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Coordenação Editorial

Nelyse Apparecida Melro Salze-das, Maria Antonia Benutti, Ri-cardo Nicola, Maria do Carmo Jampaulo Plácido Palhaci, Milton Koji Nakata, Dorival Rossi, Luiz Antonio Vasques Hellmeister

Coordenação Técnico-CientíficaProjeto Gráfico-Editorial

Núcleo de Pesquisa emMultimeios Mídia Press

Editor Assistente/ImagemMurilo Barbosa Passani

Conselho Consultivo (Arte & Tecnologia)

Diana Domingues Universidade de Brasília (UnB)

Nelly de Camargo Universidade de São Paulo (USP)

Derrick de Kerckhove Universidade de Toronto (UofT),Canadá

Massimo di FeliceUniversidade de São Paulo (USP)

João Carlos CorreiaUniversidade da Beira do Interior, Portugal

Pedro OrtuñoUniversidade de Múrcia, Múrcia, Espanha

SALZEDAS, Nelyse & NICOLA, Ricardo(orgs). Série Poéticas Visuais: Arte & Tecnologia. Bauru, Faac/Unesp, 2012.Capa: Ricardo Nicola & M. Carmo J.Palhaci ISBN: 978-85-99679-42-5

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA“JULIO DE MESQUITA FILHO”

Dana LeeRyerson University, Canadá

Kalina Kukielko RogozinskaAcademia de Artes e Ciências de Varsóvia, Varsóvia, Polônia

George Michael KlimisPanteion University, Grécia

Francisco Cabezuelo LorenzoUniversidade de San Pablo/Universitat Abat Oliba CEU, Espanha

Jutta TreviranusOntario College of Art and Design(OCAD), Toronto, Canadá

ReitorJulio Cezar Durigan Vice-ReitorMarilza Vieira Cunha Rudge

Pró-reitor de Pós-Graduação Eduardo Kokubun

DiretorNilson GuirardelloFaculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação

câmpus Bauru(SP)

Comitê Editorial

Editores Científicos e Organizadores:

Ricardo Nicola & Nelyse Apparecida Melro Salzedas

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Reprodução apenas para fins acadêmicos

Uma das Pinturas Excepcionais Feitas em Disquete do artista Nick Gentry

Nick Gentry é um artista que além de pintar devia ter uma penca de disquetes velhos em casa. E ele pensou “Por que não transformar isso em arte?”. Bem, sei lá se foi isso o que ele pensou, mas o resul-

tado é espetacular. *

*Fonte : blog “Byte que eu gosto”, 2010 - Agência Skills

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Storytelling midiado e a escola: a narrativa pragmática da vidaAdenil Alfeu Domingos (In Memorian)

CiberArtes: Características, Anseios e Inferências ComunicacionaisRicardo Nicola, Maria do Carmo J.P.Palhaci & Rosa Maria Araújo Simões

Cadeira de Vicent com seu Cachimbo & Hp Invent Sônia de Brito

A Indústria Cultural e a Arte de construir Heróis no mundo do entretenimentoMaria Angélica Seabra Rodrigues Martins & Aline Dória de Alcântara Camargo

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Sumário

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Jornalismo digital infantil: uma experiência editorial e estética.Rafaela Bolsarin

Recriando Arte: Versões de Noite Estrelada no Ciberespaço.Cíntia Nani Araújo Cruz

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Encontre estes e vários outros artigos em nossas edições on-line.

Visite o site:www.poeticasvisuais.com

Artigos PublicAdos em PV

Vol. 4 - n. 1 - 2013

PensAr A Arte Pós-modernA: um suciento recorte dA contemPorAneidAde

“VírusmutAnte” nA PAisAgem de bAuru

Arte e morte: “PAssAgem PArA A VidA”, e muito mAis...

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Volume 3Arte & Tecnologia

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PrefácioEste terceiro volume da Série Poéticas Visuais, Arte & Tecno-

logia, traz alguns temas interessantes e convergentes, provando que os processos tecnológicos estão cada vez mais reconstruindo as interfaces entre as relações da significação e dos significantes.

Não seria de se estranhar o ressurgimento dos multimeios como alternativa para compreender este fenômeno.

A propósito, trazemos neste volume algumas pesquisas diferen-ciadas no campo do audiovisual bem como no trato das questões cibernética, da segunda tela, como já é bem conhecida nas redes sociais.

Para o trato das variáveis do mundo on-line, nosso saudoso co-lega Adenil Alfeu Domingos havia preparado um artigo inédito sobre o “Storytelling midiado e a Escola”, e aproveitamos para publicar não apenas como justa homenagem mas também pela qualidade de sempre de seus trabalhos em vida. Adenil deixou saudades...

A colega Sônia de Brito apresenta sua “Cadeira de Vicente com o seu Cachimbo e Hp Invent”, onde realiza uma análise no míni-mo instigante sobre as relações da imagem plástica usada como suporte da publicidade, veiculando, assim, o reforço da marca. Cíntia Cruz apresenta uma análise das versões de “Noite Estrela-da” na relação com o ciberespaço e as artes.

Aproveito, também, com algumas colegas da Unesp-Bauru - Rosa Simões e Maria do Carmo J. P. Palhaci - para tratar do remapeamento das CiberArtes na América Latina, temática atual que contextualiza a produção cibersocial. Ainda dentro do univer-so dos multimeios.

O volume encerra com a pesquisadora Maria Angélica Seabra Rodrigues Martins, expondo os diversos desdobramentos de suas pesquisas e de sua ex-orientanda de Iniciação Científica, Aline Dória de Alcântara Camargo, sobre a concepção da construção do herói nas mídias de entrenetimento, dos multimeios a favor da diversão e da arte.

Tenha uma boa leitura.

Prof. Dr. Ricardo NicolaLíder do Grupo de Pesquisa do CNPq

em Multimeios Mídia Press

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Arte & TecnologiaVolume 3

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Storytelling midiado e a escola: a narrativa pragmática da vida

Adenil Alfeu Domingos (Unesp-Bauru) In Memorian

Foi professor do curso de graduação em Jornalismo e de pós-graduação em Comunicação no Departamento de Comunicação Social, da Universidade Estadual Paulista, câmpus de

Bauru (SP) na disciplina de Semiótica da Comunicação no período de 1995 a 2012.

Introdução

Só consegue a atenção do outro quem tiver a melhor história para contar. O professor, em sala de aula, está disputando a atenção do aluno, principal-mente com eventos da mídia, que hoje programam nossa vida diária. Christian Salmon1 (2007) demonstrou que o storytelling era uma máquina de fabricar histórias, a fim de formatar espíritos. Não é por caso, portanto, que está ha-vendo um boom de narrativas de vida, principalmente na mídia, onde tudo se torna produto à venda. Descobriu-se que a narrativa revela o mais íntimo das problemáticas humanas, até mesmo os instintos primordiais, de um modo quase subliminar. O professor deve ser o primeiro a acreditar que as narrativas que faz têm a intenção de persuadir e não só de passar conhecimentos e que servirão de passaporte para que um aluno adentre a sociedade, como cidadão capaz de entrar no jogo social, na disputa de espaço e construa a própria histó-ria. Vivemos a era da Economia da Atenção2 já que até esse objeto – a atenção - passou a ser uma mercadoria à venda na era do consumismo.

Os heróis lendários, míticos e místicos das epopéias clássicas, com capaci-dades extraordinárias e caracteres de deuses, com o advento das novas tecnolo-gias, que democratizaram o contador de histórias, cederam espaço ao herói do cotidiano, de uma wikiciberepopeia3. A idéia de epopeia é retomada aqui, não mais como as narrativas de façanhas de heróis memoráveis, lendários e que re-presentavam uma coletividade, mas sim, os heróis das novas tribos que se cru-zam na Internet. Metaforicamente, estamos dentro de um big–brothers: somos vigiados por aparelhos durante quase todas as horas do dia; a vida de todos está no grande palco do cotidiano; onde se vestem máscaras sociais. McLuhan (1969) profetiza essa era ao dizer que público assumiu um novo papel, devido à própria simultaneidade da informação e da programação eletrônica, já não existem propriamente espectadores e todo mundo faz parte do elenco.

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“O público hoje assumiu um novo papel. Devido à própria simultaneidade da informação e da programação eletrônica, já não existem propriamente espec-tadores. Todo mundo faz parte do elenco.” (McLuhan)4.

“É também a era de interatividade cultural e do reaproveitamento de sig-nos, formando a chamada Cultura da Convergência, segundo Henry Jenkins (2008). Nela, até as crianças já se servem de linguagens híbridas (verbal ou não) para recontar vidas, suportes móveis ou fixos, mas de modo pragmático. Eles manipulam vídeos, Ipod, celulares, Internet, com eficácia, antes mesmo dos professores os usarem. Aparece, então, a cultura do fã, usuário de narrativas que apreende e transforma conteúdos, dando-lhe novos significados.

Leitores de Harry Potter, por exemplo, escrevem histórias, tendo como protagonista esse herói ou a si mesmos, com os poderes que ele possui. Agir com seus trejeitos, usar indumentárias é modo do fã sentir-se o herói, na vida real. É ser prosumer ao mesmo tempo, produtor e consumidor das narrativas vigentes. Os executivos, por sua vez, têm interesses econômicos e se debatem no controle de franquias das histórias; até bonecos dos heróis, passa ser mais um produto à venda. O consumismo fez tudo virar mercadoria à venda, até as próprias narrativas de vida. A publicidade vende objetos fetiches que realizam os sonhos dos consumidores. O storytelling publicitário narra a disputa de ob-jetos entre pessoas, na luta pelo espaço de vida. Se o cavaleiro medieval vencia batalhas, com um cavalo possante, armadura, lança, escudo, o homem moder-no precisa de um carro possante, roupa de grife, cartão de crédito, celular etc. Assim, objetos similares são equivalentes em épocas diferentes nas narrativas. Cada nova narrativa, de acordo com o meio ideológico em que vige, muda apenas seu nível de superfície, de acordo com os diferentes interesses de vida de diferentes civilizações; o nível profundo, porém, continua sendo sempre a luta pela sobrevivência da própria espécie. Mais uma prova que o meio é a mensagem. Jenkins, (idem, 2008), mostra como fenômenos populares leva-ram, na atualidade, a narrativa a novos patamares. Elas atuam de modo muti e interdisciplinar. Matrix, por exemplo, criou um complexo universo que junta histórias em quadrinho, games, websites, animações entre outros além de fazer a convergência de diferentes culturas, como a filosofia-romana trazida para a moderna. Entende-se, hoje, que todo usuário pode se tornar também produtor de uma nova narrativa, mesmo quando se serve de narrativas já existentes para recontá-la por um novo ângulo. A facilidade de uso das novas ferramentas das tecnologias permite re + significar enredos. Hoje, esse ato dispensa o narrador profissional, já que o narrar democratizou-se, na web. Basta se debruçar sobre obras já consagradas, reformulá-las, acrescentando-lhes nuanças modernas e temos um novo produto à venda.

A Cultura da Convergência se dá não só produção midiática, mas em

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A Autoria Coletiva

É preciso acreditar no poder do storytelling, já que ele está mais vivo do que nun-ca. Acaba de ser lançado na Internet o Twitter Story (http://stories.twitter.com/), por exemplo. Nele, as pessoas podem narrar suas histórias relacionadas ao Twitter, ou seja, elas podem contar como se salvaram e mudaram suas vidas e negócios através de ações dessa plataforma na web. No blog oficial da empresa, a equipe diz que cada história serve para nos lembrar da humanidade por trás dos tuítes e com eles ajudar a tornar o mundo menor, ao unir pessoas e histórias. A convergência moderna, portanto, se dá quando a informação migra para múltiplos suportes, em múltiplas plataformas, em diferentes linguagens, híbridas ou não, verbal ou não verbal, fixas ou em movimento e são, desse modo, aprendidas e expandidas de forma até mesmo inesperada, em diferen-tes contextos, com novas/velhas histórias.

Um mesmo discurso pode atingir públicos diferentes em mídias múltiplas e o próprio receptor pode colocar algumas de suas opiniões sobre essa mesma informação e divulgá-la a grandes públicos como se fossem suas. Desse modo, para Jenkins “ao invés de falar de produtores e consumidores midiáticos em papéis separados, agora podemos vê-los como participantes que interagem uns com os outros de acordo com novas regras, que nenhum de nós entende por completo” ( JENKINS, 2008, pg. 28). Assim, a modernidade coloca em xeque a própria autoria da obra. Hoje, o autor espera mais o seu reconhecimento público com as visitas que o público fizer à sua obra em rede. É desse modo, que ele pode ganhar reconhecimento, patrocínio e fama. Aliás, as grandes marcas são os novos mecenas da atualidade. Como uma nova idéia não surge

todos os setores da vida moderna, pois a informação está no ar, disponível a todos. Essa cultura trata praticamente dos mesmos temas explorados pelo Outro, provocando uma espécie de inteligência coletiva. O prosumidor vai dei-xando de ser passivo para se tornar o agente de uma cultura complexa, cada vez mais coletiva e participativa, sempre de modo dialógico, com outras épocas e com outros narradores. Aparece aqui o chamado transtorytelling: uma mesma história que serve para diferentes usos, mas com intromissões co-autorais com imprevisíveis desfechos; ou ainda, diversas histórias que se tramam em uma única narrativa. Jenkins (idem, pg 27) entende que a Cultura de Convergência se dá tanto no fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, como na cooperação entre múltiplos mercados midiáticos, ou, ainda, no com-portamento migratório dos públicos dos meios de comunicação midiada, já que eles vão a qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam. Não se trata da simples convergência de diferentes ferramentas em um mesmo aparelho, como acontece com o celular que desempenha múltiplas funções ao se tornou câmera fotográfica, objeto de entretenimento, os vídeo game, calendário, relógio, agenda entre outras. Trata-se da convergência até mesmo das culturas.

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em ex-nihilo, pois não há signo que não venha de um signo anterior e se projete para o futuro, a idéia de autoria nascida na Idade Média, no presente instante, tornou-se questionável: uma espécie de novo mecenatismo, não mais como pessoa generosa, mas como uma empresa interessada em lucrar, de algum modo, como o sucesso desse artis-ta.. Nele, o capitalismo e o publico consumidor é quem determinam o que deve ou não estar sendo subvencionado, subvencionando, ou não, a obra e a sua autoria.

O storytelling também está em semiose. Ele é um signo e como todo signo é uma espécie de semente que gera novas plantas e estas não existem sem aquelas. Ou seja, o novo só pode ser gerado a partir de um signo anterior. Ele se assemelha a uma nova árvore, que sem ser a árvore geradora anterior, traz em si marcas da mesma. Como o novo signo, é um novo objeto, com algum detalhe que se diferencia do seu signo gerador, as novas narrativas não deixam de trazer em si marcas das narrativas que as precederam mesmo sendo diferente das demais por ser única, mas, do mesmo modo, projetam-se teleologicamente e vão gerar novas plantas no futuro.

Storytelling é linguagem com seqüencialidade, explícita ou a ser reconstruída na leitura, que obriga o homem a se organizar interiormente tanto para ler como para entender causas e efeitos. O homem se torna racional quando é obrigado a se organizar interiormente para narrar fatos O criador do protótipo do storytelling foi o homem, que também foi criado por ele, já que ambos são criadores e criaturas um do outro, ao mesmo tempo. O estudo dos signos (sinal ou signal, signo ou marca) é que permite até mesmo recompor a trajetória evolutiva do próprio homem e resgatar temas e, de certo modo, adaptá-las ao contexto atual. Qualquer storytelling é obra que está aber-ta a intromissões e modificações a cada nova leitura e jamais será algo apenas a ser copiado e reproduzido, como as escolas têm feito. O novo modo de narrar a vida na web é interativo e, por ele, a linearidade de comunicação entre emissor e receptor cede espaço à comunicação em 360 graus, nos nós da rede web com seus links hipertextuais, com signos intra e extratextuais, ou mesmo colaterais, quando então as experiências de vida de quem lê é acrescentado ao texto ora lido. É época de desfazer mitos como a do escritor como sujeito solitário e com dons especiais. Hoje, qualquer pessoa pode ser narrador de feitos reais ou ficcionais, em diferentes linguagens. O livro de nicho (poucas publicações) já é uma realidade, assim como o é o livro virtual. Desse modo, qualquer criança pode narrar-se na internet em vídeos ou em páginas de relaciona-mento, narrando suas vidas ou outras.

Uma criança, quando começa a aprender a narrar, já sabe empregar seu ponto de vista ao narrado, dando às suas narrativas marcas de suas interpretações, mas ainda de modo egocêntrico, emotivo, sensitivo. Não é ainda um processo de criação racional, lógico, de um sujeito que tem intenções e objetivos pragmáticos, mas sim, trata-se de momentos de simples fruição emotiva, catarse, feita de modo até lírico, sem preocupa-ção com a lógica de raciocínio nem com a coesão e coerência. É mais um vôo mágico da sua imaginação do que produção de texto argumentativo, opinativo ou persuasivo. Só depois ela começa a constatar a estrutura e os pormenores desse todo, como tem-po, espaço, personagens, foco narrativo, embora essa descoberta possa ser ajudada na

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aprendizagem da produção dos gêneros diferentes de narrativas, vigentes na sociedade e com funções especiais dentro das mesmas. Assim, a criança começa a descobrir as estruturas textuais: o que se repete e o novo de narrativa. Observa, então, que uma parte desse todo se diferencia de uma narrativa para outra e entende a idéia de autoria. Ela começa, então, a sentir, de modo mais racional, dona de suas idéias em contraste com as que não são suas.

A criança aprende a narrar primeiro por imitação do seu entorno, embora ela já observe seus ícones (semelhança entre representante e representado), mas estilizadas a seu modo. Por isso, por vezes, ela precisa dizer o que produziu. Só depois, ela começa seu processo de cognição e percebe relações indiciais entre os signos dos textos com os referentes existentes e seus textos, bem como as diferenças e semelhanças de um texto com os demais; em um terceiro momento seu cérebro consegue fazer abstrações, criando inferências e silogismos próprios. Sua aprendizagem do ato de narrar, portan-to, é paulatina, saindo da emoção até chegar ao uso de seus próprios símbolos, quando ela,então, passa a ser autora de modo racional. Nessa última fase, ela se torna ser social que age e percebe que não é mais um sujeito passivo e recebedor apenas de ideologias advindas das mensagens lidas.

Em termos de predominância generalizada, o primeiro instante, em fase ego-cêntrica, a criança e seu entorno estão em estado de mônada: o eu e o mundo estão amalgamados. Nesse instante, os estímulos exteriores agem mais sobre a criança, do que ela sobre esses estímulos. Não há espaços entre o sentir e o pensar sobre o que ela sente; já no segundo instante, há um equilíbrio, entre esses dois pólos: a criança já confronta seus conhecimentos com outros. Nesse instante, está se formando seu mundo cognitivo interior se no primeiro instante ela confunde signo e mundo real, agora ela começa a distingui-los, com a chegada da escrita na alfabetização, só depois, o seu mundo interior se torna agente diante do exterior e ela se entende um ser capaz criar narrativas próprias, com certas peculiaridades e se tornar “autor”, como ser social, até para ser objeto à venda. Primeiro, portanto, ela imita; depois re+conhece o mundo, inclusive a narrativa como objeto que reproduz seu entorno; só depois, ela cria, com consciência, outros mundos Todos esses passos devem ser respeitados pela escola. Essa evolução culmina no ato da escola lhe ensinar a ter voz própria e a produzir suas pró-prias histórias de vida. No primeiro instante, ela deve entrar em contato com todos os tipos possíveis de narrativas e entrar para quer seu mundo interior seja povoado de sons, ritmos e imagens. Como os textos poéticos - poemas, as parlendas, as músicas, as cantigas de roda, entre outros - são repletos de processos mnemônicos, em que os jogos sonoros são abundantes - assonâncias, aliterações, rimas, eles devem priorizados nessa primeira fase. No segundo, ela começa a distinguir referente e referido, até mesmo os sons e letras, de modo a não confundir um com o outro. É a fase em que predomina a alfabetização, o letramento e a lexicalização da criança. Só no terceiro instante, ela se torna usuária desse material para construir seus próprios textos. Servindo-me de Ezra Pound em seu ABC da Literatura (1986) a primeira fase da linguagem da criança é mais melopaica (predomínio da musicalidade), a segundo fanopaica (predomínio da

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imagem,) e a terceiro é logopaica (predomínio do raciocínio).

