Livre para Viver _1º capitulo

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1º capítulo do livro Livre para Viver

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[1] O que no conhecemos pode nos prejudicarLivrando-se do medo inconsciente

A morte no nosso maior medo; nosso maior medo enfrentar o risco de estarmos vivos de estarmos vivos e expressar o que realmente somos. Don Miguel Ruiz

Vulnervel, embora poderoso, o crebro humano tem origem na mente primitiva de animais situados mais abaixo na cadeia evolucionria; mas est envolvido por uma estupenda camada de tecido cerebral que proporciona nossa exclusiva capacidade de pensar, falar e nos expressar como o fazemos. Essa mente primitiva permanece plantada em suas quatro patas dentro de nosso inconsciente, espreitando os arredores em busca de sinais de perigo imediato. O crebro inconsciente nunca ca realmente em silncio, est sempre ronronando nos bastidores, inundando sua contraparte racional com sinais de alerta: Ateno!, No v l!, Tome cuidado!. Inamada por um constante uxo de eltrons, que passam de um neurnio para o outro em milissegundos, o crebro inconsciente se acende ao menor sinal de perigo. O crebro consciente detecta o calor e cona nele da mesma forma que conamos no sol para nossa sobrevivncia. Mas esta doao do inconsciente uma faca de dois gumes, assim como grande parte da natureza humana. O mesmo calor que nos protege tambm nos queima quando no est regulado. E esfriar o dbio dom do medo no trabalho fcil. Esta tenso entre o crebro consciente e o inconsciente este ltimo com sua superproteo e diligncia sufocantes em muitos aspectos responsvel por nossa costumeira ambivalncia. 11

O QUE NO CONHECEMOS PODE NOS PREJUDICAR

No se admirar, portanto, que recentes pesquisas tenham demonstrado que somos consistentemente incapazes de reconhecer as coisas que nos fazem felizes. Diante de algumas opes, escolhemos sempre o que nos causa problemas. Assim, muitos de ns nos culpamos por no fazer as escolhas certas na vida, sem perceber que, em diversas situaes, as opes esto alm de nosso controle imediato. Esto trancadas em uma invisvel jaula de medo, que o inconsciente. Para destrancar esta jaula, temos que enxerg-la em primeiro lugar. Mas enxergar o medo requer muito mais do que simplesmente identicar nossos temores internos. Requer tipos especiais de ateno e conhecimento, que um vasto acervo de pesquisas cientcas nos permite empregar. Neste captulo, abordaremos parte desse conhecimento, com o objetivo de obter uma compreenso mais profunda das operaes internas da mente para que possamos fazer alguma coisa a respeito do medo. Todos os dias, pessoas me contam as histrias de suas vidas: pessoas que querem seguir em uma direo, mas, em vez disto, acabam indo em outra direo; pessoas que armam que esto tentando, mas falham repetidamente; pessoas que esto entediadas e tolhidas, mas que no so capazes de efetuar as mudanas que sabem que devem ser feitas; e pais preocupados porque seus lhos esto deprimidos, ou possuem decincias de aprendizagem, ou dcit de ateno e no esto melhorando apesar dos tratamentos. Se sabemos o que queremos, por que no somos capazes de fazer nada a respeito? Por que no somos capazes de seguir as diretrizes estipuladas por nossas mentes conscientes e alcanar nossas metas sem obstculos? Para muita gente, isso uma fonte de muitas angstias. Seja um relacionamento problemtico ou uma situao prossional difcil, muitas vezes nos sentimos arrependidos por ter feito a escolha errada. Por que continuamos a fazer essas escolhas, e o que nos dirige at elas em primeiro lugar? Se conscientemente estamos fazendo o melhor, mas no estamos indo para onde desejamos, alguma coisa fora de nossa conscincia deve estar nos levando em outra direo, sem nosso conhecimento ou consentimento. Chamo a isto de correnteza da natureza humana. Uma correnteza uma corrente de gua muito poderosa que corre do litoral para o alto-mar. Pode transformar uma praia aparentemente tranquila em algo assustadoramente perigoso, capaz de arrastar banhistas para guas profundas. Muitas pessoas capturadas por correntezas acabam se afogando devido exausto, ao tentarem nadar contra a corrente. O inconsciente a correnteza da mente. A distncia, parece calmo, pouco perceptvel e difcil de prever. Mas em seu interior reside a ameaadora fora do medo. Assim como uma correnteza pode ser til aos surstas, que 12

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utilizam sua fora para se afastar da margem, o medo pode ser til quando nos impulsiona rumo ao nosso objetivo. Mas, como uma correnteza imprevisvel, o medo tambm pode nos arrastar para longe de nossas metas e destinaes. Ao ouvir seus pacientes contarem suas vidas estendidos em um div, Sigmund Freud, o pai da psicanlise, concluiu que o comportamento daquelas pessoas era motivado por fatores alheios ao que podiam perceber de forma imediata. Embora misteriosa e um tanto perturbadora, essa ideia teve apelo suciente para estabelecer as bases da terapia psicanaltica durante muitas dcadas. O conceito fundamental era o seguinte: somos capazes de fazer coisas que so exatamente o oposto do que de fato desejamos para ns, pois nossas motivaes inconscientes so conitantes com nossas intenes conscientes. Quando Freud comunicou ao mundo que o sofrimento humano poderia ser aliviado atravs da compreenso do inconsciente, muitas pessoas apoiaram sua teoria. Entretanto, aqueles que exigiam provas concretas aqueles que no se contentavam com abstraes continuaram a alimentar uma forte suspeita de que as conjeturas de Freud no tinham fundamento nem nenhuma base na realidade. Neste captulo, veremos que Freud estava correto a respeito de nossas motivaes inconscientes e abordaremos outras importantes descobertas sobre o comportamento humano que surgiram desde ento. Tambm veremos como o poderoso medo inconsciente nos impede de viver nossas vidas plenamente e o que podemos fazer para super-lo.

MAPEAMENTO DO CREBRO: INCURSO EM UM MUNDO DESCONHECIDO De modo a provar que o comportamento humano inuenciado por fenmenos inconscientes, os cientistas precisavam examinar o crebro. Durante sculos, nossa capacidade para faz-lo foi limitada. Os raios X no eram muito teis, pois no tinham sensibilidade suciente para detectar as mudanas sutis que indicariam diferentes funes cerebrais. Medir as ondas cerebrais atravs da EEG (eletroencefalograa) provou ter alguma utilidade, mas os eletrodos, por serem axados no crnio, geralmente s mostravam as atividades superciais do crebro. Com o advento da IRM (imagem por ressonncia magntica), toda a compreenso da estrutura e do funcionamento do crebro comeou a mudar. Entretanto, com as limitaes ainda existentes, no era possvel entender realmente como o crebro funcionava. Ento, em 1990, surgiu a ressonncia 13

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magntica funcional, ou fIRM. Agora, nalmente, cientistas e mdicos poderiam de fato observar as mudanas no uxo sanguneo cerebral que coincidiam com diferentes estados emocionais. Embora a tecnologia, no incio, s fosse utilizada em aplicaes clnicas da neurologia, os pesquisadores logo comearam a us-la para entender como o medo afeta as funes cerebrais. O que viram modicou profundamente nossa compreenso do medo. SEU CREBRO BOMBARDEADO PELO MEDO MESMO QUANDO VOC NO PERCEBE: PROVAS CIENTFICAS DE QUE OS CEGOS PODEM ENXERGAR Nossos crebros so formados por tecidos nervosos, inclusive neurnios, outras clulas especializadas e substncias que envolvem as clulas. O tecido nervoso vivo. Se ligarmos este tecido nervoso a uma fonte de energia, como um o eltrico, uma corrente comea a circular. Se ligarmos um o eltrico a uma bateria que produza corrente contnua (CC), uma corrente contnua passar pelo o. Se ligarmos o o a uma tomada na parede que transmita corrente alternada (CA), uma corrente alternada passar pelo o. O tipo de energia gerado pela fonte determina como a corrente circular. Para o tecido nervoso, os acontecimentos do mundo so, literalmente, fontes de energia. E assim como em uma corrente eltrica, o tipo de energia (uma sensao fsica ou uma emoo) gerado pela fonte (um acontecimento) determinar o tipo de corrente. Um o eltrico recebe a corrente apenas sendo ligado fonte, e o mesmo ocorre no crebro humano. Desde que voc nasce, est ligado a acontecimentos, esteja dormindo ou acordado. Assim, a corrente est sempre circulando em seu crebro. Tal como ocorre na corrente eltrica, o tipo de energia que alcana seu crebro determina o tipo de corrente que circular dentro dele. Quando esta corrente o medo, a corrente circula nos circuitos do medo, mesmo que voc no consiga perceber o que est lhe despertando medo. Isto j foi provado cienticamente. Em um caso famoso, o paciente G.Y. teve um derrame cerebral que danicou o tecido do crtex estriado, a parte do crebro que processa os sinais nervosos da retina. Como resultado, ele teve um distrbio conhecido como cegueira cortical para todos os efeitos e propsitos, ele no podia enxergar. Embora no houvesse nada de errado com seus olhos, seu crebro no conseguia processar o que eles viam. Ao caminhar pelas ruas, ele esbarrava em objetos. Se algum colocasse algum objeto diante de seus olhos, ele era incapaz de descrev-lo. 14

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O estranho, no entanto, era que, quando a foto de uma pessoa com expresso de medo era apresentada a G.Y. como se ele pudesse v-la, ele sempre detectava exatamente essa expresso. Os pesquisadores analisaram o fenmeno at poderem provar que o acaso no poderia ser responsvel pela frequncia dos acertos de G.Y. Essa descoberta abalou os estudos cientcos do medo. Como um indivduo cego poderia sentir uma emoo comunicada visualmente? Se aceitarmos a ideia de que estamos conectados ao mundo desde que nascemos, segue-se que o circuito do medo no crebro daquele homem detectou que alguma coisa relacionada ao medo estava diante dele. Os cientistas s puderam concluir que, como as leses cerebrais impediam aquele homem de enxergar o medo visualmente, seu crebro estava captando por outro caminho os sinais emitidos pela retina, para que G.Y. pudesse ter conscincia do medo. Considerando nossas prprias experincias de vida, isto pode parecer pelo menos plausvel. Muitas pessoas acreditam que tm um sexto sentido, quer isto possa ser provado ou no. Mas como nosso crebro pode perceber o medo quando no estamos vendo nada amedrontador ou mesmo quando no estamos enxergando nada? Caso seja possvel, quais seriam as implicaes desse fato em nossa vida cotidiana? Mesmo quando voc est cego para o medo, seu crebro detecta os sinais de perigo que o cercam e os introduz nos circuitos do medo. Trata-se de algo semelhante ao que G.Y. vivenciou e que os cientistas chamam de viso cega o reconhecimento inconsciente de informaes visuais por uma pessoa com leses no crtex estriado. Durante muito tempo, a existncia de uma viso cega foi mera conjetura, at que um grupo de pesquisadores que lidava com imagens do crebro projetou uma experincia para test-la. Segue-se a teoria que originou esta experincia. QUANTO TEMPO SEU CREBRO PRECISA SER EXPOSTO AO MEDO PARA QUE O MEDO ENTRE NO CIRCUITO CEREBRAL? Se alguma coisa amedrontadora est ocorrendo sua volta, seu crebro ir detect-la. Mas, assim como um milsimo de segundo no o bastante para gerar uma corrente que percorra todo um o eltrico, acontecimentos amedrontadores que ocorram perto de voc durante um milissegundo no so sucientes para acionar seus circuitos de medo. Quando seu crebro est ligado em alguma coisa amedrontadora, os eltrons comeam a circular por seus circuitos de medo. Mas seu crebro precisa 15

