Upload
dmsot3045
View
224
Download
2
Embed Size (px)
Citation preview
LITERATURA ENTRE O ANTIGO E O NOVO TESTAMENTO
DANIEL SOTELO
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
CAPÍTULO I – ESCRITOS DOS SÉCULOS II E I a. C.
1. O livro de Daniel
2. Livro Etíope de Henoc
3. Livro dos Jubileus
4. Os Testamentos dos Doze Patriarcas
5. Os Oráculos Sibilinos
6. Os Salmos de Salomão
7. Obra Zadoquita
8. O Apocalipse de Sofonias
CAPÍTULO II – OS ESCRITOS DO SÉCULO I d. C.
1. A Assunção de Moisés
2. Livro Eslavo de Henoc
3. A Vida de Adão e Eva
4. 4 Esdras
5. Apocalipse de Baruch
6. Ascensão de Isaías
7. Apocalipse de Abraão
8. O Testamento de Abraão
REFERÊNCIAS
2
3
INTERVALO ENTRE O ANTIGO E O NOVO TESTAMENTO
INTERVALO ENTRE O ANTIGO E O NOVO TESTAMENTO
IPERÍODO
DOS IMPÉRIOSPERSA.GREGO
E EGÍPCIO
II
IMPÉRIO PERSA536-330
330 Conquistas de Alexandre Magno.
400a.C.-4d.C.
320. a
Judéia é
anexada ao
Nota: Há considerável
incerteza quanto às datas
exatas de grande parte da
história da Bíblia. Nesta tabela
em muitos casos, damos
4
166 a.C-37 d.C.PERÍODOMACABEU
eHERODIANO
330-166O REINO DOS SUCESSORES DE ALEXANDRE166-63Independência sob os macabeus, durante este período.
Egito.
193. a
Judeia
anexado a
Síria.
168.
Antíoco
profana o
templo
165,
reedificação
do templo
apenas datas aproximadas.
A conquista grega preparou o
carrinho para a tradução do
Antigo Testamento paia a
língua grega (versão
septuaginta).
A septuaginta foi traduzida por
volta do ano 230 e C.
Os livros apócrifos foram
escritos entre os anos 300 a.C.
e4d.C. (Veja 4213).
167 Começou a rebelião dos
Macabeus.
PERÍODO DASUPREMACIA
ROMANA
IMPERADORES ROMANOS
27 a. C. a 14 d.C.
CÉSARAUGUSTO
14-37 d.C.TIBÉRIO CÉSAR
HISTORIA DO NOVO TESTAMENTOA parto do 63 a.C. ano em que o general romano Pompeu
tomou Jerusalém, as províncias da Palestina se tornaram
tributárias do Roma. Durante este período os imperadores
confiaram o governo local a procuradores por eles designados
ou a príncipes influentes em Roma.
O diagrama abaixo mostra os nomes dos governantes, as
datas aproximadas de seus governos, e alguns eventos
importantes.
De 37 a 4 a. C, Herodes o Grande foi o rei da Judéia. Nos
dias de Augusto, seu domínio expandiu-se até incluir um
território considerável ao leste do Jordão. No tempo em que
Cristo nasceu. Herodes ora o governador de toda a Palestina.
Com a sua morte, possivelmente ocorrida no mesmo ano do
5
37-41CALÍGULA
41-54CLÁUDIO
54-68NERO
68-69GALBA, OTÂO,VITÉLIO
69-79VESPASIANO
81-96DOMICIANO
nascimento de Jesus, sua província foi dividida entra seus
filhos.
Província da JUDÉIA(Judeia e Samaria)
Galiléia e Peréia
QUINTA PROVÍNCIA(País ao leste da Galiléia)
40 a. C.Nascimento do Cristo.
2 a. C. (?)Nascimento do Paulo.
25-27 d.C.(?)Batismo do Cristo.
29-30(?)Circuncisão de Cristo.
31-37(?)Conversão de Paulo.
45-58(?)Viagens missionárias de Paulo.
61-68(?)Um dos encarceramentos de Paulo em Roma.
70Fim do estado judaicoJerusalém é destruída.
90-100Perseguição dos Cristãos por Domiciano.
Morte de João e
4a.C.-6d.C.Arquelau Etnarca
4o.C.-39d.C.Herdes AntipasTetrarca
4 e.C-33 d.C.Filipe Tetrarca
26-36 d.C.Pôncio Pilatos, Procurador
39-44 d.C.Herodes Agripa I, rei de todo o País
52-58Félix, Procurador
50-53Herodes Agripa IIrei de Calcis e ao outras regiões adjacentes.
70 d. C Jerusalém é destruída pelo general Tito.
6
o fim da era
7
INTRODUÇÃO
Durante o exílio babilônico, profetas como Ezequiel e
historiadores como o desconhecido autor do 1º e 2º Livro dos Reis
mostraram que o exílio era o castigo de Deus pela desobediência
de Israel. Por isso, aqueles que voltaram a Israel estavam
decididos a não mais desrespeitar a lei de Deus no futuro.
Queriam agora cumprir a lei em todos os seus pormenores.
Não tinham rei, mas o sumo sacerdote tornou-se o seu líder
natural, ajudado por nova classe de escribas, capazes de explicar
as leis da Bíblia. Os judeus aprenderam tão bem a lição que depois
do exílio os profetas nunca mais tiveram que acusá-los de
adoração de deuses estrangeiros, embora tenham protestado
contra a sua lentidão na reconstrução do templo e sua relutância
em pagar o dízimo.
8
A comunidade judaica dos exilados repatriados era
pequena, provavelmente menos de 75.000. Estava muito
consciente de ser diferente das nações circunvizinhas. Três coisas
que mostravam essa diferença foram especialmente enfatizadas
naquela época: estrita observância do sábado, do rito da
circuncisão e das leis alimentares judaicas (Ag 1; Ml 3,7-11; Ne
13,15-27; Is 56,6-7; Gn 17; Lv 11; Dn 1)
Fatores que unem o Antigo Testamento ao Novo Testamento
Fatores nacionais no plano divino
Proclamação de Ciro (persa) e regresso dos judeus Conquista de
Alexandre: expansão
da língua grega.
Estabelecimento de um governo mundial estável, leis uniformes e
boas estradas pelos romanos.
Dispersão dos judeus, que espalharam as verdades acerca da
unidade de Deus, a esperança messiânica e as Escrituras
GOVERNO
Dominação persa, 400-330 a.C.
Supremacia de Alexandre Magno, 330-323 a.C.
9
Sucessores de Alexandre
Supremacias egípcia e síria, 323-166 a.C.
Independência judaica sob os Macabeus, 166-63 a.C.
SOCIEDADE
Movimento geográfico: Dispersão dos judeus
Partidos religiosos: Fariseus, saduceus, essênios
Literatura: Septuaginta e apócrifos, 270-50 a.C.
Arquitetura: O templo de Herodes começa a ser construído, 19 a.C.
Eventos que precederam de imediato a Jesus
Anúncio a Zacarias sobre o precursor de Jesus, Lc 1:5-17
Anunciação a Maria do Messias vindouro, Lc 1:26-35
A pregação de João Batista, Mt 3:1-6
10
CAPÍTULO I OS ESCRITOS DOS SÉCULOS II ao I a. C.
INTRODUÇÃO
No século II a. C., os escritos apocalípticos ganham grande
proeminência. Em todas as obras desse período, encontramos o
surgimento de idéias presentes no Novo Testamento. Todas se
referem ao fim dos tempos e à aurora da nova era, ao destino dos
retos e dos maus, mas apresentam certa fluidez em sua estrutura
e conteúdo.
Essas idéias são desenvolvidas de forma livre dos
princípios encontrados no Antigo Testamento ou em outras fontes,
principalmente do dualismo persa e das religiões pagãs
cananéias. Mas a construção de cada núcleo tem o seu próprio
caráter. Cada um contribui de algum modo, para o fluxo de idéias
que percorrem o Novo Testamento.
11
1. O Livro de Daniel
Daniel é o primeiro escrito apocalíptico que temos
conhecimento. Foi composto entre os anos de 167-164 a. C. Foi
concluído, o mais tardar, na primeira metade de Dezembro de
164, visto que seu autor conhecia a perseguição promovida por
Antíoco IV Epífanes, seu retorno de sua segunda campanha no
Egito, em 169, e a profanação do Templo de Jerusalém em 167,
mas não sabia nada a respeito de sua morte, ocorrida em
Dezembro de 164. O livro é fruto dos conflitos desse período.
O livro é formado por duas partes. A primeira, composta
pelos capítulos de 1 - 6, contém narrações sobre Daniel e seus
companheiros (na terceira pessoa). São seis narrativas ou lendas
das experiências de Daniel e de seus companheiros sob o reinado
de Nabucodonosor, Baltasar, Dario e Ciro, na Babilônia. Muitas
coisas, entretanto, fazem pensar que originariamente elas fossem
narrações independentes, sem nexo entre si, mas com vagas
recordações dos períodos babilônicos e persas.1
A segunda parte, capítulos 7 - 12, contém seis relatos,
compostos pelo próprio Daniel (na primeira pessoa) sobre um
1 Encontram-se erros grosseiros na alusão que faz à história e à tradição, as quais estão melhor descritas em outros livros do Antigo Testamento; por exemplo: Jerusalém foi conquistada não no terceiro ano de Joaquim (606/5 a. C.), mas em 597 a. C. Baltasar era filho de Nabonides, último rei babilônico, não de Nabucodonosor; além disso, jamais exerceu o poder; não existe um Dario, medo, filho de Xerxes e predecessor de Ciro.
