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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Faculdade de Ciências Aplicadas KAREN TANK MERCURI MACEDO LINCHAMENTOS VIRTUAIS: PARADOXOS NAS RELAÇÕES SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS LIMEIRA 2016

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Faculdade de Ciências Aplicadas

KAREN TANK MERCURI MACEDO

LINCHAMENTOS VIRTUAIS: PARADOXOS NAS

RELAÇÕES SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS

LIMEIRA

2016

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KAREN TANK MERCURI MACEDO

LINCHAMENTOS VIRTUAIS: PARADOXOS NAS

RELAÇÕES SOCIAIS CONTEMPORÂNEAS

Dissertação apresentada à Faculdade de Ciências

Aplicadas da Universidade Estadual de Campinas

como parte dos requisitos exigidos para a obtenção

do título de Mestra em Ciências Humanas e Sociais

Aplicadas, na Área de Modernidade e Políticas

Públicas.

Orientadora: Profa. Dra. Carolina Cantarino Rodrigues

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA EM

15/08/2016, PELA ALUNA KAREN TANK

MERCURI MACEDO, ORIENTADA PELA PROFA.

DRA. CAROLINA CANTARINO RODRIGUES.

LIMEIRA

2016

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FOLHA DE APROVAÇÃO

LINCHAMENTOS VIRTUAIS: PARADOXOS NAS RELAÇÕES SOCIAIS

CONTEMPORÂNEAS

Comissão Examinadora

Profa. Dra. Carolina Cantarino Rodrigues (presidente)

Profa. Dra. Marta Mourão Kanashiro

Prof. Dr. Rafael de Brito Dias

A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros

encontra-se no processo de vida acadêmica da aluna.

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A minha filha Giulia, que faz com

que meus esforços valham a pena.

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AGRADECIMENTOS

Ao meu marido Fábio que soube ser companheiro, ao dividir comigo as tarefas do

lar, ao suportar meus momentos de instabilidade emocional e ausência. Meu amor e minha

gratidão.

Aos meus pais que, no princípio, por excesso de zelo achavam que seria sofrível

para mim acumular mais uma atividade, mas com o tempo, entenderam meu propósito e

apoiaram a minha incessante busca por conhecimento.

À Profa. Dra. Carolina Cantarino Rodrigues por ter aceitado meu projeto e por ter

construído comigo este trabalho, num processo árduo, mas gratificante.

Aos professores doutores Rafael de Brito Dias e Marta Mourão Kanashiro pelas

contribuições no exame de Qualificação, que muito enriqueceram esta Dissertação.

Aos professores do Mestrado Interdisciplinar de Ciências Humanas e Sociais

Aplicadas, da Faculdade de Ciências Aplicadas da UNICAMP, pelas aulas, leituras e

discussões que muito contribuíram para minha formação acadêmica. Nesse período foi

perceptível amplição da visão de mundo, do aprendizado e de minha cultura devido à

variedade de temas e aos percursos em diversas áreas do conhecimento.

Aos professores doutores Denise Bértoli Braga e Marcelo El Khouri Buzato do

Instituto de Estudos da Linguagem da UNICAMP, onde fiz minhas primeiras disciplinas de

Pós-graduação, pelos ensinamentos sobre linguagens, tecnologias e sociedade.

Ao Prof. Dr. Rafael Costa Freria, da Faculdade de Tecnologia da UNICAMP,

pelos materiais concedidos e pelas explicações sobre Legislação e Direitos Humanos.

Aos diretores e coordenadores da Faculdade de Tecnologia da UNICAMP, onde

trabalho, que sempre incentivaram a minha formação acadêmica e profissional.

Enfim, aos amigos mestrandos, em especial à Queila Valentim, Dildre Vasques,

Kelly Camargo, Renato Frigo, Tiago Guioti e Roberson Marcomini por dividirem comigo as

mesmas aspirações e dúvidas no ingresso do curso; tensões e alegrias durante cada semestre;

nervosismo pré e satisfação após banca. Sentirei saudades de nossas conversas terapêuticas,

em que as posições de confitente e conselheiro alternavam-se.

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"Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as

coisas, inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança,

unicamente aliança. A árvore impõe o verbo 'ser', mas o rizoma tem como

tecido a conjunção 'e... e... e'. Há nesta conjunção força suficiente para sacudir

e desenraizar o verbo ser".

Gilles Deleuze e Félix Guattari

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RESUMO

Este trabalho propõe estudar as relações comunicacionais em redes sociais on-line, sobretudo

os chamados linchamentos virtuais: exposição e humilhação pública de alguém que começam

no ciberespaço, mas não se encerram nele; ou ainda, eventos do cotidiano que foram levados

às redes sociais para serem julgados. Nota-se que a presença cada vez mais constante da

Internet em nossas vidas tornou frágeis as fronteiras entre o atual e o virtual, o público e o

privado, a liberdade e o controle, o prazer e o poder. Pretende-se fazer reflexões acerca desses

paradoxos - que convivem e se reforçam -, a partir da configuração que emerge desses

eventos em que há preferência pela exposição, denúncia, julgamento e justiçamento popular.

Os materiais coletados são casos de linchamentos virtuais retirados de matérias jornalísticas

on-line, dos últimos dois anos. A análise tem como aporte teórico os deslocamentos e

questionamentos que vem sendo levantados por pesquisadores das Ciências Humanas e

Sociais sobre a relação da sociedade com as novas tecnologias da informação e comunicação,

tais como: a aceleração, novas dimensões do espaço-tempo, a realidade do virtual, a

subjetividade contemporânea, o exercício do poder. Devido à complexidade do objeto de

estudo, optou-se por uma abordagem interdisciplinar.

Palavras-chave: redes sociais; julgamento; poder; interdisciplinaridade.

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ABSTRACT

This work aims at studying the communicational relationship from social networks,

particularly the so-called virtual lynching: the exposure and humiliation of individuals, which

begins in cyberspace, but does not end there; or even events that are transferred from daily life

to social networks for judgment. The increasingly constant presence of the Internet in our

lives blurs the boundaries between the real and virtual world, public and private issues,

freedom and control, pleasure and power. This work deals with reflections on these

paradoxes, which coexist and become stronger, arising from events where there is preference

for exposure, complaint, judgment, and popular justice. The compiled materials are examples

of virtual lynching taken from online news in the last two years. The analysis has theoretical

support from displacements and questions that have been raised by researchers from Human

and Social Sciences on the relationship between society and information and communications

technology (ICT). Examples from such relationship are social acceleration, new dimensions

for space-time, virtual reality, contemporary subjectivity, and the exercise of power. Due to

the complexity of this subject, an interdisciplinary approach was undertaken.

