320
LINGUAGEM E COGNIÇÃO: processamento, aquisição e cérebro

LINGUAGEM E COGNIÇÃO - edisciplinas.usp.br

  • Upload
    others

  • View
    1

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

LINGUAGEM E COGNIÇÃO:processamento, aquisição e cérebro

LINGUAGEM E COGNIÇÃO:processamento, aquisição e cérebro

OrganizadoresAugusto BuchweitzMailce Borges Mota

Chanceler

Dom Jaime Spengler

Reitor

Joaquim Clotet

Vice-Reitor

Evilázio Teixeira

Conselho Editorial

Agemir Bavaresco

Ana Maria Mello

Augusto Buchweitz

Augusto Mussi

Bettina S. dos Santos

Carlos Gerbase

Carlos Graeff-Teixeira

Clarice Beatriz da Costa Söhngen

Cláudio Luís C. Frankenberg

Érico João Hammes

Gilberto Keller de Andrade

Jorge Campos da Costa | Editor-Chefe

Jorge Luis Nicolas Audy | Presidente

Lauro Kopper Filho

LINGUAGEM E COGNIÇÃO:processamento, aquisição e cérebro

OrganizadoresAugusto BuchweitzMailce Borges Mota

porto alegre2014

© EDIPUCRS 2014

DESIGN GRÁFICO [CAPA] Shaiani Duarte

DESIGN GRÁFICO [DIAGRAMAÇÃO] Francielle Franco

REVISÃO DE TEXTO Dois Pontos Editoração

IMPRESSÃO E ACABAMENTO

Edição revisada segundo o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha Catalográfica elaborada pelo Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art. 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais).

EDIPUCRS – Editora Universitária da PUCRS

Av. Ipiranga, 6681 – Prédio 33Caixa Postal 1429 – CEP 90619-900 Porto Alegre – RS – BrasilFone/fax: (51) 3320 3711E-mail: [email protected]: www.pucrs.br/edipucrs

L755 Ling uagem e cognição : processamento, aquisição e cérebro / org. Augusto Buchweitz, Mailce Borges Mota. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2014.

318 p.

ISBN 978-85-397-0594-8

1. Linguagem. 2. Cognição. 3. Psicolinguística.I. Buchweitz, Augusto. II. Mota, Mailce Borges.

CDD 401.9

5

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO – Que Ideia foi Esta de Linguagem e Cognição: Processamento,

Aquisição e Cérebro? ......................................................................................................................7

Reflexões sobre a Nova Cartografia em Broca e em Wernicke e suas Consequências

para o Entendimento da Faculdade de Linguagem do Homem dos Sistemas de

Comunicação de Outras Espécies ................................................................................................11

Aniela Improta França (UFRJ)

Neurociência: Novo Enfoque Epistemológico ............................................................................37

Leonor Scliar-Cabral (UFSC/CNPq)

Esforço de Processamento, Efeitos Cognitivos e Metarrepresentação em Tradução:

Modelagem do Conhecimento Experto pelo Viés da Teoria da Relevância ............................ 51

Fabio Alves (FALE/UFMG)

Visemas, Quiremas, e Bípedes Implumes: por uma Revisão Taxonômica da Linguagem

do Surdo que Substitua Visemas por Fanerolaliemas, e Quiremas por Simatosemas para

Forma de Mão (Quiriformemas), Local de Mão (Quiritoposema), Movimento de Mão

(Quiricinesema) e Expressão Facial (MascarEma) .....................................................................91

Fernando C. Capovilla, Wanessa Garcia (Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo)

Processamento Linguístico e Aquisição da Linguagem: uma Abordagem Integrada .........107

Letícia Maria Sicuro Corrêa (PhD, University of London, 1986)

Jabuticaba Liboramima Lê Mais Fácil do que Jornaleiro Norbalense: um Estudo de

Rastreamento Ocular de Palavras e Pseudopalavras Mono e Polimorfêmicas ..................... 143

Marcus Maia (LAPEX/UFRJ e CNPq), Antonio João Carvalho Ribeiro (LAPEX, UEZO e FAPERJ)

A Interface Sintaxe-Prosódia no Processamento das Categorias Lexicais N(ome)

e ADJ(etivo) ................................................................................................................................. 155

Maria Cristina Name (UFJF/CNPq)

linguagem e cognição: processamento, aquisição e cérebro6

Aspectos Atencionais da Linguagem: a Escolha da Forma Referencial em Narrativas de

Crianças Portadoras de TDAH ...................................................................................................169

Maria Luiza Cunha Lima, Adriana Maria Tenuta (Universidade Federal de Minas Gerais)

Processamento da Correferência em Aprendizes de Francês Como L2 ................................ 191

Luísa de Araújo Pereira Gadelha (LAPROL-UFPB), Márcio Martins Leitão (LAPROL-UFPB)

A Relação entre Sistemas de Memória e Linguagem: Insights a Partir de um Estudo

com Falantes Não Nativos ..........................................................................................................235

Mailce Borges Mota (UFSC/CNPq), Daniela Brito de Jesus (UFSC)

A Compreensão de Bilíngues Proficientes e a Sincronização das

Áreas da Rede Neural da Linguagem ....................................................................................... 249

Augusto Buchweitz (Pós-Graduação em Letras-Linguística; Pós-Graduação em Medicina-Neurociências e Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) Center for Cognitive Brain Imaging (Departamento de Psicologia, Carnegie Mellon University), Robert A. Mason (Center for Cognitive Brain Imaging, Departamento de Psicologia, Carnegie Mellon University), Lêda M. B. Tomitch (Programa de Pós-Graduação em Inglês, Universidade Federal de Santa Catarina), Marcel Adam Just (Center for Cognitive Brain Imaging, Departamento de Psicologia, Carnegie Mellon University)

A Avaliação de Habilidades Linguísticas em L2: uma Questão Metodológica em

Estudos de Influências Translinguísticas ................................................................................. 267

Ricardo Augusto de Souza, Denise Duarte , Isadora Barreto Berg (Universidade Federal de Minas Gerais)

Núcleo de Estudos em Neuropsicologia Cognitiva (Neurocog):

Panorama de Pesquisas e Estudos de Priming Semântico .................................................... 293

Candice Steffen Holderbaum, Maxciel Zortea, Juliana de Lima Muller, Jerusa Fumagalli de Salles, Programa de Pós-Graduação em Psicologia (Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS)

7

INTRODUÇÃO

QUE IDEIA FOI ESTA DE LINGUAGEM & COGNIÇÃO: PROCESSAMENTO, AQUISIÇÃO E CÉREBRO?

Augusto Buchweitz e Mailce Mota

Ao concebermos este livro, alguns anos atrás em uma conversa em um dia nem

tão frio em Pittsburgh, Estados Unidos, estávamos preocupados com a divulgação

de trabalhos empíricos e experimentais que estudassem a linguagem; trabalhos

como os que estávamos desenvolvendo e gostaríamos de ver divulgados no Brasil.

Almejávamos divulgar estudos que se utilizam de dados e análises quantitativas

para melhor entender a linguagem e os mecanismos cognitivos que subjazem o

processamento linguístico. Além disto, queríamos que o leitor (talvez futuro aluno

de pós-graduação ou o pesquisador em busca de novos caminhos) tivesse acesso

ao conhecimento que está sendo produzido em laboratórios de pesquisa com

linguagem pelo Brasil. Essa divulgação surgia com a preocupação de expor uma

conversa entre cognição e estudos empíricos da linguagem e um caminho, ou uma

ideia de caminho, a seguir.

Elencamos, portanto, pesquisadores do mais alto nível de diferentes faculdades

e regiões do Brasil e que trabalham com diferentes métodos e tecnologias de pes-

quisa; aliamos a isso o rigor científico e o desejo de entender a linguagem a partir

de dados do mundo real, levantando-nos da poltrona da linguística: esse é o elo

entre os trabalhos aqui apresentados. Evidentemente que a nossa lista de autores

não é exaustiva e única; entretanto, certamente é representativa da pesquisa com

linguagem, cognição e cérebro humano no Brasil nas áreas de ciências humanas.

Em alguns capítulos, há ainda a apresentação, por parte dos pesquisadores, dos

seus laboratórios e grupos de pesquisa. Complementa-se, portanto, um capítulo

teórico ou experimental com registros importantes que contém informações sobre

o funcionamento e histórico de grupos de pesquisa.

Os trabalhos apresentam investigações que mergulham em diferentes campos de

estudo linguístico, desde o processamento sintático de frases e semântico (priming), e

investigam diferentes populações, perpassando por populações específicas como tra-

dutores experientes, leitores com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade

linguagem e cognição: processamento, aquisição e cérebro8

(TDAH) e populações que se utilizam da linguagem brasileira de sinais (Libras), entre

outros grupos e questões linguísticas específicos. Há o trabalho da pesquisadora e Dra.

Aniela França, uma das primeiras pesquisadoras da área de psicolinguística no Brasil e

professora da UFRJ, que discute em que medida os potenciais relacionados a eventos

linguísticos podem ser usados para confirmar pressupostos teóricos que fundamentam as

decisões para a estruturação de hipóteses de pesquisa linguística. O capítulo de um dos

organizadores, Dr. Augusto Buchweitz, da PUCRS, em colaboração com pesquisadores

da UFSC e Carnegie Mellon, apresenta dados inéditos de neuroimagem funcional no

estudo da cognição bilíngue. Esta técnica de pesquisa, brevemente discutida, representa

uma janela para os processos cognitivos envolvidos com a linguagem.

Mais além, o capítulo do Dr. Fábio Alves, da UFMG, apresenta dados inéditos em

pesquisas sobre tradução e que utilizam tecnologias de coleta para mapear perfis

cognitivos de tradutores diferenciados; esses perfis, em suma, são caracterizados

por uma metodologia de combinação de diferentes tipos dados. Essa combinação

consiste na investigação quantitativa por rastreamento de toques de teclado e mouse

e por rastreamento de movimentos oculares e por uma investigação qualitativa

por relatos retrospectivos gravados imediatamente após a realização da tarefa. O

Professor e Doutor Fernando Capovilla, da USP, apresenta um trabalho de pesqui-

sa sobre a linguagem da população surda e aspectos de definição (taxonômicos)

de termos utilizados para forma de mão, movimento de mão e expressão facial.

Certamente, com a crescente demanda por profissionais proficientes em libras, os

estudos sobre a cognição associada ao processamento da língua de sinais repre-

sentam um campo fértil para a pesquisa no Brasil. O capítulo da Dra. Jerusa Salles

e colaboradores representa o tipo de trabalho sólido e em equipe que a formação

de grupos de pesquisa deve almejar. O Neurocog, seu grupo de pesquisa, forma

diversos alunos, dando-lhes experiência em pesquisa como ela deve ser, em equipe.

O capítulo, por sua vez, introduz estudos de priming semântico, um dos principais

instrumentos de pesquisa do Neurocog, que, entre outros, vem sendo aplicado em

pesquisas com neuroimagem funcional.

Adiante, temos o capítulo da Dra. Letícia Sicuro, da UFRJ, que propõe uma visão

integrada para o estudo do processamento linguístico e aquisição da linguagem.

O capítulo apresenta ainda um grupo experiente e prolífico, o grupo de Pesquisa

Laboratório de Psicolinguística Experimental (LAPEX), que investiga processos

cognitivos e linguagem desde 1997. Não se pode tratar de psicolinguística no Brasil

sem incluir a fundadora desta área, Dra. Leonor Scliar-Cabral, que gentilmente

aceitou participar deste livro e apresentar um novo enfoque epistemológico para o

estudo da linguagem e cognição na sua interface com a neurociência. Como sem-

pre precursora, a Dra. Scliar-Cabral conduz o leitor para uma fascinante conexão

entre os estudos da linguagem e o que a neurociência tem a dizer sobre como o ser

augusto buchweitz | mailce borges mota 9

humano processa a linguagem. A outra organizadora deste livro, Dra. Mailce Mota,

apresenta dados recentes de um estudo na interface entre sistemas de memória e

aprendizagem de línguas.

Abrindo o leque de pesquisadores para o nordeste do Brasil, temos o Dr. Márcio

Leitão, da UFPB, com um trabalho de pesquisa sobre processamento correferencial

de aprendizes de francês como segunda língua. Além disso, apresenta o Laboratório

de Processamento Linguístico, um dos laboratórios mais jovens deste livro, por meio

de suas conquistas acadêmicas e de financiamento recentes, bem como de inte-

resses de pesquisa e metodologia. De volta ao sudeste do País, temos a Dra. Maria

Luiza Cunha Lima e o Dr. Marcus Maia e seus respectivos capítulos. Cunha Lima, da

UFMG, apresenta um trabalho sobre as escolhas referenciais feitas em narrativas

de crianças com TDAH; de maneira importante, este trabalho investiga o proces-

samento linguístico de uma população específica e cujo diagnóstico se faz cada vez

mais presente no meio educacional. O Dr. Marcus Maia, por sua vez, apresenta um

estudo de título cativante, “Jabuticaba liboramima lê mais fácil do que jornaleiro

norbalense”, em que agrega a metodologia de rastreamento ocular ao estudo da

leitura de palavras e pseudopalavras mono e polimorfêmicas do português. Essa

técnica, a de rastreamento ocular (também utilizada por Alves, descrito acima),

apresenta dados precisos sobre tempo de leitura e monitoramento de palavras.

Agrega, portanto, um valor quantitativo ao complexo processo da leitura. Por fim,

mas não por menos, o Dr. Ricardo Augusto de Souza e seu grupo apresenta também

um trabalho sobre processamento em segunda língua. De maneira complementar

ao estudo de Buchweitz e de Leitão, neste caso Souza e seus colaboradores apre-

sentam desenvolvimentos recentes de estudos da representação mental de mais

de uma língua.

Em suma, esperamos apresentar capítulos cativantes que tragam o aluno

interessado em compreender os mecanismos cognitivos que subjazem o proces-

samento da linguagem para esta área, a psicolinguística, que se propõe a entender

esta habilidade incrível do ser humano de se comunicar e de compreender sinais e

sons organizados e carregados de significado.

Boa leitura a todos.

Augusto Buchweitz e Mailce Mota

11

REFLEXÕES SOBRE A NOVA CARTOGRAFIA EM BROCA E EM WERNICKE E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O ENTENDIMENTO DA FACULDADE DE LINGUAGEM DO HOMEM DOS SISTEMAS

DE COMUNICAÇÃO DE OUTRAS ESPÉCIES

Aniela Improta França (UFRJ)

1. INTRODUÇÃO

A partir da metade do século passado, a profusão de estudos sobre o cérebro

nas revistas científicas reflete o fato de que o conhecimento sobre todos os tipos

de atividades cognitivas – visão, audição, propriocepção, tato e outros – naquele

momento estavam bem à fronteira das descobertas mais promissoras para o início

deste milênio. De fato, vivemos há mais de 60 anos uma Revolução Cognitiva que

não se cansa de atualizar nosso conhecimento sobre natureza dos seres vivos e seus

alcances e restrições de espécie.

Dentro do escopo de tais pesquisas, mas com um atraso de 50 anos, a partir de

2000 a Neurociência da Linguagem também começou a contribuir com importantes

achados, novos modelos anátomo-fisiológicos relacionando as computações de

linguagem à neurofisiologia, visualizada a partir do eletromagnetismo e da hemo-

dinâmica1 cerebrais.

Se escolhermos a atitude filosófica de olhar o mundo pela perspectiva da metade

cheia da xícara de chá, o que representariam estes 50 anos de atraso da neurociência

da linguagem em relação às outras neurociências? Muito pouco, ainda mais se o

compararmos ao longo tempo para a absorção de outros conhecimentos científicos

tão fundamentais quanto é a Faculdade da Linguagem para o entendimento de quem

1 O eletromagnetismo captado pelo EEG, como um exemplo, oferece informação sobre o fluir de ondas elétricas no cérebro sob dois parâmetros principais: a velocidade das ondas e a amplitude dos picos. O método traz alta resolução temporal em milessegundos. A hemodinâmica captada por instrumentos como o fMRI (ressonância magnética funcional) oferece informação sobre as áreas ativadas relacionadas com a computação cognitiva executada. Não tem boa resolução temporal, mas oferece ótima precisão espacial. (Para uma revisão de metodologias em neurociência da linguagem, cf. Gesualdi & França, 2011)

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...12

somos e para onde vamos: por exemplo, os estudos sobre a Teoria do Big Bang2, a

formação do planeta e a evolução das espécies.

Fora dos círculos científicos, o Big Bang foi primeiramente apresentado e ex-

plicado ao público pelo astrônomo inglês Sir Fred Hoyle, em uma entrevista para

a rádio BBC em 1950. Mas o entendimento sobre essa teoria resultou de uma série

de pesquisas científicas que já vinham sendo conduzidas por físicos, cosmologistas

e astrônomos desde a década de 20 (Kasting, 2008). Hubble (1929), por exemplo,

publicou evidências de que o universo havia sido criado por uma expansão estarrece-

dora e que essa expansão ainda poderia ser identificada nos dias de hoje. Examinando

os materiais que sobraram do grande início, havia evidências independentes de que

o universo tinha sido formado há 13.7 bilhões de anos.

Na verdade, recentemente, em 2013, uma missão da Agência Espacial Europeia

Planck Mission mapeou as microndas cósmicas (Cosmic Microwave Background – CMB)

e extraiu cálculos ainda mais precisos, revelando que o universo é ainda mais velho do

que pensávamos: tem 13.82 bilhões de anos, 100 milhões de anos a mais do que se havia

suposto na década de 20. Certamente estas são magnitudes difíceis de dimensionar.

Também há cerca de 100 anos se tornaram públicas teorias de como era a

Terra logo após ter sido formada. A mais respeitada delas foi de Oparin-Haldane3,

2 O Big Bang é a teoria astronômica mais aceita para explicar a formação do universo. Antes não havia nada: durante e depois do Big Bang, nosso universo surgiu como uma singularidade há cerca de 13,7 bilhões de anos. Singularidades são zonas que existem nos núcleos dos buracos negros. Os buracos negros são áreas de pressão gravitacional intensa. A pressão no núcleo do buraco negro é inimagina-velmente grande e ali foi condensada uma singularidade de densidade infinita que nasceu infinitamente pequena, quente e densa. Depois de sua criação, a singularidade foi inflada pelo Big Bang, que não é uma explosão, como comumente se imagina, mas sim uma expansão radical da matéria. Dessa expansão apareceu um resfriamento, levando a singularidade de muito, pequena e muito quente para o tamanho e temperatura de nosso atual universo. Até hoje o universo ainda está se expandindo e se resfriando, abrigando todos os tipos de criaturas, circulando no entorno do sol e se agrupando sistemicamente com centenas de bilhões de outras estrelas em uma galáxia crescente. Tudo começou com uma singularidade infinitesimal que apareceu do nada por razões desconhecidas, se expandiu no universo e assim será mantido enquanto houver o sol, que está na metade de sua vida e ainda terá mais 6 bilhões de anos de existência.

3 Aleksandr Oparin, cientista russo em 1924, e John Haldane, inglês em 1929, publicaram hipóteses independentes, mas muito semelhantes sobre a origem da vida. Sabe-se que os achados foram indepen-dentes porque as pesquisas eram sigilosas e o artigo de Oparin só foi traduzido para o inglês um pouco depois de Haldane publicar o seu. Segundo esses autores, quando o planeta Terra se formou, em sua atmosfera não havia oxigênio. A atmosfera era formada por quatro gases: metano, hidrogênio, vapor d’água e amoníaco. Esses compostos reagiram espontaneamente e átomos de carbono, hidrogênio, oxigênio e azoto apareceram como produtos e se recombinaram dinamicamente formando os primeiros compostos orgânicos. A energia para fomentar essas reações vinha de descargas elétricas de relâm-pagos, do calor das zonas vulcânicas, das radiações ultravioletas do sol e das radiações de elementos radioativos. Os primeiros compostos fluíram na atmosfera primitiva através da chuva e desembocaram nos rios, lagos e oceanos, onde se acumularam em grandes quantidades. Nesse meio ambiente propício,

aniela improta frança 13

nos idos dos anos 20, que demonstrou, com detalhes, quais elementos existiam na

atmosfera primitiva da Terra e quando e como se formou a sopa prebiótica que deu

origem a todas as formas de vida no nosso planeta (Oparin, 1924; Haldene, 1922

apud Rampelotto, 2012).

Depois de quase um século de divulgação científica consistente sobre todos esses

fatos primitivos, uma pesquisa de opinião do Instituto Gallup (Dez, 2012) revelou

que 46% dos americanos ainda são Criacionistas4 e não acreditam ou desconhecem a

Teoria do Big Bang e também refutam a Teoria da Evolução das Espécies de Charles

Darwin, base de toda a biologia moderna. Há estatística preocupante também a

respeito do Reino Unido. O Instituto Opinion Panel (http://www.opinionpanel.

co.uk/community/tag/royal-society/) publicou, em 2006, os resultados de pes-

quisa conduzida com estudantes em todo o Reino Unido. Mais de 30% declararam

ser Criacionistas e 20% deles afirmaram que o Criacionismo e o Design Inteligente

são ensinados na escola como fato histórico.

Outros dados que envolvem disseminação de conhecimento sobre o tempo

profundo e sobre a origem do ser humano são também solenemente ignorados pela

maioria das pessoas no mundo: que o nosso planeta mantém vida há 4 bilhões de

anos5, que é habitado pela nossa espécie (Homo Sapiens) somente há cerca de 200

acumulou-se uma elevada concentração de moléculas suspensas que, ao se chocarem entre si, propi-ciaram reações espontâneas que originaram moléculas mais complexas. Assim, em meio a essa “sopa primitiva”, teriam surgido todos os tipos de moléculas orgânicas necessárias ao aparecimento da vida. As moléculas tendiam a se agrupar espontaneamente formando pequenos grupos que eram isolados através de uma membrana semipermeável que permitia troca de substâncias com o meio, originando formas pré-biológicas. Essas formas primitivas tornaram-se mais complexas ao ponto de serem capa-zes de realizar mais trocas com o meio, de crescer e obter energia a partir de substâncias do meio. Por evolução das formas pré-biológicas, as primeiras formas de vida apareceram: as células, ou bactérias anaeróbias, que se alimentavam de substâncias orgânicas de origem abiótica do meio, que, continuando a evoluir, deram origem à diversidade de seres vivos existente hoje na Terra.

4 O criacionismo foi o primeiro termo especificamente associado à oposição fundamentalista cristã para a evolução da espécie humana. Hoje também se fala em antievolucionistas em relação àqueles que acreditam que a humanidade, a vida, a Terra e o universo foram criados por um agente sobrenatural. Tais pessoas, por motivos religiosos, rejeitam certos conceitos biológicos, particularmente a Teoria da Evolução da Charles Darwin, que tem como alicerce a hipótese de que o homem e o macaco têm um ancestral em comum (para revisão aprofundada, cf. Dawkins, 2009).

5 Em um filme de divulgação da Teoria de Darwin para a rede de TV BBC, o biólogo Richard Dawkins usa uma metáfora poderosa para aguçar a nossa percepção de tempo profundo: pense em um piano de cauda com suas 88 teclas em sequência, que vão do grave, à esquerda, ao agudo, na direita. Se essa extensão representasse o tempo de vida do nosso planeta, sendo que a partir da tecla mais grave estariam os tempos primitivos (4 bilhões de anos) e da mais aguda, os dias de hoje, teríamos durante as 60 primeiras teclas a presença solitária de bactérias. Depois os animais pluricelulares, animais mi-croscópios complexos, os peixes lá pela tecla 70 (400 milhões de anos) e a partir deles um novo ramo evolui em anfíbios, répteis. Os dinossauros aparecem já na altura da octagésima tecla (140 milhões de

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...14

mil anos e que há 12 mil anos o ser humano começou a se organizar em sociedades,

usando a agricultura sedentária, domesticando plantas e animais.

Mas é possível que, mesmo de posse de todas essas informações, ainda haja pesso-

as que prefiram restringi-las a um compartimento mental próprio para conhecimento

científico, confinando as convicções religiosas conflitantes a outro compartimento.

Afinal, os seres humanos são dotados de capacidade cerebral estarrecedora, mas

podem também ser reconhecidamente contraditórios ao administrar essa capa-

cidade. A própria natureza modular do cérebro6, pelo menos nas fases iniciais do

processamento cognitivo, faz com que possamos entreter vários pontos de vistas

independentes, que podem até ser conflitantes ou complementares (Fodor, 1983;

Barrett & Kurzban, 2006; Pylyshyn, 1984). Vejamos a demonstração simples desse

fato com a Ilusão de Müller-Lyer de 1889 (apud Pylyshyn, 1984).

Figura 1: Ilusão de Müller-Lyer.

anos) e desaparecem na octagésima quarta tecla, depois pássaros, mamíferos, até que chegaríamos à última tecla, octagésima-oitava, onde apareceriam os primatas. Para encontrarmos o momento da chegada da nossa espécie – homo sapiens –, teríamos que dividir a última tecla em 5 partes. Na altura da última, estaríamos nós, enfim, chegando à Terra (200 mil anos).

6 Um dos maiores desafios em se trabalhar em um campo interdisciplinar é o vocabulário técnico usado entre áreas. Nesse sentido a palavra “módulo”, muito utilizada pela Linguística, é campeã de desentendimentos interdiciplinares e vale ser esclarecida. Aqui esta palavra significa apenas que, pelo menos inicialmente, cada sistema sensorial tem a sua própria via separada. Por exemplo, a informação captada a partir do olho, e transmitida através do nervo óptico fica completamente separada daquela transmitida a partir da orelha, através do nervo auditivo. Percebemos um estímulo que chega no cérebro a partir do nervo óptico como visão. Em contraste aquilo que nos chega até o cérebro através do nervo auditivo é audição porque são circuitos diferentes a princípio, diferentes módulos com funcionamento autônomo por algum período do processamento. Os módulos cognitivos são grupos ou colunas de neurônios que formam circuitos neurais desenvolvidos em parte pelo substrato genético para uma função específica (cf. A especificidade relatada em Hubel, Weisel, 1962) e moldados pelos ambientes interno e externo, e também em parte pela experiência. Existem muitas computações linguísticas descritas com essa especificidade computacional inicial. É claro que os módulos se comunicam em rede com outros e o processamento mais localizado, mais modular, logo dá origem a um processamento em rede. À medida em que o indivíduo amadurece o seu cérebro forma continuamente novas conexões e essa plasticidade lhe permite aprender novas habilidades, adaptar-se às novas condições e fazer conexões à distância, porém mesmo assim não prescindem de um momento modular.

aniela improta frança 15

Trata-se de um teste em que é pedido que um voluntário desenhe duas linhas

retas paralelas de extensões idênticas. Em seguida, o experimentador completa

o desenho colocando dois segmentos de retas inclinadas iniciando em cada uma

duas pontas de cada linha, como mostra a Figura 1. Como os segmentos de reta

convergem a partir da reta de cima, e divergem a partir da reta de baixo, a ilusão

inevitável é a de que a linha de baixo é mais longa. Essa ilusão convive com o fato

de que o voluntário reconhece que ele mesmo construiu as duas linhas com tama-

nhos exatamente iguais. Assim, a percepção do tamanho dos segmentos de reta

resiste ao conhecimento a respeito de sua dimensão real. Portanto, esses conteúdos

divergentes foram formados em móduloscognitivos diferentes, que convivem ora

ressaltando um ponto de vista, ora o outro, quase simultaneamente.

A sensação default de supremacia da nossa espécie no planeta pode ser posta

na perspectiva da Ilusão de Müller-Lyer, ou seja, em contradição, se considerarmos

que os primatas não humanos e nós, os humanos, temos um ancestral comum bem

recente, e que a capacidade de linguagem, que é a marca exclusiva do ser humano, se

diferencia só em ínfimos detalhes da capacidade de comunicação de outros animais,

embora esses detalhes, é bem verdade, estabeleçam uma fenda, aparentemente

intransponível, entre a capacidade da linguagem humana e a comunicação desen-

volvida por outras espécies.

Por se debruçar sobre a linguagem humana, a linguística é, portanto, uma ciência

que se ocupa dos ínfimos detalhes que assumem enormes proporções quando as

línguas naturais são estudadas. Primeiramente, é essencial que se possa discriminar

bem o que temos na Faculdade de Linguagem e que outros animais não possuem. E,

ao fazer isso, o conhecimento gerado delimita um campo de estudo que se debruça

sobre o desenvolvimento da Faculdade da Linguagem na espécie humana, em con-

traste com as capacidades comunicativas de várias outras espécies.

A linguagem humana sempre se coloca na interface sintaxe-semântica. Imaginem

um turista brasileiro em Moscou, sem saber nenhuma palavra de russo. Para esta

pessoa, escutar uma sequência de fonemas em russo significa apenas receber uma

forma sonora e não pareá-la a um conteúdo semântico. Russo não funciona como

uma língua para ele.

Transitoriamente, os bebês são como o turista em Moscou. Em um primeiro

momento, a língua ao redor deles é como um caos sonoro. Porém, diferentemente

do turista, o bebê logo transforma o caos em ordem. A literatura especializada en-

contra indícios de que há discriminação do sinal acústico da fala desde os primeiros

dias de vida (Eimas et al., 1971) e que, a partir dos primeiros meses de vida, essa

percepção auditiva especial vai permitir que os bebês se especializem para distin-

guir todos os contrastes fonêmicos de sua língua materna (Werker, Tees, 1984). O

resultado desse desenvolvimento é que acontece um afunilamento da capacidade

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...16

auditiva para os contrastes relevantes na língua materna e, com isso, a capacidade

latente para percepção de contrastes relevantes em outras línguas desaparece.

Ser capaz de perceber os contrastes fonêmicos relevantes no russo significa não

ser mais capaz de distinguir os contrastes fonêmicos do português ou do chinês

ou de qualquer outra língua a qual não se foi exposto. O conceito de aprendizagem

cognitiva passa, portanto, pela desaprendizagem. Esse é um conceito perfeita-

mente darwinista em que a totalidade de características específicas (parâmetros)

de todas as línguas naturais compete para serem implementadas como circuitos

neuronais nos cérebros dos bebês. Mas só serão implantadas aquelas características

que estabeleçam uma frequência de ocorrência no meio ambiente do bebê. Este é,

portanto, um conceito que leva em conta a predisposição natural do homem para

a linguagem (Nature) e a disponibilidade dos dados no entorno desse organismo

em formação (Nurture) (Yang, 2006).

O passo em direção à organização do sistema fonêmico de uma dada língua é o

avanço essencial que o bebê empreende na direção do reconhecimento de palavras e do

subsequente pareamento entre palavras e significado, que acontece também ainda nos

primeiros meses de vida (Bonatti, Peña, Nespor & Mehler, 2007; Christophe, Dupoux,

Bertoncini & Mehler, 1994; Eimas, 1985; Lima, Gesualdi & França, 2009; Ramus, Nespor

& Mehler, 2000, Bergelson & Swingley, 2012). A habilidade de perceber que as coisas

têm nomes, ou seja, a habilidade de lidar com símbolos, é instintiva. Ela é também, por

sua vez, deflagradora de outras habilidades linguísticas muito mais complexas, que

envolvem decodificar e sintetizar estruturas subjacentes em hierarquias sintáticas.

O simples saber que há uma sequência de sons que corresponde a um significa-

do é uma habilidade que na literatura linguística é conhecida como arbitrariedade

saussureana. Trata-se do momento do acatamento passivo quando pela primeira

vez ouvimos um nome, ou seja, uma sequência de fonemas arbitrários, em relação

a um dado conteúdo. Depois de ouvirmos, geramos representações na memória,

ligando forma a conteúdo, que, desde então, ficam assim conectados (França, Lage,

2013). A habilidade para aumentar o número de palavras no léxico (novas relações

forma-conteúdo) continua sempre ativa e não é dependente de período crítico7.

7 O Período Crítico é uma fase no desenvolvimento do bebê em que o cérebro cresce e se de-senvolve freneticamente, em uma velocidade inimaginável. Os neurônios chegam a se formar, em alguns momentos, na taxa de 250000 por minuto. Entre a décima sexta e a vigésima quarta semanas de gestação, o cérebro já possui as células nervosas que serão utilizadas nos primeiros anos de vida: algumas centenas de bilhões delas. Essas células migram para a sua localização correta no cérebro, geneticamente programada, e começam a se especializar.

aniela improta frança 17

Já a decodificação das estruturas hierárquicas subjacentes a partir das sequências

superficiais da fala parece ser necessariamente mediada por período crítico e não funciona

de forma perfeita depois dele. Desenvolvemos uma primeira língua de forma a nos tor-

narmos falantes nativos se formos expostos de forma cabal a dados desta língua durante

um período durante a infância. Durante esse tempo, a experiência fornece informações

essenciais, conhecidas tecnicamente como Dados Primários, que guiam a especialização da

circuitaria8 cerebral, de forma que o sistema nervoso possa determinar o seu curso normal

de desenvolvimento, definindo um nível ótimo de desempenho com pouco dispêndio

de energia e tempo, e sem erosão9, depois que essa janela de oportunidade é fechada.

Primeiramente há a competição funcional entre inputs. A especificação genética determina admiravelmente muito da estrutura básica e função do sistema nervoso. Mas o meio ambiente e as características físicas do indivíduo, cujo cérebro está nascendo, não podem ser codificados no genoma. Para o funcionamento correto do sistema é necessário um processo pelo qual os neurônios selecionem (ou mapeiem) o repertório de inputs de um leque maior de possibilidades. Com efeito, a customi-zação de circuitos neuronais adequados a cada indivíduo é o propósito principal dos Períodos Críticos (Hensch, 2004: 550).

Sempre pudemos inferir que o acesso ao léxico era essencialmente diferente do

desenvolvimento da estrutura da língua. Porém, só recentemente, foram encontradas

evidências de que o processamento lexical (de palavras soltas) envolvido na arbitrarie-

dade saussureana é efetuado realmente por um circuito diferente daquele que processa

integração sintática. Esses achados contribuem, de forma definitiva, para um melhor

entendimento da neurofisiologia da linguagem e confirmam a existência de grande

modularidade cerebral nas áreas reconhecidas pelo envolvimento que têm com a lin-

guagem, especialmente a área de Broca no lobo frontal e a área de Wernicke no lobo

temporal (Berwick et al., 2013; Eric Kandel, James Schwartz, Thomas Jessell, Steven

Siegelbaum, 2012). Por isso, este novo conhecimento deve ser colocado em perspectiva

na interpretação de resultados das pesquisas linguísticas, especialmente as experimentais.

Em um primeiro momento, este trabalho vai resenhar alguns dos estudos mais

recentes sobre a neuroanatomia e fisiologia destas áreas corticais, especialmente nas

8 Circuitaria é o conjunto de circuitos neuronais que se formam a partir das ligações entre os neurônios, por meio das sinapses.

9 Aqui, erosão é o apagamento gradual de conceitos da memória de longo prazo (long-term memory).

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...18

áreas de Broca e de Wernicke, procurando estabelecer relações e traçar hipóteses

que também incluem achados na literatura sobre comunicação animal. Em seguida,

serão apresentados dois estudos em eletrofisiologia da linguagem – um sobre acesso

lexical e outro sobre processamento de sentença – cujos resultados à luz destes

novos achados neurofiosiológicos podem ser melhor entendidos.

2. ACHADOS NEUROANATÔMICOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS PARA O ENTENDIMENTO DA DICOTOMIA ENTRE FACULDADE DA LINGUAGEM NO HOMEM E COMUNICAÇÃO ANIMAL

A ressonância magnética funcional (fMRI) é um procedimento capaz de medir

a atividade do cérebro por meio de alterações associadas no fluxo sanguíneo nas

regiões onde existe atividade neuronal cognitiva. Quando uma área do cérebro está

em uso, o fluxo de sangue para a região também aumenta. Então em um procedi-

mento experimental, controlando bem a tarefa cognitiva que se dá ao voluntário, por

exemplo, ler frases, ao seguir o mapa de aumento no fluxo sanguíneo, se pode saber

exatamente que local do cérebro foi recrutado para processar as frases através de

leitura. O fMRI tem grande precisão espacial, mas não tem boa precisão temporal,

porque o sangue tem um tempo de deslocamento; então, o mapeamento é sempre

posterior à tarefa. Parte das pesquisas em neurofisiolologia são então dirigidas aos

métodos eletromagnéticos, quando o curso temporal, mais do que a localização, é

uma informação desejada na pesquisa (Friederici, 2011; Skeide, 2012).

Apesar de o fMRI ser usado nas pesquisas em linguagem em menor escala do que

as técnicas eletromagnéticas, o seu uso em pesquisas sobre o processamento sadio

e disfuncional da linguagem vem crescendo exponencialmente na última década.

Porém, um enorme avanço na área de linguagem está podendo acontecer neste

momento desde que a tractografia por ressonância magnética ou imagem de tensor

de difusão (DTI – diffusion tensor imaging) passou a ser usada em pesquisas de lin-

guagem (Friederici & Gierhan, 2013; Friederici, 2012; Friederici, 2009, Skeide, 2012).

O DTI é uma forma de ressonância magnética em que o processamento de

imagens é adquirido de uma forma especial para permitir que se calculem novas ima-

gens com detalhes da massa cinzenta e das fibras de conexão axonal recobertas de

substância branca. Os axônios são os prolongamentos dos neurônios que conectam

neurônios diferentes entre si, carregando os sinais elétricos que são as informações

que transitam pelo cérebro. O DTI pode mostrar a direção, a integridade dos axônios

e a espessura do recobrimento e pode informar em que direção essas conexões estão

indo. Portanto, com o DTI é possível visualizar quais áreas do cérebro estão sendo

conectadas a que outras áreas. O DTI também mostra se essas conexões acessam

áreas críticas de forma direta ou indireta (Dick, Tremblay, 2012).

aniela improta frança 19

Desde o século XIX o modelo amplamente difundido de arquitetura de cognição

de linguagem é o Modelo conexionista de Wernicke-Lichtheim, que passou por duas

releituras nos anos 60 e 80 por Geschwind e Galaburda (Figura 2). As principais áreas

corticais que constam neste modelo (Figura 2B) são Broca (BA 44 e 45) e Wernicke,

conectadas pelo fascículo arqueado e as áreas complementares do giro angular, os

córtices auditório e visual primários.

Figura 2: O Modelo Conexionista de Wernicke-Geschwind.

Fonte: Adaptado de Kandel et al., 2012: 19.

A partir de 2000, várias contribuições tornaram o modelo mais compatível

com os achados de pesquisas em neurociência de linguagem. Porém, foi a partir de

estudos com o DTI que um grande avanço aconteceu desde de que se tornou pos-

sível discriminar nas áreas de Broca e Wernicke alguns módulos de processamento

específicos. Algumas dessas especificidades serão tratadas aqui.

Primeiramente, a computação de arbitrariedade saussureana foi claramente des-

crita por meio de uma rota ventral ligando a Área de Broca ao Lobo Temporal. Mais

especificamente, no ser humano, a computação de acesso lexical, ou seja, o pareamento

entre uma forma sonora e um conteúdo, se baseia na existência de uma conexão ventral

fortemente lateralizada no hemisfério esquerdo, ligando a parte Triangular (BA 45: córtex

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...20

posterior ao ramo ascendente da fissura lateral) da área de Broca (situada no giro frontal

inferior) ao lobo temporal anterior, nos giros médio e inferior (Figura 4). A conexão

é feita por uma coleção de fibras longas de associação (Figura 3), agrupadas em um

feixe subcortical denominado fascículo uncinado (Amunts et al., 2010; Friederici, 2012).

Em outros animais, como no macaco, se verifica a cognição da arbitrariedade

saussureana também por meio de uma rota ventral, que liga uma área análoga à

Broca ao lobo temporal (França, Lage, 2013; Petrides, Pandya, 2009).

Figura 3: Os fascículos de ligação: uncinado e arqueado.

Figura 4: Giro Frontal Inferior e Giros do Lobo Temporal.

Com efeito, os primatas não humanos e um grande número outras espécies

têm a cognição que se inicia com o acatamento passivo quando, pela primeira vez,

aniela improta frança 21

representações são geradas na memória entre formas fonológicas e conteúdos. A

Arbitrariedade Saussureana do Signo faz adquirir palavras novas e depois, por meio de

mecanismos de memória, usamos o acesso lexical para recuperar o léxico guardado.

Cachorros, cavalos, gatos, golfinhos, elefantes – todos os primatas não humanos

e muitos outros animais também reconhecem o relacionamento entre um segmento

de fala humana e um conteúdo, reconhecem os nomes pelos quais são chamados

e também reconhecem outros objetos por nomes (França, Lage, 2013; Petitto,

2005). Tudo indica que, para um ser de outra espécie, a fala humana seja percebida

de forma diferente, pois os outros animais não teriam em sua biologia ferramentas

para proceder com a segmentação de fronteiras e análise morfossintática. Vamos

tomar banho! dirigido a um cachorro é provavelmente interpretado sem emendas

como um gatilho para a fuga. Não há análise sintática que leve em conta o evento

do verbo e seus argumentos. Mesmo diante dessa restrição, há exemplos de cachor-

ros que conseguem associar uma dada forma fonológica a uma representação de

conteúdo para mais de 200 itens. Ainda mais impressionante é o fato de que, se são

apresentados a uma sequência fônica nova, se tem que escolher o objeto a que ela

corresponde em meio a vários objetos já conhecidos e somente um objeto novo, eles

conseguem associar a nova sequência ao novo objeto (Kaminski, Call, Fischer, 2004).

Porém, estes cachorros não fazem ilações de parentesco morfológico a partir do

reconhecimento de raiz mais afixo. Vamos passear ou A gente ia passear se não estivesse

chovendo são pareados com o mesmo conteúdo: rua. Eles também não têm precisão no

estabelecimento de distintividade fonêmica. Um gato que se chama Lolo atende tam-

bém por Rolo, Bolo, Zolo ou Molo – teste já realizado pela autora (França, Lage, 2013).

Há também uma outra questão. É claro que, para esses animais, entender a

fala humana é entender língua de uma outra espécie. Não se tem notícia de alguma

outra espécie animal com o vocabulário tão vasto como 200 itens, codificados com

os seus próprios elementos primitivos de comunicação, por exemplo, 200 tipos de

latidos, miados ou chamados, embora haja bastante sofisticação na cognição de

arbitrariedade saussureana em algumas delas.

Diamond (1991) estudou os macacos verdes (vervet monkeys; Cercopithecus

aethiops), encontrados no continente africano do Senegal ao Sudão, organizados em

pequenas colônias de 20 a 30 indivíduos. O autor reportou um amplo repertório de

vocalizações ou gritos de avisos que se propagam em um raio de três quilômetros e

cumprem um papel de forte engajamento social. A aplicação de técnicas especiais de

gravação e de análise espectrográfica mostraram que há sutileza de traços sonoros nos

chamados dos macacos e que elas não podem ser discrimináveis pelo ouvido humano.

Foram identificados traços sonoros que comunicam informações específicas sobre o

tipo de inimigo no entorno do animal – se foi vista uma águia ou um urubu, uma cas-

cavel ou uma cobra constritora – e também sobre a disponibilidade e o tipo de comida.

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...22

Esses chamados ou gritos também são usados como forma de dissimulação.

Entre as diferentes colônias de macacos verdes, há relações sociais complexas,

com grande rivalidade territorial e brigas. O forte reconhecimento dos membros

da colônia como unidade social leva macacos de uma colônia, por vezes, a anunciar

falsamente a proximidade de um predador para que os indivíduos de outras colônias

se evadam e deixem mais alimento para o seu grupo (Seyfarth, Cheney, Marler, 1980).

Por outro lado, no ser humano, algoritmos estruturais subjacentes que aninham

elementos linguísticos em ordem diferente da superficial foram localizados em uma

rota de processamento dorsal. É por meio desse tipo de computação que podemos

fazer a distinção entre a menina beijou o menino e a menina foi beijada pelo menino. As

computações desse tipo, ou seja, as operações sintáticas primordiais de concatenar

e mover, sebaseiam na existência de uma conexão dorsal fortemente definida no

hemisfério esquerdo, ligando a parte Opercular (BA 44: córtex posterior ao ramo

ascendente da fissura lateral) da Área de Broca, situada no giro frontal inferior, ao

lobo temporal posterior no giro temporal superior (Figura 4). A conexão é feita

por uma coleção de fibras longas de associação (Figura 3), agrupadas em um feixe

subcortical denominado fascículo arqueado (Amunts et al., 2010; Friederici, 2012).

Como mostram estudos com DTI, em outros animais como no macaco, essa

conexão é muito fraca e também indireta, assim como nos bebês, que sabidamente

não fazem sintaxe complexa ao nascimento e dependem de informações do meio

durante o período crítico. Porém, os bebês humanos em pouco tempo desenvolvem

e reforçam as conexões neste circuito dorsal e passam a parear estruturas comple-

xas em seus aspectos sintáticos correspondentes aos semânticos; os macacos, não

(Amunts, Zilles, 2012; Berwick et al., 2013; Friederici, 2012).

É muito interessante verificar que uma vasta literatura aponta que há esta via

dorsal de conexão, com algumas diferenças de complexidade da que é encontrada

nos humanos, em pássaros canoros (Berwick et al., 2011, 2013; Bolhuis, Gahr, 2006;

Suge, Okanoya, 2010; Takahasi, Yamada, Okanoya, 2010).

Esse fato é um tanto contraintuitivo se levarmos em conta a teoria clássica da

Evolução de Darwin:

Temos que admitir que há um intervalo de força mental muito maior entre os peixes mais primitivos [ou os pássaros] [...] e os primatas superiores, do que entre um primata e o homem (Darwin, 1871:60).

Para o Darwinismo Clássico, os primatas seriam sempre muito mais próximos

de nós do que os pássaros, já que a história evolucionária mostra que o último

ancestral comum do pássaro de hoje e do homem de hoje viveu há cerca de 300

milhões de anos, enquanto que o ancestral comum entre o chimpanzé moderno e

o homem viveu há cerca de 5 milhões de anos. Isso evidentemente nos deixa muito

aniela improta frança 23

mais próximos dos primatas do que dos pássaros. Porém, esse fato, por si só, pode

não significar que somos mais parecidos com os primatas em todos os aspectos.

Por exemplo, em relação à vocalização, é fácil percebermos que as melodias que

os pássaros adultos cantam têm um padrão sintático que é aprendida pelos filhos.

Se os filhos não escutam o modelo assim que nascem, nunca se tornam pássaros

canoros. Dessa forma, é fácil atestar que a melodia cantada pelos pais serve de dados

primários para os pássaros jovens e que estes demoram algum tempo e despendem

energia cognitiva para adquirir o modelo que os torne indivíduos produzindo can-

tos perfeitamente de acordo com a espécie. O mesmo acontece com a linguagem

humana. Precisamos escutar dados primários da língua da nossa comunidade para

adquirir uma língua nativa. Casos de surdez, onde não há captação de dados primá-

rios sonoros, vão determinar que a língua naturalmente adquirida seja desenvolvida

na modalidade espacial-gestual. Assim como a linguagem humana, os cantos dos

pássaros são um tipo de aprendizagem que requer uma base inata, geneticamente

codificada para absorver dados sonoros do ambiente. Embora possam apresentar

variações individuais e populacionais, há sempre a manutenção de um núcleo com

código específico da espécie (Silva, Piqueira, Vielliard, 2006; Vielliard, 1995).

Isso não acontece com os primatas. A vocalização dos primatas não resulta da

exposição de modelos e não se desenvolve. Já nasce com ele sem evolução a partir

de dados primários. Existem alguns pouquíssimos tipos de vocalização e desprezíveis

variações na espécie.

A corrente neodarwinista apresenta uma boa explicação de como pode haver

uma característica cognitiva dos pássaros que execute tamanho pulo filogenético,

ressurgindo com algumas diferenças nos humanos, 300 milhões de anos mais tarde,

mas não nos primatas. O Neodarwinismo propõe que as mudanças evolucionárias

se caracterizam nas espécies por um período contínuo de adaptação tendendo

à estabilidade (adaptação – Darwinismo Clássico) pontuado raramente por uma

explosão errática de mudança (exaptação – Neodarwinismo) não determinada por

pressões do meio ambiente. Esse modelo, conhecido como Equilíbrio Pontuado,

explica as especializações que não resultam das lentíssimas mudanças adaptativas

por meio da cadeia filogenética (Gould, Vrba, 1982; Gould, 1982).

Sabidamente esses pássaros dependem de exposição a dados primários do seu meio

(as melodias entoadas pelo pai), dentro de períodos críticos exíguos, para desenvolverem

canto com sequências consideradas gramaticais pela comunidade. A diferença, neste caso,

é que, diferentemente da via dorsal em humanos, que vai desde uma forma estrutural até

o pareamento de significado, as sequências hierárquicas dos pássaros nada significam

além de um chamado para o acasalamento. Ou seja, em termos de semântica, o canto

dos pássaros é preso a um contexto fixo, embora haja criatividade estrutural condicio-

nada aos parâmetros sintáticos bem formados para os cantos de uma dada comunidade.

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...24

Olhando essas conexões como módulos cerebrais, fica mais fácil entender que

alguns módulos estão disponíveis para uma dada cognição e não para outras, de

forma que se cumpre a predestinação genética, dentro do curso de evolução con-

tínua das espécies por meio de expedientes de adaptação e também de exaptação,

que afetam a espécie pontualmente.

3. O ACESSO LEXICAL E AS OPERAÇÕES SINTÁTICAS APÓS O PRIMEIRO ACESSO AO CONTEÚDO DA RAIZ CATEGORIZADA

A neurociência da linguagem é uma ciência que exerce uma interdisciplinaridade

abundante. Se o presente texto parece até esse ponto ter aberto demais sua abran-

gência, indo desde a biologia comparada, anatomia e física, agora ainda se junta à

ponta linguística, em si complexíssima, com aspectos teóricos e das interfaces de

desempenho. O primeiro exemplo que vamos explorar diz respeito à tarefa mais

simples da faculdade de linguagem: o acesso lexical.

A despeito da aparente simplicidade ensejada pela tarefa de acesso lexical, há

mecanismos sutis que estão longe de ser completamente entendidos e que vêm ge-

rando muita discussão na literatura linguística dos últimos anos (Brennan, Pylkkänen,

2008; França, 2007; França et al., 2008; Hay, Baayen, 2005; Lima, Gesualdi, França,

2009; Pylkkänen, Marantz, 2003; Pylkkänen, Stringfellow, Marantz, [s.d.], 2002;

Pylkkänen et al., 2004; Stockall, Marantz, 2006)

A controvérsia diz respeito à própria natureza da entidade acessada. O que

seria mesmo uma palavra? Uma palavra como globalização é acessada inteira (Hay,

Baayen, 2005)? Ou analisamos suas unidades menores (morfemas): glob-, -al, -iza,

-ção (Stockall, Marantz, 2006)?

E as unidades complexas, como papo de anjo ou dar no pé? São acessadas juntas

ou separadas? (Fiorentino, Poeppel, 2007; França et al., 2008).

Outra questão debatida é se existe realmente priming fonológico positivo, ou

seja, se a presença do prime com onset fonológico semelhante ao do alvo ajuda o

reconhecimento do alvo. De fato, achados clássicos comportamentais reportam pri-

ming positivo para pares de palavras como casta-caspa (Frost et al., 2003; Lukatela,

Frost, Michael Turvey, 1999; Lukatela, Frost, Turvey, 1998).

No entanto, nos últimos anos, uma série de experimentos (Embick et al., 2001;

McElree et al., 2006; Pylkkänen, Marantz, 2003; Pylkkänen, Stringfellow, Marantz,

2002) propiciaram avanços consideráveis no campo do acesso lexical, utilizando o

protocolo de decisão lexical. Em Pylkkänen & Marantz (2003), que, de certa forma,

sistematiza os achados dos outros estudos do grupo, os estímulos foram estruturados

aniela improta frança 25

através do protocolo de priming10. Foram testados pares de palavras com semelhança

fonológica, como spin-spinach, em comparação com pares com semelhança mor-

fológica, como teacher-teach. Depois da apresentação do prime, o acesso à palavra

alvo era monitorado em duas dimensões: (i) na ativação neurofisiológica ou ERPs

(potenciais biocorticais relacionados a evento, no caso, linguístico), coletados através

de magnetoencefalógrafo (MEG); e (ii) na reação comportamental, a partir do aperto

de botão pelo sujeito, indicando se era uma palavra ou uma não palavra. Os resultados

mostraram que palavras com parentesco morfológicos são acessadas mais rapidamente.

Partindo dos resultados instigantes desses testes, começamos a pensar em hipó-

teses que fariam muito sentido para a estrutura morfológica rica do português e assim

estruturamos a pesquisa utilizando paradigma de ERP, descrito em França et al. (2008).

Essa pesquisa, que será resumida aqui, estabelecia estímulos com condições

que variavam entre itens lexicais simples e complexos. A expectativa era a de que

o significado de palavras simples como globo derivasse da concatenação da parte

arbitrária do significado (raiz) com um morfema categorizador – um nominalizador,

no caso de globo, enquanto palavras complexas como globalização trazem camadas

morfológicas que podem ser interpretadas composicionalmente a partir do signi-

ficado negociado em globo. Assim, o significado de globo é fixado por convenção,

mas os de global, globalizar e globalização seriam calculados fase a fase na sintaxe,

de acordo com a sucessão de concatenações de morfemas.

Vejam, então, que, à luz dos novos parâmetros neurofisiológicos trazidos pelo

DTI, as palavras que usamos como estímulo tinham uma parte que seria apenas de

acesso lexical (via ventral) e depois uma parte final que necessitaria de concatena-

ções sintáticas (via dorsal).

Analisamos a eletrofisiologia do acesso lexical, enfocando comparações entre pares

com relacionamento fonológico pelo início, organizados em um Grupo Fonológico

(GF), e pares com relação morfológica, organizados em um Grupo Morfológico (GM).

10 O paradigma de priming no acesso lexical é um teste para desvendar aspectos da arquitetura do léxico mental, por exemplo, os critérios de agrupamento. Agrupam-se palavras inteiras ou fatias morfológicas? Por semelhança fonológica ou semântica? Para isso, os experimentadores constroem estímulos de muitos pares de palavras. Na metade dos casos, a primeira palavra do par, tecnicamente chamada de prime, terá algum relacionamento com a segunda palavra do par, tecnicamente chamada de alvo; por exemplo, no par caro-carinho, há uma relação de semelhança fonológica entre prime e alvo. Nenhum relacionamento existirá entre prime e alvo nos pares restantes, por exemplo caro-frio. Para que possamos conhecer a reação do voluntário aos alvos, temos que incumbi-lo de uma tarefa, como discriminar se o alvo é uma palavra ou uma não palavra. Com esse propósito, mesclamos aleatoriamen-te os pares de palavra-palavra com um número igual de pares de palavra-não palavra. Analisam-se o tempo e acuidade de resposta, podendo-se acessar indiretamente a influência que o prime exerceu em relação ao alvo. Os tipos de influências mais testados na literatura são semântica (primo-tio), fonológica (cara-carinho), morfológica (cabeça-cabeçudo), ortográfica (pedra-vidro) e sintática (fazia-tinha).

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...26

Enquanto os pares no GF compartilhavam segmentos fonológicos iniciais, os pares

no GM compartilhavam a primeira concatenação [raiz + primeiro morfema catego-

rizador] e tinham outras camadas morfológicas: os estímulos continham palavras de

três tamanhos com semelhança fonológica (GF1, GF2 e GF3) e palavras com duas,

três ou quatro camadas morfológicas após a camada saussuriana (GM1, GM2 e GM3).

Com esse desenho, pudemos utilizar palavras com diferentes tamanhos fonológicos

e diferentes profundidades morfológicas, podendo variar o ponto da arbitrariedade

saussuriana (AS) no GF e mantê-lo igual no GM, como se pode ver no Quadro 1:

Quadro 1: Diferentes pontos de arbitrariedade saussuriana nos alvos dos subgrupos de GF e GM.

Notem que, no nosso desenho experimental, havia uma correspondência em termos

de número de fonemas entre as gradações estabelecidas para os alvos fonológicos e

morfológicos. Os alvos nos pares fonológicos com menor tamanho, ou seja, aqueles com

cinco e seis segmentos (barata), equivalem em tamanho aos menores alvos do grupo

morfológico com duas camadas (pureza). Da mesma forma, alvos com tamanho de

sete e oito segmentos (problema) equivalem aos menores alvos morfológicos com três

camadas (armamento). E, finalmente, aqueles com nove a dez segmentos (jaguatirica)

equivalem aos menores alvos morfológicos com quatro camadas (globalizado).

Os resultados surpreendentes seguem nos Gráficos 1 e 2 abaixo e não puderam

ser completamente interpretados à época. O Gráfico 1 mostra o tempo de reação

comportamental em relação aos alvos dos três grupos fonológicos e dos três grupos

morfológicos. O Gráfico 2 mostra as latências do N40011 relativas aos mesmos grupos

11 O N400 é um potencial cortical com polaridade negativa (onda voltada para cima) e latência (subida da onda) e amplitude máxima (pico de onda) de cerca de 400ms, isto é, geralmente entre 300 e 500ms, depois do instante de estimulação. O N400 tem sido comumente associado a incongruências semânticas em contexto sintático e também ao momento do acesso lexical (Lau, Phillips, Poeppel, 2008). O N400 pode assim refletir tanto efeitos de integração entre palavras (ex.: comeu sandália) quanto efeitos da efetivação do acesso lexical de uma palavra solta marcando isso através da amplitude do ERP (altura da onda) e latência (momento em que ela chega ao pico). Note que o N400 é o nome que

aniela improta frança 27

a partir da derivação Pz (eletrodo colocado na região parietal central), localização

muito ativa nas computações de acesso lexical.

Gráfico 1: Resultado comportamental – tempos de resposta em milissegundos; validade estatística (p < 0,05) em relação a GF1, marcada com *.

Gráfico 2: Resultado neurofisiológico – latências dos ERPs em milissegundos em Pz; validade estatística (p < 0,05) em relação a GF1, marcada com *.

se dá à segunda onda negativa, mas não se precisa o instante exato de seu acontecimento. Justamente se estudam os fatores que podem adiantar ou atrasar essa onda.

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...28

Nos Gráficos 1 e 2, constatamos que, para os pares com semelhança fonológica

(PG1, PG2, PG3), o acesso a palavras pequenas é mais rápido do que a grandes.

Essa diferença mostrou-se estatisticamente relevante (p < 0,05) nos dois gráficos.

Porém, no Gráfico 2, com as latências dos ERPs, constatamos que a diferença

do número de camadas e, consequentemente, do número de segmentos fonológicos

não cria uma gradação quando o prime e o alvo compartilham a primeira instância

de categorização: o acesso a pureza depois de puro se dá em janela temporal igual

à do acesso a centralização depois de centro.

Esse achado fala a favor de que a latência encontrada é sempre relacionada

ao ponto do acesso lexical, onde uma onda de polaridade negativa com amplitude

mais pronunciada e menor latência pode ser detectada. Desta forma, neste experi-

mento, o componente N400 do EEG-ERP foi sensível seletivamente à operação que

aconteceu na via ventral e é, portanto, um reforço para a modularidade em Broca.

Por outro lado, as computações sintáticas das camadas adicionais, que não foram

capturadas pelo teste, provavelmente aconteceram na outra área computacional,

na via dorsal. Em termos do curso temporal, transcorreriam essas computações em

paralelo? Essas e muitas outras questões podem começar a ser formuladas entre

testes com resolução temporal e testes com resolução espacial no encalço de mais

informações sobre a arquitetura da linguagem no cérebro.

4. O IMPACTO DO CONTEXTO ANTERIOR AO EVENTO

A despeito da aparente facilidade com que processamos sentenças, esta é uma

das capacidades mais complexas da cognição humana. Há mecanismos sutis que estão

longe de serem entendidos e há discussão constante sobre os aspectos mais básicos do

processamento de sentença. Por exemplo, sendo que uma sentença tem uma estru-

tura e um significado correspondente, como se começa a processar? Ao recebermos

uma sentença, começamos a processá-la pela estrutura sintática ou pela semântica?

O experimento neurofisiológico de EEG-ERP que será aqui relatado foi apresen-

tado no Language and Neuroscience Conference, na Universidade Federal de Santa

Catarina, e faz parte de um programa de experimentos ainda em curso sobre este

assunto crucial para o entendimento da Faculdade de Linguagem.

Nosso grupo aposta na hipótese formalista conhecida como Sintaxe-Primeiro,

que defende que exista uma assimetria entre o sujeito e o objeto no processamento

de sentenças: o evento composto pela concatenação entre o verbo e o objeto seria

mais forte do que a concatenação do sujeito e dos adjuntos, porque é na conca-

tenação entre o verbo e seu objeto que se estrutura sintaticamente a parte mais

nobre da semântica. Assim, mesmo que a informação contextual inserida como um

aniela improta frança 29

adjunto preceda a informação do evento, de acordo com a nossa hipótese, o evento

seria processado primeiro.

Estruturamos 80 sentenças em três condições experimentais: a condição SC

(sem contexto), a CC (com contexto) e a IN (sem contexto incongruente), como

mostra o quadro 2:

Condição Sentenças (a seta marca o trigger do EEG)

SC – Sem Contexto de suporte ao vP12

20 sentençasHoje à noite, Larissa vai fritar ↓ o peixe no azeite de oliva.

CC – Com Contexto de suporte ao vP20 sentenças

Na hora da novela das 8, Sandra ligou ↓ a televisão no canal 19.

IN – Incongruente40 sentenças

Hoje de tarde, Maria vai comer ↓ as meias com fritas.

Quadro 2: Estímulos nas três condições experimentais.

Note que, se a informação do adjunto for computada primeiro, o conhecimento

semântico que ele trará antes da computação do verbo faria com que a possibilidade

de prever o nome que viria na sentença seria bem maior na frase com informação de

contexto do que naquela em que temos um adjunto vazio de significado. Por exemplo,

na condição com contexto (CC), se o adjunto na hora da novela das 8 for computado

com sua semântica, fica fácil prever que o complemento de ligar será televisão. Em

contraste, na condição sem contexto (SC), a previsão para o que seguirá o verbo

fritar é muito mais difícil de se implementar, pois enfrenta maior competição: fritar

batata, bolinho, peixe, bife, etc. Portanto, a onda de integração do objeto ao vP seria

facilitada pelo contexto e dificultada pela falta de contexto. Em um experimento de

EEG-ERP, amplitude alta é sinônimo de dificuldade de integração.

As 80 sentenças foram aleatorizadas por um script computacional e a sequência

de apresentação das palavras na tela do computador é demonstrada no Quadro 3:

12 vP – sintagma verbal.

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...30

Quadro 3: Sequência de apresentação das sentenças.

Uma cruz de fixação ficava na tela por 200ms. Em seguida, cada palavra era

mostrada por 200ms. Ao final da sequência, havia um espaço de 1000ms para o

voluntário julgar se a sentença era congruente ou incongruente, o que era feito

por meio do aperto de uma entre duas teclas em uma caixa de botões (joystick).

O teste foi feito com 22 voluntários (15 mulheres) com idade média de 23.4

anos, alunos de graduação do Curso de Engenharia da Universidade Federal do Rio

de Janeiro (Figura 5).

Figura 5: O experimento em prática.

Os resultados, ainda preliminares e para um número de eletrodos reduzidos,

embora de interesse focal, estão no Gráfico 3:

aniela improta frança 31

Gráfico 3: Amplitudes do N400 nas derivações Pz e P3 para as três condições.

Como se pode perceber pela amplitude dos N400 em dois pontos de interesse

para esta cognição (eletrodos Pz e P3), não houve diferença entre a amplitude das

ondas para as condições sem e com contexto. Com o trigger medindo as amplitu-

des após o verbo, isto quer dizer que as duas integrações de complemento foram

igualmente fáceis. O contexto não facilitou a escolha. E a interpretação feita aqui

é que ele não facilitou, porque o processamento foi dedicado e exclusivo para a

decodificação da sintaxe no entorno do verbo e seu complemento, em um primei-

ro momento. Vejam que, em comparação com a condição incongruente, as duas

condições se mostraram estatisticamente mais fáceis (p = 0,00367). Ou seja, no

processamento de sentenças, todo o foco de atenção parece estar no evento. A

amplitude só foi aumentada para a condição de incongruência, na qual a integração

verbo complemento não pode ser efetivada.

À luz dos achados neurofisiológicos do DTI, poderíamos inferir que a via dorsal

foi ativada com exclusividade para computar a sintaxe do evento, de acordo com a

hipótese formal: Sintaxe Primeiro. Se a semântica dos adjuntos foi de alguma forma

computada pela via ventral, aos 400ms, ela não serviu para acelerar ou facilitar a

integração entre verbo e objeto.

Não se está defendendo aqui que a computação do adjunto não se efetiva. Mas,

de acordo com os resultados dessa investigação, apesar da localização no início da

frase, a semântica do adjunto não pareceu facilitar o processamento da sentença

nos milissegundos iniciais do processamento. Há um campo vasto ainda para ser

investigado sobre a computação de sentenças e sobre a sequência das computações

após a computação sintática. Portanto, no programa experimental em que este

teste é apenas o primeiro, estão em curso investigações sobre a computação de

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...32

adjuntos. Evidentemente todos esses assuntos devem também ser testados dentro

de plataformas DTI para que se possa atingir uma adequação verdadeiramente

biolinguística do fenômeno da linguagem.

5. DISCUSSÃO

Os dois experimentos aqui resumidos foram implementados em plataformas EEG-

ERP. Por meio de seus cursos temporais, eles corroboram com os achados de maior

modularidade apontada pela plataforma de ressonância magnética por meio de DTI.

Isto é entendido aqui como indício de que plataformas com boa resolução temporal e

plataformas com boa espacial devem ser usadas como metodologias complementares.

Verificou-se que a modularidade atestada pelo DTI pôde também ser aferida com o

teste EEG-ERP: no primeiro, a via ventral da arbitrariedade saussureana/acesso lexical

e, no segundo, a via dorsal do processamento da estrutura hierárquica.

Em resumo, a literatura aponta para uma maior modularidade em Broca e

Wernicke. Quando essas áreas estão interconectadas por uma via ventral de proces-

samento, chegamos ao acesso lexical que pareia sequências arbitrárias de fonemas

ou letras mapeadas a fonemas em conteúdos retirados do mundo e também para

pequenas sequências coordenadas na linguagem humana. Essa cognição não é me-

diada por período crítico e é posta em prática instintivamente nos bebês. Também se

verifica que existe incrementação incessante para essa operação, já que adquirimos

novas palavras durante toda a vida. O acesso lexical é também encontrado, com

algumas diferenças, em muitos outros animais.

O processamento estrutural da linguagem envolvendo estruturas hierárqui-

cas, criatividade e recursividade segue uma outra rota – dorsal – para dar conta

de algoritmos complexos e suas correspondências semânticas. Essa via é fraca ou

insipiente nos macacos e nos bebês, porém os últimos fortalecem essa conexão

durante o período crítico e em poucos anos desenvolvem a habilidade de codificar e

decodificar estruturas gramaticais complexas em conteúdos semânticos complexos.

Os pássaros canoros têm semelhanças de conexões entre partes análogas à rota

dorsal nos humanos. São capazes, durante um período crítico exíguo, de desenvolver

aptidão para aprender sequências complexas bem formadas em relação às restrições

sintáticas utilizadas pela comunidade da qual fazem parte. Também podem executar

os algoritmos exercitando a criatividade, mas não são capazes de codificar semântica

complexa em relação às estruturas que constroem. Enfim, há intensa modularidade

inicial e troca de informações complementares ou contraditórias entre os módulos

e aos pesquisadores da área da linguagem resta paulatinamente mapeá-las. Tarefa

certamente infindável.

aniela improta frança 33

REFERÊNCIAS

AMUNTS, K. et al. Broca’s region: novel organizational principles and multiple receptor mapping. PLoS Biology, v. 8, n. 9, jan. 2010.

______; ZILLES, K. Architecture and organizational principles of Broca’s region. Trends in cognitive sciences, v. 16, n. 8, p. 418-26, ago. 2012.

BARRETT, H. C.; KURZBAN, R. Modularity in cognition: framing the debate. Psychological Review, v. 113, n. 3, p. 628-47, jul. 2006.

BERGELSON, E.; SWINGLEY, D. At 6-9 months, human infants know the meanings of many common nouns. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 109, n. 9, p. 3253-8, 28 fev. 2012.

BERWICK, R. C. et al. Songs to syntax: the linguistics of birdsong. Trends in cognitive sciences, v. 15, n. 3, p. 113-21, mar. 2011.

______. et al. Evolution, brain, and the nature of language. Trends in cognitive sciences, v. 17, n. 2, p. 89-98, fev. 2013.

BOLHUIS, J. J.; GAHR, M. Neural mechanisms of birdsong memory. Nature Reviews. Neuroscience, v. 7, n. 5, p. 347-57, maio 2006.

BONATTI, L. L. et al. On consonants, vowels, chickens, and eggs. Psychological Science, v. 18, n. 10, p. 924-5, out. 2007.

BRENNAN, J.; PYLKKÄNEN, L. Processing events: behavioral and neuromagnetic cor-relates of Aspectual Coercion. Brain and Language, v. 106, n. 2, p. 132-43, ago. 2008.

CHRISTOPHE, A. et al. Do infants perceive word boundaries? An empirical study of the bootstrapping of lexical acquisition. The Journal of the Acoustical Society of America, v. 95, n. 3, p. 1570-80, mar. 1994.

DARWIN, C. The descent of man, and selection in relation to sex. London: John Murray, v. 1. 1st edition 424p. 1st. ed. London: [s.n.]. v. 1, p. 424.

DAWKINS, R. The greatest show on Earth: the evidence for evolution. 1st. ed. New York: Free Press, 2009. p. 257.

DIAMOND, J. The rise and fall of the third chimpanzee. [s.l: s.n.]. p. 321.

DICK, A. S.; TREMBLAY, P. Beyond the arcuate fasciculus: consensus and controversy in the connectional anatomy of language. Brain : a Journal of Neurology, v. 135, n. Pt 12, p. 3529-50, dez. 2012.

EIMAS, P. D. et al. Speech Perception in infants. Science, New York, N. Y., v. 171, n. 3968, p. 303-306, 1971.

______. The Perception of Speech in Early Infancy. Scientific American, v. 252, n. 1, p. 46-52, jan. 1985.

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...34

EMBICK, D. et al. Short communication. A magnetoencephalographic component whose latency reflects lexical frequency, v. 10, p. 345-348, 2001.

FIORENTINO, R.; POEPPEL, D. Compound words and structure in the lexicon. Language and Cognitive Processes, v. 22, n. 7, p. 953-1000, nov. 2007.

FODOR, J. A. This excerpt from The Modularity of Mind. © 1983 The MIT Press. is provided in screen-viewable form for personal use only by members of MIT CogNet. Unauthorized use or dissemination of this information is expressly forbidden. If you have any questions. [s.l: s.n.].

FRANÇA, A. I. A Interface linguística-neurociência da linguagem. Caderno de Estudos Linguísticos da UNICAMP, v. 49, p. 151-166, 2007.

______. et al. A neurofisiologia do acesso lexical: palavras em português. Revista Veredas, v. 2, p. 34-49, 2008.

______; LAGE, A. C. Uma visão biolinguística da arbitrariedade saussuriana. Revista Letras de Hoje, v. 48, n. 2, p. 114-134, 2013.

FRIEDERICI, A. D. Pathways to language: fiber tracts in the human brain. Trends in Cognitive Sciences, v. 13, n. 4, p. 175-81, abr. 2009.

______. The brain basis of language processing: from structure to function. Physiological Reviews, v. 91, n. 4, p. 1357-92, out. 2011.

______. Language development and the ontogeny of the dorsal pathway. Frontiers in Evolutionary Neuroscience, v. 4, n. February, p. 3, jan. 2012.

______; GIERHAN, S. M. E. The language network. Current Opinion in Neurobiology, v. 23, n. 2, p. 250-4, abr. 2013.

FROST, R. et al. Are phonological effects fragile? The effect of luminance and exposure duration on form priming and phonological priming. Journal of Memory and Language, v. 48, n. 2, p. 346-378, fev. 2003.

GESUALDI, A. da R.; FRANÇA, A. I. Event-related brain potentials (ERP): an overview. Revista LinguiStica, v. 7, n. 2, p. 24-42, 2011.

GOULD, S. J. Darwinism and the Expansion of Evolutionary Theory. Science, New York, N. Y., v. 216, n. 4544, p. 380-388, 1982.

______; VRBA, E. Exaptation – A missing term in the science of form. Paleobilogy, v. 8, n. 1, p. 4-15, 1982.

HAY, J. B.; BAAYEN, R. H. Shifting paradigms: gradient structure in morphology. Trends in Cognitive Sciences, v. 9, n. 7, p. 342-8, jul. 2005.

HENSCH, T. K. Critical period regulation. Annual Review of Neuroscience, v. 27, p. 549-79, jan. 2004.

HUBEL, D. H. & T. N. WIESEL. Receptive Fields, Binocular Interaction And Functional Architecture In The Cat’s Visual Cortex, Journal of Physiology, (1962), 160, pp. 106–154.

aniela improta frança 35

HUBBLE, E. A relation between distance and radial velocity among extra-galactic nebulae. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 15, p. 168-173, 1929.

KAMINSKI, J.; CALL, J.; FISCHER, J. Word learning in a domestic dog: evidence for “fast mapping”. Science, New York, N. Y., v. 304, n. 5677, p. 1682-3, 11 jun. 2004.

KANDEL, Eric; SCHWARTZ, James; JESSELL, Thomas; SIEGELBAUM, Steven; HUDSPETH, A. J. (Ed.). Principles of Neural Science, McGraw Hil ed. [s.l: s.n.], p. 1760.

KASTING, J. The primitive earth. In: WONG, J. T. (Ed.). Pribiotic evolution and astrobiology. 1st. ed. Austin, Texas: Landes Bioscience, 2008. p. 1-8.

LAU, E. F.; PHILLIPS, C.; POEPPEL, D. A cortical network for semantics: (de)constructing the N400. Nature Reviews. Neuroscience, v. 9, n. 12, p. 920-33, dez. 2008.

LIMA, E.; GESUALDI, A.; FRANÇA, A. I. O estágio dois no desenvolvimento linguístico pré-fala: a percepção de consoantes. Revista LinguiStica, v. 5, n. 1, p. 1-30, 2009.

LUKATELA, G.; FROST, S.; MICHAEL TURVEY. Identity priming in English is compromised by Phonological ambiguity. Journal of Experimental Psychology, v. 25, n. 3, p. 775-790, 1999.

LUKATELA, G.; FROST, S.; TURVEY, M. T. Phonological priming by masked nonword pri-mes in the lexical decision task. Journal of Memory and Language, v. 39, p. 666-683, 1998.

MCELREE, B. et al. A time course analysis of enriched composition. Psychonomic Bulletin & Review, v. 13, n. 1, p. 53-9, fev. 2006.

PETITTO, L.-A. How the brains begets language. In: MCGILVRAY, J. (Ed.). The Cambridge Companion to Chomsky. 1st. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 84-101.

PETRIDES, M.; PANDYA, D. N. Distinct parietal and temporal pathways to the homologues of Broca’s area in the monkey. PLoS Biology, v. 7, n. 8, p. e1000170, ago. 2009.

PYLKKÄNEN, L. et al. Neural correlates of the effects of morphological family frequency and family size: an MEG study. Cognition, v. 91, n. 3, p. B35-45, abr. 2004.

______; MARANTZ, A. Tracking the time course of word recognition with MEG. Trends in Cognitive Sciences, v. 7, n. 5, p. 187-189, maio 2003.

______; STRINGFELLOW, A.; MARANTZ, A. Neural Mechanisms of Spoken Word Recognition : MEG Evidence for Distinct Sources of Inhibitory Effects, v. 02139, n. 617, p. 1-15, [s.d.].

______; STRINGFELLOW, A.; MARANTZ, A. Neuromagnetic Evidence for the Timing of Lexical Activation: An MEG Component Sensitive to Phonotactic Probability but Not to Neighborhood Density. Brain and Language, v. 81, n. 1-3, p. 666-678, abr. 2002.

RAMPELOTTO, P. H. A química da vida como nós não conhecemos: revisão. Quim. Nova, v. 35, n. 8, p. 1619-1627, 2012.

RAMUS, F.; NESPOR, M.; MEHLER, J. Correlates of linguistic rhythm in the speech signal. Cognition, v. 75, n. 1, p. AD3-AD30, 14 abr. 2000.

reflexões sobre a nova cartografia em broca e em wernicke...36

SEYFARTH, B. Y. R. M.; CHENEY, D. L.; MARLER, P. Vervet monkey alarm calls : semantic communication in a free-ranging primate, n. 1970, p. 1070-1094, 1980.

SILVA, M. L.; PIQUEIRA, J. R. C.; VIELLIARD, J. Entropy calculations for measuring birdsong diversity: the case of the White-vented Violetear Colibri serrirostris. [s.l.] Slovenska Akademjai znanosti in umetnosti, 2006. p. 113.

SKEIDE, M. Syntax and semantics network in the developing brain. [s.l.] Max Planck Institute for Human Cognitive and Brain Sciences, 2012.

STOCKALL, L.; MARANTZ, A. A single route, full decomposition model of morphological complexity: MEG evidence. The Mental Lexicon, v. 1, n. 1, p. 85-123, 1º jan. 2006.

SUGE, R.; OKANOYA, K. Perceptual chunking in the self-produced songs of Bengalese finches (Lonchura striata var. domestica). Animal Cognition, v. 13, n. 3, p. 515-23, maio 2010.

TAKAHASI, M.; YAMADA, H.; OKANOYA, K. Statistical and Prosodic Cues for Song Segmentation Learning by Bengalese Finches (Lonchura striata var. domestica). Ethology, v. 116, n. 6, p. 481-489, 25 mar. 2010.

VIELLIARD, J. Phylogeny of bioacoustical parameters in birds. Bioacoustics, v. 6, p. 171-175, 1995.

WERKER, J. F.; TEES, R. Cross-language speech perception: evidence for perceptual reorga-nization during the first year of life. Infant Behavior and Development, v. 7, p. 49-63, 1984.

YANG, C. The Infinite Gift: how children learn and unlearn the languages of the world. 1st. ed. New York: Scribner, 2006. p. 289.

37

NEUROCIÊNCIA: NOVO ENFOQUE EPISTEMOLÓGICO

Leonor Scliar-Cabral (UFSC/CNPq)

1. LINGUAGEM E COGNIÇÃO

O debate sobre as relações entre linguagem e cognição tem como precursora a

polêmica pensamento/linguagem, travada entre Piaget (1963) e Vygotsky (1964).

Embora, no debate, o cerne da discussão estivesse centrado nas diferentes concepções

dos autores sobre linguagem egocêntrica e na ênfase dada por Piaget ao papel da

decentração e da reversibilidade para a emergência do pensamento lógico, o efeito

sobre as bases epistemológicas da linguística e da semiologia, como, por exemplo,

em Barthes (1996), Buyssens (1972) e Prieto (1973), foi o de atribuir a subordinação

do pensamento à linguagem verbal.

O surgimento da neurociência, com novas propostas teóricas, validadas experi-

mentalmente, representam uma reviravolta de enfoque no tratamento das relações

entre linguagem e cognição.

Como Changeux comenta em seu Prefácio (Dehaene, 2012, p. 9), uma das

maiores contribuições da neurociência contemporânea é demonstrar que, entre

os humanos, a cultura não pode ser concebida sem o biológico: o cérebro humano

não existe sem uma impregnação poderosa do ambiente.

A dicotomia platônica entre cérebro e espírito é abolida em favor da construção

de uma arquitetura cerebral comum, fonte de um colossal universo combinatório

entre genes e ambiente.

2. D’AQUILI, PRECURSOR DA NEUROCIÊNCIA

Tal postura epistemológica foi precedida por um artigo seminal de Eugene

D’Aquili (1972), autor do estruturalismo genético, o qual acabou aderindo às me-

todologias da neurociência.

As principais contribuições do autor, que endossamos, para entender as relações

entre cognição e linguagem, são as de que, do ponto de vista filogenético e onto-

genético, existe uma diferença crucial entre a espécie humana e as demais, mesmo

as que lhe são mais próximas, no processo da comunicação: quanto mais baixa na

neurociência: novo enfoque epistemológico38

escala animal, maior a contiguidade espaço-temporal entre estímulo/resposta, sendo

o estímulo exclusivamente um sinal e o seu reconhecimento e resposta programados

geneticamente para a sobrevivência do indivíduo e da espécie. Na espécie humana,

convivendo com o paradigma estímulo/resposta, intervêm os sistemas formados

por signos de forma cumulativa, produtos culturais, dentre os quais sobressai a lin-

guagem verbal oral, que sobrepujam o mecanismo estímulo/resposta como forma

de sobrevivência do indivíduo e da espécie humana.

Desenvolvendo a proposta de D’Aquili, podemos interpretar as áreas de pro-

cessamento do sinal e de suas respostas geneticamente programadas, como as

áreas primárias, enquanto o processamento dos signos e de suas unidades ocorre

nos circuitos das áreas secundárias e terciárias, sob o efeito de dois fatores deter-

minantes: o maturativo e a experiência.

Na realidade, para que possam ser elaborados e registrados perceptos de

natureza cada vez mais abstrata e complexa, constituindo uma verdadeira arqui-

tetura organizacional, como é o caso das línguas, são necessárias conexões entre

os neurônios localizados nas diferentes áreas, conexões essas que irão se estabele-

cer, gradativamente, à medida que o cérebro amadurece, graças a processos, por

exemplo, como o da mielinização. É necessária, também, a exposição aos inputs,

dos quais a criança vai recortando perceptos (intake), gradativamente, cada vez

melhor, à medida que seu conhecimento prévio é alimentado.

Um exemplo de construção de percepto de natureza mais complexa, em virtude

da maturação da qual resultam novas conexões, é a percepção da tridimensionalidade:

ela resulta da conexão entre a representação tátil da preensão e a da visão dos refe-

rentes, uma vez que o bebê, ao nascer, percebe os referentes bidimensionalmente.

É preciso que se tenha, pois, em mente, que os perceptos não são uma fotografia

icônica dos referentes, tais como estão à vista: jamais os cones (receptores visuais no

centro da retina) captam a totalidade de um referente em sua tridimensionalidade.

Os neurônios especializados para o reconhecimento dos referentes são capazes

de reconhecê-los sempre a partir de uma parte (às vezes mínima), em qualquer

das modalidades (visual, auditiva, olfativa, gustativa, tátil, térmica), por processos

metonímicos de reconstituição dos traços invariantes, bem como em virtude da

intermodalidade (processos sinestésicos), pela qual a informação provinda de um

canal sensorial é traduzida pela representação também invariante do referente.

Os neurônios, pois, precisam especializar-se e, às vezes, mais que isto, precisam

reciclar-se, como ocorre na aprendizagem dos sistemas de escrita.

leonor scliar-cabral 39

3. O REALINHAMENTO DE CATEGORIAS E A PERDA DA SENSIBILIDADE PARA DISCRIMINAR OUTRAS

A especialização neuronal envolve o realinhamento de categorias cujas diferen-

ças o recém-nascido era capaz de discriminar e o declínio ou perda da sensibilidade

para discriminar outras, quando utilizar determinados sistemas semiológicos, como

é caso, por exemplo, da linguagem verbal.

Exemplificaremos com um caso crucial: o da estruturação do sistema fonológico

de uma dada variedade sociolinguística que a criança esteja adquirindo.

Evidências empíricas obtidas em experimentos comprovam como a criança,

guiada inatamente (Gould, Marler, 1987), perde a sensibilidade para certos traços

fonéticos, realinha categorias e estreita ou amplia seu âmbito (Jusczyk, 1997, p.

73/74), confirmando a proposta de Aslin e Pisoni (1980) sobre o papel da experiên-

cia no desenvolvimento das capacidades perceptuais da fala para que as células do

córtex afinem com tais categorias. Essas capacidades inatas permitem ao infante ser

sensível aos padrões sonoros do input e o ajudam a detectar, progressivamente, as

regularidades inerentes à variedade que está adquirindo. A noção básica que sustenta

a aprendizagem inatamente guiada é a de que os organismos são pré-programados

para aprender aspectos específicos e a aprendê-los de um modo específico. No caso

da percepção da fala, as capacidades perceptuais iniciais do infante permitem capturar

a informação necessária para o desenvolvimento subsequente destas capacidades,

a fim de codificá-la na memória (Jusczyk, 1997, p. 76).

Em consequência, a sensibilidade para oposições inexistentes numa dada va-

riedade sociolinguística começa a declinar e não apenas para tais oposições, mas

também para as estruturas fonotáticas e os padrões entoacionais e rítmicos. Esses

aspectos do conhecimento internalizado pela criança serão cruciais para o reco-

nhecimento e desmembramento dos itens lexicais na cadeia da fala e seu posterior

armazenamento na memória lexical.

O recém-nascido demonstra sensibilidade para a percepção categorial, indepen-

dente da exposição a uma dada língua, conforme os experimentos com o paradigma

HAS (high-amplitude sucking), quando ficou comprovada a discriminação categorial

da oposição [+]/[-son] no par [ba]/[pa] desde um mês de idade (Eimas et al., 1971).

Uma linha de pesquisa subsequente procurou rastrear quais categorias são discri-

minadas e quando se dá o declínio de tais capacidades em favor dos parâmetros da

língua que está sendo adquirida. Os resultados evidenciam que os bebês têm uma

capacidade linguística geral para discriminar as oposições fonéticas de qualquer

língua, as quais declinam gradativamente em favor dos parâmetros da língua que

está sendo internalizada.

neurociência: novo enfoque epistemológico40

Os indivíduos não percebem oposições que não são pertinentes em sua língua

nativa, como é o caso dos falantes-ouvintes do espanhol em relação às oposições

entre as vogais [-alt, -bx] e [+bx], respectivamente /e/ vs. /ε/; /o/ vs. /O/. Os fa-

lantes-ouvintes de línguas diferentes ainda diferem quanto aonde estão localizadas

as fronteiras na oposição dos segmentos (Lisker, Abramson, 1967).

Vários experimentos foram conduzidos para verificar quando os bebês começam

a perder as capacidades discriminativas.

4. INSTÂNCIAS PROTOTÍPICAS OU MAGNETOS PERCEPTUAIS

Com relação às vogais, a proposta de Kuhl (1991) sobre a existência de instâncias

prototípicas, os chamados magnetos perceptuais, que diminuem as distâncias entre

o centro e os bordos das categorias vocálicas, serve de suporte para explicar o de-

clínio na discriminação das oposições vocálicas não pertinentes a uma dada língua,

o qual começa, contudo, antes do período apontado para o das consoantes, isto é,

entre seis e oito meses, conforme os resultados obtidos por Polka e Werker (1994),

com bebês de lares onde se praticava o inglês, ao submetê-las à discriminação de

oposições de vogais do alemão, não existentes no inglês.

A nível explicativo, uma das razões plausíveis para o afunilamento da discrimi-

nação categorial em favor de as oposições pertinentes a uma dada língua ocorrerem

entre dez e doze meses se deve, a nosso ver, ao fato de, neste período, a criança

calibrar reciprocamente as propriedades categoriais, combinadas aos pesos quan-

titativos foneticamente condicionados a padrões calibrados para a produção dos

gestos articulatórios, com vistas à obtenção de um determinado alvo: a compreensão

e produção de itens cujo significado recorre nos mesmos contextos de uso.

5. INTERVENÇÃO DE SISTEMAS FORMADOS POR SIGNOS, PRODUTOS CULTURAIS

A intervenção de sistemas formados por signos, produtos culturais, é possível

em virtude das seguintes características:

• plasticidade dos neurônios para serem reciclados para novas aprendiza-

gens, inclusive aquelas que vão de encontro à programação psicobiológica;

• dominância e especialização das várias subáreas secundárias para a

linguagem verbal no hemisfério esquerdo e integração realizada pelas

áreas terciárias;

leonor scliar-cabral 41

• interconexão entre as várias áreas do processamento em paralelo, in-

clusive entre aquelas que processam a significação com outros níveis de

processamento verbal da linguagem;

• processamento das variantes provenientes das áreas primárias, em-

parelhando o resultado com formas invariantes mais abstratas que os

neurônios reconhecem nas áreas secundárias;

• arquitetura neuronal capaz de processar intakes em outputs sucessiva-

mente mais abstratos e complexos: a função semiótica;

• mecanismos de feedback para autocorreção simultânea;

• memória permanente para lembrar os padrões e esquemas aprendidos,

que asseguram a ativação do conhecimento prévio.

6. EVIDÊNCIAS DA NEUROCIÊNCIA PROVINDAS DA LEITURA

As descobertas da neurociência sobre os processos da leitura ajudam-nos a entender

as dificuldades iniciais com as quais as crianças se defrontam quando estão começando a

se alfabetizar. Embora qualquer criança que não apresente distúrbios sensório-motrizes,

perceptuais ou cognitivos maiores seja inatamente guiada para adquirir sua variedade

sociolinguística oral à qual estiver exposta, a fim de sobreviver, os neurônios humanos

não são geneticamente programados para aprender os sistemas de escrita.

Desde que foi atestada a existência do homem moderno, há 140.000 anos na

África, comprovou-se que o número de neurônios e a organização cerebral, em

especial a do córtex pré-frontal, sofreram uma enorme expansão (Changeux, 2012).

Lançar pedras com a mão direita para caçar demonstra que o hemisfério esquerdo

era dominante, consequentemente, que a especialização estava já estabelecida,

inclusive, a linguagem verbal.

A espécie humana caracteriza-se por possuir um aparato biopsicológico que lhe

permite construir cultura material e espiritual e por plasticidade neuronal capaz de

aprender novos traços: sob a pressão de várias necessidades socioeconômicas, os

homens inventaram novos instrumentos e técnicas que não causaram mudanças

genéticas, mas, sim, epigenéticas, uma vez que as primeiras implicam um tempo

maior se comparadas às últimas que foram causadas pelas novas técnicas.

Isto aconteceu com os sistemas de escrita: a escrita proto-cuneiforme

(Michailowski, 1996, p. 33) e a egípcia antiga, que inclui os hieróglifos (Ritner,

1996, p. 73), conhecidas como os sistemas de escrita mais antigos do mundo, foram

inventadas no final do quarto milênio a.C.

neurociência: novo enfoque epistemológico42

A própria evolução dos sistemas de escrita demonstra que o que teve lugar não

foi uma mudança genética nos genes que processam as linguas naturais, mas, sim,

uma adaptação crescente dos circuitos neurais na região occipitotemporal ventral

esquerda do cérebro para o reconhecimento das palavras escritas (Dehaene, 2012).

Se compararmos o período quando a linguagem natural emergiu com aquele

quando os primeiros sistemas de escrita foram atestados, há uma enorme distância

cronológica que levanta conclusões importantes para entender os processos de leitura

e os processos de aprendizagem envolvidos, ainda mais cruciais no caso dos sistemas

alfabéticos, derivados da escrita proto-sinaítica, cuja manifestação mais antiga, por volta

dos anos 1400 a.C., aparece numa pequena esfinge dedicada à deusa Hathor. Pesquisas

recentes revelam a existência de exemplos mais antigos com escrita similar, descobertos

no Egito central, datando de 1800 a.C. aproximadamente (Scliar-Cabral, 2009, p. 147).

A conclusão mais importante é a de que os sistemas de escrita não são adqui-

ridos espontânea e compulsoriamente, mas ocorrem no contexto sistemático de

aprendizagem, em especial, na escola.

A neurociência usa três técnicas principais na situação experimental: a resso-

nância magnética funcional (RMF), a electroencefalografia (EEG) e a mais eficiente

para medir o processo da leitura, a magnetoencefalografia (MEG).

Algumas evidências empíricas obtidas da situação experimental somente con-

firmam princípios já conhecidos, como os de que as regiões primárias processam

os sinais brutos, independentemente da especialização hemisférica: no caso do

sinal luminoso, a região occipital central. Esse primeiro processamento dura não

mais do que 50ms.

A novidade consiste em acompanhar online como o output destes primeiros

processamentos é enviado compulsoriamente para a região especializada para a

leitura, a região occipitotemporal ventral do hemisfério esquerdo, se o sujeito apren-

deu o código escrito, independentemente do sistema (alfabético ou logográfico).

Experimentos conduzidos por Dehaene e colegas (2002) demonstraram que

a região occipitotemporal ventral esquerda é iluminada quando os sujeitos são

submetidos a palavras escritas, mas não quando as mesmas palavras são somente

ouvidas. É preciso assinalar que a região occipitotemporal ventral também processa

faces, objetos e instrumentos, mas somente algumas partes da região occipitotem-

poral ventral esquerda preferem reconhecer as palavras escritas, enquanto a região

contralateral direita prefere o reconhecimento das faces (Tarkiainen e cols., 2002).

Evidências empíricas importantes trazidas pela neurociência confirmam o

processamento da invariância da letra, que significa “a capacidade de construir

rapidamente uma representação abstrata das cadeias das invariâncias das letras

deixando de lado parâmetros irrelevantes, tais como fonte, caixa, tamanho ou

posição” (Qiao et al., 2010, p. 1787).

leonor scliar-cabral 43

A primeira é a invariância espacial. É bastante bem conhecido que as projeções

visuais são cruzadas: as palavras apresentadas no lado esquerdo da tela são pro-

jetadas na metade direita da retina de cada olho, de onde a informação é enviada

para o hemisfério direito. O inverso é verdadeiro se as palavras forem apresentadas

no lado direito da tela.

A técnica de RMF demonstra que esse processamento unilateral na região V4

dura de 160 ou 170 milissegundos. De repente, o output converge para a região

occipitotemporal ventral esquerda, não importa se os estimulos tenham sido apre-

sentados do lado direito ou esquerdo da tela.

Isto é possível porque a conexão entre os dois hemisférios é mediada pelo corpus

callosum, consequentemente, se um paciente sofrer uma lesão vascular aí, ele será

impedido de reconhecer as palavras apresentadas no lado esquerdo da tela, uma

síndrome denominada hemialexia.

Muitos experimentos constataram um outro tipo de invariância, a invariância

de fonte: os neurônios da região occipitotemporal ventral esquerda, depois de se-

rem reciclados, têm a capacidade de reconhecer uma letra como a mesma apesar

de suas múltiplas variantes. Não importa se a fonte estiver em CAIXA ALTA, caixa

baixa, negrito, itálico, sublinhado ou manuscrita .

O mesmo é verdadeiro em relação às letras: uma ou mais letras compõem os

grafemas associados aos seus valores sonoros (os fonemas), ambos com a função

de distinguir significados. Na verdade, as evidências obtidas por Polk e Farah (2002)

favorecem a hipótese de uma área para formas abstratas e não perceptuais da palavra.

A região que se especializou para o processamento do material escrito é de-

nominada região occipitotemporal ventral esquerda. Isto significa que, depois da

identificação visual dos grafemas, eles são obrigatoriamente associados aos fonemas

neste processo. Em adendo, você pode observar as várias setas bidirecionais que se

projetam para todas regiões onde a linguagem é processada, inclusive a região do

processamento do significado.

A hipótese de Polk e Farah foi confirmada pelo experimento de Dehaene e

colegas (2002), ao apresentarem subliminalmente durante 29 milissegundos uma

primeira palavra: o efeito sobre a palavra alvo foi o mesmo, não importava se ambas

estivessem escritas na mesma fonte ou não, tendo havido redução de atividade na

região occipitotemporal ventral esquerda.

É interessante observar que o efeito não é observável nas regiões visuais pri-

márias, já que elas são sensíveis às mudanças das fontes. Somente a região occipito-

temporal ventral esquerda opera com a invariância de fonte, isto é, com constructos

mais abstratos, que são cruciais para atribuir os mesmos valores às letras que, ao

variarem a caixa, não partilham nenhum traço, como, por exemplo, A/a, G/g, M/m.

neurociência: novo enfoque epistemológico44

Se o método global fosse correto, a palavra escrita seria reconhecida por sua

configuração, que é exatamente o que o hemisfério direito faz: ele reconhece FARTA

e farta como diferentes (Dehaene et cols., 2004). O mesmo é verdade com crianças

que não aprenderam os princípios do sistema alfabético e somente reconhecem

logotipos como Coca-Cola : somente a região no hemisfério direito é iluminada

durante os experimentos e não a região occipitotemporal ventral esquerda.

Evidências trazidas pelos experimentos da neurociência demonstram que a

região occipitotemporal ventral esquerda prefere cadeias bem formadas de letras

às cadeias que desobedecem às regras grafotáticas de uma dada língua. Isto prova

que tal conhecimento não é inato: os neurônios pertencentes à região especiali-

zada para reconhecer as palavras escritas precisam ser reciclados para aprender o

sistema específico.