12
sonho e três visões, ocorridos sob Baltasar, Dario e Ciro, a
respeito dos acontecimentos que se estendem desde o fim do
exílio babilônico até a inauguração da soberania divina nos
últimos tempos. É esta parte que constitui o apocalipse de Daniel
propriamente dito.
Como um apocalipse, procurava determinar a data do fim
da história e a posição relativa do presente. Em 8.26, o fim parece
estar num futuro distante, mas isto é assim porque se trata de
uma apresentação retrospectiva da história como “profecia”,
apresentada no tempo do autor. O que parecia estar longe quanto
ao sentido; o Daniel do exílio babilônico tinha, entretanto,
considerado perto.
Como um desenvolvimento posterior da escatologia, a
compreensão apocalíptica da História apresentava a História do
mundo como um todo em relação com a soberania de Deus.
Considerava o curso da História como uma unidade que
alcançaria seu clímax numa meta determinada por Javé2: o último
julgamento seria seguido, para o piedoso, por uma nova era em
que não haveria história.
Até aquele tempo, a História estava dividida nas épocas
dos sucessivos impérios mundiais. A estátua feita de vários
metais, que é destruída por uma pedra, é uma imagem da História
mundial vista como um todo e ao mesmo tempo dividida em
épocas. Até o eschaton, esse é o estágio no qual sucede a vida
humana, carregada de heranças do passado, cheia de
oportunidades, para que a decisão no presente seja responsável
diante do futuro.
2 Os relatos concernentes a Daniel constitui somente um prelúdio ao tema dos apocalipses tardios, propriamente dito, que é a realização da história.
13
À luz de todas essas considerações, o livro procurava
fortalecer a paciência e a coragem dos fiéis em meio à
perseguição, e dar-lhes novas esperanças exortando-os a seguir
o exemplo de Daniel, que permaneceu fiel à sua fé até o martírio.
Procurava assegurar-lhes que o período de sofrimento logo
completaria o seu curso, porque estava próximo o dia em que
Javé poria fim aos poderes do mundo e inauguraria seu reino
eterno.
Nesta conexão, o livro trata de duas questões, ou seja, se
aqueles que tinham tombado na luta a favor da fé poderiam
participar da salvação escatológica e se, no julgamento, todos os
homens teriam de responder por seus atos perante o trono do
julgamento de Javé. Na proclamação da ressurreição dos mortos,
esse julgamento ganhava seu espaço inamovível.
2. Livro Etíope de Henoc
O livro etíope de Henoc é também conhecido por 1 Henoc
ou Henoc 1. Não tem nome nos manuscritos.3 Na Igreja Antiga é
citado como Henoc, Livro de Henoc ou Palavra de Henoc.
O referido livro foi conservado na íntegra em etíope,
remontando, provavelmente, a um texto aramaico, com exceção
talvez de 37-71, redigidos em hebraico. O lugar de origem de 1
Henoc foi, provavelmente, Jerusalém. Muitas partes do livro
3 As obras ligadas ao nome de Henoc vieram até nós conhecidas como livro etíope de Henoc, o livro eslavônico de Henoc e o livro hebreu de Henoc, ou seja, de acordo com a língua em que chegaram até nós. O segundo será analisado abaixo, o terceiro destes está fora do nosso período e, por isso, fora de nossa consideração.
14
etíope de Henoc identificam-se com seções do livro dos Jubileus,
como por exemplo, 1 Henoc 6-11; 54.7-552; 60; 65.1-69.25; 106-
107 e Jubileus 7.20-39; 10.1-15.
O livro pode ser dividido em cinco seções. Os capítulos 6 -
36 formam duas seções: 6 - 16, que trata da queda dos anjos, o
anúncio de sua punição por intermédio de Noé e mais uma vez
por Henoc; e 17 - 36, dois relatos das viagens de Henoc através
da terra, do céu e do mundo subterrâneo, acompanhados da
explicação de certos segredos meteorológicos e escatológicos.
O mito da queda dos anjos é bem antigo, aparecendo
primeiramente em Gn. 6.1-6. Aqui houve o desenvolvimento da
idéia de que o dilúvio destruiu os filhos destas uniões, cujos
espíritos infestaram a terra como demônios e se apresentaram
como a fonte de toda a corrupção (15.8 ss). Um grande
julgamento mundial era esperado, quando os anjos decaídos, os
demônios e os homens receberiam a recompensa pelos seus
feitos (10.6; 16.1; 19.1).
Depois do julgamento, espera-se o início da Idade de Ouro
com Jerusalém e o Templo. Como o seu centro (25.5), a árvore da
vida deveria ser levada para lá, de modo que os retos pudessem
alimentar-se (25.4-5).
Não há messias no quadro descrito e a bem-aventurança
dos retos é concebida em termos sensuais. Todos gerarão
milhares de filhos e sua bem-aventurança material será ilimitada
(10.17). Não totalmente divorciado de conteúdo espiritual, a
concepção do autor de uma idade áurea é a de que verdade e paz
a marcarão para sempre (1.1-2).
15
Em 91.12-17 e 93.1-10, está o Apocalipse das Semanas.
Aqui, a história do mundo é dividida em dez períodos, dos quais
sete já são passados e três estão para vir. A sétima semana é
marcada pela apostasia, enquanto a oitava é a da justiça. A nona
vê a destruição de todas as obras dos deuses e a décima
testemunhará o julgamento final para os anjos, a criação de um
novo céu e inauguração de uma eternidade de alegria sem fim.
A seção é muito curta para permitir o desenvolvimento
destas idéias. Ela, contudo, compreende a divisão da história em
períodos, comparáveis aos impérios mundiais do livro de Daniel,
culminando num grande e final julgamento e numa bem-
aventurança eterna para os retos.
Os capítulos 91 - 104 contêm, em meio a discursos de
exortação aos filhos de Henoc, o Apocalipse das Dez Semanas
(93.1-14 e 91.12-17), o qual tem por finalidade descrever toda a
história universal até a era de santidade que tem início depois de
um julgamento universal.4
Aos maus está prometido o tormento eterno no mundo dos
mortos (99.11; 103.7-8), enquanto o espírito dos justos gozará da
alegria do céu (103.3-4; 104.2 ss.).5
Nada da natureza do apocalipse há aqui, no sentido do
termo. Não há o reino vindouro na terra, mas apenas no além-
4 Costuma-se situar esta seção no tempo de Alexandre Janeu, no século I a. C., e interpretá-la como o conflito entre fariseus e saduceus. Porém, a época de Antíoco Epífanes oferece base mais consistente para a sua data.5 Deve-se notar a diferença de concepção da idéia do mundo dos mortos na primeira seção acima, indicando o livro de 1 Henoc, com a aqui mencionada.
16
túmulo, onde a equanimidade do mérito e a recompensa serão
asseguradas. Nenhum livramento é prometido aos que estão no
túmulo, diferente do que é assegurado nas histórias do livro de
Daniel (Daniel 12.2): o retorno à terra para a vida bem-
aventurada.
A seção que vai de 37 a 71 é também conhecida como as
parábolas de Henoc. Depois de uma introdução, constituída pelo
capítulo 37, seguem-se discursos sobre o lugar da futura moradia
dos justos e sobre a ação dos anjos, em conexão com
informações relativas a fenômenos astronômicos e
meteorológicos (38 - 44); seguem-se ainda discursos sobre o
messias que anda na presença do ancião dos dias, e sobre seu
julgamento, sobre a fonte da justiça e a ressurreição, bem como o
ataque dos pagãos contra Jerusalém no tempo final (45 - 57);
sobre as particularidades do julgamento do filho do homem,
relativamente aos homens e aos anjos (58 - 69); sobre a recepção
de Henoc no paraíso e sua instalação como filho do homem (70 -
71).
Nesta seção, não encontramos nenhuma referência à
queda dos anjos, mas vemos a figura de Satã (54.6), o qual, ao
contrário dos anjos decaídos, tem acesso ao céu (40.7-8).6 O
estabelecimento do reino vindouro é colocado não em Jerusalém,
mas em um novo céu e em uma nova terra (45.4-5).7
Encontramos nessa seção, freqüentemente, a expressão
Filho do Homem, ao lado de outras designações do chefe do reino
vindouro. Não há messias no sentido de um libertador humano,
6 Sem dúvida, isto se deve ao relato da atividade de Satã no prólogo de livro de Jó, onde se diz que ele estava perante a corte de Deus.7 Para esta concepção, há fundamento no Antigo Testamento, em Is. 65.17; 66.22.
17
quer da linhagem de Davi, quer de outra qualquer. Nada há aqui
que possa ser associado àquela esperança do Antigo
Testamento, que o Novo Testamento expressa pela palavra
messias ou Cristo, ligado à expressão filho do homem. Aqui o
ungido é figura puramente transcendental. Assim também é o filho
do homem.