Keywords: social networks; judgment; power; interdisciplinarity.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1: Discursos de ódio no Facebook ............................................................................ 28

FIGURA 2: Possível, real, atual e virtual ................................................................................. 48

FIGURA 3: Exemplo de remixing de imagem ......................................................................... 58

FIGURA 4: Princípios do Marco Civil na Internet .................................................................. 90

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................12

2 LINCHAMENTO VIRTUAL: ANÁLISE DO OBJETO E REFLEXÕES SOBRE OS TERMOS ...20

2.1 Linchamento Virtual: entendendo e problematizando o objeto ...................................................23

2.2 Linchamentos: caminhos possíveis para compreensão ................................................................32

2.2.1 Perspectiva Sociológica .........................................................................................................32

2.2.2 Circuito de afetos ..................................................................................................................38

2.3 Virtual: mudança nos modos de ser e de viver .............................................................................41

2.3.1 Crise da percepção de duas dimensões ontológicas: espaço e tempo....................................43

2.3.2 A passagem para o virtual .....................................................................................................46

2.3.3 A realidade virtual como ampliação da realidade .................................................................52

2.4 Novidade e recorrência.................................................................................................................55

3 A INTENSA PRESENÇA DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA

CONTEMPORANEIDADE: (RE)CONFIGURAÇÕES DA PRIVACIDADE, DO PODER E DO

CONTROLE ..........................................................................................................................................61

3.1 Público e Privado: redes sociais como palco público para a exposição do íntimo .......................63

3.2 Prazer e poder: intervenções de um poder estratégico .................................................................72

3.3 Na rede e para além dela: o controle ao ar livre e o disciplinamento da massa ...........................81

3.4 Liberdade e controle: intervenções do poder jurídico ..................................................................87

3.4.1 Criação de leis específicas para uso da Internet no Brasil .....................................................88

3.4.2 Liberdade de expressão e dignidade da pessoa humana: embate de direitos fundamentais ..96

4 DO COTIDIANO PARA A CIÊNCIA: TRAJETÓRIAS PARA TORNAR O LINCHAMENTO

VIRTUAL UM PROBLEMA DE PESQUISA CIENTÍFICA .............................................................108

4.1 Coletânea de material para a pesquisa ........................................................................................108

4.2 Intervenção interdisciplinar para tratar o objeto de estudo ........................................................111

4.3 Questões Metodológicas ............................................................................................................114

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................................118

6 REFERÊNCIAS ...............................................................................................................................123

ANEXO ................................................................................................................................................130

ÍNDICE POR CASOS ..........................................................................................................................132

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1 INTRODUÇÃO

Ao falar em sociedade contemporânea não se pode deixar de mencionar a

mediação tecnológica nas relações sociais. A interação digital, sobretudo via Internet, tem

estado cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, tornando o par homem-máquina

praticamente indissociável.

Essa interação se mostra bem consistente, quando se utilizam os mais variados

aparelhos para se acessar a Internet, a rede mundial de computadores. Desde final do século

XX, o número de adeptos à Internet vem crescendo devido a alguns fatores, dentre os quais

podemos citar: barateamento de equipamentos eletrônicos, sobretudo de computadores e

televisores (alguns modelos já disponibilizam a opção smart, que permite acesso à rede); uso

de equipamentos portáteis (notebook, celular e tablet); progresso das telecomunicações (banda

larga, por exemplo). Mundialmente, esse número chegou a três bilhões e duzentos milhões de

internautas, de acordo com a União Internacional de Telecomunicações (UIT)1 das Nações

Unidas, em 2015. No Brasil, 57,6% das pessoas estão conectadas, segundo o levantamento da

UIT.

Tendo em vista a expressividade desses números, considera-se importante

pesquisas que contemplem as práticas da sociedade tecnificada do século XXI que é composta

por quatro gerações2, a seguir:

(i) Baby Boomers: nascidos entre 1945 a 1965. Com o fim da Segunda Guerra

Mundial e a volta dos soldados para a casa, houve um crescimento da natalidade em todo

mundo. Ao chegarem na adolescência, os Baby Boomers lutaram contra os costumes e valores

da época. Tiveram contato com computadores e celulares já na fase adulta.

1 Disponível em: < https://nacoesunidas.org/ no-brasil-quase-60-das-pessoas-estao-conectadas-a-internet-afirma-novo-

relatorio-da-onu>. Acesso em: 12 dez 2015 2 Baby Boomers, Geração X e Geração Y. Disponível em: < https://www.facebook.com/UnicampAno50/videos/

1514823885489582>. Acesso em: 21 abril, 2016.

REIS, P. et al. O Alcance da Harmonia entre as Gerações Baby Boomers, X e Y na Busca da Competitividade Empresarial no

Século XXI. In: X SEGeT, 2013. Disponível em: < http://www.aedb.br/seget/arquivos/artigos13/9418322.pdf>. Acesso em:

21 abril, 2016.

KÄMPF, C. A geração Z e o papel das tecnologias digitais na construção do pensamento. In: Revista ComCiência, n. 131,

2011.

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(ii) Geração X: são os filhos dos Baby Boomers, nascidos entre 1966 e 1977.

Devido à incerteza de que a próxima geração continuaria ou não a revolução provocada por

seus pais, foi denominada de “X” (incógnita). Tornaram-se jovens na década de 1980.

Observaram a tecnologia entrando no cotidiano de suas casas.

(iii) Geração Y: nascidos entre 1978 a 1989. Na década de 90, houve a

popularização de Internet e avanços tecnológicos tanto de hardware como de software. Isso

possibilitou uma expansão da identidade da geração “Y”, já que agora lhes era acessível a

conexão com qualquer pessoa em qualquer lugar do mundo. Compartilham ideias,

pensamentos e os mais diversos conteúdos. As pessoas dessa geração também têm como

características: o pensamento não linear; capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo e

são altamente dinâmicos.

(iv) Geração Z: nascidos após 1990. A denominação “Z” vem de “zapear”, ou

seja, fazer algo rapidamente, como digitar mensagens de texto no celular, e mudança de foco

constante. É a geração que já nasceu imersa nas tecnologias e assistiram, não passivamente, o

surgimento das redes sociais (Orkut, Twitter, Facebook, etc). Essa geração está totalmente

integrada com as tecnologias e valorizam muito as comunicações virtuais.

Nota-se um processo de inclusão na Internet, não só por atores de diferentes

idades, mas também por diferentes classes sociais e de diferentes culturas, já que os

dispositivos para esse fim estão mais acessíveis e têm alcance global. Entretanto, Kanashiro

(2016) adverte que, nesta década, observou-se a expansão de empresas, como o Google e o

Facebook, que permitem ao usuário o acesso à tecnologia, mas em contrapartida praticam “o

controle de acesso, a vigilância, o monitoramento e a identificação de pessoas, a construção

de banco de dados e perfis sobre a população” (p. 20). Portanto, a Internet não está isenta das

estratégias de poder que incluem alguns e excluem outros.

Sendo assim, é preciso pensar as transformações contemporâneas, sobretudo sob a

óptica do funcionamento e utilização das Tecnologias da Informação e da Comunicação,

doravante TICs, como mudança no capitalismo, no exercício do poder, nos modos de

conhecer, de ver, de sentir (KANASHIRO, 2016).