O que é também notável é que esses experimentos recentes acabaram com o

mito de que o chinês seria um sistema de escrita processado somente pelo hemis-

fério direito. Experimentos com a leitura em mandarim ativam preferencialmente

a mesma região occipitotemporal ventral esquerda, com as mesmas propriedades

observadas nos sujeitos submetidos à leitura em sistemas alfabéticos.

O mesmo é verdadeiro quando os sujeitos fazem a leitura com o sistema logográ-

fico kanji ou silábico kana (Nakamura et cols., 2005), provavelmente porque ambos

convergem as respectivas unidades visuais para a mesma representação fonêmica.

Se o sujeito não aprendeu o código escrito, as áreas iluminadas serão aquelas

que reconhecem o sinal somente por configuração.

Recentes experimentos conduzidos por Qiao et al. (2010, p. 1786) demonstraram

que “leitores expertos exibem uma notável capacidade para reconhecer corretamente

a escrita, apesar da enorme variedade na forma dos caracteres – uma competência

cujos meandros cerebrais ainda permanecem desconhecidos”. Resumindo, os pes-

quisadores usaram repetição comportamental subliminal e priming através da RMF

para estudar as áreas envolvidas no reconhecimento invariante correto da palavra.

Por exemplo, a palavra prime foi apresentada em letra de imprensa (e.g., PIANO),

enquanto o alvo foi a manuscrita (e.g., piano) e vice-versa.

Seis conjuntos de 40 substantivos em francês de alta e baixa frequência, com

a extensão de 4, 6 e 8 letras, foram selecionados do www.lexique.oug, e então

apresentados a 21 participantes, que foram solicitados a copiar cada um em sua

manuscrita usual. Seis estilos foram selecionados e as palavras foram escaneadas.

Palavras geradas por uma fonte de computador pseudomanuscrita e por uma fonte

Arial comum foram adicionadas.

Em seguida, foi obtido um tamanho médio das letras. Oito conjuntos de palavras,

constituindo um total de 480 palavras, combinando frequência x extensão, foram

apresentados a 16 participantes para que as lessem em voz alta. “As respostas fun-

leonor scliar-cabral 45

cionaram como gatilho para a apresentação da próxima palavra. As latências foram

medidas pelo tempo de resposta, a qual foi registrada para subsequente escrutínio”

(Qiao et al., 2010, p. 1787). Metade das palavras referiam-se a objetos naturais e a

outra metade, a artefatos.

Num segundo experimento com RMF, cada ensaio consistia da sequência de

fixações durando 4000ms ao todo. A duração de 50ms da palavra prime garantia

que ela não seria percebida conscientemente.

Ocorreram seis tipos de ensaios com RMF:

PRIME ALVO

Imprensa maiúscula ALIANÇA imprensa minúscula aliança Pp

Imprensa maiúscula ALIANÇA manuscrita fácil aliança Pf

Imprensa maiúscula ALIANÇA manuscrita difícil Pd

Imprensa minúscula aliança imprensa maiúscula ALIANÇA pP

Manuscrita fácil aliança imprensa maiúscula ALIANÇA fP

Manuscrita difícil imprensa maiúscula ALIANÇA dP

Quadro 1: Ensaios com RMF.

Primes e alvos nunca partilham a mesma caixa (alta e baixa), para evitar o viés

da repetição de traços visuais de baixo nível. O objetivo foi o de atribuir ao efeito

prime uma representação invariante das identidades abstratas da letra.

Primes e alvos eram a mesma palavra na metade dos ensaios e semanticamente

diferentes (objetos naturais opostos a artefatos) na outra metade.

A lista de 48 palavras foi dividida em dois conjuntos equivalentes de 24 palavras,

um com condições Pp, Pf e Pd para metade dos sujeitos, e o outro com condições

pP, fP e dP para a outra metade. A 13ª categoria com telas em branco foi usada

como linha de base.

Os resultados mostraram que, “claramente, as mesmas áreas foram ativadas

independente do estilo, com um máximo muito forte predominante na área esquerda

da Forma Visual da Palavra”.

A percepção dos alvos que demandavam mais esforço, i.e., o das palavras manuscri-

tas difíceis, ativaram regiões ventrais precisamente no pico principal da área da Forma

Visual da Palavra” (Qiao et al., 2010, p. 1796), em especial, em suas seções mais anteriores.

neurociência: novo enfoque epistemológico46

A predominância da região occipitotemporal ventral esquerda para o reconhe-

cimento da palavra escrita, inclusive da manuscrita, é confirmada pelo que acontece

em pacientes com alexia pura.

Contudo, quando as pistas de superfície se desviam consideravelmente dos traços

que diferenciam uma letra das outras, como é o caso do estilo difícil de algumas palavras

manuscritas, a afinação automática com a invariância é retardada, sendo precedida por

processos atencionais necessários e top-down, demandando a intervenção de redes

atencionais parietofrontais, bem como a de conexões para a leitura sob o controle

do córtex dorsal. Isto foi exatamente o que aconteceu no experimento de Qiao et al.

A resposta retardada às palavras manuscritas em estilo difícil ficou demonstrada no

primeiro experimento pela drástica diferença no tempo médio de leitura. No segundo

experimento, não houve efeitos positivos causados por primes de palavras manuscri-

tas difíceis sobre o processamento dos alvos em letra maiúscula de imprensa porque

50ms de exposição subliminal não são suficientes para ativar processos atencionais

e top-down, necessários para decodificar palavras manuscritas em estilo difícil: a ex-

posição subliminal é eficiente somente para o processamento automático bottom-up.

“Se o processamento das palavras manuscritas requer atenção, então, elas

podem não levar a efeitos de repetição significantes quando usadas como primes

subliminais” (Qiao et al., 2010).

7. RECICLAGEM NEURONAL

A neurociência demonstrou uma outra dificuldade maior, em especial, que os

neurônios nos mamíferos são programados para processar o sinal visual simetrica-

mente: para sobreviver, é economicamente eficiente descartar as diferenças que

ainda possam existir entre a direção das pistas para o lado esquerdo e o direito, para

cima e para baixo, ao perceber qualquer objeto à vista.

Essa propriedade inata foi experimentalmente demonstrada por Verhaeghe e

Kolinsky (1991): a identificação de objetos independe dos espaços diferentes que

eles ocupam, ou se eles aparecem numa posição ou noutra como, por exemplo, uma

cadeira voltada para a esquerda, para a direita, ou ainda para baixo.

Mas isto não é o caso no reconhecimento das letras: os neurônios precisam

aprender a reconhecer essas diferenças, que são absolutamente pertinentes para

aprender a ler.

A necessidade é dramática no caso das letras em espelho como b/d, p/q, b/p,

d/q, n/u, a/e. Graças à plasticidade dos neurônios humanos, é-lhes possível serem

reciclados (Dehane, 2012), se o contexto do ensino/aprendizagem for adequado;

do contrário, os estudantes vão continuar a mostrar suas dificuldades iniciais, sendo

frequentemente rotulados como disléxicos.

leonor scliar-cabral 47

Dehaene denominou “reciclagem neuronal” essa capacidade dos neurônios para

aprender, resultado da “[...] invasão parcial ou total de territórios corticais inicial-

mente alocados para uma função diferente, pelo novo objeto cultural”. Num estudo

recente, Dehaene et al. (2010) demonstraram a área cerebral onde esta aprendizagem

tem lugar, em especial, a área esquerda fusiforme para a forma visual da palavra.

No curso de aprendizagens como a leitura, os neurônios localizados nesta região

precisam aprender a bloquear os mecanismos cerebrais subjacentes à generalização

em espelho a fim de favorecer o reconhecimento das diferenças relevantes entre as

direções dos traços, quando processam as palavras escritas. Bastante interessante,

contudo, essa capacidade precisa coabitar com a generalização em espelho dos

neurônios visuais para reconhecer outra imagens.

Dehaene e colegas

usaram repetição rápida comportamental e priming com [RMF] para provar os mecanismos cerebrais subjacentes à generalização em espelho e sua ausência para processar palavras escritas em adultos leitores. Em dois grupos de leitores franceses e japoneses, demonstramos que a área da forma da palavra visual, no lado fusiforme esquerdo, o local principal para aprender durante a aquisição da leitura, mostra simultaneamente um efeito máximo do priming em espelho para desenhos e uma ausên-cia deste efeito para palavras. Assim, aprender a ler recruta uma área que possui a propriedade da invariância em espelho, semelhantemente presente em todos os primatas, que é deletéria para o reconhecimento das letras e pode explicar os erros em espelho transientes em crianças.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos o artigo fazendo menção à polêmica precursora travada entre Piaget

(1963) e Vygotsky (1964) sobre as relações entre pensamento e linguagem e seus

efeitos nas bases epistemológicas dos linguistas e semiólogos seguintes.

Discorremos, então, sobre a reviravolta no tratamento das relações entre

linguagem e cognição, ocasionada pelo surgimento da neurociência, com novas

propostas teóricas, validadas experimentalmente: entre os humanos, a cultura não

pode ser concebida sem o biológico, pois o cérebro humano não existe sem uma

impregnação poderosa do ambiente.

Apresentamos a contribuição do precursor da neurociência, Eugene D’Aquili,

a de que existe uma diferença crucial entre a espécie humana e as demais no pro-

cesso da comunicação: quanto mais baixa na escala animal, maior a contiguidade

espaço-temporal entre estímulo/resposta, sendo o estímulo exclusivamente um

neurociência: novo enfoque epistemológico48

sinal e o seu reconhecimento e resposta programados geneticamente para a

sobrevivência do indivíduo e da espécie. Na espécie humana, convivendo com o

paradigma estímulo/resposta, intervêm os sistemas formados por signos de forma

cumulativa, produtos culturais, entre os quais sobressai a linguagem verbal oral,

que sobrepujam o mecanismo estímulo/resposta como forma de sobrevivência do

indivíduo e da espécie humana.

Desenvolvemos as contribuições de D’Aquili assinalando que, para a especializa-

ção dos neurônios, intervêm dois fatores determinantes: o maturativo e a experiência

e introduzimos o conceito novo para a construção dos perceptos, o de que eles não

são uma fotografia icônica dos referentes tal como estão à vista: jamais os cones

(receptores visuais no centro da retina) captam a totalidade de um referente em

sua tridimensionalidade. Os neurônios especializados para o reconhecimento dos

referentes são capazes de reconhecê-los sempre a partir de uma parte (às vezes

mínima), em qualquer das modalidades (visual, auditiva, olfativa, gustativa, tátil,

térmica), por processos metonímicos de reconstituição dos traços invariantes,

bem como em virtude da intermodalidade (processos sinestésicos), pela qual a

informação provinda de um canal sensorial é traduzida pela representação também

invariante do referente.

Neste artigo, mostraram-se algumas evidências em favor da forte contribuição

da neurociência, demonstrando que, entre os humanos, a cultura não pode ser

concebida sem o biológico e que o cérebro humano não existe sem uma poderosa

impregnação do ambiente.

Em adendo, fornecemos evidência experimental provando a plasticidade dos

neurônios para aprender o novo, inclusive aquele que vai de encontro à progra-

mação psicobiológica. Demonstramos também o processamento das variantes

provenientes das áreas primárias, por meio do pareamento do resultado de tais

processamentos, com formas mais abstratas invariantes que os neurônios, em áreas

secundárias, identificam.

leonor scliar-cabral 49

REFERÊNCIAS

ASLIN, R. N.; PISONI, D. B. Some developmental processes in speech perception. In: YENI-KOMSHIAN, G. H.; KAVANAGH, J. F.; FERGUSON, C. A. (Org.). Child phonology. New York: Academic Press, 1980.

CHANGEUX, J. P. Prefácio. In: DEHAENE, S. Os neurônios da leitura. Trad. de L. Scliar-Cabral. Porto Alegre: Penso, 2012. p. 9-14.

BARTHES, R. Elementos da semiologia. São Paulo: Cultrix, 1996.

BUYSSENS, E. Semiologia & comunicação linguística. São Paulo: Cultrix, 1972.

D’AQULI, E. The biopsychological determinants of culture. Boston: Addison-Wesley, 1972.

DEHAENE, S. Os neurônios da leitura. Trad. de L. Scliar-Cabral. Porto Alegre: Penso, 2012.

______. A aprendizagem da leitura modifica as redes corticais da visão e da linguagem verbal. Aceito para publicação em Letras de Hoje, 2013.

______; PEGADO, F.; BRAGA, L. W.; VENTURA, P.; NUNES FILHO, G.; JOBERT, A.; DEHAENE-LAMBERTZ, G.; KOLINSKY, R.; MORAIS, J.; COHEN, L. How learning to read changes the cortical networks for vision and language. Science, v. 330, n. 6009, p. 1359-64, 2010, Dec 3.

______; JOBERT, A.; NACCACHE, L.; CIUCIU, P.; POLINE, J. B.; LE BIHAN, D.; COHEN, L. Letter binding and invariant recognition of masked words: behavioral and neuroimaging evidence. Psychol Sci, v. 15, n. 5, p. 307-313, 2004.

______; LE CLEC´H, G.; POLINE, J. B.; LE BIHAN, D.; COHEN, L. The visual word form area: a prelexial representation of visual words in the fusiform gyrus. Neuroreport, v. 13, n. 3, p. 321-325, 2002.

EIMAS, P. D.; SIQUELAND, E. R.; JUSCZYK, P. W.; VIGORITO, J. Speech perception in infants. Science, v. 171, p. 303-306, 1971.

GOULD, J. J.; MARLER, P. Learning by instinct. Scientific American, v. 255, n. 1, p. 74-85, 1987.

JUSCZYK, P. W. The discovery of spoken language. Cambridge, Mass.: The M.I.T. Press, 1997.

KUHL, P. K. Human adults and human infants show a “perceptual magnet effect” for the prototypes of speech categories, monkeys do not. Perception and Psychophysics, v. 50, p. 93-107, 1991.

LISKER, L.; ABRAMSON, A. S. The voicing dimension: some experiments in comparative phonetics. Comunicação apresentada ao International Congress of Phonetic Sciences, Praga, 1967.

MICHAILOWSKI, P. Mesopotamian cuneiform. In: DANIELS, P. T.; BRIGHT, W. (Org.). The world’s writing systems. New York/Oxford: Oxford Univ. Press, 1966. p. 33-72.

neurociência: novo enfoque epistemológico50

NAKAMURA, K.; DEHAENE, S.; JOBERT, A.; LE BIHAN; D. KOUIDER, S. Subliminal conver-gence of Kanji and Kana words: Further evidence for functional parcelation of the posterior temporal cortex in visual word perception. J Cogn Neurosci, v. 17, n. 6, p. 954-968, 2005.

PIAGET, J. Le langage et les opérations intellectuelles. In: AJURIAGUERRA, J. de; BRESSON, F.; FRAISSE, P.; INHELDER, B.; OLÉRON, O.; PIAGET, J. (Org.). Problèmes de psycho-lin-guistique – Symposium de l’Association de Psychologie Scientifique de Langue Française. Paris: Presses Universitaires de France, 1963. p. 51-61.

______. Comentarios sobre las observaciones críticas de Vygotsky. In: VYGOTSKY, L. Pensamiento y lenguaje. Buenos Aires: Lautaro, 1964. p. 167-181.

POLK, T. A.; FARAH, M. J. Functional MRI evidence for an abstract, not perceptual wor-d-form area. J Exp Psychol Gen., v. 131, n. 1, p. 65-72, 2002.

POLKA, L.; WERKER, J. F. Developmental changes in perception of non-native vowel contrasts. Journal of Experimental Psychology: Human Perception and Performance, v. 20, p. 421-435, 1994.

PRIETO, l. Mensagens e sinais. São Paulo: Cultrix, 1973.

RITNER, R. K. Egyptian writing. In: DANIELS, P. T.; BRIGHT, W. (Ed.). The world’s writing systems. New York/Oxford: Oxford Univ. Press, 1966. p. 72-87.

QIAO, E.; VINCKIER, F.; SZWED, M.; NACCACHE, L.; VALABREGUE, R.; DEHAENE, S.; COHEN, L. Unconsciously deciphering handwriting: subliminal invariance for handwritten words in the visual word form area. Neuroimage, v. 49, n. 2, p. 1786-99, 2010.

SCLIAR-CABRAL, L. Sagração do Alfabeto. Trad. Walter C. Costa (esp.); Marie-Hélène C. Torres (fr.); Alexis Levitin (ing.) e Naama Silverman Forner (hebr.). São Paulo: Scortecci, 2010.

TARKIAINEN, A.; CORNELISSEN, P. L.; SALMELIN, R. Dynamics of visual feature analysis and object-level processing in face versus letter-string perception. Brain, 125 (Pt 5), p. 1125-1136, 2002.

VERHAEGHE, A., KOLINSKY, R. Discriminação entre figuras orientadas em espelho em função do modo de apresentação em adultos escolarizados e adultos iletrados. In: Jornadas de estudo dos processos cognitivos, 1, 1991. Actas... Lisboa: Sociedade Portuguesa de Psicologia, 1991. p. 51-67.

VYGOTSKY, L. Pensamiento y lenguaje. Buenos Aires: Lautaro, 1964. p. 25-39.

51

ESFORÇO DE PROCESSAMENTO, EFEITOS COGNITIVOS E METARREPRESENTAÇÃO EM TRADUÇÃO:

MODELAGEM DO CONHECIMENTO EXPERTO PELO VIÉS DA TEORIA DA RELEVÂNCIA

Fabio Alves (FALE/UFMG)

SOBRE O LETRA

O LETRA, Laboratório Experimental de Tradução, iniciou suas atividades em

2000, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerias (UFMG). O

Laboratório é dirigido de forma colegiada pelos Professores Adriana Pagano, Célia

Magalhães e Fabio Alves. Um dos objetivos do LETRA, sob a coordenação do Prof.

Fabio Alves, é desenvolver pesquisas empírico-experimentais sobre o processo tra-

dutório, visando a investigar aspectos do conhecimento experto em tradução. Os

projetos desenvolvidos pelo LETRA utilizam tecnologias de coleta e análise de dados

que possibilitam mapear perfis de tradutores diferenciados, caracterizados pelo seu

ritmo cognitivo, seu desempenho relativo à resolução de problemas e sua produção

textual. Para fins de coleta e análise de dados, o LETRA utiliza uma metodologia

de triangulação que consiste na análise inter-relacionada de dados fornecidos por

rastreamento de toques de teclado e mouse (key logging), rastreamento de movi-

mentos oculares (eye tracking) e relatos retrospectivos gravados imediatamente

após a realização da tarefa. Obtêm-se, assim, dados em tempo real sobre processos

de leitura e produção textual em tradução. Os relatos retrospectivos são gravados

em conjunto com rastreamento ocular, permitindo que a metarrepresentação da

tarefa tradutória seja monitorada tanto por meio das verbalizações do tradutor

quanto por meio dos movimentos oculares do sujeito quando relata aspectos do

seu desempenho. Enquanto os dados de rastreamento de teclado/mouse e de mo-

vimentos oculares fornecem evidências sobre esforço de processamento, os relatos

retrospectivos, juntamente com o rastreamento ocular, informam sobre a atividade

metacognitiva dos sujeitos. A combinação entre esforço de processamento e me-

tarrepresentação da tarefa é considerada pelo Laboratório como uma combinação

chave para fins de modelagem da expertise em tradução. Os resultados das pesquisas

informam propostas de formação de tradutores e modelagem computacional do

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...52

conhecimento experto em tradução. Ao longo dos seus quase 15 anos de ativida-

des, o LETRA vem contribuindo para a formação de recursos humanos de ponta no

campo das pesquisas sobre tradução. Entre os egressos do LETRA, encontram-se

hoje pesquisadores doutores vinculados à UFOP, UFSJR, UFU, UNB, UFPB, UECE e

UFPEL no País e à Universidad Virgil i Rovira (Espanha) e Universität des Saarlandes

(Alemanha) no exterior. O LETRA mantém convênios de cooperação internacional

com a Universidad Autónoma de Barcelona (Espanha), a Universität des Saarlandes

(Alemanha), a Universidade de Macau (China) e a Copenhagen Business School

(Dinamarca). Mais informações sobre a produção científica do Laboratório podem

ser encontradas no Diretório dos Grupos de Pesquisa do CNPq, onde o LETRA

mantém o Grupo de Pesquisa EXPECTRUM, liderado pelo Prof. Fabio Alves, e pelo

acesso ao portal do Laboratório na internet pelo link http://letra.letras.ufmg.br.

INTRODUÇÃO

Experiência e expertise em tradução são muitas vezes vistas como termos

sinônimos, entendendo-se que uma larga experiência profissional leva necessa-

riamente a um desempenho experto quando da realização de tarefas tradutórias.

Não existem, contudo, estudos científicos rigorosos que comprovem tal suposição.

Via de regra, a relação entre experiência e expertise é mediada pela noção de com-

petência tradutória (doravante CT). Hurtado Albir e Alves (2009) e Alves e Hurtado

Albir (2010) apontam que a discussão sobre a noção de CT deve enfocar, sobretudo,

os aspectos cognitivos que subjazem à capacidade que os tradutores têm para de-

sempenhar as operações necessárias ao desenvolvimento adequado do processo de

tradução. Segundo Hurtado Albir e Alves (2009) e Alves e Hurtado Albir (2010), uma

das primeiras definições de CT é apresentada por Bell (1991), que a conceitua como um

tipo de conhecimento experto guiado primordialmente por um componente estraté-

gico. Vários outros autores utilizam as premissas propostas por Bell para elaborar seus

respectivos modelos de CT. Destacam-se, entre eles, Kiraly (1995), Gile (1995), Hurtado

Albir (1996), Risku (1998), Neubert (2000), Pacte (2003), Gonçalves (2003), Alves e

Gonçalves (2007) e Göpferich (2008). Todos esses autores argumentam que a CT é

formada por vários componentes, ou subcompetências, como conhecimento linguístico

bilíngue, conhecimento extralinguístico e enciclopédico, conhecimento instrumental,

conhecimento estratégico e conhecimento teórico sobre tradução. A maioria desses

autores aponta para a necessidade de que tais componentes sejam investigados a

partir de uma perspectiva experimental para que se possa aferir, com exatidão, o papel

constitutivo de cada um deles na configuração da CT. Uma das premissas que permeia

várias dessas propostas considera que a CT apresenta um componente estratégico

central direcionado à solução de problemas e à tomada de decisão.

fabio alves 53

Por outro lado, Pym (2003) critica os modelos componenciais de CT baseados em

subcompetências e defende um conceito minimalista de CT baseado na produção e

posterior eliminação de alternativas. Pym (2003) identifica duas habilidades essenciais

para a CT, quais sejam, (i) a habilidade de se produzir, para um dado texto fonte, uma

série de textos-alvo viáveis (TTI, TT2 … TTn) e (ii) a habilidade de se escolher, rapida-

mente e com segurança, somente um texto alvo entre uma série de alternativas viáveis.

A questão da experiência como um fator primordial para a consolidação de

conhecimento experto é defendida por Ericsson (2000). Em seu estudo sobre o

desempenho de intérpretes, Ericsson argumenta em favor da noção de prática

deliberada (i.e., o engajamento em atividades desenhadas para fins específicos,

desenvolvidas sob supervisão, com o objetivo de aumentar níveis de desempenho)

como uma atividade determinante para a aquisição de conhecimento experto. Em sua

proposta, o autor desconsidera a noção de talento ou habilidades inatas, e considera

apenas altura e massa corporal como características geneticamente determinadas.

Segundo Ericsson et al. (2006), o desempenho experto resulta da modificação

gradativa, por meio de prática deliberada, das capacidades cognitivas de um deter-

minado indivíduo e culmina com um desempenho consistente de alto nível, compre-

endendo altos níveis de atividade metacognitiva e comportamento autorregulatório.

Metacognição e autorregulagem explicariam como indivíduos expertos conseguem

manter níveis de excelência em seus desempenhos mesmo quando confrontados

com situações desafiadoras pela sua complexidade e crescente dificuldade.

Levando a discussão sobre expertise para o campo da tradução, Shreve (2006)

sugere que, sob a perspectiva dos estudos sobre expertise e desempenho experto, o

termo CT pode ser definido como a habilidade desenvolvida pelo tradutor para empregar

múltiplos recursos cognitivos relevantes para a realização de uma tarefa de tradução.

Segundo Shreve (2006), a CT pode ser vista como o conjunto de conhecimentos

declarativos e procedimentais em uma variedade de domínios cognitivos, acumula-

dos por meio de treinamento e experiência e, assim, armazenados e organizados na

memória de longo prazo do tradutor. Ao longo do tempo, afirma Shreve (2006), esses

múltiplos recursos cognitivos relevantes para a tradução podem evoluir e tornar-se o

que Ericsson et al. (2006) definem como desempenho consistente de alto nível. Shreve

afilia-se, assim, aos estudos sobre conhecimento experto e defende a ideia de que no

campo da tradução esse desempenho consistente de alto nível configura a expertise

em tradução. Para Shreve (2006), a questão mais relevante para os pesquisadores

interessados na expertise em tradução é saber sob quais condições e de que maneira

a CT evolui para se tornar um tipo específico de conhecimento experto.

A aquisição desses múltiplos recursos cognitivos, ou dessas diferentes sub-

competências em tradução, implica que a expertise em tradução pode se desen-

volver de diferentes formas, dependendo de variações na experiência e no modo

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...54

de aquisição de habilidades em um determinado domínio. De um ponto de vista

cognitivo-pragmático e considerando-se a tradução como um caso de semelhança

interpretativa ótima (Gutt, 1991/2000), este capítulo utiliza o arcabouço teórico da

Teoria da Relevância (Sperber e Wilson, 1986/1995) para desenvolver uma proposta

de modelagem empírico-experimental da expertise em tradução, vista como uma

atividade de uso interpretativo interlingual.

Para tanto, o capítulo apresenta uma abordagem qualitativa para postular uma

proposta de modelagem empírico-experimental da expertise em tradução. A partir

da escolha de um sujeito experto prototípico, definido a partir de parâmetros quan-

titativos, o capítulo descreve uma série de processos que evidenciam o desempenho

consistente de alto nível desse sujeito durante a execução de uma tarefa de tradução.

Os dados processuais, que registram o esforço de processamento, são obtidos por

meio do cruzamento de rastreamento de teclado e mouse (key logging), rastrea-

mento de movimentos oculares (eye tracking) e relatos retrospectivos. Pautados

pelo paradigma de triangulação de dados processuais em tradução (Alves, 2003),

esses dados fornecem informações sobre o ritmo cognitivo do tradutor (Jakobsen,

2002). Busca-se aferir também, por meio da análise dos relatos retrospectivos, a

capacidade de metarreflexão do tradutor e, assim, ilustrar como a atividade me-

tacognitiva e o comportamento autorregulatório guiam o tradutor no seu esforço

de processamento, mapeado em tempo real, com vistas à maximização de efeitos

cognitivos e à construção de semelhança interpretativa entre texto fonte e texto alvo.

1. A TEORIA DA RELEVÂNCIA APLICADA AOS ESTUDOS DA TRADUÇÃO

Com uma proposta inovadora no campo da pragmática, Sperber e Wilson

(1986/1995) desenvolvem o arcabouço da Teoria da Relevância postulando um

amálgama entre o modelo de código de Shannon e Weaver (1949) e o modelo in-

ferencial de Grice (1975). Um ponto central da teoria, resultante desse amálgama

conceitual, é o comportamento ostensivo-inferencial. Ostensão, segundo Sperber

e Wilson, consiste em tornar manifesto aquilo que se deseja comunicar. Inferência,

por sua vez, seria o resultado de um tipo especial de processamento que agregaria

ao insumo linguístico componentes contextuais num processo de enriquecimento

que contribuiu efetivamente para a construção de significado.

Um outro ponto central da Teoria da Relevância diz respeito à relação entre es-

forço do processamento e dos efeitos cognitivos decorrentes desse esforço. Sperber

e Wilson afirmam que a relevância de um estímulo cognitivo é determinada por dois

fatores fundamentais, quais sejam: o esforço necessário para que esse estímulo seja

processado de forma ótima e os efeitos que esse processamento ótimo alcança. Em

outras palavras, a relevância de um estímulo ostensivo para um indivíduo é vista

fabio alves 55

como uma função positiva sobre os efeitos cognitivos alcançados por meio do pro-

cessamento desse estímulo, ao passo que a quantidade de esforço envolvida nesse

processamento é vislumbrada como uma função negativa sobre os efeitos obtidos.

Gutt (1991/2000), em sua aplicação pioneira da Teoria da Relevância aos Estudos

da Tradução, afirma que Sperber e Wilson apresentam um arcabouço cognitivo que

parece ser central aos esforços comunicativos da espécie humana. Gutt acredita que

a contribuição mais significativa da Teoria da Relevância para os estudos da comuni-

cação humana é fornecer uma nova relação causa/efeito de natureza mental para a

compreensão desses processos comunicativos, entre os quais se insere o fenômeno

da tradução. Para Gutt (2000), a relação causal entre esforço de processamento e

efeitos cognitivos consegue prever com sucesso problemas comunicativos decorren-

tes da ausência de pistas comunicativas necessárias para construção de significado

em consistência com o princípio de relevância.

A partir da relação entre o esforço de processamento das pistas comunicativas

veiculadas pelo texto fonte para fins da geração de efeitos cognitivos semelhantes

no texto alvo, Gutt (1991/2000) propõe o conceito de semelhança interpretativa. A

Teoria da Relevância postula dois tipos de uso para representações mentais, quais

sejam, o uso descritivo e o uso interpretativo, a cada um dos quais corresponde um

tipo específico de semelhança em nível representacional. A semelhança descritiva

estabelece uma correlação entre um objeto (ou estado de coisas) e uma representação

mental, enquanto a semelhança interpretativa estabelece essa correlação entre duas

representações mentais. Gutt argumenta que a tradução é um caso de semelhança

interpretativa interlingual, no qual dois enunciados, ou, mais frequentemente, dois

estímulos ostensivos, assemelham-se interpretativamente, na medida em que com-

partilham suas explicaturas e/ou implicaturas. Para Gutt (1991/2000), a tarefa do

tradutor consiste em manifestar ostensivamente para sua audiência receptora no

texto alvo todos os aspectos relevantes que são comunicados ostensiva e inferen-

cialmente pelo texto fonte. Gutt (1991/2000) insiste que o principal objetivo de um

enunciado é veicular o conjunto de suposições que um emissor pretende comunicar

por meio de seu comportamento ostensivo. Portanto, a semelhança interpretativa

entre dois enunciados deve ser entendida com base nas suposições compartilhadas

entre as interpretações desses enunciados na língua fonte e na língua alvo.

Gutt (1991/2000) destaca ainda que a linguagem verbal humana codifica instru-

ções de processamento inferencial que, por meio de pistas comunicativas, guiam a

audiência receptora na direção entendida como sendo ostensivamente relevante. No

arcabouço relevantista, tais pistas comunicativas podem ser codificadas conceitual

ou procedimentalmente. Sabe-se que as informações codificadas conceitualmente

veiculam significado conceitual e podem ser estendidas em termos proposicionais.

Essas informações podem ser codificadas em categorias lexicais abertas (e.g.,

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...56

substantivos, adjetivos e verbos). Portanto, podem ser enriquecidas e contribuir

para o processamento inferencial de um enunciado. Por outro lado, as informações

codificadas procedimentalmente contribuem decisivamente para o processamento

de um enunciado por imporem restrições inferenciais. Em termos linguísticos, a in-

formação procedimental é codificada por meio de categorias morfológicas fechadas,

como negação, tempo verbal, determinantes e ordem vocabular.

Alves e Gonçalves (2003) apoiam-se nas propostas de Gutt (1991/2000) para de-

fender a posição que a perspectiva relevantista oferece condições para uma mudança

paradigmática nos estudos processuais da tradução, sobretudo no que diz respeito

às pesquisas voltadas para a solução de problemas e tomada de decisão por parte

de tradutores, sejam eles novatos ou profissionais experientes. Alves e Gonçalves

(2003) aplicam o referencial teórico e os instrumentos conceituais oferecidos pela

Teoria da Relevância para testar empiricamente o desempenho de tradutores em

tempo real. Em seus resultados, os autores encontram evidências para afirmar que

os processos de solução de problema e tomada de decisão em tradução podem

ser explicados como decorrente do processamento das codificações conceituais e

procedimentais presentes no texto fonte, tendo em vista sua veiculação no texto

alvo. Alves e Gonçalves (2003) defendem que tradutores precisam processar com

sucesso as informações codificadas conceitual e procedimentalmente, de forma

a identificar as instruções e restrições inferenciais veiculadas por enunciados no

texto fonte e construir significados no texto alvo que sejam interpretativamente

semelhantes àqueles veiculados pelo texto fonte. Em outras palavras, os tradutores

precisam encontrar formas de maximizar a manifestação mútua entre texto fonte

e texto alvo a fim de aumentar a probabilidade de sucesso na troca comunicativa

observada na prática tradutória.

De acordo com o arcabouço teórico relevantista, a relação entre esforço de

processamento e efeitos cognitivos em tradução visa à construção de semelhança

interpretativa pelo tradutor por meio do menor esforço processual necessário para se

alcançar o máximo de efeitos cognitivos possíveis. Esses efeitos cognitivos resultam

do processo de metarrepresentação do texto fonte pelo tradutor para a produção

de um texto alvo em consistência com o princípio de relevância.

Segundo Gutt (1991/2000), a necessidade de relacionar novas informações com

aquelas já conhecidas é denominada busca por relevância. Para que seja relevante, uma

informação deve estar ligada a outras informações detidas pelo indivíduo. Essas ligações

permitem que os indivíduos percebam informações como efeitos cognitivos, ou seja, o

resultado de processos inferenciais. Dentro desse quadro, os procedimentos de compre-

ensão vistos a partir da TR podem ser consolidados da seguinte forma: (1) siga o caminho

do mínimo esforço na busca de efeitos contextuais; (2) pare quando as expectativas

de relevância forem satisfeitas e você acreditar ter alcançado o significado pretendido.

fabio alves 57

O equilíbrio de efeitos cognitivos adequados sem o empreendimento de esforço

desnecessário é definido por Sperber e Wilson como uma instância de relevância óti-

ma. Esse procedimento de compreensão explica por que o ambiente cognitivo é tão

importante para o sucesso ou o fracasso da comunicação. Segundo Gutt (1991/2000),

é a natureza desse ambiente cognitivo que determina o caminho do menor esforço

necessário. Portanto, o modo como o procedimento de compreensão cognitiva funciona

estabelece uma relação de interdependência causal entre o texto, as informações con-

textuais acessíveis no ambiente cognitivo e a interpretação pretendida. Uma mudança

em qualquer desses três fatores afeta os demais. Para Gutt (1991/2000), as pistas comu-

nicativas são identificadas em relação ao papel que desempenham ao guiar a audiência

receptora em direção à intenção comunicativa do comunicador original. Portanto, a

identificação dessas pistas comunicativas não pode ser separada do processo de busca

da interpretação do texto fonte em consistência com o princípio de relevância.

Dando continuidade à reflexão, Gutt (2004) argumenta que o uso interpreta-

tivo da linguagem consiste na capacidade de se estabelecer correlação entre duas

representações mentais. Esse tipo de processo por meio do qual um comunicador,

com dada intenção informativa, veicula ostensivamente, por meio de um estímulo e

sob o respaldo de sua inserção em um ambiente cognitivo mutuamente manifesto,

uma informação aos participantes da troca comunicativa. Essa intenção comunica-

tiva é metarrepresentada pelo receptor na forma de pensamentos compreendidos.

Figura 1: Uso interpretativo da linguagem.

Fonte: Gutt (2004); traduzida por Carvalho Neto (2010).

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...58

De forma complementar, argumenta Gutt (2004), pode-se igualmente ilustrar

o processo de uso interpretativo interlingual, que incorpora a capacidade de me-

tarrepresentação em tradução.

Figura 2: Uso interpretativo da linguagem em contextos de tradução.

Fonte: Gutt (2004); traduzida por Carvalho Neto (2010).

A Figura 2 mostra que o tradutor precisa metarrepresentar tanto o contexto

comunicativo do texto fonte quanto o contexto comunicativo do texto alvo. Essa

capacidade de dupla metarrepresentação possibilita entender e explicar as facul-

dades mentais que capacitam o ser humano a traduzir, isto é, expressar em uma

língua aquilo que foi dito em outra. Gutt (2004) acrescenta que, uma vez que essas

capacidades sejam compreendidas, é possível entender não apenas a relação entre

estímulo e produto, mas, sobretudo, os efeitos que essas relações têm nas respectivas

audiências. O autor argumenta que a capacidade de gerar metarrepresentações é,

portanto, um pré-requisito cognitivo para a capacidade de tradução entre os seres

humanos e consiste em um princípio que se aplica mesmo nos casos de tradução,

em que comunicador original e audiência receptora não compartilham um ambiente

cognitivo mutuamente manifesto.

Com base no trabalho de Gutt (1991/2000), Alves e Gonçalves (2007) utilizam o

conceito de semelhança interpretativa para postular a existência de uma CT específica,

cujo grau de otimalidade está correlacionado com o grau de expertise em tradução.

Alves e Gonçalves (2007) argumentam que a modelagem da CT pressupõe uma CT

geral e uma CT específica. Enquanto à primeira subjazem aspectos genéricos e, por-

tanto, de natureza componencial, à segunda, baseada em estudos sobre desempenho

experto, subjaz a capacidade de se saber escolher, com rapidez e segurança e por meio

da resolução de problemas e da tomada de decisões, uma alternativa de tradução entre

fabio alves 59

uma série de alternativas viáveis. Nesse amálgama entre aspectos componenciais e

minimalistas, o modelo de CT proposto por Alves e Gonçalves (2007) incorpora di-

versos subcomponentes para a estrutura do que os autores denominam de CT geral

e, ao mesmo tempo, adota, com o aporte de fundamentos da Teoria da Relevância,

uma visão minimalista que os autores chamam de CT específica. Dessa forma, sem

abrir mão de uma modelagem componencial, Alves e Gonçalves (2007) aproximam

o foco da modelagem da expertise em tradução a uma perspectiva minimalista (Pym

2003) e às pesquisas desenvolvidas no campo dos estudos sobre conhecimento experto

(Ericsson, 2000; Ericsson et al., 2006; Shreve, 2006).

Este capítulo incide exatamente no processo de busca da interpretação do texto

fonte em consistência com o princípio de relevância por meio de processos de metar-

representação. Para tanto, desenvolve-se um estudo de caso de natureza qualitativa

com foco no desempenho de um único tradutor. A escolha desse sujeito, definida a

partir de parâmetros especificados na seção de metodologia, tem por objetivo mode-

lar o conceito de semelhança interpretativa a partir de uma perspectiva processual,

orientada pela capacidade de metarrepresentação do sujeito tradutor, a fim de ilustrar

como tradutores processam informações codificadas conceitual e procedimentalmente

em textos fonte e, com base na relação esforço/efeito, produzem textos alvo que se

assemelham interpretativamente aos seus respectivos textos fonte. Em outras pala-

vras, o estudo de caso busca descrever como um tradutor experto envida esforços

de processamento para gerar efeitos cognitivos e como esses esforços se relacionam

à forma como este tradutor metarrepresenta tanto o texto fonte quanto o texto alvo

com o intuito de construir significado ao longo do processo de tradução.

2. METODOLOGIA PARA INVESTIGAÇÃO EMPÍRICO-EXPERIMENTAL DO PROCESSO TRADUTÓRIO

No campo disciplinar dos estudos da tradução, a abordagem processual, pautada

por um paradigma empírico-experimental, é relativamente recente. Os primeiros

trabalhos datam da década de 1980 (Krings, 1986; Königs, 1987) e utilizam dados

coletados por gravações de relatos concomitantes à execução da tarefa tradutória,

conhecidos como TAPs, acrônimo em inglês para think-aloud protocols. Somente no

final da década de 1990, com o desenvolvimento de software específico (Translog)

para a captura de registros de teclado e mouse (key logging) em tempo real (Jakobsen,

1999) é que se torna exequível a investigação em tempo real dos processos cogni-

tivos subjacentes à execução de tarefas tradutórias. A combinação de registrados

de teclado e mouse (key logging) em tempo real e de relatos retrospectivos, conco-

mitantes ou retrospectivos, propicia o desenvolvimento da triangulação de dados

nos estudos processuais da tradução.

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...60

O uso combinado de métodos quantitativos e qualitativos sob uma perspectiva

de complementaridade é conhecido como triangulação de dados. O termo tem ori-

gem nas técnicas de navegação e na estratégia militar: ambas se utilizam de pontos

de referência múltiplos para localizar a posição exata de um determinado objeto

no espaço (Jakobsen 1999). Por analogia, investigar um mesmo objeto por meio

de dados coletados e interpretados por meio de métodos diferentes aumenta as

chances de sucesso do pesquisador em sua tentativa de observação, compreensão

e explicação de um determinado fenômeno. A triangulação de dados apresenta-se,

assim, como uma alternativa metodológica para pesquisas empírico-experimen-

tais em tradução que almejam descrever, com objetividade, as características do

processo tradutório, sem, porém, desprezar a natureza subjetiva desse processo.

Procura-se, dessa forma, identificar convergências e divergências nas análises de

natureza quantitativa e qualitativa e, por meio do cruzamento dos dados obtidos

por intermédio de abordagens metodológicas múltiplas, chegar a resultados mais

confiáveis, mais generalizáveis e, por conseguinte, com maiores condições de con-

tribuir para elucidar questões cruciais para os estudos da tradução.

As pesquisas realizadas no Laboratório Experimental de Tradução (LETRA) da

Universidade Federal de Minas Gerais utilizam, há mais de dez anos, o paradigma da

triangulação com o objetivo de mapear o processo tradutório e modelar a expertise em

tradução, vista como uma atividade cognitiva associada a parâmetros de desempenho

experto. Os instrumentos de coleta de dados utilizados pelo LETRA consistem em: (1)

questionários prospectivos para identificar o perfil dos sujeitos que participam dos ex-

perimentos conduzidos pelo laboratório; (2) o registro em tempo real de movimentos

de teclado e de mouse (key logging), bem como medidas dos tempos despendidos nesses

acionamentos ou em momentos de aparente ausência de atividade (pausas), por meio

do software Translog; (3) o rastreamento ocular (eye tracking) da leitura tanto do texto

fonte quanto do texto alvo e de fontes de apoio externo utilizadas ao longo do processo

tradutório. Por meio de software específico, o número e a duração das fixações oculares,

assim como os movimentos sacádicos, são registrados em tempo real e permitem a loca-

lização da sequência de movimentos oculares ao longo do processo de leitura na tarefa

como um todo ou em áreas de interesse (AOI) específicas; (4) a gravação de relatos

retrospectivos, livres e guiados, imediatamente após o término da tarefa de tradução.

Tais relatos retrospectivos são gravados em conjunto com rastreamento ocular de forma

a permitir a localização dos pontos de fixação do sujeito no texto fonte e no texto alvo

enquanto relata suas impressões sobre a tarefa recém-terminada, fornecendo evidências

de atividade metacognitiva; (5) a anotação dos arquivos com registro de ações de teclado

e mouse (key logging) pelo Sistema Litterae com o objetivo de identificar e classificar

unidades de tradução prototípicas. O Sistema Litterae possibilita a anotação e posterior

identificação dos padrões típicos de redação e revisão de tradutores.

fabio alves 61

Alves e Vale (2009, 2011) delimitam a unidade de tradução (UT) a partir de uma

fase de leitura, representada por um intervalo de pausa no registro de teclado ou por

registros de movimento ocular, seguida por uma fase de escrita de produção textual,

representada por uma sequência contínua de eventos no registro de teclado. Uma UT

é delimitada por intervalos de pausa. Para delimitar unidades de tradução, utiliza-se

neste capítulo um valor de pausa de 2.4 segundos, indicado por Jakobsen (2005)

como sendo um valor de pausa prototípico para fins de aferição de desempenhos

de pico (peak performance) e, consequentemente de expertise em tradução. Cada

intervalo de pausa igual ou maior que 2.4 segundos gera uma nova UT.

A pausa em questão pode ser uma pausa para planejar, para pensar em um

equivalente de tradução alternativo, para avaliar a versão corrente do texto alvo ou

para ler algum segmento do texto fonte. Com o desenrolar da tradução, um seg-

mento do texto alvo previamente traduzido pode sofrer revisão – ser substituído,

alterado ou excluído – ou mesmo passar por diversas releituras durante avaliações

e consultas sem que sejam feitas quaisquer alterações. Nos casos em que o tradutor

se concentra duas ou mais vezes no mesmo segmento do texto fonte (i.e., quando

ocorrem revisões ou exclusões), duas ou mais unidades de tradução afetam o mesmo

segmento do texto alvo. Esse processo recursivo de produção textual, envolvendo

leitura e escrita, permite observar dois tipos de UTs: a microunidade de tradução

(micro UT), que consiste em segmentos específicos do processo cognitivo delimitados

pelo ritmo cognitivo do tradutor, e a macrounidade de tradução (macro UT), que se

refere ao conjunto de micro UTs relacionadas a uma primeira tentativa de tradução.

Alves e Vale (2009, 2011) operacionalizam a micro UT como um segmento

contínuo na produção do texto alvo, incluindo a pausa que o antecede. De forma

complementar, a macro UT é constituída pelo conjunto de todas as micro UTs cujo

foco de atenção recai sobre o mesmo segmento do texto fonte, desde a redação de

um equivalente no texto alvo, passando por todas as alterações do segmento, até a

última revisão escrita do segmento que resulta no segmento equivalente mantido

na versão final do texto alvo. Em outras palavras, a macro UT é operacionalizada

como uma entidade que engloba todos os segmentos de produção textual em que

se redigem, se substituem ou se excluem segmentos do texto alvo equivalentes ao

mesmo segmento do texto fonte.

Alves, Gonçalves e Szpak (2012) apresentam uma proposta metodológica com-

plementar ao trabalho de Alves e Vale (2009, 2013), buscando aplicar os conceitos

de micro e macro UTs a dados gerados por rastreamento de movimentos oculares

(eye tracking). Os autores partem de uma abordagem indutiva para selecionar pro-

blemas de tradução por meio da sobreposição de mapas de calor (heat maps) de

um conjunto de dados processuais de oito tradutores profissionais.

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...62

Neste capítulo, os conceitos de micro e macro UTs são utilizados para descrever

o processo tradutório por meio de dados de rastreamento de teclado e mouse (key

logging), rastreamento ocular (eye tracking) e relatos retrospectivos. Inicialmente,

o desempenho dos tradutores é mapeado por meio de micro UTs registradas pelo

rastreamento de teclado e mouse. Na sequência, expandindo a proposta de Alves,

Gonçalves e Szpak (2012), essas micro UTs são correlacionadas à tradução de oito

áreas de interesse (AOI), e cada uma dessas AOIs configurando o equivalente a uma

macro UT. Desta forma, é possível identificar entre um grupo de oito tradutores

um sujeito cujo desempenho é considerado prototípico em termos de desempenho

experto. Os dados desse sujeito experto são analisados detalhadamente com o obje-

tivo de ilustrar como o esforço de processamento relaciona-se à geração de efeitos

cognitivos. Busca-se explicar, pelo viés da Teoria da Relevância, como a capacidade

de metarrepresentação de um tradutor experto guia esse sujeito na busca por seme-

lhança interpretativa mediada pela relação esforço/efeito em tradução. A próxima

seção descreve os passos metodológicos para a identificação de um tradutor experto.

2.1 PARÂMETROS METODOLÓGICOS PARA A IDENTIFICAÇÃO DE UM TRADUTOR EXPERTO

Alves e Gonçalves (2013) analisam o desempenho de um conjunto de oito tra-

dutores quando realizam tarefas de tradução direta e inversa sobre um texto sobre

anemia falciforme, relacionado ao domínio médico. Os autores utilizam os conceitos

de codificação conceitual e codificação procedimental, propostos pela Teoria da

Relevância, para investigar experimentalmente qual desses tipos de codificação

exige maior esforço de processamento. Alves e Gonçalves (2013) concluem que

as instâncias de codificação procesimental demandam maior esforço de processa-

mento e comprovam, assim, um dos pressupostos da teoria de Sperber e Wilson

(1986/1995). Neste capítulo, esse mesmo grupo de oito tradutores profissionais

volta a executar outra tarefa de tradução direta, do inglês para o português, desta

vez a partir de um texto fonte sobre características físicas do amassamento de uma

folha de papel, vinculado ao gênero popularização da ciência.

O texto fonte, sem título, foi publicado na Revista Scientific American e tem 186

palavras (956 caracteres). O primeiro parágrafo tem 77 palavras (405 caracteres), en-

quanto o segundo parágrafo, um pouco mais longo, contém 109 palavras (551 caracteres).

Crumpling a sheet of paper seems simple and doesn’t require much effort, but explaining the crumpled ball’s behavior is another matter entirely. Once a paper ball is scrunched, it is more than 75 percent air. Yet it displays surprising strength and resists further compression, a fact that

fabio alves 63

has confounded physicists. A report in Physical Review Letters, though, describes one aspect of the behavior of crumpled sheets: changes in their size in relation to the force they withstand.A crushed thin sheet is essentially a mass of conical points connected by curved ridges, which store energy. In the event of further compression of the sheet these ridges collapse and smaller ones form, increasing the amount of stored energy within the wad. Scientists at the University of Chicago modeled the relation between compression force and ball size. The researchers crumpled a sheet of thin aluminized Mylar and then placed it inside a cylinder equipped with a piston to crush the sheet. Instead of collapsing to a final fixed size, the height of the crushed ball continued to decrease, even three weeks after the researchers had applied the weight.

Fonte: Scientific American (itálico destaca codificações conceituais e procedimentais)

Era de se esperar que, sendo 18% mais longo que o primeiro parágrafo, o se-

gundo parágrafo exigisse mais tempo para ser traduzido. Contudo, ao se examinar

as codificações conceituais e procedimentais no texto fonte, observa-se que o

primeiro parágrafo contém uma série de codificações procedimentais, veiculadas

pelos conectores “but”, “once”, “yet”, “though” e por sinais de pontuação (vírgulas e

dois pontos), que exigiriam esforço de processamento com foco nessas instruções

procedimentais. Por outro lado, uma vez resolvidas as questões procedimentais

presentes no primeiro parágrafo, o esforço de processamento no segundo parágra-

fo, apesar de sua maior extensão, estaria relacionado mais especificamente a duas

ocorrências de codificação conceitual, veiculadas pelos grupos nominais “curved

ridges” e “a sheet of thin aluminized Mylar”.

De acordo com premissas de relevância, pautadas pela relação entre esforço de

processamento e efeitos cognitivos, é possível levantar uma primeira hipótese que o

primeiro parágrafo, por veicular um maior número de codificações procedimentais,

exigiria mais esforço para ser traduzido. Parte-se da premissa que os conectores “but”,

“once”, “yet”, “though” e os sinais de pontuação (vírgulas e dois pontos) precisam

ser processados em conjuntos para garantir a coesão do texto alvo. Esse esforço

de processamento seria mensurado não apenas em termos do tempo investido na

execução da tarefa, mas também pelos índices de recursividade observados no

desempenho do tradutor para fins de construção de uma cadeia coesiva com alto

nível de semelhança interpretativa no texto alvo.

Consoante premissas de relevância, pautadas pela relação entre esforço de pro-

cessamento e efeitos cognitivos, levanta-se como segunda hipótese que o segundo

parágrafo, por ter um menor número de codificações procedimentais na construção na

sua rede coesiva e por veicular duas novas codificações conceituais, exigiria, apesar do

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...64

seu maior tamanho, menos esforço para ser traduzido. Esse esforço de processamento

seria mensurado não apenas em termos do tempo investido na execução da tarefa, mas

também pelos índices de recursividade observados no desempenho do tradutor para

fins de uma produção textual com alto nível de semelhança interpretativa no texto alvo.

A Tabela 1 apresenta dados relativos à duração da tarefa tradutória tanto em ter-

mos do tempo total despendido por cada um dos oito tradutores quanto em relação

ao tempo gasto na tradução de cada parágrafo. Os números da Tabela 1 apontam

para um tempo médio total de 1.187 segundos para a execução da tarefa tradutória.

Em média, 548 segundos, 46.2% do tempo total, foram alocados ao primeiro pará-

grafo, enquanto 639 segundos, 53.8% do tempo total, foram gastos na tradução do

segundo parágrafo, uma diferença de 7.6% a mais no tempo médio gasto na tradução

do segundo parágrafo. Levando-se em consideração que o segundo parágrafo é 18%

maior que o primeiro parágrafo em número de palavras, há uma diferença negativa

entre o tamanho relativo do texto fonte e o tempo relativo gasto na tradução de cada

parágrafo. Essa diferença negativa tenderia a indicar que o primeiro parágrafo requer

mais esforço de processamento, uma vez que os tradutores necessitam um tempo

médio de 548 segundos para traduzir 77 palavras, ou seja, 8.4 palavras por minuto e

639 segundos para traduzir 109 palavras, ou seja, traduzem 10.3 palavras por minuto.

Tabela 1: Tempo de execução da tarefa (valores absolutos e relativos em segundos).

SujeitoTempoTotal

(100%)

TempoPrimeiro

Parágrafo

TempoSegundo

Parágrafo

Relação Tempo1º§/2º§

Jane 1517 703 (46.3%) 814 (53.7%) 1º§ < 2º§

Cycy 966 421 (43.6%) 545 (56.4%) 1º§ < 2º§

Adam 1751 1059 (60.5%) 692 (39.5%) 1º§ > 2º§

Jim 681 270 (39.6%) 411 (60.4%) 1º§ < 2º§

Mona 609 224 (36.8%) 385 (63.2%) 1º§ < 2º§

Will 1704 627 (36.8%) 1077 (63.2%) 1º§ < 2º§

Tess 1229 529(43.1%) 700 (59.9%) 1º§ < 2º§

Rui 1037 543 (52.4%) 494 (47.6%) 1º§ > 2º§

Tempo médio 1187 548 (46.2%) 639 (53.8%)

fabio alves 65

Dentre os oito tradutores, seis deles apresentam números individuais muito

próximos às médias. Apenas dois tradutores, Adam e Rui, têm desempenho dife-

renciado e gastam mais tempo, em termos absolutos e relativos, na tradução do

primeiro parágrafo. O desempenho de Adam sugere um esforço de processamento

ainda mais diferenciado do restante da amostra. Além de ser o sujeito que mais tempo

gasta para a execução da tarefa, Adam é aquele que apresenta a maior relação de

tempo investido entre os dois parágrafos: 60.5% para traduzir o primeiro parágrafo

e 39.5% para traduzir o segundo parágrafo, ou seja, 4.4 palavras por minuto para

traduzir o primeiro parágrafo e 9.5 palavras por minuto para o segundo parágrafo.

Portanto, é o tradutor com o maior esforço de processamento em termos de tempo

investido na execução da tarefa.

Porém, a duração da tarefa não é o único indicador a ser levado em consideração

para a delimitação de esforço de processamento. Alves e Gonçalves (2013) sugerem

que indicadores de distância também precisam ser levados em consideração. Tais

indicadores evidenciam esforço de processamento em termos de recursividade, ou

seja, quantas revisões são necessárias para que uma determinada micro UT alcance

sua forma final e em que fase do processo tradutório essas revisões acontecem. Alves

e Gonçalves (2013) apresentam uma taxonomia de quatro tipos de macro UTs: P0, P1,

P2 e P3. Macro UTs do tipo P0 equivalem a micro UTs. São casos em que o processo

de tradução ocorre em fluxo e sem interrupções, gerando uma primeira solução de

tradução durável que é mantida no texto alvo. Macro UTs do tipo P1 ocorrem quando

mais que uma micro UT se faz necessária para que se alcance a tradução apresentada

no texto alvo. Porém, todas essas alterações observadas em P1 ocorrem na fase de

redação. Alves e Gonçalves apontam que macro UTs do tipo P0 e P1 são os tipos mais

frequentes no processo tradutório e seriam, portanto, unidades prototípicas. Macro

UTs do tipo P2 e P3 são menos frequentes e envolveriam movimentos recursivos

na fase de revisão final. Contudo, enquanto macro UTs do tipo P2 consistiriam em

uma única produção na fase de redação seguida de uma ou mais edições na fase de

revisão, sugerindo uma tradução com menor atividade metacognitiva, macro UTs do

tipo P3 apresentariam múltiplas edições tanto na fase de redação quanto na fase de

revisão. Seriam, portanto, macro UTs que mais exigiriam esforço de processamento,

envolvendo comportamento autorregulatório e atividade metacognitiva.

Para fins de classificação dos tipos de macro UTs, foram identificadas oito áreas

de interesse (AOIs) no texto fonte a serem mapeadas por meio de rastreamento

de toques de teclado e mouse (key logging) e rastreamento ocular (eye tracking).

Levaram-se em consideração as codificações conceituais e procedimentais identi-

ficadas no texto fonte, dividindo-o em oito áreas de interesse, quais sejam:

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...66

Figura 3: Áreas de Interesse (AOI) identificadas a partir de ocorrências de codificações conceituais e procedimentais.

Retomando a discussão teórica sobre codificações conceituais e procedimentais,

observa-se que as seis primeiras AOIs configuram a totalidade do primeiro parágrafo,

contendo seis áreas de interesse cujo foco de atenção recai sobre os conectores

“but”, “once”, “yet”, “though” e por sinais de pontuação (vírgulas e dois pontos).

Parte-se do pressuposto de que há uma cadeia coesiva ligada por esses codificadores

procedimentais cujo processamento está intrinsecamente relacionado. Portanto,

a tradução de um codificador procedimental tem o potencial de alterar a tradução

de outros codificadores procedimentais a fim de garantir a manutenção da rede

coesiva e a coerência textual por ela criada. Por outro lado, o segundo parágrafo

não apresenta uma rede coesiva similar. Suas 109 palavras estão distribuídas em

orações independentes que dão sequência à argumentação lógica introduzida no

primeiro parágrafo. Os dois pontos mais problemáticos, em termos de tradução,

seriam grupos nominais com codificações conceituais, quais sejam, os grupos no-

minais “curved ridges” e “a sheet of thin aluminized Mylar”.

A Tabela 2 apresenta dados de rastreamento de teclado e mouse (key logging)

de acordo com o número de micro UTs processadas pelos oito tradutores. Apresenta

ainda o número de micro UTs para cada área de interesse (AOI), assim como o nú-

mero de micro UTs que estão fora dessas AOIs e complementam o número total de

micro UTs necessárias para a execução da tarefa.

fabio alves 67

Tabela 2: Número de micro UTs (valores absolutos e relativos) em AOIs selecionadas (pasa = 2.4 seg.)

SujeitoMicro

UTsAOI_1 AOI_2 AOI_3 AOI_4 AOI_5 AOI_6 AOI_7 AOI_8

Outras

UTs

Jane82

(100%)3

(3.7%) P1

7 (8.5%)

P1

4 (4.9%)

P1

6 (7.3%)

P1

6 (7.3%)

P3

5 (6.1%)

P1

6 (7.3%)

P1

4 (4.9%)

P1

41 (50.0%)

Cicy57

(100%)4

(7.0%) P1

3 (5.3%) P1

5 (8.7%)

P1

2 (3.5%)

P1

7 (12.3%)

P1

5 (8.7%)

P1

3 (5.3%)

P1

3 (5.3%)

p1

25 (43.9%)

Adam108

(100%)8

(7.4%) P1

10 (9.3%)

P1

17 (15.8%)

P1

15 (13.9%)

P3

9 (8.3%)

P3

4 (3.7%)

P1

7 (6.4%)

P1

4 (3.7%)

P1

34 (31.5%)

Jim33

(100%)1

(30%) P0

5 (15.2%)

P1

3 (9.1%)

P1

1 (3.0%)

P0

3 (9.1%)

P1

2 (6.0%)

P1

3 (9.1%)

P3

1 (3.0%)

P0

14 (42.5%)

Mona26

(100%)1

(3.8%) P0

1 (3.8%)

P0

2 (7.7%)

P1

1 (3.8%)

P0

2 (7.7%)

P1

2 (7.7%)

P1

3 (11.6%)

P2

2 (7.7%)

P2

12 (46.2%)

Will92

(100%)5

(5.4%) P3

2 (2.3%)

P1

7 (7.6%)

P3

3 (3.2%)

P3

6 (6.5%)

P3

8 (8.7%)

P3

3 (3.4%)

P3

3 (3.3%)

P1

55 (59.6%)

Tess63

(100%)8

(12.7%) P1

2 (3.2%)

P1

4 (6.3%)

P1

2 (3.2%)

P1

3 (4.8%)

P1

2 (3.2%)

P1

4 (6.3%)

P1

1 (1.6%)

P0

37 (58.7%)

Rui61

(100%)7

(11.5%) P1

9 (14.8%)

P3

3 (4.9%)

P1

2 (3.3%)

P1

3 (4.9%)

P1

2 (3.3%)

P1

3 (4.9%)

P1

1 (1.6%)

P0

31 (50.8%)

Legenda: P0, P1, P2 e P3 (tipos dc macro UTs; definigfio no corpo do texto)

Assim como quando da análise do tempo investido na execução da tarefa, a

análise do número de micro UTs, isoladas ou agrupadas por AOI, indica novamente

que Adam diferencia-se dos demais tradutores em termos de desempenho. Adam

apresenta um processo segmentado em 108 micro UTs. Além de este ser o número

mais elevado de micro UTs entre os oito sujeitos, Adam gasta 69.5% do tempo de

execução da tarefa nas oito AOIs selecionadas e dedica 31.5% do tempo para a

tradução do restante do texto. Trata-se de uma relação diferenciada daquela regis-

trada na Tabela 2 para os outros sete sujeitos. A alocação de dois terços do tempo

investido na tarefa de tradução para as AOIS 1-8 parece indicar que esses foram os

pontos de maior esforço para Adam.

Sintetizando esses dados, observa-se que Adam diferencia-se dos demais su-

jeitos em termos do tempo dedicado à execução da tarefa, em relação aos tempos

dispendidos no primeiro e no segundo parágrafo, no número de micro UTs necessá-

rias para a execução da tarefa e no tempo total dedicado à tradução das oito AOIs

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...68

selecionadas em relação ao tempo total da tarefa. Este conjunto de indicadores

sugere que, entre os oito sujeitos, Adam é o tradutor que mais se destaca em termos

de esforço de processamento. Em função dessas características, o desempenho de

Adam será analisado em profundidade na próxima seção com o objetivo de aferir

padrões de recursividade e níveis de metarrepresentação da tarefa.

Do ponto de vista teórico, os conceitos de recursividade e metarrepresentação

podem ser considerados respectivamente análogos aos conceitos de comporta-

menteo autorregulatório e atividade metacognitiva postulados por Ericsson et

al. (2006) para fins de caracterização de desempenho consistente de alto nível.

Argumenta-se, portanto, que o desempenho consistente de alto nível em tradução

pode ser aferido pela relação entre esforço de processamento, medida pelo tempo

investido na tarefa, pelos padrões de recursividade, aferido pelo processamento de

codificadores conceituais e procedimentais e pelos níveis de metarrepresentação

da tarefa registrados por meio dos relatos retrospectivos.

3. UMA ANÁLISE QUALITATIVA DA RELAÇÃO ENTRE ESFORÇO/EFEITO E METARREPRESENTAÇÃO EM TRADUÇÃO

Uma vez definida a escolha de Adam como exemplo prototípico de um sujeito

com desempenho consistente de alto nível com base em parâmetros quantitativos,

esta seção dedica-se a uma análise qualitativa do desempenho desse tradutor. Como

primeiro passo da análise, o mapa de calor (heat map) apresentado na Figura 4

indica que há mais esforço de processamento no primeiro parágrafo. Assume-se,

para fins de medição de esforço de processamento, a relação entre movimentos

oculares e esforço de processamento (eye-mind assumption) proposta por Just e

Carpenter (1980). Quanto maior o número e a duração de fixações oculares, maior

o esforço de processamento. Um mapa de calor indica pontos onde a concentração

de fixações oculares ocorre em maior número. Quando se utilizam cores, há uma

gradação que vai do verde (indicando um número menor de fixações oculares) ao

vermelho (indicando um número alto de fixações oculares), passando pelo amarelo e

laranja. Em preto e branco, essas áreas com maior ou menor fixação são vistas numa

escala de tons de cinza. As áreas brancas (ou amarelas, quando coloridas) apontam

para um número de fixações acima da média enquanto que as áreas cinza escuro

(laranja ou vermelho, quando coloridas) indicam um número alto de fixações. As

áreas cinza claro (verde, quando coloridas) retratam um número baixo de fixações.

Para geração do mapa de calor na Figura 4, consideram-se fixações oculares pontos

com duração acima de 250ms (Rayner e Sereno, 1994).

fabio alves 69

Figura 4: Mapa de calor (heat map) do desempenho de Adam.

O mapa de calor na Figura 4 mostra que há mais concentração de fixações na

parte da tela correspondente ao texto alvo. Os pontos de fixação mais destacados

coincidem com aqueles pontos determinados pelas AOIs 1 a 6. No segundo parágrafo,

as fixações estão mais equilibradas entre o texto fonte e o texto alvo e indicem,

sobretudo, nos pontos determinados pelas AOIs 7 e 8. Esses dados corroboram

qualitativamente dados apontados anteriormente quando da análise do conjunto

de oito tradutores e sugerem que o desempenho de Adam na tradução das AOIs 1-8

pode ser analisado em relação aos indicadores decorrentes de registros de toque de

teclado e mouse (key logging) e a registros de movimentos oculares (eye tracking).

Dando continuidade à análise qualitativa, a Figura 5 apresenta oito mapas de

calor, um para cada AOI selecionada. Observa-se que, em todas elas, há maior número

de fixações na parte da tela correspondente ao texto alvo. Trata-se de um resultado

corroborado por outras pesquisas sobre o processo de tradução que utilizam ras-

treamento ocular. Carl e Dragsed (2012), por exemplo, sugerem que a ocorrência de

um maior número de fixações no texto alvo indica que a tradução é uma atividade

cognitiva direcionada a partir de problemas de instanciação no texto alvo ao invés de

decorrer de problemas de compreensão do texto fonte. Entre as AOIs selecionadas,

observa-se ainda que parece haver mais esforço de processsamento nas AOIs 4 e 5,

onde as fixações oculares apresentam-se em tons mais escuros e mais distribuídos

nos respectivos trechos do texto alvo. Cabe antecipar que, a exemplo do que será

analisado mais adiante, as AOIs 4 e 5 são aquelas com maior número de micro UTs,

correspondem a unidades do tipo P3 (cf. Tabela 2) e apresentam o maior número de

soluções intermediárias durante o processo de tradução. As AOIs 1, 2, 3 e 6 apresen-

tam mapas de calor com uma configuração aproximada indicando maior número de

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...70

fixações no texto alvo e distribuídas ao longo dessas AOIs de forma equilibrada. Todas

elas, contudo, apresentam um ponto de fixação preponderante, destacado pela cor

mais escura. Conforme mencionado, esses pontos mais escuros, com maior concen-

tração de fixações oculares, estão relacionados aos codificadores procedimentais

descritos anteriormente. Trata-se de uma comprovação empírica que o esforço de

processamentos nas AOIs 1 a 6 é motivado pelos codificadores procedimentais e que

sua instanciação no texto alvo parecer exigir mais esforço de processamento que sua

compreensão por meio da leitura de segmentos correlatos no texto fonte.

Figura 5: Mapas de calor do desempenho de Adam por Área de Interesse (AOI).

fabio alves 71

A Figura 6 replica com outras imagens a análise das AOIs selecionadas feita na

Figura 5 e apresenta uma plotagem dos movimentos oculares de Adam em cada

uma das AOIs. Essa plotagem é feita a partir de fixações oculares e movimentos

sacádicos. Os círculos indicam fixações oculares. Quanto maior o tamanho de um

círculo, maior a duração da fixação. Os círculos são numerados sequencialmente a

fim de identicar ocorrências ao longo do processo.

Figura 6: Plotagem ocular (gaze plots) do desempenho de Adam por Área de Interesse (AOI).

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...72

Esses números não são passíveis de identificação na Figura 6, devido à neces-

sária redução de tamanho da figura, mas isto não impede que a argumentação aqui

desenvolvida seja seguida pelo leitor. As linhas cruzadas contectam as fixações

oculares e unem focos de leitura no texto fonte com focos de escrita no texto alvo.

Observa-se ainda que parece haver mais esforço de processsamento nas AOIs 4

e 5, onde o número de movimentos oculares entre o texto fonte e o texto alvo

ocorre em maior número. Esses movimentos indicam padrões de recursividade na

leitura e na escrita. Conforme mencionado, no desempenho de Adam as AOIs 4 e

5 são aquelas com maior número de micro UTs, correspondem a unidades do tipo

P3 (cf. Tabela 2) e apresentam o maior número de soluções intermediárias durante

o processo de tradução. São, portanto, instâncias do processo tradutório onde o

grau de recursividade é mais alto. As AOIs 1, 2, 3 e 6 apresentam uma plotagem de

movimentos oculares com uma configuração aproximada indicando maior número

de movimentos no texto alvo. Como demonstrado por meio dos mapas de calor,

tem-se aqui outra comprovação empírica de que o esforço de processamentos nas

AOIs 1 a 6 é motivado pelos codificadores procedimentais e que sua instanciação no

texto alvo parecer exigir mais esforço de processamento que sua compreensão por

meio da leitura de segmentos correlatos no texto fonte. Por outro lado, as AOIs 7 e 8

parecem ter um padrão de processamento diferenciado. Em ambas, os movimentos

oculares de Adam incidem sobre trecho isolados no texto fonte que correspondem a

“curved ridges” na AOI_7 e “a sheet of thin aluminized Mylar” na AOI_8. São pontos

que também se destacam nos mapas de calor na Figura 5 e parecem indicar um

processamento mais isolado dos codificadores conceituais. Como será descrito mais

adiante, a AOI_7 e a AOI_8 exigem que o tradutor faça consultas a fontes de apoio

externo para solucionar os problemas de tradução. Obviamente, tais consultas de-

mandam tempo. Contudo, o tempo investido nas AOIs 7 e 8 tem uma característica

distinta do tempo investido nas AOIs 1 a 6. Enquanto praticamente não há consultas

a fontes de apoio externo durante a tradução das AOIs 1 a 6 e o tempo dispendido

na tarefa é utilizado recursivamente em diferentes tentativas de textualização, nas

AOIs 7 e 8 o tempo gasto é utilizado primordialmente para consulta a fontes de apoio

externo com o intuito de encontrar um equivalente lexical. A fim de solucionar um

problema de natureza enciclopédica, os movimentos do tradutor recaem, sobretudo,

sobre um trecho isolado nos textos fonte e alvo que correspondem às ocorrências

lexicais para “curved ridges” na AOI_7 e “a sheet of thin aluminized Mylar” na AOI_8.

Consoante os pressupostos relevantistas, o desempenho de Adam confirma

as hipóteses formuladas por Alves e Gonçalves (2013) e os resultados obtidos por

aqueles autores. Evidencia-se que o esforço de processamento de Adam incide,

sobretudo, sobre codificadores procedimentais, concentra-se primordialmente no

primeiro parágrafo e apresenta um maior índice de recursividade para as AOIs 1 a

fabio alves 73

6. Os dados complementam os resultados de Alves e Gonçalves (2013), apontando

que as instâncias de codificação conceitual têm um esforço de processamento mais

localizado e, portanto, com menor impacto no processamento distribuído registrado

ao longo da tarefa de tradução.

Se o esforço de processamento parece incidir em maior grau sobre codifica-

dores procedimentais, cabe agora refletir sobre os efeitos cognitivos gerados em

decorrência desse aumento no nível de esforço. Segundo a Teoria da Relevância, o

esforço de processamento não deve ultrapassar o esforço mínimo necessário para

a geração do máximo de efeitos cognitivos possíveis. Trata-se, sobretudo, de uma

relação deteminada pela metarrepresentação que o tradutor faz tanto do texto alvo

quanto do texto fonte. A fim de aferir a atividade metacognitica necessária para se

gerar a metarrepresentação da tarefa, serão utilizados relatos retrospectivos coletados

imediatamente após o término da tarefa de tradução. Esses relatos foram gravados

a partir da vizualização pelo tradutor de arquivo com som e imagens do processo de

tradução. Durante a retrospecção, são visualizadas todas as edições realizadas pelo

sujeito (apagamentos, substituições, etc.), assim como todas as fontes de consulta

externa utilizadas ao longo do processo. Os relatos retrospectivos são gravados em

conjunto com o rastreamento ocular do sujeito com o objetivo de aferir se os movi-

mentos oculares acompanham os pontos no texto sobre os quais o sujeito discorre.

Apresenta-se, a seguir, uma descrição do desempenho de Adam para cada

uma das oito AOIs selecionadas. Para cada AOI, serão apresentadas as micro UTs

intermediárias e finais que correspondem ao produto final veiculado no texto alvo,

acompanhadas em colchetes por informação da ordem sequencial dessas micro UTs

ao longo do processo de tradução, seguidas de registros das soluções intermediárias

até se alcançar o produto final. O conjunto de informações processuais para cada

AOI será cotejado por trechos do relato retrospectivo de Adam. O objetivo desse

cotejo é identificar o nível de atividade metacognitiva do tradutor. Consoante os

estudos sobre conhecimento experto (Ericsson et al., 2006), parte-se do pressuposto

de que o desempenho consistente de alto nível é decorrente de um equilíbrio entre

comportamento autorregulatório e atividade metacognitiva. Nesse sentido, espe-

ra-se que Adam apresente relatos retrospectivos consistentes com os movimentos

recursivos observados em cada uma das oito AOIs.

O processo de tradução de Adam está registrado nos anexos deste capítulo que

incluem a representação linear completa do processo tradutório e a segmentação

deste processo em 108 micro UTs, divididas nas fases de orientação, redação e

revisão (Jakobsen, 2002).

A fase de orientação, delimitada pelo acesso ao texto fonte projetado na tela

do software Translog e concluída pelo registro do primeiro acionamento do teclado

pelo tradutor, tem duração de 58 segundos. O rastreamento ocular mostra uma

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...74

rápida leitura sequencial do texto fonte. Adam inicia seu relato retrospectivo com

a seguinte afirmação:

RR_1: Eu fiz uma leitura inicial, só para ter uma ideia do assunto no texto.

O relato retrospectivo de Adam, corroborado por seus movimentos oculares,

dá início a uma série de observações de natureza metacognitiva que podem ser

diretamente associadas às oito AOIs selecionadas. A Figura 7 apresenta as cinco

micro UTs necessárias para o processamento da AOI_1. Adam processa a codificação

procedimental realizada pela vírgula e pela conjunção adversativa “but” através de

duas alternativas. Escolhe inicialmente o ponto final e inicia a próxima oração com

“entretanto”, conforme registrado pelas micro UTs [3], [4] e [5]. Contudo, mais

à frente, quando processa as micro UTs [23] e [24], Adam retoma o problema de

tradução e decide usar a vírugla e a conjunção adversativa “mas” em português.

Figura 7: Micro UTs na Área de Interesse 1 (AOI_1) – colchetes indicam ordem no processo tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.

O relato retrospectivo de Adam revela exatamente o grau de dificuldade para

processar as codificações procedimentais.

RR_2: Aí nessa primeira parte eu tive um pouco de dificuldade com... essa frase é comprida, do texto fonte, eu acabei dividindo em duas e acabou que no final eu acabei em transformei em uma só.

Um caso semelhante ocorre quando do processamento da AOI_2. Adam começa

a tradução desse trecho com uma realização temporal em português, “quando”,

do conector causal “once” em inglês. A Figura 8 mostra uma tradução em fluxo de

quase todo o texto veiculado pela AOI_2 ao longo do processo registrado na micro

UT [8]. Contudo, Adam depara-se com a dificuldade de traduzir o verbo de ligação

fabio alves 75

em português. Começa então um processo recursivo registrado pelas micro UTs [9],

[11] a [14]. Durante mais de um minuto, os movimentos oculares de Adam percorrem

o texto em busca de pistas comunicativas para maximizar os efeitos cognitivos do

trecho sendo processado pelo tradutor. Ao final da micro UT [14], Adam toma a

decisão de deletar “quando” e, ao invés de manter o conector em posição inicial,

prefere reestruturar a oração e acrescenta a informação que “uma bola de ar possui

mais de 75% de ar em sua composição”.

Figura 8: Micro UTs na Área de Interesse 2 (AOI_2) – colchetes indicam ordem no processo tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.

O relato retrospectivo de Adam ilustra esse processo.

RR_3: E essa frase que fala da composição, de 75% com a estrutura, eu não tinha certeza de como montar inicialmente. Acho que esses foram os problemas iniciais, não só de como traduzir, mas de como montar uma frase que ficasse clara no português.

O processo de tradução da AOI_2 revela características de comportamento

autorregulatório e atividade metacognitiva, condições necessárias, segundo Ericsson

et al. (2006), para um desempenho consistente de alto nível. O relato retrospectivo

de Adam aponta também, pelo viés relevantista, uma tentativa consciente por parte

de Adam no sentido de equacionar esforço de processamento e efeitos cognitivos.

Um processo semelhante ocorre com a AOI_3.

A tradução do trecho veiculado pela AOI_3 acontece em duas etapas bastante

próximas. Há um conjunto sequencial das micro UTs [17] a [21], seguidos de um outro

conjunto compreendido pelas micro UTs [25] a [37]. Adam produz cinco alternativas

para a AOI_3. Em todas elas, a condição adversativa veiculada pela codificação pro-

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...76

cedimental “yet” é traduzida como “apesar disso”. A seguir, Adam modifica o item

lexical “bola”, que não chega a completar, pelo pronome pessoal “ela”, acompanhada

pelo adjetivo atributivo “resistente”, que é modificado para “forte”. Percebe-se uma

série de alterações de natureza semântica durante o processo de tradução. Adam

traduz “it displays surprising strength” como “ela é muito forte” e “and resists further

compression” como “e oferece resistência a quem tentar amassá-la ainda mais”.

Figura 9: Micro UTs na Área de Interesse 3 (AOI_3) – colchetes indicam ordem no processo tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.

O relato retrospectivo de Adam ilustra esse processo.

RR_4: Eu não queria botar “força”, então eu fiquei na dúvida porque “resis-tente” ia ficar repetido com “mais resistência” ou “resistir à compressão”, que é o que eu tinha imaginado, e é por isso que eu parei aqui. E acabei voltando para eu ver se eu tinha alguma ideia de como ajustar isso, para não ficar repetido, “resistente” e “em resistir”.

Observa-se que, apesar de a tradução envolver várias codificações conceituais,

nenhuma delas parece ser problemática para Adam em termos lexicais. O que exige

esforço do tradutor é o processamento de instruções codificadas procedimental-

mente, ainda que veiculadas conceitualmente. Alves e Gonçalves (2013) apontam o

caráter híbrido de algumas codificações conceituais. Nesses casos, a relação esforço/

fabio alves 77

efeito é determinada pelo caráter procedimental da tradução. A metarrepresentação

de Adam é congruente com essa suposição.

A AOI_4 tem início com uma codificação conceitual, “a fact”, seguida da conjução

“that”. Destaca-se novamente o caráter híbrido de algumas codificações conceituais.

Este parece ser o caso de “a fact that”, que indica uma referência causal que poderia

ser realizada por “portanto” ou “nesse sentido”. A tradução de Adam ilustra o esforço

de processamento necessário para gerar efeitos cognitivos adequados. O processo

acontece em três fases. Primeiramente entre as micro UTs [37] a [47], seguidas das

micro UTs [50] a [52], todas elas na fase de redação. Por fim, o processo é concluído

na fase de revisão com a micro UT [93]. Nesse processo, Adam gera seis alternativas

para a tradução do trecho veiculado pela AOI_4.

Figura 10: Micro UTs na Área de Interesse 4 (AOI_4) – colchetes indicam ordem no processo tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.

O relato retrospectivo de Adam ilustra a metarrepresentação do tradutor.

RR_5: Então, essa parte “a fact that has confounded physicists” me dei-xou muito em dúvida porque eu queria apresentar uma coisa “que está quebrando a cabeça dos cientistas ou dos físicos”, enfim.

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...78

Constata-se que o esforço de processamento de Adam está, de fato, concen-

trado nas instâncias codificadas procedimentalmente. As micro UTs revelam uma

série de apagamentos e edições praticamente em fluxo contínuo durante razoável

espaço de tempo. Curiosamente, Adam traduz a codificação conceitual “physicists”

por “cientistas” sem se dar conta do fato.

RR_6: E eu não sei por quê eu escolhi botar “cientistas” ao invés de “phy-sicists”. Não me vem o motivo.

Esse desempenho, com níveis mais baixos de atividade metacognitiva, sugere

que o esforço de processamento de Adam parece ser mediado por uma metarrepre-

sentação da tradução de caráter mais procedimental. Ao concentrar o esforço de

processamento nas codificações procedimentais, o tradutor opta por um hiperônimo,

“cientistas”, para traduzir “physicists”, compensando o esforço de processamento

sem dar-se conta do fato.

Há ainda um outro ponto relevante no processamento da AOI_4 que escapa à

percepção consciente de Adam. Entre as seis alternativas registradas para a AOI_4,

Adam traduz inicialmente “a fact that” como “esta força da bola de papel amassado”.

Tem-se aqui a explicitação do susbstantivo “fact”, talvez numa tentativa de gerar

efeito cognitivo evidenciado a relação causal entre “fact” e o evento descrito pelo

fato. Tal explicitação parece não satisfazer os propósitos comunicativos de Adam,

que continua e envidar esforços para maximizar os efeitos cognitivos da tradução.

Adam decide traduzir “has confounded” como “tem quebrado a cabeça” e poste-

riormente como “tem sido um quebra cabeças para”. Contudo, o maior esforço de

processamento continua a incidir sobre “fact” que é traduzido então como “isto”

na micro UT [43], como “este fato” em [44] e [45] e por “aí está” em [52]. Não

satisfeito com nenhuma dessas alternativas, Adam retoma a tradução da AOI_4

na micro UT [93], já durante a fase de revisão. O rastreamento ocular mostra que,

nesse ponto do processo, o olhar de Adam alterna entre a AOI_1 onde ocorre o

trecho “mas explicar o comportamento da bola de papel” e a AOI_5 em “descreve

uma característica do comportamento das folhas...”. Imediatamente após o olhar

de Adam fixar essas duas ocorrências de “comportamento”, o tradutor decide subs-

tituir “fato” por “comportamento” na AOI_4. O produto final realizado como “este

comportamento tem sido um quebra cabeças para os cientistas” parece indicar, num

primeiro momento, que o esforço de processamento incide sobre uma instância

de codificação conceitual. Entretanto, analisando com atenção todo o processo de

tradução do primeiro parágrafo, percebe-se que o esforço de processamento de

fabio alves 79

Adam é direcionado pelas instruções codificadas procedimentalmente. Já tendo

traduzido todo o texto, a mudança feita na micro UT [93] pode ser entendida como

um esforço de processamento adicional na busca por maiores efeitos cognitivos,

ou seja, pela maximização de relevância. Nesse sentido, é possível argumentar que

a escolha de “comportamento” como uma tradução de “fact” tem por objetivo

destacar a relação causal codificada procedimentalmente. Afinal, o texto desen-

volve exatamente uma discussão sobre como o comportamento da folha de papel

amassado. A escolha de “comportamento” por Adam pode ser explicada como

resultado da metarrepresentação que o tradutor cria ao desenvolver sua tradução.

Há evidências indiretas desse aspecto nos relatos retrospectivos RR_4 e RR_5.

Faltou apenas uma verbalização sobre os motivos que levaram à escolha de “com-

portamento”, claramente identificados pelos movimentos oculares de Adam, para

que a relação entre comportamento autorregulatório e atividade metacognitiva se

tornasse nitidamente consciente e explícita.

O processo de tradução da AOI_5 confirma, ainda que indiretamente, a análise

desenvolvida a respeito da AOI_4. Trata-se aqui de um trecho que é processado

com um alto índice de recursividade. Inicialmente, Adam processa a AOI_5 nas

micro UTs [48] e [49] e retoma o processo logo a seguir nas micro UTs [52] a [55].

O processo de tradução avança até o final da fase de redação sem que ocorram

outras mudanças. Na fase de redação, porém, Adam retoma a AOI_5 nas micro UTs

[96] e [97], modicando “um relato no periódico Physical Review Letters” para “uma

pesquisa relatada no periódico...” e substituindo a frase “descreve uma característica

do comportamento de...” por “tem ajudado a elucidar o comportamento...”.

Figura 11: Micro UTs na Área de Interesse 5 (AOI_5) – colchetes indicam ordem no processo tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...80

Apesar de várias das edições ocorrerem em itens lexicais que veiculam codifica-

ções conceituais, percebe-se que Adam tem uma grande preocupação em esclarecer

o comportamento das folhas de papel amassado. E essa preocupação reveste-se

de esforço na construção de pistas comunicativas de natureza procedimental para

guiar o leitor do texto alvo em direção à intenção comunicativa do texto fonte. Nas

micro UTs [50] a [52], Adam retoma a tradução da AOI_4, retomando o problema

da tradução de “fact” e substitui “fato” por “aí está”. Somente então completa o

processamento da AOI_5 ao digitar “entretanto, já descreve...”. Adam parece fazer

um esforço de processamento adicional logo antes de traduzir o conector “though”

como “entretanto”. Essa tradução o incita a retomar a AOI_4 e a modificar a codi-

ficação conceitual “fact” por “aí está”, numa tentativa de reforçar a relação causal

que busca explicar o comportamento das folhas de papel amassadas. Não satisfeito,

Adam introduz o codificador conceitual “elucidar” na micro UT [97] em substituição

a “descreve”, numa tentativa de tornar mais explícita a metarrepresentação que

faz da tarefa tradutória. O relato retrospectivo de Adam sinaliza claramente esta

intenção comunicativa.

RR_7: Essa última mudança que eu fiz, sobre “elucidar o comportamento da folhas de papel amassadas”, é justamente porque antes eu achei que não estava... a frase não estava mostrando nem a leitura que tem no texto original que há uma inovação aí, eles conseguiram descrever, buscaram descrever uma coisa. Achei que “elucidar” dava uma ideia assim.

O processo de tradução da AOI_6 conclui o primeiro parágrafo do texto com as

micro UTs [56] a [60]. A tradução desse trecho transcorre sem maiores problemas

em função das decisões tomadas anteriormente.

Figura 12: Micro UTs na Área de Interesse 6 (AOI_6) – colchetes indicam ordem no processo tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.

fabio alves 81

Contudo, Adam está consciente da metarrepresentação que busca criar. Seu

relato retrospectivo aponta que o esforço adicional de processamento tem por

objetivo um incremento nos níveis de efeito cognitivo.

RR_8: Essa última frase do primeiro parágrafo... a parte chave ali é a relação entre a força e o tamanho. Então aí a dificuldade estava em construir uma frase que deixasse claro que a questão é a relação entre os dois: força e tamanho do papel.

Ao decidir traduzir “fact” por “comportamento” na AOI_4 e “descreve” como

“elucidar” na AOI_5, Adam busca construir uma metarrepresentação do texto fonte

que deixe clara para o leitor do texto alvo que a questão fundamental é a relação

entre a força aplicada pelos físicos e o tamanho do papel comprimido. Para Adam,

a chave do parágrafo é a relação entre força e tamanho, veiculada justamente pela

última frase do primeiro parágrafo. Nesse sentido, o relato de Adam exemplifica

pressupostos relevantistas ao mostrar que o esforço de processamento tem como

objetivo produzir efeitos cognitivos mais salientes; e esse processo parece ser guiado

pela metarrepresentação que Adam faz da tarefa.

Além do tempo significativamente maior dedicado à tradução do primeiro

parágrafo, Adam também dedicou a esse trecho do texto fonte a maior parte das

micro UTs registradas no seu processo tradutório. Num total de 108 micro UTs,

Adam utilizou 60 micro UTs na fase de redação, seguidas de três micro UTs na

fase de revisão, totalizando 58% das micro UTs para traduzir 41% do texto fonte.

A análise qualitativa sugere que o processo de tradução de Adam é pautado pela

tentativa de guiar o leitor do texto alvo por meio de codificadores procedimentais.

Agindo dessa maneira, Adam revela um comportamento semelhante àquele ilus-

trado pela Figura 2, corroborando Gutt (2004) e sua definição de tradução como

uso interpretativo interlingual.

Conforme descrito na seção de metodologia, a análise do segundo parágrafo

incide sobre duas áreas de interesse com problemas de codificação conceitual,

quais sejam, a AOI_7, que trata da tradução de “curved ridges” e a AOI_8, que lida

com do grupo nominal “a sheet of thin aluminized Mylar”. Todos os oito tradutores

precisaram consultar fontes de apoio externo nesses dois pontos. Ao fazê-lo, todos

os oito tradutores tiveram pausas bastante longas nessas duas AOIs. Contudo, o

processo de apoio externo tem uma característica localizada, enfocando apenas o

problema lexical específico e não se distribuindo através da tarefa tradutória como

parece ter sido o caso das AOIs 1 a 6.

O processo de tradução de Adam é ilustrativo desse comportamento localizado.

As micro UTs [62] e [63] mostram o início da tradução da oração que se desenvolve

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...82

em fluxo, praticamente sem interrupções. Porém, ao se deparar com a codificação

conceitual “ridges” na micro UT [64], Adam faz uma pausa de quase 30 segundos

para consultas a fontes externas. Uma vez decidida a tradução de “ridges” como

“sulcos”, o processo é repetido automaticamente na micro UT [68] quando a mesma

codificação conceitual volta a aparecer. O adjetivo “curved”, que antecede “ridges”, é

processado inicialmente como “em forma de curva” na micro UT [65]. Mais adiante,

na micro UT [75], Adam faz a substituição pela forma participial “curvados”.

Figura 13: Micro UTs na Área de Interesse 7 (AOI_7) – colchetes indicam ordem no processo tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.

O relato retrospectio de Adam ilustra novamente a importância da metarrepre-

sentação que o tradutor faz da tarefa em andamento. Adam comenta que precisava

encontrar alguma imagem que o ajudasse a entender o que seriam “curved ridges”

e preferiu uma opção de tradução menos arriscada que garantisse a exatidão da

informação conceitual.

RR_09: Nessa primeira frase do segundo parágrafo “curved ridges” foi difícil. Na verdade, eu achei que aí eu precisava poder olhar alguma imagem para tentar descrever essa estrutura que eles estão comentando “conical points connected by curved ridges”. Então eu escolhi fazer um negócio mais literal para não dar a informação errada.

Um processo semelhante acontece na AOI_8 quando da tradução de “a sheet

of thin aluminized Mylar”. Como na AOI_7 para “curved ridges”, Adam precisa de

quase 30 segundos para buscas de apoio externo. O relato retrospectivo do tradutor

ilustra também a forma como esse processo ocorrreu.

fabio alves 83

Figura 14: Micro UTs na Área de Interesse 8 (AOI_8) – colchetes indicam ordem no processo tradutório. Trechos em itálico indicam formas agnatas geradas como soluções provisórias e final.

O relato retrospectivo de Adam ilustra mais uma vez o papel da metarrepre-

sentação no processo de tradução.

RR_10: Então, o “Mylar” que é obviamente uma marca, então, assim como a gente chama “fotocópia” de “xerox”, parece que esse “Mylar” é um tipo de “filme de poliéster”. Então eu botei “folha de poliéster” e coloquei o termo científico entre parêntesis, que eu encontrei no Babylon.

Assim como na AOI_7, o processo de tradução na AOI_8 é localizado. Uma vez

resolvido o problema da tradução da codificação conceitual, os efeitos cognitivos

dessa decisão não se distribuem a outras partes do texto. Nesse sentido, o tempo

investido da tradução das AOI-7 e AOI_8, apesar de significativo, não revela o

mesmo tipo de esforço de processamento que aquele dedicado às AOIs 1 a 6. Em

outras palavras, enquanto o esforço de processamento nas primeiras seis AOIs é

distribuído; esse esforço é localizado nas duas últimas AOIs.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo das últimas três décadas, os estudos processuais da tradução têm

utilizado contribuições oriundas de outras áreas afins, como a psicolinguística, as

ciências cognitivas, os estudos sobre expertise e sobre pragmática para subsidiar

uma agenda de pesquisas empírico-experimentais. Porém, via de regra, os estu-

dos processuais da tradução têm contribuído pouco para o avanço dessas outras

disciplinas. O estudo qualitativo desenvolvido neste capítulo parece oferecer uma

perspectiva de inversão na direção desta troca interdisciplinar.

Do ponto de vista teórico, o estudo qualitativo desenvolvido neste capítulo

contribui para confirmar empiricamente vários postulados da Teoria de Relevância

em um contexto de uso interpretativo interlingual. A análise mostra como esforço

de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação da tarefa tradutória

interagem de forma profícua para que o tradutor experto consiga gerar níveis de

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...84

semelhança interpretativa no texto alvo que guiem o leitor, por meio de pistas comu-

nicativas, na sua interpretação da intenção comunicativa veiculada pelo texto fonte.

Paralelamente, o estudo contribui para comprovar empiricamente pressupostos

formulados por teorias sobre expertise e desempenho experto, caracterizados por

comportamento autorregulatório e atividade metacognitiva. A análise de padrões de

recursividade observados na configuração de macro UTs, da habilidade de realizar ajustes

necessários nos níveis de processamento e da capacidade de reflexão consciente sobre

esses padrões recursivos demonstra como a tradução configura-se em termos de desem-

penho experto prototípico e contribui para reforçar o contruto teórico sobre expertise.

Ao fomentar a interação entre dois campos teóricos distintos, quais sejam, os

estudos sobre pragmática e sobre expertise, a análise qualitativa contribui ainda para

o desenvolvimento teórico das abordagens cognitivas da tradução. Após quase três

décadas de uma tradição de empréstimo interdisciplinar, o estado atual das pesquisas

processuais em tradução parece ter atingido a maturidade necessária para se firmar

com um arcabouço teórico próprio e também contribuir para o fortalecimento de

disciplinas afins, criando parâmetros bidirecionais nas trocas interdisciplinares.

Finalmente, do ponto de vista aplicado, a análise desenvolvida neste capítulo

contribui para avançar a proposta de Alves (2005) para que a formação de tradutores

dedique mais atenção aos componentes conceituais e procedimentais da linguagem,

com o objetivo de refinar a capacidade de metarrepresentação da tarefa tradutória

e, assim, incrementar a atividade metacognitiva de tradutores novatos.

REFERÊNCIAS

ALVES, F. (Ed.). Triangulating translation: perspectives in process oriented research. Amsterdã: John Benjamins, 2003.

______. Bridging the gap between declarative and procedural knowledge in the training of translators: meta-reflection under scrutiny. Meta, v. 50, n. 4, p. 1-25, 2005.

______; GONÇALVES, J. L. A relevance theory approach to the investigation of inferential processes in translation. In: ALVES, F. (Ed.). Triangulating translation: perspectives in process oriented research. Amsterdã: John Benjamins, 2003. p. 11-34.

______; ______. Modelling translator’s competence: relevance and expertise under scrutiny”. In: GAMBIER, Y.; SHLESINGER, M.; STOLZE, R. (Ed.). Translation studies: doubts and directions. Amsterdã/Filadélfia: John Benjamins, 2007. p. 41-55.

______; ______. Investigating the conceptual-procedural distinction in the translation process: a relevance-theoretic analysis of micro and macro translation units. Target, v. 25, n. 1, p. 107-124, 2013.

fabio alves 85

ALVES, F.; GONÇALVES, J. L.; SZPAK, K. Identifying instances of processing effort in trans-lation through heat maps: an eye-tracking study using multiple input sources. In: CARL, Michael; BHATTACHARYA, Pushpak; CHOUDHARY, Kamal Kumar (Ed.) Proceedings of the First Workshop on Eye-tracking and Natural Language Processing. 24th International Conference on Computational Linguistics. Mumbai: Coling 2012, p. 5-20, 2012.

______; HURTADO ALBIR, A. Cognitive approaches to translation. In: GAMBIER, Y.; van DOORSLAER, L. (ed.). The John Benjamins handbook of translation studies. Amsterdã: John Benjamins, 2010.

______. VALE, D. Probing the unit of translation in time: aspects of the design and deve-lopment of a web application for storing, annotating, and querying translation process data. Across Languages and Cultures, v. 10, n. 2, p. 251-273, 2009.

______; ______. On drafting and revision in translation: a corpus linguistics oriented analysis of translation process data. Translation: Computation, Corpora, Cognition, v. 1, n. 1, p. 105-122, 2011.

BELL, R. T. Translation and translating: theory and practice. Londres: Longman, 1991.

CARL, M.; DRAGSTED, B. Inside the monitor model: processes of default and challenged translation production. Translation: Computation, Corpora, Cognition, v. 2, n. 1, p. 127-143, 2012.

CARVALHO NETO, G. L. Metarrepresentação em tradução: uma análise relevantista dos processos inferenciais de tradutores expertos na tradução de textos sensíveis (sagrados). 2010. Tese (Doutorado em Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2010.