Na seção 83 – 90, registram-se duas visões, que tratam
primeiramente do dilúvio (83 – 84) e, a segunda, da história do
mundo até o julgamento final (85 – 90).
Na segunda visão, temos um resumo geral da história de
Israel, sob a figura do cordeiro, até o último ataque dos gentios
contra os judeus, quando um poderoso chifre surgiu de um dos
carneiros, contra o qual o inimigo não tinha nenhum poder (90.9).8
O assalto final do inimigo se daria na ocasião do último
julgamento, quando o mal seria destruído (90.20ss.), e os
sobreviventes dos gentios seriam convertidos e serviriam a Israel
(90.30). Os justos ressuscitariam (90.33).
Aqui o vigente termo messias não é usado, nem há
qualquer referência a um rebento da Casa de Davi. Mas uma
figura humana está claramente no pensamento, uma vez que ele
é descrito como o touro branco que nasceu, a quem todas as
criaturas faziam petição e em cuja semelhança foram
transformados. Em tudo isto, a influência do livro de Daniel é
claramente manifesta9, ao mesmo tempo, o autor se considera
8 Isto provavelmente se refere aos macabeus, provavelmente o grande chifre seja João Hircano. 9 As figuras do carneiro, dos touros e dos chifres, para simbolizar homens, trazem as mais claras marcas daquela influência, e a idéia do grande assalto final aos judeus, seguido pela destruição dos seus inimigos e da ressurreição dos justos; muito perto se assemelha ao que encontramos no livro de Daniel.
18
livre para trazer idéias de outras fontes e revestir sua obra de toda
nova feição.
Os capítulos 106 - 108 encerram o livro falando do
nascimento de Noé, que é acompanhado de prodígios, e contêm
uma última exortação de Henoc. Estes capítulos e 1 a 5, os
discursos introdutórios de Henoc e o futuro julgamento universal
fazem parte dos adiantamentos redacionais deste livro de
múltiplas camadas que provém do século I a. C.
É uma compilação de tentativas feitas no sentido de
resolver certos enigmas da Escritura, da natureza, do mundo e da
pré-história supraterrestre, como por exemplo, a queda dos anjos
e a sorte futura dos justos e dos ímpios num mundo futuro, o
mistério messiânico e a alternância do nascer e do pôr do sol, etc,
através das estações.
Esta coletânea está muito próxima do movimento de Qumrã
sem, entretanto, se identificar com ele.10 O compilador presta
serviço a um grupo de pensadores que se debruça sobre os
problemas divinos e cósmicos, tentando fornecer-lhes as
respostas e animando-os a conquistar uma ditosa vida eterna, por
um comportamento justo e fiel aos mandamentos da Torah.
3. Livro dos Jubileus
10 O cristianismo primitivo também considerava o livro como revelação, até mesmo dentro do Cânon do Novo Testamento (Carta de Judas), somente no século IV, e foi banido da esfera da cristandade medieval, mas conservou o seu prestígio no seio da igreja etíope.
19
O livro dos Jubileus foi originalmente escrito em hebraico e
em seguida vertido para o grego.11 O livro deriva seu nome do fato
de que ele12 divide a história em períodos de jubileus de quarenta
e nove anos. O livro é também chamado de Pequeno Gênesis;
pequeno não se refere ao tamanho do livro, mas ao detalhe
dentro do qual ele está inserido. É também chamado de
Apocalipse de Moisés, porque na forma é uma revelação feita a
Moisés, no Sinai.
É possível determinar a época da composição com
bastante precisão. Em Jubileus 3.21, Levi é denominado
“sacerdote do Deus altíssimo”, título que só era usado pelo sumo
sacerdote hasmoneu. Se tomássemos a destruição de Siquém
(30.4-6) como se referindo à sorte de Samaria conquistada por
Hircano, poderíamos então pensar nos anos 109-105 a.C., com o
que os fragmentos descobertos em Qumrã não estariam em
desacordo. O autor nasceu e viveu na Palestina.
O livro dos Jubileus começa com um discurso de Deus
dirigido a Moisés, no dia 16 do terceiro mês do primeiro ano da
saída dos israelitas do Egito, no qual Moisés é convidado a subir o
monte e ali receber as duas tábuas de pedra contendo a lei. Em
seguida, o anjo da presença toma a palavra, por ordem de Deus,
e narra a história desde o início da criação, passando pela história
dos patriarcas e os acontecimentos do Egito até o momento
preciso em que Moisés recebe a lei.
11 Na Igreja Antiga, este livro recebeu outras denominações, tais como Apocalipse ou Testamento de Moisés, Livro das Filhas de Adão, ou vida de Adão.12 No Pentateuco, o ano do jubileu era o que se seguia às sete semanas, isto é, o qüinquagésimo ano, mas apenas o cálculo dos períodos de jubileus de quarenta e nove anos.
20
Quando examinamos o ensino escatológico do texto,
verificamos que o autor pensa que a idade messiânica já se
cumpriu. Mas a concepção de tal idéia é bem outra da que
encontramos no livro de Daniel. Não tem em vista um movimento
catastrófico, mas uma gradual vinda do reino. Os dias dos
homens gradualmente se tornariam mais longos até atingir a
idade de mil anos (23.27).13 De acordo com 23.11, o grande
julgamento precederia o estabelecimento do reino, como em
Daniel e 1 Henoc 83 – 90, o estabelecimento dramático dele.14
Nenhum traço da ressurreição é encontrado no livro, e
nada se diz a respeito do fim, a não ser uma passagem que reza
assim: “e o reto verá e será agradecido, regozijar-se-á com alegria
para sempre e verá todos os seus juízos e todas as suas
maldições caírem sobre seus inimigos. E seus ossos
permanecerão na terra e seus espíritos gozarão de muita alegria”
(23.30-31). Uma imortalidade de bem-aventurança é, portanto, a
porção dos retos em algum estado indefinido; porém, não há
nenhuma expectativa de uma ressurreição para partilhar do reino
messiânico na terra.
O autor exalta grandemente a Casa de Levi. Sobre o
acontecimento de Gênesis 34.30, no qual a traição de Levi e
Simeão é condenada, no livro dos Jubileus este ato é
transformado na execução do juízo do céu contra os de Siquém
(30.5). Aos descendentes de Levi é prometida a autoridade civil e
eclesiástica (31.14s). Nenhum papel messiânico é atribuído a
Levi, como nos Testamento dos Doze Patriarcas. A única
referência ao messias, no livro, é a que diz que ele se levantará
13 Esta concepção está baseada em Is 65.20, onde se diz que a morte aos cem anos será considerada como a morte de uma criança ou o prematuro desaparecimento do pecador.14 É difícil reconciliar isto com outras idéias do livro; mas pode-se concluir que, para este autor, o reino não era eterno, e sim que findaria no julgamento geral.
21
da tribo de Judá (31.18), embora o termo messias não seja ainda
aplicado a ele.
A angeologia deste livro apresenta um estágio avançado.
Certamente, não encontramos nome de anjos aqui, como
acontece tanto no livro de Daniel como em 1 Henoc, mas há um
considerável desenvolvimento a partir do livro de Jó. Os anjos são
divididos em várias classes e séries, e tem uma sua própria
função.15
A característica marcante do livro dos Jubileus é a
exposição minuciosa do calendário, distribuída pelo ano solar de
364 dias, 4 trimestres iguais e de 13 semanas cada um. Este
calendário é o mesmo do grupo de Qumrã, o qual encontramos
também na Obra Zadoquita e em 1 Henoc.
O livro dos Jubileus pressupõe o Pentateuco, ou pelo
menos Gênesis e os 20 primeiros capítulos de Êxodo, e os
submete a um processo de remanejamento parafrásico, no qual
umas grandes quantidades de determinações legais são
derivadas da Torá, a partir de situações da história dos primórdios
e da época dos patriarcas, situações que correspondem, em seu
rigor, ao ideal dos essênios.
4. Os Testamentos dos Doze Patriarcas
15 Não vemos aqui Satanás na corte de Deus, mas vemos os demônios organizados em um reino, governados por Mastema, que deve ser identificado com Satanás. Há, pois, um progresso na direção do dualismo, além do livro de Jó e de Daniel.
22
Os Testamentos dos Doze Patriarcas foram originalmente
escritos em hebraico, sendo traduzido para o grego. As versões
armênias e eslavas estão baseadas no texto hebraico. Nas grutas
1 e 4 de Qumrã, descobriam-se fragmentos de manuscritos
aramaicos do Test Levi, que se aproximam do mesmo
Testamento, proveniente da Geniza de Cairo. Veio à luz um
Fragmento hebraico do Test Naftali, descoberto na gruta 4 de
Qumrã.
Desde as descobertas dos manuscritos, está em curso uma
controvérsia sobre a época e o meio em que surgiram os
Testamentos. Provavelmente o Test Levi seja o mais antigo,
remontando ao período dos macabeus e talvez tivesse por
finalidade legitimar a usurpação da dignidade de sumo sacerdote
por parte de Jônatas, em 153 a. C.