A conquista da atenção: a era tecnopaica

A partir das considerações anteriores, entende-se, aqui, que o professor não pode estar alheio ao universo narrativo construído nas novas tecnologias, pois seus alunos já adentraram esse universo e sabem usar o computador, o celular, a máquina fotográfica, o vídeo, entre outras tecnologias de registrar a vida, melhor que os professores. Ela já explora quase todas as potencialidades dos aparelhos a seu dispor, como se fosse o novo brinquedo da chamada geração Z. Parte deles já conhece todas as particularidades das ferramentas de comunicação da web 2.0, inclusive conseguem postar vídeos no You Tube. Entendamos essa fase em que os textos são narrados com o auxílio das tecno-logias modernas de tecnopaica, quando se chaga até a possibilidade de fazer textos cinéticos na web.

Se o professor não acreditar que é ele é também um vendedor de storytelling, ele perderá a atenção dos seus alunos, pois a mídia está tentando contar histórias da vida cotidiana, onde estão os interesses do homem moderno, enquanto as escolas se concentram em transmitir textos de outras eras, muitas vezes fora da pragmática da vida. Não que todos os tipos de textos não sejam necessários na aprendizagem, mas eles só serão realmente atrativos quando a escola tiver em mãos parte das aparelhagens capazes de produzir informações. A escola necessita de acompanhar a vida tecnoló-gica, procurando ter, pelo menos formas semelhante de aparelhos, além de servir da capacidade tecnológica das mídias em sala de aula. Cabe ao governo equipar as escolas para atuarem interativamente na comunicação em rede, comungando, então, a escola e a vida das novas tecnologias da atualidade. Ao professor cave perceber que a tv, por exemplo, produz textos com linguagens híbridas que deveriam ser objeto de análise em sala de aula, como textos da vida cotidiana, em tempo real, e não apenas os dos livros didáticos que estão eivados de textos inexpressivos em termos de interesse imediato para as crianças.

O professor deve entender que ele participa do atual comércio da atenção e que ele precisa também vender suas histórias aos alunos para que estes se sintam atraído pelas narrativas que estão em sua vivência cotidiana. A escola deve ser semelhante a uma empresa e ter certa ambição mercadológica na venda de seus produtos. É certo que ela trata da construção da educação de seres humanos em construção integral, com desejos e interesses próprios. A criança não se assemelha a objetos produzidos em séries, como se pensava há pouco, quando as escolas se assemelhavam a fábricas, com apitos, horários fixos, carga horária, produção imediata, como se ela fosse produtora de ferramenta para ser usada na indústria. A escola humanística precisa demonstrar às crianças que as narrativas que aprendem na escola não são apenas as melhores histórias para as suas vidas, já que conhecê-las é essencial na luta pela sobrevivência na socie-dade. Esse lado lógico do uso das narrativas na escola só será aceito pela criança como conseqüência da satisfação da sua parte emotiva e que tenha interesse na sua vida.

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Percebe-se como as crianças imitam com muita eficácia o que está na mídia. Mes-mo que a escola não tenha em mãos a tecnologia que a mídia possui, a criança pode sentir que ela também tem voz e vez, como se fosse um profissional ou sujeito que está na mídia. Ela pode fazer informações, buscando dados, pesquisando na Internet, produzindo programas imitando sujeitos da mídia, como os apresentadores de jornais televisados, por exemplo. Ou cantar e dançar como os artistas famosos, entre outros. São exercícios de língua oral, que a escola ainda não valoriza como devia. A maioria das crianças gosta de representar como sujeito da mídia, ou como os heróis meteóricos que a mídia cria a cada instante. A escola não deve ir contra essa corrente, pois hoje a mídia, quer queiram ou não, está determinando que narrativa o seu público deve seguir a cada dia.

A sala de aula é o lugar ideal para narrar histórias, quando não se tem sem a preocupação antiga de ensinar normas da gramática e verborréias antigas. Já é ponto pacífico entender que narrativas não devem ser pretextos para o ensino da linguagem padrão culta, pois é primordial que suas produções e recepções sejam seja feitas para que a criança primeiro satisfaça o prazer de narrar e ler, já que o uso distorcido desse princípio afasta a criança da leitura. O ato de ser um grande leitor é que cria o grande escritor quase como conseqüência natural. O storytelling oral ou escrito, com forma de linguagem culta ou não, em quaisquer forma de linguagem atua sobre o corpo como um todo sensível e nesse sentido ele dá prazer. O discurso interpretativo começa depois da decodificação do código, quando se fecha, praticamente o livro, e se rela-cionam as idéias apreendidas nele com as da vida do leitor, ou seja, onde estão todas as problemáticas do homem. As narrativas, como se viu antes, aqui, são os próprios homens dentro de um contexto social, onde os diferentes gêneros de texto - literário ou noticioso, científico ou sacro, com finalidades quer recreativa, quer informativa, ou, ainda, expressiva, encontram-se com uma funcionalidade prática. Os storytelling, por si mesmos, motivam seus ouvintes por apanhá-los em sua essência emotiva e essa é a chave que abre a sensibilidade da criança para entender a vida, em uma evolução que se inicia na história contada já no próprio DNA de cada família, com as heranças familiares recebidas. As histórias orais contadas pelos avós, por exemplo, são eficazes e inesquecíveis para o resto da vida das crianças apreciam reproduzir essas narrativas a outros em sala de aula.

Aliás, modernamente, até o marketing descobriu o valor das narrativas de vida. As grandes organizações investem pesado na divulgação dos seus storytelling porque se trata de uma publicidade indireta muito eficaz. Elas sabem que não só as empresas têm DNA, como também seus produtos. Tudo têm história própria história e jun-tas formam as histórias das diferentes marcas no seu desenvolvimento em busca de sucesso. Não são apenas os empresários, funcionários e consumidores de uma marca que possuem história de vida, pois até mesmo a cidade de onde vieram aparece como relacionada, com seus produtos naturais que alimentam essa mesma fábrica, onde so-brevivem as pessoas que as habitam, Enfim, toda empresa é uma história de uma grande família quase sem limites. Em torno da história de uma empresa giram os seus

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stakeholders, como sendo os sujeitos interessados no desenvolvimento da mesma e aqueles que são seus concorrentes que querem ultrapassá-la.

Se a era do consumismo também tem sua história, sendo criticado por desagregar o homem, que se torna um ser que se consome ao consumir; se esse homem já nasce dentro de instituições sociais com regras e normas de falar e viver, se a publicidade cria discursos e produtos discursados, em seu lado hiper-real.positivo; se a democracia dentro do capitalismo é uma ilusória liberdade de escolha, onde antes da escolha o sujeito que consome já foi escolhido pelas histórias de vida narradas ideologicamente para implantar idéias de modo fascista no sujeito consumidor; se a linguagem dessas histórias tem um lado fascista que impõem limites aos pensamentos e por isso mesmo tornou-se privilégio de uma classe social mais abastada; que tem tempo e meios para repensar e impor seus modos de vida; se o consumismo atual procura evitar demons-trar esquemas imprevisíveis de um futuro que seja alentador, devido ao medo do uso indiscriminado das forças da natureza; se o homem está privado de um sentido de con-tinuidade de vida sobre o planeta, mesmo que se faça uma tentativa de buscar novos planetas no universo, além deste, que sejam passíveis de serem habitados; cabe, então, à escola abrir possibilidades aos seus alunos de dar sentido e continuidade à vida huma-na, alertando às crianças das ideologias vigentes nos interstícios das narrativas, como storytelling persuasivos. É para sensibilizar uma relação mais humana com o Outro que o storytelling é imperioso na sala de aula. A chave dessa saída é permitir que o aluno se coloque como sujeito da sua própria narrativa de vida, onde ele se sinta seu próprio herói, equilibrado em suas verdades próprias e não um sujeito passivo diante das verdades impostas nele de fora para dentro, como se fossem verdadeiras religiões a serem seguidas, onde o medo do Outro fala mais alto.

Etimologia de Storytelling

A palavra storytelling (story contar +telling- narrar) tem em sua etimologia a ideia de narrar histórias de vida de modo oral a grandes públicos, sem a preocupação de uma linguagem feita de grandes arroubos literários, mas sim, como um meio pragmático de informar e persuadir. O homem que narrava seus feitos nas cavernas, possivelmente, assim procedia, ensinando aos seus pares a arte da caça, para sobreviver. A descoberta atual é que é mais importante que o factual, o fenômeno, ou seja, o “fato em si” é a construção discursiva que se faz dele, o seu relato, o que comunga com a idéia de McLuham, como vimos aqui, em que o meio é a mensagem, mas que não deixa de ser um meio de sobreviver.

O conceito de storytelling é visto como uma narrativa pragmática, já que o que se diz tem objetivo certo. Desse modo, ela mistura uma objetividade e uma idealidade produzida para impor verdades como se fossem absolutas, como nas parábolas religio-sas em que se acredita pela fé em um discurso autoritário, que independe de provas materiais. Cada novo storytelling tem o condão de nos fazer realizar como seres huma-

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nos que somos, dentro da linguagem e não mais da vida naturalmente vivida. Amamos as histórias, porque nos encantamos com o canto da sereia sem que percebamos que elas cantam aos nossos ouvidos a toda hora. Antes de nascer, as mães já vivem histó-rias que embalam os filhos ainda dentro do seu útero; depois a história nos embala e nos faz dormir e sonhar, cortando e substituindo o grito do bebê, ou seu choro, por palavras, rítmicas e sonoras que reproduzem os movimentos da vida. Nascemos por elas; as conquistas amorosas de nossos pais, quando se encontraram e se declararam amantes, transforma-se em histórias de vida; elas afirmam nosso humanismo cultural em relação ao natural, declarando que somos mais do que os outros; nelas confirma-mos nossos propósitos e por elas esclarecemos dúvidas e até mentimos; criamos a verdade e a ficcionalidade, a realidade que entendemos viver e a ilusão e a fantasia que nos faz realizar nossos sonhos; por meio delas nos conhecemos e nos expressamos, já que elas permitem que os outros também se revelem a nós. Elas nos realizam como heróis que somos de nossas próprias aventuras e desventuras; elas nos permitem con-quistar o outro e sermos, pelo outro, conquistados; elas nos permitem viver emoções e construir a utopia dos desejos realizados. Enfim, a narrativa é o homem; é o espelho que mostra todas as mil faces da humanidade em toda a sua diacronia e sincronia, até mesmo antes das pinturas das cavernas, quando o homem já simboliza sua passagem por algum lugar colocando uma pedra sobre um túmulo de alguém. A humanidade se desenvolveu porque fez da narrativa uma técnica de revelar e comunicar o próprio ho-mem, da antiguidade e que explodiu hoje no dinamismo das redes sociais inteirando o homem de modo dinâmico e fluido, quando, então, ele vive as narrativas que embalam toda a nossa experiência de vida; a narrativa pode entorpecer o homem-tanto quanto despertá-lo Modernamente, as redes sociais da Web 2.0, estão recobrando esse princí-pio e as narrativas de vida e explodem por todo o planeta.

É a chamada era cíbrida5 em que na função de narrar a vida na web, desfizeram-se os limites rígidos redes on e offline de comunicação passaram a interagir com a rede neuronal humana, que dá sentido às duas primeiras. A narrativa da era cíbrida em que homem e máquina se entre a vida real e o mundo virtual. Os storytelling modernos estão criando o homem da era tecnocêntrica.

Na internet, o homem narra a vida não para fazer uma revisão do que aconteceu, mas, sim, para fazer um registro do presente, em tempo real, enquanto a narrativa anterior falava do passado dos heróis do passado, a narrativa moderna trata da vida em seu próprio devir. Assim, o storytelling da vida dos homens da Internet irá para os arquivos, físicos e virtuais, contando a história de vida de todos os heróis em sua interatividade sincrônica como se ela fosse um todo . Assim sendo, a nova visão da nar-rativa precisa desfazer a ideia de que os seres vivos e as máquinas são essencialmente diferentes: a relação entre os organismos e as máquinas passou a ter uma dependência intrínseca, não só na narrativa, mas também na forma dos códigos que determinam o funcionamento de ambos.

Miguel Nicolelis é neurocientista que tenta integrar op cérebro humano às má-quinas. Ele é pioneiro no campo da neuroprótese no mundo e está provocando sérias

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controversas com os cientistas, depois de ter lançado seu livro “Muito além do nosso Eu” (2011). Nele, Nicolelis acentua que as tecnologias poderão criar uma indústria do cérebro. Assegura ele que o cérebro tem um ponto de vista, diferentemente das máqui-

Nicolélis assegura que um dia poderemos conversar com uma multidão de pes-soas fisicamente localizadas em qualquer parte do planeta, pela Brainet, ou seja, uma nova versão da Internet que dispensaria a necessidade de digitar ou pronunciar uma única palavra, sem nenhuma contração muscular envolvida, mas apenas por meio do pensamento. Essas colocações evidenciam que o homem está deixando a antropocen-tria para viver uma tecnocentria, ou mesmo, uma ciborguecentria, com o aparecimento da era do homem do chip.Os aparelhos das novas tecnologias- celular, computador – são extensões do cérebro do homem, assim como o mouser jé é extensão da sua mão. Fala-se que a perda de um notebook faria o sujeito perder parte de sua memória se nele armazenada.

Considerações Finais

Depois de todas essas considerações que procuraram demonstrar a importância da narrativa para o homem narrans, como ser cultural é preciso apenas considerar que Lévy-Strauss acentua que há elos perdidos na história do homem é que seria preciso recuperá-los. Como jamais saberemos quem foi o primeiro usuário de uma narrativa, podemos imaginar que ela apareça progressivamente na humanidade como uma téc-nica de sobrevivência, também entendemos que, antes mesmo do homem produzir textos verbais com sequencialidade e organização narrativa, ele já produzia narrativas gestuais por meio de mímicas, mas aquela facilitou a comunicação em geral..

Modernamente, vimos que todos os stakeholders envolvidos em uma empresa passaram a formar uma família sem limites próprios. Como as empresas precisam de homem cada vez mais esclarecidos, sentimos que o futuro da escola deve ser uma de interação com fábricas, capazes de financiarem projetos de desenvolvimento da região e das famílias. Se as narrativas servem como meio de sobrevivência, não os empresários dependem dos empregados como estes dependem daquele e sabem do poder de narrar. Pelo You TubeR conhecemos o projeto Animando Vidas que vamos comentar agora.

Certa empresa contratou uma psicóloga para resolver o problema de falta de uso de meios de prevenção contra acidentes na sua indústria. Ela resolveu então convidar os filhos dos operários para um curso de produção de narrativas nessa mesma fábrica.. Ela vislumbrara que os apelo dos filhos aos pais seriam muito mais forte do que se ela o fizesse pessoalmente. Junto com as crianças decidiram que iriam produzir um vídeo sobre o tema em questão. Montada a narrativa, em um dia solene, pais e filhos se reu-niram em uma sala de projeção e o sucesso foi imediato. A repercussão desse trabalho pode ser visto em um segundo vídeo desse mesmo projeto, em que os filhos passaram a cobrar de seus pais, até mesmo no uso do cinto de segurança quando os mesmos dirigem seus carros.

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nas de silício: o cérebro é um órgão ativo capaz de manipular a matéria prima que vem do mundo exterior e criar ativamente o mundo que percebemos, em vez de recebê-lo passivamente pelos sentidos. Assim, o cérebro estaria mais para simulador de realidade virtual do que para câmera digital. Atuando em interfaces, homem e computador, po-deriam não só atuar no controle de máquinas por ondas cerebrais, o que permitiria que deficientes pudessem andar, ao ouvirem e decifrarem complexas sinfonias neuronais, e males, como Parkinson e Alzheimer, poderiam, enfim, ser controlados.

Se o projeto “Animando Vidas” levou a escola para dentro da fábrica, a escola vai ter que aprender a ligar essas duas pontas também, ao produzir narrativas de inte-resse pragmático.É perceptível a diferença em se fazer narrativas como meros objetos de avaliação, na lousa e no caderno, ou narrativas que valham como reais práticas de vida. É certo que caderno, lápis, borracha não vão desaparecer de vez, mas que seus usos serão cada vez mais limitados na escola, com a chegada do pendrive, do Cd e outros meios de armazenamento de mensagens As narrativas, por sua vez, encontrou nas novas tecnologias facilidades não só de armazenamento, mas também, de leitura e produção e até mesmo armazenamento e veiculação na web. Só a escola ainda dá im-portância ao papel e os novos suportes só timidamente está adentrando a sala de aula.

É preciso acreditar que é possível ativar as regiões mais recônditas e primitivas do nosso cérebro, contando histórias de vida, com heróis, aventuras, tensão e um final feliz ou trágico. Elas atuam em todo sistema neuronal do corpo, até mesmo nas regiões reptilianas onde este homem é estimulado por sons e imagens. A história não é só o passado, porque ela projeta o futuro. O homem que não entende o seu passado e nem vê perspectivas futuras, não encontra sentido no presente. Possivelmente seja esse o re-trato do nosso jovem nas escolas atuais. Ele perdeu contacto com a sua própria história como homem no planeta. Ele perdeu o sentido dado à vida como uma problemática existencial, para ler as narrativas em sua superfície, mas as narrativas precisam sem encaradas como o registro profundo do próprio homem com todos os seus problemas e angústias. Essas revelações não estão mais nas histórias contadas em aula em que se detém na narrativa de superfície de um herói e suas façanhas. Isso deixa o storytelling sem verticalidade, ou seja, sem um mergulho mais profundo na vida do homem pois a escola tem dado privilégio à sua camada de superfície para aprendizagem de decifrar um código é, efetivamente. É preciso ir ao encontro do seu nível ideológico profundo, onde aparece o homem como criador e criatura das narrativas como arma e meio de sobrevivência..

Referências:

ADLER, R. P e FIRESTONE, M. A conquista da atenção: a publicidade e as novas formas de comunicação. Pgs, 55; São Paulo: Nobel, 2002

GERSCHENFELD A. Público, 7.09.2007, p. 24: o termo vem do inglês cybrid, de cytoplasmic e hybrid. In letratura.blogspot.com/2007/09/neologismocbrido. Html

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Notas de Rodapé1. SALMON, C. Storytelling: La machine à fabriquer des histories et à formatter les esprits. Paris:La Découvert,2007.2. ADLER, R. P e FIRESTONE, M. A conquista da atenção: a publicidade e as novas formas de comunicação. Pgs, 55; São Paulo: Nobel, 20023. Wiki tem idéia de rápido e o personagem atual, o homem moderno, é um herói olimpiano e passagei-ro, de uma história que flui na própria vida, com começo, meio e fim de episódios que podem aparecer nas mídias, já que o ato de narrar saiu das mãos dos profissionais da narrativa para dar voz a todos que queiram se autonarrar em qualquer mídia social na Internet, para contar algo que valha a pena ser contado. Não há quem não tenha uma história interessante em sua vida. Ciber vem de ciberespaço, ou espaço cíbrido, principalmente com a web 2.0, das mídias sociais. 4. MCLUHAN H. M. O profeta da comunicação http://www.nomomento.jor.br/novo/2011/04/02 cons. em 25/04/ 20125. Numa decisão histórica, as autoridades britânicas tornaram-se as primeiras no mundo a aprovar o princípio da criação de embriões híbridos para fins terapêuticos. Chamados “cíbridos”, estes embriões são um misto animal-humano, com 99,9 por cento de ADN humano e 0,1 por cento de ADN animal. São obtidos introduzindo o ADN humano em ovócitos de vacas ou coelhos previamente esvaziados do seu núcleo» («Aprovada criação de embriões híbridos animal-humano», AnaGerschenfeld, Público, 7.09.2007, p. 24). O termo vem do inglês cybrid, e é uma amálgama de cytoplasmic e hybrid. Por isso, a ideia de vivermsos em uma era de cibridismo.