No cerne da discussão sobre essas mudanças, propomos observar algumas práticas

sociais em contexto digital. Tem-se notado que as redes soacias on-line, atualmente,

tornaram-se dispositivos acessíveis para fortalecer e propagar denúncias e acusações de

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irregularidades no sistema público. No entanto, com a apropriação do mesmo instrumento, vê-

se também julgamentos, humilhações, demonstrações de preconceito e violência. Sabemos

que tais práticas são muito anteriores à tecnologia, mas a Internet as tem potencializado.

Para melhor compreender essas tensões presentes nas relações sociais em meio

virtual, utilizaremos como objeto de estudo um fenômeno recente: o “linchamento virtual”

(assim chamado pela mídia), que é fruto de agressões e humilhação pública em redes sociais

on-line, mas que não se encerram nelas, estendendo-se em efeitos e consequências para a

“vida real”.

Sem a pretensão de respostas conclusivas, esta pesquisa busca analisar o

“linchamento virtual” para tentar compreender a sua própria singularidade, além do que já

está posto e tido como evidente acerca do tema. Por isso, mais do que conclusões e respostas,

o que se deseja é instituir um “campo problemático” em torno desse assunto.

Para isso, inciaremos o capítulo 2 levantando uma discussão acerca dos conceitos

já existentes para tratar situações supostamente semelhantes – por exemplo, os linchamentos o

bullying - ao nosso objeto de estudo: o que se aplicaria ou não aos casos coletados nesta

pesquisa? A reflexão flui para questionamentos mais desafiadores, tais como forma e a

necessidade de categorização e definição acerca do linchamento virtual.

Na medida em que os linchamentos virtuais tendem a ocorrer em redes sociais on-

line, mas não ficam circunscritos a elas, como foi afirmado anteriormente, outra reflexão que

será feita nesse capítulo parte de algumas indagações: no contexto atual, em que as pessoas

vivem conectadas o tempo todo, o que é o “real”? Haveria uma realidade “realmente real” em

relação à qual o ambiente virtual poderia ser avaliado como “menos real”, alternativo ou

fictício? Neste trabalho também pretende-se discutir essa problemática à luz da Filosofia e das

Ciências Sociais. Considera-se relevante essa discussão já que a intensa presença das TICs no

mundo contemporâneo coloca em xeque o próprio princípio de realidade (Garcia dos Santos,

2003: p.113).

Além disso, as fronteiras habituais com as quais definíamos o tempo e o espaço

deixam de fazer sentido diante do mundo virtual. Veremos ainda que essa reconfiguração do

espaço-tempo, promovida pela virtualidade, impacta nas nossas percepções, pensamentos e na

velocidade das narrativas.

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Nesse capítulo ainda, analisaremos o outro termo do nosso objeto de estudo:

“linchamento”, também à luz da Filosofia contemporânea e das Ciências Sociais.

Pretendemos conectar nosso tema com esses estudos e reflexões para que nos auxiliem a

compreender, dentre outras coisas: vínculos sociais, manutenção da ordem social, atitudes

violentas e a procura por meios alternativos de justiça.

Fechando o capítulo, recomponhos novamente os termos – linchamento virtual - e

sintetizamos as discussões anteriores, mostrando ao leitor que há muitas transformações

promovidas pelas TICs no cotidiano da sociedade. No entanto, há pensamentos e

comportamentos que não se alteraram, mas somente migraram para o espaço digital, onde

encontraram maior dimensão de alcance e audiência.

Em meio a esse conjunto de transformações, a organização social em redes on-line

também provocou uma reconfiguração na privacidade, no exercício do poder e,

consequentemente, nas formas de controle. Reflexões sobre essas questões serão vistas no

capítulo 3.

A respeito da primeira questão, pretende-se demonstrar que as noções de público e

privado na contemporaneidade, sobretudo com o uso da Internet, são bem diferentes do que

eram na Modernidade. Tem-se tornado cada vez mais comum a exposição da vida cotidiana e

até mesmo dos sentimentos mais íntimos nas redes sociais. Relacionaremos essas questões

com casos de linchamentos virtuais.

Nesse terceiro capítulo, ainda, veremos como a prática da autoexposição é

benéfica para a estratégica de lucro da rede e, também, vem forçando as Ciências Jurídicas a

criarem jurisprudências sobre a privacidade. Nesse ínterim, descreveremos dois poderes que

atuam nas redes sociais on-line: o poder estratégico e o poder jurídico.

Para se exercer o controle na Internet, novas estratégias precisaram ser traçadas.

Por exemplo, oferecer uma plataforma gratuita onde o usuário possa se conectar com amigos

distantes e conhecer pessoas do mundo inteiro é um bom atrativo. Todavia, ao mesmo tempo

em que se incita a circulação e a sensação de prazer dos usuários, empresas e governos

potencialmente os vigiam e controlam. Nesse tópico pretende-se descrever o funcionamento

desse poder que opera, por vezes, de modo sútil e invisibilizado (FOUCAULT, 1976),

imperceptível para a maioria dos usuários.

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Há ainda um outro exercício do poder do qual a Internet não está isenta e tão

pouco seus usuários: o poder jurídico. Nesse tópico, em sua primeira parte, pretende-se

apresentar as leis existentes no Brasil sobre o uso da Internet, proteção de dados, privacidade

e outros crimes cibernéticos. Já na segunda parte, será exposto como se configuram a

liberdade de expressão e o crime contra dignidade da pessoa humana na Constituição

brasileira. Veremos que há uma linha muito tênue que separa (ou mesmo confunde e borra

seus limites e contornos) esses dois direitos fundamentais em alguns casos de linchamentos

virtuais.

Por fim, as motivações, coletânea de materiais e métodos de análise, bem como os

próximos passos desta pesquisa serão descriminados no capítulo 4. Dentre a coletânea de

material levantada nos dois anos de pesquisa, trouxemos para esta Dissertação oito casos, que

estão distribuídos por todo o trabalho, iniciando ou finalizando os capítulos. Essa estrutura foi

pensada para aliar a discussão teórica com as práticas comunicacionais on-line que resultaram

em linchamentos virtuais.

Reunimos, então, esses e outros casos em um blog denominado “linchamentos

virtuais”, de minha própria autoria (Karen Mercuri). É na formatação de postagem do blog

que os casos serão aqui apresentados, com intuito de destacá-los do texto teórico, porém sem

perder a conexão com os conceitos discutidos em cada capítulo. Além disso, pretende-se

proporcionar uma leitura dinâmica, já que é possível lê-los também diretamente no blog,

utilizando o atalho da imagem QR-Code. Para isso, basta ter um aplicativo de leitura QR-

Code instalado no dispositivo móvel (celular ou tablet).