ERICSSON, K. A. Expertise in interpreting: an expert-performance perspective. Interpreting, v. 5, n. 2, p. 187-220, 2000.

______; CHARNESS, N.; FELTOVICH, P. J.; HOFFMAN, R. R. The Cambridge handbook of expertise and expert performance. Cambridge: CUP, 2006.

GILE, D. Basic concepts and models for interpreter and translator training. Amsterdã: John Benjamins, 1995.

GONÇALVES, J. L. O desenvolvimento da competência do tradutor: investigando o proces-so através de um estudo exploratório-experimental. 2003. 241f. Doutorado (Linguística Aplicada) – Faculdade de Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.

GÖPFERICH, S. Translationsprozessforschung: Stand – Methoden – Perspektiven. (Translationswissenschaft 4). Tübingen: Narr., 2008.

GRICE, P. 1975. Logic and conversation. In: COLE, P.; MORGAN, J. (Ed.). Syntax and semantics. Nova Iorque: Academic Press, p. 41-58.

GUTT, E.-A. Translation and relevance: cognition and context. Cambridge: Blackwell, 1991. Segunda edição. Manchester: St. Jerome, 2000.

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...86

GUTT, E.-A. Challenges of metarepresentation to translation competence. In: FLEISCHMANN, E.; SCHMITT, P. A.; WOTJAK, G. (Ed.). Translationskompetenz: pro-ceedings of LICTRA 2001: VII. Leipziger Internationale Konferenz zu Grundfragen der Translatologie. Tübingen: Stauffenburg, 2004. p. 77-89.

HURTADO ALBIR, A. La enseñanza de la traducción directa “general”: objetivos de aprendizaje y metodología’. In: HURTADO ALBIR, A. (Ed.). La enseñanza de la traducción. Castellón: Universitat Jaume I, 1996.

______; ALVES, F. Translation as a cognitive activity. In: MUNDAY, J. (Ed.). The Routledge companion to translation studies. Londres: Routledge, 2009. p. 54-73.

JAKOBSEN, A. L. Logging target text production with Translog. In: GYDE, H. (Ed.) Probing the process in translation: methods and results. Copenhague: Samfundslitteratur, 1999. p. 9-20.

______. Translation drafting by professional translators and by translation students. In: HANSEN, G. (Ed.). Empirical translation studies: process and product. Copenhague: Samfundslitteratur, 2002. p. 191-204.

______. Instances of peak performance in translation. Lebende Sprachen, v. 50, n. 3, p. 111-116, 2005.

JUST, M. A.; CARPENTER, P. A. A theory of reading: from eye fixations to comprehension. Psychological Review, v. 87, p. 329-354, 1980.

KIRALY, D. Pathways to translation: pedagogy and process. Kent: Kent State University Press, 1995.

KÖNIGS, F. G. Was beim Übersetzen passiert: theoretische Aspekte, empirische Befunde und praktische Konsequenzen. Die Neueren Sprachen, v. 2, p. 162-185, 1987.

KRINGS, H. Was in den Köpfen von Übersetzern vorgeht. Tübingen: Narr, 1986.

NEUBERT, A. Competence in language, in languages, and in translation. In: SCHÄFFNER, C.; ADAB, B. (Ed.). Developing translation competence. Amsterdã: John Benjamins, 2000. p. 3-18.

RISKU, H. Translatorische Kompetenz: kognitive Grundlagen des Übersetzens als Expertentätigkeit. Tübingen: Stauffenburg, 1998.

PACTE. Building a translation competence model. In: ALVES, F. (Ed.). Triangulating transla-tion: perspectives in process oriented research. Amsterdã: John Benjamins, 2003. p. 43-66.

PYM, A. Redefining translation competence in an electronic age: in defence of a mini-malist approach. Meta, v. 48, n. 4, p. 481-497, 2003.

RAYNER, K.; SERENO, S. C. Eye movements in reading. In: GERNSBACHER, M. A. (Ed.). Handbook of psycholinguistics. San Diego: Academic Press, 1994. p. 57-81.

SHANNON, J.; WEAVER, J. The mathematical theory of communication. Urbana: University of Illinois Press, 1949.

SHREVE, G. M. The deliberate practice: translation and expertise. Journal of Translation Studies, v. 9, n. 1, p. 27-42, 2006.

SPERBER, D.; WILSON, D. Relevance: communication and cognition. Oxford: Blackwell, 1986.

fabio alves 87

ANEXOS

Representação linear do no processo tradutório de Adam (valor de pausa = 2.4 segundos).

esforço de processamento, efeitos cognitivos e metarrepresentação...88

Microunidades de tradução no processo tradutório de Adam (valor de pausa = 2.4

segundos).

ORIENTAÇÃO[Start][•58.137][▼][▲]

REDAÇÃO1. ••••Amassar•uma•folha•de•papel•parece•simples2. •••••e•n”a◄◄ão•exige•muito•esforço3. • • • • • • • ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ← ,

→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→.• Entretanto,•explicar•o•-comportamento•

4. ••da•bola•de•papela•◄◄•amassado•5. •••••••••é•outra•história.•6. ••↑→→→→→→→→[Delete]7. ••••↓8. ••Quando•uma•bola•de•papel•é••◄amassada,•mais•de•75•◄%•de•s9. •••••◄◄◄◄◄10. •••←←←←←←←←←←←11. ••←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←

←←←←12. [•49.006]→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→

→ →→→→→→← [Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete] [Delete] [Delete] [Delete][Delete][Delete]

13. ••←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←← [Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]U→→→→→→→→→ →→→→→→→→→→→→→→→→→[Delete]

14. ••←←←←←←←←←←[Delete][Delete]→→→→→→→→15. •••••••possui•mais•de•75%•de•ar•em•sua•composição.16. •••••17. ••Apesar•disso,•18. •••••a•b19. •◄20. ••◄◄ela•21. ••••é•muito•resiste22. •nte•23. [•01:02.154][▼][▲]24. ••••••◄◄,•mas[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]

[Delete][Delete]↓←←←←←←←←←←←→→→→→→→→→→→→→→→→→→→ →→→→→ →→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→↓←←←←←←←←← →→→→→→

25. •→→◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄26. ••↑→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→

→→ →→→→→→→→→→→[Delete]o27. ••••••↓28. •←←•29. ••••••••é•30. ••muito•resistente•e•31. ••◄32. •◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄◄33. [•27.000]forte•e•34. •res◄◄◄oferece•s◄resist\ê◄◄ência•ao•tenta◄◄◄◄◄◄◄◄35. •••a•quem•tentar•

fabio alves 89

36. •amma◄◄assála•ainda•mais37. ••••.•Esta•força•da•bola•de•papel•amassado•tem•38. [•27.519]quebrado•a•cabeça•de•cientistas.•39. ••↑→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→40. •,•u41. •◄◄◄m•◄◄,•42. •••◄◄;•[Delete][Delete][Delete]e43. ••••→→←←←[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]

[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete] [Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete] [Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]isto

44. •◄◄◄◄este45. ••fato46. ••••←←←←47. ••→→→→→[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]

[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete] [Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]é•um•quebracabeça•para•s◄os

48. •→→→→→→→→→→→→•Um•relato•na◄o•periódico•Physical•Review•Lete◄ters49. •••←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←50. ••↑→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→51. •→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→•◄→→[Delete][Delete][Delete]

[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]52. •••ai•está•↓←←←,•entrenta◄◄◄tanto,•53. •já•◄◄◄descreve•um•54. •••a◄◄a•carace◄terística•do•comportamento•de•folhas•de•papel•amassados55. •••◄◄56. ••as.57. ••••••◄58. •••:•a•relaçaõ•en◄◄◄◄◄ão•entre•a•◄◄uma•mudançc◄a•no•tamanho•do•pael

◄◄pel•59. •e•a•força•a•que•o•papel•60. •é•sue◄jeita.61. •••←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←

←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←[Delete][Delete][Delete][Delete]→→→→→→→→→←←←←←←←←←[Delete][Delete][Delete][Delete] [Delete][Delete][Delete]alteraçaõ◄◄ão→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→[Return][Return]

62. •••••••Uma•fola◄ha•fina•e•amassada63. ••é,•essencialmente,•uma•massa•de•pontos•cônicos•entreligados•por•64. [•29.854]sulcos65. ••••••••em•for◄◄◄curva,•que•e◄armazenam•energia.•66. •••••Ao•sue◄67. ••◄◄aumentar•a•compressão•68. ••do•papel,•estes•sulcos•69. [•26.910]se•quebram•e•70. •outros•sulcos◄◄◄◄◄◄menores•71. •se•formam72. •,73. •••o•que•aumenta•a•quantidade•de•energia•am◄rmazenada•na•bola•de•papel.•74. • • • • • • • • [▼] [▲]Amassar•u [Dele te ]→→→→→→→→→→→→→→[Delete ]

[Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][De-l e te ]→[De le te ] ,→→→→→→→→→→→→→→→→→→←trans fo rmá la •em•↓←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←←

75. •←←←←←←←←←←←←←←←[Shift+Left][Shift+Left] [Shift+Left] [Shift+Left] [Shift+-Left] [Shift+Left] [Shift+Left][Shift+Left] curvados →→→→→→→→→ →→→→→→→→ →→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→→

76. •↓→→→→→77. ••Cientistas•da•|U◄◄Unice◄◄versidade•de•Chicago•apresentaram•um•mo-

del•◄o•da•relação•entre•a•força•de•compree◄ssão•e•o•tamanho•da•bola.•78. ••••••••Os•pesquisadores•amassaram•uma•folha•fina•de•poli~◄´◄◄◄◄◄79. [•27.598]poliéster•80. •••••(boPET81. ••••,•ou•filme•PET)•82. •••••e•a•colocaram•dentro•de•um•cilindro•83. ••equi84. ••••••pado•com•o◄um•pistão85. ••,•que•servia••para•◄◄◄◄◄◄para•amassar•a•folha.•86. ••••A•folha•87. •◄◄◄◄◄◄◄◄88. ••••Mesmo•após•três•89. ••semanas•de•compressão•pelo•pistão,•a•folha•de•poliéster•não•tinha•atingido•um

•tamnh◄◄anho•final90. •,•e•continuava91. ••a•diminuir.•

REVISÃO 92. [•29.422][▼][▲]93. ••este•comportamento•tem•sido•94. [•24.407][▼]95. ••[▲][▼][▲]96. ••[▼][▲][▼][▲]◄◄a•pesquisa•relatada•97. [•27.674][▼][▲][▼][▲]tem•ajudado•a•e◄elci◄◄ucidar[Delete][Delete][Delete][De-

lete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete] [Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete][Delete]•

98. ••[▼][▲]99. •◄◄•apresentando•100. ••••[▼][▲],101. [•57.566][▼][▲]102. ••••••[▼][▲][Delete]103. [•37.244][▼][▲],•em•seu◄guida,104. •••••[▼][▲]105. •••ainda•mais106. [•27.953][▼][▲]atingu◄iu•107. •[▼][▲][▼][▲]continuou108. •••••••[Stop]

91

VISEMAS, QUIREMAS, E BÍPEDES IMPLUMES: POR UMA REVISÃO TAXONÔMICA DA LINGUAGEM DO SURDO QUE SUBSTITUA VISEMAS POR FANEROLALIEMAS, E

QUIREMAS POR SIMATOSEMAS PARA FORMA DE MÃO (QUIRIFORMEMAS), LOCAL DE MÃO (QUIRITOPOSEMA), MOVIMENTO DE MÃO (QUIRICINESEMA) E EXPRESSÃO

FACIAL (MASCAREMA)

Fernando C. Capovilla Wanessa Garcia

(Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo)

VISÃO GERAL

Este capítulo demonstra a necessidade de substituir dois dos mais importantes

termos na área de estudos de linguagem em surdez, de amplo uso desde a década

de 1960: o termo Quirema, que diz respeito à unidade da língua de sinais, e o termo

Visema, que diz respeito à unidade de leitura orofacial da língua falada. Stokoe (1960)

propôs o termo Quirema como a unidade mínima das línguas de sinais, análoga ao

Fonema, que é a unidade mínima das línguas faladas. Fisher (1968) propôs o termo

Visema como a unidade mínima da recepção visual da língua falada, análoga ao Fonema,

que é a unidade mínima da recepção auditiva das línguas faladas. O capítulo propõe

substituir o termo Visema pelo termo Fanerolaliema ou Visibilislocutículo. Propõe,

também, substituir o termo Quirema pelo termo Simatosema ou Signumículo, já que

este contempla não apenas os três parâmetros relativos à mão (forma de mão, local

de mão, movimento de mão) para os quais o termo Quirema pode ser mantido, desde

que mais precisamente qualificado, como também o parâmetro expressão facial. O

capítulo defende a adoção de quatro termos para representar os parâmetros dos

Fanerolaliemas -Visibilislotucículos: 1) Quiriformema-ManumodusÍculo para a forma

de mão; 2) Quiritoposema-Manulocusículo para o local de mão; 3) Quiricinesema-

Manumotusículo para movimento de mão; e 4) MascarEma ou PersonalÍculo para ex-

pressão facial. O capítulo usa os casos dos termos Quirema e Visema como exemplos da

necessidade de fazer uma ampla revisão taxonômica baseada na etimologia com vistas

à implementação de modelos de controle experimental e estatístico mais refinados.

visemas, quiremas, e bípedes implumes92

INTRODUÇÃO

O título deste capítulo remete a uma famosa obra sobre a importância da

categorização intitulada Women, fire and dangerous things: What categories reveal

about mind, publicada originalmente por George Lakoff (1987), algum tempo de-

pois de seu divórcio. Lakoff usa o jocoso título para ilustrar como a justaposição de

conceitos tende a produzir a percepção daquilo que há de semelhante entre eles.

Segundo ele, é por isso que a maior parte das feministas tende a amar esse título

(i.e., por desejarem ser vistas como dignas de inspirar temor e cuidado), e é pela

mesma razão que as demais feministas tendem a odiá-lo (i.e., por não desejarem

ser vistas como perigosas). O importante, aqui, é que a justaposição de conceitos

é recurso de categorização, ressaltando o que neles há de semelhante. Essa é a

ideia por trás da escolha do presente título: ressaltar que os conceitos de Quirema

e de Visema para representar as unidades linguísticas mais relevantes para o surdo

são tão válidos e precisos quanto o conceito de bípede implume é para o homem.

De fato, o título deste capítulo também remete à famosa definição de Platão

(429-347 a.C.) do homem como sendo um animal bípede e implume. Como se

sabe, essa definição foi ironizada por Diógenes de Sínope (412-323 a.C.). Sendo um

filósofo cínico, Diógenes cria impossível conciliar as leis e convenções estabelecidas

com a vida natural, autêntica e virtuosa. Visitado por Alexandre, o Grande, que lhe

perguntou o que desejava, respondeu simplesmente: “Saia da frente do sol”. Morava

num tonel e costumava andar com uma lanterna acesa, em plena luz do dia, à procura

de um único homem sequer que se revelasse honesto. Ante a definição de Platão

do homem como bípede implume, Diógenes arranjou uma galinha, depenou-a e,

segurando-a de cabeça para baixo, mostrou-a ostensivamente a todos nas ruas

gritando: “Vejam! Eis aqui o homem de Platão!”

Juntando as duas ideias, o presente capítulo argumenta que os conceitos clássicos

de Quirema e de Visema são tão insatisfatórios quanto o conceito de homem como

sendo um animal bípede implume. O espírito deste capítulo é expresso na famosa

frase “Amicus Plato, sed magis amica véritas” (i.e., "Gosto de Platão, mas prefiro a

verdade") atribuída ao mais famoso dos discípulos de Platão, Aristóteles. Essa frase

foi citada na obra A vida de Aristóteles, de Ammonius Saccas, filósofo de Alexandria,

que viveu de 175-272, e que fundou o neoplatonismo. Essa frase propõe a máxima

de que não basta que determinados conceitos tenham sido propostos por nomes

respeitáveis e admiráveis; é preciso que esses mesmos conceitos estejam de acordo

com os fatos observados.

Como se depreende do subtítulo, este capítulo argumenta sobre a necessidade

de uma taxonomia coerente, válida e precisa para permitir tratar dos fenômenos

de recepção de linguagem do surdo. O capítulo abrange a recepção de linguagem,

fernando c. capovilla | wanessa garcia 93

tanto a falada quanto a de sinais, e tanto pelo surdo vidente quanto pelo surdocego.

Assim, inclui tanto a linguagem falada recebida por leitura orofacial visual ou tátil,

quanto a linguagem de sinais recebida por visão ou tato. O capítulo constitui um

breve mas incisivo desenvolvimento crítico de um vasto capítulo paradigmático

(Capovilla, 2011) que argumentou sobre a necessidade crucial de um novo paradig-

ma de processamento de informação linguística para analisar a linguagem falada,

escrita e de sinais, relevante à comunicação de ouvintes, deficientes auditivos,

surdos e surdocegos.

BREVE ESBOÇO DA TAXONOMIA

O novo paradigma proposto por Capovilla (2011) propõe refundar a nomenclatura

da área, com base numa revisão etimológica, que substitui hibridismos arbitrários e

imprecisos por terminologia de composição legítima e precisa, e, com isso, refundar

a concepção do sistema de variáveis da área, substituindo variáveis ordinais e nomi-

nais, com critérios de classificação arbitrários imprecisos, por variáveis contínuas

intervalares definidas de modo preciso e com unidades discretas escalares ao longo

de várias continua.

A taxonomia proposta mapeia as diversas unidades da língua falada, da língua

escrita e da língua e sinais. Neste capítulo, a partir deste ponto, cada um dos morfemas

componentes de cada um dos termos é grafado em letra inicial maiúscula, de modo

a facilitar a compreensão da composição morfêmica de cada termo. Por exemplo:

unidades da língua falada: LaliEmas (a partir dos morfemas gregos: λαλιά ou laliá: fala,

e ημα ou ema: unidade mínima) ou LocutÍculos (a partir dos morfemas latinos: locutio:

fala, e -ículo: unidade mínima); unidades da língua falada visíveis: FaneroLaliEmas

(φανερός ou fanerós: visível; λαλιά ou laliá: fala; ημα ou ema: unidade mínima) ou

VisibilisLocutÍculos (visibilis: visível; locutio: locução, fala, pronúncia, expressão verbal,

palavra falada; -ículo: unidade mínima) para leitura orofacial visual pelo surdo vidente;

unidades da língua falada tateáveis: EsteseLaliEmas (ευαίσθητος ou eiaísthētos: sensí-

vel; λαλιά ou laliá: fala; ημα ou ema: unidade mínima) ou TactilisLocutÍculos (tactilis:

tateável; locutio: locução, fala, pronúncia, expressão verbal, palavra falada; -ículo:

unidade mínima) para leitura orofacial tátil pelo surdocego, como na leitura orofacial

via sistema tadoma (cf. Alcorn, 1932; Norton et al., 1977; Reed, Durlach, Braida &

Schultz, 1982, 1989; Reed, Durlach, Delhorn, Rabinowitz & Grant, 1989; Reed, Doherty,

Braida, Durlach, 1982; Reed, Rabinowitz et al., 1989; Vivian, 1966); unidades de fala:

Fonemas (φώνημα ou phónema: som da fala, voz) ou VocÍculos (voce: voz; -ículo: unidade

mínima); unidades da língua escrita visíveis: FaneroGrafiEmas (φανερός ou fanerós:

visível; γραφή ou grafí: escrita; ημα ou ema: unidade mínima), ou VisibiliScriptumÍculos

(visibilis: visível; scriptum: escrita; -ículo: unidade mínima); unidades de escrita tate-

visemas, quiremas, e bípedes implumes94

áveis: EsteseGrafiEmas (ευαίσθητος ou eiaísthētos: sensível; γραφή ou grafí: escrita;

ημα ou ema: unidade mínima), ou TactiliScriptumÍculos (tactilis: tateável; scriptum:

escrita; -ículo: unidade mínima), como em braile para cegos; unidades de sinalização

visíveis: FanerosSimatosEmas (φανερός ou fanerós: visível; σήματος ou símatos: sinal,

ημα ou ema: unidade mínima) ou VisibilisSignumÍculos (visibilis: visível; signum: sinal,

-ículo: unidade mínima) para surdos videntes; e unidades de sinalização tateáveis:

EstesesSimatosEmas (ευαίσθητος ou eiaísthētos: sensível; σήματος ou símatos: sinal,

ημα ou ema: unidade mínima) ou TactilisSignumÍculos (tactilis: tateável; signum:

sinal, -ículo: unidade mínima) para surdocegos. Essas e centenas de outras unidades

encontram-se explicadas sistematicamente em Capovilla (2011). Por falta de espaço,

elas são apenas mencionadas brevemente aqui.

Tal mapeamento permite aprofundar a compreensão das dificuldades de

alfabetização de ouvintes, deficientes auditivos, surdos e surdocegos, bem como

aperfeiçoar os recursos de avaliação, prevenção e tratamento dessas dificuldades

de modo sistemático, válido, sensível e eficaz. Essa refundação da nomenclatura

da área é feita com base numa revisão etimológica da terminologia, que substitui

termos ilegítimos, ad hoc, arbitrários, imprecisos e pouco recombinativos, além de

frequentemente híbridos, por termos legítimos e precisos, derivados de uma matriz,

em que cada célula resulta da combinação regrada entre unidades mínimas que

descrevem cada fenômeno de linguagem em termos do modo como é emitido (i.e.,

modalidade motora: via fala, escrita, sinal) e do modo como é recebido (i.e., modali-

dade sensorial: via audição, visão, tato) na relação entre o emissor da mensagem (i.e.,

como orador, escritor, sinalizador) e o receptor da mensagem (i.e., como ouvinte,

vidente, senciente). (Nota: o neologismo senciência é adotado aqui por referência

ao inglês sentience e ao italiano sensienza, cf. Reus, 2005, como habilidade de sentir,

perceber, experienciar; e ter sensações ou experiências, ou qualia, i.e., a experiência

consciente das sensações brutas como as do tato, temperatura, pressão, dor).

A necessidade de refundação da nomenclatura da área pode ser ilustrada com

dois termos de amplo uso corrente na área, pelo menos desde os anos 1960: os

termos VisEma e QuirEma.

ILUSTRANDO A NECESSIDADE DE REFUNDAR A NOMENCLATURA: OS TERMOS VISEMA E QUIREMA

O termo VisEma foi cunhado por Fisher (1968) para representar o correspon-

dente visível do Fonema, correspondente visível esse que é usado para fazer a leitura

orofacial. O VisEma estaria para a recepção da fala por visão (i.e., a leitura orofacial)

assim como o FonEma está para recepção da fala por audição. Desde 1968, o termo

VisEma vem sendo amplamente empregado em todo o mundo nos estudos sobre

fernando c. capovilla | wanessa garcia 95

processamento cognitivo de leitura orofacial (Capovilla, Graton-Santos & Sousa-

Sousa, 2009; Capovilla, Viggiano et al., 2005; Owens & Blazek, 1985) e engenharia

de software para emulação de fala (de Martino, 2005; de Martino & Magalhães,

2004). O termo FonEma é legítimo para representar a unidade mínima da fala

audível, já que esse termo combina, de modo natural e preciso, os dois morfemas

gregos pertinentes: o radical ou lexema φωνή ou phoné: som da fala, e o sufixo ημα

ou ema: unidade mínima. O termo VisEma, contudo, é um inadequado e ilegítimo

para representar a unidade mínima de fala visível, já que, pela sua composição

morfêmica, esse termo conseguiria representar apenas, na melhor das hipóteses,

uma unidade mínima de visão, mas sem especificar o objeto dessa visão (i.e., visão

de quê? o que é que é visto?). Dizemos “na melhor das hipóteses” porque se trata

de um hibridismo que combina ilegitimamente um radical latino (vis: visão) com um

sufixo grego (ημα ou ema: unidade mínima). Para representar a unidade visível da

fala, em lugar de VisEma, Capovilla (2011) propôs dois novos termos alternativos

compostos pela regra canônica de morfossintaxe do grego e latim: FaneroLaliEma

(composto pelos morfemas gregos: φανερός ou fanerós: visível, λαλιά ou laliá: fala;

ημα ou ema: unidade mínima), e VisibilisLocutÍculo (composto pelos morfemas

latinos: visibilis: visível, locutio: fala, -ículo: unidade mínima).

O termo QuirEma (do grego: χέρι ou khéri: mão; ημα ou ema: unidade mínima)

foi cunhado por Stokoe (1960), para representar o correspondente, em língua de

sinais, do FonEma em língua falada. Deste modo, o QuirEma estaria para unidade

da sinalização, assim como o fonema está para unidade da fala ou voz. Como vi-

mos, o termo FonEma representa de modo preciso a unidade mínima da fala ou

voz, já que esse termo combina os dois morfemas gregos pertinentes: o radical ou

lexema φωνή ou phoné: som da fala, voz; e o sufixo ημα ou ema: unidade mínima.

Para Stokoe, enquanto unidades de sinalização, os QuirEmas difeririam entre si em

parâmetros como: 1) a forma da(s) mão(s), 2) o local das(s) mão(s) e 3) o movimento

da(s) mão(s). Seguindo essa concepção, o presente capítulo propõe que, na nova

nomenclatura, os QuirEmas relativos a: 1) forma da(s) mão(s) sejam denominados

QuiriFormEmas ou ManuModusÍculos; 2) o local da(s) mão(s) sejam denominados

QuiriToposEmas ou ManuLocusÍculos; e 3) o movimento da(s) mão(s) sejam deno-

minados QuiriCinesEmas ou ManuMotusÍculos.

Assim, em relação apenas à mão, a unidade mínima da sinalização referente à mão

não se reduz à unidade mínima da mão bruta propriamente dita, mas sim à unidade

mínima das propriedades dessa mão em termos de, pelo menos, três parâmetros.

Esses três parâmetros pertinentes exclusivamente às mãos são:

1. A articulação da(s) mão(s) ou forma da(s) mão(s), podendo ser: mão

em A a Z, de 1 a 9, e assim por diante. Ou seja, a mão pode articular, em

visemas, quiremas, e bípedes implumes96

soletração digital (à lá Bonet, 1620), qualquer uma das letras e numerais,

além de outras formas adicionais. Essas unidades relacionadas à articu-

lação da(s) mão(s) ou forma da(s) mão(s) podem ser designadas como

QuiriFormEmas (χέρι ou khéri: mão; φόρμα ou forma: forma; ημα ou ema:

unidade mínima); ou como ManuModusÍculos (manu: da mão; modus:

modo; -ículo: unidade mínima). Algumas alternativas para terminologia

derivada do grego para QuiriFormEmas são: QuiriEsquimatizEma (χέρι ou khéri: mão; σχηματίζω ou schimatizo: formato; ημα ou ema: unidade

mínima); ou QuiriMorfiEma (χέρι ou khéri: mão; μορφο ou morfi: forma;

ημα ou ema: unidade mínima). Algumas alternativas para terminologia

derivada do Latim para ManuModusÍculo são: ManuFigurÍculo (manu: da

mão; figura: forma; -ículo: unidade mínima); ou ManuFormÍculo (manu:

da mão; forma: forma; -ículo: unidade mínima);

2. O local da(s) mão(s) no espaço da sinalização, que se estende do peito

a pouco acima da cabeça, e de um ombro ao outro. Essas unidades rela-

cionadas ao local da(s) mão(s) podem ser designadas a partir do grego

como: QuiriToposEma (χέρι ou khéri: mão; τόπος ou topos: local; ημα ou ema: unidade mínima); ou, a partir do latim, como: ManuLocusÍculo

(manu: da mão; locus, local; -ículo: unidade mínima);

3. O movimento da(s) mão(s) no espaço da sinalização, podendo ser para

cima ou para baixo, para a direita ou para a esquerda, para frente ou

para trás, e em qualquer uma combinação destes, e não apenas em linha

reta, como em arco, em espiral, em círculo, em assim por diante. Como

especificado em Capovilla & Sutton (2009), esses movimentos podem se

dar, ainda, em qualquer um dos três planos: plano XY (e.g., o da parede

frontal), plano XZ (i.e., o do piso ou da laje do teto), plano YZ (e.g., o da

parede lateral). Essas unidades relacionadas ao movimento da(s) mão(s)

podem ser designadas a partir do grego como: QuiriCinesEma (χέρι ou

khéri: mão; κίνηση ou kinisi: movimento; ημα ou ema: unidade mínima);

ou a partir do latim, como: ManuMotusÍculo (manu: da mão; motus,

movimento; -ículo: unidade mínima).

Assim, em vez de falar apenas de QuirEmas inespecíficos para unidades de

mão, passamos a nos tornar capacitados a distinguir entre as unidades de forma

de mão (QuiriFormEmas ou ManuModusÍculo), de local de mão (QuiriToposEmas ou

ManuLocusÍculos), e de movimento de mão (QuiriCinesEmas ou ManuMotusÍculos).

Esses parâmetros encontram-se ilustrados na Figura 1.

fernando c. capovilla | wanessa garcia 97

Na Figura 1, a primeira coluna apresenta os sinais lexicais corpo e coordena-

dor, que compõem um par mínimo de sinais e que, por isso, diferem em apenas

um dos quatro parâmetros de SimatosEmas-SignumÍculos: o Parâmetro 1, que diz

respeito à forma de mão (QuiriFormEma-ManuModusÍculo). Esses dois sinais são

idênticos em três dos quatro parâmetros de SimatosEmas-SignumÍculos: o Parâmetro

2 (QuiriToposEma-ManuLocusÍculo), que se refere ao local de mão(s), as quais,

nos dois sinais, estão lado a lado, diante do peito, primeiro acima, depois abaixo;

o Parâmetro 3: (QuiriCinesEma-ManuMotusÍculo), que se refere ao movimento de

mão(s), as quais, nos dois sinais, se movem simultaneamente no eixo vertical e de

cima para baixo; o Parâmetro 4 (MascarEma-PersonalÍculo), que se refere à expressão

facial que, nos dois sinais, é neutra. Esses dois sinais diferem apenas no Parâmetro

1 (QuiriFormEma-ManuModusÍculo), que se refere à forma de mão(s), as quais, no

sinal corpo, estão em L, e, no sinal coordenador, estão em C.

Nessa mesma Figura 1, a segunda coluna apresenta os sinais lexicais aprender e

laranja, que compõem um par mínimo e que, por isso, diferem em apenas um dos qua-

tro parâmetros de SimatosEmas-SignumÍculos: o Parâmetro 2, que diz respeito ao local

de mão (QuiriToposEma-ManuLocusÍculo). Esses dois sinais são idênticos em três dos

quatro SimatosEmas-SignumÍculos: o Parâmetro 1 (QuiriFormEma-ManuModusÍculo),

que se refere à forma de mão que, nos dois sinais, é mão em S vertical; o Parâmetro

3 (QuiriCinesEma-ManuMotusÍculo), que se refere ao movimento de mão que, nos

dois sinais, é o de fechar-abrir-fechar, como a espremer; o Parâmetro 4 (MascarEma-

PersonalÍculo), que se refere à expressão facial que, nos dois sinais, é neutra. Esses

dois sinais diferem apenas no Parâmetro 2 (QuiriToposEma-ManuLocusÍculo), que se

refere ao local de mão, o qual é na testa em aprender e diante da boca em laranja.

A motivação da forma do sinal pelo significado dos sinais (cf. Capovilla, Mauricio &

Raphael, 2009a, 2009b) é evidente, sendo que o morfema subjacente ao movimento

de fechar-abrir-fechar é o mesmo: apreender a laranja e espremer o suco na altura

da boca para sorvê-lo no sinal laranja; e apreender o conhecimento e espremê-lo

para absorvê-lo na cabeça (i.e., aprender) no sinal aprender.

Nessa mesma Figura 1, a terceira coluna apresenta os sinais lexicais principal

e continência, que compõem um par mínimo de sinais e que, por isso, diferem em

apenas um dos quatro parâmetros de SimatosEmas-SignumÍculos: o Parâmetro 3,

que diz respeito ao movimento de mão (QuiriCinesEma-ManuMotusÍculo). Esses dois

sinais são idênticos em três dos quatro SimatosEmas-SignumÍculos: o Parâmetro 1

(QuiriFormEma-ManuModusÍculo), que se refere à forma de mão, as quais nos dois

sinais articulam a letra B; o Parâmetro 2 (QuiriToposEma-ManuLocusÍculo), que se

refere ao local de mãos, as quais, nos dois sinais se encontram na altura da têm-

pora direita; o Parâmetro 4 (MascarEma-PersonalÍculo), que se refere à expressão

facial que, nos dois sinais, é neutra. Esses dois sinais diferem apenas no Parâmetro

visemas, quiremas, e bípedes implumes98

3 (QuiriCinesEma-ManuMotusÍculo), que se refere ao movimento de mão que, no

sinal principal, sobe numa linha reta diagonal partindo da têmpora direita para o

lado direito e para frente; e, no sinal continência, desce para trás e para a esquerda

numa linha reta diagonal até chegar à têmpora direita.

Figura 1: Ilustração de quatro pares mínimos de sinais lexicais que diferem em apenas um dos quatro parâmetros de SimatosEmas-SignumÍculos.

Na primeira coluna, os sinais corpo e coordenador diferem no Parâmetro

1 (forma de mão: QuiriFormEma-ManuModusÍculo), pois que as mãos, no sinal

corpo, estão em L, e, no sinal coordenador, estão em C. Na segunda coluna, os

sinais aprender e laranja diferem no Parâmetro 2 (local de mão: QuiriToposEma-

ManuLocusÍculo), pois que este local é na testa em aprender e diante da boca em

laranja. Na terceira coluna, os sinais principal e continência diferem no Parâmetro

3 (movimento de mão: QuiriCinesEma-ManuMotusÍculo), pois que a mão, no sinal

principal, sobe numa linha reta diagonal partindo da têmpora direita para o lado direito

e para frente; e, no sinal continência, desce para trás e para a esquerda numa linha

reta diagonal até chegar à têmpora direita. Na quarta coluna, os sinais desculpar e

prevenir diferem no Parâmetro 4 (expressão facial: MascarEma-PersonalÍculo), que,

no sinal prevenir, consiste nos lábios protrudos; e, no sinal desculpar, é neutro.

Como se depreende da descrição acima, os sinais podem diferir também em

relação à expressão facial, que é o Parâmetro 4. Isso já havia sido admitido pelo

próprio Stokoe. Chamar expressão facial de parâmetro quirêmico é um absurdo

terminológico desconcertante, já que a expressão facial não é uma propriedade

fernando c. capovilla | wanessa garcia 99

da mão, mas, sim, da face, do rosto. Por isso, consideramos que ela não pode ser

concebida como um parâmetro quirêmico (da mão), mas, sim, como um parâme-

tro simatosêmico (do sinal). O fato de que as unidades mínimas dos sinais podem

constituir diferentes propriedades das expressões faciais, e não necessariamente

diferentes propriedades de mãos (forma, local, movimento), constitui a prova cabal

da necessidade de substituir o termo QuirEma pelo termo SimatosEma-SignumÍculo

como unidade de sinalização, e o mais forte argumento para fazer essa substituição.

Por isso, consideramos o termo QuirEma como inadequado, impreciso e insufi-

ciente para representar a unidade mínima de sinalização, já que, pela sua composição

morfêmica, esse termo representa apenas a unidade mínima de mão, e não a unidade

mínima de sinalização propriamente dita. Para sinal um termo grego é σήματος ou

símatos; um termo latino é signum. Assim, este trabalho propõe que a unidade mínima

de sinalização seja designada como SimatosEma (do grego: σήματος ou símatos: sinal;

ημα ou ema: unidade mínima), ou como SignumÍculo (do latim: signum: sinal; -ículo:

unidade mínima). Por isso é que este trabalho propõe que as unidades mínimas de

sinalização sejam denominadas SimatosEmas ou SignumÍculos, em vez de QuirEma

já que essas unidades mínimas da sinalização não se reduzem às unidades mínimas

da mão. De fato, segundo o próprio Sotoke (1960), o sinal é composto não apenas de

mão(s), como também de expressões faciais que funcionam como unidades mínimas

capazes de distinguir entre sinais lexicais de um par mínimo.

A Figura 1, na quarta coluna, ilustra exatamente um desses pares mínimos de

sinais lexicais que diferem apenas em termos da expressão facial, já que as mãos são

idênticas nos dois sinais em termos de sua forma, de seu local, e de seu movimento.

De fato, comparando o sinal desculpar – desculpar-se – desculpa, com o sinal

prevenir – prevenir-se – prevenção, fica claro que esses sinais constituem um par

mínimo de itens lexicais sinalizados, sendo idênticos em tudo quanto aos QuirEmas

(forma de mão, local de mão, e movimento), e diferindo apenas em termos da expressão

facial (lábios protrudos em prevenir, mas face canônica em desculpar). Portanto,

a unidade mínima que diferencia entre esses dois sinais não está na mão, mas, sim,

no rosto. Ela não é um QuirEma, mas sim um MascarEma (do grego: μάσκα ou máska:

máscara; ημα ou ema: unidade mínima) ou um FisiognomEma (do grego: φυσιογνωμία

ou fisiognomia: expressão facial; ημα ou ema: unidade mínima); ou um PersonalÍculo

(do latim: persona, máscara; -ículo: unidade mínima); ou FacieVultÍculo (do latim: fa-

cies vultus: fisionomia; -ículo: unidade mínima). Usar o termo QuirEma (i.e., unidade

mínima de mão) para designar as diversas expressões faciais que distinguem entre

os sinais seria “forçar a mão” (i.e., um contrassenso), já que a expressão facial “está

na cara”, por assim dizer, e não na mão. É por isso que ela não é um QuirEma, mas um

MascarEma ou FisiognomEma; ou um PersonalÍculo ou FacieVultÍculo.

visemas, quiremas, e bípedes implumes100

Os parâmetros pertinentes à expressão facial dizem respeito à expressão do

rosto (envolvendo a forma da boca, dos olhos, da sobrancelha, da testa) e à mímica

(na expressão das emoções e experiências, como as máscaras do teatro grego) e

comportamentos faciais (como soprar, beijar, sugar, morder, mastigar, bocejar, es-

pirrar). Neste trabalho, designamos essas unidades relacionadas à expressão facial a

partir do grego como: MascarEma (μάσκα ou máska: máscara; ημα ou ema: unidade

mínima) ou FisiognomEma (φυσιογνωμία ou fisiognomia: expressão facial; ημα ou ema:

unidade mínima); e a partir do latim como: PersonalÍculo (persona, máscara; -ículo:

unidade mínima); ou FacieVultÍculo (facies vultus: fisionomia; -ículo: unidade mínima).

Portanto, na Figura 1, a quarta coluna apresenta os sinais lexicais desculpar

– desculpar e prevenir, que compõem um par mínimo de sinais, e que, por isso,

diferem em apenas um dos quatro parâmetros de SimatosEmas-SignumÍculos: o

Parâmetro 4, que diz respeito à expressão facial (MascarEma-PersonalÍculo). Esses

dois sinais são idênticos em todos os SimatosEmas-SignumÍculos que se referem

à mão, ou seja, em todos os três tipos de QuirEmas-ManusIculos: o Parâmetro 1

(QuiriFormEma-ManuModusÍculo), que se refere à forma da mão, que, nos dois

sinais, consiste na mão em Y; o Parâmetro 2 (QuiriToposEma-ManuLocusÍculo),

que se refere ao local de mão, que, nos dois sinais, consiste no queixo; o Parâmetro

3 (QuiriCinesEma-ManuMotusÍculo), que se refere ao movimento da mão, que, nos

dois sinais, é ausente, já que a mão é estática. Esses dois sinais diferem em apenas

no Parâmetro 4, que se refere à expressão facial (MascarEma-PersonalÍculo), que,

no sinal prevenir, consiste nos lábios protrudos; e, no sinal desculpar, é neutro.

BREVE EXPLICAÇÃO DA ESTRUTURA DE CADA TERMO

Nessa nova taxonomia, cada termo é composto de um conjunto de um a três

lexemas mais um sufixo. Para cada significado, composto de modo preciso, são

oferecidos dois termos, um derivado da combinação de lexemas do grego; outro,

da combinação de lexemas do latim. Cada termo é composto de um conjunto de

um a três lexemas mais um sufixo. Os termos são formados pela combinação de

lexemas na ordem ASVs, ou seja: A (Adjetivo ou Advérbio, e.g., visível, audível, tate-

ável, falado, escrito, sinalizado), seguido de S (Substantivo, e.g., fala, escrita, sinal),

seguido de V (Verbo, e.g., ver, ouvir, tatear, falar, escrever, sinalizar), seguido de s

(sufixo). Assim, por exemplo, para visão: A (Adjetivo: visível: em grego: φανερός ou

fanerós; em latim: visibilis), seguido de S (Substantivo: visão: em grego: φανέρωση

ou fanerosi; em latim: viso), seguido de V (Verbo: ver: em grego: σκοπεῖν ou skopein;

em latim: videre), seguido de s (sufixo: unidade mínima: em grego: ημα ou -ema; e

em latim: -ículo).

fernando c. capovilla | wanessa garcia 101

Há dois tipos de termos compostos por apenas um lexema mais um sufixo: Ss

(Substantivo-sufixo) ou Vs (Verbo-sufixo). Por exemplo, a unidade de sinal é um

termo do tipo Ss (i.e., formado pelo Substantivo sinal, e pelo sufixo). Essa unidade do

sinal pode ser chamada SimatoEma (do grego: σήματος ou símatos: sinal; ημα ou ema:

unidade mínima) ou SignumÍculo (do latim: signum: sinal; ículo: unidade mínima). A

unidade do falar é um termo do tipo Vs (i.e., formado pelo Verbo falar, e pelo sufixo).

Essa unidade do falar pode ser chamada LalEma (do grego: λαλέω ou laléo: falar; ημα ou

ema: unidade mínima); ou LocutarÍculo (do latim locutare: falar; -ículo: unidade mínima).

Há três tipos de termos compostos por composição dois lexemas mais um

sufixo: ASs (Adjetivo-Substantivo-sufixo) ou AVs (Adjetivo-Verbo-sufixo) ou SVs

(Substantivo-Verbo-sufixo). Por exemplo, a unidade da fala visível é um termo do

tipo ASs (i.e., formado pelo Adjetivo visível, pelo Substantivo fala, e pelo sufixo).

Essa unidade da fala visível pode ser chamada FaneroLaliEma (do grego: φανερός ou

fanerós: visível; λαλιά ou laliá: fala; ημα ou ema: unidade mínima); ou VisibilisLocutÍculo

(do latim: visibilis: visível; locutio: fala; e ículo: unidade mínima). A unidade do falar

tateável é um termo do tipo AVs (Adjetivo-Verbo-sufixo) (i.e., formado pelo Adjetivo

tateável, pelo Verbo falar, e pelo sufixo). Essa unidade do falar tateável pode ser

chamada EsteseLalEma (do grego: ευαίσθητος ou eiaísthētos: sensível; λαλέω ou

laléo: falar; ημα ou ema: unidade mínima); ou TactilisLocutarÍculo (do latim tactilis:

tateável; locutare: falar; -ículo: unidade mínima). A unidade do tatear o sinal é um

termo do tipo SVs (Substantivo-Verbo-sufixo) (i.e., formado pelo Substantivo sinal,

pelo Verbo tatear, e pelo sufixo). Essa unidade do tatear o sinal pode ser chamada

SimatoEstesEma (do grego:σήματος ou símatos: sinal; αισθάνομαι ou aisthanomai:

sentir; ημα ou ema: unidade mínima); ou SignumTangerÍculo (do latim: signum: sinal;

tangere: tocar, tatear, apalpar; ículo: unidade mínima).

Há apenas um tipo de composição formada por três lexemas mais um sufixo:

ASVs (Adjetivo-Substantivo-Verbo-sufixo). Por exemplo, a unidade do escrever o

sinal visível é um termo do tipo ASVs (Adjetivo-Substantivo-Verbo-sufixo) (i.e.,

formado pelo Adjetivo visível, pelo Substantivo sinal pelo Verbo escrever, e pelo

sufixo). Essa unidade do escrever sinais visíveis, como na escrita visual direta de

sinais SignWriting (Capovilla & Sutton, 2009) para tomada de ditado dos sinais vistos,

pode ser chamada FanerosSimatoGrafEma (do grego: φανερός ou fanerós: visível;

σήματος ou símatos: sinal; γράφω ou gráfo: escrever; ημα ou ema: unidade mínima);

ou VisibilisSignumScriberÍculo (do latim: visibilis: visível; signum: sinal; scribere:

escrever; ículo: unidade mínima). Centenas de outros termos, nas mais variadas

áreas, juntamente com suas aplicações, podem ser encontrados em Capovilla (2011).

visemas, quiremas, e bípedes implumes102

CONCLUSÃO

A refundação da nomenclatura permite configurar uma matriz de proprie-

dades linguísticas e psicolinguísticas pertinentes ao processamento linguístico, e

de competências linguísticas e metalinguísticas envolvidas nesse processamento,

possibilitando empreender um tratamento conceitual mais rigoroso e aprofundado,

e mais compreensivo e preciso, capaz de fazer distinções progressivamente mais

finas entre fenômenos antes aparentemente indistintos, e reconhecer padrões sis-

tematicamente mais sutis e regularidades cada vez mais amplas entre fenômenos

psicolinguísticos até então aparentemente não relacionados ou dispersos.

A refundação da nomenclatura e a refundação da metodologia progridem pari

passu, colaborando uma para a outra num círculo virtuoso. A nova nomenclatura

nomeia cada fenômeno de modo exaustivo e preciso segundo seu endereço numa

matriz conceitual multidimensional. Com isso, essa nova nomenclatura permite

processar conceitualmente com muito maior clareza os diversos fenômenos e as

relações entre eles. Esse endereçamento conceitual permite desenhar delineamen-

tos experimentais e estatísticos cada vez mais avançados, que produzem controle

cada vez maior na modulação das propriedades daqueles fenômenos; e, com isso,

estabelecer distinções conceituais cada vez mais refinadas, que encontram registro

na nomenclatura, impelindo, assim, o progresso teórico e tecnológico constante.

Isso permite desenvolver instrumentos de intervenção cada vez mais eficazes e

instrumentos de avaliação cada vez mais válidos e sensíveis.

Tais instrumentos têm permitido descobrir fenômenos inusitados, como o das

paragrafias quirêmicas (lapsus calami via similis manus, ou lectossubstituição vocabular

baseada na semelhança entre os sinais subjacentes, lapsus scriptionis vis lapsus manus ou

por mediação de sinais) em surdos sinalizadores (Capovilla & Mazza, 2008), e possibilitar

o mapeamento fino de processos até então pouco compreendidos, como a mediação

pela sinalização interna na leitura e na escrita de surdos (cf. Capovilla & Ameni, 2008;

Capovilla, Capovilla, Mazza, Ameni & Neves, 2006), e as relações insuspeitas entre as

competências de leitura orofacial e de leitura alfabética e a memória de trabalho em

ouvintes e surdos (cf. Capovilla, De Martino, Macedo, Sousa-Sousa, Graton-Santos

& Maki, 2009; Capovilla, Sousa-Sousa, Maki, Ameni & Neves, Sousa, 2008; Capovilla,

Sousa-Sousa, Maki, Ameni, Neves, Roberto, Damázio & Sousa, 2009).

Este capítulo original visou a contribuir para o estudo da linguagem de surdos

e para a educação de surdos ao demonstrar a fragilidade de dois dos mais clássicos

e importantes conceitos (QuirEmas para língua de sinais, e VisEmas para leitura

orofacial visual da linguagem falada), que vêm sendo empregados extensamente

na bibliografia científica internacional desde os anos 1960, e, ao propor uma nova

taxonomia da linguagem do surdo para avançar os estudos no campo, uma taxonomia

capaz de articular as áreas de linguagem de sinais, linguagem escrita, e linguagem

oral, com vistas a auxiliar a consecução do Bilinguismo pleno.

fernando c. capovilla | wanessa garcia 103

REFERÊNCIAS

ALCORN, S. (1932). The Tadoma method. Volta Review, 34, 195-198.

BONET, J. de P. (1620). Reduction de las letras y arte para enseñar a ablar los mudos. Biblioteca Digital Hispánica (BNE).

CAPOVILLA, F. C. (2011). Paradigma neuropsicolinguístico: refundação conceitual e metodológica na alfabetização de ouvintes, deficientes auditivos, cegos, surdos e surdocegos. In: CAPOVILLA, F. C. (Org.). Transtornos de aprendizagem: progressos em avaliação e intervenção preventiva e remediativa. 2. ed. São Paulo: Memnon, p. 42-131. (ISBN: 978-85-7954-015-8).

______; AMENI, R. (2008). Compreendendo fenômenos de pensamento, leitura e escri-ta à mão livre no surdo: descobertas arqueológicas de elos perdidos e o significado de fósseis desconcertantes. In: SENNYEY, A. L.; CAPOVILLA, F. C.; MONTIEL, J. M. (Org.). Transtornos de aprendizagem: da avaliação à reabilitação. São Paulo: Artes Médicas, p. 195-206. (ISBN: 978-84-367-0082-3).

______; DE MARTINO, J. M.; MACEDO, E. C.; SOUSA-SOUSA, C. C.; GRATON-SANTOS, L. E.; MAKI, K. (2009). Alfabetização produz leitura orofacial? Evidência transversal com ouvintes de 1ª a 3ª séries da Educação Infantil, e de coorte (transversal-longitudinal) com surdos de 4ª a 8ª séries do Ensino Fundamental. In: MONTIEL, J. M.; CAPOVILLA, F. C. (Org.). Atualização em transtornos de aprendizagem. São Paulo: Artes Médicas, p. 497-540. (ISBN 978-85-367-0108-0).

______; GIACOMET, A.; MAZZA, C. Z.; AMENI, R.; NEVES, M. V.; CAPOVILLA, A. G. S. (2006). Quando surdos nomeiam figuras: Processos quirêmicos, semânticos e ortográ-ficos. Florianópolis, SC, Perspectiva, 24, 153-175.

______; GRATON-SANTOS, L. E.; SOUSA-SOUSA, C. C. (2009). Preliminary evidence of visemic-lalemic reverberation involvement in picture recognition memory skill in pres-choolers. Annals of the II International Meeting on Working Memory. São Paulo: Unifesp.

______; MAURICIO, A. C.; RAPHAEL, W. D. (2009a). Metaneuropsicolinguística cog-nitiva da representação mental: desenvolvimento do raciocínio neuropsicolinguístico para compreender as figuras de linguagem numa língua figurativa – O caso da análise da estrutura morfêmica molecular e molar de Libras. In: MONTIEL, J. M.; CAPOVILLA, F. C. (Org.). Atualização em transtornos de aprendizagem. São Paulo: Artes Médicas, p. 407-474. (ISBN 978-85-367-0108-0).

CAPOVILLA, F. C.; MAURICIO, A. C.; RAPHAEL, W. D. (2009b). Novo Deit-Libras: Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da Língua de Sinais Brasileira (Libras) baseado em Linguística e Neurociências Cognitivas – Por um novo paradigma na dicionarização das línguas de sinais. In: CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D.; MAURICIO, A. C. (Org.). Novo Deit-Libras: Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da Língua de Sinais Brasileira (Libras) baseado em Linguística e Neurociências Cognitivas. São Paulo: Edusp, v. 1, p. 21-42. (ISBN: 85-314-1178-6).

visemas, quiremas, e bípedes implumes104

CAPOVILLA, F. C.; MAZZA, C. R. Z. (2008). Nomeação de sinais de Libras por escolha de palavras: paragrafias quirêmicas, semânticas e ortográficas por surdos do Ensino Fundamental ao Ensino Superior. In: SENNYEY, A. L.; CAPOVILLA, F. C.; MONTIEL, J. M. (Org.). Transtornos de aprendizagem: da avaliação à reabilitação. São Paulo: Artes Médicas, p. 179-193. (ISBN: 978-84-367-0082-3).

______; CAPOVILLA, A. G. S.; MAZZA, C. Z.; AMENI, R.; NEVES, M. V. (2006). Quando alunos surdos escolhem palavras escritas para nomear figuras: paralexias ortográficas, semânticas e quirêmicas. Revista Brasileira de Educação Especial, 12, 203-220.

______; VIGGIANO, K.; BIDÁ, M. C. P. R.; CAPOVILLA, A. G. S.; RAPHAEL, W. D.; NEVES, M. V.; MAURICIO, A. C. (2005). Como acompanhar o desenvolvimento da competência de leitura em surdos do ensino fundamental ao médio, e analisar processos quirêmicos e ortográficos: Versão 2.1 do Teste de Nomeação de Figuras por Escolha de Palavras (TNF2.1-Escolha) para controlar efeito de carreamento entre avaliações. In: CAPOVILLA, F.; RAPHAEL, W. (Org.). Enciclopédia da Língua de Sinais Brasileira: o mundo do surdo em Libras, v. 8: Sinais de Libras e o mundo das palavras de função gramatical, e Como acompanhar o desenvolvimento da competência de leitura (processos quirêmicos e ortográficos) de escolares surdos do Ensino Fundamental ao Médio. São Paulo: Edusp, Fundação Vitae, Capes, CNPq, e Fapesp, p. 201-896. (ISBN: 85-314-0902-0).

______; SOUSA-SOUSA, C. C.; MAKI, K.; AMENI, R.; NEVES, M. V. (2008). Avaliando a habilidade de leitura orofacial em surdos do ensino fundamental e comparando a eficácia relativa de modelos de legibilidade orofacial fonético-articulatório e de Dória. In: SENNYEY, A. L.; CAPOVILLA, F. C.; MONTIEL, J. M. (Org.). Transtornos de aprendizagem: da avalia-ção à reabilitação. São Paulo: Artes Médicas, p. 207-220. (ISBN: 978-84-367-0082-3).

______; SOUSA-SOUSA, C. C.; MAKI, K.; AMENI, R.; NEVES, M. V.; ROBERTO, R.; DAMÁZIO, M.; SOUSA, A. V. L. (2009). Uma lição crucial para Neuropsicologia da Linguagem e Psicometria: a importância de controlar a familiaridade da forma ortográfica das palavras e a univocidade das figuras – O caso da avaliação de leitura orofacial e vocabulário em surdos de 2ª, 4ª, 6ª e 8ª séries do Ensino Fundamental. In: MONTIEL, J. M.; CAPOVILLA, F. C. (Org.). Atualização em transtornos de aprendizagem. São Paulo: Artes Médicas, p. 383-406. (ISBN 978-85-367-0108-0).

______; SUTTON, V. (2009). Como ler e escrever os sinais de Libras: a escrita visual direta de sinais SignWriting. In: CAPOVILLA, F. C.; RAPHAEL, W. D.; MAURICIO, A. C. (Org.). Novo Deit-Libras: Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da Língua de Sinais Brasileira (Libras) baseado em Linguística e Neurociências Cognitivas. São Paulo: Edusp, v. 1, p. 73-121. (ISBN: 978-85-314-1178-6).

fernando c. capovilla | wanessa garcia 105

DE MARTINO, J. M. (2005). Animação facial sincronizada com a fala: visemas depen-dentes do contexto fonético para o português do Brasil. 182 pp. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, São Paulo.

DE MARTINO, J. M.; MAGALHÃES, L. P. (2004). Um conjunto de visemas para uma cabeça falante do português do Brasil. III Congresso Iberoamericano Iberdiscap 2004 – Tecnologia de apoyo a la discapacidad. Jan Jose, Costa Rica: Universidad Estatal a Distancia, p. 198-203.

FISHER, C. G. (1968). Confusions among visually perceived consonants. Journal of Speech and Hearing Research, 11(4), 796-804. Disponível em: <http://jslhr.asha.org/cgi/content/abstract/11/4/796>.

LAKOFF, G. (1987). Women, fire, and dangerous things: what categories reveal about the mind. Chicago, IL: University of Chicago Press. (ISBN: 0-226-46804-6).

NORTON, S. J.; SCHULTZ, M. C.; REED, C. M.; BRAIDA, L. D.; DURLACH, N. I.; RABINOWITZ, W. M.; CHOMSKY, C. (1977). Analytic study of the Tadoma method: Background and preliminary results. Journal of Speech and Hearing Research, 20, 574-595.

OWENS, E.; BLAZEK, B. (1985). Visemes observed by hearing-impaired and normal hearing adult viewers. Journal of Speech and Hearing Research, 28, 391-393.

REED, C.; DOHERTY, M.; BRAIDA, L.; DURLACH, N. (1982). Analytic study of the Tadoma method: further experiments with inexperienced observers. Journal of Speech and Hearing Research, 25, 216-223.

REED, C.; DURLACH, N. I.; BRAIDA, L. D.; SCHULTZ, M. C. (1982). Analytic study of the Tadoma Method: Identification of consonants and vowels by an experienced Tadoma user. Journal of Speech and Hearing Research, 25, 108-116.

REED, C.; DURLACH, N. I.; BRAIDA, L. D.; SCHULTZ, M. C. (1989). Analytic study of the Tadoma method: Effects of hand position on segmental speech perception. Journal of Speech and Hearing Research, 32, 921-929.

REED, C.; DURLACH, N. I.; DELHORNE, L. A.; RABINOWITZ, W. M.; GRANT, K. W. (1989). Research on tactual communication of speech: Ideas, issues, and findings. Volta Review, 91, 65-78.

REED, C.; RABINOWITZ, W. M.; DURLACH, N. I.; BRAIDA, L. D.; CONWAY-FITHIAN, S.; SCHULTZ, M. C. (1985). Research on the Tadoma method of speech communication. Journal of the Acoustic Society of America, 77, 247-257.

REUS, E. (2005). Senciência! Les Cahiers antispécistes: réflexion et action pour l’égalité animale. Tradução de Nicolau Kouzmin-Korovaeff. Disponível em: <http://www.cahie-rs-antispecistes.org/spip.php?article15>. Recuperado em: 26 ago. 2011.

STOKOE, W. C. (1960). Sign Language structure: an outline of the visual communication system for the American Deaf. Buffalo, NY: Buffalo University.

VIVIAN, R. (1966). The tadoma method: a tactual approach to speech and speech reading,

Volta Review, 68, 733-737.

visemas, quiremas, e bípedes implumes106

Nota: Dada a importância seminal deste capítulo para a área de pesquisa, segue

versão geral em inglês: The present chapter demonstrates the need to replace

two of the most important terms in the area of deaf language studies, which have

been broadly used since the decade of 1960. The term Chereme has been proposed

by Stokoe (1960) as the minimal unit of sign languages, by analogy with Phoneme

as the minimal unit of spoken languages. The term Viseme has been proposed by

Fisher (1968) as the minimal unit of visual reception of speech, by analogy with

Phoneme as the minimal unit of auditory of speech. The present chapter proposes

replacing the term Viseme with the term Phanerolaleme or Visibilislocuticulum. It also

proposes replacing the term Chereme with the term Simatoseme or Signumiculum,

since this new term contemplates not only all three parameters pertaining to the

hands (handshape, hand place, hand movement) for which the term Chereme may

be preserved, provided it be better specified, but also the parameter pertaining to

the facial expression. The present paper proposes adopting four terms for repre-

senting the four Simatosemes-Signumiculi parameters, namely: 1) Chereformemes-

Manumodusiculi for handshsapes; 2) Cheretoposemes-Manulocusiculi for hand

placements, 3) Cherekinesemes-Manumotusiculi for hand movements; and 4)

Mascareme-Personaliculum for facial expressions. The chapter discusses Cheremes

and Visemes as examples of the need to conduct a thorough etymology-based re-

vision of taxonomy in order to allow for implementing more sophisticated models

of experimental and statistical control designs.

107

PROCESSAMENTO LINGUÍSTICO E AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM: UMA ABORDAGEM INTEGRADA

Letícia Maria Sicuro Corrêa (PhD, University of London, 1986)

1. INTRODUÇÃO

Este capítulo apresenta uma abordagem integrada para o estudo do processa-

mento linguístico e da aquisição da linguagem, que tem como elemento integrador

uma concepção teórica de língua. Segundo esta, a forma assumida pelas línguas

humanas e seu modo de funcionamento são, em grande parte, decorrência das

características de todo o aparato (cognitivo, fisiológico) envolvido no processa-

mento linguístico, o que vem a explicar a naturalidade com que línguas humanas

são adquiridas em condições normais. Processamento linguístico e aquisição da

linguagem são vistos, pois, de forma inerentemente integrada.

Processamento linguístico e aquisição da linguagem são os grandes núcleos

temáticos da pesquisa psicolinguística. O processamento linguístico transcorre em

duas direções: de uma ideia à fala; do enunciado percebido a uma representação

semântica deste enunciado. Assim sendo, por um lado, o processamento linguístico

diz respeito ao processo que transforma uma ideia ou mensagem, vinculada a uma

intenção de fala (em um dado contexto), em uma representação mental passível

de ser articulada em sons vocais1 e/ou registrada na escrita, ou percebida (embora

não emitida) como pensamento consciente. Por outro lado, diz respeito ao processo

que parte da percepção do sinal acústico2 da fala, ou gráfico da escrita, e dá origem

a uma representação de natureza semântica passível de ser integrada no discurso,

e com toda a base de conhecimento do ouvinte/leitor.

1 Sempre que nos referirmos a fala e sons vocais, podemos, em princípio, incluir a fala em sinais, nas línguas de sinais adquiridas espontaneamente em caso de deficiência auditiva ou de convivência com falantes dessas línguas.

2 É interessante observar que o sinal acústico da fala pode ser suplementado por informação visual proveniente dos lábios do falante, como sugere o chamado efeito McGurk, (cf. McGurk, H. & MacDonald, J. (1976). Hearing lips and seeing voices. Nature 264 (5588): 746-8); http://www.youtube.com/watch?v=jtsfidRq2tw), ainda que essa informação não seja essencial ao processamento linguístico.

processamento linguístico e aquisição da linguagem108

O processamento linguístico é conduzido de forma natural, em grande parte

automática, pelos seres humanos, mas pode ser implementado, ainda que de forma

limitada, por computadores, a partir de programas destinados ao processamento

automático de línguas naturais. A Psicolinguística lida apenas com o processamento

linguístico humano, propondo modelos3 dos processos mentais implementados pelo

cérebro na produção, na percepção e na compreensão da linguagem. Em determinados

casos, a simulação desses processos em computador pode ser utilizada. Este é, contudo,

nesse caso, apenas uma ferramenta para o teste hipóteses sobre processos mentais.4

O estudo da aquisição da linguagem diz respeito à aquisição de uma língua

materna (ou de mais de uma língua, no caso de bi/multilinguismo) pela criança, em

condições naturais. Pode-se dizer que a aquisição da linguagem começa ainda na

fase intrauterina, quando os contornos prosódicos da fala da mãe são percebidos

pela criança (Lecanuet, 1998), processo esse que se intensifica após o nascimento,

quando a criança se insere em um ambiente linguístico. Muitas das propriedades

da língua em aquisição que se apresentam à criança são identificadas antes de esta

emitir suas primeiras palavras e expressões verbais. Assim sendo, o estudo da aqui-

sição da linguagem, concebida em termos de processamento linguístico, parte do

processamento do sinal da fala pelo bebê (cf. Morgan & Demuth, 1996).

O estudo do processamento linguístico pelo adulto e o da aquisição da linguagem

não são necessariamente conduzidos de forma integrada. O primeiro, ao pressupor

conhecimento de uma língua, pode, em princípio, ser conduzido sem que se proble-

matize o processo de aquisição da linguagem ou mesmo sem que se considere um

modelo de língua comprometido com aprendibilidade.5 O segundo admite diferentes

abordagens, sendo a psicolinguística, stricto sensu, uma delas.

3 Entende-se por modelos, nesse contexto, representações teóricas de processos mentais con-duzido na mente/cérebro, as quais apresentam as propriedades atribuídas (por hipótese) àqueles.

4 A metodologia mais tradicional e mais utilizada na pesquisa psicolinguística é a comportamen-tal – utilização de tarefas a serem desempenhadas por falantes adultos e crianças. Respostas verbais, respostas em forma de ação, o tempo de resposta, a direção e o tempo de fixação do olhar são os tipos de dados de que a pesquisa psicolinguística usualmente dispõe. Mais recentemente, com a crescente aproximação entre Psicolinguística e Neurociência Cognitiva, respostas eletrofisiológicas do cérebro e/ou imagens do cérebro em atividade na execução de uma dada tarefa linguística também contribuem para a criação, o refinamento ou a sustentação de teorias psicolinguísticas.

5 Propriedade daquilo que é passível de ser aprendido. Um modelo de língua comprometido com aprendibilidade visa a apresentar as propriedades que fazem das gramáticas das línguas naturais algo que pode ser aprendido ou identificado, naturalmente, ou seja, sem treinamento específico, mediante inserção em uma comunidade linguística, por qualquer criança em condições normais.

letícia maria sicuro corrêa 109

A abordagem para a aquisição da linguagem que identificamos como psico-

linguística em sentido estrito tem como objetivo caracterizar o modo como esse

processo transcorre, do processamento do sinal da fala pelo bebê à progressiva

identificação das propriedades da gramática da língua, processo esse que se realiza,

em grande parte, nos primeiros cinco anos de vida, restando a serem desenvolvidos,

na infância tardia, aspectos sutis de ordem semântica/intencional, ou possivelmente

vinculados à experiência com a língua escrita.

O desempenho linguístico da criança – na produção e na compreensão da lin-

guagem – é visto, nessa abordagem, como função do estado de seu conhecimento

linguístico e do estado de desenvolvimento de suas habilidades de processamento,

o que pode acarretar o uso de estratégias cognitivas. Por exemplo, uma criança de

três anos de idade pode recorrer a uma estratégia que leve a uma interpretação

equivocada para sentenças com estruturas recursivas como Mostre a terceira bola

verde ou Mostre o tigre que o urso empurrou (como mostrar a terceira bola ainda que

esta não seja verde, ou a figura em que o tigre é agente da ação de empurrar, em uma

tarefa de identificação de imagens). Uma resposta equivocada não necessariamente

implica, contudo, ausência de operações recursivas em seu aparato linguístico ou de

conhecimento específico quanto às possibilidades de estruturas recursivas na língua

em aquisição (Corrêa, 1995; Marcilese, 2011; Marcilese, Corrêa & Augusto, 2011).

Em contrapartida, o uso de uma estratégia cognitiva pode dar origem a respostas

aparentemente adequadas em uma particular situação, sem que isso seja indicativo

da posse do conhecimento ou do domínio das habilidades de processamento reque-

ridas. Distinguir ausência de conhecimento específico de dificuldades no uso desse

conhecimento em determinadas condições, assim como identificar o tipo de evidência

efetivamente informativa quanto ao estado de desenvolvimento linguístico da criança

são, portanto, cruciais no estudo psicolinguístico da aquisição da linguagem.

Mais do que identificar o que a criança possui como conhecimento em um dado

momento ou caracterizar o tipo de estratégias com que ela lida diante de demandas

específicas, cabe a uma teoria psicolinguística da aquisição da linguagem explicar de

que modo tal conhecimento pode ser adquirido a partir da informação proveniente

dos dados da fala a partir de um dado estado inicial. O estudo psicolinguístico da

aquisição da linguagem requer, portanto, um modelo/teoria da língua a ser adqui-

rida (sua gramática), que leve em conta o problema da aquisição da linguagem6, e

6 Teorias linguísticas em geral e modelos formais de língua em particular não necessariamente se propõem a caracterizar a gramática da língua como algo passível de ser naturalmente adquirido. Esta é a preocupação central da Linguística Gerativista, particularmente na vertente chomskyana.

processamento linguístico e aquisição da linguagem110

uma teoria do processamento linguístico que permita prever o custo relativo da

aquisição de uma dada estrutura ou, alternativamente, uma teoria de aprendizagem

(independente de domínio) em que possa se apoiar.

A despeito de haver hoje consenso quanto à necessidade de se assumir uma

disposição biológica que possibilite a criação/aquisição de línguas (Elman et al.,

1996), divergências com relação ao que atribuir ao estado inicial do processo de

aquisição da linguagem e quanto à natureza (geral ou específica) dos procedimentos

requeridos no processamento do material linguístico pela criança têm dificultado

o diálogo entre a Psicolinguística e a Linguística. A proposta de um estado inicial,

concebido em termos de uma Gramática Universal (GU) e de um LAD (language

acquisition devise – recursos destinados à aprendizagem de línguas naturais)

(Chomsky, 1965), tem gerado resistência da parte de psicolinguistas. Assim sendo,

a pesquisa psicolinguística em aquisição da linguagem, de um modo geral, não se

compromete com uma dada teoria de língua ou com uma concepção linguística do

estado inicial do processo, ainda que a ideia de princípios e parâmetros possa ser

incorporada (cf. McWhinney, 1987; Hirsh-Pasek et al., 2006).

Uma dificuldade de integração Linguística/Psicolinguística também pode ser

constatada quando se consideram modelos de produção e de compreensão da

linguagem. Uma vez estabelecida a dicotomia competência/desempenho nos anos

60, a linguística gerativista, elegendo como objeto a competência linguística (língua

interna) e seu estado inicial (GU), optou por conceber este último independente-

mente de considerações relativas ao desempenho, ou seja, do fato de que sentenças

geradas por gramáticas de línguas naturais têm de ser processáveis pelo aparato

cognitivo/fisiológico de que o ser humano dispõe.

Ao privilegiar aprendibilidade em detrimento de processabilidade na caracteri-

zação do formalismo das gramáticas, a teoria linguística, na vertente chomskyana,

tornou-se pouco atrativa para modelos de processamento. Formalismos alternati-

vos, não necessariamente comprometidos com aprendibilidade, são tomados como

referência nesses modelos (Kempen & Hoenkamp, 1987; Ferreira, 2000). E aqueles

que têm como referência a teoria padrão e seus desdobramentos (Frazier, 1979;

1990; Gorrell, 1995) encontram dificuldade de explicitar o modo como o processa-

dor sintático seria informado pela gramática (cf. Crocker, 1996; Townsend & Bever,

2002, para comparação entre modelos).

Somente na década de 90, no contexto do Programa Minimalista (Chomsky, 1995

em diante), é que os chamados sistemas de desempenho (perceptual/articulatório;

conceitual/intencional), e todo o aparato necessário ao processamento linguístico,

passaram a ser explicitamente considerados como fonte de restrições à forma das

línguas naturais. Ou seja, constatou-se a impossibilidade de se lidar com a questão

da aprendibilidade sem levar em conta processabilidade. Diante disso, na proposta

letícia maria sicuro corrêa 111

minimalista, sentenças ou expressões linguísticas geradas por uma gramática criam

interfaces com os sistemas que atuam no processamento linguístico e o estado ini-

cial da língua é concebido em termos de uma faculdade de linguagem, em sentido

amplo (FLA), que prevê integração da língua com todos os sistemas recrutados no

desempenho linguístico. Estes incluem os sistemas que interagem com a língua na

especificação dos traços que compõem os elementos de um léxico potencial (o siste-

ma conceitual/intencional, no que concerne aos traços semânticos e traços formais

semanticamente interpretáveis, e o sistema sensório-motor, no que concerne aos

traços fonológicos), na computação sintática (como a memória de trabalho), ou na

próxima execução da fala (os sistemas respiratório e digestivo adaptados no aparato

fonador, por exemplo) (Hauser, Chomsky, Fitch, 2002).

FLA incorpora, além de um léxico potencial, uma faculdade linguagem em sentido

restrito (FLE), ou seja, um mecanismo gerativo universal: sistema computacional ou

conjunto de operações sintáticas que operam sobre traços formais7 dos elementos do

léxico na derivação de expressões linguísticas (Hauser, Chomsky, Fitch, 2002). Uma

expressão linguística resulta, então, da computação sintática e do spell-out de seu

produto, ou seja, da disponibilização de informação proveniente dos elementos do

léxico já posicionados hierárquica e linearmente para as interfaces fonética e semântica.

Nesse contexto, os princípios e parâmetros de GU passam a ser vistos como

subordinados ao Princípio da Interpretabilidade Plena nas interfaces, que garante

que a informação presente nos níveis de interface seja legível para os sistemas de

desempenho. Trata-se, portanto, de um princípio fundamental que, juntamente

com restrições de economia (que supostamente se aplicam em geral), garante que o

resultado de derivações linguísticas seja processável por seres humanos. A proposta

de que a forma das línguas humanas (as propriedades das gramáticas) fundamen-

talmente decorre de restrições processamento (Chomsky, 2005) favorece, pois, o

tratamento integrado do processamento e da aquisição da linguagem por parte de

uma teoria psicolinguística.

7 Os traços formais, equivalentes a símbolos (caracteres desprovidos de sentido, em linguagens formais, de computação), são o que possibilita ao sistema computacional combinar elementos do léxico de forma autônoma, ou seja, sem influência de outros sistemas cognitivos (ainda que estes possam ter natureza semântica e venham a ser semanticamente interpretados nas interfaces). As propriedades dos traços formais, identificadas no curso da aquisição da linguagem, são o que permite que operações universais derivem expressões linguísticas de línguas específicas.

processamento linguístico e aquisição da linguagem112

A abordagem integrada a ser aqui apresentada deu origem a um programa de pes-

quisa8 que se desenvolve em três eixos: (i) integração processador-gramática; (ii) aquisi-

ção da linguagem como processamento nas interfaces, (iii) problemas de/na linguagem.

Em (i), estamos construindo um modelo integrado de computação on-line

(MINC) (Corrêa & Augusto, 2006; 2007; 2011), que visa a explicitar o modo como

operações sintáticas que derivam expressões linguísticas a partir da combinação de

elementos do léxico seriam conduzidas em tempo real, na produção e na compre-

ensão da linguagem. Em (ii), desenvolvemos um modelo procedimental da aquisi-

ção da linguagem (MPAL) no qual o conceito de aprendizagem guiada por fatores

inatos (AGFI), oriundo da Etologia (Gould & Marler, 1987; Marler, 1991) e assumido

em grande parte da pesquisa sobre o processamento da fala por bebês (Jusczyk

& Bertoncini, 1988; Jusczyk, 1997), é interpretado à luz da FLA, acima mencionada

(Corrêa, 2009a; 2009b). A AGFI é entendida como uma disposição biológica para que

padrões recorrentes no sinal da fala sejam tomados como indicativos de informação

gramaticalmente relevante na interface fônica (ou seja, na forma fonética, que faz

interface da língua com o sistema sensório-motor), capaz de bootstrap (inicializar)

o sistema computacional universal (FLE) utilizado na análise do material linguístico.

FLA/AGFI também prevê processamento na interface semântica, de modo que os

padrões regulares identificados na interface fônica são semanticamente interpre-

tados a partir das condições de uso da língua, sob o pressuposto de que enunciados

linguísticos fazem referência a entidades e eventos (Pylyshyn, 1977).

Com base nessa visão, buscamos caracterizar o processo de aquisição da lingua-

gem como a progressiva especificação de traços formais (de categorias funcionais do

léxico), levando em conta o tipo de informação proveniente da interface fônica a que

bebês são sensíveis (como informação de natureza morfofonológica) (Name, 2002;

Corrêa & Name, 2003; Bagetti, 2009; Bagetti & Corrêa, 2010; Bagetti & Corrêa, 2011),

o papel da concordância na identificação de traços formais (Corrêa, 2001; Name,

2002; Corrêa & Name, 2003; Corrêa, Augusto & Ferrari, 2005; Ferrari, 2008; Corrêa,

Augusto & Castro, 2010), de elementos funcionais na delimitação de classes lexicais

(Teixeira, 2009; Teixeira & Corrêa, 2008), o papel da referência no processamento

de informação proveniente da interface semântica (Corrêa, Augusto & Ferrari, 2005;

Augusto & Corrêa, 2005), o custo relativo da identificação de distinções morfológicas

(Lima-Rodrigues, 2007; Longchamps, 2009; Lonchamps & Corrêa, 2010a; 2010b) e

8 Este programa de pesquisa vem sendo delineado progressivamente em Corrêa, 2002; 2005; 2006; 2008.

letícia maria sicuro corrêa 113

da dependência a estas no reconhecimento e interpretação de formas pronominais

(Marcilese, 2007; Marcilese, Corrêa & Augusto, 2008), assim como distinções tardias

pertinentes à interação da língua com sistemas intencionais, no caso de genericidade,

definitude e ponto de vista (Augusto & Corrêa, 2007; Corrêa, Augusto & Andrade-

Silva, 2008; Villarinho, Corrêa & Augusto, 2011). Consideramos, ainda, o custo de

processamento como determinante do desenvolvimento linguístico e de possíveis

problemas de linguagem (Miranda, 2008; Corrêa & Augusto, 2011b; Corrêa, Augusto

& Bagetti, 2011), e exploramos em que medida FLE poderia contribuir para o desen-

volvimento de habilidades em outros domínios, como o numérico e o da Teoria da

Mente (Augusto & Corrêa; 2009; Marcilese, 2011; Marcilese, Corrêa & Augusto, 2011;

Marcilese et al., 2009; Villarinho & Marcilese, 2009). O eixo aplicado (iii) visa a prover

meios de avaliação de habilidades linguísticas de crianças e embasamento teórico

para intervenção em problemas de linguagem no desenvolvimento linguístico, à luz

dos desenvolvimentos em (i) e (ii) (Corrêa, 2001-2008; Corrêa & Augusto, 2011c).

Neste capítulo, concentramo-nos em apresentar, em linhas gerais, o MINC e o

MPAL, trazendo alguns dos resultados experimentais já obtidos.

2. INTEGRAÇÃO PROCESSADOR-GRAMÁTICA: POR UM MODELO DE COMPUTAÇÃO ON-LINE

Computação sintática, de um ponto de vista linguístico, diz respeito à deriva-

ção de sentenças ou expressões linguísticas por meio de um algoritmo que define

as possibilidades combinatórias para os elementos de um léxico na expressão de

relações lógico-semânticas. De um ponto de vista cognitivo, tais possibilidades

apresentam-se virtualmente ao falante/ouvinte, dada sua competência linguística.

Computação sintática, de um ponto de vista psicolinguístico, consiste na

condução de um procedimento (ou algoritmo) que, a partir do acesso ao Léxico

Mental, por via semântica, na produção da fala, ou do reconhecimento lexical, por

via fonológica, na compreensão, cria estruturas hierárquicas que expressam, de

forma inequívoca, relações de ordem lógica e semântica. No caso da produção, a

computação sintática faz parte da chamada codificação gramatical em modelos

psicolinguísticos (cf. Levelt, 1989). Esta inclui o acesso lexical a partir da concep-

tualização de uma mensagem vinculada a uma intenção de fala, e o mapeamento

de relações lógico-semânticas em estruturas sintáticas construídas a partir de

informação gramatical codificada no léxico (Levelt, 1989; Garrret, 2000; Vosse and

Kempen, 2000). No caso da compreensão, a computação sintática corresponde ao

parsing (análise sintática), conduzido a partir do reconhecimento lexical, dando

origem a uma estrutura sintática, à qual é atribuída uma interpretação semântica.

processamento linguístico e aquisição da linguagem114

As Figuras 1 e 2 situam a computação sintática em um esquema básico do

processo de produção e de compreensão, respectivamente.

Conceptualização Acesso lexical

Codificação gramatical

Conceitos lexicais

Lemas

LexemasCodificação (morfo) fonológica

Planejamento articulatório

Articulação

Léxico

Computação sintática

Figura 1: Esquema básico do processo de produção.

Integração

Conceitos lexicais

Lemas

Lexemas

Parsing

Reconhecimento lexical

Percepção

Interpretação semântica

Léxico

Esquema da compreensão

Computação sintática

Figura: 2 Esquema básico do processo de compreensão.

letícia maria sicuro corrêa 115

Há considerável controvérsia quanto ao modo como o processamento sin-

tático deva ser modelado, de forma empiricamente sustentável e teoricamente

explanatória, seja na produção (cf. Ferreira & Slevc, 2007) ou na compreensão de

enunciados linguísticos (cf. Gompel & Pickering, 2007). Para os presentes propósitos,

não levaremos em conta o fato de haver controvérsia. Partiremos dos esquemas

básicos de processamento nas Figuras 1 e 2, em que se assumem procedimentos

feed-foward (em uma única direção – do nível conceptual para o fonético, na pro-

dução e do fonético/fonológico para o semântico na compreensão), de natureza,

em larga medida, modular (ou seja, que operam sobre um dado tipo de informação,

sendo imunes à interferência de informação de outra ordem), com vistas a explorar

possíveis convergências entre computação sintática on-line e em estado virtual, tal

como concebida em uma derivação minimalista.

Os principais pontos de convergência entre uma derivação minimalista e os

esquemas de processamento aqui assumidos residem no pressuposto lexicalista de

que toda a informação relevante para a computação sintática se encontra codifi-

cada no léxico (nos traços formais de elementos do léxico, como caracterizado na

teoria linguística, ou nos lemas, como concebido em modelos psicolinguísticos9),

e no pressuposto de que toda a informação necessária para a análise sintática e

interpretação semântica de um enunciado se encontra disponível no modo como

este se apresenta, princípio fundamental de parsing (Kimball, 1973), incorporado

no Princípio da interpretabilidade plena (Chomsky, 1995), o qual teria aquele como

subproduto. Apresentamos, brevemente, a seguir o que está envolvido em uma

derivação minimalista, computação em estado virtual, para em seguida caracteri-

zarmos a computação on-line.

Uma derivação minimalista parte de um dado conjunto de elementos do léxico

(array ou subarray)10. O sistema computacional atua sobre estes com base na infor-

mação codificada nos traços formais. Ou seja, o sistema computacional atua sem levar

em conta informação proveniente dos traços semânticos e fonológicos. Os elementos

9 Lema: unidade de natureza essencialmente sintática vinculada a um conceito lexical, que se caracteriza com uma “chamada para um procedimento” (Kempen & Hoemkamp, 1987). A esta cor-responde o lexema, informação que especifica a forma fônica de uma entrada lexical (id idid), a qual é particularmente sensível ao efeito de frequência de uso (Levelt, 1989).

10 O termo array, tomado emprestado da Ciência da Computação e usualmente traduzido como “arranjo”, significa, basicamente, uma estrutura de dados simples, em que estes se apresentam dispostos (ou arranjados) de uma dada maneira, como em linhas ou colunas. No caso de uma derivação linguística, um array corresponde aos itens lexicais a serem combinados na construção da estrutura sintática de uma sentença. Um subarray diz respeito a subconjuntos desses elementos.

processamento linguístico e aquisição da linguagem116

recuperados do léxico são selecionados a partir de um par inicial, de forma a serem

combinados desde o que seria o nível mais baixo de encaixamento em uma árvore

sintática até o mais alto, ou seja, bottom-up11, por meio de sucessivas aplicações da

operação Merge, que cria objetos sintáticos.12 Uma vez posicionados em uma estrutura

hierárquica, a computação prossegue com o pareamento de traços formais (com a

operação Agree) e o posicionamento de constituintes em posições hierárquicas que

correspondam àquelas em que se apresentam linearmente, por meio da operação de

Movimento (Move) (de núcleo, de sujeito, etc.), que dá origem a uma estrutura na

ordem canônica, ou que altera essa ordem, no caso de interrogativas, relativas, pas-

sivas, etc., o que prevê custo computacional. A estrutura então gerada é spelled out,

de modo que informação de natureza fonológica (proveniente dos traços fonológicos

dos elementos do léxico e de uma interface sintaxe/fonologia, com especificação da

prosódia) convertida em informação fonética, e a informação semântica (proveniente

dos traços semânticos e dos traços formais semanticamente interpretáveis, assim

como das relações estabelecidas em uma interface sintaxe-semântica) representada

em termos proposicionais, constituam as interfaces Forma Fonética (FF) e Forma

Lógica (FL), com os sistemas de desempenho. FF fornece ao sistema sensório-motor

informação de ordem fonética que possibilita a produção e a percepção da fala. FL

fornece informação de ordem semântica/intencional que possibilita a interpretação

semântica do enunciado e o estabelecimento da referência. Observa-se, portanto,

que o curso de uma derivação minimalista em muito se assemelha aos esquemas das

Figuras 1 e 2. O MINC visa a adaptar a concepção minimalista de computação em

estado virtual às condições da computação on-line, dada essa convergência.

A computação on-line, tal como concebida no MINC, é conduzida por meio

de operações análogas às do sistema computacional universal (Select, Merge, ...).

Estas também são aplicadas a um subconjunto de elementos do léxico. Estes são,

contudo, recuperados do Léxico Mental, em função de uma mensagem (algo a ser

dito) e de uma intenção de fala, por parte do falante, ou do reconhecimento da sua

forma fônica, por parte do ouvinte, sendo mantidos na memória de trabalho durante

a codificação gramatical e o parsing.

11 O algoritmo que determina como se dá a seleção não é usualmente explicitado, uma vez que as derivações são apresentadas para um dado tipo de sentença, a partir do conhecimento do linguista que as propõe. No entanto, tal algoritmo é requerido para que o sistema computacional possa operar automaticamente.

12 Estruturas hierárquicas (de c-comando assimétrico) características das línguas humanas (basi-camente uma estrutura sujeito, verbo, complemento).

letícia maria sicuro corrêa 117

O modo como uma intenção de fala e a concepção de uma mensagem promovem

o acesso lexical na produção da linguagem (Figura 1) é um ponto consideravelmente

obscuro em teorias psicolinguísticas. O pressuposto da FLA de que a língua interage

com a cognição mais ampla na constituição do léxico é, não obstante, crucial para

que esse processo se realize no uso efetivo da língua. Assim, pode-se conceber a

busca por elementos do léxico a partir de seus traços semânticos, assim como pela

especificação de traços formais que possibilitem seu relacionamento de forma a

expressar as relações lógico-semânticas pretendidas na mensagem.13

Os traços semânticos dos elementos do léxico codificam na língua distinções

de ordem conceptual e intencional. Os elementos das chamadas categorias lexicais

(Nome, Verbo, Adjetivo, Preposições lexicais) possuem um número considerável de

traços semânticos e seu acesso recupera uma estrutura argumental (estrutura a partir

da qual os requisitos temáticos de um dado elemento lexical podem ser previstos,

assim como sua posição em uma estrutura sintática). Podemos dizer, portanto, que

esses elementos interagem predominantemente com sistemas conceituais (memória

semântica, esquemas de conhecimento). Os elementos de categorias funcionais, por

sua vez, codificam distinções de ordem predominantemente intencional, ou seja,

pertinentes à força ilocucionária do enunciado linguístico e à referência. Esses ele-

mentos, quando combinados com aqueles, na computação sintática, criam unidades

(sintagmas) por meio das quais é estabelecida a referência a entidades e eventos.

O MINC parte do pressuposto de que essas distinções de ordem cognitiva e

funcional têm implicações para a computação on-line. Apresenta-se, então, como

um modelo bidirecional. O acesso a elementos funcionais promove a construção

top-down (i.e., a partir dos nós mais altos da árvore sintática) de esqueletos sintáti-

cos (ou seja, árvores sintáticas cujos elementos têm seus traços subespecificados).

Estes definem domínios sintáticos que possibilitam o estabelecimento da referên-

cia: o domínio da sentença, ao qual é atribuída uma força ilocucionária e o ponto

de vista14 (os CPs, de modelos formais de língua), o domínio nominal, nucleado

por um determinante (sintagma determinante (DPs), que possibilita referência a

entidades (objetos, pessoas, ideias...), o domínio verbal, nucleado por T (tempo) ou

13 Esse processo pode envolver algo semelhante ao que tem sido concebido em termos de pensamento para a fala (Slobin, 1996), por supor acesso a traços formais específicos de uma dada língua e é captado em termos de atribuição de funções sintáticas em modelos inspirados no formalismo léxico-funcional (cf. Bock & Levelt, 1994, por exemplo).

14 O ponto de vista veiculado é caracteristicamente o do falante. No caso de estruturas completivas, contudo, este é alterado para o sujeito da oração principal (como em Maria pensa que está chovendo, na qual a proposição “está chovendo” é verdadeira do ponto de vista do sujeito “Maria”).

processamento linguístico e aquisição da linguagem118

Asp (aspecto), categorias funcionais que possibilitam situar um evento no tempo,

na perspectiva de quem fala, e assim por diante, em função dos tipos de categorias

funcionais assumidos. A Figura 3 apresenta esses esqueletos funcionais.

TP TP

TP

CP (decl.)

Figura 3: Esqueletos funcionais gerados top-down.

O acesso a elementos de categorias lexicais, por sua vez, é conduzido bot-

tom-up (de baixo para cima), dado que propriedade específicas de itens lexicais

com determinados traços semânticos (e.g., Verbos de ação, de estado, etc.), a

transitividade de verbos e o tipo de papel temático que atribuem afetam o tipo de

estrutura a ser gerada.

Por conta dessa bidirecionalidade, o MINC incorpora a noção de espaços deri-

vacionais paralelos (Uriagereka, 1999), interpretando-os como a possibilidade de

DPs serem gerados (top-down) subespecificados, independentemente da geração

do NP que irá conter. Isso pode dar conta de fenômenos de hesitação na produção

a partir de um determinante, do preenchimento de posições sintáticas por jargão

em casos de afasia, a alternância de DPs sujeito/objeto em lapsos da fala (Fromkin,

1988; Garrett, 1975, 1976; Rodrigues, 2011), assim como a produção incremental

da frase, quando um DP é emitido antes de toda a sentença ser completamente

formulada (Kempen & Hoemcamp, 1987).

A Figura 4 apresenta um esquema do acoplamento de estruturas geradas a

partir de diferentes direções.15

15 Neste capítulo, não entraremos em detalhes sobre o que estaria envolvido nesse acoplamento, em termos linguísticos. Para detalhes, ver Corrêa & Augusto, 2007; 2011.

letícia maria sicuro corrêa 119

��VP

V

Figura 4: Estruturas geradas bottom-up e acomplamento aos esqueletos funcionais gerados topdown (Obs. Detalhes relativos ao acoplamento do VP, atribuição de caso e papéis temá-ticos, a partir de cópias simultâneas do DP sujeito não serão tratados especificamente aqui).

Observa-se que, diferentemente de uma derivação linguística, que é conduzi-

da de baixo para cima (bottom-up), partindo do constituinte mais profundamente

encaixado, a computação on-line assim caracterizada possibilita dar conta da

produção ao longo do tempo, da esquerda para a direita, o que seria incompatível

com um procedimento estritamente bottom-up, de produção, a menos que toda a

estrutura estivesse sintaticamente computada, quando o falante começa a emitir

o enunciado, o que nem sempre se aplica.

No caso da compreensão, o reconhecimento lexical favorece a computação

bottom-up em segmentos delimitados da esquerda para a direita, possivelmente em

função da prosódia. No entanto, a derivação (em espaço paralelo) de um esqueleto

top-down pode ser prevista, uma vez que o ouvinte parte do pressuposto de que

está diante de um enunciado com determinada força ilocucionária. O acoplamento

do DP mais à esquerda em posição de sujeito, na ausência de informação prosódica

que sinalize o contrário (em língua como o português), pode ser atribuído à fixação

de parâmetros de ordem aliada não apenas à distribuição como à prosódia, questão

ainda pouco explorada no parsing (cf. Fodor, 2005). A computação top-down de DPs

sob o pressuposto da referência também faz prever a busca por um referente para

este antes de seus componentes serem reconhecidos. Ou seja, o uso de processos

antecipatórios na análise sintática e no estabelecimento da referência pode ser

previsto, uma vez que o ouvinte assuma, paralelamente, a perspectiva do falante

gerando esqueletos funcionais aos quais serão acopladas as estruturas computa-

das bottom-up. A ideia de que a compreensão aciona processos de produção em

paralelo é compatível com uma linha de investigação que vem sendo recentemente

explorada (cf. Garrett, 2000; van Gompel & Pickering, 2007; Kempen, Olsthoorn &

processamento linguístico e aquisição da linguagem120

Sprenger, 2011). Efeitos de priming sintático (ou seja, a manutenção da forma de um

enunciado recém-processado no que está sendo produzido, independentemente de

sentido) (cf. Garrett, 2000; Ferreira & Slevc, 2007) podem ser explicados em termos

da recuperação de traços formais que codificam informação pertinente à estrutura

sintática a ser processada (como o traço indicativo de um constituinte a ser movido)

promovido pela presença de sua representação na memória de trabalho, sem que

seja comprometida a autonomia do processador sintático.

Outro ponto em que a computação on-line difere da virtual diz respeito ao

posicionamento dos constituintes de forma a estarem em correspondência com a

ordem linear em que se apresentam. No caso de uma derivação linguística, parte-se

de uma ordem supostamente universal para a ordenação canônica da língua. No caso

da computação on-line, pode-se assumir que o conhecimento da ordem canônica é

recuperado de uma memória para a língua (o Léxico Mental, possivelmente), dada

a fixação de parâmetros de ordem na aquisição da linguagem. Assim sendo, pode-

-se assumir a recuperação desse conhecimento no acoplamento de DPs e núcleos

lexicais ao esqueleto funcional oriundo de CP diretamente na posição em que se

apresentam na ordem canônica.16 Logo, o MINC não requer movimento sintático

para o posicionamento canônico. Prevê, contudo, custo para o movimento de

constituintes de forma a afetar essa ordem, o qual, no uso da língua, é decorrente

de demandas discursivas específicas para o falante (ou seja, há condições discursi-

vamente favoráveis ao uso de passivas, relativas, etc.).17

Outros determinantes de custo de processamento seriam a natureza dos traços

dos elementos recuperados do léxico em cada caso assim como as implicações de sua

presença concomitante na memória de trabalho durante a condução da computação

sintática. Por exemplo, tem sido constatada a maior demanda do processamento

de orações interrogativas e relativas de objeto (Quem o aluno chamou vs Quem

chamou o aluno / O aluno que o professor chamou vs O aluno que chamou o professor)

(Friedmann, Belletti, & Rizzi, 2009). No entanto, essa demanda parece diminuir se o

sujeito da oração relativa for um elemento pronominal (Quem ele chamou/ O aluno

que eu chamei). A maior dificuldade das primeiras parece decorrer da presença de um

elemento interveniente e o número de traços compartilhados com o DP na memória

de trabalho (Gordon, Hendrick & Johnson, 2004; Friedmann, Belletti & Rizzi, 2009).

16 Essa solução assemelha-se à recuperação de uma árvore elementar como o TAG (Tree-Adjoining gramar) (Joshi & Schabes, 1997).

17 O MINC apresenta soluções formais para essa distinção, levando em conta a necessidade de dar conta da atribuição de papéis temáticos (cf. Corrêa & Augusto, 2007; 2011).

letícia maria sicuro corrêa 121

Enfim, as previsões do MINC relativas a custo computacional podem explicar

uma série de evidências. Com relação à bidirecionalidade, o teste empírico do modelo

é mais difícil de ser conduzido. De todo modo, apresentamos a seguir resultados de

experimentos que podem ser interpretados à luz desse modelo.

2.1 ALGUNS RESULTADOS EXPERIMENTAIS

Relatamos, a seguir, experimentos conduzidos com adultos falantes nativos de

português brasileiro – um de produção eliciada e dois de compreensão de sentenças

com orações relativas, cujos resultados são tidos como compatíveis com a concepção

de processamento que o MINC procura expressar.

No que concerne à produção, buscou-se verificar em que medida condições

diferenciadas afetariam a codificação gramatical de um DP complexo contendo uma

oração relativa (Corrêa, Augusto & Marcilese, 2009). Duas condições de produção

foram contrastadas (planejada e não planejada). Em ambas, os participantes foram

apresentados a duas figuras idênticas, diferenciadas por meio de uma propriedade

ou de seu papel em um dado evento. A tarefa consistia em dar continuidade a um

preâmbulo, lido em voz alta fazendo referência a uma das figuras apresentadas por

meio de um DP complemento contendo um modificador em forma de uma oração

relativa (cf. Figura 5).

Figura 5: Ilustração de material apresentado para produção eliciada de relativas na condição relativa de objeto.

A produção de três tipos de relativas foi induzida: relativas de objeto (O) (Ex.:

objeto (Ex.: O campeão treinou este menino. O apresentador chamou para o palco

o menino...), de objeto indireto (OI) (Ex.: O pipoqueiro implicou com esta menina.

/ A psicóloga ouviu com atenção a menina...) e genitivas (GEN) (Ex.: O irmão dessa

menina pegou gripe. O taxista deixo na escola a menina...), em função do grau de

demanda imposta ao processamento – da menor para a maior, ainda que em todas

processamento linguístico e aquisição da linguagem122

as condições a produção seja considerada de alto custo. Relativas de sujeito foram

usadas como distratoras (com verbos de ação e estativos, que favorecem a produção

de adjetivos). Na Figura 4, o referente-alvo é apresentado como tema/paciente. A

sentença esperada, mantendo-se os papéis temáticos, conteria um DP com relativa

de objeto. Na condição planejada, os participantes sabiam, de antemão, qual seria o

referente a ser mencionado. Na condição não planejada, essa informação era dada

imediatamente após a produção do núcleo da relativa (cerca de 5 segundos após a

apresentação do preâmbulo), de modo que a estrutura da oração relativa teria de

ser concebida após seu núcleo estar posicionado e efetivamente emitido. Esse tipo

de condição exacerba a necessidade de o processamento ser conduzido de forma

incremental, adicionando custo à tarefa. A condução da produção nessas condições

seria incompatível com o direcionamento exclusivamente bottom up da computação

mas pode ser prevista considerando-se a possibilidade de geração de um esqueleto

funcional, com elementos subespecificados, uma vez constatada a necessidade a

necessidade de uma relativa como modificador.