JENKIS, H. Cultura da Convergência. São Paulo: Ed. Aleph. 2008.

LEVY-STRAUSS, C. Mito e Significado. Lisboa: edições 70, 1989

NICOLELIS, M. A. L. Muito além do nosso eu: a nova neurociências que une cérebro e máquinas e como ela pode mudar nossas vidas”.. São Paulo: Cia das letras, 2011

MCLUHAN, M e FIORI, Q. The Medium is the Message: An Inventory of Effects, Harmondsworh: Penguin. 1967

SALMON, C. Storytelling: La machine à fabriquer des histories et à formatter les esprits. Paris:La Découvert,2007.

Vídeos: “Segunda Chance” Projeto Animando Vidas: Curta metragem produzido pelo Projeto Animando Vidas. História criada por 35 crianças participantes do pro-jeto. Patrocínio: Tecumseh Realização: Oz Produtora Apoio: Berimbau Estúdio, Frux Design,.... 00:04:50 Adicionado em 22/02/2011 – ver http://youtu.be/mT_N6CDK-MaE Depoimentos sobre o projeto: http://youtu.be/CrFk_vhiADU

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Cadeira de Vicent com seu Cachimbo & HP Invent

Sônia de Brito Professora do Departamento de Comunicação Social da Unesp-Bauru.

Esta pesquisa tem por objetivo principal analisar a legibilidade e a visibi-lidade da Obra de Arte na mídia impressa. Pretende-se apresentar as relações da imagem plástica usada como suporte da publicidade, veiculando, assim, o reforço da marca. Somos consumidores de imagens e o uso do que é original constitui identidade e confiabilidade em relação à promessa de reprodução de cores semelhantes às cores vangoglianas.

Compõe o corpus desse estudo o artista Vincent van Gogh com o quadro Cadeira de Vincent com o Seu Cachimbo (1888) que virou quadro publici-tário da hp invent (Hewlett-Packard) publicado na Revista Veja (HEWL-ETT-PACKARD, 2004).

Em relação à fundamentação teórica, a linha de pesquisa está voltada para a Análise do Discurso da Linha Francesa que compreende: condições de produção, superfície discursiva, superfície profunda; o pressuposto e o suben-tendido; além de jogo de interlocução entre o legível e o visível; jogo de alteri-dade entre linguagens da comunicação e efeitos de sentido que elas provocam – perlocução.

Como o enfoque desse artigo está direcionado para Artes e Comunicação, surge assim a necessidade de buscar (e ampliar) o referencial teórico nos es-tudos das Teorias da Leitura e do visível. Para isso, pressupõe-se que Vincent Jouve (2002), Marin (2000), entre outros, irão contribuir com teorias, depoi-mentos, dicas, sugestões para as possibilidades de leitura. Tais contribuições serão pertinentes e estruturais para a decodificação das mensagens. Pressupõe-se ainda que estes teóricos sejam necessários nos diálogos entre a leitora e os tecidos discursivo e plástico e no desvendamento das marcas do legível e do visível para compor o registro textual.

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Vincent Van Gogh chegou como estrangeiro em Arles, na França. Espaço e pessoas eram desconhecidos. Para ocupar o tempo e a necessidade artística, pintou coisas como: cenas narrativas diurnas e noturnas, pessoas, estradas, seus sapatos, sua cadeira, o chapéu e o cachimbo, seu próprio quarto etc., como se quisesse penetrar e ser aceito no novo ambiente.

Segundo Metzger e Walther (1996), Vincent fez o reconhecimento do lu-gar através do registro plástico. Ele precisava de objetividade, da simplicidade de seus objetos pessoais, enquanto qualidades e condições necessárias para a sua saúde mental.

Lendo a obra plástica, lê-se o artista. Daí pressupõe-se que depois de ho-ras e horas de concentração, de abstração, ele precisava do concreto, mesmo que este estivesse representado na tela, como uma forma de garantir seu porto seguro consciente, real.

Vincent transpirava arte, até as cartas que ele escreveu aos amigos de ofí-cio como Paul Gauguin e principalmente ao Theodorus Van Gogh (Theo – seu irmão e amigo) são registros poéticos de contornos, movimentos, técnica, cores, sombras etc. de seus quadros. Ele observava, sonhava, escrevia o legível plástico. Theo era, muitas vezes, o primeiro espectador do legível e depois do visível. As descrições são registros primorosos de sua arte.

Em uma dessas cartas, Metzger e Walther, (1996, p. 140), Vincent conta ao irmão que queria que a casa que ele recebeu de herança (a casa amarela – imortalizada em quadro e aquarela) se transformasse em casa de artista, sem planejamento para as coisas, “mas tudo – desde as cadeiras aos quadros – de-verá ter personalidade”.

Aproveitando as ideias do amarelo e da personalidade impregnados na produção artística de Van Gogh, a empresa hp invent transformou inspiração em publicidade.

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Cadeira de Vincent com o Seu Cachimbo, Arles, Dezembro de 1888, Óleo sobre tela, 93 X 73,5 cm, Londres, National Gallery, (METZGER; WALTHER, 1996, p. 140).

Hewlett-Packard (2004)

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Começando a leitura do quadro publicitário pelo lado esquerdo, percebe-se que a imagem não é fiel ao quadro original. A assinatura Vincent (como de fato ele assinou quase todos os seus quadros), no original, aparece registrada em parte de um caixote, provavelmente com objetos pessoais dele.

A cadeira de palha simples está em primeiro plano e preenche o espaço desde a parte inferior até a parte superior do quadro. Porém, na atualização da obra de arte na página publicitária, o ladrilho contorna apenas a cadeira e está contornado por sinais de igualdade (=) e de adição (+). Mas, o olhar ainda mais atento consegue descobrir o resultado da junção desses sinais: diferente (=). Sobre o assento da cadeira, estão a bolsa de tabaco e o cachimbo do artista. Estes signos são indiciais de sua vida particular e de um dos seus vícios.

A ausência da moldura permite ao espectador ampliar seu campo de in-terpretação do legível e do visível, uma vez que os discursos permitem diálogo, pesquisa, intertextualidade e contêm informações sobre a obra, a técnica, o local onde o quadro original está e o que a hp está fazendo nesse contexto plástico.

O legível tem como título (escrito em vermelho, em box do lado direito, superior da contra capa) “As aventuras do amarelo”, cor tão presente e sig-nificativa nas obras de Van Gogh. A técnica: “o artista misturou suas tintas e chegou a um amarelo único: a cor do sol, da felicidade, da loucura”. Eis aí a singularidade do artista, a sua marca passa a ser a aventura da hp para acertar o tom do amarelo Van Gogh. Começa a partir daí a fusão do fazer artístico e do fazer restaurador: “E o tempo se encarregou de desbotar tudo isso. A National Gallery de Londres usa a tecnologia HP de imagens digitais e impressões de grande formato para examinar a tela e orientar o seu trabalho de conservação” (HEWLETT-PACKARD, 2004).

O pronome demonstrativo “Isso” refere-se ao uso da técnica da empresa hp para conservar a técnica do artista que o tempo desbotou: “Isso garante que o amarelo de Van Gogh continue vivo e cheio de significado. Seja qual for o significado para você”, pois para a empresa tudo é possível (HEWLETT-PACKARD, 2004).

Ao envolver o espectador, observa-se a sugestão implícita: caso você tenha dúvidas, ou se você é um apreciador de artes, crítico, professor, estudante, in-telectual... e quiser mais informações, significados, significantes, consulte o site da hp.

Os sinais de adição vêm de cima da cadeira até o ladrilho, parecem pontos de luz (maiores e menores), envolvendo a assinatura e a cadeira, como se fos-sem a própria moldura da obra de arte atualizada pela publicidade e veiculada

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na mídia impressa: Revista Veja, n°. 24, 16 de junho de 2004, no verso da con-tra capa, mas também podem representar a luz de boas ideias, como a da hp (HEWLETT-PACKARD, 2004).

O significado desse quadro para Van Gogh, de acordo com sua corre-spondência, é o registro de seus objetos de uso pessoal, símbolos da vida ín-tima, simples, que ele escolheu viver. Já o quadro publicitário pode representar ilustração, demonstração ou comprovação da atuação da empresa, que também faz arte, diferente da do Vincent e ainda se aventura na mistura do amarelo, de cores em geral, reproduz, conserva o tom da arte moderna, clássica, abstrata etc.

A empresa hp suscita ideias sobre a obra e o artista. Usa objetos e a cor que são o próprio artista. Contrasta a simplicidade da cadeira com a nobreza da cor (como o Vincent fez). Essa união facilita a memorização e o interesse do espectador pela leitura do legível e do visível e propaga seu lado empresarial, através do jogo entre o parecer e o ser: parece o quadro original, mas não é o quadro original. Pressupõe-se que o objetivo não é copiar o estilo ou o próprio quadro, mas aproveitar bens simbólicos para referenciar que a reprodução pode ficar no mesmo nível da marca e da identidade do artista.

O olhar caprichado esbarra no sinal (=): traço plástico – ou pincelada – es-tudado para marcar as diferenças entre os quadros, séculos, estilos, técnicas, in-terpretações. Por outro lado, ou olhar, tem-se signos que combinados formam o tecido plástico, ou melhor, a fórmula matemática: “national gallery, Londres + hp = tudo é possível”, colocada logo abaixo do legível, acima da cadeira, nas cores vermelha, cinza, azul e preta.

O jogo das cores esquenta e esfria o olhar contemplativo. Na diagramação da página, a leitura ótica da fórmula é imediata. Na cor vermelha, estão escritos o nome do museu e do espaço geográfico; o sinal de adição, apesar do formato grande, contrasta com a suavidade do cinza claro, com uma pontinha do traço horizontal colorido com um pouquinho de vermelho e azul. Azul também usado nas letras da logomarca hp. O resultado da fórmula está escrito na cor preta, como a logomarca impressa à direita, logo abaixo da fórmula. É possível fazer a leitura desta de forma decrescente e de forma crescente: da hp ao mu-seu, do museu à hp.

É possível também fazer a leitura visual, quase na horizontal, das assi-naturas, isto é, de Vincent e da logomarca que simboliza, em seu aspecto esté-tico, a assinatura da empresa. Vincent à esquerda e hp invent à direita: ambas intermediadas pela cadeira e suas personalidades, seus traços característicos misturando e inventando arte.

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Se a logomarca é um símbolo que identifica a empresa, a composição dos elementos legíveis e visíveis, combinados de forma poética e estética, demon-stra a proposta e o conteúdo da mensagem publicitária. Para isso, recursos, estratégias e técnicas são usados para traduzir ideias abstratas em mensagens plásticas a fim de vender serviços e produtos.

Assim, os núcleos temáticos – discursivo e pictórico – levam à persuasão, consequentemente, à perlocução.

Considerações

Ler um quadro. Eis a questão. Eu me inspirei em Marin (2000) que se inspirou em Poussin (1639). Mas antes da influência da leitura do quadro foi preciso recorrer aos teóricos da leitura para compreender, por associação semântica, a leitura do visível.

Assim, resumidamente, de Jouve (2002) veio à apropriação do sentido de que a leitura primeira ou inocente é superficial. Logo a releitura ateve-se a detalhes que precisaram da história para se solidificar: o amarelo Van Gogh é o sentido do sol, mas também foi inspirado e era a cor preferida de um dos maiores modelos para ele – Adolphe Monticelli (pintor francês de origem italiana), o pintor que pintou o Sul da França todo em amarelo, laranja e cores de enxofre (METZGER; WALTHER, 1996, p. 133).

Jouve (2002) influenciou na escolha do corpus ao afirmar que a leitura provem das emoções que ela provoca e ainda porque leitura é uma questão de identificação. Transferindo-se para o visível, a identificação simbólica aguçou o imaginário e facilitou a interpretação figurativa. Apreendeu-se que o texto per-mite várias leituras, mas não autoriza qualquer leitura (o visível também não).

A carta de Poussin (MARIN, 2000) foi o carro chefe para as análises do visível, pois ela demonstrou ser um esquema de leitura que organiza a produção de sentido tanto epistolar quanto pictórico.

O conceito de leitura e o depoimento dos teóricos escolhidos contribuíram para que fosse feita uma leitura atenta, à procura de elementos estruturais e característicos das tipologias: legível e visível; obra de arte e publicidade.

Foram encontrados elementos situacionais em trechos de cartas de Van Gogh que envolvem a produção artística do corpus tais como: objetos simples do cotidiano – cadeira, cachimbo, bolsa de tabaco, quarto, piso – que são repre-sentações figurativas do real, mas para ele, simbolizavam coisas personalizadas, legitimidade de sua existência real.

Segundo Metzger e Walther (1996, p. 95, 172) os objetos de Van Gogh

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são símbolos que não têm qualquer relevância universal. Mas para poder de-codificá-los, é preciso conhecer a vida do artista e o significado que ele lhes atribuiu. Ele registrava, através de pormenores meticulosos, uma afeição pelas coisas que lhe proporcionavam algum conforto, que prometiam felicidade e lhe traziam um novo otimismo.

Em relação à cadeira, de acordo com Walther (1990), ela foi pintada em contraponto à obra “A cadeira de Gauguin”. Através de sua cadeira Van Gogh tenta exprimir as diferenças de personalidade e sociais entre eles. Walther (1990) comenta que ao contrário da cadeira de Gauguin, a de Van Gogh é mais simples, sem braços, piso de lajotas, iluminação diurna. Assim, as cadeiras transitam entre antíteses e atualização.

No jogo dialógico, o olhar naïve leu apenas a superfície da tela, mas ler a história (o artista) e a obra significaram revelar a superfície profunda, os aspec-tos pictóricos, os implícitos que contribuíram para leitura além quadro: vida e obra, cartas, publicidade etc. Assim, referente físico e emoção envolveram meu olhar, a partir das condições de produção e dos elementos em si, que o artista privilegiou, advindos do próprio título ou dos nomes próprios.

Como foi possível constatar, o artista apresentou tema envolto em circun-stâncias, para em seguida demonstrá-lo na tela. Para isso, a técnica do primeiro plano, cores, formas, tamanho das telas, detalhes, perspectiva, foram estrate-gicamente pensados, a fim de que a ideia apresentada se aproximasse da ideia pretendida.

Ao fazer arte, o artista passa a ser o administrador do tecido visual, desde a escolha dos elementos, a organização, a composição pictórica, até a moldura que não é só ornamento, mas parte do todo. Daí o leitor privilegiado terá em suas mãos (ou em seu olhar) um material riquíssimo a ser explorado, ou mel-hor, desfiado.

Ainda foi possível constatar que a mídia impressa serviu de canal do con-teúdo entrelaçado em informação epistolar, plástica e publicitária. Esta acres-centou detalhes, técnicas para que o espectador possa decodificar semelhanças, ambiguidades, antíteses, metáforas, hipérboles etc., na tentativa de empatia e persuasão.

Para argumentar sobre seu ponto de vista, a publicidade entrelaçou ob-jetividade e subjetividade, o real e o ficcional, ou seja, obra de arte e produto/ serviço da empresa hp invent.

Na lógica do mercado, a cadeira do Vincent é o próprio teste de re-produção e conservação de cores produzidas pela hp, portanto ele é rentável.

Pensando nessas parcerias, o que diria Benjamin (1975) que criticou a re-

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produção da obra de arte, apesar dela ter sido sempre suscetível de reprodução, pois o que alguns homens faziam, outros reproduziam. A título de exercício, discípulos copiaram obras de arte de seus mestres, mas garantiram a eles a difusão do trabalho artístico. Benjamin criticou também a perda da aura, as condições de produção do momento da criação, do contexto histórico, pois re-produzindo, algo se perde do original como luz, cor, textura etc. Discute ainda a unicidade da obra de arte, o levar em conta o conjunto de relações dos estu-dos sobre artes e o valor que a obra de arte adquire em tempos de reprodução.

Acrescenta-se a isso tudo o valor de banalização da obra de arte como “auxiliadora” do marketing empresarial. Por outro lado, a mídia adquire o papel ou função de atualização: do mito, da arte, do artista, da metáfora etc. Atinge seu público alvo e faz com que este perceba os valores que quer agregar para suas marcas e/ou produtos/serviços. No quadro publicitário, a obra de arte tornou-se uma paralinguagem. A publicidade usou recursos pictóricos (função poética) para vender e propagar ideias e, ao mesmo tempo, criou novos senti-dos.

Deste estudo, foi possível concluir que a comunicação midiática enfatizou as imagens, uma vez que a sociedade parece fundamentar-se no espetáculo da visibilidade. Para isso, a mídia adaptou e capturou elementos, modelos, obje-tos etc. de acordo com as atuais exigências do mercado iconográfico. Nesse sentido, Joly (1996) diz que a leitura da imagem, enriquecida pelo esforço da análise, pode se tornar um momento privilegiado para o exercício de um es-pírito crítico que, consciente da história da representação visual na qual ela se inscreve, assim como de sua relatividade, poderá tirar a energia de uma inter-pretação criativa.

Ao buscar criatividade, é preciso entender que tanto a arte literária quanto a arte pictórica e publicitária permitem várias leituras, logo esse artigo também é uma “obra aberta” e permite outras descobertas e outras interpretações.

Desse modo, foi preciso juntar sentidos – os dos textos e os meus para desvendar marcas, seguir pistas (índices), juntá-los a partir da (re)leitura e, consequentemente, semear ideias e reflexões na (re)escritura.

Referências

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade téc-nica. In: Os Pensadores, XLVIII. São Paulo: Abril Cultural, 1975.DUCROT, Oswald. O dizer e o Dito. Tradução Eduardo Guimarães. São Paulo: Pontes, 1987.

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HEWLETT-PACKARD Development Company, L.P. Publicidade. Revista Veja, São Paulo, v. 37, n. 24, contra capa, 16 jun. 2004. Edição 1858. Semanal. GODOY, Luciana Bertini. Ceifar, semear: a correspondência de Van Gogh. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2002.JOLY, Martine. Introdução à análise da imagem. Tradução Marina Appenzel-ler. Campinas: Papirus, 1996. (Coleção Ofício de Arte e Forma).JOUVE, Vincent. A Leitura. Tradução Brigitte Hervor. São Paulo: Editora UNESP, 2002.KELLNER, Douglas. A Cultura da mídia – estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Tradução Ivone de Castilho Bene-detti. Bauru: EDUSC, 2001.MARIN, Louis. Sublime Poussin. Tradução Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Editora da USP, 2000. (Clássicos; 20).METZGER, Rainer; WALTHER, Ingo F. Van Gogh. Tradução Cristina Rodriguez e Artur Guerra. Lisboa: Taschen, 1996.PÊCHEUX, M. Analyse Automatique Du Discours. Paris: Dunod, 1969.SCHAPIRO, Meyer. Sobre um quadro de Van Gogh (1946). In: A Arte Mod-erna: Séculos XIX e XX: Ensaios Escolhidos. Tradução Luiz Roberto Mendes Gonçalves. São Paulo: Editora USP, 1996. (Coleção Clássicos; 3).WALTHER, Ingo F. Vincent Van Gogh. Lisboa: Taschen, 1990.

