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Livro Concurso Narrativas e Poesias

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Livro do 1º Concurso de Narrativas e Poesias do Sindprevs/SC

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1o Concurso deNarrativas ePoesias do

Sindprevs/SC

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A615c

Esta publicação é de responsabilidade do Sindprevs/SC (Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência do Serviço Público Federal no Estado de Santa Catarina)

Organização: Departamento de Comunicação Sindprevs/SC

Edição, textos e fotos: Rosangela Bion de Assis (Mtb 00390/SC JP); Marcela Cornelli (Mtb 00921/SC JP) e Clarissa Peixoto (Mtb 0003609/SC JP)

Projeto gráfico e editoração: Sandra Werle (Letra Editorial)

Revisão: Isabel Maria Barreiros Luclktenberg

Catalogação na fonte: Maria Guilhermina Cunha Salasário CRB 14/802

Arte: Frank Maia

Tiragem: 3.000 exemplares

Primavera 2013

SINDPREVS/SC. -

1. Concurso de Narrativas e Poesias do Sindprevs/SC. / Sindprevs/SC – Gestão Resistir, lutar e avançar sempre. – Florianópolis : Sindprevs/SC, 2007

92 p. : il.

1. Título. 2. Literatura brasileira – Poesia. 3. Poesia – Literatura brasileira. 4. Literatura brasileira – Conto. 5. Conto – Literatura brasileira.

CDD 869.108

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Dedicado a todos os trabalhadores, em especial aos servidores

do Ministério da Saúde, do INSS e da Anvisa no ano em que comemoram 25 anos de lutas, sonhos e conquistas.

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Valmir Braz de Souza Coordenação Geral

Fátima Regina da Silva Diretora da Secretaria-Geral

Elaine de Abreu Borges Diretora da Secretaria-Geral

Valéria Freitas Pamplona Diretora do Depto. Administrativo e Financeiro

Osvaldo Vicente Diretor do Depto. Administrativo e Financeiro

Luiz Fernando Machado Diretor do Depto. de Política e Organização de Base

Ana Maria Pereira Vieira Diretora do Depto. de Política e Organização de Base

Luciano Wolffenbüttel Veras Diretor do Depto. de Formação Sindical e Estudos Sócio-Econômicos

Rodrigo Poggere (licenciado) Diretor do Depto. de Formação Sindical e Estudos Sócio-Econômicos

Janete Marlene Meneghel Diretora do Depto. de Comunicação

Marco Carlos Kohls Diretor do Depto. de Comunicação

Vera Lúcia da Silva Santos Diretora do Depto. Jurídico

Rosemeri Nagela de Jesus Diretora do Depto. Jurídico

Rosi Massignani Diretora do Depto. de Aposentados e Pensionistas

Clarice Ana Pozzo Diretora do Depto. de Aposentados e Pensionistas

Maria Nilza Oliveira Diretora do Depto. de Política de Seguridade e Saúde do Trabalhador

Jane da Rosa Defrein Lindner Diretora do Depto. de Política de Seguridade e Saúde do Trabalhador

Teresinha Maria da Silva Diretora do Depto. Sócio-Cultural e Esportivo

Terezinha Ivonete de Medeiros Diretora do Depto. Sócio-Cultural e Esportivo

Márcio Roberto Fortes Diretor do Depto. de Relações Intersindicais e Relações de Trabalho

Giulio Césare da Silva Tártaro Diretor do Depto. de Relações Intersindicais e Relações de Trabalho

GESTÃO RESISTIR, LUTAR, AVANÇAR SEMPRE [2011- 2014]

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Sumário

Apresentação

Homenagem a Ademir Rosa

Poesias 19

Carlos Alberto da Silva 4 Poema à Ilha 20

Doralice Oro Holz 4 Nós, servidores 22

Elisabete Fátima do Valle 4 O amanhã 254 Na TV 264 Revolução assunto em questão 28

Jacira Nunes Pereira 4 Nada para nada 314 Tempo sem tempo 324 Mãos 33

Lea Palmira e Silva 4 Sindprevs 34

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Luiz Sperb Lemos4 Sísifo 354 Mistério 354 Amargo 36

Osmar Salgado

4 Soneto Os sindicalistas 37

Terezinha Ivonete de Medeiros 4 Presságio 39

Narrativas 41

Carlos Alberto da Silva4 A aparição (lenda) 424 Visão 434 Preâmbulo 45

Inêz Cascaes Porto4 Menina de luta 554 Casinha amarela 65

Jacira Maria Nunes Pereira4 O gato na porta do armazém 724 Cachorro número 1 764 Acredite se quiser 82

Léa Palmira e Silva4 Bodas de Prata do Sindprevs 874 Por onde meus sapatos andaram 89

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Ao organizar a programação dos 25 anos do Sindprevs/SC, a Diretoria Executiva Colegiada in-

cluiu a realização do 1º Concurso de Narrativas e Poesias com o propósito de valorizar e estimular a produção literária dos trabalhadores do Ministério da Saúde, do INSS e da Anvisa.

Apresentação

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O poeta e diretor do Sinergia, Dinovaldo Giliolli, a escritora Priscila Lopes e a jornalista Elaine Tavares fo-ram convidados a compor a comissão selecionadora, que não chegou a atuar pois o número de inscritos não atingiu o mínimo previsto no Regulamento do concur-so, que era de 30 poesias e 15 narrativas. Apesar de toda campanha de divulgação realizada ao longo de três me-ses, foram inscritas somente 14 poesias e 10 narrativas.

Como explicou o membro da comissão selecionado-ra Dinovaldo Giliolli, “escrever é tirar coisinhas da ca-beça. Tirar coisinhas da cabeça não é tirar caspas, cabe-los brancos (na tentativa de “esconder” a passagem do tempo). Tirar coisinhas da cabeça é deslavar a lavagem cerebral reinante. Escrever é um modo de dizer impri-mindo letrinhas. Mas quanto custa tirar as letrinhas da cachola? Ah! Só quem escreve com criatividade, hones-tidade de propósito e despojamento sabe quanto”. Por isso a Direção do Sindprevs/SC avaliou a necessidade de publicar o livro com todos os trabalhos como forma de valorizar os autores que se inscreveram.

Trata-se de um processo novo, vivemos numa socie-dade que não estimula a criação literária, muito me-nos quando esse estímulo vem de um sindicato. Este livro, reunindo os trabalhos inscritos no 1º Concurso de Narrativas e Poesias do Sindprevs/SC, é mais uma semente que o Sindicato lança na construção de uma sociedade mais fraterna, justa e igualitária.

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Mensagem enviada por Dinovaldo Giliolli, poeta e diretor do Sinergia:

Aceito o convite com muito prazer e alegria para compor a comissão, mas também por perceber que a Direção do Sindprevs, através de várias iniciativas e esta é mais uma delas, tem buscado ir além das “questões cor-porativas” da categoria, questões essas “aprisionadas”, limitadas muitas vezes numa campanha de data-base, por exemplo. Ato que se repete todos os anos, e haja criatividade!

Quando uma direção sinaliza para a categoria ini-ciativas como a de um concurso literário, pode estar querendo sugerir: Trabalhadores, há vida para além do local de trabalho, para além do seu bolso... Enfim, ou-tras formas de luta, outras ações são necessárias para de-monstrar que uma entidade sindical não deve restringir suas atividades à esfera econômica. Pode e deve aguçar, bem como ajudar a alargar o sentido humano, despertar para o verdadeiro sentido da vida!

De que servem a arte e a cultura se não nos ajudarem a ampliar a visão de mundo sobre nós mesmos e a hu-manidade? De que serve verdadeiramente um sindicato para os trabalhadores e na perspectiva da construção de uma “nova sociedade” se se limita a agir no campo que

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pretende o sistema capitalista? Dinheiro e dinheiro, con-sumo e consumo...

Estimular o senso crítico e propiciar espaços para o exercício da criatividade é papel de entidade sindical antenada no seu tempo! Parabéns, Sindprevs/SC, desde já, não só pelos seus 25 anos, mas por não se deixar dobrar ao sindicalismo de resultado, às disputas mes-quinhas de poder, aos egos inflados que habita, infeliz-mente, nosso “mundo sindical”; os discursos revolucio-nários, para manter a coerência, precisam se traduzir em práticas e, sobretudo, em exemplos de que é possí-vel fazer diferente.

Oxalá a arte e a cultura, juntamente com uma práti-ca sindical transformadora, realimentem sonhos e pers-pectivas de um mundo mais humanizado!

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O Sindprevs/SC não poderia deixar de se lembrar de Ademir Rosa neste livro. Na verdade, não sabe-

mos ao certo, tudo indica que foi Ademir que se lem-brou de nós. Quando o Sindicato lançou o 1º Concurso

Homenagem aAdemir Rosa

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de Narrativas e Poesias, o texto “O Previdenciário” foi encontrado no arquivo pessoal de um Diretor. Ele foi escrito em 1993, mas poderia ter sido ontem. A viúva, Edilma Guimarães Rosa, emocionada, autorizou sua pu-blicação.

O Sindicato precisa contar para os novos servidores que estão chegando ao Ministério da Saúde, ao INSS e à Anvisa quem foi Ademir Rosa, porque é urgente e necessário que resgatemos sempre a sua obra. Hélio Silva, ex-diretor do Sindprevs/SC, no livro Ademir Rosa: paixão pela arte, paixão pela vida, organizado por Pedro Uczai em 2007, fala do trabalho sistemático que Ademir fez ao longo da sua vida “para tentar fazer que cultura e arte fossem absorvidas e usadas como ferramentas de politização de uma categoria anestesia-da por anos de regime militar”.

Ademir atuou no Sindicato, de 1990 a 1996, co-mo diretor e coordenador. Sociólogo, lecionou na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e na rede estadual de ensino. Trabalhou no Centro de Reabilitação Profissional (CRP), participou da funda-ção do Partido dos Trabalhadores (PT), colaborou com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e fez parte da Pastoral da Terra. Ademir foi membro do Grupo Armação e atuou em 17 peças de teatro, seis filmes e um vídeo, no período de 1970 a

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1993. Escreveu cinco peças teatrais. Morreu em 28 de fevereiro de 1997, aos 47 anos, após três anos de luta contra um câncer no estômago.

Capa do livro Ademir Rosa: Paixão pela arte, paixão pela vida, organizado por Pedro Ukzai em 2007.

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Em sua homenagem, os servidores aprovaram na Assembleia Estadual Geral, realizada em 5 de dezem-bro de 1997, dar o seu nome ao Complexo Esportivo e de Lazer de Ponta das Canas, uma das suas bandeiras de luta. Um mês antes, a Assembleia Legislativa apro-vara por unanimidade o Projeto de Lei nº 297/97, do deputado Pedro Uczai (PT), apoiado por lideranças de todos os partidos, cineastas, atores e atrizes cata-rinenses, que denominou de Ademir Rosa o teatro do Centro Integrado de Cultura (CIC), em Florianópolis. Era consenso o reconhecimento do seu talento e da sua luta na defesa dos artistas e da cultura catarinenses.

Seus exemplos de coerência, simplicidade, coragem e alegria estão muito presentes em iniciativas simples, como este concurso, mas também nos apontam para metas grandiosas como a construção de uma sociedade não mais dividida entre oprimidos e opressores.