Destacamos ainda que o conjunto de questões que compõem essa Dissertação e

que apresentamos nesta introdução dão a ver como as práticas e eventos relacionados ao

linchamento virtual põem em xeque aquilo que habitualmente pensamos a partir das

oposições entre virtual e real3, público e privado, liberdade e controle, prazer e poder, justiça

popular e justiça institucional.

Diante disso, optamos neste trabalho por utilizar a preposição “e” em vez de

“versus” para demonstrar que, embora os termos indiquem uma oposição, percebemos que

eles ocorrem de modo simultâneo no fenômeno estudado. Nesse contexto, partimos do

3 Veremos no capítulo 2 que o virtual opõe-se ao atual e não ao real (LÉVY, 1996), como pensa o senso comum.

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pressuposto de que os paradoxos seriam a engrenagem das relações sociais contemporâneas

mediadas pelas TICs.

CASO 1: Justine: uma viagem inesquecível

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2 LINCHAMENTO VIRTUAL: ANÁLISE DO OBJETO E REFLEXÕES SOBRE

OS TERMOS

Embora existam outras denominações para o objeto de pesquisa “linchamento

virtual”, conforme veremos adiante, utilizaremos essa denominação adotada pela mídia

eletrônica. A escolha pela utilização dessa expressão visa reforçar a presença de algo real, o

linchamento, ao mesmo tempo em que almeja destacar as nuances do virtual, aqui entendido

com o ambiente da Internet.

A intenção deste capítulo é decompor a expressão “linchamento virtual” a fim de

fazer uma reflexão mais densa sobre os dois vocábulos, mas também agrupá-los de modo a

ressaltar o objeto novo que os dois juntos representam.

Primeiramente, pretende-se discutir o que é um linchamento virtual; as

semelhanças e diferenças com conceitos já existentes e a possível insuficiência de teorias para

se compreender fenômenos contemporâneos tão complexos.

Posteriormente, com estudos sociólogicos sobre linchamentos físicos contrapondo

à lógica do cirtcuito dos afetos, pretende-se fazer reflexões acerca da organização da

sociedade, do justiçamento popular, crime de multidão e outras características que possam

também estar presentes nos linchamentos virtuais.

Na sequência, analisaremos o termo virtual. Pretende-se trazer algumas teorias

filósóficas contemporâneas para uma melhor compreensão da presença da virtualidade em

nossas vidas, sobretudo potencializada com as tecnologias.

Por fim, traremos ao cerne da discussão o que é realmente novo nesse fenômeno

de linchamento virtual e o que são meras repetições de comportamentos. Além disso, faremos

uma explanação sobre as potencialidades da Internet que resultam numa ampliação do fato em

si, de sua divulgação e de suas punições.

Com isso, abordaremos os paradoxos: justiça popular e justiça institucional; real e

possível; atual e virtual.

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CASO 2: Guarujá: boato e tragédia

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2.1 Linchamento Virtual: entendendo e problematizando o objeto

“Há uma demora cultural na mentalidade que

permanece, ainda que impregnada de disfarces de uma

atualidade que não é a do novo, mas a do persistente”

(MARTINS, 2015).

Há outros conceitos para tratar casos semelhantes na Literatura. Neste tópico,

serão descritas as categorizações encontradas e explicaremos o porquê de o nosso objeto de

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estudo ser algo tão latente que, na nossa concepção, não se enquadra nas definições já

existentes.

No entanto, antes de aprofundamos nas explicações, observemos os casos

descritos anteriormente. Nota-se que há semelhanças e diferenças. Então, como classificá-los

na mesma categoria de “linchamento virtual”? Que relações podem ser criadas entre esses

dois casos que os tornam nossos problemas de pesquisa?

Numa tentativa de aproximação, foram observadas as seguintes características: (i)

as fronteiras borradas entre o atual e o virtual4 e, por isso, a impossibilidade de pensar esses

dois mundos em separado. Assim, o que acontece em um tem implicações no outro,

acarretando consequências graves. Os dois casos iniciaram-se na Internet e tiveram

consequências fora dela; (ii) as potencialidades das redes sociais on-line no que diz respeito a

suas ferramentas e suporte tecnológicos: propagação dos discursos, multimodalidade,

possibilidade de anonimato, seja por estar protegido na massa apenas endossando o coro ou

por trás de perfis falsos; (iii) a utopia sobre liberdade de expressão e democracia5 que muitos

adeptos acreditam ter conquistado com as redes sociais on-line e, consequentemente a ilusão

de que podem driblar a lei e não serem punidos.

Ao mesmo tempo, as diferenças apresentadas também colocam em xeque a

possibilidade de os dois casos estarem na mesma categorização: (i) aconteceram em países

diferentes, com cultura, economia política e leis distintas. Semelhantes casos ao da Justine já

encontramos no Brasil, mas será que o segundo caso aconteceria nos Estados Unidos? Mesmo

que haja fatos parecidos, seriam eles pela mesma razão que motivou o linchamento aqui?; (ii)

aconteceram em redes sociais, mas distintas (Twitter e Facebook), com recursos diferentes;

(iii) no primeiro caso, houve ação de um usuário e reação de vários, mas no segundo a vítima

não postou nada como também não era responsável das ações pelas quais fora acusada; (iv) o

primeiro é baseado em um fato concreto e o outro em boato; (v) em um, as acusações e

ofensas eram direcionadas a uma pessoa (nome, sobrenome foto e local de trabalho), porém

no outro as acusações eram baseadas em uma história hipotética e a um estereótipo pautado

em uma imagem sem identificação que teve como consequência a morte de uma pessoa

inocente.

4 Lévy, P. (1996) – conceitos que serão detalhados no tópico 2.2.2. 5 Mais informações baseadas na Constituição Brasileira e na Declaração Universal de Direitos Humanos no tópico 3.4.2.

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Na literatura, na mídia, multiplicam-se os nomes e expressões criados para se

referir a essas e outras práticas de violência do mundo contemporâneo: cyberbulling,

linchamentos virtuais, flaming, discursos de ódio, entre outros. Descreveremos, a seguir, a

definição de cada termo fazendo reflexões acerca de nosso objeto de pesquisa.

Os primeiros artigos científicos que tratam sobre desmoralização em redes sociais

virtuais, datam de 2004, no Brasil, época em que a rede social Orkut ganhava popularidade.

Nessa rede eram criadas comunidades, só para malhar alguém. Os autores chamaram esse

fenômeno de cyberbullying, que seria uma extensão do bullying:

(o cyberbullying) é a forma pela qual um indivíduo ou grupo de indivíduos busca

causar dano a outro de modo repetitivo, com o uso de tecnologias eletrônicas, como

celular e computador. Nessa modalidade de violência os autores superam a relação

tempo-espaço, uma vez que agridem suas vítimas, por meio de mensagens ou

imagens, como vídeos e e-mails, em qualquer horário do dia e em qualquer local

(PATCHIN & HINDUJA, 2006, apud STELKO-PEREIRA & WILLIAMS, 2010, p.

52).