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de, pelo menos, dez milissegundos de exposio ao medo para que conserve este medo. So necessrios entre dez e trinta milissegundos para que seu inconsciente processe o medo e o processamento consciente tenha incio. Processamento signica que as engrenagens esto girando; o crebro est agindo e comeando a obter trao. como um dispositivo antiderrapante. Um carro equipado com um sistema de frenagem antibloqueio (ABS) tentar automaticamente diminuir a marcha quando os freios so acionados durante uma derrapagem na neve. O medo aciona o ABS do crebro somente aps dez milissegundos de exposio e sinaliza para o crebro que este precisa reduzir a marcha. Depois de apenas trinta milissegundos, seu crebro comea a saber que foi travado pelo medo, o que est provocando a derrapagem. Aps se passarem quatrocentos milissegundos, o crebro j sabe quase tudo o que precisa saber sobre a natureza do medo, e o medo pode ser convocado conscincia facilmente. Imagine como seu crebro est acionando os freios na estrada de sua vida a cada vez que sente um medo inconsciente. Sem que voc saiba, sua jornada rumo a seus objetivos pode ser retardada devido s constantes freagens diante de um medo inconsciente. Para tirar do comando o sistema automtico de controle e reassumir o controle de seu crebro, voc precisa entender melhor seus medos inconscientes e, de certa forma, instruir seu crebro a no responder tentando diminuir a marcha. Trata-se de uma ideia fundamental, mas no passava de uma conjetura at que um grupo de pesquisadores formulou uma experincia destinada a testar se esse processamento inconsciente realmente ocorre, e em que partes do crebro se realizam os processamentos conscientes e inconscientes. Para isso, os pesquisadores desenvolveram um processo chamado backward masking (retrocesso oculto ou mscara do contrrio). Basicamente, a foto de um rosto com expresso amedrontada era mostrada a alguns voluntrios rpido demais para que a mente consciente a registrasse; logo em seguida, a foto era trocada pela foto de um rosto com expresso neutra, ou mscara, que era apresentada durante tempo suciente para as pessoas carem conscientes de t-la visto. Em outras palavras, embora as pessoas tivessem realmente visto duas fotos, achavam que s tinham visto uma. A imagem do rosto amedrontado era mostrada durante mais de dez, mas menos de trinta milissegundos o bastante para ativar a corrente cerebral do medo, mas no o suciente para despertar o crebro consciente. Se o estmulo no ativasse nada no crebro, os pesquisadores concluiriam que a sensao do medo no estava ocorrendo. Descobriram ento que o crebro consciente no assimilava uma expresso temerosa se esta fosse apresentada por menos de trinta milissegundos. 16

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EM QUE LOCAL DO CREBRO HUMANO O MEDO SENTIDO? Os voluntrios de todas essas experincias haviam sido diagnosticados com distrbios de ansiedade, mas Paul Whalen, ph.D., e seus colegas de Harvard realizaram um estudo semelhante com indivduos sem nenhum distrbio psquico. Os pesquisadores mostraram a eles o mesmo rosto amedrontado, muito rapidamente; em seguida exibiram a mscara, mas por um tempo mais longo 167 milissegundos , de modo que os voluntrios enxergaram apenas a mscara, sem fazer a menor ideia de que tambm tinham visto o rosto atemorizado. A experincia foi realizada com os participantes dentro de um aparelho de ressonncia magntica, para que os pesquisadores pudessem ver as reas do crebro onde o uxo sanguneo (e consequentemente a corrente eltrica!) aumentava quando o rosto amedrontado era exibido. O que descobriram explicou com exatido como G.Y. percebera o medo. Quando o rosto atemorizado era exibido, o uxo sanguneo dos voluntrios aumentava em uma estrutura cerebral conhecida como amgdala, embora eles no tivessem nenhuma percepo consciente nem qualquer lembrana de terem visto o rosto. Se eu e voc estivssemos l tambm negaramos ter visto a imagem com expresso temerosa. Mas nossos crebros diriam o contrrio, pois as engrenagens de nossas amgdalas teriam comeado a girar no momento em que fssemos expostos ao medo. Essa descoberta nos diz algo profundo a respeito do papel do medo em nossas vidas: voc e eu podemos ignorar totalmente diversas coisas que nos provocam medo, embora estas produzam impulsos que uem atravs de nossos crebros. Pense nas coisas com as quais voc se depara todos os dias enquanto toma o metr, dirige um automvel ou entra em um prdio de escritrios. Mesmo que voc no veja conscientemente uma pessoa que aparente estar sentindo medo, sua amgdala cerebral saber que o medo est ao seu redor. Para compreender as implicaes disto, vejamos novamente o que acontece quando uma corrente passa por um o. Se o o for capaz de sustent-la, timo. Mas quando a corrente excessiva, o circuito no pode sustent-la e o sistema se desligar. O medo inconsciente tem um efeito semelhante em nosso crebro. Ele comea a direcionar a corrente para a amgdala cerebral; se houver muita corrente, a amgdala ir funcionar mal ou parar de funcionar. Alm disso, a amgdala no est isolada no crebro. Localizada no centro, est conectada ao crebro consciente atravs de uma das principais rodovias cerebrais. Sinais viajam entre a amgdala e o crebro consciente o tempo todo. Portanto, a corrente a emoo ou a sensao que voc envia por 17

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esta estrada pode afetar o funcionamento de suas aes e de seus pensamentos conscientes. Esse detector de perigo pode na verdade ser o interruptor que se liga cada vez que tentamos fazer alguma coisa que nossos crebros interpretam como arriscada. Em seu livro Money Success and You (Dinheiro, sucesso e voc), John Kehoe, que escreve sobre o poder da mente, arma que ganhar dinheiro se torna menos complicado quando voc entende que pensamentos negativos podem impedi-lo de alcanar o sucesso nanceiro. Ele recomenda que enfrentemos e expulsemos de nossa mente os pensamentos negativos para ganhar mais dinheiro. Embora isso possa parecer um conceito simples, no algo fcil de se pr em prtica. Mas a experincia de Whalen pode nos ajudar a encontrar um meio. Se, por exemplo, voc decidir que deseja ganhar mais dinheiro, seu crtex cerebral precisar estar bem organizado para a misso; como um navio, iniciar a viagem no ponto A e continuar at alcanar o ponto B, onde o dinheiro ser obtido. Mas a histria no to simples. Como Kehoe sugere, ideias negativas inconscientes que voc alimenta a respeito do dinheiro podem perturbar o crtex. Assim, o percurso de A para B nesses ventos temerosos exigir uma navegao determinada e cuidadosa. Se pensamentos sobre dinheiro acionam sentimentos de medo, isto ativar sua amgdala. Tal ativao se estender ao crtex e prejudicar a sincronia de que o crebro necessita para que o crtex (no caso, o crtex frontal) organize seus esforos para alcanar suas metas. Se sua amgdala no for perturbada pelo medo, seus esforos sero bem executados e sincronizados. Quando sua amgdala interfere nesta ao, mesmo que voc no tenha conscincia da perturbao, seus esforos para ganhar dinheiro sero levados pela correnteza, arrastando voc para longe de seus objetivos. Todos os dias, em minha clnica, encontro pessoas que so vtimas desse fenmeno. Acreditam que esto fazendo tudo o que devem fazer e no entendem por que no se aproximam de suas metas. O efeito da amgdala ainda mais intenso do que o de uma correnteza, pois voc nunca sabe ao certo se ela est exercendo sua inuncia. Mas voc pode pressupor que ela est sempre em estado de alerta, sempre respondendo aos medos que voc tem e sempre estendendo essas perturbaes ao seu crtex. E so necessrios apenas dez milsimos de segundo para que o medo seja registrado. As agitaes da amgdala afetam constantemente seu crebro e sua vida.

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O CREBRO INCONSCIENTE: ONDE SE INICIA O MEDO INCONSCIENTE? A estrutura e o funcionamento do crebro inconsciente so coisas amplas e complexas. Ao longo dos anos, evolumos a partir de nossos predecessores, desenvolvendo uma camada externa de clulas e conexes cerebrais chamada crtex. Entretanto, conservamos muitas das partes importantes do crebro de nossos predecessores, inclusive as que constituem o inconsciente sempre rpido em detectar e agir. Em nossos predecessores, o rpido crebro inconsciente (que muita gente chama de subconsciente) avaliava velozmente as circunstncias procura de sinais de perigo, permitindo que as criaturas se protegessem. A amgdala cerebral uma das estruturas vitais que herdamos de nossos ancestrais. Esta massa de clulas nervosas em formato de amndoa (amygdale a palavra grega para amndoa) nos alerta para o perigo em nosso meio ambiente alguns milsimos de segundos aps detect-lo. A amgdala vibra eletricamente sempre que o perigo aparece, mesmo quando no o percebemos. Joseph LeDoux, ph.D., renomado pesquisador do medo, refere-se amgdala como o co de guarda do crebro humano. Trata-se de um lbulo pequeno, sensvel e muito reativo, e constitui o foco das modernas pesquisas que investigam os mecanismos cerebrais subjacentes ao medo. Na amgdala, existem clulas nervosas de vrios tipos e tamanhos, dispostas em vias neurais com funes especcas. Depois de efetuar um amplo mapeamento do crebro, os cientistas conrmaram a existncia de duas importantes vias neurais relacionadas ao medo. Uma delas mais direta e produz uma resposta imediata, mas menos exata. Por exemplo, se voc vir uma corda enrolada em um corredor escuro, voc poder pular para trs, com medo, pois seu crebro percebeu o rolo como uma cobra. Neste caso, a informao viaja desde o tlamo (a parte do crebro que primeiro sente o perigo) diretamente at a amgdala, que ento instrui seu corpo a pular para longe do perigo (circuito 1 > 2 > 3 > 4 no diagrama, mostrando o caminho direto). Pouco depois, no entanto, o tlamo tambm transmite uma mensagem ao crtex. Como o crtex demora mais para processar a informao visual, sua avaliao mais precisa que a da amgdala. Quando o crtex reconhece que o objeto no corredor um rolo de corda, no uma cobra, ele tranquiliza a amgdala e desliga a resposta amedrontada do corpo (circuito 1 > 2 > 3 > 4 > 5 no diagrama, mostrando o caminho indireto).

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O QUE NO CONHECEMOS PODE NOS PREJUDICAR

Caminho Direto (Primeira Resposta do Crebro)(2) Tlamo (3) Amgdala

(1) Rolo de Corda

(4) Resposta Emocional 1 (primeira)

Caminho Indireto (Resposta Final do Crebro)(3) Crtex

(2) Tlamo

(4) Amgdala

(1) Rolo de Corda

(5) Resposta Emocional 2 (mais tarde)

O medo pode facilmente car registrado na amgdala (aps viajar pelo caminho mais curto) sem ser passado para o crtex (o caminho mais longo), impedindo que voc saiba que foi exposto a algo amedrontador. Para ter uma resposta emocional, voc no precisa saber sobre o medo; basta que ele seja registrado pelo crebro inconsciente. Como a amgdala tem amplas conexes com o restante do crebro, suas emoes e seu comportamento podem ser profundamente afetados sem que voc perceba.