Diretoria ExecutivaColegiada do Sindprevs/SC

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Sou Everaldo Peixoto Pires, 40 anos de ida-de, casado, dois filhos, 2º grau completo,

12 anos de Previdência, ganho três salários mínimos mensais, possuo casa própria, com dois rádios, uma geladeira, um aparelho de TV colorido, um fusca 84, adoro filme de dra-ma, no teatro gosto de comédia. Em ambos vou raramente. Assisto muito a rede globo, mas isso pela noite, pois, pela manhã, ouço a rádio alegria FM, pois toca muito som ser-tanejo. Shows, só o do esporte. Saio às ve-zes de casa para ir a um bar, comer algum X. Mesmo gostando de futebol, não sou tor-cedor, só quando joga a seleção. Política? Tenho simpatias pelo PT, mas não sou filia-do. Sindicalizado sou, pois acho que ele luta pelos direitos dos trabalhadores. Estou apre-sentado? Absolutamente. Tenho mais do que esses dados pessoais, normais. Tudo começou num dia quente de verão. É verdade: o pri-meiro dia a gente nunca esquece. Me colo-

O Previdenciário

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caram numa sala com cadeira, fria, sem pia. Me disseram para fazer isso e aquilo. Fiz, fui fazendo, sofrendo, até que, quando me de-parei com o primeiro contracheque, levei um choque. Em casa meus pais dando a maior força, bruta, não reluta. Viajei um dia e me apontaram uma arma, não simbólica, mas verdadeira, que pensei que fosse a derradeira. Voltei e não mais me reencontrei. Comecei a ler jornais diários, começando com as notícias populares: polícia e futebol, e, quando a noite chegava, me enrolava num lençol. Tive tontu-ras e dores no peito por pura falta de afeto. Amanhecia com greve, greve. Apostei na uto-pia e tive tempo de amar. É pouco? Foi mui-to. E o público por detrás do vidro, anônimo, rouco e roto. Somos, eu e ele, iguais na desi-gualdade e na adversidade. Que tanta ironia. Vivo no litoral, mas dependo muito do vale: é o refeição, o transporte, o creche, o família, além do patronal.

Será mesmo que vale a pena? Duvido sem-pre e me preocupo quando penso que fatos

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aconteceram primeiro como farsa e depois como tragédia. Não é bem o nosso caso, pois somos tanto quanto um pouco pacatos, ordei-ros em demasia, seja de noite ou de dia. Mas por favor não me trate como se eu fosse um João ninguém ou um Macunaíma, pois até recém fui intimado a fazer alguns cursos de relações humanas no trabalho, holística, dati-lografia, que mal sabia eu que rumo da minha vida poderia mudar, e quem sabe eu pudes-se me arrumar, encher de orgulho meus pais. Sou um desiludido, alienado, derrotado. Mas como um fênix, ressurjo, estou aqui presente, inquieto. Bem verdade que um pouco desarru-mado: mas você é forte, José, você não mor-re. Quando nós, humanos normais, pensamos numa coisa, não pensamos mais do que numa porção delas.

Ademir Rosa - 1993

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Poesias

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20

I

Florianópolis, capital mar, de encantos mil

Belezas ímpares, de céu cor de anil,

Seus vultos, no passado, nos deram

Victor Meirelles, Luiz Delfino e Virgílio Várzea,

E o suo poeta maior

Cruz e Sousa!

II

Ilha de casos e ocasos raros,

cheia de matas e passarinhos, onde sempre

a cantá-la o poeta

Zininho,

que nos brindou com sua imortal canção-hino,

onde destaca a ilha com os seus matizes –

que nos fazem alegres e felizes...!Carlos Alberto da Silva

Poema à Ilha

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21

III

Acolhedora Ilha mãe, que de todo o país

chegam migrantes do Sul e do Norte,

aqui tentando a sua sorte, e acabam encontrando

o que sempre quiseram!

IV

Suas praias ao redor somam quarenta e duas

ou mais...

como os guardiões que representam, em CERES- Espanha,

os antigos ARVAIS (sacerdotes)!

V

Também a nos brindar o Vento Sul – velho amigo

sempre presente a mexer com a gente;

além dos manezinhos de ditos espirituosos,

repletos de realismo.

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22 De nossa história, protagonistas, das conquistas, ativistas, Vivida por uma geração que não mediu esforços, disposição, Empenhando corpo, alma e coração para escrever a história Em páginas de lutas, coragem, contam os anais, vitórias! História recente, escrita por servidores, por essa gente, Que ousou lutar, ousou vencer, batalhou para conquistar Condições dignas de trabalho, com respeito aos usuários, Ao cidadão, acima de tudo! E o óbvio, melhores salários!

Demos o melhor de nós, nossa juventude, nossas vidas, Nossas forças, quase exauridas! Reconhecimento? Pouco, Enfim! Ainda assim, mal sabíamos que o pior estava por vir, Na contramão viria um mal para, sobretudo, fazer calar!

Nós, servidores

Doralice Oro Holz

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23

Como explicar, da forma como acontece, difícil diagnosticar A humilhação sofrida, sentida, doída, que vem sem avisar Às vítimas de ataques velados, ataques à alma, da dor calada Que, emudecida e apavorada, retrai, sem aos outros suscitar!

Os seus alvos são escolhidos, insidiosamente seduzidos, Enredados, deprimidos, iludidos, passam até a duvidar! De suas próprias atitudes, de sua capacidade laboral, Antes espontânea e ágil, agora ansiosa, frágil, anormal!

Pergunta-se, por que a escolha de alguém que não é mau, Indefeso ou incapaz! Mas tem caráter, índole e moral! Acontece que o agressor, no âmago do seu vazio interior, Num contrassenso de ódio e amor, precisa compensar!

Age assim por ciúmes, inveja, mais ou menos consciente, Inveja tudo que lhe falta, inveja a alegria de viver! Precisa, Como precisa! Sua imagem realçar, agindo impunemente, Visa desqualificar! Mui habilidoso na arte de manipular!

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É daí que o perverso, na ânsia de mais e mais poder, Ou quiçá, por mero prazer, agindo sem nenhum pudor, Do alto de seu andor, impondo medo e pavor, Leva à destruição total vítimas do assédio moral!

As vítimas impotentes não conseguem nem pensar, Revoltadas, envergonhadas, tentam inutilmente provar! Pecam novamente sendo solícitas, tentando agradar, Sem saber que mais e mais a ira do algoz vão provocar!

Precisamos, urgentemente, dar um basta na omissão, Precisamos, tão somente, esclarecimentos ou então, Do contexto atual, que história teremos pra contar? Se nada fizermos por elas, de que adianta reclamar?

Vamos nos mobilizar, acreditar que tudo pode mudar, Se soubermos como resgatar princípios esquecidos, Valores éticos e morais sucumbidos, e não divagar, Achando que a lei escrita, por si só, milagres vai realizar!

Urge compreendermos que respeito, humildade e amor São virtudes do criador, porém, o princípio da dignidade É direito fundamental, positivado, na Constituição atual.Para que todos façam bom uso, aos seus direitos invocar! Somente assim outra história iremos contar!

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25

O imperialismo econômico-militarperde sua facecada vez que em cada pessoa nasceo poder de decisão,de mudar tudo então.

Solta teu brado retumbante!Grita, te agita,mesmo que de forma inconstante.

Se ergueres tua cabeçae te unires às demais,juntas, tão desiguais,irão conquistar seus ideais.

Por isso o amanhã já é agora.Salta de teu divã,não vês que te demoras.Solta tua voz sonora.

Liberdade,mesmo que tarde!

O amanhã

Elisabete Fátima

do Valle

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26 Tua televisão acesa

em cima da mesa

te monitora,

te explora.

Tu, trabalhador robô,

do sistema escravo,

alheio,

não tem receio.

Pensas que és Senhor,

mas és apenas escravo.

A máquina funciona,

tu és parte da engrenagem,

mas o que tu não sabes

é que és apenas uma peça.

Que peça!

Escravo que adora seu Senhor

e pensa sem pudor que sabe pensar,

mas na verdade de nada sabe,

a não ser pactuar.

Na TV

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Tudo gira em torno qual carrossel

e tu, encantado, não vês o real.

A realidade não é aquela

que vês pela janela

do monitor.

Ela é teu Senhor!

Comes, dormes,

consomes.

És escravo

do Consumismo!

Assim mesmo não te conheces.

Não sabes o que é real ou o que é factual.

Apenas sonhas,

envolto em trevas medonhas.

Dita a máquina

o que tu usas, pensas.

Quem sabe pensas que pensas!

Pura ilusão,

és escravo da situação.

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Atrás da TV

tu não vês,

lá está:

– O Imperialismo

Econômico-militar.

Nunca dantes penseie jamais imagineiesta questão singelaque me surgiu pela janela da TV.

Na TV:– Neste país um ascensorista parlamentarrecebe dez vezes mais que uma professora! Uma professora, para quê?E se o trabalhador entender sua real situação?Sem saúde, sem educação, muito trabalho, pouco salárioe um mar de corrupção.

Revolução assunto em questão

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Através da educação quem sabe o que acontecerá?Uma revolução. Essa é a questão.

E um militar, para quê?Para guardar interesses de uma minoria secular?Coibir manifestação democrática da população?

Para a população, circo e pouco pão!Que sucesso a novela, em que capítulo está?E como terminará?E no futebol, meu time ganhará?

Trabalham duro sem pensar– Não dá tempo.Apenas seguem o trotar da carruageme sorriem para a paisagem.

Assim que, com muito cuidado,todos os valores são acordados:

1 - não roubar pouco,porque quem rouba pouco não teme rouba de quem tem. – Ah! Isso é pecado!

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30

2 - trabalhar como escravo sem reclamar, nada no meio do mês de salário irá sobrar.– É malandro, é pobre porque é preguiçosoe, além de tudo, invejoso!

3 - não reinvidicar nada,esta greve está prejudicando a população.– Só nessa hora se recordam da massa que se amassapara ganhar um tostão! Será que só nos resta pactuar? Esta é a sociedadeonde quem trabalha não ganhae quem ganha não trabalha,está confortável em sua cama,enquanto morrem crianças de desnutrição.– Azar, elas fazem parte da população!

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31Verso soltoVerso vazioVerso sem nexoVerso sem sexoVerso obscuroVerso comumVerso empenhadoVerso poeiraVerso sem posseMas versoQue é teuQue é meuQue é nosso.Verso confusoComo o mundoVerso galaxiáticoVerso terrestreVerso lunáticoVerso lamentoComo um tormentoDesencadeadoDesmoronadoApavoradoAlunissadoEscorregado

Jacira Nunes Pereira

Nada para nada

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32

Por uma linhaSem fim...Assim...Em mim...

Homem sem tempo.Quando? Como? Onde?Homem com lua Mas lua sem tempo.Homem no espaço.Homem na terra.Homem no mar.Mas sempre sem tempo E o tempo a passar.

Homem máquinaSempre sem tempo.TEMPO!Tormento!Lamento do homemda máquina;da máquina do homem;sem tempo a perder!

Tempo sem tempo

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33Mãos ardentes,

Mãos macias,

Mãos enrugadas de sabedoria.

Mãos calejadas do dia a dia.

Mãos perfumadas,

Mãos sujas de graxa.

Mãos desesperadas

Que escrevem na faixa:

“É preciso Paz”.

Mãos que falam,

Que pintam,

Que amam,

Que curam,

Que brincam.

Mãos que pedem,

Mãos desejadas,

Mãos inesquecíveis...

E na calada da noite...

Como um afoite...

Se juntam para orar!

Mãos

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34Saúde, direito de todo cidadão

Individualidade de cada ser

Nacionalidade brasileira é o meu orgulho

Dedico o meu afeto a todos os sindicalizados

Pra frente na luta por melhorias

Resistir a políticas desnecessárias ao nosso país

Enfrentar de cabeça erguida

Viver para lutar sempre

Serviço de qualidade e bem-estar para a população e os trabalhadores

Sindprevs

Lea Palmira e Silva

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35

Luiz Sperb Lemos

Eu nem deveria ter feito este poema.