Foi previsto que as condições de maior demanda acarretariam maior uso de

estratégias de minimização de custo da produção, acarretando, portanto, menor

número de respostas-padrão18. Dois tipos de estratégias foram antecipados: a

produção de orações relativas passivas de sujeito, em lugar de relativas de objeto

(por exemplo: a menina que foi assustada pelo palhaço, ao invés de a menina que

o palhaço assustou), e a produção de pronomes resumptivos no caso de orações

relativas de objeto indireto e genitivas, o que seria uma estratégia de último recurso

(Shlonsky, 1992; Hornstein, 2001), como em a menina que o palhaço falou com ela…

e em a menina que o pai dela viajou (Miranda, 2008; Corrêa & Miranda, 2008). A

variável dependente foi o número das chamadas respostas-padrão. Houve, com

previsto, um efeito principal do tipo de condição de produção, com maior número

das chamadas respostas-padrão na condição planejada (F(1,37) = 6.31 p = .01 (análise

por sujeito); F(1,10) = 36.44 p <. 0001 (análise por item) e uma interação significativa

entre o tipo de condição de produção e o tipo de estrutura relativa. Na condição

18 Chamamos de resposta-padrão aquela em que se mantém na oração relativa a função sintática e papel temático do DP que apresenta o personagem a ser referido: O palhaço assustou essa menina. / A menina que o palhaço assustou; O palhaço falou com essa menina / A menina com quem o palhaço falou. / A professora dessa menina viajou / A menina cuja professora viajou. No entanto, sabe-se que, no português brasileiro, essas estruturas tendem a estar restritas a um registro formal/tenso, ou à língua escrita, possivelmente diante de seu alto custo. O fato, contudo, de os participantes do experimento serem estudantes universitários e de o experimento ter sido conduzido em laboratório da universidade favorece o uso das estruturas que chamamos padrão, o que possibilita o teste das hipóteses formuladas.

letícia maria sicuro corrêa 123

planejada, ocorreu um efeito inesperado. Um maior número de respostas-padrão

foi obtido em relativas OI (54% vs. 42% em O), a despeito de essas serem previstas

como de maior custo. Constatou-se que isso se deveu ao fato de a formulação de

passivas de sujeito competir com da relativas de objeto, fornecendo ao falante duas

opções plenamente aceitas no registro formal. Na condição não planejada, contu-

do, a previsão de menor relativas padrão em OI (29%) e GEN (2,5%) se manteve,

dado que a possibilidade de gerar uma relativa padrão não se mostrava disponível.

Relativas genitivas apresentaram, como esperado, o menor número de respostas

padrão em ambas as condições de produção, havendo tendência à omissão pronome

resumptivo (A menina que a professora viajou, por exemplo).

Os resultados demonstram que ainda que uma relativa possa ser antevista na

condição não planejada (dado que há dois possíveis referentes para o núcleo da

relativa), a definição de sua estrutura pode ser estabelecida ao longo do processa-

mento. Verifica-se, ainda, que o processador recorre a estratégias de menor custo

que podem acarretar alteração no modo como papéis temáticos são mapeados em

constituintes sintáticos. Assumindo-se que toda a informação necessária à condução

de operações sintáticas encontra-se codificada no léxico, esse tipo de efeito seria

compatível com a ideia de elementos subespecificados com relação às propriedades

de seus traços formais no início da computação.

No que diz respeito à compreensão, lidamos com processos preditivos na identifi-

cação do referente de um DP complexo contendo uma relativa de objeto. A antecipação

de referentes ao longo do processo de compreensão vem sendo constatada em etapa

anterior à conclusão do processamento de uma unidade sintática por meio da técnica

do rastreamento do olhar (Altmann & Kamide, 1999; 2007). Esse tipo de resultado

vem sendo apresentado em suporte a teorias a base de restrições, que partem de

pressupostos e hipóteses distintas das de modelos em que assume um processador

sintático autônomo (cf. Altmann & Steedman, 1988; Tanenhaus et al., 2000). Buscamos

verificar, então, em que momento de seu processamento um DP complexo (com

uma oração relativa) seria mapeado a seu referente, partindo do pressuposto de que

esse mapeamento seria efetuado o mais imediatamente possível à luz de evidências

prévias e apresentar a esse tipo de resultado uma explicação alternativa nos termos

do MINC, em que um processador autônomo é assumido.

Dois experimentos foram conduzidos com 20 falantes adultos do português

brasileiro, em cada um (Forster et al., 2010a; 2010b). Em ambos, 8 sentenças de-

clarativas contendo relativas restritivas de objeto foram apresentadas e, ao final,

os participantes deveriam responder a uma interrogativa QU, com foco no sujeito

da oração principal. Assim, diante da sentença-teste A garota que bombeiro pegou

vai comprar um brinquedo, a pergunta de compreensão seria Quem vai comprar

um brinquedo? O interesse da investigação não residia, contudo, nessa resposta,

processamento linguístico e aquisição da linguagem124

requerida apenas para garantir a atenção dos participantes. O foco do interesse

era o direcionamento do olhar do participante para o referente do sujeito da ora-

ção principal – a figura-alvo –, enquanto a sentença estava sendo apresentada em

áudio. Em ambos os experimentos, o participante era apresentado a uma sequência

de slides na tela de um computador. No primeiro experimento (Exp. 1), apenas dois

slides foram apresentados em sequência (cf. Figura 56). No segundo experimento

(Exp. 2), a sequência era de três slides (cf. Figura 7). Em ambos os experimentos, o

primeiro slide da sequência apresentava as figuras de duas garotas ou de dois garotos,

que eram idênticas a menos pela cor da roupa que estes usavam. Simultaneamente

à apresentação dessas imagens, uma voz em off apresentava os personagens,

chamando atenção para a cor da roupa que os distinguia (Esta/e é a/o garota/o de

verde; Esta/e é a/o garota/o de azul). O segundo slide das sequências apresentava

dois eventos envolvendo os personagens recém-apresentados como pacientes das

ações, em uma de quatro condições experimentais.

As condições experimentais foram definidas em função do elemento desambi-

guizador da referência nas sentenças-teste (variável independente). Na condição

A, este é o núcleo da relativa, dado que os personagens em questão podem ser

identificados pelo gênero do nome (O garoto / A garota). Nas demais condições,

não há distinção de gênero, e o referente só pode ser identificado por meio da in-

formação trazida pela oração relativa. Na condição B, o elemento desambiguizador

é o sujeito da oração relativa, dado que o mesmo verbo descreve os dois eventos

apresentados. Na condição C, tanto o sujeito quanto o verbo da relativa permitem

que o referente-alvo seja identificado. Na condição D, apenas o verbo da oração

relativa é o elemento desambiguizador (cf. Figuras 6 e 7). Esta seria a situação de

maior demanda uma vez que o referente não pode ser antecipado. No quadro abaixo,

os pontos das sentenças-teste em que a informação crítica para identificação do

referente é fornecida são identificados.

A garota que o bombeiro pegou...

P1 P2 P3

A diferença entre Exp. 1 e Exp. 2 reside no momento em que a sentença-teste,

contendo uma oração relativa, é apresentada em áudio. No Exp. 1, esta é apresentada

simultaneamente ao segundo slide. No Exp. 2, o participante vê as cenas do slide

2 e, em seguida, lhe é apresentado um terceiro slide (semelhante ao slide 1) junta-

mente com a sentença-testa. Assim sendo, no Exp. 1, a informação relevante para

a identificação do referente do sujeito está acessível visualmente no slide durante

o processamento da relativa. No Exp. 2, a informação visual serve de background

para o processamento da sentença-teste, tendo de ser recuperada da memória no

letícia maria sicuro corrêa 125

processamento da relativa. As Figuras 6 e 7 apresentam as sequências dos slides de

cada experimento, respectivamente.19

Figura 6: Sequência de estímulos do Exp. 1 de compreensão (material originalmente colorido).

Figura 7: Sequência de estímulos do Exp 2 de compreensão (material originalmente colorido).

19 O material e as Figuras 6 e 7 foram preparados por Renê Forster.

processamento linguístico e aquisição da linguagem126

Os dados (número de primeiras fixações e tempo de fixação no alvo) obtidos

em cada ponto crítico de cada experimento foram analisados por meio de ANOVAs.

Em ambos os experimentos, maior número de primeiras fixações e maior tempo

de fixação no alvo em P1 foram constatados na condição A, dado que o gênero do

nome permitia a identificação do referente. Estes foram constatados em P2, ou seja,

diante do sujeito da relativa, na condição B em ambos os experimentos e na condição

C apenas no Exp. 1. Essa diferença sugere que, quando a informação de background

é recuperada da memória, a relação sujeito-verbo já se encontra integrada. Esses

resultados sugerem que, no processamento de um DP, o referente é buscado assim

que possível, ou seja, na primeira fronteira de DP em potencial (como na condição

A). Contudo, o constituinte não é fechado como tal, se não é possível identificar o

referente. Nesse caso, a busca continua, a partir do reconhecimento do pronome

relativo/complementizador. Tal reconhecimento possibilita a antecipação do referente

do DP assim que haja informação que permita distingui-lo. O tempo de fixação em

P3 foi semelhante em todas as condições, o que pode sugerir que o processamen-

to da relativa com preenchimento do gap é finalizado a despeito da antecipação.

Medidas mais precisas são, não obstante, necessárias para esse tipo de conclusão.

Como dissemos inicialmente, a antecipação de um referente com base em

informação contextual é facilmente explicável em modelos interativos, segundo os

quais o parser faz uso de informação de diferentes fontes (sintaxe, discurso, etc.).

Seria possível explicar antecipação do referente por meio de um parser modular,

como no MINC? Nesse ponto, o direcionamento misto do processamento parece

ser relevante, dado que, uma vez que o pronome relativo/complementizador é

identificado, posições sintáticas são previsíveis (geração de um esqueleto funcio-

nal). O processamento do DP sujeito da relativa possibilita seu meu mapeamento

ao referente, ao mesmo tempo em que essa representação sintática é mantida na

memória de trabalho e acoplada na posição de sujeito, tornando-se previsível a

posição do elemento movido (um gap em posição de objeto) na oração relativa.20

O reconhecimento lexical feito bottom-up, por sua vez, possibilita a antecipação do

20 A atribuição de papel temático (agente) concomitantemente ao acoplamento do DP em posição de sujeito decorreria do modo como o modelo concebe a inserção de um VP no esqueleto bottom-up (cf. Correa & Augusto, 2007; 2011). Isso requer, contudo, o reconhecimento do verbo. No caso do mapeamento imediato do DP sujeito ao referente agente, é necessário que se assuma que sujeito = agente está vinculado à fixação do parâmetro de ordem como procedimento default ou que se assuma um parsing em dois estágios, sendo a primeira passada estratégica, como sugerem Townsend & Bever (2002). Esse ponto ainda não foi desenvolvido.

letícia maria sicuro corrêa 127

preenchedor daquele, uma vez que consideremos que o processo de compreensão

é integrado ao de produção antecipatório.

Enfim, ainda que não tenhamos resultados que permitam eliminar propostas

alternativas de análise, o tipo de explicação fornecida pelo MINC parece, não obs-

tante, vantajosa, dado seu caráter integrador.

3. AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM COMO PROCESSAMENTO NAS INTERFACES

O modelo procedimental de aquisição da linguagem (MPAL) que vimos desen-

volvendo, tal como o MINC, incorpora pressupostos minimalistas. Diante destes, a

aquisição da linguagem, no que diz respeito à identificação de gramáticas, consiste na

identificação, por parte da criança, das propriedades gramaticalmente relevantes na

língua a que é exposta, mediante o processamento da informação que se faz legível

nas interfaces fônica e semântica. Explicar como o processamento de informação

de interface é conduzido de modo que essa identificação se realize é tarefa de uma

teoria psicolinguística da aquisição da linguagem.

A pesquisa psicolinguística em aquisição da linguagem tem dado origem a uma

série de resultados que apontam para discriminação precoce de unidades linguística e

reconhecimento de padrões distribucionais, o que é, à primeira vista, compatível com

processos de aprendizagem de natureza probabilística. Contudo, há argumentos e evi-

dências que indicam que, na ausência de restrições iniciais, a aprendizagem de caráter

estritamente probabilístico não convergiria para a gramática da língua (cf. Yang, 2004).

Diante disso, o MPAL assume que aprendizagem guiada por fatores inatos (AGFI)

significa que o sinal acústico da fala (ou correlato visual) é reconhecido pelo aparato

perceptual do bebê como informação de interface com a língua. Procedimentos

estatísticos podem, então, ser utilizados, mas são restringidos pelo que pode ser

atribuído à faculdade de linguagem de modo que um sistema computacional possa

atuar. Logo, o reconhecimento de pistas acústicas e padrões distribucionais pode

ser estabelecido em termos probabilísticos, e tais padrões podem dar origem a

classes abertas e fechadas, categorizadas por meio de processos gerais. Contudo,

uma vez assumindo-se que o processamento da linguagem é simbólico (cf. Nota 7),

essa categorização tem de ser representada em termos de traços formais para que

seus elementos se tornem acessíveis à computação sintática. Entende-se, assim,

que a distinção entre classes fechadas (elementos funcionais) e abertas (elemen-

tos lexicais) na constituição do léxico, potencialmente disponível no estado inicial,

é fundamental para que o sistema computacional (FLE) seja posto em operação.

Uma vez que elementos passem a ser combinados em função de suas propriedades

formais, estruturas compatíveis com os requisitos para a expressão de relações

lógico-semânticas (ou seja, estruturas caracterizadas em termos de c-comando

processamento linguístico e aquisição da linguagem128

assimétrico (Kayne, 1994)) começam a ser computadas e a computação sintática

passa a ser, ela própria, instrumental na progressiva especificação de traços formais.

De acordo com esse modelo, a AGFI é particularmente sensível a distinções

formais no âmbito de elementos funcionais. Assim, particular atenção é dada a

distinções morfofonológicas. A percepção dessas distinções, tomadas como infor-

mação de interface, permite que estas sejam representadas como gramaticalmente

relevantes.21 Identificar a natureza dessa relevância significa identificar os traços

formais da língua, seus valores e as propriedades que apresentam. Prover uma

interpretação para esses traços formais passa, então, a mobilizar o processo de

aquisição a partir desse estágio. Por exemplo, a percepção da presença/ausência

de -s (em coda final) em um mesmo contexto sintático (o que seria um DP, por

exemplo) acarreta atribuição de relevância (ou valor) gramatical à presença desse

elemento. O pressuposto de que DPs possibilitam o estabelecimento da referência

permite que informação contextual (características do contexto em que a presença

de -s se observa) seja utilizada para que a interpretação seja feita, identificando-se

os valores do traço formal em questão (no caso número, com os valores singular e

plural, no português). Dado o processamento sintático em processo, as configura-

ções que possibilitam a manifestação morfológica da concordância são criadas, o

que permite a identificação do modo como o número gramatical se realiza na língua.

Essa informação passa a ser representada como propriedade desse traço formal.

O MPAL interpreta, assim, os resultados da pesquisa em processamento do sinal

acústico da fala por bebês como evidência para o processamento nas interfaces.

Padrões prosódicos e distribucionais, identificados pelo bebê durante o primeiro

ano de vida, tomados como informação gramaticalmente relevante, dão origem

aos primeiros traços formais. Estes dizem respeito, fundamentalmente, ao valor

de parâmetros de ordem (que encontram correlatos rítmicos) (Christophe et al.,

2003) e à distinção entre classes abertas e fechadas. Essas últimas são constituídas

dos chamados elementos funcionais (determinantes, afixos, complementizadores,

auxiliares) que têm forma fônica com propriedades compartilhadas entre as línguas

(elementos preferencialmente monossilábicos, átonos, com distribuição regular)

(Morgan, Shi & Allopema, 1996).

O MPAL incorpora, portanto, a hipótese do bootstrapping fonológico (Morgan

& Demuth, 1996). Segundo esta, informação pertinente a fronteiras de palavras,

21 Um dos princípios universais para a aquisição da linguagem formulados por Slobin ainda na década de 70 (Slobin, 1973) dizia “preste atenção ao final das palavras”. Note-se que esse princípio só faz sentido se for assumido que o estímulo linguístico é percebido como informação de interface.

letícia maria sicuro corrêa 129

orações e constituintes sintáticos é adquirida a partir de informação de natureza

prosódica e distribucional. Não fica claro, contudo, no modo como essa hipótese

vem sendo explorada, como o parsing (processamento sintático) seria iniciado. O

MPAL caracteriza o boostrapping do sistema computacional universal a partir dos

traços formais de um léxico minimamente especificado em termos de classes abertas

e fechadas (cf. Corrêa, 2009a; 2009b).

Ao se assumir uma identificação entre AGFI e processamento de informação das

interfaces, além de assumirmos a FLA nos termos da teoria linguística, incorporamos

a esta última um sistema especializado na representação de parceiros sociais (Kinzler

& Spelke, 2007). Trata-se de um sistema nuclear (alicerce estrutural da cognição),

que adquire especial realização no ser humano, dada a disposição deste para a lín-

gua. A interação entre a língua e esse sistema seria o que, a nosso ver, fundamenta

o fato de que tudo que é gramaticalmente relevante numa língua em particular se

apresenta em termos de padrões sistemáticos criados socialmente (com considerá-

vel grau de arbitrariedade), fazendo-se perceptíveis para o processamento de base

probabilística inicial e representação em termos de traços formais.

Diante desse quadro, a aquisição da linguagem procede em função da progres-

siva especificação dos traços formais das categorias funcionais do léxico (fixação de

parâmetros), assim como dos traços semânticos que servem de base para a estrutura

argumental dos predicadores. Fatores pertinentes a custo de processamento restrin-

gem, de todo modo, o curso do desenvolvimento linguístico (Corrêa & Augusto, 2009).

Três fatores podem ser apontados como determinantes de custo na aquisição

de uma língua: (i) o grau de visibilidade (regularidade, sistematicidade) de distinções

morfofonológicas indicativas de distinções gramaticalmente relevantes na interface

fônica; (ii) o número e a qualidade das distinções conceptuais-intencionais relevantes

para a completa especificação de traços formais de categorias funcionais do léxico, o

que implica diferentes graus de dificuldade no processamento na interface sintaxe/

discurso (que supõe acesso a um componente cognitivo-pragmático); (iii) o custo

de processamento, tal como caracterizado no MINC.

Quanto ao grau de visibilidade, observamos, por exemplo, que a visibilidade

de afixos verbais na interface fônica é maior do que a de complementizadores.

Conduzimos inicialmente um experimento com bebês de 9 a 18 meses, adquirindo o

português brasileiro, com vistas a verificar em que medida estes seriam sensíveis às

propriedades morfofonológicas de afixos verbais. A técnica da Escuta Preferencial

(HPP Headturn Preferencial Paradigm) foi utilizada sem habituação, com as adaptações

processamento linguístico e aquisição da linguagem130

feitas no LAPAL.22 Nesse paradigma experimental, a criança ouve histórias narradas

em prosa direcionada à criança, em versão normal e modificada. Nesta, a forma fônica

de alguns elementos é alterada. Assume-se que se a criança percebe a alteração em

questão, seu tempo de escuta (o tempo em que presta atenção ao estímulo acústi-

co, direcionando a cabeça para a fonte do som) será diferente (usualmente menor)

na condição modificada. Constatou-se a sensibilidade de bebês de 10 meses (idade

média) a alterações na forma fônica (que não desrespeitam restrições fonológicas,

como a alteração de , por exemplo) quando esta se dá em afixos verbais

(como em / ), diferentemente do que acontece quando tais modi-

ficações ocorrem em raízes nominais ( / ) (Bagetti, 2010; Bagetti &

Corrêa, 2010). Esse tipo de sensibilidade sugere que a criança reconhece unidades

morfológicas que serão posteriormente semanticamente interpretadas (contrastes

de tempo, pessoa, número, por exemplo). Bebês dessa mesma faixa etária não se

mostraram, contudo, sensíveis a alterações na forma dos complementizadores em

experimento-piloto subsequente (Bagetti & Corrêa, 2011). As propriedades fono-

lógicas dos afixos verbais investigados (sílaba tônica final) em contraste com as de

complementizadores (elemento clítico em próclise) explicam sua maior visibilidade. É

interessante observar, de todo modo, que as mesmas crianças mostraram-se sensíveis

a alterações prosódicas (em que altera a posição do elemento clítico de próclise para

ênclise no grupo clítico que contém o complementizador), o que sugere sensibilidade

precoce a informação pertinente à presença de orações geradas por meio de um

procedimento recursivo.

No que diz respeito ao uso do processamento sintático na especificação de

traços formais de categorias funcionais do léxico, observa-se que distinções de

gênero, número, pessoa são estabelecidas relativamente cedo – por volta dos 20

meses de idade. Tais distinções se sustentam em relações de concordância, que se

mantêm constantes independentemente de variações de forma (como em o mato,

o mapa, a mata, a moto, o pente, a ponte). Experimentos com crianças de 22 meses

de idade média revelam sensibilidade à concordância e apoio nesta quando da atri-

buição de gênero a um nome novo seja este inanimado ou animado (o dabo, a dabo,

por exemplo) (Corrêa & Name, 2003; Corrêa, Augusto & Castro, 2010). Resultados

22 Diferentemente do paradigma tradicional, em que a criança ouve o estímulo verbal enquanto olha para uma imagem abstrata em movimentos aleatórios em um monitor, apresentamos uma animação com o desenho de uma menina falando. Constatamos anteriormente que o uso desta imagem acarreta menor perda de participantes por desinteresse na tarefa ou desatenção, ao buscarem a fonte do som (cf. Name & Corrêa, 2006).

letícia maria sicuro corrêa 131

experimentais com crianças da mesma faixa etária revelam ainda que a informa-

ção de ordem morfológica dos determinantes (variações em elementos de classe

fechada), proveniente de concordância, é tomada como inequívoca também com

relação a número no português (os dabos, os dabo), mesmo no português europeu,

no qual a forma flexionada do nome é requerida (Corrêa, Augusto, Ferrari-Neto,

2005; Castro et al., 2009). O modo como a informação de interface é representada

facilita a aquisição de formas invariantes em gênero como a criança, em número

como o/os pires, e revela que a computação sintática torna-se instrumental à

identificação das propriedades fundamentais da língua. Distinções formais menos

explícitas e/ou dependentes de distinções de ordem intencional (que pressupõe

desenvolvimento de habilidades pragmáticas e da teoria da mente) têm, por sua

vez, aquisição caracteristicamente mais tardia – como é o caso da aquisição de dis-

tinções pertinentes à referência genérica, definida\indefinida (Augusto & Corrêa,

2007; Corrêa, Augusto & Andrade-Silva, 2008). Por exemplo, atribuir unicidade da

referência ao artigo definido singular apresenta alta demanda e nem sempre é algo

observado, mesmo por adultos. Assim, quando se diz que o gato beijou a formiga,

escolher o ambiente em que há apenas uma formiga em contraste com outro em

que há mais de uma formiga é uma tarefa difícil mesmo além dos 7 anos de idade

(Morabito & Rubinstein, 2009).

No que diz respeito à condução da computação on-line, assume-se que as

operações computacionais (FLE) estão disponíveis para uso uma vez que traços

formais estejam identificados. Logo, no que diz respeito a movimento, a criança

tem apenas de identificar os elementos que o admitem na língua em questão (por

exemplo, se a língua admite QU movido exclusivamente (o que Maria viu?), como

supostamente no inglês, ou apenas in situ (Maria viu o que?), como no chinês, ou

ainda se a língua admite ambas as possibilidades, com condicionantes discursivos,

como no português). A partir daí, o que a criança terá de desenvolver são estratégias

de otimização dos recursos de memória para conduzir a operação de forma efetiva.

Esse processo pode ser custoso. Crianças com problemas de linguagem, por exemplo,

mostram-se particularmente vulneráveis às demandas impostas pelo processamento

de interrogativas e relativas de objeto e de passivas como verbo animado (Corrêa &

Augusto, 2011b; 2011c). Assim sendo, o MPAL, aliado ao MINC, apresenta explicações

e previsões que se aplicam à identificação de traços formais e ao desenvolvimento

de habilidades de processamento diante de demandas específicas.

processamento linguístico e aquisição da linguagem132

PARA FINALIZAR

Neste capítulo, apresentamos a proposta de um enfoque integrado para

processamento e aquisição da linguagem que se realiza em um programa de pes-

quisa. Consideramos que a concepção de língua que se configura com o programa

Minimalista da Linguística fornece um elemento integrador, na medida em que a

questão da aprendibilidade passou a ser tratada em função da processabilidade

requerida das expressões geradas por uma gramática, ficando as restrições à forma

das línguas humanas definidas em função das propriedades do aparato processa-

dor. Há, certamente, uma série de lacunas a serem preenchidas nos modelos aqui

propostos. Esperamos que os desafios que estas apresentam despertem o interesse

daqueles que pretendem ir além da constatação empírica e estejam abertos para

explorar a possibilidade de conciliação entre teorias que vêm sendo desenvolvidas

a partir de diferentes perspectivas.

O LAPAL (Laboratório de Psicolinguística e Aquisição da Linguagem): uma unidade de pesquisa teórico-experimental

O LAPAL (Laboratório de Psicolinguística e Aquisição da Linguagem), da

PUC-RIO agrega o Grupo de Pesquisa Processamento e Aquisição da Linguagem

(GPPAL-CNPq), constituído por professores/pesquisadores e alunos do Programa

de Pós-Graduação Estudos da Linguagem – PUC-Rio, alunos de Graduação desta

instituição, em Iniciação Científica, recém-doutores, além de pesquisadores vinculados

a outras instituições (UERJ, UFF, por exemplo). O LAPAL representa uma expansão

do antigo Laboratório de Psicolinguística, da mesma instituição. Este, criado em

199323, em um pequeno espaço voltado basicamente para pesquisa com adultos, foi

ampliado em 1999-2000, com recursos obtidos da FAPERJ de modo a incluir cabine

acústica para pesquisa com adultos, sala de trabalho e reunião e um babylab – espaço

criado com vistas à realização de experimentos com bebês ou crianças com idade

inferior a dois anos, por meio de técnicas tais como Escuta Preferencial (Headturn

Preference Procedure), que requerem cabine com isolamento acústico. A montagem

do LAPAL se beneficiou do contato estabelecido com o LSCP (Laboratoire de Sciences

23 O Laboratório de Psicolinguística foi instituído em espaço físico minimamente adaptado para o desenvolvimento de pesquisas experimentais com adultos, no início dos anos 90. A pesquisa em aquisição da linguagem com crianças a partir dos dois anos de idade vinha sendo conduzida em creches/escolas desde 1986, quando da inauguração da linha de pesquisa em processamento e aquisição da linguagem na PUC-Rio.

letícia maria sicuro corrêa 133

Cognitives et Psicolinguistique), vinculado ao CNRS, da França, em 1999, assim como

com o babylab da University of Delaware, em 2001, em função da participação dos

pesquisadores Emmanuel Dupoux e Roberta Golinkoff nos Institutos de Inverno

em Língua e Cognição I e II, respectivamente. O LAPAL constituiu-se, assim, como o

primeiro laboratório de Psicolinguística no Brasil (e da América Latina) a incorporar

um babylab (ambiente propício para a realização de pesquisa experimental com

crianças de idade inferior a dois anos). Distingue-se também por integrar o estudo

do processamento linguístico pelo adulto com o da aquisição da linguagem e por

ter inaugurado uma linha de pesquisa em Psicolinguística Aplicada com foco no DEL

(Déficit ou Distúrbio Específico da Linguagem).24

Ao caracterizarmos o LAPAL como unidade teórico-experimental, estamos contra-

pondo-nos ao entendimento equivocado de que pesquisa experimental não é teórica,

assim como à visão de que a teoria à qual experimentos psicolinguísticos imediatamente

remetem é a teoria linguística (particularmente, a teoria gerativa, que se propõe a apre-

sentar um modelo de gramática que se aplique a todos os estados de desenvolvimento da

língua interna – desde o inicial ao estado adulto, no qual todos os parâmetros pertinentes

à definição de uma língua específica estariam fixados). Experimentos psicolinguísticos

são concebidos no contexto do desenvolvimento de teorias do processamento linguís-

tico e da aquisição da linguagem e contribuem direta ou indiretamente para uma teoria

do conhecimento linguístico. Idealmente, teorias do processamento e da aquisição

da linguagem aquisição da linguagem devem se articular uma teoria linguística que

contemple o problema da aquisição da linguagem (ou seja, que busque apresentar um

modelo de língua de forma tal que a língua modelada seja passível de ser adquirida por

qualquer criança, em condições normais de aquisição). Nesse sentido, o LAPAL marca

uma posição diferenciada em relação a muitos dos laboratórios que conduzem pesquisa

psicolinguística, uma vez que busca articular pesquisa linguística e psicolinguística no

desenvolvimento de um trabalho interdisciplinar.

A montagem e manutenção de equipamentos do LAPAL tem sido feita por

meio de projetos de pesquisa apoiados pelo CNPq e pela FAPERJ e sua atividade

em muito se beneficia da aprovação de projetos submetidos ao Edital Cientistas do

Nosso Estado da FAPERJ. O LAPAL realiza seminários de pesquisa regulares e com

convidados de diferentes instituições do Brasil e do exterior. Atualmente o LAPAL

24 O desenvolvimento dessa linha de pesquisa contou a colaboração de Celia Jakubowicz, do então Laboratoire de Psychologie Expérimentale (Université René Descartes). Em consequência do desenvolvimento dessa linha de pesquisa, vimos desenvolvendo o MABILIN (Módulos de Avaliação de Habilidades Linguísticas) para a avaliação de habilidades linguísticas de crianças em idade escolar, a ser disponibilizado à clínica.

processamento linguístico e aquisição da linguagem134

mantém colaboração com o Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa,

com o Instituto Politécnico de Setúbal e com a Universidad del Litoral, Santa Fé,

Argentina, nos quais estão sendo produzidas adaptações, para o Português Europeu

e para o Espanhol Rioplatense do Módulos de Avaliação de Habilidades Linguísticas

que vimos desenvolvendo. Trabalhos desenvolvidos no LAPAL têm sido apresentados

nos principais eventos nacionais e internacionais (ABRALIN, ANPOLL, AMLap, CUNY

Conference, IASCL, GALA Conference, Romance Turn). Para mais informações e

acesso à produção do LAPAL, tem-se o site do http://www.lapal.letras.puc-rio.br/

REFERÊNCIAS

ALTMANN, G. T. M.; STEEDMAN, M. (1988). Interaction with context during human sentence processing. Cognition, 30, 191-238.

______; KAMIDE, Y. (1999). Incremental interpretation at verbs: restricting the domain of subsequent reference. Cognition, 73, 247-264.

______; KAMIDE, Y. (2007). The real-time mediation of visual attention by language and world knowledge: linking anticipatory (and other) eye movements to linguistic processing. Journal of Memory and Language, 57. 4, 502-518.

AUGUSTO, M. R. A.; CORRÊA, L. M. S. (2005) Marcação de gênero, opcionalidade e genericidade: processamento de concordância de gênero no DP aos dois anos de idade. Lingüística 1, 2, 207-234.

______; CORREA, L. M. S. (2007). Genericity and Bare Nouns in the Acquisition of Brazilian Portuguese. In: Generative Approaches to Language Acquisition – GALA, 2008, Barcelona. Language Acquisition and Development: Proceedings of GALA 2007. Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 47-56.

______; CORRÊA, L. M. S. (2009). O papel da língua no desenvolvimento de habilidades cognitivas superiores: avaliando hipóteses linguísticas sobre a teoria da mente. In: Anais do XV Congresso da ASSEL-RIO, 1-16.

BAGETTI, T. (2009). Um estudo experimental do processamento na interface fônica e da análise sintática inicial: o papel de elementos funcionais na aquisição da linguagem. Tese de Doutorado, PUC-Rio.

______; CORRÊA, L. M. S. (2010). The early recognition of verb affixes: evidence from Portuguese. Proceedings of the 35th Annual Boston University Conference on Language Development. Disponível em: <http://www.bu.edu/bucld/files/2011/07/bagetti-cor-rea-bucld-35.pdf>.

______; CORRÊA, L. M. S. (2011). The early processing at the phonetic interface: the perception of complementizers in Portuguese. Poster apresentado no VII ENAL (Encontro Nacional De Aquisição da Linguagem)/II EIAL (Encontro Internacional de Aquisição da Linguagem), UFJF, Juiz de Fora, 17 a 19 de outubro de 20112, texto no prelo.

letícia maria sicuro corrêa 135

BOCK, J. K.; LEVELT, W. J. M. (1994). Language Production: Grammatical Encoding. In: GERNSBACHER, M. A. (Ed.). Handbook of Psycholinguistics. San Diego, Ca: Academic Press, 1994.

CASTRO, A.; CORRÊA, L. M. S.; AUGUSTO, M. R. A.; FERRARI NETO, J. The interpretation of the number morphology in Portuguese. Théorie Syntaxique et Acquisition (A)Typique du Langage: Journée Scientifique en Hommage a Celia Jakubowicz. Paris, 2009.

CHOMSKY, N. (1965). Aspects of the theory of syntax. Cambridge, Mass: Mit Press, 1965.

______. (1995) The Minimalist Program. Cambridge, Mass: MIT Press.

______. (2005). On Phases. (2005). Mimeo.

______. (2007). Of minds and language. Biolinguistics, 1,1, 9-27.

CHRISTOPHE, A.; GUASTI, M. T.; NESPOR, M.; VAN OOYEN, B. (2003). Prosodic structure and syntactic acquisition: the case of the head-complement parameter. Developmental Science, 6, 213-222.

CLIFTON, C.; JR. SPEER, S.; ABNEY, S. (1991). Parsing arguments: Phrase structure and argument structure as determinants of initial parsing decisions. Journal of Memory and Language, 30, 251-271.

CORRÊA, L. M. S. (1995). An alternative assessment of children’s comprehension of relative clauses. Journal of Psycholinguistic Research, 24, 183-203.

______. (2001). Uma hipótese para a identificação do gênero gramatical com particular referência para o português. Letras de Hoje, 125, 289-295.

______. (2001-2008). Módulos da Avaliação de Habilidades Linguísticas (MABILIN). Relatórios Projeto FAPERJ, Cientistas do Nosso Estado.

______. (2002). Explorando a relação entre língua e cognição na interface: o conceito de interpretabilidade e suas implicações para teorias do processamento e da aquisição da linguagem. Veredas, 6, 113-129.

______. (2005). Possíveis diálogos entre teoria linguística e Psicolinguística: questões processamento, aquisição e do Déficit Específico da linguagem. In: MIRANDA, N.; NAME, M. C. L. (Ed.). Linguística e Cognição. Juiz de Fora: Editora da UFJF, 2005.

______. (2006). Conciliando processamento lingüístico e teoria de língua no estudo da aquisição da linguagem. In: CORRÊA, L. M. S. (Ed.). Aquisição da linguagem e problemas do desenvolvimento linguístico. Rio de Janeiro: Editora da PUC-RIO/São Paulo: Edições Loyola, p. 21-78.

______. (2008). Relação processador linguístico-gramática em perspectiva: problema de unificação em contexto minimalista. DELTA. Documentação de Estudos em Linguística Teórica e Aplicada, 24, 231-282.

processamento linguístico e aquisição da linguagem136

CORRÊA, L. M. S. (2009a). Bootstrapping language acquisition from a minimalist standpoint: on the identification of Phi-features in Brazilian Portuguese. In: PIRES, A.; ROTHMAN, J. (Ed.). Minimalist inquiries into child and adult language acquisition: case studies across portuguese. Berlin: Mouton de Gruyter.

______. (2009b). A identificação de traços formais do léxico pela criança numa pers-pectiva psicolinguística. Organon, 23, 71-94.

CORRÊA, L. M. S.; AUGUSTO, M. R. A. (2006). Computação linguística no processamento on-line: em que medida uma derivação minimalista pode ser incorporada em modelos de processamento? Comunicação apresentada na Mesa Inter-GTs (Psicolinguística e Teoria da Gramática) do XXI Encontro Nacional da ANPOLL, 19-21 julho de 2006, PUC-SP, São Paulo. Disponível em: <http://www.anpoll.org.br/encontro/cadernoresumos.php>.

______; AUGUSTO, M. R. A. (2007). Computação linguística no processamento on-line: soluções formais para a incorporação de uma derivação minimalista em modelos de processamento. Cadernos de Estudos Linguísticos (UNICAMP), 49, 167-183, 2007.

______; AUGUSTO, M. R. A. (2009). Fatores determinantes de custo de processamento e suas implicações para a aquisição da linguagem. Estudos da Língua(Gem), 7, 43-78.

______; AUGUSTO, M. R. A. (2011a). Possible loci of SLI from a both linguistic and psy-cholinguistic perspective. Lingua, 121, 476-486.

______; AUGUSTO, M. R. A. (2011b). Custo de processamento e comprometimento da linguagem: movimento sintático na computação on-line e minimalidade relativizada em orações relativas e perguntas-QU. Anais do VII Congresso Internacional da ABRALIN, Curitiba, 2364-2378.

______; AUGUSTO, M. R. A. (2011c). DEL-sintático e a hipótese do custo de processamen-to: orações relativas na identificação de problemas de linguagem e em procedimentos de intervenção. Documentos para el XVI Congresso Internacional de la ALFAL. Alcalá de Henares.

______; AUGUSTO, M. R. A.; ANDRADE-SILVA, H. M. (2008). Definitude e genericidade na aquisição do português brasileiro (PB): interface gramática e pragmática. Atas do XV Congresso Internacional de la Asociación de Lingüística y Filologia de América Latina (ALFAL), Montevideo. CD.

______; AUGUSTO, M. R. A.; BAGETTI, T. (2011). Processing cost in sentence com-prehension as a predictor of language impairment in production: syntactic movement and Extended Relativized Minimality in a mode of on-line computation. Proceedings of GALA 2011. Generative Approaches to Language Acquisition. Thessaloniki, September 6-8. No prelo.

letícia maria sicuro corrêa 137

CORRÊA, L. M. S.; MIRANDA (2008). Resumptive pronouns in relative clauses: a last resort processing strategy in sentence production. 14th Annual Conference on Architectures and Mechanisms for Language Processing – 4-6 September, Cambridge, UK.

______; AUGUSTO, M. R. A.; CASTRO, A. (2011). Agreement and markedness in the ascription of gender to novel animate nouns by children acquiring Portuguese. Journal of Portuguese Linguistics, 10, 121-142.

______; AUGUSTO, M. R. A.; FERRARI NETO, J. (2005). The early processing of number agreement in the DP: Evidence from the acquisition of Brazilian Portuguese. Proceedings of The 30th Annual Boston University Conference on Language Development (BUCLD). Boston, 2005. Disponível em: <http://www.bu.edu/bucld/files/2011/05/30-Correa-BUCLD2005.pdf>.

CORRÊA, L. M. S.; AUGUSTO, M. R. A.; MARCILESE, M. (2009). Resumptive pronouns and passives in the production of object relative clauses: circumventing computational cost. In: Abstracts of the 22nd Annual CUNY Conference on Human Sentence Processing, Davis, CA, p. 148.

______; AUGUSTO, M. R. A.; MIRANDA, F. V.; MARCILESE, M. (2008). Avoiding pro-cessing cost: differential strategies in the production of restrictive relative clauses. In: Programme and Abstracts, 14th Annual Conference on Architectures and Mechanisms of Language Processing, Cambridge, p. 105.

______; BAGETTI, T.; NAME, M. C. (2008). Distinção entre classes abertas e fechadas no processamento da fala ao fim do primeiro ano de vida. Atas o XV Congresso Internacional de la Associación de Linguistica y Filologia de América Latina (CD). Montevidéu, 2008.

CROCKER, M. (1996). Computational Psycholinguistics. Dordrecht: Kluwer.

ELMAN, J.; BATES, E.; JOHNSON, M.; KARMILOFF-SMITH, A.; PARISI, D.; PLUNKETT, K. (1996). Rethinking innateness: a connectionist perspective on development. Cambridge, Mass: MIT Press.

FERRARI-NETO, J. (2008). Aquisição de número gramatical em português brasileiro: processamento de informação de interface. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

FERREIRA, F. (2000). Syntax in language production: an approach using tree-adjoining grammars. In: WHEELDON, L. (Ed.). Aspects of Language Production. Cambridge, Ma: Mit Press.

FERREIRA, V.; SLEVC, R. L. (2007). Grammatical encoding. In: GASKELL, M. G. (Ed.). The Oxford Handbook of Psycholinguistics. Oxford: Oxford University Press.

FODOR, J. D. (2005). A psicolinguística não pode escapar da prosódia. In: MAIA, M.; FINGER, I. (Ed.) Processamento da linguagem. Porto Alegre: Educat, 2005. p. 91-110.

FODOR, J. A.; BEVER T.; GARRETT, M. (1974). The Psychology of Language: an Introduction To Psycholinguistics and Generative Grammar. New York: McGraw-Hill.

processamento linguístico e aquisição da linguagem138

FORSTER, R.; CORRÊA, L. M. S.; AUGUSTO, M. R. A.; RODRIGUES, E. dos S. (2010a). On the integration of contextual and background information in the processing of restrictive object relative clauses. Proceedings of the 16th Annual Conference on Architectures and Mechanisms for Language Processing – AMLaP, York.

______; CORRÊA, L. M. S.; AUGUSTO, M. R. A.; RODRIGUES, E. S. (2010b). Integrating information: the incremental processing of restrictive object relative clauses in Brazilian Portuguese. In: Proceedings of the First International Congress of Psycholinguistics (ANPOLL). Rio de Janeiro.

FRAZIER, L. (1979). On Comprehending Sentences: Syntactic Parsing Strategies. Bloomington, In: Indiana University Linguistics Club.

______. (1990). Parsing modifiers: special purpose routines in the human sentence processing mechanism? In: BALOTA, D. A.; FLORES D’ARCAIS, G. B.; RAYNER, K. (Ed.). Comprehension Processes in Reading, Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum.

FRIEDMANN, N.; BELLETTI, A.; RIZZI, L. (2009). Relativized relatives: types of interven-tion in the acquisition of a-bar dependencies. Lingua, 119, p. 67-88.

FROMKIN, V. A. (1988). Grammatical Aspects of Speech Errors. In: NEWMEYER, F. J. (Ed.). Linguistics: The Cambridge Survey. V. II: Linguistic Theory: Extensions and Implications. Cambridge: Cambridge University Press.

GARRETT, M. F. (1975). The analysis of sentence production. In: BOWER, G. (Ed.). The Psychology of Learning and Motivation, v. 9, New York: Academic Press, 133-177.

______. (1976). Syntactic processes in sentence production. In: WALES, R. J.; WALKER, E. (Ed.). New Approaches to Language Mechanisms. Amsterdam: North-Holland, 231-256.

GORDON, P. C.; HENDRICK, R.; JOHNSON, M. (2004). Effects of noun phrase type on sentence complexity. Journal of Memory and Language, 51, 1411-1423.

______. (2000). Remarks on the Architecture of Language Processing Systems. In: GRODZINSKY, Y.; SHAPIRO, L.; SWINNEY, D. (Ed.). Language and the Brain. San Diego: Academic Press, 31-69.

GASKELL, M. G. The Oxford Handbook of Psycholinguistics. Oxford, New York: Oup.

GERKEN, L. Signal to syntax: Building a bridge. In: WEISSENBORN, J.; HÖHLE, B. (Ed.). Approaches to Bootstraping: Phonological, Lexical, Syntactic and Neurophysiological Aspects of Early Language Acquisition. Amsterdam/Philadelphia: Jonh Benjamins, v. 1, 2001.

GORRELL, P. (1995). Syntax and Parsing. New York: Cambridge University Press.

GOULD, J.; MARLER, P. (1987). Learning by instinct. Scientific American, January.

HAUSER, M.; CHOMSKY, N.; FITCH, W. T. (2002). The faculty of language: What is it, who has it, and how did it evolve? Science, 298, 1569-1579.

letícia maria sicuro corrêa 139

HIRSH-PASEK, K.; GOLINKOFF, R. M.; HENNON, E. A.; MAGUIRE, M. J.; STOOTSMAN, J. (2006). O modelo emergentista de coalizão da aprendizagem de palavras: uma nova maneira de se pensar na Psicologia do Desenvolvimento. In: CORRÊA, L. M. S. (Ed.). Aquisição da Linguagem e Problemas do Desenvolvimento Linguístico. Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio; São Paulo: Edições Loyola.

HORNSTEIN, N. (2001). Move! A Minimalist Theory of Construal. Blackwell.

JOSHI, A. K.; SCHABES, Y. (1997). Tree-Adjoining Grammars. In: ROSENBERG, G.; SALOMAA, A. (Ed.). Handbook of Formal Languages, 69-123. Springer, Berlin.

JUSCZYK, P. W. (1997). The Discovery of Spoken Language, Cambridge, Mass: MIT Press, 1997.

______; BERTONCINI, J. (1988). Viewing the development of speech perception as innately guided learning process. Language and Speech, 31, 217-238.

KAPLAN, R. M.; BRESNAN, J. (1982). Lexical-Functional Grammar: A Formal System for Grammatical Representation. In: BRESNAN, J. (Ed.). The Mental Representation of Grammatical Relations, p. 173-281. Cambridge, Ma: The MIT Press.

KAMIDE, Y. (2008). Anticipatory processes in sentence processing. Language and Linguistics Compass, Language and Linguistics Compass 2,4, 647-670.

KAYNE, R. S. (1994). The Antisymmetry of Syntax. Cambridge, Ma: MIT Press.

KEMPEN, G.; HOENKAMP, E. (1987). An incremental procedural grammar for sentence formulation. Cognitive Science, 11: 201-258.

______; OLSTHOORN, N.; SPRENGER, S. (2011). Grammatical workspace sharing during language production and language comprehension: evidence from grammatical multi-tasking. Language & Cognitive Processes, on-line, Issue: August, Pages: 1-36.

KIMBALL, J. (1973). Seven principle of surface structure parsing in natural languages. Cognition, 2(1):15-47.

KINZLER, K. D.; SPELKE, E. S. (2007). Core systems in human cognition. Progress in Brain Research, 164: 257-264.

LECANUET, J. (1998). Foetal responses to auditory and speech stimuli. In: SLATER, A. (Ed.). Perceptual Development Visual, Auditory and Speech Perception in Infancy. Hove: Psychology Press, 317-355.

LEVELT, J. (1989). Speaking: From Intention to Articulation. Cambridge, Mass.: MIT Press.

LIMA-RODRIGUES, C. E. S. (2007). Um estudo exploratório do processamento de informação das interfaces na aquisição da linguagem: o aspecto verbal no português. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

processamento linguístico e aquisição da linguagem140

LONGCHAMPS, J. (2009). O modo verbal na aquisição do português brasileiro: evidências naturalistas e experimentais da percepção, expressão e compreensão da distinção realis/irrealis. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2009.

LONGCHAMPS, J.; CORRÊA, L. M. S. (2010a). Root infinitives, infinitival complements and subjunctive morphology: the expression of irrealis meaning in the acquisition of Brazilian Portuguese. Proceedings of GALA 2009. Generative Approaches to Language Acquisition, Newcastle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 276-287.

______; CORRÊA, L. M. S. (2010b). The comprehension of realis and irrealis moods by Brazilian Portuguese speaking children. Proceeding of the 1st International Congress of Psycholinguistics (ANPOLL).

MACWHINNEY, B. (Ed.) (1987). Mechanisms of Language Acquisition. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum, p. 249-308.

MARCILESE, M. (2007). Aquisição de complementos pronominais acusativos: um es-tudo experimental contrastivo entre o português brasileiro e o espanhol rio-platense. Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

______. (2011). Sobre o papel da língua no desenvolvimento de habilidades cognitivas superiores: representação, recursividade e cognição numérica. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

______; CORREA, L. M. S.; AUGUSTO, M. R. A. (2008). Processamento da co-referência pronominal anafórica na aquisição de português brasileiro e de espanhol rio-platense. Revista da ABRALIN, 7, 197-222.

______; CORREA, L. M. S.; AUGUSTO, M. R. A. (2011). Recursive pre-nominal modifiers interpretation in language acquisition. Proceedings of GALA 2011. (a sair).

______; VILLARINHO, C.; AUGUSTO, M. R. A.; CORRÊA, L. M. S. (2009). Cognitive and linguistic demands in first and second order false belief tasks. Abstract of the Conference. Recursion: Structural Complexity in Language and Cognition. Amherst, Mass.

MARLER, P. (1991).The Instinct to Learn. In: CAREY, S.; GELMAN, R. (Ed.). The Epigenesis of Mind: Essays on Biology and Cognition. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum Associates.

MIRANDA, F. V. (2008). O custo de processamento de orações relativas: um estudo expe-rimental sobre relativas com pronome resumptivo no português brasileiro. Dissertação de Mestrado, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

MORABITO, L. F.; RUBINSTEIN, R. M. L. (2009). Avaliação de habilidades linguísticas de crianças: questões relativas a referência no desenvolvimento linguístico e implica-ções para problemas de linguagem. XVII Seminário e Iniciação Científica da PUC-Rio 31 agosto – 2 setembro.

letícia maria sicuro corrêa 141

MORGAN, J. L.; DEMUTH, K. (1996). Signal to syntax: an overview. In: MORGAN, J. L.; DEMUTH, K. (Org.). Signal to syntax: bootstrapping from speech to grammar in early acquisition. Mahwah, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1-22.

______; SHI, R.; ALLOPENNA, P. (1996). Perceptual bases of rudimentary grammatical categories: toward a broader conceptualization of bootstrapping. In: MORGAN, J.; DEMUTH, K. (Ed.). Signal to Syntax. Bootstrapping from Speech to Grammar in Early Acquisition. Mahwah, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates 263-283, 1996.

NAME, M. C. L. (2002). Habilidades perceptuais e linguísticas no processo de aquisição do sistema de gênero no português. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

______; CORRÊA, L. M. S. (2003). Delimitação perceptual de uma classe correspondente à categoria funcional D: evidências da aquisição do português. Fórum Lingüístico, 3, 1, 55-88.

NAME, M. C. L.; CORRÊA, L. M. S. (2006). Explorando a escuta, o olhar e o processamen-to sintático: metodologia experimental para o estudo da aquisição da língua materna em fase inicial. In: CORRÊA, L. M. S. (Org.). Aquisição da Linguagem e Problemas do Desenvolvimento Linguístico. Rio de Janeiro: Editora da PUC-Rio.

PICKERING, M. J.; GARROD, S. (2007). Do people use language production to make predictions during comprehension? Trends in Cognitive Sciences, 11, 105-110.

PIENEMANN, M. (1998). Language development and second language acquisition: pro-cessability theory. Amsterdam: John Benjamin.

PYLYSHYN, Z. W. (1977). What does it take to bootstrap a language. In: MCNAMARA, J. (Ed.). Language Learning and Thought. New York: Academic Press.

RODRIGUES, E. dos S. (2011). Aprendendo com erros: a Psicolinguística e o estudo da produção da linguagem com base em lapsos de fala. In: CAVALCANTE, M.; FARIA, E.; LEITÃO, M. (Org.). Aquisição da linguagem e processamento linguístico: perspectivas teóricas e aplicadas. João Pessoa: Ideia/Editora Universitária.

SHLONSKY, U. (1992). Resumptive pronouns as a last resort strategy. Linguistic Inquiry, 23, 443-468.

SCLIAR-CABRAL, L. (1991). Introdução à Psicolingüística. São Paulo: Ática S. A.

SLOBIN, D. I. (1973). Cognitive prerequisites for the development of grammar. In: FERGUSON, C. A.; SLOBIN, D. I. (Ed.). Studies of Child Language Development, New York: Holt, Rinehart & Winston.

______. (1996). From “thought and language” to “thinking for speaking”. In: GUMPERZ, J. J.; LEVINSON, S. C. (Ed.). Rethinking Linguistic Relativity. Cambridge: Cambridge University Press.

processamento linguístico e aquisição da linguagem142

TEIXEIRA, L. (2009). A delimitação do adjetivo como categoria lexical na aquisição da linguagem: um estudo experimental no português brasileiro. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

______; CORRÊA, L. M. S. (2008). Pistas morfológicas e sintáticas na delimitação de adjetivos em relações predicativas e de adjunção na aquisição do português do Brasil. Revista da ABRALIN, 7, 495-515.

TANENHAUS, M. K.; MAGNUSON, J. W.; DAHAN, D.; CHAMBERS, C. (2000). Eye mo-vements and lexical access in spoken-language comprehension: evaluating a linking hypothesis between fixations and linguistic processing. Journal of Psycholinguistic Research, 29, 557-580.

TOWNSEND, D. J.; BEVER, T. G. (2002). Sentence comprehension: the integration of habits and rules. Cambridge, Mass: MIT Press.

URIAGEREKA, J. (1999). Multiple spell-out. In: EPSTEIN, S. D.; HORNSTEIN, N. (Ed.). Working Minimalism, 251-282. Cambridge, Ma: MIT Press.

VAN GOMPEL, R. P. G.; PICKERING, M. J. (2007). Syntactic parsing. In: GASKELL, G. (Ed.). The Oxford Handbook of Psycholinguistics. Oxford: Oxford University Press.

VILLARINHO, C. N. G.; MARCILESE, M. (2009). Complexidade estrutural e cognitiva na compreensão de crenças falsas de segunda ordem. In: Anais do XV Congresso da ASSEL-Rio: Rio de Janeiro.

VILLARINHO, C. N. G.; CORRÊA, L. M. S.; AUGUSTO, M. R. A. (2011). Aspectos do pro-cessamento e aquisição de completivas de verbos de estado mental e sua relação com o desenvolvimento do raciocínio de crenças falsas. Documentos para el XVI Congresso Internacional de la ALFAL. Alcalá De Henares: Universidad de Alcalá CD.

VOSSE, T.; KEMPEN, G. (2000). Syntactic structure assembly in human parsing: a com-putational model based on competitive inhibition and a lexicalist grammar. Cognition, 75, 105-143.

YANG, C. (2004). Universal grammar, statistics or both? Trends in Cognitive Science, 8, 10, 452-546.

143

JABUTICABA LIBORAMIMA LÊ MAIS FÁCIL DO QUE JORNALEIRO NORBALENSE: UM ESTUDO DE RASTREAMENTO OCULAR DE PALAVRAS E

PSEUDOPALAVRAS MONO E POLIMORFÊMICAS1

Marcus Maia (LAPEX/UFRJ e CNPq)

Antonio João Carvalho Ribeiro (LAPEX, UEZO e FAPERJ)

1. INTRODUÇÃO

A cognição da sintaxe no interior das palavras é uma importante questão que vem

sendo intensamente investigada há cerca de 40 anos em Psicolinguística. Diferentes

propostas de arquitetura de processamento de palavras têm sido feitas ao longo

dessas quatro décadas de pesquisa, podendo-se opor, em grandes linhas, de um

lado, os modelos “baseados em regras” aos modelos que, por outro lado, propõem

que não haja regras computacionais explícitas, no acesso lexical, mas padrões de

ativação “em redes”. Entre esses dois grandes tipos de modelos que, em si mesmos,

já apresentam uma gama extremamente diversificada de variações de arquitetura,

encontram-se modelos mistos ou duais, que também vêm em diferentes sabores.

A literatura discute, portanto, o acesso lexical no reconhecimento de palavra

em torno de três tipos fundamentais de modelos: em um dos extremos, os do tipo

Full Listing ou Listagem Plena (e.g., Butterworth, 1983), de acesso lexical direto,

top-down, em que o significado das palavras é acessado na íntegra, no léxico onde

estão armazenadas, sem que se opere qualquer operação prévia de decomposição

morfológica; no outro extremo, os modelos estruturais bottom-up ou de Full Parsing

1 O estudo foi apresentado no The Ohio State University Congress on Hispanic and Lusophone Linguistics, nos EUA, em 27 de abril de 2012 e, também, no Encontro do GT de Psicolinguística, durante o XXVII ENANPOLL, realizado na UFF, entre 11 e 13 de julho de 2012.

jabuticaba liboramima lê mais fácil do que jornaleiro norbalense144

ou computação plena (e.g., o de Affix-Stripping2, de Taft, 1979; Taft & Forster, 1975,

1976; Forster, 1979), que preveem o armazenamento, em separado, de raízes e afixos,

implicando a decomposição da palavra no acesso lexical. Finalmente, a meio caminho

entre os dois modelos, situam-se as arquiteturas de dupla rota, ou duais, exemplifi-

cadas seja pelos modelos que admitem tanto a existência de acesso direto a palavras

familiares quanto a via da decomposição de palavras desconhecidas (Caramazza

et al., 1988), seja por modelos que optam pela “tendência” à decomposição quando

a relação semântica entre afixos e raiz é transparente (Marslen-Wilson et al., 1994);

ou, ainda, pela decomposição de formas regulares, por um lado, e acesso direto a

formas irregulares da língua, pelo outro (Pinker, 1991).

Em português brasileiro, Maia, Lemle & França (2007) reportaram um expe-

rimento de rastreamento ocular de palavras e outro baseado no chamado efeito

Stroop, realizados para investigar se a decomposição morfológica é uma propriedade

fundamental do processamento lexical na leitura de palavras isoladas. Os autores

apresentaram evidências de que, durante a leitura, as palavras seriam derivadas

morfema a morfema, embora tenham proposto que heurísticas globais da visão

também atuariam simultaneamente. Foi feito o rastreamento ocular da leitura de

palavras pertencentes a três grupos, a saber: (i) palavras como, por exemplo, malinha

ou baleiro, em que os morfemas -inha e -eiro estão concatenados a palavras (mala e

bala), havendo transparência semântica entre a palavra complexa e a base da qual ela

é derivada; (ii) palavras como vizinha ou madeira, em que há apenas uma coincidência

ortográfica com a forma dos morfemas (pseudomorfemas); e (iii) palavras como

caninha e copeiro, formadas por concatenação de um morfema a uma raiz, situação

em que o significado da palavra é arbitrário e a leitura é dada na enciclopédia, sem

transparência semântica. Os resultados indicaram maior atividade ocular (fixações

e movimentos sacádicos) na condição com morfemas com leitura composicional do

que nas condições com pseudomorfemas e com morfemas que determinam leitura

arbitrária. Ao contrário do que se realizou no estudo que se reporta no presente

artigo, Maia, Lemle & França (op. cit.) não testaram, no entanto, o processamento

de pseudopalavras nem compararam a leitura de palavras mono e polimorfêmicas.

França, Lemle, Gesualdi, Cagy & Infantosi (2008), por outro lado, compararam

palavras mono e polimorfêmicas em um estudo de acesso lexical estimulado por

priming auditivo com aferição de potenciais cerebrais relacionados a eventos (ERP),

2 O modelo Affix-stripping será mais tarde revisado por Taft (1994), passando a admitir que as operações de decomposição do modo default possam ser atenuadas pela sua frequência.

marcus maia | antonio joão carvalho ribeiro 145

analisando a eletrofisiologia do acesso lexical. Os autores testaram 60 pares de prime

e alvo com semelhança fonológica, em diferentes tamanhos (e.g., barata, problema,

jaguatirica) e 60 com semelhança morfológica, divididos em séries de palavras com

diferentes números de camadas morfológicas (e.g., pureza – 2 camadas; armamento

– 3 camadas; inicialização – 4 camadas). Como afirmado pelos autores, a principal

contribuição do estudo foi terem desenvolvido um design que permitiu comparar

palavras de três tamanhos com semelhança fonológica e palavras com duas, três

ou quatro camadas morfológicas após a camada de categorização. Os resultados

obtidos foram analisados à luz da teoria da Morfologia Distribuída (cf. Marantz &

Halle, 1993; Marantz, 1997), indicando que o acesso a palavras pequenas é mais

rápido do que a grandes em pares com semelhança fonológica. Já em relação aos

grupos categorizados por profundidade morfológica, verificou-se que a diferença do

número de camadas não cria uma gradação quando o prime e o alvo compartilham a

primeira instância de categorização. Assim, por exemplo, o acesso a pureza depois de

puro se daria em janela temporal igual à do acesso a centralização depois de centro.

Os autores notam que há uma “invisibilidade das computações composicionais que

se estabelecem a partir do ponto da arbitrariedade saussuriana” (p. 47), concluindo

que a morfologia é fator de aceleração no reconhecimento de palavras.

O estudo de base eletrofisiológica de França, Lemle, Gesualdi, Cagy & Infantosi

(2008) contrasta, portanto, com o estudo de rastreamento ocular de Maia, Lemle &

França (2007). Ambos reportam achados interessantes relativos ao acesso lexical,

porém os tempos de acesso encontrados não são medidas compatíveis: o teste por

rastreamento ocular reporta tempos significativamente maiores para as palavras com

morfemas, enquanto que os tempos de ativação cortical não diferem significativa-

mente em função do número de camadas morfológicas. Esses resultados discrepantes

de curso temporal indicariam que as diferentes técnicas aferem aspectos cognitivos

diferentes, sugerindo que se venham a investigar de modo integrado tais aspectos,

a fim de revelar interações ainda mal compreendidas entre as microcomputações

cerebrais do acesso lexical e do processamento visual na leitura.

Um terceiro estudo que analisa o papel da morfologia no processamento de

palavras multimorfêmicas do português brasileiro é o de Garcia (2009)3. Garcia

aplicou um experimento de priming encoberto, com decisão lexical, em que testou

a relação entre prime e alvo em quatro contextos: (1) prime e alvo relacionados

3 Dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-graduação em Linguística da UFRJ, em 2009, sob a orientação de Marcus Maia e co-orientação de Aniela I. França.

jabuticaba liboramima lê mais fácil do que jornaleiro norbalense146

morfologicamente (FILA/fileira); (2) prime e alvo com relação apenas semântica

(ORDEM/fileira); (3) prime e alvo com relação apenas fonológica (FILÉ/fileira); e

(4) prime e alvo sem nenhuma das relações anteriores (MATO/fileira). A hipótese

de Garcia era a de que haveria maior facilitação significativa na condição em que

as palavras tivessem relação morfológica, devido à identidade de raízes, o que foi

confirmado pelos resultados. Essa facilitação expressiva de palavras morfologi-

camente relacionadas é discutida pela autora como favorecendo os modelos de

processamento de decomposição plena e interpretada a partir da proposta não

lexicalista ou construcionista da Morfologia Distribuída.

Pederneira (2010)4 também encontrou evidências empíricas a partir de expe-

rimento de priming com decisão lexical, em favor da Morfologia Distribuída. Ao

contrário de Garcia (2009), que usou a técnica de priming encoberto, com decisão

lexical, para testar a realidade psicológica de sufixos, Pederneira utilizou, em um de

seus experimentos, a técnica de priming aberto, com decisão lexical, para investigar

o papel da morfologia na leitura de vocábulos isolados, em três condições contendo

pares de palavras “prime/target” em que a palavra target, ou alvo, continha prefixos.

Um grupo apresentava pares de palavras com prefixos de morfologia e semântica

regulares (anular/nulo; predizer/dizer); outra condição apresentava pares de palavras

com prefixos de semântica irregular (arrumar/rumo; denegrir/negro), enquanto um

terceiro grupo apresentava palavras sem morfologia ativadora, em pares com relação

etimológica remota (e.g., degradar/grau; comentar/mente). Embora os índices de

decisão lexical não tenham apresentado resultados relevantes, com taxas altas de

acerto nas três condições, os tempos médios de decisão lexical permitiram observar

diferenças significativas entre as condições. Os prefixos com morfologia e semântica

regular facilitaram significativamente os tempos de decisão sobre os alvos, quando

comparados tanto aos pares com semântica irregular, quanto aos pares com relação

etimológica, que não diferiram entre si. Os resultados confirmaram a hipótese de

que a morfologia acelera o reconhecimento de palavras, conforme previsto em

modelos construcionistas, como a Morfologia Distribuída.

Ao contrário de um modelo lexicalista, como o Programa Minimalista (Chomsky,

1995), em que os itens vocabulares podem ser considerados como “listemas”, áto-

mos sintáticos representados de modo indivisível no léxico, a Teoria da Morfologia

Distribuída (Halle & Marantz, 1993; Marantz, 1997) propõe a existência de três listas

4 Dissertação de mestrado, defendida no Programa de Pós-graduação em Linguística da UFRJ, em 2010, sob a orientação de Miriam Lemle, com co-orientação de Marcus Maia.

marcus maia | antonio joão carvalho ribeiro 147

através das quais as palavras são computadas. A Lista 1 é formada pelas unidades

sobre as quais a sintaxe opera no nível sublexical, a saber, traços morfossintáticos

e previsões para a inserção de raízes. A Lista 2 é o vocabulário, onde se fornecem

as formas fonológicas para os nós terminais da sintaxe/morfologia e se apresen-

tam as conexões entre os traços fonológicos e sintáticos. A Lista 3, conhecida com

Enciclopédia, é responsável pela listagem das raízes específicas em um dado domínio

sintático. Trata-se, portanto, de um modelo que propõe um mecanismo gerativo

único – a mesma sintaxe supralexical atua no nível sublexical. Nesse sentido, estu-

dos como os quatro trabalhos sobre o português brasileiro, resenhados acima, que

apresentam diferentes tipos de evidências experimentais (rastreamento ocular, EEG,

priming encoberto, priming aberto), demonstrando o papel significativo da morfo-

logia no reconhecimento de palavras, têm encontrado, no modelo da Morfologia

Distribuída, um quadro teórico adequado para explicar os seus achados.

No presente estudo, dá-se mais um passo, no lado comportamental desse

programa de pesquisa, registrando-se tempos de fixação e movimentação sacádica

na leitura de palavras isoladas, distribuídas em quatro grupos: palavras e pseudo-

palavras mono e polimorfêmicas, em experimento de rastreamento ocular com

tarefa de decisão lexical.

2. O EXPERIMENTO DE RASTREAMENTO OCULAR

Hipótese: No reconhecimento de palavra, ou seja, na “busca” para decidir se se

trata ou não de palavra, serão maiores a Duração Total da Fixação (TFD) e o número

de movimentos sacádicos sobre palavras e pseudopalavras com sufixos do que sobre

palavras e pseudopalavras monomorfêmicas, de acordo com Taft & Forster (1975) e

Taft (1979; 1994), em virtude da inspeção da estrutura interna dos vocábulos, prévia

ao acesso lexical dos polimorfêmicos, sejam palavras ou pseudopalavras.

Participantes: N = 32, de ambos os sexos, selecionados(as), ao acaso, entre

alunos(as) dos cursos de formação de tecnólogos e de graduação plena da UEZO,

todos naïves em relação ao objeto de estudo.

Materiais: 32 vocábulos (de 9 a 10 letras e 4 a 5 sílabas), distribuídos em 4 condi-

ções; PP, palavras com sufixos, PM, palavras monomorfêmicas, NP, pseudopalavras

com sufixos, e NM, pseudopalavras monomorfêmicas, cada uma delas abrigando 8

itens, exemplificadas a seguir:

As 4 condições e exemplos:

[PP] = palavras com sufixos, p.ex.: “jornaleiro” (8)

[PM] = palavras monomorfêmicas, p.ex.: “jabuticaba” (8)

[NP] = pseudopalavras com sufixos, p.ex.: “norbalense” (8)

[NM] = pseudopalavras monomorfêmicas p.ex.: “liboramima” (8)

jabuticaba liboramima lê mais fácil do que jornaleiro norbalense148

Procedimentos: Após consentir formalmente em participar do experimento, os su-

jeitos foram instruídos a realizar uma tarefa de Decisão Lexical, consistindo no seguinte:

clicando o mouse, um vocábulo aparecia na tela e a tarefa era decidir, rapidamente, se

se tratava, ou não, de uma palavra da língua portuguesa, dizendo, em voz alta, SIM

ou NÃO, ao experimentador, que anotava a resposta em um formulário de papel. Em

seguida, o sujeito deveria clicar o mouse para ler o vocábulo seguinte, procedendo do

mesmo modo até o fim do teste. Os vocábulos foram apresentados, randomicamente,

no display de 17” de um Tobii 120 Hz Eyetracker, centralizados na tela, em fonte do tipo

Calibri (Corpo), tamanho 36, ficando o sujeito a 60 cm da tela do monitor.

Resultados: Confirmando a hipótese testada, a Duração Total da Fixação, ou

TFD sobre os vocábulos com sufixos, foi significativamente maior do que, em média,

sobre os seus correspondentes monomorfêmicos (na ANOVA por sujeitos, o fator

MONO/POLI apresentou efeito principal significativo (F1(1, 124) = 25,6; p = 0,0001);

assim como, também, o fator PALAVRA/PSEUDO apresentou efeito principal sig-

nificativo (F1(1, 124) = 15,9; p = 0,0001). Não houve, entretanto, interação entre os

fatores (F1(1, 124) = 0,01; p = 0,93), conforme ilustra o Gráfico 1, abaixo.

1.600

2.030 2.150

2.600

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

PALAVRA PSEUDO

Duração Total da Fixação (TFD em ms.)

MONO

POLI

Gráfico 1: TFD médias sobre os vocábulos com sufixo, superiores às observadas sobre os monomorfêmicos.

De acordo, ainda, com as predições da hipótese testada, os vocábulos com

sufixos, p.ex.: “habitação” (PP) e “hironável” (NP), receberam, em média, TFD

superior à dos seus correspondentes monomorfêmicos, p.ex.: “jabuticaba” (PM) e

“esvateque” (NM) (na ANOVA por itens, o fator MONO/POLI (F2(1, 28) = 17,7; p =

0,0001) apresentou efeito principal, assim como o fator PALAVRA/PSEUDO (F2(1,

28) = 17,7; p = 0,0002). Não houve interação entre os fatores (F2(1, 28) = 0,03; p =

0,86)), conforme o Gráfico 2, abaixo.

marcus maia | antonio joão carvalho ribeiro 149

1.640

2.070 2.140

2.620

0

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

PALAVRA PSEUDO

Duração Total da Fixação (TFD em ms.)

MONO

POLI

Gráfico 2: TFD médias sobre os vocábulos com sufixo, superiores às observadas sobre os monomorfêmicos.

Observando-se o número de movimentos sacádicos (FC), vocábulos com sufixo

receberam, em média, significativamente mais sacadas do que os monomorfêmicos

(na ANOVA por sujeitos, o fator MONO/POLI apresentou efeito principal significativo

(F1(1, 124) = 5,9; p = 0,01); como também o fator PALAVRA/PSEUDO apresentou

efeito principal significativo (F1(1,124) = 28,05; p = 0,0001). Não houve interação

entre os fatores (F1(1,124) = 2,64; p = 0,10), conforme os valores no Gráfico 3, abaixo.

3,77

4,68

3,98

5,68

0

1

2

3

4

5

6

PALAVRA PSEUDO

Número de Fixações (FC)

MONO

POLI

Gráfico 3: FC médias sobre os vocábulos com sufixo, superiores às observadas sobre os monomorfêmicos.

jabuticaba liboramima lê mais fácil do que jornaleiro norbalense150

Ainda quanto ao número de movimentos sacádicos (FC), vocábulos com sufixo,

p.ex.: “bebedouro” (PP) e “norbalense” (NP), receberam, em média, significativamente

mais sacadas do que os monomorfêmicos, p.ex.: “almanaque” (PM) e “chelonabe”

(NM) (na ANOVA por itens, mostrou-se efeito principal do fator MONO/POLI

(F2(1,28) = 10,12; p = 0,0036); como, também, efeito principal do fator PALAVRA/

PSEUDO (F2(1,28) = 43,4; p = 0,0001). Não há interação entre os fatores (F2(1,28)

= 3,12; p = 0,08), conforme ilustra o Gráfico 4, abaixo.

3,84

4,77 4,11

5,73

0

1

2

3

4

5

6

7

PALAVRA PSEUDO

Número de Fixações (FC)

MONO

POLI

Gráfico 4: FC médias sobre os vocábulos com sufixo, superiores às observadas sobre os monomorfêmicos.

E, de modo geral, como os Gráficos 1 a 4 informam, palavras foram acessadas

mais rapidamente do que pseudopalavras, confirmando o que se sabe que ocorre

quando essas últimas não ferem a fonotática da língua.

Na página seguinte, a Tabela Geral de TFD (ms.), FC (ambos com os valores

típicos em destaque nas cores das Condições que representam) e da Decisão Lexical,

permite identificar os valores da Duração Total da Fixação, Número de Movimentos

Sacádicos e percentuais de SIM e NÃO na Decisão Lexical, que subsidiaram todos

os gráficos do Relatório. Finalmente, os Mapas de Calor (heatmaps) 1 e 2 ilustram,

incomparavelmente, essas diferenças, que confirmam a hipótese de parsing prévio

ao acesso lexical de vocábulos com sufixos. As fixações múltiplas sobre palavra e

pseudopalavra com sufixo, “jornaleiro” no Mapa 1, e “litonagem” no Mapa 2, aparen-

temente as decompõem durante a tarefa de reconhecimento; e uma fixação no vocá-

bulo monomorfêmico, seja palavra ou pseudopalavra, os trata como impenetráveis.

marcus maia | antonio joão carvalho ribeiro 151

Tabela Geral: TFD (ms.), FC (fixações) e Decisão Lexical (S/N), por palavra.

Listas

Stimuli Eye trackingDecisão Lexical

(%) Listas

Stimuli Eye trackingDecisão Lexical

(%)

TFD (ms.)

FC S NTFD

(ms.)FC S N

PM

Alcachofra 2.030 4,6 29 3

NM

Chelonabe 1.830 4,6 7 25

Alfândega 1.490 3,38 31 1 Cirbanila 2.130 4,48 5 27

Almanaque 1.510 3,87 30 2 Erbêntira 2.050 4,19 5 27

Chocolate 1.420 3,35 28 4 Esbalhifre 2.460 6,07 8 24

Esmeralda 1.390 3,5 31 1 Esvateque 2.090 5 5 27

Jabuticaba 1.520 3,45 32 0 Iscalembo 1.870 4,16 4 28

Margarida 1.490 4,03 31 1 Liboramima 2.120 5,09 3 29

Tartaruga 2.270 4,53 30 2 Torlepida 2.040 4,59 1 31

Md: 1.640 3,84 94,53 5,47 Md: 2.074 4,77 14,84 85,16

PP

Bebedouro 1.930 4,07 31 1

NP

Arelicismo 2.430 5,28 15 17

Bebezinho 3.180 4,9 32 0 Hironável 2.630 5,94 21 11

Casamento 1.950 3,69 32 0 Lacorência 2.680 5,59 13 19

Economista 2.230 4,66 32 0 Latoresco 2.450 5,26 17 15

Habitação 2.070 3,44 32 0 Litonagem 2.440 5,37 16 16

Jornaleiro 1.880 3,31 32 0 Norbalense 2.490 5,77 12 20

Laranjada 1.920 4,4 31 1 Serantura 2.860 6 8 24

Rebocador 2.000 4,43 30 2 Tamurelho 2.950 6,62 8 24

Md: 2.145 4,11 98,44 1,56 Md: 2.616 5,73 42,97 57,03

Heatmap 1: palavra monomorfêmica vs. palavra com sufixo.

jabuticaba liboramima lê mais fácil do que jornaleiro norbalense152

Heatmap 2: pseudopalavra monomorfêmica vs. palavra com sufixo.

Os números reunidos na tabela “Decisão Lexical”, abaixo, associados à decisão

dos sujeitos sobre o status dos vocábulos que leram, também podem ser considerados

informativos a respeito de como se dá o acesso lexical no reconhecimento de palavra.

DECISÃO LEXICAL SIM (%) NÃO (%)

PM 94,53 5,47

PP 98,44 1,56

NM 14,84 85,16

NP 42,97 57,03

Decisão Lexical: respostas off-line no reconhecimento dos vocábulos.

A possibilidade de decompor o vocábulo, que reduz, a quase zero, a possibilidade

de não reconhecer palavras da língua (NÃO diante de PP = 1,56%) parece que também

aumenta a chance de aceitar pseudopalavras, que, quando são indecomponíveis,

são muito facilmente rejeitadas.

marcus maia | antonio joão carvalho ribeiro 153

3. CONCLUSÕES

Em síntese, os resultados do experimento não se explicam com base em modelos

de acesso exclusivamente top-down, face aos diferentes padrões de fixação do olhar

sobre vocábulos monomorfêmicos e com sufixos. Entretanto, não se controlaram

variáveis que possibilitariam afastar a hipótese do acesso por dupla rota, como

frequência e familiaridade. É lícito concluir, a partir desses mesmos resultados, que,

quando a estrutura interna do vocábulo permite, o reconhecimento dá-se bottom-up

e que a possibilidade de parsing prévio das condições polimorfêmicas – indicada

pelas fixações mais longas e em maior número do que nas condições monomorfê-

micas – interfere na decisão sobre o status do item, tanto na redução da rejeição de

palavras da língua quanto no aumento da aceitação de pseudoplavras.

Finalmente, no que diz respeito à teoria gramatical, os resultados obtidos no

presente estudo aduzem novas evidências em favor de modelos construcionistas

da gramática, tal como o modelo da Morfologia Distribuída, que propõe que haja

computação sintática operando por fases no nível sublexical.

REFERÊNCIAS

BUTTERWORTH, B. (1983). Lexical representation. In: BUTTERWORTH, B. Language production. London: Academic Press, v. 2, p. 257-294.

CARAMAZZA, A.; LAUDANNA, A.; ROMANI, C. (1988). Lexical access and inflectional morphology. Cognition, 28, 297-332.

CHOMSKY, N. (1995). The Minimalist Program. Cambridge, MIT Press.

FRANÇA, A. I.; LEMLE, M.; GESUALDI, A.; CAGY, M.; INFANTOSI, A. F. C. (2008). A neu-rofisiologia do acesso lexical: palavras em português. Veredas 2: 34-49.

GARCIA, D. C de. (2009). Elementos estruturais no acesso lexical: o reconhecimento de palavras multimorfêmicas no português brasileiro. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras.

HALLE, M.; MARANTZ, A. (1993). Distributed morphology and the pieces of inflection. In: HALE, K.; KEYSER, S. J. (Ed.). The View from Building 20. Cambridge, Massachutts: MIT Press: 111-176.

MAIA, M.; LEMLE, M.; FRANÇA, A. I. (2007). Ciências & Cognição 2007; v. 12: 02-17.

MARANTZ, A. (1997). No escape from syntax: don’t try morphological analysis in the privacy of your own lexicon. In: DIMITRIADIS, Alexis et al. (Ed.). Upenn Working Papers in Linguistics 4.2. Proceedings of the 21st Annual Penn Linguistics Coloquium, Philadelphia, p. 201-225.

jabuticaba liboramima lê mais fácil do que jornaleiro norbalense154

MARSLEN-WILSON, W.; TYLER, L. K.; WAKSLER, R.; OLDER, L. (1994). Morphology and meaning in the English mental lexicon. Psychological Review, 101(1), 3-33.

PEDERNEIRA, I. (2010). Etimologia e reanálise de palavras. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro: UFRJ/Faculdade de Letras.

PINKER, S. (1991). Rules of language. Science, 153, 530-535.

TAFT, M. (1979). Lexical access via an orthographic code: the basic orthographic syllabic structure (BOSS). Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 18(1), 21-39.

______; FORSTER, K. I. (1976). Lexical storage and retrieval of polymorphemic and polysyllabic words. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 15(6), 607-620.

TAFT, M.; FOSTER, K. (1975). Lexical storage and retrieval of prefixed words. Journal of Verbal Learning and Verbal Behavior, 14(6), 638-647.

______ (1994). Interactive-activation as a framework for understanding morphological processing. Language and Cognitive Processes, 9 (3), 271-294.

155

A INTERFACE SINTAXE-PROSÓDIA NO PROCESSAMENTO DAS CATEGORIAS LEXICAIS N(OME) E ADJ(ETIVO)

Maria Cristina Name (UFJF/CNPq)

Apresento, neste capítulo, a pesquisa desenvolvida por mim e por meus orientan-

dos no NEALP – Núcleo de Estudos em Aquisição da Linguagem e Psicolinguística – da

Universidade Federal de Juiz de Fora. A pesquisa em psicolinguística teve início em 2003,

quando cheguei à UFJF, como bolsista PRODOC/CAPES. Em 2006, foi criado o Grupo

de Pesquisa em Aquisição e Processamento da Linguagem, cadastrado no Diretório

de Grupo de Pesquisa do CNPq. Em 2007, junto com a criação do Programa de Pós-

Graduação em Linguística1, foi constituído o NEALP, que, desde 2009, conta com mais

uma pesquisadora e orientadora – a Professora Luciana Teixeira, da mesma Universidade.

Ao longo desse percurso, temos uma tese de doutorado concluída e várias em anda-

mento; treze dissertações concluídas e várias em andamento; ainda, mais de dezessete

bolsistas de Iniciação Científica já passaram pelo NEALP. Recentemente, a chegada de

mais uma pesquisadora – Professora Mercedes Marcilese – veio fortalecer a equipe.

Os primeiros trabalhos focalizaram a aquisição lexical, particularmente, identifi-

cação de nomes e adjetivos por crianças brasileiras. Foram investigadas propriedades

prosódicas, morfofonológicas e sintáticas de sintagmas determinantes contendo

itens das categorias N(ome) e ADJ(etivo). Paulatinamente, a pesquisa foi se voltando

também para o processamento adulto, investigando o acesso lexical. Como será

visto, a prosódia foi ganhando papel de relevo na pesquisa.

O capítulo desenvolve-se da seguinte forma: na próxima seção, faço um levan-

tamento de problemas que os elementos das categorias lexicais N(ome) e ADJ(etivo)

podem apresentar tanto para a criança adquirindo o português brasileiro (PB), quanto

para o adulto processando essa língua. Na seção seguinte, apresento o referencial

teórico que norteia nossa pesquisa. Nas seções 3 e 4, serão vistos os trabalhos de-

senvolvidos, referentes à aquisição e ao processamento adulto, respectivamente2.

1 O PPG Linguística da UFJF nasceu da área de concentração em Linguística do antigo PPG Letras, curso criado em 1989.

2 Os estudos apresentados nessas e em outras seções do artigo obtiveram aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos da UFJF e tiveram fomento do CNPq, FAPEMIG e CAPES.

a interface sintaxe-prosódia no processamento...156

Ao final, retomo os resultados a que chegamos e aponto para outras frentes de

pesquisas que são desenvolvidas no NEALP.

1. NOMES E ADJETIVOS NO PB

Compreender o rápido processo de aquisição de uma língua pela criança tem

sido um desafio para a Psicolinguística. No que se refere especificamente à aquisi-

ção do léxico, busca-se entender como o bebê/a criança segmenta o fluxo da fala

em elementos menores e os extrai, para que possa então mapear essas unidades

linguísticas a entidades semânticas ligadas a referentes do mundo (Friederici &

Thierry, 2008; Snedeker & Gleitman, 2004).

No que se refere a nomes e adjetivos no português, de maneira geral, há uma

sobreposição de marcas fônicas na terminação desses itens. Com exceção de adjetivos

que apresentam sufixos (como -oso/-a, -ento/-a, -ável etc.), a terminação fônica de

nomes e de adjetivos é a mesma (p.ex., bolo macio, bola pequena, dente grande).

Nomes e adjetivos se inserem em um DP, dominados por D (Determinante)

(Laenzenlinger, 2000; Radford, 1997; Abney, 1987); na relação língua-mundo, N

refere-se a entidades e ADJ, a propriedades de entidades (Baker, 2003). No entan-

to, ambas as informações podem se fundir em um único elemento, como em, por

exemplo, um pobre (i.e, um homem pobre, uma pessoa pobre). A categoria N se

apresenta nas diferentes línguas naturais, caracterizando-se como um universal

linguístico (Comrie, 1989), diferentemente de ADJ3.

Com respeito à ordem no DP, ainda segundo Comrie (1989, p. 89), há duas ordens

possíveis: NA (Adjetivo posposto ao Nome) e AN (Adjetivo anteposto). Tipologicamente,

as línguas seriam divididas em dois grupos, cada um com predominância de uma ou

outra ordem. Línguas com predominância NA são mais flexíveis, pois admitem também

AN, caso do português, cuja ordem default é NA. Callou & Serra (2003) destacam, em

análise diacrônica, o uso cada vez mais frequente desse padrão. No entanto, a ordem

inversa é possível (ver Gonzaga, 2003, para discussão das implicações da posição do

adjetivo no PE). Assim, nomes e adjetivos podem ocupar a mesma posição na superfície

da sentença, imediatamente antecedidos por D (uma casa linda ou uma linda casa),

3 Baker (2003) diverge dessa proposta, defendendo que ADJ é uma categoria distinta, presente nas línguas naturais estudadas. Para isso, apresenta uma série de argumentos de natureza morfossintática. O autor considera que o sistema de traços que define as categorias lexicais não está bem integrado ao framework gerativista, já que os traços categoriais e seus valores pouco ou nada interagem com princípios ou com o modo de funcionamento do sistema como um todo.

maria cristina name 157

com alteração ou não de sentido (Neves, 1999). Além dos casos de “deslizamento”

semântico de uma categoria a outra, como visto acima, há também homófonos de

categorias distintas (p.ex., barata – N ou ADJ; segura – ADJ ou V).

Dessa forma, não parece haver um padrão fônico ou posicional que seja sufi-

cientemente robusto para permitir a distinção entre nomes e adjetivos no portu-

guês. Assim sendo, um modelo de aquisição de língua que considere unicamente

informações presentes nos enunciados linguísticos não conseguiria dar conta da

identificação desses elementos e de sua classificação nas categorias lexicais N e

ADJ pela criança. Porém, a hipótese inatista sozinha não explica como a criança

adquire a língua de seu meio. Veremos, na próxima seção, que a conciliação entre

teoria linguística e modelo de processamento pode ajudar a resolver esse impasse.

2. O PROGRAMA MINIMALISTA E MODELOS DE BOOTSTRAPPING

Do ponto de vista do processamento linguístico, a aquisição da linguagem pode

ser entendida como a capacidade da criança de segmentar os enunciados – o que

permitiria a identificação dos diferentes elementos da língua. Do ponto de vista

da teoria gerativa, caberia à criança determinar quais traços seriam intrínsecos

ou opcionais, interpretáveis ou não interpretáveis, e identificar entre que itens se

estabelecem relações de concordância. Procedimentos semelhantes podem ser

concebidos para dar conta do processamento adulto, considerando a capacidade

de tratar diferentes informações contidas nos enunciados de modo a identificar

categorias e estruturas sintáticas, assim como elementos do léxico.

O Programa Minimalista (Chomsky, 1995; 1998; 2001) caracteriza a faculdade

da linguagem em duas perspectivas: no sentido estrito e no sentido amplo (Hauser,

Chomsky & Fitch, 2002). No primeiro sentido (FLN – Faculty of Language in the narrow

sense), constitui-se de um sistema computacional estritamente linguístico, universal

(i.e., comum a todas as línguas naturais) e um léxico. No segundo sentido (FLB – Faculty

of Language in the broad sense), compreende FLN e sistemas cognitivos perceptuais e

conceptuais com os quais faz interface. Dessa forma, o modelo explicita, de um lado,

o caráter específico da capacidade linguística humana e, de outro, a sua relação com

outros sistemas cognitivos, integrada a uma noção mais ampla de cognição.

Essa concepção de faculdade da linguagem é compatível com um modelo psico-

linguístico do processo de aquisição de uma língua natural. A partir de seu aparato

perceptual, o bebê começa a discriminar características prosódicas e fonéticas que lhe

permitirão a segmentação do fluxo de fala em elementos menores até identificar alguns

elementos do léxico. A formação de um léxico inicial permite o desencadeamento do

sistema cognitivo, que, por sua vez, permite a identificação de traços e seus valores,

pertinentes àquela língua. Os modelos de bootstrapping baseiam-se na análise da fala

a interface sintaxe-prosódia no processamento...158

como desencadeador do processo de aquisição lexical e sintática, pressupondo que

propriedades da fala sinalizam a estrutura sintática subjacente e podem ser facilita-

doras da identificação de elementos lexicais. O envelope prosódico da fala, sensível à

sua estrutura sintática (cf. Nespor & Vogel, 1986; Selkirk, 1984), delimitaria unidades

linguísticas menores, facilitando sua segmentação e sinalizando, dessa forma, ele-

mentos distintos que poderiam ser adquiridos (ou reconhecidos, no processamento

adulto) como membros de diferentes categorias do léxico e relacionados a conteúdo

semântico. De acordo com o Bootstrapping Fonológico ou Prosódico (Morgan &

Demuth, 1996; Christophe et al., 1997), o bebê é capaz de analisar fonologicamente os

enunciados que ouve, o que o leva a depreender propriedades sintáticas de sua língua.

A partir da sintaxe, a criança identificaria, ainda que preliminarmente, o sentido dos

itens lexicais (Bootstrapping Sintático: Gleitman, 1990).

Em nossa pesquisa, defendemos que a aquisição de elementos das categorias

N e ADJ implica o reconhecimento, pela criança, das propriedades inerentes a essas

categorias e do modo como são expressas na língua. Parte-se da hipótese de que o

processamento de informações de natureza prosódica e fonológica permite o de-

sencadeamento de um programa biológico que viabilize a aquisição da linguagem.

Consideramos que a informação proveniente de propriedades morfofonológicas

e a posição estrutural desses itens nos enunciados permitem seu mapeamento

(preliminar) em categorias sintático-conceptuais.

3. A AQUISIÇÃO DE NOMES E ADJETIVOS POR CRIANÇAS BRASILEIRAS

3.1. PROPRIEDADES ESTRUTURAIS E MORFOFONOLÓGICAS

Uma fonte de informação passível de ser explorada pela criança diz respeito à

distribuição estrutural, i.e., a posição constante de determinados itens na estrutura

de sintagmas e orações. Itens funcionais tendem a aparecer na fronteira de um sin-

tagma, ao passo que itens lexicais costumam aparecer na fronteira oposta, revelando

uma distribuição complementar. No inglês, Waxman e colaboradores (Waxman,

1999; Balaban & Waxman, 1997) encontraram evidências de que a apresentação

de um objeto acompanhada de sua nomeação a partir de um DP (Det. + N) facilita

a categorização do objeto por bebês americanos, ao passo que a apresentação de

objeto acompanhada de estímulo não linguístico, ou ainda sem nenhuma apresen-

tação verbal não leva à categorização.

Em português, determinantes ocorrem na fronteira esquerda, seguidos de nomes,

mas também podem ser seguidos de adjetivos, como já vimos. A questão, então, é se

isso dificultaria o mapeamento da palavra imediatamente após o determinante como N

por crianças adquirindo o PB. Almeida (2007; Almeida, Silva & Name, 2006) apresentou

maria cristina name 159

objetos inventados, com propriedades diversas (cores e texturas) a crianças de dois

anos e meio. A apresentação das imagens foi acompanhada de enunciados com DPs

plenos (Det + N/Adj + Adj/N), usando pseudopalavras que nomeavam o objeto (pseu-

donome) ou uma propriedade do objeto (pseudoadjetivo), como “um dabo mipo”, em

que dabo poderia remeter tanto à categoria de objeto quanto à propriedade, o mesmo

acontecendo com mipo. As crianças identificaram a primeira pseudopalavra do DP

com o objeto e a segunda, com a propriedade, ainda que tivessem sido apresentadas

diferentemente (ou seja, a primeira como adjetivo e a segunda como nome). Esses

resultados sugerem que, na ausência de marcas morfofonológicas que levem à distinção

entre nomes e adjetivos, a posição estrutural canônica reservada a esses elementos

no português – Determinante + Nome + Adjetivo – parece guiar a identificação de

pseudopalavras como pertencentes à Categoria N ou à Categoria ADJ.

A ordem canônica também foi privilegiada por crianças mais velhas em tarefa de

produção induzida com crianças de quatro a oito anos (Silva et al., 2007). Inicialmente, as

crianças ouviram uma história com dois tipos de DPs, um com adjetivo anteposto (“um

bondoso menino”) e outro com adjetivo posposto (“um macaco esperto”). Em seguida,

foi-lhes pedido que contassem a história para um boneco, “que não tinha ouvido”. Aos

sete e oito anos, as crianças usaram apenas adjetivos pospostos. Já as crianças de qua-

tro anos mantiveram a ordem apresentada, apesar de às vezes trocarem o adjetivo (“o

esperto menino”, “o macaco guloso”), o que mostra que não foi uma simples repetição

mecânica da história. As crianças de cinco e seis anos tiveram um padrão misto, algumas

com uma produção semelhante à das mais velhas, e outras próximas à das mais novas.

Esses resultados sugerem que a ordem canônica do DP cristaliza-se em torno dos sete

anos na produção. Ainda, sugerem também que crianças mais novas são sensíveis à va-

riação da ordem. Em outra atividade usando a posição do adjetivo associada à mudança

de sentido, crianças de sete a nove anos reconheceram a mudança de sentido associada

à posição no DP de alguns adjetivos (grande, pobre), sinalizando maior domínio dessa

estratégia do português em idade mais avançada (Silva et al., 2008).

Além da posição dos itens na superfície do DP, outros pontos que merecem des-

taque são o tipo de nome e marcas morfofonológicas no adjetivo. Mintz & Gleitman

(2002) realizaram um experimento em que novos adjetivos foram apresentados

precedendo um nome (the stoof horse) ou pronome (the stoof one) (ou “nome vago”:

the stoof thing), enquanto eram mostrados objetos familiares. Crianças de dois e três

anos apresentaram mais facilidade em mapear o novo adjetivo com uma propriedade

do objeto quando acompanhado de Nome, o que sugere uma necessidade de no-

meação do objeto anterior à apresentação de uma propriedade do referido objeto.

Azevedo (2008; Azevedo & Name, 2008) replicou o experimento com crianças

brasileiras com as mesmas idades, apresentando objetos a partir do nome conhecido

(“uma casa tapoja”) ou de um nome vago (“uma coisa tapoja”). Seus resultados foram

semelhantes aos do inglês. Em seguida, a autora aplicou o mesmo experimento com

a interface sintaxe-prosódia no processamento...160

outras crianças, dessa vez adicionando sufixos nos adjetivos (“uma flor/coisa faposa”).

As crianças não tiveram dificuldade em relacionar o novo adjetivo à propriedade do

objeto, mesmo na condição Nome Vago. Assim, a marca morfofonológica caracte-

rística da categoria ADJ parece facilitar a identificação de elementos dessa categoria.

3.2 PROPRIEDADES PROSÓDICAS

Matsuoka (2007; Matsuoka & Name, 2009) investigou se o contorno prosódico

do DP complexo (Det + N/Adj + Adj/N) no PB sofre alterações em função da posição

do adjetivo na fala dirigida à criança. A autora verificou que o adjetivo apresentou

sílabas mais longas, marcando sua posição; quando anteposto, tem a tônica mar-

cadamente mais longa do que a tônica do nome em primeira posição. O adjetivo

anteposto tem “peso” (intensidade) maior nas sílabas tônica e pretônica que o nome

na mesma posição; no que concerne à frequência fundamental, houve uma elevação

da tônica do primeiro elemento quando este era um adjetivo. A posição estrutural

dos nomes e adjetivos no DP parece, portanto, ter implicações na estrutura prosó-

dica, o que poderia ser usado pela criança para a identificação da estrutura sintática.

O realce prosódico também parece ter um papel na relação entre o valor semân-

tico do adjetivo e sua posição no DP. Gruppi (2011) verificou se o realce prosódico

(foco prosódico estreito) do adjetivo anteposto levaria crianças de cinco e seis

anos a aceitarem adjetivos semanticamente incongruentes nessa posição (p.ex.,

“um quebrado espelho”). A criança deveria dizer se um personagem vindo de outro

planeta falava “como nós” ou não. Comparando condições experimentais com foco

prosódico estreito ou amplo, adjetivos congruentes ou incongruentes, a autora

concluiu que crianças nessa faixa etária rejeitam sistematicamente construções

com adjetivos em posição inadequada e com foco prosódico estreito, o que não

aconteceu quando produzidos com foco amplo.

Outra função verificada é que o realce prosódico facilita a identificação do

adjetivo, tal como acontece com o sufixo adjetival. Matsuoka (Matsuoka & Name,

2011) retomou os experimentos realizados por Azevedo (2008), apresentados ante-

riormente, e acrescentou foco prosódico estreito nos pseudoadjetivos antecedidos

de nome vago (“uma coisa tapoja”). As crianças não tiveram dificuldade em mapear o

pseudoadjetivo com a propriedade do objeto, tal como aconteceu quando o adjetivo

tinha marca sufixal (“uma coisa faposa”).