A HISTRIA DE BRIAN: O PNICO RESULTARIA DE MENSAGENS CONFUSAS RECEBIDAS PELA AMGDALA? Brian era um executivo bem-sucedido de 48 anos que trabalhava em uma rma importante. Ele me procurou porque estava sofrendo ataques de pnico perturbadores. Ele havia usado medicamentos que s o ajudaram at certo ponto. Os ataques continuaram. Com o tempo, percebi que Brian era uma pessoa afvel, mas detestava o emprego. Sempre desejara ser um empresrio, mas tinha medo de no conse20

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guir sucesso trabalhando por conta prpria. Pensara em sair do emprego por diversas vezes durante os ltimos vinte anos, mas sempre que estava na iminncia de faz-lo, obtinha uma promoo. Sentia que as garras da empresa estavam cravadas nele, apertando cada vez com mais fora. Por um lado, Brian sabia que a vida era curta e que quanto mais procrastinasse, mais difcil seria sair do emprego. Por outro, ele se perguntava como poderia deixar um emprego seguro quando tinha mulher e lhos para sustentar. E se as pessoas pensassem que ele estava cometendo um erro terrvel? E se falhasse? Quando comeou a falar mais sobre o assunto, percebeu que ainda tinha outros medos. Descobriu que tinha medo de morrer e medo de viver. De certa forma, viver exigia um sentido de f que envolvia valorizar o momento presente e contemplar o futuro. Brian no estava acostumado a viver sem olhar por cima dos ombros. Agora imagine o que estava se passando no crebro de Brian. Todos esses medos estavam causando um terremoto emocional em sua amgdala, mas apenas quando comeou a falar sobre o assunto foi que ele se deu conta deles. Podemos inferir, com base nos experimentos de Whalen, que a atividade de sua amgdala estava provavelmente solapando os esforos que seu crtex fazia para que ele avanasse na vida. Essas duas partes de seu crebro estavam enviando mensagens contraditrias para o centro de ao (o crtex motor) de seu crebro, a parte que faz as coisas. Quando o centro de ao do crebro recebia as mensagens contraditrias, no sabia o que fazer. O crtex queria ajud-lo a organizar sua sada, enquanto a amgdala enviava sinais de pnico ao crtex, dizendo-lhe que parasse de fazer isso, pois Brian estava em perigo. No de admirar, portanto, que Brian sofresse recorrentes ataques de pnico que surgiam de repente, sem aviso. Quanto mais velho ele cava, mais intenso era o conito entre seu dio ao emprego e sua vontade de viver a vida que desejava. E quanto mais intenso se tornava o conito, mais violentos eram seus ataques de pnico. Agora sabemos que os ataques de pnico esto associados ao aumento da atividade da amgdala, que perturba o funcionamento do crtex, em especial a parte chamada crtex cingulado anterior (CCA). O CCA importante para a ateno e geralmente monitora as decises e aes, procurando erros e conitos. Possui uma conexo direta com a amgdala. Sob o ponto de vista psicolgico, os ataques de pnico de Brian resultavam de seus sentimentos conitantes: a segurana e familiaridade de seu emprego contra a frustrao de no ser um empresrio. Sob a perspectiva neurolgica, sempre que seu 21

O QUE NO CONHECEMOS PODE NOS PREJUDICAR

crtex tentava mov-lo em direo ao seu objetivo, a correnteza gerada por sua amgdala hiperativa interferia nessa inteno e o arrastava para longe. Na vida cotidiana, os medos que zumbiam em sua amgdala eram invisveis a Brian. Voltaremos a Brian mais frente para ver como ele acabou lidando com o problema. UM POUCO DE MEDO PODE RENDER MUITO Brian, obviamente, estava s voltas com muito medo. Mas qual a quantidade de medo necessria para que a amgdala cerebral que ativa? Whalen e seus colegas abordaram esta questo examinando como o tamanho do branco dos olhos, parte conhecida como esclera, inui na ativao da amgdala em uma pessoa que esteja observando os olhos. Eles queriam saber se a amgdala precisava de uma expresso totalmente amedrontada, para detectar o medo, ou bastaria um componente importante que sinaliza o medo, como olhos arregalados. E caso a amgdala reagisse apenas aos componentes importantes, sua reao seria igual de uma exposio a um rosto totalmente amedrontado? Assim, Whalen e seus colegas usaram novamente o retrocesso oculto, mas exibiram aos participantes apenas os olhos, em vez de rostos inteiros. Ou seja, expuseram os voluntrios apenas a imagens de olhos que mostravam quantidades variveis de escleras. Foram ento capazes de demonstrar que a amgdala responsvel por maiores exposies de escleras (que indicam medo) do que por menores exposies (que indicam felicidade), mesmo quando os participantes viam as primeiras imagens muito rapidamente para terem conscincia de t-las visto. As descobertas tambm demonstraram que a amgdala, alm de sensvel aos estmulos do medo, tambm sensvel a fragmentos de estmulos do medo. Os olhos de uma pessoa atemorizada transmitem muito medo, independentemente do restante do rosto, e so sucientes para ativar a amgdala. Para provocar o medo, um estmulo no precisa ser um terremoto ou um leo. O zumbido em sua amgdala pode ser gerado por todas as pequenas coisas com as quais voc se defronta diariamente. Como ento o lobo frontal poderia fazer seu trabalho sem as perturbaes do ambiente? Com as provas de que at pequenas quantidades de medo podem ativar a amgdala, os cientistas perceberam que esta no precisa de um conjunto completo de informaes para reagir: a amgdala responde at aos mais sutis indcios de medo.

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ONDE H FUMAA, H FOGO: O QUE ACONTECE QUANDO VOC LIGA O INTERRUPTOR DA AMGDALA CEREBRAL? A amgdala cerebral constituda de clulas nervosas como a que mostrada a seguir.

Axnio: transmite impulsos eltricos

Corpo celular com o ncleo e conexes para a prxima clula

Os axnios transmitem impulsos eltricos. Como tm um tamanho denido, s podem transmitir uma determinada quantidade de impulsos. Funcionam como o circuito eltrico de uma casa: se voc o sobrecarrega, ele queimar um fusvel ou acionar o disjuntor. Voc j sentiu uma espcie de colapso emocional ou uma sensao de extremo cansao, sem saber exatamente por qu? J sentiu, ao chegar em casa, vindo do trabalho, que a nica coisa que desejava fazer era ver televiso e devanear? Costuma se sentir culpado por estar cansado depois de um dia cuidando dos lhos? Ou se sente culpado por ter ajuda para cuidar das crianas, mas mesmo assim ainda se sente exausto ao nal do dia? Bem, sua amgdala sobrecarregada pode explicar sua fadiga. Seu crebro consciente pode achar que voc no tem motivos para se sentir to cansado. Mas ns sabemos que seu crebro inconsciente pode estar absorvendo o estresse e os medos de sua vida cotidiana. Absorver estresse consome energia, a ponto de esgotar todas as suas reservas, deixando menos quantidade disponvel para que seu corpo faa outras coisas. E, ao ser ativada, a amgdala envia impulsos eltricos pela medula espinhal, ativando a reao de lutar ou fugir, de modo que seu corao, pulmes e outros rgos tm de trabalhar muito mais. A fadiga resultante afeta todo o seu corpo. Pense em sua amgdala como o motor de um automvel. Se voc acidentalmente deixar os faris ligados, a bateria vai se esgotar. Quando seus medos so inconscientes, como se voc no percebesse que tinha deixado os faris ligados. Quando o medo est alm de sua percepo consciente, ele comea a descarregar a bateria que impulsiona sua vida. Muitas vezes, voc pode no reconhecer o fato at que nada mais reste e seu carro pare. Sem 23

O QUE NO CONHECEMOS PODE NOS PREJUDICAR

nenhum aviso, a ativao da amgdala atinge um pico e voc se v obrigado a tomar medidas extremas para recalibrar suas emoes. Em geral, podemos presumir que isso esteja sempre acontecendo. Faz muito sentido, portanto, cuidarmos sempre de nossa amgdala cerebral. Fazer isto requer muitos procedimentos importantes que discutiremos ainda neste captulo. Frias, por exemplo, podem ser o equivalente a levar a amgdala a uma ocina. Mas, por enquanto, importante lembrar que os medos inconscientes podem estimular a amgdala, usando energia vital que poderia ser usada em outras coisas. Quando a amgdala est sobrecarregada, sobrecarrega tambm os centros de deciso situados no crtex frontal aos quais est ligada. Alm disso, como j mencionamos, se houver muitos estmulos eltricos, a amgdala pode provocar a queima de um fusvel, ou mesmo enguiar, por assim dizer. Em tais casos, possvel que possa deixar de desempenhar suas tarefas protetoras, levando-nos a assumir riscos desnecessrios. Essa teoria usada para explicar por que os caadores de emoes fortes fazem o que fazem. Eles comeam sentindo um medo inconsciente. Como no o reconhecem, inutilizam a amgdala passando a no mais reconhecer situaes em que deveriam ter medo. Isto tambm explica por que as pessoas, por vezes, procuram relacionamentos perniciosos. J foi demonstrado que alguns indivduos com a amgdala danicada devido a grandes traumas emocionais ou leses no crebro so incapazes de identicar corretamente a clera e o medo, tanto em si mesmo quanto nos outros. Como resultado, so mais propensos a se colocar em situaes perigosas, pois no as reconhecem como perigosas. A cincia est comeando a demonstrar que devemos nos conectar com nossos medos inconscientes e aliviar nossas amgdalas; isto pode ser importante para pessoas extremamente afetadas por medos inconscientes. No podemos deixar nossas amgdalas zumbindo sem parar, simplesmente por no termos conscincia de que ela est sobrecarregada.