A princípio os estudos sobre cyberbullying visavam entender a extensão para o

ambiente virtual do bullying que ocorria em instituições de ensino. Por exemplo, a turma do

6º ano do colégio “Alfa” praticava bullying com o aluno “Beta” porque ele era gordo. As

mesmas piadas de mal gosto eram feitas em comunidade do Orkut, geralmente criadas para

esse fim. Nesses casos, normalmente, os integrantes tinham a mesma faixa etária e a

repercussão, mesmo estando na Internet, ficava em torno da mesma turma e não interessava as

outras pessoas externas a ela.

Os casos estudados neste trabalho, vão muito além disso, por ultrapassarem

barreiras, tais como: virtualidade, idade, espaço físico, classes sociais, níveis de instrução,

entre outras. Todavia, se considerarmos a destruição moral e psicológica da vítima de

cyberbullying pode equiparar-se ao primeiro caso, da Justine. Entretanto, nem sempre a

reação dos julgadores provém de uma ação. No exemplo citado, ridicularizam o menino por

ser gordo. E essa ausência de causa e consequência assemelha-se ao segundo caso, o da

Fabiane.

Assim, os nossos casos seriam um neo-cyberbullying? Nos casos de linchamentos

virtuais estão envolvidos outros conceitos como justiçamento e denúncia. Dito de outra forma,

há casos em que a exposição de uma pessoa é com intuito de se fazer justiça e normalmente,

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tem-se aprovação popular pelo ato. O mesmo não aconteceria com o cyberbullying. Além

disso, pelo conceito aqui trazido, para causar dano ao outro a ação é repetida incessantemente.

Nos casos que analisamos, os agrupamentos para esses fins são momentâneos e o alvo muda

constantemente, pois sempre há um assunto novo e polêmico para ser julgado.

Aranha (2011) utiliza o termo flaming, que em seu sentido restrito é uma

discussão acalorada na Internet entre dois ou mais indivíduos que discordam de algum

assunto. No entanto, O’Sullivan e Flanagin6 (2003, apud ARANHA, 2011) ampliam esse

conceito e utilizam-no para descrever quaisquer interações hostis na Internet, considerando

também a possibilidade de agressão moral unilateral e “deslocando o debate em torno de uma

ideia para o processo de linchamento moral na Internet” (ARANHA, 2011, p. 124). Assim

posto, o flaming - mais como humilhação, ofensas e ameaças de violência do que

simplesmente um debate de ideias - talvez pudesse englobar os casos estudados, sobretudo o

primeiro. Todavia, o autor não menciona as consequências fora da rede e entendemos que nos

casos de linchamentos virtuais as humilhações e violências não se encerram na tela do

dispositivo eletrônico (computador, celular, tablet, etc).

Outras características do flaming, segundo o estudo de Aranha (2011): (i) ser

intenso, porém breve. Pensando nas redes sociais, isoladamente da vida real, os episódios de

linchamentos são passageiros visto que sempre há algo para substituir determinado assunto e a

vítima muda; (ii) dimensão pública. Embora existam ferramentas que possibilitem a conversa

privada (chat), opta-se por uma arena pública para a “flame war”; (iii) anonimato e

possibilidade de transgressão dos flamers (praticantes de flaming) que se escondem nos multi-

comentários e se expressam com mais coragem do que no face-a-face; (iv) “controle moral”

por um determinado grupo. São condenáveis postagens que não são aceitas pela sociedade,

seja por razões culturais, políticas, religiosas ou que estejam em desacordo com a ideologia

daquele grupo “controlador”.

Outro termo muito utilizado é discurso de ódio. O discurso do ódio pode ser assim

definido:

6 O’SULLIVAN, P.; FLANAGIN, A. Reconceptualizing ‘flaming’ and other problematic messages. New Media & Society,

v. 5, n. 1, p. 69-94, 2003.

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[...] refere-se a palavras que tendam a insultar, intimidar ou assediar pessoas em

virtude de sua raça, cor, etnicidade, nacionalidade, sexo ou religião ou que tem

capacidade de instigar a violência, ódio ou discriminação contra tais pessoas

(BRUGGER7, 2007, apud SANTOS e CUNHA, 2014).

Usuários ofendendo a outros usuários, sendo pessoas públicas ou pessoas comuns,

em tom bem agressivo, destruindo vidas (pessoal, profissional e emocionalmente).

Tomemos como exemplo de discurso de ódio as eleições presidenciais no Brasil,

em 2014, principalmente após a definição dos candidatos do 2º turno8, retratado nesta

pesquisa no caso 3. Houve uma aguda polarização do debate público: cada uma das partes

ocupava-se não apenas em atacar o candidato ou partido adversário, mas também os eleitores

da oposição. Mesmo após as eleições os discursos de ódio de cunho político não cessaram,

distinguindo, portanto do “linchamento moral”, que é de fácil esquecimento e rápida mudança

de foco (pelos linchadores).

Além da política, nota-se discursos de ódio ligados ao preconceito sendo

propagados com a ajuda da tecnologia. Por exemplo, o racismo no episódio envolvendo a

jornalista Maria Júlia Coutinho da Rede Globo de Televisão (figura 1). As ofensas eram

raciais e não por alguma atitude dela que poderia ser condenada pela sociedade. A maioria

dos perfis que fizeram a ofensa eram falsos (fakes), mas mesmo assim a polícia conseguiu

localizar os autores das publicações.

A intolerância é o desrespeito à diversidade e um dos principais fomentos do

discurso do ódio (SANTOS & CUNHA, 2014), o qual ganhou terreno fértil no contexto da

Internet, provavelmente pelos fatores: rapidez, possibilidade de anonimato e alcance global.

Não há nenhuma preocupação com o efeito que palavras duras ditas em redes sociais possa

magoar, entristecer ou arruinar a vida de alguém; pelo contrário, parece ser esse mesmo o

objetivo (BRUM, 2015).

Há também esse mesmo discurso de ódio racista visando pessoas comuns. Há um

caso em que um rapaz postou em sua rede social uma foto com sua namorada, atitude muito

7 BRUGGER, W. Proibição e proteção do discurso do ódio? Algumas observações sobre o direito alemão e o americano.

Revista de Direito Público 15/117. Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, ano 4, jan-mar. 2007. 8 Vide tópico 2.2.

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comum entre os usuários dessa rede. No entanto, o fato de o casal ser composto por um rapaz

branco e uma moça negra, causou deboche e discriminação racial9.

FIGURA 1: DISCURSOS DE ÓDIO NO FACEBOOK

Fonte: Jornal Hoje em Dia on-line, maio de 2015.

Nos dois casos de linchamento virtual aqui retratados há evidências de discursos

de ódio. Observamos os trechos abaixo, atentando para os vocábulos grifados:

CASO 1: “Daqui a pouco vamos ver essa vaca @JustineSacco ser demitida. Em

TEMPO REAL. E nem vai estar SABENDO que perdeu o emprego” (grifo meu).

