu pater familias, se ele não fosse pater, o dote para auxiliar no sustento dos encargos decorrentes do matrimônio. Outros bens da mulher que não integram o dote continuam a pertence‐lhe, mas, em geral, ʺsão administrados pelo marido (ou, se alieni iuris, pelo seu pater familias), que age, com relação a eles, como mandatário da mulher, devendo restituir‐lhos quando da dissolução do casamentoʺ (ALVES, 2000b, p. 303‐305).
O mesmo romanista continua explicando que embora a propriedade do dote sempre tenha cabido ao marido, a administração desses bens nem sempre se fez da mesma forma nos diferentes períodos que marcaram a história do Direito Romano: no direito pré‐clássico o esposo tinha total liberdade para sozinho administrá‐lo e aliená‐lo (no início dessa época nem a dissolução do casamento lhe retirava esse direito); no direito clássico, apesar de o marido continuar a ser considerado proprietário do dote, havia algumas restrições à livre administração e à alienação desses bens pelo marido, por exemplo, a ʺLex Iulia de adulteriis (18 a.C.) proibiu‐lhe alienar os imóveis dotais localizados na Itália, a menos que houvesse o consentimento da mulherʺ; no direito justinianeu aumentam‐se as restrições: “o esposo não pode hipotecar os imóveis dotais ainda que obtenha o consentimento da mulher; estende a proibição da alienação de imóveis dotais aos situados na província (salientando, porém, que elas seriam válidas se a mulher as autorizasse)”, ademais, o marido é responsável, em alguns casos, pela deterioração dos bens dotais (ALVES, 2000b, p. 307‐309).
Nesse sentido, Rolim (2003, p. 165), comentando sobre as alterações introduzidas por Justiniano, nos primeiros séculos da Era Cristã, quanto às relações patrimoniais, diz que esse Imperador
ʺdeterminou que os pais deveriam constituir um dote em favor das filhasʺ e que esses bens dotais, administrados pelo marido, não podiam ser alienados, sem o consentimento de ambos. Explica o autor:
Esses bens, após o casamento, passavam a ser administrados pelo marido em benefício do casal e não podiam ser alienados sem o consentimento de ambos. Em caso de separação ou divórcio, esses bens dotais seriam devolvidos à mulher ou a seus herdeiros. O mesmo ocorria com as doações propter nuptias, ou seja, aquelas que haviam sido feitas pelo marido à esposa após o casamento (ROLIM, 2003, p.165). Por ser o matrimônio romano um res fact, ou um “ato
consensual contínuo de convivência” (MARKY, 2008, p. 160), ele se constituía por dois elementos de fato fundamentais para a sua existência jurídica: affectio maritalis e honor matrimonni. A primeira, “é o elemento subjetivo consistente na intenção contínua de ser marido e mulher; o honor matrimonii é o elemento objetivo concretizado em uma série de fatos exteriores inequívocos (coabitação, constituição do dote, posição social etc.), pelos quais se exterioriza essa intenção” (CORREIA e SCIASCIA, 1961, p. 124).
Azevedo (2002a, p. 38‐39) acrescenta que o elemento subjetivo é de ordem imaterial ou espiritual, representado pela afeição marital e o objetivo de ordem material, resultante da convivência do marido e da mulher, capaz de gerar obrigações entre os cônjuges. Mostra Bonfante (1946, § 58, p. 182) que esses dois requisitos do matrimônio são, portanto, a convivência e a intenção; Biondi (1957, p. 320) afirma que um é a expressão do outro e nega serem eles elementos distintos.
Para ser justo ou legítimo o casamento civil romano, ensina Azevedo (2002a, p. 44), de acordo com Ulpiano, que deveriam estar presentes “três requisitos: o consentimento recíproco dos esposos, ou de seus patres, se sujeitos ao poder destes; a puberdade e a nubilidade dos nubentes; e o ius conubbi destes, que consistia na posse do status civitatis e do status libertatis, simultaneamente”. Observa‐se que nessa época o casamento civil, embora precedido ou não de formalidades, dava‐se pelos rituais e não por meio de documentos escritos.
Sobre esses elementos presentes no Corpus Iuris Ciuilis, Azevedo (2002a, p. 38‐39) comenta o fato de eles aparecerem nos “dois conceitos de matrimônio, que se mostram no Digesto, o de Modestino e nas Institutas do Imperador Justiniano, provavelmente, o de Florentino ou de Ulpiano”.3 Embora existam suspeitas de interpolações, a grande maioria dos autores concorda que “as duas definições focalizam apenas a essência do casamento sob o aspecto social, não lhe determinando, portanto, a natureza jurídica” (ALVES, 2000b, p. 283).
1.2.2. A concubina e a ausência de consentimento
No Direito Romano, ao lado do casamento cum ou sine
manu existiam três formas para o cidadão romano constituir sua família legítima: “a dos peregrinos, que passavam a conviver sine connubio, a dos escravos e, finalmente, a dos concubinos, que se uniam, livremente, sem o chamado consensus nuptialis”. O mesmo autor acrescenta que, em Roma, o concubinato se caracterizava “pela convivência estável de homem e de mulher, livres e solteiros, como se fossem casados, mas sem a affectio maritalis e a honor matrimonii. Não era proibido, nem considerado atentatório à moral” (AZEVADO, 2002a, p. 151).
Portanto, em relação às formas de instituir a família, ʺao lado das iustae nuptiae cum ou sine manu”, estava, entre outros o concubinato e, ao lado do concubinato estava o casamento de fato, cujo conceito “é um estágio paralelo ao do concubinato, pois, no primeiro, os conviventes sentem‐se marido e mulher, porque são
3 Azevedo (2002a, p. 39) comenta que: no conceito de Modestino: “percebem‐se com nitidez esses elementos, quando assenta que ‘as núpcias são a união do marido e da mulher e o consórcio para toda a vida, a comunicação do direito divino e do humano’ (Nuptiae sunt coniunctio maris et feminae, et consortium omnis vitae, divini et humani iuris communicatio)”. Nas Institutas, “as núpcias, ou matrimônio, são a união do varão e da mulher, implicando uma comunhão indivisível de vida’ (Nuptiae autem sive matrimonium est viri et mulieris coniunctio, individuam vitae consuetudinem continens)”.
casados, embora não nos termos do casamento legislado (civil ou religioso com efeitos civis); no segundo, vivem como se casados fossem” (AZEVEDO, 2002a, p. 111 e 151).
O concubinato, que diverge da simples relação sexual pela estabilidade (BIONDI, 1957, p. 339), era uma instituição de fato meramente tolerada, mas absolutamente fora do direito no mundo pagão e não produzia efeitos em relação aos filhos, à sucessão e aos direitos civis (BONFANTE, 1946, § 63, p. 197).
Como instituto jurídico capaz de produzir efeitos na seara do direito, o concubinato não existia até o direito clássico; no período do direito pós‐clássico, é transformado em instituto jurídico, mas a condição da concubina e de seus filhos é inferior em relação à família legítima, e somente com o Imperador Justiniano o concubinato foi considerado “indene de dúvidas, como instituto jurídicoʺ. Para que a união concubinária fosse considerada legítima, ela deveria preencher ʺos mesmos requisitos que se exigiam às justas núpcias, aplicando, ainda, as disposições relativas aos impedimentos matrimoniais” (AZEVEDO, 2002a, p. 153‐154; ALVES, 2000b, p. 321).
Sobre a natureza do concubinato, Cretella Junior (2006, p. 83) assevera, que no início, era ʺuma união de natureza inferior que não nivela, socialmente, a mulher ao marido e que não subordina os filhos à patria potestas do pai”. Mas essa situação se modificou:
Na época do Imperador Augusto, ele foi regulamentado, indiretamente, por meio da Lex Iulia et Papia Poppaea de maritandis ordinibus e da Lex Iulia de Adulteriis, as quais visavam regulamentar o matrimônio. [...] Mesmo atribuindo alguns requisitos para que houvesse concubinato, como: relação monogâmica entre o casal; idade conjugal; inexistência dos mesmos impedimentos previstos para o matrimônio relativos ao parentesco e à afinidade na linha reta, é consenso entre os romanistas pesquisados que esse instituto, por ser considerado imoral pelos imperadores cristãos, no Oriente “foi abolido por Leão, o Filósofo (886‐912 d.C.); no Ocidente, ele caiu em desuso no século XII d.C.”. (AZEVEDO, 2002, p. 152‐154; ALVES, 2000b, p. 320‐322; BONFANTE, 1946, § 63, p. 198 e RAMOS, 1969, p. 198 apud RIVA, 2013, p. 28 e 32) Quanto às relações patrimoniais entre os concubinos, não se
encontrou junto aos autores consultados qualquer menção.
Crispino (2005, p. 48) anota: “A discussão acerca do regime patrimonial entre os concubinos é matéria muito pouco tratada nos autores de direito romano. Esse último entendimento revela que não existia regime patrimonial entre os concubinos”.
O mesmo autor, em sua tese de doutoramento sobre o tema ora investigado, infere que embora se identificassem alguns negócios realizados entre concubinos, não se encontrou um sistema jurídico para regulamentar as relações patrimoniais, nem se pode afirmar a existência de um regime patrimonial entre eles; no entanto, assevera que os estudiosos da época se preocupavam ʺem traçar o embrião do que hoje se tem como proteção às relações realizadas pelos companheiros, bem como àquelas praticas entre um deles e terceirosʺ. Referente às relações jurídicas com terceiros, conclui ʺque o concubino agia como único proprietário do bem objeto do negócio, não havendo exemplos de negócios relativos a bens pertencentes ao casal que vivia em concubinatoʺ (CRISPINO, 2005, p. 51‐52). Conclusão
Ao abordar as duas formas de união – o casamento e o
concubinato – na sociedade romana, verificou‐se, com poucas divergências entre os autores consultados, que os negócios jurídicos eram sempre celebrados pelo chefe da família, pater familia, e, que, no casamento, a única situação na qual a esposa participava, e isso ocorreu somente à época de Justiniano, era em relação aos bens dotais, já que esses, para serem alienados ou hipotecados, fazia‐se necessário o seu consentimento. Quanto à concubina, como não era exigido o dote, é muito provável que também não fosse exigida sua anuência para nenhuma transação praticada pelo companheiro.
Uma situação que chama a atenção é que tanto o casamento quanto o concubinato, nos períodos que marcaram a história do Direito Romano, e, nos subsequentes a ele, eram uniões de fato, embora, como examinado, no casamento, no último período do citado Direito, já havia, em relação aos bens dotais no matrimônio, previsão legal da necessidade da outorga uxória para a realização de alguns negócios jurídicos.
Quanto ao concubinato, ainda em relação à realização dos negócios jurídicos, nos quais se inclui o contrato, de acordo com o levantamento dos dados, no Direito Romano encontram‐se as raízes que sustentaram a necessidade do consentimento da mulher para a realização dos negócios imobiliários entre os conviventes e terceiros.
A pesquisa encontra‐se em fase de elaboração; os dados apresentados foram os e levantados até o momento e parcialmente analisados.
REFERÊNCIAS ALVES, José Carlos Moreira. Direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 2000a. v. I. ______. Direito romano. Rio de Janeiro: Forense, 2000b. v. II. AZEVEDO, Álvaro Villaça. Estatuto da família de fato: de acordo com o novo código civil, Lei n. 10.406, de 10‐01‐2002. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002a. ______. Teoria geral das obrigações e responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2008. AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002b. BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 4. tir. Edição histórica. Rio de Janeiro: Editora Rio, 1979. BONFANTE, Pietro. Istituzioni di diritto romano. 10. ed. Torino: G. Giappichelli, 1946. CORREIA, Alexandre; SCIASCIA, Gaetano. Manual de direito romano. 4. ed. rev. e aum. São Paulo: Saraiva, 1961. v. I. COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. Tradução de Jean Melville. São Paulo: Editora Martin Claret, 2005. CRETELLA JÚNIOR, José. Direito romano moderno. Rio de Janeiro: Forense, 2006. CRISPINO, Nicolau Eládio Bassalo. A união estável e a situação jurídica dos negócios entre companheiros e terceiros. 2005. Tese (Doutorado em Direito) – FDUSP – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. GOMES, Orlando. Direito de família. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
MARKY, Thomas. Curso elementar de direito romano. 8. ed. 12. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2008. MEIRA, Sílvio A. B. Instituições de direito romano. 4. ed. rev. e aum. São Paulo: Max Limonad, 1971. v. 1. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações 1ª parte. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1983a. ______. Curso de direito civil: direito das obrigações 2ª parte. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1983b. PEREIRA, Lafayette Rodrigues. Direitos de família. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, Livreiro‐Editor, 1869. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983. Tono VIII. RIVA, Léia Comar. União estável e parentesco por afinidade. Campo Grande: Life Editora, 2013. ROLIM, Luiz Antonio. Instituições de direito romano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
LINGUAGEM E LINGUAGEM JURÍDICA: UMA SITUAÇÃO DE DEPENDÊNCIA
Fernanda Peres Soratto Aires David de Lima
O homem é um ser social . A l inguagem do homem está presente em todos os domínios da vida em sociedade, em todas as prof issões . A l inguagem é o instrumento que permite ao indivíduo debater ideias, apresentar opiniões, argumentar em defesa de um ponto de vista, persuadir e ser persuadido (Marcondes Junior).
Introdução A linguagem é o meio pelo qual os homens interagem entre si, sendo fundamental para sua convivência, possibilitando o estreitamento dos laços individuais, e permitindo‐lhes o reconhecimento como humano e o agrupamento em sociedade. Entretanto, a linguagem não se manifesta no seio social de forma única, sua manifestação depende do grupo de indivíduos, de suas características, do ambiente em que estão inseridos, do período histórico corrente, dentre outros fatores.
Nesse contexto, este artigo objetiva discorrer acerca da linguagem, demonstrando sua importância e função social, bem como, conceituá‐la na visão de diversos autores que discutem o tema. Objetiva ainda, abordar a questão da linguagem jurídica, que se manifesta dentro de um grupo social específico ‐ a linguagem do Direito, que por suas peculiaridades possui termos, expressões e jargões próprios da ciência jurídica, o que dificulta o seu entendimento pelos cidadãos leigos.
Assim, se abordará também, neste estudo, as crescentes críticas a esta linguagem, popularmente conhecida como rebuscada e obscura, e a necessidade de sua simplificação, haja vista que o Direito é posto a todos e a todos é necessário o seu entendimento.
1. A Linguagem Os seres humanos são por natureza seres sociais,
dependentes uns dos outros por essência e excelência, para Aristóteles (1999) o homem é um ser essencialmente cívico, pois só é considerado homem quando pertencente ao seio social, necessitando do convívio com outras pessoas para suprir suas necessidades fundamentais de sobrevivência. Aristóteles (1999) defendeu ainda, que foi nesta constante busca por suprir suas necessidades, que o homem agrupou‐se a outros homens, na busca de um bem coletivo, o que resultou nas primeiras células sociais conhecidas.
Contudo, a organização social fundada nas lições do filósofo grego não é absoluta, outras pairam pela história da vida humana sobre a Terra, dependendo da época e do pensamento dominante no momento histórico, porém, o que não se discute é a existência de uma sociedade de homens que, simploriamente, constitui‐se da reunião de indivíduos ligados por uma interação necessária de convivência, vinculo básico, mas não exclusivo dos homens. Para que esses vínculos básicos de convivência se tornassem possíveis, e com isso a própria sociedade humana, necessária foi a criação de meios, mecanismos, ou um conjunto de signos, conforme Saussere (2006), que permitisse a comunicação entre os seus indivíduos. Assim, quando falamos em linguagem, logo nos remetemos a Saussure, o mais antigo estudioso sobre o assunto, para ele
[...] a linguagem é multiforme e heteróclita; o cavaleiro de diferentes domínios, ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica, ela pertence, além disso, ao domínio individual e ao domínio social; não se deixa classificar em nenhuma categoria de fatos humanos, pois não se sabe como inferir sua unidade (2006, p. 17).
Barbiero (2006, p. 01) apresenta que:
Nós seres humanos, ao longo dos séculos desenvolvemos formas diferentes para conseguir um canal eficiente de comunicação com nossos
semelhantes. Nos primórdios, alguns gestos e ruídos animalescos traduziam as vis ideias que a mente símia conseguia produzir. Depois, foram desenvolvidas a palavra falada, a palavra escrita, os meios de comunicação em massa e outras tantas fontes mais.
Assim, estas formas de comunicação humana denominaram‐se linguagem, cuja concepção assenta‐se na perspectiva de diferentes autores, em diferentes épocas. Benveniste (2006, p. 93) argumenta que:
A linguagem é para o homem um meio, na verdade, o único meio de atingir o outro homem, de lhe transmitir e de receber dele uma mensagem. Consequentemente, a linguagem existe e pressupõe o outro. A partir deste momento, a sociedade é dada com a linguagem. Por sua vez, a sociedade só se sustenta pelo uso comum de signos de comunicação [...]. Assim, cada uma destas duas entidades, linguagem e sociedade, implica a outra.
Para Orlandi (1986, p. 10‐11) “ao produzir signos os homens estão produzindo a própria vida: com eles, o homem se comunica, representa seus pensamentos, exerce seu poder, elabora sua cultura e sua identidade, etc”. Leite (2013, p. 218), por sua vez, deixa “[...] claro que todo ser humano nasce dotado de uma capacidade geral chamada linguagem, ou faculdade da linguagem, e que essa capacidade se atualiza, se concretiza em uma língua específica, um conjunto de signos e normas que permitem a comunicação em uma comunidade particular”. Segundo Sapir (1929, apud LEITE, 2013, p. 219) “a linguagem é um método puramente humano e não instintivo de se comunicarem ideias, emoções e desejos por meio de símbolos voluntariamente produzidos”. No dizer de Chomsky (1957, apud LEITE, 2013, p. 219), “a linguagem é um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em seu comprimento e construída a partir de um conjunto finito de elementos”. Em outras palavras Chomsky (2000, apud LEITE, 2013, p. 219) define que “a linguagem é um componente da mente/cérebro humanos especificamente dedicada ao conhecimento e uso da
língua. A faculdade da linguagem é o órgão da linguagem. A língua é então um estado dessa faculdade.” A linguagem, para Carrió (1990, apud CAMILLO, 2011, p. 4) “[...] é a mais rica e complexa ferramenta de comunicação entre os homens”. Além de possibilitar a comunicação entre os indivíduos, a linguagem também “[...] possibilita o intercâmbio de informações e conhecimentos, funcionando, ainda, como meio de controle desses conhecimentos” (WARAT, 1994, p. 37), pois com o controle dos conhecimentos os homens conseguem dominar o mudo em que vivem (ORLANDI, 1986). Segundo Mendes (2011, p. 180), “[...] a linguagem, por compreender uma das mais importantes faculdades humanas, [...] possibilita a interação entre indivíduos e permite a expressão de pensamentos e ideias [...].” Diante do já exposto, a linguagem mostra‐se, pois, imprescindível para a formação e manutenção da sociedade humana, visto que, com seu aparecimento, aos indivíduos foi permitido gerar laços de convivência entre si e domínio dos mais fortes sobre os menos fortes (SANTIAGO, 2001). Para Fiorin (2007) a linguagem é uma criação social, que liga ideologias e media a comunicação entre os homens. Neves (2011, n. p.) esclarece que
[...] a Linguagem é uma faculdade (inata ou adquirida?) que tem o homem de exprimir seus estados mentais, formada, de um lado, pela língua, sistema de signos vocais, que os organiza em uma representação compreensiva em face do mundo exterior objetivo e do mundo subjetivo interior. Esse sistema de signos vocais, utilizado por um grupo social ou comunidade linguística, constitui uma língua particular, assim podemos falar de Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Língua Francesa etc.[...]. De outro lado, temos a fala, segundo componente da linguagem, que é a realização da língua, essa é individual, cada membro de uma comunidade linguística terá o seu “modo de falar”, é o que ele chama de desempenho.
Segundo Medeiros e Tomasi (2004, p. 17), a
Linguagem é um sistema de signos utilizados para estabelecer uma comunicação. A linguagem humana seria de todos os sistemas de signos o mais complexo. Seu aparecimento e desenvolvimento devem‐se à
necessidade de comunicação dos seres humanos. Fruto de aprendizagem social e reflexo da cultura de uma comunidade, o domínio da linguagem é relevante na inserção do indivíduo na sociedade.
Já para Dubois (2000, apud NEVES, 2011, n. p.) a “linguagem é a capacidade específica à espécie humana de comunicar por meio de um sistema de signos vocais”. A linguagem, portanto, pode ser considerada todo o conjunto de signos que sustenta e permeia a comunicação de ideias, ações, sentimentos e acontecimentos, dentre outros, expressada e compreendida pelos diversos órgãos sensoriais. Destarte, classifica‐se em diversas espécies como, a linguagem visual, simbólica, falada, escrita, gestual etc. Sendo que estas constituíssem, de modo geral, por gestos, palavras, sons, sinais e símbolos que permitem a comunicação entre as pessoas. Assim, nos ateremos aqui, somente a comentários referentes à linguagem falada e escrita. Pois, em sociedade, múltiplas e variadas são as expressões da linguagem humana, assim,
O homem pode se comunicar pela forma verbal e/ou não verbal. Para a forma verbal a linguagem oral torna‐se ponto crucial; a forma não verbal pode ocorrer de várias formas, como por exemplo, a linguagem corporal (exemplos: o testemunho de surdos‐mudos pela mímica; a falsidade de um depoimento pode revelar‐se até mesmo pela transpiração, pela palidez ou simples movimento palpebral) e a linguagem do vestuário (exemplo: a toga é um a informação que indica a função exercida pelo juiz e a cor negra sinaliza seriedade e compostura que devem caracterizá‐lo) (DAMIÃO; HENRIQUES, 2010, apud REOLON, 2010, p. 5).
Porém, a linguagem como veículo de comunicação dos indivíduos que a utilizam, às vezes, não funciona corretamente, isso implica dizer, que uma situação de comunicação pode resultar‐se completamente frustrada, quando os interlocutores não compreendem, verdadeiramente, a significação das mensagens ouvidas ou mesmo lidas. Isso ocorre devido a peculiaridades de algumas linguagens, como é o caso da linguagem jurídica.
2. A Linguagem Jurídica É através da linguagem que os seres humanos comunicam‐se uns com os outros, pode se comunicar e trocar experiências, tanto na linguagem escrita ou falada, que não são as únicas formas, podendo variar, seguindo critérios de classificação complexos. No entanto, para este estudo duas se fazem relevantes: a linguagem natural (informal) e a científica (técnica e formal). A linguagem natural “[...] nasce de uma maneira espontânea no seio da sociedade e, destarte, ela não ultrapassa ou transcende a esfera do senso comum (CAMILLO, 2011, p. 4). Para Fernandes (2002, n.p.):
As linguagens naturais são efetivamente criadas por seres vivos e sociais. Linguagens naturais não são originadas de comunicação entre duas entidades isoladas. Pelo contrário, uma linguagem natural é continuamente estabelecida e aperfeiçoada ao longo do processo construtivo e histórico da sociedade de organismos que a criou (grifos do autor).
A linguagem científica, por sua vez, rompe com o senso comum, sendo empregada para a edificação da linguagem especializada (CAMILLO, 2011, p. 4). Assim, para Warat (1994, p.53):
[...] estamos frente a uma linguagem com uma clara pretensão epistêmica, concretizada através de uma abstrata tentativa de expurgar; no plano da linguagem, os componentes políticos, as representações ideológicas e as incertezas comunicacionais da linguagem natural.
Para Fonseca (2010, n. p.):
A linguagem cientifica tem características próprias que a distinguem da linguagem comum. Essas características não foram inventadas em algum momento determinado. Ao contrário, foram sendo estabelecidas ao longo do desenvolvimento cientifico, como forma de registrar e ampliar o conhecimento. Essas características, muitas vezes, tornaram a linguagem científica estranha e difícil para os alunos. Reconhecer essas diferenças implica em admitir que a aprendizagem da ciência é inseparável da linguagem cientifica.
Assim, a linguagem do Direito encontra‐se situada, para muitos, com uma linguagem científica, recheada de técnicas e formalidades, pois possui sentido e estrutura própria (BITTAR, 2010), verificada manifestadamente nos “[...] enunciados e proposições técnicas, aliados ao habitual rigorismo formal existente nas leis, jurisprudência e doutrina são, de fato, técnica (CAMILLO, 2011, p. 5), carecendo que um interprete faça “da literal letra da lei um dado real da vida de existentes e palpáveis cidadãos e cidadãs (BITTAR, 2010, p. 571). Partindo dessas premissas, em se tratando de ciência jurídica, a linguagem possui características próprias, sendo “a pedra fundamental do Direito, pois é por meio dela que esta área em questão se origina e se desenvolve” (MOREIRA; MARTELLI; MAKOWSKI; STUMPF, 2010, p. 140). O Direito, entendido como uma palavra plurívoca, possui uma diversidade de significações, ainda que estas estejam ligadas e entrelaçadas entre si. Segundo Moreira; Martelli; Makowski e Stumpf (2010, p. 140),
[...] o Direito é um instrumento de controle social, desenvolvido e/ou criado da sociedade e para a sociedade, deve‐se encará‐lo como uma instituição que acompanha passo a passo a história da humanidade; é um processo que é passível de mudanças, sendo realizado sempre com vistas à realização do bem comum.
Deste modo, analisado como arte ou técnica, o Direito:
[...] procura melhorar as condições sociais ao sugerir e estabelecer regras justas e equitativas de conduta. Pois é justamente como arte que o Direito, na busca do que pretende, se vale de outras ciências como a Filosofia, Antropologia, Economia, Sociologia, História, Política. Embora Hans Kelsen tenha tentado demonstrar que há uma teoria pura do direito, livre de qualquer ideologia política, o quadro do dia‐a‐dia do Direito traduz outra realidade (VENOSA, 2009, 9).
Em termos sociológicos, o direito é considerado um fato social figurando,
Como instrumento de instauração, desenvolvimento e/ou manutenção da ordem – que possibilita a convivência social ‐, o direito é um fator de equilíbrio social. [...] complexo fenomênico configurado temporal e espacialmente, que sofre mudanças e apresenta manifestação morfológica e significação funcional, patente e latente (CASTRO, 2001, p. 69‐70).
Enquanto ciência, o Direito tem por responsabilidade o entrelaçamento do estudo e a compreensão das normas postas aos homens por delegação de poderes a outros homens, que representam o poder do estatal, objetivando a analise e o estabelecimento de princípios para os fenômenos ocorridos no meio social (VENOSA, 2009). Montoro, citando Hermann Post, define o Direito como “[...] a exposição sistematizada de todos os fenômenos da vida jurídica e a determinação de suas causas” (2000, p. 40). Para Reolon (2010, p. 2),
O Direito é a ciência social que está presente no cotidiano da vida das pessoas, mesmo que elas não percebam: seja na hora do nascimento de uma vida humana, seja quando faz uma compra numa loja, seja quando paga seus impostos, seja quando ocorre um acidente de trânsito, seja quando há uma briga entre vizinhos, seja na hora da morte de um ente querido, apenas para exemplificar. Dependendo do acontecimento, este será “encaixado” em algum ou alguns dos ramos do Direito. O Direito, por ser uma ciência interdisciplinar que se comunica principalmente com a filosofia, a sociologia, a política, a ética, a linguagem dentre outras, torna‐se um elemento de evolução da própria história de um país. Daí a importância do conhecimento e de toda uma postura dos operadores do direito, como protagonistas deste processo de evolução.
Mas para que o Direito, efetivamente, produza os efeitos atinentes a sua conceituação, entra em cena a figura do operador do Direito, com a função primordial de comunicação, já que o Direito é a profissão da comunicação. Conforme Sabbag (2006, p. 15):
Os operadores do Direito são profissionais que se valem, cotidianamente, de enunciados comunicativos para levarem a cabo a exteriorização das normas jurídicas, como as decisões judiciais, os textos doutrinários e as petições.
Desta forma, para que a comunicação se torne eficiente e surta os efeitos esperados dentre os sujeitos do discurso, a linguagem utilizada deverá possuir algumas qualidades, que para Sabbag (2006) resumem‐se em correção, concisão, clareza, precisão, naturalidade, originalidade, nobreza e harmonia. A comunicação correta é aquela obediente à gramática formal, livre de erros e vícios formais; a concisa, por sua vez, “é qualidade inerente à objetividade e à justeza de sentido [...]” (SABBAG, 2006, p. 48); a clara se caracteriza pela limpidez e simplicidade, opondo‐se à obscuridade (SABBAG, 2006). Sequentemente, o autor descreve a qualidade da precisão, fundada nas escolhas corretas dos termos para os textos orais ou escritos. A naturalidade também é fundamental, consubstanciada na simplicidade e espontaneidade; a originalidade, não obstante, é o estilo natural do escritor (SABBAG, 2006). A linguagem nobre “[...] é aquela que não é chula e torpe; [...] não dispensa o véu do pudor e do decoro (SABBAG, 2006, p. 71). Já a harmônica “[...] prima pela adequada escolha e disposição dos vocábulos, pelos períodos não muito longos e pela ausência de cacofonias” (SABBAG, 2006, p. 73). Neste sentido, como dito anteriormente, é pelo uso da linguagem que ocorre comunicação humana, sendo esta a forma de expressão e instrumentalização do Direito em nossa sociedade. Assim, “quando se está a falar de linguagem jurídica, deve‐se, sobretudo grifar, que o discurso jurídico não é um discurso descontextualizado, mas um discurso que se produz no seio da vida social [...]” (BITTAR, 2010, p. 572). Assim, nos dizeres de Reolon (2010, p. 2),
O principal instrumento que o advogado vai usar para se comunicar é a linguagem, sua única “arma” para que possa concretizar seu conhecimento e interagir com seus clientes e também com os demais operadores do Direito. A linguagem utilizada pelo advogado, por ser muito técnica, pode dificultar a comunicação entre o advogado e seu cliente, pois o cliente, nem sempre, ou na maior parte das vezes, tem qualquer conhecimento jurídico (e nem deve ter, por isso contrata um advogado). O advogado, por sua vez, pode não perceber que a comunicação está falhando ou mesmo não está acontecendo.
Contudo, mesmo produzido em contexto social, como mencionado acima, sua linguagem é permeada por peculiaridades própria da ciência, o que nem sempre possibilita o seu entendido por todos, principalmente, daqueles encontrados à margem da linguagem jurídica, ou seja, o leigo. Para isso, a linguagem jurídica carece de interpretação, que não é tarefa fácil, como preceitua Camillo (2011, p. 10), que
[...] a interpretação das normas, à evidência, somente será efetivada a partir de sua leitura inicial. Embora constitua uma tarefa plausível ao leigo – não versado em Direito – somente o bacharel em Direito é que pressupõe deter o conhecimento técnico suficiente para, a partir da leitura da norma, valer‐se das regras de interpretação fornecidas pela hermenêutica, e atingir o significado e alcance das normas jurídicas.
Segundo Venosa (2009, p. 157):
[...] é difícil e exige predicados do especialista. Embora exista toda uma vantagem no domínio da técnica da interpretação, isso não basta. È necessário que o interprete revele experiência e vocação, bem como intuição no sentido crítico, pois a hermenêutica, mais do que técnica ou ciência, é uma arte. A temperança e a serenidade são virtudes maiores do interprete: que deve ser ao mesmo tempo tradicionalista e ousado, na busca do que melhor amoldar‐se ao espírito da lei e do sentido do justo.
Neste contexto, a “[...] interpretação constitui‐se num desafio quando perseguida teoricamente e, sobretudo, quando se procura conferir uma dimensão epistêmica (BITTAR, 2001, p. 93). Bittar (2010, p. 589) defende que:
A interpretação, nesse contexto, significa mais do que normalmente se costuma dizer a respeito. O legislador, conhecedor do papel da interpretação e das possibilidades de sentido que abre, não evita o uso de termos vagos no seio da legislação. Se proposital ou não, tal uso é frequente, [...].
Importante então, que “[...] o profissional que deseja deixar de lado o misoneísmo e tornar seu trabalho mais científico, precisa de muito esforço. Selecionar a palavra exata para transmitir a ideia é tarefa irrefutável para quem quer tornar seu trabalho
diferenciado” (MOREIRA; MARTELLI; MAKOWSKI; STUMPF, 2010, p. 141). Na argumentação jurídica, isso fica evidenciado, visto que a atividade jurídica é essencialmente argumentativa, cabendo ao operador do direito dar sentido e determinar o verdadeiro alcance das normas, enunciados e vocábulos dispostos pelo sistema jurídico. Damião e Henriques (2000, p. 41) esclarecem que:
No Direito, é ainda mais importante o sentido das palavras porque qualquer sistema jurídico, para atingir plenamente seus fins, deve cuidar do valor nacional do vocabulário técnico e estabelecer relações semântico‐sintáticas harmônicas e seguras na organização do pensamento.
Sendo assim, o operador do Direito necessita ser conhecedor da linguagem escrita e falada, dominando suas qualidades e nuanças, bem como conhecedor da linguagem jurídica para poder interpretá‐la, segundo suas reais pretensões, pois isso certamente surtirá efeitos em sua prática argumentativa, fundamental a esta profissão, esclarecendo aos cidadãos leigos os dizeres jurídicos, que a todos são necessários, mas que por poucos são compreendidos. 3. Pela simplificação da linguagem jurídica A linguagem jurídica, distanciando‐se da linguagem natural, é dotada de rigores técnicos e formais, característicos da linguagem científica, visto que,
[...] o cientista [...] age com o objetivo de se distanciar da instabilidade das outras linguagens, visando à impessoalidade, objetividade e clareza, tornando a linguagem precisa e controlável, rompendo com o senso comum (PENA, 2009, 74).
Mesmo eivada de caráter científico, não se pode considerar
que a linguagem jurídica não possua vícios e jargões característicos da sua prática cotidiana. O linguajar jurídico está repleto de termos jurídicos próprios, que ao serem utilizados, possuem sentido somente ao olhar daquele que opera, diariamente, o direito,
como,por exemplo, anticrese, acórdão e jurisprudência. Também não é incomum ao Direito o uso de expressões latinas, como, caput, a posteriori e a priori, que para o sujeito comum não logram sentido algum. Para Realon (2010, p. 10):
Toda profissão tem sua linguagem própria, com características que são peculiares, e que todo e qualquer membro pertencente a ela adota naturalmente no seu exercício. A linguagem para o advogado, no entanto, tem um significado muito mais contundente, uma vez que a linguagem é o instrumento de trabalho para o advogado. Saber fazer uso desse instrumento na medida adequada é bastante difícil para o profissional do Direito.
No mundo jurídico, o uso de expressões e terminologias
próprias só existe porque “há uma linguagem do direito [...] o direito dá um sentido particular a certos termos. O conjunto desses termos forma o vocabulário jurídico.” (PETRI, 2008, apud MOREIRA; MARTELLI; MAKOWSKI; STUMPF, 2010, p. 143). Este vocabulário jurídico, ainda hoje, tem uso muito comum entre os advogados, juízes e demais operadores do direito, pois, para muitos, significam a demonstração de sabedoria, domínio e habilidade na área de atuação, como destaca Lima (2011, p. 4),
[...] ao analisar a linguagem jurídica como um todo, percebe‐se que a mesma ainda é definida por alguns doutrinadores como intocável, que não se pode mexer, pois a mesma é apresentada por suas peculiaridades, ou seja, a mesma tem termos que só são utilizados por ela como ciência. Em vista disso, construiu uma idéia de que falar bem é falar sinônimo de falar difícil. De acordo com tal concepção, aqueles que se expressão de forma prolixa e rebuscada são considerados mais cultos, inteligentes e dignos de maior respeito. O vocabulário utilizado no exercício da atividade jurisdicional acompanhou a ideologia do “falar difícil”, criando‐se um grupo de indivíduos cuja forma de se comunicar o afasta do povo destinatário.
Segundo Sytia e Fabris (2002, p. 23):
A linguagem jurídica exige que os termos estejam sempre em seus devidos lugares, ou seja, empregados especificamente para a situação
determinada. Há de se destacar que um repertório verbal preciso e tecnicamente adequado somente se adquire ao longo de muitas pesquisas e leituras jurídicas, vivência nas lides forenses. Os termos jurídicos adquirem conteúdo semântico próprio e o emprego de sinônimos pode alterar o sentido e desvirtuar a expressão legal.
Gustavo (2008) ao tratar da temática, enfatiza que qualquer tentativa de mudança na forma de comunicação jurídica há de ser polêmica, pois os profissionais mais conservadores alegam a seu favor, por terem uma longa, secular e prestigiosa tradição na linguagem jurídica, não pretendendo abrir mão de seus hábitos linguísticos há tanto arraigados. Sendo assim, constantes críticas têm sido feitas à linguagem jurídica e ao seu vocabulário de termos próprios, visto que devido a suas especificidades, muitas vezes não são compreendidas por grande parcela do público, em razão da imensa quantidade de palavras, expressões, jargões próprios. Para Rodríguez (2004, apud MOREIRA; MARTELLI; MAKOWSKI; STUMPF, 2010, p. 143) isso
[...] revela‐se como pobreza de estilo, como falta de conhecimento ou de segurança para a utilização de outros termos de nossa língua que não somente se expressam com o mesmo valor, como também utilizam uma linguagem mais corrente e permitem troca por outros termos, sinônimos, que acabam por organizar uma construção textual, no mínimo, de leitura mais fluente.
Assim, para Lima (2011), a simplificação da linguagem jurídica não significa a vulgarização ou o completo desuso de termos técnicos necessários à situação, mas sim o combate dos excessos que podem ser banidos sem prejuízo algum para a ciência, facilitando o entendimento do cidadão comum, o que trariam inúmeros benefícios para os que utilizam as vias judiciais para solução de seus conflitos. Assim, para Vianna (2001, p. 1):
A ʺsimplificação da linguagem jurídicaʺ é inadiável. A mudança de mentalidade ganha importância ao se constatar que uma escrita jurídica arcaica, prolixa e rebuscada não reflete apenas na estética das peças processuais, mas na própria efetividade da prestação jurisdicional. [...] Para essa ʺsimplificaçãoʺ, convém lembrar que peças processuais não são
trabalhos acadêmicos, sendo desnecessário recorrer, em regra, a considerações de ordem Histórica ou ao Direito Comparado. Tampouco devem servir de palco para demonstração de ʺconhecimentoʺ ou ʺculturaʺ. Deve, portanto, prevalecer o ʺfimʺ, ou seja, busca pela prestação jurisdicional, e não o ʺmeioʺ, isto é, peças processuais extensas e repletas de ʺjuridiquêsʺ e outras inutilidades.
Conclui‐se então, que simplificar o uso da linguagem do Direito, tornando‐a acessível às pessoas comuns, só produzirá efeitos positivos a está ciência, pois ao se tornar compreensível a todos, sua função lograsse alcançada, bem como, solucionado estarão os conflitos de interpretação tão constantes nesta celeuma. Considerações Finais Pela linguagem as pessoas comunicam‐se todo o tempo, no meio jurídico o seu uso é de grande importância, sendo um instrumento fundamental, visto que a fala e a escrita constituem as ferramentas de trabalho do operador do Direito. Assim, o correto uso dos signos pelos operadores do Direito torna‐se essencial.
A linguagem jurídica deve assumir algumas qualidades importantes, tais como a clareza e a concisão, dentre outras, para que a comunicação nesta ciência torne‐se eficiente e efetiva, abandonando‐se o uso exagerado de termos, expressões e jargões, os quais corrompem e ofuscam a beleza linguagem jurídica.
Atualmente, a sociedade vem preocupando‐se com a questão da linguagem jurídica e seus reflexos no cidadão comum, muitas vezes incapaz de compreender as especificidades dessa linguagem. Embora os inúmeros termos técnicos sejam necessários à linguagem do Direito, cabe aos operadores o bom senso de simplificá‐los, tornando‐os acessível à maioria da população que diuturnamente necessitam dos veículos judiciários para solucionarem seus conflitos sociais.