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Recriando Arte: versões de Noite Estrelada no

Ciberespaço

Cíntia Nani Araújo Cruz Bacharel em Comunicação Social da Universidade de Brasília, UnB.

Van Gogh de fases

Vincent Van Gogh (1853-1890) foi um pintor pós-impressionista1 de grande importância e influência na história da arte mundial, inspirando os mais conhecidos movimentos artísticos do século XIX. Das obras produzidas durante sua carreira artística, 860 pinturas e, aproximadamente, 1200 obras sobre papel foram preservadas. A maior coleção de pinturas do artista está localizada no Museu Van Gogh, inaugurado em 1973 em Amsterdam (Países Baixos).

Durante toda a vida Van Gogh teve uma relação estreita com o irmão Theodorus (Theo), com quem trocou cartas que, atualmente, são preservadas em museus, servindo como fontes importantes para o conhecimento sobre vida e obra do artista. De acordo com o tradutor brasileiro Pierre Ruprecht,

[...] de março a dezembro de 1888 − constrói uma obra artística prodigiosa, e um ver-dadeiro testamento literário: pois, mesmo sem escrever bem, Van Gogh impregna suas cartas de tamanho vigor e energia que elas terminam por tornar-se um documento tão admirável como os diários de Kafka ou Dostoievski (2001, p. 13).

A vida artística de Van Gogh pode ser dividida em períodos: 1) 1880-1885: o artista entra em contato com o universo artístico, inicialmente ao tra-balhar na maior galeria de arte da Europa da época, a Casa Goupil, e após ter aulas de pintura com Anton Mauve, em Haia. Em 1885, produz sua primeira obra-prima −“Os Comedores de Batata” (do holandês, Aardappeleters); 2) 1886-1888: em Paris, começa a trabalhar ao ar livre, torna-se amigo de artis-tas contemporâneos, como Paul Gauguin, Emile Bernard, Camille Pissarro e John Russell. Os elementos luz e cor tornam-se seu foco. Nesse período,

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pintou cerca de vinte autorretratos, fazendo experimentos com variações de cor e estilo; 3) 1888-1889: em Arles (França), funda a Casa Amarela, atelier compartilhado com Gauguin, e expande os temas e técnicas do seu trabalho pintando naturezas-mortas. Em um episódio psicótico, Van Gogh cortou um pedaço de sua orelha esquerda e foi internado no hospital de Arles. Ainda no mesmo ano, foi internado no asilo de Saint-Rémy; e 4) 1889-1890: em Saint-Remy (França), produz cerca de 150 pinturas que despertam diferentes sensações devido aos contrastes e o uso da cor. Após deixar o asilo, devido à grande angústia, Van Gogh dá um tiro no peito e morre após dois dias.

Estrelando noites

Noite Estrelada (do holandês, De Sterrennacht) é uma das obras mais conhecidas de Van Gogh, feita durante o período em Saint-Rémy (1889-1890). Diferente da maioria das obras do artista, essa não foi pintada ao ar livre, o que gerou críticas e análises diversas sobre a pintura. Para o historiador de arte John Rewald (1912-1994), Vincent “se afastou da observação direta da natureza [deixando sua imaginação inventar formas e cores para criar um cli-ma específico]” (1982, p. 274-275 apud FRAYZE-PEREIRA, 2005, p. 236).

Já uma interpretação oposta pode ser vista em estudo minucioso de Albert Boime (1933-2008), professor de História de Arte na Universidade da Cal-ifórnia, que pesquisou os conteúdos literários de Van Gogh com o objetivo de encontrar as fontes do pensamento do artista no contexto em que a obra foi feita. Boime verificou influência da astronomia e após reconstituição em labo-ratório do céu, de acordo com a data e o local em que Noite Estrelada foi feita, foi comprovada a representação realista da natureza. O psicanalista João Au-gusto Frayze-Pereira, ao discorrer sobre a obra “Noite Estrelada” como uma pintura/viagem estelar, concluiu que “o indivíduo poderia pensar sua própria vida desenvolvendo-se renovadamente através das grandes extensões do in-finito” (2005, p. 240).

A crescente popularidade de Noite Estrelada (Figura 1) se dá, também, devido a diversos aspectos que intrigam e geram diferentes sensações aos es-pectadores da obra. Em análise dos elementos visuais, nota-se que o céu es-trelado e a lua crescente brilhante, embora sejam evidenciados de forma exa-gerada, geram uma sensação de conforto e calma. As linhas curvas guiam o olhar de forma fluídica, traçando um caminho de leitura tranquilo. Por retratar uma pequena cidade no meio da noite, com tons escuros, a imaginação em relação ao desconhecido é estimulada. A torre da igreja que marca o centro da

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cidade possui tamanho desproporcional aos demais edifícios, que se encon-tram em escala menor. Essa torre acaba com o senso de estabilidade, criando uma sensação de isolamento e fazendo o espectador se sentir pequeno e irrele-vante frente a esse cenário. Esse sentido é enfatizado ainda mais pela estrutura maciça de tom escuro no lado esquerdo da pintura. No entanto, a sensação não é negativa, de humilhação, e sim de observação da grandiosidade do universo. As linhas curvas espelham o céu e trazem a sensação de profundidade e movi-mento na pintura.

Figura 1- Noite Estrelada (1889). Vincent Van Gogh. Óleo sobre tela (73x 92 cm). Museum of Modern Art, New York.

A presença das onze estrelas na pintura pode ser justificada pelo período em que Van Gogh dedicou-se à evangelização dos pobres. Uma passagem da Bíblia ilustra um cenário semelhante ao pintado por Vincent: “E teve José outro sonho, e o contou a seus irmãos, e disse: Eis que tive ainda outro sonho; e eis que o sol, e a lua, e onze estrelas se inclinavam a mim.” (Gênesis 37:9)2.

No entanto, os únicos registros que de fato expressam a opinião do artista em relação à Noite Estrelada são os encontrados brevemente em cartas que Vincent escreveu para seu irmão Theo.

Os pintores, para falar só deles, estando mortos e enterrados, falam à geração

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seguinte ou a várias gerações seguintes por suas obras. Isto é tudo, ou há ainda algo mais? Na vida de um pintor, talvez a morte não seja o mais difícil. Eu confesso não saber nada a respeito, mas a visão das estrelas sempre me faz sonhar, tão simples-mente quanto me fazem sonhar os pontos negros representando cidades e aldeias num mapa geográfico. E eu me pergunto por que os pontos luminosos do firmamento nos seriam menos acessíveis que os pontos negros do mapa da França? Se tomarmos o trem para ir a Tarascon ou a Rouen, tomamos a morte para ir a uma estrela. O que certamente é verdadeiro neste raciocínio é que estando na vida nós não podemos ir a uma estrela, assim como estando mortos não podemos tomar o trem. Enfim, não me parece impossível que a cólera, as pedras, a tísica, o câncer, sejam meios de locomoção celeste, assim como os barcos a vapor, os ônibus e a estrada de ferro são meios terres-tres. (Carta 596)

Em resposta, Theo afirma:

Acabo de ler o Ano Terrível de Victor Hugo. Nele há esperança, mas esta esper-ança está nas estrelas. Acho isto verdadeiro e bem dito e belo, aliás, acredito nisto de bom grado. Mas não esqueçamos que a Terra é um planeta [...] um globo celeste. E se todas essas outras estrelas fosses iguais! Não seria muito divertido, enfim tudo estaria por recomeçar. Ora, para a arte, precisamos de tempo, não seria nada mau viver mais de uma vida. E não deixa de ter seus encantos acreditar nos gregos, nos velhos mestres holandeses e japoneses continuando sua escola em outros globos (Carta 511)

Apesar de a citação ter como tema principal uma reflexão sobre as estrelas, não é feita uma relação direta com a obra e, portanto, não é possível afirmar quais eram as reais intenções do autor ao produzi-la. Van Gogh expressa que as estrelas o fazem sonhar, pois acredita que a locomoção às estrelas, após a morte, provavelmente é tão acessível quanto locomover-se a outro país, durante a vida. Em outras palavras, Theo cita as estrelas como fonte de esperança e, em complemento, diz que há a possibilidade de que, após a morte, tenhamos que recomeçar uma nova vida. Dessa forma, a afirmação de Boime é fortalecida, pois Vincent certamente expôs na pintura em questão seus questionamentos relacionados à vida e às extensões do universo.

Compreendendo estrelas, ampliando mundos

Por falar em “extensões do universo”, nada melhor do que o momento

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tecnológico no qual vivemos. Momento no qual os meios de comunicação são extensões do homem e consequentemente, das artes humanas. Arte e tecno-logia em hibridismo para, ao mesmo tempo, compreender estrelas e ampliar a vastidão do conhecimento, tanto em mundos estrelados pintados por Van Gogh, quanto em mundos invisíveis criados no ciberespaço. “O mundo visível já não é mais uma realidade e o mundo invisível já não é mais um sonho” (YEATS apud MCLUHAN, 2005, p. 53).

O conhecimento expandido ilimitadamente aos dispositivos tecnológi-cos é um fato cultural pós-moderno irreversível, que resulta no acesso e in-teratividade globais. A tecnologia, que antes era considerada uma extensão do indivíduo, agora é a própria virtualização do homem. Em outras palavras, no ciberespaço3 os limites entre o humano e o não-humano são indiscerníveis, ger-ando uma reinterpretação do que é o real. Essa extensão da noção de realidade pode ser vista como uma humanização das tecnologias e, consequentemente, resulta no surgimento de novas formas de relações entre tecnologias e o corpo, a imaginação, o tempo e a sociedade. “Assiste-se assim à criação de uma cultura telemática multidirecional, de conectividade global de pessoas e lugares cuja forma mais conhecida se encontra na Internet, [...].”(SANTAELLA, 1997, p. 42).

Recentemente é possível identificar a utilização de dispositivos digitais como base para produções artísticas. Assim, o computador e outros meios eletrônicos já são vistos como dispositivos artísticos, perdendo a função exclu-sivamente de uma ferramenta. Uma das grandes vantagens possibilitadas por essas tecnologias é a interatividade, ponto muito explorado na relação com a arte. Segundo Ana Claudia Oliveira, “[...]as manifestações artísticas, por na-tureza, têm um teor transformador das coisas existentes” (1997, p. 217). Em outras palavras, entre os diversos papéis das produções artísticas está a con-stante busca por inovação, tornando-se objeto essencial da construção cultural de uma sociedade e provocador primordial de tendências globais. McLuhan propõe que a arte tem o poder de antecipar o futuro social e os desenvolvimen-tos tecnológicos. Sabendo que as tecnologias representam uma considerável parcela do cotidiano contemporâneo, infere-se que, cada vez mais, é impossível desassociar o caráter revolucionário da arte e o contínuo aperfeiçoamento dos meios tecnológicos.

A dependência imediata entre o aperfeiçoamento do ciberespaço e o de-senvolvimento planetário, e a confluência indissociável das realidades física e virtual, conduz o homem a uma nova forma de pensar e criar. Pierre Lévy discorre que, com a revolução contemporânea das comunicações, “o trabalho

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humano tende a deslocar-se cada vez mais para o ‘inautomatizável’, ou seja, a criatividade, a iniciativa, a coordenação e a relação” (2003, p. 186).

Recriações de Noite Estrelada no ciberespaço

Pela grande popularidade e misticismo da obra, Noite Estrelada tem sido usada em várias plataformas tecnológicas na atualidade. É tema de poesias, músicas, recriações artísticas e jogos interativos. Além do objetivo artístico, a recriação da obra associada aos dispositivos tecnológicos também possui fins de entretenimento. Dentre o vasto número de recriações, foram selecionadas duas para exemplificar a situação mencionada, as quais serão brevemente ana-lisadas.

O artista grego Petros Vrellis recriou Noite Estrelada para que ficasse em constante movimento, podendo ser alterada com o toque do espectador. Para produção, Petros utilizou a multiplataforma openFrameworks, direcio-nada especificamente para artistas, designers e programadores. Tal ferramenta é focada em criações audiovisuais, fornecendo uma interface simples e padro-nizada para manipular vários tipos de mídia. São aproximadamente oitenta mil partículas que se movem constantemente de forma fluída. A API (Applocation Programming Interface) utilizada é a OpenGL (Open Graphics Library), que reúne funções específicas disponibilizadas para a criação e desenvolvimento de aplicativos em determinadas linguagens de programação.

Em entrevista4, Vrellis (Figura 2) escreveu brevemente sobre o processo de criação usando tecnologia e Noite Estrelada. Sobre o motivo da escolha da obra de Van Gogh, Vrellis responde que todo conceito surgiu repentinamente, em setembro de 2011. Seria feita uma recriação de Noite Estrelada de forma animada e interativa. Segundo o artista grego, não foi feita nenhuma pesquisa anterior e nem foi cogitada a escolha de outras pinturas. Quanto ao contato com a plataforma tecnológica utilizada, Petros diz que nos últimos anos estava trabalhando com instalações interativas e que já havia feito algumas experiên-cias de simulação, mas nunca havia usado em algum trabalho próprio.

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Figura 2− Animação interativa Starry Night. Petro Vrellis. Fonte: http://www.updateordie.com/?s=van+gogh+interativo

Durante o processo, o artista pontuou que se surpreendeu ao descobrir que os fluxos da pintura são consistentes e que não há conflitos nas direções das pinceladas. Dentre as muitas dificuldades, Petros afirma que demorou mais de seis meses para terminá-lo. Não foi apenas uma tarefa de programação, mas também um processo de calibração em que havia a preocupação de obter o re-sultado mais similar possível ao da obra Van Goghiana. No entanto, o processo careceu de muita paciência, fazendo Petros chegar muito perto de desistir.

O criador da versão animada de Noite Estrelada declarou que, em relação às sensações esperadas a partir da interação, geralmente a experiência do re-ceptor não está ligada às mesmas intenções de Van Gogh. No caso da versão interativa, inicialmente queria apenas visualizar o fluxo que existe na obra orig-inal, pois a sensação de movimento sempre foi algo intrigante. A interação foi adicionada para aumentar o sentimento de vivacidade e dinamicidade. Petros afirmou que o fator decisivo para a grande notoriedade de sua criação, em vários países, foi o potencial das “novas mídias”. Petros diz que recebeu muitos feedbacks positivos, com diversas declarações de pessoas que ficaram profun-damente comovidas. No entanto, pontua que todo seu sentimento em relação trabalho reside, de fato, na pintura original.

A principal repercussão relatada foi o reconhecimento atual da ani-mação como um exemplo de arte bem sucedida das “novas mídias”. O vídeo

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de demonstração do processo de interação tornou-se viral, com mais de dois milhões de visualizações em poucos meses. Petros acredita que a arte e a tec-nologia sempre estiveram conectadas e, à medida que a tecnologia evolui, novas formas de expressão, que antes eram impensáveis, tornam-se possíveis. Para Petros, sempre que trabalhar com mídia virtual, irá procurar se focar em um conteúdo relevante. Caso contrário, pela grande rotatividade nesse meio, o trabalho acaba deteriorando-se muito rápido no tempo. Algo que Walter Benjamin já afirmava em suas “Teses de Filosofia da História”, na qual “cada imagem do passado que não é reconhecida pelo presente como uma de suas próprias referências ameaça desaparecer irremediavelmente” (1939 apud OL-IVEIRA, 1997 p. 216).

Dessa forma, infere-se que nessa recriação de Noite Estrelada, o que mais se destaca na convergência entre a arte e a tecnologia é a relação sensorial entre o homem em interface com o computador. A interatividade, ou seja, a fusão do sujeito com a obra, possibilita o uso de alguns sentidos que destacam a ideia de inseparabilidade das realidades off-line e virtual. Nesse caso, devido à utili-zação do tato, da audição e da visão, o ser humano ao entrar em contato com a obra, passa de observador a imerso, fazendo parte indispensável da produção/criação.

Em outra versão atual da Noite Estrelada, feita por Alex Harrison Parker, a obra de Van Gogh foi recriada com fotos tiradas do espaço (Figura 3). Hoje, Parker é um pesquisador de pós-doutorado no Centro Harvard-Smithsonian de Astrofísica, em Cambridge. Seus temas de pesquisa giram em torno da formação e evolução de sistemas planetários.

Para produção de sua versão de Noite Estrelada, Parker utilizou um soft-

ware de mosaicos e selecionou cem fotos capturadas pelo Telescópio Hubble durante os últimos vinte anos. Segundo entrevista realizada pelo Discovery News, Alex teve essa ideia no vigésimo segundo aniversário do Telescópio Hubble.

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Figura 3− Noite Estrelada recriada com imagens do Telescópio Espacial HubbleFonte:http://www.neatorama.com/2012/09/27/Van-Goghs-iStarry-Nighti-

Recreated-with-Images-from-the-Hubble-Space-Telescope/

Novamente, percebe-se o uso dos dispositivos tecnológicos no setor cria-tivo, utilizando-se como referência uma obra-prima extremamente conhecida e respeitada que, de forma inovadora, foi recriada. Conclui-se, portanto, que uma vasta opção de novas formas de arte é cada vez mais frequente no ciber-espaço, tornando-se tendência a constante atualização de ferramentas e inter-ações entre o ser humano e as novas tecnologias.

Que arte é esta da cibercultura? A arte na ponta dos dedos e a arte que circula em satélites que conversam no céu. Esta é arte do século XXI! O artista deixa de ser autor solitário (como Van Gogh) para estreitar laços com cientistas e técnicos em informática (como Vrellis e Parker). “As interfaces possibilitam a circulação das informações que podem ser trocadas, negociadas, fazendo que a arte deixe de ser um produto de mera expressão do artista para se constituir num evento comunicacional” (DOMINGUES, 1997, p. 20).

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Referências

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THOMSON, Belinda. Movimentos da Arte Moderna: Pós-impressionismo. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2001.

SALZEDAS, Nelyse Apparecida Melro (Org). Uma Leitura Do Ver: do vi-sível ao legível. São Paulo: Arte & Ciência Villipress, 2001. SANTAELLA, Lúcia. O homem e as máquinas. In: DOMINGUES, Diana (Org.). A Arte no Século XXI: a humanização das tecnologias. São Paulo: Editora UNESP, 1997.

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VAN GOGH, Vincent. Cartas a Theo – Antologia. Tradução de Pierre Ru-precht. Porto Alegre: L&PM, 1999. Sites visistados:

Museus:http://www.vangoghmuseum.nl/http://www.moma.org/explore/multimedia/audios/51/1004

Versões da pintura Noite estrelada: http://www.updateordie.com/?s=van+gogh+interativohttp://www.brainstorm9.com.br/31923/fotografia/a-noite-estrelada-e-recria-da-com-imagens-feitas-pelo-telescopio-hubble/

Cartas:http://www.vangoghletters.org/vg/

Notas de Rodapé1.O termo pós-impressionismo surgiu em 1910, quando Roger Fry, curador especializado na compra de arte renascentista do Metropolitan Museum de Nova York, nos Estados Unidos, reuniu sem aviso prévio uma seleção impressionante de arte francesa. Segundo Fry, o termo des-igna a geração de artistas que enfatizaram e exploraram conscientemente os elementos formais próprios da pintura (os elementos decorativos da cor, linha e composição) como recursos para veicular ou expressar emoções. São artistas pós-impressionistas: Gauguin, Cezànne, Van Gogh, Toulouse Lautrec e Seurat. Atualmente, o termo designa a expressão artística subsequente ao movimento Impressionista. (THOMSON, 2001, p.6).2. Bíblia Cristã, Velho Testamento.3. Em conceito de Piérre Levy, define-se o ciberespaço como o meio de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores. (LÉVY, 2003, p.49).4. Entrevista exclusiva com Cíntia Nani, realizada virtualmente no dia onze de julho de 2013.