Quando terminar um verso, ele já devia ter sido outro.

Até uma palavra perde sentido em seu final.

Mas devemos fazer alguma coisa, mesmo sabendo que é inútil.

Contribuímos assim para que tudo se realize

de acordo com o que também foi escrito

em uma linguagem bem mais antiga.

Sísifo

No fundo do pátio de minha casa existe uma árvore

Que me dá uma sombra tão misteriosamente protetora

Que não tenho palavras para dizer o que sinto.

Mistério

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36

Mistérios não se dizem e eu não gostaria de tentar fazê-lo.

Se fizesse, tocaria com mãos impuras no que não devo tocar.

E perderia o mistério da sombra da árvore que fica no fundo

do pátio de minha casa.

Preciso dele.

Em homenagem aos que foram os maiores amores de minha vida

A estas horas minha mãe e minha filha

Devem estar à sombra de uma árvore frondosa no paraíso

De cuia nas mãos, charlando no más.

E eu aqui, esperando e tomando um mate

Cada dia mais amargo.

Amargo

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37

Osmar Salgado

Eis que lá se vão os grevistas que passam...

Mas que bando é este que a todos movem

Pelas praças, pelas ruas, livres percorrem

Vastas distâncias e os seus braços enlaçam.

São os sindicalistas que se dedicam

À causa nobre que suas conquistas cobrem,

Suas glórias, seus feitos e então descobrem

Que todo o labor em prol da causa gratifica.

Soneto Os Sindicalistas

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38

Todas as suas lutas que não foram feitas em vão

Pelos nossos salários melhorados pelas greves,

Feitas com amor, brio, garra e coração.

Todas as lutas, todas as paralisações, ainda que breves

Vindas das assembleias, plenárias – a concentração,

Que nos deram, pois de parabenizar o Sindprevs.

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39

Terezinha Ivonete de Medeiros

“A arte é uma mentira que nos ensina a compreender a verdade.”

(Picasso)

Somos da Previdência, Saúde e Anvisa

Pobres coitados, assalariados

Aturamos ponto eletrônico e metas

E os reclames dos segurados.

Às seis horas é a Compensação

E o ministro nos tira a motivação

Tememos a Privatização.

Na folha de pagamento

Só tem desconto

Nada de reconhecimento.

É sublime poder sonhar

Incorporar as gratificações

E poder viajar.

Presságio

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Narrativas

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Como na mitologia, distante no mar em frente à Lagoa da Conceição,

uma espuma branca vai se formando, está se aproximando trazida pelo ven-to, qual “Zéfiro” levou até a sua mar-gem. E dessa espuma sai uma imagem de aparência imortal que, conforme a lenda, os antigos moradores a batiza-ram de “aparição” – essa de rara be-leza e que, em suas aparições, tinha as vestes brancas, irradiando um relevo de “traje imortal”, e lhe adornavam os loiros cabelos com singelas flores de “manacá”. Essa pureza espalhava-se por toda a Lagoa, que naquela épo-ca as suas prodigiosas águas cristalinas imita como se fossem um mar seten-trional e, sob essas águas, a abundância de vários cardumes de peixes, siris, ca-marões e muitos outros crustáceos que ali se criavam. Segundo a lenda, aquela “aparição” era nascida do mar e a ti-nham como celestial, por isso protegia toda a Lagoa, inclusive toda vegetação que a contornava – e já tinham visto nas manhãs de inverno, em meio ao orvalho sutil que o ar levantava, sentir então... aquela “moça”, que trazia no

A aparição (lenda)

Carlos Alberto da Silva

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seu semblante uma radiosa alegria que se refletia na-quelas águas cheias de vida. Era, portanto, na consciên-cia daqueles humildes pescadores a guardiã da Lagoa. Todavia, os tempos foram se passando sem o devido or-denamento das gerações posteriores em preservá-la, foi a Lagoa da Conceição se transformando pelo assorea-mento de suas águas, proveniente de esgotos e constru-ções clandestinas, além de poluírem-na com herbicidas de alta periculosidade. E isso tudo motivando a morte do seu “ecossistema”. O que dizer se aquela aparição agora fosse vista na Lagoa, certamente o seu semblante não seria de alegria como dantes, mas sim esse deveria estar obnubilado, mortificado. Mas a esperança ainda existe, se todo o poder público e/ou os empresários se juntarem e, ainda com a força da crença popular do nosso povo ilhéu, acreditarem que, como na lenda, ain-da aquela aparição venha a interceder para que a Lagoa da Conceição volte a ser o que era antes, pois essa é parte de um acervo inigualável de nossa Ilha.

Era uma daquelas noites lindas em que só o fulgor do plenilúnio (luar) na Ilha pode proporcionar.

Assim, Flávio Antonio quis fazer um passeio de ônibus a Canasvieiras, pois há muito deixou de dirigir auto-móvel, não explicando por quê. Sabia que só voltaria de madrugada, ou seja, no último ônibus. Pelo seu ar

Visão

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distraído, não se apercebeu que estava sentado ao lado de uma atraente jovem. Nas repetidas curvas que o ôni-bus fazia, o seu corpo se inclinava e consequentemente se encostava a essa. Mas ele estranhava não sentir es-se contato. Então Flávio passou a fitá-la, notando que ela se encontrava em estado de aflição. No entanto, já com ele se passava coisa diferente – via-se nitidamente em seu rosto aquela auréola do amor à primeira vista que passou a nutrir por aquela moça. Numa curva mais fechada feita pelo ônibus, a sua mão esquerda bateu na mão direita dela, sentindo um calafrio. Não saben-do explicar se pela emoção de tocá-la ou se era assim mesmo “gelada”. Mantinham-se ambos calados o tem-po todo, sem trocarem palavras – foi quando o ôni-bus parou num ponto e a moça saltou, Flávio a seguiu, acompanhando-a de longe, até que, no final de uma ruazinha, deram em frente a um jardim todo florido que era senão um cemitério. Aí a moça saiu correndo e passou a adentrá-lo – Flávio, seguindo-a, viu quando ela entrou numa lápide e foi lá confirmar e ler... aqui jaz Florinda dos Anjos Silva, 19 anos, morta por atro-pelamento. Flávio começou a ter arrepios e passou a lembrar-se de que tempos atrás, após ter batido com seu automóvel em algum vulto numa daquelas estradas, era noite muito escura e chovia forte, não ligou para os gemidos que ouvira nem parou para ver o que tinha acontecido. Por isso, mais tarde, lhe pesou na consciên-cia, não vindo mais a dirigir, pois, quem sabe, tivesse batido em alguém e poderia ter salvado sua vida. Não

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seria aquela moça a que atropelou – e tenha se materia-lizado para lhe atormentar e dizer o quanto foi covar-de e insensível ao não ter lhe prestado socorro? Depois disso tudo, agora teria que conviver com esse “carma”.

1ª Parte: Prelúdio

Nas biografias dos grandes Mestres Compositores, veremos manifestações surpreendentes: alguns

com assomos de irritação, seguida de crises de “abu-lismo”, como é o caso de Beethoven; outros, como Tchaikovsky, que tinha sentimentos afetivos em exces-so; o caso de desprezo de Franz Schubert, obstinado em estar sujo e maltrapilho (esquizofrênico); ou ainda, Roberto Schumann, que tinha alucinações (psicose); Liszt, que mantinha e vivia paixões amorosas, poden-do casar-se e de repente entra para um convento (não seria um caso de demência?); Paganini, que era perdu-lário, ganhava fortunas, mas as perdia com mulheres e jogatinas; e ainda o caso de precocidade de Mozart, que aos cinco anos de idades compôs um concerto. Assim, se formos palmilhando outras biografias de com-positores “clássicos”, encontraremos muitas esquisitices. Entretanto, como se viu, são seres privilegiados, super-

Preâmbulo

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sensíveis em maior ou menor incidência. Esses composi-tores clássicos assimilavam, em suas composições musi-cais, a engenhosidade de utilizar o “popular” dentro da chamada música erudita, essas eternas! Convenhamos que as músicas (muitas) que hoje se editam e ouvem, como as do ano anterior, já não servem mais pela vul-garidade. Com toda essa minha empolgação nessas cita-ções, esqueci que estava restrito neste espaço.

2ª Parte: Quando adolescente, em minhas memórias farei responder...

Esta pequena conversa, à maneira de Prefácio, que farei ao lembrar-me, nestas minhas memórias, daqueles ilustres que abrigava a nossa Ilha dos “casos e ocasos raros”; desses, alguns “esquizofrênicos”, outros em crise de “abulia” e ainda psicopatológicos e, por isso, as suas “precocidades” surpreendentes que os transformavam em “seres privilegiados” ou em estado “psicopatológi-co”, por isso a frequência das atitudes extravagantes, as manifestações de originalidade às vezes nem sempre favoráveis, pelos seus hábitos desconcertantes quando lhes provocavam.

Quero deixar claro, por exemplo, que não possuo a vaidade de considerar-me “escritor”, tenho também as minhas maluquices, como iniciar a leitura de uma narração à maneira de Prefácio. Começo a perceber que irei “narrando” até o fim adotando, como então,

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Preâmbulo e assim o faço – não era o que queria – oh, decepção! Justamente o título que idealizava para esta narração não o encontrei; no entanto, contentei-me em dar-lhe o título de Preâmbulo. Consolo-me, é que, tam-bém na mais alta Antiguidade, Heródoto e Tucídides, historiadores gregos, tinham certas dificuldades em suas narrativas de viagens, qual o nome a dar como “título”.

Morávamos numa casa com ampla chácara, onde ali a minha mãe mantinha, para pequenos serviços de jardi-nagem, ou “Horácio Repetidor” e/ou “Adolfo Torquês” e esquizofrênicos; portanto, eram considerados como “moradores fixos”. Em seguida o casal “Papo Amarelo e a Catarina eternos noivos”, também “hóspedes tem-porários”; ainda os irmãos e primos Pedro, Manuel, Reduzindo e Benjamim, que se abrigavam em nossa casa, “onde ali ganhavam também almoço e lanches” e ficavam à espera de recados. Apareciam também os de visitas diárias, ganhavam lanches, banhos e etc. Esses eram os “ilustres”, a começar pelo Brügman alcoólatra, citando ainda o Preguiça, o Coceira (sofriam da doen-ça abulia) e o Teresa (homossexual). E os “ilustres” que viviam nas ruas e com quem sempre nos deparávamos: o Beliscão das Moças, o Ivo Bode, o Corvina, o Barão da Meia-Noite, o Navia “esquizofrênico” e o Barba de Forquilha “alcoólatra”; as “ilustres” Marta Rocha, Barca a Quatro, Traça, Pandorga e Lourdes da Loteria, essas um misto de psíquicas e/ou esquizofrênicas; e, finalmen-te, o nosso mais “ilustre” picareta, engraçadíssimo, ardi-loso, seu nome Spridião, assim lhe chamavam.

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A seguir, à guisa de “biografias/manias”, a começar pelo Horácio Repetidor, cuja excentricidade, por qual-quer palavra dita, repetia, por exemplo: rapazes, a tua mãe está chamando para o almoço. Em “ato contí-nuo, repetia para si em voz baixa as mesmas frases”. O Adolfo Torquês, idem, não podia ver qualquer pessoa com o “bumbum” abaixado que apertava com a sua torquês, havendo muitas reclamações que incomoda-vam muito ao meu pai, que às vezes tinha que compa-recer à polícia. E “a vida romântica do Papo Amarelo e da Catarina” (psicóticos), mas, ao contrário daqueles acometidos de abulia, com muita vontade de viver. A Catarina, sempre vestida de noiva e com grinalda de enfeites de flores de laranjeira (minha mãe a mantinha sempre assim, era o pedido dela). E o Papo Amarelo, sempre vestido com seu terno de brim-coroá, ambos católicos fervorosos presentes em todas as procissões. Certa ocasião, numa dessas procissões ao redor da Praça XV de Novembro, cantavam em “coro” o verso “Os anjos, todos os anjos”. Nós, “a nossa turma de estudan-tes”, acompanhávamos de dentro do jardim e gritáva-mos: Papo Amarelo! Ele não gostava desse apelido e, no mesmo tom, respondia, em voz bem alta, de dentro da procissão: “Papo Amarelo é a p... que te pariu”.