REFERÊNCIAS ARISTÓTELES. Poética, Organon, Política, Constituição de Atenas. Tradução de Baby Abrão. São Paulo: Nova Cultural, 1999. BARBIERO, D. R. Técnicas Linguísticas‐Discursivas, Paráfrases e Tribunal do Júri. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9514>. Acesso em: 29 out. 2010. BENVENITE. É. Problemas da Linguística Geral II. Tradução Eduardo Guimarães. 2. ed. Campinas, SP: Pontes Editores, 2006. BITTAR, E. C. B. Linguagem Jurídica. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. BITTAR, E. C. B.; ALMEIDA, G. A. Curso de Filosofia do Direito. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2010. CAMILLO, C. E. N. Vícios da Linguagem Jurídica. Disponível em: <http://www.mackenzie.br/fileadmin/Graduacao/FDir/Artigos/camillo.pdf>. Acesso em: 23 out. 2011. CASTRO, C. A. P. Sociologia Aplicada ao Direito. São Paulo: Atlas, 2001. DAMIÃO, R. T.; HENRIQUES, A. Curso de Português Jurídico. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2000. FERNANDES, J. Linguagens Naturais. Disponível em: <http://www.cic.unb.br/~jhcf/MyBooks/ic/3.ProgramacaoBasica/AspectosTeoricos/MaquinasLinguagens/LinguagensNaturais/linguagensnaturais.html>. Acesso em: 18 out. 2013. FIORIN, J. L. Linguagem e Ideologia. 7. ed. São Paulo: Ática, 2007. FONSECA. S. G. Linguagem Científica: Um caminho de regras para um mundo social e cultural nos discursos. Disponível em: <http://www.recantodasletras.com.br/artigos/2614185>. Acesso em: 18. out. 2013. GUSTAVO, P. Por que o juridiquês está sob ataque. Disponível em: <http://www2.informazione.com.br/cms/export/sites/default/desafio21/versaopdf/pdf/492.pdf>. Acesso em: 31 out. 2011. JUNIOR. M. Curso de Português Jurídico. Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/70558072/CURSO‐DE‐PORTUGUES‐JURIDICO>. Acesso em: 18 nov. 2011. LEITE, J. E. R. Fundamentos da Linguística. Disponível em: <http://portal.virtual.ufpb.br/biblioteca‐virtual/files/fundamentos_de_linguistica_1359991629.pdf>. Acesso em: 18 out. 2013. LIMA, R. F. A. Simplificação da Linguagem Jurídica como forma de possibilitar um maior e melhor acesso à justiça pelos cidadãos de baixa instrução. Disponível em: <
http://www.cesrei.com.br/ojs/index.php/orbis/article/viewFile/21/16>. Acesso em 31 out. 2011. MEDEIROS, J. B. Português Forense. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2010. MEDEIROS, J. B.; TOMASI, C. Português Forense: a produção de sentido. São Paulo: Atlas, 2004. MENDES, A. C. C. Um homem vale o quanto vale o seu vocabulário. Disponível em: <http://www.ibge.com.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Retrospectiva2003_2007.pdf>. Acesso em: 26 out. 2011. MIAILLE, M. Introdução Crítica ao Direito. 3. ed. São Paulo: Editora Estampa, 2005. MONTORO. A. F. Introdução à Ciência do Direito. 25. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. MOREIRA, N. S.; MARTELLI, F.; MAKOWSKI, R. M.; STUMPF; A. C. Linguagem jurídica: termos técnicos e juridiquês. Disponível em: <http://editora.unoesc.edu.br/index.php/acsa/article/view/193>. Acesso em: 27 out. 2011. NEVES, L. E. S. Estrangeirismo ou Empréstimo: uma questão lingüística, socioeconômica, cultural e política. Disponível em: <http://www.nead.unama.br/site/bibdigital/pdf/artigos_revistas/96.pdf > Acesso em: 29 out. 2011. PENA, D. P. A. Complexidade da linguagem jurídica e possibilidades de simplificação. Disponível em: <https://aplicacao.mp.mg.gov.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/488/Complexidade%20da%20linguagem%20jur%c3%addica.pdf?sequence=3>. Acesso em: 31 out. 2011. PETTER, M. Linguagem, Língua, Linguistica. In FIORIN, J. L. (Org.). Introdução à Linguística. São Paulo: Contexto, 2002. ORLANDI, E. P. O que é Linguística. 1. ed. 17. reimpr. São Paulo: Brasiliense, 1986. REOLON, S. M. A linguagem jurídica e a comunicação entre o Advogado e seu cliente na atualidade. Disponível em: <http://www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/graduacao/tcc/tcc2/trabalhos2010_2/suzana_reolon.pdf>. Acesso em: 18 out. 2013. SABBAG, E. M. Redação Forense e Elementos da Gramática. 2. ed. São Paulo: Premier Máxima, 2006. SANTIAGO, C. Linguagem: acesso e distância do poder. Disponível em: <http://www.piratininga.org.br/palestras/santiago‐linguagem.html>. Acesso em: 25 out.2001. SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. Tradução de Antonio Chelini, José Paulo Paes e Isidoro Blikstein. 27. ed. São Paulo: Cultrix, 2006.
SYTIA, C. V. M.; FABRIS, S. A. O Direito e suas Instâncias Jurídicas. Porto Alegre: Última Instância, 2002. VENOSA, S.S. Introdução ao estudo do Direito: primeiras linhas. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. VIANNA, J. R. A. Simplificação da linguagem jurídica. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11230/simplificacao‐da‐linguagem‐juridica>. Acesso em: 19. out. 2013. WARAT, L. A. O Direito e sua linguagem. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1994.
MOVIMENTOS SOCIAIS: UMA ESPERANÇA DEMOCRÁTICA DENTRO DO ORÇAMENTO PARTICIPATIVO
Vitor Luiz Carvalho da Silva
Renato Amorim Ailton de Souza
Introdução Nas últimas décadas, em várias regiões da América Latina, pelo menos dois processos políticos distintos engendraram a participação da sociedade civil como princípio relevante na atuação da vida pública. O desenho de políticas públicas, particularmente às de cunho social: de um lado, a emergência da sociedade civil como esfera valorizada da ação política e, de outro, as reformas orientadas para o mercado. (ALMEIDA, 2006). Nos países diversos em que se desenrolaram, tais processos assumiram ritmos e impactos variados. A intenção aqui é, exatamente, focá‐los a partir da realidade brasileira. A valorização da sociedade civil como esfera de atuação política foi resultado do contexto amplo principalmente dos anos 60 a 90, no qual novos movimentos sociais surgiram na cena pública e, no seu conjunto, fazendo uma linha histórica de transição de diversos governos, entre eles o autoritário, centro direita, neoliberal e a social democracia. (ALMEIDA, 2006). As reivindicações de liberdade de imprensa e de expressão, de associação e reunião, de participação no poder, de pluralismo político, melhores condições de trabalho e salariais, e igualdade política no estado de direito, evidenciaram a existência de uma sociedade civil que reclamava para si o direito de fazer política, até então “monopolizado” pelo Estado. Naquela realidade, movimentos variados reivindicaram o reconhecimento de princípios de integração social. Finalmente, a relevância recente da sociedade civil e movimentos sociais deveram‐se às novas práticas e reivindicações protagonizadas pelos novos movimentos sociais
latino‐americanos durante o processo de transição de regimes autoritários para regimes democráticos. (ALMEIDA, 2006) Com fortes influencias vindas da Europa, o sistema político neoliberal, implantado sob o contexto de esgotamento do modelo desenvolvimentista, cuja crise, em parte, é conseqüência daquela hegemonia, a aliança dos partidos políticos deram início e sustentação à agenda de reformas no Brasil que foi resultado de um novo consenso elaborado no seio das elites políticas e intelectuais brasileiras a respeito da “estratégia de desenvolvimento”. O processo de restauração das instituições democráticas abriu, para o campo movimentalista, a partir do inicio dos anos 80, terrenos novos para a disputa dos rumos da democracia. Pouco a pouco, e em meio a conflitos internos, a defesa da autonomia, dentro daquele campo, foi‐se combinando com a reivindicação, mais enfática, da participação social nas políticas públicas. Tal reivindicação, que esteve fortemente presente no período da Assembleia Nacional Constituinte e que teve no Partido dos Trabalhadores seu suporte partidário privilegiado, aspirava à construção de novos espaços institucionais que permitissem com que as decisões políticas resultassem de um processo público amplo de explicitação e negociação dos diferentes interesses que perpassam o tecido social, tendo em vista, uma maneira de participação da esfera política, a social democracia, representada pelo partido dos trabalhadores, cria um programa integralista, que dá o direito à sociedade de participação e destinação de recursos para fins estratégicos eleitos pela sociedade como importantes, chamado de orçamento participativo, que tem como um dos modelos de aplicação o estado do Rio Grande do Sul, na cidade de Porto Alegre.
No ambiente de 1988, havia, pois, os elementos favoráveis ao surgimento de uma proposta como a do orçamento participativo. Havia a trajetória política no campo social, representado pelo PT e os demais partidos aliados, e havia a experiência de ativismo social, de organização e de luta do movimento comunitário de Porto Alegre. O nascimento do OP obedeceu á combinação desses dois elementos. (SÁNCHEZ, 2002, p.22)
O modelo de orçamento participativo (OP), que deu certo em Porto Alegre no Rio Grande do Sul, não deu certo nos demais estados devido ao momento político, que não se preocupava com a questão popular; Porto Alegre já desenvolvia projetos de participação popular, que veio a se consolidar no fim da década de 1980 onde o Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu o poder municipal. O orçamento participativo nasce de um processo histórico de luta de movimentos sociais que ocorreu na América Latina e em especial no Brasil, o orçamento participativo é apenas um dos seguimentos dentro de vários outros em que se transformaram os movimentos sociais nos dias de hoje, e são a estes que dedicamos o estudo de nossa pesquisa. 1. Discussão
Os movimentos sociais na América Latina, sem dúvidas,
foram muito importantes para o desenvolvimento do continente, contudo, especifico‐me tencionar a pesquisa com um olhar nos movimentos sociais do Brasil, a fim de delimitar e objetivar a minha pesquisa. A primeira ação coletiva de caráter reivindicatório no Brasil, ainda que bastante acanhado devido ao momento histórico e suas amarras que prendiam a sociedade trabalhadora em grilhões, através dos aspectos econômicos, culturais e sociais, fazendo com que o trabalhador desenvolvesse uma cultura de submissão e aceitação; essas primeiras ações coletivas tiveram inicio no século XX com operários, camponeses, indígenas, comunitários cristãos etc. Desse momento em diante começou a se desenvolver uma cultura política de caráter critico e autônomo perante o estado, que até então já sofria influências da igreja católica, sendo ela a religião oficial do Brasil.
Será apenas em meados do século XX que as contestações populares assumem um caráter mais politizado, com relativa crítica e autonomia em relação ao Estado, exercendo pressão política para transformações na estrutura social, como as Ligas Camponesas e os movimentos comunitários ligados à teologia da libertação, em vários países latino‐americanos e, já nas décadas de 1970‐1980, o novo sindicalismo e vários
“novos movimentos sociais” na América Latina. (SCHERER‐WARREN, 2008, p.506).
Os movimentos sociais brasileiros caminharam juntos com
as diversas transições do estado (entre eles a ditadura militar que teve seu auge em 1964 e o término em 1985) e com o processo de desenvolvimento industrial do país. As más condições de trabalho, entre elas as longas jornadas diárias e o salário precário, faz com que os trabalhadores se unam para reivindicar melhorias, a burguesia, como forma de manutenção do seu status quo, crie uma alternativa, para frear os movimentos sociais que acabara de nascer, a aristocracia brasileira, em parceria com o estado, inicia um processo de desenvolvimento do país, e como medida de contenção das organizações sociais, criaram um nacionalismo indenitário, obrigando o trabalhador a trabalhar pelo “desenvolvimento do país”. Apesar de estar nascendo os movimentos sociais e uma militância política no Brasil, não é possível atingir toda a classe trabalhadora, a repressão feita pela aristocracia a fim de coagir e punir quem fazia militância contra a organização do estado e as péssimas condições de trabalho, era evidentemente muito forte, deixando os movimentos dispersos e enfraquecidos. Essas organizações sociais ainda como força política não eram forte o bastante para consolidar os direitos da classe trabalhadora, foi necessário a criação de um sindicato para representar os trabalhadores e uma pauta reivindicatória para legalizar seus direitos.
No período ditatorial do Brasil, a luta dos movimentos sociais foi bem abrangente, não era apenas mais a luta da classe trabalhadora em si, mas sim a luta de todos: índios, idosos, universitários, sindicatos, movimento negro, movimento da mulher, o estado era o inimigo incomum da população.
São movimentos de segmentos sociais excluídos, usualmente pertencentes às camadas populares (mas não exclusivamente). Podem‐se incluir, nesse formato, as lutas das mulheres, dos afro‐descendentes, dos índios, dos grupos geracionais (jovens, idosos), grupos portadores de necessidades especiais, grupos de imigrantes sob a perspectiva de direitos, especialmente. Dos novos direitos culturais construídos a partir de princípios territoriais (nacionalidade, Estado, local), e de
pertencimentos identitários coletivos (um dado grupo social, língua, raça, religião etc.). (GOHN, 2008, p. 440).
A repressão do estado não ficou apenas no campo político, contou com apoio das grandes mídias para controlar as massas através dos meios: intelectual, visual, cultural e esportivo, forçando as massas a acreditar que o regime militar era a melhor forma de governo; a mídia também disseminava a idéia nacionalista, a paixão pelo futebol foi um dos maiores símbolos de nacionalismo nessa época, que perdura até hoje. Tudo isso aliado ao capital internacional que era investido em multinacionais pelo país. Antes do período militar, mas precisamente no mandato de Getúlio Vargas, o Brasil tinha uma economia de terceiro mundo, mas um marketing de primeiro. As propagandas das multinacionais nas redes de comunicação, as falsas noticias da mídia, tornaram a luta dos movimentos sociais muito mais difíceis. Um dos maiores problemas enfrentados pelos movimentos sociais brasileiro, vividos até hoje, é a vandalização dos movimentos sociais por parte das mídias, deslegitimando a luta e criando estigmas sociais.
No fim do século XX, o Brasil adota um sistema político chamado neoliberalismo, esse sistema político veio para amortecer os conflitos sociais, alguns movimentos sociais viram como necessária a burocratização do movimento para poder ter um melhor diálogo com os governantes, criando estatutos, sedes etc, mas dessa maneira o governo agia como forma de tutor, pois esses movimentos burocratizados ficam presos nas leis, vendo única alternativa a luta pelo viés jurídico.
Teorias que destacam a capacidade de resistência dos movimentos sociais, a partir de elaborações sobre o tema da autonomia, de formas de lutas em busca da construção de um novo mundo, de novas relações sociais não focadas ou orientadas pelo mercado, da luta contra o neoliberalismo. Nessa abordagem, critica‐se veementemente a ressignificação das lutas emancipatórias e cidadãs pelas políticas públicas que buscam apenas a integração social, a construção e produção de consensos, conclamando para processos participativos, mas deixando‐os inconclusos, com os resultados apropriados por um só lado, o que detém o controle sobre as ações desenvolvidas. São as cidadanias tuteladas, geradas nos processos de modernização conservadora. Trocam‐se identidades políticas construídas e tecidas em longas
jornadas de lutas, por políticas de identidades construídas em gabinetes burocratizados (GOHN, 2008, p. 403).
Essa nova transição que passa uma parte dos movimentos
sociais, na qual me limito a falar, tem a sua inserção nos processos associativos e participativos, tornando essas novas formas de lutas, burocráticas, pois, através do viés jurídico, o estado, como detentor dessa extensão que faz parte de seu poder, consegue impedir os movimentos sociais que por ventura optaram por esse viés jurídico, a cooptação é uma realidade dentro dessa simbiose política, os lideres dos movimentos sociais são calados com negociações, que se limitam com pequenos reajustes salariais. Essas organizações representativas, com o tempo, estão perdendo adeptos devido à burocratização e a não confiabilidade nos representantes lideres das organizações representativa, tendo em vista que muitos deles defendiam o próprio interesse ao invés dos interesses do coletivo, outro fator muito importante é que muitos lideres dessas organizações representativas eram aliados do governo e não defendiam os interesses de seus representados, possibilitando e dando lugar cada vez mais a auto representação do individuo ou o sentimento de não ser representado por nenhuma organização, criando uma apatia política.
Com essa desfragmentação dos movimentos sociais e o novo sistema governamental, o neoliberal, criou‐se na sociedade uma apatia política de tal modo que não é mais espontâneo o interesse social da escolha dos lideres políticos que deveriam legislar em favor da população, o que é preocupante.
O comentário de Warren levanta uma questão importante: da maneira como o conceito de ‘sociedade civil’ tem sido utilizado pelos autores resenhados anteriormente exclui determinados tipos de organizações cívicas que são fundamentais no funcionamento da democracia, especialmente no sentido de mediar entre Estado, mercado e componentes mais ‘isolados’ da sociedade civil. Desse modo, nas críticas feitas, Warren e Chandoke trazem uma preocupação que aparece, como veremos mais adiante, em boa parte da literatura brasileira e latino‐americana sobre sociedade civil: a rejeição cada vez maior de perspectivas que insistem que movimentos sociais se mantenham sempre distantes do Estado. (ABERS, 2011, p.59).
Por outro lado, uma das organizações sociais que vem dando certo no Brasil e na America Latina, no século XXI, ainda que receba bastantes influencias do liberalismo, é o orçamento participativo, que nascem no inicio de 1980. A trajetória de implantação do Orçamento Participativo aconteceu num período de grandes mudanças em nível nacional, marcado por eleições em diferentes níveis. O novo modelo de gestão instaurado na cidade de Porto Alegre a partir de 1988 passou a garantir a expansão dos espaços de relacionamento para os cidadãos e, por conseguinte, a possibilidade de um verdadeiro exercício da cidadania. (ROSSI, 2002)
Ao analisar a origem da proposta OP, serão examinadas suas raízes comuns relacionando‐as com o chamado “modo petista de governar” e com a tradição programática do partido dos trabalhadores em matéria de administração local, participação popular e democrática. Menos por vontade do autor‐ que gostaria que a proposta de participação cidadã no orçamento fosse mais difundida por todos os segmentos da sociedade, independentemente do partido político‐ apresenta‐se o OP como uma “criação petista” surgidas nas circunstâncias da formação do partido e das características marcantes da conjuntura no final dos anos 1980. Nesse período ocorreram a crise do estado desenvolvimentista, a crise da ditadura militar e a ascensão de um amplo leque de forças sociais e políticas que uniram o PT, as redes movimentalistas, a igreja progressista e o movimento sindical, dito “autêntico”. (SÁNCHEZ, 2002, p.19). O orçamento participativo é apenas um modelo vindo das
organizações sociais, nas quais os movimentos sociais vêm se transformando nos dias de hoje. Essa forma de gestão inovadora foi bem positiva no estado do Rio Grande do Sul, mais precisamente em Porto Alegre, cabe ressaltar, que, o orçamento participativo, como um tipo de gestão publica, é visto como uma democracia direta, não eliminando os mesmo meios de uma democracia representativa.
Maria Victoria Benevides expressa em sua visão dos mecanismos da democracia participativa na construção dos alicerces de uma nova sociedade ao assinalar “uma convicção muito profunda sobre a incompatibilidade radical entre democracia e capitalismo, no sentido de que o capitalismo é cada vez mais, nesse modelo globalizado e
neoliberal, o inimigo principal da democracia”. Paralelamente a essa questão, ganha força a defesa da democracia direta como mecanismo de construção de instituições democráticas de novo tipo que alicerçariam o socialismo democrático – a nova sociedade transformada pela superação da sociedade capitalista. Nessas visões, o próprio orçamento participativo é visto como forma de democracia direta que não exclui os mecanismos da democracia representativa, agindo de forma positiva como um “corretivo aos seus vícios e mazelas já por demais conhecidos em nossa cultura política”. (SÁNCHEZ, 2002, p. 51).
O processo de organização dentro do orçamento
participativo funciona na descentralização das assembleias, que são distribuídas e espalhadas em dezesseis regiões dentro da cidade de Porto Alegre, onde os moradores são os atores sociais que discutem e deliberam sobre as questões urbanas evidenciando os problemas e propondo soluções, contribuído com a prefeitura no desenvolvimento do município. Essa participação social dentro da vida pública, tenta contribuir para a extinção de problemas como: saneamento básico, pavimentação, iluminação, saúde, educação, segurança, etc. Segundo Félix, a instauração de mecanismos como o OP, considerado como uma força inovadora de intervenção estatal representa a saída para realizar uma real democratização da sociedade, combatendo a exclusão social e fortalecendo a coletividade (SÁNCHEZ, 2002)
As Assembleias Regionais ocorrem em cada uma das 16 regiões da Cidade, enquanto as chamadas Plenárias Temáticas, criadas mais recentemente e em número de cinco‐Transportes e Circulação; Educação, Lazer e Cultura; Saúde e Assistência Social; Desenvolvimento Econômico e Tributação; Organização da Cidade e Desenvolvimento Urbano—acontecem em locais que independem do recorte regional. É importante salientar que a regionalização do Orçamento Participativo se deu mediante critérios sócio‐espaciais, de acordo com a tradição organizativa dos movimentos de moradores na Cidade e não obedecendo a critérios exclusivamente ʺtécnicosʺ de zoneamento urbanístico, como estabelecia até então a divisão regional do Plano Diretor da Cidade de Porto Alegre. Em conjunto, as duas modalidades de participação geram 21 assembleias (16 Regionais e cinco Temáticas), que ocorrem em duas ‘rodadas’ oficiais por ano, isto é, em dois ciclos anuais de 21 assembleias populares, as quais se diferenciam segundo as suas pautas de trabalho, conforme se verá mais adiante. As duas rodadas anuais de Assembleias Regionais e Temáticas são abertas à
participação individual de qualquer morador da Cidade e às representações das entidades civis. As assembleias contam com a presença do Prefeito e dos Secretários de Órgãos Municipais, sendo coordenadas por integrantes da Administração Municipal e por representantes comunitários. Antes das assembleias anuais, há reuniões preparatórias dos moradores, as quais são realizadas, geralmente, durante o mês de março e organizadas mediante uma dinâmica autônoma, isto é, sem a coordenação por parte da Prefeitura Municipal Essas reuniões preparatórias dão inicio ao levantamento das demandas dos moradores individualmente, das instituições comunitárias de base e/ou dos grupos organizados que atuam em cada região ou no âmbito das Plenárias Temáticas. Nessas reuniões preparatórias, são também iniciadas as articulações das comunidades para a escolha dos seus representantes junto às instâncias supra‐regionais do OP, como, por exemplo, o Conselho do Orçamento.(FEDOZZI,1998, p. 250)
Com a construção de um modelo de participação que engloba a sociedade civil, o orçamento participativo possibilita uma reforma substancial sobre as relações das pessoas e do Estado e a gestão pública. Essa proposta do orçamento participativo desvincula os arranjos de interesses entre governo, grupos empresariais, limitando o clientelismo e a corrupção. “Começa a se democratizar radicalmente a relação do Estado com a sociedade civil; as pessoas não mais limitam sua participação política ao ato de votar em dia de eleição”. (DUTRA. 2001). A sociedade amadurece sua relação com a Gestão Pública, modificando e alternado suas formas culturais. As pessoas adquirem uma nova dimensão política, na qual, a sua participação é mais ativa, exercendo o seu papel democrático e de cidadania.
Assim, política e culturalmente, o orçamento participativo é também a negação da ideologia neoliberal e da hegemonia do pensamento único: prega e pratica o controle público sobre o Estado e se efetiva desde o início, de modo aberto e pluralista. Dessa forma, as 22 regiões do orçamento participativo no Rio Grande do Sul vão se tornando espaços fecundos nos quais se desenvolve uma verdadeira opinião pública independente. Espaços que não podem ser instrumentalizados nem pelos partidos, nem pelo governo. (Dutra, 2001, p.9).
As pessoas das comunidades que participam do orçamento participativo não lutam apenas por suas demandas, mas ao longo
das participações elas vão adquirindo uma visão total da cidade, do estado e do país, tornando‐se cidadãos ativos e críticos, disseminando consciência sobre os problemas sociais, colocando se contra as tentativas de dominação. Trata‐se de um processo que vai progressivamente se aperfeiçoando e fazendo desabrochar a consciência crítica da população e, com ela, a noção de responsabilidade coletiva de cada um com a coisa pública. (DUTRA, 2001). Esse espaço participativo é uma experiência de democracia participativa, isso rompe a barreira tecnocrática e o menosprezo pela gestão púbica. Transformando a ética política em algo pautável e concreto, afastando as mazelas da corrupção.
Entretanto, não encaramos essas conquistas nem de forma meramente administrativa, nem de maneira idílica, como se tudo estivesse funcionando às mil maravilhas. Ao contrário, temos plena consciência de que esse processo revolucionário situa‐se em um contexto de exacerbada luta entre dois projetos distintos. As elites tradicionais sabem perfeitamente que esta prática dá um conteúdo real à democracia, acabando com os privilégios, com o clientelismo e, em última análise, com o poder do capital sobre o conjunto da sociedade. (DUTRA, 2001, p.12)
O orçamento participativo é um contra peso na luta de
classes, que reorganiza a sociedade colocando a população sobre o comando da gestão pública. Tirando da aristocracia parte do poder que antes era usado em seu próprio benefício. Com a população no poder através do orçamento participativo, a elite na tentativa de manter o seu status quo, cria uma oposição política e ideológica de caráter neoliberal, que vai contrariamente aos fins do orçamento participativo, esse entrave dificulta a ação do orçamento participativo dentro do parlamento, a aristocracia conta ainda, com toda a mídia ao seu favor, afinal, são proprietários dela. O papel da mídia desestabiliza os feitos do orçamento participativo, vandalizando toda a ação da popular na busca por melhorias.
Nossos adversários de projeto de sociedade sabem bem disso, tanto que os partidos alinhados com a ideologia neoliberal buscam nos meter, no parlamento, a um cerco raivoso e irracional, enquanto os principais meios de comunicação distorcem os fatos e assumem abertamente o
combate a esse processo democrático. Eles percebem, talvez por instinto de classe, que o orçamento participativo é um instrumento de protagonizou do nosso povo para a formulação ampliada da socialização da política; é o surgimento de estruturas que levam à luta pela hegemonia democrático‐popular, sinalizando a superação da sociedade de exploração, apontando para a possibilidade de criação de uma sociedade autogestionária, humanista, democrática e libertária – a sociedade socialista. (DUTRA, 2001, p.12)
Com essas práticas da aristocracia, que tenta manipular e controlar a população através de seus veículos de comunicação, ela não tenta acabar apenas com o orçamento participativo, mas também com a participação popular dos conselhos municipais de saúde consolidados no processo de municipalização solidária; a Constituinte Escolar, os comitês de gerenciamento das bacias hidrográficas e os diversos canais de participação popular em processo de construção ou de aperfeiçoamento em todas as áreas da esfera pública referenciam um projeto efetivamente democrático no Rio Grande do Sul, em que o ser humano é o centro e o protagonista das políticas de governo. (DUTRA, 2001). Com a população ocupando esses espaços, fica difícil a aristocracia conseguir manter o seu poder e a sua hegemonia. O orçamento participativo não fabrica dinheiro, mas fabrica uma coisa muito especial, o protagonismo, a cidadania, e a critica. Isso aumenta a cobrança sobre o governo, mas também as propostas alternativas, já que um número crescente de pessoas se dispões a pensar, a discutir e produzir politicas.
Outro ponto que considero muito importante, tanto na reflexão mais histórica e acadêmica como na observação das práticas concretas da democracia direta, é que o orçamento participativo e as demais formas de democracia direta nos levam a perceber com clareza a superação da velha dissociação, da velha dicotomia, entre o Estado e a sociedade civil, vigente até hoje tanto entre liberais como entre antiliberais. O que diz Olívio? Que o importante no orçamento participativo é à força de uma cultura nova que exige o controle público sobre o Estado. E aí ele diz, e eu reforço: isso significa dizer não ao Estado mínimo, mas também ao Estado que pretende ser maior do que a sociedade. Assim, com a vigência dessas formas de democracia direta ocorre uma abolição das fronteiras rígidas e tradicionais entre Estado e sociedade civil. Quando me refiro ao controle público sobre o Estado, estou pensando também
em uma via de mão dupla: controle público da cidadania sobre o Estado e a obrigação do Estado prestar contas. Às vezes, vejo com certa ironia meus colegas tucanos, acadêmicos, que insistem muito na tal de accountability, ou seja, a obrigação do governo de prestar contas. E são justamente os governos que eles apoiam que não prestam contas à sociedade, não se sentem responsáveis perante o povo, nem no Executivo nem na instância de poder na qual estão inseridos. (DUTRA, 2001, p.26)
Ao ocupar essas lacunas no espaço publico a população, principalmente com o orçamento participativo, obriga seus representantes políticos a prestar contas do que esta acontecendo dentro da gestão de seu mandato no cargo público. Essa atividade sem a participação da população era desempenhada pelo governo com forme lhe era favorável, ou seja, o estado exercia um domínio sobre a população, mas com a participação popular na vida publica a população exercendo o seu direito de cidadania, passa a ter o controle sobre o estado e o estado sobre a cidadania. Através de sua organização pelo viés, orçamento participativo, não se omite da sociedade informações, pelo contrário, as informações são passadas com clareza, fazendo cumprir também outra exigência que é a socialização dos resultados. Os que participam das assembleias têm o direito de participar também da discussão e da avaliação dos resultados. (DUTRA, 2001). O papel que o orçamento participativo desempenha, deveria se refletir dentro dos partidos políticos, para entender as diferentes realidades que as regiões do Brasil têm, e fazer com que essas realidades se reflitam em melhorias, em conversas com a população, para que os direitos democráticos de todos sejam atendidos.
É preciso ter claro, contrariando velhas crenças, que o partido não é a vanguarda. O partido tem de permitir a independência da opinião e o pluralismo da participação, como bem lembrou o Olívio, e também respeitar as particularidades locais e regionais. Isso num país como o nosso, com uma diversidade política, social, econômica e cultural tão grande e tão rica, deve ser um ponto da nossa especial preocupação. (DUTRA, 2001, p29)
Visto isso, é necessário que os partidos políticos faça uma
aproximação com a população, para que sejam discutidos
problemas de ordens públicas, fazendo uma interação com governantes e governado. Esse exercício de interação que deveria ser desempenhado pelos partidos políticos, contribuiria para o entendimento politico das particularidades especificas de cada região, permitindo a resolução de demandas apontadas pela população, com melhores planejamentos e aproveitamento do dinheiro público. Conclusão O trabalho foi uma clara visão do quanto é complexa e contraditória essa burocratização dos movimentos sociais como uma forma de luta dentro do orçamento participativo. Compreendendo tanto as relações ambíguas com relação ao governo, afinal a idéia de orçamento participativo está ligada a uma parceria com o governo, para contribuir com uma melhor aplicação de recursos dentro da sociedade, como também as reivindicações sociais e relações nas quais a população enquanto um movimento social, dentro de um processo associativo, estabelecendo uma disputa de poder; pleiteando recursos, enquanto uma esfera deliberativa, transitando dentro de um espaço institucional e social. Os movimentos sociais dentro deste processo associativo, ainda que bastante burocratizados e limitados, consistem em uma forma de emancipação social, que visa buscar melhorias para sociedade. Esses novos movimentos sociais ligados ao processo associativo, possibilitam novos patamares políticos dentro de uma democracia participativa, que busca discutir e planejar melhorias e uma melhor aplicabilidade dos recursos públicos.
O orçamento participativo não é uma coisa mágica que irá solucionar todos os problemas da democracia, ainda está longe de ser suficientemente bem implantado em diversos estados do Brasil, nesse momento o orçamento participativo é uma experiência a nível regional, que pode levar certo tempo para disseminar em todas as regiões do Brasil, esse processo ainda encontra‐se em fase de aperfeiçoamento. Por ele passam a questão da participação, da representação, do controle público sobre o Estado, do
protagonismo, que torna as pessoas construtoras da mudança, sujeitos e não objetos da política. (DUTRA, 2001). O orçamento participativo como citamos anteriormente não é algo tido como certo, que irá resolver as lacunas da democracia, mas no momento é o melhor mecanismo democrático que temos, levando as pessoas a exercerem seus direitos, participando da vida pública.
O orçamento participativo revitaliza a ética política, afrontando com uma maré de corrupção que assombra e revolta os brasileiros. A democratização da politica através do OP é uma grande oportunidade da população de se entrelaçar com a vida pública, de desmitificar a politica como algo sujo e desonesto. O processo de democratização da politica não pode passar nesse momento sem o Orçamento Participativo. O papel da O.P é de compartilhar responsabilidades, através da participação popular e da aceitação de decisões, num processo educativo. (BRANDÃO, 2003). Somente com uma politica de participações é que a comunidade poderá tornar‐se uma sociedade ativa na gestão pública, fortificando suas relações e suas ações contra as armadilhas das ‘raposas felpudas’ da politica. O povo, sem os vícios da velha política, das velhas raposas ‘felpudas’ da política, começa a perceber como é bom fazer politica, que é gostoso, que vale a pena, que é um caminho, que não é coisa suja não. (BRANDÃO, 2003).
O exercício da democracia dentro do orçamento participativo faz com que o convívio e a organização social pautado na cidadania, tenha, uma melhora significativa, criando na população um respeito mútuo que supera o individualismo, atingindo uma emancipação popular, autônoma e consciente. REFERÊNCIAS ABERS, Rebecca. Movimentos sociais na teoria e na Prática: como estudar o ativismo através Da fronteira entre Estado e sociedade? Sociologias, Porto Alegre, ano 13, nº 28, p. 52‐84, set./dez. 2011.
ALMEIDA. Carla Cecília Rodrigues. O marco discursivo da participação solidaria e a redefinição da questão social: construção democrática e lutas políticas no Brasil. Campinas, 2006. BRANDÃO, Elias. Orçamento participativo: avanços, limites e desafios. Maringá: Massoni, 2003. DUTRA, Olívio. Orçamento participativo e socialismo. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. FEDOZZI, Luciano. Esfera Publica e cidadania: a experiência do orçamento participativo de Porto Alegre, Ensaios Fee, Porto Alegre,v.19,n.2,p236‐271,1998. GOHN, Maria da Glória. Abordagens teóricas no estudo dos Movimentos sociais na América latina. Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 439‐455, set./dez. 2008. ROSSI, Olinto. Orçamento participativo e a formação para a cidadania, Rio de Janeiro, 2002. SÁNCHEZ, Félix, Orçamento participativo: teoria e pratica. São Paulo: Cortez, 2002. SCHERER‐WARREN, Ilse. Redes de movimentos sociais na América latina caminhos para uma política emancipatória? Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p. 505‐517, set./dez. 2008.
II.
EDUCAÇÃO: CONHECIMENTO, INCLUSÃO
E PRÁTICAS SOCIAIS
“EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E SOCIEDADE” E “EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA”: CONVERGÊNCIAS OU
DESAPROXIMAÇÕES
Douglas Gonçalves da Silva Introdução No início do ano de dois mil e doze, foi submetido ao parecer técnico da seleção de bolsas do curso de pós‐graduação stricto sensu, mestrado em Educação Matemática de determinada Universidade, o projeto de pesquisa/dissertação intitulado “O ensino de frações na perspectiva marxiana: possibilidades para Educação Matemática”, cujo resumo era:
A essência desta pesquisa é provocativa, a reflexão filosófica direcionada ao rompimento do modelo tradicional e técnico, consolidado pelo pensamento paradigmático de ensino de Matemática técnico e tradicional prevalecente na atualidade, conduz todo o processo. A ideia é, depois de analisar o pensamento marxiano (em suas diferentes vertentes), o conteúdo matemático de frações e as considerações acerca da Educação Matemática, materializar o processo de ensino permeado por todo esse raciocínio, para isso, serão fundamentos teóricos do trabalho, os pensamentos de Karl Marx, Althusser, Max Weber, Émile Durkheim entre outros escritores da Educação Matemática. A pesquisa se configura como qualitativa e bibliográfica. Nos resultados pretende‐se observar o diferencial em oferecer, no momento da aprendizagem, conhecimento acerca dos condicionantes sociais a fim de oferecer elementos do conteúdo condizentes com as possibilidades de aprendizagem, contribuindo assim para a legitimação da Educação Matemática enquanto movimento revolucionário do ensino de matemática.
Serão resguardados os nomes do autor, do orientador, bem
como da Universidade vinculada a este fato, por essas informações não serem relevantes para o desenvolvimento do raciocínio exposto nas linhas seguintes.
O projeto em questão obteve o seguinte resultado como resposta do parecer:
O Candidato tem bastante experiência profissional, tanto como
professor, como coordenador. Entretanto, sua vivência prática (não apresenta relação com a pesquisa) não está ajudando no amadurecimento da pesquisa. Assim, supõe‐se que o candidato vá ter dificuldades no enfrentamento do problema. O resumo do candidato não está claro, nem apresenta as informações
importantes sobre a questão e a condução da pesquisa, tais como os procedimentos metodológicos. No trecho abaixo, tem‐se a idéia de que o candidato pretende apresentar uma proposta de ensino de frações. Porém na leitura do projeto, percebe‐se que não haverá tal proposta. “A ideia é, depois de analisar o pensamento marxiano (em suas
diferentes vertentes), o conteúdo matemático de frações e as considerações acerca da Educação Matemática, materializar o processo de ensino permeado por todo esse raciocínio,...” Pelo o que é possível entender, os objetivos são puramente teóricos, e
fogem do que é apresentado como objeto de análise – o ensino de frações. Os objetivos não são coerentes com os referenciais teóricos. Apesar dos autores apontados na revisão de literatura serem
relevantes para o estudo, não será possível, dentro do prazo, conhecer o pensamento de todos com profundidade suficiente para a realização da pesquisa. Além disso, outros autores mais acessíveis e pertinentes ao assunto não foram citados. Seria interessante dialogar com Skovsmose, por exemplo, ou outro autor do Movimento da Matemática Crítica. O candidato não apresentou um aporte metodológico condizente com seus objetivos, aliás, nem poderia, pois seus objetivos não estão claros. O tema da pesquisa proposta é relevante e a proposta de fazer uma
revisão bibliográfica também. Porém não fica claro a relação entre o objeto “ensino de frações” e o estudo sobre a Educação Matemática numa perspectiva marxista. Recomenda‐se uma revisão de metas e estabelecer um novo
cronograma, pois dentro do apresentado, o projeto não é exequível. Com isso, surgiu a ideia de reflexão acerca do ocorrido, no
momento em que o erro por parte dos pareceristas avaliadores do projeto em questão foi percebido, assim, a referida reflexão se formalizará em forma de produção acadêmica, especificamente na materialização deste trabalho4.
4 Seu o objetivo é tentar esclarecer o ocorrido na má interpretação do projeto de pesquisa. É importante esclarecer que as especificidades políticas e burocráticas envolvidas no processo da análise do projeto, como a classificação para bolsa, não nos interessa, ou seja, não é esperado
As reflexões relativas ao fato serãopautadas nas qu estões teóricas explicitadas no parecer e no projeto, constituindo assim o objetivo deste trabalho. As ideias de marxismo e as diferenças entre “Educação Matemática e Sociedade” e “Educação Matemática Crítica” serão discutidas com o intuito de esclarecimentos.
A princípio é necessário que algumas considerações sejam feitas acerca da ideia de Tendências em Educação Matemática, no entanto, para isto é também necessário que se estabeleçam reflexões sobre a concepção de Educação Matemática, o que permitirá a percepção de indícios que podem contribuir para o entendimento de todo esse raciocínio.
Os pensamentos das Filosofias “Moderna e Pós‐moderna” serão visitados e rebuscados com o intuito de entender ainda mais o direcionamento teórico da Educação Matemática Crítica, entendendo esse exercício necessário pelo fato de que no parecer é sugerido que o projeto seja inserido neste âmbito.
A Pedagogia Histórico‐crítica será elencada com a intenção de desvelar o porquê de seu enfoque no projeto, entendendo seus fundamentos filosóficos marxistas contributivos para o desenvolvimento da pesquisa.
Serão fundamentos teóricos deste artigo, os pensamentos de autores da Educação Matemática como Ole Skovsmose, Adriana Cesar Mattos, Marcelo Batarce, Luiz Carlos Paes, Ubiratan D’Ambrosio, Lúcia Moysés, entre outros, bem como ideias de autores da Filosofia e da História, como Marilena Chaui, Gilberto Cotrim, Mirna Fernandes e da Educação, como Dermeval Saviani e Newton Duarte.
Como resultado pretende‐se substanciar as ideias de Tendências em Educação Matemática, Educação Matemática e Sociedade e Educação Matemática Crítica, a fim de esclarecimentos teórico‐reflexivos oportunos.
que nenhuma atitude de reavaliação do projeto ou de reclassificação do mesmo seja considerada.