A HISTRIA DE ELLIE: PODEMOS LIMITAR A ATIVAO DA AMGDALA? Ellie, uma mulher muito competente que estava fazendo terapia comigo, relatou que muitas vezes, ao acordar de manh, estava tremendo e sentindo medo. Ela no tinha ideia do motivo. Eu me sinto como se estivesse enlouquecendo, dizia. Perguntei sobre a natureza de seu medo. Eu no sei, respondeu ela. Sem nada intimidador ou assustador vista, eu sinto que alguma coisa 24

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est errada. Meu corao bate acelerado e eu co beira do pnico. Sempre fao uma tentativa consciente para me acalmar antes de dormir. Bebo ch descafeinado. Relaxo. Mas nada adianta. Quando exploramos o assunto mais a fundo, descobri que o marido dela, com quem ela assistia televiso antes de dormir, continuava a ver televiso por muito tempo depois que ela caa no sono. Durante cerca de duas horas, ele assistia a sries criminais e lmes de ao, que geralmente envolviam carros derrapando, tiroteios, pessoas gritando e msicas amedrontadoras. Eles estavam casados havia dez anos. Quando investigamos se isto poderia afet-la enquanto dormia, ela ridicularizou a ideia. Pode acreditar, disse ela, quando vou dormir, apago em um segundo. Ns sabemos que um segundo tempo bastante para que o crebro registre informaes conscientemente. Se voc se lembrar das descobertas de Whalen, o crebro inconsciente precisa apenas de trinta milissegundos de estmulo. Conclu que, enquanto dormia, Ellie provavelmente estava processando estmulos inconscientes. Ela considerou minha concluso uma bobagem freudiana, segundo declarou at que mostrei a ela as ltimas descobertas das pesquisas com o crebro. Expliquei que esses estmulos assustadores no necessitam de um estado de viglia ou de um processamento consciente para acionar a amgdala. Tudo de que precisam um modo de entrar. Se um cego pode ver, uma pessoa adormecida tambm pode processar estmulos auditivos. Esses estmulos entram prontamente no crebro atravs dos ouvidos. Assim como no caso do paciente G.Y., pensei eu, o crebro de Ellie estava registrando os estmulos, embora ela no tivesse conscincia deles. Ellie ainda se mantinha ctica, mas concordou em passar por uma experincia durante seis meses, perodo no qual seu marido concordou (no sem protestar!) em no ver televiso na cama quando ela estivesse dormindo ao lado dele. Como que num milagre, os terrores matinais de Ellie, embora ainda presentes, diminuram de modo signicativo durante trs meses e praticamente desapareceram aps seis meses. Ellie passou a acreditar no meu diagnstico! Todos estamos expostos a estmulos amedrontadores durante o tempo todo, quer prestemos ateno neles ou no. Noticirio noturno, buzinas de carros nas ruas, pessoas ansiosas no metr, proximidade com uma pessoa que se sente ansiosa, embora no o demonstre os exemplos so inumerveis. A amgdala os processa automaticamente. Ningum est imune aos efeitos. No importa quantas coisas positivas estejam ocorrendo ao mesmo tempo: se uma ameaa est presente, seu crebro foi treinado pela evoluo a prestar ateno nela, acima de tudo. 25

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A BIOLOGIA DAS EXPERINCIAS AGRIDOCES A qualquer momento, existem experincias positivas e negativas ocorrendo em sua vida. Por que ento, ao que parece, bastam uma ou duas situaes estressantes para nos desencorajar, por mais que existam coisas positivas ocorrendo conosco? Nosso crebro pode processar muitas emoes ao mesmo tempo. Mas a evoluo o programou para processar as ameaas primeiro, muitas vezes s custas de outras emoes. um pouco como ouvir o AC/DC a todo volume e pr para tocar uma gravao de Whitney Houston ao fundo, em volume baixo. Voc mal conseguiria ouvir a suave balada de Whitney com as baterias e guitarras do AC/DC martelando seus ouvidos. Isso o que os pesquisadores Patrick Vuilleumier, M.D., e Sophie Schwartz, ph.D., descobriram em 2001, quando realizaram uma experincia para determinar o que aconteceria se colocassem diferentes imagens no campo visual de pessoas que, como o paciente G.Y., tivessem cegueira cortical, embora nestes casos apenas um olho tivesse perdido sua conexo com o crebro. O campo visual a rea total que uma pessoa pode enxergar quando est olhando para a frente. O campo visual de uma pessoa com cegueira cortical o mesmo, embora o indivduo acredite que no pode enxergar nada. Quando os pesquisadores apresentavam os desenhos de uma or, uma aranha ou um anel todos com formato semelhante ao campo visual intato e depois apresentavam os mesmos desenhos ao campo visual cego dos participantes, estes eram capazes de relatar que a aranha fora mostrada ao campo visual cego com mais frequncia do que quando foi mostrada uma imagem neutra ou agradvel. Era como se o inconsciente primeiro processasse o estmulo que exigiria uma resposta protetora (uma ameaa) antes de processar os outros estmulos. Em outras experincias, Vuilleumier e alguns colegas ampliaram essas descobertas demonstrando que o mesmo princpio se aplica a rostos atemorizados. Diante de imagens que representam o medo e outras emoes, o crebro preferencialmente se atm ao medo, antes de considerar as demais emoes. Essa era uma das coisas que estavam acontecendo com Brian. Seu crebro estava se comportando como todos os crebros sem nenhum controle: processava o medo em primeiro lugar. Com suas prioridades determinadas pelo medo, Brian no conseguia fazer o que realmente desejava. Seus medos anulavam sua vontade de ter uma vida mais completa e tambm exauriam suas emoes positivas. Esses conitos entre os temores inconscientes e os desejos conscientes geram um tipo misterioso de entorpecimento. Por exemplo, voc pode ser elo26

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giado por seu trabalho, mas descobre que, na verdade, no se sente bem com ele. Ou pode descobrir que uma briga com seu chefe no dia de seu aniversrio acaba totalmente com seu bom humor, apesar de todos os presentes que recebeu e dos sentimentos positivos sua volta. O crebro sempre prefere jogar os holofotes sobre o medo, em detrimento das outras emoes. Este fenmeno ser descrito em maiores detalhes no Captulo 2. Alguns terapeutas armam que a transformao de seus medos inconscientes em medos conscientes tem o efeito de anular o medo, mas isto no foi provado cienticamente. Embora seja aconselhvel tentar trazer os medos inconscientes ao nvel da conscincia (para que voc possa lidar com eles usando o crtex frontal), importante no abandonar o processo sem lev-lo um pouco mais longe. Ou voc poder acabar com medos no crebro inconsciente e no crebro consciente. Como ser descrito a seguir, sua ateno ao problema tem de ser dedicada e completa. E seu inconsciente tambm pode fazer bastante trabalho por si s. Sonhos assustadores so uma forma encontrada pelo inconsciente para lidar com medos que podem ser grandes demais para permanecerem no crebro consciente. Um estudo examinou a interao entre os dois nveis de emoo um consciente e um inconsciente ocorrendo ao mesmo tempo. Diversas imagens foram apresentadas a uma pessoa com hemiopia (perda de viso na metade direita ou esquerda do campo visual). Quando um rosto amedrontado era mostrado ao campo visual cego e ao campo visual intato, ao mesmo tempo, ocorria uma ativao em vrias regies do crebro (a amgdala, o giro fusiforme e o pulvinar). Ao mesmo tempo, ver e no ver (no campo visual cego) o medo criava uma ativao duas vezes maior do que simplesmente ver o medo. O que no surpresa, quando sabemos que uma imagem amedrontadora pode causar impresso mesmo quando o crebro consciente no a v; e quando somamos o medo consciente com o inconsciente. Surpreendente, no entanto, foi que havia menos ativao cerebral quando a imagem do medo era apresentada apenas ao campo visual intato do que quando era mostrada apenas ao campo visual cego. Isto sugere que o medo inconsciente tem mais impacto que o medo consciente na ativao do crebro. Aquilo que voc no conhece ativa mais a amgdala do que aquilo que voc conhece. Quando voc encontra coisas que provocam medo no nvel inconsciente, sua percepo sensorial pode ser afetada tambm de outras formas. J foi demonstrado que, quando rostos aterrorizados so apresentados a um voluntrio sem seu conhecimento consciente, a capacidade da pessoa para identicar corretamente emoes transmitidas pela voz tambm afetada. Assim, o 27

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medo que visto e ouvido simultaneamente, sem sua percepo consciente, tem maior impacto que a simples viso deste medo. Lembre-se de que, no caso de Ellie, o som do perigo era o bastante para dominar seu estado emocional. Vale destacar que ns registramos o medo mesmo quando nos mostram, ao mesmo tempo, um rosto ou uma voz incongruentemente feliz. Se houver qualquer motivo para escolher o medo, a amgdala far isto. A incongruncia entre uma voz e uma expresso facial tambm ativa o centro de deteco de conitos (CCA), o qual por sua vez aciona a amgdala. Isso tem importantes implicaes para sua vida. Vejo muitas pessoas preocupadas com sua incapacidade para descobrir, de forma consciente, por que esto infelizes. As experincias aqui relatadas explicam por que voc no se sente feliz mesmo quando tudo ao seu redor parece correr bem. comum, por exemplo, as pessoas carem aborrecidas porque no se sentiram felizes ou foram incapazes de relaxar durante as frias. Seus cnjuges reclamam que elas so ingratas ou no sabem apreciar as coisas positivas da vida. Estas pessoas se sentem culpadas, pois sabem que seus parceiros tm razo, e no entendem por que se sentem daquela maneira. Certa vez tive um cachorro que comeava a ganir horas antes de um temporal. Enquanto todos na famlia estavam se divertindo, ele se agachava, pousava a cabea no cho e gania. Somente depois que relacionei seu comportamento com a sensibilidade aos troves que se aproximavam, percebi que ele estava reagindo ao medo. Da mesma forma, alguns seres humanos so mais sensveis a estmulos negativos que outros, e suas amgdalas podem comear a agir muito antes das amgdalas de outras pessoas. Ora, essas pessoas sensveis podem assimilar mais do que o necessrio. Esta sensibilidade pode resultar de uma combinao entre fatores genticos, inuncias sociais e ambientais. Saber que possvel que isso esteja ocorrendo pode ajudar a reduzir a culpa que sentem, proporcionando um contexto para o entendimento das razes que os levam a se sentirem mal, embora tudo parea estar bem. Sobre a questo das frias, um estudo conduzido durante vrios anos descobriu que, quando as pessoas rastreavam e avaliavam suas sensaes, percebiam que se sentiam mais felizes no trabalho que nas frias, embora acreditassem que se sentiam mais felizes nas frias. As frias tendem a afrouxar a concentrao intensa (e a ativao frontal) que o trabalho exige. Isso deixa a amgdala cerebral por sua prpria conta, o que pode reforar sensaes desconfortveis. A resposta, no caso, no evitar as frias, mas reconhecer que suas predisposies podem ser diferentes das que voc espera. Alguns indivduos se concentram em realizar atividades especcas enquanto esto de frias como mergulho ou 28

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natao , de modo a preencher suas necessidades de ativao frontal e relaxar as amgdalas enquanto esto longe do trabalho. Mesmo depois do trmino de algum acontecimento que provoque o medo na amgdala, esta pode permanecer ativada. Mark Williams, ph.D., e Jason Mattingley, ph.D., descobriram que imagens de emoes negativas apresentadas primeiramente a um campo visual cego (portanto percebidas de modo inconsciente) podem afetar o julgamento de emoes apresentadas um pouco mais tarde para o campo visual no afetado. Esse fenmeno chamado de priming afetivo. Assim, emoes negativas residuais permanecem no crebro e afetam nossa percepo de acontecimentos positivos. Isso pode explicar por que, s vezes, as pessoas precisam de alguns dias para entrar no clima de frias. Outro modo de entender isso: o medo inconsciente mancha as lentes pelas quais um indivduo enxerga a vida, mesmo depois que o medo consciente desapareceu. A mancha residual afeta a forma pela qual voc v a vida e pensa sobre ela. Este o motivo pelo qual algumas pessoas consideram um copo de gua meio cheio e outras, meio vazio. Ambos os pontos de vista esto corretos, mas as pessoas que pensam no copo como meio cheio o enxergam atravs das manchas deixadas pelos medos inconscientes que tinham. O que estamos vendo que a amgdala afeta o modo como vemos o mundo. E as lentes manchadas do crebro podem impedi-lo de aproveitar excelentes oportunidades.