Mais tarde, quando o domínio dos macabeus avançou
para o norte do país, foi-lhe acrescentado o Testamento hebraico
de Naftali; só em seguida é que terão surgido os outros
Testamentos no século I a. C; uma revisão cristã final só teria
ocorrido por volta de 200 d. C.
Os Testamentos dos Doze Patriarcas se propõem a ser as
últimas palavras dos doze filhos de Jacó a seus filhos. Em cada
Testamento, encontramos história, exortação e profecia
combinada.
Como já foi dito, pensa-se, de modo geral, que a forma da
obra seja interpolada por mãos cristãs. Podemos considerar uma
série de passagens referentes ao messias da tribo de Levi.
23
Embora negue a maioria das passagens referentes ao
messias da tribo de Levi, podemos aceitar as seguintes: “Ele
andará com os filhos dos homens em humildade e retidão,
nenhum pecado será achado nele” (Test Judá 24.1); “ele
estabelecerá um novo sacerdócio e será um mediador entre os
gentios” (Test Levi 8.14); “abrirá as portas do paraíso para os
retos” (Test Levi 18.10; Test Dan 5.10), “e permitirá que os santos
comam da árvore da vida” (Test Levi 18.11). “Fará guerra contra
Beliar” (Test Levi 18.12; Test Dan 5.10), “que será lançado no
fogo eterno” (Test Judá 25.3), “o pecado terá fim” (Test Levi 18.9).
A figura de Beliar assume grande importância nos
Testamentos e chegou a nós em obras posteriores. Seu nome
surge da mudança na palavra Belial, encontrada no Antigo
Testamento.16 No livro dos Jubileus, fala-se do espírito de Beliar
(Jubileus 1.20) e dos filhos de Beliar (Jubileus 15.33); não se
podia ainda registrar nada mais do que a significação dada ao
termo no Antigo Testamento. Aqui ele é a personificação da
iniqüidade e o supremo adversário de Deus.
Deve-se notar que assim como satanás é a personificação
de uma função, assim Beliar o é de uma idéia. Quando satanás se
identifica com o mal e o expõe como sua função, torna-se a
contraparte precisa de Beliar. Note-se que uma delas foi, a
princípio, uma pessoa, como veio a ser mais tarde.
Nos Testamentos, Beliar tornou-se uma pessoa que se
opõe a Deus, corporificando o mal. Deus é o senhor da luz, Beliar,
16 No Antigo Testamento, nada há que sugira tratar-se de um nome próprio, nascido por meio de um espírito mau. Ao contrário, é um nome abstrato, cujo significado é provavelmente “inutilidade”.
24
das trevas (Test José 20.2) e os dois são colocados
freqüentemente um contra o outro (Test Simeão 5.3; Test Naftali
2.6). Beliar tem sob suas ordens espíritos que obedecem a sua
vontade (Test Issacar 7.7) e, aparentemente, os sete
arquiespíritos do mal correspondem aos sete arcanjos (Test
Ruben 2.1-2) e pertencem à sua corte. Nos últimos tempos, os
homens abandonarão a Deus e servirão a Beliar (Test Issacar
6.1), mas o messias, filho de Levi, fará guerra contra ele e
libertará as almas cativas que ele prendeu (Test Dan 5.10),
amarrará Beliar (Test Levi 18.12) e o lançará no fogo eterno (Test
Judá 25.3).
No que se refere à angeologia, é possível notar algum
desenvolvimento nos Testamentos e, em particular, a concepção
de Micael como mediador entre Deus e o homem (Test Dan 6.2; V
Levi 5.6).
A doutrina da ressurreição também se desenvolveu aqui.
Vemos Henoc, Noé, Sem, Abraão, Issac e Jacó ressuscitados
com alegria, seguidos pelos doze filhos de Jacó e por todos os
homens, alguns dos quais ressuscitarão para glória, outros para a
vergonha. Em seguida haverá lugar para o julgamento final,
quando o Senhor julgará primeiro a Israel e depois os gentios
(Test Benjamim 10.6-8).
Depois da destruição de Beliar, já referida acima, os
santos permanecerão no Éden e os justos se regozijarão na Nova
Jerusalém, e estarão na glória de Deus para sempre (Test Dan
5.12). Aqui fica proposto o caráter permanente do reino
25
messiânico, mas não se sabe se é um reino concebido na terra,
ou se a Nova Jerusalém deve ser equiparada ao paraíso.17
Os Testamentos dos Doze Patriarcas surgiram na
Palestina, os mais antigos em Qumrã e os mais recentes em
círculos chegados à Qumrã.
O Test Levi e o Test Naftali nos mostram a estima em que
era tida a arte de interpretar os sonhos e como se estava
persuadido de que se podia ler a sorte futura dos homens através
deles; a repetição similar de um sonho, por isso, era uma prova da
importância e da verdade a que foram entregues.
Quanto aos mais, os Testamentos contêm discursos
exortativos que, embora tocados pelo sopro do espírito da
comunidade de Qumrã, são isentos de muitas de suas
peculiaridades. Daí explica a razão pela qual a Igreja nascente se
apropriou deles, de bom grado, remanejando-os apenas
ligeiramente, sobretudo porque pareciam atender às aspirações
da filosofia helenística popular.
5. Os Oráculos Sibilinos
Os Oráculos Sibilinos compreendem cinco livros, dos quais
os de números 9, 10 e 15 se perderam; somente os números de 1
17 É possível que o reino se dê na terra e que Jerusalém não sofra desolação por mais tempo, nem Israel seja levado cativo, porque o Senhor está no meio dele.
26
a 8 e 11 a 14 chegaram até nós.18 Ameaças de catástrofes, indo
até a catástrofe final, alternam-se com ataques à idolatria, aos
ptolomeus, aos selêucidas e aos romanos. Referência ao dilúvio,
à construção a torre de Babel e a acontecimentos históricos do
passado se misturam com discursos de advertência e
encorajamento.
Os Oráculos Sibilinos são dispostos em forma de profecia,
mas não são fundamentalmente do tipo apocalíptico, motivo pelo
qual, escapam à nossa consideração. Nos sibilinos judaicos, há
algumas passagens apocalípticas que se ligam às obras que
estamos considerando, particularmente no terceiro dos doze
livros. Não são todos da mesma data. O texto de 3.97-8.19,
provavelmente, seja do século II a. C.; 3.46-62, do século I a. C. e
3.63-92, do século I d. C.
Nos Oráculos Sibilinos, há uma descrição da vinda do
messias. Não clara indicação de quando isto acontecerá, uma vez
que as seqüências são abruptas e nenhuma ordem cronológica é
observada.
Na passagem se diz que Deus enviará um rei do Leste, que
será o instrumento de sua vontade no estabelecimento da paz
universal (3.652 ss.). Na consumação deste fato, os judeus
prosperarão e a terra produzirá frutos (3.657 ss.), assim excitando
a inveja dos gentios, que em vão lutarão por atacar a Palestina
(3.660 ss.), mas Deus os destruirá com grandes maravilhas no
alto, nos céus, e embaixo, na terra (3.669 ss.).18 Os Oráculos Sibilinos são escritos que utilizam o nome da Sibila pagã, que gozava de grande estima junto aos gregos e romanos. Sibila era o nome ou designação dada a certas mulheres dotadas de espírito divino, as quais, em êxtase e levadas por um impulso interior próprio, anunciavam acontecimentos futuros por elas pressentidos, muitas vezes desagradáveis e pavorosos, sem terem sido interrogadas e sem estarem em ligação com uma sede oracular fixa.
27
O julgamento da guerra se dará aqui mesmo, e os homens
e as bestas juntamente serão consumidos (3.690 ss.). Os judeus
habitarão em segurança ao redor do templo, regozijando-se nos
dons que Deus lhes enviar e na paz que lhes proporcionará (3.702
ss.). Os estrangeiros admirar-se-ão destas provas do divino favor,
e se reunirão ao redor do templo para se converter e meditar na
palavra de Deus (3.710 ss.).
As bênçãos da idade messiânica são descritas em termos
de prosperidade material e de paz (3.741 ss.). Jerusalém será o
centro/reino que durará para sempre (3.772 ss.), enquanto os
profetas se tornarão juízes e reis (3.781 ss.).19
Em 3.46-62, o autor prediz que Beliar enganará a muitos e
desencaminhará, incluindo os hebreus fiéis (3.63 ss.), mas
queimará pelo fogo ardente que a ira de Deus enviará (3.71 ss).
Uma mulher, então, reinará sobre todo o mundo, até que venha a
ruína sobre o universo, mandada por Deus, quando o céu e a
terra serão consumidos numa completa conflagração (3.75 ss).
Aqui não há alusão nem ao messias, nem ao reino, mas
apenas completa destruição. Entretanto, existe algo de grande
interesse na seção, que é a figura de Beliar e a mulher que parece
sucessivamente desempenhar o papel de anticristo.20
Este livro pertence à época da confrontação com o
helenismo e da atividade missionária entre os gregos. Como estes
se transformaram em exploradores das leis a das doutrinas
19 Muitas destas considerações estão baseadas em passagens do Antigo Testamento.20 Embora breve esta passagem, é de alguma importância no estudo do crescimento e desenvolvimento das idéias dos escritos apocalípticos.