1. Resposta ao Parecer do Projeto Como já foi dito acima, o objetivo desta discussão não é o de reivindicar nova análise do projeto ou reposicionamento da classificação do processo de bolsas, e sim o de refletir teoricamente acerca das afirmações incisivas expressas no parecer, com esse intuito o autor do projeto e deste artigo elaborou a seguinte resposta que foi encaminhada para os pareceristas:
O intuito desta resposta não é em definitivo questionar a idoneidade
deste conselho, ainda menos colocar em dúvida a capacidade de discernimento e abstração do pareceristas responsáveis pela análise do projeto, no entanto é importante para este pesquisador e candidato, que algumas questões, que tomaram caráter incisivo e irrevogável, sejam esclarecidas. “O Candidato tem bastante experiência profissional, tanto como
professor, como coordenador. Entretanto, sua vivência prática (não apresenta relação com a pesquisa) não está ajudando no amadurecimento da pesquisa. Assim, supõe‐se que o candidato vá ter dificuldades no enfrentamento do problema.” No parágrafo destacado, o parecer afirma que o candidato, em sua
vivência prática, não apresenta relação com a pesquisa, o que denota uma afirmação incisiva acerca de um fato que, olhado com cautela, configura‐se como precipitada, tendo em vista a proximidade do candidato com a área da Educação. Deve‐se considerar que grande parte dos trabalhos desenvolvidos pelo candidato, como pesquisador, coordenador e professor, se fundamentam na Pedagogia Histórico‐crítica, idealizada por Dermeval Saviani e consubstanciada por autores de destaque no marxismo, como Newton Duarte, Guiomar Namo de Mello, Paolo Nosella, entre outros. A Pedagogia histórico‐crítica toma como contribuição fundamental o pensamento de Karl Marx (Saviani 2005, p. 147)5. Com isso, entende‐se que o candidato tem leitura e experiência,
suficientes para propor análise do pensamento marxista nas perspectivas humanista (elencada por Dermeval Saviani na Pedagogia Histórico‐crítica) e anti‐humanista (a ser investigada), bem como refletir acerca de situações como a descrita pelo projeto. O resumo do candidato não está claro, nem apresenta as informações
importantes sobre a questão e a condução da pesquisa, tais como os procedimentos metodológicos. No trecho abaixo, tem‐se a idéia de que
5 Neste artigo, esta citação deve ser lida como ‐ Saviani 2005a, p. 147.
o candidato pretende apresentar uma proposta de ensino de frações. Porém na leitura do projeto, percebe‐se que não haverá tal proposta. “A ideia é, depois de analisar o pensamento marxiano (em suas
diferentes vertentes), o conteúdo matemático de frações e as considerações acerca da Educação Matemática, materializar o processo de ensino permeado por todo esse raciocínio,...” “Pelo o que é possível entender, os objetivos são puramente teóricos,
e fogem do que é apresentado como objeto de análise – o ensino de frações. Os objetivos não são coerentes com os referenciais teóricos.” Nas ideias expostas acima e extraídas do Parecer, percebe‐se que o
âmago do projeto não foi captado, talvez pelo fato de as ideias tiverem sido expostas com clareza ou ainda não tenham correspondido às expectativas dos pareceristas. É importante destacar que o objeto de estudo do projeto em voga é
ensino de frações em uma perspectiva marxiana e que Materializar o processo de ensino permeado por todo esse raciocínio significa refletir acerca do pensamento marxista ou marxiano e o ensino de frações, constituindo ou não um processo de emancipação, ou seja, a materialização é a própria reflexão proposta, o que nos obriga talvez a, filosoficamente, amadurecer o conceito de “material”. O candidato entende que esta pesquisa tem caráter investigatório, de
esclarecer pensamentos e levantar questionamentos, em nenhum momento o projeto sugeriu propor Teoria e ou Metodologias. “Apesar dos autores apontados na revisão de literatura serem
relevantes para o estudo, não será possível, dentro do prazo, conhecer o pensamento de todos com profundidade suficiente para a realização da pesquisa. Além disso, outros autores mais acessíveis e pertinentes ao assunto não foram citados. Seria interessante dialogar com Skovsmose, por exemplo, ou outro autor do Movimento da Matemática Crítica. O candidato não apresentou um aporte metodológico condizente com seus objetivos, aliás, nem poderia, pois seus objetivos não estão claros.” Os prazos estabelecidos para a execução da pesquisa foram pensados
tomando como referência o fato de que grande parte dos autores mencionados faz parte do aporte teórico do candidato‐pesquisador, com isso, cabe a ele, a leitura e análises dos autores componentes da vertente anti‐humanista do pensamento marxista, o que também justifica o fato de não buscar em outros autores humanistas a revisão de literatura pretendida, como o caso do autor humanista sugerido Skovsmose. “O tema da pesquisa proposta é relevante e a proposta de fazer uma
revisão bibliográfica também. Porém não fica claro a relação entre o objeto “ensino de frações” e o estudo sobre a Educação Matemática numa perspectiva marxista.” “Recomenda‐se uma revisão de metas e estabelecer um novo
cronograma, pois dentro do apresentado, o projeto não é exequível”.
A relevância da pesquisa revigora‐se na necessidade de legitimar e ampliar o movimento da Educação Matemática como campo de pesquisa num exercício de preenchimento das lacunas deixadas pelos campos de pesquisa da Educação e da Matemática ao analisar e refletir os problemas do ensino de matemática presentes na atualidade em nosso país. Este candidato agradece as críticas e as toma como apontamentos
pertinentes para o melhoramento das ideias envolvidas e expressas no projeto de pesquisa.
Com base nesta resposta, daremos início à discussão refletindo acerca da teoria pedagogia “Pedagogia Histórico‐crítica”, fundamento do projeto analisado pelo parecer. 2. Pedagogia Histórico‐Crítica
O surgimento da Pedagogia Histórico‐Crítica se deu por
volta das décadas de 1970 e 1980, por conta da emergência de um movimento pedagógico no qual era constante a crítica em torno das especificidades da educação. De acordo com seu idealizador, Dermeval Saviani:
À educação, na medida em que é uma mediação no seio da prática social global, cabe possibilitar que as novas gerações incorporem os elementos herdados de modo que se tornem agentes ativos no processo de desenvolvimento e transformação das relações sociais. (2005b, p.143)
Consonante ao cenário político em que se discutiam os
limites da dominação burguesa e à responsabilidade da educação enquanto reprodutora ou não das diferenças de classes, destacava‐se a importância de uma teoria pedagógica que evidenciasse e defendesse os interesses das classes menos favorecidas:
Considerando‐se que a classe dominante não tem interesse na transformação histórica da escola (ela está empenhada na preservação de seu domínio, portanto, apenas acionará mecanismo de adaptação que evitem a transformação) segue‐se que uma teoria crítica (que não seja reprodutivista) só poderá ser formulada do ponto de vista dos interesses dos dominados. (SAVIANI, 2005a, p.30)
A teorização da educação em torno da então luta contra a seletividade e a dominação por meio da escola toma forma e lança‐se mão de uma ideologia a favor do proletariado, adequando os métodos de ensino à realidade desniveladora do capitalismo:
Do ponto de vista prático, trata‐se de retomar vigorosamente a luta contra a seletividade, a discriminação e o rebaixamento do ensino das camadas populares. Lutar contra a marginalidade por meio da escola significa engajar‐se no esforço para garantir aos trabalhadores um ensino da melhor qualidade nas condições históricas atuais. O papel de uma teoria crítica da educação é dar substância concreta a essa bandeira de luta de modo a evitar que ela seja apropriada e articulada com os interesses dominantes. (SAVIANI, 2005a, p.31)
A Pedagogia Histórico‐Crítica emerge no seio do criticismo,
no momento historicamente conturbado dos movimentos estudantis que ocasionaram a revolução política brasileira de 1968 e se consolida por estar em frequente sintonia com os problemas de aprendizagem e sócio‐políticos. A partir desse momento, as referências teóricas da Pedagogia Histórico‐Crítica são observáveis e outros autores brasileiros como Guiomar Namo de Mello, João Luiz Gasparin, José Carlos Libâneo, Suze Scalcon entre outros, contribuem com o acervo de Saviani. Libâneo em seu livro “Democratização da Escola Pública” usa a terminologia “Pedagogia Crítico‐Social dos Conteúdos” por enfatizar os conteúdos no confronto da prática social inicial e a apropriação de uma nova prática social, dessa vez final, ou seja, da síncrese à síntese:
Aprender, dentro da visão da pedagogia dos conteúdos é desenvolver a capacidade de processar informações e lidar com os estímulos do ambiente, organizando os dados disponíveis da experiência. Em conseqüência, admiti‐se o princípio da aprendizagem significativa que supõe, como passo inicial, verificar aquilo que o aluno já sabe. O professor precisa saber (compreender) o que os alunos dizem ou fazem, o aluno precisa compreender o que o professor procura dizer‐lhe. A transferência de aprendizagem se dá a partir do momento da síntese, isto é, quando o aluno supera sua visão parcial e confusa e adquire uma visão mais clara e unificadora. (LIBÂNEO, 2003, p.42)
Em suma, essa teoria pedagógica preconiza o
desenvolvimento de um processo educativo como um equalizador
social eficaz e nos direciona a uma concepção de educação que coloca em primeiro plano a igualdade de oportunidades e a constante reflexão de que em qualquer gesto na prática educativa se oculta uma ideologia, muitas vezes formada pelos interesses dominantes.
As concepções de indivíduo, coletividade, interação social e dialética são derivadas da obra de Karl Marx e Vigotski. A concepção de formação do indivíduo, sua capacidade de adquirir conhecimento por meio da interação com o mundo material e as relações de força do trabalho e de produção, contribuem no estudo de Dermeval Saviani para a concretização de uma teoria que fosse crítica por analisar de forma contraposta (dialética) o sistema capitalista vigente, questionando a funcionalidade da educação.
Esta é a maior conotação marxista da Pedagogia Histórico‐crítica, o que derruba a tese exposta no parecer de que alguém que desenvolva trabalho nesta perspectiva não possui condições teóricas para estudar o marxismo.
Ainda mais, entendida a ideia expressa na teoria de Saviani, corrobora‐se o porquê de seu enfoque no projeto, uma vez que seus fundamentos filosóficos são marxistas e vigotiskianos (é conhecido o fato de que Vigotski desenvolveu sua teoria, a Psicologia Histórico‐cultural, sob a égide do pensamento de Karl Marx (MOYSÉS, 2007)).
No parecer apresentado acima, foi recomendado que o projeto fosse desenvolvido no âmbito da Educação Matemática Crítica, talvez por mera semelhança de nomenclaturas com a Pedagogia Histórico‐crítica, o que nos leva a um erro hediondo, pois mesmo apresentando a palavra “crítica” em seu nome, a teoria pedagógica não apresenta em seu corpo nenhuma ligação com as teorias criticas desenvolvidas na Escola de Frankfurt6.
6 Esclarecimentos maiores acerca da Escola de Frankfurt serão explicitados ao longo deste texto.
3. Refletindo acerca da ideia de tendências em Educação Matemática e seus objetivos
A definição da ideia de Tendências em Educação
Matemática e seus objetos de estudos é um tema bastante polêmico e que abarca diferentes representações. Abaixo observa‐se algumas delas:
Do pensamento de Pais destaca‐se:
A educação Matemática é uma grande área de pesquisa educacional, cujo objetivo de estudo é a compreensão, interpretação e descrição dos fenômenos referentes ao ensino e à aprendizagem da matemática, nos diversos níveis da escolaridade, quer seja em sua dimensão teórica ou prática. Além dessa definição ampla, a expressão educação matemática pode ser ainda entendida no plano da prática pedagógica, conduzida pelos desafios do cotidiano escolar. Sua consolidação como área de pesquisa é relativamente recente, quando comparada com a histórica milenar da matemática e o seu desenvolvimento recebeu um grande impulso, nas últimas décadas, dando origem a várias tendências teóricas (estamos utilizando a expressão tendência teórica para representar a existência de um certo coletivo de pesquisadores em educação matemática, que compartilha de um mesmo referencial teórico. Por exemplo: etnomatemática; psicologia cognitiva da matemática; modelagem matemática; história da matemática, didática da matemática, entre vários outros.) cada qual valorizando determinadas temáticas educacionais do ensino da matemática, no Brasil destacamos neste trabalho, a didática da matemática que se caracteriza pela influência de autores franceses. Esta diferenciação, entre educação matemática e didática da matemática é necessária, pois não se trata apenas de um problema de tradução, uma vez que na França, esta ultima expressão é usada para representar a própria área de pesquisa educacional da matemática. Daí nossa preocupação em esclarecer o significado da nomenclatura em relação ao contexto educacional brasileiro, onde, além disso, a expressão didática da matemática pode ser confundida com a disciplina pedagógica de didática aplicada ao ensino da matemática. [...] A didática da matemática é uma das tendências da grande área de educação matemática, cujo objeto de estudo é a elaboração de conceitos e teorias que sejam compatíveis com a especificidade educacional do saber educacional matemático, procurando manter fortes vínculos com a formação de conceitos matemáticos, tanto em nível experimental da prática pedagógica, como no território teórico da pesquisa acadêmica. (Pais 2002, p. 10‐11)
O fragmento destacado acima ilustra a imensa gama de possibilidades para a Educação Matemática, permitindo pesquisa formais e informais no exercício do ensino de matemática, no entanto, pelo que é conhecido da Educação Matemática, há também as pesquisas que não têm o propósito de investigar especificamente o processo de ensino e aprendizagem, a Didática da Matemática, como Pais nos disse de forma bastante clara, se preocupa em desenvolver o conhecimento matemático, isto também ocorre em outras áreas da Educação Matemática, como a História da Educação Matemática, por exemplo.
Acompanhando a ideia de Lucia Moysés parafraseando Ubiratan D’Ambrosio, observa‐se:
Considerada como uma área autônoma de pesquisa em educação, pode‐se afirmar que a educação matemática é um campo em franca expansão em níveis internacionais. Congrega em torno de si um grupo de pesquisadores ativos e participantes, que fazem um intenso trabalho de produção e divulgação do conhecimento: promovem eventos, publicam periódicos, mantém cursos de pós‐graduação etc. No Brasil, há cerca de 20 anos, há um crescente movimento em seu redor (D’AMBROSIO 1990, 1993). E a psicologia é a principal área do conhecimento, além da própria matemática, a contribuir para a sua evolução (Brito 1993). Estudos sobre cognição e organização intelectual e social do conhecimento estão no cerne das suas pesquisas. (MOYSÉS, 2007, p. 62‐63)
Deste pensamento abstrai‐se que a Educação Matemática está em expansão e que a ligação entre outras áreas de pesquisa contribuem para sua consolidação, é o caso específico da Psicologia, que vem ao longo dos anos possibilitando diversas pesquisas em diferentes conotações, inclusive formatando subárea dentro da Educação Matemática, conhecida como Psicologia da Educação Matemática. Acerca da Tendência em Educação Matemática “Educação Matemática Crítica”, do pensamento de Ole Skovsmose, pode‐se dizer que é explícita a defesa da superação dos ideais do período histórico da modernidade, os quais serão esclarecidos no próximo tópico. Nesta ação, Skovsmose direciona sua teoria para o pensamento da pós‐modernidade, mais especificamente dos
teóricos da Escola de Frankfurt, que a grosso modo, podemos classificá‐los como teóricos das teorias críticas. Este pensamento pode ser conferido no artigo “Critical Mathematics Education for the Future”, publicado nos anais do ICME no ano de 2004 (o link para consulta do mesmo encontra‐se nas referências). O fato é que, sendo a Escola de Frankfurt, o produto de estudos que levaram em conta a superação dos pressupostos da modernidade entre eles o questionamento da razão como possibilitadora de emancipação, muitas vezes questionando os pensamentos de Marx, Engels e Max Weber, pergunta‐se: Por que não beber nas fontes originais? Por que não estudar as teorias primeiras? Por que não buscar substâncias na própria modernidade para tentar entender coisas que os teóricos de Frankfurt explicam, muitas vezes contaminados pela obsessão de fixar na história o período da pós‐modernidade? Para Newton Duarte, engendrado pela filosofia de Marilena Chauí, o período histórico da pós‐modernidade é tão nebuloso quanto detentor dos ideais neoliberalistas. “O termo pós‐moderno é, sem dúvida, difícil de ser definido, assim como é difícil delimitar de forma precisa o campo teórico abarcado por esse termo (DUARTE, 2006, p. 76)”. A esse respeito diz mais:
Marilena Chauí, em artigo intitulado “Vocação Científica da Universidade”, também reforça a concepção de que neoliberalismo e pós‐modernismo são partes de uma mesma realidade social ao afirmar que o pós‐modernismo é a ideologia do modelo neoliberal (CHAUI, 1993, p. 23, citado por DUARTE, 2006, p. 76)
No artigo “Mathematics education and democracy”, publicado pela ZDM no ano de 2010, Adriana Mattos e Marcelo Batarce promovem pertinente discussão acerca da Tendência em Educação Matemática “Educação Matemática e Sociedade”, principalmente no que tange a ingenuidade com que a Educação Matemática pode dispensar ao processo educativo desconsiderando a dominação imposta pelo capitalismo.
[...] devemos dizer que nos parece que tenha sido pouco notado pelos educadores matemáticos e pesquisadores em história da educação matemática a filiação (pertencimento) político‐ideológica da educação
matemática. No entanto, se por um lado educação matemática e sociedade pode ser pensada como sendo a mais apta para fazer uma crítica sobre esta questão, também é verdade que por meio de conceitos como inclusão e multiculturalismo a crítica se sustenta em um sentimento idealista de democracia e de ʺeducação para todosʺ. (BATARCE e MATTOS, 2010)
Ainda mais, os autores esclarecem que a matemática pode não ser elemento de garantias para emancipação, o que coloca em divergência teórica os pensamentos da Tendência em Educação Matemática Educação Matemática Crítica e Educação Matemática e Sociedade. Educação Matemática e Sociedade, por não estar vinculada ao pensamento pós‐moderno e a Escola de Frankfurt, dispensa maior criticidade ao trato com as questões sociais, colocando em dúvida o questionamento de que o conhecimento, entre eles o matemático pode não ser garantia de emancipação. 4. Modernidade, Pós‐Modernidade e Escola de Frankfurt
O período histórico compreendido aproximadamente entre
os séculos XV e XVIII7 denota‐se como Modernidade, e foi berço de mudanças significativas para todo pensamento científico das ciências exatas, matemática e física, e das humanas, como a filosofia e a sociologia. Ideias como a revalorização do ser humano e da natureza, questionamentos sobre os critérios e métodos para a elaboração de um conhecimento verdadeiro, passagem da organização econômica da sociedade baseada no Feudalismo para o Capitalismo, a formação dos Estados Nacionais, o Movimento da Reforma (abandono da submissão das ciências aos desígnios da igreja católica), a invenção da imprensa e o racionalismo foram os pontos marcantes deste período. O Empirismo8 e o Iluminismo9 foram
7 Existe na delimitação deste período uma variação muito grande de pensamentos, o que nos permite fixar esta média.
8 Corrente Filosófica ocorrente entre os séculos XVII ao XVIII onde havia a defesa de que o conhecimento parte da experiência; Incidência da
movimentos filosófico‐científicos contribuintes para a mudança do pensamento dogmático herdado do período medieval, também conhecido historicamente como idade das trevas. (COTRIM e FERNANDES, 2010). A respeito da pós‐modernidade, pode‐se afirmar que existe uma grande divergência de ideias, que reside desde sua delimitação cronológica (séculos XIX ao XXI) até seus limites teóricos. Suas características principais, segundo Cotrim e continuidade dos debates levantados nos séculos anteriores acerca da elaboração de um conhecimento verdadeiro (racionalismo, empirismo, ideias inatas‐ defendidas por Platão na Filosofia Antiga, Santo Agostinho na Medieval e Descartes na Filosofia Moderna); Os Pensadores de maior destaque deste período são: Descartes (penso logo existo – racionalismo – teoria do conhecimento – ideias inatas), Francis Bacon (racionalismo, base da ciência moderna), Thomas Hobbes (influências de Bacon e Galileu – ciência dos corpos), John Locke (tabula rasa, crítica ao inatismo de Descartes), George Berkeley (idealismo imaterialista – empirista radical – experiências e percepções) e David Hume (crítico do método indutivo) (Cotrim e Fernandes, 2010).
9 Corrente Filosófica também ocorrente entre os séculos XVII ao XVIII na qual surgiu a Revolução Industrial e com ela a ideia de progresso; Para alguns (Lucien Godmann – 1913; 1979) as ideias iluministas (igualdade, tolerância, liberdade e propriedade privada) defendiam os interesse burgueses de atividade comercial e influenciaram os ideais fundamentos da Revolução Francesa; Entre os principais pensadores iluministas, destaca‐se: Montesquieu (jurista francês, pensador da leis, defendia a liberdade individual), Voltaire (acreditava na necessidade social da existência de DEUS, defendia a liberdade de pensamento); Diderot e D’Alembert ( defendiam o racionalismo, a independência do Estado em relação a igreja e a confiança no progresso humano), Rousseau (crítico do excessos racionalistas, precursor do Romantismo, defensor da liberdade do estado natural, defensor da ideias bases da revolução francesa, defensor do bem comum e da vontade geral do povo – escritor do clássico Contrato Social), Adam Smith (teórico do liberalismo econômico, idealizador do jogo livre da oferta e da procura de mercado), Immanuel Kant (iluminismo alemão, o ser humano deve guiar‐se pela sua própria razão ‐ sem se deixar enganar‐se pelas crenças, tradições e opiniões alheias, defendeu o problema do conhecimento e do ato de conhecer) (COTRIM E FERNANDES, 2010).
Fernandes, são o fim do projeto da modernidade que defendia a ideia de emancipação provinda da razão, essa ideia vem da constatação, por alguns pensadores, dos problemas sociais atuais, a identificação do fenômeno da assimilação do individuo ao sistema, isto é, a capitalização e narcotização das consciências (Adorno e Horkheimer) a desesperança de que a razão tecnocientífica favoreça a emancipação humana e o abandono da visão de totalidade preconizada pelo pensamento moderno, valorizando as pluralidades culturais e as diferenças. Os pensadores de maior destaque desse período foram Foucault (autor da genealogia do poder, dos mecanismos de dominação, do controle social e punição), Derrida (conhecido por desconstruir a ideia de razão e criar a ideia de que toda filosofia ocidental partilha da ideia de centro – o logocentrismo ) e Baudrillard (dono da ideia de que não existe possibilidade de, dentro dos modos de produção atuais e do modelo econômico imposto por ele ‐ o capitalismo, que cidadãos livres, conscientes e emancipados coexistam ‐ à lógica do capital, a menos que seja extirpada qualquer hipótese de dominação cultural e ideológica). A Escola de Frankfurt é o nome dado ao grupo de pensadores alemães do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, fundado na década de 1920 (COTRIM E FERNANDES, 2010), tem como herança a ideia de que em seu bojo foram criadas as teorias criticas, cuja intenção era criar mecanismos de mapeamento e superação das diferenças sociais. São pontos de partida para os frankfurtianos a teoria marxista, a psicanálise e também os pensamentos de Hegel, Kant e Max Weber. Entre os pensadores de Frankfurt, estão Adorno e Horkheimer (que defendem a tese de que o iluminismo criou uma razão controladora em função do progresso social que ao invés de emancipar as pessoas, dominou‐as em função do mercado, e que a razão foi contaminada pelos ideias capitalistas contaminando as consciências do proletariado), Walter Benjamin (que defende a cultura e as artes como elementos contributivos para emancipação política do individuo), Hebert Marcuse (lança mão da repressão dos instintos para o desenvolvimento, retoma esta que é uma das teses
de FREUD) e Habermas (último racionalista, discorda de Adorno e Horkheimer defendendo a ideia de que a razão é propiciadora de emancipação, aponta que a filosofia da pós‐modernidade é irracionalista, propõe um novo modelo de razão, a razão dialógica que provém do diálogo e da argumentação, e que a mesma surge da ação comunicativa). Em meio às atribulações causadas pelo pós‐modernismo, destaca‐se o pensamento contemporâneo, que de acordo com alguns filósofos e historiadores, entre eles Cotrim e Fernandes, é a era de incertezas, mesclando pensamentos de filósofos confiantes na razão, cientistas entusiasmados com o progresso tecnológico, capitalistas radiantes com a expansão da indústria, românticos vibrando com a valorização da pátria e dos sentimentos nacionais e dos socialistas pregando o socialismo. Ademais, Freud com a Psicanálise, colocando em dúvida a hegemonia da razão nos assuntos humanos a crise nas ciências iniciado por Freud, Einstein e Heisenberg e a presença das Filosofias Existencialistas (conjunto de tendências filosóficas distintas, que embora divergentes, tem na existência humana o ponto de partida e o objeto fundamental de reflexões) e da Fenomenologia (investigação das experiências conscientes ‐ fenômenos). O Idealismo Alemão , que tem início do século XVIII, apresenta uma doutrina idealista que se configura quando o sujeito é determinante no processo de construção do conhecimento e não o contrário (objeto), retomando o pensamento de Platão (Filosofia Antiga), Descartes e Kant (Filosofia Moderna). Tem como pensadores Johan Gottlieb Ficht (tomou o “eu” de Kant – a existência do sujeito (eu) como centro do processo de conhecer e transformou‐o em princípio de toda a realidade), Friedrich Schelling (discordou de Ficth no sentido de existe um único princípio, a inteligência, exterior ao próprio eu que rege todas as coisas), Friedrich Hegel (ícone deste período, defendia que a realidade identifica‐se em absoluto com o espírito – ideia ou razão, e a racionalidade seria o princípio de tudo, dialética), Ludwig Feurbach (crítico de Hegel, base do pensamente de Marx, dizia que
a filosofia deve partir do concreto), Arthur Schopenhauer (crítico de Hegel, adepto à filosofia da existência, entendia que o ser humano seria essencialmente vontade, conhecido como filósofo pessimista ), Sören Kierkegaard (analisou os problemas da relação existencial do ser humano com o mundo, consigo mesmo e com Deus), Karl Marx (critico do idealismo hegeliano, defendia que a filosofia não se dá no mundo das ideias e sim nas condições materiais de existência, estudou os modos de produção, as lutas de classes, e a dialética) e por fim, mas não menos importante, Nietzsche (promoveu critica profunda e impiedosa à civilização ocidental e dissertou sobre o valor da existência humana).
5. Acerca do Marxismo
No clássico “Manifesto do Partido Comunista”, Engels e
Marx expõem os objetivos vislumbrados pelos comunistas e lançam mão de uma série de ideias que materializam o pensamento marxista como argumentos para manter acesa a chama da luta revolucionária do proletariado contra a burguesia. Os autores fortalecem o pensamento de que a burguesia moderna é o resultado histórico das revoluções no processo de produção e como consequências a instauração de uma organização social do trabalho diferente, fundamentada na nova ordem econômica, o capitalismo. A essa nova ordem social instituída pela burguesia é atribuída uma gama de inversão dos valores humanos, desde o conceito de família, ao de liberdade e trabalho, ou seja, nessa ordem das coisas a única lógica mediadora do pensamento e ação humana é a do capital.
O movimento proletário é o movimento independente da imensa maioria em proveito da imensa maioria (MARX & ENGELS, 2006, p. 96). Nessas palavras os autores expressam toda sua indignação às mazelas acometidas pela classe dominante ratificando o fato de que a revolução promovida pelo comunismo beneficiará grande número de pessoas.
Marx e Engels explicam que: “O que caracteriza o comunismo não é a abolição da propriedade em geral, mas a
abolição da propriedade burguesa. [...] Nesse sentido, os comunistas podem resumir sua teoria nesta fórmula única: abolição da propriedade privada” (MARX & ENGELS, 2006, p. 99). Esse pensamento aliado ao reconhecimento da classe operária/proletariado ‐ como classe revolucionária capaz de subverter a ordem social econômica vigente pela classe burguesa, ideias distorcidas do comunismo são disseminadas pela burguesia com o intuito de calar ou interromper a revolução, que se torna cada vez mais eminente.
A ideologia imposta pela burguesia ao proletariado vela os fatos de tal forma que submete os conceitos de liberdade, verdade e moral aos interesses capitalistas, tornando‐os regras morais e parte da conduta humana orientada pela lógica desumana do lucro: “A falsa concepção interesseira que vos leva a erigir em leis eternas da natureza e da razão as relações sociais oriundas do vosso modo de produção e de prosperidade” (MARX & ENGELS, 2006, p. 102).
A revolução/transformação da sociedade, segundo o pensamento marxista é possível e real desde que haja a mobilização consciente do proletariado, ou seja, é necessário que esta classe ‐ única com potencial para tal feito ‐ perceba e desbanque as armadilhas impostas por seus inimigos. A educação tem relevante contribuição para a instauração de um modelo socialista de sociedade, é por meio dela que o desvelar pode ter início. Sobre a educação, Marx e Engels nos diz: “Os comunistas não inventaram essa intromissão da sociedade na escola, apenas mudam seu caráter e arrancam a educação à influência da classe dominante” (MARX & ENGELS, 2006, p. 102).
Ainda fazendo referência à dominação intelectual proporcionada pelo capitalismo e pela necessidade de conscientização da parte do proletariado, os autores propõem a seguinte reflexão: “Será preciso grande perspicácia para compreender que as idéias, as noções e as concepções, numa palavra, a consciência do homem se modifica com cada mudança em suas condições de vida, em suas relações sociais, em sua existência social?” (MARX & ENGELS, 2006, p. 104).
Diante do exposto, é clara a necessidade de emancipação da classe dominada, e nos resta a dúvida se esse movimento se dará ou não por meio do conhecimento. O certo é que, de acordo com Marx e Engels, “A revolução comunista é a ruptura mais radical com as relações tradicionais de propriedade; não é de se estranhar, portanto, que no curso de seu desenvolvimento rompa, de modo mais radical, com as ideias tradicionais” (MARX & ENGELS, 2006, p. 105‐106) tornando material o movimento histórico de transformação da sociedade. Considerações finais
Do pensamento de Marx abstraem‐se inúmeras
interpretações, fazendo valer o ditado do senso comum “O marxismo é para Marx o que o cristianismo foi para Cristo”, no entanto não há como negar sua profundidade cientifica e teórica, matriz de debates atuais acerca das condições materiais de vida.
Do exposto neste artigo, fica a dúvida, será o conhecimento condição necessária e/ou suficiente para emancipação do individuo? No entanto esse é um problema a ser investigado e estudado em outras oportunidades por este pesquisador.
É forte a ideia das diferenças de pensamentos e da vaidade que envolve a academia (produtora de conhecimento), constituindo assim, grande diversidade de teorias, no entanto, qualquer ideia que leve em conta apenas argumentos prevalecentes da luta entre egos, cai por terra ao confrontar‐se com argumentos teóricos sólidos.
Esse pensamento comprovou‐se ao perceber que existem divergências entre os pensamentos das Tendências em Educação Matemática “Educação Matemática Crítica” e “Educação Matemática e Sociedade” no que tange ao comprometimento com as questões sociais e o trato com o conhecimento.
A aproximação ou instauração da “Educação Matemática Crítica” no âmbito da Escola de Frankfurt e dos pós‐modernistas, cerceia a possibilidade de vislumbrar horizontes fixados pelos modernistas.
A grande questão é que não se sabe ao certo o que é pós‐modernidade, no entanto emitir conceitos incisivos acerca de teorias tão sólidas e cristalizadas é no mínimo arriscado.
Quanto ao projeto analisado pelo parecer, é importante esclarecer que o mesmo serviu de álibi para que essas discussões fossem levantadas. Os erros hediondos emitidos pelos pareceristas só comprovaram a tese de que ideias provenientes do ego não suportam argumentos teóricos sólidos.
A fragilidade do parecer tornou‐se explicita na tentativa de aproximar o projeto da Tendência Educação Matemática Crítica por mera aproximação da palavra crítica, que também aparece na teoria Pedagogia Histórico‐crítica, de fundo marxista.
Nas palavras finais, pode‐se buscar em Marx a ideia de que a revolução é necessária para a melhoria da qualidade de vida dos que sofrem, vinda de onde vier, seja por meio da educação formal (conhecimento escolar acumulado pela cultura, como dizem os humanistas) ou por meio da militância e da educação das consciências do proletariado (como esperam os anti‐humanistas).
REFERÊNCIAS BATARCE, Marcelo Salles; MATTOS, Adriana César de. Mathematics education and democracy. Disponível em: <http://www.springerlink. com/content/m873228584277u77 >. Acesso em: 30 abr. 2012. COTRIM, Gilberto; FERNANDES, Mirna. Fundamentos de Filosofia. São Paulo: Saraiva, 2010. D’AMBROSIO, Ubiratan. Educação Matemática: da teoria à prática. 8. ed. Campinas‐ SP: Papirus, 2001. DUARTE, Newton; OLIVEIRA, Betty A. Socialização do Saber escolar. 17. ed. São Paulo: Autores Associados, 1987. DUARTE, Newton. Vigotski e o “Aprender a Aprender” – crítica às apropriações neoliberais e pós‐modernas da Teoria Vigostskiana. 4. ed. Campinas‐SP: Autores Associados, 2006. LIBÂNEO, José Carlos. Organização e gestão da escola – Teoria e Prática. 4. ed. Goiânia: Alternativa, 2003.
MARX, Karl Heinrich; ENGELS, Friedrich. Manifesto do Partido Comunista. 10. ed. São Paulo: Global, 2006. MOYSÉS, Lucia. Aplicações de Vygotsky à Educação Matemática. 8. ed. Campinas‐ SP: Papirus, 2007. PAIS, Luiz Carlos. Didática da Matemática: uma análise da influência francesa. Belo Horizonte‐MG: Autêntica, 2001. SAVIANI, Dermeval Pedagogia histórico‐crítica: primeiras aproximações. 9. ed. Campinas‐SP: Autores Associados, 2005a. ______. Escola e Democracia. 37. ed. Campinas‐SP: Autores Associados, 2005b. SKOVSMOSE, Ole. Critical mathematics education for the future. Disponível em: <http://www.icme10.dk/proceedings/pages/regular_pdf/ RL_Ole_Skovsmose.pdf> Acesso em: 30 abr. 2012.
ESTADO DO CONHECIMENTO SOBRE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA REGIÃO CENTRO‐OESTE DO BRASIL EM TESES E DISSERTAÇÕES DA ÁREA DA EDUCAÇÃO (2000‐
2010)
Doracina Aparecida de Castro Araujo Edinéia da Silva Freitas
Raquel Marques Ribeiro dos Santos
Esses estudos são justificados por possibilitarem uma visão geral do que vem sendo produzido na área e uma ordenação que permite aos interessados perceberem a
evolução das pesquisas na área, bem como suas características e foco, além de identificar as lacunas
ainda existentes. Norma Sandra de Almeida Ferreira, 2002.
Introdução A Educação Especial tem sido objeto de estudos desde
meados do século XX, inicialmente de forma incipiente, sem divulgação e com pouco conhecimento científico. Com o passar dos anos, a preocupação com o Público Alvo da Educação Especial (PAEE) foi aumentando, paradigmas não foram totalmente superados, mas outros foram se apresentando nesse cenário.
Os defensores do Paradigma da Institucionalização, que entendiam que a pessoa com deficiência deveria ser ‘tratada’ em locais afastados do convívio familiar e social, viram chegar outras possibilidades para esse público da Educação Especial, iniciando um processo de aproximação das pessoas com deficiência das escolas comuns, em salas especiais, com vistas a normalizá‐las para depois inseri‐las no convívio com os ditos “normais”. Desta forma chegou‐se ao Paradigma de Serviços ou Integração, iniciado na década de 1960, com pouco tempo de hegemonia.
Estudiosos de diferentes esferas, internacional e nacional, após a década de 80 do século XX, iniciam a defesa do Paradigma de Suportes ou Inclusão. É possível identificar dentre esses
estudiosos, uns que defendem a inclusão total de todo Público Alvo da Educação Especial (PAEE); outros de uma corrente mais moderada que defendem a impossibilidade de algumas pessoas com deficiência frequentarem o espaço escolar.
A discussão em torno da inclusão total ou parcial da pessoa com deficiência em escolas comuns tem tomado diversas proporções, principalmente no campo político, com lobbies em diferentes momentos e situações. O agravante é que a pessoa com deficiência sequer participa de tais discussões, não dão fala ao principal agente da discussão.
Nesse diapasão é que buscamos, por meio do Estado do Conhecimento sobre Educação Especial, verificar as pesquisas realizadas em Programas de Pós‐Graduação em Educação na Região Centro‐Oeste do Brasil, de 2000 a 2010, a fim de compreendermos o que se tem pesquisado sobre Educação Especial e, dessa forma, contribuirmos para a ampliação de estudos neste tema. Para tanto, definimos como objetivo identificar a evolução das pesquisas, a tendência teórica dos pesquisadores e o tipo de Necessidade Educacional Especial (NEE) mais pesquisados nos Programas de Pós‐Graduação em Educação da Região Centro‐Oeste (2000 a 2010), sobre a temática Educação Especial e Inclusiva.
Os teóricos clássicos e os estudiosos da temática Educação Especial que fundamentam os estudos dos pesquisadores das teses e dissertações são diversos, com preponderância para Vygotsky, Marx, Piaget, Peto, Kassar e Mantoan. Esses teóricos clássicos e os pesquisadores contemporâneos da temática Educação Especial têm apresentado alternativas para melhor compreensão da deficiência.
A partir da definição por um aporte teórico crítico, da intenção em se atingir os objetivos é que buscamos responder a algumas questões do estudo, a saber: as pesquisas realizadas nos programas de pós‐graduação em Educação da Região Centro‐Oeste contemplaram o tema Educação Especial? Qual foi a categoria de necessidade educacional especial mais pesquisada nos programas de pós‐graduação em educação nessa região? Quais os teóricos que subsidiaram os estudos dos pesquisadores com maior frequência nas dissertações e teses? Como estão sendo catalogados esses
estudos nas universidades? Existe um banco de dados organizado por categorias, para facilitar a socialização dessas produções? Para responder às questões definimos por um ciclo metodológico de pesquisa, que não se fechou e não se fechará, pois as pesquisas sobre o Estado do Conhecimento de um tema específico deve ser contínuo, observando as categorias de pesquisa e os períodos dos estudos, favorecendo a continuação da pesquisa por outros pesquisadores ou pelo mesmo pesquisador. 1. Ciclo metodológico da pesquisa
A abordagem definida para a pesquisa foi a Qualitativa,
com a utilização de dados quantitativos por considerarmos que esses dados não são oponentes, ao contrário, se completam nesse tipo de estudo.
A Abordagem Qualitativa é relevante em pesquisas do Estado do Conhecimento, evitando que o pesquisador fique apenas na apresentação de dados quantitativos. Consideramos que estudos sobre o Estado do Conhecimento também devem ser tratados com rigor científico e de forma exploratória, para contribuir com a evolução da Ciência sobre determinado tema, nesta pesquisa, a temática Educação Especial.
Essa compreensão do estado de conhecimento sobre um tema, em determinado momento, é necessária no processo de evolução da ciência, afim de que se ordene periodicamente o conjunto de informações e resultados já obtidos, ordenação que permita indicação das possibilidades de integração de diferentes perspectivas aparentemente autônomas, a identificação de duplicações ou contradições, e a determinação de lacunas e vieses. (FERREIRA, 2002, p. 3, grifo dos autores).
O ciclo da pesquisa foi iniciado com o levantamento e
revisão bibliográfica sobre Educação Especial, Inclusão Escolar e as teorias que embasaram os estudiosos da área. Em seguida, realizamos o levantamento online das teses e dissertações defendidas nos Programas de Pós‐Graduação em Educação da região Centro‐Oeste, observando cada estado da região, a partir da
criação de cada Programa. Dando prosseguimento à pesquisa, fomos a campo (utilizando uma ficha/roteiro das categorias elencadas), momento em que selecionamos o material constante nos arquivos das Universidades e, a seguir, completamos com os materiais disponibilizados nas páginas das bibliotecas das Universidades e nos sites de domínio público.
Na sequência, verificamos os tipos de Necessidades Especiais (NE), mais pesquisados nas teses e dissertações, no período de 2000 a 2010. Depois identificamos os teóricos e pesquisadores mais presentes, que subsidiaram os pesquisadores na análise do objeto de estudo.
Para finalizar a pesquisa nos Programas de Pós‐Graduação na região Centro‐Oeste, analisamos os dados à luz de teóricos críticos os quais buscam alternativas para uma educação de qualidade, envolvendo todos, independente de etnia, classe social, gênero, deficiência, entre outros tipos de diversidades.