A HISTRIA DE SONIA: A BIOLOGIA DA RECUPERAO Sonia era uma atraente mulher de 36 anos que tivera um relacionamento no qual fora vtima de abusos, encerrado quando ela estava com 28 anos. Desde ento, ela fora incapaz de manter um relacionamento durvel com qualquer homem que conhecesse. Namoros no eram problema, mas todas as vezes que ela se tornava ntima de um homem, descobria alguma coisa terrivelmente errada com ele. Conversamos sobre este assunto durante muito tempo, at que ela comeou a perceber o que poderia estar acontecendo. Todos os que prestam j esto comprometidos, dizia ela s vezes, meio de brincadeira. Eu no sei o que dizer. Todos eles parecem timos, mas acabam se mostrando uns idiotas. Sonia no precisava de nenhuma percepo psicolgica profunda para saber que seu antigo relacionamento tinha algo a ver com o assunto. Eu no entendo, disse ela, sempre que eles comeam a se irritar, eu me lembro do Richard e dos abusos que aguentei dele. Este era o medo consciente dela. Mas seu medo inconsciente era um pouco mais preciso. 29

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Reconhecer que uma situao perniciosa anterior torna uma pessoa mais cnica no era o bastante. Sonia reconhecia a ativao residual da amgdala que estava vivenciando, mas como no fazia nada a respeito, continuava a se desapontar com sua incapacidade para encontrar um parceiro. Sonia temia no conseguir enfrentar a eventual clera de um parceiro sem sucumbir a ela, como quando suportara os abusos de Richard durante cinco anos, at que ele a deixasse. Sua amgdala cerebral estava sempre funcionando nos bastidores. E sempre que seus parceiros tinham qualidades positivas, esta emoo negativa residual (a amgdala em constante funcionamento) era poderosa demais para que ela as percebesse. Os homens com quem ela saa se sentiam desvalorizados e confusos. Ela os acusava de serem frios, e as constantes separaes pioravam ainda mais a ativao da amgdala, que j se preparava para o fracasso do relacionamento seguinte. Ela ento decidiu falar conscientemente sobre o assunto com o namorado atual, e este passou a lembr-la, em determinadas ocasies, de que no era Richard. Este padro perdurou enquanto ela enxergou o relacionamento atravs das lentes manchadas do relacionamento com Richard. Somente quando tomou a deciso consciente de tirar esses culos, ela comeou a enxergar as coisas com mais clareza. Durante a terapia, Sonia se esforou para aumentar sua autoconana e deixar de se ver como vtima em situaes de abuso. Ela parou de pensar que a clera sempre levava ao abuso, crena que mantinha havia muito tempo. E percebeu que vivenciara sua iniciativa de deixar os namorados como um ato corajoso em resposta s lembranas do abuso que sofrera. Mas acabou concluindo que deixar os namorados no era um sinal de coragem, anal de contas, e, sim, a rendio ao medo engendrado por seu condicionamento. Os novos culos de Sonia lhe proporcionaram uma nova viso. Mas para desenvolver e manter esta viso, ela teria de cavar mais fundo em seu inconsciente, de modo a entender verdadeiramente a dor que havia bloqueado. Para bloquear a dor, ela havia desconectado o crtex frontal da amgdala. A amgdala ainda estava funcionando. Quando ela restabeleceu o contato com seus circuitos frontais, foi capaz de utilizar sua mente consciente para diminuir a ativao da amgdala e trocar as lentes. Lembre-se do diagrama da pgina 20. O crtex frontal pode modular o que est acontecendo na amgdala, mas preciso fazer contato com a amgdala e com a dor que ela reete. Jogar o holofote sobre a amgdala pode no ser o bastante. s vezes, voc tem de ir literalmente at onde esto todos os sentimentos dolorosos. Sonia passou muito tempo explorando suas emoes atravs da terapia. E usou seu relacionamento comigo como um expediente para se conectar com 30

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emoes reais em um ambiente seguro. Ela trabalhou algumas das respostas automticas de seu crebro a determinadas situaes e, tornando-se mais consciente destas reaes, foi capaz de apaziguar sua amgdala superativa e aliment-la com informaes novas e mais precisas. Sonia vem mantendo um relacionamento feliz h cerca de um ano. Se voc acabou de ser rejeitado ou passou por uma separao difcil, o medo inconsciente de sofrer um desapontamento ir se introduzir nos novos relacionamentos. por isso que ouvimos muita gente dizer que precisa dar um tempo aps uma separao difcil, antes de entrar em um novo relacionamento. O medo residual provocado pelo que aconteceu permanece na amgdala, e uma pessoa recm-chegada tem poucas chances. Essa, portanto, a razo biolgica que leva algum a evitar novos relacionamentos quando est em recuperao: a amgdala precisa de tempo para se acalmar, antes que a pessoa possa perceber coisas positivas com exatido. Mas necessita mais do que apenas tempo: precisa tambm de novas conexes com o lobo frontal.

O MEDO INCONSCIENTE S REGISTRADO PELA AMGDALA? O fato que a amgdala apenas uma entre muitas partes do crebro que registram o medo, alm da percepo consciente. Essas estruturas tambm respondem mais rapidamente ao medo subliminar que a emoes subliminares mais positivas. Quando algo perigoso ocorre alm de nossa percepo, o crebro consciente tambm reage a ela. Cento e cinquenta milissegundos aps um estmulo assustador ser exibido subliminarmente a uma pessoa que, na ocasio, precise fazer qualquer outra coisa, os neurnios existentes em uma parte do lobo frontal do crebro chamada crtex pr-frontal ventromedial respondem a este estmulo muito antes de responderem tarefa a ser executada. Cerca de quinhentos milissegundos depois disso, outras regies do crebro tambm entram em ao. Assim, nosso crebro nos prepara para responder ao perigo com mais rapidez do que para fazer outras coisas e comea a responder a coisas assustadoras antes mesmo que voc perceba que so assustadoras. Alm disso, o tronco cerebral (que ca na base do crebro) pode tambm ser afetado pelo medo subliminar. Sabe-se que os estmulos subliminares de medo geram atividade no colculo superior, no cerleo e no pulvinar que so reas do tronco cerebral. A parte frontal e as partes laterais do crebro, associadas orientao espacial do corpo, podem tambm ser afetadas. Essas descobertas sugerem que a mais 31

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leve deteco de medo pelo tronco cerebral envia um alerta para a amgdala e provoca uma reao de medo. Todas essas reas se comunicam entre si. Portanto, no somente a amgdala que ativada pelo medo inconsciente, mas uma extensa rede de reas cerebrais. O zumbido da amgdala pode tambm acarretar perturbaes em outras partes conexas do crebro. MAS DOUTOR, EU NO POSSO SEGUIR COM MINHA VIDA PORQUE...: CONHECER O SIGNIFICADO DO MEDO IMPORTANTE? O slogan publicitrio da Nike "Just do it" (Apenas faa) se tornou um smbolo moderno de ao. Mas a anttese do que se entende como o propsito da psicoterapia, que, em geral, encoraja a reexo antes da ao. A reexo produz uma ao mais eciente em alguns casos. um pouco como treinar para uma corrida. Voc a ensaia mentalmente, pensa na distncia, modica sua alimentao e sua ingesto de gua, e aos poucos adiciona quilmetros ao seu percurso. Voc precisa desse tempo e dessa preparao se quiser vencer a corrida. Mas ainda ter de corr-la. Na terapia, muitas pessoas tentam evitar a prpria corrida. Falam sobre ela, fazem planos, analisam seus receios. Mas tm problemas em colocar um p diante do outro. O fato que, independentemente dos cuidados com a preparao, a corrida requer ao. Ficar parado no ponto de partida provoca ansiedade. Mas uma ansiedade diferente da que voc vivencia enquanto est realmente correndo. Brian, Ellie e Sonia retornaram ao ponto de partida muitas vezes, antes de fazerem algum progresso em suas corridas. Mas, no nal, entenderam que tinham de agir: Brian tinha de deixar o emprego, Ellie tinha de pedir ao marido que assistisse televiso em outro cmodo, e Sonia tinha de se arriscar em um novo relacionamento. Quanta psicanlise suciente? Muitos terapeutas armam que entender o signicado do medo fundamental para se progredir. Os bilogos argumentam que basta entender a existncia do medo. Mas se considerarmos apenas as longas narrativas psicolgicas associadas ao medo, negligenciaremos algumas das respostas automticas geradas pelo medo. Em meu trabalho, descobri que ambos os pontos de vista podem ajudar as pessoas a entenderem seus medos, mas no a lidarem com as situaes que eles provocam. Assim, como a cincia pode ajud-los a seguir com sua vida? Embora as histrias que atribumos aos nossos medos possam de fato explic-los, por trs dos sentimentos desconfortveis e das reaes inopinadas 32

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pode haver simplesmente alguma rea do crebro com excesso de neurnios em atividade febril. A teoria bsica a seguinte: seus pensamentos ocorrem quando os neurnios se conectam em seu crebro. Quando os circuitos de iluminao se conectam, voc obtm luz. Quando os circuitos de som se conectam, voc obtm som. Quando os circuitos neuronais se conectam, voc obtm pensamentos. Em todos os casos h um uxo de eletricidade. Os pensamentos so, portanto, uxos de eletricidade. Esto armazenados em diversas partes do crebro como protenas que produzem eletricidade. Pensamentos negativos, inclusive medo e ansiedade, so convocados de vrias regies do crebro e viajam, como impulsos eltricos, at a amgdala. A energia eltrica de um pensamento pode ser convertida em ao, se for direcionada pela amgdala, ou para longe dela, at um centro de ao do crebro. Reiterar pensamentos sem conect-los com a ao fecha o circuito sem que a lmpada acenda sem que ocorra a ao. Em voluntrios humanos, o estmulo eltrico de reas no interior de uma regio chamada substncia cinzenta periaquedutal dorsal provoca intensa ansiedade, angstia, pnico, terror e a sensao de morte iminente, enquanto o estmulo de reas no interior do hipotlamo medial provoca ansiedade e medo. Diversas regies do crebro, quando estimuladas por correntes eltricas, produzem sentimentos ou narrativas de medo. A simples estimulao eltrica dessas reas resulta em uma histria contada. O que seria esta narrativa, ou histria, em termos siolgicos? A maioria dos pesquisadores acredita que seja uma lembrana, ativada quando o impulso eltrico percorre uma clula nervosa do crebro. O impulso eltrico como um duplo clique que abre um documento salvo. As clulas nervosas do crebro transmitem esse impulso eltrico com mais rapidez do que as clulas fora do crebro, pois tm menos resistores e esto estruturadas para permitir o livre uxo de eletricidade com poucas interrupes. Se no houver uma grande quantidade de eletricidade zumbindo no crebro, muitos pensamentos individuais so criados, e muitas histrias so criadas a partir desses pensamentos. Entretanto, o crebro uma coisa complicada. Por exemplo, quando percebe que dois segmentos de uma linha esto prximos o bastante, ele os v como uma linha contnua. Da mesma forma, quando apresentados dois pensamentos estreitamente relacionados, ele os combina para formar uma histria. Histrias de medo so abundantes no crebro humano. Mas temos de desconar delas se quisermos ter coragem para agir de fato. Imagine o caos que existe tanto dentro quanto fora da conscincia a qualquer momento. H bilhes de neurnios e quatrilhes de conexes, todos 33