28
judaicas. Os Oráculos procuravam apresentar certos vaticínios e a
sabedoria pagã como constituindo o anúncio de idéias
propriamente judaicas.
6. Os Salmos de Salomão
Os Salmos de Salomão21 foram escritos originalmente em
hebraico, sobreviveu em traduções gregas e siríaca derivada do
grego. Até o século XVII, só se tinha ouvido falar de um livro com
esse título. Agora ele é conhecido em oito manuscritos gregos e
numa tradução do grego para o siríaco, a qual está combinada
com outra coleção de poemas, as Odes de Salomão.22 O texto
original certamente era hebraico. A coleção consiste em 18
poemas no estilo dos salmos canônicos.
Nos Salmos de Salomão, encontramos também os gêneros
literários salmódicos dos hinos e dos cânticos de lamentação do
Antigo Testamento, muitas vezes, porém, carregados de reflexão
e descrições, freqüentemente misturados entre si. Mas ocorrem
também salmos sapienciais do tipo do salmo canônico, como
podemos ver em 4.23 ss. e 6; 10; 14.
21 O título Salmos de Salomão foi conferido certamente por um compilador que, por este procedimento, queria diferenciá-lo dos salmos canônicos de Davi, mas, ao mesmo tempo, ligá-los também ao nome de um famoso rei. No próprio texto não há referência alguma a Salomão. 22 As Odes de Salomão, conhecidas em antigas listas do cânon e por uma citação de Lactâncio e por fragmentos da obra copta Pistis Sophia, foram descobertas por Tendel Harris, em 1909, num manuscrito de 400 anos. São, provavelmente, uma coleção do século II d. C.
29
Os Salmos de Salomão, como um todo, não participam da
natureza da literatura apocalíptica, mas é usual examiná-los nesta
conexão por causa do familiar Salmo 17, que é bastante
importante para o estudo do pensamento dos escritores
apocalípticos. Este salmo deve ser mais apropriadamente
chamado de messiânico do que apocalíptico.
Quanto ao conteúdo, o salmo descreve a figura do justo e
piedoso que se mantém fiel à lei, do perverso que se desvia da lei,
bem como dos seus respectivos destinos; relata o castigo
descarregado sobre toda a nação por Pompeu, cujos soldados
profanaram o santuário e levaram judeus cativos para o Ocidente,
e esperam o início iminente da era de salvação.
Os Salmos de Salomão nos proporcionam uma visão do
mundo das idéias religiosas da segunda metade do século I a. C.,
ou, mais precisamente, daquela de um grupo que se aproxima
dos fariseus e se mantém fiel ao templo, sem, entretanto, enfatizar
o ministério do templo e o culto sacrificial.
A prática fiel da lei, pelo contrário, consiste num
comportamento agradável aos olhos de Deus, comportamento
que, todavia, não se confunde com a observância legal e
isolacionista dos sectários de Qumrã, dos quais o grupo se
diferencia até nas mínimas citações dos profetas do Antigo
Testamento.
7. A Obra Zadoquita
30
Geralmente conhecida como Documento de Damasco pelo
fato da seita ter tido a sua sede em Damasco, quando se retirou
de Jerusalém. Os autores alemães a denominam Documento de
Damasco.
Sua data não pode ser determinada com segurança,
havendo as mais disparatadas diferenças entre os estudiosos,
indo desde o período pré-macabeu até o século XI d. C. Pelo fato
de seu estilo freqüentemente lembrar-nos a qualidade misteriosa
da literatura apocalíptica, podemos classificá-la, essencialmente,
como tal.
No referido texto, encontramos a crença de que um período
de grande maldade existiria até que o messias aparecesse (15.4).
Antes, porém, do messias, outra figura se levantaria de maneira
diversa: “o mestre da justiça” (1.7; 8.10; 9.53), “o único mestre”
(9.29b, 39b) ou simplesmente “o mestre” (9.50). Diz-se que da
época do “mestre da justiça” até a do messias, decorrerão
quarenta anos (9.39b). Durante o período da maldade, um
remanescente manterá a fidelidade do povo (2.9) e quando o
messias vier, fá-los-á conhecer seu santo espírito (2.10).
Há muitas referências àqueles que provaram deslealdade
ao novo pacto (9.10 ss; 28ss; 49), os quais serão destruídos pelo
messias, juntamente com os que agiram contra os judeus nos dias
de provação (9.49b) ou serão visitados com a destruição pelas
mãos de Belial (9.12). Julgamento sumário será a realidade na
vida do povo (9.48b), enquanto os que permaneceram firmes em
Deus gozarão a vida eterna (5.6).
31
Note-se que Beliar, figura uma vez mais presente nesta
obra, embora seu nome tenha a forma em que aparece no Antigo
Testamento, possui aqui um caráter eficientemente pessoal.
Parece ser o príncipe dos maus espíritos, uma vez que achamos
uma referência ao “qualquer homem governado pelos espíritos de
Belial” (14.5); foi-lhe concedida liberdade de ação contra Israel
(6.9) e a posse de três redes com as quais dominaria o referido
povo (6.10). Diz-se também ter se levantado contra Moisés e seu
irmão (7.19), provavelmente identificados com Janes e Jambres
(2Tm. 3.8).
Somente um fragmento sobreviveu desta obra. Por isso,
pouco se sabe do julgamento do mundo e da natureza do reino
messiânico. Nem mesmo sabemos de um Julgamento de Belial e
suas hostes. A mais interessante idéia nela contida é referente ao
precursor do messias, cujo advento está situado num período
precedente de quarenta anos, e a dos membros infiéis da
comunidade messiânica, que esperavam o advento do messias.
8. O Apocalipse de Sofonias
O chamado Apocalipse de Sofonias chegou até nós em
forma muito abreviada e de três fontes distintas. A origem de sua
composição é incerta. Mas, em geral, estima-se que este livro
tenha surgido no final do século I a. C.
32
O livro retoma o refrão familiar de uma viagem cósmica
com um anjo guia que revela ao profeta, nessa viagem pelos
céus, um conjunto de sete episódios, nos quais, entre outras
coisas, ele vê a glória do céu e o tormento do inferno.
O autor descreve várias cenas relativas à Jerusalém
celeste e outras relativas ao Hades. Aí ele se confronta com “o
acusador” que segura um livro que contém o registro do pecado
dos homens. O profeta intercede por aqueles que sofrem
tormentos e prevalece sobre o acusador. Depois, vestindo um
“paramento angélico”, une-se às fileiras angélicas e põe-se com
eles em prece.
O livro termina com quatro “cenas de trombeta” que, com o
sopro, celebra seu triunfo contra o acusador, a abertura do céu, os
santos que intercedem e a vindoura ira de Deus. O tema do
julgamento é saliente, por todos os lugares vemos anjos
escoltando as almas dos ímpios para o Hades e o castigo eterno.
33
CAPÍTULO II OS ESCRITOS DO SÉCULO I d. C.
INTODUÇÃO
A literatura apocalíptica não é um produto só dos dois
séculos antes da era cristã; durante o século I a. C., ela esteve em
contínua criação. A propalada expectação da proximidade do reino
messiânico constitui a base ou o tema da pregação da proximidade
do reino messiânico de João Batista e de Jesus, não sendo
desconhecido, na esfera política, o pseudomessias.
Contudo, a crescente inquietação dos judeus e a amarga
hostilidade a Roma apontam para uma violenta explosão em futuro
não distante, bem como aquela exagerada expectativa que deu
significação cósmica às preocupações dos judeus, reavivou as
esperanças que tinham sido expressas no livro de Daniel, e que
foram aplicadas às situações daquele período. A sua originalidade
não está fundamentalmente nas idéias que expressaram, mas no
emprego que fizeram delas.
34
1. A Assunção de Moisés
Este livro foi escrito provavelmente em aramaico, mas só foi
conservado numa tradução latina, que por sua vez remonta a uma
tradução grega.1 A obra é conhecida em geral como Assunção de
Moisés, porque se acredita que a lenda da assunção de Moisés foi
acrescentada como uma segunda parte que não chegou até nós.2
A carta de Judas pressupõe uma lenda deste gênero.
A composição estabelece a Palestina como região da
composição da obra. Tendo em vista que pressupõe a existência
do templo. A morte de Herodes é pressuposta, uma vez que, ao
que parece, seu filho estava no poder. A composição deve situar-
se entre 6 e 30 d.C.
A primeira seção é composta por Assunção de Moisés 1 - 8,
onde este, com idade de 120 anos, profere um vaticínio aos
ouvidos de Josué, que ele acaba de constituir como seu sucessor.
Diz ele que, embora o mundo tenha sido criado em vista da lei,
contudo, para que isto não fosse revelado a todos os homens,
Moisés foi predestinado já antes da criação do mundo para
anunciá-lo aos israelitas.
Josué deve manter o escrito escondido. É ele próprio quem
conduzirá o povo à terra prometida. Em seguida, narra-se a história
1 As citações que se encontram na carta de Judas e nos pais da Igreja talvez tenham sido tiradas da tradução grega.2 Originalmente, existiam dois escritos, o Testamento de Moisés e a Assunção de Moisés, que foram posteriormente reunidos em um só documento.