Os dados desta pesquisa estão sendo organizados em um banco de dados, em que a equipe de pesquisadores, estudantes e colaboradores fazem um acompanhamento dos resultados das dissertações e teses inseridas no banco de dados. Esses resultados também vêm sendo apresentados aos participantes da linha de pesquisa Educação Escolar Inclusiva, no decorrer das reuniões da linha de pesquisa, em eventos científicos e na publicação de capítulo de livro.
A pesquisa está findando, mas consideramos que os dados levantados podem ser utilizados por outros pesquisadores, com um olhar diferenciado, que contribuirá com análise de outro lugar, em outro tempo, dando novo sentido aos dados levantados. 2. Resultados e discussão dos dados da pesquisa
Um projeto de pesquisa científica que tem como fito
compreender os avanços do conhecimento sobre Educação Especial na Região Centro‐Oeste do Brasil, com período delimitado de 2000 a 2010, observando o período de criação dos programas de pós‐graduação em Educação, a partir da análise de teses e dissertações, deve considerar a
possibilidade de se analisar o material levantado, pois quando existe um grande quantitativo de material, há que se fazer um recorte no tempo e/ou no espaço, evitando análises superficiais.
O quantitativo de teses e dissertações da região Centro‐Oeste sobre a temática Educação Especial não é vasto, mas para responder a todas as questões definidas no projeto, esse quantitativo ganha uma proporção maior, considerando a abordagem Qualitativa da pesquisa, em que a interpretação dos dados pelos pesquisadores passa a ser preponderante em relação à subjetividade.
Em relação ao quantitativo de Programas, que tem como retorno o quantitativo de teses e dissertações, a região Centro‐Oeste está à frente apenas da região Norte do Brasil, considerando o período do recorte do estudo (2000 a 2010). Já em relação aos Estados da região Centro‐Oeste, identifica‐se certa paridade, apenas Mato Grosso do Sul aparece com um maior número de Programas de Pós‐Graduação, conforme FIG. 01. Os dados têm sofrido alterações constantes, com a política da CAPES de ampliar a oferta de Programas de Pós‐Graduação em regiões do País com menor quantitativo de Programas. Tal política da CAPES pode ser constatada em todos os Estados da região Centro‐Oeste, a saber: MS: 01 mestrado profissional, cinco mestrados acadêmicos e dois doutorados; MT: 03 mestrados acadêmicos e um doutorado; GO: 04 mestrados acadêmicos e 02 doutorados; DF: 01 mestrado profissional, 02 mestrados acadêmicos e 02 doutorados, conforme FIG. 02. FIG 01: Quantitativo de Programas de Pós‐Graduação em Educação da Região Centro‐Oeste. 2011 2013 Me. Profis. 01 02 Me. Acadêm. 12 14 Doutorado 07 07 Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
FIG 02: Quantitativo de Programas de Pós‐Graduação em Educação por estado da Região Centro‐Oeste.
2011 2013 MT 03 04 DF 03 03 GO 02 04 MS 05 06
Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
As figuras 01 e 02 apresentam a evolução dos Programas de
Pós‐Graduação em Educação em dois anos, na região Centro‐Oeste (2011 a 2013). No entanto, essa expansão ainda não é suficiente, considerando a populaçãodessa região e a demanda verificada principalmente no quantitativo de professores da Educação Básica, que em casos isolados não têm sequer especialização.
Como são poucos os Programas de Pós‐Graduação em Educação na Região Centro‐Oeste, com alguns reconhecidos pela CAPES após 2011, entende‐se o pequeno quantitativo de teses e dissertações inseridas nos bancos de dados desses programas, principalmente em relação à temática Educação Especial, que é um tema que vem suscitando interesse dos pesquisadores nos últimos anos.
Assumimos que existe um esforço coletivo na busca de alternativas para implementar a política de expansão da inclusão escolar de alunos com deficiência no ensino regular. Essas alternativas têm enfrentado muitas dificuldades, considerando forças oponentes e com interesses distintos que se afastam e afastam as pessoas com NE dessas discussões, não incentivando a participação dos principais interessados nas decisões. É relevante que tenhamos
clareza de que, em si mesmos, o embate crítico ao ideário inclusivista e a denúncia de sua filiação aos objetivos reprodutivistas do capital não bastam, embora este seja passo importante e até decisivo para a transformação social e escolar, como defendido anteriormente. Nesse sentido, pensamos que, sendo as ilusões e suas cadeias duramente combatidas, por meio de um esforço teórico para a interpretação desmistificada do real, poderá desabrochar, pelas sendas da História, o desejo pela flor viva, vale dizer, pela ação humana revolucionária (BEZERRA; ARAUJO, 2013, p. 585).
Os estudos sobre Educação Especial nas universidades do
Brasil começam a ser ampliados gradativamente, pois já é possível constatar o interesse, mesmo que tímido, pela temática educação especial, em uma perspectiva inclusiva, por pesquisadores de diferentes áreas o conhecimento, com maior volume de pesquisas concentrado na área de Humanas, em especial, na área de Educação, conforme observamos em sites de universidades e de domínio público.
Na região Centro‐Oeste, levantamos o quantitativo de trabalhos que vem sendo realizados pelos Programas de Pós‐Graduação sobre a temática Educação Especial e Inclusiva. Os Estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e o Distrito Federal têm contribuído para os estudos inerentes à temática, embora de forma reduzida, considerando o número de defesas em outras áreas da Educação e o número de defesas ocorridas entre 2000 e 2010 sobre Educação Especial e Inclusiva.
Ao analisarmos as dissertações e teses da região Centro‐Oeste, no banco de catalogação dessas Instituições e nos sites de domínio público é que definimos, neste artigo, apresentar os resultados das Instituições que oferecem Programas de Pós‐Graduação em Educação de toda a Região Centro‐Oeste, observando as instituições de ensino superior com defesas de dissertações e teses, pois alguns Programas de Pós‐Graduação em Educação da UFG, campus de Catalão e Jataí; da UEMS, Unidade de Paranaíba e Campo Grande; da UFMT campus de Rondonópolis e da UNEMAT, campus de Cáceres, foram criados após o período de recorte deste estudo, com início das atividades a partir de 2011.
A Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC/GO) e a Universidade Federal de Goiás (UFG), campus de Goiânia, oferecem mestrado e doutorado, ambas com várias defesas anuais sobre Educação e Educação Especial, conforme quadros 01 e 02. A UNB e a UCB oferecem mestrado e doutorado, sendo que a primeira também oferece o Mestrado Profissional. No Estado de Mato Grosso do Sul, a UCDB e a UFMS oferecem mestrado e doutorado, a UEMS, UFGD e a UFMS do Pantanal oferecem mestrado acadêmico, e a UEMS/Campo Grande oferece mestrado profissional. Em Mato Grosso eram dois mestrados e um doutorado, tendo sido ampliado para três mestrados e manteve um doutorado.
No tocante às produções dos Programas de Pós‐Graduação da Região Centro‐Oeste, observamos que o quantitativo de teses apresentado é pequeno, tal fato se dá porque os Programas da Região Centro‐Oeste são novos e não ofertam doutorado. Já quanto às dissertações, esse quantitativo aumenta, no entanto, na área de Educação Especial, o quantitativo é baixo, principalmente em razão de docentes vinculados a grupos de estudos e/ou linhas de pesquisas ser mínimo. Tal situação começa a ser alterada, pois docentes de novos programas da região Centro‐Oeste estão vinculados a linhas de pesquisas sobre Educação Especial.
Os quadros apresentados sobre o quantitativo das teses e dissertações dos programas de Pós‐Graduação em Educação da Região Centro‐Oeste deixam de apresentar alguns dados de anos anteriores a 2005, considerando que não foi possível localizá‐los in loco, na página dos programas e nos portais de domínio público. O breve descritivo feito sobre os programas é para facilitar a compreensão dos períodos das defesas, assim como para verificar a evolução dos mesmos.
O Programa de Pós‐Graduação em Educação da PUC Goiás, nível de Mestrado, foi implantado em 1999, sendo recomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) em março de 2001, com decisão favorável ao reconhecimento pelo Ministério da Educação/CNE. Em 2006, o
Programa obteve da Capes a autorização para implantação do Doutorado em Educação. A Área de Concentração do Programa é Educação e Sociedade, tendo três Linhas de Pesquisa: Teorias da Educação e Processos Pedagógicos; Estado, Políticas e Instituições Educacionais; e Educação, Sociedade e Cultura; que envolve dezenove docentes de diferentes grupos de estudos e linhas de pesquisa (PUC‐GO, 2012). A PUC/GO tem realizado um trabalho efetivo na formação de mestres e doutores em Educação na Região Centro‐Oeste. Em dez anos (fevereiro de 2001 a dezembro de 2010) ocorreram 167 defesas no Programa de mestrado e três defesas no Programa de doutorado, num cômputo de 170 defesas. Dessas 167 dissertações e três teses, dez dissertações são sobre a temática em estudo ‐ Educação Especial e Inclusiva, ou seja, 5,88% da produção, conforme Quadro 01.
Quadro 01: Defesas do Programa de Pós‐Graduação em Educação da PUC‐GO (2000‐ 2010)
Dissertações Dissertações em Educação Especial
Teses Teses em Educação Especial
Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade2000 ‐ 2000 ‐ 2000 ‐ 2000 ‐ 2001 12 2001 ‐ 2001 ‐ 2001 ‐ 2002 25 2002 ‐ 2002 ‐ 2002 ‐ 2003 13 2003 ‐ 2003 ‐ 2003 ‐ 2004 16 2004 02 2004 ‐ 2004 ‐ 2005 24 2005 01 2005 ‐ 2005 ‐ 2006 13 2006 03 2006 ‐ 2006 ‐ 2007 21 2007 02 2007 ‐ 2007 ‐ 2008 12 2008 01 2008 ‐ 2008 ‐ 2009 03 2009 01 2009 ‐ 2009 ‐ 2010 28 2010 ‐ 2010 03 2010 ‐ Total 167 Total 10 Total 03 Total 0
Fonte: Site do Programa de Pós‐Graduação em Educação da PUC‐GO.
O Programa de Pós‐Graduação em Educação da UFG de Goiás, nível de Mestrado, foi implantado em 1985, sendo recomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES), com início das atividades em 1986. No
ano de 2002, o Programa obteve da CAPES a autorização para implantação do doutorado em Educação.
O Programa oportuniza aos interessados pelo mestrado ou doutorado quatro Linhas de Pesquisa: Educação, Trabalho e Movimentos Sociais; Estado e Políticas Educacionais; Cultura e Processos Educacionais; e Formação e Profissionalização Docente. Desenvolvendo orientações, pesquisas e produção intelectual, a partir das linhas de pesquisa, o Programa conta com 27 docentes, vinculados a diferentes grupos de estudos e linhas de pesquisa (UFG, 2012). A UFG tem contribuído com a formação de mestres e doutores da Região Centro‐Oeste. Em dez anos, 289 discentes defenderam suas dissertações de mestrado e 51 discentes defenderam suas teses de doutorado, num cômputo de 340 defesas no Programa. Dessas 340 dissertações e teses, apenas doze são sobre a temática em estudo ‐ Educação Especial e Inclusiva, sendo onze dissertações e uma tese, ou seja, 3,52%, conforme Quadro 02. Quadro 02: Defesas do Programa de Pós‐Graduação em Educação
da UFG (2000‐ 2010) Dissertações Dissertações em
Educação Especial Teses Teses em
Educação Especial
Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade2000 32 2000 ‐ 2000 ‐ 2000 ‐ 2001 28 2001 ‐ 2001 ‐ 2001 ‐ 2002 43 2002 01 2002 ‐ 2002 ‐ 2003 18 2003 01 2003 ‐ 2003 ‐ 2004 27 2004 ‐ 2004 01 2004 ‐ 2005 21 2005 01 2005 01 2005 ‐ 2006 22 2006 01 2006 09 2006 ‐ 2007 26 2007 03 2007 10 2007 ‐ 2008 35 2008 03 2008 09 2008 ‐ 2009 21 2009 01 2009 13 2009 ‐ 2010 16 2010 ‐ 2010 08 2010 01 Total 289 Total 11 Total 51 Total 01
Fonte: Site do Programa de Pós‐Graduação em Educação da UFG. O Programa de Pós‐Graduação em Educação da UCB, nível
de Mestrado, foi recomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) em 1994,
com decisão favorável ao reconhecimento pelo Ministério da Educação/CNE. Em 2009, o Programa obteve da Capes a autorização para implantação do Doutorado em Educação. Considerando o período de implantação e primeiras defesas, o Programa não tem nenhum tese defendida no período delimitado para a pesquisa. (UCB, 2013).
As Áreas de Concentração do Programa são Política e Administração Educacional e Ensino‐aprendizagem tendo a primeira área de concentração uma articulação com a linha de pesquisa Política, Gestão e Economia da Educação e a segunda área a articulação com as linhas de pesquisa Dinâmica Curricular e Ensino‐Aprendizagem; e Educação, Juventude, Sociedade; que envolve dezesseis docentes de diferentes grupos de estudos e linhas de pesquisa. (UCB, 2013).
Quadro 03: Defesas do Programa de Pós‐Graduação em Educação
da UCB (2000‐ 2010) Dissertações Dissertações em
Educação Especial Teses Teses em
Educação Especial Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade 2000 ‐ 2000 01 2000 ‐ 2000 ‐ 2001 ‐ 2001 01 2001 ‐ 2001 ‐ 2002 01 2002 01 2002 ‐ 2002 ‐ 2003 ‐ 2003 01 2003 ‐ 2003 ‐ 2004 19 2004 01 2004 ‐ 2004 ‐ 2005 12 2005 02 2005 ‐ 2005 ‐ 2006 19 2006 02 2006 ‐ 2006 ‐ 2007 29 2007 ‐ 2007 ‐ 2007 ‐ 2008 35 2008 02 2008 ‐ 2008 ‐ 2009 25 2009 ‐ 2009 ‐ 2009 ‐ 2010 27 2010 02 2010 ‐ 2010 ‐ Total 167 Total 13 Total ‐ Total ‐
Fonte: Site do Programa de Pós‐Graduação em Educação da UCB‐DF. A UCB, mesmo sendo uma IES Privada, tem contribuído na formação de em Educação na Região Centro‐Oeste. Em cinco anos, 2004 a 2010 ocorreram 166 defesas no Programa de mestrado. Dessas 166 dissertações, nove dissertações são sobre a temática em estudo ‐ Educação Especial e Inclusiva, ou seja, 5,42% da produção, conforme Quadro 03. Há que se considerar que não foi possível levantar os dados completos de 2000 a 2003.
O Programa de Pós‐Graduação em Educação da UNB, nível de Mestrado, foi recomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal do Ensino Superior (CAPES) em 1975 e o Doutorado foi recomendado em 1998.
A área de concentração do Programa é Educação e se articula com seis linhas de pesquisas: ‐ Políticas Públicas e Gestão da Educação; ‐ Escola, Aprendizagem, Ação Pedagógica e Subjetividade na Educação; ‐ Educação em Ciências e Matemática; ‐ Profissão Docente, Currículo e Avaliação; ‐ Educação Tecnologias e Comunicação; ‐ Educação Ambiental e Educação do Campo; com 46 docentes permanentes e nove docentes colaboradores (UNB, 2013).
A UNB tem realizado um trabalho constante na formação de mestres e doutores em Educação na Região Centro‐Oeste. Em cinco anos ocorreram 255 defesas no Programa de mestrado e 22 de doutorado. Dessas 277 dissertações e teses, onze são sobre a temática em estudo ‐ Educação Especial e Inclusiva, ou seja, 3,97% da produção, conforme Quadro 04.
Quadro 04: Defesas do Programa de Pós‐Graduação em Educação
da UNB (2000‐ 2010) Dissertações Dissertações em
Educação Especial Teses Teses em
Educação Especial
Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade 2000 ‐ 2000 ‐ 2000 2000 ‐ 2001 ‐ 2001 ‐ 2001 2001 ‐ 2002 ‐ 2002 01 2002 2002 ‐ 2003 ‐ 2003 01 2003 2003 ‐ 2004 ‐ 2004 ‐ 2004 2004 ‐ 2005 01 2005 02 2005 2005 ‐ 2006 27 2006 02 2006 ‐ 2006 ‐ 2007 55 2007 01 2007 ‐ 2007 ‐ 2008 61 2008 05 2008 03 2008 ‐ 2009 76 2009 01 2009 13 2009 ‐ 2010 35 2010 02 2010 06 2010 ‐ Total 255 Total 15 Total 22 Total ‐
Fonte: Site do Programa de Pós‐Graduação em Educação da UNB‐DF. O Programa de Pós‐Graduação em Educação da
Universidade Católica Dom Bosco, nível de Mestrado, iniciou seu
funcionamento em 1994. Em 2010, o Programa obteve da Capes a autorização para implantação do Doutorado em Educação.
A Área de Concentração do Programa é Educação, tendo três Linhas de Pesquisa: ‐ Políticas Educacionais, Gestão da Escola e Formação Docente; ‐ Práticas Pedagógicas e suas Relações com a Formação Docente; ‐ Diversidade Cultural e Educação Indígena; que envolve treze docentes permanentes de diferentes grupos de estudos e linhas de pesquisa (UCDB, 2013). Quadro 05: Defesas do Programa de Pós‐Graduação em Educação
da UCDB (2000‐ 2010) Dissertações Dissertações em
Educação Especial Teses Teses em
Educação Especial Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade
2000 19 2000 03 2000 ‐ 2000 ‐ 2001 ‐ 2001 ‐ 2001 ‐ 2001 ‐ 2002 14 2002 ‐ 2002 ‐ 2002 ‐ 2003 18 2003 01 2003 ‐ 2003 ‐ 2004 03 2004 ‐ 2004 ‐ 2004 ‐ 2005 19 2005 02 2005 ‐ 2005 ‐ 2006 22 2006 01 2006 ‐ 2006 ‐ 2007 24 2007 ‐ 2007 ‐ 2007 ‐ 2008 27 2008 01 2008 ‐ 2008 ‐ 2009 26 2009 ‐ 2009 ‐ 2009 ‐ 2010 20 2010 01 2010 ‐ 2010 ‐ Total 192 Total 09 Total ‐ Total ‐
Fonte: Site do Programa de Pós‐Graduação em Educação da UCDB‐MS. ‐ A UCDB, IES Privada, desenvolve um relevante papel na formação de mestres em Educação na Região Centro‐Oeste. Em dez anos ocorreram 192 defesas no mestrado. Dessas 192 dissertações, nove são sobre a temática em estudo ‐ Educação Especial e Inclusiva, ou seja, 4,7% da produção, conforme Quadro 05.
O Programa de Pós‐Graduação em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, nível de Mestrado, iniciou seu funcionamento em 1988. Em 2004, o Programa obteve da Capes a autorização para implantação do Doutorado em Educação.
A Área de Concentração do Programa é Educação, tendo cinco Linhas de Pesquisa: Educação e Trabalho, Ensino de Ciências
e Matemática; História, Políticas e Educação; Escola, Cultura e Disciplinas Escolares, Educação, Psicologia e Prática Docente, contando com 23 docentes permanentes.
Quadro 06: Defesas do Programa de Pós‐Graduação em Educação
da UFMS (2000‐ 2010) Dissertações Dissertações em
Educação Especial Teses Teses em
Educação Especial
Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade
2000 06 2000 01 2000 ‐ 2000 ‐ 2001 15 2001 ‐ 2001 ‐ 2001 ‐ 2002 21 2002 01 2002 ‐ 2002 ‐ 2003 23 2003 02 2003 ‐ 2003 ‐ 2004 20 2004 02 2004 ‐ 2004 ‐ 2005 31 2005 02 2005 ‐ 2005 ‐ 2006 34 2006 05 2006 ‐ 2006 ‐ 2007 23 2007 03 2007 ‐ 2007 ‐ 2008 20 2008 04 2008 01 2008 ‐ 2009 23 2009 01 2009 09 2009 02 2010 17 2010 02 2010 10 2010 ‐ Total 233 Total 23 Total 20 Total 02
Fonte: Site do Programa de Pós‐Graduação em Educação da UFMS.
A UFMS tem realizado um trabalho efetivo na formação de mestres e doutores em Educação na Região Centro‐Oeste. Em dez anos ocorreram 233 defesas no Programa de mestrado e vinte defesas no de doutorado. Dessas 253 dissertações e teses, 25 são sobre a temática em estudo ‐ Educação Especial, ou seja, 9,88% da produção, conforme Quadro 06.
O Mestrado em Educação da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) foi o primeiro curso de Pós‐Graduação Stricto Sensu da Universidade, sendo criado em 1987, com início da primeira turma em 1988. O curso de Doutorado iniciou em 1994, mas em 1996 recebeu parecer desfavorável da CAPES para seu funcionamento. O mesmo foi novamente proposto pelo Conselho de Ensino e Pesquisa/UFMT, em 28 de janeiro de 2008, juntamente com a nova proposta do Mestrado em Educação, pela Resolução 05/2008.
Após várias e sucessivas alterações ao longo dos anos, definiu‐se atualmente pela Área de Concentração em Educação,
com cinco Linhas de Pesquisa: ‐ Culturas escolares e Linguagens; ‐ Educação em Ciências e Educação Matemática; ‐ Organização Escolar, Formação e Práticas Pedagógicas; ‐ Cultura, Memória e Teorias da Educação; ‐ Movimentos Sociais, Política e Educação Popular; contando com 29 docentes permanentes.
A UFMT tem se destacado na formação de mestres em Educação na Região Centro‐Oeste. Em dez anos ocorreram 508 defesas no Programa de mestrado e oito defesas no doutorado, considerando que o doutorado iniciou, mas não obteve autorização pela Capes para seu funcionamento, tendo sido garantida a defesa dos ingressantes, em parcerias com outros programas com doutorado autorizado (SILVA, 2008). Dessas 516 dissertações e teses, apenas duas são sobre a temática em estudo ‐ Educação Especial e Inclusiva, ou seja, 0,38% da produção, conforme Quadro 07. Há que considerar ainda que não foi possível um levantamento detalhado do material anterior a 2006, pois não constam no site de domínio público e também não foi localizado na Biblioteca Central da UFMT, em pesquisa in loco.
Quadro 07: Defesas do Programa de Pós‐Graduação em Educação da UFMT (2000‐ 2010)
Dissertações Dissertações em Educação Especial
Teses Teses em Educação Especial
Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade Ano Quantidade
2000 37 2000 ‐ 2000 01 2000 ‐ 2001 18 2001 ‐ 2001 01 2001 ‐ 2002 54 2002 ‐ 2002 03 2002 ‐ 2003 37 2003 ‐ 2003 02 2003 ‐ 2004 36 2004 ‐ 2004 01 2004 ‐ 2005 49 2005 ‐ 2005 ‐ 2005 ‐ 2006 62 2006 ‐ 2006 ‐ 2006 ‐ 2007 62 2007 ‐ 2007 ‐ 2007 ‐ 2008 77 2008 01 2008 ‐ 2008 ‐ 2009 41 2009 01 2009 ‐ 2009 ‐ 2010 35 2010 ‐ 2010 ‐ 2010 ‐ Total 508 Total 02 Total 08 Total ‐
Fonte: Portal Domínio Público e Dissertação de Liane Deise da Silva (UFMT, 2008).
Com os dados levantados nas teses e dissertações afirmamos que as pesquisas realizadas nos programas de pós‐graduação em Educação da Região Centro‐Oeste não contemplaram o tema Educação Especial em uma proporção satisfatória. O Distrito Federal, seguido do Estado de Mato Grosso do Sul foram os que realizaram mais estudos sobre Educação Especial, tendo a Deficiência Intelectual como a categoria de necessidade especial mais pesquisada nos programas de pós‐graduação em educação nessa Região, mas é relevante destacar que os estudos genéricos sobre Inclusão Escolar foram mais presentes nas dissertações. Os estudiosos da temática Maria Tereza Mantoan, Rosângela Prieto, Romeu Sassaki, Mônica Kassar e os teóricos Karl Marx, Lev. S. Vygotsky e Piaget foram os mais citados nas discussões das dissertações.
É relevante informar que todos os Programas já estão disponibilizando online suas teses e dissertações desde 2006 e alguns programas estão escaneando as antigas para disponibilizá‐las em seus bancos de dados mesmo que ainda os dados não estejam organizados por categorias, para facilitar a socialização das produções. Considerações finais
Concluímos que os estudos realizados recentemente nos
Programas de Pós‐Graduação em Educação, na temática Educação Especial e/ou Inclusiva, ainda deixam lacunas que podem ser completadas por outros pesquisadores, além de ainda existir um vasto campo para análise, em virtude de serem vários os níveis de ensino, modalidades de educação, comunidade interna e externa das instituições; ou seja, ainda não se esgotaram as possibilidades de estudos sobre o tema.
À luz das teses e dissertações, é possível verificar que são poucos os estudos realizados sobre Educação Especial e Inclusiva nos programas de Pós‐Graduação em Educação da região Centro‐Oeste no período de 2000 a 2010. Entretanto, é relevante mencionar que apesar da frequência flutuante, os olhares se firmam para essa
temática, o que demonstra a necessidade de pesquisas sobre ela. Quiçá, estudos vindouros contribuam diretamente com os sujeitos das análises, e assim cumpram sua função social.
Conquistas vêm sendo obtidas, mas não o suficiente para se conformar com o que está posto. Sempre é momento de se repensar a Educação Especial, tentando superar paradigmas que não atendem as especificidades do Público Alvo da Educação Especial (PAEE).
REFERÊNCIAS BEZERRA, G. F.; ARAUJO, D. A. C. De volta à teoria da curvatura da vara: a deficiência intelectual na escola inclusiva. Educação em Revista. Belo Horizonte‐MG: FAE/UFMG. V.27, nº 02, agos. 2011. p. 277‐302. ______. Em busca da flor viva: para uma crítica ao ideário inclusivista em educação. Revista Educação e Sociedade. Revista de Ciências da Educação. Campinas‐SP. Vol. 34, abr‐jun. 2013. BRASIL. CNPQ – Diretório de grupos de pesquisas. Disponível em: <http://www.cnpq.br/gpesq/apresentacao.htm>. Acesso em: 10 mar. 2012. ______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília‐DF: Gráfica do Senado Federal, 1988. ______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394. Brasília‐DF: Gráfica do Senado Federal, 1996. ______. Plano Nacional de Educação. Brasília‐DF: Gráfica do Senado Federal, 2001. FERREIRA, N. S. A. As pesquisas denominadas ʺestado da arteʺ. Educação e Sociedade. Ano XXIII, n. 79, ago, 2002. PUC/GO. Histórico do Programa de Pós‐Graduação da Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Disponível em: <http://www.ucg.br>. Acesso em: 11 mar. 2012. SILVA, L. D. da. História do Programa de Pós‐Graduação em Educação da UFMT (1987‐2007). Cuiabá‐MT: UFMT, 2008. Dissertação de Mestrado. SOARES, M. Alfabetização no Brasil. O Estado do Conhecimento. Brasília: INEP/MEC, 1989. UCB. Histórico da Universidade Católica de Brasília. Disponível em: <http://www.ucb.br>. Acesso em: 11 out. 2013.
UFG. Histórico da Universidade Federal de Goiás. Disponível em: <http://www.ufg.br>. Acesso em: 11 mar. 2012. UFMS. Histórico da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Disponível em: <http://www.ufms.br>. Acesso em: 20 set. 2013. UFMT. Histórico da Universidade Federal de Mato Grosso. Disponível em: <http://www.ufmt.br>. Acesso em: 18 set. 2013. UNB. Histórico da Universidade de Brasília. Disponível em: <http://www.unb.br>. Acesso em: 14 ago. 2013. UNESCO. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiências. Nova York, 2007. ______. Declaração Mundial sobre educação para todos. Jomtien, Tailândia, 1990. ______. Declaração de Salamanca. Resolução das Nações Unidas. Salamanca, Espanha, 1994.
IDENTIDADE, DEFICIÊNCIA E INCLUSÃO ESCOLAR: REFLEXÕES (E) CRÍTICAS A PARTIR DE UMA REPORTAGEM
DO PERIÓDICO NOVA ESCOLA
Giovani Ferreira Bezerra Introdução Nas últimas décadas, em particular a partir dos anos de 1990, o discurso em prol da inclusão escolar, da valorização das diferenças, das múltiplas identidades e das especificidades culturais tem se convertido em uma agenda político‐ideológica mundial, estruturada a partir de interesses econômicos do capitalismo globalizado. Unificando os compromissos dessa agenda, nota‐se a perspectiva do multiculturalismo e da pós‐modernidade, que este artigo não pretende discutir detalhadamente; mas apenas destacar alguns de seus elementos e pressupostos subjacentes, como a noção de identidade volátil, descentrada, e a fetichização das diferenças, em especial aquela de que tem sido alvo as deficiências humanas, reduzidas a uma nova forma de “identidade” a ser celebrada.
Para tanto, recorro à análise de uma reportagem, publicada na revista Nova Escola, no ano de 2004, por ser essa matéria reveladora da concepção pós‐moderna e multiculturalista hegemônica na atualidade; evidenciando também, no plano pedagógico, o revigoramento de postulados escolanovistas/construtivistas, típicos do universo ideológico neoliberal e pós‐moderno, instaurado globalmente desde a transição do século XX para o século XXI, conforme caracterizado por Duarte (2001). Cumpre explicitar que a revista Nova Escola, fundada em março de 1986, é um periódico direcionado para educadores e profissionais envolvidos diretamente com a educação escolar, apresentando‐se como “[...] a maior e melhor revista de Educação do Brasil, [...] sempre ao lado do professor” (NOVA ESCOLA..., 2011, p. 104, grifos meus).
Com periodicidade mensal, Nova Escola é vendida a preço de custo, pois recebe subsídios financeiros da Fundação Victor Civita, e tem a segunda maior circulação de exemplares entre todas as revistas nacionais, ficando atrás apenas do periódico semanal Veja (FUNDAÇÃO..., s. d; GROSSI, 2008). Quando se consideram apenas os periódicos da imprensa pedagógica, Nova Escola lidera absoluta esse filão editorial no Brasil, sendo a mais lida pelos professores de todo o país, principalmente aqueles da educação infantil e ensino fundamental (BARBOSA; MAZZONETTO; MIRANDA, 2007; GENTIL, 2006). Como esclarece o site da Fundação Victor Civita (LINHA..., s.d., n.p.), a revista é “[...] hoje voltada para professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental”. Tamanha popularidade de Nova Escola está relacionada não apenas ao valor irrisório pelo qual é comercializada, mas também ao fato de que a revista costuma ser enviada às escolas públicas brasileiras, por meio da compra de lotes de assinatura por governos municipais, estaduais e pelo governo federal (GROSSI, 2008). Juntas, essas circunstâncias asseguram ao periódico ampla capacidade de penetração e difusão nos mais diversos rincões brasileiros, de modo que, realmente, este “[...] vem ajudando a moldar o futuro de nossos professores e estudantes” (GROSSI, 2011, p. 11, grifo meu).
Apesar de se apresentar como revista de educação, o periódico adota um modelo editorial jornalístico, muito próximo ao de revistas de notícias, inclusive com anúncios publicitários, distanciando‐se das revistas de cunho científico. Porém, diante da influência ideológica exercida por Nova Escola junto aos professores‐leitores, que, muitas vezes, têm essa publicação como sua principal fonte de estudos, pesquisas e atualização profissional, haja vista ser esta, nas palavras de um ex‐editor do periódico, a “[...] revista que você [o professor] se acostumou a ler (e reler, e guardar, e pesquisar, e usar em sala de aula)” (GROSSI, 2000, p. 4), consideramos relevante esse artigo, ao problematizar um tema candente nos debates educacionais, qual seja, as interfaces entre inclusão escolar e multiculturalismo nesse momento histórico que
muitos denominam, longe de ser esta uma denominação consensual, como pós‐modernidade.
Não obstante tratar‐se este de um estudo que se debruça especificamente sobre uma reportagem, historicamente datada e situada, compreendemos que “o singular é sempre uma forma de realização do universal” (ALVES, 1995. p. 10). Isto é, o singular possibilita, dentro de seus limites, captar as tendências disseminadas e objetivadas na sociedade como um todo, revelando suas contradições e concretizações. É nesse sentido que nos propomos a empreender o trabalho analítico seguinte, compreendendo o singular em sua íntima conexão com a totalidade econômico‐social e histórica de que faz parte e pela qual é condicionado. 1. Inclusão escolar, deficiência e identidade: (pro)posições críticas à pós‐modernidade e ao multiculturalismo
Neste artigo, como dito na introdução, colocamos em
destaque uma reportagem publicada na revista Nova Escola, na edição de junho/julho de 2004. Intitulada Aparências diferentes? Talentos também, essa matéria discute possibilidades para se favorecer a construção identitária dos estudantes, sobretudo diante da presença de alunos com deficiência nas escolas comuns, enfocando, de modo particular, a inclusão escolar em uma turma de Educação de Jovens e Adultos (EJA). O termo identidade é recorrente na matéria e, por isso, é a partir dele que se baseia a análise proposta. O subtítulo já anuncia o escopo da temática abordada, ao afirmar que “Na escola inclusiva, a identidade se constrói com a valorização das qualidades de cada um dos estudantes” (CAVALCANTE, 2004, p. 32). E, no primeiro parágrafo, pode‐se ler o seguinte:
Trabalhar o tema identidade em uma turma de inclusão pode ser, à primeira vista, uma tarefa árdua. Como contribuir para que alunos que muitas vezes se sentem diferentes e que têm a autoestima fragilizada por causa de suas limitações se valorizem? A solução para o problema é mais simples do que você pensa: identificar e exaltar as capacidades de cada um, em vez de colocar em primeiro plano as possíveis limitações. A prática é indicada para
turmas de qualquer idade ou série (CAVALCANTE, 2004, p. 32, grifos meus).
A esta referência à ideia de constituição identitária, outras
se sucedem. Como exemplo, são apontados estes fragmentos: a) “Adotar uma postura positiva e incentivar o desenvolvimento das habilidades dos estudantes são passos importantes para que eles comecem a se conhecer e perceber o que têm de bom” (CAVALCANTE, 2004, p. 32, grifo meu); b) “Para fortalecer a identidade de crianças e adolescentes, em especial os deficientes, é necessário olhá‐los sem benevolência” (CAVALCANTE, 2004, p. 32, grifo meu); c) “A professora desenvolve também atividades nas quais cada um se reconhece como participante de um grupo, outro bom caminho para trabalhar a identidade” (CAVALCANTE, 2004, p. 33, grifos meus); d) “‘Esses alunos, além de conviver com a deficiência, chegam a essa modalidade de ensino [EJA] em virtude do fracasso na vida escolar. Por terem uma baixa autoestima, o trabalho de identidade é duplamente importante’” (SARTORETTO apud CAVALCANTE, 2004, p. 33, grifo meu); e)
A professora X10 faz questão ainda de mostrar a contribuição dos estudantes para o grupo por meio dos atributos pessoais. Papel sulfite e caneta são os únicos materiais necessários para a dinâmica proposta por ela. Em cada folha é escrito o nome de um aluno e os papéis passam de mão em mão. A tarefa é escrever alguma característica positiva sobre o colega. ‘É comum os estudantes ficarem emocionados e espantados ao saber o que os amigos veem de bom em sua personalidade. Dessa forma começam a se desinibir e a gostar mais de si’, afirma [a professora X] (CAVALCANTE, 2004, p. 33, grifos meus).
No interesse deste estudo, primeiramente, é preciso lembrar que a recorrência à categoria de identidade é um posicionamento do ideário pós‐moderno (HALL, 2005). Essa categoria tem dominado os discursos pedagógicos nos últimos anos, em especial no caso da formação docente (MARTINS, 2010), integrando a corrente multiculturalista, pela qual é incorporada, também, ao
10 O nome verdadeiro da professora, embora conste na reportagem, foi omitido neste artigo, para preservar sua identidade.
ideário inclusivista. Nos fragmentos selecionados, identidade é tratada como se fosse um tema a mais para ser trabalhado em sala de aula, deslocando “[...] o eixo da questão pedagógica do intelecto para o sentimento; do aspecto lógico para o psicológico [...]” (SAVIANI, 2009, p. 8); dos conteúdos cognitivos (SAVIANI, 2009) para os emotivos; do conhecimento para o autoconhecimento.
A princípio, essa tarefa seria difícil em uma “turma de inclusão”. A revista, porém, logo simplifica o trabalho do professor, invocado pelo pronome pessoal de tratamento você. E, para não desanimá‐lo, em tom informal, dá mais uma receita facilitadora para “driblar” a complexidade do processo pedagógico: “A solução para o problema é mais simples do que você pensa: identificar e exaltar as capacidades de cada um, em vez de colocar em primeiro plano as possíveis limitações” (CAVALCANTE, 2004, p. 32, grifos meus). O conflito “identitário”, o sentimento de “desvalor” dos estudantes é resolvido com a percepção e celebração festiva de suas habilidades, com vistas ao desenvolvimento de uma aprendizagem muito peculiar: aprender a gostar de si, aprender a ser aprendendo a viver juntos. O trabalho pedagógico lembra, aqui, a caricatura de uma “terapia de grupo”, na qual se faz a listagem, o relato e a apreciação das qualidades de cada participante.
Em certa medida, é possível inferir que, ao menos nesse caso, Nova Escola pressupõe o pensamento do professor sobre o “tema” e, ao mesmo tempo, desmerece, simplifica tal pensamento: “é mais simples do que você pensa”. O periódico dá a impressão de julgar o pensar docente como complicado demais. E, logo em seguida, dá aos professores a “solução para o problema”, o que neutraliza a reflexão docente, utilizando‐se do discurso pragmático, indicativo de “aplicabilidade genérica”: “A prática é indicada para turmas de qualquer idade ou série” (CAVALCANTE, 2004, p. 32).
Há, nos trechos de Nova Escola expostos anteriormente, apelo a conotações individualistas e subjetivistas (não subjetivas), presentes na retórica pós‐moderna. Indaga‐se sobre como o professor poderia contribuir para que o indivíduo “com limitações” se valorizasse, desenvolvesse sua autoestima. Não por acaso, tais dizeres lembram o mercado editorial dos livros de autoajuda. E, haja
vista a dramaticidade do conflito identitário, os alunos “fragilizados” precisariam de um empurrãozinho: as capacidades individuais devem ser não apenas reconhecidas, mas exaltadas na sala de aula inclusiva. Há, pois, uma fetichização operando sobre os alunos com deficiência, que, se não são mais uma “deficiência”, passam a ser a “exaltação de uma habilidade”; não chegam, entretanto, a serem vistos como seres sócio‐históricos, que se apropriam de e se objetivam mediados por objetivações genéricas (DUARTE, 1993), como sujeitos universais e livres, como o homem total marxiano (MARX, 2004; MARX; ENGELS, 2007).
Não desconsidero a existência de sentimentos de inferioridade e menos‐valia que atinjam, como um estado reativo da personalidade, os alunos com deficiência, em particular aqueles matriculados na EJA, duplamente negligenciados em sua história de vida; nem que não seja necessário encontrar meios de dirimir tais sentimentos para o e no encaminhamento da praxis educacional, cujo fim é mediar o desenvolvimento omnilateral em cada ser singular. Tampouco afirmamos que o aluno seja passivo nesse processo. Além do mais, nossas reservas ao emprego da palavra identidade explicam‐se na medida em que esta se vincula à compreensão do pós‐modernismo sobre o homem, visto como sujeito fragmentado, imerso em particularismos fetichistas e cambiantes, cada vez mais descentrado (HALL, 2005), distante de uma relação consciente consigo mesmo, com a coletividade e a genericidade. Entendemos que a exaltação de identidades, deslocadas de uma concepção histórico‐social de individualidade e subjetividade humanas (DUARTE, 1993, 1996; MARTINS, 2009), tende a abrir caminho para o surgimento de posturas individualistas de pessoas e de grupos, conquanto seja esta a maneira alienada como a pós‐modernidade capta a formação subjetiva do indivíduo.
Em alusão à modernidade tardia, que, no entender de Hall (2005), tem como marco os movimentos dos anos de 1960, precipuamente os agitos de 1968, o mesmo autor é bem explícito ao caracterizar, a partir desse período, a fragmentação identitária dos movimentos sociais, lembrando que:
Cada movimento apelava para identidade social de seus sustentadores. Assim, o feminismo apelava às mulheres, a política sexual aos gays e lésbicas, as lutas raciais aos negros, o movimento antibelicista aos pacifistas, e assim por diante. Isso constitui o nascimento histórico do que veio a ser conhecido como a política de identidade ‐ uma identidade para cada movimento (HALL, 2005, p. 45, grifos do autor).