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CiberArtes: características, anseios e inferências

comunicacionais“The mind has been privileged over the body…” Anna Munster em Materializing new media –

embodiment in informationaesthetics.

Introdução

O objetivo central da pesquisa “Remapeamento das CiberArtes como novas estruturas das comunicações on-line - crise das fronteiras entre arte e comunicação”- tem sido o de identificar as características híbridas do papel das artes na constituição do conteúdo das comunicações em rede. Logo, este capítulo tem como objetivos específicos apresentar as necessidades de rema-peamento tanto conceitual e descritivo dos processos multimidiáticos das ciberartes na América Latina. Assim sendo, estamos, todavia, envolvidos na produção de sofisticadas ferramentas de multimídia on-line e a comunicação digital, onde o usuário participa da vida digital, por meio de diferentes com-portamentos (Nicola, 2007; Shirky, 2012; Tancer, 2010) - o que vem desve-lando suas projeções “fantásticas” nessas atuações quer subjetivas, quer afetivas ou não, o que torna difícil identificar onde a realidade começa e termina dentro do reino da simulação digital latino-americana.

2. Contextualização

Em 2010, o projeto de pesquisa Remapeamento das CiberArtes como novas estruturas das comunicações on-line - crise das fronteiras entre arte e

Ricardo Nicola*, Maria do Carmo J.P.Palhaci** & Rosa Simões****Professor Doutor do Departamento de Comunicação Social; **Professora Douto-ra do Departamento de Artes e Representação Gráfica; e ***Professora Doutora do

Departamento de Artes e Representação Gráfica. Todos pertencentes à Unesp-Bauru(SP).

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Ricardo Nicola*, Maria do Carmo J.P.Palhaci** & Rosa Simões****Professor Doutor do Departamento de Comunicação Social; **Professora Douto-ra do Departamento de Artes e Representação Gráfica; e ***Professora Doutora do

Departamento de Artes e Representação Gráfica. Todos pertencentes à Unesp-Bauru(SP).

comunicação” surgiu. Desde então, temos efetuado um remapeamento de pes-quisas da literatura (livros) e referências on-line (sites) sobre o conceito de “ciberarte”, “multimídia” e “WebArt”. Tudo, por assim dizer, vem acontecendo numa dinâmica de trabalho que envolve a prospecção de produções artísticas on-line feita por estudantes (graduação e especialização - pós-graduação / lato sensu), e professores cujas preocupações estão, todavia, focadas nos objetos e sujeitos das artes e das comunicações. Tais preocupações têm demonstrado o quanto de afetividade e subjetividade estão contidas nessas atuações dentro campo da cibercultura, o que este trabalho pretende elucidar.

Para tanto, tem se pretendido nesta pesquisa, já em andamento, com-preender como a arte hibridiza com as atividades dos profissionais da área de comunicação (jornalistas, relações públicas, designers entre outros) e como es-sas atividades estão introduzindo uma nova forma de produzir arte bem como vem auxiliando no repensar a comunicação digital: seus paradigmas, seus per-cursos e seu hábitat transformador.

Com base em autores contemporâneos de academia, como teóricos pro-eminentes (Kerckhove, 2011; Domingues, 2009; Sogabe, 2010, etc), bem como profissionais renomados do mercado de mídia on-line (Shirky, 2012; Tancer, 2010, Johnson, 2011), os estudos no universo comunicacional das artes estão sendo enfatizados nesta pesquisa de campo cibernético.

Hoje em dia, não seria novidade alguma dizer que a mídia on-line mul-timidiática vem exercendo um forte poder de influência na tomada das nossas decisões; e mais, essas decisões estão alterando a forma como nos relacionamos com os outros e conosco mesmos, tanto quanto com os objetos que nos ro-deiam (Turkle, 2011).

Diante disso, faz-se importante destacar o conceito central de “multimí-dia”, como “uma verdadeira injeção tecnológica nos produtos e processos da arte a transformá-los em transmídias ( Jenkins, 2010; Kerkchove, 2011). Além dessa concepção, a caracterização preliminar de “ciberarte” pode ser denom-ada como “uma manifestação de uma parte do Art Software com software de gravação especulativo, em uma forte componente maneira interativa que promove uma arte estética e engenharia (Domingues, 2010; Sogabe, 2010)”.

Tais conceitos basilares têm ajudado em muito à compreensão de um fenômeno mais descritivo e qualitativo dos fenômenos comunicacionais da rede, tanto quanto a multimídia (off-line) e suas relações no ciberespaço, vindo a culminar na concepção do movimento “Webartiano”, ou seja, as estratégias de representação/apresentação de produções artísticas on-line muito bem elaboradas pelo movimento transmídiatico, e disponível no espaço do não-

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lugar (Marc Augé, 1998) na plataforma world wide web.Através de grupos de estudo, pesquisadores, workshop com base em vários

livros recentes sobre a cibercultura - previamente selecionados - vieram à tona as discussões em torno da vida digital e que puderam demarcar três grandes territórios pósmodernos dentro da rede: a “mediesfera” (sites institucionais), a “blogosfera”(sites colaborativos) e a “podosfera” (dispositivos móveis, celulares, tabletes, etc.).

Nesta fase da pesquisa, elaborou-se um plano de ação com base na tríade que trabalha as formas de investigação segundo o tratamento de conteúdo no ciberespaço; também vale destacar as contribuições de pesquisadores de outras instituições além da América Latina, como Estados Unidos, Canadá e Europa - que tem vindo a determinar URL´s (endereços eletrônicos) mais compro-metidos com o foco central desta pesquisa.

Alguns sites apontados, na seqüência abaixo, pela pesquisa têm nos aju-dado a construir um portal com webarts mais envolvidas na manutenção da cidadania cibernética para a região. Acredita-se que através destes produtos transmidiáticos, vamos identificar as relações no ciberespaço como uma fer-ramenta importante para a democracia cibernética.

Logo, a ciberarte é uma ferramenta indispensável para auxiliar a pro-moção da info-inclusão dentro da América Latina, a fim de solidificar a ci-dadania cibernética. Como a exemplo de projeto para a inclusão digital por webart logo abaixo:

Figura 1 - Faculdade de Educação da UnB, 2013 (http :/ /www.proejatransiarte.ifg.edu.br /foto)

Acesso em 28 de janeiro de 2014.

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2. Mediesfera/Blogosfera/Podosfera e o comportamento dos ciber-artista/cibercidadão: comunicação digital na América Latina

O ciberespaço como sabemos tem se transformado muito e prosseguirá sempre neste processo evolutivo. Cada vez mais estamos envolvidos em seus discursos. Tem sido difícil “escapar” de suas redes sociais e todo o tipo de con-teúdo, como estamos vivenciando nas manifestações de rua por todo o Brasil, e inclusive na América Latina.

Assim, como foi mencionado acima, em relação à identificação dos ter-ritórios dos conteúdos da Internet, intitulados de mediesfera, blogosfera e podosfera, os mesmos surgem como divisões importantes na produção artís-tica e também tem servido como substrato para a pesquisa que nos guiou na concepção e criação de diferentes produtos on-line como a Revista Poéticas Visuais – Portal das Poéticas Visuais (www.poeticasvisuais.com), o jornal on-line universitário UniversiTag (universitag.wordpress.com), entre muitos out-ros. Como exemplos de produções nos respectivos territórios, este trabalho irá apresentar três sites ícones localizados em cada mapeamento territorial. Para blogosfera, podemos citar como exemplos apresentados abaixo:

Figura 2 - Exemplo de ciberarte Portal na blogosfera (América Latina)[Disponível em http://colmeia106fic.blogspot.com.br/

Acessada em 28 de janeiro de 2014

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Figura 3 - Exemplo de site que procura promover a cibercidadania (UnivesiTag) [mundo acadêmico, Brasil] através da arte digital.

[Disponível em http://www.universitag.wordpress.com. Acessada em 28 de janeiro de 2014.

3. Delimitação de Campos de Pesquisa/Viabilidade

O projeto tem sido desenvolvido no campus das IES: Universidade de Toronto, no Programa McLuhan em Cultura e Tecnologia, e a Universidade Estadual Paulista (Unesp-Bauru, SP), envolvendo graduados em Comuni-cação Social e Artes, e de Pós-Graduação em Poéticas Visuais, e outros cursos relacionados, tais como Comunicação e TV Digital.

Pretende-se também legitimar um estudo da presença de webartes no ciberespaço, o local onde a pesquisa será redirecionado bem como citar produções off-line no campus (multimídia).

A pesquisa tem se mostrado consistente e viável, dada a necessidade que vem prevalecendo na decodificação e organização das matrizes digitais como elementos que fazem parte de produções artísticas através da comunicação. Afora esta questão tecno-científica, o papel que tais matrizes têm desempen-hado na construção da cibercidadania e no fortalecimento das relações dos cidadãos cibernéticos vem se manifestando cada vez mais inegáveis. Almeja-se que aportemos num terreno fértil para solidificar a cidadania, e também a cidadania cibernética, que poderão ser localizado nessa tríade até agora desta-cada. A exemplo desta empreitada, como mencionado na Figura 1, tem sido o projeto “Inclusão Digital e Ciberarte: O caso do Projeto Proeja Transiarte

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Tube”, da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília, UnB, que vem trabalhando há algum tempo a inclusão digital por meio de matrizes digitais de artes e comunicação. Configurou-se até o momento um Cronograma de Execução da Pesquisa, que parte de um remapeamento de pesquisas da litera-tura, e webgrafia tanto quanto a construção de um portal para as artes digitais.

Este tem sido até o momento as etapas por nós seguidas para a implemen-tação que do processo de remapeamento do ciberespaço:

1ª. Etapa - Remapeamento do território conteudístico do ciberespaço;- Configuração de como leitor cibernético atua e de como se constitui a ciberarte, em

termos de comportamento on-line, subjetividades, afetividades;- Desenvolvimento e produção de regras para cibercidadão;

- Relatórios do Projeto;- Grupos de estudos e pesquisas aplicadas na web, bem como obras de arte (es-

tudante de graduação, pós-graduação e artistas cibernéticos), na América Latina;- Início da construção do Portal;

2ª. Etapa - Consolidação - (Re) definição de um conceito de ciberarte;- Por meio de estudos teóricos levantados na etapa anterior, pretende-se realizar o

estado dos objetos de arte no redesenho do mapa digital da América Latina;- Estudo e aplicação do potencial técnico do Museu Virtual do material na web:

3a. Etapa - Implementação de Poéticas Visuais Revista no www.poeticasvi-suais.com e de outros projetos on-line.

Gráfico 1 – Cronograma de Atividades

4. Considerações parciais

Diante disso, esta pesquisa pretende fornecer uma nova ferramenta para a edição da arte e sua disseminação, num exercício cada vez mais em prol da cibercidadania ativa latino-americana, fomentando uma pesquisa de trabalho de prospecção e construção editorial. Na sequência, a demarcação da tríade territorial conteudística na constituição dos diferentes projetos editoriais na web visa a estimular as novas gerações de artistas no tocante à compreensão não só o papel que a comunicação digital tem exercido na divulgação da arte, mas também na compreensão do seu fenômeno de hibridação. Diálogo este, entre arte e comunicação, que vem reduzindo de forma progressiva suas fron-

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teiras.CiberArte, multimídia, transmídia etc. são termos que buscam demar-

car váriascaracterísticas no desenho do processo comunicacional e de criação artística na vida digital; contudo, eles não esgotam o manancial de informações convergentes disponíveis na concepção dos territórios já citados que elevam à condição de ciência a arte e a comunicação híbridas. Essa é a razão por que o surgimento dos meios de comunicação tecnológicos tem vindo a alavancar a emergência do que caracteriza a cibercultura em momentos tão afetivos e subjetivos. Como Marshall McLuhan mesmo dizia sobre o entorno da vida digital, na célebre frase “vestiremos a Terra como a nossa própria pele”.

Referências

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Jornalismo Digital Infantil: uma experiência editorial e estética no

campo das artes digitais

“Ciberespaço - território das artes on-line e do não-lugar” Marc Augé

Introdução

Jornalismo digital infantil é uma nova área do jornalismo especializado. As crianças têm necessidades diferentes e, por isso, é preciso que os produtos para o público-alvo sejam desenvolvidos com base do estudo de redação e es-tética para crianças e para plataforma digital, tendo como meta a articulação das necessidades do público infantil com as potencialidades da web. O objetivo deste artigo é reunir as principais características do jornalismo digital infantil.

2. Mídia on-line e Arte

Grande parte dos veículos de comunicação já vê no público infantil uma demanda de mercado e conteúdo. Jornais como Folha de São Paulo e O Es-tado de São Paulo, portais como Universo Online (UOL) e IG, além de emis-soras de televisão, desenvolvem suplementos, páginas e programas específicos para crianças. Paradoxalmente, porém, há pouca ou nenhuma discussão entre os profissionais e empresas de comunicação a respeito de estética, linguagem e conteúdo adequados para este público.

Estudo da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), em parceria com o Ministério da Educação e apoio do Instituto Ayrton Senna e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef ), analisou suplementos infantis de jornais impressos em todo o Brasil e as conclusões da pesquisa foram alarmantes. Talvez a mais preocupante, mas não surpreendente, seja a

Rafaela BolsarinJornalista pela Unesp-Bauru(SP), atua na área do Jornalismo Digital Especializado

exclusivamente no mundo on-line.

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Rafaela BolsarinJornalista pela Unesp-Bauru(SP), atua na área do Jornalismo Digital Especializado

exclusivamente no mundo on-line.

de que as produções infantis atuam para as empresas como “meros apêndices do departamento comercial” (ANDI, 2002, p. 26), ou seja, o compromisso do produto é exclusivamente com o lucro.

Mesmo nas empresas jornalísticas onde não há interferência publicitária, os problemas persistem, começando pela definição do público-alvo. É sabido que a infância é um período de formação na vida do ser humano. Nesta for-mação, há o desenvolvimento cognitivo, intelectual, físico, perceptual, lingüís-tico, social e de personalidade (BEE, 2003). Em determinadas faixas de idade, a diferença de um ano entre duas crianças pode representar grande variação no desenvolvimento social e cognitivo, por exemplo, o que pede diferenças na produção jornalística infantil, tanto no conteúdo quanto na linguagem e no planejamento gráfico.

Pensando especificamente no ambiente virtual, as crianças que nasceram após a chamada Geração Y, ou Geração Internet, têm um contato mais natural com as ferramentas da web. Assim, a produção de um site que atenda a este público é uma realização oportuna e viável, porque atende uma demanda já existente e carente de material específico. Como veremos melhor adiante, as novas gerações são mais críticas e exigentes. Assim, a produção planejada de mídia infantil antecipa uma realidade que já começou a se concretizar com determinados produtos, na qual as crianças costumam rejeitar o material que não estiver adequado.

1 Jornalismo Especializado

Para pensar o assunto, é preciso abordar o jornalismo especializado e o mercado de nichos, com enfoque para o nicho infantil. Traremos também duas possibilidades de abordagem dentro do jornalismo especializado para crianças: a educomunicação e o edutretenimento.

1.1 Cenário atual do jornalismo

A tendência do jornalismo ocidental contemporâneo é a especialização. Basicamente, é o que defende a dupla de pesquisadores Kovach e Rosenstiel, por meio da teoria da participação pública.

[...]todo mundo está interessado em alguma coisa e todo mundo é es-pecialista em alguma coisa. Essa ideia de que as pessoas são ignorantes, ou que outras pessoas têm interesse em tudo, é um mito. (KOVACH; ROSEN-

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STIEL, 2003, p. 46).

Na teoria, os autores defendem que há três níveis de envolvimento públi-co: o envolvido, no qual os leitores possuem base de conhecimento e interesse no tema; o interessado, em que o leitor não tem ligação direta no tema, mas já teve alguma experiência relacionada; e o desinteressado, que não apresenta nenhuma relação com determinada discussão.

Assim, é papel do jornalista, ao redigir uma reportagem ou um texto opi-nativo, levar em consideração a presença dos três níveis de compreensão e en-volvimento do público e saber para quem escreve. O desafio é encontrar o tom da linguagem, a fim de não ofender o leitor com uma explicação óbvia, mas também não ser erudito a ponto de comprometer a comunicação. No caso das crianças, a dificuldade neste processo é ainda maior.

O leitor do jornalismo especializado, também classificado de envolvido, é especializado, ou seja, possui conhecimento sobre o assunto e, por isso, é mais difícil de ser enganado ou manipulado. Da mesma forma, este leitor percebe com mais facilidade erros de informação e escrita presentes no texto, exigindo do jornalista um maior cuidado na apuração e redação. Assim, é sabido que os jornalistas especializados em economia ou política, por exemplo, possuem amplo conhecimento na área, para atender ao público atento. É o que ocorre na maioria das grandes mídias.

Paradoxalmente, grande parte destas mídias não tem o mesmo cuidado com os produtos destinados ao público infantil, produzindo materiais ora voltados a pessoas com nível intelectual e cognitivo superior, ora inferior. De qualquer forma, são linguagens e conteúdos inadequados ao público a que é destinado. E o jornalismo infantil é tão ou mais especializado do que o jornal-ismo político, econômico, cultural etc. Da mesma forma que o leitor sabe ana-lisar se a reportagem está bem produzida, a criança também percebe se aquele produto está bom ou cansativo, se chama sua atenção, se é compreensível ou muito erudito, se é infantil demais para sua idade, enfim, sabe identificar se a produção é boa ou ruim, e responde a isso adotando ou rejeitando a publicação.

1.1.2 Mercado de nichos

Assim como a tendência do jornalismo atual é a especialização, o mer-

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cado, de modo geral, também se dividiu em nichos cada vez mais específicos. Impulsionado pela internet, o mercado percebeu que a venda tradicional, limi-tada pelo espaço físico das lojas e estoques, não dava mais conta da demanda do consumo e, segundo Chris Anderson e sua teoria da Cauda Longa, o po-tencial de exploração de uma variedade quase infinita de pequenos nichos é muito maior do que a pouca variedade do mercado de massa.

Ainda existe demanda para a cultura de massa, mas esse já não é mais o único mercado. Os hits hoje competem com inúmeros mercados de nicho, de qualquer tamanho. E os consumidores exigem cada vez mais opções. A era do tamanho único está chegando ao fim e em seu lugar está surgindo algo novo, o mercado de variedades. (ANDERSON, 2006, p. 5).

O conceito de Cauda Longa é usado na estatística e se refere a uma curva que mostra a grande procura por pouquíssimos produtos e a minúscula procura para uma quantidade quase infinita de produtos.

Segundo Anderson, no mercado tradicional, a regra 80/20 indica que 20% dos produtos em uma empresa são responsáveis por 80% das vendas e por quase todo o lucro. Esta lógica está ligada à limitação do espaço para armazenar os produtos nas lojas físicas e sempre foi incentivada pelos próprios empresários, de maneira a lidar com a dificuldade sem prejudicar o lucro.

Com a consagração das vendas pela internet, o limite do espaço desa-pareceu, e produtos com pouco interesse começaram a ser vendidos também, uma vez que as prateleiras não precisavam mais se dedicar apenas aos hits. Como consequência, artistas independentes também conquistaram seu espaço vendendo poucos livros ou CDs, ao mesmo tempo em que os comerciantes lucram com a venda de poucos produtos, mas que, somados, correspondem a uma grande quantidade. Este novo paradigma criou novas regras de valores: do total de álbuns disponíveis na Jukebox, por exemplo, 98% deles vendem pelo menos uma música a cada três meses (ANDERSON, 2006).