35
de Israel e Judá até o aparecimento de Herodes e seus filhos, no
estilo de Daniel 10 - 12.
A segunda seção, Assunção de Moisés 9 - 10, relata que
em meio à suprema tribulação que agora desponta e à corrupção
dos costumes, surge Taxo,3 da tribo de Levi, o qual, com seus sete
filhos, prefere ser entregue à morte a transgredir a lei. Com este
sacrifício de si mesmo, espera provocar o aparecimento do Senhor
e os acontecimentos cósmicos e apocalípticos, fazendo com isto
que advenha o julgamento dos justos.
Moisés, no capítulo 11, quer se entregar ao descanso e
Josué deve assumir o comando do povo. Josué protesta e declara
que o sepulcro de Moisés deveria se estender a toda terra, para
que pudesse corresponder à sua grandeza. O capítulo 12 relata a
insistência de Josué em não ser capaz de ser sucessor de Moisés,
quando é interrompido com a advertência de Moisés, apontando
para a predestinação de Deus (12.12). Com esta advertência se
interrompe o manuscrito.4
Se o escrito surgiu em conexão com o grupo de Qumrã,
temos, então, diante de nós, uma obra de um gênero literário
cultivado ali, como nos mostram o livro de Jubileus e o apócrifo de
Gênesis. Dado a grande estima de que gozava a Torah nestes
3 A identificação da figura de Taxo tem provocado a mais problemática questão da Assunção de Moisés. A figura permanece obscura, portanto. É provável que fosse uma pessoa real, contemporânea do escritor, a quem teria sido perigoso indicar mais abertamente. Era uma pessoa bem conhecida. Independente do mais, a significação ligada à sua morte sugeriria isto. É sabido que nenhuma figura do tempo, em que se crê tenha sido o livro escrito, teve significação exagerada, antes, modificação alguma teria alterado o curso da história.4 Se as citações que se encontram na carta de Judas e nos escritos eclesiásticos são verdadeiras, então, seguir-se-á aqui a morte de Moisés, o aparecimento do Arcanjo Miguel e sua luta contra satanás em torno do cadáver de Moisés.
36
círculos, compreende-se facilmente que tenham surgido lendas em
torno da pessoa de Moisés.
2. Livro Eslavo de Henoc
O Livro Eslavo de Henoc é também conhecido como livro
dos Segredos de Henoc e 2 Henoc. É evidente que se trata
de uma transformação e ampliação de certas partes das
tradições de 1 Henoc. Mas os temas fundamentais comuns,
como a viagem pelo céu, o interesse palas questões de
astronomia e de meteorologia, foram desenvolvidos
independentemente uns dos outros desde cedo, de sorte
que os pormenores divergem profundamente entre si.
Foi escrito originalmente em grego, conservado na versão
eslava. Surgiu sem dúvida no Egito, em Alexandria, provavelmente
em um círculo de judeus helenistas, que se achavam sob a
influência do mundo do pensamento representado por Filon, sem,
contudo, adotá-lo inteiramente. A data de sua composição é muito
controvertida. A data mais aceita é em torno de 70 d.C. Porém,
contra esta data têm sido apresentados fortes argumentos. Alguns
escritores colocam a redação no século VII d.C.
O livro narra, primeiramente, uma viagem de Henoc através
de dez céus – originalmente só através de sete céus (1 - 21); em
seguida, narra uma audiência com o próprio Deus, que institui
Henoc sobre a criação (a partir do nada) até a criação do homem e
37
a duração do mundo: 7.000 anos mais um milênio (22 - 23); além
disso, manda dois anjos levar Henoc de volta à permanência sobre
a terra, a fim de ensinar a seus filhos a respeito da sorte futura que
espera o mundo e o gênero humano (34 - 38).
Henoc fala dos segredos dos céus por ele contemplados e
acrescenta um discurso de advertência e o convite a propagar os
livros escritos por ele (39 - 54); um discurso de despedida e a
descrição do arrebatamento de Henoc encerram o livro (55 - 68).
Aqui temos um excelente exemplo da obra tipicamente
apocalíptica, que não revela nenhum conhecimento de crise; é
escrita numa calma indiferente. Seu mundo está em ordem e
esquematizado; é indiferente às trivialidades da história humana,
que conta com o propósito de Deus. O livro nos mostra uma
religiosidade da dispersão, interessada no culto de Jerusalém com
forte acentuação do amor ao próximo.
3. A Vida de Adão e Eva
Existem duas versões da vida de Adão e Eva que
apresentam muitos paralelos entre si. Uma representada pelos
manuscritos latinos; outras, pelos gregos. Esta última é
erroneamente chamada de Apocalipse de Moisés, embora a
retenção do título seja útil para distinguir a forma grega da latina.
38
É apresentada na forma de uma história das experiências
de Adão e Eva antes de sua expulsão do paraíso. O material
apocalíptico que contém não é considerável. Provavelmente, foram
desenvolvidas a partir de um escrito básico comum, que parece ter
sido composto em hebraico.
As duas séries de tradições narram a história de Adão e Eva
depois de sua expulsão do paraíso, mencionam ligeiramente Caim
e Abel, bem como o nascimento de Set. Em seguida, pulam para a
enfermidade mortal de Adão, relatam a tentativa inútil de Eva e Set
no sentido de conseguir um óleo medicinal do paraíso para curar o
doente e descrevem os ritos de sepultamento, executados em
torno de Adão por anjos, sob a direção do arcanjo Miguel, como
modelo obrigatório. Eva morre oito dias depois e é sepultada
também por anjos.
A Vida de Adão e Eva contém, no início, uma descrição da
situação de penúria em que os dois se acham logo em seguida à
sua expulsão do paraíso e sua inútil procura por alimentos. Por
lhes faltar a comida que eles tinham no paraíso, veem-se forçados
a utilizar o alimento dos animais. Adão e Eva decidem, então, fazer
penitência de 40 e 38 dias, respectivamente, indo Eva mergulhar-
se no rio Tigre até o pescoço e Adão, de igual modo, no Jordão, o
qual talvez tenha substituído o rio Gion do paraíso.
4. 4 Esdras
39
O livro está conservado em tradução latina, siríaca etíope,
árabe, Armênia, saídica e geórgica que, por sua vez, remontam
não a um texto aramaico, mas um texto hebraico. Os capítulos 1,
2, 15 e 16 são acréscimos cristãos,5 somente os capítulos 3 - 14
provém de um autor judeu.
O autor é um judeu do final do século I d.C. Encontra-se sob
a impressão, ainda não superada, da destruição de Jerusalém, que
não pode ser a do ano 586 a.C., mas a catástrofe do ano 70 d.C.
Quanto ao autor, não se pode dizer com certeza se viveu em
Jerusalém ou talvez em Roma, como judeu da diáspora.6
O livro contém sete “visões”, das quais três são colóquios. O
primeiro colóquio (3.1 a 5.19) trata das questões do porquê do
pecado e do sofrimento no mundo, e termina com a perspectiva
consoladora da próxima chegada do fim das coisas.
O segundo colóquio (5.20 - 6.34) procura saber o motivo
pelo qual Deus entregou seu próprio povo bem amado aos pagãos,
e se refere ao plano secreto de Deus a respeito do universo, bem
como a proximidade do fim, que revelará este plano.
O terceiro colóquio (6.35 - 9.25) se dedica primeiro à
questão de saber porque Israel não possui, desde de já, o mundo
que lhe pertence, como lhe foi prometido; vê este mundo como
uma passagem, fala do destino dos pecadores e do julgamento do
mundo, das sete espécies de tormento e das sete espécies de
alegrias do estágio intermediário.
5 A tradução latina é transmitida com apêndice na Vulgata, procedida de dois capítulos (1-2), chamados de 5 Esdras e seguida de dois outros capítulos (15-16), denominados por sua vez de 6 Esdras6 Não se notam influência do judaísmo egípcio, nem tampouco da comunidade de Qumrã.
40
Rejeita a possibilidade de intercessão por ocasião do
julgamento e se preocupa com o problema de saber como a
misericórdia de Deus se concilia com a perdição dos pecadores.
Além disso, liga a esta consideração a advertência de que Esdras,
que está destinado à bem-aventurança, melhor faria em pensar no
próprio futuro do que se afadigar a respeito da sorte, merecida, dos
pecadores.
Seguem-se, então, as quatro visões:
A primeira delas, que no conjunto da narração é a quarta
(9.26 - 10.60), mostra uma mulher debulhada em prantos, cuja
infelicidade passa a ser narrada. Ela se transfigura em cidade
resplandecente, a Jerusalém da era da salvação.
A segunda visão, que no conjunto da narrativa é a quinta
(11.1 - 12.1), ilustra toda a história como o exemplo da figura de
uma águia que surge do mar. Na extensão de algumas de suas
partes, esta visão é semelhante à de Dn 7 e muito diferente da que
a precedeu. Aqui, pela primeira vez, temos um resumo simbólico
da história como o prelúdio para a predição. A referência é ao
império romano, cujos imperadores são indicados sob a figura de
asas e cabeças.7
A sexta visão (13), também ligada a Dn 7, mostra um ser
semelhante ao homem, que surge do meio do mar e luta sobre as
nuvens – à frente de um grande exército e com torrentes de fogo –
contra os seus inimigos, até que estes se convertem em fumaça e
pó.