Em outra passagem, ao explicar os “descentramentos”
conceituais provocados pelo movimento feminista em relação ao sujeito cartesiano e sociológico, predominante na modernidade, Hall (2005, p. 46, grifo do autor) evidencia que: “O feminismo questionou a noção de que os homens e mulheres eram parte da mesma identidade, a ‘Humanidade’, substituindo‐a pela questão da diferença sexual”. Ao definir identidade, cita que esta “[...] torna‐se uma ‘celebração móvel’: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987)” (HALL, 2005, p. 13, grifo meu). E, logo adiante, prossegue dizendo que “O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um ‘eu’ coerente” (HALL, 2005, p. 13). Identidade remete, pois, a uma representação transitória, a algo para ser celebrado segundo a conveniência e a pertinência da “moda”; o conceito alude ao esfacelamento do indivíduo, em vez de permitir‐lhe a síntese, a unidade dialética, a tomada de consciência, como ser para si (MARX, 2004) que conhece a verdade sobre a pessoa e a humanidade, dominando conscientemente suas funções psicológicas superiores (VIGOTSKI, 2004).
Certamente, é preciso ressalvar que o uso da palavra identidade, per se, não é suficiente para caracterizar a abordagem da revista como pós‐moderna, nem se imputa à palavra vinculação automática a esse ideário. Ocorre que, pela forma como se entende o processo de constituição identitária na reportagem visada, torna‐se difícil não admitir semelhante vinculação, ainda mais quando se sabe que a matéria integra o coro discursivo das representações ideológicas do movimento inclusivista. Em certo editorial de Nova Escola, fica explicitado que
Nos últimos anos, NOVA ESCOLA vem acompanhando de perto uma das mais importantes transformações da Educação brasileira: o movimento para oferecer a inclusão das crianças com deficiência na rede regular (e garantir que todas aprendam, ainda que limitadas por suas condições específicas). Essa evolução foi mostrada em grandes reportagens publicadas na revista (GROSSI, 2009, p. 6). Rapidamente, relembramos que o movimento de inclusão
escolar, no Brasil, tem se dado de maneira idealizada, por não levar em conta os determinantes contraditórios e os antagonismos da base material capitalista, que limitam o alcance dessa proposta e convertem‐na em um jogo discursivo politicamente correto e sedutor; porém, com consequências negativas para o processo de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos com deficiência (BEZERRA; ARAUJO 2010, 2011), na proporção em que o apelo pela educação inclusiva tem promovido “[...] o esvaziamento da atuação pedagógica especializada com os alunos em processo de inclusão” (BEYER, 2010, p. 38). Ao se perder de vista a perspectiva da transformação radical da sociedade, mediante a aceitação tácita de uma inclusão precária, que “[...] se dá de modo subordinado, subjugado, para reproduzir esse modelo” (BARROCO, 2007a, p. 167), oblitera‐se a compreensão totalizante (uma referência que a pós‐modernidade tende mesmo a descartar) de que “[...] o preconceito, o estigma, a lógica da exclusão, etc. apresentam‐se às pessoas com base nas condições objetivas e, sem superação das mesmas, a transformação pleiteada não se torna possível nos moldes como se defende e se gostaria” (BARROCO, p. 20, 2007b).
Sassaki (2010), ao apresentar as ideias inclusivistas, sintetiza com clarividência o respectivo movimento, possibilitando‐nos perceber as influências da discursividade pós‐moderna e as idealizações que gravitam em torno da tendência inclusivista hegemônica, pela qual se pode construir uma nova sociedade, de e para todos, apenas com a mediação de novos princípios, no plano ideal; e não pelo enfretamento, agudização e superação do modo de produção existente, assentado no capital. Para o autor,
Este movimento [de inclusão social, no bojo do qual está situada a inclusão escolar] tem por objetivo a construção de uma sociedade realmente
para todas as pessoas, sob inspiração de novos princípios, dentre os quais se destacam: celebração das diferenças, direito de pertencer, valorização da diversidade humana, solidariedade humanitária, igual importância das minorias, cidadania com qualidade de vida (SASSAKI, 2010, p. 17, grifos meus).
Nesse sentido, quero dizer que a revista, no que concerne
ao texto objeto de análise, conscientemente ou não, reforça esse ideário inclusivista, perante a incorporação de noções relativistas do individualismo pós‐moderno, a celebração fetichista das diferenças, das identidades e da (auto)valorização da pessoa, não como sujeito da práxis, mas mediante um processo alienante de subjetivação. Concordo com Frederico (apud DUARTE, 2001, p. 78) sobre o fato de que, no pós‐modernismo, “A luta original pela igualdade caminhou [...] para o labirinto dos particularismos irredutíveis, nos quais o universalismo da reivindicação igualitária perdeu‐se na Babel dos dialetos grupais, hostis entre si, dificultando ao máximo o reconhecimento da identidade coletiva”. Prevalecem os seres ensimesmados em suas diferenças ou minorias, autoestimados em momentos passionais fugazes; predominam as representações mistificadas dos deficientes bem‐sucedidos (CURY apud CAVALCANTE, 2004; CAVALCANTE, 2004), que, com força e determinação pessoal, tornam‐se grandes personalidades, sobretudo por não ficarem lamentando sua condição e irem à luta. Como diz Cury (apud CAVALCANTE, 2004, p. 32‐33, grifo meu), “Uma boa dica é mostrar pessoas que conviveram com algum tipo de deficiência e foram bem sucedidas”, ao que completa Cavalcante (2004, p. 33, grifo meu): “Você pode solicitar pesquisas sobre grandes personalidades que não limitaram sua vida por causa de uma deficiência”.
As interposições capitalistas são ignoradas pela revista, pois a remoção dos obstáculos rumo ao sucesso diz respeito à disposição da pessoa, tenha esta ou não meios materiais para realizar sua vontade. Há, inclusive, certa oposição, tácita, entre atributos pessoais considerados positivos e outros supostamente considerados “negativos”, “não bons”. Logo, dicotomiza‐se e fraciona‐se a personalidade. Isto se verifica em trechos como este:
Tendo isso em vista [a baixa autoestima dos alunos da EJA, especialmente no caso dos alunos com alguma deficiência matriculados nessa modalidade de ensino], coloque em evidência o que seu aluno tem de bom. Alguém na sala não enxerga? Eis uma limitação. Mas o que ele sabe fazer com competência? Ele canta ou se socializa bem? Todos têm limitações e capacidades, e é papel da escola ensinar e praticar o respeito às diferenças, dando oportunidades a crianças, jovens e adultos de reconhecer seus limites e os dos colegas. E, acima de tudo, destacar o que há de bom em si e nos outros (CAVALCANTE, 2004, p. 33, grifos meus). O excerto sugere algumas reflexões pertinentes e serve de
mote a outras. A priori, é no mínimo razoável pensar que, “acima de tudo”, o simples destaque daquilo que o aluno “sabe fazer com competência”, “o que tem de bom”, torna‐se, para Nova Escola, um fim em si mesmo nas relações escolares. Se um aluno não sabe isto, que faça aquilo. Não há, todavia, uma preocupação clara com a superação dos limites ou das “diferenças”, que devem ser respeitadas; portanto, mantidas. O tom do discurso é pragmático e beira à ironia: se há um aluno que não enxerga, não há porque se preocupar. Ele pode cantar ou se socializar muito bem. Eis uma solução! De fato, tais habilidades têm importância social e educativa, mas parece‐me que elas estão obliterando o ensino e a aprendizagem escolares, os quais interessam à escola enquanto instituição formal propriamente dita, seja para pessoas com ou sem deficiência, seja turmas de jovens e adultos, ou quaisquer outros estudantes.
Nas proposições discursivas da revista, o ideário inclusivista aparece ratificado. pelo lema do ser diferente é normal. Dessa perspectiva, a própria deficiência e as demais singularidades humanas se reduzem a diferenças para serem celebradas, a um slogan esvaziado de sentido e objetividade; ou, até mesmo, a um “privilégio”, comemorado como nova forma de “riqueza (multi)cultural”. Um box, posto como adendo à reportagem, traz, por exemplo, a ideia, novidadeira, de que toda classe é “inclusiva”. No comentário de Baroukh (apud CAVALCANTE, 2004, p. 33, grifos meus):
‘Ser gordo ou muito magro, agressivo, negro, superdotado, pobre ou rico, ter déficit de atenção ou diabetes e usar óculos muitas vezes torna
um aluno alvo de exclusão, preconceito e piadinhas’, cita a psicóloga Josca Baroukh. ‘Por isso, todos os professores, sem exceção, precisam praticar o respeito e a tolerância, que só nascem quando se entende que o normal é ser diferente’, ensina. Qualquer semelhança com os textos que compõem o
Relatório Jacques Delors (1998) não é fortuita, pois Nova Escola confirma, em grande parte, o ideário ali delineado para o século XXI. Ela testifica‐o. Neste documento, perpassado por ambiguidades capciosas e contradições próprias do capitalismo em reforma e renovação cultural, que anuncia transformações para coibi‐las, que se adapta aos anseios populares sem negar a si mesmo, podem‐se ler passagens emblemáticas sobre o reconhecimento do outro, das múltiplas alteridades. Isso como fundamento e arte do aprender a viver juntos e do aprender a ser (DELORS, 1998). Nanzhao (1998, p. 264, grifos meus), um dos autores do relatório, quando elenca os valores culturais universais a serem cultivados pela educação do novo século, com o fito de se promover uma ética global, menciona, entre esses valores, a “compreensão e tolerância em relação às diferenças e ao pluralismo culturais, pré‐requisito indispensável à coesão social, à coexistência pacífica e à resolução dos conflitos pela negociação e não pela força e, no fim de contas, à paz mundial”. Kornhauser (1998, p. 236‐237, grifos meus), outro integrante da comissão elaboradora do documento, cita ainda que
Há uma [...] noção, objeto de muitos debates sobretudo nos países em transição: a da tolerância. No futuro talvez a tolerância não baste e ser‐nos‐á necessário, para podermos viver juntos, passar da tolerância à cooperação ativa. Esta implica esforços comuns para proteger a diversidade. Em vez de “sou tolerante” passar‐se‐á a dizer eu respeito. Singh (1998, p. 244), outro coautor do relatório, é explícito
ao defender a adoção, em escala mundial, de “[...] métodos pedagógicos inovadores e interativos [...]”, pondo‐se muito próximo do construtivismo/neoscolanovismo. Stavenhagen (1998), também membro da supracitada comissão, falando sobre multiculturalismo, lança uma crítica às instituições de ensino e aos conteúdos clássicos, defendendo novos métodos, novos processos
educacionais. Outra vez, é notória certa vinculação entre inclusivismo e multiculturalismo, mediada por discursos (neo)escolanovistas. Para o autor,
Uma educação verdadeiramente multicultural [...] Levará cada um a tomar consciência da diversidade e a respeitar os outros, quer se trate dos vizinhos mais próximos, dos colegas presentes, ou de habitantes de um país longínquo. Para que seja possível uma educação realmente pluralista, será necessário repensar os objetivos — que significa educar e ser educado? — remodelar os conteúdos e programas dos estabelecimentos de ensino de tipo clássico, imaginar novos métodos pedagógicos e novos processos educativos, e estimular o aparecimento de novas gerações de professores‐alunos. (STAVENHAGEN, 1998, p. 249).
Reproduzi, pois, estes fragmentos com o intuito bem claro
de mostrar sua proximidade ao dizeres veiculados na revista Nova Escola e também para enfatizar o posicionamento adotado pelo ideário inclusivista, que gravita em torno do respeito e tolerância pelas diferenças, aproximando‐se de correntes multiculturalistas e neoescolanovistas. Esse retorno ao relatório Delors (1998), cuja elaboração deu‐se entre 1993 e 1996, sob encomenda da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), é importante para se perceber os reflexos de suas formulações no senso comum pedagógico dos últimos anos, bem como sua forte influência ideológica nos meios de comunicação de massa, quando se trata de educação. Esse relatório integra a ideologia dominante dos últimos tempos. Logo, esse détour, ou, em linguagem mais simples, esse rodeio, que extrapola os limites imediatos do texto de Nova Escola, constitui, pois, uma exigência para captar minimamente a totalidade do fenômeno estudado. Desse modo, tento não procurar “atalhos” que mais rápida e sucintamente levem‐me a concluir o raciocínio desejado, poupando‐me ao trabalho de evidenciar inter‐relações mais complexas no seio da problemática levantada, embora o caminho em direção a explicações progressivamente totalizantes também não esteja isento de riscos (KOSÍK, 2002).
Com semelhante détour, pode‐se afirmar que o citado relatório, embora não seja diretamente objeto de estudo neste
artigo, representa, junto com a Declaração de Jomtien e a de Salamanca (UNESCO, 1990, 1994), a base conceitual, política e ideológica do ideário inclusivista. Forjada no bojo das reformas neoliberais de caráter global dos anos de 1990, conforme promovidas pelos organismos internacionais de poder, essa plataforma ideológica se estende para os anos 2000, tal qual refletido nas páginas de Nova Escola, com acentuada capacidade de difusão e sedução. Ressalto, no entanto, que não me posiciono contra as diferenças individuais, o reconhecimento das pessoas com deficiência e suas habilidades, ou contra a diversidade das manifestações culturais humanas e a legitimidade das reivindicações existentes na sociedade. A intenção aqui não é negar a possibilidade de autonomia individual face às circunstâncias, como também não é desmerecer a iniciativa dos docentes da EJA, ao empreenderem o trabalho de valorização identitária de seus alunos. Esse trabalho tem sua importância, quando situado em uma abordagem emancipadora.
Busco, de fato, combater um ideário, uma mistificação, certo posicionamento no campo educacional, que tem passado ao largo da análise crítica e se objetivado em práticas imediatistas, as quais não superam, em linguagem gramsciana, o momento puramente egoísta‐passional (GRAMSCI, 1995). No intuito de me fazer compreender, procuro respaldo em Duarte (2001). Estudando o lema do aprender a aprender no discurso oficial contemporâneo, o autor também se volta para o estudo do próprio Relatório Jacques Delors (1998). Suas conclusões ajudam a entender melhor a crítica ao ideário inclusivista e ao aprender a viver juntos, nos termos em que a formulo neste artigo. Apesar de extenso, o trecho é esclarecedor e vale como síntese. Para Duarte (2001, p. 50, grifos meus):
Não é casual que a comissão [encarregada de elaborar o supracitado relatório] tenha dedicado especial atenção ao primeiro dos quatro pilares que ela considerou as bases da educação para o novo século, quais sejam, aprender a viver juntos (a viver com os outros), aprender a conhecer, aprender a fazer e aprender a ser (idem, pp. 19‐20). É claro que não podemos deixar de também defender princípios morais como o da aceitação do outro e o da aceitação da diferença. Entretanto, não é isso que está em jogo, mas sim o fato de que o princípio da aceitação da diferença esteja sendo utilizado para legitimação de
uma sociedade desigual, injusta, exploradora e excludente. Por um lado, procura‐se dar aos explorados e aos excluídos o suficiente para que sua condição concreta de vida não se tome generalizadamente insuportável e, por outro lado, busca‐se difundir uma mentalidade de convivência pacífica, por meio da qual as desigualdades seriam identificadas com as diferenças, no intuito de enfraquecer qualquer clamor por uma sociedade menos injusta e desigual. Por fim, é necessário, nessa ótica, difundir o ideal da participação colaborativa, construtiva, otimista, em oposição ao espírito pouco construtivo daqueles que criticam o projeto social atualmente hegemônico. O fato de que a aceitação das diferenças esteja legitimando
a sociedade capitalista hegemônica, em suas disparidades e interesses mercantis, fica comprovado na vertente multiculturalista defendida no mesmo relatório. Está claro que o discurso aparentemente democrático da tolerância, da inclusão, do respeito à alteridade não se pauta apenas, se é que se pauta, em preservar e defender os seres humanos, em suas potencialidades coletivas e individuais; mas, sobretudo, aspira à estabilidade das relações sociais para a expansão dos mercados e das transações financeiras, desinibidas das barreiras “culturais”. Respeitadas e toleradas, as “diferenças entre as culturas” deixam de ser obstáculo às novas facetas do expansionismo imperialista e ao crescimento econômico das grandes potências mundiais, com suas poderosas organizações industriais (FAUSTINO, 2008). Reproduzo, para não deixar dúvidas sobre o exposto ‐ e para desfazer a ideia de que este seja um ponto de vista arbitrário de minha parte ‐ trecho escrito por Stavenhagen (1998, p. 248‐249, grifos meus), outro membro da comissão encarregada daquele relatório:
Em muitos países, as finalidades e exigências de um sistema educativo “nacional” entram em conflito com os valores, interesses e aspirações de grupos culturalmente distintos. Ao mesmo tempo o mundo em que vivemos, caracterizado por uma crescente interdependência, suscita tendências antagônicas que tomam direções diferentes: por um lado a tendência para a homogeneização em nível nacional e para a uniformização em nível mundial, por outro a busca das raízes, de uma especificidade comunitária, que para alguns só pode existir se se reforçarem as identidades locais e regionais, guardando uma saudável distância para com os “outros”, tidos por vezes como uma ameaça. Uma situação assim tão complexa representa um desafio para o sistema educativo e para as políticas culturais do Estado, assim como para o
funcionamento dos mecanismos de mercado (principalmente) nos domínios da comunicação e do lazer — vastas redes onde pontificam as indústrias culturais planetárias. Nestes últimos anos, as políticas tradicionais de educação baseadas no postulado de uma cultura nacional homogênea vêm sendo objeto de uma apreciação cada vez mais crítica. Há um número cada vez maior de Estados que não só toleram as formas de expressão da diversidade cultural mas reconhecem que, longe de serem obstáculos perturbadores, o multiculturalismo e a plurietnicidade são os verdadeiros pilares de uma integração social democrática. A educação do século XXI deverá enfrentar este desafio e os sistemas educativos (entendidos no sentido mais lato possível) devem dar provas de flexibilidade e imaginação para encontrar o justo ponto de equilíbrio entre as duas tendências estruturais a que aludimos.
Uma vez demonstrado o caráter interesseiro e interessado
do lema que enaltece a diversidade, as diferenças culturais e individuais, sob a bandeira do inclusivismo e seu aprender a viver juntos, fundamento da escola inclusiva contemporânea, preocupo‐me, igualmente, com o fetiche das habilidades. A preocupação se justifica na medida em que estas são significadas na perspectiva do aprender a ser, aprender a gostar de si, aprender a se conhecer. Também o Relatório Jacques Delors (1998), com nuanças sentimentalistas e inatistas, ilustra a referida perspectiva, cujos ecos são sentidos na matéria de Nova Escola. No prefácio do documento, ao comentar sobre aprender a ser, um dos quatro pilares a serem perseguidos na educação do século XXI, Delors (1998, p. 20, grifos meus) destaca a exigência de se
[...] não deixar por explorar nenhum dos talentos que constituem como que tesouros escondidos no interior de cada ser humano. Memória, raciocínio, imaginação, capacidades físicas, sentido estético, facilidade de comunicação com os outros, carisma natural para animador, ... e não pretendemos ser exaustivos. O que só vem confirmar a necessidade de cada um se conhecer e compreender melhor. Com a mediação do ideário inclusivista, é possível que o
reconhecimento bombástico dessas habilidades, no caso dos alunos com deficiência, sejam crianças, adolescentes ou adultos, promova e/ou mantenha a unilateralidade do desenvolvimento individual. Assim, na prática pedagógica, há o perigo de se estacionar na
contemplação dos tesouros pessoais, olvidando‐se que, ao menos pela ótica vigotskiana, o trabalho educativo também precisa considerar as diversas aptidões dos sujeitos como “[...] habilidades estas que poderiam formar a base para o desenvolvimento de suas capacidades integrais” (LURIA, 2006, p. 34). Logo, elas valem como meio para uma cadeia de sínteses (GRAMSCI, 1995) e de metamorfoses revolucionárias, que levem à formação unitária da personalidade (VYGOTSKI, 1997).
Tal reflexão repõe a análise do texto publicado em junho/julho de 2004 no periódico Nova Escola, tomado como objeto singular que revela o movimento político‐ideológico e educacional do capitalismo contemporâneo. É verdade que a reportagem mencionada sugere ao professor a adoção de uma postura positiva frente às deficiências, incentivando a emergência de novas habilidades. Segundo indicações de uma psicóloga, também se recomenda aos professores a identificação dos limites e possibilidades de alunos com deficiência, para, assim, garantir aos docentes condições pedagógicas favoráveis para se instigar o avanço dos estudantes, conforme suas potencialidades. O excerto abaixo ratifica essa explanação:
Adotar uma postura positiva e incentivar o desenvolvimento das habilidades dos estudantes são passos importantes para que eles comecem a se conhecer e perceber o que têm de bom.‘O professor deve apostar no aluno, e para isso é necessário conhecê‐lo bem’, afirma a psicóloga e educadora Josca Baroukh, de São Paulo. Josca recomenda que os professores ouçam as crianças e os jovens e sejam sensíveis para identificar limites e possibilidades. Assim, de acordo com ela, eles adquirem condições para desafiar os estudantes — no que é possível a cada um — a progredir (CAVALCANTE, 2004, p. 32, grifos meus). Não obstante ser adequado concordar com algumas ideias
acima expostas, faz‐se necessário examiná‐las mais detidamente sob o enfoque ora adotado. De fato, a educação de alunos com deficiência, sejam adultos ou crianças, exige que o processo educativo seja visto pelo ângulo positivo, pois não se pode fixar apenas nas limitações (VYGOTSKI, 1997). A título de respaldo teórico, basta lembrar que Vygotski (1997) condenava a pedagogia
especial que se organizava sobre a base de definições puramente negativas, orientadas para a “enfermidade”, o “defeito” e as “insuficiências” da criança. Em contrapartida, seus escritos advogam uma pedagogia que reconhece o vir‐a‐ser do homem, com destaque para suas forças compensatórias e aptidões psíquicas, capazes de levá‐lo, ainda que por caminhos alternativos, à plena validez social, à “nutrição” cultural mais ampla possível. Para o autor, “Es imposible educación alguna que no se plantee determinadas tareas sociales positivas […]” (VYGOTSKI, 1997, p. 35). No seu entender, “[…] ninguna teoría es posible si parte exclusivamente de premisas negativas, así como no es posible práctica educativa alguna construida sobre la base de principios y definiciones puramente negativos” (VYGOTSKI, 1997, p. 13).
A “postura positiva” do professor, no entanto, não se restringe, para Vygotski (1997), ao mero incentivo ou “estímulo” para que os alunos desenvolvam novas capacidades. Incentivar é muito diferente de proporcionar, deliberadamente, os meios para o desenvolvimento pessoal. Com isso, dá‐se a entender que a responsabilidade maior fica a cargo do aluno, o mesmo que já enfrenta uma série de dificuldades sociais e psicológicas, além de orgânicas, advindas da deficiência. Dito de outro modo, a psicologia vigotskiana não autoriza uma atitude singela de autoconhecimento incentivado, por meio do qual cada um vai percebendo o que tem de bom. Identificar e realçar habilidades pode ser uma maneira estratégica e bastante eficaz para (re)direcionar a compensação social da deficiência. A categoria de totalidade, porém, não pode ser esquecida. Falando sobre os processos compensatórios para a educação das crianças com deficiência intelectual, o autor supracitado considera tais processos como ponto de apoio ao desenvolvimento multilateral da criança. Em suas palavras:
Pero, ¿se puede afirmar que el desarrollo del niño mentalmente retrasado está determinado únicamente por los procesos compensatorios? No se puede plantear el problema de este modo. Lo importante es aclarar qué da un punto de apoyo para el desarrollo multilateral del niño. Me parece que es un objetivo completamente definido distinguir revelar y analizar los procesos que, en el proprio desarrollo
infantil, deben ser el punto de apoyo sobre el cual es preciso trabajar, al operar con niños retrasados en la escuela politécnica (VYGOTSKI, 1997, p. 148, grifos meus).
Antes de ser derivada de “incentivo”, a emergência de
outras habilidades e funções psicológicas superiores é resultante de um planejamento sistemático e intencional do professor, que, na atividade educativa, passa a mediar a apropriação de novas aptidões e funções psíquicas por parte dos estudantes. É precisamente para mediatizar essa transformação qualitativa, evitando‐se desvios compensatórios doentios ou fictícios, que o professor necessita conhecer bem o aluno, com o fito de responder a suas particularidades ontogenéticas (VYGOTSKI, 1997). Nesse sentido, reconhecer habilidades e vias compensatórias para mediar a constituição da personalidade integral dos indivíduos singulares, notando‐se limites e possibilidades, não é uma ação dependente de um conhecimento pautado, sobretudo, na sensibilidade dos professores, conquanto esta dimensão não esteja de todo ausente no trabalho pedagógico. É, em primeira instância, um problema teórico‐metodológico, no sentido de que o professor precisa objetivar, em sua praxis, certa competência técnica (mas não tecnicista) que lhe coloque em condições de mediar a ação pedagógica. Em outras palavras, precisa demonstrar o domínio objetivo dos meios instrumentais que condicionam o trabalho educativo enquanto atividade humana específica, mediante a qual se produz “[...] direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens” (SAVIANI, 2003, p. 13).
O tom discursivo adotado em Nova Escola, contudo, não ultrapassa o viés sentimentalista do senso comum educacional, apesar de, na aparência imediata, sinalizar para uma praxis transformadora, que, apostando no aluno, em suas potencialidades, desafia‐o e fá‐lo atingir etapas de próximo desenvolvimento. Mas, ao objetivar‐se pautada no senso comum, a revista também revela que incorpora conceitos científicos e noções teóricas válidas, mesmo que de modo ocasional e desagregado. É possível, então, testificar a existência de um núcleo positivo ou sadio no interior do senso
comum, isto é, o bom senso intuitivo, não sistematizado ainda, mas indicador de um pensamento que pode vir a ser unitário e coerente (GRAMSCI, 1995). No caso da reportagem em tela, isso se manifesta, de forma difusa, em algumas considerações sobre a educação de pessoas com deficiência. Em certo trecho, Cavalcante (2004, p. 32, grifos meus) expõe que:
A sociedade brasileira ainda engatinha no que se refere à inclusão. Devido à falta de informação e ao preconceito, todos os envolvidos passam por dificuldades. O deficiente sente‐se excluído porque o tratam como incapaz. Os pais, por sua vez, infantilizam ou superprotegem os filhos. E o professor que recebe um aluno com esse histórico teme fracassar na tentativa de integrá‐lo à sociedade, principalmente se não tiver orientação sistematizada. A primeira parte da citação é questionável e precisa ser
perscrutada. Os “envolvidos” pela inclusão passariam dificuldades e seriam inferiorizados porque haveria, sobretudo, falta de informação e preconceito disseminado nas relações sociais. De fato, ninguém duvida de que essas situações estivessem e continuem ocorrendo objetivamente. Entretanto, apenas constatar a existência do fenômeno diz pouco sobre sua essência, sobre as leis internas de seu funcionamento e nexos causais. A manifestação fenomenológica, parcial e caótica, deve ser superada, para que se perceba a estrutura real da “coisa em si” (KOSÍK, 2002).
Desse ângulo, argumento que, para um entendimento menos imediato do fenômeno inclusão, não basta, como faz a revista, explicitar, em linguagem lacônica, consequências da “exclusão”, sendo estas independentes da prática social global. Pela abordagem crítico‐dialética, dever‐se‐ia também, na exposição dos fatos, questionar as motivações e causas do preconceito em uma sociedade que se pretende inclusiva e por que, nesta mesma sociedade, uns se apropriam das conquistas e conceitos científicos mais elaborados e outros permanecem na pseudoconcreticidade (KOSÍK), na filosofia espontânea, conforme objetivada “[...] em todo sistema de crenças , superstições, opiniões , modos de ver e agir que se manifestam naquilo que se conhece geralmente por ‘folclore’” (GRAMSCI, 1995, p. 11). Dever‐se‐ia indagar por que uns são
alienados do conhecimento científico ou, então, lidam com ele de maneira mistificada, unilateral, favorecendo teorizações preconceituosas e alienantes. Isto repõe a problemática de se situar o ideário inclusivista na concretude da sociedade brasileira capitalista, colocando‐o como uma derivação desta e das proposições político‐econômicas internacionais. Sob esse prisma, consegue‐se compreender melhor por que o “deficiente” sente‐se excluído e é tratado como incapaz.
A própria deficiência, como representação conceitual, não deixa de ser produto histórico engendrado pelo capitalismo. Neste ponto, respalda‐me Vygotski (1997). Ao falar sobre o estudo da pessoa com deficiência intelectual, ele insiste em situar a questão na concreticidade da história e das lutas de classe, rechaçando posições idealistas ou as teses empiristas. Mostra que o entendimento da deficiência como “defeito”, como atributo unicamente negativo, como defectividade “[...] es ya una valoración social [...]” (VYGOTSKI, 1997, p. 93). Em 1931, falando sob condições materiais revolucionárias vivenciadas na União Soviética, o psicólogo bielorruso assim descreve a situação educacional de seu país:
Ahora, nuestra escuela que se enfrenta con objetivos enormes, de una significación histórica, está produciendo un cambio decisivo en toda la teoría y la práctica de la enseñanza y la educación del niño normal y del retrasado. Nuestra escuela auxiliar siente una insuficiencia de orientaciones teóricas de principio, de una fundamentación científica que puede obtener de las fuentes sobre las cuales hemos hablado hasta ahora. Y lo primero se nos plantea aquí es el nuevo fin y la tarea práctica que debe encarar el estudio del niño mentalmente retrasado. No el estudio por el estudio en sí, sino el estudio para encontrar las formas óptimas de acciones prácticas, para resolver la tarea histórica de superar realmente el retraso mental, esta enorme calamidad que es una herencia de la estructura de clase de la sociedad (VYGOTSKI, 1997, p. 132, grifos meus)11.
11 Vygotski (1997) usa o termo criança “atrasada”, “anormal”, “mentalmente retardada”, por oposição a criança normal, não com sentido preconceituoso e estigmatizante. Na realidade, trata‐se do jargão científico adotado no começo do século XX, quando escrevia o autor. Hoje, certamente, por questões éticas e pelo avanço da ciência, não cabe
O mesmo autor ajuda também a entender a exclusão sentida pela pessoa com deficiência, mencionada na reportagem. Vygotski (1997) defende a ideia de que a deficiência orgânica leva a um “rebaixamento”, a um descenso na posição social ocupada pela pessoa nessas condições ontogenéticas peculiares. Não é raro que se trate a pessoa “deficiente” como incapaz, incompetente e improdutiva, em particular na sociedade de classes que prima pela máxima eficiência, padronização para produtividade em larga escala e “controle” de qualidade, ou seja, de “normalidade”. Em virtude disso, podem surgir complicações secundárias para o desenvolvimento do sujeito, visto como “desviante” da “norma” pré‐estabelecida. A pessoa sente‐se, então, inferiorizada, “diminuída”, incapacitada, não por sentir diretamente sua deficiência, não pela atuação imediata das causas orgânicas, mas, sobretudo, porque internaliza valorações negativas, a ela sociamente atribuídas, deparando‐se com obstáculos e dificuldades sociais, que restringem os caminhos de sua realização psicossocial em determinado contexto. Mediante essas ponderações, ainda que não expresse a ideia em termos teoricamente fundamentados, nem capte as determinações estruturais amplas do fenômeno, Nova Escola sinaliza para o bom senso pedagógico, ao ressaltar que “O deficiente sente‐se excluído porque o tratam como incapaz” (CAVALCANTE, 2004, p. 32).
A segunda parte do excerto de Nova Escola que serve de mote a estas reflexões prossegue com a explicitação do núcleo válido do senso comum, aquele que merece “[...] ser desenvolvido e transformado em algo unitário e coerente” (GRAMSCI, 1995, p. 16). Estou me referindo a estas proposições: “Os pais, por sua vez,
mais utilizá‐lo. Expressões como criança excepcional, especial, anormal, atrasada, idiota, entre outras similares, tornaram‐se carregadas de sentido negativo e, por isso, busca‐se sua superação no plano ideológico. O autor citado também escrevia em um contexto histórico revolucionário, onde a questão não era suprimir completamente as escolas especiais (auxiliares), mas vinculá‐las organicamente à proposta geral de educação social e coletiva, a ser definida para toda a União Soviética, que, naquele momento, procurava articular a educação aos princípios comunistas.
infantilizam ou superprotegem os filhos. E o professor que recebe um aluno com esse histórico teme fracassar na tentativa de integrá‐lo à sociedade, principalmente se não tiver orientação sistematizada (CAVALCANTE, 2004, p. 32, grifos meus). Perante as citações e comentários antes expostos, creio ter sido possível depreender que, para Vygotski (1997), o professor, como partícipe da construção de uma sociedade e escola revolucionárias, inspiradas em princípios comunistas, necessita conhecer as deficiências para superá‐las, não no plano biológico, mas no que concerne às suas consequências sociais.
Para tanto, a orientação sistemática, teórico‐metodológica, na formação docente é uma condição sine qua non. Está aí um posicionamento da revista indicador de bom senso, pois o periódico sugere a necessidade de se garantir orientação sistematizada ao educador. Na alerta marxiana, a transformação das circunstâncias, inclusive educacionais, para a formação do novo homem e de uma educação modificada, é produto da ação humana concreta sobre tais circunstâncias (MARX; ENGELS, 2007). O professor precisa apropriar‐se dos instrumentos de seu trabalho, que, nesse caso, é um trabalho não‐material (SAVIANI, 2003), instrumentalizado pelos conteúdos científico‐culturais, vistos como essenciais “[...] à constituição da humanidade em cada ser humano e à descoberta das formas adequadas para se atingir esse objetivo” (SAVIANI, 2003, p. 22). Não obstante, um ponto contraditório, revelado pelo periódico, é que ao professor se colocaria a tarefa de integrar o “deficiente” à sociedade. As tentativas dessa ação poderiam fracassar, como temido pelos docentes, justamente devido à ausência de propostas formativas adequadas. Nesse caso, fica patente o aspecto artificial da “inclusão” e a unilateralidade do processo, posto principalmente sob o encargo dos professores, ainda mais quando desprovidos de formação suficiente.
Por outro ângulo, se a sociedade é excludente, se a e escola erige‐se nesta estrutura e, mesmo perante os avanços contraditórios da “inclusão”, não questiona as inter‐relações entre a orientação ideológica pretendida e a prática econômica predominante, é difícil uma “integração” bem‐sucedida. Mesmo que se imagine uma
situação de máximo investimento na formação docente, o problema não fica resolvido. O processo de “inclusão” dá‐se, pois, como imposição mecânica, segundo exprime o conteúdo semântico do verbo integrar.12 Os professores percebem isso de modo difuso, porquanto, na sociedade alienada, são constrangidos em seu processo catártico, expropriados da autoria de seu trabalho (SANTANA, 2008) e conformados ao modelo pedagógico vigente, sustentado pela bandeira do politicamente correto. Não é exato afirmar, porém, que, na totalidade, sua praxis seja “tragada” irremediavelmente pelas representações e forças dominantes, caracterizando‐se pela absoluta precariedade formativa. Isto seria incorrer no determinismo mecanicista. Tampouco é adequado negar o caráter contraditoriamente transformador da ação docente ou a possibilidade de sua determinação individual, ainda que existam limites consideráveis a esta determinação, em especial quando as situações alienantes têm predominância.
Nesse sentido, queremos dizer que, diante do caso analisado, a prática pedagógica relatada em Nova Escola, em turmas de EJA, não deixa de ser potencialmente revolucionária, pois prenuncia o início de uma reflexão catártica sobre a individualidade de cada um e seu papel no coletivo, sejam pessoas com ou sem deficiência. O homem, diz Gramsci (1995), pode vir a ser o guia de si mesmo, não aceitando servilmente imposições externas à sua personalidade, à medida que se conhece como síntese histórica das relações sociais existentes. Assim sendo, a consciência de si não está limitada, para o filósofo italiano, ao mero conhecimento especulativo da individualidade. Esse processo já é, para a filosofia da praxis, uma etapa que medeia transformações revolucionárias, com vistas a superar a alienação econômica, social e psíquica ainda presentes nas formas de intercâmbio humano, das quais o ser singular faz parte. Diz o pensador sardo: “Se a própria individualidade é o conjunto destas relações [sociais], conquistar
12 Segundo o minidicionário Houaiss (2009, p. 428, grifos meus), integrar significa: 1 incluir (‐se) em (conjunto, grupo), formando um todo coerente; incorporar (‐se). 2 [fazer] sentir‐se parte de (grupo, coletividade); adaptar‐se. 3 unir‐se, formando um todo harmonioso; completar‐se.
uma personalidade significa adquirir consciência destas relações, modificar a própria personalidade significa modificar o conjunto destas relações” (GRAMSCI, 1995, p. 40, grifo meu). Entretanto, é neste ponto, o do conhecimento de si como momento da e para a luta revolucionária, que a pedagogia da inclusão mostra seu caráter reacionário, pois não avança rumo ao questionamento do modelo social instituído.
Dadas essas explicações, posso, então, retomar o fragmento de Nova Escola para dele extrair outro indício teórico de bom senso, focando as ideias lançadas, pelo periódico, sobre determinadas circunstâncias sociais que são comumente identificadas na trajetória ontogenética das pessoas com deficiência. Diz naquele trecho que “Os pais, por sua vez, infantilizam ou superprotegem os filhos” (CAVALCANTE, 2004, p. 32). Outro fragmento, que antes foi utilizado para a crítica ao termo identidade, também possui um núcleo positivo a ser considerado. Ei‐lo: “Para fortalecer a identidade de crianças e adolescentes, em especial os deficientes, é necessário olhá‐los sem benevolência” (CAVALCANTE, 2004, p. 32, grifo meu). Essas afirmações confirmam e ilustram o que vinha dizendo sobre as interferências secundárias, de natureza social, refletidas na ontogênese de pessoas com curso diferenciado de desenvolvimento.
Apesar de esse texto do periódico não se referir explicitamente aos pressupostos vigotskianos, o autor soviético fez considerações importantes a respeito. Suas proposições auxiliam no entendimento de como a sociedade, especialmente a família, e, por extensão, a escola, costuma se relacionar com o “diferente”, às vezes infantilizando‐o com superproteção benevolente, como mostra Nova Escola. Ou, em outras ocasiões, valorando‐o como um “castigo” a que se deve “suportar” com resignação. Ambos os cenários cerceiam a emergência de funções psicológicas superiores, reestruturando, sob vias “especiais”, os vínculos que o indivíduo mantém com a coletividade (VYGOTSKI, 1997).
A deficiência, que, em si mesma, é um fato biológico, provoca determinadas reações sociais, que, secundariamente, dão novo curso à formação integral da personalidade, separam o
indivíduo de seus pares e lhe conferem um estigma de “desvalido” (VYGOTSKI, 1997). Na EJA, ou em qualquer outra etapa/modalidade de escolarização, são estas manifestações do fenômeno “deficiência” que o professor precisará enfrentar. Logo, conhecer cada aluno e suas peculiaridades ontogenéticas é importante, mas o é na proporção em que também se explicitam as contradições sociais que alimentam, acentuam e fetichizam a deficiência, no interior de relações de produção capitalistas, fundamentas nos antagonismo de classe, sendo uns indivíduos mais valorizados, e outros aviltados. Concordo com Barroco (2007b, p. 230, grifo meu), quando esta afirma que:
[...] educar indivíduos com deficiência e/ou necessidades educacionais especiais implica em levá‐los às formas de compensações adequadas, ao encontro de vias colaterais de desenvolvimento [...]. Os processos compensatórios devem encaminhar ao desenvolvimento das funções psicológicas superiores de tal modo que os indivíduos possam ter maior compreensão de si mesmos e da sociedade que eles mesmos ajudam a formar.