Quanto aos irmãos e primos Pedro, Manuel, Reduzindo e Benjamim (negros musculosos), esses, sem quaisquer “anomalias”, mas extremamente pobres, da-vam como referência a nossa casa para contratá-los nas mudanças e também carregavam pianos e, quan-

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do acontecia, usavam uma “cantilena” que, se não me falhe a memória, era mais ou menos assim: “quecuê Maria Joana”, seguindo-se de outros estribilhos para ajudar nessa cadência a suportar seu peso. Quanto aos “ilustres visitantes”, somente vinham para filar o café da manhã, as sobras do almoço ou do jantar e, em certos casos, um banho. Um desses visitantes, o Brügman, co-mo o chamavam, exigiu que fosse construído no fundo da chácara um tanque à parte para tomar seu banho de água fria, fosse verão ou fosse inverno, e não usava sabão ou sabonete, somente “creolina”, exalando “es-se perfume”, e, juntamente, uma garrafa de caninha, que, após alguns goles (ele era alcoólatra), saía às ru-as cantarolando...! Na sequência vinham os “ilustres” apelidados de Preguiça e Coceira, ambos sofriam de “abulia” – passavam os dias e as noites, literalmente, o primeiro se espreguiçando procurando não fazer nada e o segundo coçando-se, não tinha nenhuma vontade (abulia). Minha mãe os tratava com desvelo, haja vis-ta, por terem aquela doença, lhes ministrava remédios por consulta médica de nossa família. Num certo dia apareceu o Teresa, “ilustre” homossexual... exigindo da minha mãe um banheiro à parte em que tivesse água morna para os seus banhos de assento, que se davam quase sempre às 18h30. Após esse banho, encharcava--se de um perfume barato, saía às ruas à procura de “seus clientes”. Também nas ruas encontravam-se todos os tipos de “ilustres” de esquizofrênicos, psicóticos, psi-cossomáticos, a começar pelo Beliscão das Moças, que

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se postava numa guarita da igrejinha do asilo dos ór-fãos, em frente ao jardim da Praça Getúlio Vargas. Para saber, de fato, se era considerada uma “moça bonita”, teria que “passar pelo teste”, ou seja, assim que uma “moça passasse em frente ao asilo”, esse saía correndo... e, se considerasse a moça bonita, pregava-lhe um “be-liscão”, caso contrário, se não desse beliscão, a moça podia considerar-se como feia! Assim o era! Quanto ao Ivo Bode, que trazia sempre consigo uma “vara” que usava para desferir nos moleques que enticavam com ele, principalmente nas procissões, quando lhe chama-vam de “bode”, corria atrás da molecada, a ponto de às vezes desequilibrar o “andor” com o risco de quebrá-lo. Era uma cena! E, por falar em cena, havia outros “ilus-tres” como o Corvina, bem arrumadinho, vestido com paletó de casimira todo abotoado, embaixo do braço direito trazia um saco de aniagem e no braço esquerdo segurava um “porrete”, mas nunca feriu ninguém, só ficava furioso quando enticavam com ele e saía corren-do atrás da molecada. Outro “ilustre” que vivia sem-pre alcoolizado era o Barba de Forquilha, tinha sido foguista da Marinha Mercante, conhecia boa parte do mundo, mas, ao contar as suas recordações, essas eram consideradas confusas e irritava-se facilmente quando alguém ria – a ponto de brigar com a pessoa! Outro “ilustre”, o Barão da Meia-Noite, totalmente psicótico, não gostava que o apelidassem desse nome e, quando assim a molecada o chamava, saía correndo atrás dela completamente furioso para, quem sabe... bater nela,

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mas não, quando a molecada parava, esperando a rea-ção dele, que nada, esbaforido pelo cansaço da corrida, dizia: – Oh, meu nome é Barãozinho somente, e não Barão da Meia-Noite, ouviram? Outro “ilustre” psicóti-co, o Navia, entrava nas repartições públicas e tratava de aposentadoria, atrás de uma suposta, e ficava furioso quando lhe negavam.

Seguem-se as “ilustras” como a Marta Rocha, encar-quilhada, mas tinha-se como linda e a maior parte do tempo espelhando-se! A Traça Magrinha, com seu vesti-do apertado e abotoado dos pés ao pescoço, na cabe-ça um chapéu e um véu e, enrolada no pescoço, uma echarpe de imitação de raposa; e isso tudo em pleno verão. Ainda tinha a Barca a Quatro, malcriada, agressi-va. Em seguida vinha a Pandorga, maltrapilha, às vezes com trajes (à época) obscenos, não era muito receptiva. A Lourdes Lotérica vendia loteria federal e, no seu tra-tamento a qualquer pessoa, a chamava de eminências, excelências e reverendíssimos. Essa era a sua psique.

Abro aqui um parêntese para falar de um caso raro de que era acometido o Marrequinha, tratava-se de um mulato muito forte, excelente marido e pessoa e muito sério, fazia carretos no mercado municipal com seu car-ro de mão, mas completamente diferente dos outros, pois esse media mais ou menos três metros, era grande e pesado. E isso fazia a partir de 1º de janeiro até 30 de ju-nho; entretanto, do dia 1º de julho até 31 de dezembro, era completamente outra personalidade, transformava-

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-se em “guarda de trânsito”, nas ruas mandava parar o trânsito de automóveis, caminhões etc.

Agora o nosso maior “ilustre”, a notabilíssima, pica-reta, engraçadíssima e ardilosa figuraça Spridião, assim o chamavam. Aparentava uns 35 anos, sempre vestido de preto, de altura média, magro de complexão frágil: vi-via de expediente, em certa ocasião promoveu uma “ri-fa de um carneiro”, inclusive os meus pais compraram, pois ganhar um carneiro era uma boa. Após ter vendido toda aquela sua rifa, houve um ganhador e o felizardo foi o Dr. Sizenando, médico muito caritativo e estima-do, e o Spridião foi levar o seu prêmio. Entretanto, o di-to “carneiro” não era o “animal”, e sim um carneirinho de barro que se vendia no mercado público!

Em outra feita, o nosso especialíssimo “ilustre” tor-nou-se um “ator”, mas terei que ser prolixo para contar como isso aconteceu.

O nosso Teatro Álvaro de Carvalho, uma réplica do Teatro São Carlos de Palermo, Itália, é um dos que de-têm a melhor acústica no país. Em seu palco se apre-sentavam pequenas representações – e numa ocasião, passava pela nossa baía sul o navio do Lloyde Brasileiro trazendo uma Cia de Ópera que iria se exibir no Teatro Colón, de Buenos Aires; entretanto, devido a um gran-de temporal que estava se aproximando da costa, achou por bem o seu comandante mantê-lo ali ancorado, não queria se arriscar a prosseguir viagem. E a ópera que iriam encenar seria “Tosca”, do compositor consagrado

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Giacomo Puccini, um dos maiores compositores operís-ticos, através da professora de canto e música erudita, Sr.a Judite Simone, que se dedicava aos ensinamentos com aulas práticas e teóricas de óperas, concertos e sin-fonias, ou seja, estudo da mais bela de todas as artes. Ela trouxe-nos grande contribuição por várias gerações que ali passaram, onde se formaram vários mestres, aliás, fa-ço aqui uma comparação com Tucídides, aquele mestre grego da Antiguidade que dava aulas aos seus discípulos na prática e na teoria. E, por seu intermédio, conseguiu trazer metade dos personagens daquela ópera para a encenação no Teatro Álvaro de Carvalho e o seu enredo operístico. Tosca era uma cantora famosa, ela e Mário Caravadossi eram amantes. Scarpia, chefe de polícia de Roma, tinha uma paixão por Tosca e aproveitou-se de uma oportunidade para prender Mário. Ela é intimada a comparecer para prestar depoimento e ouve gemi-dos de Mário sob tortura. Para salvá-lo, Tosca entrega-se a Scarpia, que providenciou um passaporte a ela e ao amante. Agora voltemos à encenação em nosso teatro, no local onde se achava Mário preso, em frente ao pal-co, iria se acender uma fogueira para a iluminação. Para surpresa, surge um “bispo” católico para acendê-la, aí é que entra o nosso Spridião (o ator), que representa o “bispo” (foi contratado como protagonista) que a nossa turma de estudantes indicou ao responsável para aque-la ópera. E assim procedeu-se... ao levantar o pano do palco (que seria provavelmente o terceiro ato), aparecia o nosso Spridião vestido de indumentária de bispo, ou

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seja, “uma bata” que lhe cobria do pescoço aos pés; nes-se ínterim, bem ao centro do palco, Spridião levanta a “sua bata”, aparecendo as suas pernas magras e cabelu-das, e retira de um suposto bolso um isqueiro composto de uma “isca” de 1,5 metro que se arrastava no palco e juntamente duas pedrinhas que, flexionando, emitiam faíscas que ascendiam aquela isca... Nisso o público re-conheceu o Spridão e caiu numa gargalhada – a ópera tornou-se uma ópera cômica.

Ao finalizar, direi que não tive a estultice pretensão de “narrar episódios da minha adolescência”. Na maior parte, não sei os nomes verdadeiros desses “ilustres” e nem o porquê das suas excentricidades; mas uma coisa era certa, muito nos deleitávamos, menos minha mãe, “a Tudinha”, que os estimava como “seus filhos” e dis-pensava todo o seu carinho a esses, não permitia que os desaforasse, pois eram para ela todos singulares.

Espero que me perdoem pela “chatice e pelo tempo perdido” ao lerem estas minhas memórias.

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Inêz Cascaes Porto

Com oito anos de idade, Lúcia so-nhava em ser atriz; depois de la-

var a louça do almoço, escutava aten-tamente sua novela no pequeno rádio da cozinha. Dizia à sua mãe que que-ria trabalhar na rádio. A mãe, com to-da sua simplicidade e com um sorriso nos lábios, falava: Sonha sempre, mi-nha filha. A pequena Lúcia estava sem-pre atenta a tudo que acontecia à sua volta. Obediente com sua mãe, esta-va sempre pronta para ajudar; família grande com 18 irmãos, tempos difíceis. Ainda arrumava tempo para ajudar na arrumação da casa e cuidar dos filhos da vizinha, que era costureira de mão cheia e muito bondosa. A vizinha, por sua vez, compensava os trabalhos da pequena menina costurando para to-da a sua família, sem nada cobrar. Suas irmãs mais velhas trabalhavam em um seminário, ajudando assim o sustento da grande família.

Todos os domingos, a pequena me-nina se arrumava para ir à missa na igre-jinha de seu bairro, levando consigo su-as irmãs mais novas. Depois da missa,

Menina de luta

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Lúcia e suas irmãzinhas caminhavam até o seminário para visitar as irmãs mais velhas, pois dormiam no trabalho. O encontro com as irmãs era muito divertido. Lúcia conver-sava atentamente com as freiras do seminário, questiona-va bastante as freiras sobre a vida religiosa e como fazer para ser uma freira. Achava muito lindo seus hábitos, ves-tidos longos, véu; e, sendo esposa de Deus, achava tudo maravilhoso.