7 As três cabeças provavelmente representam Vespasiano, Tito e Dominiciano.
41
A sétima visão (14.1 - 50) dá ordem de escrever os 24 livros
canônicos e os 70 que devem ser mantidos em segredos.
O livro mostra um judaísmo que vê os antigos ideais da fiel
e rigorosa observância da lei, bem como a orgulhosa separação de
sua nação em relação às outras, e se considera rejeitada por Deus
no confronto da humanidade, como pequena minoria que fora
escolhida por Deus. Por isso põe a questão da justiça de Deus,
mas quanto à sua misericórdia.
5. Apocalipse Siríaco de Baruc
O livro Apocalipse de Baruc, também conhecido como 2
Baruc, foi redigido originalmente em aramaico.8 Porém, ele se
perdeu, existindo uma tradução em Siríaco9 que constitui o único
testemunho de todo o texto.
A data da composição é provavelmente o início do século II
d.C., pois o autor olha retrospectivamente para a destruição do
templo e da cidade ocorrida em 70 d. C.10 Outras partes, como 2
Baruc 27.1 – 30.1; 36 – 40; 53 – 74 são fragmentos mais antigos,
mas que não teriam surgido ainda antes de 70 d. C. É quase certo
8 Do ponto de vista da história das formas, 2 Baruc se assemelha a 4 Esdras, com o qual apresenta certos pontos de contato também sob o ponto de vista do conteúdo.9 Além de 2 Baruc, existe outro escrito, conhecido como Apocalipse Grego de Baruc ou 3 Baruc. A data de sua composição deve ser após o século II d. C., razão de não ser incluído em nosso trabalho.10 Diante dos fortes contatos com o 4 Esdras, discute-se se foi este que surgiu mais cedo, ou se foi nosso apocalipse. Mas a balança pende mais em favor da composição de 4 Esdras em época anterior.
42
que Jerusalém tenha sido o lugar de origem. O autor está muito
próximo dos fariseus.
O livro se acha dividido em sete partes:
Deus comunica a Baruc a ruína iminente de Israel. Essa
ruína é levada a efeito por quatro anjos, após a qual os caldeus
ocupam a cidade destruída. Por ordem de Deus, Baruc se detém
na cidade, enquanto Jeremias se dirige à Babilônia (1 – 12).
Depois de um jejum de sete dias, Deus revela a Baruc que
vai decretar um castigo também contra as nações pagãs e o
informa a respeito do destino que espera os justos e os injustos.
Por fim, Deus lhe ordena que realize um novo jejum de sete dias
(13 – 20).
Baruc se prepara com orações e jejum, para receber uma
nova revelação que dará uma adequada resposta à sua indagação
a respeito do castigo que pesa sobre os ímpios, castigo que se
estenderá a toda terra e precederá o aparecimento do Messias.
Baruc comunica aos anciãos que Jerusalém será destruída uma
segunda vez, mas virá uma época de reconstrução em meio à
glória e ao esplendor (21 – 34).
Baruc se lamenta sentado sobre os escombros do que fora
o santo dos santos. Então, tomado de profundo sono, vê em sonho
uma grande floresta situada num vale cercado de penhascos.
Neste mesmo tempo, cresce diante dele uma videira (36 – 46).
Debaixo dela brota uma fonte que se avoluma e derruba a
floresta e as rochas, com exceção de um cedro que fica de pé,
43
mas este também acaba sucumbindo às chamas. Depois disto,
brota uma videira vigorosa. Após a interpretação da visão do sonho
por Deus, Baruc é incumbido de exortar o povo.
Depois de jejum e oração, Baruc apresenta uma revelação
sobre a situação de tormento nos últimos tempos, assim como
sobre a futura corporeidade dos ressuscitados (47 – 52)
Baruc contempla uma nuvem que surge do coração do mar
e a seguir se desfaz, por doze vezes, em chuva, alternando chuva
escura com chuva clara, depois, o que se segue é uma grande
chuva escura e, pó fim, um raio claro. O anjo Ramiel explica o
sentido desta chuva, identificando-as com os diversos períodos da
história em particular (53 – 76)
Desde a queda do pecado original, culminando no raio claro
do Messias e de sua era ao agradecimento de Baruc, segue-se o
anúncio de seu arrebatamento a um alto monte que ele deve
escalar durante 40 dias.
Baruc reúne o povo, pronuncia um discurso de advertência
e, a pedido do povo, promete escrever uma carta às nove tribos e
meia, e outra às duas tribos e meia de deportados em Babilônia. O
livro termina com a comunicação do conteúdo de carta dirigida às
nove tribos e meia (77 – 87).
2 Baruc é um livro de consolação que, polemizando
ligeiramente com o cristianismo depois da catástrofe de 70 d.C.,
procura resolver a questão da recompensa dos justos e do castigo
dos ímpios, olhando para a salvação vindoura que se operará na
44
manifestação do Messias, em seu império e na ressurreição dos
mortos que então irá ocorrer.
6. Ascensão de Isaías
Os três pequenos escritos reunidos sob este nome que
giram em torno da pessoa do profeta de Isaías foram conservados
na íntegra em uma tradução etíope que remonta ao texto grego.
Este livro foi copilado por um editor cristão de três escritos
separados: Martírio de Isaías, com sua origem judaica; o
Testamento de Ezequias; e a visão de Isaías; essas duas últimas
de origem cristã. A probabilidade é que a Ascensão de Isaías é um
livro e que é especificamente um apocalipse cristão. O autor era
um judeu da Palestina.
A primeira parte, 1.1 - 2.1a, 6b - 13a; 2.1 - 3,12; 5.1b - 14b,
narra como Ezequias repreendeu seu filho Manasses na presença
do profeta Isaías. Este o interrompe e prediz os futuros pecados de
Manasses e seu próprio martírio por ordem sua. A morte de
Ezequias leva Manasses ao trono. Este, porém, sucumbe ao poder
de Belial que o incita a apostatar de Javé.
Diante do culto prestado a Satanás, por Manasses, Isaías
se retira, primeiramente, para Belém, e finalmente para o deserto
de Judá, onde Miquéias, Ananias, Joel, Habacuc e Shearaschub
se reúnem em torno dele. Eles se trajam de roupas feitas de peles
45
e vivem apenas de legumes silvestre, que eles mesmos colhem.
Belquira revela o esconderijo de Isaías, arrancado do contexto,
conseguindo, assim, que o profeta seja condenado à morte. Isaías
encontra a morte, serrado ao meio.11
A segunda parte do livro relata a visão de Isaías, na qual é
arrebatado através dos sete céus para o mais alto céu com sua
inefável glória. Nesse passo, mostrou os livros em que todos os
feitos humanos são recordados, as vestimentas, os tronos, as
coroas guardadas para os que crêem na cruz de Belovede. Então,
vê o Senhor descer do céu a terra onde nasceu de Maria e viveu
para os homens até que foi crucificado, sepultado, ressuscitado e
elevado ao céu para sentar-se à direita de Deus.12
7. Apocalipse de Abraão
O Apocalipse de Abrão foi preservada numa versão eslava.
É uma obra essencialmente judaica, com acréscimo cristão. É
dado depois de 70 d.C., sendo provavelmente, o início do século II.
11 Esta fábula, que depende talvez de sagas iranianas (o cerramento de Jima, que se refigura no interior de uma árvore, por parte da serpente tricéfala Azhi Dahaka), pertence à série das lendas de mártires da época dos macabeus. Outras histórias são: a história dos três jovens na fornalha ardente, de Daniel na cova dos leões ou dos sete irmãos do 4 Macabeus. Tem por objetivo mostrar que mesmo profetas como Isaías não ficaram isentos de falsas acusações, e inclusive do martírio, mas permaneceram fiéis a Javé nestas tribulações.12 Existe uma quebra de regra das normas apocalípticas. A regra é silenciar os nomes, mas aqui são mencionados os nomes de José e Maria. O autor desta parte troca a ênfase apocalíptica, que era o último julgamento e o fim do mundo, pela ênfase cristã, que apresenta a encarnação como o alvo supremo da história.
46
A primeira parte do livro descreve a conversão de Abraão da
idolatria, a ordem para deixar as cãs de seu pai e o fogo que
desceu para queimá-lo, logo que a deixou (1 – 8).
A segunda contém a visão apocalíptica de Abraão. Em
primeiro lugar, oferece sacrifício preparatório para a visão no
Horeb. Em seguida, sobrevêm as tentações de Azazel, que
procurou dissuadi-lo a propósito (9 – 14).
Depois disto, Abraão é guiado pelo anjo Jaoel para o céu,
onde teve a visão do trono divino (15 – 18).
A descrição desse trono deve muito ao livro de Ezequiel.
Deus fala a Abraão, reveste-o dos poderes do céu e promete-lhe
numerosa descendência com as estrelas (19 – 20).
Explica-lhe, também, a queda do homem e suas
conseqüências para a nação; mostra-lhe também o juízo vindouro
na destruição do templo (21 – 27).