Este pode ser, doravante, o ponto de partida para
repensarmos criticamente a inclusão escolar e as discussões sobre individualidade de pessoas com e sem deficiência, sob bases críticas e emancipatórias. Compreender a si é, em última instância, compreender‐se em uma determinada sociedade, organizada sob relações de produção que podem ser, intencionalmente, revolucionadas. E isso põe em relevo a necessidade de superação das fragmentações pós‐modernas, assentadas na negação das categorias explicativas de totalidade, universalidade, contradição e historicidade, soterradas pela bandeira multiculturalista e por sua celebração móvel das alteridades e diversidades, alienadas da base material. Considerações finais
No que concerne ao entendimento sintético e valorativo da
reportagem analisada, bem como das fontes complementares consultadas, em relação ao posicionamento ideológico expresso pelo ideário inclusivista hegemônico, é possível dizer que este
incorpora pressupostos do subjetivismo identitário pós‐moderno, levando à exaltação fetichista das habilidades das pessoas com deficiência; o que, contraditoriamente pode provocar a unilateralidade do seu desenvolvimento individual. Enfatiza‐se o aprender a gostar de si e o aprender a viver juntos, nos termos derivados do ideário neoescolanovista/multiculturalista difundido, com forte intensidade, desde os anos de 1990, em consequência das reformas do capitalismo contemporâneo. Nota‐se, assim, que o movimento de inclusão escolar e a valorização das identidades descentradas pela corrente multiculturalista convergem em seus pontos e reivindicações principais, de maneira que a propalada aceitação da diferença e da multiplicidade identitária, conforme está posta, abre um novo caminho para a expansão e reprodução sociometabólica do capitalismo. No entanto, a presente crítica não pode ser entendida como apologia à homogeneidade ou à manutenção de práticas sociais segregadoras. Trata‐se de uma crítica para a proposição de novos caminhos teórico‐metodológicos, a serem elaborados com base no referencial marxista.
Por fim, gostaria de encerrar essas reflexões lembrando, ainda, a necessidade de referenciais teóricos críticos para guiar a prática pedagógica na EJA, como em toda praxis escolar. Isto é importante para que as pessoas com e sem deficiência, jovens ou adultos, adolescentes ou crianças, valham‐se de sua condição de sujeitos, percebendo as marcas de sua própria individualidade. E, com a mediação pedagógica do educador e dos conteúdos científicos, possam relacionar‐se consigo mesmos e com a sociedade de maneira mais consciente e livre, não apenas de modo desarticulado, espontâneo e cotidiano. Em outras palavras, o processo educacional, inclusive com certa urgência e assumindo conotações singulares nas condições em que se desenrola a EJA, deve mediar o avanço dos educandos da individualidade em si para a individualidade para si, pela socialização do saber elaborado (BEZERRA; SANTANA, 2011; DUARTE, 1993; GRAMSCI, 1995).
Nessa direção, entendo ser da máxima importância fortalecer a personalidade de cada um e de todos como sujeitos da, na e com História (GRAMSCI, 1995); sujeitos que se transformam
conscientemente, quando buscam os meios concretos para transformar a realidade adversa, reunindo elementos conceituais e práticos que deem início à desfetichização das categorias de identidade, deficiência e diversidade, tendo em vista o real atendimento das necessidades educacionais especiais de cada um e a superação da sociedade de classes. Nessa tarefa, a Pedagogia Histórico‐Crítica, a Psicologia Histórico‐Cultural e a filosofia marxista continuam sendo referências imprescindíveis para desencadear e respaldar a praxis revolucionária, para além do capital.
REFERÊNCIAS ALVES, G. L. Universal e Singular: em discussão a abordagem científica do regional. Trabalho apresentado no I encontro de pesquisadores da UFMS sobre questões latino‐americanas. Campo Grande, 1995. BARBOSA, A. J. G.; MAZZONETTO, K.; MIRANDA, J. A. Inclusão escolar na revista Nova Escola. In: Congresso Brasileiro Multidisciplinar de Educação Especial, 4., 2007, Londrina. Anais... Londrina: ABPEE, 2007. Não paginado. Disponível em: <http://www.psiquiatriainfantil.com.br/ congressos/uel2007/057.htm>. Acesso em: 8 out. 2011. BARROCO, S. M. S. A educação especial do novo homem soviético e a Psicologia de L. S. Vigotski: implicações e contribuições para a psicologia e a educação atuais. 2007. 414 f. Tese (Doutorado em Educação Escolar) – Faculdade de Ciências e Letras, Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Araraquara, 2007b. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/cp042915.pdf>. Acesso em: 22 fev. 2010. ______. Psicologia e Educação: da inclusão e exclusão ou da exceção e da regra. In: MEIRA, M. E. M.; FACCI, M. G. D. (Org.). Psicologia Histórico‐Cultural: contribuições para o encontro entre a subjetividade e a educação. São Paulo: Caso do Psicólogo, 2007a. p. 157‐184. BEYER, H. O. Inclusão e avaliação na escola: de alunos com necessidades educacionais especiais. 3. ed. Porto Alegre: Mediação, 2010. BEZERRA, G. F.; ARAUJO, D. A. de C. As aparências enganam: a pretexto de uma crítica radical sobre o ideário inclusivista. Educere et Educare – Revista de Educação, Cascavel, v. 05, n. 09, p. 253‐266, jan./jun. 2010.
Disponível em: <http://e‐revista.unioeste.br/index.php/educereeteducare/ article/view/2690>. Acesso em: 21 abr. 2011. ______; ______. De volta à teoria da curvatura da vara: a deficiência intelectual na escola inclusiva. Educação em Revista, Belo Horizonte, v. 27, n. 02, p. 277‐302, ago. 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/ pdf/edur/v27n2/a13v27n2.pdf>. Acesso em 21 dez. 2011. _____; SANTANA, M. S. R. A educação de jovens e adultos: notas históricas e proposições críticas. Interfaces da Educação, Paranaíba, v. 2, n. 5, p. 93‐103, 2011. Disponível em: <http://periodicos.uems.br/novo/ index.php/interfaces/article/view/1292/688>. Acesso em: 12 mar. 2012. CAVALCANTE, M. Aparências diferentes?: talentos também. Nova Escola: a revista do professor, São Paulo, ano xix, n. 173, p. 32‐33, jun./jul. 2004. DELORS, J. (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC/Unesco, 1998. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/ dados/relatorios/a_pdf/r_unesco_educ_tesouro_descobrir.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2011. DUARTE, N. A individualidade para‐si: contribuições a uma teoria histórico‐social da formação do indivíduo. Campinas: Autores Associados, 1993. ______. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Campinas: Autores Associados, 1996. ______. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós‐modernas da teoria vigotskiana. 2. ed. rev. e ampl. Campinas: Autores Associados, 2001. FAUSTINO, R. C.. A política da diversidade cultural e da inclusão das minorias étnicas na sociedade globalizada. In: FAUSTINO, R. C.; CHAVES, M.; BARROCO, S. M. S. (Orgs.). Intervenções pedagógicas na educação escolar indígena: contribuições da Teoria Histórico‐Cultural. Maringá: Eduem, 2008. p. 13‐33. FUNDAÇÃO Victor Civita 25 anos. Disponível em: <http://www.fvc.org. br/galeria‐fotos‐25‐anos.shtml?ft=1p>. Acesso em: 9 out. 2011. GENTIL, M. S. Revistas da área da educação e professores – interlocuções. 2006. 160 f. Tese (Doutorado em Educação) ‐ Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2006. Disponível em: <http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=vtls000378392&fd=y>. Acesso em: 9 out. 2011. GRAMSCI, A. Concepção dialética da história. 10. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. GROSSI, G. P. 1 milhão de exemplares. Nova Escola: a revista de quem educa, São Paulo, ano xxiii, n. 218, p. 10‐11, dez. 2008.
______. Obrigado, professor. Nova Escola: a revista de quem educa, São Paulo, ano XXVI, n. 239, p. 10‐11, jan.‐fev. 2011. (Edição Comemorativa de 25 anos). ______. Sempre com você. Nova Escola: a revista de quem educa, São Paulo, n. 24, p. 6, jul. 2009. (Edição Especial Inclusão). HALL, S. A identidade cultural na pós‐modernidade. 10. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2005. KORNHAUSER, A. Criar oportunidades. In: DELORS, J. (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC/Unesco, 1998. p. 233‐239. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a _pdf/r_unesco_educ_tesouro_descobrir.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2011. LINHA do tempo: desde 1985 contribuindo para a melhoria da educação. Disponível em: <http://www.fvc.org.br/nossa‐historia.shtml>. Acesso em: 20 jun. 2012. LURIA, A. R. Vigotskii. In: VIGOTSKII, L. S.; LURIA, A. R.; LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. Tradução Maria da Penha Villalobos. 10. ed. São Paulo: Ícone, 2006. p. 21‐37. MARTINS, L. M. A personalidade do professor e a atividade educativa. In: FACCI, M. G. D.; TULESKI, S. C.; BARROCO, S. M. S. (Org.). Escola de Vigotski: contribuições para a psicologia e a educação. Maringá: Eduem, 2009. p. 135‐150. ______. O legado do século XX para a formação de professores. In: ______; DUARTE, N. (Org.). Formação de professores: limites contemporâneos e alternativas necessárias. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. p. 13‐31. Disponível em: <http://www.culturaacademica.com.br/download‐livro.asp?ctl_id=113> Acesso em: 21 dez. 2011. MARX, K. Manuscritos Econômico‐Filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004. ______; ENGELS, F. A ideologia alemã. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. NANZHAO, Z. Interações entre educação e cultura, na óptica do desenvolvimento econômico e humano: uma perspectiva asiática. In: DELORS, J. (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC/Unesco, 1998. p. 257‐267. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_unesco_educ_tesouro_descobrir.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2011. SANTANA, M. S. R. A prática pedagógica como autoria. In: ARAUJO, D. A. de C. (Org.). Pesquisa em Educação: inclusão, história e política. Campo Grande: UCDB, 2008. p. 169‐180. SASSAKI, R. K. Inclusão: construindo uma sociedade para todos. 8. ed. ampl. e rev. Rio de Janeiro: WVA, 2010.
SAVIANI, D. Escola e Democracia. 41. ed. Campinas: Autores Associados, 2009. ______. Pedagogia Histórico‐Crítica: primeiras aproximações. 8. ed. rev. e ampl. Campinas: Autores Associados, 2003. SINGH, K. Educar para a sociedade mundial. In: DELORS, J. (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC/Unesco, 1998. p. 243‐245. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/relatorios/a_ pdf/r_unesco_educ_tesouro_descobrir.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2011. STAVENHAGEN, R. Educação para um mundo multicultural. In: DELORS, J. (Org.). Educação: um tesouro a descobrir. São Paulo: Cortez; Brasília: MEC/Unesco, 1998. p. 246‐ 251. Disponível em: <http://www. dhnet.org.br/dados/relatorios/a_pdf/r_unesco_educ_tesouro_descobrir.pdf>. Acesso em: 01 dez. 2011. UNESCO. Declaração de Salamanca sobre princípios, políticas e práticas na área das necessidades educativas especiais e estrutura de ação em educação especial. Salamanca, 1994. Disponível em: <http://portal.mec. gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca. pdf>. Acesso em: 2 dez. 2011. ______. Declaração mundial sobre educação para todos: satisfação das necessidades básicas de aprendizagem. Jomtien, 1990. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/ 0008/000862/086291por.pdf>. Acesso em: 2 de dez. 2011. VIGOTSKI, L. S. Teoria e Método em Psicologia. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004. VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas: fundamentos de defectología. Madrid: Visor, 1997. Tomo V.
O BULLYING NO ÂMBITO ESCOLAR E A MÍDIA: ALGUMAS REFLEXÕES
Gilmar Ribeiro Pereira
Maria José de Jesus Alves Cordeio
Introdução
O presente trabalho “o bullying¹ no âmbito escolar e a
mídia: algumas reflexões” pretende esclarecer por meio de referenciais teóricos de como tem sido as abordagens referentes à violência no Brasil, em especial o bullying no âmbito escolar e também como a sociedade midiática tem abordado tal questão.
É sabido que a violência, qual seja ela, provoca consequências desagradáveis aos seres humanos. Para tanto, é preciso ter clareza, de que quando aborda tal assunto de tamanha gravidade, deve‐se ter o cuidado de não caracterizá‐lo somente superficialmente, como tem feito a sociedade midiática, sem preocupar‐se com as causas e consequências e como se prolifera a violência no âmbito escolar, tanto dentro quanto fora da escola. Assim sendo, tratar a questão como algo vendável é a afirmação da espetacularização da notícia, sendo somente de conteúdo de senso comum, ou seja, o sensacionalismo moderno.
A violência não é um ato individual, é necessário levar‐se em conta que individuo é produto das suas afetações e que desse modo, esses atos são efeitos da convivência mútua, das representações de poderes, bem com das relações sociais. Logo, determinadas ações de violências ocorridas no âmbito escolar são produzidas por atos de intimidação, humilhação, terrorismo e brincadeiras de mau gosto, dentre outras. Nota‐se que são práticas de bullying e, por vezes, questões como essas não são tratadas pela a mídia com seriedade.
A partir desta temática é de suma importância debater assuntos que permeiam o bullying na sociedade brasileira. Contudo, há alguns anos vem sendo discutindas as ações de
violência no âmbito escolar e o modo como a sociedade midiática tem abordado tal questão.
Assim sendo, o que não se pode é fechar os olhos para tais circunstâncias, como as depreciações do patrimônio público, homicídios e até mesmo suicídios. Ao nosso olhar, a escola é espaço pertinente para debater, refletir e se possível elencar sugestões de relevo, como o convívio saudável, o respeito mútuo e a solidariedade, uma vez que a escola é um “território” de relações de poderes e de representações sociais. Sem dúvida, a escola pode contribuir muito para essa tarefa.
1. O bullying escolar e a mídia Desde o final dos anos 90 do século passado, vêm‐se discutindo no Brasil, a problemática da violência escolar, por ser um elemento que se tem desdobrado com muita intensidade na sociedade pós‐moderna, “Nessas sociedades em tempos de ‘globalização’, ‘mundialização’, ‘sociedade pós‐industrial’, ‘pós‐modernidade’, ‘modernidade radical’, não se supõe a existência de uma igualdade de acesso aos novos bens ou às novas possibilidades” (SCHILLING, 2004, p.17) por uma sociedade cada vez estimulante no que diz respeito aos aspectos da competividade e do consumismo desenfreado. Parafraseando (FANTE & PEDRA, 2008) a competitividade e o individualismo, acabam sendo produzidos por pressão da família e até mesmo pelo seriado de conteúdos escolares, que reforçam e acabam dando lugar à obtenção de resultados, a exemplo dos vestibulares.
Nota‐se que a violência não é um ato natural e comum e, sim, produzida por uma sociedade de competição que acaba estimulando cada um a fortalecer seu individualismo, ”sistema esse cada vez mais dominado por uma ‘ética’ da privatização, do individualismo alienado, da ganância e do lucro” (MOREIRA; TADEU, 2011, p.66), a instituição a escola, ao não reconhecer tais problemas, acaba reproduzindo as mesmas ações de competitividade, ao invés de estimular o respeito mútuo, a solidariedade e a cooperação.
Por isso, essa violência se transforma em um fenômeno que intimida, humilha e aterrorizar sendo definido como Bullying, os atos produzidos por representações sociais, que atinge o meio escolar.
Para tanto, não se deve aplicar uma explicação simplicista ao termo violência ‐ “Violência” provém do latim violentia, que significa “veemência”, “impetuosidade”, e deriva da raiz latina vis, “força”. (PINHEIRO, 2009, p. 14). Certamente, não podemos imaginar que esta definição nos baste, até porque a violência apresenta uma multiplicidade de significados, requerendo uma avaliação cuidadosa de suas variações e implicações.
No entanto, sobre a violência escolar, vários autores apresentam divergências sobre o conceito, para isso vejamos como (RUOTTI, 2006, p. 24) classifica:
Um dos primeiros pontos de divergência entre os pesquisadores que trabalham o tema da violência nas escolas foi justamente sobre o uso do termo “violência” para se referir ao assunto, o que, para alguns, parecia excessivo ao se tratar de questões referentes ao âmbito escolar. Contudo, atualmente são poucos os pesquisadores que não aceitam o termo “violência nas escolas”. Entre eles está a dificuldade em delimitar, cientificamente, o objeto a ser estudado. Quando se faz uso de um termo tão amplo como “violência”, que abrange desde agressões graves até as pequenas incivilidades que acontecem na escola, o problema pode tornar‐se impensável devido aos inúmeros tipos de situações envolvidas ou pode, simplesmente, passar a criminalizar e estigmatizar padrões de comportamento comuns no ambiente escolar. Ao mesmo tempo, ao adotar uma definição excessivamente limitada, pode‐se acabar excluindo a experiência de algumas vítimas no processo de reflexão sobre o problema, o que, para o autor, deve ser evitado, pois “a voz das vítimas deve ser levada em consideração na definição de violência, que diz respeito tanto a incidentes múltiplos e causadores de stress, que escapam à punição, quanto a agressão brutal e caótica”
Fica claro que não basta apenas uma definição ampla do
assunto, sem mesmo levar em conta as peculiaridades manifestadas pela violência. Assim tratando‐se do meio escolar há uma maior preocupação em não atribuir a determinados atos de indisciplina a caracterização como atos de violência, ou seja, a violência
produzida não é um fato isolado, mas deve‐se levar em consideração como foi gerada e desta forma buscar possibilidades de sanar o problema.
No interior do espaço escolar acaba sendo produzido outro tipo de violência, como afirma (ROUTTI, 2006, p.70):
As agressões verbais entre os professores seriam pouco freqüentes, segundo os entrevistados. A mesma tendência foi constatada na freqüência de agressões verbais entre professores e funcionários, a maioria dos dirigentes mencionaram que nunca ocorriam. Os dirigentes das escolas relataram que as agressões físicas leves (como empurrões, chutes e tapas) eram também freqüentes entre alunos. (...) seriam apenas brincadeiras que não afetariam as relações de amizade entre os alunos. Nota‐se nesse ponto como, muitas vezes, naturalizam‐se certos comportamentos agressivos, o que pode se constituir em entrave para a construção de ambiente escolar baseado no respeito mútuo e em atitudes não violentas. Enquanto alguns autores referem‐se a essas agressões
físicas e verbais como atos de Bullying, por serem agressões de intimidações e humilhações, que acarretam mais tarde intranquilidade no meio escolar, justamente por imaginar que são “atos de brincadeiras”, temos a seguinte afirmação (MIDDELTON‐MOZ & ZAWADSKI, 2007, p.21):
o bullying envolve atos, palavras ou comportamentos prejudiciais intencionais e repetidos. Os comportamentos incluídos no bullying são variados: palavras ofensivas, humilhação, difusão de boatos, fofoca, exposição ao ridículo, transformação em bode expiatório e acusações, isolamento, atribuição de tarefas pouco profissionais ou áreas indesejáveis no local de trabalho, negativa de férias ou feriados, socos, agressões, chutes, ameaças, insultos, ostracismo, sexualização, ofensas raciais, étnicas ou de gênero.
Em referência ao que foi dito acima (CUBAS, 2006, p. 185) clarifica que
O bullying que, muitas vezes, é visto apenas como uma “brincadeira de criança” é, basicamente, a ausência ou a ruptura de normas sociais. A ausência de sanções àqueles que seguem suas vontades individuais e não respeitam o direito à integridade física ou moral do outro pode ser a precursora de casos mais graves de incivilidades, pois sinaliza que não existem limites para os atos dos agressores e que não existe defesa para as vítimas.
Em outro determinado momento sobre as determinadas agressões físicas e verbais, no âmbito escolar (ROUTTI, 2006, p.30) enfatiza:
Pesquisas identificaram que os alunos que provocaram as agressões, geralmente, eram vítimas de assédio moral entre os colegas, sofrendo constantes piadas e gozações, recebendo apelidos e sendo discriminados pelos outros alunos. Em virtude disso, a grande maioria dos programas e pesquisas realizados nessa área enfatiza a questão do assédio moral, também denominado bullying.
Assim sendo, a escola que deveria ser o meio de socialização e convivência saudável, acaba‐se por transformar em um espaço onde crianças e jovens se revitalizam e estimulam a opressão ao outro, deixando de lado de fato as brincadeiras saudáveis, como construir uma boa relação de amizade, de convivência aplausível, de respeito mútuo, troca de experiências, da comunicação do diálogo e de solidarização. Abramovay (2002, p. 92) alerta:
Mesmo que a violência nas escolas não se expresse em grandes números e apesar de não ser no ambiente escolar que acontecem os eventos mais violentos da sociedade, ainda assim, este é um fenômeno preocupante tanto pelas sequelas que diretamente inflige aos atores partícipes e testemunhas, como pelo que contribui para rupturas com a ideia da escola como lugar de conhecimento, de formação do ser e da educação, como veículo por excelência do exercício e aprendizagem, da ética e da comunicação por diálogo e, portanto, antítese da violência.
Em afirmação do que foi abordado anteriormente
(SCHILLING, 2004, p.69) afirma: Quem, senão a prática educativa nas escolas, pode realizar de maneira intensa o direito humano que nos diz que toda pessoa tem o direito de participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de fazer parte do progresso cientifico e seus benefícios? Este é o objetivo central da escola: possibilitar o acesso aos bens científicos e culturais produzidos pela humanidade. Igualdade, é nessas práticas que conquistamos o exercício da liberdade de expressão, do acesso à informação que possibilite o usufruto dos direitos civis e políticos, dos direitos sociais e econômicos.
Ainda nesse enfoque (ROUTTI, 2006, p.26) chama atenção:
Assim, de instituição encarregada de socializar as novas gerações, a escola passa a ser vista como o ambiente que concentra conflitos e práticas de violência, situação essa que “passa pela reconstrução da complexidade das relações sociais que estão presentes no espaço social da escola”. Estaríamos vivendo um período de crise da educação, ou seja, o papel da escola já não está tão claro e não há mais sentido para os alunos freqüentarem um espaço, percebido, muitas vezes, como desagradável e excludente. O que antigamente era visto como o trampolim para uma vida melhor, aumentando as oportunidades de trabalho e de qualidade de vida, perdeu‐se no tempo e, hoje, os jovens vivem a desesperança em relação ao futuro e nesse contexto é que emerge a violência na escola.
E ainda nesse contexto, temos outra discussão de violência no âmbito escolar que causa distúrbios e estimula a depreciação do espaço escolar, como algo inviável para a formação intelectual do indivíduo, trata‐se da depredação ao patrimônio público, como afirma (SCHILLING, 2004, p.79) “há outras formas de violências à escola como: ações violentas identificadas são as depredações, os furtos, e as invasões aos prédios escolares”. (ROUTTI, 2006, p. 62) reforça tal convicção “situações de indisciplina e violência no ambiente escolar acabam por afetar o rendimento escolar dos alunos, causam a evasão, a deterioração das instalações das escolas e a desvalorização do ambiente escolar”.
Ainda (ROUTTI, 2006, p.62) relata: No que diz respeito à violência contra o patrimônio escolar, essas pesquisas evidenciam que as escolas pesquisadas, segundo seus dirigentes, sofrem em grande medida com as depredações, arrombamentos, pichações (internas e externas) e com o furto de equipamentos e materiais.
As referências citadas acima reforçam o que vem sendo
assumido ao longo deste trabalho, ou seja, há uma necessidade de rever o papel pedagógico político da escola, e viabilizar discussões sobre a temática da violência no âmbito escolar, que por alguns motivos externos e internos desabrocham em seu meio. Assim, existe a necessidade de procurar caminhos viáveis para superação de tais circunstâncias.
Enquanto a escola continuar impondo um currículo com a organização dos conteúdos de forma seriada e fragmentada, caminhando de forma tradicional e cristalizando a cultura burguesa, sem levar em conta as mudanças que têm ocorrido na sociedade brasileira em tempos de globalização, favorecerá a geração de atos de violência, entre os alunos e consequentemente na sociedade, que seculariza uma história, principalmente o bullying, que tem desdobramentos em conflitos muito agressivos a ponto de quebrar as regras de limites, diálogo e tolerância. As atitudes acabam em violência, às vezes explícitas, de agressões verbais, corporais, chegando a extremos, como homicidios e suicídios. Entretanto, o bullying pode também manifestar‐se no meio escolar, através de apelidos cruéis, gestos, desenhos, piadas, ameaças, gozações, roubos de materiais e outras. Daí o bullying encontrar‐se inserido dentro de um quadro de violência simbólica.
A sociedade não é estática, tal como uma novela de ficção, nas quais as coisas acontecem naturalmente e aparentam serem reais, pois, vivemos em sociedade que se movimenta, como nós seres humanos, que somos racionais, com vontades, desejos, paixões, sentimentos, capacidade de fazer escolhas e tomar decisões.
Segundo Brandão (2008)
[...] Não somos quem somos, seres humanos, porque somos “seres racionais”. Somos quem somos e somos até mesmo “racionais”, porque somos seres “aprendentes”. Somos seres vivos dependentes de estarmos a todo o tempo de nossas vidas – e não apenas durante algumas “fases” dela – aprendendo e reaprendendo. Somos pessoas humanas que dependemos inteiramente dos outros e de nossas interações afetivas e significativas com eles para aprendermos até mesmo a sermos... pessoas. (BRANDÃO, 2008, p.28)
Assim sendo, pode‐se afirmar que os serem humanos não
são apenas seres de necessidades biológicas e de circunstâncias determinadas, logo, são seres culturais que vivem e modificam‐se cotidianamente, mudam‐se os tempos, mudam‐se as vontades.
Dai a escola ser o espaço das reflexões e das discussões, porque de alguma forma os seres humanos passarão pela escola e
essa instituição tem por obrigação estimular situações de convivência mútuas, de respeito e dignidade, além de criar mecanismos que desestimulem as atitudes de violência no seu âmbito e, mais ainda, trabalhar com informações que levam o cidadão a pensar a sua importância na sociedade em que vive.
Contudo, o que se vê são efêmeros trabalhos em torno da questão, pois, não há persistência em combater as causas e consequências além da escola, temos a mídia com visões equivocadas sobre a violência e, principalmente em relação ao bullying no âmbito escolar, enfatiza o assunto sem clareza e sem soluções para tal situação, somente como objetivo da espetacularização da notícia ou como uma “coisificação” segundo (ADORNO, 2006). Parafraseando (FERREIRA, 2007), o conceito de mídia chegou ao Brasil pelo inglês media (pronuncia‐se “mídia”, com som de /i/) e pode ser entendida como sinônima de “meios de comunicação”. Na verdade, o termo já existia em latim: media é plural de médium, substantivo neutro que significa “meio, elemento intermediário, mediador”. Para tanto o, (DICIONÁRIO HOUAISS, 2011): “a palavra e a pronúncia inglesas (em especial, a norte‐americana) se exportaram, graças ao seu maciço poder de cultura, comércio e finanças, manifestos em particular, no caso brasileiro, nas agências de propaganda comerciais”. Entretanto, a pronúncia da palavra mídia no Brasil tem conotação de dominação cultural, ou seja, veio em inglês com pronúncia norte‐americana, e não pelo o latim, já que somos povos de língua neolatina, aqui de forma alguma gostaríamos de intensificar o nacionalismo linguístico e, nem demonizar a palavra e substituir por “meios de comunicação”, continuaremos usando o termo mídia, que existe no português brasileiro, é dicionarizado e registrado no Vocabulário ortográfico. Mas não deixa de ser significativa sua origem. Assim sendo, para existência da mídia é necessário o emissor que produz uma mensagem, que é destinada ao receptor, as coisas tornam‐se intrinsicamente ligadas uma vez que há um canal de comunicação, daí o significado que a mídia é um “meio”.
Durante grande parte da história da humanidade para que as pessoas pudessem se comunicar teriam que estar face a face, com tempo os indivíduos adotaram outros meios de comunicação, como as pinturas nas paredes, sinais de fumaça, a invenção da escrita, da imprensa e transmissões de informações, e na passagem do século XIX para o XX, o telefone, o rádio, a televisão, o cinema, a publicidade, os computadores, a internet, os celulares, o mundo digital, assim sendo, permitiram ampliar a comunicação à distância. Portanto, a mídia hoje é um “meio” que produz em larga escala e de expressão capaz de transmitir mensagens, daí não estar isolada e sim vinculada com as relações sociais. Nota‐se ao lidar com o social, que as informações podem estarem condicionadas a uma massificação cultural no sentido de desinformar o indivíduo. O número de pessoas que expressam uma opinião é sempre menor, do que aquelas que recebem, ou seja, em vez de receber informações com fundamentos claros e destinos, no decorrer do processo são codificadas e manipuladas por uma comunicação social de massa, (FERREIRA, 2007). Dessa forma, as informações da mídia não é uma coisa e, sim se transforma em coisa, é um produto a ser comercializado e a violência como uma coisa em si, como se não houvesse uma história, e, transformando‐a em um produto vendável, ou seja, mercadoria de consumo. A indústria cultural dos divertimentos não torna, de fato, a vida mais humana, parece mais um jogo de sedução, de fantasias e alienação, que faz permanecer as desigualdades sociais. (ADORNO, 2002). Logo, a felicidade proporcionada pelo cinema, pela a televisão, pelas músicas nas rádios e pela internet, é enganadora. Ela é enfatizada por uma indústria que está a trabalho da padronização de comportamentos. Exemplo disso são as reportagens da revista (VEJA, 20.04.2011), que enfocam o tema violência de forma homogênea, relatando o massacre ocorrido em Realengo (Rio de Janeiro) cometido por Wellington, que longo da sua vida escolar possivelmente vivenciou opressões, desprezos, achincalhações por parte de seus colegas, daí então, mediantes estes conflitos internos e
externos, acredita que para resolver seus problemas psíquicos, o caminho é revidar por meio de uma barbárie, como a prática de homicídios a várias crianças inocentes e depois o próprio suicídio.
Todavia, a frequência com que são vítimas sofrem violência, em especial o bullying poderá acarretar traumas psicológicos, podendo “ter prejuízos irreparáveis ao seu desenvolvimento cognitivo, emocional e socioeducacional”, (FANTE; PEDRA, 2008, p.84), contudo, as possibilidades de rejeições sociais nas vivências do âmbito escolar, como já foi dito anteriormente neste trabalho são resquícios das práticas de bullying, que podem ter contribuindo para tais situações de barbárie.
Assim, a revista por meio de sua reportagem reproduz um embrião que, acaba por proliferar um tipo de violência gratuita, cristalizada pela sociedade neoliberal que julga ser melhor aquele que se sobrepõe às outras pessoas. Tratou o assunto como se o jovem estivesse ligado a algum grupo terrorista, pois, abordou a situação apenas como mais uma noticia que iria para as bancas, ou seja, desviou o foco da informação.
Outro fato, que cabe lembrar também, ocorrido em tempo anterior a este, foi o tratamento dado pela a revista no caso da “Jovem aluna Geisy Arruda, que foi expulsa da Universidade Uniban” (VEJA, 2009), por causa da intolerância dos colegas a seus trajes. Em nenhum momento a revista citou o direito de escolha e da isonomia individual, uma vez que isso é garantido juridicamente e constitucionamente. Logo, cabe afirmar que a notícia somente ganha sensacionalismo barato, [...] “quando os meios de comunicação veiculam cenas de barbárie” (MENTE&CÉREBRO, 2008, p. 75).
No caso da televisão que atinge boa parte de nossa população brasileira, temos um episódio recente na cidade de Campo Grande‐ MS, divulgado pela TV Morena no dia 11 de setembro de 2013, um caso de violência no entorno da escola: brigas de alunas em frente à Escola Estadual José Ferreira Barbosa, localizada na Vila Bordon, que terminou em homicídio. No qual a jovem Luana Vieira Gregório (15 anos) foi a vítima.
Quando a reportagem veio ao ar, a mídia somente preocupou‐se em transmitir o fato, sem refletir e discutir as problemáticas dos desdobramentos da violência escolar. Contudo, situações como essas podem também estar ligadas às ações de bullying, ou, mesmo de ciberbullying, uma vez que alunos usavam os celulares para gravar o ato de incivilidade, é algo assustador, pois, a “plateia” assistiu ao ato, como se fosse um espetáculo de diversão, como era muito comum na antiga e clássica Roma “A política do Pão e Circo”.
Nota‐se que tal incivilidade em nenhum momento foi levada em questão, ou seja, em nenhum momento “os meios de comunicação” ao transmitirem o fato aos telespectadores se referiram às condições socioeconômicas e históricas dos indivíduos envolvidos, da localização da escola se era de bairro pobre, classe média ou rica, se a escola já tem projetos de combate à violência, em especial o bullying. Portanto, padroniza a mensagem como se fosse o espetáculo da representação. Para tanto, (FANTE, 2005, p. 171) alerta:
Existe uma grande relação entre a televisão e a construção da identidade e do comportamento não só dos adolescentes, mas de toda a sociedade. (...) São veiculadas idéias agressivas e destrutivas nos filmes, nos jogos de videogames e de computadores, em que a violência é vista como algo imediato, cotidiano e freqüente. Os mais violentos têm a capacidade de ganhar e sobressair‐se entre os demais. As crianças e os adolescentes tendem a ver na agressividade e na violência estratégias de resolução de problemas, desconsiderando o diálogo como recurso eficaz.
É preciso ter um olhar sério sobre os meios de comunicação, que, têm o dever moral e ético de “formar” e “socializar” as novas gerações, informações sem espetáculos e sensacionalismos, que chega ao ponto muitas vezes ridicularizar a violência tratando‐a como um processo naturalizado e fruto do conformismo.
Contudo, tal projeção torna‐se um espetáculo de imagens, para tanto (DEBORD, 1991) alerta, que o espetáculo é não agrupamento de imagens, mas é uma inter‐relação com as pessoas, mediatizada por imagens. A questão é, pois, que imagem é um
“meio”, de inter‐relação com os indivíduos, assim a imagem trabalhada pela mídia de forma absoluta anestesia os receptores, dai serem conduzidos a uma alienação sobre um determinado assunto. Entretanto, são necessários cuidados, ao abordar a violência escolar e seus efeitos, justamente por se tratar de uma questão tão ampla, pois, deve‐se de antemão preocupar‐se como a violência não somente produzida no meio escolar, sendo que a mesma pode ser produzida no entorno da escola ou até por outras instituições que compõem a sociedade brasileira. Ou seja, fora dos muros que a cercam.
Mas o mundo da notícia domina tudo que é vivo e vivido, dai algumas reportagens com cunho apenas capitalistas e não a priori de formação humanitária, não se preocuparem com as causas e consequências provocadas pela violência no âmbito escolar, principalmente em se tratando da proliferação do bullying, isentando‐se de utilizar os seus “meios”, como combate a tais violências, assim reforça o seu projeto de coisificação e alienação (ADORNO, 2002). A questão não é estar contra a contribuição da mídia, pois, é justamente o contrário. Busca‐se que mídia faça as reportagens sem falácias de alienação e, ainda sem conotações de reportagens elitizadas, nas observações de (MIDDELTON‐MOZ & ZAWADSKI, 2007) como se os bullies fosse uma ocorrência de uma determinada classe social apenas.
São reproduções como essas que mantém um modelo passivo da violência como se fosse algo somente de ocorrências de uma determinada classe social e, para o bullying não há fronteiras e, menos ainda, não escolhe os grupos aonde se manifestar, seja na escola pública, bem como, na escola privada. Ou seja, não há violência nem maior ou menor grau para ambas as partes. O bullying acarreta problemas que desabrocham na aprendizagem dos discentes. Nesse sentido (FANTE & PEDRA, 2008, p.85) descreve:
No caso dos envolvidos em bullying, principalmente os que foram vitimizados, sendo expostos a situações intimidatórias e
constrangedoras, pode ocorrer a formação de uma estrutura psicológica caracterizada por auto‐estima rebaixada e inabilidades relacionais.
Enquanto se observa essa perda sócio‐educativa por um lado, de outro ocorre a alarmante situação daqueles que não suportam a “pressão e o abuso, não vêem saída, e passam a ter tendências depressivas e suicidas ou reagem com punhos ou armas” (MIDDELTON‐MOZ & ZAWADSKI, 2007, p. 23).
Para quem sofre o bullying, os prejuízos são muitos. Transformam‐se em pessoas de baixa auto‐estima, inseguras, sem confiança e assim tornam‐se homens e mulheres amedrontados, que não conseguem superar suas dificuldades, justamente por virem carregadas de sofrimento desde a infância até sua fase adulta, sem poder dizer a ninguém o que sentiam e o que queriam de verdade.
Para tal afirmação (CUBAS, 2006, p.185) relata:
Crianças vitimizadas sofrem de problemas físicos e psicológicos. Em sua vida adulta, tendem a ter baixa auto‐estima e experiências de depressão. Freqüentemente têm altos graus de sensação de medo, ansiedade, culpa, vergonha, desamparo, depressão ou problemas com álcool, comparadas a uma pessoa que não teve a mesma experiência na infância.
Podemos compreender então que durante o período de
intimidação do bullying, a pessoa sofre insegurança, angústia, medo, vergonha, etc., isso fatalmente interfere em sua aprendizagem, e o agressor ao constatar tal fragilidade percebe que a referida vítima não oferecerá resistência aos seus ataques, continuando o processo e agravando as consequências para a vítima.
A violência escolar, violência na escola e violência em entorno da escola, não deve ser tratada como algo simplista na reflexão, é necessário, um debate mais amplo o qual envolva a sociedade como um todo, para elencar possibilidades de combate à violência no âmbito escolar, em primordial as ações de Bullying.
A seriedade em reconhecer o problema possibilita caminhos que esclarecem como surgem e ampliam‐se a violência, principalmente aquela que afeta o ambiente escolar, assim sendo,
sem tirar conclusões precipitadas, ou, até mesmo alegar que é uma consequência banal, de suma importância para a construção uma escola democrática é encarar os problemas de frente.
Nesse sentido (RODRIGUES, 2010, p.109) oferece uma grande contribuição descrevendo:
Para que estas mudanças sejam possíveis e para que se tenha um ambiente em que às diferenças – social, cultural, econômica, física e política – coexistam, torna‐se necessário mudar a forma de se compreender o mundo e se libertar dos mecanismos de exclusão que são inerentes aos processos educativos atuais.
Diante desses novos olhares, notar as diferenças
individuais, possibilita resgatar o indivíduo e reconhecê‐lo como pessoa que faz parte de uma sociedade tomada de preconceito e individualismo. A saída é insistir nas sementes da paz, incentivando – “a solidariedade, a tolerância, o respeito às diferenças, a cooperação, a amizade e o amor” (FANTE & PEDRA, 2008, p.129).
Em reforço aos dizeres citados acima por (FANTE & PEDRA, 2008), atenhamos‐nos aos dizeres de Soares (2004, p.159) que sugere:
O Brasil precisa, com urgência, de um pacto pela paz celebrando nossa unidade – nas irredutíveis e respeitáveis diferenças – em torno de um programa de salvação nacional da juventude vulnerável. Pelo futuro civilizado do país e contra a desigualdade iníqua que nos envergonha. E para que possamos nos reconciliar com nossa consciência.
Em conformidade à sugestão, notamos diante das
problematizações provocadas pela violência, que há uma necessidade de operação de combate contra a mesma, assegurando à sociedade brasileira o direito da convivência, do respeito mútuo, da igualdade e principalmente, o direito à liberdade civil e individual, sendo que isto somente ocorrerá mediante um projeto político pedagógico que traga em seu bojo a importância dos valores socioeducativos e da paz.
Talvez assim possamos vislumbrar um futuro melhor. Para isso é necessário compromisso do educador, da família, da
comunidade escolar, além das políticas públicas, visto ser esse envolvimento e engajamento uma possibilidade real de construção de uma sociedade, mas fraterna, solidária e justa.
Considerações finais
Por meio deste trabalho faz‐se necessário realizar uma
discussão e reflexão sobre, as abordagens e as manifestações, no que diz respeito à violência escolar, a mídia e seu tratamento com o bullying no âmbito escolar. Sobretudo indagar‐se sobre desdobramento da violência escolar, como um fenômeno que vem sendo construído na nossa sociedade brasileira desenfreadamente, aumentando e dificultando o desempenho pedagógico educacional, uma vez que para o bullying não há barreiras para suas proliferações.
A violência escolar, em especial o bullying suas manifestações acabam destruindo as relações interpessoais, ou seja, gerando atos de intolerância, desrespeito, insatisfação, agressões físicas ou psicológicas, intimidações, humilhações, ou seja, os atos de bullies.
Para tanto, não bastam apenas reportagens com informações codificadas, prontas e acabadas e, menos ainda tiragem de textos superficiais, ou, mesmo ainda imagens televisivas, que não esclarecem de fato como tais ações de violências se dão na origem do seu “cerne”. É dever moral e ético compreender o que de fato é a violência escolar e como ela se reproduz neste âmbito, logo, não é reproduzir os fatos como são apenas, mas notificar as condições de como estes ocorrem e proliferam no meio escolar. A mídia não tem o direito de lubridiar as pessoas, massificar culturalmente e padronizar as coisas como vendável, ou seja, como algo a ser consumido em larga escala.