CASO 2: Essa mulher tava (sic) aqui no Areião e chamou o filho do vizinho daí o

garoto correu, ontem minha prima tava (sic) na rua ai (sic) essa mulher perguntou se

minha prima tinha filha e onde a filha dela tava (sic), se eu pegar eu mato ela...”

(grifo meu).

9 Disponível em: < http://www.pragmatismopolitico.com.br/2014/08/casal-sofre-racismo-apos-publicar-foto-facebook.html>.

Acesso em: 06 set, 2015.

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Nota-se nas postagens, pelos usos dos termos, que há uma certa ira e um desejo de

punição. Sendo assim, temos mais um impasse: como diferenciar os casos da coletânea de

materiais desta pesquisa do discurso de ódio? Será que discurso de ódio e linchamento virtual

são dissociáveis? Na verdade, o discurso de ódio está implicado e/ou contido no linchamento

virtual, fomentando a violência para além das redes.

Para Santos e Cunha (2014) o termo mais apropriado para esse fenômeno é

violência simbólica, ou seja, a ação prática do poder simbólico (BOURDIEU10, 1989 apud

SANTOS e CUNHA, 2014), definida como: “aquela que acontece através de linguagem, das

imposições discursivas que criam “verdades” e são instrumento de dominação e formação de

uma cultura de massa, que aliena e desorienta” (p. 11). No decorrer deste trabalho veremos

outros casos em que essa teoria poderia explicar o comportamento na rede, porém nos

linchamentos virtuias percebemos que a violência simbólica se transforma, algumas vezes, em

violência física.

Embora os motivos sejam muito variáveis (denúncias, boatos, publicações

desrespeitosas ou preconceituosas, etc) e por isso mesmo a dificuldade de classificação,

identificamos basicamente duas situações que instauram um linchamento virtual. A primeira,

tem princípio na própria rede social, quando alguém publica algo sem muita reflexão e isso

acaba gerando polêmica e republicações com xingamentos e humilhações. Há outras, porém,

em que os casos tiveram início fora das redes sociais, foram registrados por foto ou vídeo e

levados a esse meio para o julgamento público, esperando uma atitude punitiva, por exemplo

demitir a pessoa do trabalho ou exclui-la do convívio social, além da exposição negativa na

rede.

Pelo exposto, seria o termo “linchamento virtual” apropriado para essa situação

que começa ou termina no ciberespaço? Para Martins (2015 b), por exemplo, linchamento

virtual não existe propriamente como linchamento, já que se trata de agressão de natureza

diversa da do ato de linchar. Nesta Dissertação utilizaremos a denominação “linchamento

virtual” não com a pretensão de fazer analogias ao ato de linchar, mas tratá-lo como um

algo novo, admitindo que há certas semelhanças, mas principalmente ressaltando as

diferenças.

10 BORDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1989.

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Contudo, independente do termo utilizado, devido à complexidade do tema é

iminente necessidade de tomá-lo como um problema de pesquisa. Por isso, temos uma

questão ainda mais provocativa: por que há necessidade de classificação e de rótulos?

A busca pela identificação – através da sua nomeação – desses eventos e práticas

atuais de violência talvez indique aquilo que vem sendo discutido amplamente nas Filosofia,

Ciências Sociais e Teoria Social Contemporânea: a insuficiência das teorias, conceitos,

categorias e percepções habituais em se aproximar da complexidade do mundo presente.

Veremos no capítulo 3 que as formas de categorizações feitas por algoritmos nas redes sociais

para a criação de perfis, por exemplo, vão muito além das que eventualmente pensamos.

Portanto, a forma como definimos (linchamentos virtuais), estruturamos (em

paradoxos) e abordamos (interdisciplinarmente) este trabalho é apenas uma sugestão para

como se pensar essas questões.

CASO 3: Na mira da intolerância política

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2.2 Linchamentos: caminhos possíveis para compreensão

Não se trata de julgá-lo, pois isso cabe a ordem

jurídica, mas de compreendê-lo em face do que a

sociedade não tem, do que falta, e não em face do que a

sociedade tem, mas não realiza totalmente. (MARTINS,

2015, 64).

Destacaremos aqui caminhos possíveis que nos permitem problematizar as

práticas relacionadas ao linchamento, a partir de diferentes perspectivas acerca da violência e

seus impactos e efeitos junto aos vínculos sociais.

Para tanto, apresentaremos a perspectiva sociológica sobre o tema do

linchamento, a partir de trabalhos de José de Souza Martins, que aborda a questão na sua

relação com a conservação e a manutenção da ordem social (entendida como um conjunto de

normas e regras).

Por outro lado, faremos contrapontos com reflexões filosóficas contemporâneas

acerca da constituição do social enquanto um circuito de afetos (SAFATLE, 2016). Tal

perspectiva filosófica torna-se revelante tendo em vista os modos pelos quais os linchamentos

virtuais mobilizam o ódio, o medo, etc., em seus enunciados. Tais modos conectam-se as

maneiras com as quais as novas tecnologias da informação e da comunicação incidem, em seu

exercício de poder, sobre os modos de sentir e perceber.

2.2.1 Perspectiva Sociológica

O termo “linchamento” é uma palavra do século XVII. Deriva do nome do juiz

Lynch11 dos EUA, que difundiu uma penalidade para o que hoje conhecemos como

linchamento.

Segundo Martins (2014), o ato de linchar é o resquício das ordenações Filipinas e

das decisões da Santa Inquisição. Para esse autor, o linchamento é uma punição radical e

extintiva do corpo do réu, cujo fim é exterminar e não reeducar ou restinguir à condição civil.

11 William Lynch, um fazendeiro americano (1742-1820) de Pittssylvania (Estado de Virgínia), criou um tribunal privado

para julgar e executar criminosos apanhados em flagrante prática de crimes graves. O Julgamento e a execução incumbiriam,

decididos sumariamente, por uma multidão. Daí derivaram as expressões linchamento e Lei de Linch (DE JESUS, 2015).

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Para Martins (2015) o linchamento é apenas uma das várias formas de violência

coletiva que provém de uma inquietação social disseminada. É uma tentantiva da sociedade

em violar a ordem onde esta foi rompida por condutas sociais condenáveis para, então,

colocar a sociedade no rumo de uma sociedade almejada. Constiui-se, então, de “uma ação

anômica no sentido de superar o estado de anomia” (MARTINS, 2015, p. 105).

Sendo assim, o linchamento não é uma violência original: é uma segunda

violência, que deriva de um ato condenável. É sobretudo indicativo de que há um limite para

o delito e, na lógica dos linchadores, para a violência há o crime legítimo (praticado por eles),

embora ilegal, e o crime sem legitimidade (praticado pelo linchado).