Isso é devido ao pecado da idolatria por parte da
descendência de Abraão. Este indaga quando o julgamento se
dará. Responde-lhe que Deus será provocado por quatro gerações
de cem anos cada; na quarta haverá desgraça entre o gentio (28 –
29).
Supõe-se que o autor conta o tempo a partir do
estabelecimento de Jerusalém como cidade santa de Davi. O livro,
então, foi escrito muito pouco depois da destruição do templo por
Tito. O autor acredita, como a maior parte dos escritores
apocalípticos, que esteja próximo do fim dos tempos. Mostram-se-
47
lhes as dez pragas que sobreviverão ao mundo antes que a idade
da justiça venha; a punição do gentio, seguida do som da
trombeta, quando o eleito de Deus vem com poder para os seus e
consumir com fogo os que os insultam (29 ss.).
É provável que o propósito do autor fosse o de indicar a
iminência do fim e os seus sinais da miséria que alcançariam os
homens e não descrever sua natureza e conseqüências.
8. O Testamento de Abraão
O Testamento de Abraão é muito diferente do apocalipse; é
preservado em duas recensões gregas. É uma obra
fundamentalmente judaica, acrescida com interpolações cristãs,
provavelmente datada no século I d. C.
A parte mais longa do livro conta como Micael foi anunciar a
Abraão sua morte, que estava próxima. Este relutou em entregar
sua alma, perguntando se antes de morrer poderia ter o privilégio
de conhecer o mundo e todas as coisas criadas.
Foi, então, conduzido por Micael para conhecer o mundo e
todos os seus pecados. Sua indignação cresceu e clamou por
destruição dos pecadores até que vem interromper a visão,
permitindo que todas as criaturas fossem destruídas (1 – 10).
Abraão foi então admitido ao primeiro céu, onde viu os dois
caminhos: um estreito e o outro largo. Muitas almas eram
conduzidas pela porta larga, poucas pela estreita. No ponto de
48
partida do caminho, estava Adão, que se alegrava com os que
eram recebidos no caminho estreito, mas tinha profunda tristeza
pelos demais.
Entre as duas portas e os dois caminhos, estava sentado
Abel julgando as almas e pesando-as na balança. Avivou-se a
compaixão de Abraão e intercedeu pelos que tinham sido antes
amaldiçoados. Voltou para a terra em seguida, mas ainda se
recusava a entregar sua alma (11 – 15).
Deus convocou o anjo da morte e enviou-o em busca da
alma de Abraão, que ainda uma vez se recusou a entregá-la. A
morte recusou a levá-lo. Despiu a formosura e a beleza com que
estava vestido e mostrou toda a sua imundice e abominação, de
modo que tudo ao redor de Abraão morreu e o espírito dele
consumiu-se.
Abraão sobreviveu e intercedeu por todos os seus servos e
sua vida foi restaurada. Também se recusou a seguir a morte,
pedindo-lhe que explicasse toda esta alteração. A morte replicou-
lhe que, por sete idades, ela traria ruína ao mundo. Em seguida,
Abraão segurou a mão da morte e Micael levou-o ao paraíso (16 –
20).
A idéia de julgamento triplo é interessante. O segundo dele
não se ajusta bem com os outros, visto que se trata de um
julgamento nacionalista, impróprio para o interesse individual da
obra. Há a ausência do messias e do reino messiânico, mas está
presente a idéia das idades do mundo em número de sete, ainda
que sem caracterização.13
13 Em muitos pontos, este apocalipse é diferente da forma usual desse tipo de literatura. Não há pano de fundo da crise histórica e é geralmente interessado no destino do
49
CONCLUSÃO
TOBIAS (200 a. C.)
É uma história novelística sobre a bondade de Tobiel (pai de
Tobias) e alguns milagres preparados pelo anjo Rafael.
Suas heresias:
1. A justificação pelas obras – 4.7-11; 12.8.
2. Mediação dos santos – 12.12
3. Superstições – 6.5,7 – 9,19
4. Um anjo engana Tobias e o ensina a mentir – 5.16-19.
JUDITE (150 a. C.)
História de uma heroína viúva e formosa que salva sua cidade
enganando o inimigo e, em seguida corta sua cabeça. Sua grande
heresia é a própria histórica, na qual os fins justificam os meios.
BARUQUE (100 a. C.)
Traz, entre outras coisas, a intercessão pelos mortos – 3.4.
ECLESIÁSTICO (180 a. C.)
indivíduo.
50
É muito semelhante ao livro de Provérbios, não fossem as tantas
heresias. A saber:
1. Justificação pelas obras – 3:33-34
2. Trato cruel aos escravos – 33.26,30; 42.1,5.
3. Incentiva o ódio aos samaritanos – 50.27,28
SABEDORIA DE SALOMÃO (40 a. c.)
Livro escrito com a finalidade exclusiva de lutar contra a
incredulidade e a idolatria do epicurismo (filosofia grega na Era
Cristã.). Suas heresias:
1. O corpo como prisão da alma – 9.15
2. Doutrina estranha sobre a origem e o destino da alma –
8.19,20.
3. Salvação pela sabedoria – 9.19.
I MACABEUS (100 a. C.)
Descreve a história de três irmãos da família “macabeus” que, no
chamado período Inter bíblico (400 a.C. – 3 a.D.), lutam contra os
inimigos dos judeus visando a preservação do seu povo e da terra.
II MACABEUS (100 a. C.)
Não se trata da continuação de I Macabeus. São, no entanto,
narrativas paralelas, cheias de lendas e prodígios de Judas
Macabeus.
Suas heresias:
1. A oração pelos mortos – 12.44-46.
51
2. Culto e missa pelos mortos – 12.43
3. O próprio autor não se julga inspirado – 2.25-27; 15.38-40
4. Intercessão pelos santos – 7.28; 15.14.
ADIÇÕES AO LIVRO DE DANIEL
No capítulo 13, é contada a “A história de Suzana”. Segundo esta
lenda, Daniel salva Suzana num julgamento fictício baseado em
falsos testemunhos.
O capítulo 14 conta-nos a história de Bel e o Dragão. Contém,
ainda, histórias sobre a necessidade da idolatria.
No capítulo 3.24-90 está “O cântico dos três jovens na fornalha”.
DEUTEROCÂNICOS
Designa os livros aceitos pelos católicos que não foram incluídos
no Cânon escriturístico da comunidade judaica. São sete livros
mais alguns fragmentos que se encontram na tradução dos LXX.
Os cristãos os aceitam em seguida instância, pois foram
importantes para a primeira geração de teólogos cristãos.
PSEUDEPÍGRAFOS
É usado pelos protestantes para indicar livros escritos por pessoas
inspiradas. Esses livros, no entanto, não estão nos cânones
judaico, católico e protestante. Esse termo é inadequado para ser
usado em matéria de canonicidade, pois atribui o livro a outro autor
que não o escreveu, o que aconteceu com alguns livros canônicos.
Resumindo: pseudoepígrafos são os livros religiosos e
apocalípticos, escritos com a pretensão de serem sagrados,
porém, nem discutidos foram, sendo rejeitados por todos (judeus,
católicos e protestantes).
52
REFERENCIAS
BRIGHT, J. História de Israel. Trad. Euclides C. Silva. 3. ed. São
Paulo: Paulinas, 1985. (Tem uma nova edição pela Paulus
refeita nos Estados Unidos)
BURKKIT, F. C. Jewwish and Christian Apocalypsis. Londres:
Oxford University Press, 1914.
CHARLES, R. H. The Apocrypha and Pseudepigrafa. Oxford:
Clarendon Press, 1913. 2v.
. Development between the Old and the New Testament.
Londres: Oxford University Press, 1948.
EISSFELDT, O. The Old Testament: An Introduction. Trad. P. R.
Ackroyd. Oxford: Harper and Row, 1966 (tem uma edição em
espanhol pela Ediciones Cristiandad, 1998).
HANSON, P. D. The Dawn of Apocalyptic. Filadélfia: Fortress,
1975.
. Old Testament Apocalyptic. Nashville: Abingdon
Press, 1987.
JEREMIAS, Joachim. Jerusalém nos tempos de Jesus. Trad. M.
Cecília de M. Duprat. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1986.
53
OESTERLEY, W. O. E. The Jews and Judaism during the greek
period. Londres: Oxford University Press, 1941.
PAUL, A. O que é o Intertestamento. Trad. Benôni Lemos. São
Paulo: Paulinas, 1981.
REICKE, B. O. Ivar. História do Tempo do Novo Testamento: o
Mundo Bíblico de 500 a.C. até 100 d.C. Trad. João Aníbal e
Edwino Royes. São Paulo: Paulus, 1986.
ROWLEY, H. H. A Importância da Literatura Apocalíptica. Trad.
Rui Gutierrez. São Paulo: Paulinas, 1980.
RUSSEL, D. S. The Method and Message of Jewish Apocaliptic.
Filadélfia: Westminster Press, 1964 (The Old Testament
Library).
. Apocalyptic: Ancient and Modern. Filadélfia: Fortress,
1975.
TORREY, C. C. Apocrypha. New Haven: Yale University Press,
1952
54