Então, é inadmissível aceitar que em pleno século XXI a escola seja omissa aos problemas da violência no âmbito escolar, em especial o bullying, assim é de importância expandir a discussão e reflexão, juntamente com os professores, alunos, pais, autoridades públicas e a comunidade entorno da escola, e a partir daí traçar
encaminhamento de projetos políticos pedagógicos, que vão de encontro à realidade escolar.
Tornar a escola um espaço democrático e de emancipação seria uma das possibilidades de combate à violência escolar e de efeitos contrários às manifestações que dilaceram o seu meio. A escola não pode ser reconhecida como, fim em si mesmo e, sim, como meio de formação cidadã, de ensino‐aprendizagem e de relação socioculturais.
Portanto, ao que tratar o tema é necessário demonstrar que o respeito mútuo é caminho para viver em uma sociedade movida pela cooperação, dignidade e a paz. Para tanto, a escola enquanto instituição tem por dever inserir no seu currículo o debater destas questões e outras que tem ocorrido no cotidiano, propiciando a nossas crianças e jovens a possibilidade de construção e fortalecimento de identidades e respeito as diferenças, alvo estas, dos atos de bullying. A educação ainda é o melhor e caminho para uma cultura de paz na sociedade. REFERÊNCIAS ABRAMOVAY, Mirian e RUA, Maria das Graças. Violências nas escolas. Brasília: Unesco, 2002. ADORNO, Theodor. Indústria cultural e sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 2002. ADORNO, Theodor W. Educação e emancipação. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2006. BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Viver de criar cultura, cultura popular, arte e educação. In. COELHO, Teixeira. O que é indústria cultural. São Paulo: Brasileinse, 2007. CUBAS, Viviane. Bullying: assédio moral na escola. In. ROUTTI, Caren (Org.). Violência na escola: um guia para pais e professores. São Paulo : Andhep : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Lisboa: Mobilis in Móbile, 1991.
FANTE, Cleo. Fenômeno bullying: como prevenir a violência n as escolas e educar para a paz. Campinas: Versus Editora, 2005. FANTE, Cleo; PEDRA, José Augusto. Bullying escolar: perguntas & respostas. Porto Alegre: Artmed, 2008. FERREIRA, Delson. Manual de sociologia: dos clássicos à sociedade de informação. São Paulo: Atlas, 2007. HOUAISS, Instituto Antônio (Org.). Dicionário Houaiss Conciso. Rio de Janeiro: Moderna, 2011. MENTE&CERÉBRO. ‐ Brincadeiras perversas – disponível em: <http://mr12.com.br/bullying/images/pdf/artigo002.pdf > Acesso em: 09 out. 2013. MIDDELTON‐MOZ, Jane; ZAWADSKI, Mary Lee. Bullying – estratégias de sobrevivência para crianças e adultos; tradução Roberto Cataldo Costa. Porto Alegre: Artmed, 2007. MOREIRA, Antonio Flavio; TADEU, Tomaz, (Org.). Currículo, Cultura e Sociedade. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2011. MORENA, TV. disponível em <http://g1.globo.com/mato‐grosso‐do‐sul/noticia/2013/09/imagens‐mostram‐briga‐que‐matou‐estudante‐na‐saida‐de‐escola‐em‐ms.html > acesso em: 09 out. 2013. RODRIGUES, Thiago Donda. A etnomatemática no contexto do ensino inclusivo. Curitiba: CRV, 2010. RUOTTI, Caren. Violência na escola: um guia para pais e professores / Caren Ruotti, Renato Alves, Viviane de Oliveira Cubas. São Paulo: Andhep: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2006. SILVA, René Marc da Costa. Cultura popular e educação. Brasília: Salto para o Futuro? TV Escola/ SEED/ MEC, 2008. SHILLING, Flávia. A sociedade da insegurança e a violência na escola. São Paulo: Moderna, 2004. SOARES, Luiz Eduardo. Juventude e violência no Brasil contemporâneo. In. NOVAES, Regina; VANNUCHI, Paulo, (org.). Juventude e Sociedade: trabalho, educação, cultura e participação. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004. VEJA, Revista. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/ geral/geisy‐expulsa‐da‐uniban‐barbarie‐fascistoide‐mulheres‐do‐brasil‐unam‐se‐contra‐o‐%e2%80%9cdireito‐ao‐estupro%e2%80%9d/> Acesso em: 08 out. 2013. VEJA, Revista. São Paulo. v. 2213, n. 16, p. 89‐95, 20/abr./ 2011.
PROGRAMA INSTITUCIONAL DE BOLSAS DE INICIAÇÃO À DOCÊNCIA (PIBID): FORMAÇÃO DE
PROFESSORES EM DIFERENTES ESFERAS
Deuzélia Alves Gomes Doracina Aparecida de Castro Araujo
[...] o exercício da profissão ganha mais qualidade se o
professor conhece bem o funcionamento do sistema escolar (as políticas educacionais, as diretrizes legais, as relações
entre escola e sociedade, etc.) e das escolas (sua organização interna, as formas de gestão, o currículo os métodos de ensino, o relacionamento professor‐aluno, a
participação da comunidade, etc.) e aprender a estabelecer relações entre essas duas instâncias.
José Carlos Libâneo (2003).
Introdução A formação de professores vai além da presença do aluno
nos bancos da Universidade, formação de professores é estar em contato, interagir‐se, movimentar‐se dentro de outra instituição – a instituição escolar. Ela, por sua vez, impulsionará a aprendizagem de diferentes saberes articulados a diferentes fazeres no trabalho pedagógico. Portanto, formação de professores “[...] não é a prática docente, mas é a teoria sobre a prática docente e será tão mais formador à medida que as disciplinas todas tiverem como ponto de partida a realidade escolar brasileira” (PIMENTA, 2002, p.14).
A realidade debatida em sala de aula na universidade deve estar pautada na realidade do trabalho educativo da Educação Básica, em que o aluno aprenderá a ser professor atuando como professor. Nóvoa (2009) afirma que um dos princípios fundamentais para a formação de professores é a formação que ocorre dentro da profissão.
A epígrafe é bem explícita, porque provoca um diálogo entre o corpo docente e a sua profissão que não está vinculada, apenas, na sala de aula. A profissão do docente como bem mencionou Libâneo é estabelecer relações com as duas instâncias:
sistema escolar, uma escola que, por sua vez, dará suporte para compreender as políticas públicas educacionais e, também, relacionar com a gestão escolar e a comunidade interna e externa. Essa relação deve estar explicita, pois o acadêmico precisa compreender que a escola não funciona, apenas, dentro de uma sala de aula, mas em um todo.
Essas reflexões devem ser propagandeadas desde os bancos da Universidade, mas não ficar em si mesma, isto é, deve‐se ir além, unir a teoria com a prática, porque ambas são intrínsecas (PIMENTA, 2002). A proposta, portanto, é alterar a forma como está posto e visto o quadro da formação de professores atualmente. Essa alternativa é um dos pilares do Programa Institucional de Iniciação à Docência – PIBID.
A ação do conhecimento em como atuar em uma rede de ensino, será adquirida, somente, na atuação na escola, pois o docente iniciante precisa perceber a importância de uma sólida articulação entre corpo administrativo e o corpo docente e inclusive a sociedade. Essas articulações se dão por meio do contato escolar. Este contato, portanto, é priorizado pelo PIBID, que conduz o acadêmico a uma futura profissionalização consciente de seus atos pedagógicos no âmbito escolar.
O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) visa ao aprimoramento dos estudantes de licenciatura, dando‐lhes apoio e incentivo, tendo como principal objetivo a junção entre os saberes da universidade e fazeres na educação básica para que a teoria apreendida na academia seja compreendida e explorada pelos acadêmicos, em sua prática, a fim de que em sua atuação profissional eles sejam capazes de compreender os fenômenos escolares e utilizar de suas experiências para uma atuação sólida e bem fundamentada.
O PIBID é uma continuação dos estudos acadêmicos, uma vez que, além de propiciar trocas de experiências, desenvolve nos alunos à capacidade de compreender a realidade escolar e os provoca para uma tentativa de intervenção a fim de modificar seu papel como docente em formação.
O aluno ao ingressar na vida acadêmica cuja opção é a licenciatura, tem a oportunidade de ser contemplado com o PIBID que será apoiado tanto financeiramente quanto para seu aprimoramento profissional, isto é, em suas ações enquanto professor em formação, já que um dos objetivos do Programa é a elevação do magistério, dando suporte e incentivo aos acadêmicos que cursam a licenciatura. O Programa visa o aprimoramento dos bolsistas e a contribuição na melhoria do processo ensino/aprendizagem em que está inserido o projeto. Ambas as partes se beneficiam e produzem uma relação profícua entre a Universidade e a Educação Básica.
Para compreender de fato a proposta do Programa, será, primeiramente, relatada a implantação do PIBID, da esfera nacional à local (2007 a 2012), a fim de abordar o Programa e sua inserção positiva nas Instituições de Ensino Superior – IES. No primeiro subtítulo serão apresentadas as leis que asseguram o Programa, por quais portarias ele foi instituído e o decreto que dispõe sobre o PIBID para, a partir daí, realizar, detalhadamente, a abordagem dos dados quantitativos do Programa com destaque em seus impactos e resultados positivos que vem adquirindo desde 2007.
No segundo subtítulo, será especificado sobre o Programa na esfera local, ou seja, relatar a inserção do PIBID no curso de Pedagogia na Unidade Universitária de Paranaíba/MS com o foco em seu subprojeto “A Construção da Identidade Profissional Docente: Formação Compartilhada e a Escola de Educação Básica” a fim de abordar as ações previstas do Programa para a Universidade e, dela, para a escola. 1. Implantação do PIBID no Brasil (2007 a 2012)
Com o objetivo de melhorar a qualidade educacional dos
docentes em formação, das licenciaturas e promover um diálogo entre o Ensino Superior e a Educação Básica, o Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID), criado pela Portaria Normativa nº 38, de 12 de dezembro de 2007 (BRASIL, 2007), em conformidade com a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996) e a Lei nº 11.273, de 6 de fevereiro de 2006
(BRASIL, 2006), constitui‐se com a finalidade de apoiar discentes de formação inicial e a formação continuada de docentes da Educação Básica, em uma Proposta de trabalho interativo, interdisciplinar e coletivo com destaque nas experiências metodológicas, tecnológicas proporcionada entre os envolvidos com enfoque na superação dos empecilhos encontrados na prática docente no processo de ensino/aprendizagem.
No Artigo 1º do Decreto nº 7.219, de 24 de julho de 2010 (BRASIL, 2010), o PIBID, instituído pela Portaria Normativa nº 38 (BRASIL, 2007) tem o intuito de favorecer a iniciação a docência e aprimorar as ações dos acadêmicos que cursa a licenciatura, promovendo uma articulação com o ensino básico, elevando sua qualidade de ensino. Logo, a base do Programa é o envolvimento entre os parceiros, como: a universidade, escola, professores e alunos no qual todos envolventes promovem um trabalho coletivo que está aberto a novas idéias e, sobretudo a uma interação bem intencionada.
Os envolvidos possuem bolsas concedidas pelo PIBID que são destinadas ao Coordenador de área Institucional, ao Coordenador de Gestão, ao Professor Coordenador de área da Instituição de Ensino Superior; ao Professor Supervisor da Escola e para os discentes dos cursos de graduação, licenciatura, que atendem aos requisitos tratados no artigo 2º da Portaria Normativa nº 38 (BRASIL, 2007). Na sequência são definidos os objetivos do PIBID, no artigo 3º:
I ‐ incentivar a formação de professores para a educação básica, especialmente para o ensino médio; II ‐ valorizar o magistério, incentivando os estudantes que optam pela carreira docente; III ‐ promover a melhoria da qualidade da educação básica; IV ‐ promover a articulação integrada da educação superior do sistema federal com a educação básica do sistema público, em proveito de uma sólida formação docente inicial; V ‐ elevar a qualidade das ações acadêmicas voltadas à formação inicial de professores nos cursos de licenciaturas das instituições federais de educação superior. (BRASIL, 2007, p. 4).
Os objetivos do Programa especificam a falta de
profissionais para a Educação Básica, por isso, o foco é a promoção
de melhoria na qualidade do trabalho educativo e, sobretudo, o incentivo à carreira docente. Justifica‐se, portanto, a necessidade de reformulações na área educativa, dessa forma, o PIBID surge com tais objetivos para dar suporte a carreira docente para que ela seja atrativa e que, pouco a pouco, mediante o conhecimento adquirido da organização escolar como um todo, contribua para que na futura atuação dos bolsistas como profissional, possa surgir reflexões sobre as condições de trabalho e articular suas reivindicações na busca de condições adequadas no espaço escolar.
E, finalizando, no Art. 5º lê‐se que para participar do PIBID deve ser Instituição Pública de Ensino Superior (federal, estadual). No § 2º, VI ‐ aborda o perfil das escolas na qual o PIBID será desenvolvido que dependerá da nota obtida pelo Índice de Desenvolvimento da Educação – IDEB.
De acordo com o Ministério da Educação ‐ MEC o IDEB é uma ferramenta, instituída pelo Instituto Nacional de Estudos e de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), foi criada com o intuito avaliar e medir a qualidade das redes de ensino das escolas de rede pública e é calculado com base no rendimento e desempenho dos alunos mediante as aprovações e evasão em consonância com as avaliações instituídas pelo governo, exemplo disso, é a provinha Brasil. A partir desses critérios, a escola que obtiver uma nota muito inferior a desejável, de seis a dez, em uma escala de zero a dez, estará sujeita a uma baixa classificação e ao olhar atento do INEP. Portanto, é a partir dessa classificação que define a escola que participará do PIBID. (BRASIL, 2012).
Diante das leis que asseguram o PIBID, tem‐se, desde 2007, várias portarias que o instituiu, dessa forma, fica evidente a sua ampliação e expansão diante das universidades brasileiras e a relevância enquanto Programa que prima pela qualidade no ensino e a melhoria da prática em sala de aula. 2. PIBID: Impactos e resultados
Desde sua implantação em 2007 o PIBID lançou cinco editas
até 2011, embora tenha implementado o primeiro edital apenas nos
primeiros meses de 2009 e, ao ser lançado o Programa, tinha como prioridade o atendimento nas áreas de Matemática, Biologia, Química e Física pelo fato da escassez de professores voltados para essas áreas específicas. No entanto, no decorrer do desenvolvimento do Programa, este obteve resultados positivos, dessa forma, ampliou‐se a toda a Educação Básica dando suporte as licenciaturas em geral.
Esse fato justifica o aumento dos números de participantes em relação a IES e as bolsas concedidas em todas as modalidades, pois de um total de 3.000 bolsistas em dezembro de 2009, o PIBID avançou para 26. 918 bolsas em 2011 e chegou ao total de 49.231 em 2012. Um salto relativamente alto em relação às concessões de bolsas, conforme constatado no Relatório de Gestão 2009‐2011, da Diretoria de Educação Básica Presencial – DEB. (BRASIL, 2012).
A crescente procura de bolsas de iniciação à Docência retrata a preocupação em torno das questões educativas e, sobretudo, a formação de professores, uma vez que de acordo com Libâneo (2003, p. 277):
Especificamente sobre os docentes, há grande preocupação em torno de sua profissionalização. Passando por tempos difíceis, de desprestigio social, de salários aviltantes, com péssimas condições de trabalho, a profissão de professor já não atrai a juventude, e muitas escolas e inúmeras áreas do conhecimento sentem a falta desse profissional.
Percebe‐se essa preocupação dado ao aumento de números
de concessões de bolsas de iniciação à docência, uma vez que se há essa alta demanda de bolsas é porque algo está falho e a formação de professores deve ser revista e repensada para que esse quadro seja alterado, ou porque houve um grande interesse pela carreira de professores no Brasil, que já na fase de formação inicial querem ampliar seus conhecimentos.
Dessa forma, os números evidenciam a expansão do Programa nas universidades de todo o Brasil, pois conforme informações do Ministério da Educação (MEC), esta crescente procura é dado aos principais impactos provocados pelo PIBID, como: o reconhecimento do curso de licenciatura na universidade, o aumento pela procura pelos cursos de licenciatura e a melhoria na
qualidade do ensino das escolas participantes e a diferença entre outros Programas já realizados, pois faz uma articulação entre os envolvidos na educação pública brasileira sendo acadêmicos e professores universitários e alunos e professores da rede pública (BRASIL, 2010).
Esses impactos provocados pelo Programa são evidentes, porque as licenciaturas que possuíam uma baixa procura são as que estão nas primeiras posições de cursos que possuem o PIBID inserido em suas propostas. A título de exemplo, o curso de Matemática possui, cadastrado na proposta, 3.620 bolsistas. A Pedagogia, 3.080; o curso de Biologia possui 2.716 e a Química 2.688. Nota‐se que algumas dessas áreas foram as que impulsionaram para a implantação do PIBID dada à ausência de professores e, hoje, possui o maior percentual de bolsistas inscritos.
O PIBID concede a abertura para um diálogo entre os envolvidos na busca por uma melhoria tanto na formação inicial quanto no processo de ensino/aprendizagem no âmbito escolar no qual todos são beneficiados, uma vez que de acordo com o relatório extraído do Relatório de Gestão 2009‐2011, da Diretoria de Educação Básica Presencial – DEB (BRASIL, 2012, p. 5) “O diálogo e a interação entre licenciandos, coordenadores e supervisores geram um movimento dinâmico e virtuoso de formação recíproca e crescimento contínuo”.
Os envolvidos em uma prática com objetivos comuns são pertinentes, uma vez que os alunos e professores do Ensino Superior, trabalham em conjunto com os alunos e professores supervisores do Ensino Básico. Essa soma de professores e alunos promove um trabalho benéfico, ou seja, um em prol do outro. Enquanto que os bolsistas atuam, na prática, seus saberes na universidade. Os professores da escola são os co‐formadores da formação dos bolsistas, intercalando os saberes já apreendidos com os fazeres no Ensino Básico.
Nota‐se, portanto, que essas modalidades de bolsas oferecidas vêm ganhando destaque e crescendo significativamente, pois de acordo com a DEB (Relatório de Gestão 2009 – 2011), dentre as modalidades de bolsas oferecidas pelo Programa em 2011, das
26.918 bolsas concedidas, 21.849 foram para bolsistas discentes; 1.761 para coordenadores de área (IES) e 3.308 para professores supervisores das escolas públicas (BRASIL, 2012). Esse dado quantitativo é, extremamente, importante, pois revela a preocupação e motivação para que, de fato, haja uma mudança tanto no processo de escolarização do alunado, como na formação inicial dos novos docentes.
Essas bolsas são distribuídas nas cinco regiões do Brasil, a saber: no Nordeste 35% de bolsas concedidas; no Sudeste, são 27%; no Centro‐Oeste são 11%; no Sul 19% e no Norte 8%. Nota‐se que a região Nordeste é a que possui maior número de bolsas. Segundo a DEB, é uma situação não muito comum, visto que, em outros programas de fomento a iniciação à docência, quem se destaca em porcentual de bolsistas inscritos é a região Sul e Sudeste.
As Instituições de Ensino Superior – IES são distribuídas pelas regiões da seguinte forma: no Norte são 17 IES participantes; no Nordeste são 45; no Centro‐Oeste são 9; no Sudeste 42 e no Sul 33. Ao todo são 146 IES contemplados com o Programa, todas elas estão dividas pelas Federais, ao todo são 83 participantes; Estaduais 32; municipais são 6 e comunitárias são 25. Em 2009 havia apenas 43 IES e 266 escolas inseridas, já em 2011 são 146 e 1.938 escolas. Nota‐se que em dois anos houve um crescimento significativo de instituições e escolas que se inseriram no Programa.
Já em 2012 esse número avançou significativamente, são 40.012 bolsistas de iniciação; 3.046 coordenadores de área e 6.173 supervisores. Atualmente, são 196 IES participantes e 4.160 escolas contempladas. Percebe‐se que o crescimento é bastante significativo em relação aos anos que foi implantado, ou seja, de 2007 a 2012 houve uma escala alta de universidades contempladas com o intuito de exercer ações pedagógicas na Educação Básica. 3. Proposta do PIBID Para A UEMS de Paranaíba ‐ Curso de Pedagogia
O PIBID tem sua iniciativa pelo Governo Federal e tem
como principal ideal realizar parcerias entre as Universidades e as
Escolas da Educação Básica, com o intuito de melhorar a qualidade do ensino/aprendizagem nas redes públicas de todo Brasil. Assim, foi implantado em 2007 o Programa, na qual poderão ser inscritas as instituições públicas para o aperfeiçoamento e auxílio dos acadêmicos que cursam a licenciatura, dando‐lhe apoio e incentivo com o foco no êxito de uma carreira profissional docente capaz de articular a teoria/prática em suas ações pedagógicas.
Dessa forma, de todos os Estados, inclusive Mato Grosso do Sul, contém quatro instituições, a saber: UFMS, UEMS, UFGD e UCDB, que integram o grupo de participantes e, dentre elas, está a Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS) de Paranaíba/MS que é uma das unidades que integra o grupo. A unidade oferta três opções de cursos sendo que, dois deles, estão voltados para a área da educação – cursos de Ciências Sociais e Pedagogia.
O curso de Pedagogia foi instituído em 2003, na unidade de Paranaíba/MS, com o objetivo atender as necessidades da comunidade em relação à educação voltada para séries iniciais. Desde então, a Unidade sempre esteve em parceria com a comunidade em prol de uma educação profícua para que a nota do IDEB melhore a cada ano. E uma das alternativas de beneficiar os estudantes universitários e a comunidade interna e externa da Educação Básica foi a de abrir espaço na Unidade de Paranaíba/MS para implantação de um Programa voltado para a conexão da teoria com a prática – o PIBID que tem como foco o auxílio, aprimoramento e conhecimento para os acadêmicos que tem o propósito de atuar em sala de aula. O PIBID é coordenado por uma professora adjunta da universidade e supervisionado por uma professora da Educação Básica, ambas se comprometem com a qualidade de ensino e em gerar futuros professores compromissados e conhecedores do cotidiano de uma sala de aula e, sobretudo, da ética profissional.
Para a aplicação das atividades foi selecionada uma escola de rede pública que obteve uma nota inferior no IDEB, a selecionada para a execução do trabalho foi a Escola Estadual Dr. Ermírio Leal Garcia, como princípio das normas, deveria
oportunizar uma parceria com a universidade para que os estágios ocorram e, os alunos, pudessem passar a conhecer de fato a realidade no espaço escolar, ou seja, ir além da sala de aula, ter um contato maior com a escola, participar das reuniões de pais, reuniões pedagógicas, compreender a estrutura da escola e, também, a curricular.
A escola selecionada é de rede pública, suas atividades se realizam no período matutino e vespertino que atende o 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental e, também, o 6º a 8º ano; a escola recebe um alunado da camada popular pertencentes a bairros carentes. Neste espaço escolar, percebe‐se que há alguns contratempos dado à gravidade de problemas em relação à indisciplina e, também, as constantes reclamações de casos de violência que ocorrem nesse espaço, uma vez que um dos problemas geradores desse fenômeno está vinculado a não aprendizagem dos alunos e a falta de suporte familiar e, também, a carência financeira que envolve a alimentação, vestimentas e, sobretudo, a relação entre esses alunos e os pais e, deles, com a escola.
Esse conhecimento oportuniza reflexões sobre como está estruturado a escola e se o currículo atende todas as necessidades da comunidade interna. Esse conhecimento, portanto, não fica restrito apenas ao espaço entre quatro paredes fornecidas em sala de aula, mas compreende o todo e não apenas uma parte isolada. 4. PIBID e suas ações previstas: da Universidade para a escola
Ao entrar em contato com o meio escolar tinha‐se,
primeiramente, a meta de cumprir as normas do subprojeto na qual relata as atividades a serem cumpridas. O subprojeto é um documento no qual está abordado todas as atividades a serem planejadas e executadas em sala e fora de sala de aula, ou seja, ele contempla as atividades que devem ser desenvolvidas na escola e na universidade. As atividades devem ser organizadas conforme segue no subprojeto:
Conhecimento da realidade escolar; Aprofundamento teórico da equipe de trabalho; Planejamento participativo; Avaliação e replanejamento; Divulgação científica dos trabalhos realizados ao longo do PIBID; Avaliação do projeto e proposição de estudos e novas ações. (PARANAÍBA, 2011, p. 129).
Conforme relata o subprojeto a primeira ação prevista é o
conhecimento da realidade escolar, ou seja, o encontro entre a equipe do PIBID e a equipe pedagógica da escola para as definições de regras, funcionamentos, recomendações e estudos do projeto pedagógico da escola para maiores conhecimentos.
Em seguida, exige‐se um aprofundamento teórico da equipe de trabalho, para isso, são estipulados temas a serem explorados e analisados a fim de aprimorar o conhecimento e a atuação na sala de aula e para melhor direcionar o trabalho dos acadêmicos que tem a função de utilizar planos diferenciados com as crianças. O planejamento requer uma participação efetiva de toda a equipe do PIBID, uma vez que a troca de experiências, o trabalho coletivo possibilita diversos olhares em relação a um tema específico, pois cada um possui sua singularidade, portanto, a troca de ideias é um ponto significativo no trabalho entre os envolvidos.
Para o aprimoramento dos bolsistas há a seleção de temas com o foco em estudos, como a diversidade, indisciplina, há, também, estudos voltados para a Emancipação social com o fito de realizar no aluno bolsista a capacidade de refletir sobre a mudança social, ter conhecimento sobre análise do discurso, para que entenda melhor e realize entrevistas com professores, com o corpo administrativo da escola. Há também, como menciona no subprojeto (2011) a avaliação e replanejamento, são alguns dos critérios do PIBID, como a avaliação das ações do semestre e relatório parcial; a produção intelectual; a avaliação e relatório final do projeto são outras ações relevantes para serem executadas.
As atividades a serem desenvolvidas no espaço escolar com a comunidade interna e, também, externa, são as práxis educacionais, a saber: leitura e produção de textos é um tema que contribui para os planejamentos, a avaliação dos textos, como trabalhar e as contribuições teóricas; o teatro na sala de aula; avaliação das ações do semestre e relatório parcial; a literatura infantil, contos, poesias e
paródias; as brincadeiras de roda e jogos educativos; os problemas da Matemática e a Matemática a partir da resolução de problemas; o concreto nas áreas de Iniciação a Ciências e Estudos Sociais; o filme como pretexto para trabalhar temas educacionais; recursos tecnológicos em sala de aula. (PARANAÍBA, 2011).
Essas são algumas das ações previstas para um trabalho realizado com consciência, compromisso e seriedade para que aconteça o desenvolvimento e a aprendizagem e, os bolsistas, juntamente com a coordenadora de área e supervisora busquem por uma prática diferenciada não deixando de lado, também, uma base teórica bem fundamentada, uma vez que um dos pilares do PIBID é a articulação da prática com a teoria para que, de fato, aconteça um trabalho efetivo e, assim, o PIBID não seja algo significante apenas em um dado quantitativo, mas na qualidade do trabalho desenvolvido.
E de acordo com André (2012, n.p.) os Programas que fomentam a iniciação a docência “[...] constituem excelentes alternativas para superar o distanciamento que historicamente se observa entre os espaços da formação e do exercício profissional. Além disso, auxiliam os estudantes a se identificarem com a profissão e favorecem a inserção na docência”. Essa promoção de saberes que se adquire por meio do Programa valoriza a profissão docente e, sobretudo, a ação docente, uma vez que contribui “[...] para diminuir as taxas de abandono e para manter os bons professores na profissão” (ANDRÉ, 2012, n.p.).
Como afirma Nóvoa (2009) para que haja bons professores no trabalho coletivo é preciso que alguns princípios estejam arraigados na prática educativa, a saber: “O conhecimento, a cultura profissional; o tacto pedagógico; o trabalho em equipe e o compromisso social” (2009, p. 3).
Esses princípios são um dos pilares identificados na proposta do PIBID que fundamentam a prática inicial docente e quando Nóvoa (2009) aborda um desses princípios pode‐se relacioná‐los as questões geradoras da proposta do PIBID na unidade de Paranaíba/MS no curso de Pedagogia, a saber: “O conhecimento” o que o Programa tem proporcionado ao acadêmico
sobre a relação de saberes, e na sala de aula, como o conhecimento está sendo conduzido aos alunos? “A cultura profissional” como a práxis da equipe do PIBID tem contribuído tanto para iniciação a docência quanto para a aprendizagem dos alunos na escola? “O tacto pedagógico” Como os acadêmicos tem conduzido sua prática na sala de aula, quais as ações dos acadêmicos para atender a comunidade interna, estas ações tem a participação direta desses alunos? “O trabalho em equipe” o trabalho coletivo é bem frisado pelos componentes do grupo, qual a relação entre os docentes, gestores da escola com a equipe do PIBID? E, por fim, “O compromisso social” as atividades proporcionadas pelo PIBID têm enfatizado as questões sociais, estudos voltados para a realidade da comunidade interna e externa contribuindo para a formação dos discentes do PIBID? São estes os princípios que fundamentam o Programa e faz parte do trabalho realizado no cotidiano da Universidade e, dela, para a escola. Considerações Finais
A partir desta pesquisa é possível afirmar que o trabalho
realizado, as reuniões, planejamentos, avaliação de aulas, bem como a aprendizagem de temas e assuntos que contribui para a formação dos licenciandos se torna significativo para a formação inicial dos bolsistas, além da relevância do trabalho coletivo realizado durante o desenvolvimento do trabalho da universidade e dela para a escola, sobretudo as experiências trocadas entre os próprios bolsistas por cursarem séries diferentes, além da aprendizagem adquirida entre os bolsistas e professores da rede pública que são importantes para atuação destes em sala de aula.
A experiência e conhecimento adquirido no momento que se está como professor em formação contribui para que possa ter uma visão do todo, pois o contato vai além de como é uma sala de aula, mas como funciona a estrutura de uma escola, a socialização com os professores regentes, o corpo administrativo e coordenadores e essa relação produz um diálogo entre a escola e universidade tendo como
oportunidade colocar em prática os saberes divulgados pela universidade.
Esse diálogo entre as diferentes níveis: Educação Básica e Universidade contemplam não só os bolsistas inseridos na proposta, mas contribui para o processo de ensino/aprendizagem dos alunos da escola e, também, para a propagação da continuidade dos estudos aos professores regentes e a importância de uma formação continuada. Dessa forma, o PIBID provoca reflexões e retrata que ser bolsista do PIBID é estar além do que se espera em uma sala de aula na universidade, ser bolsista é estar atento ao que se diz na teoria e saber utilizar suas argumentações porque já esteve na prática, é poder entender os textos, pois vivencia na prática as situações de um professor, é esperar no professor saberes que na prática já conheceu e fazer um vínculo com o que vivenciou e com o que aprendeu, ou seja, unir a teoria apreendida em sala de aula na universidade com a prática adquirida na sala de aula de uma escola de Educação Básica.
Enfim, fazer a diferença em uma sala de aula é saber como trabalhar e se compreender como um profissional da educação. Também deve‐se entender as lutas de classes e se apaixonar dia a dia pela profissão, conquistando os alunos para aprender com eles seus saberes, pois esse é um dos pilares do PIBID, e que passa a ser também dos pibidianos que compreendem a Educação não como um fim em si mesma, mas sim um meio para transpor dificuldades e descobrir habilidades. REFERENCIAS ANDRÉ, Marli. Políticas e programas de apoio aos professores iniciantes no Brasil. Educação e pesquisa: São Paulo, v. 42, n.145, p. 112‐129, 2012. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100‐15742012000100008&lng=pt&nrm=iso> Acesso em: 22 maio 2013. BRASIL. Ministério da Educação. Decreto nº 7.219, De 24 de junho de 2010. Diário Oficial da União, nº 120, sexta‐feira, 25 de junho de 2010. Seção 1. p.
ISSN 1677‐7042. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/educacao‐basica/capesPIBID> Acesso em: 20 abr. 2013. ______. Ministério da Educação. Portaria normativa nº 38, de 12 de dezembro de 2007. Diário Oficial da União, nº 239, quinta‐feira, 13 dez. 2007. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seed/arquivos/pdf/ead/port_40.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2011. ______. CAPES. PIBID. Disponível em: <http://www.capes.gov.br/ educacao‐basica/capesPIBID.> Acesso em: 07 Jul. 2011. ______. Diretoria de Educação Básica Presencial, DEB: PIBID (RELATÓRIO GERAL 2009 – 2011. Brasília, 2012. EDUCAÇÃO. Ministério da Educação. PIBID. Disponível em: <http:// gestao2010.mec.gov.br/o_que_foi_feito/program_55.php> Acesso em: 10 jul. 2011. LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira de; TOSCHI, Mirza Seabra. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003. NÓVOA, Antonio. Para uma formação de professores construída dentro da profissão. Revista Educacion. Madrid: 2009. PARANAÍBA. Subprojeto de Pedagogia do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). UEMS, 2011. PIMENTA, Selma Garrido. O estágio na Formação de professores: unidade teoria e prática? 5. ed. São Paulo: Cortez, 2002.
UMA REFLEXÃO SOBRE OS LIVROS DA COLEÇÃO MATEMÁTICA: NUMA ABORDAGEM DA HISTÓRIA DA
MATEMÁTICA COMO RECURSO NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE MATEMÁTICA
Ronilce Maira Garcia Lopes
Sabrina Helena Bonfim Introdução
Este artigo tem por finalidade apresentar a ideia geral do
Trabalho de Curso desenvolvido durante o curso de Matemática – Licenciatura, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Paranaíba (CPAR) e principalmente, expor uma subseção do 4º capítulo denominado: Análise dos Livros Didáticos.
Deste modo, apresentaremos o 3º capítulo do trabalho, que teve como finalidade dar suporte para o 4º capítulo, assim, o objetivo deste artigo é apresentar uma das subseções do 4º capítulo, no caso, referente a coleção de livros didáticos: Matemática.
De modo geral, realizamos um estudo histórico sobre as equações algébricas, e posteriormente com base em alguns referenciais da educação matemática, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e o Referencial Curricular do Estado de Mato Grosso do Sul (MS), buscamos entender como a História da Matemática vem sendo utilizada como recurso metodológico nos livros do Ensino Fundamental (6º ao 9º anos) de Matemática, mas especificamente como a história das equações de 1º e 2º graus está sendo utilizadas pelos autores de coleções didáticas.
Por fim, selecionamos algumas coleções de Matemática e verificamos como a história do conteúdo em questão (equação de 1º e 2º grau) está sendo abordados nos livros e se estão de acordo com as indicações dos PCN e referencial curricular do Estado de MS.
Desta maneira, o Trabalho de Curso tinha como objetivo, apresentar sucintamente um recorte histórico das equações
algébricas por meio da História da Matemática, seus principais personagens e obras; identificar as equações de 1º e 2º grau nos livros didáticos das coleções escolhidas; averiguar a presença da utilização do recurso da História da Matemática nas coleções de livros didáticos adotados para a pesquisa.
Assim, quanto à metodologia que utilizamos, primeiramente, realizamos um estudo histórico das equações algébricas tendo como principais referências: Boyer (1996), Domingues (2000), Eves (2004) e Martins (2006). Elencamos como se deu o surgimento e o desenvolvimento do tema estudado, apresentamos algumas considerações sobre os matemáticos responsáveis pelas principais demonstrações.
Num segundo momento, desenvolveu‐se a análise das coleções didáticas escolhidas, no tocante a utilização do recurso da História da Matemática no desenvolvimento dos conteúdos de equações algébricas. Esta análise foi feita de acordo com as indicações dos Parâmetros Curriculares Nacionais, referencial do Estado de MS e os referenciais utilizados por PEREIRA (2005) em sua dissertação de mestrado. Este artigo tratará de modo sucinto alguns aspectos da pesquisa realizada.
1. Síntese do trabalho de curso
O trabalho de curso teve como objeto de estudo as equações
algébricas, desta maneira, a pesquisa foi disposta em cinco capítulos, sendo que, o 1º capítulo trouxe a introdução do trabalho, bem como, os objetivos e metodologia.
O 2º capítulo teve como foco realizar uma breve exposição sobre a história, o desenvolvimento das equações algébricas ao longo do tempo. Assim, realizamos um estudo histórico‐matemático sobre as equações de 1º grau, 2º grau, 3º grau, 4º grau e 5º grau, aonde apresentamos algumas considerações sobre a necessidade das equações para algumas civilizações e os principais povos e personagens ligados ao desenvolvimento deste conceito.
No 3º capítulo desenvolvemos um estudo preliminar para que servisse de base para o 4º capítulo, deste modo, no capítulo
três, apresentamos a História da Matemática como recurso metodológico e as indicações de trabalho sobre as equações de 1º e 2º graus, de acordo, com os PCN e o referencial curricular do Estado de MS entre outras literaturas referentes à pesquisa.
Desta maneira no 4º capítulo, realizamos a verificação de algumas coleções didáticas de Matemática, que atendessem aos seguintes requisitos: ser do ensino fundamental (6º ao 9º anos), abordar os conteúdos de equação de 1
º grau ou linear e equação de 2º grau ou quadrática e trabalhar com a história destes dois conteúdos como recurso metodológico e assim, buscamos verificar como a História da Matemática vem sendo abordada e logo, qual a sua contribuição no processo de ensino e aprendizagem de Matemática.
No último capítulo apresentamos as considerações finais da pesquisa, ou seja, quais conclusões foram possíveis chegar por intermédio do conjunto de estudos abordados no Trabalho de Curso. Nos próximos subtítulos apresentaremos na integra o 3º capítulo e em seguida, a verificação de uma das coleções adotadas na pesquisa. 2. Livros didáticos e equações algébricas: uma análise sucinta da utilização da história da matemática como recurso no ensino e aprendizagem de matemática.
2.1 Breve exposição
Nesta seção a intenção foi apresentar as equações algébricas
via referencial curricular, ou seja, quais as habilidades e competências devem ser trabalhadas no conteúdo de equações do 1º e 2º graus e em quais anos estes devem ser abordados. Neste tocante, a análise das coleções propriamente ditas reserva‐se o capítulo seguinte, com intuito de realizar uma breve descrição sobre a obra e, posteriormente considerações acerca do conteúdo e uma sucinta conclusão. Neste sentido, também apontamos quais os focos da análise e, principalmente, a intenção foi verificar se os autores dos livros
didáticos escolhidos utilizam o recurso da História da Matemática, segundo o referencial curricular já citado. 2.2. A escolha dos livros didáticos
Inicialmente, a ideia foi investigar livros didáticos de
Matemática que circularam/circulam (1990 e 2000) entre os anos de 1980 a 2010, ou seja, coleções que permitissem um estudo sobre as mesmas desde antes da criação até a elaboração e divulgação dos PCN e suas indicações a utilização do recurso de História da Matemática no ensino e aprendizagem de Matemática.
Como já citado, a escolha das décadas foi pautada na criação dos Parâmetros Curriculares Nacionais, pois, os PCN começam a ser elaborado em 1995, sendo concluído em 1997. Deste modo, intencionava‐se fazer a análise de três coleções distintas da mesma década, sendo três coleções do ano de 1980, que antecede a criação dos PCN e três coleções de 1990, (para esta década poderia ter coleções que já estavam de acordo ou não com os PCN), três coleções de 2000, que deviam (ao menos se imaginava) estar de acordo com as indicações dos PCN e três coleções de 2010.
No entanto, restringiu‐se a análise aos anos de 1990 e 2000, pois não foi possível encontrar coleções de livros da década de 1980; assim, como também não foram encontrados livros editados a partir de 2010, adotados pelas escolas de Paranaíba e Inocência no estado de Mato Grosso do Sul.
Vale ressaltar que foram encontradas outras coleções, no entanto, estas não contribuíram com a pesquisa, pois quando o conteúdo de equações algébricas é abordado, os autores não utilizavam o recurso da História da Matemática, além do que algumas coleções eram do ensino médio, e as coleções desejadas deviam ser do que atualmente é designado como ensino fundamental, isto é, do 6º ao 9º ano, haja vista que equações algébricas é trabalhadas no ensino fundamental.
Assim, definido o foco da pesquisa, iniciou‐se a procura por coleções que atendesse as necessidades deste estudo. Neste momento, as dificuldades de encontrar os livros referentes as
décadas de 80 e 90, principalmente; com relação a 2010, o que aconteceu é que os livros adotados em 2012 pelas escolas estaduais de Inocência e Paranaíba foram editados em anos anteriores.
Nestes munícipios foram procuradas as escolas públicas (estaduais e municipais), Secretarias de Educação, bibliotecas públicas e também houve algumas conversas informais com professores, no intuito de conseguir algum resultado. Infelizmente, a busca não foi satisfatória.