O conjunto de resultados experimentais sugere que a criança começa a associar

novos itens a entidades e suas propriedades fazendo uso de um conjunto de pistas

linguísticas. Crianças em torno de dois anos privilegiam a informação sintática,

relacionando o primeiro elemento depois de Det à entidade, atribuindo-lhe o traço

maria cristina name 161

categorial de N, a despeito de ter sido apresentado como um adjetivo anteposto

(Almeida, 2007; Almeida, Silva & Name, 2006). Diante de informação morfofonológi-

ca, a criança mapeia o novo adjetivo à propriedade do objeto, mas sua identificação

parece se apoiar sobretudo no Nome (Azevedo, 2008; Azevedo & Name, 2008). A

prosódia também parece ser usada como fonte de informação pela criança desde

os dois anos, facilitando o reconhecimento de novas palavras como adjetivos. Aos

cinco anos, é usada para destacar o adjetivo anteposto, que é rechaçado pela criança

se houver incompatibilidade entre sua posição do DP e seu conteúdo semântico

(Gruppi, 2011). Na produção, os resultados apontam para uma cristalização do

adjetivo posposto ao nome em torno dos sete anos de idade (Silva et al., 2007).

O entendimento do processamento da língua por adultos e crianças cujo conhe-

cimento da língua materna já está (quase) estabilizado pode ser bastante informativo

para o processo de aquisição da linguagem. Dessa forma, nossa pesquisa foi aos

poucos desenvolvendo-se também na área do processamento adulto, conforme

apresento na próxima seção.

4. A IDENTIFICAÇÃO DE NOMES E ADJETIVOS POR ADULTOS FALANTES NATIVOS DO PB

No processamento adulto, Lawall (2008; Lawall & Name, 2010, 2008a, 2008b)

avaliou o peso da posição do item no DP, focalizando o contraste direto entre elementos

temporariamente ambíguos podendo pertencer às categorias N ou ADJ. Em tarefa de

leitura automonitorada, adultos reconhecem como N o item imediatamente após D,

privilegiando a ordem canônica do PB. Sentenças contendo, p.ex., “um deserto planeta”

foram lidas mais lentamente do que aquelas contendo “um planeta deserto”, sugerindo

um efeito de garden path, i.e., “deserto” foi tomado por N no primeiro DP e, diante de

“planeta”, o leitor teve de replanejar a estrutura sintática. Tal efeito parece ser sensível

à frequência do adjetivo em posição anteposta. Alguns adjetivos, como “brilhante” em

“um brilhante relógio”, não levaram a um tempo de leitura significativamente maior.

O uso de pistas prosódicas no processamento adulto tem sido foco de vários

estudos, sobretudo a partir do texto seminal de Fodor (2002) destacando sua impor-

tância para a área. Diversos trabalhos, em diferentes línguas, discutem a informação

prosódica no processamento de sentenças (para revisão, ver Maia & Finger, 2005).

Araújo (2012) avaliou o papel da prosódia na desambiguação de sentenças Garden

Path. Manipulando os contornos prosódicos dos segmentos, a autora criou condições

experimentais que apresentavam ou não incongruência entre a estrutura sintática e a

prosódica. Por exemplo, a sentença “Enquanto a mulher acordava os filhos faziam seu café”

foi apresentada aos participantes da atividade com o contorno prosódico congruente:

a interface sintaxe-prosódia no processamento...162

a) Enquanto a mulher acordava (I) os filhos faziam seu café

ou incongruente:

b) Enquanto a mulher acordava os filhos (I) faziam seu café

Marcas prosódicas sinalizavam uma fronteira de sintagma entoacional (I) após

o verbo da relativa em (a) e após o DP “os filhos” em (b). Neste caso, a fronteira

prosódica separava o sujeito do verbo da oração principal. Em tarefa de escuta

automonitorada, os participantes tiveram um tempo maior de reação nas frases

(b), demorando-se mais no verbo da principal (“faziam”), segmento crítico em que

ficava clara a incongruência sintaxe-prosódia. Os resultados sugerem a reanálise por

parte do ouvinte, que, ao se deparar com o verbo da oração principal, reinterpreta

a expressão ambígua como sujeito deste.

Ainda com referência a sentenças temporariamente ambíguas, Silva (2009; Silva

& Name, 2009; 2012) observou o efeito da prosódia na identificação da categoria

lexical, inspirada em trabalho francês (Millotte et al., 2007; 2008). Primeiro, gravou

sentenças lidas por falantes brasileiras naïves em relação aos objetivos da atividade,

em que apareciam itens lexicais homófonos, como em:

c) Eu acho que a menina limpa toma banhos muito longos. (limpa, adjetivo)

d) Eu acho que a menina limpa todos os cômodos da casa. (limpa, verbo)

A autora verificou a presença de uma fronteira de sintagma fonológico (ϕ) após

o segmento crítico (limpa) em (c) e antes dele em (d). Na atividade seguinte, Silva

apresentou auditivamente apenas os preâmbulos das sentenças, com suas marcas

prosódicas, e pediu a novos participantes que completassem os enunciados o mais

rápido possível:

e) ADJ: [Eu acho] f [que a menina limpa] f

f) V: [Eu acho] f [que a menina] f [limpa]

Os resultados indicaram uma taxa de identificação da categoria lexical con-

gruente com o envelope prosódico do preâmbulo. Os participantes completaram as

frases do tipo (f) assumindo a palavra homófona como V na maioria das vezes. Esse

resultado poderia ser decorrente da estrutura default do português – SVO. Porém,

o mesmo aconteceu com as frases do tipo (e), em que os sujeitos interpretaram o

segmento crítico como sendo da categoria ADJ. Como a única diferença entre os dois

tipos de preâmbulo era o contorno prosódico, i.e., a posição distinta das fronteiras

de sintagma fonológico, podemos concluir que se trata de uma pista robusta usada

para o reconhecimento lexical por falantes nativos do PB.

maria cristina name 163

Alves (2010; Alves & Name, 2009; 2010) também focalizou a fronteira de sintagma

fonológico, investigando seu papel na restrição do acesso lexical, comparando-a com

fronteira de palavra prosódica. Com base em Christophe e colaboradores (2004), para

o francês, o autor preparou um experimento de decisão lexical com adultos, em que

uma palavra concorrente à palavra alvo poderia ser temporariamente ativada se uma

dada fronteira prosódica não fosse suficiente para bloqueá-la. Vejamos os exemplos:

g) 1. O jornalista citou [o gol ω final] ϕ marcado por Ronaldo nesse jogo. (golfe)

2. O jornalista citou [o gol ω roubado] ϕ com que o time ganhou a Copa.

(*golr...)

h) 1. O jornalista disse [que o gol] ϕ [ficou marcado] f na história do futebol. (golfe)

2. O jornalista disse [que o gol] ϕ [será anulado] f por decisão do juiz.

(*go[w]s...)

Nas sentenças (1), a palavra alvo gol é seguida por uma fronteira prosódica e uma

palavra iniciada pela sílaba “fi”. Se essas fronteiras não demarcarem claramente o final

de palavra, o acesso à palavra alvo “gol” pode ser afetado pela competição da palavra

“golfe”. Como controle, foram criadas as sentenças (2), em que nenhuma palavra do

português é formada pela junção da palavra alvo e a sílaba inicial da palavra seguinte.

Alves verificou que a palavra alvo foi rapidamente acessada nas condições

(g.2) e (h.2), em que não havia palavra competidora, assim como na condição

(h.1). A fronteira de sintagma fonológico após a palavra alvo parece ter bloqueado

o acesso à sua concorrente, que não foi ativada e, portanto, não atrasou a decisão

lexical. Por outro lado, foi verificado um tempo de resposta alto para a condição

(g.1), sugerindo que a fronteira de palavra prosódica não teria impedido a ativação

da palavra competidora, atrasando o acesso à palavra alvo.

No que se refere ao processamento adulto, portanto, nossas pesquisas apon-

tam que, em tarefa de leitura automonitorada, adultos reconhecem como N o item

imediatamente após D, privilegiando a ordem canônica do PB (Lawall, 2008; Lawall

& Name, 2010; 2008a,2008b). Mas a prosódia parece ser uma fonte de informação

robusta quando acessível. Diante de sentenças temporariamente ambíguas, em que

um elemento (a) pode ser tomado como complemento do verbo da oração relativa ou

sujeito da principal; (b) pode pertencer a diferentes categorias lexicais; ou (c) pode

ativar mais de um item no léxico mental, propriedades tais como duração vocálica,

intensidade e frequência fundamental, relativas a fronteiras prosódicas (de sintagma

fonológico e entoacional), são usadas por falantes nativos do PB na desambiguação

(Alves & Name, 2009, 2010; Araújo, 2012; Name & Silva, 2009; Silva, 2009; Silva &

Name, 2012). Vale a pena ressaltar que algumas dessas atividades foram aplicadas a

aprendizes adultos do PB como língua estrangeira, que não foram capazes de usar

tais pistas prosódicas (Araújo, Silva & Name, 2012; Name & Silva, 2009).

a interface sintaxe-prosódia no processamento...164

PARA CONCLUIR

Neste capítulo, apresentei a pesquisa que vem sendo desenvolvida por mim e

meus orientandos, desde antes da constituição do NEALP, relativa à aquisição lexical

por crianças brasileiras e ao reconhecimento lexical e processamento sintático por

falantes/ouvintes adultos brasileiros. Nosso foco foi os elementos das categorias

lexicais N e ADJ por apresentarem uma série de características que poderiam

dificultar sua aquisição/reconhecimento. De modo geral, vimos que a ordem dos

constituintes (no DP ou na sentença), marcas morfofonológicas e determinadas

fronteiras prosódicas (de sintagma fonológico e de sintagma entoacional) parecem

ser informações robustas usadas por crianças e adultos brasileiros nessas tarefas.

Além dos já apresentados, outros estudos conduzidos no NEALP contribuem

para um melhor entendimento do processo de aquisição lexical e do processamento

adulto. Quanto ao primeiro, alguns trabalhos investigam a sensibilidade de bebês

aos determinantes do PB e seu papel na identificação de categorias lexicais, assim

como a sensibilidade à ocorrência de dependências não adjacentes no âmbito do DP

(Faria, 2005; em andamento; Laguardia, em andamento; Teixeira, 2012; Teixeira, em

andamento; Uchôa, em andamento; Name, Shi & Koulaguina, 2011). Em relação ao

segundo, aprofundamos o papel da prosódia no parsing, investigando em que medida

essa informação pode ser usada por falantes/ouvintes nativos nas etapas iniciais do

processamento linguístico (Araújo, 2012; em andamento; Silva, em andamento).

É importante ressaltar a pesquisa conduzida por Luciana Teixeira e suas orien-

tandas no NEALP desde 2009. Inicialmente, a pesquisadora deu continuidade à sua

tese de doutorado, investigando o papel da marca morfofonológica de gênero do

adjetivo para o estabelecimento da referência definida (Costa, 2010; Costa & Teixeira,

2011; 2012; Teixeira, 2009; 2011). Atualmente, focaliza a relação língua e Teoria da

Mente, avaliando em que medida crianças são capazes de conduzir um raciocínio

de primeira/segunda ordem, com base em sentenças completivas e em sentenças

sem encaixamento sintático, minimizando as demandas cognitivas e linguísticas que

possam afetar a capacidade dessas crianças de conduzirem esse raciocínio (Alves,

2011; Silva, 2012, em andamento; Silva, Almeida & Teixeira, 2012). Ainda, a entrada

da Professora Mercedes Marcilese para o quadro de docentes da Universidade, do

PPG Linguística e do NEALP vem fortalecer a equipe e ampliar as frentes de pesquisa.

A pesquisa psicolinguística no NEALP, portanto, explora a interface entre língua

e sistemas de desempenho, entendendo a aquisição e o processamento de uma

língua como processos contínuos, dependentes tanto de propriedades inerentes às

línguas naturais quanto de habilidades perceptuais e computacionais, linguísticas e

não linguísticas da mente humana (Name & Teixeira, 2012).

maria cristina name 165

REFERÊNCIAS

ABNEY, S. P. The English Noun Phrase and its Setential Aspect. Tese de Doutorado. MIT, 1987.

ALMEIDA, C. P. A identificação de nomes e adjetivos por crianças adquirindo o PB. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2007.

ALMEIDA, C. P.; SILVA, C. G.; NAME, M. C. O processo de aquisição de nomes e adjetivos numa perspectiva psicolingüística. Comunicação apresentada no 7º ENAL, Porto Alegre, 2006.

ALVES, D. Pistas prosódicas no acesso lexical on-line de falantes adultos do português brasileiro. Dissertação de mestrado. Universidade Federal de Juiz de Fora, 2010.

ALVES, J. P. A relação entre verbos factivos e epistêmicos na compreensão de tarefas de crenças falsas de 1ª Ordem na aquisição do PB. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2011.

ALVES, D. P.; NAME, M. C. Phonological phrase boundaries restrictions in lexical access by BP adult speakers. Proceedings of 5th International Conference on Speech Prosody, 41-45, Chicago, 2010.

ALVES, D. P.; NAME, M. C. A influência de fronteiras prosódicas na identificação de itens lexicais. Anais do VI Congresso Internacional da ABRALIN, 332-342, João Pessoa, 2009.

ARAÚJO, V. C. A interface sintaxe-prosódia-semântica. Tese de Doutorado. UFJF. Em andamento.

______. O papel de fronteiras de sintagma entoacional no processamento sintático de sentenças Garden-path. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2012.

______; SILVA, C. G. C.; NAME, M. C. Aprendizes do PB como língua estrangeira e a percepção das pistas prosódicas. Anais do VIII ENAL/II EIAL Encontro Inter/Nacional sobre Aquisição da Linguagem. Juiz de Fora, v. 1, 2011. p. 391-401.

AZEVEDO, L. O. F. O papel da informação morfossintática no processo de aquisição lexical. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2008.

______; NAME, M. C. Uma bola maposa: o papel da nomeação na identificação de no-vos adjetivos. Veredas – Revista de Estudos Linguísticos, 2008, 140-143. Disponível em: <http://www.revistaveredas.ufjf.br/veredas_psicolinguistica.html>.

BAKER, M. C. Lexical categories. Verbs, nouns and adjectives. Cambridge Studies in Linguistics, Cambridge: Cambridge Univ. Press, 2003.

BALABAN, M. T.; WAXMAN, S. R. Do words facilitate object categorization in 9-month-old infants? Journal of Experimental Child Psychology, v. 64, p. 3-26, 1997.

CALLOU, D. SERRA, C. A variação da ordem dos adjetivos nos últimos quatro séculos. In: RONCARATI, C.; ABRACADO, J. (Org.). Português brasileiro: contato linguístico, heterogeneidade e historia. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003. p. 191-98.

CHOMSKY, N. Beyond explanatory adequacy. MIT Occasional Papers in Linguistics, v. 20, 2001.

______. Minimalist Inquiries: the framework, MIT Occasional Papers in Linguistics, 15, 1998.

______. The Minimalist Program. Cambridge, MA: MIT Press, 1995.

a interface sintaxe-prosódia no processamento...166

CHRISTOPHE, A.; GUASTI, T.; NESPOR, M.; DUPOUX, E.; VAN OOYEN, B. Reflections on phonological bootstrapping: its role for lexical and syntactic acquisition. Language and Cognitive Processes, v. 12, n. 5/6, p. 585-612, 1997.

______; PEPERKAMP, S.; PALLIER, C.; BLOCK, E.; MEHLER, J. Phonological phrase boundaries constrain lexical access: I – Adult data. Journal of Memory and Language, 51, 523-547, 2004.

COMRIE, B. Language universals & Linguistic tipology. 2. ed. Chicago: The University of Chicago Press, 1989.

COSTA, S. M. Nome e adjetivo: o uso da marca morfofonológica de gênero do adjeti-vo para o estabelecimento da referência definida na aquisição do PB. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2011.

______; TEIXEIRA, L. A concordância entre nome e adjetivo na aquisição do português brasileiro: o uso da marca morfofonológica de gênero do adjetivo para o estabelecimento da referência. Revista Virtual de Estudos da Linguagem, v. 10, p. 28-49, 2012.

COSTA, S. M.; TEIXEIRA, L. A. Nome e adjetivo na aquisição do português brasileiro: pistas morfológicas e sintáticas no estabelecimento da referência. Anais do VII Congresso Internacional da ABRALIN, Curitiba, 2011. p. 2844-2653.

FARIA, F. C. O fenômeno da concordância no processo de aquisição do pronome posses-sivo por crianças adquirindo o PB. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2005.

______. Aspectos relevantes do possessivo no processo de aquisição do PB. Tese de Doutorado. UFJF. Em andamento.

FODOR, J. D. Psycholinguistics cannot escape prosody. Speech Prosody, Aix-en-Provence, 2002.

FRIEDERICI, A.; THIERRY, G. (Ed.). Early language development. Bridging brain and behavior. John Benjamins, 2008.

GLEITMAN, L. The structural sources of verb meanings. Language Acquisition, v. 1, p. 3-55, 1990.

GONZAGA, M. The Structure of DP in European Portuguese – Evidence from Adjectives and Possessives. First Annual Undergraduate Linguistics Colloquium at Harvard. University of Harvard, 2003.

GRUPPI, A. L. O uso do adjetivo por crianças no PB: a relação entre o foco prosódico e a interface sintaxe-semântica. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2011.

HAUSER, M.; CHOMSKY, N.; FITCH, W. T. The Faculty of language: what is it, who has it, and how did it evolve? Science, v. 298, p. 1569-1579, 2002.

LAENZLINGER, C. French adjective ordering: perspectives on DP-Internal Movement Types. Generative Grammar in Geneva, 1, 55-104, 2000.

LAGUARDIA, M. C. C. T. Habilidades computacionais na aquisição lexical. Tese de Doutorado. UFJF. Em andamento.

LAWALL, R. F. Propriedades prosódicas e morfossintáticas no processamento adulto e na aquisição da linguagem. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2008.

maria cristina name 167

LAWALL, R. F.; NAME, M. C. Is “Brillant” a noun or an adjective? The identification of ambiguous elements by adult speakers of BP. In: FRANÇA; MAIA (Org.). Papers in Psycholinguistics. Rio de Janeiro: Imprinta, v. 1, 2010. p. 167-171.

LAWALL, R. F.; NAME, M. C. O processamento de elementos ambíguos no DP por falantes adultos do PB. Veredas – Revista de Estudos Linguísticos, 2008a, p. 158-162. Disponível em: <http://www.revistaveredas.ufjf.br/veredas_psicolinguistica.html>.

LAWALL, R. F.; NAME, M. C. Quando “deserto” é nome ou adjetivo: a identificação de ele-mentos ambíguos por falantes adultos do PB. XV Congreso Internacional de la Asociación de Lingüística y Filología de América Latina. Montevidéu, 2008b.

MAIA, M.; FINGER, I. (Org.). Processamento da linguagem. Pelotas: EDUCAT, 2005.

MATSUOKA, A. A marcação prosódica da posição do adjetivo no DP na fala dirigida à criança. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2007.

______; NAME, M. C. O uso de pistas prosódicas na identificação do adjetivo por crianças e adultos falantes do PB. VII Congresso Internacional da ABRALIN, Curitiba, v. 1, 2011. p. 577-588.

MATSUOKA, A.; NAME, M. C. Propriedades prosódicas da fala dirigida à criança como pistas distintivas da posição do adjetivo dentro do DP. VI Congresso Internacional da ABRALIN, João Pessoa, 2009, 11 p.

MILLOTTE, S.; RENÉ, A.; WALES, R.; CHRISTOPHE, A. Phonological phrase boundaries constrain the online syntactic analysis of spoken sentences. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory and Cognition, 34(4), 874-885, 2008.

______; WALES, R.; CHRISTOPHE, A. Phrasal prosody disambiguates syntax. Language and Cognitive Processes, 22(6), 898-909, 2007.

MINTZ, T. H.; GLEITMAN, L. Adjectives really do modify nouns: the incremental and restricted nature of early adjective acquisition. Cognition, 84 (3), 267-293, 2002.

MORGAN, J. L.; DEMUTH, K. Signal to syntax: an overview. In: J. L. MORGAN; DEMUTH, K. (Org.). Signal to syntax: bootstrapping from speech to grammar in early acquisition. Mahwah, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, p. 1-22, 1996.

NAME, M. C.; SHI, R.; KOULAGUINA, E. Non-adjacent dependency learning and gramma-tical categorization in 11.month-old Infants. 12th IASCL. Montreal, 2011.

______; SILVA, C. G. C. Prosodic cues in BP second language learners. The 34th Annual BUCLD, Boston, 2009.

______; TEIXEIRA, L. Processamento linguístico e aquisição da linguagem: explorando a interface língua e sistemas de desempenho. Projeto de Pesquisa. PROPESQ/UFJF, 2012.

NESPOR, M.; VOGEL, I. Prosodic phonology. Dordrecht: Foris Publications, 1986.

NEVES, M. H. M. Gramática de usos do português. UNESP: 1999.

RADFORD, A. Syntax: a minimalist introduction. Cambridge: UK University Press, 1997.

SELKIRK, E. O. Phonology and syntax: the relation between sound and structure. Cambridge: MIT Press., 1984.

a interface sintaxe-prosódia no processamento...168

SILVA, A. P. A interface linguagem e teoria da mente: um estudo experimental sobre o raciocínio de crenças falsas na aquisição do PB. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2012.

______. Investigando demandas cognitivas linguísticas e não linguísticas. Tese de Doutorado. UFJF. Em andamento.

______; ALMEIDA, C. P.; TEIXEIRA, L. O papel da lingua(gem) na teoria da mente: explorando demandas linguísticas em tarefas cognitivas de crenças falsas. VIII ENAL e II EIAL – Encontro Inter/Nacional sobre Aquisição da Linguagem, Juiz de Fora, v. único, p. 145-157, 2012.

______; SANTOS, F. A.; PAULA, L. O.; TEIXEIRA, M. C. C.; ARAÚJO, V. C. Aquisição de nomes e adjetivos: uma análise sobre a ordem canônica na produção de crianças adqui-rindo o PB. Seminário de Iniciação Científica, UFJF, 2008.

SILVA, C. G. C. Pistas prosódicas no processamento sintático. Tese de Doutorado. UFJF. Em andamento.

______. O papel das fronteiras de sintagma fonológico na restrição do processamento sintático e na delimitação das categorias lexicais. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2009.

SILVA, C. G. C.; NAME, M. “Limpa” é verbo ou adjetivo? O papel de fronteiras de sintagma fonológico no parsing. Journal of Speech Sciences, 1(1), jan. 2012. Disponível em: <http://www.journalofspeechsciences.org/index.php/journalofspeechsciences/article/view/17>.

SILVA, C. G. C.; NAME, M. O papel das fronteiras prosódicas na restrição do processa-mento sintático. VI Congresso Internacional da ABRALIN, João Pessoa, 2009. p. 642-650.

______; SANTOS, F. A.; BARROS, J. C.; LOHSE, M. N.; SILVA, T. R.; SILVA, A. P.; ARAÚJO, V. C.; TEIXEIRA, M. C. C.; MATOS, P. T. A posição do adjetivo no DP na produção de crianças brasileiras. Seminário de Iniciação Científica, UFJF, 2007.

SNEDEKER, J.; GLEITMAN, L. Why it is hard to label our concepts. In: HALL, D. G.; WAXMAN, S. (Ed.). Weaving a Lexicon. Cambridge, Mass.: MIT Press, 2004. p. 257-293.

TEIXEIRA, L. Pistas lexicais e sintáticas para a delimitação de adjetivos na aquisição do português brasileiro. Gragoatá, v. 30, p. 135-153, 2011.

______. A delimitação do adjetivo como categoria lexical na aquisição da linguagem: um estudo experimental no português brasileiro. Veredas (UFJF. Online), v. 13, p. 36-56, 2009.

TEIXEIRA, M. C. C. A contribuição das informações distribucionais de dependências não adjacentes nas etapas iniciais da aquisição lexical. Dissertação de Mestrado. UFJF, 2012.

TEIXEIRA, S. A. A identificação das categorias lexicais V e N a partir de uma categoria funcional. Dissertação de Mestrado. UFJF. Em andamento.

UCHÔA, D. N. A sensibilidade à forma fônica e à frequência na identificação de determi-nantes por crianças brasileiras. Dissertação de Mestrado. UFJF. Em andamento.

WAXMAN, S. (1999). Specifying the scope of 13-month-olds’ expectations for novel words. Cognition, 70, B35-B50.

169

ASPECTOS ATENCIONAIS DA LINGUAGEM: A ESCOLHA DA FORMA REFERENCIAL EM NARRATIVAS DE CRIANÇAS

PORTADORAS DE TDAH

Maria Luiza Cunha Lima Adriana Maria Tenuta

(Universidade Federal de Minas Gerais)

1. INTRODUÇÃO1

No presente trabalho, apresentamos os resultados de uma comparação entre

as escolhas de formas referenciais referencias (ou seja, o emprego de sintagmas

nominais (SNs), pronomes e elipses) em narrativas de crianças com TDAH e de

desenvolvimento típico, da mesma idade e escolaridade.

O estudo dos padrões de distribuição de formas referenciais em uma condição

como TDAH é um ponto de partida privilegiado para examinar relações entre língua,

memória de trabalho e atenção. Investigar essas relações é importante porque, ao

estudarmos o processamento da língua, é sempre possível questionar se o que obser-

vamos é reflexo das representações linguísticas ou de interação dessas representa-

ções com restrições de outros componentes do sistema cognitivo, como memória e

atenção. Mais ainda, podemos nos questionar sobre qual a natureza da relação entre

essas diferentes capacidades, isto é, até que ponto a língua é influenciada por elas.

Há pesquisadores, como Hauser et al. (2002:1571), que, ao discutirem a relação

entre língua e demais capacidades cognitivas, afirmam:

There are many organism internal factors, […], that impose practical limits on the usage of the [linguistic] system. For example, lung capa-city imposes limits on the length of actual spoken sentences, whereas working memory imposes limits on the complexity of sentences if they are to be understandable.

1 A pesquisa relatada neste artigo obteve financiamento da FAPEMIG – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais.

aspectos atencionais da linguagem170

Para os autores, a interação acontece apenas porque a memória, de forma

completamente externa aos mecanismos linguísticos propriamente ditos, limita o

processamento durante o desempenho, da mesma forma que o tamanho dos nossos

pulmões limita o que podemos dizer sem fazer uma pausa. As capacidades cogniti-

vas, segunda essa visão, são, portanto, completamente separadas e independentes.

Outros autores acreditam, ao contrário, que as características internas da

estrutura linguística só podem ter evoluído em estreita relação com os demais

componentes cognitivos. Em outras palavras, as gramáticas das línguas exploram

a arquitetura de outros componentes cognitivos sistematicamente (e são sistema-

ticamente limitadas por ela). Almor e Nair (2007), por exemplo, propõem que uma

questão fundamental muitas vezes não feita por aqueles que querem entender

como a língua funciona é por que as línguas apresentam determinados sistemas

em suas gramáticas em primeiro lugar. Por exemplo, por que as línguas oferecem

sistematicamente diferentes formas alternativas para expressões referenciais?

Autores com essa última visão questionam, por exemplo, por que as línguas apre-

sentam alternância entre expressões nominais e pronomes? Almor e Nair respondem

a essa pergunta propondo que os sistemas pronominais estão presentes nas línguas

como forma de otimizar o uso da memória de trabalho dos interlocutores no processo

de produção e compreensão de discursos linguísticos. A ligação entre sistemas prono-

minais e memória de trabalho e capacidade atencional é mais facilmente detectável

em condições e patologias em que memória de trabalho e processos atencionais estão

prejudicados. Um exemplo, como veremos, na seção 2, é a bem estabelecida ligação

entre a escolha das formas referenciais e a doença de Alzheimer.

O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade também se mostra promis-

sor para esse tipo de estudo, já que é um transtorno em que a memória de trabalho e

a manutenção da atenção desempenham papéis centrais. A pesquisa torna-se ainda

mais relevante porque, além de as características do TDAH permitirem investigar

como língua e memória estão relacionadas, ao se elucidar essa relação, é possível

ajudar a clarificar as próprias causas do transtorno.

Ao compararmos as previsões que diferentes modelos dos mecanismos subjacen-

tes ao TDAH fazem sobre como a linguagem seria afetada pela condição, podemos

ilustrar como a investigação em linguística pode contribuir para a compreensão das

outras habilidades cognitivas além da língua e oferecer evidências para a escolha de

qual modelo cognitivo é mais adequado.

No nosso caso, faremos comparações entre duas tentativas de explicar a origem

dos problemas apresentados por crianças com TDAH: o modelo de problemas no

sistema inibitório (Barkley, 1997) e o modelo de problemas na memória de trabalho

maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 171

(Rapport et al., 2008). Apresentamos esses modelos e suas respectivas previsões

para a linguagem na seção 3.2 e, na discussão, os retomamos para mostrar como o

modelo de Rapport e colegas (2008) parece explicar melhor os dados encontrados.

Depois de revisar as relações entre atenção, memória de trabalho e escolha das

formas referenciais (seção 2), caracterizaremos brevemente o TDAH (seção 3) e

descreveremos os modelos que tentam explicar o funcionamento cognitivo subja-

cente ao transtorno (seção 3.2). Para explicar cada modelo, precisaremos revisar,

de forma mais geral, os modelos de atenção e memória de trabalho (seção 3.2).

Ao revisarmos os modelos, levantaremos, em especial, quais as previsões que cada

um faria em relação ao comportamento linguístico dos pacientes com TDAH. Em

seguida, descreveremos nossa pesquisa, a coleta de dados e os métodos de análise

(seção 4) e apresentaremos os resultados (seção 5) que acreditamos favorecerem

o modelo de déficit de memória de trabalho e as considerações finais (seção 6)

retomando a discussão geral sobre língua e funções cognitivas.

2. ONDE LÍNGUA E ATENÇÃO SE ENCONTRAM?

Uma pergunta que se pode fazer quando estudamos a linguagem de crianças

com algum tipo de déficit atencional é se a atenção pode ter alguma influência na

linguagem e qual a natureza dessa influência. Como vimos, uma primeira hipótese

é a de que sistemas linguísticos e atencionais são independentes e que dificulda-

des atencionais não afetam o conhecimento e habilidades linguísticas. A hipótese

alternativa é a de que os sistemas guardam algum grau de interdependência e as

estruturas linguísticas possam ser relacionadas à atenção.

Entre as funções e componentes linguísticos que poderiam sofrer influência

dos sistemas atencionais têm destaque aqueles que aparentemente têm a função

de permitir aos falantes a manipulação do foco informacional ou atencional. São

exemplos dessas funções e componentes linguísticos: foco prosódico e padrões

entoacionais de ênfase, estruturas sintáticas como topicalização, vozes verbais

(passiva, ativa ou média), ordem dos constituintes e formas referenciais distintas.

Um rico conjunto de pesquisas tem trazido à luz fortes evidências de que o processa-

mento da atenção influencia diretamente a estruturação linguística, especialmente

a estruturação sintática das sentenças (Myachkov & Posner, 2005; Myachykov &

Tomlin, 2008; Myachykov et al., 2011; Gleitman et al., 2007) e a especificação da

forma referencial. No presente trabalho, voltaremo-nos para os últimos processos.

aspectos atencionais da linguagem172

2.1 ATENÇÃO E ESCOLHA DAS FORMAS REFERENCIAIS

Ao elaborar um texto, falado ou escrito, os sujeitos têm diferentes alternativas para

fazer referência aos objetos, entidades e acontecimentos que fazem parte daquele dis-

curso. A cada momento, os referentes podem ser introduzidos ou retomados por meio

de um sintagma nominal contendo substantivo(s), um pronome ou, em línguas como

o português, uma elipse. Ao usarem sintagmas nominais, os sujeitos têm ainda, à sua

escolha, diferentes possibilidades de determinantes – artigos, pronomes demonstrativos,

numerais – e podem indicar os referentes por meio de diferentes itens lexicais nominais.

Não há intenção de se fazer, neste artigo, uma revisão, ainda que introdutória, da

rica tradição de debates e estudos em torno do problema da escolha da forma refe-

rencial. Ater-nos-emos a um ponto especialmente importante para esta pesquisa: a

alternância entre o uso de nomes e pronomes e sua relação com memória de trabalho.

Vários autores propuseram que a escolha da forma referencial está estreitamente

relacionada ao estado dos referentes na memória dos interlocutores, ou ainda, à

sua carga informacional ou saliência discursiva (Almor, 1999; Gordon et al., 1993;

Gundel et al., 1993). Haveria, assim, uma relação inversamente proporcional entre

a saliência discursiva do referente, isto é, o quanto é fácil identificá-lo ou recupe-

rá-lo, e a quantidade e peso informacional do material linguístico utilizado para

essa referência (introdução ou retomada). Expressões nominais, portanto, seriam

utilizadas quando o falante acredita que a identificação da referente demanda maior

esforço cognitivo. Os pronomes, por trazerem menos informação semântica, seriam

preferidos em situações em que o referente está em foco ou é altamente saliente,

ou seja, situações em que o referente está ativado ou semiativado (Chafe, 1990).

Trabalhos com pacientes com Doença de Alzheimer (Almor et al., 1998; MacDonald

et al., 2001) relatam que pacientes com doença em estado inicial e moderado apresen-

tam, em comparação a controles saudáveis de mesma idade, uma tendência a empre-

gar significativamente mais pronomes do que nomes em narrativas autobiográficas.

O uso inadequado de pronomes contribui para que o discurso de pacientes com

Alzheimer seja frequentemente caracterizado como “vazio”, com o uso excessivo,

além dos pronomes, de nomes genéricos (isso, a coisa, o negócio).

Outra característica comum do comportamento linguístico desses pacientes é

a dificuldade de compreender a que se referem os pronomes, levando, inclusive, a

haver a recomendação para que pessoas diretamente envolvidas no cuidado desses

pacientes evite o uso de dessa forma (Almor et al., 1998). Ou seja, esse padrão inverso

entre produção e compreensão indica que o pronome é mais fácil de produzir, pois

exige ativação de menor carga semântica na memória do falante ao mesmo tempo

que é mais difícil de compreender por demandar uma identificação mais laboriosa

do referente por parte do ouvinte.

maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 173

Paralelamente ao que acontece com portadores de TDAH, esses traços da fala

do paciente com Alzheimer também têm sido descritos como problemas pragmáticos

(Hutchinson & Jensen, 1980; Kempler, 1995), além de serem creditados a problemas

de acesso lexical, devido a perdas na memória semântica.

Em trabalho seminal, Almor e colegas (1998) mostraram que a fala vazia dos

pacientes com Doença de Alzheimer não tem relação direta com problemas relacio-

nados à sua memória semântica ou a acesso lexical, mas sim a dificuldades geradas

pela progressiva deterioração da memória de trabalho.

Os autores também encontraram uma forte correlação entre deficiência na

memória de trabalho e a escolha de pronomes para fazer referência: isto é, quanto

pior o desempenho dos sujeitos em tarefas que testavam a memória de trabalho,

maior era a proporção de pronomes utilizada por esses sujeitos. É interessante res-

saltar que esse mesmo grupo de sujeitos teve sua capacidade semântica testada,

por exemplo, em tarefas de nomeação de figuras, e o resultado encontrado não

apresentou correlação com as proporções de nomes e pronomes produzidos por

eles em discursos espontâneos. Esse dado suporta a hipótese de que a produção

de pronomes pelos sujeitos está realmente relacionada a dificuldades da memória

de trabalho, e não a problemas de acesso lexical ou à perda de memória semântica.

A influência da memória de trabalho no processamento de pronomes também

foi recentemente descrita em pessoas (tanto crianças quanto adultos) sem nenhuma

patologia. Um dos trabalhos mais instigantes nessa linha é o de Koster et al. (2011),

que apresentaram histórias a adultos e a crianças com idades entre 6 e 4 anos nas

quais a última sentença começava com um pronome potencialmente ambíguo. Em

metade das histórias, o referente que ocupava a posição de tópico mudava no meio

da narrativa. No final de cada história, perguntava-se aos sujeitos a quem o pronome

ambíguo se referia. As histórias do experimento são ilustradas no exemplo abaixo:

História com mudança de tópico História sem mudança de tópico

Eric joga futebol na quadra do clube. Eric joga futebol na quadra do clube.

Phillip pediu a Eric para irem juntos para o treino.

Eric pediu a Phillip para irem juntos para o treino.

Phillip pegou Eric de carro depois do jantar. Eric pegou Phillip de carro depois do jantar.

Ele joga futebol há dez anos. Ele joga futebol há dez anos

Pergunta: Quem joga futebol há dez anos?

Quadro 1: Exemplo adaptado das histórias utilizadas em Koster et al., 2011:11.

aspectos atencionais da linguagem174

Adultos preferiram interpretar o pronome ambíguo “Ele” da última sentença como

se referindo ao sujeito da sentença anterior (Phillip na primeira versão da história, Eric

na segunda). As crianças, entretanto, mostraram ter preferência pelo primeiro referente

mencionado no início da história (Eric, nos exemplos acima) e não faziam distinção entre

as histórias com ou sem mudança de tópico. Um fato interessante foi que as crianças

com maior capacidade na memória de trabalho apresentaram um comportamento mais

semelhante ao dos adultos, o que sugere que as limitações na capacidade de trabalho

afetam o desempenho de crianças no processamento de pronomes.

Van Rijn et al. (no prelo) mostraram que a interpretação de pronomes sujeitos

também é influenciada pela capacidade disponível de memória de trabalhos em adultos.

Os autores mediram o processamento de pronomes em um experimento de leitura

autocadenciada, usando histórias semelhantes às de Koster et al. (2011). Os resulta-

dos mostraram que quanto menor a memória de trabalho dos sujeitos participantes,

maior era o tempo de leitura de trechos contendo pronomes depois de mudança de

tópico. Uma última evidência utilizada para apoiar a relação de interdependência entre

língua e memória e escolha das formas referenciais é de natureza neurolinguística e

refere-se aos circuitos neurais subjacentes ao processamento de nomes e pronomes.

Almor et al. (2007) relatam ativação das áreas cerebrais relacionadas à memória espa-

cial (região parietal) quando os sujeitos processam pronomes, enquanto as mesmas

áreas permanecem comparativamente menos ativas quando os sujeitos processam

nomes. Essas evidências apontam para a possibilidade de a língua ter usado circuitos

neuronais preexistentes, que eram utilizados para acompanhar múltiplos objetos no

campo visual, para acompanhar diversos referentes discursivos na memória, resul-

tando no que os autores chamam de “ligação intrínseca entre referência linguística e

localização no espaço” (Almor et al., 2007: 1218).

Se realmente a memória de trabalho está envolvida no processamento dos pro-

nomes e nomes de um texto, seria possível encontrar alguma alteração no uso desses

elementos em textos produzidos por crianças com TDAH. Para entender por quê,

passamos a caracterizar o transtorno e os modelos que pretendem explicar suas causas.

3. O TRANSTORNO DE DÉFICIT DE ATENÇÃO E HIPERATIVIDADE (TDAH)

Outro candidato natural para a investigação das relações entre língua e memória e

atenção é o nosso alvo: o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). O

Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um dos problemas de de-

senvolvimento mais prevalentes na infância, atingido aproximadamente 10% das crianças

em idade escolar. A presença do transtorno frequentemente prejudica o desempenho

escolar das crianças portadoras e habitualmente cria dificuldades de integração e socia-

lização que geram prejuízos não só escolares, mas também para a vida afetiva da criança.

maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 175

Segundo Swanson et al. (2000:45), nos Estados Unidos, onde estatísticas mais

precisas estão disponíveis, cerca 6% dos meninos e 1.5% das meninas receberam

esse diagnóstico na década de 1990. Apesar da falta de números precisos, também

no Brasil, o TDAH é, sem dúvida, um dos transtornos mais frequentes.

O TDAH é, em geral, diagnosticado a partir dos 6 ou 7 anos de idade, quando

os sintomas do transtorno muitas vezes começam a atrapalhar a vida escolar e

social da criança. O diagnóstico é essencialmente clínico, realizado com base nos

critérios de diagnósticos, como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos

Mentais (DSM-IV TR), e no relato das pessoas que convivem de maneira próxima

com as crianças, como pais e professores. É comum haver melhora ou até desapa-

recimento dos sintomas do TDAH na idade adulta, mas eles podem se estender por

toda a vida do paciente.

Segundo o DSM-IV, duas classes de sintomas devem ser levadas em consideração

na avaliação da criança: 1. sintomas de inatenção e 2. de hiperatividade/impulsividade.

Para cada classe, são listados 9 sintomas, mostrados no quadro abaixo.

Inatenção Hiperatividade

Não presta atenção a detalhes Mexe mãos e pés de forma agitada

Tem dificuldade em sustentar atenção Não consegue permanecer sentado em sala de aula

Parece não escutar a fala que lhe é dirigida Corre ou sobe nas coisas nos momentos inapropriados

Tem dificuldades em seguir instruções Tem dificuldade em participar de brincadeiras mais tranquilas

Tem dificuldade em organizar tarefas Está sempre ativo, parece ter muita energia

Evita tarefas que exijam concentração Fala em excesso

Perde coisas Responde impulsivamente a perguntas

É distraído por estímulos estranhos ao que está fazendo no momento

Tem dificuldade de esperar seu turno de fala

Esquece-se com facilidade de coisas e tarefas Interrompe os outros ou se intromete

Quadro 2: Sintomas do TDAH – Os sintomas em negrito têm relação com comportamento

linguístico.

aspectos atencionais da linguagem176

A presença de 6 ou mais desses sintomas, de forma persistente por um perí-

odo mínimo de 6 meses, em grau inconsistente com o nível de desenvolvimento

esperado para a criança, é o critério proposto pelo DSM-IV para o diagnóstico de

TDAH. O transtorno pode ser caracterizado como do tipo predominantemente

inatento, do tipo predominantemente impulsivo ou de tipo misto, a depender se a

maioria dos sintomas vêm da lista de Inatenção, Hiperatividade ou está distribuída

uniformemente entre elas2.

Apesar do comportamento linguístico de crianças com TDAH ser importante

para o diagnóstico, já que 6 entre os 18 sintomas citados (em negrito no quadro)

indicam problemas no uso da linguagem, não dispomos, ainda, de boas descrições

da linguagem dessas crianças. Existem muitos trabalhos de pesquisa que partem

de diversas perspectivas teóricas, investigando esse aspecto do transtorno, mas

em poucos trabalhos vemos ligação sistemática entre os sintomas linguísticos do

TDAH e as causas do transtorno.

Os trabalhos que examinam o processamento e o uso linguístico em crianças

com TDAH têm seguido dois caminhos básicos:

1. a investigação de aspectos abstratos computacionais da língua, como as

competências sintáticas e a capacidade de produzirem e interpretarem

sentenças gramaticais, ou

2. a investigação de aspectos comunicativos e pragmáticos da língua, como

a compreensão de narrativas, o uso de recursos coesivos e a capacidade

de realizar inferências linguísticas durante o processamento. Ainda em

relação a aspectos comunicativos, tem se investigado a capacidade de

obedecer a regras sociais do uso da língua, como, por exemplo, as regras

que subjazem a alternância apropriada de turnos em conversações.

Em geral, estudos do primeiro tipo baseiam-se na realização de testes clínicos

padronizados, que têm como objetivo a identificação de desordens da comunica-

ção. O uso de testes clínicos padronizados, entretanto, é bastante criticado como

instrumento para se investigar o processamento linguístico, uma vez que as tarefas

utilizadas nesses testes demandam fortemente outras habilidades cognitivas, como

memória de trabalho e capacidade de planejamento e organização.

2 O tratamento padrão atualmente é o uso de drogas estimulantes, sobretudo a Ritalina, ao lado de psicoterapia.

maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 177

Além do mais, segundo Tannock (2005: 47), como esse tipo de teste baseia-se

preferencialmente em unidades curtas, como palavras e sentenças, é possível que

sejam insensíveis a problemas de processamento textual e discursivo. É possível,

portanto, que um bom desempenho nos testes mascare outros problemas linguísti-

cos, assim como é possível que um mau desempenho possa ser indicativo de outros

problemas que não propriamente linguísticos.

A segunda linha de investigação volta-se para as capacidades pragmáticas das

crianças, por exemplo, estudando as suas produções de textos narrativos (Renz,

Lorch, Milich, Lemberger & Bodner, 2003; Purvis & Tannock, 1997; Kim & Lee, 2009).

Muitos trabalhos chegaram à conclusão de que narrativas produzidas por crianças

com TDAH indicam que elas têm dificuldade em organizar globalmente os textos,

assim como apresentam mais disfluências, ambiguidades e um menor índice de

automonitoração e reparo de erros do que nas narrativas produzidas por crianças

com desenvolvimento normal.

Em resumo, os trabalhos citados são unânimes em afirmar que crianças com

TDAH apresentam mais problemas pragmáticos do que com aspectos estruturais

da língua. É interessante notar que os textos da criança com TDAH são sempre des-

critos como “ambíguos e disfluentes” (Tannock, 2005), porém a maioria deles não

detalha o que se quer dizer por disfluência. A disfluência é descrita apenas como uma

dificuldade de manter o tópico e de organizar apropriadamente um texto, quer oral,

quer escrito. É de se esperar que a falta de habilidade com algum aspecto estrutural

da linguagem seja, em um exame detalhado, responsável por essas características.

Nas tentativas de descrição dos padrões linguísticos de crianças com TDAH,

falta, com frequência, relacionar os padrões encontrados às causas do TDAH. Isto é,

a depender do que provocaria o transtorno, poderíamos traçar hipóteses sobre como

a língua iria se comportar. Infelizmente, as causas do TDAH não foram ainda esta-

belecidas com precisão e, apesar de haver trabalhos relacionando o transtorno com

funcionamentos de áreas específicas cerebrais (especialmente os lobos pré-frontais),

ainda não é possível ligar TDAH com danos cerebrais ou com condições neurológicas

bem estabelecidas (Lobo & Lima, 2007). O que temos são dois modelos psicológicos

que creditam o transtorno a problemas com o módulo executivo central, responsável

por manter a atenção e pela memória de trabalho. Os modelos divergem porque um

deles propõe que o transtorno é gerado por uma dificuldade de inibição de distrações

(Barkley, 1997), enquanto o outro acredita que uma capacidade diminuída da memória de

trabalho é a fonte do problema (Rapport et al., 2008) (Rapport et al., Working memory

as a core deficit in ADHD: Preliminary findings and implications, 2008). Cada modelo

permite fazer previsões diferentes sobre como o TDAH se refletiria na língua. Mas,

antes de tentarmos essas previsões, é importante dar uma olhada mais cuidadosa em

cada modelo. Mas, antes, precisamos definir melhor atenção e os módulos envolvidos.

aspectos atencionais da linguagem178

3.1 O QUE É ATENÇÃO?

A cada instante, somos bombardeados por uma imensa quantidade de informa-

ções das quais podemos processar apenas uma fração. O mecanismo que utilizamos

para filtrar e selecionar a informação relevante é a atenção.

O estudo dos processos atencionais tem uma longa história na psicologia.

Desde o século XIX, o tema da atenção é considerado um dos temas centrais dessa

disciplina. Apesar desse grande interesse, a definição da atenção continua sendo

controversa. William James, por exemplo, em uma citação classicamente repetida na

introdução de textos sobre atenção, afirma que “Everyone knows what attention is.

It is the taking possession of the mind in clear and vivid form of one out of what seem

several simultaneous objects or trains of thought” (James, 1890:402). Contrariamente,

Pashler (1998:1) afirma que “no one knows what attention is, and there may even not

be an ‘it’ there to be known about”.

Apesar da dificuldade dessa definição, para a maioria dos estudiosos, atualmen-

te, a atenção é um conjunto de sistemas localizados na sua maior parte no córtex

pré-frontal, responsáveis pela direção consciente da cognição a algum alvo, e esse

conjunto de sistemas está estreitamente relacionada ao sistema executivo central.

O sistema executivo central é, ao lado dos componentes fonológicos e visuais,

um dos subsistemas da memória de trabalho proposto por Baddeley (2007). Esse

sistema é formado por três subcomponentes: o sistema de divisão de atenção, o de

seleção de foco atencional e aquele responsável por organizar a relação da memória

de trabalho com a memória de longo prazo (Ward, 2004). A função do executivo

central seria coordenar e controlar as atividades dos outros subsistemas e também

de sustentar a atenção por tempo suficiente para realização de tarefas.

O conjunto de subsistemas que compõem a atenção é formado por diferentes

módulos responsáveis por: atenção seletiva, inibição de distrações, divisão da

atenção e vigilância. Desses sistemas, o aspecto mais debatido é o da seleção de

informações relevantes em um determinado contexto, ou seja, a atenção seletiva.

Essa habilidade é essencial na decisão de quais estímulos são mais importantes em

um dado instante e no direcionamento do nosso processamento cognitivo para eles.

A atenção seletiva é aquela que nos torna conscientes de alguns aspectos da nossa

experiência presente, enquanto outros aspectos permanecem despercebidos. A

inibição de distrações é o lado complementar desse processo de seleção da infor-

mação: a sustentação do foco só é possível enquanto não nos deixamos desviar por

estímulos sonoros ou visuais não relevantes, a cada instante durante uma atividade.

A divisão da atenção é a habilidade de se alternar os focos atencionais entre dois

estímulos que nos demandam processamento consciente. Por fim, a vigilância e a

sustentação da atenção têm a ver com a capacidade de nos mantermos alertas ao

maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 179

longo de uma tarefa. São especialmente necessárias quando temos de manter o foco

em uma atividade repetitiva ou monótona, por um tempo razoavelmente prolongado.

3.2 MODELOS DOS PROCESSOS COGNITIVOS DO TDAH: INIBIÇÃO DE ESTÍMULOS OU DÉFICIT NA MEMÓRIA DE TRABALHO

Para Barkley, no TDAH, os aspectos mais comprometidos da atenção são a

sustentação da atenção e a inibição de distrações. As crianças com TDAH classica-

mente apresentam problemas em testes clínicos desenvolvidos para se verificar a

capacidade de sustentação da atenção.

Um estudo desse tipo tipicamente consiste em apresentar à criança uma tela

de computador em que uma série de estímulos (por exemplo, letras) aparece, a

intervalos regulares, no centro da tela. Solicita-se à criança que ela monitore o

aparecimento de uma certa letra, por exemplo X, pressionando uma determinada

tecla todas as vezes que X aparecer. Uma variação desse estudo consiste em se

solicitar que a criança pressione a tecla todas as vezes que o X aparecer e tiver sido

precedido por um A. Essa tarefa exige que a criança monitore longamente a tela e

evite distrações. Crianças com TDAH em geral deixam passar um número maior de

alvos que as crianças controle e também apresentam um número maior de falsos

positivos, isto é, respondem a itens que não são alvos.

Barkley interpreta essa dificuldade como devido a problemas de inibição de

distrações (Barkley, 1997; inter alia). Isto é, as crianças conseguiram fazer a seleção

da informação de maneira normal, mas tenderiam a se dispersar rapidamente, não

processando todas as informações relevantes de um determinado ambiente ou para

uma determinada tarefa. Elas apresentariam, ainda, dificuldades de inibir respostas,

uma vez tendo tido um impulso de agir.

Por outro lado, alguns autores (Rapport et al., 2008; Rapport et al., 2008; Kofler,

Rapport, Bolden & Altro, 2008; Alderson M. R., Rapport, Hudec, Sarver & Kofler,

2010) propõem que a memória de trabalho, ao invés da inibição de distrações, é o

núcleo das causas responsáveis pelo TDAH:

Behavioral inhibitions deficits – if present in ADHD are viewed as bypro-duct of working memory deficits because inhibition is dependent on the registration of environmental stimuli (i.e., information must be activated in working memory before a decision can be made) (Kofler, Rapport, Bolden & Altro, 2008: 08).

Os autores relatam uma série de experimentos projetados para investigar o

papel dos diferentes aspectos da memória de trabalho no comportamento inatento

aspectos atencionais da linguagem180

de crianças com TDAH. Os testes foram desenhados de maneira a permitir testar,

separadamente, funções executivas centrais, mais diretamente ligadas ao foco

atencional, e as capacidades de memória fonológica e visual nas chamadas alças

fonológica e visual de armazenamento e preparação das ações. Segundo os autores,

quando as tarefas propostas criam demandas para o sistema executivo central, as

crianças, sendo ou não portadoras de TDAH, tendem a apresentar comportamen-

to inatento e perda de foco. No entanto, em tarefas com aumento progressivo de

demanda desse sistema, essa perda de foco acontece com o grupo de portadores

mais rapidamente do que com o grupo controle. Esse achado sugere que a memó-

ria de trabalho desempenha um papel importante na geração do comportamento

inatento, podendo ser a causa subjacente de comportamento hiperativo, perda de

foco e dificuldade de inibição de estímulos, que caracterizam a criança com TDAH.

Para cada um desses modelos seria possível prever o impacto que teriam na

língua, especificamente? O modelo de inibição de atenção parece muito adequado

para explicar por que as crianças com TDAH falam impulsivamente, não respeitam

de forma adequada a troca de turnos de fala e não parecem prestar atenção quando

lhe dirigem a palavra, uma vez que elas não seriam capazes de suprimir respostas a

quaisquer estímulos. No entanto, esse modelo não permite gerar uma previsão pre-

cisa sobre aspectos estruturais linguísticos, o que confirmaria o que a literatura tem

apresentado como característica das narrativas de crianças com TDAH (ver seção 3).

Para o modelo baseado em déficit da memória de trabalho, os comportamentos

tipicamente relacionados com TDAH seriam causados pela dificuldade em se e se

recuperar adequadamente informações ativas na memória de trabalho. Retomar

referentes no discurso é uma das tarefas que, claramente, envolve essa recuperação

constante de informação. Quando os sujeitos estão produzindo ou interpretando um

texto, além de precisar manter na memória as relações sintáticas e as relações de

dependência da sentença, os sujeitos têm que, paralelamente, manter os referentes

do discurso ativos na memória.

O modelo baseado em déficit na memória de trabalho permite, então, fazer

uma previsão específica: a recuperação de referentes no discurso, tanto na produção

quanto na compreensão, seriam mais difíceis para portadores de TDAH do que para

crianças com desenvolvimento típico, o que teria um reflexo direto na distribuição

das formas referenciais, de maneira semelhante ao que acontece em outras situações

em que a memória de trabalho está prejudicada (seção 2.1).

Esse é exatamente o padrão que encontramos nas narrativas produzidas pelas

crianças com TDAH quando as comparamos com narrativas produzidas por crianças

com desenvolvimento típico.

maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 181

4. MATERIAIS E MÉTODOS

Para a realização da pesquisa, foi coletado um corpus composto de narrativas

produzidas por dois grupos de informantes: um grupo de 12 indivíduos portadores de

TDAH (pacientes do AMBDA3, diagnosticados por meio de testes e exames clínicos)

e um grupo controle de 18 indivíduos (alunos do Centro Pedagógico – CP, da UFMG).

Para formação do grupo controle, as crianças recrutadas no Centro Pedagógico

e que não eram diagnosticadas como foram submetidas ao Teste D2 de Atenção

Concentrada, aplicado por psicólogos. Do grupo de crianças testadas, um subgrupo

foi selecionado para formar o grupo controle final. Formaram esse subgrupo: par-

ticipantes com percentil menor ou igual a 25 no Resultado Líquido e no Resultado

Bruto do teste D2 que foram considerados como estando abaixo da média no teste.

Participantes com percentil maior que 25 e menor que 75 no Resultado Líquido e no

Resultado Bruto, considerados como estando dentro da média no teste e participan-

tes com percentil acima de 90 no Resultado Líquido e com percentil igual ou maior

que 75 no Resultado Bruto, considerados como estando acima da média no teste.

Os dois grupos de sujeitos eram da faixa etária entre 9 (nove) e 13 (treze) anos4

e tinham nível de escolaridade semelhante. As narrativas produzidas foram susci-

tadas a partir de material fornecido ao informante (duas histórias em quadrinhos

sem texto; um filme curto, também sem texto; o pedido de um relato de um fato

de sua experiência pessoal).

Os participantes foram entrevistados individualmente, por aproximadamente

20 minutos, em uma sala na qual havia um computador com gravador de voz e

uma câmera de vídeo. No computador, havia duas apresentações em arquivos do

programa Power Point, cada uma delas preparada com as figuras de uma das histó-

rias em quadrinhos. Em cada apresentação, cada quadrinho aparece isoladamente

e na sequência da história. De cada história, foram retirados o título e o nome dos

personagens que apareciam no início, a fim de não haver influência desses elemen-

tos sobre a compreensão que o sujeito realizaria, induzindo, em algum sentido, a

produção da narrativa. No computador, havia, também, uma cópia do filme a ser

apresentado ao participante.

3 Ambda é a sigla para Ambulatório de Déficit de Atenção, uma clínica especializada, formada por psiquiatras, neurologistas, psicólogos e fonoaudiólogos que atendem apenas pacientes com suspeita de TDAH no Hospital das Clínicas da UFMG.

4 A escolha dessa faixa etária justifica-se pelo diagnóstico de TDAH só poder ser feito com certeza a partir dos 7 anos de idade e também para garantir que os participantes já estivessem alfabetizados e familiarizados com o tipo de tarefa que lhes foi solicitada.

aspectos atencionais da linguagem182

Cada participante realizou, então, quatro tarefas: 1. contou uma história após

ter visto todos os quadrinhos que a compõem; 2. contou uma história ao mesmo

tempo em que ia vendo os quadrinhos que a compõem; 3. desenvolveu o final de

uma história, a partir da apresentação de um filme curto de animação; e 4. produziu

uma narrativa de cunho autobiográfico.

A distinção na execução das tarefas 1 e 2 teve o objetivo de possibilitar a ob-

servação tanto de um processamento global, na perspectiva da apresentação pelo

participante de um produto final, quanto de aspectos do processamento online da

produção de uma história. Como já informado, os quadrinhos que compõem cada

uma das histórias estão dispostos em sequência, em uma apresentação de Power

Point. Nas duas tarefas, os sujeitos tiveram o controle, por meio do teclado do

computador, para passarem de um quadrinho ao seguinte, à medida que sentiram

que estavam prontos relativamente à compreensão do conteúdo dos quadrinhos.

O tempo gasto pelos sujeitos para compreensão de cada quadrinho não foi consi-

derado nesta pesquisa.

5. RESULTADOS

Depois de transcritas as narrativas produzidas pelos dois grupos de informantes,

os dados foram tabulados para comparação dos elementos anafóricos utilizados

pelas crianças. Em primeiro lugar, fizemos um levantamento dos sintagmas nominais

que fazem referência a algum elemento do discurso. Nesse levantamento, mesmo

que uma expressão nominal, como, por exemplo, “o pai do Chico Bento” seja um só

elemento do ponto de vista sintático, os diversos referentes que ela contém foram

contados separadamente (o pai e Chico Bento). Em seguida, foram computadas

todas as ocorrências de elipse de expressões referenciais, tanto do sujeito (como

em “correu e pegou o cachorro”), quanto do objeto (como em “Aí o homem pegou”).

Por último, foram computados todos os usos de pronomes referenciais tanto de

primeira, quanto de segunda e terceira pessoas.

Como as narrativas não tiveram tamanho pré-estipulado e as crianças puderam

produzir um texto do comprimento que desejassem, a primeira comparação foi o

tamanho médio dos textos produzidos, isto é, o comprimento médio das narrativas

em número de palavras. As crianças do grupo controle produziram narrativas signi-

ficativamente mais longas (Comprimento mediano: TDAH = 644.5, grupo Controle

= 873, Wilcoxon test [W = 184, p < 0.05]) que as crianças com TDAH, confirmando

uma tendência encontrada nesse tipo de estudo (Kim & Lee, 2009).

maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 183

Figura 1: Tamanho médio das narrativas por grupo. Crianças com TDAH produziram nar-rativas significativamente mais curtas.

Dada essa diferença no tamanho médio das narrativas, para sabermos se existe com-

portamento distinto entre os dois grupos na escolha de uma ou outra forma referencial,

foi preciso, então, comparar o emprego de diferentes formas referenciais proporcional-

mente ao número de palavras utilizadas por cada grupo de sujeitos em suas narrativas.

Figura 2: O discurso das crianças com TDAH tem menor densidade de expressões de con-teúdo em geral, comparado com o grupo controle.

aspectos atencionais da linguagem184

Como se pode ver na figura 02, acima, em relação ao total de palavras, as

crianças com TDAH tendem a usar mais pronomes (c2 = 243.4812, df = 1, p-value <

2.2e-16) e elipses (c2 = 70.4302, df = 1, p-value < 2.2e-16) que as crianças do grupo

controle. A linguagem do portador de déficit de atenção parece ser caracterizada,

em geral, por um uso proporcionalmente menor de palavras de conteúdo, incluindo

verbos, advérbios e adjetivos, em comparação com a linguagem das crianças do

grupo controle.

Se nos restringirmos apenas às expressões referenciais, isto é, ao grupo de

palavras que podem ser usadas para fazer referência, encontramos também um

padrão distinto daquele utilizado por crianças com desenvolvimento típico. Crianças

com desenvolvimento típico usam mais nomes e expressões nominais de conteúdo

para fazer referência do que as crianças portadoras do TDAH. Estas, por sua vez,

apresentam uma tendência significativa para o uso maior de pronomes [c2(1), p <

0.001], como se pode ver na figura abaixo:

Figura 3: Crianças com TDAH utilizam mais pronomes e menos expressões nominais do que crianças com desenvolvimento típico.

Uma ilustração pode ser bastante útil para deixar claro quais diferenças en-

contramos. Uma das tarefas solicitadas às crianças era a contar uma história em

quadrinhos simultaneamente a sua leitura. O fragmento inicial dessa história é

apresentado em seguida:

maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 185

Os dois primeiros excertos abaixo são a transcrição da história como contada por

duas crianças com TDAH, enquanto o terceiro fragmento é de uma criança de mesma

idade com desenvolvimento típico. As expressões referenciais estão em negrito.

Compare-se a opção por pronomes e descrições nominais entre os dois grupos,

especialmente no que diz respeito à introdução de referentes, além da mudança

de tópico.

Exemplo 1 (Criança com TDAH):

não não? o chico bento ele está vendo o ::: o moço (__) (4,0) aí ele vai (1,5) pra fazer alguma coisa e vai pegar:: (...) uma laranja (2,0) e aí o moço acorda e:: (...) pega ele (…) e :::: (...) e pega ele aqui :: ele está descendo ele pra ele não pegar as sua laranjas (1,5) e joga lá no :: (2,0) chão outro menino também tenta pegar uma laranja (…) vai pro pomar (...) aí :: ele descobre que ele está indo e pega ele (__) chão o outro também tenta mas (___) (___) (___) (...) e ele serra a:: perna (23,0) o chico bento lança uma corda para ver se consegue pega::r (...) uma laranja (…) aí ele acorda e (2,0) puxa a corda (2,0) (___) (__)(_______) tenta pegar (...) uma laranja mas o cachorro começa aí ele chama o cachorro e o cachorro começa a correr atrás dele (1,5)

Exemplo 2 (Criança com TDAH):

os menino tava tentando pegar umas frutas na árvore e ele não deixava que ele tava dormindo (...) que se caí na cabeça dele a fruta ele tava dormindo ele corto a escada que ele tentou ai o menino pegou uma cadeira tentou ir (...) com carrim de rolimã e o menino amarrado sobe a corda tentando tipo pular assim pra pegar a fruta (...) e o outro tentou pegar também subir na galha mas ele empurrou ele ele foi pra longe...

aspectos atencionais da linguagem186

Exemplo 3 (Criança com desenvolvimento típico):

o chico bento vê:: o:: dono (...) dum pê de goiaba durmindo ele (...) é está: planejando ir pegar a goiaba ele vai indo (1,5) eh em em silêncio(...) ele dá um salto pra pegar uma goiaba (...) ele (...) é agarrado por um::(...) por uma bengala e não consegue ir e o:: Moço (...) parece que está acordado e:: (...) joga ele para longe com a bengala (2,0) aí vem outro menino querendo pegar a goiaba ele (1,5) também salta para tentar pegar (...) o:: dono do pomar agarra ele pelo pé e joga ele longe ao mesmo instante já vai vindo outro garoto com a perna de pau tentando pegar a goiaba

As crianças com TDAH tendem a introduzir referentes por meio do uso de

pronomes ou de descrições genéricas (a fruta X a goiaba). No exemplo 3, a criança

com desenvolvimento típico introduz o personagem adulto com a expressão “o::

dono (...) dum pê de goiaba”, enquanto a criança com TDAH, no exemplo 2, introduz

o mesmo personagem pelo pronome ele: “os menino tava tentando pegar umas frutas

na árvore e ele não deixava”.

Além disso, a mudança de tópico frequentemente não é marcada por crianças

com TDAH. Por exemplo, no trecho: “aí ele chama o cachorro e o cachorro começa a

correr atrás dele”, os dois pronomes masculinos retomam dois referentes discursivos

diferentes sem que isso seja textualmente apontado, nem facilmente recuperável.

Os padrões específicos da criança com TDAH para fazer referência contribuem

para esclarecer o que tem sido caracterizado, em trabalhos sobre linguagem dessa

criança, como um discurso ambíguo e pouco coerente (Tannock, 2005).

Mas como explicar esses padrões diferenciados? A primeira explicação é de natureza

mais pragmática: a criança com TDAH teria uma tendência a não levar em considera-

ção, no momento da interação, as necessidades do seu interlocutor (Mathers, 2006).

Nesse contexto, é natural se perguntar por que essa dificuldade pragmática atingiria

especialmente a escolha proporcional entre nomes e pronomes. Uma alternativa de

explicação, no entanto, é que fatores cognitivos caracteristicamente envolvidos na

escolha alternada de formas nominais referenciais, como a memória de trabalho, se-

jam responsáveis pelo padrão encontrado. De fato, esse padrão é exatamente aquele

apresentado em circunstâncias em que há algum prejuízo dessa memória, como é,

notoriamente, o caso da fala dos pacientes com Doença de Alzheimer.

As atuais teorias (Alderson M. R., Rapport, Hudec, Sarver & Kofler, 2010) (Kofler,

Rapport, Bolden & Altro, 2008) sobre a causa subjacente ao comportamento inatento

da criança com TDAH também destacam o papel da memória de trabalho limitada

na geração dos sintomas. Sendo esse o caso, é de se esperar que a linguagem dessas

crianças apresente tendências semelhantes que reflitam esta situação: um uso de

maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 187

pronomes maior na produção linguística de portadores de TDAH do que na produção

de controles com desenvolvimento normal.

É preciso, no entanto, fazer-se uma ressalva importante quanto às semelhanças

encontradas entre as duas condições clínicas (TDAH e Alzheimer). Apesar de o au-

mento proporcional de pronomes em comparação a nomes estar presente em ambas,

a fala “vazia” dos portadores de Alzheimer é muito mais pronunciada e característica

desses portadores do que o uso excessivo de pronomes pela criança com TDAH, o

que poderia ser explicado e previsto pelo dano muito maior encontrado na memória

de trabalho em pacientes com Alzheimer do que em pacientes com TDAH, que,

como dito, apresentam restrições comparativamente bem menores nessas funções.

Porém, apesar das diferenças, é interessante perguntar-se por que há essa

aparente relação entre memória de trabalho e escolha das formas referenciais. Uma

explicação reside no fato de que diferentes formas referenciais aparentemente são

escolhidas de acordo com a saliência e acessibilidade relativas dos referentes das

mesmas, em um dado discurso. Os pronomes são a forma mais leve, menos carregada

semanticamente, e são usados, em geral, para se retomar referentes já salientes na

memória discursiva, que não precisam, para serem reativados, de uma expressão

nominal completa, com suas informações semântico-lexicais. No discurso linear, a

retomada de informações dadas, a introdução de informações novas e a construção

da estrutura das sentenças em tempo real ocupam espaço na memória de trabalho,

memória essa que constitui um recurso finito (Baddeley, 2007). A utilização de

pronomes é, assim, a forma mais econômica de se realizar uma retomada. Quando

a memória de trabalho está sobrecarregada, é natural que haja emprego dessa for-

ma mais econômica, se não por outra razão, simplesmente porque não há recursos

processuais suficientes para a ativação de informações semânticas e lexicais mais

custosas. O emprego dos pronomes, então, pode ocorrer em situações discursivas

nas quais eles não seriam apropriados, gerando um discurso ambíguo e com aparente

desconsideração das necessidades do interlocutor/ouvinte.

6. CONCLUSÃO

Pesquisas que associam o TDAH com as disfunções de linguagem acabam por

apenas apontar superficialmente que a criança portadora de TDAH tem dificuldade

no processamento inferencial sem, contudo, investigar detidamente o que efetiva-

mente ocorre durante o processamento cognitivo dessa criança. A análise da forma

através da qual as crianças com TDAH fazem referência a elementos do seu discurso

possibilitou percebermos um padrão distinto daquele utilizado por crianças com

desenvolvimento normal e especificar aspectos linguísticos e cognitivos relacionados

às características de linguagem de crianças portadoras de TDAH.

aspectos atencionais da linguagem188

Esse padrão linguístico apresentado pelo portador de TDAH comumente é

descrito como problemas pragmáticos, como não levar em consideração, no mo-

mento da interação, as necessidades do seu interlocutor, o que está associado a um

desempenho escolar prejudicado e a dificuldades encontradas nas relações sociais.

No entanto, a pesquisa vem mostrar que é possível que fatores cognitivos carac-

teristicamente envolvidos na escolha alternada de formas nominais referenciais,

como a memória de trabalho, sejam responsáveis pelo padrão encontrado. Isso

vem a possibilitar um trabalho didático específico com crianças e adolescentes no

sentido de levá-los à conscientização desses aspectos.

Além disso, os resultados encontrados abrem possibilidades de pesquisa no

campo da relação entre linguística e psicopatologias, mais especificamente lingua-

gem e cognição.

REFERÊNCIAS

ALDERSON, M. R.; RAPPORT, M. D.; HUDEC, K. L.; SARVER, D. E.; KOFLER, M. J. (2010). Competing Core Processes in Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder (ADHD): do working memory deficiencies underlie behavioral inhibition deficits? Journal of Abnormal Child Psychology, 38, 597-607.

ALDERSON, R. M.; RAPPORT, M. D.; KOFLER, M. J. (2007). Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder and Behavioral Inhibition: a meta-analytic review of the stop-signal paradigm. Journal of Abnormal Psychology, 35, 745-758.

ALMOR, A. (1999). Noun-phrase anaphora and focus: the informational load hypothesis. Psychological Review, 106, 748-765.

______; KEMPLER, D.; MACDONALD, M. C.; ANDERSEN, E. S.; TYLER, L. K. (1999). Why do Alzheimer patients have difficulty with pronouns? Working memory, semantics, and reference in comprehension and production in Alzheimer’s disease. Brain and Language, 67, 202-227.

BADDELEY, A. (2007). Working memory, thought and action. Oxford: Oxford University Press.

BARKLEY, R. A. (1997). Behavioral inhibition, sustained attention, and executive functions: constructing a unifying theory of ADHD. Psychological Bulletin, 121(1), 65-94.

CHAFE, W. (1990). Some things narratives tells us about the mind. In: BRITOON, B. K.; PELLEGRINI, A. D. Narrative thought and narrative language. Hillsdale, New York, Hove and London: Lawrence Earlbaum Associates, p. 79-98.

CHIN, L. Y.; GORDON, P. C.; HENDRICK, R.; HU, J. T. (1999). Comprehension of referring expressions in Chinese. Language and Cognitive Processes, 14, 715-743.

maria luiza cunha lima | adriana maria tenuta 189

FORREST, L. B. (1997). Discourse goals and attentional processes in. In: GOLDBERG, A. E. Conceptual structure, discourse and language sentence production: the dynamic construal of events. Stanford: CSLI Publications, p. 149-162.

GLEITMAN, L. R.; JANUARY, D.; NAPPA, R.; TRUESWELL, J. C. (2007). On the give-and-take between event apprehension. Journal of Memory and Language, 57, 544-69.

GORDON, P. C.; GROSZ, B. J.; GILLIOM, L. A. (1993). Pronouns, names, and the centering of attention in discourse. Cognitive Science, 17, 331-347.

GUNDEL, J. K.; HERDBERG, N.; ZACHARSKI, R. (1993). Cognitive Status and the form of referring expressions in discourse. Language, 69(2), 274-307.

HUTCHINSON, J. M.; JENSEN, M. (1980). A pragmatic evaluation of discourse commu-nication of discourse communication in normal and senile elderly in a nursing home. In: OBLER, L.; ALBERT, M. Language and communication in the elderly. Lexington, MA: D. C. Health Company, p. 59-74.

KEMPLER, D. (1995). Language Changes in Dementia of the Alzheimer Type. In: LUBINSK. Dementia and communication: research and clinical implications. San Diego: Singular, p. 98-114.

KIM, K.; LEE, C. H. (2009). Distinctive linguistic styles in children with ADHD. Psychological Reports, 105, 365-371.

KOFLER, M. J.; RAPPORT, M. D.; BOLDEN, J.; ALTRO, T. A. (2008). Working memory as a core deficit in ADHD: preliminary findings and implications. The ADHD Report, 16, 8-14.

LOBO, P. d.. LIMA, L. A. (2007). Atualização sobre as alterações de linguagem relacionados ao Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade. Com. Ciências Saúde, 18(4), 223-332.

MACDONALD, M. C.; ALMOR, A.; HENDERSON, V. W.; KEMPLER, D.; ANDERSEN, E. (2001). Assessing working memory and language comprehension in Alzheimer’s disease. Brain and Language, 78(1), 17-42, 78, 17-42.

MANUAL Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais DSM-IV TRTM. (2004). Porto Alegre: ArtMed.

MATHERS, M. E. (2006). Aspects of language in children with ADHD. Applying functional analyses to explore language use. Journal of Attention Disorders, 9, 523-533.

MYACHKOV, A.; POSNER, M. I. (2005). Attention in Language. In: ITT, L.; REES, I. G.; TSOTSOS, J. Neurobiology of Attention. Academic Press/Elsevier, p. 324-329.

______; TOMLIN, R. S. (2008). Perceptual priming and structural choice in Russian sentence production. Journal of Cognitive Science, 9(1), 31-48.

______; GARROD, S.; SCHEEPERS, C. (2009). Attention and syntax in sentence produc-tion: a critical review. Discours, 4, 1-17.

______; THOMPSON, D.; SCHEEPERS, C.; GARROD, S. (2011). Visual attention and structural choice in sentence. Language And Linguistic Compass, 5(2), 95-107.

aspectos atencionais da linguagem190

PASHLER, H. E. (1998). The psychology of attention. Cambridge: MIT Press.

PURVIS, K.; TANNOCK, R. (1997). Language abilities in children with attention deficit hyperactivity disorder, reading disabilities, and normal controls. Journal of Abnormal Child Psychology, 25(2), 133-144.

RAPPORT, M. D.; ALDERSON, R. M.; KOFLER, M. J.; SARVER, D. E.; BOLDEN, J.; SIMS, V. (2008). Working memory as a core deficit in ADHD: preliminary findings and implica-tions. The ADHD Report, 16, 8-14.

______; ALDERSON, R. M.; KOFLER, M. J.; SARVER, D. E.; BOLDEN, J.; SIMS, V. (2008). Working Memory Deficits in Boys with Attention-deficit/Hyperactivity Disorder (ADHD): The Contribution of Central Executive and Subsystem Processes. Journal of Abnormal Child Psychology, 36, 825-837.

RENZ, K.; LORCH, E. P.; MILICH, R.; LEMBERGER, C.; BODNER, A. (2003). On-Line Story Representation in Boys With Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Journal of Abnormal Child Psychology, 31, 91-105.

RUSSELL A, B. (1997). ADHD, self-regulation, and time: towards a more comprehensive theory of ADHD. Psychological Bulletin, 121, 65-94.

SWANSON, J.; POSNER, M. I.; CANTWELL, D.; WIGAL, S.; CRINELLA, F.; FILIPEK, P.; NALCIOGLU, O. (2000). Attention-deficit/hyperactivity disorder: Symptom domains, cognitive processes, and neural networks. In: PARASURAMAN, R. The attentive Brain. Cambridge, MA: MIT Press, p. 445-460.

TANNOCK, R. (2005). Language and mental health disorders: the case of ADHD. Synergies: Interdisciplinary Communications, 45-53.

TOMLIM, R. S. (1995). Focal attention, voice, and word order: an experimental, cross--linguistic study. In: DOWNING, P.; NOONAN, M. Word order in discourse. Amsterdam: Jonh Benjamins, p. 517-554.

WARD, A. (2004). Attention: a neurospsychological approach. Hove: Psychology Press.

191

PROCESSAMENTO DA CORREFERÊNCIA EM APRENDIZES DE FRANCÊS COMO L2

Luísa de Araújo Pereira Gadelha

(LAPROL-UFPB)1

Márcio Martins Leitão

(LAPROL-UFPB)2

BREVE HISTÓRICO DO LAPROL – UFPB

O Laboratório de Processamento Linguístico (LAPROL – UFPB) surgiu em 2007,

começando trabalho pioneiro na área de Psicolinguística na região Nordeste, a partir

da investigação de fenômenos linguísticos utilizando metodologias experimentais

e de análises baseadas nos modelos psicolinguísticos referentes ao campo do pro-

cessamento correferencial, sintático e ao campo do processamento morfológico e

acesso lexical. De 2007 a 2011, período de implementação do laboratório, contamos

com financiamento do CNPq via dois editais de fomento (Edital MCT/CNPq 50/2006,

Processo 401230/2007-4, Edital Jovens Pesquisadores 06/2008 Faixa A, Processo

564184/2008 0) que permitiram equipar o LAPROL localizado, atualmente, em uma

sala no Centro de Ciências Humanas Letras e Artes (CCHLA) da UFPB. O laboratório

dispõe hoje de 7 Macbooks, 1 Imac, que rodam os experimentos a partir do progra-

ma Psyscope, e 1 Rastreador ocular (Eyetracker) ligado a um PC desktop com dois

monitores LCD de 22”. Além disso, o financiamento do CNPq permitiu a formação

de recursos humanos na área de Psicolinguística Experimental e Desenvolvimental

também fundamentais para a implementação das investigações executadas.

Ainda relacionado a esse período de implantação do LAPROL, podemos explicitar

alguns dos bons frutos do trabalho executado:

1 Mestranda do Programa de Pós-graduação em Linguística da UFPB (PROLING/UFPB). E-mail: [email protected].

2 Coordenador do Laboratório de Processamento Lingüístico da UFPB (LAPROL-UFPB). E-mail: [email protected].

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2192

1. Participaram e colaboraram com o LAPROL (2007-2011.2) 12 alunos de

iniciação científica, 10 alunos de mestrado, 3 alunos de doutorado e 4

professores pesquisadores. Atualmente na UFPB, além do Professor Márcio

Leitão, que coordena o laboratório, o LAPROL conta com os Professores

José Ferrari Neto e Rosana da Costa Oliveira.

2. Foram executados 25 experimentos utilizando técnicas correntes e

consagradas no campo da Psicolinguística e da Aquisição da Linguagem,

como rastreamento ocular, leitura automonitorada, priming, fixação

preferencial do olhar, julgamento imediato de gramaticalidade, etc. Os

experimentos focalizaram o processamento da correferência em por-

tuguês brasileiro (PB), tanto no escopo sentencial quanto no discursivo,

além do processamento e aquisição da morfologia de PB, tendo como

sujeitos de pesquisa adultos e crianças sem patologia e também em

crianças com dificuldade de leitura e escrita, adultos com afasia de Broca

e com portadores de Alzheimer, juntamente com aprendizes de L2 em

vários estágios de proficiência.

3. Os membros do grupo participaram de vários eventos científicos nacionais

e internacionais, num total de 14 eventos, dentre os quais se destacam:

ABRALIN (2007-UFMG), Instituto de Inverno da PUC-RJ (2007), Simpósio

Nacional de Leitura (2007-UFPB), ENALEF (2008-UFPB), ANPOLL

(2008-UFG), GELNE (2008-UFAL), ABRALIN (2009-UFPB), I Curso e

Conferências em Neurociências e Comportamento (2010-UFPB), CCHLA

em Debate (2010-UFPB), First International Congress of Psycholinguistics

(2010-UFRJ), ANPOLL (2010-UFMG), I EXFA (Experimental Linguistics

and Formal Approaches, 2010-Unicamp) ABRALIN (2011-UFPR), ALFAL

(2011-Universidade de Alcalá na Espanha), II Curso e Conferências em

Neurociências e Comportamento (2011-UFPB) e VIII ENAL (Encontro

Nacional de Aquisição de Linguagem – UFJF, 2011), entre outros.

4. Trabalhamos com alguns parceiros de pesquisa que nos ajudaram muito na

implantação do laboratório e continuam ajudando em sua consolidação.

Os parceiros são o Professor Marcus Maia, coordenador do LAPEX – UFRJ;

o Professor Antonio Ribeiro da UEZO-RJ; o Professor Eduardo Kenedy,

coordenador do GEPEX – UFF; e o Professor Roberto de Almeida, coor-

denador do Laboratório de Cognição e Psicolinguística da Universidade

de Concórdia no Canadá.

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 193

5. Produzimos vários artigos e trabalhos bibliográficos: além de ANAIS

de congresso, houve publicação de artigos em periódicos Nacionais

com QUALIS A2 e B2, 05 capítulos de livro, 5 dissertações de mestrado

concluídas. Atualmente, temos 5 dissertações de mestrado e 3 teses de

doutorado em andamento.

6. Organizamos o I Workshop de Processamento Anafórico, que reuniu

quase todos os pesquisadores que trabalharam e que trabalham no Brasil

com o tema, gerando a oportunidade de discussão e reflexão sobre o que

vem sendo feito na área de processamento anafórico e deixando novas

direções a serem seguidas na pesquisa.

7. Criamos o site do LAPROL para divulgação das pesquisas executadas:

http://www.cchla.ufpb.br/laprol/.

Com base nessa breve descrição do que conseguimos fazer no período de

implantação, buscamos passar a um período de consolidação do LAPROL na UFPB

perseguindo a meta de se tornar referência na área de Psicolinguística Experimental

e Desenvolvimental na região, fazendo com que a repercussão do trabalho realizado

possa acontecer tanto no nível institucional da UFPB quanto no nível regional, com

a atração de alunos provenientes de instituições localizadas em outros estados do

Nordeste, implementando na prática a descentralização dos centros de ciência,

tecnologia e letras no Brasil, e promovendo a integração regional entre universidades

do Nordeste e do Sudeste do País.

Pretendemos concretizar essa meta com o aprofundamento dos estudos em

adultos sem patologia, principalmente em relação ao processamento anafórico que

abrange tanto os estudos de processamento correferencial intra e intersentencial,

como estudos de relações anafóricas envolvendo relações semântico-pragmáticas,

como é o caso da anáfora conceitual. Objetivamos também desenvolver pesquisas

focadas no processamento e aquisição léxico-morfológica em adultos e crianças sem

queixas de linguagem, com vistas à elaboração de modelos de acesso e representa-

ção lexical que deem conta de fenômenos ligados ao componente morfológico da

gramática, em suas dimensões mental e formal, que tornem possível a formulação

e testagem de hipóteses sobre como se dá a aquisição e o processamento da mor-

fologia em Português Brasileiro.

Além dos adultos sem patologia, temos duas linhas temáticas no LAPROL que

objetivam investigar, respectivamente, como ocorre o processamento linguístico e

a aquisição em indivíduos com patologias relacionadas à linguagem, como Afasias,

Síndrome de Alzheimer, Dislexia e Gagueira; e como ocorre o processamento linguís-

tico em aprendizes de uma segunda língua (L2). Já fizemos alguns trabalhos sobre

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2194

esses temas na fase de implementação do laboratório, mas agora queremos investir,

de forma mais aprofundada, nesses temas. Estamos abertos a novas parcerias e ao

intercâmbio de ideias e de alunos e professores que se interessem pelos temas que

são objetos de pesquisa do LAPROL-UFPB.

INTRODUÇÃO

O processamento linguístico, área da Psicolinguística que trata de averiguar

os princípios que norteiam o processamento mental da linguagem por meio de

experimentos, tem despertado bastante atenção dos pesquisadores nas últimas

décadas. Diversos experimentos têm sido feitos nas mais variadas línguas, com o

intuito de compreendermos um pouco mais como se dá o processamento nos vários

níveis linguísticos (fonológico, morfológico, sintático, semântico e pragmático).

Uma subárea relacionada ao processamento linguístico que tem despertado

interesse na Psicolinguística trata do processamento de L2. Existem diversas pes-

quisas voltadas para a aprendizagem de L2 na Linguística Aplicada, Sociolinguística

e Aquisição da Linguagem; porém, na área de processamento linguístico, os estudos

ainda são escassos, principalmente no que se refere ao Brasil, mas têm crescido

pouco a pouco nos últimos anos.

Neste trabalho, visamos a articular estas duas subáreas, com as seguintes ques-

tões que nos servem de ponto de partida: Como se dá o processamento linguístico

com aprendizes de L2?; As estratégias tomadas são as mesmas seguidas na língua

nativa?; Haveria uma influência da língua materna (L1) no processamento da L2?; O

nível de proficiência influencia no processamento?

A partir dessas questões, investigaremos o processamento linguístico com

falantes nativos do português brasileiro, aprendizes de francês, que serão classifica-

dos em três níveis distintos de proficiência: iniciantes, intermediários e avançados.

Assim, além de investigar o processamento com aprendizes, iremos analisar, ainda,

até que ponto o nível de proficiência do aprendiz influencia o processamento. Os

aprendizes com os quais iremos trabalhar são aqueles que iniciaram os estudos

em língua francesa em um momento tardio, após a aquisição da língua materna,

diferenciando-os, assim, dos bilíngues3 clássicos.

3 Convém lembrar que a classificação de bilinguismo é bastante polêmica na literatura; neste trabalho, quando nos referimos a bilíngues, falamos daqueles que adquiriram as duas línguas na infância, e não de aprendizes tardios.

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 195

Para ser mais específicos, focalizando o processamento da L2 (francês), iremos

trabalhar aqui com o processamento da correferência: a retomada anafórica de

pronomes e nomes repetidos. Nossa hipótese é de que o processamento da correfe-

rência em L2 se dá de maneira diferente, de acordo com o nível de proficiência e que,

além disso, mesmo os aprendizes com níveis avançados de proficiência não chegam

ao nível de processamento de um nativo. Essa hipótese baseia-se na Hipótese da

Estrutura Rasa (Shallow Structure Hypothesis), proposta por Felser (2003), segundo

a qual, resumidamente, um aprendiz, no momento do processamento, é guiado por

pistas léxico-semânticas, faltando um conhecimento mais profundo da sintaxe da L2.

Para investigar o fenômeno proposto, iremos utilizar a metodologia da

Psicolinguística Experimental, por meio de experimentos que examinam o proces-

samento da linguagem em seus níveis mais reflexos (on-line). Um experimento de

leitura automonitorada (Self-paced reading) será aplicado com o intuito de anali-

sar o processamento da correferência. Nesse tipo de experimento, o participante

controla sua própria velocidade de leitura, pressionando uma tecla no computador

para dar seguimento à leitura de sentenças fragmentadas. A seguir, o programa

utilizado (Psyscope) nos oferece um relatório com os tempos de leitura dos seg-

mentos. Esses dados passam por uma análise estatística para, então, chegarmos

aos nossos resultados.

Esperamos que esse trabalho possa contribuir de maneira significativa à área

de processamento linguístico, mais especificamente no que diz respeito ao proces-

samento por aprendizes de L2, investigando que processos e mecanismos guiam o

processamento correferencial.

1. BREVE REVISÃO DA LITERATURA

1.1 PROCESSAMENTO CORREFERENCIAL

A Psicolinguística Experimental busca investigar como compreendemos a lingua-

gem escrita e oral. Para isso, vale-se de experimentos que analisam o funcionamento

do parser – processador linguístico – em seus processos mais reflexos e automáticos.

Um dos fenômenos mais estudados pela Psicolinguística é a correferência, atividade

que ocorre quando processamos anáforas.

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2196

Anáforas4 são termos que retomam antecedentes – termos citados anterior-

mente – no discurso. Em língua portuguesa, por exemplo, temos pronomes pessoais

(ele, ela), demonstrativos (esse, aquele), nomes repetidos, entre outros. Vejamos

alguns exemplos de retomadas anafóricas em língua portuguesa:

1. Pronome

Os vizinhos adquiriram um carro na loja, mas depois venderam ele no feirão.

2. Nome repetido

Os vizinhos adquiriram um carro na loja, mas depois venderam o carro

no feirão.

3. Pronome nulo

Os vizinhos adquiriram um carro na loja, mas depois venderam Ø no feirão.

4. Hipônimo

Os vizinhos adquiriram um carro na loja, mas depois venderam o chevete

no feirão.

5. Hiperônimo

Os vizinhos adquiriram um carro na loja, mas depois venderam o veículo

no feirão.

A anáfora opõe-se à catáfora, que faz referências a expressões que aparecem

posteriormente no discurso. Segundo Leitão (2005),

A retomada anafórica é um mecanismo importante no estabelecimento da coesão discursiva, que facilita a integração de diferentes partes de uma sentença e/ou de um texto e evita a repetição de determinadas expres-sões já mencionadas. Dessa forma ajuda no processo de compreensão, reduzindo a carga da memória de trabalho do leitor/ouvinte durante a leitura/audição. Portanto é de grande relevância entender, do ponto de vista cognitivo, como o estabelecimento da co-referência ocorre, e que tipos de princípios e de fatores estão envolvidos no processamento desse fenômeno lingüístico (Leitão, 2005, p. 236).

4 Estamos usando o termo anáfora neste texto com o sentido mais genérico: termo que retoma um antecedente, ou seja, é sinônimo de retomada anafórica, e não como é utilizado de forma mais espe-cífica na teoria da ligação, relacionada ao gerativismo, em que anáfora diz respeito apenas a reflexivos e recíprocos que retomam um antecedente intrassentencialmente.

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 197

Assim, “a questão crucial para a Psicolinguística é como se dá a escolha de qual

anáfora usar e, mais especificamente, quais os mecanismos cognitivos envolvidos

nesse fenômeno” (Queiroz, 2008).

Diversos pesquisadores têm se debruçado sobre o fenômeno da correferência

e proposto teorias e hipóteses para explicá-los. Iremos expor, a seguir, A Penalidade

do Nome Repetido (Gordon & Chan, 1995; Gordon & Hendrik, 1998; Chambers &

Smyth, 1998), bem como a Hipótese da Carga Informacional (Almor, 1999), que

tentam explicar a maior eficiência de determinadas formas de retomada no pro-

cessamento da correferência.

É importante ressaltar que faremos um recorte nos estudos da correferência,

focalizando apenas a questão envolvendo os tipos de retomada anafórica e a efi-

ciência deles.

1.1.1 Penalidade do Nome Repetido

Um estudo inicial de Chang (1980), em inglês, observou a realidade psicológica

dos pronomes, que possuem a propriedade de facilitar a compreensão de um refe-

rente anterior. Como afirma Leitão (2005),

Os pronomes, por serem psicologicamente reais ou relevantes percep-tualmente, provocariam, na memória do leitor, um efeito de reativação (priming) do referente denotado no sintagma nominal antecedente. Corbett e Chang (1983) mostraram, posteriormente, que todos os sintagmas nominais previamente mencionados pareciam ser reativados por um pronome (Leitão, 2005, p. 13).

Mais tarde, Gordon, Grosz e Gilliom (1993) observaram, empiricamente, em

inglês e chinês, que sentenças são lidas mais lentamente quando se repete um nome

em vez de utilizar um pronome na retomada anafórica. Yang, Gordon, Hendrick e Wu

(1999) analisaram a correferência em chinês através de uma série de experimentos

de leitura automonitorada, e seus resultados mostraram que, de fato, os pronomes

são processados mais rapidamente que os nomes repetidos. Para explicar esse

fenômeno, Gordon e Chan (1995) utilizaram a Teoria da Centralização (Centering

Theory), segundo a qual cada enunciado faz referência a uma entidade (centro

anafórico ou backward-looking center [cb]). A Teoria da Centralização argumenta

que o centro anafórico deve ser realizado por um pronome para contribuir com a

coerência, que tem como objetivo “dirigir o foco de atenção para a escolha de uma

expressão referencial e para a coerência dos enunciados dentro do segmento de

um discurso” (Gross, Joshi & Weinstein, 1995, p. 204).

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2198

Assim, para a Teoria da Centralização,

a função essencial dos pronomes anafóricos – e de outras expressões reduzidas – seria a de designar as entidades que foram mencionadas em um discurso e que são focalizadas, salientadas, na representação do discurso. Ao contrário, a função essencial dos substantivos – e de outras expressões plenas – seria principalmente introduzir entidades nas representações do discurso. De fato, os nomes são frequentemente empregados para fazer referência a entidades fragilmente focalizadas (Fossard, 2001, p. 430).

Por isso, a correferência com nomes repetidos requer processos mentais adicio-

nais, sobrecarregando e retardando o processamento, o que acarreta na chamada

Penalidade do Nome Repetido (Gordon & Chan, 1995; Gordon & Hendrick, 1998;

Chambers & Smyth, 1998). A Penalidade do Nome Repetido foi verificada em diver-

sos experimentos de leitura automonitorada, na posição de sujeito, em voz ativa

e passiva, motivo pelo qual os autores postularam que o sujeito não precisa ter o

papel de agente para sofrer penalidade do nome repetido (Gordon & Chan, 1995).

Como resume Kleiber,

O emprego do nome próprio [...] em segunda menção faz operar um cálculo mais importante, uma vez que obriga a reefetuar uma operação já realizada pela primeira menção do nome próprio e que essa operação é aqui mais custosa que a do pronome, na medida em que ela não dá conta do resultado referencial já obtido pela primeira menção do nome próprio (Kleiber, 1994, p. 98)5.

Os autores afirmam que essa penalidade só ocorre quando a retomada é feita

em referência ao sujeito gramatical, que é o foco do discurso. No entanto, Chambers

& Smyth (1998) encontraram a penalidade do nome repetido em retomadas em

posição de não sujeito, desde que observado o paralelismo estrutural. Como vere-

mos adiante, Leitão (2005), semelhantemente, encontrou-a, também, na posição

de objeto direto anafórico.

5 l’emploi du nom propre [...] en deuxième mention fait opérer un calcul plus important, puisqu’il oblige à réeffectuer l’opération déjà réalisée par la première mention du nom propre et que cette opéra-tion est ici plus coûteuse que celle du pronom, dans la mesure où elle ne tient pas compte du résultat référentiel déjà obtenu par la première mention du nom propre. (Tradução livre dos autores)

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 199

A Penalidade do Nome Repetido abrange apenas dois tipos de anáforas: prono-

mes e nomes repetidos, deixando de fora os demais tipos de retomadas (hipônimos,

hiperônimos etc.). Em 1999, Almor propôs, então, a Hipótese da Carga Informacional

(Informational Load Hypothesis), que engloba os demais tipos de anáforas, sendo

mais abrangente, como veremos a seguir.

1.1.2 Hipótese da Carga Informacional

Almor (1999), diante da enorme quantidade de estudos que se baseavam em

uma comparação entre os pronomes e as anáforas de SN (anáforas definidas, como

o nome repetido), comparação essa fundamentada na suposição de que todas as

anáforas de SN são processadas de maneira semelhante, sugere a Hipótese da Carga

Informacional (Informational Load Hypothesis).

Na verdade, a maioria dos estudos comparava pronomes e nomes repetidos,

sem se dar conta de que anáforas de SN não repetidas poderiam interagir de maneira

diferente no processamento da correferência. Observemos os exemplos utilizados

pelo próprio Almor:

1.a. A robin ate the fruit. The robin seemed very satisfied.

Um pardal comeu a fruta. O pardal pareceu bem satisfeito

1.b. A robin ate the fruit. The wet little bird seemed very satisfied.

Um pardal comeu a fruta. O pequeno pássaro molhado pareceu bem

satisfeito.

1.c. A robin ate the fruit. The bird seemed very satisfied.

Um pardal comeu a fruta. O pássaro pareceu bem satisfeito.

Constatamos que as anáforas de SN podem ocorrer na forma de nome repetido

(1.a.: the robin) ou de outras formas, como em 1.b. (the wet little bird) e 1.c. (the bird).