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atravessados por impulsos eltricos e ativando histrias. A quais delas devemos prestar ateno? A resposta ainda no est clara. No entanto, em minha experincia, histrias que enfatizam o sentimento de car parado quase nunca so teis, enquanto as histrias que reconhecem as diculdades, mas promovem a movimentao, realmente ajudam as pessoas a seguirem com suas vidas. Se voc d ateno innita a coisas do tipo mas isto to difcil, no vai haver muita ao. Se, entretanto, voc d ateno a coisas do tipo eu vou superar esta diculdade, voc ainda est dando ateno diculdade, mas tambm est encorajando os eltrons a urem at os centros de ao de seu crebro que iro ajud-lo a superar a diculdade. Quando voc passa a entender suas razes para ter medo, seu crebro consciente (comeando no crtex) forma novas conexes com seu crebro inconsciente (situado no subcrtex). At o momento, focalizamos os sentimentos de medo que so gerados por ns mesmos. Mas so sempre gerados por ns mesmos? O CREBRO COMO ESPELHO: O MEDO INCONSCIENTE CONTAGIOSO? Agora voc j sabe que a amgdala cerebral registra o medo inconsciente. Mas no somente o perigo que aciona a amgdala. Voc tambm j sabe que a imagem de um rosto amedrontado exibida para uma pessoa desencadeia uma reao de medo nesta pessoa. Mas e se este rosto fosse real em vez de uma imagem? Ainda provocaria uma ativao da amgdala? Se isso acontece, como o afetaria quando voc est cercado de pessoas amedrontadas? Diversos estudos demonstraram que as expresses faciais so, de certa forma, contagiosas. Primeiro, o rosto visto; depois, a expresso facial imitada de forma inconsciente. A mmica facial envia sinais ao crebro, criando uma emoo consistente com a mudana facial. Como sabemos que isto verdade? Em uma experincia, o pesquisador Ulf Dimberg, ph.D., mediu a atividade muscular em voluntrios que tinham visto fotos de pessoas sorridentes ou de testa franzida. No espao de milissegundos de exposio, a musculatura facial dos participantes mostrou uma atividade correspondente. A resposta combinava com as emoes envolvidas isto , rostos felizes geravam crescente atividade nos msculos zigomticos acionados no sorriso, e expresses carrancudas energizavam o msculo corrugador responsvel pelo franzir de testa. Alm disso, os rostos felizes aumentavam as sensaes de felicidade dos voluntrios, e feies carrancudas aumentavam suas sensaes de medo. Tam34

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bm cou demonstrado que rostos temerosos engendram respostas faciais relacionadas ao medo, como a contrao do msculo corrugador da testa. Essas descobertas tiveram profundas implicaes, pois explicavam como o crebro est condicionado a imitar as expresses de outras pessoas. Isto pode explicar o ditado a misria adora companhia. Algumas pessoas, no entanto, so realmente atradas por pessoas de temperamento oposto. Um indivduo de temperamento negativo, por exemplo, pode gostar de estar perto de uma pessoa feliz, pois isto pode ajud-lo a vivenciar com mais intensidade seus sentimentos positivos. Pessoas de temperamento positivo, por sua vez, podem procurar a companhia de indivduos negativos, movidas pela caridosa vontade de ajud-los mas tambm pela felicidade de ter ajudado uma pessoa negativa a sair de sua misria. Pessoas muito medrosas frequentemente se juntam a indivduos descontrados na esperana de, automaticamente, absorver a descontrao. Sentem-se seguras ao lado de seus tranquilos parceiros, em parte devido aos processos de mmica a que nos referimos. Ou seja, ao equilibrarmos automaticamente os extremos uns dos outros, inuenciando literalmente as contraes musculares da outra pessoa, cada um de ns se sente transformado ou engrandecido de alguma forma. Isto explica em parte a teoria de que os opostos se atraem. Os estudos de mapeamento do crebro corroboram este efeito. Consciente ou inconscientemente, os indivduos registram as emoes uns dos outros, e seus crebros respondem ativando os mesmos circuitos, de modo a reetir as mesmas emoes em si mesmos. Estudos biolgicos demonstram que o medo e a clera subliminar provocam respostas musculares e cerebrais. Assim, mesmo que voc no tenha nenhum motivo para estar zangado, a viso de um rosto enraivecido pode faz-lo sentir raiva ou medo; mesmo que voc no tenha nada a temer, a viso de um rosto amedrontado pode faz-lo sentir medo. Por exemplo, se voc teve um bom dia no trabalho, mas encontra seu cnjuge enraivecido ao chegar em casa, a raiva dele ir despertar a mesma emoo em voc, e ambos podero comear a discutir. Os cientistas recentemente descobriram clulas no crebro que chamaram de neurnios-espelhos. Quando observamos algum se movimentar, nossos crebros se ativam em correspondncia com esse movimento, como se ns mesmos o estivssemos executando. Voc j notou que, s vezes, voc e algum perto de voc cruzam as pernas ou coam os braos quase simultaneamente? Ou como bocejar parece ser contagioso? Da mesma forma, estamos comeando a perceber que as emoes tambm so imitadas. Quando algum perto de 35

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ns demonstra medo ou nervosismo, geralmente decidimos nos afastar deste indivduo, pois em parte imitamos a expresso dele e no gostamos do que sentimos quando fazemos isto. (Esta tambm pode ser a razo pela qual os ces detectam o medo to facilmente. Ao nos imitar, eles ativam os mesmos neurnios e comeam a latir!) Os neurnios tambm nos permitem sentir empatia. Quando testemunhamos algum sofrendo, os neurnios-espelhos de nosso lobo frontal (o crtex pr-motor) e no lobo parietal (o crtex parietal inferior) so ativados. Eles imitam a situao e nos fazem sentir tristeza e solidariedade pelo sofredor. Este mecanismo tambm se aplica ao medo. Na presena do perigo ou do medo, nossos neurnios-espelhos se ativam, levando-nos a sentir medo tambm. Controlar esta resposta exige muito esforo consciente. O INCONSCIENTE IGUAL EM TODOS OS CREBROS? Como voc j deve ter adivinhado, a resposta provvel no. Estudos demonstraram que sua autoimagem e seu nvel de ansiedade podem afetar o modo como voc processa o medo subliminar. Em um dos estudos, os voluntrios foram divididos em quatro grupos: os que se sentiam muito desejveis socialmente (achavam que eram amados), os que se sentiam indesejveis socialmente (achavam que as pessoas dicilmente gostavam deles), os que tinham predisposio para a ansiedade a longo prazo e os que no tinham esta predisposio. Imagens de rostos ameaadores foram ento exibidas aos participantes, tanto dentro quanto fora de sua percepo consciente. A resposta de condutividade da pele (a resposta do corpo ao estresse, baseada na produo de suor) de todos eles foi medida. As descobertas mais profundas ocorreram quando as fotos foram mostradas aos voluntrios de modo subliminar. A condutividade da pele foi baixa nos que se achavam socialmente desejveis (independentemente de seu nvel de ansiedade), mas alta nos que combinavam uma alta predisposio ansiedade e baixa aceitao social. Portanto, diante de um perigo registrado no nvel do inconsciente, sua resposta ser maior se voc for ansioso por natureza ou se se sentir indesejvel socialmente. O que espantoso que sua resposta maior mesmo quando voc no sabe conscientemente que est sendo ameaado. As caractersticas da personalidade tornam a amgdala mais sensvel. Essa descoberta foi corroborada por outro estudo, que demonstrou que a ansiedade afeta o modo como o crebro inconsciente reage ao medo, mas no tem o mesmo efeito no crebro consciente. Em pessoas com maior nvel 36

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de ansiedade aquelas que tm um longo histrico de ansiedade, em oposio a surtos ocasionais de ansiedade , o crebro inconsciente ativado mais facilmente; eles tambm reagem com mais rapidez ao perigo. Isso pode ser uma vantagem em situaes de fato perigosas, mas uma clara desvantagem quando no h nenhum perigo presente. O indivduo se torna prisioneiro de um interminvel ciclo de reaes despropositadas. Mas por que voc no pode simplesmente encontrar um modo de se sentir melhor, de maneira a evitar essas reaes? Nas terapias, aumentar a autoconana assunto complicado. O maior desao encontrar um meio de diminuir a ativao da amgdala cerebral. Em termos psicolgicos, isso implica encontrar o caminho certo at a amgdala, identicando com preciso os medos que a esto ativando. Como a autoimagem e sua expresso afetam o modo como voc processa a ansiedade, se voc enfatizar suas fraquezas, criar uma resposta idntica nas outras pessoas e provavelmente as afugentar. Se voc enfatizar seus pontos fortes, ativar os circuitos de fora das outras pessoas e provavelmente as atrair. Mas voc tem de acreditar em sua prpria fora e examinar de verdade o que valoriza, no somente em si mesmo, mas tambm nos outros. Sua amgdala pode criar um impulso eltrico idntico na amgdala de outra pessoa. Assim sendo, se quiser estabelecer interaes sociais positivas, voc tem de se apresentar de modo positivo. Enfatize sua fora e no sua fraqueza.

QUEM SENTE MAIS MEDO, O HOMEM OU A MULHER? O gnero afetaria a emoo inconsciente? Bem, um estudo recente examinou os efeitos da testosterona em 16 voluntrias. Cinco miligramas de testosterona foram administrados a algumas delas em um estudo duplo-cego cruzado (o mais rigoroso em sua categoria), enquanto eram expostas a imagens subliminares de medo. A testosterona, o hormnio sexual masculino por excelncia, tambm produzida pelas mulheres e est ligada ao interesse na atividade sexual e resposta a estmulos sexuais. Nveis saudveis de testosterona nas mulheres esto associados a um maior bem-estar e a nveis reduzidos de ansiedade e depresso. Ao receberem um placebo, as participantes demonstraram uma resposta siolgica hiperatenta s imagens invisveis; mas quando a testosterona lhes foi administrada, suas respostas diminuram muito, embora elas se considerassem to ansiosas quanto antes. Os pesquisadores concluram que a resposta 37

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observada ao medo pode diferir da resposta sentida, e que a testosterona, ao diminuir a reao ao medo, provavelmente exerce seus efeitos alm da percepo consciente. Assim, as mulheres cujos corpos produzem menos testosterona que os homens podem ter uma desvantagem especca quando se trata de lidar com o medo inconsciente. Tambm estamos aprendendo que o cortisol, um hormnio h muito tempo associado a condies de estresse, pode ter algo a ver com a resposta ao medo subliminar. Quando os pesquisadores examinaram a relao entre os nveis salivares de cortisol e a capacidade para identicar a ira em uma imagem apresentada ao crebro consciente e ao inconsciente, descobriram que os voluntrios com nveis mais elevados de cortisol identicavam a ira inconsciente mais rapidamente que os voluntrios com menores nveis de cortisol embora no a ira consciente. Portanto, os hormnios podem afetar as reaes ao medo. SE O PROBLEMA INCONSCIENTE, COMO COMBAT-LO? Em anos recentes, as geleiras ao redor do mundo comearam a derreter. As temperaturas globais aumentaram de forma constante durante o sculo XX, e as mudanas continuam at hoje. Em termos de dia a dia, o fenmeno no detectvel. Mas o derretimento das geleiras proporciona um indcio impressionante do calor que aumenta lentamente. Sabemos agora que o aquecimento global responde pela elevao da temperatura. Armados com este conhecimento, podemos agora fazer alguma coisa a respeito do fenmeno, que no podemos observar no nosso cotidiano. Com o medo inconsciente ocorre a mesma coisa: a incapacidade de efetuar mudanas na vida, a desateno, o tdio e a imobilidade so o equivalente s geleiras derretidas. So as consequncias negativas de um fenmeno desconhecido. O medo inconsciente como o aquecimento global uma fora poderosa fora do alcance de nossa percepo imediata, mas que pode ser enfrentada atravs de mudanas direcionadas minimizao do mal que causa em nossos crebros e em nossas vidas. S porque est alm de nossa percepo consciente, isto no signica que no podemos alcan-lo, como a cincia tem demonstrado. No passado, o crebro era visto como uma massa de tecido que para de crescer aps a adolescncia. O crebro adulto era tido como um produto acabado. Agora sabemos que isso no verdade. A capacidade do crebro para se modicar chamada de neuroplasticidade. Todas as clulas nervosas, tanto as do crebro consciente como as do 38