Principalmente, pela facilidade de acesso. No entanto, nem todas as coleções identificadas foram escolhidas, para o real trabalho em sala de aula. Alguns foram apenas comprados, todavia adotadas para serem utilizadas por professores e alunos, como fonte de pesquisa.
Ressalto que embora a intenção deste trabalho não seja a de criticar os arquivos públicos, ou seja, aqueles a quem recorro nesta pesquisa, salienta‐se que, enquanto estudante/pesquisadora de História, e, neste caso, a História da Matemática, deixa‐se aqui registrada a insatisfação quanto à conservação dos livros didáticos, uma vez que, ao se preservar os livros adotados, a escola também preservará sua história. 2.3 Livros Didáticos: breviário histórico e políticas públicas
Em se tratando de livro didático, este tem conquistado
espaço no ambiente escolar e merecida atenção de estudiosos. Neste sentindo, relembramos algum marcos referente ao assunto. De acordo com Carvalho:
1938 – Instituição, pelo Ministério da Educação da Comissão Nacional do Livro Didático (CNLD) que estabelece condições para a produção, importação e utilização do livro didático. Decreto de lei 1006, de 30/12/1938. (BRASIL, 1938). 1966 – Criação da Comissão do Livro Técnico e do Livro Didático (Colted), com o objeto de coordenar as ações referentes à produção, edição e distribuição do livro didático. (BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1966). 1971 – O instituto Nacional do Livro (INL) passa a desenvolver o Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (Plidef), ao
assumir as atribuições administrativas e de gerenciamento dos recursos financeiros, até então sob a responsabilidade da Colted (BRASIL, 1971). 1976 – A Fundação Nacional do Material Escolar (Fename) torna‐se responsável pela execução dos programas do livro didático. (BRASIL, MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1976). 1983 – Criação da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE), que passa a incorporar o Plidef. (BRASIL, 1983). 1985 – Instituição do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), em substituição ao Programa do Livro Didático para o Ensino Fundamental (Plidef). (BRASIL, 1985). 1993 – Instituição, pelo Ministério da Educação, de comissão de especialistas encarregada de avaliar a qualidade dos livros mais solicitados pelos professores e de estabelecer critérios gerais de avaliação. (BRASIL, MEC, 1993). 1994 – Publicação do documento Definição de critérios para avaliação dos livros didáticos. (BRASIL, 1994). 1996 – Início do processo de avaliação pedagógica dos livros didáticos (PNLD/1997). (BRASIL, MEC, 1996). 1997 ‐ Extinção da Fundação de Assistência ao Estudante (FAE) e transferência da execução do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) para o Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE). (BRASIL, 1997). 1999 – Criação da Comissão Técnica do Livro Didático por meio de Portaria Ministerial. (BRASIL, 1999). 2001 – Primeira Avaliação dos dicionários distribuídos aos alunos do Ensino Fundamental. (BRASIL, MEC, 2001). 2002 – O MEC passa a realizar a avaliação dos livros didáticos em parceria com as universidades (BRASIL, MEC, 2001 apud CARVALHO 2008, p. 2‐ 3).
Ao fazer este levantamento histórico acerca das políticas públicas referentes aos livros didáticos no Brasil, destaca‐se a importância que este material vem recebendo dos órgãos governamentais. Ressalta‐se que a criação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) no ano de 1985 foi um passo importante para este recurso, pois segundo Carvalho:
[...] o Estado assumiu, de maneira sistemática, a distribuição de livros didáticos para o ensino fundamental. Cumpre notar que isso era feito sem nenhuma seleção, baseada na qualidade, dos livros comprados para distribuição. (CARVALHO, 2008, p. 2).
Assim, intenta‐se aqui tratar brevemente o desenvolvimento do livro didático13 diante ao Estado14. Pereira conclui:
[...] os livros didáticos no Brasil não ganharam destaque apenas pelos seus aspectos pedagógicos e de aprendizagem, mas, também, pela economia e política envolvidas no circuito de produção, circulação e consumo de manuais didáticos. O livro didático pode ser considerado, hoje, como mercadoria, um produto do mundo de edição, que obedece à evolução das técnicas de fabricação e comercialização, pertencentes à lógica do mercado. Porém, com a intervenção do governo, por meio da avaliação dos livros didáticos, foi identificada uma nítida melhora nos livros didáticos, mas, percebem‐se, ainda, alguns problemas em relação a determinados conteúdos e abordagens (PEREIRA, 2005, p. 25).
O livro didático passou por diversas transformações para se chegar ao que conhecemos hoje, e a política esteve diretamente ligada a esta evolução por meio de decretos e leis. Inicialmente, o livro didático era voltado ao professor e somente no século XIX que os manuais escolares passaram a ser consideradas obras onde as crianças e adolescentes poderiam realizar leituras. No Brasil as concepções francesas influenciaram os educadores brasileiros. Assim, o termo abrégés e o livre e élémentaire foram traduzidos como compêndios e livros populares respectivamente, o que dava significado as duas classes de livros que começaria a circular no Brasil. Somente em 1808 D. João VI instalou a Imprensa Régia no Rio de Janeiro, pois, anteriormente os livros eram impressos no exterior. Nesse período a educação não visava a todos, o que no
13 Informando, definiu‐se pela primeira vez no Brasil, o que era um livro didático, de acordo com o decreto‐lei 1006, de 30/12/1938, ou seja, Art 2º, inciso 1º ‐ Compêndios são livros que expunham total e parcialmente matéria das disciplinas constantes do programa escolares; 2 – Livros de leitura de classe são livros usados para leitura dos alunos em aula; tais livros também são chamados de livro‐texto, compêndios escolares, livro de classe, manual, livros didáticos, dentre outros. Adaptado de PEREIRA (2005, p. 22).
14 Vale destacar que ao citar o Estado, estou priorizando o valor que o Livro didático vem conquistando perante os órgãos governamentais.
início do século XIX, fez com que o governo promovesse debates para criação e organização de um sistema educacional e onde as discussões sobre livros didáticos tiveram notável destaque. A maioria dos livros impressos aqui eram traduções de obras francesas sobre matemática, física, anatomia, moral, filosofia e cirurgia. As criticas sobre os manuais estrangeiros começaram a surgir quando houve a falta de manuais escolares no interior do país.
A produção de livros didáticos por autores brasileiros acompanhou o período de crescimento da rede escolar, visando a construção de mais escolas secundárias, assim no século XX ocorreu a efetivação de livros didáticos de autores brasileiros e editados no Brasil. A partir do século XX e XXI começa‐se uma maior divulgação e utilização do livro didático, nos termos da primeira citação desta seção. 2.4 A Análise das coleções de livros didáticos
O projeto inicial deste trabalho intencionava fazer um
estudo voltado para o ensino, principalmente no que se refere as equações algébricas, se valendo do recurso metodológico da História da Matemática. Durante a realização dos estágios obrigatórios e, em contato com os livros didáticos, surgiu a ideia de se analisar coleções didáticos e o modo como a Historia da Matemática é trabalhada nas coleções, itinerário seguido nesta pesquisa, em relação à abordagem no tocante ao conteúdo das equações algébricas.
Considerando o tema central deste trabalho de curso, isto é, equações algébricas, mais necessariamente à abordagem adotada pelos autores dos livros em relação ao conteúdo das equações algébricas e a utilização do recurso da História da Matemática. De acordo com Pereira:
Dentro da história das disciplinas escolares, o livro didático desempenha um papel importante, pois, por meio deles, conseguimos identificar as tendências metodológicas, a filosofia educacional e até a visão do conhecimento produzido em uma determinada época, sendo um recurso fundamental para história do ensino no Brasil (PEREIRA, 2005, p. 10).
Deste modo, o livro didático é uma excelente fonte de
pesquisa, por conter uma variedade de informação, inclusive determinar valores, costume, objetivos educacionais, tornando uma fonte riquíssima para quem se valer deste recuso. Assim, conforme Pereira:
Os livros didáticos constituem para o historiador, uma fonte privilegiada, principalmente pelas variedades de olhares que ele pode atrair sobre ele. Assim, ele assume várias funções destinadas a diversas classes (alunos, professores, família...), mesmo quando é tratada o ponto de vista histórico (PEREIRA, 2005, p. 10).
Entretanto, o que é ressaltado por Choppin pode não ser
suficiente para se fazer uma pesquisa histórica nos livros didáticos, por não abranger todos os estudos nesta área, deste modo ressaltamos Chervel (1990), pois o livro didático para o historiador é uma importante fonte de pesquisa:
O estudo dos conteúdos beneficia‐se de uma documentação abundante à base de cursos manuscritos, manuais e periódicos pedagógicos. Verifica‐se aí um fenômeno de “vulgata15”, o qual parece comum às diferentes disciplinas. Em cada época, o ensino dispensado pelos professores é, grosso modo, idêntico, para a mesma disciplina e para o mesmo nível. Todos os manuais ou quase todos dizem então a mesma coisa, ou quase isso. Os conceitos ensinados, a terminologia adotada, a coleção de rubricas e capítulos, a organização do corpus de conhecimentos, mesmo os exemplos utilizados ou os tipos de exercícios praticados são idênticos, com variações aproximadas. São apenas essas variações, aliás, que podem apresentam mais do que desvios mínimos: o problema do plágio é uma das constantes da edição escolar (CHERVEL, 1990 apud PEREIRA, 2005 p. 11).
Com base nestes autores, nesta pesquisa, a análise dos
livros didáticos será conduzida a fim de averiguar os seguintes aspectos:
• Identificar as Equações Algébricas (Equação de 1º e 2º grau);
15 Vulgata é aquilo que é de uso público, divulgado, publicado, espalhado, propagado.
• Mostrar o modo de organização das obras pesquisadas; • Verificar se o autor utiliza o recurso da História da
Matemática. Com base nestes aspectos será direcionada a análise das coleções didáticas.
2.5 O Recurso à História da Matemática
A História da Matemática, recurso metodológico adotado
nesta pesquisa servirá de pano de fundo nesta investigação que buscou por meio da análise de livros didáticos identificarem o uso ou não da História da Matemática na abordagem do conceito de equações algébricas nos livros de Matemática.
Desta maneira, utilizar‐se para compor a análise algumas referências e principalmente, as orientações fornecidas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Assim, os PCN informam que:
A história da Matemática pode oferecer uma importante contribuição ao processo de ensino e aprendizagem dessa área do conhecimento. Ao revelar a Matemática como uma criação humana, ao mostrar necessidades e preocupações de diferentes culturas, em diferentes momentos históricos, ao estabelecer comparações entre conceitos e processos matemáticos do passado e do presente, o professor cria condições para que o aluno desenvolva atitudes e valores mais favoráveis diante desse conhecimento (BRASIL, 1998, p. 42).
Ainda menciona a História da Matemática como recurso, como um caminho para “fazer Matemática” na sala de aula, pois “Além disso, conceitos abordados em conexão com sua história constituem veículos de informação cultural, sociológica e antropológica de grande valor formativo. A história da Matemática é, nesse sentindo, um instrumento de resgate da própria identidade cultural (BRASIL, 1998, p. 42). Nos dias atuais encontra‐se em discussão a questão acerca da identidade cultural do aluno, ou seja, respeitar e valorizar a realidade sociocultural do aluno. Os PCN falam sobre a pluralidade cultural e discorrem: “[...] tanto a História da Matemática como os
estudos da Etnomatemática16 são importantes para explicar a dinâmica da produção desse conhecimento, histórica e socialmente “(BRASIL, 1998, p. 33). A presença da História da Matemática em livros didáticos, paradidáticos17 e propostas feitas individualmente por professores, dentre outros, na intenção de elaborar diretrizes para o ensino fundamental e claro, para o ensino médio e superior tem aumentado substancialmente gerando alguns questionamentos como, por exemplo: quais argumentos são favoráveis a seu uso? Como esses se justificam e se relacionam ao processo de ensino e aprendizagem de Matemática. Esta ampliação do discurso histórico em obras direcionadas a Matemática escolar também se manifesta na proposta governamental – PCN – quando se trata do Quadro atual do ensino de matemática no Brasil. Apresentam o seguinte discurso:
Apresentada em várias propostas como um dos aspectos importantes da aprendizagem matemática, por propiciar compreensão mais ampla da trajetória os conceitos e métodos da ciência, a História da Matemática também tem se transformado em assunto específico, um item a mais a ser incorporado ao rol dos conteúdos, que muitas vezes não passa da apresentação de fatos ou biografias de matemáticos famosos (BRASIL, 1998, p. 23).
16 A Etonomatemática é definida por D’ Ambrosio, como os métodos, maneiras, técnicas, artes (tica) de explicar, conhecer, lidar, de conviver (matema) a realidade natural e sociocultural (entno) em que o sujeito está inserido. Para maiores informações sobre o assunto: D’ AMBROSIO, U. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
17 Livros paradidáticos são livros temáticos que têm a declarada intensão de ensinar, porém, ensinar de forma lúdica, podendo ser utilizados paralelamente ao livro didático e até substituí‐los em determinados momentos. O termo “paradidático” foi criado no Brasil no final da década de 70 no século XX principalmente, pela editora Ática. Para maiores informações consultar: DALCIN, A. Um Olhar Sobre o Paradidático de Matemático. Campinas: ZETETIKÉ, 2007.
Atualmente questiona‐se como este recurso vem sendo utilizado no ensino de Matemática, pois existem distintas formas de como esta proposta metodológica pode participar desse processo, assim como, quais são os argumentos que justificam sua utilização. Deste modo, a História da Matemática, as vezes, acaba sendo utilizada como divertimento, como opção de leitura e segundo (MIGUEL e MIORIM, 2004, p. 19) “Realmente, uma grande parte dos textos históricos presentes na obra diz respeito a personagens, povos ou temas específicos da Matemática, ‘que colaboram no progresso dessa ciência’”. É claro que alguns textos apresentam predicados que os diferenciam dos demais. O que se apresenta é a inegável contribuição da história aos mais variados grupos sociais, aos processos de evolução da sociedade e de diversas maneiras. Neste sentindo, D’ Ambrósio ainda diz:
A história tem servido das mais diversas maneiras e grupos sociais, desde família, tribos e comunidades, até nações e civilizações. Mas, sobretudo tem servido como afirmação de identidade. Em qualquer área do conhecimento, uma vez identificados objetos do seu estudo, a relação de fatos, datas e nomes depende de registros que podem ser de natureza muito diversa: memórias, práticas, monumentos e artefatos, escritos e documentos (D’ AMBRÓSIO, 2012, p. 4).
A história poderia desempenhar diversas funções no processo de ensino e aprendizagem, conforme Miguel e Miorim tem‐se:
[...] o desenvolvimento de atitudes e valores favoráveis diante do conhecimento matemático, o resgate da própria identidade cultural, a compreensão das relações entre tecnologia e herança cultural, a constituição de um olhar mais crítico sobre os objetos matemáticos, a sugestão de abordagens diferenciadas e a compreensão de obstáculos encontrados pelos alunos. MIGUEL e MIORIM, 2005, p. 52).
Assim, história pode e deve constituir‐se um caminho desmistificador no processo de ensino e aprendizagem da Matemática, no entanto, é preciso parar de transmitir a falsa ideia de que a História, assim como a Matemática e a História da Matemática é harmoniosa e está pronta e acabada.
2.6 As Equações Algébricas Nesta seção o referencial curricular e os Parâmetros Curriculares Nacionais torna‐se a base de averiguação, pois existe a pretensão de identificar em que níveis de escolaridade do 2º ciclo18 do ensino fundamental os conteúdos de equações algébricas são trabalhados, e principalmente, quais as competências e habilidades são desejadas para o desenvolvimento da matéria. O referencial curricular para atender aos objetivos, no tocante a estrutura de conteúdos, está divido por blocos classificados como: Números e operações; espaço e forma (percepção espacial e geometria); grandezas e medidas e tratamento de informação (elementos da estatística, probabilidade e combinatória). Deste modo, segue abaixo uma tabela que mostra como o conteúdo é divido, a qual bloco pertence e quais são as competências e habilidades que se espera alcançar. Segundo o referencial curricular do Estado de Mato Grosso do Sul19, tem‐se: 7º ano [3º bimestre]: Equação de 1º grau. Bloco: Número e operações. Competências e Habilidades: Identificar uma equação de 1º grau; determinar o valor desconhecido de uma equação de 1º grau.
18 Referente a este termo, segue uma sugestão de leitura, ressaltando que o objetivo do artigo é levantar algumas reflexões sobre “espaço e tempo” na escola, o que muda quando se altera essa organização. FREITAS, L. C. de. Ciclos ou Séries? O que muda quando se altera a forma de organizar os tempos‐espaços da escola? Disponível em: <http://www.anped.org.br/reunioes/27/diversos/te_luiz_carlos_freitas.pdf.> Acesso em: 26 maio 2013.
19 GOVERNO DO MATO GROSSO DO SUL. Secretária do Estado de Educação. Referencial Curricular (6º ao 9º), Matemática. Campo Grande, 2012. Disponível em: <www.sed.ms.gov.br> Acesso em: 08 jun. 2013.
8º ano [1º bimestre]: Equação de 1º grau com uma incógnita. Bloco: Números e Operações. Competências e Habilidades: Resolver equação do 1º Grau com uma incógnita, aplicando os princípios aditivos e multiplicativos de igualdade; resolver problemas que envolvem equações do 1º grau. 8º ano [4º bimestre]: Equação e Inequação de 1º Grau com uma incógnita; Equação de 1º grau com duas incógnitas. Bloco: Números e Operações. Competências e Habilidades: Calcular o resultado de uma equação e/ou inequações do 1º grau; Resolver problemas envolvendo equações e/ou inequações do 1º grau; Verificar se um par ordenado (x, y) é ou não uma das soluções de uma equação do 1º grau com duas incógnitas. 9º ano [2º bimestre]: Equação do 2º grau; Equação completa e incompleta do 2º grau; Raízes de uma equação do 2º grau. Bloco: Número e Operações Competências e Habilidades: Identificar uma equação do 2° grau; Calcular o resultado da equação do 2° grau utilizando a fórmula; Identificar e resolver uma equação do 2° grau, completa e incompleta; Resolver problemas envolvendo a equação do 2° grau; Encontrar raízes da equação do 2º grau utilizando vários procedimentos; Resolver problemas tendo como resultados raízes da equação do 2º grau. Quanto à organização do conteúdo o referencial do Estado de MS acata a proposta dos PCN, ou seja, seguem a seguinte disposição de conteúdos: Números e operação; espaço e forma; grandezas e medidas e tratamento da informação. 2.7 Considerações Nesta seção o objetivo foi dar subsídios para um entendimento posterior onde serão abordadas as considerações realizadas nas coleções de livros didáticos, bem como, proporcionar uma reflexão
acerca da utilização do recurso da História da Matemática tanto no processo de ensino e aprendizagem de matemática, quanto na abordagem adotada pelos autores de coleções de livros didáticos. Deste modo, de acordo com os PCN, o referencial curricular e MIGUEL e MIORIM (2005), dentre outros, mostrar a importância da História e consequentemente, a sua contribuição para o processo de ensino. Quando cabível apontar‐se‐á direções para a utilização deste recurso metodológico em sala de aula, afinal, os PCN instruem o seu uso.
3. COLEÇÃO: MATEMÁTICA 3.1 Descrição da Obra A coleção intitulada Matemática foi escrita por Luiz Márcio Pereira Imenes e Marcelo Lellis, sendo esta a coleção aqui analisada a 1ª edição e 5ª reimpressão do ano de 1997.
Fig. 1. Foto das capas da coleção Matemática. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997.
Esta coleção não oferece informação visual como as demais. Observou‐se, a pouca utilização de cores e o texto e ilustrações são apresentados praticamente em preto e branco. Esta coleção apresenta‐se numa linha tradicional20 (comparado com os demais ou autores, isto é, não estamos definindo o livro ou autor dentro da perspectiva tradicionalista) e é possível perceber esta postura no índice da coleção, bem como na maneira como os autores nomeiam os conteúdos. As apresentações dos conteúdos nas páginas traziam somente o necessário. Um diferencial desta coleção é o olhar que os autores dão para as construções geométricas, para utilização dos instrumentos de desenho, ou seja, esquadro, compasso e régua e também pelo uso de papel quadriculado, com o objetivo de ensinar o aluno a usar esses instrumentos, fazer planificações e até dobraduras. Cada livro possui uma unidade trabalhando estas construções, planificações e simetria, sendo trabalhado separadamente e não como um “atrativo” a outros conceitos. Outro ponto importante refere‐se aos exercícios apresentados na coleção, pois entre as coleções analisadas, os exercícios da coleção Matemática são os mais dinâmicos, isto porque são abordados com contexto, oferecem observações quanto a pontos essenciais da resolução, além de exercícios resolvidos. Ao fazer tal afirmação, salienta‐se não existir aqui a pretensão de favorecer a análise de uma coleção em detrimento de outra.
20 O termo tradicionalista no ensino em resumo representa, na relação professor‐aluno uma postura vertical, onde o professor detém o poder, ou seja, o professor a todo tempo transmiti o conhecimento e o aluno simplesmente recebe, isto é, não participa da construção do seu conhecimento. Trata‐se de uma concepção, uma prática que persiste ao longo do tempo. Para uma introdução: MIZUKAMI, M. da G. N. Temas básicos de educação e ensino. São Paulo: E.P.U., 2011.
Quadro I ‐ 6º ano21 (5ª série) Unidade Conteúdos 122: Formas geométricas
Bloco retangular; Vistas de um objeto; Cilindro e esfera; Giros, cantos e ângulos; Perpendiculares e paralelas; Mosaicos e polígonos; Quadriláteros.
2: Operações fundamentais
Fazendo contas de cabeça; Técnicas da divisão; Para que servem; Operações? Operações inversas; Problemas.
3: Múltiplos e divisores
Sequências; Sequências de múltiplos; Múltiplos comuns e o mmc; Divisibilidade e divisores.
4: Construções geométricas
Construções em papel quadriculado; Construções com réguas e esquadrados; Construções com régua e compasso.
5: Frações Ideias básicas; Nomenclatura; Problemas; Números mistos e medidas; Frações equivalentes; Adição e subtração.
6: Números decimais e medidas
Medidas de comprimento; Números com vírgula; Números decimais; Adição e subtração; Multiplicação e divisão por 10, 100, 1000, ... Multiplicação; Quocientes decimais.
7: Simetria Eixo de simetria; Uma figura e sua simétrica. 8: Linguagem matemática
Expressões numéricas; Expressões numéricas com colchetes e chaves; Potências.
9: Áreas e perímetros
Noção de área; Área de retângulos; Unidades de medidas de área.
10: Possibilidades e estatística
Várias possibilidades; Tabelas e gráficos de barras.
11: Porcentagens
Calculando mentalmente; Um método para calcular porcentagens.
12: Generalização
Tirando conclusões gerais; Expressando conclusões gerais.
Mais 100 supertestes; Dicionário ilustrado.
21 Este livro não será analisado por não trabalhar com as equações algébricas.
22 É deste modo que o autor apresenta o índice.
Quadro II – 7º ano (6ª série) Unidade Conteúdos 1: Números naturais
Escrita dos números; Quebra‐cabeças; Múltiplos, divisores e divisibilidade; Regras de divisibilidade; Contando possibilidades.
2: Números decimais e frações
Informações numéricas; Adição, subtração e multiplicação de decimais; Frações no lugar de decimais; Explorando operações com frações.
3: Formas geométricas
Ângulos; Polígonos; Classificação das formas geométricas; Vistas, mapas e plantas.
4: Medidas Instrumentos e unidades de medidas; Sistemas decimais de medidas; Problemas sobre medidas; Medindo o tempo.
5: Proporcionalidade
Grandezas diretamente proporcionais, Mais proporcionalidade direta; Grandezas inversamente proporcionais.
6: Números negativos ou positivos
Números negativos; Adição; Subtração; Expressões numéricas; Multiplicação; Divisão; Mais expressões numéricas.
7: Construções geométricas
Simetria; Ampliação e redução; Usando circunferências.
8: Usando letras em Matemática
Comunicando ideias; Calculando com letras.
9: Equações Letras para achar; Números desconhecidos; Usando letras para resolver problemas; Resolvendo equações; Regra de três.
10: Porcentagens Calculando porcentagens; Calculando o “quanto por cento”.
11: Estatística e gráficos
Utilidade da estatística; Gráficos de segmentos; Gráficos de setores.
12: Áreas e volumes
Áreas; Volumes.
Mais 100 supertestes; Dicionário ilustrado.
Quadro III – 8º ano23 (7ª série) Unidade Conteúdos 1: Aplicações de Matemáticas
Problemas de Matemática do dia‐a‐dia; Usando fórmulas e equações; Usando porcentagens.
2: Números primos
Números primos; Decomposição em fatores primos; Cálculo do mmc.
3: Operações com frações
Revendo as frações; Adição e subtração; Multiplicação; Divisão.
4: Construções geométricas
Construções com dobraduras; Usando os instrumentos de desenho; Simetria, Planificações.
5: Potências e raízes
Expoentes menores que 1; Notação científica; Propriedades das potências; Raízes; Extraindo raízes.
6: Ângulos e polígonos
Algumas propriedades dos ângulos; Soma das medidas dos ângulos internos de um triângulo; Soma das medidas dos ângulos internos de um polígono; Classificação dos polígonos.
7: Cálculo algébrico
O que é álgebra; Deduzindo fórmulas; Cálculos algébricos; Fatoração; Produtos de polinômios.
8: Estatística e possibilidades
Possibilidades e chances; Estatística, Amostra.
9: Perímetros, áreas e volumes
Ideia para o cálculo de áreas e volumes; Fórmulas para o cálculo de áreas; O teorema de Pitágoras.
10: Equações e sistemas de equações
Problemas e equações; Equações com coeficientes; Fracionários; Sistemas de equações; Mais sobre sistema de equações; Problemas.
11: Geometria e É ou não é proporcional? Figuras semelhantes;
23 Este livro trabalha com as equações algébricas, no entanto, não aborda o recurso da História da Matemática, logo não entre na análise.
proporcionalidade Perímetro do círculo. 12: Desenhando figuras espaciais
Desenhando sobre malhas; Desenhando em perspectiva.
Mais 100 superteste; Dicionário ilustrado QUADRO IV – 9º ano (8ª série) Unidade Conteúdos 1: Semelhanças
Figuras semelhantes; Triângulos semelhantes.
2: Números e cálculos
Contando possibilidades; Cálculos com porcentagens; Notação cientifica; Cálculos com radicais; Mais cálculos com radicais.
3: Equações e sistemas de equações
Ideias básicas; Equações resolvidas por fatorações; Mais resoluções por fatoração; A fórmula de Bhaskara; Resolução de equações: um resumo; Sistemas de equações; Problemas.
4: Trigonometria
Medindo o que não se alcança; Razões trigonométricas; Polígonos inscritos e circunscritos.
5: Medidas Sistemas decimais e não‐decimais; Calculando áreas e volumes; Perímetro e área do círculo.
6: Classificação dos números
Conjuntos; Conjuntos numéricos; Reta numérica.
7: Estatística Chances e estatística e Amostras. 8: Propriedades geométricas
Matemática e detetives; Ângulos nos polígonos; Ângulos no círculo; Paralelismo.
9: Matemática, comércio e indústria
Produção e proporcionalidade; Juros; Problemas variados.
10: Funções Funções, suas tabelas e suas fórmulas; Funções e seas gráficos; Usando funções.
11: Técnica algébrica
Produtos notáveis e fatoração; Equações fracionárias.
12: Construções geométricas
Simetrias; Dá para construir; Desenhando em 3D.
Mais 100 supertestes; Vestibulinho; Dicionário ilustrado. 3.2 Análise do conteúdo específico Esta coleção também trabalhava com o conteúdo das equações em três livros, sendo os conteúdos apresentados nos livros do 7º, 8º e 9º anos. No livro do 7º ano, na unidade 9 inicia‐se o conceito de equação, designado por: Letras para achar números desconhecidos e assim, como as demais coleções abordam “charadas” para se trabalhar com o conceito.
O autor por meio de um diálogo propõe o seguinte desafio: “Pensei num número. Multipliquei por 7. Somei 15, deu 71. Adivinhe o número.” (IMENES e LELLIS, 2001, p. 201). Deste modo, surge na obra a discussão de como resolver o problema fazendo operações inversas, ou utilizando incógnitas. No tópico seguinte o autor continua resolvendo problemas fazendo uso das incógnitas e ao dar a solução de um problema faz a contextualização do conceito por intermédio da história, conforme a figura 2 abaixo.
Fig. 2. O problema da herança. Recorte da coleção Matemática, 6ª série, p. 205. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997.
Fig. 3. O problema da herança. Recorte da coleção Matemática, 6ª série, p. 206. Continuação. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997.
Logo após a explicação do conteúdo, apresenta exercícios para serem resolvidos pelos alunos e então, com base na história contada propõe um exercício baseado na história, veja a figura.
Fig. 4: Exercício. Recorte da coleção Matemática, 6ª série, p. 207. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997. A abordagem do conteúdo utilizando a História da Matemática conta uma curiosidade da história do povo árabe. Esta utilização, conforme Miguel e Miorim:
[...] pode‐se incorrer no erro de simplesmente assumir a História da Matemática como elemento motivador ao desenvolvimento do conteúdo. Sua amplitude extrapola o campo da motivação e engloba elementos cujas naturezas estão voltadas a uma interligação entre o conteúdo e sua atividade educacional (MIGUEL e MIORIM, 2004, p. 65).
Neste contexto, os autores dos livros didáticos analisados abordam a história, tomando‐a como um elemento motivador, que desperta a curiosidade, mas não como elemento que possa contribuir com processo de aprendizagem significativo e atraente para os alunos. Observa‐se que não há a interligação do conteúdo, da história e da atividade a ser desenvolvida nestas coleções. Os autores continuam a trabalhar com o tema e também, exemplifica a resoluções de uma equação por meio da Matemática das balanças. Abaixo segue uma figura, para a visualização, pois as balanças é um recurso adotado por todos os autores das coleções escolhidas como exemplo de algum tópico relacionado a equações algébricas. Até o fim da unidade o recurso não será mais abordado
Fig. 5. Balanças. Balanças. 6ª série, p. 210. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997.
Até o fim da unidade o recurso não será mais abordado no
livro do 8º ano, na unidade 10 retoma‐se o conceito de equações, no entanto, neste livro os autores não adotam a história do conceito. O objetivo da retomada do conteúdo foi o de introduzir o conteúdo de sistema de equações.
Na unidade 3 do livro do 9º ano, partindo das ideias básicas apresenta‐se o conteúdo, por meio de um resumo de como resolver equações do 1º grau, conforme a figura 6. Trata‐se na sequência das equações de 2º grau, com ênfase nas soluções, focando nas possíveis soluções de uma equação: nenhuma, uma, duas, quando tem soluções, quando as sentenças são falsas ou verdadeiras. Observa‐se a figura 6.
Fig. 6.24 Introdução ao conteúdo. Recorte da coleção Matemática, 8ª série, p. 11. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997.
24 Na figura acima, ao ser resolvida a questão, chega a conclusão de que não há solução, no entanto, há uma solução, entretanto, a solução encontrada não uma solução real.
Fig. 7. Equação do 2º grau. Recorte da coleção Matemática, 8ª série, p. 75. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997.
Os exercícios/exemplos são minuciosamente resolvidos. Equações resolvidas por fatoração e mais resoluções por fatoração são respectivamente, os títulos dos próximos tópicos. E então, no tópico intitulado A fórmula de Bhaskara, a história da matemática é representada por intermédio do desenho de uma cabeça (que representa a cabeça de um árabe), Estranho! Veja a figura.
Fig. 8. Cabeça. Recorte da coleção Matemática, 8ª série, p. 90. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997.
Abaixo segue a imagem da página no qual este desenho está contido, para que se possa compreender qual a relação deste desenho e a utilização do recurso da História da Matemática.
Fig. 9. História da Matemática. Recorte da coleção Matemática, 8ª série, p. 90. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997. Observe que no desenho está escrito: Que problema! Esta unidade oferece um problema, generaliza uma equação para chegar à fórmula de Bhaskara, na página 91 problema é desenvolvido, conforme a figura.
Fig. 10. Desenvolvimento do problema. Recorte da coleção Matemática, 8ª série, p 91. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997.
Ao alcançar o objetivo, ou seja, a fórmula de Bhaskara os autores conclui: é chamada de fórmula de Bhaskara e, novamente o desenho da cabeça expressa uma frase: É uma homenagem que me fizeram! Observe a figura.
Figura 11: Homenagem, recorte da página 92. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997.
Deste modo, abaixo do desenho e da fala, segue a seguinte orientação: Consulte o dicionário para saber quem foi o senhor Bhaskara. Neste sentindo, remetendo‐se ao índice, é possível observar que no final das obras, existe um tópico cujo titulo é Dicionário ilustrado. Então, ao procurar a palavra Bhaskara encontra‐se um relato histórico, conforme a figura.
Fig.12. Dicionário. Recorte da coleção Matemática, 8ª série, p. 318. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1, 2, 3, 4 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997.
O dicionário é uma abordagem interessante, no entanto, nesta pesquisa atentou‐se para este detalhe, entretanto, no que se refere aos alunos: será que o professor trabalha com este dicionário, talvez, pudesse adequar o dicionário aos conteúdos. Estas são algumas indagações que vem surgindo no desenvolver deste estudo, então, qual seria o método certo? Métodos para que? Para ensinar, para trabalhar‐se com a História da Matemática no processo de ensino e aprendizagem. Essas questões fornecem um leque de possibilidades, de respostas. Miguel e Miorim (2005) dizem que a problematização da História da Matemática deve cumprir, pelo menos, quatro papéis, sendo este interdisciplinar, didático‐metodológico, psicológico motivacional e político‐crítico. E ainda assim, a dúvida permanece, talvez, porque ensinar seja um constante processo de aprendizagem, logo, de exclamações e interrogações. 3.3 Conclusão
Esta coleção difere‐se das demais coleções verificadas na pesquisa, pois trata‐se de uma obra com menos apelo visual e apresentações de curiosidades, sejam históricas ou temas atuais, dentre outras questões. No que se refere à abordagem da História da Matemática, esta segue os modelos já apresentados nas demais coleções. As diferenças de aplicações são poucas, mas recaem no mesmo objetivo, ou seja, a história não é tomada como elemento que possa contribuir com o ensino e aprendizagem de Matemática, mas apresentada de forma meramente ilustrativa. Assim, a obra, em geral, é bastante clara e com objetivos bem definidos. Entretanto, no tocante desta pesquisa deixa a desejar, pois, conforme abordada nos livros, a história das equações algébricas não fornecem subsídios importantes para a formação de cidadãos críticos.
Considerações finais Este artigo visa apresentar alguns aspectos do Trabalho de
Curso, intitulado: Equações Algébricas e História da Matemática: um estudo sobre a utilização deste recurso em coleções didáticas dos anos de 1990 e 2000 identificadas nas cidades de Paranaíba e Inocência / MS.
Desta maneira, as considerações aqui apresentadas trarão de modo geral as conclusões da pesquisa, buscamos no trabalho verificar se usam ou não a História da Matemática como recurso metodológico pelos autores das coleções de livros didáticas percebeu a utilização do recurso.
Entretanto, a abordagem do recurso nem sempre atende as recomendações dos PCN e do referencial curricular do Estado de MS, ou seja, é possível perceber que os autores utilizam a história como abertura de capítulo, ou trazem pequenos recorte da história utilizando – a como curiosidade, ou no fim do capítulo, como leitura complementar. De acordo com LOPES (2013).
Percebe‐se a utilização da história aparece para completar as páginas dos livros, ao trazerem trechos das histórias em pequenos retângulos, como uma curiosidade, leitura complementar, dentre outros. É claro que abordar a história dos conteúdos matemáticos é uma tarefa complexa, árdua, mas que pode contribuir de modo significativo no ensino. Entender o processo de desenvolvimento do conceito é compreender um modo de pensar, existe todo um contexto que envolve este conteúdo, é dar significado ao aluno e responder a questões, como por exemplo, “porque precisamos estudar esta matéria” (LOPES, 2013, p. 78).
Deste modo, é preciso ainda que autores, cursos de formação de professores de Matemática, dentre outros, reconheçam a História da Matemática como um campo de conhecimento, apesar de que na pesquisa adotamos a História da Matemática como recurso metodológico não pode limita‐la somente como um recurso. Assim, tomando as equações algébricas, objeto de nosso estudo, percebemos que a história que cerca o desenvolvimento deste conteúdo, oferece informações sobre uma determinada época,
sobre a religião, política, ciência, arte e não somente informações matemáticas. A História da Matemática, ou seja, a história do desenvolvimento dos conteúdos de Matemática tem como pano de fundo o cotidiano, a observação dos fenômenos da natureza, deste modo, o homem inicia a beira de grandes rios suas civilizações, pois conseguem perceber as relações entre as chuvas, fazes da lua, dia e noite e assim, surge a agricultura e a engenharia, deste modo, o homem consegue estabelece moradia, saem da condição de nômades e com isso, a Matemática faz‐se cada vez mais presente no dia a dia do homem, conforme LOPES (2013).
O desenvolvimento das equações algébricas, da derivada, do sistema de medidas, por exemplo, nasce por parte da necessidade prática do homem em seu cotidiano. Os primeiros problemas envolvendo equações derivam de elementos do dia a dia do homem, como pão e cerveja. Essas transformações vividas pela humanidade é simplesmente o homem saciando a sua necessidade diária de transcender (LOPES, 2013, p. 78).
E ainda, “Privar os alunos deste conhecimento é ir contra os discursos atuais, ou seja, aluno e professor como mediadores do conhecimento, com seres agentes e não passivos. Para isso, é necessário oferecer meios, condições e informações” (LOPES, 2013, p. 78). O ensino e aprendizagem de Matemática, principalmente, estão passando por um momento de transformação, os recursos, por exemplo, a História da Matemática, a Etnomatemática, a informática podem auxiliar neste processo e são indicados pelos PCN. Referências BONFIM, S. H. Um estudo sobre elementos matemáticos presentes na narrativa da descrição do Templo de Jerusalém. 2007. Dissertação de (Mestrado em Educação Matemática) ‐ Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2007. BOYER, C. B. História da Matemática. 2. ed. São Paulo: Ed. Edbard Blücher LTDA, 1996.
BRASIL. Secretária de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática (5ª a 8ª série). Brasília: MEC/SEF, 2002. CARVALHO, J. B. P. de. Políticas Públicas e o Livro Didático de Matemática. Bolema. Rio Claro, nº. 29, p. 1 ‐ 11, 2008. D’ AMBROSIO, U. Tendências e Perspectivas Historiográficas e Novos Desafios na História da Matemática e na Educação Matemática. Educação Matemática e Pesquisa. São Paulo. Vol. 14, nº 3, p. 336 – 347, 2012. DOMINGUES, H. H. Síntese da História das Equações Algébricas. São Paulo: SBEM, 2000. EVES. H. Introdução à história da matemática. Campinas SP: Editora da Unicamp, 2004. IMENES, L. M. P. e LELLIS, M. C. Matemática. Vol. 1 (5ª série). São Paulo: Scipione, 1997. ______. Matemática. Vol. 2 (6ª série). São Paulo: Scipione, 1997. ______. Matemática. Vol. 3 (7ª série). São Paulo: Scipione, 1997. ______. Matemática. Vol. 4 (8ª série). São Paulo: Scipione, 1997. KATZ, V. J. A History of Mathematics. An Introduction Baston: Addison – Wesley, 2009. LOPES, R. M.G. Equações Algébricas e História da Matemática: um estudo sobre a utilização deste recurso em coleções didáticas dos anos de 1990 e 2000 identificadas nas cidades de Paranaíba e Inocência / MS. Trabalho de Curso – Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Paranaíba, 2013. MARTINS, C. R. P. Resolução de Equações Algébricas por Radicais. 2006. Dissertação de (Mestrado em Educação Matemática) ‐ Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2006. MIGUEL, A. MIORIM, M. A. História na Educação Matemática: propostas e desafios. Belo Horizonte: Autêntica, 2004. PEREIRA, A. C. C. Theorema de Thales: Uma conexão entre os aspectos geométricos e algébricos em alguns livros didáticos de matemática. 2006. Dissertação de (Mestrado em Educação Matemática) ‐ Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2006. SOUTO, R. M. A. MÁRIO TOURASSA TEIXEIRA – O homem, o educador, o matemático. 2006. 151f. Tese de (Doutoramento em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2006.