1.1.2.1 Nicho infantil

Um dos quase infinitos nichos de venda e de comunicação é o desti-nado ao público infantil. Pesquisas já revelam que jovens e crianças são grande influenciadores das compras, não só de produtos e serviços para elas mesmas,

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mas para toda a família, como o modelo do computador, a marca do carro e a escolha do restaurante. Tapscott mostra que jovens da Geração Internet1 com até 21 anos influenciam 81% das compras de roupas da família e 52% das es-colhas de carros, enquanto crianças entre cinco e 14 anos influenciam 78% da compra total de mantimentos.

No documentário “Criança, a alma do negócio”, a diretora Estela Ren-ner traça um perfil das crianças brasileiras, com foco em compras e consumo. Entre os aspectos abordados, é interessante observar que, ao mesmo tempo em que o público infantil não consegue reconhecer frutas comuns como manga e mamão, identificam com naturalidade marcas de produtos como salgadin-hos, celulares e até carros. Como mostram depoimentos de crianças e pais, os consumidores-mirins sabem o que querem (com marca, modelo e todas as especificações), adoram comprar e, definitivamente, influenciam os pais e toda a família na hora da compra.

O consumo infantil, porém, não é somente passivo, uma vez que o mer-cado também se adapta aos gostos do público. Prova disso é que a publicidade já fala diretamente às crianças e, com tanta eficiência, que o Brasil vem dis-cutindo a possibilidade de regulamentar a propaganda dirigida a menores de 12 anos no País. De qualquer forma, as crianças (parte já jovens e adultos) da Geração Internet deixaram características de consumo que estão marcando as novas compras e vendas. Uma marca forte dessa geração é a customização. Em época de personalização em massa, uma moda em alta é a customização, até de tecnologia, de maneira que cada pessoa possa afirmar a sua individuali-dade por meio do que possui. Segundo pesquisa da nGenera, 54% dos jovens da Geração Internet afirmam que costumam customizar “coisas que possuo para adaptá-las a quem eu sou”. Além disso, 60% concordam que “aproveitam as oportunidades que as empresas me dão para ajudá-las a criar produtos e serviços melhores” (TAPSCOTT, p. 252). São os chamados prosumers, consu-midores que também se tornam produtores.

Outras influências desta geração é o hábito da pesquisa em relação à loja e ao produto, que se relaciona com a preocupação com a integridade, a procura por entretenimento, a pressa e a busca por inovações. É relevante destacar também que, apesar da pesquisa, a opinião dos amigos é mais importante do que a de críticos especializados. Tal comportamento já foi absorvido pelo mer-cado, como podemos observar hoje em variados sites que oferecem a opção de “enviar para um amigo” e “veja também quem curtiu esta promoção”.

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1.2.1.2 Educomunicação

Um dos grandes desafios de nossa época, o estudo da integração das tecnologias de informação e comunicação (TIC)2 à educação tem ganhado espaço junto à comunidade científica. Para Belloni, uma das questões cen-trais é compreender o papel da escola neste processo. “Como poderá a escola contribuir para que todas as nossas crianças se tornem utilizadoras [usuárias] criativas e críticas destas novas ferramentas e não meras consumidoras com-pulsivas de representações novas de velhos clichês?” (BELLONI, 2005, p. 8).

Como socióloga, o foco da autora é pensar como as tecnologias de infor-

mação e comunicação (TIC) podem ser integradas aos processos educacionais e atuar como estratégia para contribuir na formação tecnológica das crianças. No nosso caso, como jornalistas, o que mais interessa é pensar na mídia-edu-cação, ou educação para as mídias.

Considerando as sete razões defendidas por Masterman para ensinar as mídias, Belloni conclui que o principal argumento para investir na TIC é o fato de que as tecnologias já estão presentes na sociedade3 , o que criou a ne-cessidade de começar a lidar com isso de maneira mais direta, a fim de con-tribuir para a redução do analfabetismo virtual e do abismo educacional e de exclusão que existe entre classes econômicas diferentes.

Desde as primeiras definições desse campo, em reuniões de especialistas

sob os auspícios da UNESCO, está presente a ideia essencial de que a edu-cação para as mídias é condição sine qua non da educação para a cidadania, sendo um instrumento fundamental para a democratização das oportunidades educacionais e do acesso ao saber e, portanto, de redução das desigualdades sociais (BELLONI, 1991 e 1995). (BELLONI, 2005, p. 12).

Aceito o desafio da integração das TICs aos processos educacionais, há três processos principais que devem ser realizados para esta integração seja concluída, segundo Belloni. Dentre eles, apenas um não pode ser pensado diretamente também pelo jornalismo, que seria dar um salto qualitativo na formação de professores. Os outros dois processos - que seriam ir além das práticas meramente instrumentais e escapar da visão apocalíptica, que favorece práticas conformistas e não reflexivas - também podem ser adotados pelos profissionais da comunicação em um projeto educomunicativo.

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Práticas conformistas e meramente instrumentais, aliás, começam a ser rejeitadas pelas próprias crianças, que fazem parte de uma geração muito mais crítica e desconfiada: os jovens não assistem mais a tudo com passividade. Esta atitude, inclusive, tem favorecido o surgimento de uma geração mais au-todidata, que costuma usar a internet para encontrar informações e criar seu próprio mundo, o que explica também o sucesso da chamada realidade virtual. É o que tem feito com que o mercado de videogames, que antes dava conta de entreter os consumidores com jogos individuais ou em duplas em um mesmo local, tenha investido tanto em jogos virtuais, nos quais os jovens podem in-teragir com milhares de pessoas, em qualquer lugar do mundo.

É preciso valorizar o mundo real dos sujeitos, considerá-los como pro-tagonistas de sua história e não como “receptores” de mensagens e consumi-dores de produtos culturais. É preciso retomar a velha fórmula: abandonar o conceito “do que a televisão faz às crianças” e substituí-lo pelo conceito “do que as crianças fazem com a televisão”. (SCHRAMM, 1965; PINTO, 1998 apud BELLONI, 2005, p. 21).

Baseado neste novo contexto do autodidatismo é que uma das reco-mendações da produção em educomunicação é contribuir para a autoaprendi-zagem, ou seja, para a autonomia do leitor em relação à própria aprendizagem. É neste sentido que Belloni defende também a mudança na formação de pro-fessores, para que este tenha o seu papel alterado na nova construção de con-hecimento. Vale destacar que a atitude não diz respeito somente aos caminhos técnicos do autodidatismo, mas também da autoestima que deve ser construída como pré-requisito ao objetivo final.

Edutretenimento

O edutretenimento, um braço da educomunicação, trata-se basica-mente de uma estratégia que divulga ideias com o objetivo de provocar mu-danças comportamentais e sociais (SINGHAL; ROGERS, 2002). Como os próprios autores citam, o entretenimento tem invadido cada vez mais as di-versas áreas da comunicação. No Brasil, já podemos perceber o fenômeno do infotretenimento, especialmente no jornalismo esportivo. O jornalista Tiago Leifert, por exemplo, revolucionou um dos mais tradicionais programas da Rede Globo, o Globo Esporte, inserindo entretenimento no produto essen-

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cialmente informativo. A estratégia funcionou tão bem que a Globo copiou o modelo para todos os programas regionais de esporte e outras emissoras já adotam a iniciativa também.

Em âmbito geral, os pesquisadores concluem que o edutretenimento tem sido efetivo como uma estratégia de abordar de maneira mais atrativa e compreensível temas não tão leves e fáceis. “By adding the lustre of enter-tainment to the relatively “duller” fields of health promotion, education and development, E-E fits well with the contemporary global trend to entertain-mentization4” (SINGHAL, ROGERS, 2002, p. 120).

Pensando nas características do EE, percebemos que a narração é quase um pré-requisito. A afirmação baseia-se na obra de Walter Fisher, que defende que os seres humanos são essencialmente contadores de histórias e, por isso, empregam uma narrativa lógica durante o processamento de infor-mação e a argumentação. Além disso, seria importante para o discurso do EE a valorização das emoções. Por meio do exemplo da Aids, percebemos que uma possível estratégia seria desencadear um processo emocional no público por meio de personagens. Assim, os pesquisadores acreditam que, se algum per-sonagem popular sofresse com a doença, as pessoas pensariam sobre o assunto e a consequência disto seria a busca por maior proteção nas relações sexuais.

Para maior efetividade na estratégia, a sugestão dos pesquisadores em EE é se atentar para as críticas, elogios e sugestões em materiais enviados espon-taneamente por leitores, como a resposta de uma enquete, um comentário, uma carta etc. Por meio desse material, seria possível perceber se não há ruí-dos no caminho comunicacional até a recepção do público. Neste sentido, os pesquisadores valorizam ainda mais uma característica inerente ao jornalismo digital: a interatividade. No caso, a proposta é incentivar o público a confirmar a compreensão dos conteúdos.

2 Narrativa Infantil

Sabemos que as crianças compreendem o mundo de maneira diferente dos adultos e, por isso, precisam que os materiais voltados a elas sejam diferentes também, de maneira a contribuir com suas necessidades. O desafio é definir quais são as características que favorecem esta comunicação, de que maneira esta linguagem pode ser construída e qual conteúdo pode ser oferecido.

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2.1 Definição do público

De acordo com a Andi, um dos primeiros problemas que compro-metem os materiais voltados para crianças é a falta de um projeto editorial definido, o que implica também na ausência de um público definido. Segundo a entidade, é preciso definir qual o interlocutor que se quer atingir para se definir também a intenção do projeto e o modo de construção do material. Dados da entidade revelaram que 63,6% das edições monitoradas em pesquisa têm como público-alvo leitores com idades entre sete e 12 anos, período con-siderado como consolidação da habilidade de leitura da criança (ANDI, 2002). Na prática, porém, 34,7% mostraram confusão no material, com conteúdo que, ora falava com a criança, ora falava com os pais ou professores.

A indefinição fica ainda mais evidente nas dificuldades encontradas pelos veículos inclusive para se comunicar com os leitores da faixa etária a que pre-tendem se dirigir. Afinal, crianças de sete anos e de 12 anos vivem realidades muito diversas: o processo de letramento e alfabetização aos sete anos é muito preliminar à situação em que um (a) garoto (a) se encontra aos 12, tomando-se por referência o processo regular brasileiro de escolarização. (ANDI, 2002, p. 29).

Assim, a recomendação aos veículos que pretendem se dirigir às crianças é

definir uma faixa etária específica para depois construir o material, adaptando-se às necessidades dos leitores que fazem parte do grupo escolhido. Quem destaca também a importância de se determinar o público-alvo é Wimpsett (1998, p. 2), que defende que um dos procedimentos para ter sucesso em sites para crianças é conhecer sua audiência. “Whereas most sites define their primary audience by interest - for example, ESPN.com’s audience is sports enthusiasts, and CNET concentrates on people interested in computers and technology - kids’ sites are often defined by the age range of their audience5” .

2.2 Narrativa

Liderada pelo potencial da interatividade, a internet tem transformado as crianças em variados aspectos – educacional, social, cognitivo –, ao mesmo tempo em que as crianças e os jovens têm também transformado a rede mun-dial de computadores. Para Wimpsett (1998, p. 7), a geração atual tem como marca a necessidade de deixar sua marca por onde passa. “Kids like to leave

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their mark on things - anyone who’s seen scratchings in wet cement or been forced by errant crayon marks to repaint their home knows that. And it’s even more evident on the Web6” .

Para Tapscott, nos últimos anos o conhecimento tem fluído com mais liberdade graças à internet e o real potencial da plataforma só foi atingido quando os jovens invadiram este espaço. “Agora, eles estão ajudando a trans-formá-la em algo novo [...]. Ela se tornou um computador global, ativo, conec-tado em rede, que permite que todos não apenas participem, mas também mudem a sua própria natureza” (TAPSCOTT, 2010, p. 69).

2.2.1 Audiência

Conhecer sua audiência é a primeira questão apresentada por Wimpsett em Building Websites for Children. Como já vimos anteriormente, é também uma das principais preocupações da Andi, que vê na ausência de um projeto editorial definido a causa para diversos problemas de linguagem e conteúdo.

2.2.2 Interatividade

O maior consenso entre as recomendações para criar sites infantis é o investimento na interatividade. Já defendida por estudiosos da internet como uma potencialidade do meio, como veremos no próximo capítulo, a interativi-dade é também uma ferramenta de aproximação do público com o site, além de ser hoje característica marcante das novas gerações. “Kids are likely to re-turn to sites if they can post their opinion and see their name online. And kids will come back again and again to play games - both fun and educational - just because they’re interactive7” (WIMPSETT, 1998, p. 7).

O gosto por deixar sua opinião e sua marca no site está ligado à própria característica da geração em customizar e colaborar, duas das oito nor-mas apontadas por Tapscott. Segundo o autor, os jovens buscam que as coisas se adaptem às suas necessidades e são colaboradores naturais.

Diante das possibilidades interativas a partir das novas tecnologias da co-municação, que, conforme sinaliza Lèvy (2000), promovem uma comunicação comunitária, transversal e recíproca, as crianças têm oportunidade de encon-trar mais ferramentas para fomentar o modelo de Comunicação Participativa e tornarem-se protagonistas no ambiente virtual. (FERREIRA, 2006, p. 76).

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Além do que já foi mencionado, a interatividade tem a função também de ratificar o produto pelos leitores. Esta verificação se dá pela interatividade em seus diferentes níveis: desde o comentário moderado até a produção de re-portagens pelas próprias crianças. Neste sentido, observamos que as ferramen-tas oferecidas pela internet, se bem aproveitadas, podem ser uma vantagem na interatividade, devido à facilidade, rapidez e simplicidade no envio de con-teúdo por parte dos ciberleitores. Podemos pensar também na interatividade como uma ferramenta de democracia, no modelo em que Kovach e Rosenstiel chamam de fórum de discussão pública.

[...] o jornalismo deve fornecer um fórum para a crítica pública e a concili-

ação. Contudo, na nova era, é mais importante, não menos, que essa discussão pública seja construída sobre os mesmos princípios do resto do jornalismo – começando com veracidade, fatos e verificação, pois um fórum sem respeito pelos fatos acaba falhando. Um debate apoiado sobre preconceitos e suposições só agita. (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003, p.207-208).

Com o objetivo de discutir assuntos de interesse público, o fórum pode ser um instrumento de produção de conhecimento, no qual seus participantes obtenham informações para que possam se autogovernar. Além disso, “(...) Castells (2002) acredita que a audiência não é um elemento passivo, mas reage aos símbolos e significados que a mídia constrói e, portanto, precisa de um meio interativo para expressar o grau de satisfação à mensagem que lhe é pas-sada” (FERREIRA, 2009, p. 42). E explorando as potencialidades da internet, levando os fóruns para plataformas digitais, é possível atingir níveis de con-hecimento e interação muito maiores.

2.2.3 Privacidade

Assunto cada vez mais em alta na sociedade, graças à popularidade da internet, a questão da privacidade se torna ainda mais polêmica quando diz respeito a crianças. Entidades como a Andi já manifestaram sua preocupação e listaram recomendações, com o objetivo de amenizar o problema da exposição infantil e de crimes ligados a ela. Em 2006, Tapscott já discutia o assunto e relatou resultados de sua pesquisa, que se mostram alarmantes ainda hoje.

De acordo com o autor, as crianças nascidas a partir da Geração Internet se preocupam menos com a privacidade do que as gerações anteriores, ape-sar de a exposição ter crescido e estar crescendo a cada dia mais. “A Geração

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Internet pode ter superado os baby boomers no uso de tecnologia, mas essa (privacidade) é uma área em que não superou as pessoas da minha idade. Na faixa dos quarenta anos de idade, sabemos que as atividades noturnas da nossa juventude podem não parecer muito positivas. Mas a maioria dos integrantes da Geração Internet, por ser jovem, não está pensando muito no futuro” (TAP-SCOTT, 2010, p. 85). As recomendações de segurança mais comuns dizem respeito a controle de informações divulgadas, atenção com spams e cuidado com propagandas mascaradas.

Considerações Finais

As últimas gerações têm grande familiaridade com a plataforma digital, o que tem acarretado a estes jovens e crianças mudanças de comportamento em variados aspectos sociais e cognitivos, como educação e consumo. Diante disto, ficou claro que há uma demanda no ciberespaço por conteúdo e estética específicos para este público inserido na internet, plataforma já natural a esta faixa etária.

Além disso, percebemos também a afinidade temática ente a internet e as crianças, vista em vários momentos por meio de recomendações iguais ou semelhantes, como texto curto e dinâmico, exploração da potencialidade da interatividade e da multimidialidade, e redação especializada. Neste sentido, percebemos mais uma vez que a parceria do público e do meio é uma combi-nação adequada.

Com a informação correndo em velocidade cada vez mais acelerada, é preciso que os sites infantis estejam sempre de acordo com as últimas novi-dades em tecnologia, principalmente em um paradigma onde os leitores se especializam a cada dia e possuem menor tolerância ao erro. No caso das cri-anças, a tolerância é ainda menor, por isso o cuidado precisa ser ainda mais preciso. “O desafio é ser inteligente sem ser chato. Nesse sentido, é preciso construir uma linguagem comunicativa que seja ao mesmo tempo lúdica e formadora.” (ANDI, 2002, p. 35).

Em relação ao mercado, cabe dizer que o jornalismo digital infantil é um nicho viável e promissor, uma vez que atende ao novo modelo de cauda longa para produtos e serviços, ao mesmo tempo em que já faz parte da nova tendên-cia de especialização do jornalismo.

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Notas de Rodapé1. Conceituada por Don Tapscott, no livro Geração Digital, diz respeito à primeira geração dos jovens que cresceram em um cenário digital.2. As TICs são resultado da fusão da informática, das telecomunicações e das mídias eletrônicas. 3. Cada vez mais, as novas gerações confirmam a premonição de McLuhan de que os meios se tornariam extensões dos próprios homens. “[...] pois essa vossa descoberta criará o esqueci-mento na alma dos estudantes, porque eles não se servirão da memória; confiarão nos caracteres escritos e não se lembrarão de si mesmos. O específico que descobristes é um auxiliar não para a memória, porém para a reminiscência, e vós dais a vossos discípulos não a verdade, porém tão só a aparência da verdade; eles serão ouvintes de muitas coisas e nada terão aprendido; darão a impressão de ser oniscientes e, em geral, nada saberão; serão uma companhia fastidiosa com aparência de sabedoria, sem a sua realidade.” (MC LUHAN, 1977, p.49 apud BELLONI, 2005, p. 14-15).4. Tradução livre: “Ao adicionar o brilho do entretenimento aos campos relativamente “maçantes” de promoção da saúde, educação e desenvolvimento, EE se encaixa bem com a tendência con-temporânea global para a entretenimentização.” (SINGHAL; ROGERS, 2002, p. 120).5. Tradução livre: “Considerando que a maioria dos sites define sua audiência primária pelo interesse – por exemplo, o público da ESPN.com são entusiastas do esporte, e CNET concentra pessoas interessadas em computadores e tecnologia – os sites para crianças são definidos muitas vezes pela faixa etária do seu público.” (WIMPSETT, 1998, p. 2).6.Tradução livre: “As crianças gostam de deixar sua marca nas coisas – qualquer um que viu riscos no cimento molhado ou foram forçados a repintar por causa de marcas de giz sabe disso. E isso é ainda mais evidente na web.” (WIMPSETT, 1998, p. 7).7. Tradução livre: “Crianças tendem a voltar aos sites se eles podem postar sua opinião e ver o seu nome online. E as crianças vão voltar de novo e de novo para brincar com jogos – divertidos e educativos – só porque eles são interativos.” (WIMPSETT, 1998, p. 7).

Exemplos de Produções On-Line Infantil na Web*

Figura 1 - Modelo de Site Infantil (Empresa Comercial) http://www.smartkids.com.br/especiais/profissoes-jornalista.html

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Figura 2 - Modelo de Site Infantil (UFBa) http://tecciencia.ufba.br/tecciencia/noticias/site-de-jornalismo-infantil-vaca-amarela-traz-informacao-

curiosidades-e-muita-diversao

Figura 3 - Modelo de Site Infantil (Parcerias) http://recontando.com

*Inclusão de imagens segundo critério editorial da série.