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crebro inconsciente, so suscetveis a mudanas. Podemos inuenciar nossos crebros biolgica, psicolgica e sociologicamente. E todas essas inuncias podem nos ajudar a reduzir o impacto negativo do medo. Quando as pessoas acreditavam que o crebro no podia mudar aps a adolescncia, os adultos simplesmente aceitavam suas vidas tais como eram. Hoje, estudos demonstram que, embora fazer modicaes seja mais fcil no incio da vida, o crebro tambm pode mudar suas conexes na idade adulta. Medicamentos e psicanlise podem modicar as conexes em nossos crebros. Este potencial para mudanas tambm a base deste livro, pois se voc puder introduzir em sua vida alguns dos exerccios aqui descritos, poder enfocar o que necessita ser mudado em seu crebro. As associaes desenvolvidas no incio da vida constituem grande parte dos medos inconscientes. Pesquisas recentes demonstram que a amgdala tem um papel fundamental na formao e no armazenamento dessas associaes. Quando era criana, por exemplo, voc pode ter aprendido que vielas escuras so perigosas. Qualquer exposio subsequente ao escuro pode lhe provocar medo, pois ativa a associao guardada na amgdala. A chave para enfrentar um medo inconsciente o retreinamento da amgdala; basicamente, isto envolve a formao de novas conexes pela criao de novas associaes. No inconsciente humano, isto equivale a desconectar um neurnio e reconect-lo na tomada certa, ou a instalar um dimmer para controlar a quantidade de corrente que entra na amgdala, ou sai dela. Seguem-se alguns exemplos de medidas que podem ser tomadas para reduzir o impacto prejudicial de medos inconscientes.

COMO LIDAR COM O MEDO INCONSCIENTE: A MUDANA DO MAPA CEREBRAL Existem algumas coisas que voc pode fazer para lidar com o medo inconsciente. Nesta seo, veremos as evidncias que sustentam o que eu chamo de MUDANA DO MAPA: meditao, intervenes na ateno e instrumentos psicolgicos derivados da cincia do medo. Usaremos a abordagem da MUDANA DO MAPA em vrias questes nos captulos subsequentes. MEDITAO Dois ensaios publicados demonstraram que, quando um protocolo especco seguido, a ioga kundalini constitui um tratamento eciente para o transtorno 39

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obsessivo-compulsivo, uma sndrome em que as pessoas se tornam obcecadas em repetir certas aes vrias vezes, com o propsito de apaziguar um medo subjacente a respeito do que poderia acontecer se no executassem o ritual. Outros estudos demonstraram que, quando diferentes partes do lobo frontal do crebro atuam harmoniosamente um fenmeno conhecido como coerncia frontal , isto pode gerar uma sensao de calma interior e reduzir o medo. A meditao transcendental (s vezes chamada simplesmente de MT) j se provou eciente no aumento da coerncia frontal. A coordenao das funes frontais uma grande vantagem, pois h uma grande quantidade de conexes entre o lobo frontal e a amgdala. Este efeito no demora a aparecer, pode ser observado dois meses aps o incio da prtica da meditao. Quando sentir um medo vindo de lugar nenhum, pense duas vezes. Perceba que voc no vai perd-lo; voc est apenas vivenciando a dominao de sua mente consciente pela mente inconsciente. Se voc embarcar na onda com este conhecimento em mente, obter muitos resultados positivos. Embarcar nesta onda no fcil. Voc pode precisar de ajuda para treinar a mente. Meditao, exerccios fsicos, ioga e psicoterapia so algumas das disciplinas que treinam a mente de diversas formas. Alguns budistas praticam um tipo de meditao chamado meditao do amor e da bondade. Em algumas pesquisas, monges budistas tiveram seus crebros submetidos a exames de ressonncia magntica enquanto estavam meditando. H evidncias de que isto aumentou a capacidade dos monges para a empatia e fez com que suas amgdalas cerebrais se tornassem mais ativas. Lembre-se de que a amgdala no se limita a processar o medo: processa todas as emoes. Privilegia o medo porque o medo um sentimento avassalador. Em um praticante da meditao do amor e da bondade, a amgdala encara este estado de prazer meditativo como mais importante que o medo inconsciente. O resultado: saia da frente, medo; adiante-se, prazer meditativo. Quanto mais voc pratica a meditao do amor e da bondade, mais fcil e frequentemente voc poder us-la para superar o medo inconsciente. Durante os estgios de treinamento, como em qualquer outra atividade, isso difcil de conseguir. Talvez parea uma coisa forada e desaadora no incio, mas se voc perseverar a prtica se tornar automtica com o tempo, e voc avanar muito no que diz respeito a sobrepujar o medo. Quando voc medita, sua ateno se concentra. O sistema do crebro responsvel pela ateno se parece mais com um radar que com um telescpio. Meditadores se referem a isso como percepo. A ateno consciente difere da percepo, que tanto consciente quanto inconsciente. A meditao xa 40

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a ateno e, quando a ateno est xa, h menos interferncia no radar. Esta diminuio da interferncia agradvel o bastante para que seus benefcios sejam notados pela mente consciente. Algumas pessoas se referem a isto como a estar ligado. Earvin Magic Johnson, grande jogador de basquete; Tom Brady, grande jogador de beisebol; e Michael Phelps, nadador com vrias medalhas de ouro olmpicas todos eles introduziram a meditao em suas vidas, com o propsito de melhorar seus desempenhos atravs da xao da ateno, beneciando-se assim do poder do radar. Se a meditao do amor e da bondade no sua praia, tente focar sua ateno em outra emoo positiva que possa competir com o medo inconsciente armazenado em sua amgdala cerebral. ATENO Um dos maiores problemas do medo inconsciente que o crebro permanece em constante antecipao por coisas negativas. Usamos ento nossa ateno para procurar essas coisas, pois estamos contando com elas. Sob o ponto de vista evolucionrio, esta caracterstica tem a funo de nos proteger. Mas quando o medo inconsciente domina o crebro, o resultado a superproteo. De fato, h evidncias de que, quando o medo moderado, prestamos menos ateno a ele; quando intenso, a atividade do CCA capturada por ele. Entretanto, cada vez mais estudos esto demonstrando que a amgdala e o CCA so capturados pelo medo porque o medo uma emoo poderosa. Mas um estudo provou que rostos de bebs tambm tm fora suciente para dominar a ateno. Assim, quando as emoes positivas competem com as negativas, podem assumir a ativao da amgdala. A ideia ento capturar a ateno com coisas positivas. Saiba, porm, que o CCA e a amgdala so muito sensveis e sabero se voc estiver apenas ngindo ter um sentimento positivo. As pessoas muitas vezes ngem ter uma atitude positiva, mas isto no reduzir seus medos inconscientes. No entanto, creio que existe algum mrito em tentar, porque a prtica, neste caso, conduz perfeio. Um bom exemplo disso a teoria do sorriso forado. Em seu livro Descartes Error (O erro de Descartes), Antonio Damasio, doutor em Medicina, lembra que, quando sorrimos com sinceridade, o CCA ativado; mas quando ngimos sorrir, o crtex cingulado no ativado. Se repetidamente ngimos sorrir, no entanto, o crtex cingulado acaba se ativando, indicando que a tentativa de sermos positivos se tornou espontnea atravs da prtica. 41

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Portanto, podemos reduzir o medo inconsciente nos dedicando a coisas positivas. Na verdade, acredito que a ateno precisa apenas ser afastada das coisas negativas; at mesmo voltar a ateno para algo neutro ir reduzir o medo. INSTRUMENTOS PSICOLGICOS Formando novas associaes atravs do pensamento Um dos erros mais comuns que as pessoas cometem alojar o impossvel e o difcil na mesma categoria. Isso pode deix-lo paralisado quando voc quiser fazer algo a respeito de uma situao que lhe desperta medo. Por exemplo: uma de minhas clientes, Nancy, ganhava 400 mil dlares por ano. Ela economizara dinheiro suciente para pagar a faculdade de dois dos seus trs lhos e tinha condies de sustentar a si mesma e aos lhos depois de um divrcio. Acabou se acostumando com essa segurana, mas gradualmente se entediou com o emprego. Precisava de um desao maior. Quando o tdio se instalou, seu crebro pareceu se tornar mais lento. Conscientemente, ela se sentia confortvel com sua segurana nanceira. Inconscientemente, sua natureza passional entrou em conito com a segurana. Embora existissem muitos sinais de que ela precisava mudar de emprego, ela os ignorou. Comeou a se sentir cada vez mais irritada e pediu que trabalhssemos em cima desta irritao, que considerava o principal obstculo em sua vida. Quando lhe chamei a ateno para a base de sua irritao, seus pensamentos comearam a mudar. Na raiz de sua irritao estava o medo: medo de no encontrar outro emprego, se sasse daquele anal, ela j havia ganhado mais que muita gente e no tinha direito de esperar uma vida melhor; medo de ser odiada por abandonar sua empresa; medo de no conseguir pagar a faculdade de seu terceiro lho. A lista de medos era innita. Seus medos a mantinham paralisada, incapaz de agir, mesmo depois que ela reconheceu o que estava espreita em seu inconsciente. Todas as vezes que comevamos a discutir uma possvel mudana de emprego, ela cava irritada e ameaava abandonar a terapia. Ocasionalmente, at faltava s sesses, sem perceber a fora com que seu crebro consciente no queria enfrentar seu inconsciente cada vez mais agitado. Nancy se sentia esmagada pelo nmero de fatores que pensava ter de analisar; no percebia que poderia fazer pequenas mudanas que comeariam a aliviar sua carga psicolgica. Quando voc est transportando quinhentos troncos nas costas, a cada tronco que voc pousa no cho, sua carga ca um tronco mais leve. Pousar o tronco no fcil, mas ca cada vez mais fcil se 42