As freiras disseram que, quando ela completasse 12 anos de idade, poderia dar seu nome e esperar a vaga para o internato. O tempo passou e Lúcia conseguiu se internar no Colégio de Freiras. À medida que o tempo passava, a pequena menina acordava todos os dias às cin-co horas da manhã, estudava muito, trabalhava bastante na lavação de roupas. Por volta das seis horas da manhã, participava da missa, sete horas tomava café, sete e trinta assistia às aulas com os alunos externos, à tarde ajudava os professores com as crianças que frequentavam o jar-dim de infância. No fim do dia, assim que as crianças iam embora, limpava as salas de aula. Ainda arrumava um tempinho para jogar vôlei. No colégio era bastante parti-cipativa, fazia teatro, concurso de poesia, em que ganhou o prêmio de primeiro lugar com a poesia do Pequeno Príncipe. Que diz assim: “Senhor, Tu vens do céu, pare-ce tão alto e estás tão perto. Vieste de outro planeta, Senhor. Porque os homens fizeram da terra um deserto e Tu te sentes no meio dela...”. Não se lembra do restante da poesia, mas diz que é muito bonita; os anos se pas-savam e Lúcia não se esquecia de seus sonhos. Percebeu

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que sua vocação talvez não fosse a de ser freira. Durante as férias escolares, sempre passava em sua casa, em com-panhia de seus pais.

Aos domingos sempre ia ao cinema. Nunca esqueceu o que as freiras falavam a todas as meninas internadas que faziam limpeza geral em todo o colégio: “Limpem bem, porque Deus vê tudo”. À medida que o tempo pas-sava, percebia que sua vocação mudava, pois, quando ia ao cinema nos domingos, sentia-se emocionada com as histórias de amor, como “Romeu e Julieta” e outras. Um belo dia ajoelhou-se diante da imagem de Deus e pediu que o Espírito Santo mostrasse seu caminho; como num passo de mágica, quando estava muito pensativa, uma das freiras, percebendo seu estado, disse: Lúcia, por que andas muito pensativa? A menina falou à freira que esta-va em dúvida quanto à sua vocação. A irmã Dalva, como era chamada a freira, disse: Terminaste o curso regional, sabes o que vais fazer o normal ou o científico. Então su-geriu à menina Lúcia que fosse dar aulas, ou seja, lecionar, só assim saberia o caminho a seguir.

Lúcia seguiu o conselho da irmã Dalva. No final de suas férias, tomou uma atitude, foi a uma cidadezinha do interior onde, falando com o prefeito da possibilidade de lecionar, foi contratada e assim veio a ser professora para uma bela turminha de alunos da primeira, da segunda e da terceira séries primárias e mais dois alunos do quarto ano primário; tinha que ser artista para dar conta de tu-do, pois ensinava a todos ao mesmo tempo, na mesma

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sala de aula. Naquele mesmo ano em que foi ser profes-sora no interior, a menina Lúcia sentiu fortes dores de dente; não tendo condução para ir ao dentista, foi mon-tada em um cavalo, uma loucura. Dona Anita, a mulher da pensão, era quem puxava o cavalo na frente. Todo final de cada mês, todas as professoras da região tinham reunião na cidade próxima e lá estava ela participando. Certo dia, não querendo chegar tarde na escola, decidiu então ir a pé, não esperando sua condução, o cavalo. Como não conhecia bem o lugar, acabou se perdendo pelo caminho. Dona Anita, a mulher da pensão, saiu à procura de Lúcia, encontrando-a perdida à beira da es-trada. A menina, então, pediu desculpa por não esperar a sua condução. Nesse dia todos os alunos estavam muito preocupados com a professora, porque ela não chegava; quando então chegou na sala de aula, ela sorriu e disse aos alunos que tinha se perdido pelo caminho, mas foi encontrada; isso provocou fortes gargalhadas nos alunos.

O ano letivo terminou e, para alegria da professori-nha, todos os alunos foram aprovados. Foi uma experi-ência fantástica em sua vida. Já com 16 anos de idade, a menina Lúcia queria continuar seus estudos, pois tinha muito que aprender ainda. Apesar de ter gostado muito da experiência de ser professora, porém achou que não era o seu caminho. Retornando para sua cidade de ori-gem, arrumou um emprego no hospital, na função de atendente. Dando continuidade a seus estudos, matricu-lou-se no científico, que, nos dias de hoje, seria o segun-do grau. Como era uma excelente funcionária, destacou-

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-se entre as demais, sendo então convidada pela diretora para fazer um curso pago pelo hospital. Então, Lúcia e outras três moças embarcaram no ônibus com destino à capital, onde ficaram durante um ano estudando, for-mando-se em Auxiliar de Enfermagem. Após a sua for-matura, Lúcia retornou à sua cidade, enquanto as outras três moças ficaram trabalhando na capital. Retomou seu trabalho no hospital, agora como auxiliar de enferma-gem; durante alguns meses foram descontados 20% do seu salário para pagar o curso.

Para chegar até o trabalho no hospital, a mocinha Lúcia acordava muito cedo todos os dias para pegar o ônibus das cinco e meia da manhã que passava em fren-te à sua casa. Como trabalhava também aos domingos, a mocinha tinha muita dificuldade de chegar até o tra-balho, pois não tinha ônibus. Ela e sua irmã Alba iam a pé ou pegavam carona com sua amiga Tereza, que tinha uma charrete, pela época era uma condução muito boa.

Num certo domingo, sua amiga Tereza pegou folga, a mocinha Lúcia pegou a bicicleta de seu irmão José em-prestada, assim ela e sua irmã foram trabalhar; enquanto uma pedalava, a outra seguia na garupa e, quando can-savam, trocavam de posição. Nesse dia a bicicleta furou o pneu e, para não perder a hora do trabalho, correram tanto com a bicicleta na mão, pois tinham que bater o ponto as sete da manhã. Nesse mesmo domingo, perce-beram que um homem vinha em sua direção, que sufoco, correram tanto que seus corações pareciam sair pela bo-

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ca, mas, para sua tranquilidade, o tal homem corria atrás de uma outra mulher.

Quando ainda cursava o científico, Lúcia conheceu um jovem, bonito e atraente, de nome Edson, pelo qual se apaixonou e com quem se casou. Desse matrimônio nasceram duas lindas meninas, Patrícia e Maria. Com muita dificuldade, o casal economizou e comprou um Fusca 1500, de cor amarela. Lúcia teve que aprender a dirigir em dois dias para levar suas filhas até a casa de sua irmã para ela cuidar delas, pois de vez em quando não tinha com quem deixar seus pimpolhos.

Da primeira vez em que veio a dirigir seu Fusca 1500 amarelo, o motor apagou, porque, em vez de engatar a primeira marcha, com certeza engatou uma terceira, nisso chegou um homem todo feliz e disse: legal uma carona. Prontamente, Lúcia respondeu que estava apenas aprendendo a dirigir.

Aos domingos, as crianças ficavam com seu marido, porque tinha que trabalhar. Ele reclamava muito por ter que ficar sozinho com as meninas.

Lúcia dizia: Deus é tão bom para nós, quem sabe não aparece um emprego que não precise trabalhar aos do-mingos, e não é que a chance chegou? Lúcia escutou pe-lo rádio a abertura de inscrição para um concurso no Ministério da Saúde, na área da Enfermagem. Fez o con-curso e foi aprovada, exercendo suas atividades em sua própria cidade. Na mesma época, seu marido também fez concurso público no estado e foi aprovado. Como

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funcionários públicos, os dois tiveram muito tempo para curtir suas filhas aos domingos.

Como funcionária pública federal, participa inten-samente das atividades do Sindicato. Luta junto com a classe trabalhadora por melhores salários e melhores condições de trabalho e está sempre atenta com os acon-tecimentos de classe. Quando solicitada para participar de algum evento ou manifesto, está sempre pronta.

Representante da classe trabalhadora dos aposenta-dos, como diretora de base, está sempre presente nos manifestos públicos pela luta pelos direitos, desistir nun-ca, esse é seu lema. A vida só para quando partimos para outra dimensão.

Mas conta que, quando era solteira, trabalhou dois anos à noite para fazer um outro curso, Técnico de Enfermagem, pela manhã. Saía do plantão diretamente para a sala de aula e muitas vezes acabava dormindo, mas suas notas sempre foram boas. Pensava em ser pro-movida, com a realização do curso técnico, mas esse não foi reconhecido pelo Ministério da Saúde.

Educou muito bem suas filhas, hoje casadas. Os anos chegaram, hoje já não tão jovem, está muito feliz, com seus quatro netos, é só alegria.

Alcançou sua aposentadoria cedo; pensando em re-alizar seus sonhos, entrou num curso de Teatro pela Prefeitura, mas seus colegas de curso eram muito jovens, sentiu-se fora da casinha.

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A vovó Lúcia parou e pensou: Vou curtir meus netos e me tornar uma atriz com eles. E assim ela leva a vida numa boa. Cuida de sua boa forma fazendo academia, inclusive seu professor perguntou o que ela queria conse-guir fazendo academia, prontamente respondeu que gos-taria de levantar o bumbum e os seios, ter pernas bem definidas e muito mais. Percebendo a seriedade do pro-fessor, ela, bem descontraída e espontânea, sorriu e disse: Manda-me fazer uma plástica, professor, mas ele nada retrucou.

Ainda em conversa com o professor, contou que foi fazer um checape com um cardiologista, o médico per-guntou o que sentia, ela sorriu e disse: Um homem lindo na minha frente, já estou curada, meu coração normali-zou, minha pressão baixou. O médico ficou sério, ela fa-lou: Não me processe por assédio sexual, pois sou muito bem casada com um marido maravilhoso. Disse ainda: Assim que eu sair, ele entrará para consultar com o se-nhor. O jovem médico sorriu, e Lúcia continuou falando: Sabe, doutor, deve ser um saco escutar sempre a mesma ladainha, dor aqui, dor ali e assim por diante. À minha irmã, em uma consulta dias atrás, o médico perguntou: O que a senhora não sente? Ela ficou eufórica e pensou: Este é um médico bom. Além de clínico geral, ele também era formado em Psicologia, sabia como se relacionar com as pessoas, sem ofendê-las.

Aposentados, foram morar na praia. Muito bom. Mas, quando o inverno chega, praia deserta, seu marido

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diz: Aqui é o céu. Lúcia, mulher comunicativa, de luta e bem-humorada, sentia ansiedade, angústia, pois gostava da cidade, ver gente e vitrine e conversar. Decidiu cer-to dia consultar um psicólogo. Conversou tanto com o psicólogo, já cansada de falar, ela mesma encontrou a solução para o seu problema. Disse então ao profissional: Já sei o que vou fazer. Ficarei três dias na cidade, farei academia, vou brincar com meus netos, vou visitar meus irmãos, minhas filhas, depois volto para a praia para cur-tir meu marido, com minhas energias carregadas. Lúcia observa que, enquanto falava, o psicólogo estava bastan-te pensativo e tomava bastante água. Pensou consigo: Eu canso de falar e ele é quem toma água. Muito educado, o psicólogo olha para o relógio e diz: A senhora já falou por uma hora e dez minutos. Marca uma nova consulta para eu me apresentar e fazer uma acupuntura. Lúcia saiu do consultório, aliviada por ter encontrado a solução dos seus problemas, mas brava porque o psicólogo nada fa-lou e cobrou caro pela consulta, pois seu plano de saúde não cobria.