Da perspectiva de Martins, qualquer linchamento é um fato lastimável, porque

sonega à vítima o direito de se defender, o de ser julgada por um juiz imparcial, ou seja, é um

julgamento moral, definitivo e sem apelo; produto da emoção e não da razão. Nesse sentido,

todos os delitos são igualados: tanto o pequeno roubo quanto o assassinato

Nos linchamentos está envolvido o julgamento de quem não consegue refrear o

desejo, o ódio e a ambição, e não vê limites para o desejar, o odiar e o ter, não pode

conviver com os demais nem tem o direito a uma punição restitutiva que o devolva à

sociedade depois de algum tempo e do castigo. Simplesmente, nega-se como

humano. (MARTINS, 2015, p. 53).

Nesse ínterim, a prática de linchar indica a presença de rituais de exclusão ou

desincorporação e dessocialização de pessoas, que pelo crime cometido, revelaram-se

incompatíveis com o gênero humano e inaptas a conviver em sociedade (MARTINS, 2015). A

violência que é característica dessa prática tem uma função social conservadora e altruísta.

A partir dessa perspectiva sociológica que estamos descrevendo, para estudar os

linchamentos é necessário conhecer melhor a forma e a função do justiçamento popular que,

para Martins (2015), provém da força do inconsciente coletivo e das estruturas sociais

profundas:

As estruturas sociais profundas são as estruturas fundamentais remotas que,

aparentemente vencidas pelo tempo histórico, permanecem como referência oculta

de nossas ações e de nossas relações sociais. São estruturas supletivas de

regeneração social, que se tornam visivelmente ativas quando a sociedade é

ameaçada ou entra em crise e não dispõe de outra referência, acessível, para se

reconstruir, fenômeno que se expressa nos linchamentos (MARTINS, 2015, p. 9-10)

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A crise social que leva à prática de justiçamento tem de um lado a deteorização de

uma hierarquia social pré-existente e de outro o desejo de conquista de direitos por categorias

sociais até então excluídas (MARTINS, 2015).

Por isso, os linchamentos vêm justamente como forma de contestação da má

distribuição de bens de direito e de justiça. Essa é a dimensão sociológica da justiça popular:

forma de “resposta restaurativa a situações de anomia e de ruptura violenta de elementos

fundantes da estrutura social” (MARTINS, 2015, p. 64). Além disso, cumpre sua função

social ao fornecer “aos participantes uma compreensão das rupturas sociais que não estão

inscritas no previsível e tolerável da cultura popular” (MARTINS, 2015, p. 65).

A justiça popular, para Martins, baseia-se no pressuposto da vendetta, ou seja, na

concepção da função social restauradora da vingança. O linchamento acaba sendo, então, uma

“forma extremada de uma necessidade social de vingança”. (MARTINS, 2015, p. 65). E

quando não se tem motivos para vingar, o mote do linchamento passa a ser o castigo.

Segundo esse autor, há diferentes motivações para o ato de linchar. Nos bairros

populares das grandes cidades, a principal motivação é o medo de ser vítima - de roubo, de

estupro, de assassinato, de pouco caso. Já nas cidades do interior, a motivação é conservadora:

de cunho moral e repressivo, defesa da própria classe média, do caráter fechado das elites ao

estranho e ao de fora.

Para Martins (2015), é preciso considerar dois planos: a mente conservadora e a

ações coletivas violentas justificadas por essa mentalidade, já que a prática conservadora de

impor um castigo a quem tenha agido contra os valores e normas que regem as relações

sociais pré-estabelecidas, ou as tenha colocado em risco, movem a população à prática de

linchamento.

Ainda segundo os estudos do sociólogo (2015), os casos de linchamento crescem

quando: (i) aumenta a insegurança em relação à proteção do Estado; (ii) descrença nas

Instituições (polícia e justiça). A população acredita que elas são ineficazes nos cumprimentos

de suas funções, pois não é raro ver um policial envolvido em algum crime ou ver criminosos

serem absolvidos.

Essa desmoralização da polícia e da justiça teve início durante a Ditadura Militar

(1964-1985) e as práticas de tortura e extermínio perpetradas pelo Estado nesse período. E o

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fim do regime ditatorial não fez com que o Estado de direito e democrático se estabelecesse

automaticamente:

Não se levou em conta a desordem do Estado ditatorial viabilizara o revigoramento e

a difusão da cultura do poder pessoal, da vendeta, do arbítrio, do menosprezo pela

pessoa e pelo corpo do outro, agora colocados nas mãos até de membros das forças

policiais. Desprovidos, com mais frequência do que se possa tolerar, da distinção

entre público e privado e da consciência de que não servidores do Estado e não de

sua própria vontade, de seus instintos (MARTINS, 2015, p. 75).

Para se ter uma ideia, cresceu em 50% os casos de linchamento nos quatro

primeiros anos da chamada Nova República (após o regime militar). A hipótese do autor é de

que o pacto entre a burguesia e setores liberais oriundo das oligarquias rurais tenha

reestimulado concepções e práticas relativas à justiça privada. Uma outra hipótese seria a

contribuição dos esquadrões da morte em difundir a ideia da legimitidade da punição fora da

lei, baseando-se na ineficiência das autoridades, que são lentas e complacentes (MARTINS,

2015).

No Brasil, há emergência de multidões enfurecidas, como uma espécie de

explosão libertária de tensões reprimidas no regime autoritário e de afirmação da liberdade

conquistada com a volta do Estado Democrático. No entanto, em nome do princípio de que a

liberalidade da lei é melhor do que sua aplicação, estimula e secunda mais violência, pois a

liberdade, desde então, tem soado como possibilidade de vingança, de fazer justiça com as

próprias mãos.

Cabe aqui esclarecer o que vem a ser o conceito de multidão: como se organizam,

por que se juntam e com qual objetivo, sobretudo para também pensarmos se as mesmas

definições se aplicam para os casos de linchamentos virtuais. Para Martins (2015), a multidão,

nesse contexto:

[...] não é política, não negocia com a sociedade, não reconhece a legitimidade do

outro, não se vê na mediação das estruturas sociais e políticas [...] O fenômeno das

multidões ativas está muito associado a momentos de transição social e de incerteza

quanto aos valores que devem nortear os rumos da sociedade. Está também

associado a transições concluídas, mas insuficientemente, em que os agentes sociais

que a conduziram não tiveram completa e adequada consciência das tensões nela

envolvidas e dos desencontrados protagonismos de um novo e diferente querer

social. (MARTINS, 2015, p. 126-127).

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A multidão, a partir dessa perspectiva sociológica, coloca em segundo plano os

valores da civilidade e a compreensão de que o direito é a contrapartida do dever (LE BON,

196312 apud MARTINS, 2015). Isso torna-se preocupante ao passo que a desordem acabe se

instaurando como uma instituição, incorporada como algo natural (MARTINS, 2015).

Na mesma direção, Elias Canetti também escreveu, em 1930, sobre indivíduos

que, tomados pela fúria da massa, agem por seus instintos irracionais e agressivos e, deixando

adormecidas suas virtudes, são hipnotizados por um “mandar e obedecer” e um “matar e

destruir” da massa. Para isso basta um impulso, que pode ser uma intolerância ao modo de

pensar e agir do outro. Em 1960, concluiu seus pensamentos no livro “Massa e Poder”.