A Hipótese da Carga Informacional afirma que um aumento na similaridade

semântica entre uma anáfora e o seu antecedente aumenta o custo da memória de

trabalho no processamento, assim como um aumento da informação semântica (por

exemplo, expressões mais específicas) também é mais custoso. Assim, a noção de

custo na memória de trabalho depende da quantidade de informação coincidente

no domínio do processamento discursivo. Em suma, a ILH sugere que se uma aná-

fora não acrescenta uma nova informação sobre seu antecedente, quanto menor

for a carga informacional do par anáfora-antecedente, mais fácil este será de ser

processado, contanto que a carga informacional seja suficiente para a identificação

do antecedente. Assim, uma anáfora com alta carga informacional em relação ao

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2200

antecedente se torna mais difícil de ser processada se não acrescentar nenhuma

nova informação acerca de seu referente, como é o caso dos nomes repetidos.

Resumindo, a ILH afirma que, quanto mais informativamente carregada for a

anáfora em relação a seu antecedente, mais difícil de ela ser processada. Isso explica

por que os pronomes são mais eficazes como anáforas: eles carregam apenas uma

mínima informação e, ao fazerem par com o antecedente, resultam na forma mais

simples de anáfora.

Gordon e seus companheiros de pesquisa (Gordon, 1993; Gordon & Cchan, 1995;

Gordon et al., 1993; Gordon e Scearce, 1995), a partir da primeira regra da Teoria da

Centralização, que afirma que as referências do foco do discurso devem ser reali-

zadas por um pronome, chegaram à conclusão de que, quando há uma violação da

restrição do pronome, ocorre a Penalidade do Nome Repetido. No entanto, Almor

critica Gordon et al. ao argumentar que deveria haver uma penalidade mais geral

para os SNs definidos, não sendo essa penalidade restrita a apenas nomes repetidos.

A ILH torna-se, assim, mais abrangente que a Penalidade do Nome Repetido,

por incluir, também, outros tipos de anáforas além do pronome e do nome repetido.

Almor (1999) confirmou as previsões da ILH por meio de cinco experimentos de

leitura automonitorada.

1.1.3 Estudos Experimentais Acerca da Penalidade do Nome Repetido

e da Hipótese da Carga Informacional

Almor (2008), por meio de dois experimentos de decisão lexical, testou a ILH

na linguagem falada. Neste estudo, Almor controlou o foco do antecedente que,

segundo a Teoria da Centralização, facilita a correferência. Além das sentenças

experimentais, havia sentenças distratoras, algumas das quais traziam uma não

palavra, embora foneticamente possível no inglês, como sujeito da oração. Assim,

os participantes, após ouvirem as sentenças, deveriam julgar o mais rapidamente

possível se o sujeito da oração era ou não uma palavra do inglês. Juntos, os resultados

dos dois experimentos mostraram que o foco, de fato, facilita o processamento da

correferência, indicaram que a Penalidade do Nome Repetido não é um fenômeno

específico da leitura, mas afeta, também, a compreensão da linguagem falada, e

confirmaram a Hipótese da Carga Informacional.

A ILH (Hipótese da Carga Informacional) também explica os resultados obtidos

por Leitão (2005), em que pronomes foram processados mais rapidamente que

nomes repetidos e hiperônimos foram processados mais rapidamente que hipôni-

mos em português brasileiro. Os resultados encontrados por Leitão referem-se a

pronomes e nomes repetidos testados não só na posição de sujeito, mas também

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 201

na posição de objeto direto, “divergindo dos princípios e conceitos expressos pela

teoria da centralização que propõe a existência da penalidade do nome repetido

apenas para retomadas em posição de sujeito correferentes a antecedentes também

em posição mais proeminente” (Leitão, 2005).

Leitão (2005) realizou experimentos de leitura automonitorada com retomadas

anafóricas na forma de pronomes e na forma de nomes repetidos, em que o tama-

nho dos nomes foi controlado, tendo o mesmo número de letras e sílabas que os

pronomes (Ana – Ela; Ivo – Ele), conforme exemplo abaixo. Observamos que tanto

o antecedente quanto a retomada estão na posição de objeto direto, abrangendo

ainda mais o escopo utilizado neste tipo de experimento até então, que só havia

encontrado penalidade com nomes na posição de sujeito.

(1) Retomada anafórica de antecedente nominal com pronome lexical (PR)

Os vizinhos/ entregaram/ Ivo/ na polícia/ mas/ depois/ absolveram/ ele/ no/ júri.

(2) Retomada anafórica de antecedente nominal com nome repetido (NR)

Os vizinhos/ entregaram/ Ivo/ na polícia/ mas/ depois/ absolveram/ Ivo/ no/ júri.

A análise dos dados do experimento feito por Leitão corrobora a Penalidade

do Nome-Repetido e a ILH, demonstrando, por meio de análise estatística, que os

pronomes são processados mais rapidamente que os nomes repetidos. Esse resul-

tado é novamente encontrado para o português brasileiro em Ribeiro, Maia e Leitão

(2011), em que os mesmos estímulos de Leitão (2005) foram testados utilizando-se a

técnica experimental de rastreamento ocular (eyetracking), que permite uma leitura

mais natural das frases. Essa convergência nos resultados reitera a ocorrência da

Penalidade do Nome-Repetido em português brasileiro.

Além disso, Leitão testou outros tipos de retomada anafórica, os SNs superor-

denados (hiperônimos) e hipônimos, conforme exemplos abaixo:

(3) Retomada anafórica de antecedente nominal com SN superordenado (S)

Os vizinhos/ adquiriram/ um carro/ na/ loja/ mas depois/ venderam/ o veículo/

no/ feirão.

(4) Retomada anafórica de antecedente nominal com SN hipônimo (H)

Os vizinhos/ adquiriram/ um carro/ na/ loja/ mas depois/ venderam/ o chevete/

no/ feirão.

Novamente, Leitão encontrou resultados que confirmam a ILH, pois os hiperôni-

mos, por conterem uma menor carga informacional, são processados mais rapidamente

que os hipônimos. Assim, Leitão, além de analisar o processamento da correferência na

posição de objeto, testou, também, outros tipos de retomadas, contempladas pela ILH.

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2202

Outro estudo, realizado por Queiroz (2008), encontrou, na posição de sujeito,

também em português brasileiro, resultados semelhantes aos obtidos por Leitão

(2005), isto é, pronomes e hiperônimos foram processados mais rapidamente do

que nomes repetidos e hipônimos.

Em um estudo realizado em conjunto com Albuquerque (2008), para investigar o

processamento da correferência em sujeitos com Déficit de Atenção e Hiperatividade

(TDAH), Leitão e Albuquerque encontraram a penalidade do nome repetido no

grupo controle, de indivíduos sem patologia.

Leitão & Simões (2011) também encontraram a penalidade do nome repetido

em um experimento de leitura automonitorada com sentenças cuja distância entre

o antecedente e a retomada anafórica era curta, média ou longa. Os resultados

experimentais indicaram que a distância entre a retomada anafórica e o seu ante-

cedente possui um efeito significativo no processamento linguístico, no sentido em

que, quanto maior a distância, maior o tempo necessário para a resolução anafórica,

mas, independente da distância, os resultados encontraram sempre menor tempo

de processamento para os pronomes do que para os nomes repetidos.

Como vemos, temos resultados bastante consistentes em relação ao português

brasileiro que corroboram tanto a Penalidade do Nome-Repetido quanto a análise

proposta pela ILH, mostrando que pronomes e hiperônimos são processados mais

prontamente do que nomes repetidos e hipônimos, respectivamente.

Fossard (1999) realizou um experimento de leitura automonitorada com falantes

nativos do francês, no qual foi testada a eficiência de pronomes e nomes repetidos

fazendo correferência a entidades focalizadas e não focalizadas. Como prediz a

Teoria da Centralização, pronomes facilitam a correferência quando nos referimos

ao foco do discurso. Por outro lado, se a entidade à qual nos referimos não está fo-

calizada, o nome repetido facilitará o processamento. Assim, Fossard testou quatro

condições, a saber: pronome fazendo correferência a entidade focalizada; nome

repetido fazendo correferência a entidade focalizada; pronome fazendo correferência

a entidade não focalizada; e nome repetido fazendo correferência a entidade não

focalizada. Os resultados encontrados por Fossard são condizentes com a Teoria da

Centralização, indicando uma penalidade do nome repetido quando a correferência

é feita com o foco do discurso. Nas palavras do próprio autor,

utilizando o nome repetido, constatamos um aumento dos tempos de leitura. Este aumento dos tempos de leitura para os nomes repetidos é conhecido sob o nome de “penalidade do nome repetido” (Gordon et al., 1993), cujo efeito indicaria que o estabelecimento do centro de atenção (i.e.: o Foco do discurso) com a ajuda de uma expressão referencial explícita – e não anafórica como um nome repetido – é fi-

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 203

nalmente pouco natural e tende a romper a coerência local do discurso (Fossard, 1999, p. 37)6.

Ernst (2007), em sua tese de doutorado, realizou 4 experimentos, sendo 2

on-line e 2 off-line, com falantes nativos do francês, adultos e crianças, e encontrou

resultados que vão no sentido de confirmar a ILH.

Em seu primeiro experimento, Ernst analisou o processamento de retomadas

anafóricas na forma de pronome e nome repetido. O experimento foi de leitura

automonitorada e as sentenças foram controladas segundo alguns critérios, como:

os nomes próprios possuíam comprimento curto, para não destoar dos pronomes;

os textos continham duas frases, a fim de que a anáfora não ficasse muito distante

do antecedente; a estrutura sintática de cada frase foi controlada e a relação semân-

tica que uniu as duas sentenças foi do tipo narração; todos os verbos estavam no

passé composé (equivalente ao nosso pretérito perfeito); a anáfora estava sempre

na posição de sujeito. A segunda sentença retomava o nome próprio da sentença

anterior na forma de pronome ou nome repetido. As sentenças foram fragmentadas

em sintagmas. Os resultados mostraram que a Penalidade do Nome-Repetido ocorre

tanto em crianças como em adultos. Em seguida, Ernst aplicou o mesmo experi-

mento de forma off-line, em que os participantes, novamente crianças e adultos,

deveriam escolher o tipo de retomada – pronome ou nome repetido – da segunda

sentença e, mais uma vez, confirmou-se a Penalidade do Nome-Repetido, pois os

participantes preferiram o pronome em detrimento do nome repetido, sendo essa

diferença estatisticamente significativa.

Nos dois experimentos seguintes, Ernst utilizou outras retomadas anafóricas

além do pronome e nome repetido: os chamados “SN infiéis” (SN infidèles), por não

corresponderem, semanticamente, totalmente ao termo anterior. Ernst utilizou os

nomes intermediários (hipônimos) e nomes de bases (hiperônimos), semelhante

ao que Leitão fez em português brasileiro. Com outros tipos de retomada anafóri-

ca, Ernst pôde testar a Hipótese da Carga Informacional, que se mostrou eficiente

no experimento on-line de leitura automonitorada, pois os sujeitos participantes

processaram mais rapidamente os nomes de base do que os nomes intermediários.

6 en utilisant un nom répété, on constate un allongement des temps de lecture. Cette augmentation des temps de lecture pour les noms répétés est connu sous l’appellation dite de “pénalité de nom répété” (Gordon et al. 1993), dont l’effet indiquerait que l’établissement du centre d’attention (i.e.: le Focus de discours) à l’aide d’une expression référentielle explicite – et non anaphorique comme un nom répété – est finalement peu naturel et tend à rompre la cohérence locale du discours. (Tradução livre dos autores)

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2204

A seguir, Ernst replicou o experimento de maneira off-line, onde os participantes

escolheram o tipo de retomada anafórica, o que confirmou, mais uma vez, a ILH.

Podemos observar, então, por meio dos estudos de Fossard (1999) e Ernst

(2007), que o fenômeno da Penalidade do Nome Repetido também ocorre em língua

francesa, de maneira semelhante ao que ocorre em língua portuguesa, como de-

monstrado pelos diversos estudos já realizados nesta língua (Leitão, 2005; Queiroz,

2008; Albuquerque, 2008; Leitão & Simões, 2011), indicando que o fenômeno é

convergente nas duas línguas.

Cho (2010) testou, por meio de um experimento de leitura automonitorada, o

processamento de pronomes e nomes repetidos em inglês, na posição de sujeito e

de objeto, com falantes nativos do coreano, e alto nível de proficiência em inglês.

Cho encontrou resultados diferentes dos encontrados com nativos do inglês. Os

coreanos pareceram dar preferência ao nome repetido, ao invés do pronome. Cho

explicou que isso se deve ao fato de que anáforas na forma de nome repetido não

requerem nenhum filtro morfológico – o que ocorre com pronomes – e sua inter-

pretação não depende da reativação de uma representação semântica detalhada

do antecedente, sendo relativamente mais fácil de processar.

Em outros aspectos, no estudo de Cho, os aprendizes de L2 pareceram muito

similar aos falantes nativos de inglês. Assim como na L1, os aprendizes de L2 de-

moraram mais tempo para processar uma anáfora quando ela se referia ao objeto

da sentença anterior do que quando se referia ao sujeito. Isso ocorreu tanto com

o nome repetido quanto com o pronome. Dado que a preferência pelo sujeito é

quase universal, parece que os aprendizes podem facilmente organizar o discurso

na L2 governados pelo mesmo princípio. Esses resultados deram suporte à Shallow

Structure Hypothesis, à Interface Hypothesis e ao The Declarative/Procedural

Model, que serão delineados mais adiante.

Gelormini (2010), por sua vez, analisou o processamento correferencial em

espanhol e encontrou resultados diversos dos que descrevemos até aqui. Gelormini

estudou três tipos de retomada anafórica, a saber, o pronome nulo, o pronome aber-

to e o nome repetido. Os resultados indicaram uma penalidade do nome repetido

quando este é comparado ao pronome nulo, mas não quando comparado ao pro-

nome aberto. O pronome, quando comparado à retomada com o pronome nulo, foi

processado mais devagar, fenômeno que Gelormini chama de Overt Pronoun Penalty

(Penalidade do Pronome Aberto). Contudo, observamos que Gelormini analisou o

tempo de leitura das sentenças inteiras, sem fragmentá-las, fato que, juntamente

com o tipo de estrutura sintática usada e a falta de controle do tamanho dessas

estruturas, pode ter levado a tais resultados tão distintos dos demais estudos feitos

até então. Ao medir o tempo de leitura de sentenças inteiras, entram em jogo não

só o processamento da correferência, mas o processamento de todos os demais

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 205

constituintes que fazem parte da sentença, o que pode interferir nos resultados.

Por isso, é difícil argumentar que as médias de tempos de leitura referem-se apenas

à correferência, pois sabemos que outros fatores podem estar envolvidos. Ao frag-

mentar as sentenças, temos uma medida mais precisa e exata, medindo apenas os

tempos de leitura dos segmentos críticos – no caso de estudo do processamento

da correferência, esses segmentos correspondem à retomada anafórica.

Além disso, Gerlomini também argumenta que a Penalidade do Nome Repetido

só ocorre na posição de sujeito, porém os experimentos realizados por Chambers

& Smyth (1998) e Leitão (2005) demonstram que tal penalidade ocorre também

na posição de objeto quando há paralelismo entre antecedente e retomada, o que

não ocorre nas estruturas testadas por Gerlomini.

Como vimos nesta seção, diversos estudos em várias línguas têm confirmado

a Penalidade do Nome Repetido e a Hipótese da Carga Informacional, com exceção

dos estudos de Gelormini no espanhol, talvez pelos motivos já acima explicitados.

Argumentamos que, devido a questões metodológicas, tais estudos não indicaram a

Penalidade do Nome Repetido, fenômeno que, segundo a Teoria da Centralização e a

ILH, deveria ser universal, ou seja, ocorrer em todas as línguas, com falantes nativos

e sem patologias. Quanto ao estudo de Cho, a Penalidade do Nome Repetido parece

não se aplicar apenas aos aprendizes de L2, talvez pelo fato de outros fatores influen-

ciarem no processamento, como a memória de trabalho, como explicaremos adiante.

1.1.4 Processamento Correferencial em Sujeitos com Patologia e Sua Relação

com a Memória de Trabalho

Nesta seção, pretendemos expor alguns estudos realizados na área de pro-

cessamento correferencial com sujeitos portadores de patologias relacionadas à

linguagem, que mostram implicações em termos de déficit na memória de trabalho,

relevantes para a nossa análise

Esses estudos mostram que o processamento em sujeitos com patologias

como Demência do Tipo Alzheimer (DTA) e Transtorno de Déficit de Atenção e

Hiperatividade (TDAH) vão no sentido contrário do processamento com sujeitos

sem patologia, devido a problemas na memória de trabalho.

Almor (1999) realizou um experimento de leitura automonitorada com pacientes

de DTA e observou que esses sujeitos tiveram mais facilidade no processamento do

nome repetido, em contraste com o pronome. Almor explica que, normalmente,

quanto mais um referente está ativo na memória, menos se usará uma expressão

de grande informatividade para referir-se a ele. Assim, expressões com pouca

carga informacional, como pronomes, são quase exclusivamente usados quando o

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2206

referente está bastante ativo na memória de trabalho. Porém, nos portadores de

DTA, a baixa carga informacional dos pronomes torna-os menos efetivos que SNs

repetidos no momento de reativação da memória de trabalho, possivelmente por-

que suas representações lexicais incluem muitos traços semânticos (Low & Roder,

1983). Além disso, para pacientes com DTA, expressões mais explícitas como NP

completos podem ser mais funcionais que pronomes mesmo quando o contexto

discursivo torna desnecessário o custo de SNs para sujeitos sem patologia.

Albuquerque (2008) replicou o experimento de leitura automonitorada de

Leitão (2005) sobre a correferência intersentencial na forma de pronomes e nomes

repetidos com crianças com Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Os índices

de acerto foram semelhantes nos dois grupos, demonstrando que os sujeitos com

TDAH também estabelecem a correferência. Contudo, os resultados da análise

dos tempos de leitura nos segmentos críticos (pronome – nome repetido) foram

inversos aos observados no grupo controle, indicando que sujeitos portadores de

TDAH têm maior facilidade de estabelecer a correferência quando esta é feita na

forma de nome repetido. Segundo Albuquerque,

Os sujeitos com TDAH, portanto, realizaram a co-referência tal como o grupo controle em relação aos índices de acertos, contudo, necessitaram de um tempo maior estatisticamente significativo para isso, sugerindo a presença de uma lentidão no processamento da co-referência e corrobo-rando as afirmações na literatura, tanto as que dizem que os sujeitos com TDAH têm problemas de memória operacional quanto a de Almor, que diz que os sujeitos com problemas de memória operacional se beneficiam do NR no processamento da co-referência (Albuquerque, 2008, p. 121).

Assim, parece-nos que indivíduos com problemas de memória de trabalho têm

tendência a facilitarem o processamento quando a retomada ocorre na forma de

nome repetido, como já explicado por Almor. Esses resultados assemelham-se aos

resultados encontrados por Cho (2010) quando o autor testou a Penalidade do Nome

Repetido com aprendizes de inglês, e estes preferiram o nome repetido ao pronome.

1.2 PROCESSAMENTO LINGUÍSTICO EM L2

Diversos estudos relacionados ao processamento linguístico têm se debruçado

sobre questões relativas ao processamento de L2. Iremos apresentar, nesta seção,

duas hipóteses que parecem ser importantes no âmbito do processamento de L2:

a Hipótese da Estrutura Rasa e a Hipótese da Interface. Também apresentaremos

o Modelo Declarativo-Procedural, que teoriza sobre os tipos de memória e suas

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 207

relações com a L2, e, a seguir, apresentaremos alguns estudos psicolinguísticos

realizados na área de processamento da L2.

1.2.1 Hipótese da Estrutura Rasa (Shallow Structure Hypothesis)

Muitos experimentos têm mostrado que há diferenças no processamento

gramatical em L2 e em língua nativa (L1). Observou-se que a representação de

adultos aprendizes de L2 durante o processamento contém menos detalhes sintá-

ticos do que o processamento de crianças e adultos nativos. Para esse fenômeno,

Felser (2006) propõe a Hipótese da Estrutura Rasa (Shallow Structure Hypothesis

– SSH), que se aplicaria não só à compreensão, mas também à produção linguística.

Algumas questões guiaram a formulação da SSH, como: Em que circunstâncias o

processamento raso (shallow processing) ocorre?; O shallow processing é restrito a

domínios lingüísticos particulares?; O shallow processing também atua na produção

da linguagem?; O shallow processing envolve transferência da L1?; e Os aprendizes de

L2 são restritos ao shallow processing e, se sim, por quê?

Tais questões têm guiado os estudos de Felser até o presente momento. Para

ela, o que distingue a compreensão de nativos da de não nativos é que, no proces-

samento da L2, o shallow processing predomina. Segundo Felser, esse fenômeno

se dá porque os mesmos mecanismos do parser (processador linguístico) que são

usados no processamento da L1 também estão disponíveis no processamento da L2,

mas suas aplicações são restritas devido à fonte de conhecimento que alimenta o

parser estrutural, sendo a gramática da L2 incompleta, divergente, ou de uma for-

ma que não se adéqua ao parser. Assim, a habilidade do aprendiz adulto de utilizar

informações metalinguísticas, conhecimento de mundo e inferências pragmáticas

irão ajudá-lo numa compreensão eficaz da L2.

Ainda segundo Felser, mesmo indivíduos com alto nível de proficiência em L2,

capazes de agir como nativos em tarefas off-line, demonstram diferenças de proces-

samento quando comparados aos nativos em procedimentos on-line. Daí a importân-

cia de experimentos on-line quando se trata de investigar o processamento da L2.

Aprendizes adultos são guiados por pistas léxico-semânticas durante o processa-

mento da mesma forma que os falantes nativos, mas não por informações sintáticas.

Felser sugere que as diferenças observadas em L1/L2 podem ser explicadas pelo fato

de que as representações sintáticas que aprendizes adultos de L2 computam durante

a compreensão são mais rasas e menos detalhadas que as representações de nativos.

Os aprendizes podem ter dificuldades com a integração on-line de diferentes fontes

de informação, em contraste com os adultos nativos, que demonstraram integrar

rapidamente informação lexical, prosódica e estrutural durante o processamento

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2208

on-line. Se os aprendizes de fato subusam informações sintáticas no processamen-

to da L2, é concebível que eles tentam integrar semanticamente um constituinte

deslocado, ao invés de projetar representações gramaticais que incluem lacunas

sintáticas (Clahsen & Felser, 2006).

Aprendizes tardios de L2 também parecem ser menos eficientes ao usar pistas

prosódicas para a interpretação da linguagem quando comparados com falantes

nativos (Akker & Cutler, 2003). Não está claro como tais dificuldades aparentes

para integrar diferentes tipos de informação durante o processamento devem ser

interpretadas. Elas devem indicar diferenças qualitativas do sistema de processa-

mento de aprendizes e falantes maduros.

Ainda, aprendizes de L2 processam a língua-alvo menos rapidamente que

falantes nativos adultos, possivelmente refletindo uma falta de automaticidade

(Segalowitz, 2003).

Felser atenta também para o fato de que propriedades da língua nativa de

aprendizes de L2 podem influenciar a maneira com que eles processam a L2. Se os

aprendizes transferem estratégias da L1 que são inapropriadas ao processar a L2,

então isso poderia ser uma barreira na aquisição de uma competência igual à do

nativo (full native-like competency) e uma fluência na L2.

1.2.2 Hipótese da Interface (Interface Hypothesis)

A Hipótese da Interface surgiu a partir de uma questão chamada The Special L2

Paradox (O Paradox Especial da L2): por que até os poucos adultos que atingem um

nível de performance próximo ao nativo ou semelhante ao nativo em tarefas linguísticos

de alto nível de complexidade em uma L2 continuam a exibir certas divergências do

conhecimento e performance de falantes nativos? (Sprouse, 2011).

De acordo com a Hipótese da Interface (Interface Hypothesis), proposta por

Sorace e Filiaci (2006), alguns aspectos da gramática da L2, como a interface entre

sintaxe e outros domínios, podem não ser adquiridos inteiramente (Platzacl, 2001;

Sorace & Filiaci, 2006).

Estudos em diferentes populações bilíngues, todas consideradas “bastante

avançadas” ou “próximas do nativo” (near-native), mostraram que a interpretação e o

uso das relações de correferência são caracterizados por dificuldades e instabilidade

(Montrul, 2004, para nativos do espanhol falantes de L2 – inglês; Sorace & Filiaci,

2006, para adultos L1 – inglês, aprendizes de L2 – italiano; TSIMPLI et al., 2004, para

nativos do italiano falantes de L2 – inglês), dando suporte à Hipótese da Interface.

Mais especificamente, esses estudos focalizaram a aprendizagem do pronome

nulo (não realizado foneticamente) versus o pronome aberto em línguas pro-drop

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 209

(que aceitam o pronome nulo), como espanhol e italiano, e mostraram que as po-

pulações bilíngues comportam-se como falantes monolíngues e acabam utilizando

o pronome aberto em contextos que requerem o pronome nulo.

O estudo de Cho (2010), com falantes nativos do coreano e aprendizes de L2 com

alto nível de proficiência (near-native), parece dar suporte à Hipótese da Interface, e

também à Hipótese da Estrutura Rasa, pois os resultados mostraram que o proces-

samento de pronomes em uma L2 pode impor um maior custo de processamento

do que se pensava, mesmo com sujeitos com alto nível de proficiência. Pronomes

em inglês são simples, e não há dúvidas de que os aprendizes deste estudo tenham

adquirido a representação gramatical necessária do sistema pronominal inglês. Os

resultados apoiam a Hipótese da Interface no sentido em que o processamento online

em aprendizes de L2 pode requerer um custo extra. As diferenças no processamento

da L2 neste estudo não são explicadas por uma incompleta aquisição da gramática

alvo, sugerindo que as dificuldades se dão mais no nível do processamento do que

no nível representacional (Sorace, 2006).

1.2.3 O Modelo Declarativo-Procedural e Sua Relação com o

Processamento de L2

Nesta seção, faremos um breve resumo do Modelo Declarativo-Procedural

(The Declarative/Procedure Model), proposto por Ullman (2001), que versa sobre

o funcionamento da memória. Como veremos na próxima seção, muitos estudos

sobre a aprendizagem de L2 estão intimamente relacionados com o funcionamento

da memória de trabalho, fazendo-se necessário, portanto, que expliquemos este

modelo para melhor compreendermos os processos relacionados à aprendizagem

e ao processamento da L2.

Para Ullman, este modelo é crucial para o nosso entendimento de duas capaci-

dades fundamentais da linguagem: a memorização de palavras no léxico mental e

a combinação de palavras governadas por regras da gramática mental (“gramática

computacional mental”). O léxico mental é um repositório de informações, incluindo

informações idiossincráticas e de palavras específicas. Porém, a linguagem também

consiste em regularidades que podem ser capturadas pelas regras gramaticais. As

regras orientam como formas lexicais podem se combinar para formar representa-

ções complexas, e nos permitem interpretar os significados de formas complexas,

mesmo que não as tenhamos lido ou ouvido anteriormente.

Tendo em conta essas duas capacidades, o modelo proposto por Ullman é um

sistema dual, levando em consideração os dois tipos de memória – declarativa e

procedural –, ao contrário de outros modelos, que são únicos.

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2210

O sistema de memória declarativa implica a aprendizagem de fatos (conheci-

mentos semânticos) e eventos (episódios). Esse sistema parece estar intimamente

relacionado ao fluxo visual ventral. Ele é particularmente importante na aprendizagem

de itens arbitrários, informações associativas ou contextuais. A memória declara-

tiva é servida pelas regiões lobo temporal médio, em particular o hipocampo, que

são grandemente conectados às regiões temporal e neocortical temporoparietal.

O sistema de memória procedural, por sua vez, implica aprender novas habi-

lidades motoras e cognitivas e controlar as já estabelecidas, ou seja, relembrá-las.

Argumenta-se que o sistema procedural é informacionalmente encapsulado, tendo

relativamente pouco acesso a outros sistemas mentais. Esse sistema está relacionado

com o fluxo visual dorsal e é importante na aprendizagem e no processamento de

habilidades que envolvem ações sequenciais. A execução dessas habilidades parece

ser guiada em tempo real pelo córtex parietal posterior, que é densamente conectado

às regiões frontais. As regiões parietais inferiores servem como um repositório para o

conhecimento de habilidades, incluindo informações sobre sequências armazenadas.

Assim, a memória declarativa é uma memória associativa que armazena não apenas

fatos e eventos, mas também conhecimento lexical, incluindo os sons e significados

das palavras. Aprender novas palavras está grandemente ligado às estruturas do lobo

temporal medial. Eventualmente, o conhecimento de palavras torna-se indepen-

dente nas outras áreas neocorticais, particularmente aquelas nas regiões temporais

e tempoparietais. O lobotemporal pode ser particularmente importante para o ar-

mazenamento do significado das palavras, enquanto que as regiões tempoparietais

podem ser mais importantes no armazenamento de sons. A memória lexical não é

informalmente encapsulada, mas é acessível a múltiplos sistemas mentais. Por outro

lado, a memória procedural diz respeito à aprendizagem implícita e ao uso de uma

gramática de manipulação simbólica por meio de subdomínios que incluem sintaxe,

morfologia e possivelmente a fonologia (como os sons são combinados).

É importante mencionar que, de acordo com Ullman, esse modelo não assume

que todas as partes dos dois sistemas de memória são subservientes à linguagem.

Possivelmente eles possuem funções em outros domínios. Similarmente, o modelo

tampouco assume que esses dois sistemas de memória são os únicos ligados ao léxico

e à gramática. Outras estruturas neurais e componentes cognitivos e computacionais

podem ser importantes para ambas as capacidades.

Atentamos para o fato de o modelo proposto por Ullman ser contrário a sis-

temas únicos, que afirmam que o uso e as regras da linguagem dependem de um

único sistema computacional que tem uma ampla distribuição anatômica. De acordo

com essas teorias, não existem distinções categóricas entre formas composicionais

e não composicionais. Ao invés disso, as regras são apenas entidades descritivas.

Ullman descreve, ainda, os princípios que guiam o Modelo Declarativo-Procedural:

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 211

• Separabilidade: o Modelo Declarativo-Procedural e outros modelos de

sistemas dual argumentam que o léxico e a gramática são servidos por

sistemas cognitivos separados.

• Computação: o modelo assume que a linguagem envolve um sistema

de memória associativa e um sistema de manipulação simbólica. Outros

modelos de sistema dual também compactuam com este princípio.

• Generalidade do domínio: o modelo declarativo-procedural prediz as-

sociações entre aprendizagem, representação e processamento, entre

formas irregulares, itens lexicais não composicionais, fatos e eventos. O

modelo também prevê associações entre formas regulares, aspectos de

sintaxe e outros domínios da gramática, e habilidades motoras e cogniti-

vas. Os demais modelos de sistema dual não preveem estas associações.

• Localização: o modelo afirma que há ligações particulares entre as es-

truturas cognitivas e a neuroanatomia.

Esses princípios são apoiados por evidências psicolinguísticas em diversas línguas,

obtidas com a utilização de abordagens metodológicas em crianças e adultos. Há

também evidências neurológicas, observadas em afasias, e em patologias neuro-

degenerativas, como Alzheimer, Parkinson e Huntingnton.

Ullman estendeu seu modelo para linguagens não nativas (L2). Suas evidências

da aplicação do Modelo Declarativo-Procedural na L2 são empíricas: Ullman também

discute evidências neurolinguísticas. O Modelo Declarativo-Procedural, de acordo com

Ullman, para falantes nativos de uma língua, propõe que aspectos da distinção entre

léxico e gramática dependem da distinção entre dois sistemas de memória. Porém,

as formas linguísticas cuja computação gramatical dependem da memória procedural

em L1 parecem ser grandemente dependentes da memória declarativa/lexical na L2.

Essa dependência da memória declarativa parece crescer com o aumento da idade em

que se deu a exposição à L2, e com a pouca experiência (prática) com a L2.

Vários estudos sugerem que habilidades linguísticas são sensíveis à idade de

exposição à linguagem. Pessoas que aprendem línguas em idades avançadas, particu-

larmente após a infância ou puberdade, geralmente não aprendem tão bem quanto

aprendizes mais novos (Birdsong, 1999; Johnson & Newport, 1989). Enquanto que

aprendizes jovens utilizam largamente a memória procedural para computações

gramaticais, os aprendizes tardios tendem a usar a memória declarativa para as

mesmas funções gramaticais, que são aprendidas e processadas diferentemente

dos aprendizes jovens. Assim, o processamento de formas linguísticas que são com-

putadas gramaticalmente pela memória procedural em L1 tende a ser dependente

em grande parte da memória declarativa em L2.

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2212

Essas informações sugerem que, devido a um desequilíbrio da memória proce-

dural, os aprendizes tardios têm dificuldade na aprendizagem de regras gramati-

cais – como o sufixo -ed, no inglês, por exemplo –, mas, pelo fato de sua memória

lexical estar relativamente intacta, eles memorizam tanto as formas regulares

quanto as formas irregulares (Ullman & Gopnik, 1999). De qualquer forma, a idade

de exposição não é o único fator que explica o grau de relativa dependência dos

dois sistemas de memória.

O Modelo Declarativo-Procedural prediz que a prática de L2 deve fazer crescer

a relativa dependência da memória procedural para computações gramaticais. Até

mesmo aprendizes tardios podem apresentar um grau de dependência da memória

procedural caso tenham tido um aumento de prática da L2. Em seu paper, Ullman

(2001) afirma que foram encontradas evidências relativas a os dois tipos de memória

e sua relação com L2 em estudos utilizando PET, fMRI e ERP.

Nas próprias palavras de Ullman:

Espera-se que aprendizes jovens de L2 dependam mais da memória pro-cedural e menos da memória declarativa se comparados com aprendizes mais velhos. Além do mais, os efeitos da prática de aprendizagem da memória procedural levam à predição de que, além da idade de exposição, um aumento na experiência (prática) com a linguagem pode levar a um melhor aprendizado das regras gramaticais na memória procedural, o que poderia resultar em melhor proficiência na língua7 (Ullman, 2001, p. 118).

As duas hipóteses delineadas nas seções 2.1. e 2.2. e o Modelo Declarativo-

Procedural de Ullman não parecem ser contrastantes; pelo contrário, podemos

considerá-los complementares. O fato de aprendizes de L2 serem guiados mais

por pistas semânticas e lexicais do que pela sintaxe, como postula a Hipótese da

Estrutura Rasa, condiz com a explicação dada por Ullman no que diz respeito ao

uso dos dois tipos de memória por aprendizes e por falantes nativos. Ao utilizarem

a memória declarativa, em detrimento da memória procedural – ao contrário do

que ocorre no processamento da língua materna –, os aprendizes são orientados

7 Younger L2 learners are expected to depend more on procedural memory and less on declarative memory than older learners. Moreover, the strong practice effects of procedural memory learning lead to the prediction that, in addition to age of exposure, an increasing amount of experience (i.e., practice) with a language should lead to better learning of grammatical rules in procedural memory, which in turn should result in higher proficiency in the language. (Tradução livre dos autores)

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 213

por pistas informativas, associativas e contextuais. Já a memória procedural, que

diz respeito às regras gramaticais e à sintaxe, é subusada.

Perani (2005) critica a hipótese de Ullman, baseado nos estudos de Wartenburger

(2003), feitos com imagens cerebrais que demonstram que bilíngues não divergem

em área cerebral nos momentos de processamento de duas línguas diferentes. No

entanto, aprendizes tardios de L2, com diferentes níveis de proficiência, demonstram

ativação de diferentes áreas cerebrais durante o processamento.

Não cabe, em nosso estudo, discutir o mérito de Wartenburger e Perani, uma vez

que estamos trabalhando não com bilíngues, mas com aprendizes tardios, que foram

expostos à L2 após a aquisição da L1 e a puberdade, de maneira que o modelo proposto

por Ullman nos dá suporte, assim como o estudo de Wartbenburger, que demonstrou

que, ao menos em aprendizes tardios, diferentes áreas cerebrais são ativadas.

1.2.4 Alguns Outros Estudos Realizados sobre o Processamento em L2

Além do estudo de Cho (2010), explicitado anteriormente e realizado com fa-

lantes nativos do coreano e aprendizes de inglês, cujos resultados dão suporte tanto

à Shallow Structure Hypothesis quanto à Interface Hypothesis, Roberts et al. (2008)

realizaram três experimentos com aprendizes avançados de holandês, nativos do

turco e do alemão, além de falantes nativos do holandês como grupo controle, com

o intuito de verificar se há influência da língua materna durante o processamento. O

fenômeno investigado foi o fato de o holandês ser uma língua não pro-drop, isto é,

não aceita a ausência do pronome, e de o turco ser uma língua pro-drop. Roberts et al.

realizaram estudos online (eye-tracking) e offline e verificaram uma clara influência

da L1 (turco) na L2 (holandês) nas tarefas offline, embora no monitoramento ocular

(eyetracking) não tenha sido identificado nenhum tipo de diferença em comparação

com os nativos. As conclusões do estudo de Roberts e seus colegas dão suporte às

hipóteses explicitadas nesta seção.

Gonçalves (2011), em sua dissertação de mestrado, analisou, em um experimento

de leitura automonitorada, o processamento do pronome relativo that (que) com

aprendizes de língua inglesa, falantes nativos de português brasileiro. É importante

esclarecer que a língua inglesa permite o uso e o não uso do pronome that, como

podemos ver nos exemplos abaixo:

Exemplo 1: The drink that Mike buys at the beach is delicious.

(A bebida que Mike toma na praia é deliciosa.)

Exemplo 2: The drink Mike buys at the beach is delicious.

(A bebida que Mike toma na praia é deliciosa.)

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2214

Esse tipo de estrutura não é permitido no português, em que o pronome relativo

tem de estar sempre explícito. Gonçalves analisou os tempos de leitura dos segmentos

de sentenças com o pronome that explícito e implícito, com aprendizes de três níveis

de proficiência: básico, intermediário e avançado. Os resultados demonstraram que

os aprendizes de nível avançado processaram as sentenças mais rapidamente que os

aprendizes de nível intermediário e de nível básico, em ambas as condições (sentenças

com e sem o pronome that). Além disso, observou-se que os aprendizes de nível

básico e intermediário processaram mais rapidamente as sentenças que continham

o pronome that, demonstrando uma provável transferência da L1 para a L2, uma vez

que essa estrutura é a única disponível na L1 dos aprendizes. No grupo avançado,

observou-se um efeito de spillover, isto é, a diferença de tempo de processamento se

deu no segmento seguinte ao segmento crítico, o que, nas palavras do autor, indica

que “a transferência em grupos com uma proficiência avançada pode se manifestar

posteriormente em termos de processamento sintático” (Gonçalves, 2011, p. 61)

Foucart (2008), em sua tese de doutorado, estudou o processamento do gênero

gramatical em francês como primeira e segunda língua. Investigou, sobretudo, se

os falantes não nativos podem atingir um nível de representação e processamento

de um nativo e se a língua nativa (L1) influencia a aprendizagem da L2. A autora

apresenta dois modelos contrastantes sobre a aprendizagem de gênero na L2: alguns

modelos sugerem que algumas características gramaticais, como o gênero, não

estão mais disponíveis na aprendizagem da L2 se não são presentes na L1 (Hawkins

& Chan, 1997). Por outro lado, há modelos que afirmam que essas características

ainda estão disponíveis via GU (gramática universal) caso requeridas na L2 (Schwarts

& Sprouse, 1994; White, 1989, 2003).

O estudo de Foucart foi feito com falantes nativos de francês e aprendizes de

francês falantes nativos de inglês e de alemão. Lembremos que, na língua inglesa,

não existe distinção de gênero, a não ser para pronomes, e que o sistema alemão

possui três gêneros: feminino, masculino e neutro. Foram aplicados três experimentos

investigando o processamento de violações de gênero, sendo dois experimentos

feitos com ERP (event-related brain potential) e um com eye-tracking (monitoramento

ocular). Foucart concluiu, em seu estudo, que, como os falantes nativos, os aprendizes

de francês falantes nativos de inglês são sensíveis às violações de concordância de

gênero. Ela argumenta que aprendizes tardios são capazes de adquirir o sistema de

gênero em sua L2 mesmo quando essa característica não existe em sua L1. Por outro

lado, a performance dos sujeitos que têm o alemão como L1 sugere que a presença

de um sistema competitivo de gênero na língua nativa pode dificultar a aquisição de

gênero na L2. A autora atenta para a possibilidade de os falantes nativos de alemão

aplicarem as regras do seu sistema de gênero no processamento da L2.

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 215

Foucart observou, ainda, que proficientes avançados podem alcançar níveis

similares aos dos nativos na representação e processamento de gênero em L2 e que

a idade de aprendizagem não limita essa competência. Segundo a autora,

Em estágios avançados de processamento, essa influência da L1 parece desaparecer. Como é usual em casos de estudos bilíngues, podemos esperar que uma vez que a proficiência dos aprendizes aumenta, o processamento será como o dos nativos independentemente da posição do adjetivo ou da língua nativa. Essa afirmação requer investigações futuras8 (Foucart, 2008, p. 120).

Nesse quesito, Foucart parece discordar dos demais teóricos citados nesta seção,

uma vez que os modelos que apresentamos nas seções anteriores são unânimes ao

afirmar que sujeitos expostos a uma segunda língua em idade tardia, isto é, após a

puberdade, jamais atingirão o nível de processamento de um nativo, mesmo que,

aparentemente, em estudos off-line, pareçam fazê-lo.

Marinis, Roberts, Felser & Clahsen (2005) aplicaram um experimento com o

propósito de investigar se falantes nativos e aprendizes de L2 fazem uso de lacunas

intermediárias durante o processamento de estruturas qu (wh-dependencies). O

estudo de leitura automonitorada com sentenças envolvendo wh-dependencies de

longa distância foi feito com falantes nativos de inglês e aprendizes com os seguin-

tes idiomas como língua nativa: chinês, japonês, alemão e grego. Para determinar a

proficiência em inglês dos aprendizes, todos os sujeitos fizeram o Oxford Placement

Test (OPT; Allen, 1992), e apenas aprendizes com níveis acima do intermediário

(aprendizes cujo acerto seja de 145/200 ou acima disso) foram incluídos no estudo.

Os resultados indicaram que todos os grupos de participantes tiveram um grande

índice de acerto nas respostas relativas à compreensão das sentenças, o que de-

monstra que os participantes estavam prestando atenção à tarefa e que leram as

sentenças corretamente. Porém, os resultados também sugerem que aprendizes de

L2 subusam informações sintáticas durante o processamento da L2, se comparados

com falantes nativos. Por fim, os autores concluem que

8 At later stages of processing, this influence from L1 seems to disappear. As is usually the case in bilingual studies, we might expect that once learners’ proficiency increases, processing will be native--like independently of the position of the adjective or of the native language. This assumption requires further investigation. (Tradução livre dos autores)

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2216

A dissociação observada entre as habilidades de compreensão dos aprendizes e o processamento sentencial on-line mostra que, apesar de os aprendizes serem capazes de compreenderem sentenças contendo longas extrações-wh, eles não usam mecanismos de processamento da estrutura frasal como os nativos9 (Marinis et al., 2005, p. 33).

Domínguez et al. (2008) estudaram a aquisição da variação da ordem de

palavras no espanhol, com falantes nativos de inglês. A ordem de palavras no es-

panhol é flexível, permitindo que os elementos da sentença apareçam em mais de

uma configuração (S-V ou V-S), ao contrário do inglês, cuja ordem de elementos

é rígida. O experimento realizado foi montado a partir de um teste baseado em

Hertel (2003). Os participantes foram expostos a 28 sentenças seguidas de ques-

tões que direcionavam o foco da resposta, permitindo as duas variações de ordem

de palavras no espanhol. O teste foi realizado com 60 aprendizes de espanhol,

que foram divididos em 3 grupos de proficiência, com 20 sujeitos cada: iniciantes,

intermediários e avançados, além de 20 falantes nativos do espanhol como grupo

controle. A aceitabilidade dos aprendizes para a ordem invertida V-S está direta-

mente relacionada com o nível de proficiência. Os resultados mostraram que o

grupo de iniciantes não aceita a ordem invertida, preferindo a opção não invertida,

disponível em sua L1. Como esperado, o grupo com a maior aceitabilidade e que se

comportou próximo dos nativos (native-like) foi o grupo de aprendizes avançados.

Contudo, o mais interessante destes resultados foi o fato de que o grupo avançado

não mostrou nenhuma diferença de comportamento em relação ao grupo controle,

de nativos, contrariando a Hipótese da Estrutura Rasa e Hipótese da Interface. No

entanto, talvez outros experimentos, mais precisos e de uma maior precisão online,

demonstrassem tais diferenças.

Wessheimer et al. (2009) realizaram um estudo sobre a relação entre capa-

cidade de memória de trabalho e desenvolvimento da produção em L2. Diversos

estudos têm observado que a capacidade de memória de trabalho tem um papel

ainda mais importante durante a aprendizagem de L2 (Berquist, 1998; Ellis & Sinclair,

1996; Forktramp, 1999, 2003; Harrington, 1992; Harrington & Sawyer, 1992; Miyake

& Friedman, 1998; Mizera, 2006; Sawyer & Ranta, 2001). Para Baddeley (1992), a

memória de trabalho é considerada um “sistema cerebral que provê armazenagem

9 The observed dissociation between the learners’ comprehension abilities and on-line sentence processing shows that although learners are able to comprehend sentences containing long wh-extrac-tions, they do not use native-like, phrase structure-based processing mechanisms in order to achieve this goal. (Tradução livre dos autores)

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 217

temporária e manipulação da informação necessária para tais tarefas cognitivas

complexas como aprendizagem da compreensão da linguagem, leitura e raciocínio10”

(Baddley, 1992, p. 556). Uma outra definição é que memória de trabalho se refere

àqueles “mecanismos ou processos que estão envolvidos no controle, regulação

e manutenção ativa de informação relevante a serviço de cognição complexa.11”

(Miyake & Shah, 1999, p. 450). Estudos têm mostrado que a memória de trabalho

parece atuar de maneira acentuada em processos controlados (controlled proces-

ses), ao contrário do que ocorre em processos automáticos (automatic processes)

durante a compreensão da linguagem. De acordo com Shiffrin e Schneider (1977),

processos controlados demandam fontes de atenção que são limitadas na memória

de trabalho, e processos automáticos, por outro lado, são produzidos sem intenção

e usualmente operam de maneira rápida e com suas próprias fontes. A pesquisa de

Wessheimer e colegas procurou observar se a capacidade de memória de trabalho

muda no curso da aprendizagem da L2 e utilizou participantes falantes nativos do

português da região Nordeste do Brasil e aprendizes de inglês. Foi realizado um

estudo de produção em L2 em que os autores observaram a produção segundo

alguns critérios (fluência, número de erros a cada 100 palavras, porcentagem de

erros, acurácia, número de orações subordinadas por minuto etc.) e os resultados

encontrados indicaram que um aumento significativo na memória de trabalho não

está relacionado com uma melhoria na proficiência.

De fato, se supomos que os processos controlados requerem uma maior ativi-

dade da memória de trabalho e são mais comuns em níveis iniciantes de proficiência,

uma vez que, quanto maior o nível de proficiência, mais os processos tornam-se

controlados, os resultados são condizentes com o esperado.

Finardi et al. (2008) realizaram, também, um estudo para analisar a produção

de L2 e sua relação com a memória de trabalho. Seus resultados foram bastante

consistentes. Investigou-se a produção de L2 de falantes nativos do português, dos

estados da Bahia e Santa Catarina, aprendizes de inglês, de dois níveis de proficiência:

básico e intermediário. Os resultados mostraram que a capacidade de memória de

trabalho está diretamente ligada ao seu nível de proficiência oral em L2, uma vez

que “limitações na capacidade da memória de trabalho também parecem ser mais

10 Brain system that provides temporary storage and manipulation of the information necessary for such complex cognitive tasks as language comprehension, learning, and reasoning. (Tradução livre dos autores)

11 Those mechanisms or processes that are involved in the control, regulation, and active mainte-nance of task-relevant information in the service of complex cognition. (Tradução livre dos autores)

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2218

relacionadas a processos de controle do que a processos automáticos”12 (Finardi,

2008, p. 380). Finardi assume que, em níveis básicos de proficiência em L2, os pro-

cessos de produção oral são controlados e, em níveis intermediários, por sua vez,

os processos tornam-se mais automatizados. Em níveis mais básicos, quando os

processos ainda não são tão automáticos, há uma maior exigência da memória de

trabalho. Nas palavras das autoras,

Além do mais, assume-se que essa relação seria mais forte em níveis básicos de proficiência nos quais os processos controlados envolvidos na produção de L2 predominam. Também assume-se que à medida que os aprendizes avançam no desenvolvimento contínuo da L2, processos controlados seriam gradualmente automatizados e menos controle (da memória de trabalho) seria solicitado durante a produção da L2 em níveis mais avançados de proficiência13 (Finardi, 2008, p. 379).

Embora não seja o nosso foco estudar a produção, e sim o processamento lin-

guístico na compreensão, observamos que ambos os estudos, de Wessheimer (2008)

e Finardi (2009), caminham na mesma direção, demonstrando que aprendizes de

níveis mais básicos agem por meio de processos controlados, sobrecarregando a

memória de trabalho, e aprendizes de níveis avançados comportam-se de maneira

semelhante aos nativos, automatizando os processos de produção da linguagem.

Podemos estender esses resultados ao Modelo Declarativo-Procedural, afirmando

que os aprendizes de níveis mais básicos, ao agirem por meio de processos contro-

lados, sobrecarregam o uso da memória declarativa, deixando de lado o sistema de

memória procedural. À medida que avançam o nível de proficiência, os dois sistemas

de memória voltam a equilibrar-se, automatizando os processos.

Frenck-Mestre (2002) observa que medidas on-line obtidas durante a leitura

de sentenças revelam um atraso no processamento para leitores não nativos. Para

o autor, uma das causas dessa relativa lentidão é a possível falta de automaticidade,

como já postulado por outros autores. Porém, Frenck-Mestre aplicou experimentos

12 Limitations in working memory capacity are also assumed to be more related to control than to automatic processes. (Tradução livre dos autores)

13 Moreover, it assumed that this relationship would be stronger in basic proficiency levels in which the controlled processes involved in L2 speaking predominated. It was also assumed that as learners advanced in the L2 development continuum, controlled processes would be gradually automatized and less control (from working memory) would be required during L2 speaking in more advanced proficiency levels. (Tradução livre dos autores)

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 219

com eye-tracking e argumenta, também, que o aumento dos tempos de leitura para

leitores não nativos proficientes é o fato de eles possuírem uma tendência a rele-

rem as sentenças. Esses resultados foram observados informalmente, em diversos

experimentos envolvendo numerosas estruturas sintáticas (Frenck-Mestre, 1998;

Frenck-Mestre & Pynter, 1995, 1997). O autor propõe que talvez seja o fato da “re-

leitura” dos segmentos em estudos de leitura automonitorada, mais do que falta de

automaticidade no processamento, a razão principal para tempos de leituras mais

lentos reportados em tais estudos. O processo de releitura se faz necessário porque,

apesar de uma boa proficiência em L2, os aprendizes não fazem uma análise sintática

completa durante a primeira leitura da sentença. Uma outra alternativa é que essa

tendência de reler pode ser um resíduo de dificuldades anteriores experienciadas na

leitura da L2. Ou seja, em um primeiro estágio, reler pode ser necessário devido a

poucas habilidades, como acesso lexical, codificação ortográfica e análise sintática.

Mais tarde, o aprendiz pode reter esse hábito, apesar de ele não ser mais necessário.

Observando os estudos citados acima, podemos notar que todos parecem

seguir um mesmo caminho, qual seja: os aprendizes diferem, em algum grau, dos

nativos, no momento do processamento linguístico. As Hipóteses da Estrutura

Rasa e da Interface, bem como o Modelo Declarativo-Procedural, dão explicações

consistentes e racionais sobre o fenômeno, com exceção do estudo de Foucart, que

argumenta que aprendizes podem, sim, se comportar como nativos. No entanto,

lembramos que o estudo que Foucart realizou foi feito com experimentos offline,

que não capturam o processamento no momento reflexo, e sim reflexivo. Quanto

ao estudo de Frenck-Mestre, seriam necessários mais experimentos utilizando o

monitoramento ocular para verificar a sua hipótese de releitura, pois a maior parte

dos estudos descritos aqui utilizaram a técnica de leitura automonitorada.

Podemos relacionar, ainda, os estudos realizados com sujeitos com patologia, apre-

sentados na seção 1.1, com os estudos realizados com o processamento de aprendizes de

L2, particularmente no que diz respeito à sobrecarga de memória de trabalho. Ambos

os fenômenos parecem ocorrer pelos mesmos motivos. Os resultados dos estudos de

Almor (1999) e Albuquerque (2008), realizados com sujeitos com Demência do Tipo

Alzheimer e Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade, respectivamente,

parecem estar intimamente relacionados, sobretudo com os resultados do estudo de

Cho (2010), realizado com falantes nativos de coreano e aprendizes de inglês, pois,

em todos eles, os sujeitos, sejam portadores de patologias, sejam aprendizes de L2,

parecem facilitar a correferência ao realizá-la com a retomada na forma de nome

repetido, e dificultá-la quando a retomada é feita na forma de pronome, contrariando

os efeitos de estudos realizados com sujeitos sem patologias e em sua língua materna.

O modelo de Ullman adéqua-se bem às pesquisas desempenhadas com aprendizes e,

talvez, fosse uma alternativa para explicar, também, os estudos feitos com portadores

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2220

de patologia, como Almor e Albuquerque já demonstram ao argumentarem que o

processamento ocorre de tal maneira com estes indivíduos porque eles provavel-

mente apresentam problemas e/ou sobrecarga na memória de trabalho. Contudo,

queremos deixar claro que o que aqui foi argumentado são apenas suposições, e que

mais experimentos seriam necessários, relacionando tanto os sujeitos com patologia

quanto os sujeitos sem patologia aprendizes de L2, para observar se o fenômeno

é realmente o mesmo nos dois casos. O que temos, até agora, são resultados que

parecem condizentes e convergentes.

2. EXPERIMENTO

A ideia de nosso estudo surgiu da seguinte questão: como os aprendizes de L2

processam a língua-alvo? Será que aprendizes de um nível avançado irão processar

de maneira semelhante aos nativos? Ou, como postulam as hipóteses aqui explicita-

das, haverá diferenças em relação a nativos? No caso específico do processamento

da correferência, em que os fenômenos são convergentes em português e francês

– pronomes facilitam o processamento em detrimento de nomes repetidos, como

postula a Penalidade do Nome Repetido e a Hipótese da Carga Informacional, con-

firmados por diversos estudos em ambas as línguas –, eles irão ocorrer da mesma

maneira no processamento da língua-alvo? E há diferenças no processamento quanto

ao nível de proficiência de cada sujeito?

Seguindo todos os estudos relatados até agora, podemos esperar que haja uma

diferença de processamento de acordo com os níveis de proficiência, como mostrado

nos estudos de Domínguez et al. (2008). Embora o fenômeno da Penalidade do Nome

Repetido ocorra nas duas línguas, devido à sobrecarga da memória de trabalho, e ao

fato de aprendizes de níveis mais básicos utilizarem bem mais a memória declarativa em

detrimento da memória procedural durante o processamento da L2, parece-nos que o

nome repetido pode facilitar a correferência em tais casos, como ocorrido no estudo de

Cho (2010) com aprendizes de língua inglesa. No caso de aprendizes de nível avançado,

cujo processamento já é mais automatizado, temos como hipótese de que o fenômeno

da Penalidade do Nome Repetido ocorra semelhante ao que ocorre em nativos.

Distribuímos os aprendizes entre três níveis de proficiência: iniciante, inter-

mediário e avançado, e, para tanto, foi aplicado um teste do DELF/DALF (Diploma

de Estudos em Língua Francesa) dos níveis A1/A2 (básico), B1/B2 (intermediário) e

C1/C2 (avançado). Alguns aprendizes já possuíam certificado, caso em que não foi

preciso aplicar o teste. Os testes DELF/DALF são harmonizados com o Quadro euro-

peu comum de referência para as línguas desde 1º de setembro de 2005. Os exames

DELF/DALF abrangem as quatro competências em L2 (compreensão oral e escrita

e produção oral e escrita), e são aplicados nas instituições de língua francesa de

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 221

todo o mundo, sendo um certificado reconhecido internacionalmente. Para fins do

nosso experimento, os exames DELF/DALF foram aplicados observando-se apenas

a compreensão oral e escrita, sendo a produção deixada de lado, uma vez que nosso

objetivo é observar o processamento linguístico na compreensão, e não a produção.

Este experimento consiste em uma tarefa de leitura automonitorada (self-paced

reading). A leitura automonitorada é uma tarefa on-line e, como o próprio nome já

diz, é uma leitura cuja velocidade é controlada pelo próprio sujeito. As sentenças

aparecem segmentadas na tela do computador e, para passar de um segmento

a outro, o participante deve pressionar uma tecla. Em seguida, há uma pergunta

relativa ao par de sentenças lidas, e o participante deve pressionar a tecla SIM ou

NÃO. Nesse experimento, tentamos analisar o processamento de pronomes e nomes

repetidos num escopo intersentencial.

As variáveis independentes manipuladas no experimento são:

a. O tipo de retomada anafórica: nome repetido (NR) ou pronome lexical (PR);

b. O nível de proficiência dos sujeitos (nível iniciante, intermediário ou

avançado).

As variáveis dependentes consistem em:

a. Tempos de leitura no segmento da retomada anafórica;

b. Tempo de resposta às questões;

c. Índice de acerto das questões.

Reunimos um conjunto de dez pares de sentenças experimentais, em francês,

em que a retomada é feita na segunda sentença, na posição de sujeito, em forma de

pronome ou nome repetido. O tamanho dos nomes foi controlado a fim de conter

o mesmo número de sílabas e aproximadamente o mesmo número de letras que o

pronome. Como em língua francesa o pronome pessoal masculino possui apenas uma

sílaba e duas letras – il –, e diante da dificuldade de obter nomes próprios de tamanho

similar ao do pronome, optamos por trabalhar apenas com o pronome pessoal femi-

nino – elle –, que, apesar de possuir, também, uma sílaba, consta de quatro letras. No

entanto, vários experimentos têm demonstrado, até agora, que a escolha do gênero

não parece influenciar no processamento de anáforas, de maneira que o experimento

não foi prejudicado pelo controle do gênero. Além do conjunto de sentenças experi-

mentais, construímos, também, um conjunto com 20 pares de sentenças distratoras.

Além do controle do tamanho do nome próprio/pronome, controlamos, também,

a distância entre o sujeito da primeira sentença e o sujeito da segunda sentença,

momento em que a correferência é estabelecida.

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2222

Todas as sentenças, incluindo as distratoras, passaram pela revisão e corre-

ção de um professor doutor do Departamento de Letras Estrangeiras Modernas

(DLEM/UFPB).

MÉTODO

Participantes

Participaram 30 sujeitos voluntários, de idade entre 20 e 35 anos, de ambos os

sexos (8 homens e 22 mulheres), todos falantes nativos de português brasileiro e

aprendizes de francês, sendo 9 sujeitos classificados no nível iniciante, 10 no nível

intermediário e 11 no nível avançado. A maior parte dos sujeitos de nível iniciante e

intermediário são ou foram estudantes de língua francesa em instituições de ensino

(Aliança Francesa, Yázigi, curso de línguas da UFPB etc.) e grande parte dos sujeitos

de proficiência de nível avançado já moraram na França e/ou são professores de

francês das referidas instituições.

Material

O material consistiu em 10 conjuntos de sentenças experimentais, mais 20

conjuntos de frases distratoras, todas em francês. Essa proporção se deve a uma

convenção utilizada na metodologia da Psicolinguística, em que o número de

sentenças distratoras deve ser, no mínimo, o dobro do número de sentenças ex-

perimentais. Cada conjunto experimental possui duas sentenças, divididas em três

segmentos, cada, conforme os exemplos a seguir. A retomada anafórica ocorre na

segunda sentença, na posição de sujeito, retomando o sujeito da primeira sentença.

Exemplo de sentenças experimentais:

1. Nome repetido (NR): Luce / regarde / la télé. / Luce / est / assise.

Luce / assiste / televisão. / Luce / está / sentada.

2. Pronome lexical (PR): Luce / regarde / la télé. / Elle / est / assise.

Luce / assiste / televisão. / Ela / está / sentada.

A seguir, há uma pergunta relativa ao par de sentenças apresentado, cuja res-

posta seja SIM ou NÃO.

O aparato tecnológico utilizado foi o software Psyscope (Cohen, J. D., MacWhinney,

B., Flatt, M. & Provost, S., 1993), que roda em Mac book (Apple computers). Esse

programa permite a realização de diversos experimentos psicolinguísticos, com

estímulos visuais e orais. No caso do nosso experimento, o software grava os tempos

de leitura dos segmentos, fornecendo-nos um relatório, que passa por uma análise

estatística, permitindo-nos verificar a significância dos dados colhidos.

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 223

Procedimento

O conjunto de frases experimentais foi elaborado no modo do quadrado latino,

em que cada sujeito tem acesso a todas as dez frases, sendo cinco com um tipo de

retomada anafórica, e cinco com o outro tipo. Assim, cada participante é exposto

a todas as condições, sem repetições de frases.

Antes de iniciar o experimento, os participantes foram orientados e fizeram um

teste para se habituar à tarefa. Em seguida, os participantes foram instruídos a ler

as sentenças da maneira mais natural possível, pressionando uma tecla ao término

da leitura de cada segmento. Ao final das sentenças, há uma pergunta relativa ao

que foi lido, e o participante deve pressionar a tecla OUI (SIM) ou NON (NÃO). Os

sujeitos que não possuíam certificado submeteram-se aos exames DELF/DALF, con-

forme já foi explicitado. Cada sujeito foi testado individualmente e o experimento

durou cerca de 15 minutos.

RESULTADOS

Foram analisados os tempos de leitura do quarto segmento – o segmento da

retomada anafórica – das sentenças experimentais. Os gráficos a seguir mostram

as médias dos tempos de leitura das retomadas anafóricas na forma de pronome

e de nome repetido para os três grupos de proficiência (iniciante, intermediário e

avançado) e o p, o valor obtido a partir da análise estatística.

Figura 1: Média dos tempos de leitura no segmento da retomada anafórica dos aprendizes de nível iniciante (p < 0,4185).

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2224

Figura 2: Média dos tempos de leitura no segmento da retomada anafórica dos aprendizes de nível intermediário (p < 0,0048).

Figura 3: Média dos tempos de leitura no segmento da retomada anafórica dos aprendizes de nível avançado (p < 0,0487).

Na análise estatística utilizando o teste de análise de variância ANOVA, não ob-

temos efeito significativo principal referente à variável nível de proficiência: F(2,24)

= 1,68 p < 0,207542. Não encontramos também efeito principal isoladamente refe-

rente à variável tipo de retomada: F(1,24) = 0,111 p < 0,742034. Porém, encontramos

efeito significativo de interação entre as duas variáveis (Nível de proficiência x Tipo

de retomada anafórica): F(2,24) = 9,34 p < 0,001.

Para o primeiro grupo, de iniciantes, a análise dos dados obteve, a partir de um

teste-T, o valor t(8) = 0,85 e p < 0,4185, demonstrando que os aprendizes iniciantes

não fazem diferença quanto ao tipo de retomada anafórica. Para o grupo de apren-

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 225

dizes intermediários, obtemos o valor t(8) = 3,86 e p < 0,0048, o que mostra que

há uma diferença estatisticamente significativa quanto ao processamento dos dois

tipos de retomada anafórica. O grupo de aprendizes intermediários processou mais

rapidamente os nomes repetidos em detrimento dos pronomes. Já com o terceiro

grupo, de aprendizes avançados, obtemos o valor t(8) = 2,32, p < 0,048), o que indica

que esse grupo processa mais facilmente os pronomes em detrimento dos nomes

repetidos. Também foram medidos os tempos de resposta às perguntas relativas

às sentenças experimentais, conforme a Figura 4 a seguir.

Figura 4: Médias dos tempos de resposta por nível de proficiência.

As diferenças foram significativas, como mostrou a ANOVA: F(2,267) = 5,30 p

< 0,005 e os Teste-t: Grupo Iniciante x Grupo Intermediário (t(198) = 2,14, p < 0,02);

Grupo Intermediário x Grupo Avançado (t(208) = 1,71; p < 0,04); Grupo Iniciante x

Grupo Avançado (t(188) = 3,29, p < 0,0007). Isso quer dizer que o grupo de sujeitos

com proficiência avançada foi mais rápido que os grupos com proficiência inter-

mediária e iniciante, e o grupo com proficiência intermediária foi mais rápido que o

grupo com proficiência iniciante.

Discussão

Inicialmente, a análise dos dados mostra-nos que o teste de proficiência foi

eficaz, uma vez que encontramos resultados diferentes para cada grupo de sujeitos.

O primeiro grupo, de iniciantes (nível A1-A2), não demonstrou diferença esta-

tisticamente significativa no processamento dos dois tipos de retomada anafórica

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2226

(pronome e nome repetido). No entanto, os aprendizes tiveram um alto nível de acerto

das questões, demonstrando que compreenderam as sentenças. Provavelmente

esse resultado deve-se ao fato de os aprendizes em nível básico ainda processarem

com uma grande falta de automaticidade, recorrendo a processos controlados

(Wessheimer et al., 2008; Finardi et al., 2009), que exigem uma maior carga da

memória de trabalho, sobrecarregando-a, de modo a não fazerem diferença entre

as retomadas anafóricas. É possível que aprendizes desse nível não tenham acesso a

todas as informações sintáticas disponíveis, fazendo uso de outras estratégias para

a compreensão geral das sentenças, como postula a Shallow Structure Hypothesis.

Por possuírem uma estrutura da língua-alvo extremamente rasa, para estes apren-

dizes não há diferença no tipo de retomada anafórica, embora a compreensão das

sentenças, ao menos de uma maneira superficial, ocorra.

Já o grupo intermediário (nível B1-B2), conforme os resultados apontados no

gráfico, processam mais rapidamente os nomes repetidos em relação aos pronomes,

como previsto pela Hipótese da Carga Informacional em casos de problemas na me-

mória de trabalho (Almor, 1999). Possivelmente isso se deve ao fato de a memória de

trabalho destes aprendizes favorecer a correferência quando esta é feita com nomes

repetidos, como ocorre com os sujeitos portadores de TDAH e Alzheimer (Almor, 1999;

Albuquerque, 2008). Por não possuírem, ainda, a estrutura sintática da língua-alvo,

os aprendizes sentem mais facilidade no processamento de nomes próprios, que

estão relacionados ao léxico. Além disso, segundo o Modelo Declarativo-Procedural,

aprendizes de L2 utilizam em demasia a memória declarativa, que é associativa e re-

lacionada ao conhecimento lexical. A memória declarativa, na concepção do próprio

Ullman (2001), é guiada por pistas informativas e contextuais, ao contrário da memória

procedural, que diz respeito a computações gramaticais (sintáticas, morfológicas e

fonológicas). Assim, pelo fato de nomes fazerem parte do léxico e se associarem mais

facilmente ao contexto, ao contrário de pronomes, que dizem respeito ao universo

gramatical, os primeiros facilitam o processamento da correferência em aprendizes de

nível intermediário, que ainda não dominam completamente a estrutura da L2. Esses

resultados confirmam o modelo de Ullman, que pode, ainda, ser estendido a falantes

com patologias, como visto na primeira seção deste estudo.

Por fim, o grupo avançado (nível C1-C2) processa pronomes mais rapidamente

que nomes repetidos, com uma diferença estatisticamente significativa, corro-

borando a Penalidade do Nome Repetido e a Hipótese da Carga Informacional, já

confirmada em nativos do português brasileiro e do francês. Neste ponto, o grupo

com proficiência de nível avançado se assemelha aos nativos, que processam com

maior automaticidade – deixando de lado os processos controlados –, e favorecem

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 227

o processamento do pronome no momento da correferência. Porém, os dados são

insuficientes para que possamos afirmar que os aprendizes de nível avançado pro-

cessam com a mesma rapidez e automaticidade de um nativo e, para tanto, faz-se

necessário um segundo experimento em momento posterior.

Esses resultados parecem dar suporte tanto à Hipótese da Estrutura Rasa

(Shallow Structure Hypothesis) e à Hipótese da Interface (Interface Hypothesis)

quanto ao Modelo Declarativo-Procedural, uma vez que percebemos que os grupos

de aprendizes de nível iniciante e intermediário não processam as anáforas como

os nativos, dando a entender que a gramática da L2 é divergente, ou até mesmo

incompleta, e que o aprendiz deve usar o seu conhecimento de mundo para uma

melhor compreensão e interpretação da L2. Os resultados que obtivemos com o

grupo de nível intermediário condiz com os resultados obtidos no experimento de Cho

(2010), em que o nome repetido foi processado mais rapidamente que o pronome por

aprendizes de inglês, o que Cho explica por meio da Hipótese da Interface. Nossos

resultados também são consistentes com os de Wessheimer e Finardi, embora seus

estudos tenham sido na área da produção da L2, e não da compreensão. Contudo,

essas pesquisas demonstraram capacidades de memória de trabalho diferentes para

diferentes níveis de proficiência em L2, como explicitado anteriormente. Encontramos

resultados semelhantes, ainda, ao estudo de Domínguez (2008), no que concerne

a diferentes performances para diferentes níveis de proficiência.

A análise dos acertos e tempos de resposta à pergunta controle apresentada no

final de cada sentença também reforça a eficiência do teste de proficiência, além

de mostrar que, apesar de todos os grupos terem acertado as perguntas controle

de compreensão das frases lidas com índice superior a 95%, há diferenças também

no nível off-line quando focalizamos os tempos de respostas. O fato de todos os

grupos possuírem altos índices de acertos nos mostra que os sujeitos, mesmo no

grupo dos iniciantes, mesmo com dificuldades conseguiram chegar à compreensão

das frases. A diferença entre os grupos se reflete no tempo de resposta, uma vez

que o grupo de iniciantes foi o que mais demorou para responder. Assim, podemos

concluir que todos os sujeitos tiveram uma boa compreensão das frases lidas,

demonstrando diferença apenas quanto ao nível de proficiência, no que se refere

ao processamento das retomadas anafóricas e no tempo de resposta às questões.

Esses resultados também condizem com os de Marinis et al. (2005) no aspecto em

que todos os aprendizes tiveram altos índices de acerto e pareceram interpretar

corretamente as sentenças, embora, provavelmente, tenham usado outras estra-

tégias para a compreensão das frases, diferentes dos nativos.

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2228

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os dados obtidos no experimento de leitura automonitorada são bastante

significativos e esclarecedores acerca do processamento da correferência em L2.

Também são de enorme contribuição à literatura da área, dando respaldo prático

às hipóteses e modelos propostos por diversos estudiosos do assunto. Em primeiro

lugar, podemos considerar o fato de que aprendizes de diversos níveis de proficiência

processam de maneiras diferentes. Observamos que os aprendizes em nível iniciante

ainda não possuem uma estrutura clara da língua e, por isso, não fazem preferência

pelo tipo de retomada anafórica. Ainda assim, esses aprendizes são capazes de

compreender, ainda que superficialmente, as sentenças lidas, como demonstram

os índices de acertos. Isso se dá, talvez, pelo fato de que tais aprendizes são guiados

por pistas lexicais e, ainda, pelo fato de o francês ser uma língua aparentada do por-

tuguês, facilitando o reconhecimento e interpretação de diversas palavras de seu

léxico. Observamos, ainda, que os aprendizes de nível intermediário demonstram

uma preferência pelo nome repetido no momento da retomada anafórica, o que

está de acordo com a Hipótese da Estrutura Rasa, Hipótese da Interface e o Modelo

Declarativo-Procedural. Esses aprendizes possuem uma estrutura rasa da L2, a in-

terface sintática não se encontra conectada com as outras interfaces e, por isso, os

aprendizes acabam utilizando em grande parte a memória declarativa, mesmo em

situações de computações gramaticais, em que a memória procedural seria exigida.

Eles podem ser comparados, ainda, a sujeitos com patologias que sobrecarregam

a memória de trabalho, como Demência do Tipo Alzheimer e Déficit de Atenção

e Hiperatividade, pois, em ambos os casos, a memória declarativa é utilizada em

larga escala. Por fim, os aprendizes de nível avançado processam a correferência

de maneira semelhante aos nativos, tanto de português quanto de francês, uma

vez que os fenômenos são convergentes em ambas as línguas, dados confirmados

experimentalmente com nativos e por meio dos modelos da Penalidade do Nome

Repetido e da Hipótese da Carga Informacional. Esses aprendizes demonstraram uma

maior automaticidade e conhecimento mais profundo da estrutura da L2, porém ainda

nos resta uma questão a ser observada: os aprendizes avançados processam como

um nativo? Segundo a Shallow Structure Hypothesis, não. Embora, aparentemente,

os aprendizes de nível avançado compreendam e produzam a linguagem como

um nativo, em um nível mais automático, on-line, há uma certa diferença. A partir

dessa reflexão, precisaremos, no futuro, da aplicação de um segundo experimento,

que se destina a medir os tempos de leitura das retomadas anafóricas em falantes

nativos do francês, e compará-los com os tempos de leitura dos aprendizes de nível

avançado. São essas questões que ficam, por fim, em aberto, e que merecem uma

investigação mais aprofundada.

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 229

REFERÊNCIAS

AKKER, E.; CUTLER, A. (2003). Prosodic cues to semantic structure in native and nonnative listening. Unpublished manuscript, Max-Planck-Institute for Psycholinguistics, Nijmegen.

ALBUQUERQUE, G. Processamento da linguagem no déficit de atenção e hiperatividade. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: UFRJ/FL, 2008.

ALMOR, A.; EIMAS, P. D. (2008). Focus and Noun Phrase Anaphors in Spoken Language Comprehension. Language and Cognitive Processes, 23 (2), 201-225

______. (1999). Noun-phrase anaphora and focus: the informational load hypothesis. Psychological Review, v. 106, N. 4, 748-765.

______; KEMPLER, D.; MacDONALD, M.; ANDERSEN, E.; TYLER, L. (1998). Sentence com-prehension deficits in Alzheimer’s disease: a comparison of off-line vs. on-line sentence processing. Brain and Language, 64, 297-316.

______. (1999). Why do Alzheimer patients have difficulty with pronouns? Brain and Language, 67, 202-227.

BADDELEY, A. D. (1992). Working memory. Science, 255, 556-559.

BERQUIST, B. (1998). Individual differences in working memory span and L2 proficiency: Capacity or processing efficiency? Paper presented at the American Association for Applied Linguistics 1998 Annual Conference, Seattle, WA.

BIRDSONG, D. (1999) (Ed.). Second language acquisition and the critical period hypothesis. Mahwah, New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.

CLAHSEN, H.; FELSER, C. (2006). Continuity and shallow structures in language proces-sing. Applied Psycholinguistics 27, 107-126.

______. Gramatical Processing in Language Learners. University of Essex: Cambridge University Press.

CHAMBERS, C.; R., SMYTH (1998). Structural parallelism and discourse coherence: a test of centering theory. Journal of Memory and Language, 39, 593-608.

CHANG, F. R. (1980). Active memory processes in visual sentence comprehension: cause effects and pronominal reference. Memory and Cognition, 8, 58-64.

CHO, Hee Youn. Coreference processing in L1 and L2. Urbana, Illinois, 2010. 203 fls. Tese de Doutorado em Filosofia em Linguística.

CHOMSKY, N. Aspects of the Theory of Syntax. MIT Press, 1965.

______; LASNIK, H. (1993). Principles and Parameters Theory. In: Syntax: An International Handbook of Contemporary Research, Berlin: de Gruyter.

CORBETT, A. T.; CHANG, F. R. (1983). Pronoun disambiguation: Acccessing potencial antecedents. Memory and Cognition, 11, 283-294.

DOMÍNGUES, L.; ARCHE, M. J. (2008). Optionality in L2 Grammars: the Acquisition of SV/VS Contrast in Spanish. In: CHAN, H.; JACOB, H.; KAPIA, E. (Ed.). Proceedings of BUCLD 32, Somerville, MA: Cascadilla Press, 96-107.

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2230

ELLIS, N. C.; SINCLAIR, S. G. (1996). Working memory in the acquisition of vocabulary and syntax: Putting language in good order. The Quarterly Journal of Experimental Psychology, 49(1), 234-250.

ERNST, Emilie. Le traitement en temps réel de l’anaphore pronominale dans le langage écrit – Développement normal et dysfonctionnements. Apports de la théorie du Centrage. Paris: Université Paris V, 2007.

FINARDI, K.; WEISSHEIMER, J. On the relationship between working memory capacity and L2 speech development. Signótica (2009).

FORKTRAMP, M. B. M. (1999). Working memory capacity and aspects of L2 speech production. Communication and Cognition, 32, 259-296.

______. (2003). Working memory capacity and fluency, accuracy, complexity, and lexical density in L2 speech production. Fragmentos, 24, 69-104.

FOSSARD, Marion; CARDEBAT, Dominique; NESPOULOUS, Jean-Luc (2001). Resolução anafórica e foco do discurso: o caso do pronome demonstrativo francês “híbrido” este (celui-ci). Psicologia: Reflexão e Crítica, 14(2), p. 429-437.

______ (1999). Traitement anaphorique et structure du discours. Etude psycholinguisti-que des effets du focus de discours sur la spécificité de deux marqueurs référentiels: le pronom anaphorique “il” et le nom propre répété. In Cognito, 15, 33-40.

FOUCART, A. (2008). Grammatical gender processing in French as a first and a second Language. Funding Body: French Ministry of Foreign Affairs. PhD scholarship.

FRENCK-MESTRE, C. (1998, November). Overcoming parameters: An on-line look at bilingual sentence processing. Paper presented at the 39th annual meeting of the Psychonomic Society, Dallas, TX.

______. (2002). A on-line look at sentence processing in a second language. In: HERRIDA, R.; ALTARRIBA, J. (Ed.). Bilingual Sentence Processing. North Holland.

______; PYNTE, J. (1995). Lexical influences on parsing strategies: evidence from eye movements. In: FINDLAY, J. M.; KENTRIDGE, R. W.; WALKER, R. (Ed.). Eye movement research: mechanisms, processes and applications. Amsterdam: Elsevier, p. 433-444.

______. (1997). Syntactic ambiguity resolution while reading in second and native lan-guages. The Quarterly Journal of Experimental Psychology, 50,4, 119-148.

GELORMINI LEZAMA, Carlos. The Overt Pronoun Penalty: A Processing Delay in Spanish Anaphora Comprehension (2010). Theses and Dissertations. Paper 342.

GODOY, Mahayana Cristina Resolvendo a anáfora conceitual: um olhar para além da relação antecedente/anafórico. Dissertação (Mestrado em Linguística). Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2010.

GONÇALVES, Alyson Andrade. O processamento sintático de orações relativas por brasileiros aprendizes de inglês como L2. João Pessoa, UFPB, 2011. 92 fls. Dissertação de Mestrado em Linguística.

GORDON, P. C.; GROSZ, B. J.; GILLION, L. A. Pronouns, names, and the centering of attention in discourse. Cognitive Science, [S.I.], v. 17, n. 3, p. 311-347, jul./set. 1993.

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 231

GORDON, P. C.; HENDRICK, R.; LEVINE, W. H. (2002). Memory-load interference in syntactic processing. Psychological Science, 13, 425-430.

GORDON, P. C.; HENDRICK, R.; JOHNSON, M. (2001). Memory interference during lan-guage processing. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory and Cognition, 27, 1411-1423.

______; CHAN, D. Pronouns, passives and discourse coherence. Journal of Memory and Language, [S.I.], v. 34, n. 2, p. 216-231, abr. 1995.

______; HENDRICK, R. (1998). The representation and processing of coreference in discourse. Cognitive Psychology, 22, 389-424.

HARRINGTON, M. (1992). Working memory capacity as a constraint on L2 development. In: HARRIS, R. J. (Ed.). Cognitive processing in bilinguals. Amsterdam: Elsevier, p. 123-135.

______; SAWYER, M. (1992). L2 working memory capacity and L2 reading skill. Studies in Second Language Acquisition, 14, 25-38.

HAWKINS, R.; CHAN, C. (1997). The partial availability of Universal Grammar in second language acquisition: the “failed functional features hypothesis”. Second Language Research, 13, 187-226.

HERTEL, T. (2003) Lexical and discourse factors in the second language acquisition of Spanish word order. Second Language Research, 19, 4, 273-304.

KLEIBER, G. (1994). Anaphores et pronoms. Duculot, Louvain-la Neuve, Belgique.

JOHNSON, J. S.; NEWPORT, E. L. (1989). Critical period effects in second language learning: the influence of maturational state on the acquisition of English as a second language. Cognitive Psychology, 21 (1), 60-99.

LEITÃO, Márcio Martins. O Processamento do objeto direto anafórico no português brasileiro. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2005. 149 fls. Tese de Doutorado em Linguística.

______ (2005). Processamento co-referencial de nomes e pronomes em português brasileiro. Revista Lingüística. Programa de Pós-graduação em Linguística da UFRJ, v. 1, n. 2, p. 235-258. (ISSN 1808-835X).

______; PEIXOTO, P.; SANTOS, S. (2008). Processamento da co-referência intra-senten-cial em português brasileiro. Veredas on-line, v. 02, Juiz de Fora: UFJF. (ISSN 1982 2243).

______. (2008). Psicolingüística experimental: focalizando o processamento da lingua-gem. In: MARTELLOTA, Mario et al. (Org.). Manual de Lingüística. São Paulo: Contexto, p. 217-234. (ISBN 978-85-7244-386-9).

______; SIMÕES, A. B. G. A influência da distância no processamento correferencial de pronomes e nomes repetidos em português brasileiro. Veredas, UFJF, online, v. 1, p. 262-272, 2011.

LOW, L. A.; RODER, B. J. (1983). Semantic relations between encoding and retrieval in cued recall. Memory and Cognition, 11(6), 651-659.

MAIA, M. (1997). A compreensão da anáfora objeto em português brasileiro. Revista Palavra, 6. PUC-RJ. Rio de Janeiro.

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2232

MARINIS, T.; ROBERTS, L.; FELSER, C.; CLAHSEN, H. (2005). Gaps in second language sentence processing. Studies in Second Language Acquisition, 27(1), 53-78.

MIWAKE, A.; FRIEDMAN, N. P. (1998). Individual differences in second language profi-ciency: working memory as language aptitude. In: HEALY, A. F.; BOURNE JR., L. E. (Ed.). Foreign language learning: psycholinguistic studies on training and retention. Mahwah, N. J.: Lawrence Erlbaum, p. 339-364.

MIYAKE, A.; FRIEDMAN, N. P. (1998). Individual differences in second language profi-ciency: working memory as language aptitude. In: HEALY, A. F.; BOURNE JR., L. E. (Ed.). Foreign language learning: psycholinguistic studies on training and retention. Mahwah, N. J.: Lawrence Erlbaum, p. 339-364.

MIZERA, G. J. (2006). Working memory and L2 oral fluency. Unpublished doctoral dis-sertation, University of Pittsburgh.

MONTRUL, S. (2004). Subject and object expression in Spanish heritage speakers: a case of morphosyntactic convergence. Bilingualism: Language and Cognition, 7, 125-142.

PAPADOPOULOU, D.; CLAHSEN, H. (2003). Parsing strategies in L1 and L2 sentence processing: a study of relative clause attachment in Greek. Studies in Second Language Acquisition, 24, 501-528.

PEREIRA, L. M. Processamento da leitura de orações relativas: um estudo comparativo entre crianças com dislexia e grupo controle. Rio de Janeiro, UFRJ, 2008. 155 fls. Dissertação de Mestrado em Linguística.

PLATZACK, C. (2001). The vulnerable C domain. Brain and Language, 77, 364-377.

PERANI, Daniela; ABUTALEBI, Jubin. The neural basis of first and second language pro-cessing. Current Opinion in Neurobiology, v. 15, p. 202-206, 2005.

______. et al. The bilingual brain. Proficiency and age of acquisition of the second lan-guage. Brain, n. 121, p. 1841-1852, 1998.

______; ABUTALEBI, Jubin. The Neural Basis of First and Second Language Processing. Current Opinion in Neurobiology, v. 15, p. 202-206, 2005.

QUEIROZ, K.; LEITÃO, M. M. (2008). Processamento do sujeito anafórico em português brasileiro. Veredas on-line, v. 02, Juiz de Fora: UFJF. (ISSN 1982 2243).

RIBEIRO, A.; MAIA, M.; LEITÃO, M. (2011). Rastreamento ocular e penalidade do no-me-repetido em português brasileiro. In: I Workshop de Processamento Anafórico, João Pessoa, UFPB.

ROBERTS, L.; GULLBERG, M.; INDEFREY, P. (2008). Online pronoun resolution in L2 dis-course: L1 influence and general learner effects. Studies in Second Language Acquisition, 30(3), 333-357.

RODRIGUES, Cassio. O processamento sintático na demência de Alzheimer. Fórum Linguístico: Florianópolis, 2003.

SAWYER, M.; RANTA, L. (2001). Aptitude, individual differences and instructional design. In: ROBINSON, P. (Ed.). Cognition and second language instruction. Cambridge: Cambridge University Press, p. 319-353.

SCHWARTZ, B. D.; SPROUSE, R. A. (1994). Word order and Nominative Case in nonna-tive language acquisition: a longitudinal study of (L1 Turkish) German Interlanguage.

luísa de araújo pereira gadelha | márcio martins leitão 233

In: HOEKSTRA, T.; SCHWARTZ, B. D. (Ed.). Language Acquisition Studies in Generative Grammar, Amsterdam: John Benjamins, p. 317-68.

SEGALOWITZ, N. (2003). Automaticity and second languages. In: DOUGHTY, C.; LONG, M. (Ed.). The handbook of second language acquisition. Oxford: Blackwell, p. 382-388.

SHIFFRIN, R. M.; SCHNEIDER, W. (1977). Controlled and automatic human information processing: perceptual learning, automatic attending, and a general theory. Psychological Review, 84, 127-190.

SORACE, A.; FILIACI, F. (2006). Anaphor resolution in near-native speakers of Italian. Second Language Research, 22, 339-368.

SPROUSE, S. A. The interface hypothesis and full transfer/full access/full parse. A brief comparaison. Linguistic approaches to bilingualism, 2011.

STREB, J.; RÖSLER, F.; HENNIGHAUSEN, E. (1999). Event-related responses to pronoun and proper name anaphora in parallel and non-parallel discourse structures. Brain and Language, 70 (2), 273-286.

______. (2004). Different anaphoric expressions are investigated by Event-Related brain potentials. Journal of Psycholinguistic Research, v. 33, n. 3, 175-201.

TSIMPLI, I.; SORACE, A.; HEYCOCK, C.; FILIACI, F. (2004). First language attrition and syntactic subjects: a study of Greek and Italian near-native speakers of English. International Journal of Bilingualism, 8, 257-277.

ULLMAN, M. T. (2001). A neurocognitive perspective on language: the declarative/procedural model. Nature Reviews, Neuroscience, v. 2, p. 717-727.

______. (2001). The neural basis of lexicon and grammar in first and second language: the declarative/procedural model. Bilingualism: Language and Cognition, 4 (1), 105-122.

______; GOPNIK, M. (1999). Inflectional morphology in a family with inherited specific language impairment. Applied Psycholinguistics, 20 (1), 51-117.

WARTENBURGER, I. et al. Early setting of grammatical processing in the bilingual brain. Neuron, 37, p. 159-170, 2003.

WEISSHEIMER, J.; MOTA, M. B. Individual differences in working memory capacity and the development of L2 speech production. Issues in Applied Linguistics, v. 17, p. 93-112, 2009.

WHITE, L. (1985). Is there a logical problem of second language acquisition? TESL Canada 2: 29.

______. (1989). Universal grammar and second language acquisition. Amsterdam: John Benjamins.

______. (2003). Second language acquisition and universal grammar. Cambridge: Cambridge University Press.

______. The Interface Hypothesis – How far does it extend? Linguistic approaches to bilingualism, 2011.

YANG, C. L.; GORDON, P. C.; HENDRICK, R.; WU, J. T. (1999). Comprehension of referring expressions in Chinese. Language and Cognitive Processes, 14, 715-743.

processamento da correferência em aprendizes de francês como l2234

YANG, C. L.; GORDON, P. C.; HENDRICK, R.; WU, J. T.; CHOU, T. L. (2001). The processing of coreference for reduced expressions in discourse integration. Journal of Psycholinguistic Research, 30, 21-35.

YANG, C. L.; GORDON, P. C.; HENDRICK, R.; WU, J. T. (2003). Constraining the com-prehension of pronominal expressions in Chinese. Cognition, 86, 283-315. Disponível em: http://www.ciep.fr/pt/. Acesso em: 13 out. 2010.

ANEXO

Conjunto de frases experimentais utilizadas no experimento de leitura auto-

monitorada.

1. Aude embrasse sa fille. Aude / Elle a trois enfants.

Aude a des enfants?

2. Luce regarde la télé. Luce / Elle est assise.

Luce est assise?

3. Anne achète une raquette. Anne / Elle est joueur de tennis.

Anne achète une raquette?

4. Ève vend des chocolats. Ève / Elle adore cuisiner.

Ève cuisine?

5. Jane lit un roman. Jane / Elle aime la littérature.

Jane aime lire?

6. Jade écrit une carte postale. Jade / Elle voyage souvent.

Jade voyage souvent?

7. Lis conduit la voiture. Lis / Elle déteste le bus.

Lis conduit une voiture?

8. Lou apprend la biologie. Lou / Elle aime la science.

Lou aime la science?

9. Léa visite son frère. Léa / Elle sort souvent.

Léa visite son frère?

10. Isa pratique la natation. Isa / Elle aime la piscine.

Isa pratique la natation?

235

A RELAÇÃO ENTRE SISTEMAS DE MEMÓRIA E LINGUAGEM: INSIGHTS A PARTIR DE UM ESTUDO

COM FALANTES NÃO NATIVOS

Mailce Borges Mota (UFSC/CNPq)

Daniela Brito de Jesus (UFSC)

O Laboratório da Linguagem e Processos Cognitivos (LabLing) foi criado em

2010 com o objetivo de organizar, expandir e consolidar uma agenda de pesquisa

que busca investigar a relação entre aquisição/processamento da linguagem e

mecanismos/processos cognitivos, com ênfase no papel dos sistemas de memória

e do sistema atencional. Com a criação do LabLing, viabilizada com a generosidade

e confiança das agências de fomento (CNPq, CAPES, FAPESC) e dos Programas de

Pós-Graduação em que atuo, tem sido possível enveredar por mais trilhas e investigar

a relação entre linguagem, cognição, aprendizagem e processamento de fenômenos

específicos de natureza morfossintática em indivíduos de várias faixas etárias, com

desenvolvimento típico e atípico, em língua estrangeira, segunda ou nativa, por meio

de metodologias que incluem o registro de potenciais relacionados a eventos e o

rastreamento ocular. Neste capítulo, relato um estudo conduzido no LabLing que

trata da relação entre sistemas de memória e aprendizagem de línguas.

1. INTRODUÇÃO

Considerada a mais complexa cognição humana, a linguagem figura como um

dos temas mais relevantes das ciências cognitivas, o que coloca a psicolinguística

como área nata dessas ciências (Garrett, 2007) não apenas a partir de 1950 – década

que comumente é tomada como marco do surgimento da psicolinguística –, mas

desde muito antes – em uma era que Levelt (2012) denomina pré-chomskyana e

que pode ser localizada no final do século XVIII, com a descoberta da família de

línguas indo-europeias, por um lado, e as primeiras investigações empíricas das

bases neurais da linguagem, por outro.

a relação entre sistemas de memória e linguagem236

É de três eventos de 19511, entretanto, que herdamos aspectos essenciais da

concepção de cognição que hoje é privilegiada na maior parte das teorias sobre

como pensamos, percebemos, raciocinamos, aprendemos, lembramos – ou sobre

nossos processos mentais. Foi desses eventos também – e principalmente do que

aconteceu depois que Chomsky (1959) apresentou sua crítica às ideias de Skinner

(1957) sobre linguagem – que se desenvolveu muito do que atualmente compre-

endemos por psicolinguística e linguagem na mente/cérebro. Juntos, o Seminário,

o livro e o artigo colocavam em destaque a teoria da informação, apresentada por

Shannon e Weaver (1949) na obra The Mathematical Theory of Communication, em

que figuravam as noções de sistema de comunicação, informação, mensagem, sinal,

ruído, emissor, receptor, processo de decodificação, capacidade do sistema, entre

outras. Para Shannon e Weaver (1949), a comunicação humana podia ser quantificada

e estudada de forma objetiva por meio de uma teoria geral sobre a comunicação.

Miller (1951) e Lashley (1951) compartilhavam a teoria da informação de Shannon

e Weaver (1949), mas se distanciavam no que diz respeito à linguagem. Enquanto

Miller adotava a visão behaviorista de que a linguagem resultava da criação de há-

bitos, Lashley, interessado em explicar a serialidade como propriedade de compor-

tamentos complexos (a linguagem aí incluída), conclui que teorias associacionistas

são inadequadas para explicar a hierarquia que existe no comportamento serial.

Como nos lembra Levelt (2012, p. 17), Lashley (1951) propôs a existência de uma

sintaxe na ordem serial e hierárquica do comportamento. Com isso, seu artigo de

1951 tornou-se uma das bases para o que se convencionou chamar de a “revolução

cognitiva” da década de 1950. A mudança radical no modo de pensar sobre a cog-

nição humana foi impulsionada no final da década, como se sabe, pela abordagem

chomskyana à linguagem.

Foi a partir de 1950, portanto, que se estabeleceu a visão de que o sistema cog-

nitivo humano pode ser entendido como um processador de informação e de que,

aos processos mentais que nos permitem agir no mundo, subjazem mecanismos.

Lachman et al. (1979) afirmam que a abordagem à cognição humana por meio das

premissas do processamento da informação se diferencia de outras abordagens em

pelo menos quatro aspectos principais. Primeiro, nesta abordagem, todo processo

cognitivo consiste de transmissão de informação, e essa transmissão realiza-se

em vários estágios que atuam sobre e transformam a informação a fim de que um

1 Trata-se do Summer Seminar in Psychology and Linguistics, organizado na Cornell University, de 18 de junho a 10 de agosto de 1951, (2) da publicação do livro Language and Communication, de George Miller e (3) da publicação do artigo The problem of serial order in behavior, de Karl Lashley.

mailce borges mota | daniela brito de jesus 237

objetivo seja alcançado. Segundo, os processos cognitivos de alta hierarquia são

implementados pela ação coordenada de vários processos mais elementares. O

terceiro aspecto enfatiza a noção de limitação do sistema cognitivo humano no

que diz respeito à capacidade de armazenar e transmitir informação. Como afirma

Guenther (1998), a capacidade limitada é postulada como uma propriedade de três

componentes do sistema cognitivo: a memória de curto prazo, o sistema sensorial

e o sistema motor. Por fim, o quarto aspecto que diferencia a abordagem de pro-

cessamento da informação de outras perspectivas sobre a cognição humana está

relacionado à possibilidade de se estabelecer analogia entre a mente humana e o

computador. Neste sentido, a cognição humana, como o computador, opera por meio

de regras que manipulam símbolos. Essa analogia – bem como a visão da mente/

cérebro como uma máquina que processa informação – foi fortalecida pelo trabalho

de Allen Newell e Herbert Simon (1961, 1972) e dominou a pesquisa sobre a cognição

nas décadas de 1950, 1960 e 1970 e, embora atualmente considerada inadequada,

segue presente em várias teorias sobre o nosso sistema cognitivo.

A abordagem da teoria de processamento da informação toma a cognição humana

como um sistema altamente dinâmico e complexo (Simon, Kaplan, 1998), composto

por um conjunto de outros sistemas, entre os quais figuram os sistemas de memória

(Ashcraft, Radvansky, 2010). Como um importante aspecto da nossa vida mental,

a memória tem sido um dos temas mais estudados nas ciências cognitivas e, desde

1950, quando a pesquisa sobre a memória humana se tornou predominantemente

experimental, quatro principais áreas têm recebido atenção (Schacter, 1998): a

memória de trabalho, a interação entre processos de codificação e recuperação de

memórias, os esquemas e processos de reconstrução e a memória implícita. Nesta

pesquisa, é possível ver a linguagem como fenômeno que é investigado com o ob-

jetivo de se ganhar melhor compreensão sobre a relação entre as duas cognições

bem como sobre o papel dos sistemas de memória na aquisição e processamento

de línguas. O estudo relatado a seguir – apresentado como dissertação de mestra-

do da segunda autora deste capítulo – teve como objetivo principal investigar os

sistemas de memória declarativa e procedimental de falantes não nativos de L2 a

fim de se observar até que ponto a proficiência na L2 atua sobre esses sistemas.