Falando ainda em consulta, outro dia Lúcia consultou com um médico ortopedista, pois sua lesão de menisco estava doendo muito. Enquanto aguardava na sala de es-pera, encontrou-se com uma colega de trabalho de tem-pos atrás. Cumprimentou sua colega Mary perguntando se estava tudo bem, prontamente ela respondeu: O que achas? Estamos no médico. Lúcia, com seu bom humor, retrucou: Isso faz parte da vida, nosso corpo é uma má-quina, também pifamos, e continuou falando... Nos 45

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anos temos labirintites. Nos 50 anos capsulite, problemas de bursite etc. Nos 55 anos ataca a coluna. Mas não te preocupa, chegando aos 60 anos, começamos a pular, escalar muro, pular corda, jogar corrida com os netos e então conseguimos uma lesão de menisco, doença de jovem, de jogador. Daí por diante não temos mais ne-nhuma doença, pois já tivemos tudo; sua colega sorriu dizendo: Que papo fúnebre! Lúcia fala que, quando tu encontras com pessoas mal-humoradas, é preciso brincar um pouco.

O tempo passa e certo dia conversa com seu marido sobre a possibilidade de mudar de praia, justificando que aos 60 anos gostaria de dar uma viravolta em sua vida. Por exemplo, alugar uma casa no próximo verão em um outro lugar qualquer. Para sua surpresa, seu marido disse: Então por que não colocar à venda a nossa casa de praia? Lúcia responde: Tu sempre falaste que aqui era o céu, quem sou eu para te pedir algo assim. Mas seu marido, decidido, chama um corretor para avaliar a propriedade da praia para colocá-la à venda. Cola fotos no site da imobiliária e inclusive placas de “vende-se”. Em uma se-mana vende a casa de praia para um casal, muito simpáti-co de Concórdia, que queria morar no litoral. Na mesma semana compram um apartamento novinho por um pre-ço mais elevado, ficando até sem carro. Lúcia se diverte no apartamento sem móveis. Diz recordar do tempo de acampamento, dorme em um colchão no chão, lava e escova os dentes no tanque. Enquanto o apartamento da praia não é mobiliado, seu marido voltará a trabalhar

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para terminar de pagar os móveis. Por enquanto, Lúcia e seu marido retornaram a morar no apartamento da cidade e, assim que o da praia ficar pronto, novamen-te voltam a morar na praia. Recomeçar é vida. “Legal”, comentam os irmãos de seu marido. Lúcia diz que ousar e arriscar não tem idade, sair da rotina, tudo de bom. Sonhar e lutar é sempre seu lema. Ao ter bons sonhos e lutar, podemos conseguir tudo o que desejamos. A vida é um teatro e nós somos os artistas, ter atitudes é tudo que devemos ter. Se algo der errado, rasgamos as páginas e começamos novamente.

Ah, para findar este conto, não nos esqueçamos de agradecer todos os dias pelo grande milagre que é a vida.

Anita e João se amam muito, decidiram se casar. Juntam suas economias e compram uma pequena

casinha. Nos finais de semana, João trabalha na pintura da pequena casinha, pintando-a de amarela e as janelas de marrom.

Anita ajuda fazendo bolos e salgadinhos. De bicicle-ta, sai de casa em casa a vender seus produtos. Alguns anos depois, conquista muitos clientes, juntando um

Casinha amarela

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bom dinheiro. O casal decide que é hora de ter um fi-lho. Anita engravida, tendo uma gestação sem proble-mas. Nasce uma linda menina a que deram o nome de Ana, a menina é amamentada pela mãe durante um ano e meio, cresce bastante saudável.

A casinha amarela fica ainda menor com a chegada de Ana. João faz trabalhos extras para aumentar a ren-da da família. Anita arruma um emprego, mas continua fazendo bolos e salgadinhos com o objetivo de aumen-tar a casa.

A criança é colocada em uma creche ainda muito novinha. Chegando ao mês de maio, numa sexta-feira, próximo ao Dia das Mães, Ana brinca com sua boneca em seu quarto. Pega uma vela e acende. Sua mãe, apres-sada, chama Ana para levá-la à creche.

Ana estava brincando com sua boneca Lili no quarto e sai correndo quando ouve a voz da mãe, deixa a boneca em casa, se não suas amiguinhas do jardim vão querer brincar. A menina coloca a boneca no balanço da árvore.

As casas do interior ficavam distantes umas das outras, a vizinha mais próxima percebeu fumaça no ar. Olhando, viu a casinha amarela pegando fogo. Chamaram alguns vizinhos e, com mangueira, baldes, tentaram salvar a casinha. Porém, o fogo consumiu tudo e, quando os bombeiros chegaram, nada mais restava.

Os vizinhos fizeram uma grande corrente de solida-riedade, dando-se às mãos em frente à casinha queima-

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da, à espera dos proprietários. Anita, vendo o que tinha acontecido, dizia: Meu Deus, onde tu estavas? Ana di-zia: Olha, mamãe, Jesus salvou minha boneca, ela está no balanço da árvore. Com certeza ela tinha esquecido que havia deixado ali.

Anita chorava muito. Seus vizinhos diziam: Vamos fazer um mutirão e construir uma nova casa. Nesse dia os vizinhos colocaram suas casas à disposição do casal, até que a nova casa fosse construída. João ficou trans-tornado dizendo que isso não estava acontecendo: Eu fazendo horas extras para aumentar a casa e agora estou sem teto. Dona Tereza consolava: Vocês não estão so-zinhos. Os vizinhos aproveitaram o Dia das Mães para se organizar na reconstrução da casinha amarela. Um ficou responsável de arrumar os tijolos, Dona Tereza fi-cou responsável de fazer uma rifa para angariar recursos e assim cada vizinho ficou com uma tarefa.

Como João era pedreiro, falou que trabalharia nos finais de semana para construir a nova casa e, muito otimista, disse que logo, logo, nossa casinha estaria pronta. Muito ajuda apareceu, como roupas, alimentos, eletrodomésticos e tudo de que precisavam. Antes do almoço, Dona Tereza fez uma oração em homenagem a todas as mães agradecendo a refeição. Anita lembrou e disse: Esqueci de acender uma vela para minha santa manzinha. Ana, sempre atenta a tudo, falou: Mamãe, como você estava trabalhando muito, eu acendi a vela, mas vovó se esqueceu de apagar. Então foi você que

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colocou fogo na nossa casa? – perguntou Anita. Não chora, mamãe, eu só queria que a vovó encontrasse o caminho para nos visitar, você poderia esquecer e a vo-vó não acharia o caminho de volta, disse Ana.

Era comum Anita ascender uma vela todos os anos no Dia das Mães em homenagem à sua falecida mãe, Ana sempre perguntava por que ascendia a vela e Anita respondia que a vovó viajou para muito longe e, acen-dendo uma vela, ela poderia voltar a visitá-las. Devemos saber responder às perguntas de nossos filhos para não sermos surpreendidos. Anita aprendeu a lição pagando caro, disse que com tantos afazeres damos qualquer res-posta aos nossos filhos e acabamos pagando um preço muito alto por não explicar direitinho. Graças aos vizi-nhos, a casa ficou pronta. João e Anita voltaram a eco-nomizar para fazer um banheiro.

Certa vez, quando Anita estava grávida, levou um sus-to, estando na patente de madeira, localizada nos fundos do terreno, coisa comum naquele tempo, porque uma cobra d’água estava entrando e teve que sair correndo.

Os anos se passaram, João começou a fazer um curso de mecânico para arrumar um novo emprego e ganhar um pouco melhor. Ana já estava com 10 anos. Sempre com muita devoção, participavam da missa todos os domingos, em que agradeciam a Deus pelos vizinhos maravilhosos que tinham, verdadeiros irmãos.

Anita engravida novamente, mais uma gravidez tranquila, nasce um lindo menino de parto normal que

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recebe o nome de Miguel. O menino cresce e sua inteli-gência já é notada. O pai de Miguel consegue um bom emprego. Em 10 anos de trabalho consegue juntar um bom dinheiro. João reúne a família e revela sua inten-ção de montar seu próprio negócio. João e seu irmão mais velho viajam para a cidade de São Paulo, compran-do uma máquina usada, pois uma nova era muito cara. Para comprar a máquina, teve que vender tudo que ti-nham conseguido, carro, moto e inclusive a própria casa em que moravam, tudo com o apoio da família.

Foi um recomeço de muito trabalho, no início mui-tas dificuldades, mas aos poucos a esposa e os filhos começaram a trabalhar na pequena empresa, que esta-va dando certo. Assim, em pouco tempo, conseguiram comprar uma nova casa, carros e terrenos para alojar sua firma. Ana e Miguel cresceram trabalhando na em-presa, hoje estão casados e administrando a empresa do pai, João então se aposentou.

A vovó Anita está muito feliz porque a filha Ana deu à luz um casal de gêmeos, a menina recebeu o nome de Maria Laura e o menino, de Pedro Manoel. O vovô às vezes reclama, gostaria de ter mais atenção do gen-ro quando vai visitá-lo, esse trabalha muito e, quando está em casa, fica bem à vontade, fazendo o que mais gosta, jogando pela internet futebol de campo. Ana diz que ele a faz muito feliz. Com certeza é a maneira dele, costumes diferentes, mas tem uma grande virtude, de ser um bom pai e um bom marido. Vamos aproveitar

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e viver cada segundo, da melhor maneira. Não vamos deixar coisas pequenas interferirem na família. Se puder-mos ajudar, vamos estar sempre de prontidão.

Anita e João estão aproveitando muito bem a apo-sentadoria. Nunca se esqueceram da solidariedade de seus amigos e vizinhos quando sua casa pegou fogo. Hoje, com mais tempo, o casal frequentemente visita essas pessoas e leva presentes.

Dona Custódia sempre fala que seu marido, Geraldo, saiu de casa para arrumar emprego e nunca mais retor-nou. E, para viver, ela faz bolos e salgados para vender. Anita e João ajudaram a pagar o INSS de Dona Custódia para que tivesse garantias de seus direitos no futuro.

Determinado dia, quando Dona Custódia vendia seus bolos e salgados, sofreu um acidente grave, foi atrope-lada por um caminhão de lixo, sua bicicleta teve perda total e ela foi parar na UTI do hospital, ficando em coma aproximadamente uns dois meses. Grande era sua fé, se recuperou, porém com algumas sequelas, na vista e nos joelhos, tendo dificuldades de locomoção, mora com sua filha e dois netos. Graças ao pagamento do INSS, conse-guiu sua aposentadoria por invalidez. Mais uma vez, teve a solidariedade de seus maravilhosos vizinhos. A vida é uma caixinha de surpresa, nunca sabemos como será o nosso dia de amanhã, mas, se tivermos bons amigos e bons vizinhos, tudo ficará mais fácil.

Após o acidente, Dona Custódia ficou muito preocu-pada e falando de seu marido que ainda não retornou

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para casa. Sempre comenta que ele pode estar doente, passando fome longe da família. Já se passaram mais de 10 anos que ele não dá notícia. No início, quando saiu para trabalhar, ele sempre telefonava para um de seus irmãos. Falava que, quando ganhasse um bom dinheiro, voltaria para a família. Todos os seus amigos lhe ques-tionavam por que se preocupava ainda tanto com ele se foi abandonada. Dona Custódia, ainda se recuperando do acidente grave, respondia que conhecia bem seu ma-rido, para ele ter ido embora devia ter suas razões e nós não sabemos quais foram.

Com tanta preocupação na cabeça, não parava de pensar no marido, pedia ajuda para um amigo policial localizá-lo. Dona Custódia ficou estarrecida quando, dois meses após, foi informada de que seu marido havia falecido no mês de fevereiro do ano anterior no interior do estado de Minas Gerais e tinha sido enterrado como indigente. Sentiu-se mais aliviada, não mais sentia aque-les arrepios, ficou em paz.