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A Indústria Cultural e a arte de construir heróis no mundo

do entretenimento“

Introdução

Esse trabalho aborda a forma como os heróis são retratados atualmente no cinema pela indústria cultural e como se dá a divergência em relação aos heróis clássicos dos mitos gregos, um modelo para a pólis. O mito grego que será adotado como parâmetro para comparação e análise é o que narra a tra-jetória de Ulisses de volta para a ilha de Ítaca, após vencer a guerra de Tróia, e os obstáculos que encontra no percurso por ter desafiado Poseidon (deus dos oceanos), segundo descreve Homero, em sua obra Odisseia. O filme atual so-bre o qual se desenvolverá o estudo comparativo do herói no cinema é Capitão América – O Primeiro Vingador, adaptação dos quadrinhos da Marvel, em 2011, e dirigido por Joe Johnston.

Maria Angélica Seabra Rodrigues Martins* & Aline Dória de Alcântara Camargo**

*Professora Doutora do Departamento de Ciências Humanas da Unesp-Bauru; **Graduanda em Jornalismo e Orientanda de Iniciação Científica.

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Mito é uma história narrada para explicar os acontecimentos, dentro de determinada época e contexto, mencionando desde as origens dos seres na Ter-ra (cosmogonia) até como irá ocorrer seu fim (escatologia), bem como outras manifestações naturais que ocorrem na natureza. O homem atual surge como consequência desse processo, estando conectado aos elementos do passado por meio das impressões que traz e dos hábitos que desenvolveu.

Os mitos, efetivamente, narram não apenas a origem do Mundo, dos animais, das plantas e do homem, mas também de todos os acontecimentos primordiais em consequência dos quais o homem se converteu no que é hoje — um ser mortal, sexuado, organizado em sociedade, obrigado a trabalhar para viver, e trabalhando de acordo com determinadas regras. Se o Mundo existe, se o homem existe, é porque os Entes Sobrenaturais desenvolveram uma atitude criadora no “princípio”. Mas, após a cosmogonia e a criação do homem, ocor-reram outros eventos, e o homem, tal qual é hoje, é o resultado direto daqueles

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eventos míticos, é constituído por aqueles eventos. (ELIADE, 1972 p.13)

Dessa forma, observa-se que o mito é mais que uma explicação humana para os acontecimentos do mundo: é um referencial comportamental. Ao re-memorar o mito, o homem é capaz de refazer o caminho que os deuses percor-reram. Segundo Eliade (1972): “Em outros termos, aprende-se não somente como as coisas vieram à existência, mas também onde encontrá-las e como fazer com que reapareçam quando desaparecem.” (p.13)

O mito surge nos começos de toda civilização do globo, sendo visto como uma história sagrada, da qual tomaram parte os deuses ou seres sobrenaturais que participaram desses acontecimentos. Há a distinção entre “história ver-dadeira” e “história falsa”. Para eles, são verdadeiras as histórias que narram a cosmogonia ou origem do mundo e do universo, tendo como personagens seres sobrenaturais ou celestiais, que por meio de atos heroicos salvaram um povo ou originaram um clã. Já as histórias falsas, na concepção desses povos, tratam do anedótico, do folclórico ou do profano: “Acrescentemos que, nas sociedades em que o mito ainda está vivo, os indígenas distinguem cuidadosamente os mi-tos - “histórias verdadeiras” - das fábulas ou contos, que chamam de “histórias falsas”. (ELIADE, 1972, p.11)

Dentro dessa cultura, o mito deveria ser ouvido apenas pelos iniciados, ou seja, mulheres e crianças não tinham acesso e era recitado durante um período sagrado, no inverno ou no outono, e geralmente à noite, em uma caverna, ao redor de uma fogueira, ao sob um carvalho (árvore sagrada), por um xamã ou ancião da tribo. Apesar da distinção entre história falsa e história verdadeira, os personagens de ambas possuem características em comum como o fato de não pertencerem à realidade cotidiana.

Recitação do mito

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Ao redor de uma árvore sagrada

Os mitos eram protagonizados por deuses e seres sobrenaturais; já os contos têm como personagens seres humanos e animais. É importante res-saltar que, para os indígenas, os mitos narram acontecimentos diretamente relacionados ao ser humano, explicando desde os primórdios comportamentos assimilados pela sociedade, enquanto os contos e as fábulas tratam de fenô-menos que, apesar de modificar o mundo, não chegaram a modificar a situação humana.

É significativa a distinção feita pelos indígenas entre as “histórias verda-deiras” e as “histórias falsas”. Ambas as categorias de narrativas apresentam “histórias”, isto é, relatam uma série de eventos que se verificaram num pas-sado distante e fabuloso. Embora os protagonistas dos mitos sejam geralmente Deuses e Entes Sobrenaturais, enquanto os dos contos são heróis ou animais miraculosos, todos esses personagens têm uma característica em comum: eles não pertencem ao mundo quotidiano. (IDEM, p.12)

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Essas classificações entre “verdadeiro” e “falso”; entre mito e conto; fábula ou lenda pode, naturalmente, variar entre uma tribo e outra, valendo-se do que é parte desta ou daquela cultura para tal classificação. Porém essa distinção existe e é essencial para a compreensão do que era considerado de suma im-portância e de como e por que tais narrativas eram utilizadas.

Embora essas formas narrativas todas – mito, lenda, conto, fábula – co-mumente sejam confundidas pelos indivíduos, possuem origem e significados diferentes; essa confusão é normal devido às fontes das narrativas recolhidas ao longo do tempo muitas vezes se fundirem, sendo difícil distinguir a real e exata origem de algumas estórias. Apesar de possuírem diferentes significados, acredita-se que haja uma fonte comum para as estórias de diferentes épocas e culturas.

Algo, porém, tornou-se evidente: teria havido um fundo comum a todas elas, pois de outra forma não se poderia explicar a coincidência de episódi-os, motivos, etc., em contos pertencentes a regiões geograficamente tão dis-tantes entre si e com culturas, línguas ou costumes absolutamente diferentes. (COELHO, 1987, p.17)

Com o tempo, o mito assumiu características diferenciadas, marcada-mente a partir do surgimento da comunicação de massa. No século XX, com o rádio, o cinema e a televisão esse processo se acelerou e, com a globalização propiciada pela internet, aspectos antes relativos a uma única cultura passaram a ser, imediatamente, de conhecimento de todos, à medida que um indivíduo se conecta a outros por meio de uma rede mundial. Na mesma proporção, os valores também foram disseminados, sem que houvesse a preocupação com o bem estar geral, mas com o lucro.

Dessa forma, também surgiu a necessidade de definir, estudar, analisar e compreender uma indústria peculiar que não produz bens concretos, mas mer-cadorias com um alto valor simbólico. A chamada indústria cultural organiza-se como outras indústrias, trabalhando com um diferencial pouco palpável, em um tênue limiar, produzindo em larga escala, a baixo custo e de forma padroni-zada. Sua atuação no mundo do entretenimento será observada neste trabalho, a partir do estudo do cinema, ou melhor, a partir da criação dos heróis atuais, oriundos dos quadrinhos (no caso, Capitão América – O Primeiro Vingador, de 2011), em uma comparação com o herói clássico, personificado pela figura

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de Ulisses, da obra Odisseia de Homero, levado às telas por Konchalovsky e Coppolla em 1997.

Como metodologia de trabalho será utilizada as Teorias do discurso, como a semiótica e a análise do discurso de linha francesa (FIORIN, 1995, 2009), além da antropologia, a partir das quais serão observadas as condições de produção do herói face à indústria cultural e às ideologias que se mani-festam na criação do mesmo, além dos efeitos de sentido produzidos em sua construção, face ao contexto em que está inserido.

Também serão observados elementos comparativos, a partir do mito gre-go em Odisseia de Homero, por meio da produção do filme mencionado e a trajetória do herói produzido pela indústria cultural. Por meio dos estudos antropológicos de Eliade (1972) e de Campbell (1987) serão aplicados esses conceitos aos filmes que o cinema tem produzido na atualidade, em termos de (super) heróis e sua caracterização. Dessa forma, pretende-se observar se houve uma adaptação do herói aos novos tempos, ou se ocorreu uma descar-acterização do próprio mito, em virtude do crescimento do consumismo e das novas diretrizes apresentadas por Hollywood, visando ao lucro.

A comunicação de massa e a indústria cultural serão contempladas por meio dos estudos de Gabriel Cohn (1977), Anamaria Fadul (1993), e Adorno e Horkheimer (1947). A importância do mito na atualidade e o percurso do herói serão abordados a partir de Campbell (1985; 1997) e de Propp (1984); e o estudo do mito sob a visão antropológica em Eliade (1972).

1. O mito e o percurso do herói

O formalista russo Vladimir Propp, estudando cerca de 400 contos popu-lares russos, entre o final do século XIX e início do século XX, observou que certos acontecimentos, por ele denominados funções (em número de 31) se repetiam na estrutura da estória. Devido à abrangência dessas funções, apre-sentadas em Morfologia do conto maravilhoso (1984), surge a possibilidade de se analisar o percurso de personagens tanto de um conto, quanto de um mito, pois embora tenham sido estabelecidas a partir dos contos maravilhosos, aplicam-se a diversas narrativas.

Dentro de um repertório de contos populares, Propp (1984) analisou os percursos narrativos encontrados e os elementos dos enredos desses contos, comparando-os e classificando de acordo com as funções por ele relaciona-das. Essas funções agrupam-se em sete esferas de ação estipuladas em relação

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ao tipo de personagem e “correspondem, grosso modo, aos personagens que realizam as funções” (IDEM, p.73) – do antagonista, do doador, do auxiliar, da princesa e seu pai, do mandante e do falso herói – formam um trajeto lógico dentro do enredo da narrativa e encontram-se inseridas no inconsciente coletivo de uma forma natural e automática. Uma estória não contém neces-sariamente todas as trinta e uma funções, porém todas aquelas encontradas na narrativa aparecerão sempre na sequência estabelecida pelo autor.

Joseph Campbell (1987), ao estudar a jornada de um herói, segue um padrão determinado por uma fórmula composta por elementos de rituais de passagem: separação – iniciação – retorno. Essa sequencia é encontrada em tradições de povos nos quais há esses ritos com um afastamento, uma prova e um retorno. Transportando-se essa fórmula para o universo narrativo observa-se que, sob certo padrão, as estórias seguem essa mesma linha: primeiro surge o herói em seu mundo cotidiano; a seguir, ele é impelido a atravessar um portal ou uma passagem que o levará a outro mundo, no qual deverá cumprir certas provas; e, por fim, o retorno para casa. Assim se forma o eixo separação – ini-ciação – retorno.

Um herói vindo do mundo cotidiano se aventura numa região de prodí-gios sobrenaturais; ali encontra fabulosas forças e obtém uma vitória decisiva; o herói retorna de sua misteriosa aventura com o poder de trazer benefícios aos seus semelhantes. (CAMPBELL, 1997, p.18)

Cada uma dessas etapas é constituída por subdivisões que compõe o pro-cesso pelo qual o candidato a herói deve passar para, ao final de sua jornada, retornar para casa com o conhecimento e poder adquiridos. Somente depois de transcorridas todas essas fases, o herói poderá ser aclamado por seu povo.

O herói clássico constituía um modelo para os cidadãos da polis, determi-nando as formas de comportamento aceitas no meio social. Um indivíduo que possuísse o ímpeto, o desejo incontido e a força para realizar algo (ou hybris), apenas, mas não se esforçasse para adquirir o controle da ira, da prepotência, da vaidade, por exemplo, não alcançaria a temperança (ou sophrosyne), necessária à boa convivência em sociedade. Dessa forma, o percurso do herói clássico era narrado em estórias que evidenciavam suas dificuldades e como as superou, aprendendo com elas virtudes como humildade, paciência e persistência, além da cooperação entre os membros do mesmo oikos, atingindo a sabedoria, ob-jetivo final de todo homem que visasse a se tornar um cidadão (ou um chefe de governo, um rei etc.), aceitando a supremacia da vontade dos deuses. Esses

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atributos surgem como necessários em vários mitos, como nos de Héracles, de Ulisses, de Teseu...

Com o advento da filosofia, no século IV a.C., a Grécia passou, primeira-mente, a buscar explicações para os acontecimentos não mais na vontade ou na ira dos deuses, mas na própria natureza, por meio dos estudos das escolas filosóficas pré-socráticas jônica, eleática, atomística e itálica, que, atribuíam ora à água, ora ao fogo, ora ao ápeiron (matéria não engendrada) a origem de tudo. Com Sócrates e Platão, a natureza humana passou a ser analisada e estudada, não mais a partir das atitudes dos heróis, mas a partir do conhecimento da própria alma. Conhece-te a ti mesmo, era o lema gravado na parede do templo de Apolo, em Delfos, e que Sócrates repetia a seus discípulos, acrescentando que deveriam se ocupar com a busca da sabedoria interior a partir do ques-tionamento de seus próprios sentimentos e pensamentos.

Os deuses gregos encontraram dificuldades para sobreviver, em meio ao pensamento especulativo, mas em auxílio do mito e fortalecendo-o em seus aspectos primitivos, surge o cristianismo, no século I, e sua gradativa adoção pelo ocidente, até ser oficializado como religião oficial do Império Romano. Desde então, o (pouco) espaço concedido à filosofia veio dos teólogos da Igreja (Tomás de Aquino, Agostinho, Abelardo), para quem a figura do Cristo con-stituía o verdadeiro herói.

Desde o Humanismo, no século XVIII, o racionalismo busca recu-perar suas bases, embora o mito não desapareça, mas adote novos parâmetros ou erija novos “deuses”. O significado do mito já é parte intrínseca de seu inconsciente coletivo; ele narra percursos pelos quais o homem deve seguir para atingir a maturidade necessária a sua evolução como individuo. O trajeto dentro do mito manteve sua importância, pois se relaciona diretamente com as questões humanas como o menino em busca de seu próprio caminho longe da mãe para crescer; ou a menina obrigada a se tornar adulta quer queira, quer não.

Os mitos o apanham, lá no fundo de você mesmo. Quando menino, você os encara de um modo, como acontecia comigo ao ler as histórias dos ín-dios. Mais tarde, os mitos lhe dizem mais e mais e muito mais. Quem quer que tenha trabalhado seriamente com idéias religiosas ou míticas lhe dirá que, quando crianças, nós as aprendemos num certo nível, mas depois muitos out-ros níveis se revelam. Os mitos são infinitos em sua revelação. (CAMPBELL, 1985 p.162)

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2 O mito clássico e o herói moderno

Ulisses é um clássico herói grego e inicia sua jornada como rei de Itaca, proveniente do meio aristocrático, ainda que de um país pobre. Porém, nin-guém nasce herói e foi preciso que ele percorresse toda sua jornada para ser concebido como tal merecidamente. Ele é um mortal, porém aristocrata, pois na Grécia Antiga, os heróis ou pertenciam a essa classe, ou eram filhos de deuses com mortais; assim, parte para a guerra honrando seu compromisso para com os outros reis da Grécia. Não tendo atingido seu amadurecimento como indivíduo ao fim do conflito, uma vez que ao aceitar ser aclamado por seus homens como herói (por ter imaginado o estratagema com o cavalo, que possibilitou a invasão de Tróia), também permite que sua prepotência o leve a desafiar os deuses, ofendendo Poseidon, em particular, que o condena a ficar perdido durante anos no Mediterrâneo, em uma tentativa inútil de voltar para casa, até que aprenda a ser humilde.

Sua constante viagem de volta é, na verdade, sua busca por si mesmo, é o percurso que deve seguir para atingir o conhecimento e a sabedoria, para com-preender a relação entre os deuses e os homens, assim como a dependência dos primeiros. Seu amadurecimento se dá apenas ao final da jornada, quando se torna capaz de ensinar seu filho sobre o controle da ira, o exercício da paciência e a humildade. Ulisses é prepotente, mas deve transformar-se, aprendendo e vivenciando as virtudes que compõem a temperança, para poder tornar-se um herói.

O cavalo de Tróia

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Ulisses e o desafio a Poseidon

2.1. Ulisses x Capitão América (o herói da atualidade)

O Capitão América – O Primeiro Vingador como exemplo de um produ-

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to gerado pela indústria cultural surge como um projeto desenvolvido em meio à Segunda Guerra Mundial, inicialmente com o objetivo de entreter e en-corajar o alistamento militar, bem como insuflar ânimo aos soldados no front. Fruto de uma experiência, um adolescente fraco, aquém dos requisitos para o alistamento torna-se muito forte e, após a morte de seu criador, o doutor Dr. Erskine, é destinado ao entretenimento da massa.

Sua honra e valores morais, entretanto, levam-no a sair desse marasmo para combater na guerra, tornando real o herói criado para motivar os jovens. Ao contrário de Ulisses, que se torna merecidamente um herói, de acordo com a ideologia de sua época, o capitão América acaba sendo, na prática, um herói construído.

O franzino Steve no alistamento

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Aceito para a experiência

Steve transformado em Capitão América

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Ao comparar as obras sob a ótica da construção do herói observa-se na estória clássica um trajeto completo que transforma Ulisses em um herói, após passar por provas que o auxiliam a superar suas próprias falhas e a agregar conhecimento. Cada obstáculo que ele supera o coloca mais próximo da com-preensão necessária para adquirir a sophrosyne (temperança), capaz de trans-formá-lo em um herói, em um modelo necessário à formação do individuo e de sua atuação na polis grega.

O retorno de Ulisses

Um homem transformado

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Já o Capitão América, como possui desde o inicio da narrativa as quali-dades morais necessárias a um herói, as provas a que é submetido apenas con-tribuem para a sua aceitação pelos colegas combatentes, que o viam como um protegido do governo. Ao final de sua trajetória, a qualificação como herói constitui apenas o encerramento de um processo iniciado com sua construção pela ciência, ao obter também a aceitação dos soldados que estão no front, ao combater o inimigo com eles.

Um combatente aceito pelos colegas

Seguindo suas próprias regras

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Dessa forma, é motivado a ser um herói, sem que necessite passar pelas provas qualificantes; ou seja, as etapas de seu percurso apenas reiteram sua qualidade de herói, que lhe foi conferida no inicio de sua jornada. Em sua tra-jetória ele apresenta certa arrogância, pelo fato de simplesmente ser capaz e os outros, não: encontra-se em meio a pessoas comuns que o seguem pela sua ca-pacidade de conseguir executar as missões. Essa atitude encontra um paralelo na atuação dos Estados Unidos, quando invadem um país, alegando a necessi-dade de salvar o mundo de uma ameaça, hipotética ou não, para “prevenirem atos terroristas” não apenas contra seu próprio país, mas também contra toda a humanidade. Steve, como Capitão América, sente-se na obrigação moral de salvar o mundo, pelo simples fato de ter obtido em laboratório toda a força e capacidade de agir, desejo maior do antigo rapaz franzino. Assim, impedir que o avião bombardeie os Estados Unidos está acima de suas possibilidades, mas é importante a ponto de fazê-lo sacrificar-se, perdendo, inclusive, a chance de conviver com a mulher amada.