No restante deste capítulo, apresentamos a fundamentação teórica do estudo, o

método adotado e os resultados obtidos, finalizando com algumas considerações

sobre a relação entre a aprendizagem de línguas e os sistemas de memória de longo

prazo de aprendizes de L2 adultos.

a relação entre sistemas de memória e linguagem238

2. OS SISTEMAS DE MEMÓRIA DECLARATIVA E PROCEDIMENTAL DE FALANTES NÃO NATIVOS DE UMA L2: EFEITOS DA PROFICIÊNCIA

Partimos da premissa de que a memória – sistema ou processo – é um componen-

te fundamental da cognição humana que, juntamente com outros componentes, tais

como a percepção, a atenção, o raciocínio e a linguagem, permite a nossa interação

com outros e com o ambiente que nos cerca. Para os falantes de L2, essa interação

ocorre por meio do conhecimento e do uso de, pelo menos, duas línguas, o que,

por sua vez, envolve processos cognitivos e linguísticos que são sistematicamente

diferentes daqueles empregados por monolíngues (Bialystok, 2010; Cook, 2002).

Nessa perspectiva, o uso de uma L2 requer o gerenciamento de sistemas linguísti-

cos que co-habitam o mesmo complexo cognitivo, bem como a administração de

outras cognições como a atenção, a resolução de conflitos e o controle executivo

(Bialystok et al., 2009; Garbin et al., 2010).

Ao longo das últimas décadas, muitas descobertas emergiram da pesquisa entre

a relação da linguagem com a memória (Gazzaniga, 2009; Paradis, 1994; Ullman,

2001; 2005). Ullman (2001a; 2001b; 2001c; 2004; 2005), por exemplo, apresenta

um modelo neurocognitivo de aquisição e processamento da linguagem. O Modelo

Declarativo/Procedimental parte de uma visão dual sobre a arquitetura da linguagem

e propõe que tanto a L1 quanto a L2 são adquiridas e processadas por dois sistemas

cerebrais de memória: a memória declarativa e a memória procedimental. Esses

sistemas de memória são largamente independentes um do outro, embora inte-

rajam de diversas maneiras. Segundo o autor, a premissa básica do modelo é a de

que aspectos dos dois componentes da linguagem – o léxico mental e a gramática

mental – estão relacionados à distinção entre os sistemas de memória declarativa e

procedimental. No presente artigo, tomamos a descrição destes sistemas conforme

apresentada por Ullman (2001a; 2001b; 2001c; 2004; 2005).

O sistema declarativo, uma espécie de memória associativa, subjaz à aquisição,

representação e uso de conhecimento factual (i.e., semântico) e episódico, sendo

particularmente importante na aprendizagem de relações arbitrárias (Mishkin et

al., 1984; Eichenbaum, Cohen, 2001; Squire, Knowlton, 2000). Pelo menos parte do

conhecimento armazenado no sistema declarativo é explícito. Os correlatos neurais

do sistema de memória declarativa são as regiões temporais mediais (como, por

exemplo, o hipocampo), as quais estão conectadas às regiões neocorticais temporal

e parietal (Suzuki, Amaral, 1994). A aprendizagem de conhecimento novo requer a

participação de todo o sistema declarativo. Assim, como apontado por Eichenbaum

e Cohen (2001), as estruturas temporais mediais estão envolvidas na consolidação

mailce borges mota | daniela brito de jesus 239

e, possivelmente, na recuperação de novas memórias. Uma vez consolidadas, essas

representações tornam-se independentes das regiões temporais mediais e passam

a depender de regiões neocorticais, sobretudo no lobo temporal esquerdo. Outras

estruturas neurais que desempenham papel importante no sistema de memória

declarativa incluem porções do córtex frontal ventro-lateral (correspondentes às

áreas de Brodmann AB 45 e AB 47) – as quais são importantes na seleção e recu-

peração de conhecimento declarativo – e porções do cerebelo direito, que estão

envolvidas na procura por conhecimento de natureza declarativa.

O sistema de memória declarativa tem sido investigado sob várias perspectivas

– i.e., funcional, neuroanatômica, celular e molecular –, o que permite detalhar o

papel de neurotransmissores e de hormônios nesse sistema. O neurotransmissor

acetilcolina desempenha um papel importante na memória declarativa, sobretudo

na função hipocampal (Freo, Pizzolato, Dam, Ori, Battistin, 2002). Já o estrogênio

afeta a memória declarativa tanto em mulheres (Maki, Resnick, 2000) quanto em

homens (Miles, Green, Sanders, Hines, 1998). O sistema também é afetado pela

testosterona, que o melhora nos homens (Cherrier et al., 2001).

O sistema de memória procedimental subjaz à aquisição e controle de habilidades

cognitivas e motoras (novas e já consolidadas), bem como de hábitos, sobretudo

daqueles que envolvem sequências (Schacter, Tulving, 1994), e à aquisição do co-

nhecimento necessário para a manipulação de símbolos. O conhecimento retido

no sistema procedimental, que é composto por uma rede de regiões cerebrais

interconectadas (Ullman, 2005), é de natureza implícita. Desse modo, este sistema

de memória tem como substrato neural regiões do hemisfério esquerdo e tem suas

raízes nos circuitos neurais que envolvem os lobos frontais e os gânglios da base

– estes últimos, estruturas subcorticais que estão conectadas ao córtex frontal.

No córtex frontal, duas áreas são de particular relevância: as áreas pré-motoras,

sobretudo a área motora suplementar, e a região de Broca, sobretudo as porções

posteriores dessa região, que correspondem à área de Brodmann AB 44. Outras

estruturas neurais que fazem parte do sistema procedimental de memória são o

córtex parietal inferior e o cerebelo (Schacter, Tulving, 1994).

Como apontado por Ullman (2005, por exemplo), os sistemas neurais de memória

declarativa e procedimental constituem uma rede complexa que interage de forma

dinâmica, cooperativamente e competitivamente, no que Ullman (2004) chama de

“efeito gangorra”. Assim, os dois sistemas podem atuar de maneira complementar

na aquisição da mesma informação ou de informação semelhante. Em função de sua

capacidade de adquirir informação rapidamente, o sistema declarativo inicia o processo

de aquisição e o envolvimento do sistema procedimental na aquisição dessa mesma

a relação entre sistemas de memória e linguagem240

informação ou de informação relacionada se dá de forma gradual. A atuação com-

petitiva dos dois sistemas pode ser causada por uma disfunção em um deles – o que

aprimora a aprendizagem pelo sistema intacto – ou por inibição da aprendizagem em

um dos sistemas (Ullman, 2005). O efeito gangorra pode estar ligado também à ação

da acetilcolina – que tanto intensifica quanto inibe as estruturas neurais do sistema

procedimental – e do estrogênio. Por fim, é importante apontar que o funcionamento

dos dois sistemas é sensível a diferenças individuais, havendo razoável variação em

nossa habilidade de adquirir e usar o conhecimento de um e outro sistema.

Em L1, o modelo de Ullman (2001a; 2001b; 2001c; 2004; 2005) postula que o

sistema de memória declarativa subjaz ao nosso léxico mental (nosso dicionário

mental de palavras e seus respectivos pares de sons e significados), enquanto o sis-

tema de memória procedimental subjaz a aspectos relacionados à gramática mental

(conjunto de regras computacionais). Para a L2, no entanto, Ullman (2001b; 2005)

faz considerações específicas. Por exemplo, o autor argumenta que, para o apren-

diz adulto, espera-se que a aquisição de conhecimento gramático-procedimental

na L2 siga um curso diferente da aquisição de conhecimento léxico-declarativo,

comparativamente à aquisição da gramática e do léxico na língua materna. Assim,

enquanto o léxico é armazenado na memória declarativa – de natureza associativa

– tanto na L1 como na L2, a gramática da L2 tende a ser armazenada também nesta

memória, principalmente nos níveis mais baixos de proficiência. A participação da

memória procedimental no processamento gramatical em L2 depende, desse modo,

do desenvolvimento da proficiência. Na L1, a gramática mental tem como substrato

neurocognitivo a memória procedimental.

Considerando a perspectiva apresentada por Ullman (2001a; 2001b; 2001c; 2004;

2005, entre muitas outras publicações), bem como o fato de que a proficiência em

L2 parece estar relacionada à organização biocognitiva dos sistemas de memória

declarativa e procedimental, o presente estudo buscou investigar os efeitos da

proficiência em L2 nesses sistemas. Mais precisamente, o estudo buscou explorar

o desempenho de quarenta adultos jovens, bilíngues, em tarefas cognitivas de

memória declarativa e procedimental. Os participantes foram divididos em grupos

de alta proficiência em inglês como L2, baixa proficiência em inglês como L2 e

monolíngues de português brasileiro.

mailce borges mota | daniela brito de jesus 241

3. MÉTODO

3.1 PERGUNTAS DE PESQUISA E HIPÓTESES

A partir dos objetivos apontados, este estudo, de caráter psicolinguístico experi-

mental, abordou as seguintes perguntas de pesquisa: (1) os indivíduos jovens adultos,

falantes nativos de português brasileiro com alta proficiência em inglês como L2, têm

um melhor desempenho em comparação aos de baixa proficiência e aos monolíngues

de português brasileiro nas tarefas de memória “nomeação de figuras” e “gramática

artificial”?; e (2) os indivíduos jovens adultos, falantes nativos de português brasileiro

com alta proficiência em inglês como L2, têm um melhor desempenho em comparação

aos de baixa proficiência e aos monolíngues de português brasileiro nas tarefas de

memória “reconhecimento de figuras” e “tempo de reação serial”?

As hipóteses levantadas, respectivamente, foram: (1) nas tarefas Nomeação de

Figuras e Aprendizagem de Gramática Artificial, os falantes de inglês como L2 com

alta proficiência apresentarão um melhor desempenho, ou seja, serão mais rápidos e

mais precisos, em comparação aos falantes de inglês como L2 de baixa proficiência

e os monolíngues de PB; e (2) os falantes de inglês como L2 com alta proficiência

terão um melhor desempenho, ou seja, serão mais rápidos e mais precisos em com-

paração aos falantes de inglês como L2 de baixa proficiência e os monolíngues de

PB nas tarefas Reconhecimento de Figuras e Tempo de Reação Serial.

3.2 DESIGN, INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTOS

Quarenta indivíduos foram selecionados para participar do estudo, sendo (a)

16 falantes nativos de português brasileiro como L1, com alta proficiência em inglês

como L2, (b) 16 falantes nativos de português brasileiro como L1, com baixa profici-

ência em inglês como L2 – compondo os grupos experimentais – e 8 monolíngues

de português brasileiro, compondo o grupo controle. A idade dos participantes

variou entrou 17 a 31 anos, sendo 24 anos a média do grupo.

Os instrumentos de pesquisa adotados consistiram em um termo de consen-

timento livre e esclarecido para todos os participantes; um questionário de infor-

mações biográficas, também para todos os participantes; um questionário sobre a

experiência linguística dos participantes falantes de inglês como L2 e um miniteste

de proficiência em inglês aplicado aos monolíngues para assegurar que o conheci-

mento de língua inglesa fosse o mínimo possível para esse grupo. Participantes que

pontuaram acima de 30% nesse teste foram excluídos do estudo. Para o controle

da proficiência na L2, os testes escolhidos foram o KET (Key English Test) e o PET

(Preliminary English Test) da Universidade de Cambridge, aplicados em versões

a relação entre sistemas de memória e linguagem242

adaptadas para o propósito do estudo. Os participantes com baixa proficiência em

L2 deveriam pontuar menos de 40% no teste KET e aqueles com alta proficiência

deveriam pontuar mais de 90% no teste PET.

No que concerne às tarefas de memória adotadas nessa investigação, estas

foram divididas em tarefas linguísticas e não linguísticas, foram previamente progra-

madas no software E-Prime versão 2.0 e aplicadas individualmente aos participantes

no LabLing, sendo conduzidas uma a uma pela segunda autora do presente artigo.

A tarefa Nomeação de Figuras é uma tarefa linguística que avalia a memória

declarativa. Nessa tarefa, o objetivo era verificar o tempo de reação do participante

em relação à produção oral esperada para o nome do estímulo (no caso, uma figu-

ra) apresentado na tela do computador. As respostas de cada participante foram

gravadas e também verificadas numa listagem de respostas esperadas. Esta tarefa

foi desenvolvida com base no estudo de Szekely et al. (2005).

A tarefa Aprendizagem de Gramática Artificial é uma tarefa linguística para

a avaliação da memória procedimental e, para os propósitos do presente estudo,

foi desenvolvida com base em Chang e Knowlton (2004). A tarefa exige que o

participante aprenda a identificar regras semelhantes a padrões gramaticais em

conjuntos de 2 a 6 consoantes expostos em série na tela do computador. Dentre as

tarefas não linguísticas, visando a acessar a memória declarativa dos participantes,

a tarefa escolhida foi a de Reconhecimento de Figuras (Manns et al., 2003). Nessa

tarefa, o objetivo foi registrar o tempo de resposta e acurácia do participante à

apresentação de estímulos representando figuras concretas e abstratas, mostrados

um a um na tela do computador. Completando a bateria de tarefas de memória, a

tarefa Tempo de Reação Serial (Howard, Howard, 1997) visou a acessar a memória

procedimental dos participantes. Nessa tarefa, de natureza não linguísticas, o obje-

tivo foi registrar o tempo de resposta e acurácia do participante frente a estímulos

(figuras de um smile, desenho de uma figura sorridente circular na cor amarela),

dispostos alternadamente, um após o outro, em ordem randomizada, em 4 círculos

na tela do computador.

Os participantes foram submetidos a duas sessões distintas para a coleta dos dados:

• Sessão 1: Leitura e assinatura do termo de consentimento livre e esclare-

cido, aplicação dos questionários (para todos os participantes), aplicação

do teste de proficiência (para os participantes bilíngues, avaliando lei-

tura, escrita, produção e compreensão oral em L2) ou do miniteste de

proficiência (para os declarados monolíngues).

mailce borges mota | daniela brito de jesus 243

• Sessão 2: Realização das tarefas/experimentos no computador (as 4 ta-

refas, para todos os participantes do estudo). Cada tarefa foi programada

com duração média de 15 minutos e a experimentadora conduziu tanto

os testes de proficiência quanto as tarefas de memória. É importante

ressaltar que as tarefas foram apresentadas aos participantes em ordem

randomizada, para evitar efeitos de ordem de tarefa.2

4. ANÁLISE DOS DADOS E RESULTADOS

4.1 ANÁLISE DOS DADOS

Para a análise quantitativa dos dados, foram feitas comparações múltiplas

entre os 3 grupos de participantes, nas 4 tarefas de memória, sendo as variáveis

dependentes o tempo de reação (em milissegundos) e a acurácia (em número de

acertos por tarefa). O programa utilizado na análise foi o SPSS versão 20.0, e os testes

estatísticos foram o Mann-Whitney e o Qui-quadrado, com o nível de significância

de 0.002, após a correção de Bonferroni.

4.2 RESULTADOS

Como pode ser visto na tabela 1, nas tarefas linguística e não linguística de me-

mória declarativa, todas as comparações entre os grupos experimentais e controle

apresentaram diferenças significativas para a tarefa de Nomeação de Figuras no

que diz respeito ao tempo de reação. Por outro lado, nenhuma das comparações

apresentou diferença significativa para a tarefa de Reconhecimento de Figuras. Os

resultados na variável acurácia para as tarefas de memória declarativa mostraram

que houve diferenças significativas nas comparações entre os grupos de alta e

baixa proficiência na L2 e entre os grupos Alta (proficiência) e Mono (monolín-

gues), na tarefa de Nomeação de Figuras. Também foram encontradas diferenças

significativas nas comparações entre os grupos Alta/Baixa e Alta/Mono na tarefa

de Reconhecimento de Figuras.

2 Para a descrição detalhada das tarefas utilizadas, bem como do design do estudo e o piloto realizado, ver Jesus (2012).

a relação entre sistemas de memória e linguagem244

Tabela 1: Tempo de reação e acurácia nas tarefas de memória declarativa.

Sistema de Memória

Tipo de Tarefa

TarefaTR AC

Comparação p-valor Estatística p-valor

Declarativa Ling NF Alta/baixa 0.000 66.866 0.000

Alta/Mono 0.000 47.706 0.000

Baixa/Mono 0.001 0.000 0.990

N-Ling RF Alta/baixa 0.950 62.781 0.000

Alta/Mono 0.251 72.973 0.000

Baixa/Mono 0.146 0.038 0.845

Nota: Ling = Linguística; N-Ling = não linguística; NF = nomeação de figuras; RF = Reconhecimento de figuras; TR = tempo de reação; AC = Acurácia.

N = 40

A tabela 2 mostra que, para a tarefa de memória procedimental Gramática

Artificial, os resultados mostram que não há diferenças estatisticamente significa-

tivas entre os grupos no que diz respeito ao tempo de reação e acurácia. Entretanto,

na tarefa não linguística Tempo de Reação Serial, houve diferenças significativas

nas comparações entre os grupos de alta (Alta) e baixa proficiência em L2 (Baixa),

assim como entre os grupos de baixa proficiência em L2 e os monolíngues (Mono)

no que diz respeito à acurácia.

Tabela 2: Tempo de reação e acurácia nas tarefas de memória procedimental.

Sistema de Memória

Tipo de Tarefa

Tarefa  TR AC

Comparação p-valor Estatística p-valor

Procedimental Ling GA Alta/Baixa 0.000 1.313 0.252

Alta/Mono 0.000 0.006 0.937

Baixa/Mono 0.183 0.823 0.364

N-Ling TRS Alta/Low 0.159 52.767 0.000

Alta/Mono 0.000 0.589 0.443

Baixa/Mono 0.000 40.082 0.000

Nota. Ling = Linguística; N-Ling = não linguística; GA = gramática artificial; TRS = tempo de reação serial; TR = tempo de reação; AC = Acurácia.

N = 40

mailce borges mota | daniela brito de jesus 245

O objetivo do presente estudo foi investigar a relação entre proficiência em L2

e os sistemas de memória declarativa e procedimental. De modo geral, os resultados

indicam que o nível de proficiência do indivíduo em L2 parece ser um fator que inter-

fere de maneira positiva em atividades que exigem a participação destes sistemas.

A resposta para a primeira pergunta de pesquisa – os indivíduos jovens adul-

tos, falantes nativos de português brasileiro com alta proficiência em inglês como

L2, têm um melhor desempenho em comparação aos de baixa proficiência e aos

monolíngues de português brasileiro, nas tarefas de memória “nomeação de figu-

ras” e “gramática artificial”? – é parcialmente positiva. Os resultados indicam um

melhor desempenho para o grupo de alta proficiência em L2 na tarefa de memória

declarativa linguística Nomeação de Figuras, tanto em tempo de reação quanto

em número de acertos. Esses resultados dialogam com a literatura relacionada ao

bilinguismo e proficiência, em que diferenças entre as habilidades linguísticas de

bilíngues e monolíngues na idade adulta foram observadas em testes envolvendo

acesso lexical e fluência verbal (e.g., Bialystok, Luk, 2012).

Para a segunda pergunta de pesquisa – os indivíduos jovens adultos, falantes

nativos de português brasileiro com alta proficiência em inglês como L2, têm um

melhor desempenho, em comparação aos de baixa proficiência e aos monolíngues

de português brasileiro, nas tarefas de memória “reconhecimento de figuras” e

“tempo de reação serial”? –, os resultados também apontam para uma resposta

parcialmente positiva, sugerindo um certo efeito da proficiência em L2 nas tarefas

não linguística de memória Reconhecimento de Figuras e Tempo de Reação Serial,

no que diz respeito à acurácia.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os resultados obtidos no presente estudo podem ser interpretados como

evidência, ainda bastante preliminar, de um possível efeito da proficiência em uma

língua não materna na memória de longo prazo. Esse efeito parece ser mais visível

na memória declarativa, sobretudo em tarefas de natureza linguística. Parece

haver um efeito, também, na memória procedimental, mas este efeito, no caso do

presente estudo, foi estatisticamente significativo apenas na tarefa não linguística.

É possível que, no caso do presente estudo, uma outra variável – a de contexto de

aprendizagem – tenha exercido influência na relação entre proficiência e sistemas

de memória. Os participantes do presente estudo aprenderam ou estavam apren-

dendo a L2 principalmente em contexto formal e essa experiência pode favorecer

a memória declarativa.

a relação entre sistemas de memória e linguagem246

É certo que relação entre sistemas de memória e aquisição/processamento da

linguagem é por demais complexa, mas nossa compreensão sobre essa relação pode

ser enriquecida com a pesquisa sobre a aprendizagem de L2. Ao que parece, nosso

sistema cognitivo se beneficia com a coexistência de múltiplos sistemas linguísticos.

Apesar das limitações do presente estudo, principalmente no que diz respeito à

definição e mensuração de proficiência em L2, os resultados obtidos nos permitem

reforçar nossa opinião de que é necessário mais investigação sobre a natureza do

contato entre linguagem e cognição bem como sobre a influência construtiva de

uma língua não materna nessa relação.

REFERÊNCIAS

ASHCRAFT, M. H.; RADVANSKY, G. Cognition. Boston: Pearson Education, 2010.

BIALYSTOK, E. Global-local and trail-making tasks by monolingual and bilingual children: beyond inhibition. Development Psychology, v. 46 (1), 93-105, 2010.

______; LUK, G. Receptive vocabulary differences in monolingual and bilingual children. Bilingualism: Language and Cognition, 15 (2), 397-401, 2012.

______; CRAIK, F. I. M.; GREEN, D. W.; GOLLAN, T. H. Bilingual minds. Association for Psychological Science, Psychological Science in the Public Interest, 10(3), 89-129, 2009.

CHANG, G. Y.; KNOWLTON, B. J. The effect of surface feature manipulations on artificial grammar learning. Journal of Experimental Psychology: Learning, Memory, & Cognition, 30, 714-722, 2004.

CHERRIER, M. M.; ASTHANA, S.; PLYMATE, S.; BAKER, L.; MATSUMOTO, A. M.; PESKIND, E. et al. Testosterone supplementation improves spatial and verbal memory in healthy older men. Neurology, 57, 80-88, 2001.

EICHENBAUM, H.; COHEN, N. J. From conditioning to conscious recollection: memory systems of the brain. New York: Oxford University Press, 2001.

FREO, U.; PIZZOLATO, G.; DAM, M.; ORI, C.; BATTISTIN, L. A short review of cognitive and functional neuroimaging studies of cholinergic drugs: Implications for therapeutic potentials. Journal of Neural Transmission, 109, 857-870, 2002.

GARBIN G.; SANJUAN, A.; FORN C.; BUSTAMANTE, J. C.; RODRIGUEZ-PUJADAS, A.; BELLOCH, V.; HERNANDEZ, M.; COSTA A.; AVILA, C. Bridging language and attention: brain basis of the impact of bilingualism on cognitive control. Neuroimage, 53, 1272-1278, 2010.

GAZZANIGA, M. S. (Ed.). The cognitive neurosciences. 4th ed. Cambridge: The MIT Press, 2009.

mailce borges mota | daniela brito de jesus 247

GUENTHER, R. K. Cognitive psychology. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall, 1998.

JESUS, D. B. The effect of L2 proficiency on the declarative and procedural memory systems of bilinguals – a psycholinguistic study. Dissertação (Mestrado em Letras) – Pós-graduação em Letras Inglês e Literatura Correspondente, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012.

MANNS, J. R.; HOPKINS, R. O.; REED, J. M.; KITCHENER, E. G.; SQUIRE, L. R. Recognition memory and the human hippocampus. Neuron, 37:171-180, 2003.

MILES, C.; GREEN, R.; SANDERS, G.; HINES, M. Estrogen and memory in a transsexual population. Hormones and Behavior, 34, 199-208, 1998.

MISHKIN, M.; MALAMUT, B.; BACHVALIER, J. Memories and habits: two neural systems. In: LYNCH, G.; MCGAUGH, J. L.; WEINBURGER, N. W. (Ed.). Neurobiology of learning and memory. New York: Guilford Press, p. 65-77, 1984.

NEWELL, A.; SIMON, H. A. Computer simulation of human thinking. Science, 134, 2011-2017, 1961.

NEWELL, A.; SIMON, H. A. Human problem-solving. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1972.

PARADIS, M. Neurolinguistic aspects of implicit and explicit memory: implications for bilingualism. In: ELLIS, N. (Ed.). Implicit and Explicit Learning of Second Languages. London: Academic Pres, p. 393-419, 1994.

SCHACTER, D. L.; TULVING, E. (Ed.). Memory systems. Cambridge, MA: MIT Press, 1994.

SZEKELY, A.; D’AMICO, S.; DEVESCOVI, A.; FEDERMEIER, K.; HERRON, D.; IYER, G.; JACOBSEN, T.; ARÉVALO, A. L.; VARGHA, A.; BATES, E. Timed action and object naming. Cortex, 2005, 41(1), 7-26, 2005.

SIMON, H.; KAPLAN, C. A. Foundations of Cognitive Science. In: POSNER, M. I. (Ed.). Foundations of Cognitive Science. Cambridge, MA: Bradford, p. 1-47, 1998.

SQUIRE, L. R.; KNOWLTON, B. J. The medial temporal lobe, the hippocampus, and the memory systems of the brain. In: GAZZANIGA, M. (Ed.). The new cognitive neurosciences. Cambridge, MA: MIT Press, p. 765-779, 2000.

SUZUKI, W. A.; AMARAL, D. G. Perirhinal and parahippocampal cortices of the macaque monkey. Cortical afferents. Journal of Comparative Neurology, 350, 497-533, 1994.

ULLMAN, M. T. The declarative/procedural model of lexicon and grammar. Journal of Psycholinguistic Research, 30 (1), 37-69, 2001a.

______. The neural basis of lexicon and grammar in first and second language: the decla-rative and procedural model. Bilingualism: Language and Cognition, 4: 105-122, 2001b.

a relação entre sistemas de memória e linguagem248

______. A neurocognitive perspective on language: the declarative/procedural model. Nature Reviews Neuroscience, 2, 717-726, 2001c.

ULLMAN, M. T. (2004). Contributions of memory circuits to language: the declarative/procedural model. Cognition, 92(1-2), 231-270, 2004.

______. A cognitive neuroscience perspective on second language acquisition: the decla-rative/procedural model. In: SANZ, C. (Ed.). Mind and context in adult second language acquisition: methods, theory, and practice. Washington, DC: Georgetown University Press, p. 141-178, 2005.

249

A COMPREENSÃO DE BILÍNGUES PROFICIENTES E A SINCRONIZAÇÃO DAS ÁREAS DA REDE NEURAL

DA LINGUAGEM

Augusto Buchweitz (Pós-Graduação em Letras-Linguística; Pós-Graduação em Medicina-

Neurociências e Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul)

Center for Cognitive Brain Imaging (Departamento de Psicologia, Carnegie Mellon University)

Robert A. Mason (Center for Cognitive Brain Imaging,

Departamento de Psicologia, Carnegie Mellon University)

Lêda M. B. Tomitch (Programa de Pós-Graduação em Inglês, Universidade Federal de Santa Catarina)

Marcel Adam Just (Center for Cognitive Brain Imaging,

Departamento de Psicologia, Carnegie Mellon University)

SOBRE O GRUPO DE NEUROIMAGEM DA COGNIÇÃO HUMANA

O Grupo de Neuroimagem da Cognição Humana é um grupo multidisciplinar

associado a diferentes pós-graduações da PUCRS. Cabe ressaltar que este grupo

não esteve envolvido no trabalho apresentado neste capítulo, mas, dentro dos

objetivos deste livro, constitui-se no grupo de pesquisa ao qual o primeiro autor

está associado e que, como outros grupos e laboratórios apresentados neste livro,

representa um grupo de pesquisa também para futuros alunos de pós-graduação

interessados em pesquisa com linguagem e cognição humana.

O grupo surgiu em 2012 e inclui pesquisadores e estudantes de Letras, Engenharia,

Física, Medicina, Psicologia, Fonoaudiologia e Ciência da Computação e tem como

objetivo desenvolver técnicas de análise de neuroimagens e estudos das bases neu-

rais da cognição humana em processos cognitivos como a linguagem. Com base no

Instituto do Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer), o grupo apoia-se na infraestrutura

de ponta disponível para desenvolver estudos de ponta; um dos exemplos é o projeto

ACERTA (Avaliação de Crianças em Risco de Transtorno de Aprendizagem – CAPES,

a compreensão de bilíngues proficientes...250

Observatório da Educação), cujo objetivo é consolidar uma interface entre a neuroci-

ência e o ensino fundamental para auxiliar na identificação precoce de transtornos de

aprendizagem a partir de índices neurobiológicos. O estudo é interdisciplinar em sua

essência e propõe acompanhamento longitudinal de grupos de crianças em escolas

de ensino fundamental em Porto Alegre (RS), Natal (RN) e Florianópolis (SC). Este

projeto corporifica os objetivos do grupo de neuroimagem da cognição humana (e

do laboratório de neuroimagens do InsCer, ao qual o grupo está vinculado) de realizar

pesquisa transdisciplinar, ou seja, ultrapassando os muros da universidade, e de ponta.

O ESTUDO DO CÉREBRO BILÍNGUE

O objetivo deste estudo foi de investigar como o cérebro bilíngue adapta-se a

uma tarefa de compreensão na segunda língua (L2), em comparação com uma tarefa

de compreensão na primeira língua (L1). A ressonância magnética funcional (RMF) foi

utilizada para medir a atividade neural durante uma tarefa de compreensão auditiva

de frases em bilíngues tardios falantes de português (L1) e inglês (L2). O objetivo do

estudo é de comparar a ativação neural em termos das áreas corticais recrutadas na

compreensão da L1 e L2 e também em termos da sincronização da atividade neural

em diferentes áreas do cérebro associadas com a compreensão da linguagem.

A RESSONÂNCIA MAGNÉTICA FUNCIONAL COMO FERRAMENTA DE INVESTIGAÇÃO DA COGNIÇÃO HUMANA

A utilização da ressonância magnética funcional para investigar processos de

linguagem tem aumentado significativamente nos últimos anos (ver, p.ex., uma

revisão de 100 estudos publicados em 2009 (Price, 2010)). Estudos de neuroimagem

que investigam a linguagem e, especificamente, o bilinguismo mostram que os pro-

cessos de linguagem em L1 e outras línguas são o resultado da colaboração entre

diversas regiões do cérebro. Por exemplo, a compreensão auditiva de textos está

associada com a ativação de regiões no córtex auditivo primário, no córtex frontal

inferior e no córtex temporal médio, entre outras regiões (Mason, Just, 2006).

A colaboração entre esses centros fica evidente quando se manipula o estímulo

linguístico e, por consequência, modula-se a ativação em todos ou na maioria dos

centros envolvidos; por exemplo, em um estudo mostrou-se a modulação das áreas

envolvidas com o processamento da linguagem durante o processamento de frases

trava-línguas (Keller, Carpenter, Just, 2003). Assim como em outras manipulações e

comparações de processos linguísticos, portanto, a utilização de compreensão em

L1 e L2 como fator a ser investigado também resulta em diferenças e traços de ati-

vação que caracterizam o funcionamento do cérebro bilíngue. Este estudo utiliza-se

desta técnica para identificar possíveis diferenças entre a compreensão em L1 e L2.

augusto buchweitz et al. 251

O CÉREBRO BILÍNGUE

Os fatores que modulam a ativação neural bilíngue caracterizam a diversidade

das línguas. Além da idade de aquisição, a proficiência na L2 e diferentes caracte-

rísticas como a transparência do mapeamento grafema-fonema na ortografia, são

todos fatores identificados como determinantes dos níveis e regiões de ativação

em bilíngues (por exemplo, Buchweitz et al., 2009; Illes et al., 1999; Isel et al., 2010;

Kim et al., 1997). Devido à diversidade de fatores que modulam a ativação, faz

sentido investigar o funcionamento do cérebro bilíngüe dentro de um subgrupo de

bilíngues de nível semelhante de proficiência, de mesma idade de aquisição da L2

(neste caso, tardios) e, ainda, a partir de uma tarefa específica de linguagem para

que se possa contribuir para a compreensão geral de como o cérebro se adapta ao

processamento da L2. Os participantes deste estudo, além de bilíngues tardios,

eram altamente escolarizados e com habilidade proficiente de compreensão em

L2; todos eram bilíngues tardios (ou seja, que adquiriram a L2 em algum momento

após a infância e pré-adolescência). Estudos de neuroimagem oferecem evidências

robustas de que há uma rede distribuída de áreas do cérebro que subjazem a ta-

refa de compreender a linguagem. A chamada “rede da linguagem”, ou “language

network”, em inglês, é formada por um grupo de áreas do cérebro que inclui o giro

frontal inferior esquerdo (equivalente, em grande parte, à famosa área de Broca) e

os giros temporais médio e superior esquerdos (conhecido também como área de

Wernicke) (Constable et al., 2004; Keller, Carpenter, Just, 2001; Michael et al., 2001;

Price, 2010). Os lobos temporais posteriores esquerdo e direito, em especial, o giro

e sulco temporais superiores dentro daqueles, têm sido robustamente associados

com diferentes tipos de tarefas de compreensão auditiva nas mais diversas línguas

(Constable et al., 2004; Jobard et al., 2007; Michael et al., 2001). A ativação dessas

regiões dos lobos frontal e temporal, bem como a sincronização da atividade entre

elas, será investigada neste estudo em tarefas de L1 e L2.

A COMPREENSÃO AUDITIVA

Processos cognitivos automáticos, como a compreensão da L1, são relativa-

mente rápidos e, em geral, pouco demandam em termos de recursos cognitivos

(Chein, Schneider, 2005; Shiffrin, 1977); o aumento na utilização desses recursos

pode ser quantificado em termos de expansão e magnitude de ativação neural com

a ferramenta da RMF. A compreensão auditiva em L2 é um processo cognitivo que

também pode se tornar relativamente automático em bilíngues, possivelmente

naqueles que permanecem imersos em um ambiente em que se utiliza a L2 com

a compreensão de bilíngues proficientes...252

frequência. No caso do presente estudo, investigamos bilíngues tardios e imersos

em uma comunidade acadêmica e uma cidade onde o inglês é a primeira língua.

A compreensão auditiva em L2 é um processo que pode se tornar relativamente

automático em bilíngues, principalmente naqueles que residem no país onde se

fala a L2 e imersos em uma comunidade que fale a L2 (por exemplo, estudantes

universitários no estrangeiro). Desta forma, a hipótese deste estudo foi de que a

rede neural associada com o processamento da linguagem na L1 (português) seria

semelhante à rede neural associada com o processamento da linguagem na L2

(inglês), sem diferenças significativas entre as redes recrutadas nas duas situações.

Além da ativação neural nas tarefas em L1 e L2, este estudo investigou as dife-

renças na sincronização entre a ativação das redes associadas com as duas tarefas de

compreensão. A análise de “conectividade funcional” (functional connectivity, na sigla

em inglês) proporciona dados sobre a sincronização do funcionamento de regiões do

cérebro em resposta a diferentes demandas cognitivas. A conectividade funcional,

doravante CF, oferece um índice de natureza biológica que caracteriza a interação

entre as diferentes áreas do cérebro envolvidas em uma tarefa; esse índice descreve

mudanças na sincronização da ativação entre os diferentes centros de ativação em

uma tarefa. A premissa que apresentamos e testamos neste estudo, e em outros

estudos de RMF, é de que redes neurais de larga escala, como a rede recrutada para

o processamento da linguagem, são formadas por centros computacionais separados

pela topografia do cérebro, mas que colaboram para executar tarefas cognitivas

complexas (Just et al., 2004). Neste sentido, a CF, como um índice de sincronização

entre essas redes, é um índice que pode indicar maior ou menor colaboração entre

os centros. Uma maneira de medir a CF é a computação da correlação (Büchel, Coull,

Friston, 1999; Friston, 1994, 2005) ou covariância (Horwitz, Rumsey, Donohue, 1998;

Horwitz, 2003) entre os níveis de ativação em dois centros ativados em uma tarefa.

Em especial, a CF, como definida por Friston (1994) (definição também adotada neste

capítulo), refere-se à correlação entre a os índices de ativação no tempo e entre duas

áreas. Uma maior correlação entre duas áreas em uma tarefa em comparação com

a correlação em outra tarefa sugere uma sincronização sistemática entre as regiões

investigadas. A variabilidade na sincronização pode ser modulada por diferentes fa-

tores, como dificuldade da tarefa, por exemplo. Essa sincronização é tomada como

evidência de conectividade funcional entre áreas do cérebro.

No contexto da neuroimagem funcional, a conectividade funcional serve como

evidência indireta de uma comunicação ou colaboração entre diferentes áreas do

cérebro. Neste estudo, a análise da CF foi utilizada para caracterizar a sincronização

entre as áreas dos lobos frontal e temporal do hemisfério esquerdo e que compõe a

rede da linguagem do cérebro humano, bem como as áreas homólogas do hemisfério

direito. A CF, neste estudo, foi investigada entre as áreas chave para a compreensão

augusto buchweitz et al. 253

auditiva e foi feita a comparação entre a sincronização na compreensão em L1 e em

L2. A hipótese do estudo era que a CF na compreensão em L2 seria maior do que esta

na compreensão em L1. A maior sincronização entre as áreas da rede da linguagem

representaria um mecanismo de adaptação neural à compreensão em L2, que, em

geral, apresenta-se como um processo de compreensão mais difícil em comparação

com a L1 em termos dos aspectos de integração da informação. Entretanto, apesar

desta maior dificuldade, a nossa hipótese é de que a compreensão auditiva em L2

estaria bastante automatizada neste grupo de bilíngues proficientes e imersos em

L2. Essa hipótese de conectividade faz parte de uma proposta teórica maior de que a

conectividade é um mecanismo de adaptação do cérebro a tarefas de compreensão

de nível superior, como, por exemplo, integração da informação e inferenciação (Prat,

Just, 2008). Estudos de neuroimagem e cognição mostram que há um aumento na

CF entre áreas da linguagem; este aumento é positivamente correlacionado com o

aumento da dificuldade de uma tarefa de compreensão em leitores proficientes em

comparação leitores menos proficientes (Prat, Keller, Just, 2007).

Até o presente momento, não há estudos que tenham identificado alterações na

sincronização da atividade nas regiões frontais e temporais da rede da linguagem em

participantes bilíngues. Entretanto, um estudo que investigou os correlatos neurais

em uma tarefa de memória em bilíngues identificou um aumento na sincronização

entre áreas posteriores do cérebro (sulco parietal inferior e cerebelo) em bilíngues

altamente proficientes em comparação com bilíngues menos proficientes (Majerus

et al., 2008). Para o presente estudo, uma diferença na sincronização entre áreas

frontais e posteriores do cérebro envolvidas no processamento da linguagem su-

geriria a existência de um mecanismo de adaptação à compreensão da linguagem

em L2 em bilíngues tardios e altamente proficientes.

METODOLOGIA

Participantes

Doze participantes falantes de português como L1 e inglês como L2 (oito ho-

mens), média de idade 29,9 anos (desvio padrão = 5,74; mínimo 20 anos, máximo

40 anos; todos destros) foram recrutados para o estudo. Cada participante assinou

um termo de consentimento informado aprovado pelo University of Pittsburgh and

Carnegie Mellon University Institutional Review Boards.

a compreensão de bilíngues proficientes...254

Idade de aquisição

Os participantes do estudo caracterizam-se por serem bilíngues tardios. Com

exceção de um participante, todos iniciaram a aprendizagem da L2 na pré-adoles-

cência ou adolescência (entre 10 e 15 anos; a exceção iniciou aos 22 anos) (média =

13,08 anos; desvio padrão= 3,1; mínimo 10 anos, máximo 22 anos).

Proficiência

Onze participantes estavam, no momento do estudo, matriculados em cursos

de pós-graduação; um participante estava no último ano da graduação, todos em

Pittsburgh, nos Estados Unidos (Carnegie Mellon University, University of Pittsburgh,

Duquesne University). O histórico estudantil dos participantes era equiparável, todos

haviam sido aprovados em testes de proficiência e de admissão para o nível de pós-

-graduação (Graduate Record Examination, GRE; Graduate Management Admission

test, GMAT; TOEFL). Em alguns casos, os testes haviam sido feitos até cinco anos

antes do estudo; desta forma, esses testes, apesar de indicarem a boa proficiência

em L2, foram considerados como medidas desatualizadas da proficiência em L2.

Portanto, os participantes preencheram também um questionário autoavaliativo

sobre a sua proficiência em linguagem (adaptado de hasegawa, Carpenter, Just,

2002). O questionário apresentava uma escala autoavaliativa sobre a proficiência

em leitura e compreensão auditiva em inglês (escala de 0,0 – 5,0 em intervalos de

0,5; 1.0 = baixa proficiência; 5.0 = alta proficiência) (resultados da avaliação para

compreensão auditiva: M = 4,15; DP = 0,71). Dez participantes também fizeram uma

estimativa de quantas horas por dia eram despendidas com compreensão auditiva

em inglês em sala de aula, no trabalho e em conversação (M = 6,3 h, DP = 3,6 h).

Escâner de RMF e parâmetros de aquisição

Utilizou-se um escâner Siemens Allegra 3.0 Tesla scanner em conjunção com

uma bobina de crânio. A prescrição utilizada foi de 16 imagens oblíquo-axiais com

o intuito de maximizar a cobertura de todo o córtex. As imagens foram coletadas

utilizando uma sequência EPI de aquisição com TR = 1000 ms, TE = 30 ms, ângulo

= 60° e uma matriz de aquisição de 64 x 64 com voxels de 3,135 mm x 3,125 mm x

5 mm e espaçamento (gap) de 1 mm. O volume escaneado foi construído a partir

de imagens oblíquo-axiais 160 3DMPRAGE colatedas com TR = 1000 ms, TE = 3,34

ms, ângulo de 7º e um FOV (field of view) de 256 x 256, o que resulta em voxels de

1 mm x 1 mm x 1 mm.

augusto buchweitz et al. 255

Estímulo

O estímulo do estudo incluía 24 frases, das quais 12 eram em inglês e 12 em

português. As frases eram afirmações sobre questões de conhecimento geral, como

“Languages that are conjectured to be romance languages include Italian and Spanish”.

As frases foram controladas em termos de tópico, extensão (12-16 palavras) e duração

da apresentação (6s). As frases em inglês foram gravadas por um falante nativo;

aquelas em português, por um dos autores deste capítulo (AB), falante nativo de

português. A preparação do estímulo obedeceu aos seguintes critérios: as frases

foram gravadas em formato digital, produzidas com pouca ou nenhuma prosódia,

editadas para manutenção de um volume uniforme (Goldwave v5.06, Goldwave

inc.); foram ainda editadas para durarem seis segundos. Os participantes tiveram

de responder “verdadeiro” ou “falso” em relação às frases que escutaram.

Procedimentos de pesquisa

Os participantes foram acomodados da melhor maneira possível dentro do

escâner. Um pequeno espelho preso à bobina de crânio foi utilizado para que o

participante enxergasse a tela de estímulo, onde as perguntas (verdadeiro ou falso)

eram apresentadas. As frases (compreensão auditiva) foram reproduzidas via fones

de ouvido especialmente desenvolvidos para o ambiente da ressonância magnéti-

ca. Esses fones cobrem as orelhas do participante e diminuírem o barulho emitido

pela ressonância durante o exame. Durante a reprodução das frases, um “X” era

apresentado no centro da tela de estímulo. Após a reprodução, a tela apresentava a

pergunta a ser respondida pelo participante. O tempo de resposta dos participantes

foi monitorado. A apresentação do estímulo e a monitoração das respostas foram

efetuados utilizando o programa Coglab Experimental Software; cada frase foi

reproduzida separadamente (frases em inglês ou em português).

As frases foram reproduzidas em dois blocos separados (dois blocos de frases

em português, dois blocos de frases em inglês). A ordem de apresentação dos blo-

cos foi balanceada entre os participantes. Antes da reprodução de cada frase, os

participantes receberam uma pista que o estímulo iria iniciar (“Ready”); essa pista

foi apresentada por um segundo. Em seguida, a apresentação do estímulo era sin-

cronizada com a aquisição de imagens pela ressonância (“gating”, em inglês); cada

frase era reproduzida durante seis segundos. Subsequentemente, o participante

tinha de responder verdadeiro ou falso, apertando botões de mouse.

Vinte e cinco porcento das perguntas eram falsas. Entre cada bloco de seis frases,

um descanso de 10 segundos ou 30 segundos era apresentado (um “X” no centro

da tela). Havia quatro descansos de 30s, que foram utilizados como a condição de

a compreensão de bilíngues proficientes...256

linha de base (“baseline”, em inglês). Durante o descanso, os participantes foram

instruídos a descansar e tentar não pensar em coisa alguma. Os descansos de 30s

foram utilizados no modelo de análise dos dados como a base de comparação com

cada condição (compreensão em português e compreensão em inglês). Os descansos

de 10s entre blocos não foram incluídos no modelo de análise dos dados.

Análise de dados de RMF

Distribuição da ativação neural

Os dados de RMF foram analisados utilizando o software SPM2 (Wellcome

Department of Cognitive Neurology). As imagens foram corrigidas utilizando técnicas

de pré-processamento (tempo da aquisição dos cortes, correção de movimento,

normalização utilizando o “template” do Montreal Neurological Institute (MNI)

template, 2-mm x 2-mm x 2-mm voxels, and smoothed with an 8-mm Gaussian

kernel to decrease spatial noise.

A análise estatística foi realizada nos dados individuais de cada participante, e

em grupo, utilizando-se o modelo linear generalizado implementado no software

SPM2 (Friston et al., 1996). O modelo de cada participante incluiu regressores para

cada uma das condições de interesse (inglês e português) e para a condição de

descanso de 30s, convolvidos com a função hemodinâmica canônica do SPM2. Os

descansos de 10s não foram incluídos no modelo. Para comparar a distribuição de

ativação nas diferentes condições experimentais, análises com teste t de grupo foram

realizadas utilizando um modelo de efeitos aleatórios (Friston et al., 1999) a partir

das imagens do contraste de compreensão de frases versus a fixação (descanso)

(um por participante e por contraste). Todos os mapas t para cada contraste foram

calculados em todo o volume cortical e utilizou-se o limiar de p < .001 e de extensão

de 20 voxels. Os mapas estatísticos de ativação foram superpostos no “template”

individual do SPM2; esse template é de alta resolução, normalizado e cuja imagem

é ponderada em T1. As coordenadas de ativação foram confirmadas em espaço MNI

(Tzourio-Mazoyer et al., 2002). Na comparação entre as condições, “mais ativação”

em uma condição do que em outra foi operacionalizada de duas maneiras: (1) um

maior volume de tecido cortical é ativado; (2) o mesmo tecido é mais ativado (em

termos de amplitude) (Just et al., 1996).

augusto buchweitz et al. 257

Conectividade funcional

As regiões funcionais de interesses (fROI na sigla em inglês) foram definidas

para incluir os principais clusteres de ativação para os mapas de ativação neural

em grupo a um limiar de t = 4,02 para os dois contrastes principais: inglês > fixação

(descanso) e português > fixação (descanso). Para cada contraste, uma esfera que

define a região funcional de interesse (doravante RFI) foi estabelecida de modo a

capturar, da melhor maneira possível, a ativação de uma região de interesse. O raio

das esferas variou de 6 a 9 mm. O conjunto de RFIs incluiu uma região no giro frontal

inferior esquerdo (GFIE) e outra no giro frontal inferior direito (GFID); duas regiões

no giro temporal médio esquerdo (uma mais anterior e outra mais posterior, GTME e

GTME post); e uma região no giro temporal médio direito (GTMD). As coordenadas

(MNI) para as regiões e os seus raios estão descritos abaixo (Tabela 1).

Tabela 1: Regiões funcionais de interesse.

Região Coord. MNI raio

X y Z

GFIE -40 20 -2 9

GTME -54 -10 -16 6

GTME post -58 -46 2 6

GFID 42 12 26 6

GTMD 54 -36 0 8

G = giro; M = médio; T = temporal; F = frontal; D = direito; E = esquerdo

A conectividade funcional foi computada separadamente para cada participante

por meio de uma correlação entre a média do sinal obtido da união dos voxels ativados

em cada par de regiões de interesse, ao longo do tempo. A conectividade funcional

foi medida para cada participante, em cada uma das condições e utilizando as regiões

de interesse descritas acima. A ativação extraída para cada participante (dos voxels

ativados dentre cada região de interesse) foi baseada nas imagens normalizadas e

borradas (processo de smoothing, em inglês); utilizou-se um filtro passa-baixo e a

tendência linear foi removida. O critério de inclusão para análise (como análise de

correlação para a CF) era que houvesse ao menos 12 voxels ativos em cada uma das

regiões de interesse de um par de regiões analisadas para a conectividade funcional.

a compreensão de bilíngues proficientes...258

A correlação entre a ativação para cada par de regiões de interesse foi computada

apenas nas imagens que pertenciam a cada condição experimental, subtraídas da

condição de linha de base (fixação). Portanto, a correlação reflete a interação entre

a ativação de duas áreas enquanto o participante executava cada uma das tarefas.

A transformação Z de Fisher foi utilizada para os coeficientes de correlação obtidos

para cada participante antes do cálculo das médias e da análise estatística.

RESULTADOS

Resultados comportamentais: bilíngues mantêm o nível de compreensão, mas

o tempo de resposta aumenta em L2

O tempo de resposta às perguntas V ou F para as frases em L2 foi mais lento do

que o tempo de resposta às frases em L1. Em inglês (L2), os tempos de resposta foram

M = 1180,07 ms (Erro Padrão (EP) = 93,47 ms) e português M = 907,55 ms (EP = 95,18

ms) (test t pareado; bicaudal; 11 graus de liberdade; p < 0,001). O nível de acurácia

nas respostas foi equivalente entre as línguas (não houve diferença significativa)

(acurácia em inglês = 0,89 (EP = 0,04); acurácia em português = 0,90 (EP = 0,03).

Resultados RMF: ativação semelhante em L1 e L2 na rede neural da linguagem

As tarefas de compreensão em inglês e português tiveram como resultado

ativação nas mesmas áreas da rede neural da linguagem do hemisfério esquerdo,

bem como de áreas homólogas do hemisfério direito. Na tarefa em língua ingle-

sa, identificou-se ativação de áreas localizadas na região do giro frontal inferior

esquerdo, e bilateralmente nas regiões dos giros temporais médios e superiores.

Houve, portanto, uma semelhança marcante na ativação em ambas as línguas nas

áreas associadas com processos superiores de linguagem (Tabelas 2 e 3; Figura 1). A

comparação direta entre a ativação em português e inglês não apresentou diferenças

significativas entre as duas línguas; em outras palavras, para estes bilíngues profi-

cientes, a tarefa de compreensão executada recrutou as mesmas áreas do cérebro.

augusto buchweitz et al. 259

Figura 1: Mapas de áreas de ativação na rede neural da linguagem em L1 e L2; p < 0,001 sem correção para múltiplas comparações; T = 4,02; limiar mínimo de voxels ativos no cluster = 20. Elipses anteriores ressaltam a ativação do giro frontal inferior esquerdo em inglês e português. Elipses posteriores (menores) ressaltam a ativação dos giros temporal posterior e superior esquerdos em inglês e português. Os mapas de ativação sugerem a semelhança entre as áreas recrutadas em inglês e português. A comparação direta entre os dois contrastes acima não mostrou diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05, com correção de erros por família de testes).

Tabela 2: Ativação da rede neural da linguagem e áreas do hemisfério direito em L2 (inglês > fixação).

Lobo e centroide Cluster TCoordenada MNI

x y Z

Frontal

Giro frontal inf. esq. 1215 8,11 -54 16 10

Giro pré-central esq. 210 6,54 -40 2 50

Área motora suplementar esq. 432 6,53 -6 22 48

Giro frontal inf. dir. 224 6,50 38 14 30

Giro frontal inf. dir. 80 6,28 44 30 -12

Temporal

Giro temporal superior dir. 2519 15,57 48 -14 4

a compreensão de bilíngues proficientes...260

Lobo e centroide Cluster TCoordenada MNI

x y Z

Giro temporal médio dir.

Giro temporal médio esq. 3898 14,63 -60 -20 -8

Giro temporal superior esq.

Giro lingual dir. 497 8,23 20 -92 -8

Ocipital

Giro ocipital médio dir. 23 5,08 34 -94 8

Sulco calcarino esq. 86 4,78 -10 -90 -14

Putamen esq. 28 4,42 -20 2 8

p < 0,001 sem correção para comparações múltiplas; T = 4,02; cluster = número de voxels ativos; limiar

mínimo de voxels ativos no cluster = 20; valor de T e coordenadas MNI são para os picos de ativação em

cada cluster apenas (Automated Anatomical Labeling (AAL);(Tzourio-Mazoyer et al., 2002)).

Tabela 3: Ativação da rede neural da linguagem e áreas do hemisfério direito em L1 (por-tuguês > fixação).

Lobo e centroide Cluster TCoordenada MNI

x y Z

Frontal

Giro pré-central esq. 244 9,97 -36 -2 58

Área motora suplementar esq. 749 7,09 -2 4 62

Giro frontal inf. esq. 534 6,86 -44 4 26

Giro frontal inf. dir. 260 5,69 46 18 26

Giro frontal sup. esq. 123 5,66 -12 42 50

Giro pré-central dir. 21 4,88 46 -14 60

Tabela 2 (continuação): Ativação da rede neural da linguagem e áreas do hemisfério direito em L2 (inglês > fixação).

augusto buchweitz et al. 261

Lobo e centroide Cluster TCoordenada MNI

x y Z

Temporal

Giro temporal médio esq. 3673 25,92 -62 -22 -6

Giro temporal superior esq.

Giro temporal superior dir. 2924 15,29 62 -26 8

Giro temporal médio dir.

Ocipital

Giro ocipital superior dir. 31 6,35 28 -76 18

Giro fusiforme esq. 119 6,02 -48 -58 -20

Núcleo caudado dir. 27 5,91 10 6 22

Núcleo caudado esq. 37 5,73 -18 30 0

Giro ocipital inferior esq. 40 5,07 -40 -76 -12

p < 0,001 sem correção para comparações múltiplas; T = 4,02; cluster = número de voxels ativos; limiar

mínimo de voxels ativos no cluster = 20; valor de T e coordenadas MNI são para os picos de ativação em

cada cluster apenas (Automated Anatomical Labeling (AAL);(Tzourio-Mazoyer et al., 2002)).

Conectividade funcional: maior sincronização de atividade entre áreas da

linguagem na tarefa em L2 em comparação com a tarefa em L1

Houve um aumento na conectividade funcional entre as áreas da rede da lingua-

gem na tarefa de compreensão em L2. A comparação entre L2 e L1 indica que em L2

houve uma maior sincronização na atividade neural entre áreas frontais e temporais,

em ambos os hemisférios, envolvidas no processamento da linguagem (Figura 2).

Tabela 3 (continuação): Ativação da rede neural da linguagem e áreas do hemisfério direito em L1 (português > fixação).

a compreensão de bilíngues proficientes...262

Figura 2: Aumento na conectividade funcional nas regiões frontais e temporais da rede neural da linguagem (comparação L2 e L1). O aumento na conectividade funcional foi observado na comparação da correlação entre os escores Z para os pares de áreas descritos acima em L2 em comparação com a correlação destes escores em L1; (*) = p < 0,05; (**) = p < 0,01. G = giro; M = médio; T = temporal; F = frontal; D = direito; E = esquerdo.

Há muitos fatores que podem estar relacionados com o aumento da conectivi-

dade funcional. Por exemplo, por um lado técnico, com o aumento da intensidade de

sinal, pode haver uma redução no ruído do sinal extraído de cada região de interesse,

o que poderia permitir que a correlação aumentasse. Entretanto, considerando-se

que a magnitude da ativação foi comparável em ambas as tarefas, os dados sugerem

que o aumento da sincronização possa ser efeito de um aumento na sincronização, e

não apenas um efeito de um sinal de melhor qualidade na tarefa em L2. Um aumento

efetivo na sincronização significa que um componente da resposta hemodinâmica

alterou-se em uma ou ambas as áreas envolvidas, de maneira que, por exemplo, os picos

e vales das ativações estejam mais proximamente correlacionados em L2 do que L1.

DISCUSSÃO

Uma das maneiras que o cérebro dos bilíngues tardios incluídos neste estudo

adapta-se à maior demanda computacional da compreensão em língua estrangeira é

por meio de um aumento na sincronização da ativação neural das áreas da linguagem.

O achado principal deste estudo, de que há um aumento na sincronização entre as

áreas da rede da linguagem em L2, sugere um mecanismo cognitivo de adaptação

ao processo de compreensão de linguagem em L2 por bilíngues tardios, que subjaz

a habilidade dos bilíngues tardios (mas proficientes) de manter o mesmo nível de

compreensão em L1 e L2.

augusto buchweitz et al. 263

O aumento na sincronização sugere um mecanismo de adaptação à compreensão

em L2 em regiões do cérebro em que a coordenação da atividade inter-regional (ou

seja, entre estas áreas) é crucial para a compreensão. A compreensão em L2 envolve

processos cognitivos adquiridos por estes bilíngues tardiamente e enquanto imersos

culturalmente em um país estrangeiro. O desempenho de uma nova tarefa cognitiva

normalmente requer que regiões do cérebro se reconfigurem, de maneira dinâmica e

de maneira a formar uma rede apropriada para executar a tarefa (Just et al., 2004). Essa

reconfiguração, por vezes, envolve o recrutamento de áreas adicionais ou adjacentes a

outras áreas cerebrais envolvidas em um processo. No presente estudo, identificamos

um mecanismo de adaptação ao processamento em L2, mas que, neste caso, não envol-

veu a reconfiguração da topografia das áreas ativadas (por exemplo, ativação de áreas

adjacentes à rede neural da linguagem, ou de áreas não ativadas no processamento de

L1), e nem a alteração da magnitude de ativação. Identificamos, isto sim, uma melhora

na sincronização da atividade inter-regional da rede neural da linguagem.

Na compreensão em L1, estabelece-se uma rede cortical de áreas que são recru-

tadas ao processar a linguagem. O presente estudo sugere que os bilíngues tardios

utilizam-se das mesmas áreas de processamento da linguagem para L1 e para L2;

esse dado sugere que, em termos da topografia das áreas recrutadas e magnitude

de ativação delas, os processos de compreensão de linguagem em L1 e L2 são se-

melhantes. Esse resultado corrobora estudos prévios que mostram que bilíngues

proficientes utilizam as mesmas áreas para processar a L1 e a L2 (ver, p.ex., perani,

Abutalebi, 2005, para uma revisão).

Neste estudo, não há dados longitudinais que possam mostrar se a diferença

entre a ativação em L1 e L2 diminuiu em função do aumento da proficiência em L2;

entretanto, outros estudos já mostraram que há equiparação entre a ativação neural

em L1 e L2 em bilíngues proficientes, bem como há diferenças significativas entre

a ativação neural em L1 e L2 em bilíngues de níveis de proficiência intermediários

ou introdutórios (Buchweitz et al., 2009; Hasegawa, Carpenter, Just, 2002; Illes

et al., 1999; Wartenburger et al., 2003). Com o aumento da proficiência, habilidade

em L2 e, consequentemente, com o aumento da automaticidade dos processos de

compreensão em L2, o cérebro bilíngue tende a recrutar redes neurais semelhantes

para a compreensão da linguagem.

O nível de proficiência em L2 é um dos fatores mais investigados em estudos

de neuroimagem e processamento de linguagem em L1 e L2. Estudos mostram que

quanto maior a proficiência, maior a semelhança na ativação neural em bilíngues

(Perani, Abutalebi, 2005; Perani et al., 1998). Estudos também identificaram uma

semelhança nas redes neurais ativadas por bilíngues proficientes para tarefas que

envolvem processamento semântico e compreensão de frases (Illes et al., 1999;

Perani et al., 1998) e geração de palavras (Chee, Tan, Thiel, 1999). Evidentemente,

a compreensão de bilíngues proficientes...264

nem todos os bilíngues atingem o mesmo nível de habilidade de compreensão e de

automaticidade em L1 e L2. Portanto, faz sentido investigar um grupo controlado

de bilíngues, que é usualmente uma população bastante heterogênea em termos

de habilidades linguísticas e idade de aquisição.

Estudos de neuroimagem e aprendizagem humana mostram que a prática, o

exercício, estão correlacionados com um decréscimo na ativação neural; enquanto os

aprendizes evoluem de processos iniciais mais controlados e estratégicos para processos

mais automáticos, há uma diminuição no recrutamento de recursos neurais (ver, p.ex.,

Chein, Schneider, 2005). Outros pesquisadores (Tatsuno, Sakai, 2005) identificaram um

decréscimo na atividade neural no giro frontal inferior esquerdo em função da habilidade

em L2. Em outras palavras, quanto maior a proficiência em L2, menor a ativação desta

região frontal envolvida com o processamento da linguagem. Neste sentido, estudos de

neuroimagem com bilíngues mostram que aqueles de proficiência intermediária em L2

apresentam maior amplitude e distribuição de ativação neural (isto é, áreas adjacentes

às áreas ativadas em L1 e áreas novas em relação às áreas em L1) em tarefas de compre-

ensão leitora e auditiva (Buchweitz et al., 2009; Hasegawa, Carpenter, Just, 2002). O

aumento significativo na ativação em L2, na qual os bilíngues são menos proficientes, em

comparação com a L1 pode estar associado com a utilização de processos cognitivos mais

controlados (em comparação com processos mais automáticos em L1, especialmente,

no caso deste estudo, em compreensão auditiva). Processos controlados e estratégicos,

comparativamente a processos cognitivos mais automáticos, associam-se a um maior

nível e volume de ativação de áreas corticais (Schneider, 2003).

O presente estudo de neuroimagem mostra que a ativação neural associada com a

compreensão em L1 é significativamente equiparável com aquela da compreensão em L2

para bilíngues tardios mas proficientes. O estudo mostra também que há um aumento

estatisticamente significativo na sincronização entre áreas da rede da linguagem dos

lobos frontal e temporal na compreensão em L2 em comparação com a L1. Por um lado,

a semelhança na ativação em ambas as línguas sugere que, assim como em outros pro-

cessos de aprendizagem do ser humano, há uma diminuição nas diferenças de recursos

corticais recrutados por processos mais automatizados (neste caso, a compreensão em

L1) e recursos necessários para a execução de uma tarefa. Por outro, a diferença, ou

aumento, na sincronização das áreas do cérebro associadas com a linguagem destes

bilíngues sugere um mecanismo de adaptação à tarefa em L2. Em suma, o cérebro dos

bilíngues tardios e proficientes utiliza-se das mesmas áreas para processar a L1 e a L2,

mas apresenta também um mecanismo adaptativo de maior comunicação entre as áreas

da linguagem. Uma questão para futura investigação pode ser investigar o cérebro de

bilíngues precoces que, sabe-se, também recruta basicamente as mesmas áreas para

o processamento de L1 e L2 para verificar se há, nestes casos, também um aumento na

comunicação entre as áreas da rede neural do cérebro.

augusto buchweitz et al. 265

REFERÊNCIAS

BÜCHEL, C.; COULL, J. T.; FRISTON, K. J. The predictive value of changes in effective connectivity for human learning. Science, (New York, N. Y.), v. 283, n. 5407, p. 1538-–41, 5 mar. 1999.

BUCHWEITZ, A. et al. Japanese and English sentence reading comprehension and wri-ting systems: an fMRI study of first and second language effects on brain activation. Bilingualism Cambridge England, v. 12, n. January, p. 141-–151, 2009.

CHEE, M. W.; TAN, E. W.; THIEL, T. Mandarin and English single word processing studied with functional magnetic resonance imaging. The Journal of Neuroscience : The Official Journal of the Society for Neuroscience, v. 19, n. 8, p. 3050-–6, 15 abr. 1999.

CHEIN, J. M.; SCHNEIDER, W. Neuroimaging studies of practice-related change: fMRI and meta-analytic evidence of a domain-general control network for learning. Brain research. Cognitive brain research, v. 25, n. 3, p. 607-–23, dez. 2005.

CONSTABLE, R. T. et al. Sentence complexity and input modality effects in sentence comprehension: an fMRI study. NeuroImage, v. 22, n. 1, p. 11-–21, maio. 2004.

FRISTON, K. J. Functional and effective connectivity in neuroimaging: A synthesis. Human Brain Mapping, v. 2, n. 1-2, p. 56-–78, 13 out. 1994.

______. et al. Spatial Registration and Normalization of Images,. v. 189, n. 1995, 1996.

______. et al. Stochastic designs in event-related fMRI. NeuroImage, v. 10, n. 5, p. 607-–19, nov. 1999.

______. Models of brain function in neuroimaging. Annual Review of Psychology, v. 56, p. 57-–87, jan. 2005.

HASEGAWA, M.; CARPENTER, P. A; JUST, M. A. An fMRI study of bilingual sentence comprehension and workload. NeuroImage, v. 15, n. 3, p. 647-–60, mar. 2002.

HORWITZ, B. The elusive concept of brain connectivity. NeuroImage, v. 19, n. 2, p. 466-–470, jun. 2003.

______; RUMSEY, J. M.; DONOHUE, B. C. Functional connectivity of the angular gyrus in normal reading and dyslexia. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 95, n. 15, p. 8939-–44, 21 jul. 1998.

ILLES, J. et al. Convergent cortical representation of semantic processing in bilinguals. Brain and language, v. 70, n. 3, p. 347-–63, dez. 1999.

ISEL, F. et al. Neural circuitry of the bilingual mental lexicon: effect of age of second language acquisition. Brain and cognition, v. 72, n. 2, p. 169-–80, mar. 2010.

JOBARD, G. et al. Impact of modality and linguistic complexity during reading and liste-ning tasks. NeuroImage, v. 34, n. 2, p. 784-–800, 15 jan. 2007.

JUST, M. A et al. Brain activation modulated by sentence comprehension. Science, (New York, N. Y.), v. 274, n. 5284, p. 114-–6, 4 out. 1996.

a compreensão de bilíngues proficientes...266

JUST, M. A. et al. Cortical activation and synchronization during sentence comprehension in high-functioning autism: evidence of underconnectivity. Brain : a Journal of Neurology, v. 127, n. Pt 8, p. 1811-–21, ago. 2004.

KELLER, T. A.; CARPENTER, P. A.; JUST, M. A. The neural bases of sentence comprehen-sion: a fMRI examination of syntactic and lexical processing. Cerebral cortex, (New York, N. Y., : 1991), v. 11, n. 3, p. 223-–37, mar. 2001.

KELLER, T. A.; CARPENTER, P. A.; JUST, M. A. Brain imaging of tongue-twister sentence comprehension: twisting the tongue and the brain. Brain and language, v. 84, n. 2, p. 189-–203, fev. 2003.

KIM, K. H. et al. Distinct cortical areas associated with native and second languages. Nature, v. 388, n. 6638, p. 171-–4, 10 jul. 1997.

MAJERUS, S. et al. Neural networks for short-term memory for order differentiate high and low proficiency bilinguals. NeuroImage, v. 42, n. 4, p. 1698-–713, 1º out. 2008.

MASON, R. A.; JUST, M. A. Neuroimaging contributions to the understanding of discourse processes. In: [s.l: s.n.].

MICHAEL, E. B. et al. fMRI investigation of sentence comprehension by eye and by ear: modality fingerprints on cognitive processes. Human brain mapping, v. 13, n. 4, p. 239-–52, ago. 2001.

PERANI, D. et al. The bilingual brain. Proficiency and age of acquisition of the second language. Brain : a Journal of Neurology, v. 121, (Pt 1, p. 1841-–52, out. 1998.

______; ABUTALEBI, J. The neural basis of first and second language processing. Current opinion in neurobiology, v. 15, n. 2, p. 202-–6, abr. 2005.

PRAT, C. S.; JUST, M. A. Brain Bases of Individual Differences in Cognition,. n. May, 2008.

______; KELLER, T. A.; JUST, M. A. Individual differences in sentence comprehension: a functional magnetic resonance imaging investigation of syntactic and lexical processing demands. Journal of Cognitive Neuroscience, v. 19, n. 12, p. 1950-–63, dez. 2007.

PRICE, C. J. The anatomy of language: a review of 100 fMRI studies published in 2009. Annals of the New York Academy of Sciences, v. 1191, p. 62-–88, mar. 2010.

SHIFFRIN, R. M. Psychological Review,. n. 2, 1977.

TATSUNO, Y.; SAKAI, K. L. Language-related activations in the left prefrontal regions are differentially modulated by age, proficiency, and task demands. The Journal of Neuroscience : The Official Journal of the Society for Neuroscience, v. 25, n. 7, p. 1637-–44, 16 fev. 2005.

TZOURIO-MAZOYER, N. et al. Automated anatomical labeling of activations in SPM using a macroscopic anatomical parcellation of the MNI MRI single-subject brain. NeuroImage, v. 15, n. 1, p. 273-–89, jan. 2002.

WARTENBURGER, I. et al. Early setting of grammatical processing in the bilingual brain. Neuron, v. 37, n. 1, p. 159-–70, 9 jan. 2003.

267

A AVALIAÇÃO DE HABILIDADES LINGUÍSTICAS EM L2: UMA QUESTÃO METODOLÓGICA EM ESTUDOS DE

INFLUÊNCIAS TRANSLINGUÍSTICAS

Ricardo Augusto de Souza Denise Duarte

Isadora Barreto Berg (Universidade Federal de Minas Gerais)

INTRODUÇÃO

O presente capítulo relata desenvolvimentos recentes em uma frente de estu-

dos que fomenta a pesquisa sobre a representação mental de mais de uma língua e

o processamento da linguagem por indivíduos bilíngues1, trabalho este desenvolvido

no contexto do Laboratório de Psicolinguística da Faculdade de Letras da UFMG, em

vínculo com o grupo de pesquisa Intermapas: Estudos Empíricos de Mapeamentos de

Semântica, Sintaxe e Fonologia em Segunda Língua, e em parceria com pesquisadores

do Departamento de Estatística da UFMG. Cabe ressaltar, contudo, que a frente de

trabalho na qual se insere o estudo em andamento cujos resultados parciais serão aqui

relatados tem origens que devem ser remontadas a um ambiente amistoso à investi-

gação de aspectos cognitivos e linguísticos da aquisição de segunda língua (doravante

L2) dentro dessa instituição. Este ambiente acolheu projetos de pesquisa no bojo

dos quais surgiram as problematizações metodológicas que conduziram à frente de

estudo ora apresentada, projetos esses que tiveram vínculo ao trabalho de pesquisa

desenvolvido há vários anos na Faculdade de Letras da UFMG sobre a aprendizagem

de línguas estrangeiras e sobre as interfaces entre linguagem, cultura e cognição.

Nossa ressalva acerca da origem do trabalho ora relatado remontar a um tempo

anterior à constituição do presente Laboratório de Psicolinguística da Faculdade de

Letras da UFMG nos parece necessária em virtude de duas razões. A primeira diz

1 Neste capítulo, seguiremos Myers-Scotton (2002), Grosjean (2008) e Grosjean (2010) ao usar-mos a denominação “bilíngue” em referência a indivíduos que são usuários de duas ou mais línguas no desempenho de suas necessidades comunicativas, independentemente do grau de proficiência em cada uma dessas línguas.

a avaliação de habilidades linguísticas em l2268

respeito à própria brevidade histórica da reunião de um grupo de pesquisadores

interessados em psicolinguística experimental, no contexto dos estudos linguísticos

dessa instituição, para a configuração de uma linha de pesquisa dedicada ao proces-

samento da linguagem. A instauração de uma linha de pesquisa em processamento

da linguagem, vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Linguísticos da

Faculdade de Letras da UFMG, foi um evento crucial para o movimento que resultou

na criação formal do espaço do referido laboratório. Além disso, de importância em

nada menor é a percepção de que esta breve recuperação da história da trajetória

deste trabalho faz jus às importantes interlocuções com colegas que hoje se en-

contram atuando em outros laboratórios, grupos e núcleos de pesquisa da UFMG.

1. INFLUÊNCIAS TRANSLINGUÍSTICAS NAS REPRESENTAÇÕES MENTAIS E NO PROCESSAMENTO DA LINGUAGEM POR BILÍNGUES

Um temática de grande importância abordada na pesquisa com falantes de

línguas não maternas desenvolvida no Laboratório de Psicolinguística da UFMG

é a influência translinguística nas representações linguísticas adquiridas e no uso

da linguagem de sujeitos bilíngues. Subjaz à noção de influência translinguística a

hipótese de que em algum nível de representação mental haverá sobreposição de

propriedades do conhecimento das línguas usadas por indivíduos multilíngues. Em

outras palavras, o estudo da influência translinguística assenta-se na hipótese de

que, para sujeitos bilíngues, haverá níveis ou âmbitos da organização cognitiva de

representações mentais da língua x (doravante Lx) e da língua y (doravante Ly) que

poderão se caracterizar por algum tipo de unificação delas.

Impressionisticamente, talvez a ideia de que o conhecimento anterior de

línguas afeta novas línguas que venham a ser aprendidas seja de fácil assimilação.

Aqueles que já aprenderam ou ensinaram uma língua estrangeira provavelmente

presenciaram o surgimento de elementos notórios da língua materna ou de outras

línguas conhecidas na comunicação de aprendizes de L2. Não obstante, a eleição

dessa hipótese como orientação de pesquisa psicolinguística significa seu teste

empírico rigoroso, buscando a testagem do conhecimento da língua materna e

sua ativação como fator efetivo de causalidade dos fenômenos pertinentes, assim

como a delimitação de sua abrangência (ex.: influências translinguísticas, se de fato

existentes, ocorrem sempre em que um aspecto linguístico de duas línguas podem

convergir? Elas se dão em níveis subliminares e basais do processamento linguístico

ou somente após a disponibilização de níveis mais acabados de representação?). O

corolário central dessa orientação de estudos ultrapassa o reconhecimento de que

os falantes de L2 podem recorrer à L1 intencionalmente, como estratégia para a

manutenção eficiente da comunicação. A hipótese de influências translinguísticas

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 269

propõe a emergência de representações mentais subjacentes às línguas faladas por

bilíngues que são qualitativamente diferentes de monolíngues em função do contato

entre línguas. Na pesquisa que tem a hipótese de influências translinguísticas por

objeto busca-se, portanto, a construção e testagem empírica de modelos capazes

de fornecer explicações sobre os fatores de regulação e gerenciamento cognitivo da

ativação das representações de Lx e de Ly. O problema ganha relevância como uma

questão apropriadamente psicolinguística, uma vez que, caso seja de fato possível

falarmos sobre alguma unificação representacional entre Lx e Ly, certamente não

seria intuitivo propor-se uma teoria de unificação absoluta, já que é bastante claro

que sujeitos bilíngues de todas as idades são plenamente capazes de diferenciar com

sutileza situações comunicativas que demandam o emprego de uma das línguas por

eles conhecidas e a supressão do conhecimento da(s) outra(s).

O histórico de estudos científicos que documentaram possíveis influências

translinguísticas no desenvolvimento da aprendizagem e no uso de línguas não

maternas é provavelmente tão antigo quanto o advento da aquisição de segunda

língua como campo das ciências da linguagem, na segunda metade do século XX.

Trata-se, igualmente, de uma frente de investigação nos estudos linguísticos que

sempre esteve fortemente associada a modelos psicológicos da aprendizagem e/

ou da cognição humana. É notório, entretanto, que o foco desses estudos tenha

permanecido majoritariamente sobre influências da L1 sobre a L2, porém não o

inverso, tal como comentaremos mais abaixo.

Selinker (1992) oferece uma narrativa bastante detalhada da história intelectual

da investigação do papel da L1 sobre a L2. Segundo esse autor, os primórdios dessa

linha de pesquisa encontram-se nos esforços de análise sistemática de manifestações

estruturais da L1 na L2 na então emergente linguística aplicada ao ensino de línguas

estrangeiras das décadas de 50 e 60 do século passado. Tratava-se de um empre-

endimento em forte associação com os corolários do movimento behaviorista em

psicologia, papel esse motivado pela busca de previsões de possíveis dificuldades de

aprendizagem de línguas estrangeiras e na elaboração de intervenções pedagógicas que

as sanassem prontamente. Limites na capacidade preditiva deste modelo (cf. Selinker,

1992; Ellis, 2008) resultaram em tentativas de construção de modelos de aquisição

de segunda língua a ele alternativos, nos quais não era conferido papel explanatório

saliente à influência translinguística, cedendo-se lugar a busca de padrões universais

e estritamente linguísticos de desenvolvimento do conhecimento de L2 (cf. Krashen,

1985). Não obstante, tais modelos revelaram-se igualmente modestos, por oferecerem

explicações hipotéticas para um número limitado de estruturas linguísticas.

O interesse em conferir força explanatória à noção de influência translinguís-

tica, na pesquisa em segunda língua, na verdade nunca se perdeu inteiramente. Em

paralelo amadurecimento de propostas de teorização sobre a cognição humana que

a avaliação de habilidades linguísticas em l2270

se apoiam em modelos de processamento da informação e que assumem a noção de

representação mental como possível unidade de análise, associada à compreensão

de que a análise linguística pode valer-se de construtos abstratos, não necessaria-

mente manifestos nas configurações estruturais observáveis nos dados linguísticos,

houve uma diversificação das hipóteses sobre a presentificação do conhecimento

de mais de uma língua na aquisição e no uso de novas línguas. Apenas à guisa de

exemplificação, julgamos interessante mencionar a hipótese de que influências

translinguísticas sejam inibidas pela percepção explícita ou tácita de proximidade

tipológica entre traços linguísticos de Lx e Ly (Kellerman, 1983); a hipótese de que

representações linguísticas preexistentes podem ser facilitadoras na aprendizagem

de uma nova língua (cf. Corder, 1993; Ellis, 2008); e a proposta de que a influência

do conhecimento prévio da L1 não se limite à transferência de estruturas, mas sim

que ele guie o tipo de hipótese, consciente ou não, que um aprendiz faz sobre a

organização de uma nova língua, fomentando, assim, o funcionamento que suas

representações mentais da língua virá a ter (Schachter, 1993).

É também relevante salientar que o foco dos estudos sobre influências trans-

linguísticas ampliou-se significativamente ao longo dos anos. De um início acentua-

damente marcado por interesse em aspectos estritamente fonológicos e sintáticos

(cf. Selinker, 1992), a pesquisa sobre influências translinguísticas desenvolveu-se

em um campo de estudos que contempla todos os níveis da organização e do uso

da linguagem humana. Assim, tal como revisto detalhadamente em Odlin (1989) e

principalmente em Jarvis & Pavlenko (2007), atualmente há bases teóricas e metodo-

lógicas suficientes para a exploração de influências translinguísticas e transculturais

em âmbitos que vão desde a estrutura conceitual e semântica até as interfaces entre

cultura e pragmática linguística.

As influências de Lx sobre as representações de Ly vão ao encontro de um dos

aspectos principais que resulta da pesquisa psicolinguística sobre o bilinguismo:

a compreensão de que os sistemas linguísticos conhecidos por falantes bilíngues

muito provavelmente não funcionam separadamente. Essa compreensão é, segun-

do Hernández, Fernández e Aznar-Besé (2007), um ponto de partida que motiva

a pesquisa contemporânea sobre o processamento da linguagem por bilíngues,

uma vez que um de seus objetivos principais é buscar desvendar e modelar tanto a

arquitetura da representação e das inter-relações de duas ou mais línguas na men-

te quanto os mecanismos cognitivos que apoiam sua ativação durante a atuação

comunicativa do falante.

No trabalho de pesquisa desenvolvido no Laboratório de Psicolinguística da UFMG,

aderimos ao ponto de vista de que um corolário importantíssimo da investigação de

influências translinguísticas no processamento da linguagem por bilíngues é a supe-

ração da ótica de uma direcionalidade constante da L1 para a L2. Esse ponto de vista,

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 271

que confere à L1 um caráter estático, parece ter dominado o modelo e os paradigmas

de estudo das influências translinguísticas na pesquisa em aquisição de segunda

língua de todo o século XX, tal como mencionado brevemente acima. Entretanto,

trata-se de um ponto de vista que vem sendo progressivamente ultrapassado, com o

crescente interesse nas influências do conhecimento de línguas não maternas sobre

as representações da língua materna e os mecanismos que regulam a interação de

ambas classes de representação no processamento linguístico. Essa ampliação de

foco parece-nos principalmente uma reverberação na agenda da pesquisa empírica

de propostas teóricas sobre a natureza das representações linguísticas e sobre seu

uso melhor adequadas à compreensão da realidade bilíngue, tal como o modelo da

multicompetência (cf. Cook, 2003) e o modelo dual da linguagem (cf. Kecskes, 2006).

Igualmente, parece-nos tratar-se de um redirecionamento fomentado pelo crescente

fortalecimento de estudos sobre a erosão e perda linguística, incluindo a língua materna,

estudos esses que complementam e balizam a compreensão adquirida pelo trabalho

em aquisição de segunda língua, tal como proposto por Köpke and Schmid (2004). A

relevância de um ponto de vista mais dinâmico da linguagem humana e das influências

translinguísticas em nosso trabalho é exemplificada em Souza e Oliveira (no prelo).

Nosso grupo de pesquisa tem explorado a aquisição de segunda língua e o

processamento sentencial por bilíngues principalmente a partir de estudos que

se centram em dois fenômenos principais: a representação e o processamento de

marcas de morfologia de flexão e a representação e o processamento de padrões

de realização argumental.

A morfologia de flexão em contexto de línguas não maternas enquadra-se em

um dos problemas principais da pesquisa em aquisição de segunda língua da última

década. Centrado em torno da imensa variabilidade, em contextos gramaticais nos

quais marcas flexionais são obrigatórias, das manifestações morfofonêmicas na fala e

na escrita de bilíngues, o debate em torno da morfologia de flexão em segunda língua

é fomentado por hipóteses que gravitam em torno de duas grandes posições (cf.

Souza & Carneiro, 2009). Uma delas sugere que há um déficit, limitado aos estágios

iniciais da aquisição ou permanente, nas representações sintáticas disponíveis ao

usuário de L2. Um outro conjunto de hipóteses adere à posição de que a variabilidade

na expressão de morfologia de flexão por falantes de L2 pode refletir não um déficit

representacional, mas sim uma divergência da arquitetura subjacente aos mecanismos

de ativação de elementos morfonêmicos. Tal como comentado em Souza (2010b),

trata-se de uma questão fortemente atrelada a modelos da arquitetura global das

representações gramaticais e, portanto, fortemente convidativos à exploração

empírica, uma vez que nesta pode residir a verificação de quadros teóricos que tem

poder explanatório equiparável, mesmo partindo de bases divergentes. O trabalho

de Carneiro (2008) foi erigido dentro dessa vertente de investigação.

a avaliação de habilidades linguísticas em l2272

A realização da estrutura argumental, por sua vez, compreende um campo de

fenômenos linguísticos relacionados principalmente ao mapeamento de aspectos

morfossintáticos de predicadores (especialmente verbos, mas também adjetivos)

à base semântica dos eventos por eles expressos. Por estrutura argumental de

um dado verbo entende-se a propriedade deste verbo de promover a seleção, ou

subcategorização, de um ou mais sintagmas, aos quais são designados papéis te-

máticos (ou semânticos) específicos na composição de sentido proposicional. Tal

como apontado por Levin & Rappaport-Hovav (2005) e outros autores, a realização

argumental apresenta grande variabilidade translinguística, variabilidade essa que se

baseia principalmente nas diferenças com que línguas específicas lexicalizam repre-

sentações semânticas e as codificam em estruturas morfossintáticas. Por exemplo,

a problematização da estrutura argumental no contexto de bilíngues do português

do Brasil e do inglês implica exploração do desenvolvimento de representações lin-

guísticas e da regulação de sua eventual integração ou separação no processamento

linguístico de pares tais quais os ilustrados nas seguintes sentenças2, que ilustram

contrastes usuais na realização argumental entre as duas línguas por meio dos sím-

bolos ? e *, indicativos respectivamente de anomalia ou de agramaticalidade total:

1a- Mark told Zina a story.

1b- ?/*Marcos contou Zina uma estória.

2a- O Marcos casou suas três filhas.

2b- ?/*Mark married his three daughters.

3a- John painted his house yellow.

3b- ?/*João pintou sua casa amarela.

Frente à variabilidade da realização da estrutura argumental nas línguas natu-

rais, não é surpreendente que a representação de sua realização por um falante de

língua não materna configure-se como uma outra frente dos estudos de aquisição

de segunda língua sob perspectivas linguísticas que floresceu notoriamente a partir

de meados da década de 1990 (cf. Juffs, 1996; Montrul, 1998; Montrul, 2001; White,

2003). Em nosso grupo de pesquisa, são exemplificadores deste nicho específico

os trabalhos de Zara (2009), Vilela & Oliveira (2010), Souza (2010a) e Souza (2011).

2 O primeiro par (1a e 1b) ilustra construções ditransitivas, o segundo par (2a e 2b) ilustra cons-truções causativas ou de ação induzida e o terceiro par (3a e 3b) ilustra construções resultativas (onde o sentido é que a casa tornou-se amarela como resultado da pintura). Trata-se de construções que expressam estrutura argumental amplamente investigadas nos estudos linguísticos (cf. Goldberg, 1995).

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 273

Para a condução de trabalho experimental dentro das temáticas e frentes aqui

mencionadas, um aspecto metodológico absolutamente central é o estabelecimento,

em bases psicométricas tão confiáveis quanto possível, de dispositivos e instrumentos

capazes de diferenciar, com eficácia razoável, os perfis de habilidade linguística dos

sujeitos bilíngues, com especial ênfase em suas habilidades linguísticas em língua

não materna. Nas seções seguintes, passaremos a uma breve apresentação deste

problema metodológico e ao relato de uma investigação empírica em andamento

no contexto do Laboratório de Psicolinguística da UFMG, em parceria com pes-

quisadores do Departamento de Estatística da mesma universidade, que visa ao

endereçamento deste problema.

2. O TESTE DE NÍVEIS DE VOCABULÁRIO (VLT) NO CONTEXTO DO EXAME DE HABILIDADES EM INGLÊS COMO SEGUNDA LÍNGUA

O estabelecimento de critérios para a delimitação de perfis de habilidades

linguísticas em L2, ou níveis de proficiência em segunda língua, é uma prática de

grande importância em qualquer tipo de trabalho relacionado a línguas estrangeiras.

A elaboração de métodos eficazes e confiáveis de medição de habilidades linguísticas

para fins diagnósticos, motivada tanto por necessidades de planejamento instrucio-

nal quanto por questões relacionadas aos requisitos linguísticos para desempenho

ocupacional, tem um histórico amplo (cf. Spolsky, 1995; McNamara, 1996). Nesses

contextos, é fácil reconhecermos a necessidade de instrumentos que possibilitem,

por exemplo, que professores e/ou instituições promotoras do ensino de línguas

identifiquem o programa instrucional ideal para um aprendiz que necessite desen-

volver habilidades linguísticas mais sólidas e abrangentes do que as possuídas em

um dado ponto no tempo; ou a necessidade de que uma universidade identifique se

um estudante em potencial, cuja língua dominante é diferente daquela usada majo-

ritariamente na comunidade universitária, possui habilidades linguísticas suficientes

para desempenhar as demandas comunicativas que lhe serão exigidas pela vida

acadêmica. Vários são as baterias de testes, algumas delas altamente padronizadas,

que se destinam a esse tipo de objetivo.

Instrumentos de medição de habilidades linguísticas são dispositivos metodo-

lógicos igualmente cruciais para a pesquisa com usuários de línguas não maternas.

A pesquisa em aquisição de segunda língua claramente necessita de instrumentos

congêneres, no mínimo como fonte de evidência firme da própria ocorrência dos

processos desenvolvimentais que esse campo busca explicar. Além disso, especifica-

mente para a pesquisa em processamento da linguagem por bilíngues, instrumentos

de medição de habilidades linguísticas têm um papel tão absolutamente crítico

quanto nas demais áreas que convergem em questões relativas ao aprendiz e ao

a avaliação de habilidades linguísticas em l2274

usuário de línguas não maternas. Tal como apontado por Daller (2011), há evidências

de que a habilidade linguística (inferida como proficiência) compreende uma vari-

ável que afeta os processos cognitivos subjacentes ao planejamento de enunciados

e a recuperação lexical, assim como potencialmente o tipo e a direcionalidade de

influências translinguísticas no desempenho linguístico de bilíngues. A questão da

medição de níveis de habilidade ou proficiência vem ao encontro, ainda, do objetivo

de que os resultados obtidos em pesquisa com bilíngues possam ser comparáveis.

Este objetivo, tal como enfatizado por Grosjean (1998, 2008), depende da existência

de dispositivos que permitam uma identificação tão explícita e clara quanto possível

dos perfis críticos dos sujeitos de pesquisa, sendo o nível de habilidade linguística

em L2 um perfil crítico de alta relevância, ao lado da idade de início de aquisição das

línguas, preferências de língua para uso em contextos específicos, perfis cognitivos

e aspectos da trajetória de aprendizagem e de socialização via L1 e L2.

Um instrumento de medição de habilidades linguísticas cujo uso tem sido im-

plementado nos estudos de nosso grupo é o Vocabulary Levels Test (VLT), ou teste

de níveis de vocabulário (Nation, 1990). O VLT é um teste publicado para uso local

por professores e escolas que busca gerar inferências sobre a dimensão do léxico

mental em língua inglesa e tem por fundamento o estabelecimento de níveis relacio-

nados a estratos de frequência típica de ocorrência lexemas recorrentes em corpora

geral desta língua. Por ter sido o usuário e o aprendiz do par linguístico português

do Brasil (L1) e inglês (L2) o foco da pesquisa desenvolvida por nosso grupo até o

presente momento, o emprego de um teste capaz de diagnosticar níveis de habi-

lidade linguística no inglês como L2 configura-se como nossa realidade imediata.

A adoção e o estudo da viabilidade do VLT no contexto da pesquisa em nosso

laboratório se dão por um conjunto de razões. A primeira delas é de ordem prática:

a praticidade e rapidez de administração e apuração de resultados deste teste. Cabe

mencionar que um dos objetivos primeiros dos empreendimentos de elaboração

de instrumentos psicométricos semelhantes para fins de pesquisa é a obtenção de

instrumentos rápidos e simples na aplicação, mas confiáveis3. A segunda razão diz

respeito à flexibilidade de adaptação do teste e sua metodologia, tal como apontado

por Schmitt, Schmitt & Clapham (2001), o que o torna um instrumento convidativo

3 Baterias de testes altamente padronizadas utilizadas para fins educacionais e ocupacionais, tais como o Test of English as a Foreign Language (TOEFL) (cf. http://www.toeflgoanywhere.org/) e o International English Language Testing System (IELTS) (cf. http://www.ielts.org/), além de serem propriedade intelectual cujo uso é pago, empregam metodologias complexas de administração (que pode ter a duração total de várias horas) e apuração, o que provavelmente não as torna as mais interessantes para as necessidades de laboratórios de pesquisa experimental.

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 275

à utilização exploratória em contextos de pesquisa específicos e, potencialmente,

com línguas diversas. Por fim, por ter como construto de avaliação o conhecimento

lexical, o VLT é um teste que recobre contingências psicológicas relevantes para

nossa agenda de estudos. O desenvolvimento de níveis amplos de armazenamento

e recuperação de representações lexicais em L2 é um fator associado ao prolon-

gamento da vivência linguística (cf. Cremer et al., 2011), o que, por sua vez, é uma

variável relacionada a níveis maiores de proficiência geral. Além disso, o conhecimento

lexical é concebido como um tipo de representação de memória declarativa (cf.

Paradis, 2004), portanto um tipo de representação compatível com a situação de

bilinguismo adquirido primariamente após a puberdade e em situações de instrução

formal, um perfil altamente típico entre os sujeitos por nós estudados. Finalmente,

do ponto de vista da frente de trabalho sobre estrutura argumental de nosso gru-

po, um instrumento de avaliação do léxico vem ao encontro de quadros teóricos

importantes para o nosso empreendimento, que não assumem como pressuposto

uma separação dicotômica absoluta entre representações lexicais e sintáticas, mas

sim um contínuo (cf. Goldberg, 1995; Jackendoff, 2002).

É clara a necessidade de instrumentos psicométricos confiáveis e práticos para

a apuração de habilidades em inglês como L2 que pudesse ser usado e explorado nos

estudos desenvolvidos no Laboratório de Psicolinguística da UFMG com bilíngues e

aprendizes de L2, falantes do português de Brasil e dessa língua. Igualmente, pare-

ce-nos claro o potencial do VLT como este instrumento. Surgiu-nos, então, como

uma agenda do próprio grupo de pesquisa, a necessidade de avaliação rigorosa da

adequação do VLT aos nossos objetivos. Na seção seguinte, passaremos ao relato

de resultados de um estudo em progresso que busca atender esta necessidade.

3. O ESTUDO DE VALIDAÇÃO DO PONTO DE CORTE PARA CLASSIFICAÇÃO NO VLT JUNTO À POPULAÇÃO UNIVERSITÁRIA BRASILEIRA

Tal como relatado em Nation (1990) e em Schmitt, Schmitt & Clapham (2001),

o Vocabulary Levels Test (VLT) é um instrumento que veio ocupar, à época de sua

publicação, uma lacuna existente entre os dispositivos psicométricos para segun-

da língua no tocante ao exame específico da amplitude do conhecimento lexical.

Planejado originalmente como um instrumento de fácil utilização por um público

alvo de professores interessados no diagnóstico de necessidades de desenvolvimento

do vocabulário de aprendizes de inglês como língua estrangeira (cf. Nation, 1990),

o VLT tem como base a noção de que a aprendizagem e capacidade de ativação de

itens lexicais cuja ocorrência se dá com frequência progressivamente menor em um

corpus geral do inglês são um índice do conhecimento lexical de um sujeito.

a avaliação de habilidades linguísticas em l2276

Assim, tal como seu próprio nome indica, a versão original do VLT é organizada

em cinco níveis. Em cada um desses cinco níveis, são apresentados seis blocos com-

postos por seis lexemas e três possibilidades de definição de três dos lexemas do

bloco (usualmente por meio de possíveis sinônimos). Os lexemas da versão original

do teste distribuem-se na razão de 3 substantivos por cada 2 verbos e para cada

1 adjetivo, sendo a mesma distribuição por classes morfossintáticas mantida em

outras versões disponíveis na literatura (cf. Schmitt, Schmitt & Clapham, 2001). A

tarefa do sujeito é, para cada bloco, associar quais três dos seis lexemas encaixam-se

em relação de sinonímia com as definições fornecidas. Totalizam-se, portanto, 36

itens por nível (180 no total do teste), sendo 50% deles distratores. Na apuração,

confere-se um ponto a cada associação correta, gerando-se, portanto, um máximo

de 18 pontos por nível. O ponto de corte recomendado na versão original de cada

nível é igual a 13 pontos. Caso um sujeito obtenha uma pontuação menor ou igual a

12 em um nível, seu resultado final de classificação será aquele nível. Isso se deve ao

fato de que, segundo Nation (1990), uma pontuação de 12 em um total de 18 indica

que aproximadamente um terço das palavras daquele nível não são conhecidas

pelo sujeito, o que tornaria um programa instrucional visando ao desenvolvimento

de capacidades equivalentes àquele nível o recomendável. O VLT configura-se,

portanto, como tarefa de associação de palavras, o que constitui um procedimento

válido para a averiguação de conhecimento semântico em monolíngues e bilíngues

adultos, porém não por crianças, tal como demonstrado por Cremer et al. (2011). A

Figura 1 abaixo apresenta um modelo da tarefa nos moldes do VLT4.

Figura 1: Tarefa nos moldes do VLT (Schmitt, Schmitt & Clapham, 2001, p. 58).

4 No texto de instruções da Figura 1 lê-se, em inglês, “Você deve escolher a palavra correta que vai com cada significado. Escreva o número daquela palavra próximo ao seu significado”. Frente à constância do procedimento, as instruções do VLT são geralmente apresentadas uma única vez, antes de um exemplo de tarefa respondida.

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 277

Os itens do primeiro nível do VLT contemplam o campo das 2000 palavras mais

frequentes do inglês, tido como suficiente para a comunicação oral elementar. No

nível seguinte, desce-se o limiar de frequência para o nível de 3000 palavras, tido

como o mínimo para que um usuário do inglês consiga desempenhar tarefas simples

que envolvam a leitura de textos autênticos. O terceiro nível desce ainda mais o

limiar de frequência, contemplando em seus itens exemplares que se situam entre

as 5000 palavras mais frequentes e equivalendo ao nível no qual se espera que o

usuário do inglês como L2 consiga extrair informações de textos autênticos com

razoável facilidade, ainda que realizando inferências sobre o sentido de palavras. Na

versão originalmente publicada em Nation (1990), o quarto nível é uma seção que

avalia o conhecimento de vocabulário da comunicação em ambientes científicos

e acadêmicos, tendo sido montado a partir de corpus específico de fontes desse

domínio discursivo. Esta seção reflete a motivação educacional da elaboração do

teste, uma vez que ela se justifica como um diagnóstico necessário para progra-

mas de ensino do inglês destinados a estudantes de nível universitário. O quinto e

último nível abaixa substantivamente o limiar de frequência dentro de um corpus

geral, atingindo as 10.000 palavras. Nesse nível, espera-se que o sujeito seja capaz

de desempenhar tarefas comunicativas diversas que sejam compatíveis com as

práticas sociais de universitários.