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Jacira Maria Nunes Pereira

Era manhã de agosto. Inverno. Tempo irrequieto. Tempo de chuvaradas.

– Anda tão esquisito este tempo! – pensei cá com os meus botões. Ora, um frio rigoroso que faz a neve tombar lá pelos lados da serra, empurrando aqui para a Ilha um friozinho de enregelar qualquer mão desprevenida; ora um ca-lor intenso, que faz o ilhéu festeiro cor-rer para as praias, iludido com a chega-da antecipada do verão atropelando a primavera.

Os tempos mudaram. E como mu-daram!!!...

Precisava sair de casa; ir até a Conselheiro Mafra, resolver particulares na Prefeitura. Coisas que não poderiam ser adiadas.

Olhei pela janela em direção ao Morro da Cruz. Céu encoberto. Nuvens preguiçosas, deitadas no morro, escon-diam parcialmente as antenas e as torres que lá existem.

Estiquei o braço para fora a fim de sentir se chovia. Ainda não.

O gato na porta do armazém

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– Vou de carro ou vou a pé? – pensei... melhor ir a pé – respondi para mim mesma. Pois este tempo chuvoso faz dobrar o número de carros no Centro da cidade e o trânsito parado me irrita.

Reforcei meus agasalhos. Botas, sombrinha, luvas etc. e lá me fui.

Avenida Mauro Ramos, Parque Dona Tilinha [aquele dos pombinhos], Visconde de Ouro Preto...

Mas... espere!!! O que será aquilo lá pros lados do sul???!!!

Rolos de nimbos se entrelaçavam e se devoravam ver-tiginosamente.

Amedrontada, pensei: Será uma nova visita, dessas desagradáveis que deram de nos surpreender? Será que a bruxa anda solta na Ilha da Magia? Ou será um daqueles fenômenos meteorológicos que nos igualam a certos pa-íses de primeiro mundo?

Tornado??? Catarina??? El Niño??? La Niña???

Continuei a andar apressada, olhando de esguelha pa-ra o céu, temendo o que estaria por vir.

– Senhor, senhor, desculpe-me! Poderia me dizer o que está acontecendo lá pelos lados do sul?

– Do sul??!!

– Olhe lá o céu!

– A senhora não sabe? O Mercado Público está em chamas – falou-me enquanto andava apressado em dire-ção contrária.

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O Mercado Público...

– Vamos, filhinha; é a bota da Xuxa, não é? Aquela rosa ali, por favor; é a cor preferida dela.

– Quanto?

– Pronto, senhora...

– Obrigada!!!

– Chegue, por favor; aqui temos mercadorias de bom preço...

– A senhora está servida???

– Aqui, por favor!!!

– Sim, desculpe.

Eu, agarrada, cuidando de minha filha, que, com os olhinhos pretinhos, iguais a duas jabuticabas, olhava atenta para todos os lados, curiosa de ver tantas bugigan-gas e novidades.

Nos recreamos muito quando vimos ao Mercado Público.

Como é bom vir aqui aos sábados, pela manhã, sem compromissos de horários – pensava.

– Mamãe, mamãe, estou com sede, quero um caldo de cana – falou Letícia, com carinha ansiosa.

– Oh!! Boa ideia, senti que faltava alguma coisa pa-ra completar o passeio, filhinha. Vamos então tentar sair deste aperto.

As pessoas iam e vinham. Eram tão próximas que cau-savam até incômodo.

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E lá íamos nós olhando e escolhendo, ora uma bi-juteria, ora um chapéu de palha; um sapato aqui, uma sandália ali...

Rindo e brincando, atravessávamos de ponta a ponta aquele verdadeiro túnel de diversões.

Quantas vezes fiz isso??? Sei lá...

– Olha, filhinha, o gatinho ali na porta do armazém!!!

– Onde, mamãe? Onde???

– Ali, perto do saco com amendoins!

Era um armazém, daqueles que não existem mais. Um desses armazéns do interior que vendem no varejo; fei-jão, milho, pinhão, linguiça e até panelas. Um daqueles que nos fazem voltar ao tempo da vovó.

Um cheiro forte de fumaça. De mil coisas assando ao mesmo tempo. Um cheiro de plástico e borracha quei-mando e dominando o ar. Um cheiro de medo.

Olhos lacrimejando. Um ardume no nariz, uma irri-tação na garganta me fizeram tossir e voltar à realidade.

– Nossa, já estou chegando na Felipe Schmidt e nem me dei por conta. Meus pensamentos foram longe.

Bombeiros, aglomeração, agitação e a fumaça domi-nando tudo. Pessoas atônitas, boquiabertas, apavoradas e desatinadas corriam de um lado para outro; tinha-se a impressão de que meia cidade estava em chamas. O ar era irrespirável. A Conselheiro Mafra interditada. Um verdadeiro “Deus nos acuda!”.

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Cheguei o mais perto que me foi permitido.

Não acredito!!!

O túnel de diversões havia ido pelos ares. Era o fim. Nada se salvara.

Nada?

O gatinho. O gatinho, que, para se livrar daquele in-ferno, entrara no freezer adentro e lá ficara até que tudo se acalmasse, até que se provasse que gato tem realmente sete vidas.

São e salvo, saiu de lá.

Gatinho! Vou aproveitar a tua ideia e colocar no free-zer as minhas lembranças também.

– Acho que no próximo ônibus ela virá com cer-teza – pensei enquanto levantava daquela ca-

deira de palhas, ao lado de muitas outras.

Não, não veio.

Sentada numa pequena sala daquela rodoviária, fi-quei esperando-a por muito tempo.

Cachorro número 1

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Escureceu. Pouco conhecia a cidade, comecei a me preocupar e a ficar com medo de me aventurar sozi-nha até a casa onde eu me hospedara. Nela já estava reservada sua cama ao lado da minha. Tudo já estava certo. Ela estava sendo esperada não só por mim, co-mo também pela pessoa que me indicara aquele lo-cal para ficarmos enquanto nos preparávamos para o Vestibular.

Oba! Mais um ônibus chegando, agora é da em-presa São Cristóvão. Terá ela vindo nesse? Fiquei es-perançosa.

Seu César, bonachão, rechonchudo e com todo o seu jeito de supercavalheiro, como de costume, aguar-dou que o ônibus estacionasse e, quando as portas se abriram, apressadamente chegou para dar boas-vindas a todos os passageiros.

Tímida e ressabiada, como uma moça recém-che-gada do interior, esperei ansiosa que, dentre aqueles passageiros, estivesse a tão esperada irmã.

E nada.

Lentamente a tarde findava e o sol escorregava – se por trás do montes.

– E agora? Que faço?

Poucas eram as pessoas, mas já me olhavam com curiosidade pelo tempo em que me dispunha a ficar naquela cadeira. Na verdade já estava me sentindo um

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pouco dona daquele cantinho e procurava me acomo-dar, ficando o mais inerte possível como se fosse um camaleão que se mistura ao ambiente para não ser no-tado.

– O próximo será da empresa Santo Anjo e só che-gará às nove horas! Falou alguém do guichê ao lado para um senhor que queria seguir viagem para o norte.

– Hoje não teremos mais ônibus para o sul – afir-mou para outro casal que se aproximara interessado em seguir para o sul.

Estranho. Numa capital e esta rodoviária tão sim-plória – pensei com meus botões.

Nesta época, com a saída dos trens do meio urba-no com a finalidade de diminuir os acidentes e com o avanço das novas construções, a antiga Estação Ferroviária passou a ser a nova Estação Rodoviária de Tubarão e a nossa capital não possuía senão algumas salas improvisadas do antigo Mercado Público com guichês locados por algumas empresas [autoviação]: São Cristóvão, Santo Anjo, Santo Amaro... por que se-rá que a maioria dessas empresas tem nome de santo?

Não. Não chegava. Não chegava. Não chegou.

Onze horas. Jamais ficara na rua até aquelas horas, principalmente sozinha e sem conhecer, ao certo, a ci-dade.

– Que faço agora? Tenho que ir, de nada adianta ficar aqui, pois fora informada de que só lá pelas seis

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horas da manhã é que chegaria, vindo do sul, o pró-ximo ônibus. Tenho que ir. O que pensará de mim aquela senhora que tão bem me acolheu? Acreditará em toda essa história?

Teria que ir. Muitos dos funcionários já haviam se despedido de um único que ficaria para atender passa-geiros que chegariam do norte. De qualquer maneira eu seria convidada a me retirar.

Saí, acabrunhada, ressabiada e triste porque minha irmã não viera.

Procurando o lado da rua em que pudesse menos ser vista, saí da Hercílio Luz, subi lentamente até che-gar ao Parque Dona Tilinha, hoje o dos Bombeiros.

– Será que estou no caminho certo? Coragem! Vais ter que atravessar esse parque abandonado e sem ilu-minação. E se encontrar algum malfeitor?!

Várias histórias, de fins tristes, povoavam a minha mente.

Quanto mais andava, mais conversava com meus pensamentos e mais medo tinha de que alguém os ou-visse.

E agora? Será que esse parque foi sempre tão gran-de assim? Andando, continuava a não ver nada, a não ser árvores que pareciam querer me abraçar. Meu pei-to arfava, e eu escutava perfeitamente tum.. tum... tum... descompassado do meu coração; mas não pa-

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rava. Algum galho que quebrasse parecer-me-ia estar próxima de um devorador. Apressada, ansiava logo avistar a Visconde de Ouro Preto.

– Deus meu!

Latidos de cães cada vez mais perto vinham em mi-nha direção. Fiquei paralisada. Chegou minha hora – pensei.

Auuuaauuu.. auu... au... Grrrrrr... hmmmm... hmmmm...

Fechei os olhos para não ser testemunha da minha Própria emolação. De súbito... silêncio.

Fui abrindo lentamente os meus olhos e vi que esta-va cercada por diversos cachorros. Acreditei serem uns 10. Diferentes. Uns enormes, com olhares que fulmina-vam na minha direção, outros médios tentavam chegar mais perto latindo e rosnando para me intimidar, assim mais outros e outros mais com latidos estridentes e que me rodeavam nervosamente, rosnando à medida que mais se aproximavam.

Pensei... [se é que naquela hora alguém tem con-dições de pensar]... faço de conta que sou conhecida deles e que não tenho medo algum. Tento caminhar com naturalidade, mas minhas pernas tremem. Segui meu caminho.

E qual não foi o meu espanto; acho que sentiram o meu abandono e resolveram me acompanhar. Isto

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mesmo, me acompanharam até terminar o parque, ou seja, aquele aglomerado de árvores. Uns até pararam de latir. Alguns na minha frente, outros no meio da rua, um que outro tão perto dos meus pés que chega-vam mesmo a atrapalhar meus passos. Seguiram-me.

Já na Praça Pereira Oliveira, encontrei algumas pes-soas que, apressadamente, caminhavam. Olhavam curiosas, ora para mim, ora para os cachorros, descon-fiadas e lá se iam sem entender nada. Não sabiam elas que nem eu estava entendendo coisa alguma, só sei que me sentia a pessoa mais protegida de todo o mundo.

Confesso que cheguei mesmo a me orgulhar quan-do, ao virar a esquina para entrar na Tenente Silveira, avistei dois rapazes que faziam o caminho inverso, nem precisei me preocupar porque meus amigos dispa-raram latindo, espantando-os para bem longe de mim. Voltaram e continuaram seu trabalho de sentinela.

E lá fomos nós. Tenente Silveira, Deodoro, parei. Toquei preocupada a campainha do apartamento. Já era muito tarde. Abriram. Olhei em minha volta. Que alívio! Eles estavam todos ali esperando que eu entras-se e ficasse segura. Uns sentados nas patas traseiras, outros me cheirando como quem diz:

– Agora somos amigos, nosso trabalho está concluído.