3. Os percursos desses heróis

No âmbito da semiótica, Steve Rogers é um sujeito de estado disjunto de seu objeto valor: alistar-se no exército para defender a pátria. Todas as ten-tativas que empreende nesse sentido são frustradas pelos recrutadores, uma vez que ele é franzino e enfermiço. Ao aceitar fazer parte da experiência do Dr.Erskine, na verdade já havia sido manipulado pelo governo, que viu nesse rapaz as qualidades morais necessárias para que pudessem tornar o rapaz de-bilitado em um supersoldado. Semelhante ao que ocorre com o herói clássico1 , que deve renascer modificado, essa transformação ocorre em uma espécie de sarcófago de metal, onde recebe injeções de um líquido especial, sendo também envolto em uma espécie de névoa energizante, a fim de que, quando o esquife se abrir surja o soldado esperado. Dessa forma, o sujeito recebe a competência “delegada” do poder-fazer, ao renascer musculoso, forte, rápido e dotado de enorme agilidade. Entretanto, seu percurso rumo à heroicidade novamente é frustrado, na medida em que, contrariamente a sua expectativa de ser enviado ao front, na verdade transforma-se em um títere da indústria publicitária do governo, para promover a venda de bônus de guerra “fantasiado de herói”.

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A construção do supersoldado

Sua mudança de estado ocorre, ao transgredir regras e proibições para enfrentar o desconhecido e salvar pessoas; como destinatário incentivado pela agente Carter/destinadora, nesse momento, segundo a semiótica greimasiana,, é motivado a fazer algo além das apresentações e shows, o que desperta nele o querer-fazer anterior: servir à pátria. Steve, agora provido de um poder-fazer delegado pela experiência que o transformou em forte, segue seu sonho de lutar na guerra e empreende o resgate dos soldados aprisionados. O dever-faz-er vem de sua própria consciência, movido por seus princípios morais. Dessa forma, desenvolve seu percurso participando de diversas outras batalhas, nas quais ele lidera e executa missões, até a performance final, em que tenta deter o avião que iria bombardear os Estados Unidos. Sua aparente morte, nesse mo-mento, ao impedir o ataque, o sanciona positivamente, do ponto de vista tanto do destinador agente Carter, quanto dos que participaram de seu processo de criação em laboratório e que, em percursos secundários o enviam a diferentes missões, até a derradeira, da qual não acreditavam que retornaria. Entretanto, como um autêntico produto da indústria cultural que não pode deixar de pro-duzir lucro, ele ressurge vivo, no futuro, para que sua saga prossiga no mundo do entretenimento.

Já o grego Ulisses inicia sua jornada induzido por um dever-fazer, ao partir para a guerra de Tróia, motivado pelo dever de honrar seu compromisso frente aos outros reis da Grécia, ante a necessidade de salvar Helena, raptada pelo príncipe troiano Páris. Ao desafiar Poseidon, e despertar sua ira, o que leva o grego a ficar dez anos perdido no mar, sem conseguir retornar a sua amada Ítaca, Ulisses é movido por um querer-fazer e um dever-fazer, em sua jornada constante de voltar para casa, motivado pela vontade extrema de retornar para a mulher e o filho.

Após passar por todas as provas qualificantes, segundo Propp (1984), que na visão semiótica manifestam-se na obtenção do saber-fazer, ou competência adquirida, para compreender o verdadeiro significado do papel dos deuses na vida dos gregos, assimilar o significado da humidade, do controle da ira, ad-quirir a temperança, Ulisses está pronto para se transformar em herói, tornan-do-se um exemplo para a comunidade. Assim, retorna para sua casa maduro e capaz de exercer a sabedoria que agregou ao longo do caminho, podendo, então, completar sua missão com paciência, persistência, calma e coragem, e executar sua grande performance de eliminar de seu lar a ameaça dos pretend-entes à mão de sua esposa Penélope.

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No mito de Ulisses, portanto, a missão a ser executada é sua própria jor-nada interior e a consequente transformação em herói, no período posterior à guerra de Tróia, quando fica perdido no mar, sem conseguir retornar a Ítaca, como castigo de Poseidon, ao se considerar que foi, na verdade, enviado a Tróia por sua protetora, a deusa Atena, da guerra, mas também da sabedoria, no papel de destinadora em seu percurso principal, que o sanciona positivamente, no final, quando ele demonstra ter adquirido a temperança ou sophrosyne e ter se transformado, realmente, em um herói, um exemplo a ser seguido pela sua comunidade. O tema da sabedoria surge figurativizado na deusa Atena e, sendo Ulisses seu protegido, deverá cumprir com seu papel e também lutar para obter essa virtude máxima que o ser humano pode alcançar. Outros temas como os da coragem, da astúcia, da paciência e da humildade, estão figurativi-zados na entrada no temido Hades, do engodo a Polifemo, da contenção da ira ao chegar a Ítaca e não procurar de imediato os pretendentes de Penélope, e o da humildade, quando reconhece sua pequenez diante dos desígnios dos deuses. No nível fundamental c0onfrontam-se, enfim, a prepotência (fruto da ignorância) com a sabedoria (fruto do aprendizado e da humildade).

Com relação ao Capitão América, o tema da assunção de si mesmo, des-vinculando-se dos senhores do poder, está figurativizado na escolha do próprio escudo e na troca do uniforme, de acordo com seu gosto, e com a aceitação dos colegas combatentes. O tema da “desobediência” aos superiores, por ser capaz de ver além dos que os mesmos são capazes de enxergar, surge nas atitudes que realiza ao atacar o esconderijo do inimigo sozinho, ao seguir suas próprias re-gras (e vencer); e, finalmente, o tema da heroicidade, quando decide dar a vida para salvar o país, no final, sem a certeza de que obteria sucesso na empreitada. Em seu nível fundamental ele caminharia da subjugação, à libertação e ao suc-esso, em que se oporiam incapacidade (física) versus capacidade.

3.1. O herói em Campbell

Retomando o percurso estabelecido por Campbell (1997), o herói passa por um processo de separação, iniciação e regresso, composto ao todo por dez-essete etapas intermediárias que compõe o trajeto narrativo. I – Afastamento: 1 – O chamado, 2 – A recusa do chamado, 3 – O auxilio sobrenatural, 4 – A passagem pelo primeiro limiar, 5 – O ventre da baleia; II – Iniciação: 1 – O caminho de provas, 2 – O encontro com a deusa, 3 – A mulher como tentação, 4 – A sintonia com o pai, 5 – Apoteose, 6 – A benção ultima; III – Retorno: 1 – A recusa do retorno, 2 – A fuga mágica, 3 – O resgate com ajuda externa,

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4 – A passagem pelo limiar do retorno, 5 – Senhor dos dois mundos, 6 – Liber-dade para viver.

I - Partida: o herói recebe um chamado e ajuda sobrenatural para executar esse chamado e parte para o desconhecido:

Ulisses atende ao chamado dos reis de quem é aliado, embora, na ver-dade, esteja seguindo um desígnio de sua protetora, a deusa Atena. A partida do herói consiste em um chamado que o tira de sua zona de conforto inicial, afastando-o de seu local de origem; ele recebe uma ajuda externa para executar essa missão e parte para o desconhecido. Fora dos limites de sua vida habitual há perigos para o herói da mesma forma que há perigo para uma criança longe do olhar protetor de seus pais.

(...) marcando os limites da esfera ou horizonte de vida presente do herói. Além desses limites, estão as trevas, o desconhecido e o perigo, da mesma for-ma como, além do olhar paternal, há perigo para a criança e, além da proteção da sociedade, perigo para o membro da tribo. (CAMPBELL, 1997 pp.44-45)

Quando o herói se distancia de sua situação inicial, ele se submete a peri-gos que farão parte de sua jornada de crescimento:

A ideia de que a passagem do limiar mágico é uma passagem para uma es-fera de renascimento é simbolizada na imagem mundial do útero, ou ventre da baleia. O herói, em lugar de conquistar ou aplacar a força do limiar, é jogado no desconhecido, dando a impressão de que morreu. (CAMPBELL, 1997, p.50).

O herói, mergulhado na viagem pelo desconhecido, é dado como morto por aqueles a quem deixou para trás e é nesse processo que ocorre seu cresci-mento e, posteriormente, seu renascimento, numa época diferente, no futuro, no caso do Capitão América. Para Ulisses, a morte e renascimento acontecem tanto em sua descida ao Hades, à procura do espectro do adivinho Tirésias, para que este lhe ensine o caminho de retorno a Ítaca; quanto ao ser salvo pela filha do rei dos faécios, que o encontra na praia, quase morto, o que lhe permite empreender sua jornada final para casa, levado pelos marinheiros do rei.

II - Iniciação: o herói passa por diversas provas, contando sempre com uma ajuda oculta. É levado a um processo de crescimento, atinge o ápice de sua formação heróica em que agrega a sua personalidade a sabedoria conquistada ao longo de seu trajeto. No caso de Ulisses, todas as provas por que passou

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e que o levaram a perder todos os seus marinheiros, suas embarcações, seus tesouros de guerra e quase a própria vida, acontecimentos que gradativamente o levam ao crescimento interior. Existem aqui momentos qualificantes que constroem o indivíduo, intimamente, como herói. Com relação ao Capitão América, sair da fama fácil e entrar na guerra de fato, lutando e se arriscando constituem momentos de iniciação.

III - Retorno: o herói termina sua busca pela sua própria maturidade e deve retornar, levando consigo o troféu, depois de passar pelo último limiar.

Segundo Campbell (1997), o herói retorna quando termina a busca pela sua própria maturidade, deve passar pelo ultimo limiar e levar consigo o troféu, que em muitos contos pode ser um objeto físico, embora Ulisses apresente a compreensão, um elemento abstrato, não palpável. Seu troféu, portanto, é sua maturidade, a paciência e a compreensão sobre como agir com temperança no mundo em que vive, o que colocará em prática, ao retornar para sua Ítaca. Analogamente, o troféu do Capitão América também possui uma concepção abstrata, podendo ser seu sacrifício e a consequente vitória na guerra, o que ele obtém ao final de seu percurso. Apesar de não haver, nesse caso, um cresci-mento marcante como indivíduo, uma transformação pessoal, uma vez que ele foi escolhido para a experiência de se tornar um ser especial, produzido pela ciência, justamente por suas qualidades morais. O que se observa em seu percurso é a perda gradativa da timidez, à medida que obtém sucesso em suas empreitadas bélicas, e que o levam a ser aceito pelos demais soldados.

Segundo a semiótica existe uma transformação de um estado inicial em um estado final em uma narrativa. No caso de Ulisses essa transformação é notável e marcante, pois existe um estado inicial no qual o herói é arrogante em relação aos deuses, ignorando o fato de os homens precisarem deles, e há um estado final, no qual Ulisses adquire a humildade e o equilíbrio emocional necessário a um herói, quando reconhece que os deuses o auxiliaram nos mo-mentos mais críticos, e que o leva, como ser humano, a concluir que não se pode viver sem a crença nos mitos. Já no caso do Capitão América já possui desde o inicio o equilíbrio que Ulisses precisa alcançar, a transformação de estado ocorre apenas com relação à possibilidade de se tornar um sujeito de fazer, ao se tornar fisicamente apto a realizar todas as performances sonhadas, quando ainda era o franzino Steve. Dessa forma, não há uma transformação de caráter, uma vez que sendo mostrado desde o início como o “bom moço”, só lhe resta tornar-se um soldado exemplar, dentro do conceito de propaganda dos norte-americanos.

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4. O mito clássico e o mito moderno

Para Eliade (1972), os heróis modernos – principalmente nos Estados Unidos – ou personagens de histórias em quadrinhos, encarnam ideais hu-manos, vivendo uma dupla identidade: uma, na qual é um sujeito comum, assim como as pessoas em seu cotidiano; e outra, em que existe em segredo um herói com poderes ilimitados. Há uma identidade entre o leitor e o herói retratado em que o homem sonha com esse lado heroico do personagem e com a perspectiva de poder se revelar também um herói guardado dentro de uma identidade secreta.

Comportamentos míticos poderiam ser reconhecidos na obsessão do”sucesso”, tão característica da sociedade moderna, e que traduz o desejo obscuro de transcender os limites da condição humana; no êxodo para os sub-úrbios, onde se pode detectar a nostalgia da “perfeição primordial” (...) (ELI-ADE, 1972, p.130)

As pessoas, o público, os espectadores, são hoje consumidores constantes de informação, de produtos produzidos por uma indústria peculiar, que com-ercializa valores muito mais abstratos e simbólicos; que vende a ideia de que se pode, – por um momento – vivenciar a vontade de ser também um herói, de se enxergar no herói retratado, como se fosse possível também ser igual a ele. Com uma produção em larga escala e a baixo custo, a indústria cultural possui um grande alcance em suas produções padronizadas. Com o mundo sendo seu público alvo e seu potencial consumidor há uma preocupação maior com a obtenção do lucro por intermédio da massa.

O facto de que milhões de pessoas participam dessa indústria imporia métodos de reprodução que, por sua vez, tornam inevitável a disseminação de bens padronizados para a satisfação de necessidades iguais. (ADORNO & HORKHEIMER, 1947, p.58)

Os produtos em questão são cíclicos, diferem em aparência, mas pouco mudam, na verdade. É preciso atingir a massa, renovando, sem realmente al-terar as fórmulas de sucesso. Assim, é preciso uma estória que venda, um herói aclamado pelo público e já parte do imaginário popular, que atinja os consumi-dores dessa indústria com uma abrangência ainda maior. O Capitão América, como adaptação de uma história em quadrinhos, já existia na mente desse público consumidor, sendo um produto facilmente rentável. Já era, portanto,

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previamente, um herói. Ao contrário de Ulisses que, apesar de ser um rei de uma pequena ilha, surge em um clássico grego pouco lido nas gerações atuais, além de também os filmes adaptados da epopeia não terem tido muita divul-gação, o que justifica seu quase total desconhecimento entre os fãs do Capitão América.

Não há, na indústria movida pelo consumo de massa, uma preocupação com questões como o crescimento pessoal e a conquista dos limiares do desen-volvimento íntimo, ainda que tais características tragam a admiração da mas-sa.. Ulisses, sendo um herói clássico, apresenta etapas encontradas na evolução psicológica individual e não há a mesma preocupação em relação ao Capitão América de ilustrar passagens clássicas já inseridas no inconsciente coletivo.

Outra mercadoria presente no filme Capitão América é o próprio nacion-alismo norte-americano ao mostrá-lo num tom exagerado: o amor à pátria e a vontade de servi-la levam um homem franzino a alistar-se no exército e isso o torna um super-herói. Há nesse sentido a mensagem de que no exército norte-americano o soldado é um herói, bastando alistar-se e lutar pelos Estados Uni-dos. Ser um cidadão americano, independente do sexo ou de sua atuação, é ser um salvador; o nacionalismo ufanista está representado no contexto da Seg-unda Guerra Mundial, pelos pôsteres de convocação como o da figura do Tio Sam, intimidatória, com seu “I want you”, ou o destinado às mulheres da época que foram levadas às fábricas de armamento, evidenciando a manipulação das donas de casa, com a afirmação provocativa “We can do it”:

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Esses pôsteres motivacionais, naquele contexto da Segunda Guerra, tor-navam evidente que não apenas os homens, mas também as mulheres eram especiais, ilustrando a ideia de que o cidadão norte americano é, por natureza, um herói em potencial, necessitando apenas desenvolver esse lado heroico.

A indústria cultural se faz presente na estória do Capitão América em todos os momentos de sua trajetória como herói, a partir do momento em que ele é apresentado à sociedade como uma mercadoria. Ele é um personagem de quadrinhos que se torna parte das brincadeiras infantis, é o personagem de um show no qual soca Adolf Hitler, possui um uniforme que, na prática, é a embalagem dele como produto. Depois de assumir efetivamente seu papel de herói não apenas no mundo do entretenimento, mas também no mundo real, ele continua sendo uma mercadoria que precisa ser exposta e apresentada ao público. Steve Rogers escolhe seu novo uniforme e um escudo que combine com seu gosto, sendo irrelevante, a princípio, o material do qual é feito, desde que sua embalagem agrade. O Capitão América acaba sendo uma ideia a ser vendida; apesar de haver um homem vivendo esse papel, há uma ideologia que precisa ser vendida aos cidadãos norte americanos.

Considerações Finais

Ao comparar as obras adotadas como corpus sob a ótica da construção do herói observa-se na estória clássica um trajeto completo que transforma Ulisses em um herói, após passar por provas que o auxiliam a superar suas próprias falhas e a agregar conhecimento. Cada obstáculo que ele supera o coloca mais próximo da compreensão necessária para adquirir a sophrosyne (temperança), capaz de transformá-lo em herói, um modelo necessário à for-mação do individuo e de sua atuação na polis grega. Já o Capitão América, como possui desde o inicio da narrativa as qualidades morais necessárias a um herói, as provas a que é submetido apenas contribuem para a sua aceitação pe-los colegas combatentes, que o viam como um protegido do governo. Ao final de sua trajetória, a qualificação como herói constitui apenas o encerramento de um processo iniciado com sua construção pela ciência, ao obter também a aceitação popular.

Dessa forma, há uma clara divergência na construção desses heróis. Não estão ausentes, em O Capitão América, ensinamentos morais e bons princí-pios, há uma ideologia inserida na narrativa; mas ainda assim trata-se de um produto concebido para atender à demanda do consumidor de massa, além de

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levar para o cinema a audiência das histórias em quadrinhos, expandindo o público convencional. Tanto dentro de sua própria narrativa quanto fora dela, o Capitão América é mais uma criação comercial e motivacional e menos uma representação de transformações individuais. É um modelo, pois constitui uma forma de ensinar como os indivíduos devem se comportar, na medida em que se doa completamente a sua pátria; é quase um manual de comportamento de como deve ser um bom cidadão norte-americano.

Já Ulisses sugere um trajeto que ocorre, analogamente, com as pessoas na vida real. Ele é um modelo a ser adotado pelo individuo, seu crescimento é pessoal e íntimo e, nesse sentido, ensina como se deve agir em determinadas situações que necessitam ser enfrentadas. A vida inteira uma pessoa agrega sabedoria e conhecimento em cada momento e dificuldade que enfrenta no seu cotidiano, havendo sempre uma transformação e um novo saber durante as provas da vida. Ulisses é um exemplo de indivíduo para a formação, mais tarde, do cidadão grego; a transformação de seu estado inicial para seu estado final é notável e essencial para seu crescimento interior, bem como para os que viriam a conhecer sua saga.

Se, dentro da mitologia e da concepção de valores, Ulisses tornou-se merecidamente um herói, pode-se dizer que se o Capitão América foi um herói construído mercadológica e moralmente, tanto pela indústria cultural, quanto dentro da própria narrativa, com o objetivo de incentivar a massa norte-americana durante a Segunda Guerra Mundial. O fato de estar sendo retomado na atualidade, bem como outros heróis dos quadrinhos, sugere uma carência de ideais e de atitudes, que as facilidades do mundo atual talvez esteja negligenciando e que a indústria cultural decidiu explorar, de certa forma reaf-irmando alguns aspectos do mito clássico, mas que a ânsia de lucro facilmente pode descaracterizar, dependendo da aceitação do público e de sua necessidade de diversão, hajam vistas as inúmeras adaptações de mitos e contos de fada originais levadas à grande tela, que se distanciam totalmente dos propósitos do texto original.

Referências

ADORNO, T. W. & HORKHEIMER, M. Dialética do Esclarecimento – fragmentos filosóficos, 1947. Acesso em 10/10/2012. Disponível em: http://antivalor.vilabol.uol.com.br BARROS, D. L. P. Teoria Semiótica do Texto. São Paulo: Ática, 2001.

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FilmografiaKONCHALOVSKY, A. & COPPOLLA, F. F. Odisseia. Estados Unidos, Grécia e outros, 1997JOHNSTON, J. Capitão América – O Primeiro Vingador. Estados Unidos, 2011.

Notas de Rodapé1. Ulisses desce ao Hades, reino dos mortos, de onde jamais um ser humano saíra vivo, para encontrar Tirésias; Hércules também vai ao Hades para empre-star do deus do reino dos mortos o cão Cérbero, em um de seus doze trabalhos. Ambos cumprem suas tarefas e conseguem sair de lá.

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