Há alguns estudos publicados sobre variantes do VLT que atestam a sua valida-

de geral. Além da exploração proposta por Schmitt, Schmitt & Clapham (2001) de

versões alternativas dentro dos mesmos moldes do original publicado em Nation

(1990), Laufer & Nation (1999) exploraram uma ampliação do VLT que inclui a ca-

pacidade reprodução escrita de itens vocabulares. Entretanto, até onde vai nosso

conhecimento, há apenas um estudo que examina a validade de uma versão do

VLT para uma população específica: o estudo de Beglar & Hunt (1999), envolvendo

aprendizes do inglês falantes do japonês como L1. Todos esses estudos confirma-

ram a validade geral do VLT no tocante a sua adequação ao construto subjacente

(conhecimento lexical) e sua capacidade descriminatória.

Não obstante, nossa preocupação com questões relativas à validação do VLT

para uma população específica, em nosso caso, uma amostra da população universi-

tária brasileira, permanecia em função de duas razões principais. Em primeiro lugar,

preocupávamo-nos de que o nível definido como vocabulário de nível universitário

não fosse suficientemente descriminador. Esse nível apresenta exemplares de itens

lexicais com clara origem latina, o que os tornaria potencialmente transparentes

a avaliação de habilidades linguísticas em l2278

para o falante do português do Brasil e de outras línguas românicas5. Por outro lado,

preocupávamos igualmente com a grande dispersão dos dados comportamentais por

grupo de sujeitos nos estudos nos quais utilizamos o VLT, o que nos deixava dúvidas

sobre a manutenção do ponto de corte proposta na versão original do teste. Essas

dúvidas foram fomentadas por julgarmos pertinente suspeitar que, com as possibili-

dades de acesso a línguas estrangeiras (e em especial à língua inglesa) resultantes da

ampliação do acesso a mídias veiculadas pelas novas tecnologias, o perfil de habilida-

des do aprendiz de L2 atual pode ter se diferenciado do perfil típico do fim dos anos

80 e 90, época dos principais estudos sobre o VLT publicados. Essas preocupações

motivaram-nos a dar início ao estudo sistemático sobre os pontos de corte do VLT,

assim como de sua validade como instrumento psicométrico adequado para a agenda

de pesquisa com bilíngues desenvolvida no Laboratório de Psicolinguística da UFMG.

Passemos, então, ao relato de resultados preliminares deste trabalho em andamento.

3.1 SUJEITOS DO ESTUDO

Neste estudo preliminar, procedemos com a análise de um banco de dados

composto pelas pontuações obtidas por 142 sujeitos brasileiros em aplicações do VLT

realizadas na Universidade Federal de Minas Gerais, portanto envolvendo amostra

do público universitário brasileiro. Trata-se do perfil educacional e sociocultural dos

sujeitos tipicamente envolvidos nos estudos com bilíngues de nosso grupo, assim

como sujeitos cujo perfil é claramente comparável ao tipo de sujeito ao qual o VLT

se destinou originalmente. O grupo de 142 sujeitos do estudo foi composto por 80

estudantes do Instituto de Ciências Exatas da universidade e por 62 estudantes de

disciplinas de língua inglesa dos primeiros três períodos do curso de Letras da UFMG

(sendo importante mencionar que o nível intermediário é o mínimo exigido para a

primeira destas disciplinas). Com essa mescla das trajetórias acadêmicas dos sujei-

tos, buscamos diversificar ao máximo seus possíveis estados de competência com a

língua inglesa como L2, variando-o desde níveis elementares até níveis avançados.

5 O estudo de Schmitt, Schmitt & Clapham (2001) envolveu a testagem de 801 sujeitos usuários do inglês como L2., sendo 11 deles brasileiros, testados no Brasil, em uma escola de idiomas privada. Além dos 11 sujeitos brasileiros, foram sujeitos deste estudo 306 falantes do espanhol. Este trabalho faz menção à possível facilidade do nível quatro (ou vocabulário acadêmico) para os falantes do português e do espanhol. Entretanto, o estudo não explorou extensivamente a especificidades dos falantes desta família linguística em particular, já que seu objetivo era justamente a avaliação da validade global das variantes do teste nele propostas (cujos itens eram diferentes daqueles do estudo ora relatado).

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 279

3.2 MATERIAIS E MÉTODOS

Para este estudo, usamos a versão do VLT publicada em Nation (1990), ou

seja, aversão original do teste. Trata-se da versão à qual o acesso é provavelmente

o mais irrestrito.

Optamos por aplicar o VLT com uma restrição temporal para sua execução. O

tempo alocado para a finalização do teste é de 10 minutos, ou seja, 20 segundos

por bloco de seis lexemas componente do teste. Nossa opção por uma restrição

temporal apoia-se no ponto de vista de que a facilidade de ativação e acesso de re-

presentações lexicais é um componente relevante da competência lexical bilíngue,

assim como na perspectiva de que a automaticidade (da qual emerge facilidade e

rapidez) na ativação de representações linguísticas é um aspecto da fluência em L2

(cf. Segalowitz, 2003; Segalowitz & Hulstijn, 2005).

Além do próprio VLT, foi aplicado aos sujeitos um questionário sobre sua

trajetória linguística e suas experiências como usuários do inglês como língua não

materna. Esse questionário incluía itens de autoavaliação das habilidades de leitura,

escrita, compreensão da fala e fala no inglês como L2. A autoavaliação é um proce-

dimento de coleta de dados de perfil de competência bilíngue bastante frequente

na pesquisa com bilíngues (cf. Li, Sepanski & Zhao, 2006; Marian, Blumenfeld &

Kaushasnskaya, 2007), sendo somente esta seção do questionário usada na fase

do estudo aqui relatada.

3.3 ANÁLISE DESCRITIVA

O objetivo inicial do questionário de autoavaliação era obter classificações

autoatribuídas pelos informantes em relação às suas habilidades em inglês como

informação a priori para predizer o nível de proficiência dele no teste VLT. O que foi

mostrado pela amostra, no entanto, é que a autoavaliação não é um bom preditor

da classificação dos indivíduos em relação ao seu nível de proficiência, pelo menos

aquele medido pelo VLT. Observamos que indivíduos que se autoavaliaram em

uma classificação alta tiveram baixo desempenho no VLT e vice-versa. A seguir,

mostramos os resultados descritivos referentes ao questionário de autoavaliação

e, mais adiante no texto, mostraremos os testes estatísticos que nos permitiram

chegar a tal conclusão.

Em primeiro lugar, apresentamos um resumo descritivo dos dados do questio-

nário de autoavaliação.

a avaliação de habilidades linguísticas em l2280

Tabela 3.1: Estatística descritiva da autoavaliação dos sujeitos nas 4 modalidades.

Auto-Avaliação do Nível de Proficiência

Modalidade Mínimo Máximo Média Mediana Desvio Padrão

Fala 1 5 2,98 3,00 1,22

Compreensão da fala 1 5 3,23 3,00 1,23

Escrita 1 5 2,93 3,00 1,15

Leitura 1 5 3,45 4,00 1,15

Da tabela 3.1 percebemos que a maior média de autoavaliação do nível de

proficiência ocorre na modalidade da leitura, seguida da compreensão da fala. Por

outro lado, a escrita foi a modalidade em que os sujeitos julgaram possuir um menor

domínio. Esse resultado da autoavaliação parece-nos ser, com razoável plausibilida-

de, um reflexo da situação sociolinguística de uso do inglês em território brasileiro,

pelo estrato socioeconômico do qual os nossos sujeitos fazem parte. Acreditamos

ser provavelmente a leitura (de textos impressos e de hipertextos), seguida da

exposição à modalidade oral, provavelmente por meio da televisão por assinatura

e pela Internet, as principais situações de contato linguístico como inglês de uma

parte da população brasileira, sendo decorrentemente a leitura e a compreensão

oral as práticas de uso mais ostensivas. Obviamente, entretanto, trata-se de uma

conjectura a ser confirmada ou refutada por outros estudos.

A seguir, apresentamos os resumos descritivos dos resultados do teste VLT

para a amostra coletada.

Tabela 3.2: Estatística descritiva das notas obtidas pelos sujeitos nos 5 níveis do teste.

NívelNotas Obtidas no VLT

Mínimo Máximo Média Mediana Desvio Padrão

Nível 1 2 18 11,39 12,50 4,55

Nível 2 0 18 11,49 12,00 4,86

Nível 3 0 18 6,74 6,00 4,79

Nível 4 0 18 8,35 9,00 6,32

Nível 5 0 18 3,50 1,00 4,75

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 281

Da tabela 3.2 percebemos que tanto a média quanto a mediana das notas obtidas

pelos sujeitos foi maior no nível 1 do teste. Observamos ainda que a média e mediana

das notas obtidas no nível 4 foram superiores às obtidas no nível 3. Isso se deve ao fato

de que o nível 4 do teste compreende algumas palavras inglesas que têm origem no

latim, ou seja, a mesma origem da língua portuguesa. Dessa forma, essas palavras são

mais facilmente assimiladas pelos sujeitos que têm o português como língua materna.

As proporções estimadas, dada a amostra, para cada nível do teste VLT são

apresentadas na Tabela 3.3.

Tabela 3.3: Distribuição de frequência da classificação final dos sujeitos.

Classificação Final n %

Nível 1 45 31,7%

Nível 2 12 8,5%

Nível 3 52 36,6%

Nível 4 7 4,9%

Nível 5 26 18,3%

Total 142 100%

Da tabela 3.3 observamos que a maior parte dos sujeitos foram classificados

no nível 3. O nível 4, ou seja, o nível desenhado para contemplar o conhecimento

de vocabulário acadêmico, parece não ser relevante para a classificação do sujeito,

uma vez que praticamente todos aqueles que obtiveram pontuação suficiente nesse

nível também conseguiram pontuação para serem classificados no nível 5. O nível

2 também apresenta um padrão semelhante: embora mais sujeitos tenham sido

classificados nesse nível, 12 pessoas, a grande maioria que conseguiu pontuação para

se classificar no nível 2 também conseguiu pontuação para se classificar no nível 3.

Caso cada nível do teste seja apropriado para medir o que se propõe, classificar

os indivíduos numa escala ordinal, o número esperado de indivíduos classificados em

um determinado nível e que obteriam pontuação suficiente para serem classificados

no nível seguinte seria zero. A Tabela 3.3 mostra que o nível 4, de fato, deve ser

olhado com mais cuidado, pois 16.9% dos indivíduos que não conseguiram pontuação

suficiente no nível 3 e, portanto, teriam classificação final nesse nível, conseguiram

pontuação suficiente para se classificar no nível 4. Isto parece indicar que o nível

4 não é adequado como classificador. Ainda percebemos que 4,2% dos sujeitos

obtiveram pontuação suficiente no nível 2, porém foram classificados no nível 1.

a avaliação de habilidades linguísticas em l2282

Tabela 3.4: Número de sujeitos não classificados em um nível e classificados no nível ime-diatamente superior.

Quantidade de sujeitos Percentual

Classificados nível 2 e não classificados nível 1 6 4,20%

Classificados nível 3 e não classificados nível 2 0 0%

Classificados nível 4 e não classificados nível 3 24 16,90%

Classificados nível 5 e não classificados nível 4 0 0%

3.4 ANÁLISE INFERENCIAL

Os objetivos da análise estatística dos dados são dois: primeiramente compa-

rar os resultados da autoavaliação com os resultados do teste VLT para saber se a

autoavaliação pode ser usada como preditora da classificação nos níveis do VLT.

Em segundo lugar, queremos saber se o ponto de corte utilizado, 13 pontos, para

a classificação dos indivíduos em cada nível do teste é satisfatório. Para fazer tais

comparações, precisamos de um modelo probabilístico para a amostra. O modelo

mais natural, como se trata de estimar proporções de classificação dos indivíduos

em cada um dos 5 níveis do teste, é o multinomial. Sendo pii a probabilidade de um

indivíduo ser classificado com ponto de corte i no nível j do teste, j= 1, 2, 3, 4 ou 5, a

probabilidade de que na amostra tenhamos ni1, n

i2, n

i3, n

i4 e n

i5 indivíduos classificados

em cada um dos 5 níveis para cada ponto de corte i, onde ni1+n

i2+n

i3+n

i4 + n

i5 = n

i. = n

é o tamanho da amostra, é dada por:

∏∏ =

=

•====c

j

nijc

jij

iiiiiii

ijpn

nnNnNnNP

1

1

442211

!),...,,(

A partir desse modelo probabilístico, podemos construir testes de razão de

verossimilhança (TRV) para testar a igualdade das proporções obtidas a partir da

autoavaliação com as proporções estimadas para o VLT. Também comparar as distri-

buições de probabilidade encontradas para cada ponto de corte considerado. Para mais

informações sobre o TRV para modelos multinomiais, veja Casella & Berger (2002).

Na próxima seção, apresentamos as comparações entre as distribuições das

classificações dos indivíduos para cada ponto de corte considerado, de 1 a 18.

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 283

3.4.1 Comparação dos Pontos de Corte

A Tabela 3.5 apresenta o número de indivíduos classificados em cada um dos 5

níveis do teste para cada um dos pontos de corte considerados. Lembramos que o

ponto de corte padrão utilizado no teste é 13. Nosso objetivo ao fazer essas com-

parações é verificar se há diferenças nas classificações obtidas usando o ponto de

corte padrão e os demais pontos de corte possíveis.

Tabela 3.5: Número de sujeitos classificados em cada nível, dado o ponto de corte.

Ponto de Corte

Classificação Final dos sujeitosTotal

Nível 1 Nível 2 Nível 3 Nível 4 Nível 5

1 0 1 10 26 105 142

2 0 1 13 27 101 142

3 1 3 14 28 96 142

4 1 5 21 27 88 142

5 7 4 30 25 76 142

6 10 3 38 19 72 142

7 15 4 37 19 67 142

8 19 7 37 18 61 142

9 27 3 43 18 51 142

10 32 5 48 12 45 142

11 36 7 52 9 38 142

12 40 10 54 8 30 142

13 45 12 52 7 26 142

14 58 11 50 4 19 142

15 66 11 47 2 16 142

16 81 11 36 2 12 142

17 99 9 28 0 6 142

18 117 7 17 0 1 142

Para testarmos a igualdade das distribuições de classificação dos sujeitos quando

avaliados sob diferentes pontos corte e verificarmos quais pontos de corte mais se

aproximam do ponto 13, faremos as comparações dos pontos de corte aos pares.

Suponha dois pontos de corte “a” e “b” quaisquer. Se queremos testar a hipótese de

homogeneidade entre dois vetores multinomiais, ou seja, testar a identidade dos

a avaliação de habilidades linguísticas em l2284

pontos de corte dos testes no que diz respeito à classificação dos sujeitos, teremos

as seguintes hipóteses a serem testadas:

jbjaj pppH ==:0 4,...,1=j

bjaj ppjH ::1

Ou seja, queremos testar se as probabilidades pij, de o indivíduo i ser classificado

no nível j é a mesma para cada par de pontos de corte, que chamamos de hipótese

H0, ou se há diferenças entre as probabilidades, que chamamos de hipótese H1.

A Tabela 3.6 apresenta os resultados dos testes.

Tabela 3.6: Níveis de significância dos testes de razão de verossimilhança para igualdade de proporções para pares de pontos de corte.

Pon

to d

e C

orte

B

Ponto de Corte A

9 10 11 12 13 14 15

90,00 1,00

TRV P-valor

100,92 0,82

0,00 1,00

TRV P-valor

113,06 0,38

0,80 0,85

0,00 1,00

TRV P-valor

125,79 0,12

2,29 0,51

1,21 0,75

0,00 1,00

TRV P-valor

139,90 0,02

5,45 0, 14

4,77 0,19

1,45 0,69

0,00 1,00

TRV P-valor

1421,37 0,00

14,01 0,00

11,05 0,01

5,92 0,12

2,92 0,40

0,00 1,00

TRV P-valor

1526,63 0,00

18,25 0,00

11,05 0,01

8,74 0,03

5,69 0, 13

0,52 092

0,00 1,00

TRV P-valor

Da Tabela 3.6 concluímos, ao nível de significância de 5%, que a distribuição

de classificação do nível de conhecimento lexical dos sujeitos de nosso estudo, tal

como mensurado na versão do VLT de Nation (1990), quando avaliados sob o pon-

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 285

to de corte 13, é semelhante às distribuições de classificação dos sujeitos quando

avaliados sob os pontos de corte 11, 12, 14 e 15.

3.5 DISTRIBUIÇÃO DE PROBABILIDADE DA CLASSIFICAÇÃO FINAL DOS SUJEITOS

Nesta seção, buscaremos obter a distribuição de probabilidade da classificação

final dos indivíduos, dada a amostra. Ou seja, buscaremos estimar as proporções de

sujeitos classificados em cada nível do teste.

Uma vez conhecida a distribuição de classificação dos sujeitos pelo VLT, vamos

fazer uma comparação entre esta e a distribuição de classificação proveniente da

autoavaliação fornecida pelos sujeitos por meio do questionário.

Consideremos j a probabilidade de que um sujeito seja classificado no nível

j, j=1,...,5. Sendo a classificação final do sujeito, temos que:

)( jPj == (3.1)

Considerando agora N o ponto de corte utilizado no teste, tal que

1)(18

1==

=iiP , podemos reescrever a equação (4.1) da seguinte forma:

=

===18

1),(

ij ijP

=

====18

1)()(

ij iPijP (3.2)

Temos agora na equação (3.2) dois termos de probabilidade. O primeiro re-

presenta a probabilidade de um sujeito ser classificado no nível j, dado o ponto de

corte i utilizado no teste. Essas probabilidades podem ser obtidas diretamente da

Tabela 3.1, em que é apresentado o número de sujeitos classificados em cada nível,

dado ponto de corte. Já o segundo termo da equação representa a probabilidade do

ponto de corte utilizado no teste ser o ponto i. Essa probabilidade é desconhecida

e precisamos assumir um conhecimento a priori dela. Apresentamos na Tabela 4.1

duas possibilidades para essas probabilidades. A primeira, que denominaremos Priori

1, assume que qualquer um dos pontos de corte é igualmente provável, ou seja, que

a avaliação de habilidades linguísticas em l2286

não temos nenhuma informação sobre qual dos valores entre 1 e 18 deve ser colocado

como ponto de corte. A segunda possibilidade, que denominaremos Priori 2, assume

que não temos, a princípio, nenhuma preferência sobre pontos de corte entre 9 e 15,

mas que pontos de corte abaixo de 9 e acima de 15 são muito pouco prováveis. Essa

segunda possibilidade parece-nos bastante mais verossímil e é ela que utilizamos para

estimar as probabilidades finais de classificação dos indivíduos nos níveis do VLT, mas

apresentamos os resultados usando as duas possibilidades a título de comparação.

Uma vez definidos os valores das probabilidades em (4.2), podemos calcular os

valores de j . Ou seja, para cada distribuição de probabilidade dos pontos de corte

N, vamos encontrar a probabilidade de um sujeito ser classificado em cada um dos

5 níveis do teste. As probabilidades estimadas consideradas as duas distribuições a

priori são apresentadas Tabela 3.7.

Tabela 3.7: Probabilidade estimadas de classificação final dos sujeitos, considerando a Priori 1 e Priori 2.

Classificação Final

Probabilidade de Classificação Considerando a Priori 1

Probabilidade de Classificação Considerando a Priori 2

1 0367361 0,483S84

2 0,047917 0,053470

3 0,215972 0,263416

4 0,044444 0,007814

5 0324306 0,191716

Na Tabela 3.7, observamos que, quando consideramos a Priori 1, os indivíduos

têm maior probabilidade de serem classificados nos níveis 1 e 5. Por outro lado, ao

considerar a Priori 2, temos que os indivíduos têm maior probabilidade de serem

classificados nos níveis 1 e 3, o que condiz mais com a amostra observada.

Utilizando as probabilidades estimadas para cada um dos níveis de classificação

encontradas usando a Priori 2, iremos fazer comparação entre essa distribuição

de probabilidades e aquela encontrada utilizando a autoavaliação efetuada pelos

informantes.

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 287

3.6 COMPARAÇÃO ENTRE A DISTRIBUIÇÃO DE CLASSIFICAÇÃO DOS SUJEITOS E A DISTRIBUIÇÃO DE CLASSIFICAÇÃO PROVENIENTE DAS AUTOAVALIAÇÕES

A Tabela 3.8 mostra a distribuição de classificação na autoavaliação dos sujeitos

que será comparada com a distribuição de classificação dos sujeitos, considerando

a Priori 2, dada na Tabela 3.7.

Tabela 3.8: Distribuição de classificação na autoavaliação dos informantes.

Classificação na Auto-Avaliação

Percentual de Classificações

1 0,099

2 0,148

3 0,268

4 0,345

5 0,148

O resultado da estatística TRV foi igual a 54,814, com um p-valor < 0,000. Logo,

podemos concluir que, dada a amostra, a distribuição de classificação proveniente

da autoclassificação dos sujeitos difere da distribuição de classificação esperada.

3.7. ESTIMAÇÃO DO PONTO DE CORTE A PARTIR DA DISTRIBUIÇÃO A POSTERIORI

Com o intuito de encontrar o ponto de corte mais adequado ao teste VLT, nesta

seção vamos obter as probabilidades de ocorrência dos pontos de corte, dada a

amostra observada de classificação dos informantes. Ou seja, buscaremos obter a

distribuição a posteriori dos pontos de corte. Essa distribuição leva em consideração

a distribuição a priori dos pontos de corte que é atualizada pela amostra observada

por meio do Teorema de Bayes (ver, por exemplo, Ross, 2007). Essa distribuição a

posteriori será obtida considerando os 5 níveis de classificação do teste. O ponto de

corte mais apropriado será estimado por meio do valor mais provável da distribuição

a posteriori dos pontos de corte.

a avaliação de habilidades linguísticas em l2288

Tabela 3.9: Distribuição de probabilidade a posteriori do ponto de corte.

Ponto de corte utilizado no taste (N)

Probabilidade a posteriori de N

1 0,000

2 0,000

3 0,005

4 0,003

5 0,001

6 0,001

7 0,001

8 0,137

9 0,122

10 0,117

11 0,109

12 0,110

13 0,158

14 0,231

15 0,002

16 0,000

17 0,000

Na Tabela 3.9, observamos que a distribuição a posteriori do ponto de corte tem

seu valor mais provável no ponto de corte igual a 15. Ou seja, dada a amostra, o ponto

de corte 15 seria o mais provável de se observar. Esse resultado parece razoável,

uma vez que, conforme visto no Tabela 3.6, o ponto de corte 15 é semelhante ao

verdadeiro ponto de corte 13, utilizado no teste, no que diz respeito à distribuição

de classificação dos sujeitos.

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 289

Assim, do estudo preliminar ora apresentado, consideremos o que o VLT, na

versão publicada em Nation (1990), pode ser usado como um instrumento de exa-

me de proficiência no inglês como L2 para objetivos de pesquisa com bilíngues e

aprendizes de língua estrangeira falantes do português do Brasil como L1 e do inglês

como L2. Recomendamos, entretanto, que essa versão seja considerada, para esta

população, como tendo 4 níveis, ou seja, que os quarto e quinto níveis originais

sejam mesclados em único. Concomitantemente, recomendamos que o ponto de

corte para classificação por nível seja 15 pontos. Ressaltamos, ainda, que o presente

estudo não nos conduz a advogar o uso em isolamento de escalas de autoavaliação

como indicadores confiáveis de nível de proficiência.

4. CONCLUSÃO

Neste capítulo, buscamos apresentar uma perspectiva de trabalho dentro dos

estudos de linguagem e cognição: o estudo de influências translinguísticas na confi-

guração da competência linguística global de usuários de L2 e dos mecanismos que

a regulam. Acreditamos, em concordância com Myers-Scotton (2002) e tal como

defendido em outros lugares (Souza, 2010b), tratar-se de uma perspectiva relevan-

te, uma vez que a compreensão do perfil cognitivo e linguístico do falante de L2

pode encerrar contribuições significativas para o entendimento geral da linguagem

como faceta da cognição humana. Nosso ponto de vista apoia-se na aceitação da

proposta de Grosjean (2008) e de outros pesquisadores de que, do ponto de vista

de uma comparação entre o número de estados nacionais e o número de línguas

vivas documentadas, é majoritária na experiência humana a realidade do contato

linguístico, que, por sua vez, é uma condição essencial ao multilinguismo. Assim,

acreditamos que modelos teóricos sobre os papéis e sobre a ontogênese da linguagem

na cognição humana que sejam amplos o bastante para contemplar a aquisição e o

uso de L2 são candidatos mais interessantes a uma teoria adequadamente amparada

pela realidade empírica da linguagem humana.

Neste capítulo, buscamos apresentar também, ainda que com brevidade, o

trabalho de pesquisa desenvolvido no contexto do Laboratório de Psicolinguística

da Universidade Federal de Minas Gerais. Ao relatarmos neste capítulo parte de um

estudo conduzido em parceria com pesquisadores do Departamento de Estatística

da Universidade, almejamos enfatizar um aspecto importante da direção desse la-

boratório, que é a busca de desenvolvimento de projetos interdisciplinares. Julgamos

que a interdisciplinaridade é, na verdade, um fundamento essencial e talvez até

mesmo óbvio de todo e qualquer empreendimento científico de compreensão dos

fenômenos cognitivos humanos.

a avaliação de habilidades linguísticas em l2290

Por fim, apresentamos os resultados de um estudo em andamento no qual

buscamos aprofundar nossa compreensão da validade de um instrumento psico-

métrico específico às necessidades metodológicas de nossa pesquisa. Os resultados

preliminares aqui apresentados apontam para uma modificação do ponto de corte

sugerido na versão original do teste, assim como para uma relativização da eficácia

de um procedimento comum na avaliação de bilíngues por meio de questionários

de perfil linguístico, a autoavaliação de habilidades linguísticas. Esses resultados

encontravam-se em aplicação nos projetos de pesquisa desenvolvidos no contexto

de nosso laboratório na época da redação deste capítulo. Por outro lado, nossa

investigação sobre o Vocabulary Levels Test e outros instrumentos de avaliação de

habilidades linguísticas em L2 continua. Para o avanço de nossa pesquisa, julgamos

extremamente relevante avaliar a fidedignidade de instrumentos de diagnóstico de

habilidades em L2 que sejam maximamente adequados ao trabalho laboratorial e

à população local, buscando relacioná-los tanto a facetas da proficiência geral não

endereçadas diretamente por eles (ex.: grau de estabilidade das representações

estritamente gramaticais, no caso do VLT), quanto a dimensões específicas das

trajetórias de aprendizagem de L2 e das experiências de socialização através dela,

dimensões essas capturadas eficientemente por meio de questionários.

REFERÊNCIAS

BEGLAR, D.; HUNT, A. Revising and Validating the 2000 Word Level and University Word Level Vocabulary Tests. Language Testing, v. 16, n. 2, p. 131-162, 1999.

CASELLA, G.; BERGER, R. Statistical Inference. Pacific Grove: Duxbury Press, 2001.

CARNEIRO, M. M. Morfologia de flexão verbal no inglês como L2: uma abordagem a partir da morfologia distribuída. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2008.

COOK, V. Introduction: The changing L1 in the L2 user’s mind. In: COOK, V. (Org.). Effects of the Second Language on the First. Bristol: Multilingual Matters, 2003.

CREMER, M.; DINGSHOFF, D.; DE BEER, M.; SCHOONEN, R. Do word associations assess word knowledge? A comparison of L1 and L2, child and adult word associations. International Journal of Bilingualism, v. 15, n. 2, p. 187-204, 2011.

DALLER, M. The measurement of bilingual proficiency: introduction. International Journal of Bilingualism, v. 15, n. 2, p. 123-127, 2011.

ELLIS, R. The Study of Second Language Acquisition. 2nd Edition. Oxford: Oxford University Press, 2008.

JACKENDOFF, R. Foundations of Language – Brain, meaning, grammar, evolution. Oxford/New York: Oxford University Press, 2002.

ricardo augusto de souza | denise duarte | isadora barreto berg 291

GOLDBERG, A. Constructions – A construction grammar approach to argument structure. Chicago: University of Chicago Press, 1995.

GROSJEAN, F. Bilingual – Life and reality. Cambridge, MA: Harvard University Press, 2010.

______. Studying bilinguals. Oxford/New York: Oxford University Press, 2008.

______. Studying bilinguals: methodological and conceptual issues. Bilingualism: language and cognition, v. 1, n. 2, p. 131-149, 1998.

HERNÁNDEZ, A.; FERNÁNDES, E.; AZNAR-BESÉ, N. Bilingual sentence processing. In: GASKEL, M. G. (Org.). The Oxford Handbook of Psycholinguistics. Oxford/New York: Oxford University Press, 2007.

JARVIS, S.; PAVLENKO, A. Crosslinguistic Influence in Language and Cognition. New York: Routledge, 2007.

JUFFS, A. Learnability and the lexicon – Theories and second language acquisition research. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 1996.

KECSKES, I. The dual language model to explain code-switching: a cognitive-pragmatic approach. Intercultural Pragmatics, v. 3, n. 3, p. 257-283, 2006.

KÖPKE, B.; SCHMID, M. Language attrition: the next phase. In: SCHMID, M.; KÖPKE, B.; KEIJZER, M.; WEILEMAR, L. (Org.). First language attrition: interdisciplinary perspectives on methodological issues. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2004.

KRASHEN, S. The input hypothesis – Issues and implications. London/New York: Longman Group, 1985.

LAUFER, B.; NATION, P. A vocabulary-size test of controlled productive ability. Language Testing, v. 16, n. 1, p. 33-51, 1999.

LEVIN, B.; RAPPAPORT-HOVAV, M. Argument realization. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.

LI, P.; SEPANSKI, S.; ZHAO, X. Language history questionnaire: a web-based interface for bilingual research. Behavior Research Methods, v. 38, n. 2, p. 202-210, 2006.

MARIAN, V.; BLUMENFELD, H.; KAUSHANSKAYA, M. The Language Experience and Proficiency Questionnaire (LEAP-Q): assessing language profiles in bilinguals and multi-linguals. Journal of Speech, Language and Hearing Research, v. 50, n. 4, p. 940-967, 2007.

McNAMARA, T. Measuring second language performance. New York: Addison-Wesley Longman, 1996.

MYERS-SCOTTON, C. Contact linguistics: bilingual encounters and grammatical outco-mes. Oxford/New York: Oxford University Press, 2002.

MONTRUL, S. Agentive verbs of manner and motion in Spanish and English as second languages. Studies in Second Language Acquisition, v. 23, p. 171-206, 2001.

______. The L2 acquisition of dative experiencer subjects. Second Language Research, v. 14, n. 1, p. 27-61, 1998.

a avaliação de habilidades linguísticas em l2292

NATION, P. Teaching and learning vocabulary. Boston, MA: Heinle & Heinle, 1990.

ODLIN, T. Language transfer. New York, NY: Cambridge University Press, 1989.

PARADIS, M. A neurolinguistic theory of bilingualism. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins Publishing Company, 2004.

SCHMITT, N.; SCHMITT, D.; CLAPHAM, C. Developing and exploring the behaviour of two new versions of the Vocabulary Levels Test. Language Testing, v. 18, n. 1, p. 55-88, 2001.

SEGALOWITZ, N. Automaticity and second languages. In: DOUGHTY, C.; LONG, M. (Org.). The handbook of second language acquisition. Oxford: Blackwell Publishers, 2003.

______; HULSTIJN, J. Automaticity in bilingualism and second language learning. In: KROLL, J. F.; DE GROOT, A. M. B. (Org.). Handbook of bilingualism: Psycholinguistic approaches. Oxford/New York: Oxford University Press, 2005.

SELINKER, L. Rediscovering Interlanguage. New York, NY: Longman Group Ltd., 1992.

SCHACHTER, J. A. A new account of language transfer. In: GASS, S.; SELINKER, L. (Org.) Language Transfer in Language Learning. Amsterdam/Philadelphia: John Benjamins, 1993.

ROSS, S. A first course in probability. 6. ed. New York: McMillan Publishing Company, 2001.

SOUZA, R. A. Argument Structure in L2 Acquisition: Language Transfer Re-visited in a Semantics and Syntax Perspective. Ilha do Desterro, n. 60, p. 151-186.

______. Brazilian Portuguese-English bilinguals’ processing of English caused-motion constructions. In: FRANÇA, A. I.; MAIA, M. (Org.). Papers in Psycholinguistics – Proceedings of the First International Psycholinguistics Congress, Rio de Janeiro: Imprinta, 2010.

______. Déficit representacional entre falantes de L2? Uma reflexão em torno de dois modelos da arquitetura global da gramática. Signótica, v. 22, n. 2, p. 427-447, 2010.

______; CARNEIRO, M. M. Sobre a representação sintática nas interlínguas na teorização gerativista. In: LARA, G. M.; COHEN, M. A. (Org.). Linguística, tradução, discurso. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009.

______; OLIVEIRA, F. L. P. Is knowledge of a non-dominant L2 activated by bilinguals using their dominant L1? Insights from an on-line psycholinguistic study. Organon, n. 51, 2011/2012. No prelo.

SPOLSKY, B. Measured Words – The Development of Objective Language Testing. Oxford: Oxford University Press, 1995.

VILELA, A. C.; OLIVEIRA, F. L. P. “I cut my hair” e “I did my nails” – Evidência de transfe-rência linguística na interlíngua de falantes brasileiros aprendizes de inglês como segunda língua? Trabalhos de Linguística Aplicada, v. 49, n. 1, p. 223-239, 2010.

WHITE, L. Second language acquisition and universal grammar. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.

ZARA, J. V. Estudo da expressão de eventos de transferência de posse na interlíngua de brasileiros aprendizes de inglês. Dissertação de Mestrado. Belo Horizonte: Faculdade de Letras da UFMG, 2008.

293

NÚCLEO DE ESTUDOS EM NEUROPSICOLOGIA COGNITIVA (NEUROCOG): PANORAMA DE PESQUISAS E ESTUDOS DE

PRIMING SEMÂNTICO

Candice Steffen Holderbaum1, Maxciel Zortea2, Juliana de Lima Muller3, Jerusa Fumagalli de Salles4

(Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS)

O NÚCLEO DE ESTUDOS EM NEUROPSICOLOGIA COGNITIVA (NEUROCOG)

O presente capítulo tem por objetivo apresentar o Núcleo de Estudos em

Neuropsicologia Cognitiva (Neurocog), seu panorama de pesquisas e principais

produtos/publicações. Dentre as pesquisas, serão enfatizados o processo de desen-

volvimento e a versão atual da tarefa de decisão lexical para avaliação do priming

semântico, adaptada para aplicação em pacientes com lesão cerebral.

O Neurocog foi criado em 2007, no Programa de Pós-Graduação (PPG) em

Psicologia do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

(UFRGS), tendo sido registrado como grupo de pesquisa no diretório de Grupos

do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) em

2008. As atividades do grupo envolvem ensino, pesquisa e extensão nas áreas de

Neuropsicologia Cognitiva, Psicologia Cognitiva, Psicologia Experimental Cognitiva e

Neuropsicolinguística. No âmbito do ensino, há participação nos níveis de graduação

(Psicologia e Fonoaudiologia) e pós-graduação stricto (PPG em Psicologia) e lato

senso (Curso de Especialização em Neuropsicologia).

1 Doutora em Psicologia (UFRGS).

2 Doutor em Psicologia (UFRGS).

3 Doutoranda do PPG em Psicologia da UFRGS.

4 Professora Adjunta do Instituto de Psicologia, Departamento de Psicologia do Desenvolvimento e da Personalidade e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFRGS. Coordenadora do Neurocog e do Curso de Especialização em Neuropsicologia da UFRGS e Vice-Coordenadora do Ambulatório de Neuropsicologia do HCPA. Membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp) e da Sociedade Latinoamericana de Neuropsicologia (SLAN). Contatos: Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Rua Ramiro Barcelos, 2600. Porto Alegre – RS. Brasil. Fone: 55-51-33085341. E-mails: [email protected]; [email protected]. Web sites: http://www.psicologia.ufrgs.br; http://www.ufrgs.br/neurocog; http://www.ufrgs.br/pgpsicologia.

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)294

No PPG em Psicologia da UFRGS, o grupo insere-se na linha de pesquisa “proces-

sos cognitivos básicos e aplicações”, caracterizada por investigar o funcionamento

e o desenvolvimento de processos cognitivos e metacognitivos, como atenção,

memória, emoções, linguagem, tomada de decisão, funções executivas, intenciona-

lidade, percepção e consciência, em populações clínicas e não clínicas, em humanos

e não humanos, em ambientes formais e não formais, experimentais ou naturais, em

espaços cibernéticos e realidade virtual. Alguns dos projetos nesta linha têm como

objetivos estudar as consequências cognitivas, comportamentais e emocionais de

condições clínicas, bem como o efeito de variáveis sociodemográficas, como idade

e escolaridade, ou manipulações experimentais sobre funções executivas, memória,

linguagem e emoções. Outros projetos contemplam estudos experimentais em

processos cognitivos implícitos, como o priming semântico.

O grupo, coordenado pela Professora Jerusa Fumagalli de Salles, integra estu-

dantes de Mestrado, Doutorado, Iniciação Científica e profissionais/pesquisadores

colaboradores em torno da investigação de funções neuropsicolinguísticas, como

memória, linguagem, atenção e funções executivas. Essas funções são avaliadas

sob diversos aspectos, incluindo suas características no desenvolvimento normal e

patológico (transtornos de desenvolvimento e adquiridos) e as diferentes formas

de avaliação. Dentre os estudos na interface memória e linguagem, os realizados

utilizando a tarefa de decisão lexical dentro do paradigma de priming semântico

permitem avaliar o acesso às representações léxico-semânticas de forma indireta.

Em termos de extensão universitária, o grupo compõe a equipe do Ambulatório

de Neuropsicologia do Serviço de Neurologia do Hospital de Clínicas de Porto

Alegre (HCPA), local onde se realizam avaliações neuropsicológicas em pacientes

neurológicos/neuropsiquiátricos. O ambulatório de Neuropsicologia, que conta

com equipe interdisciplinar de profissionais, estudantes e pesquisadores, também

é um espaço para estágio curricular dos estudantes de graduação em Psicologia e

em Fonoaudiologia da UFRGS. Ainda neste âmbito, tem inter-relação com o Núcleo

de Reabilitação em Linguagem e Cognição do Curso de Fonoaudiologia, no Instituto

de Psicologia da UFRGS.

Na pesquisa, uma série de projetos vem sendo desenvolvida, incluindo estudos

específicos que integram os trabalhos de estudantes (orientações de teses, disserta-

ções, monografias de especialização e trabalhos de iniciação científica). As pesquisas,

de cunho interdisciplinar, tratam do desenvolvimento, processamento, avaliação e

transtornos (de desenvolvimento e adquiridos) de funções neuropsicológicas, como

memória, linguagem, atenção e funções executivas.

Dentre os projetos em andamento, podem ser mencionados:

candice steffen holderbaum 295

1. Estudos dos efeitos de priming semântico em tarefa de decisão lexical

em diferentes contextos (em amostras clínicas e não clínicas);

2. Índices para reabilitação neuropsicológica das sequelas de Acidente

Vascular Cerebral (AVC): aspectos demográficos, neurológicos, neurop-

sicolinguísticos e de neuroimagem funcional;

3. Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil NEUPSILIN-Inf:

estudos de normatização, validade e fidedignidade;

4. Avaliação da Percepção, Memória Visual e Praxia Construtiva por meio do

teste de Retenção Visual de Benton: normatização para amostra brasileira;

5. Normas de associação semântica de palavras em amostras de diferentes

faixas etárias;

6. Dislexias de desenvolvimento em adultos: perfil de leitura e escrita e

habilidades neuropsicológicas relacionadas;

7. Perfis neuropsicológicos de amostras clínicas (Transtornos de Ansiedade,

Transtorno Global do Desenvolvimento, dificuldades de leitura e escrita,

lesões cerebrais e afasias).

1. FERRAMENTAS DE PESQUISA/AVALIAÇÃO DESENVOLVIDAS OU ADAPTADAS NO GRUPO NEUROCOG

O Neurocog teve participação na elaboração de instrumentos de avaliação

na forma de baterias breves, como o Instrumento de Avaliação Neuropsicológica

Breve NEUPSILIN (Fonseca et al., 2008; 2009), e o Instrumento de Avaliação

Neuropsicológica Breve Infantil NEUPSILIN-INF (Salles et al., 2011; in press).

Com o primeiro (indicado para aplicação entre 12 e 90 anos de idade) já foram

desenvolvidos vários estudos, incluindo evidências de validade e fidedignidade

(Pawlowski et al., 2008; Salles, Pawlowski et al., 2009), comparações de desempe-

nho em diferentes grupos etários (Zibetti et al., 2010), entre estudantes de escolas

públicas e privadas (Casarin; Salles; Fonseca, 2012) e aplicações no contexto de

ambulatório hospitalar de neuropsicologia (Irigaray et al., 2011). Atualmente, a

versão para aplicação em pacientes afásicos (NEUPSILIN-AF, Fontoura; et al., 2011)

está em processo de desenvolvimento.

O NEUPSILIN-INF (Salles et al., 2011; in press), também em processo de desen-

volvimento, é indicado para crianças em idade escolar, na faixa de idade dos 6 aos 12

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)296

anos, visando a fornecer um perfil breve de avaliação de funções neuropsicológicas,

de caráter quantitativo e qualitativo. Para isso, ele compreende os domínios orienta-

ção, atenção focalizada, percepção visual e de emoções em faces, memória verbal e

visual (operacional, episódica, semântica), habilidades aritméticas, linguagem oral,

leitura e escrita, habilidades visuoconstrutivas e funções executivas.

O grupo coordena, ainda, o projeto de normatização do Teste de Retenção

Visual de Benton (Benton Visual Retention Test – BVRT), que avalia as funções de

memória visual, percepção visual e habilidades visuoconstrutivas (Salles et al., in

press; Zanini; Wagner; Salles; Bandeira; Trentini, 2012). A versão brasileira do ins-

trumento apresentará normas de desempenho para 1º ano do Ensino Fundamental

até 3º ano do Ensino Médio, adultos universitários e idosos.

Além de instrumentos que abrangem várias funções ou já consagrados inter-

nacionalmente (como o BVRT), tem sido de particular interesse do grupo o estudo

e avaliação dos processos de leitura de palavras e de texto (Salles; Parente, 2006a;

Corso; Salles, 2009). Desta forma, foram produzidos instrumentos/tarefas de ava-

liação de leitura – reconhecimento de palavras/pseudopalavras (Salles; Parente,

2002, 2007; Salles et al., 2013) e compreensão de leitura textual (Salles; Parente,

2004; Corso; Sperb; Salles, 2012). Esta última tarefa envolve leitura de texto nar-

rativo, solicitação de reconto de história e resposta a questões de múltipla escolha

sobre o texto lido. Os estudos normativos desses instrumentos, para crianças de 1º

ano a sexta série do Ensino Fundamental, estão em andamento. Também tem sido

nosso objeto de estudo a relação entre desempenho em leitura e demais funções

neuropsicológicas (Salles; Parente, 2006; 2008; Salles; Corso, 2011; Piccolo, 2010;

Zamo, 2011; Zamo; Salles, 2013; Golbert; Salles, 2010; Schiro; Piccolo; Couto; Salles;

Koller, 2013) e desempenho em leitura e fatores psicossociais (Enricone; Salles, 2011;

Piccolo, 2010; Piccolo; Falceto; Fernandes; Levandowski; Grassi-Oliveira; Salles, 2012).

Com o intuito de avaliar a linguagem escrita de adultos, foi desenvolvida uma tarefa

de avaliação da escrita de palavras/pseudopalavras (Rodrigues; Salles, 2013), que

auxilia a identificar os tipos de disgrafias adquiridas.

Em uma vertente mais experimental, mas ainda envolvendo o reconhecimento

visual de palavras (leitura/decisão lexical), foi construída uma versão com estímu-

los do português brasileiro de um paradigma experimental bastante difundido na

literatura internacional, o paradigma de priming semântico, utilizando uma tarefa

de decisão lexical (ver Salles; Jou; Stein, 2007, para uma revisão). Esse paradigma

permite investigar a facilitação no processamento de uma palavra devido à relação

semântica existente entre ela e o contexto que a precede. Este é o tópico que será

apresentado de forma mais detalhada a seguir.

Em termos de ferramentas de pesquisa para a construção de experimentos na área

da psicologia experimental, outra vertente de estudos do grupo tem se dedicado à cons-

candice steffen holderbaum 297

trução de normas de pares de estímulos com associação semântica (Salles; Machado;

Holderbaum, 2009; Salles et al., 2008; Zortea, 2010). A seleção cuidadosa de estímulos

para as tarefas de avaliação dos processos cognitivo-linguísticos é fundamental, consi-

derando que, se não apropriadamente controlados, os estímulos podem produzir efeitos

indesejáveis de confusão nos resultados (Janczura, 2005). Essas listas de estímulos com

associaçao semântica têm uma aplicação direta nos experimentos de priming semântico.

2. OS ESTUDOS DE PRIMING SEMÂNTICO NO CONTEXTO DO NEUROCOG

O efeito de priming semântico consiste em uma melhora no desempenho de uma

tarefa em função da influência do contexto (Holderbaum; Salles, 2011). O paradigma

de priming pertence à temática de estudos da memória implícita, ou seja, a memória

não consciente de experiências passadas que indiretamente geram influência no

comportamento futuro (Del Vecchio; Liporace; Nei; Sperling; Tracy, 2004). Dentre

os vários tipos de priming, o grupo dedicou-se ao estudo do priming semântico.

Paralelamente, um estudo prévio investigou o efeito de priming subliminar de

identidade no reconhecimento visual de palavras em adultos (Busnello, 2007; Busnello;

Stein; Salles, 2008). Diferente do priming semântico, no paradigma subliminar de

identidade, a mesma palavra é mostrada como prime e como alvo. Contudo, o prime

é apresentado durante um intervalo (SOA5) extremamente curto de tempo, fazendo

o estímulo permanecer abaixo do limiar da consciência (Busnello, 2007).

Em termos de processamento de estímulos verbais, a investigação sobre a faci-

litação do contexto semântico através do paradigma de priming semântico pode ser

usada para avaliar o acesso semântico no reconhecimento visual de palavras (tarefas

de leitura oral ou de decisão lexical). A vantagem desse paradigma em relação a outros

que também avaliam o processamento visual de palavras é avaliar as representações

léxico-semânticas de forma indireta e online (enquanto o processo está em curso).

Essas representações léxico-semânticas estão relacionadas com a forma como está

organizado nosso conhecimento das palavras e conceitos e a relação entre eles.

É considerada uma avaliação indireta, o indivíduo não está consciente de que esse

conhecimento está sendo avaliado, pois envolve atividades motoras ou cognitivas

que estão relacionadas a um episódio de aprendizagem, porém as instruções não

se referem diretamente a este evento (Richardson-Klaven; Bjork, 1988). Para uma

revisão sobre tarefas indiretas de memória, pode-se consultar Salles, Holderbaum,

Bernardi e Kreitchmann (2010).

5 SOA, ou Stimulus Onset Asynchrony, é o intervalo de tempo que decorre entre o início da apre-sentação do prime e o início da apresentação do alvo.

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)298

O efeito de priming semântico no processamento de palavras pode ser avaliado

por tarefas de leitura ou de decisão lexical. Na tarefa de decisão lexical, são apre-

sentados na tela do computador pares de palavras. A primeira palavra de cada par,

chamada “prime”, é apresentada primeiro, sendo seguida por outra palavra, chamada

“alvo”. O participante deve decidir, o mais rápido e acuradamente possível, se o alvo

é uma palavra que existe na língua portuguesa ou uma pseudopalavra (não existe na

língua). Essas respostas são avaliadas em termos de velocidade (tempo de reação/

resposta) e acurácia (número de respostas corretas). A tarefa, portanto, não requer

que o participante leia em voz alta as palavras, mas que aperte um botão se consi-

dera a palavra real ou não. O fato de não precisar responder oralmente permite que

participantes com dificuldades de linguagem oral e/ou escrita não sejam penalizados

durante a realização da tarefa (Betjemann; Keenan, 2008).

Em uma revisão sobre o paradigma de priming semântico na investigação do

processamento de leitura de palavras (Salles; Jou; Stein, 2007), ficou evidente a ca-

rência de estudos na língua portuguesa sobre o tema. Como o estudo de processos

cognitivo-linguísticos depende do idioma da amostra a ser estudada, não é possível

utilizar estímulos traduzidos de outra língua para estudo de falantes do português.

Portanto, os estímulos para os experimentos de priming semântico necessitam de

normas de associação semântica para a língua, cultura e faixa etária da amostra

avaliada. O grupo Neurocog, portanto, dedicou-se à confecção de listas de estímulos

para elaboração da tarefa no paradigma de priming semântico para a investigação

de pessoas alfabetizadas na língua portuguesa.

As normas de associação semântica têm sido obtidas através da tarefa de associa-

ção semântica de palavra, um procedimento clássico na área da Psicologia Cognitiva

(Nelson; Mcevoy; Scheiber, 1999). Uma lista de palavras é apresentada oralmente e,

para cada uma (alvo), o participante deve dizer a primeira palavra que lhe vem à cabeça

com sentido ou significado relacionado (associada semântica). Através desse proce-

dimento, criaram-se normas de pares associados na língua portuguesa para crianças

(Salles; Machado; Holderbaum, 2009), adultos (Salles et al., 2008) e idosos (Zortea,

2010; Zortea; Menegola; Villavicencio; Salles, 2014). Essas normas incluem medidas

de força de associação entre o alvo e a associada semântica mais frequentemente

dita nos grupos e tamanho do conjunto de associadas diferentes ditas a cada alvo.

Até o momento, diversos estudos com participantes saudáveis foram realizados

pelo grupo no paradigma acima apresentado (Holderbaum, 2009, Holderbaum; Salles,

2011; Salles; Machado; Janczura, 2011). Além disso, estudos envolvendo amostras

clínicas e o registro do funcionamento cerebral durante a realização da tarefa estão

sendo desenvolvidos.

Foram realizados estudos dos efeitos de priming semântico no reconhecimento

visual de palavras em crianças de 3ª série (Salles; Machado; Janczura, 2011) e com-

candice steffen holderbaum 299

parados os efeitos de priming semântico entre estudantes de 3ª série do Ensino

Fundamental e universitários (Holderbaum, 2009; Holderbaum; Salles, 2011). Nos

três estudos, foi utilizada a tarefa de decisão lexical e foram encontrados efeitos de

priming nas amostras estudadas. Abaixo, serão descritos brevemente esses estudos,

bem como a tarefa de priming semântico utilizada em cada um deles.

Experimentos de priming semântico na língua portuguesa desenvolvidos no Neurocog

Versão 1: aplicação em amostras saudáveis (crianças)

Primeiramente, a tarefa de decisão lexical foi desenvolvida a fim de avaliar

crianças e adultos saudáveis. Para isso, uma revisão da literatura embasou decisões a

respeito de variáveis que deveriam ser consideradas na construção de um instrumento

de qualidade. Entre as variáveis consideradas para escolha dos estímulos, desta-

cam-se: força de associação entre prime e alvo, frequência de ocorrência na língua,

extensão (número de letras) e regularidade do alvo. No mais, foram consideradas

outras variáveis relacionadas ao experimento, como o intervalo entre a apresentação

dos estímulos (SOA), a proporção de pares relacionados e não relacionados, além

da proporção de pares formados por alvos palavras reais e alvos pseudopalavras.

Em Salles, Machado e Janczura (2011), foram mostrados os resultados da avaliação

do efeito de priming semântico em 24 crianças de 3ª série do Ensino Fundamental de

escolas públicas estaduais em uma tarefa de decisão lexical com SOA de 1000ms. Os

participantes foram requisitados a prestar atenção no prime (primeiro estímulo do

par) e a responder se o estímulo alvo era uma palavra real (apertando a tecla SIM)

ou uma pseudopalavra (apertando a tecla NÃO). A Figura 1 apresenta o esquema

de apresentação de cada par prime-alvo.

Para esse estudo, foram apresentados 36 pares de estímulos (prime-alvo) aos

participantes. A Figura 2 mostra a proporção dos pares, conforme suas características,

que tem sido mantida em todas as versões da tarefa. Dos 36 alvos que compunham

os pares, 18 eram palavras reais e 18 pseudopalavras. Dos primes correspondentes aos

alvos palavras reais, nove eram semanticamente relacionados ao alvo e nove eram não

relacionados. Nos 18 pares do tipo palavra/pseudopalavra, os primes apresentados não

eram relacionados estruturalmente (ou formalmente) com as pseudopalavras-alvo.

O conjunto de estímulos era pequeno, mas ainda assim houve efeitos de priming

semântico no reconhecimento visual de palavras nessas crianças. Os resultados

mostraram um efeito de facilitação do contexto, com tempos de reação mais rápidos

para alvos precedidos de primes semanticamente relacionados do que os precedidos

por primes não relacionados.

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)300

Versão 2: aplicação em amostras não clínicas (crianças e adultos) e em crianças com dificuldades de leitura

Após o achado de efeito de priming semântico em crianças com um SOA de

1000ms (Salles et al., 2011), decidiu-se avaliar esta faixa etária infantil utilizando

um SOA menor e ampliando-se o número de estímulos no experimento. O SOA é

uma variável importante no estudo do priming semântico, pois ele está relacionado

ao processo subjacente a esse fenômeno. De acordo com Neely (1991), em SOAs

menores do que 300ms, o efeito de facilitação é causado pela propagação da ati-

vação cerebral ocorrida no momento do processamento do prime. Por outro lado,

quando o SOA é maior do que 300ms, essa facilitação seria causada por processos

estratégicos desencadeados pelo participante ao processar o prime (Neely, 1991).

Altarriba e Basnight-Brown (2007) consideram que processos estratégicos estão

presentes mesmo em SOA’s menores de 300ms.

Estudos anteriores haviam avaliado crianças com diferentes SOAs, mas não

tinham encontrado efeito de priming semântico em SOAs menores do que 300ms

(Assink; Bergen; Teeseling; Knuijt, 2004; Hala; Pexman; Glenwright, 2007; Nievas;

Justicia, 2004; Schvaneveldt; Ackerman; Semlear, 1977; Schwantes; Boesl; Ritz, 1980;

Simpson; Lorsbach, 1987; Simpson; Lorsbach, 1983; Simpson; Foster, 1986). Além

disso, estudos comparando crianças e adultos mostravam diferenças no efeito de

priming semântico entre estes grupos (Nievas; Justicia, 2004; Schwantes et al., 1980;

Simpson; Lorsbach, 1983; Simpson; Foster, 1986).

Com base nesses dados, foi desenvolvido um estudo (Holderbaum, 2009;

Holderbaum; Salles, 2011) que visou a comparar o efeito de priming semântico entre

crianças de 3ª série do Ensino Fundamental e adultos utilizando um SOA curto e

outro longo. Para isso, algumas alterações foram realizadas no experimento apre-

sentado anteriormente e utilizado no estudo de Salles et al. (2011). Em primeiro

lugar, o número de pares de estímulos foi aumentado de 36 para 54. Além disso,

foram criadas duas versões desta nova tarefa: uma utilizando um SOA de 250ms e

outra, um SOA de 500ms. Desta forma, metade dos participantes de cada grupo

(crianças e adultos) realizou a tarefa com um destes SOAs.

Os resultados mostraram que crianças e adultos apresentaram efeitos de priming

semântico com SOAs de 250ms e 500ms. Porém, a magnitude do efeito foi maior

para as crianças do que para os adultos utilizando SOA de 500ms (Holderbaum, 2009;

Holderbaum; Salles, 2011). Um resultado bastante inovador deste estudo, que avança

aos estudos da literatura internacional, foi o fato de o experimento mostrar efeito

de facilitação contextual na amostra de crianças mesmo em SOA curto (250ms).

Dando seguimento ao estudo do priming semântico em populações saudáveis, o

mesmo experimento realizado em Holderbaum (2009) e Holderbaum e Salles (2011)

candice steffen holderbaum 301

foi aplicado em um grupo de estudantes chineses multilíngues (Salles; Holderbaum;

Finger, 2010). O grupo possuía mandarim como língua materna e inglês como segunda

língua, e estava aprendendo o português como terceira língua. O objetivo deste es-

tudo foi investigar se esses chineses multilíngues poderiam se beneficiar do contexto

semântico na tarefa de decisão lexical na língua portuguesa. Além disso, comparou-

-se o grupo de chineses aos participantes (brasileiros universitários e crianças) do

estudo de Holderbaum (2009) e Holderbaum e Salles (2011). Os dados encontrados

demonstraram que os chineses apresentaram efeito de priming semântico e que a

magnitude do efeito foi semelhante entre os estudantes chineses e os universitários

brasileiros. Já quando comparados às crianças, os resultados mostraram que o efeito

de priming semântico foi maior nas crianças do que nos chineses (Salles et al., 2010).

Como os experimentos de priming semântico construídos mostraram-se válidos

para a testagem de amostras não clínicas, tanto de crianças quanto de adultos, o

interesse agora reside na avaliação de amostras clínicas ou contextos específicos,

envolvendo tanto crianças quanto adultos. No contexto dos problemas de leitura,

por exemplo, tanto de desenvolvimento quanto adquiridos por lesão cerebral, a

facilitação pelo contexto semântico (como no paradigma de priming semântico)

pode ser uma forma de compensar ou minimizar os déficits na leitura.

Como um estudo piloto com amostras neurológicas, dois casos de degenera-

ção lobar fronto-temporal foram submetidos a essa versão da tarefa de priming

semântico (Salles; Holderbaum; Mansur, 2009). Um dos casos era uma senhora de

77 anos com diagnóstico de Afasia Progressiva Primária e o outro era uma senhora

de 67 anos com Demência Semântica. Nenhuma das pacientes mostrou efeito de

priming semântico, ou seja, tanto a velocidade quanto a acurácia das respostas

foram muito semelhantes para as condições com e sem relação semântica entre

alvo e prime. Apesar de déficits em linguagem e processamento semântico serem

característicos deste tipo de condição clínica, resta ainda a dúvida sobre se a tarefa

estaria adequada para aplicação neste tipo de amostras.

Versão 3: aplicação em amostras clínicas e contextos específicos

A intenção de avaliar amostras clínicas por meio do experimento de priming

semântico requer adaptações do instrumento de acordo com as necessidades

destas populações, por exemplo, o aumento do número de itens. Além disso, o pro-

jeto “Índices para reabilitação neuropsicológica das sequelas de Acidente Vascular

Cerebral (AVC): aspectos demográficos, neurológicos, neuropsicolinguísticos e de

neuroimagem funcional”, atualmente desenvolvido pelo Neurocog, prevê a avalia-

ção de pacientes através do exame de ressonância magnética funcional. Portanto,

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)302

a possibilidade de avaliar os pacientes com o instrumento de priming semântico

durante a realização do exame de neuroimagem funcional também exigiu mudanças

que adaptassem o instrumento ao contexto desse exame. Finalmente, a decisão de

iniciar avaliando paciente com afasia não fluente (um subgrupo dos pacientes pós-AVC

incluídos no projeto) exigiu a análise de variáveis que pudessem ser importantes de

serem consideradas nesta população específica.

Tendo em vista a ausência de estudos que avaliassem as bases neurais do efeito

de priming semântico em pacientes afásicos não fluentes, foram realizadas revisões

sobre o priming semântico e afasias e sobre as bases neurais do priming semântico

em populações saudáveis. Com base nessas revisões, foram decididas quais mu-

danças eram necessárias, além de quais variáveis deveriam ser controladas e quais

deveriam ser manipuladas.

Primeiramente, verificando-se estudos com pacientes neurológicos, observou-se

a necessidade da ampliação do número de estímulos na tarefa de decisão lexical para

a avaliação do priming semântico nesta população (Gagnon; Goulet; Joanette, 1994;

Hagoort; Brown; Swaab, 1996). Assim, aos 54 pares de palavras relacionados previa-

mente elaborados (Salles et al., 2008; Neurocog, 2007) foram acrescidos 41 pares

advindos de novas coletas de dados realizadas no primeiro semestre de 2011, utilizando

a mesma tarefa de associação semântica de palavras já descrita anteriormente. As 95

palavras utilizadas como alvo apresentam de duas a sete letras, sendo a maior parte

delas substantivo concreto ou abstrato, havendo também adjetivos e advérbios.

Assim como nos estudos previamente realizados, a palavra selecionada para

preceder o alvo foi aquela mais evocada pelos participantes (maior força de asso-

ciação). Uma força de associação superior a 25% foi exigida para a seleção de pares

semanticamente relacionados (no mínimo 25% dos participantes deveria ter evo-

cado a mesma palavra). Esse critério garantiu que todos os pares semanticamente

relacionados possuíssem uma forte força de associação entre o prime e o alvo.

Os pares não relacionados e os primes das pseudopalavras também foram

selecionados com os dados dos mesmos estudos. Estes foram cuidadosamente

selecionados para ter um tamanho semelhante quando comparados ao prime seman-

ticamente relacionado e para que não tivessem uma relação estrutural ou semântica

com o alvo. Nos Anexos deste capítulo, o Quadro 1 apresenta a lista de todos os

estímulos utilizados para cada condição: alvos palavras reais, primes relacionados e

não relacionados a este alvo, alvos pseudopalavras e primes que antecediam estas.

A partir dessa lista de estímulos, foram desenvolvidas duas versões equivalen-

tes do experimento de priming semântico (Quadro 2 e 3 dos Anexos). Na versão 1,

primes relacionados antecedem 48 palavras-alvo, enquanto primes não relacionados

precedem os outros 47 pares formados por alvos palavras reais. A versão 2 é o con-

trário. Os 47 alvos precedidos por primes não relacionados na versão 1 são precedidos

candice steffen holderbaum 303

pelos primes relacionados na versão 2. Da mesma forma, primes não relacionados

antecedem os 48 alvos que, na versão 1, são antecedidos por primes relacionados.

A fim de garantir que as versões fossem equivalentes, não existem diferenças na

força de associação prime-alvo, na frequência de ocorrência e extensão do alvo.

No que se refere ao SOA, cada uma dessas versões foi desenvolvida utilizan-

do-se dois diferentes intervalos entre os estímulos: 300ms e 500ms. A seleção de

qual SOA utilizar depende da população a ser avaliada e de que processo subjacente

ao priming semântico pretende-se investigar. Neste caso, determinou-se utilizar

um SOA de 300ms para tentar alcançar o efeito de priming semântico derivado de

processos automáticos e o SOA de 500ms para alcançar o derivado de processos

estratégicos. SOAs menores que 300ms não foram utilizados devido à inexistência

de estudos que tenham encontrado efeitos de priming semântico em pacientes com

afasia não fluente utilizando SOA menores do que este.

Novos desafios e futuras pesquisas do Neurocog

Com o experimento de priming semântico devidamente adaptado às popula-

ções clínicas e à ressonância magnética funcional, foi realizado um estudo de caso

piloto. A participante avaliada era uma brasileira, de 27 anos de idade e estudante de

pós-graduação. Ela fez a tarefa de decisão lexical durante o exame de ressonância

magnética funcional. Os resultados ainda estão sendo analisados, mas a experiên-

cia permitiu confirmar que o instrumento está apto a ser utilizado no contexto da

ressonância magnética funcional. Na próxima etapa do projeto, pretende-se realizar

um estudo piloto, em população não clínica, a fim de garantir que o instrumento

seja capaz de detectar efeitos de priming semântico. Logo após, serão avaliados

comportamentalmente pacientes pós-AVC nos hemisférios esquerdo e direito.

Finalmente, a última etapa do estudo irá avaliar pacientes pós-AVC com afasia não

fluente simultaneamente à realização do exame de ressonância magnética funcional.

Ressalta-se que, ainda hoje, grande parte das baterias de avaliação neuropsicológica

avalia somente a memória explícita, negligenciando a memória implícita (Pompéia;

Bueno, 2006; Strauss; Sherman; Spreen, 2006). Por isso, é essencial o desenvolvimento

de ferramentas que avaliem o processamento léxico-semântico indireto para a melhor

compreensão do funcionamento da memória implícita em pacientes neurológicos.

Indivíduos que tiveram a memória explícita prejudicada em decorrência de uma le-

são cerebral poderão ter como via de intervenção e reabilitação neuropsicológica a

memória implícita (Bolognani; Gouveia; Brucki; Bueno, 2000). Sabe-se que métodos

consagrados de reabilitação neuropsicológica, como a redução de pistas e a aprendi-

zagem sem erros, conduzem a novos aprendizados e a melhorias na qualidade de vida

de pacientes com síndromes amnésicas (Ptak; Van der Linden; Schnide, 2010). Ainda,

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)304

existem estudos no âmbito da reabilitação que utilizam o contexto a fim de facilitar

o processamento em tarefa cognitiva de pessoas com algum tipo de sintomatologia

neurológica, como afasias (Renvall; Laine; Martin, 2007).

A influência implícita dos conteúdos de memória está relacionada e auxilia em

diversos outros processos cognitivos, como é o caso da metamemória, habilidade

de monitorarmos e controlarmos nossos próprios processos de memória (Dunlosky;

Bjork, 2008). Para explicar a relação, pode-se citar um exemplo do dia a dia em que

precisamos utilizar nossa habilidade metamnemônica para resolver um problema,

como estudar para um teste. A influência implícita ocorre quando precisamos

julgar se conseguiremos lembrar do que estudamos para a prova. Pistas implícitas

como a facilidade com que o conteúdo estudado é recuperado quando fizemos

este julgamento podem ser um indício do quanto realmente sabemos sobre aquilo.

Na reabilitação neuropsicológica, é importante que a consciência das dificuldades,

como as de memória, seja avaliada e trabalhada (Ptak et al., 2010). Assim, o grupo

Neurocog possui trabalhos em andamento nessa linha de pesquisa, enfocando o

estudo de pacientes que sofreram AVC em ambos os hemisférios cerebrais.

Pretende-se também investigar as relações entre priming semântico e outros

processos cognitivos, como exemplo entre priming semântico e desempenho em

leitura (reconhecimento de palavras e compreensão de leitura textual) e com me-

mória de trabalho. Neste mesma linha de investigação das relações entre leitura e

processamento léxico-semântico, está sendo desenvolvido um estudo comparativo

do desempenho de priming semântico em crianças com dificuldades de leitura

comparado a controles, leitores competentes.

Acreditamos que o intento de desenvolver estratégias, tarefas e instrumentos

de avaliação dos processos neuropsicológicos está sendo atingido. O maior desafio

agora se encontra em integrar os achados destes estudos para o desenvolvimento

de procedimentos e estratégias de intervenção neuropsicológica. Este é um longo

caminho ainda a ser trilhado.

RERERÊNCIAS

ABEN, L.; BUSSCHBACH, J. J. V.; PONDS, R. W. H. M.; RIBBERS, G. M. Memory self-e-fficacy and psychosocial factors in stroke. Journal of Rehabilitation Medicine, v. 40, p. 681-683, 2008.

ALTARRIBA, J.; BASNIGHT-BROWN, D. M. Methodological considerations in performing semantic – and translation – priming experiments across languages. Behavior Research Methods, v. 39, n. 1, p. 1-18, 2007.

ASSINK, E. M.; BERGEN, F. V.; TEESELING, H. V.; KNUIJT, P. P. Semantic priming effects in normal versus poor readers. The Journal of Genetic Psychology, v. 165, n. 1, p. 67-79, 2004.

candice steffen holderbaum 305

BETJEMANN, R. S.; KEENAN, J. M. Phonological and semantic priming in children with reading disabilities. Child Development, v. 79, n. 4, p. 1086-1102, 2008.

BOLOGNANI, S. A. P.; GOUVEIA, P. A. R.; BRUCKI, S. M. D.; BUENO, O. F. A. Memória implícita e sua contribuição à reabilitação de um paciente amnéstico: relato de caso. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, v. 58, n. 3-B, p. 924-930, 2000.

BUSNELLO, R. H. D.; STEIN, L. M.; SALLES, J. F. Efeito de priming de identidade subliminar na decisão lexical com universitários brasileiros. Psico (PUCRS), v. 39, p. 41-47, 2008.

BUSNELLO, R. H. D.; STEIN, L. M.; SALLES, J. F.; MACHADO, L. L.; GOMES, C. Passos e listas na investigação do priming ortográfico. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 24, n. 2, p. 352-354, 2011.

CASARIN, F. S.; SALLES, J. F.; FONSECA, R. P. Comparison of Neuropsychological Performance between Students from Public and Private Brazilian Schools. The Spanish Journal of Psychology, v. 15, p. 942-951, 2012.

CORSO, H. V.; SPERB, T. M.; SALLES, J. F. Desenvolvimento de Instrumento de Compreensão Leitora a partir de Reconto e Questionário Estudo Preliminar. Neuropsicologia Latinoamericana, v. 4, p. 22-32, 2012.

CORSO, H. V.; SALLES, J. F. Relação entre leitura de palavras isoladas e compreensão de leitura textual em crianças. Letras de Hoje, v. 44, p. 28-35, 2009.

DEL VECCHIO, N.; LIPORACE, J.; NEI, M.; SPERLING, M.; TRACY, J. A dissociation between implicit and explicit verbal memory in left temporal lobe epilepsy. Epilepsia, v. 45, n. 9, p. 1124-1133, 2004.

DUNLOSKY, J.; BJORK, R. A. The integrated nature of metamemory and memory. In: DUNLOSKY, J.; BJORK, R. A. (Orgs.). Handbook of Metamemory and Memory. New York: Psychology Press, 2008, p. 11-28.

ENRICONE, J. R. B.; SALLES, J. F. Relação entre variáveis psicossociais familiares e de-sempenho em leitura/escrita em crianças. Psicologia Escolar e Educacional, v. 15, n. 2, p. 199-210, 2011.

FONSECA, R. P.; SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. M. P. Development and content validity of a Brazilian Brief Neuropsychological Assessment Battery: NEUPSILIN (periódico em processo de lançamento). Psychology and Neuroscience, v. 1, p. 55-62, 2008.

FONSECA, R. P.; SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. M. P. (2009). Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN. São Paulo: Vetor, 2009.

FONTOURA, D. R.; RODRIGUES, J. C.; FONSECA, R. P.; PARENTE, M. A. M. P.; SALLES, J. F. Adaptação do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve NEUPSILIN para avaliar pacientes com afasia expressiva: NEUPSILIN-Af. Ciência & Cognição (UFRJ), v. 16, p. 78-94, 2011.

GAGNON, J.; GOULET, P.; JOANETTE, Y. Activation of the Lexical-semantic System in Right-brain-damaged Right-handers. In: HILLER, D. (Org.). Linguistics and Cognitive

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)306

Neuroscience – Teorical and Empirical Studies on Language Disorders. Montreal (Canada): Westdeutshcer Verlag, 1994, p. 33-48.

GOLBERT, C.; SALLES, J. F. Desempenho em leitura/escrita e em cálculos aritméticos em crianças de 2ª série. Psicologia Escolar e Educacional (Impresso), v. 14, p. 203-210, 2010.

HAGOORT, P.; BROWN, C. M.; SWAAB, T. Y. Lexical-semantic event-related potential effects in patients with left hemisphere lesion and aphasia, and patients with right he-misphere lesion without aphasia. Brain, v. 119, p. 627-649, 1996.

HALA, S.; PEXMAN, P. M.; GLENWRIGHT, M. Priming the meaning of homographs in tipically developing children and children with autism. Journal of Autism Development Disorder, v. 37, n. 2, p. 329-340, 2007.

HOLDERBAUM, C. S. Efeitos de priming semântico em tarefa de decisão lexical com diferentes intervalos entre estímulos. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009.

HOLDERBAUM, C. S.; SALLES, J. F. Semantic priming effect in a lexical decision task: comparing third graders and college students in two different stimulus onset asynchrony. The Spanish Journal of Psychology, v. 14, n. 2, p. 589-599, 2011.

IRIGARAY, T.; BECKERT, M.; PIZZOL, A. D.; HOLDERBAUM, C. S.; FONTOURA, D. R.; FRISON, T.; MATTIELLO, C. M.; FACHINELLI, T. P.; CHAVES, M. L. F.; BIANCHIN, M. M.; SALLES, J. F. Avaliação neuropsicológica na encefalopatia de Hashimoto: um relato de caso. Revista Neuropsicologia Latinoamericana, v. 3, p. 40-46, 2011.

JANCZURA, G. A. Contexto e normas de associação para palavras: a redução do campo semântico. Paideia, v. 15, n. 32, p. 417-425, 2005.

NEELY, J. H. Semantic priming effects in visual word recognition: a selective review of current findings and theories. In: BESNER, D.; HUMPHREYS, G. W. (Orgs.). Basic pro-cesses in reading, visual word recognition. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, 1991, p. 264-336.

NELSON, D. L.; MCEVOY, C. L.; SCHREIBER, T. A. USA: 1999. In: The University of South Florida word association, rhyme and fragment norms. Disponível em: <http://luna.cas.usf.edu/~nelson/>. Acesso em: 26 set. 2008.

NEUROCOG – Núcleo de Estudos em Neuropsicologia Cognitiva. Lista de pares associa-dos. Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, 2007. Material não publicado.

NIEVAS, F.; JUSTICIA, F. A cross-sectional study about meaning access processes for homographs. Cognitive Development, v. 19, p. 95-109, 2004.

PARENTE, M. A. M. P.; SALLES, J. F. Processamento da linguagem em tarefas de memória. In: OLIVEIRA JUNIOR, A. (Org.). Memória: cognição e comportamento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007, p. 231-255.

PAWLOWSKI, J.; FONSECA, R. P.; SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. M. P.; BANDEIRA, D. R. Evidências de validade do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Neupsilin. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 60, n. 2, p. 101-116, 2008.

candice steffen holderbaum 307

PICCOLO, L. R. Relações entre variáveis psicossociais e cognitivas e o desempenho em leitura em crianças de uma coorte populacional. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.

PICCOLO, L. R.; FALCETO, O. G.; FERNANDES, C. L.; LEVANDOWSKI, D. C.; GRASSI-OLIVEIRA, R.; SALLES, J. F. Variáveis psicossociais e desempenho em leitura de crianças de baixo nível socioeconômico. Psicologia: Teoria e Pesquisa (UnB. Impresso), v. 28, p. 389-398, 2012.

POMPÉIA, S.; BUENO, O. F. A. Um paradigma para diferenciar o uso de memória implícita e explícita. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 19, n. 1, p. 83-90, 2006.

PTAK, R.; VAN DER LINDEN, M.; SCHNIDER, A. Cognitive rehabilitation of episodic memory disorders: from theory to practice. Frontiers in Human Neuroscience, v. 4, p. 1-11, 2010.

RENVALL, K.; LAINE, M.; MARTIN, N. Treatment of anomia with contextual priming: Exploration of a modified procedure with additional semantic and phonological tasks. Aphasiology, v. 21, n. 5, p. 499-527, 2007.

RICHARDSON-KLAVEN, A.; BJORK, R. A. Measures of memory. Annual Review of Psychology, v. 39, p. 475-543, 1988.

RODRIGUES, J. C.; SALLES, J. F. Tarefa de escrita de palavras/pseudopalavras para adultos: abordagem da neuropsicologia cognitiva. Letras de Hoje (Impresso), v. 48, p. 50-58, 2013.

SALLES, J. F.; BANDEIRA, D. R.; TRENTINI, C. M.; HUTZ, C. S. Teste de Retenção Visual de Benton (Benton Visual Retention Test – BVRT): normatização para amostra brasi-leira. In press.

SALLES, J. F.; CORSO, H. V. Funções neuropsicológicas relacionadas ao desempenho em leitura em crianças. In: ALVES, Luciana Mendonça; MOUSINHO, Renata; CAPELLINI, Simone Aparecida (Org.). Dislexia: novos temas, novas perspectivas. Rio de Janeiro: WAK, 2011, p. 107-130.

SALLES, J. F.; FONSECA, R. P.; BERLIN, C.; RODRIGUES, C.; BARBOSA, T.; MIRANDA, M. Desenvolvimento do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil NEUPSILIN-INF. Psico-USF, v. 16, n. 3, p. 297-305, 2011.

SALLES, J. F.; FONSECA, R. P.; MIRANDA, M.; BERLIN, C.; RODRIGUES, C.; BARBOSA, T. Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil NEUPSILIN-INF. São Paulo: Vetor, in press.

SALLES, J. F.; HOLDERBAUM, C. S.; BECKER, N.; RODRIGUES, J. C.; LIEDTKE, F. V.; ZIBETTI, M.; PICCOLI, L. F. Normas de associação semântica para 88 palavras do português bra-sileiro. Psico (PUCRS), v. 39, p. 260-268, 2008.

SALLES, J. F.; HOLDERBAUM, C. S.; BERNARDI, D.; KREITCHMANN, R. S. Tarefas de me-mória implícita. In: HUTZ, C. S. (Org.). Avanços em Avaliação Psicológica e Neuropsicológica de crianças e adolescentes. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010, p. 209-233.

SALLES, J. F.; HOLDERBAUM, C. S.; FINGER, I. Estudo comparativo do acesso semântico no processamento visual de palavras entre brasileiros monolíngues e chineses multilín-

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)308

gues falantes do português do Brasil como língua estrangeira. Educar em Revista, v. 38, p. 129-144, 2010.

SALLES, J. F.; HOLDERBAUM, C. S.; MANSUR, L. L. (2009). Semantic priming effects in lexical decision task in two patients with frontotemporal lobar degeneration. 14th International Aphasia Rehabilitation Conference, Universidade de Montreal, Montréal, Québec, Canadá.

SALLES, J. F.; JOU, G. I.; STEIN, L. M.. O paradigma de priming semântico na investigação do processamento de leitura de palavras. Interação em Psicologia, v. 11, p. 71-80, 2007.

SALLES, J. F.; MACHADO, L. L.; HOLDERBAUM, C. S. Normas de associação semântica de 50 palavras do português brasileiro para crianças: tipo, força de associação e tamanho do conjunto do alvo. Interamerican Journal of Psychology, v. 43, p. 22-31, 2009.

SALLES, J. F.; MACHADO, L. L.; JANCZURA, G. Efeitos de priming semântico em tarefa de decisão lexical em crianças de 3ª série. Psicologia: Reflexão e Crítica, v. 24, n. 3, p. 597-608, 2011.

SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. P. Relação entre os processos cognitivos envolvidos na leitura de palavras e as habilidades de consciência fonológica em escolares. Pró-Fono Revista de Atualização Científica, v. 14, n. 2, p. 141-286, 2002.

SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. M. P. Compreensão textual em alunos de segunda e terceira séries: uma abordagem cognitiva. Estudos de Psicologia (Natal), v. 9, n. 1, p. 71-80, 2004.

SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. Heterogeneidade nas estratégias de leitura/escrita em crianças com dificuldade de leitura e escrita. Psico, v. 37, p. 83-90, 2006a.

SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. M. P. Funções neuropsicológicas em crianças com dificul-dades de leitura e escrita. Psicologia Teoria e Pesquisa, v. 22, p. 153-162, 2006b.

SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. Avaliação da leitura e escrita de palavras em crianças de 2ª série: Abordagem neuropsicológica cognitiva. Psicologia Reflexão e Crítica, v. 20, n. 2, p. 220-228, 2007.

SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. M. P. Variabilidade no desempenho em tarefas neuropsico-lógicas entre crianças de 2ª série com dificuldades de leitura e escrita. Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 60, p. 1-10, 2008.

SALLES, J. F.; PAWLOWSKI, J.; ESTEVES, C.; BANDEIRA, D. R. Evidências de fidedignidade do NEUPSILIN. In: FONSECA, R. P.; SALLES, J. F.; PARENTE, M. A. M. P. Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Neupsilin. São Paulo: Editora, 2009.

SALLES, J. F.; PICCOLO, L. R.; ZAMO, R.; TOAZZA, R. Normas de desempenho em tarefa de leitura de palavras/pseudopalavras isoladas (LPI) para crianças de 1º ano a 6ª série. Estudos e Pesquisas em Psicologia (UERJ. Impresso), v. 13, p. 1-10, 2013.

SCHIRO, E. D. B. D.; PICCOLO, L. R.; COUTO, M. C. P.; SALLES, J. F.; KOLLER, S. H. Influences of developmental contexts and gender differences on school performance of children and adolescents. Educational Psychology, p. 1-12, 2013.

candice steffen holderbaum 309

SCHVANEVELDT, R.; ACKERMAN, B. P.; SEMLEAR, T. The effect of semantic context on children’s word recognition. Child Development, v. 48, p. 612-616, 1977.

SCHWANTES, F. M.; BOESL, S. L.; RITZ, E. G. Children’s use of context in word recognition: a psycholinguistic guessing name. Child Development, v. 51, p. 730-736, 1980.

SIMPSON, G. B.; FOSTER, M. R. Lexical ambiguity and children’s word recognition. Developmental Psychology, v. 22, n. 2, p. 147-154, 1986.

SIMPSON, G. B.; LORSBACH, T. C. The development of automatic and conscious com-ponents of contextual facilitation. Child Develompent, v. 54, p. 760-772, 1983.

SIMPSON, G. B.; LORSBACH, T. C. Automatic and conscious context effects in average and advanced readers. Journal of Research in Reading, v. 10, n. 2, p. 110-112, 1987.

STEIN, L. M.; GOMES, C. F. A. Normas Brasileiras para Listas de Palavras Associadas: Associação Semântica, Concretude, Frequência e Emocionalidade. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 25, n. 4, p. 537-546, 2009.

STRAUSS, E.; SHERMAN, E. M. S.; SPREEN, O. A compendium of neuropsychological tests: Administration, norms and commentary. New York: Oxford University Press, 2006.

ZAMO, R. S. Avaliação neuropsicológica de crianças com dificuldades de leitura através do Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve Infantil NEUPSILIN-INF. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

ZAMO, R.; SALLES, J. F. Perfil neuropsicológico no NEUPSILIN INF de crianças com difi-culdades de leitura. Psico (PUCRS. Impresso), v. 44, p. 204-214, 2013.

ZANINI, A. M.; WAGNER, G. P.; SALLES, J. F.; BANDEIRA, D. R.; BANDEIRA, D. R.; TRENTINI, Clarissa M. Teste de Retenção Visual de Benton (BVRT): evidências de validade para idosos. Avaliação Psicológica (Impresso), v. 11, p. 287-296, 2012.

ZIBETTI, M. R.; GINDRI, G.; PAWLOWSKI, J.; SALLES, J. F.; BANDEIRA, D. R.; PARENTE, M. A. M. P.; FACHEL, J. M. G.; FONSECA, R. P. Estudo comparativo de funções neuropsi-cológicas entre grupos etários de 21 a 90 anos. Revista Neuropsicologia Latinoamericana, v. 2, n. 1, p. 55-67, 2010.

ZORTEA, M. Estudo sobre as associações semânticas de palavras em crianças, adultos jovens e idosos. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2010.

ZORTEA, M.; SALLES, J. F. Estudo comparativo das associações semânticas de palavras entre adultos jovens e idosos. Psicologia: Teoria e Prática, v. 28, p. 259-266, 2012.

ZORTEA, M.; MENEGOLA, B.; VILLAVICENCIO, A.; SALLES, J. F. Análise de grafos de associação semântica de palavras entre crianças, adultos e idosos. Psicologia: Reflexão e Crítica (UFRGS. Impresso), v. 27, p. 90-99, 2014.

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)310

Anexos

Alvo (total = 95)

Prime relacionado

Prime não relacionado

Alvo pseudopalavra

Prime

pseudopalavra

FORTE músculo irreal BORTI Faísca

BELEZA mulher refúgio XELELA Silêncio

SUCO laranja amizade LULO Colorida

FINO grosso escola PONO Culpado

ARANHA teia tambor IRANHE Anterior

VÔLEI esporte feijão CÔLEA Jornal

LAMA barro crime BARA Olho

CASA lar cubo LASI Choro

CHEIO vazio fosco CHOIA Culpa

CRUZ Jesus pátio TRUL Mal

ALEGRIA felicidade lixo ALOGREA Amarelo

BOLA futebol legume POBA Tijolo

LUZ lâmpada descanso RUR Vasilha

PESADO leve tomada PEMADU Espaço

GELADA cerveja alecrim GERADE Antigo

RABO cavalo vontade PADO Corneta

QUEIJO rato haste QUERJA Arma

FARDA soldado recife BIRDA Interior

FOLHA árvore caixão XOLHA Fada

BONECO brinquedo cadáver BINICO Podre

DIFÍCIL fácil prédio PIFÍCOL Fonema

BOCA beijo lema BOLE Chato

BATATA frita amor BARATE Castelo

Quadro 1: Lista de estímulos utilizados na tarefa de decisão lexical.

candice steffen holderbaum 311

Alvo (total = 95)

Prime relacionado

Prime não relacionado

Alvo pseudopalavra

Prime

pseudopalavra

SOLIDÃO tristeza cabeça SALITÃO Gengiva

HOJE agora rede COTE Duro

PÓ sujeira morada CIR Dor

RUIM bom calça RULA Medo

ESPELHO reflexo segurança ASTELHO Perfume

BONITO feio secreto BOTILO Concha

TESOURA corte bode MESOUPA Prego

GRANDE pequeno escuro GRANLI Botão

OVO galinha nuvem ONA Mole

AMEIXA fruta prisão ADEIPA Enxada

CALOR verão amplo CATON Natal

BOLO chocolate ambiente DOTO Parque

BRANCO preto café BRANTI Entre

LOTERIA sorte teto SOTERIE Banguela

ÚMIDA molhada empresa ÚPEDA Galeto

TOALHA banho dúzia TAULHA Diversa

TOSSE gripe caixa TOLSI Avião

SOLTO livre brilho COLTE Portão

DIA noite boi MIR Vasto

DEPOIS antes blusa DEPOLA Enorme

BREJO sapo suor BRUVO Festa

CALMO tranquilo panela BALRO Alho

FÚRIA raiva cova RÚRIE Pena

Quadro 1 (continuação): Lista de estímulos utilizados na tarefa de decisão lexical.

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)312

Alvo (total = 95)

Prime relacionado

Prime não relacionado

Alvo pseudopalavra

Prime

pseudopalavra

FECHADO aberto cinza FECHAZO Maligno

ALTO baixo dengue ALBE Pote

NOVO velho doce NOBU Tecido

VACA leite fecho LICA Prazer

PAI mãe lua LAE Paz

ERVA chimarrão caminho ERBE Cabra

ENTRADA saída camiseta ENTRALE Parafuso

GORDO magro pedra GORTE Pureza

COCAÍNA droga irmão MOCAÍTA Injustiça

LESTE oeste corrida CESTI Receptivo

QUESTÃO pergunta mórbido QUESTUL Processo

NOIVA casamento identidade NEIVI Voador

LUVA mão sol LEVU Zona

CÉU azul fina CRA Louco

TÚMULO morte gato TÚCULA Fumaça

BOXE luta lápis DODE Clima

RELÓGIO horas gases REBÓGIA Espacial

MESA cadeira amargo FESU Coragem

POBRE rico foguete POCRI Mundo

PERTO longe jarra RERTE Família

COROA rei bar COZEA Futuro

NORTE sul prova MORGE Cinco

GELO frio escassez RULO Rua

Quadro 1 (continuação): Lista de estímulos utilizados na tarefa de decisão lexical.

candice steffen holderbaum 313

Alvo (total = 95)

Prime relacionado

Prime não relacionado

Alvo pseudopalavra

Prime

pseudopalavra

SALÁRIO dinheiro graveto TAPÁRIO Ponteiro

AREIA praia tema ARAIO Vale

ABRAÇO carinho física ABRADE Nojento

OSSO cachorro capacete OCRO Marte

COMEÇO início gaiola TOMELO Sorriso

PICADA mosquito distância PRÍADA Ouro

MUITO pouco conclusão LUIRO Pasta

PALITO dente montanha PELITU Saudável

VASO flor choque COSO Leão

BRASA fogo ponto BRESE Marrom

SIM não pão JUM Som

TÉRMINO fim vinho BÉRLINO Seqüestro

PAÍS Brasil mansão POUS Sombrio

RÁDIO música murcho RÍDIA Sangue

FORA dentro vida FIRI Roupa

FOME comida pilha BIME Cristais

BRISA vento vício DRIMA Regra

PLANETA terra fofa PLACOTA Evolução

FRALDA bebê chave FROLPA Nome

PNEU carro livro PRIU Cosmo

TUDO nada marca DUCO Cama

ISCA peixe padre OSTA Placa

MASTRO bandeira estresse MOSTRÍ Taça

Quadro 1 (continuação): Lista de estímulos utilizados na tarefa de decisão lexical.

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)314

Alvo (total = 95)

Prime relacionado

Prime não relacionado

Alvo pseudopalavra

Prime

pseudopalavra

IMUNDO sujo patos IMONRO Colega

CIRCO palhaço valores CIMIO Euforia

SEDE água piso SADU Gibi

PARES RELACIONADOSPARES NÃO

RELACIONADOSPARES PSEUDOPALAVRAS

AlvoPrime rela-

cionadoAlvo

Prime não relacio-

nado

Alvo pseu-dopalavra

Prime pseudopa-

lavra

Alvo pseu-dopalavra

solidão tristeza fino Escola borti faísca Tapário

lama barro casa Cubo xelela silêncio Nobu

cruz Jesus bola Legume lulo colorida Liça

luz lâmpada rabo Vontade pono culpado Lae

boca beijo hoje Rede iranhe anterior Erbe

pó sujeira ruim Calça côlea jornal Entrale

ovo galinha bolo Ambiente bara olho Gorte

dia noite alto Dengue lasi choro Mocaíta

forte músculo beleza Refúgio choia culpa Cesti

alegria felicidade vôlei Feijão trul mal Questul

cheio vazio aranha Tambor alogrea amarelo Neivi

pesado leve gelada Alecrim poba tijolo Levu

queijo rato farda Recife rur vasilha Cra

loteria sorte boneco Cadáver pemadu espaço Túcula

folha árvore difícil Prédio gerade antigo Dode

batata frita circo Valores pado corneta Rebógia

Quadro 1 (continuação): Lista de estímulos utilizados na tarefa de decisão lexical.

Quadro 2: Pares de estímulos da Versão 1 da tarefa atual de decisão lexical.

candice steffen holderbaum 315

PARES RELACIONADOSPARES NÃO

RELACIONADOSPARES PSEUDOPALAVRAS

AlvoPrime rela-

cionadoAlvo

Prime não relacio-

nado

Alvo pseu-dopalavra

Prime pseudopa-

lavra

Alvo pseu-dopalavra

espelho reflexo bonito Secreto querja arma Fesu

tesoura corte grande Escuro birda interior Pocri

ameixa fruta calor Amplo soterie banguela Rerte

branco preto úmida Empresa binico podre Cozea

toalha banho mesa Amargo xolha fada Morge

solto livre depois Blusa pifícol fonema Rulo

brejo sapo calmo Panela bole chato Luiro

fúria raiva fechado Cinza barate castelo Araio

salário dinheiro novo Doce salitão gengiva Abrade

vaca leite pai Lua cote duro Ocro

erva chimarrão luva Sol cir dor Tomelo

céu azul boxe Lápis rula medo Príada

fome comida gelo Escassez astelho perfume Pelitu

osso cachorro vaso Choque botilo concha Coso

sim não país Mansão mesoupa prego Brese

fora dentro suco Amizade granli botão Jum

pneu carro tudo Marca ona mole Bérlino

isca peixe sede Piso adeipa enxada Pous

entrada saída gordo Pedra caton natal Rídia

cocaína droga leste Corrida doto parque Firi

questão pergunta noiva Identidade branti entre Bime

túmulo morte relógio Gases úpeda galeto Drima

Quadro 2 (continuação): Pares de estímulos da Versão 1 da tarefa atual de decisão lexical.

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)316

PARES RELACIONADOSPARES NÃO

RELACIONADOSPARES PSEUDOPALAVRAS

AlvoPrime rela-

cionadoAlvo

Prime não relacio-

nado

Alvo pseu-dopalavra

Prime pseudopa-

lavra

Alvo pseu-dopalavra

pobre rico perto Jarra taulha diversa Placota

coroa rei norte Prova tolsi avião Frolpa

muito pouco areia Tema colte portão Priu

abraço carinho começo Gaiola mir vasto Duco

picada mosquito palito Montanha depola enorme Osta

brasa fogo término Vinho bruvo festa Mostrí

rádio música brisa Vício balro alho Imonro

planeta terra fralda Chave rúrie pena Cimio

mastro bandeira imundo Patos fechazo maligno Sadu

tosse gripe albe pote

PARES RELACIONADOSPARES NÃO

RELACIONADOSPARES PSEUDOPALAVRAS

AlvoPrime rela-

cionadoAlvo

Prime não relacio-

nado

Alvo pseu-dopalavra

Prime pseudopa-

lavra

Alvo pseudo-palavra

fino grosso solidão Cabeça borti faísca Tapário

casa lar lama Crime xelela silêncio Nobu

bola futebol cruz Pátio lulo colorida Liça

rabo cavalo luz Descanso pono culpado Lae

hoje agora boca Lema iranhe anterior Erbe

ruim bom pó Morada côlea jornal Entrale

bolo chocolate ovo Nuvem bara olho Gorte

Quadro 2 (continuação): Pares de estímulos da Versão 1 da tarefa atual de decisão lexical.

Quadro 3: Pares de estímulos da Versão 2 da tarefa atual de decisão lexical.

candice steffen holderbaum 317

PARES RELACIONADOSPARES NÃO

RELACIONADOSPARES PSEUDOPALAVRAS

AlvoPrime rela-

cionadoAlvo

Prime não relacio-

nado

Alvo pseu-dopalavra

Prime pseudopa-

lavra

Alvo pseudo-palavra

alto baixo dia Boi lasi choro Mocaíta

beleza mulher forte Irreal choia culpa Cesti

vôlei esporte alegria Lixo trul mal Questul

aranha teia cheio Fosco alogrea amarelo Neivi

gelada cerveja pesado Tomada poba tijolo Levu

farda soldado queijo Haste rur vasilha Cra

boneco brinquedo loteria Teto pemadu espaço Túcula

difícil fácil folha Caixão gerade antigo Dode

circo palhaço batata Amor pado corneta Rebógia

bonito feio espelho Segurança querja arma Fesu

grande pequeno tesoura Bode birda interior Pocri

calor verão ameixa Prisão soterie banguela Rerte

úmida molhada branco Café binico podre Cozea

mesa cadeira toalha Dúzia xolha fada Morge

depois antes solto Brilho pifícol fonema Rulo

calmo tranquilo brejo Suor bole chato Luiro

fechado aberto fúria Cova barate castelo Araio

novo velho salário Graveto salitão gengiva Abrade

pai mãe vaca Fecho cote duro Ocro

luva mão erva Caminho cir dor Tomelo

boxe luta céu Fina rula medo Príada

gelo frio fome Pilha astelho perfume Pelitu

Quadro 3 (continuação): Pares de estímulos da Versão 2 da tarefa atual de decisão lexical.

núcleo de estudos em neuropsicologia cognitiva (neurocog)318

PARES RELACIONADOSPARES NÃO

RELACIONADOSPARES PSEUDOPALAVRAS

AlvoPrime rela-

cionadoAlvo

Prime não relacio-

nado

Alvo pseu-dopalavra

Prime pseudopa-

lavra

Alvo pseudo-palavra

vaso flor osso Capacete botilo concha Coso

país Brasil sim Pão mesoupa prego Brese

suco laranja fora Vida granli botão Jum

tudo nada pneu Livro ona mole Bérlino

sede água isca Padre adeipa enxada Pous

gordo magro entrada Camiseta caton natal Rídia

leste oeste cocaína Irmão doto parque Firi

noiva casamento questão Mórbido branti entre Bime

relógio horas túmulo Gato úpeda galeto Drima

perto longe pobre Foguete taulha diversa Placota

norte sul coroa Bar tolsi avião Frolpa

areia praia muito Conclusão colte portão Priu

começo início abraço Física mir vasto Duco

palito dente picada Distância depola enorme Osta

término fim brasa Ponto bruvo festa Mostrí

brisa vento rádio Murcho balro alho Imonro

fralda bebê planeta Fofa rúrie pena Cimio

imundo sujo mastro Estresse fechazo maligno Sadu

tosse Caixa albe pote

Quadro 3 (continuação): Pares de estímulos da Versão 2 da tarefa atual de decisão lexical.

formato

tipografia

papel

número de páginas

impressão e acabamento

ano

16 x 23 cm

Gandhi Sans

Offset

320

Gráfica epecê

2015