Olhares tristes de quem parte, mas todos com a cer-teza de terem praticado uma boa ação.

Entrei. Fechei a porta.

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Feriado de Páscoa. Desses feriados que se emendam, emendam...

Os dias estavam mornos. Poder-se-ia dizer até quen-tes demais para a estação. Verdadeiro convite para se abraçar uma praia.

Naquele ano a Páscoa caiu tarde, como se costuma di-zer, isto é, foi comemorada lá pelas tantas do mês de abril.

Tudo pronto. Turma organizada. Em três carros ru-mamos para a Praia do Campeche, a Praia do Pequeno Príncipe, assim conhecida, pois o autor Antoine de Saint-Exupéry, do livro de mesmo nome, aterrissara ali várias vezes com o seu pequeno avião-correio.

A caminho da praia, ainda na Avenida Jorge Lacerda, na Costeira do Pirajubaé, paramos numa peixaria.

– É necessário garantir o nosso “rango”, disse Cláudio, olhando de soslaio para os outros.

– Confia em mim, estou acompanhada de um ótimo pescador – falei.

A gargalhada foi uma só.

– Lá vem a história do bom pescador – disse Márcia.

Compramos: virotes, camarões, siris e até cocorocas.

– Vamos, não podemos perder muito tempo! Falou Eugênio.

Acredite se quiser

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Retornamos aos lugares e partimos rumo ao nosso destino.

– Olha lá o mar, como está lindo! – Falei.

– Em contrastes com o azul do céu, hoje ele parece mais verde – disse Eugênio.

– É mesmo! “Verdes mares bravios da minha ter-ra...”, como falou nosso escritor José de Alencar – retru-cou Marcus, com olhares de romance.

Num gramado montamos as barracas, umas ao lado das outras. A maior servia de sala de refeições e cozi-nha; as outras, separadas, eram os quartos. Leváramos tudo o que seria necessário para um bom acampamen-to: liquinho, utensílios de pescaria, velas, panelas, pra-tos, talheres, copos, roupas de cama, roupas pessoais, alimentos, carvão, pois ainda naquele dia faríamos um belo “surraxco”, como diz o manezinho.

– A pinga, onde está a pinga e o limão para aquela caipirinha? – perguntou Murilo.

– Está tudo lá na barraca “mãe” – falou Luiza refe-rindo-se à barraca maior, aquela que servia de cozinha e sala de jantar.

E a festa começou. A caipirinha estava maravilhosa. O churrasco, uma delícia. Dançamos e cantamos. E fo-mos noite afora. E o violão e a cantoria não cessavam. E a festa continuava.

A lua cheia, típica desta época, estava linda, acima

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daquela Ilha do Campeche. O mar rugia. As ondas pare-ciam querer chegar até as barracas, mas se esguelhavam espalhando-se e sumindo na areia como quem não qui-sesse perturbar tanta alegria.

Passaram-se os dias. Quinta-feira Santa, Sábado de Aleluia, e a comida já estava rareando. Onde estáva-mos era longe de qualquer supermercado ou venda de alimentos.

– Hoje não temos carnes nem peixes para o almoço – disse Karina.

– Ó, pessoal! Esqueceram-se de que o Eugênio já foi pescar? Tenho certeza de que trará o suficiente para to-dos nós! Falei toda convencida.

Ouviu-se um coro só de gargalhadas.

Só poderia ser a Vera, pois acredita em tudo o que o Eugênio fala – diz Jorge sorvendo o final de uma caipirinha.

– Acredito, sim. E acredito tanto que irei agora mes-mo até lá para ajudá-lo a trazer os peixes.

E fui direto para a praia, levando comigo toda a cer-teza de que o que falara tornar-se-ia realidade.

A areia estava escaldante. As ondas iam e vinham com grande ruído e força como para me dizer que eu tinha razão.

Eugênio, de costas, não percebeu a minha chegada.

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Concentrado na pescaria, só tinha olhos para aquela li-nha que, partindo de suas mãos, entrava mar adentro e sumia.

De repente um puxão forte, mais um, outro e outro mais.

Peguei, peguei!!! Gritava eufórico Eugênio. E pelo puxão é grande!

– Viva! Viva! Eu tinha certeza, eu tinha certeza – gri-tei, enquanto pulava em seu pescoço, beijando o meu herói.

Eugênio começou a enrolar a linha numa velocidade vertiginosa.

Mas o que estava do outro lado relutava com muita bravura, tamanha era a dança da linha e o esforço que Eugênio fazia para não perder a presa.

Vi uma verdadeira luta se travar naquela praia. E eu, curiosa, não tirava os olhos da água para ver o que real-mente fazia toda aquela dança. O que estaria tão firme e com tanta valentia e disposto a não largar? O que Eugênio havia pescado?

– Olha!!! Veja só! Olha um “baita” linguado! – disse Eugênio.

O peixe se contorcia na areia, pulava tanto que tive a impressão de que tentava voar, mas Eugênio o venceu no cansaço.

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Chegamos próximos às barracas fazendo um verda-deiro escarcéu.

– Eu não falei?! Eu não disse que iria buscar o almo-ço? Pronto, está aí! E toda convencida da minha premo-nição, ajudava Eugênio a levar as coisas.

A turma ficou estupefata. Se não estivéssemos tão longe de supermercados e vendas e se o peixe não esti-vesse ainda rebolando, diriam que o teríamos compra-do.

Paulo, “o Tomé”, com suas mãos enormes, fez ques-tão de medi-lo.

É... da cabeça ao rabo são quatro palmos do meu.

Acredite se quiser.

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Léa Palmira e Silva

Sabemos que, para estas Bodas de Prata serem festejadas, precisamos

de união e muito empenho.

Sei que esta festa vai ser muito aconchegante, virão associados das mais diversas regiões do estado, e que bom que venham!

Numa grande confraternização nos uniremos dentro dos nossos objetivos e reveremos uns aos outros. Pensar que às vezes passamos 30 anos com um co-lega de serviço, depois aposentamos e nunca mais fazemos contato um com o outro. Aquela amizade sempre fica-rá, pois foi ao lado daquele colega que trocamos muita energia. Tenho sauda-des das minhas colegas de serviço.

Nestas Bodas de Prata estaremos unidos também para pedir mais clare-za em nossas reivindicações, para que elas possam ser atendidas pelos nossos representantes legais do Sindprevs. E que todos os associados da ativa, apo-sentados e pensionistas possam usu-fruir desta festa de direitos.

Bodas de Prata do Sindprevs

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Assim estaremos juntos nestas Bodas de Prata para cada vez mais fortalecer esta Entidade que é de classe e que presta tão relevante serviço à população, aos tra-balhadores em geral, estimulando a capacitação, abor-dando todos os preconceitos, ajudando a construir uma nova democracia de paz, estimulando o aprendizado escolar com dignidade, na saúde, no social e na política. Enfim, por todos nós...

Quero parabenizar a todos os diretores de base que, durantes estes 25 anos, passaram e deixaram o seu lega-do de bem o mesmo desejo aos que ainda se encontram em seu posto.

Aos diretores executivos que, ao longo destes 25 anos, souberam também levar o nosso Sindprevs à fren-te, o meu parabéns. Sei que é bastante conflitante levar um ideal que é o da maioria, que são nossas reivindica-ções e lutas por melhorias. Mas, com garra e organiza-ção sindical bem composta, ele nos representará bem em todas as situações.

Ao longo destes 25 anos, avançamos muito, nós co-mo aposentados já obtivemos alguns benefícios através das lutas sindicais. Mas ainda o Sindprevs tem muito a conquistar.

Desejo que o Sindprevs viva por mais e mais 25 anos para que nos represente bem em todos os anseios dos filiados.

O meu presente é o meu agradecimento aos mem-bros da Diretoria Executiva Estadual e a todos os que,

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de uma maneira ou de outra, souberam muito bem ele-var o nome desta Instituição, sei que a luta é grande, mas não devemos perder a esperança jamais.

Vamos todos à festa de Bodas de Prata, confiantes de que Deus estará sempre ao lado dos que se propõem a um bem melhor.

Feliz “Bodas de Prata”,

“Sindprevs”!

Foi em quatro de agosto de 1971... que iniciei minha caminhada pelo serviço público federal, por meio de

um concurso. Muito caminhei, muito estudei, até chegar ao cargo... O meu órgão de acolhimento foi o Inamps.

Com meus sapatos brancos, andei pelo laboratório como auxiliar de enfermagem, coletando sangue e de-mais materiais, na Rua Sete de Setembro, em Floripa. Ali fui muito bem recebida e tive um ótimo aprendizado.

Logo em 1972 pedi minha transferência para Joinville, onde fui trabalhar no posto do Inamps. Meus sapatos brancos me levaram a muitos lugares, na Rua Nove de Março, onde funcionava a Superintendência do INSS.

Por onde meus sapatos andaram

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Tive muito aprendizado com o povo de Joinville: os colegas e os segurados.

Depois meus sapatos brancos me levaram até o pos-to do Inamps na Rua Itajaí, ainda como auxiliar de en-fermagem, a luta era grande, muito serviço e poucos funcionários, mas fazíamos o possível e o impossível pa-ra dar o melhor dos atendimentos aos senhores e às se-nhoras segurados que ali iam buscar atendimento, tanto para eles como para seus filhos.

Com meus sapatos brancos andei muito, dentro do Inamps, subi e desci muitas escadas, acompanhei muitos segurados, mas também obtive muito aprendizado, dos quais eu agradeço.

Foi lá que experimentei lutar por reivindicações jus-tas de trabalho e de remuneração adequada e pela nos-sa data-base em janeiro.

Lembro-me das represálias sofridas pelas chefias! Nossos representantes eram de Florianópolis, pois, na-quela ocasião, nós tínhamos apenas a Associação, a cate-goria começou a se organizar e passou a ser o Sindprevs.

Nas lutas de greve pelas quais passamos, nós, fun-cionários, baixávamos as portas do posto e ficávamos pelo lado de fora, informávamos aos segurados através de cartas, a pressão era grande, mas não havia conflitos.

Oh! Que saudades da minha Patronal, que era a nos-sa assistência, éramos poucos funcionários, então era adequada a nós, servidores.

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Com os meus sapatos brancos andei muito, lutei por mim junto com os meus colegas, tenho certeza de que meus sapatos me conduziram por lugares longos e tor-tuosos, mas com muita firmeza na busca e pela luta.

Hoje, aos meus 66 anos, se tenho uma aposentado-ria, foi porque lutei no momento certo da minha vida.

Logo depois, o Inamps foi extinto... Veio o SUS e deixei de calçar os meus sapatos brancos, o que me dei-xou com muita saudade, pois fiz uma prova de acesso para agente administrativo, mas só mudou a cor dos sapatos, porque as lutas continuaram.

Meus sapatos me levaram ao Posto de Benefícios do INSS, na Rua Nove de Março.

O que eu digo aos funcionários novos que ainda es-tão na luta é que não deixem de calçar seus próprios sapatos de abrir caminhos: que não deixem de lutar por seus sonhos e seus direitos de servidores públicos. Lembrando que servir ao público, com dignidade, é nosso dever, mas também do governo, que nos deve condições para que possamos atender o público da me-lhor maneira, nos capacitando para o melhor.

Quero agradecer aos colegas que naquela época se engajaram dentro das lutas por melhoria de serviço, de mais dignidade, agradeço aos segurados que respei-taram nossas lutas. E também ao nosso Sindicato, que sempre esteve nos orientando e protegendo.

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