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voc entender que tem de se concentrar nisto. Com quinhentos troncos de medo nas costas, andar parece impossvel. medida que cada tronco retirado, o que antes parecia impossvel vai parecer difcil e, nalmente, possvel. Depois de ter removido alguns dos troncos falando sobre seus medos, Nancy cou menos nervosa e, com o tempo, comeou a procurar um novo emprego, sem saber como iria compensar o dinheiro que estaria perdendo. Seguindo suas paixes, ela acabou encontrando o que desejava e ainda ganharia mais dinheiro no novo emprego do que recebia no atual. Quando escutamos nossas paixes, a amgdala para de rosnar e somos capazes de encontrar o que necessitamos. Mas quando lutamos contra esse impulso, a amgdala ruge, tornando impossvel atrair o que desejamos para nossas vidas. Em sua maioria, as pessoas se conformam em suportar seus medos, pois acham que estes esto denitivamente alojados em clulas nervosas, e ser difcil mudar isso. A palavra-chave aqui, entretanto, difcil, que muito diferente de impossvel. Formar novas associaes atravs do pensamento envolve um reaprendizado, que requer tempo e esforo. Pesquisas demonstram que a quebra de antigos padres de pensamento e o aprendizado de novos padres podem mudar a ativao da amgdala cerebral. Alm disso, um reaprendizado pode modicar tambm a ativao em partes do crebro responsveis pela percepo e pelo comportamento, como o crtex pr-frontal medial (localizado na parte frontal do crebro). O reaprendizado consciente, no incio, mas aps algumas repeties que os pesquisadores chamam de regra dos sete, pois parece que geralmente so necessrias sete repeties para que o aprendizado ocorra a informao se incorpora ao crebro inconsciente. A sensibilidade a estmulos originados dentro do prprio corpo chamada de interocepo. Quando no interpretamos corretamente esses estmulos, dizemos que se trata de uma interocepo incorreta. Muitos estudos tm demonstrado que a interocepo incorreta pode ser modicada para podermos desenvolver uma nova compreenso do que ocorre dentro de ns. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) pode ser particularmente til neste caso. Se nos tornarmos mais conscientes de nossas falsas associaes e pensamentos distorcidos, podemos reaprender coisas. Ou seja, podemos modicar nossa interocepo. Minha experincia como clnico me ensinou que, na prtica, o aprendizado de um novo modo de pensar exige mais que sete repeties e voc no pode desistir aps a segunda tentativa. Algumas pessoas j decidiram que no podem conseguir o que desejam, mas, mesmo assim, executam os procedimentos neces43

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srios para mudar suas vidas. Esta uma das mais destrutivas losoas de vida. Seu objetivo aliviar a culpa de no tentar, sem qualquer inteno de obter sucesso. Para conseguir superar um poderoso medo inconsciente, voc precisa se comprometer a faz-lo. Chamo isso de trabalhar com as possibilidades. Quando voc trabalha com possibilidades, abre as portas para coisas que apoiam essas possibilidades. Se voc se aferrar impossibilidade, isto cria um rudo no crebro que deixa confusos os centros de inteno do crebro. Sempre que os centros de inteno pretendem direcionar voc rumo a alguma coisa, no sabem ao certo se devem satisfazer seu desejo de desistir ou atender ao seu desejo de avanar. Nossos crebros so muito mais cooperativos do que pensamos. Precisamos somente lhes fornecer informaes claras sobre quais so nossos desejos. Esforos para alcanar o prprio inconsciente s funcionam depois que seu comprometimento claramente articulado em sua mente consciente. Quando Nancy armou que era impossvel mudar, todos os seus esforos para encontrar novas oportunidades falharam. Apenas depois que ela comeou a enfrentar seus medos e se comprometeu a mudar apesar deles que ela foi capaz de dizer ao seu crebro consciente que este precisaria investir contra as foras do mal. A maioria de ns no percebe o poder que realmente temos. O crebro agir consciente e inconscientemente para responder s nossas exigncias. Se voc lhe enviar mensagens conitantes como quero mudar de emprego/isto impossvel, o crebro responder como se a mudana fosse impossvel. Como resultado, a desesperana e o fracasso iro se rmar. Se voc informar ao crebro que a mudana difcil, mas seus medos so irracionais, ele ir colaborar. Os dois processos aqui envolvidos so a extino e a cunhagem. A extino se refere remoo das associaes aprendidas, como a ideia de que mudar de emprego impossvel. Discutiremos isto com mais detalhes nos ltimos captulos. A cunhagem diz respeito ao processo de aprender novas associaes, o que estabelece novas conexes entre as clulas nervosas do crebro. Sonia, por exemplo, modicou sua associao de a raiva provoca abusos no relacionamento e leva separao para a raiva pode provocar abusos, mas isto tambm pode ser sinal de um relacionamento saudvel. Reiterando este novo signicado inmeras vezes, ela criou uma nova memria. O resultado deste procedimento que, quando um impulso eltrico estimula a regio onde a antiga lembrana estava armazenada, ele ir convocar, em seu lugar, a lembrana recm-criada. Um bom exemplo de cunhagem o fato de voc encontrar o caminho de casa sem mesmo precisar pensar. Depois que voc percorre o mesmo caminho muitas e muitas vezes, chegar em casa se torna uma coisa automtica. 44

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Um mtodo gradual para assimilar um novo pensamento e incutir novas informaes na amgdala : Identicar o que voc gostaria que acontecesse em sua vida, mas no est acontecendo. Descobrir quais medos esto associados a isso. Conectar os medos com os fracassos de forma sincera; fazer uma lista de como cada medo contribui para sua incapacidade de mudar. Pretender realmente mudar (mude o impossvel para difcil; aceite que voc no sabe como mudar, tem apenas de acreditar que a mudana ir ocorrer, e no que voc ter de lutar contra o medo). Trabalhe com, e no contra, as possibilidades. Pergunte: Como posso tornar isto possvel?, em vez de repetir sem parar: Isso parece impossvel. Repetidamente, transmitir esta nova informao (de que vai comear a namorar ou mudar de emprego, por exemplo) para si mesmo, para proporcionar novas informaes ao crtex frontal, que por sua vez as transmitir para a amgdala. Faa isso regularmente, reservando tempo para pensar nas informaes, ou para escrev-las com f e investimento emocional. Isso ir recompor as conexes entre o lobo frontal e a amgdala. Executar esses exerccios regular e frequentemente. Reservar dez ou vinte minutos por dia, segundo descobri, bastante til. Se voc no puder dispor desse tempo, reconhea que no estruturou sua vida de modo a efetuar as mudanas que deseja. Frequentemente, as pessoas chegam terapia esperando uma varinha mgica que mudar suas vidas. Para estimular a ocorrncia de oportunidades cadas do cu (que o inconsciente manobra para gerar), voc tem de combinar tempo e esforo (a partir do crtex frontal). por esse motivo que se diz que trabalho duro cria sorte. Trabalho duro a ativao frontal, e sorte o processo inconsciente que o direciona rumo ao seu objetivo. Saber reconhecer quando seu inconsciente forma novas resistncias ou distrai sua ateno, e o impede de fazer o difcil parecer impossvel. 45

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Formando novas associaes atravs dos sentimentos Em nossa sociedade, h muitas ideias distorcidas sobre os sentimentos. Um dos conceitos errneos frequentemente encontrados que sentir , de certa forma, uma ao menos inteligente do que pensar. Pesquisas intensivas demonstram agora que os sentimentos, alm de elementos-chave para o aprendizado, so tambm essenciais para que o pensamento seja eciente. Demonstram ainda que a tomada de decises envolve uma combinao de sentimentos e pensamentos. Os sentimentos afetam o ambiente interno onde so tomadas as decises. E as emoes podem inuenciar a possibilidade de voc obter as oportunidades que deseja. As pesquisas demonstraram, por exemplo, que um sorriso pode faz-lo parecer mais inteligente; com isto, voc pode ser mais bem-sucedido. Existem inmeros exemplos de ocasies em que os sentimentos nos permitem alcanar o que antes parecia inalcanvel. Estudos revelam que nveis mais altos de inteligncia emocional ajudam os indivduos a lidar mais efetivamente com o estresse no trabalho, e os ajudam, de modo signicativo, a se tornar lderes. Enquanto o medo pode provocar uma fuga a um desao, este mesmo medo pode sair de cena se outra emoo o desaloja. Como j vimos pelas experincias que narramos, esta emoo substituta tem de ser muito forte e se estabelecer ao longo do tempo. Efetuar um esforo positivo uma vez apenas no o bastante para sobrepujar a prioridade evolucionria que o crebro confere ao medo. O medo cria sentimentos de ansiedade que podem afetar diretamente nosso comportamento sem que a mente tenha conscincia deles. Quando o medo danoso e sem base na realidade, h um constante inuxo da amgdala para outras partes do crebro. As pesquisas tm demonstrado a importncia de analisar o medo e as emoes conexas, pois muitas vezes a antecipao do medo que leva as pessoas a perder o controle ou desenvolver formas de evit-lo. Surpreendentemente, a maioria dos efeitos desagradveis do medo (tremores, palpitaes, paralisia emocional) ocorre quando estamos a certa distncia dele. Se nos aproximarmos do poo de nossos medos e nele mergulharmos as pernas, iremos aos poucos nos acostumando com a ideia de nadar em suas guas. No caso de Brian, por exemplo, a simples expectativa de ser visto como maluco ou de no obter sucesso como empresrio era o bastante para faz-lo evitar o pensamento de deixar o emprego. Quando, apesar de tudo, ele falava sobre o assunto, isto lhe despertava temores e sentimentos desagradveis. Mas tambm o motivava a se aproximar do medo e desmontar as associaes previa46

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mente aprendidas (Se eu pensar em sair do emprego, vou ser um fracasso), de modo a efetuar as mudanas necessrias em sua vida. Sentir medo lhe permitiu, ao longo do tempo, fazer essas modicaes. Os latidos do medo, frequentemente, so piores que sua mordida. Sob alguns aspectos, temos de trat-lo bem at que ele venha comer em nossas mos. Era o que Brian fazia durante seus ataques de pnico, depois que entendeu seus medos e a biologia da reao ao medo. Ele dizia: L vai minha amgdala de novo. Isto era um modo de tocar em seu medo, de entend-lo sem ser esmagado por ele. O escritor Ambrose Redmoon disse: A coragem no a ausncia de medo, mas a concluso de que outra coisa mais importante que o medo. Tomada de forma literal, a frase signica que podemos tomar uma deciso consciente para desviar nossa ateno do medo e foc-la na coragem. Quando uma explorao desse tipo efetuada durante a terapia, tem de ser feita de forma cuidadosa e no aversiva. Se os sentimentos de medo forem intensos, voc ter de aprender a nadar em guas rasas antes de mergulhar na parte funda. De modo paradoxal, o que motiva a maioria das pessoas a enfrentar esses sentimentos desagradveis a percepo de que existe esperana e possibilidades de mudana para melhor. A soluo dos problemas s poder ocorrer quando voc estiver esperanoso e otimista. De fato, um estudo recente revelou que emoes positivas so superiores s negativas na soluo de problemas. Quando o problema o medo, a compreenso do quadro maior o que ir motiv-lo mais efetivamente a desmantelar o medo. A capacidade para identicar e comunicar nosso estado emocional est associada a uma interao entre o CCA e outras regies do lobo central do crebro (regies pr-frontais). Esta associao no est presente em indivduos com menos capacidade para identicar e comunicar seus estados emocionais; por outro lado, a interao entre o CCA e a amgdala acentuada. Portanto, a capacidade para identicar e comunicar nossos medos fundamental para um timo desenvolvimento do crebro e para a formao de conexes protetoras. Em termos mais simples: quando nosso crebro trabalha como uma mquina bem lubricada e sincronizada, temos maiores chances de eliminar nossos medos inconscientes. Como voc pode se conectar emocionalmente com seus medos? Encontre um ambiente seguro, onde voc possa relaxar; pode ser o consultrio de um terapeuta ou as pginas de um dirio privado.

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