Para melhor entender o que esse autor considera como “massa”, extraímos uma

explicação de Pelbart (2001):

Canetti lembra que na massa são abolidas todas as singularidades, nela reina a

igualdade homogênea entre seus membros (cada cabeça equivale a cada outra

cabeça), a densidade deve ser absoluta (nada deve se interpor entre seus membros,

nada deve abrir um intervalo em seu meio), e por último, nela predomina uma

direção única, que se sobrepõe a todas as direções individuais e privadas, que seriam

a morte da massa. Homogênea, compacta, contínua, unidirecional, a massa é todo o

contrário da multidão, heterogênea, dispersa, complexa, multidirecional (PELBART,

2001, p.41).

Como alguns exemplos de linchamentos motivados pela massa, Canetti cita: o

apedrejamento de condenados; prisioneiros enterrados em formigueiros na África;

fuzilamento de sentenciados pela sociedade; e o povo que condenou e crucificou Jesus Cristo.

Em todos os casos não há um único executor, mas sim a responsabilidade da morte dessas

pessoas é de um coletivo.

Ao contrário de Canetti que define linchamento como massa, Martins (2015),

considera os agrupamentos dos linchamentos como uma multidão que:

[...] reúne pessoas que não têm entre si outro vínculo que não seja o vínculo fortuito

e acidental derivado de ação orientada por um objetivo passageiro, embora

compartilhada de identificação e companheirismo, uma espécie de comunidade

breve e transitória. (MARTINS, 2015, p. 77).

12 LE BON, G. La psychologie des foules. Paris: PUF, 1963.

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Os linchadores agem na multidão como se estivessem em uma comunidade

subjascente da que vivem: nesta há uma sociabilidade estável da vizinhança que acolhe;

naquela há uma composição súbita e imediata, que vinga, pune e exclui. Dito de outra forma,

são pessoas de duplicidade sociológica (MARTINS, 2015). Le Bon (apud MARTINS, 2015)

sublinhou o quanto a multidão é o sujeito coletivo e temporário, de orientação diversa da dos

indivíduos que a compõem.

Nos casos de linchamentos virtuais as pessoas que se reunem para atacar alguém

podem ter ou não vínculo de amizade, todavia devido aos inúmeros compartilhamentos é bem

provável que a única identificação entre os usuários seja o fato que motivou a ação.

Adotaremos para o objeto de estudo desta pesquisa a denominação do agrupamento em

massa, sobretudo por ser unidirecional e homogêneo, embora seja transitório.

Para o autor, ainda é preciso compreender a ação dos linchadores como a de um

sujeito coletivo que se oculta multidão e se manifesta quando a sociedade entra em crise.

Muitos individuos quietos e amedrontados quando solitários, no volume da multidão, deixam

vir à tona o seu descontentamento e a sua raiva intrínsecos. Para entender como isso reflete no

contexto da multidão, multiplica-se esse ânimo exaltado individual pelos inúmeros

participantes de linchamentos e tem-se uma fúria, por vezes, desproporcional aos fatores que a

desencadearam.

Para esse indíviduos, que se transformam na multidão, a visibilidade de seu ato

seria fatal, por isso preferem agir à noite. Paradoxalmente, os locais preferidos para os

linchamentos, segundo as estatísticas de Martins (2015), são locais abertos, como ruas,

terrenos e praças, para que haja um público testemunho do castigo.

Atualmente, há divulgação dos atos de linchamentos no YouTube13 com intenção

de mostrar a ocorrência da punição para um público mais amplo, tal como ocorreu no

linchamento no Guarujá. Assim, a Internet é usada como meio de ampliação (virtual) do

espaço de visualidade. Contudo, o recurso tecnológico não é somente aliado na divulgação do

castigo ou vingança dos linchadores, mas é também material de identificação e prova contra

os próprios linchadores.

13 YouTube é um site que permite que os seus usuários carreguem e compartilhem vídeos em formato digital. Disponível em:

<www.youtube.com>. Acesso em: 16 jul, 2015.

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Todavia, o linchamento, não é visto pelos linchadores como um crime, pois

acreditam que, por haver participação da população e ocorrer em locais públicos e abertos,

serão respaldados ou ocultados. No próprio Código Penal brasileiro há um atenuante para a

participação em crime coletivo, que pode ser um fator instigante ao justiçamento. Dessa

maneira, coloca-se a justiça popular diante de “um código complexo de ações de restauração

da ordem onde ela é violada” (MARTINS, 2015, p. 105).

Como não há na lei a figura de um crime coletivo, cada infrator é julgado

individualmente e cabe a cada um a sua parcela de culpa. Assim, se cinquenta pessoas forem

identificadas participando do crime, ocorrerão cinquenta processos criminais. No entanto,

mesmo com o auxílio tecnológico, ainda é difícil identificar e julgar todos os participantes de

linchamentos no Brasil.

2.2.2 Circuito de afetos

O conceito de sociedade que emerge da perspectiva sociológica de Martins é o de

que ela é composta por regras e leis em um sistema relativamente claro e estável. No entanto,

Safatle (2016 b) instiga-nos a pensar as relações sociais de outra forma, sob a óptica dos

circuitos de afetos.

Para ilustrar como vários afetos agem sobre o indivíduo sem que ele possa ter

muito controle sobre eles, citamos um estudo feito em 2012 pelo Facebook que, inicialmente,

testava se o conteúdo desagradável de um amigo fazia com que o usuário desistisse da rede

social em questão.

Esse experimento analisou três milhões de postagens, com mais de cento e vinte

milhões de palavras, e as classificou em duas categorias: as de conteúdo positivo e as de

conteúdo negativo. Depois, com ajuda de um algoritmo da empresa, que define o que o

usuário verá em sua timeline durante um certo período, foi selecionado um grupo de pessoas

para receber os conteúdos positivos e terem os negativos omitidos de seu feed de notícias.

Responsáveis pelo estudo descobriram, após uma semana, que os destinatários das mensagens

“positivas” tinham comportamento emocional similar. Já o grupo que leu somente as demais

postagens publicou textos, ou compartilhou assuntos, com palavras igualmente negativas.

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These results suggest that the emotions expressed by friends, via online social

networks, influence our own moods, constituting, to our knowledge, the first

experimental evidence for massive-scale emotional contagion via social networks,

and providing support for previously contested claims that emotions spread via

contagion through a network (KRAMERA et al, 2014, p. 8789).

Tal estudo apresenta ressonâncias com a perspectiva proposta por Safatle (2016).

Se a sociedade é habitualmente pensada como um sistema de normas que estruturam os

modos de comportamento e interação, o filósofo propõem uma compreensão distinta: que a

sociedade seja pensada como um circuito de afetos que nos fazem assumir certas

possibilidades de vida e pensamento em detrimento de outros. Afetos que se repetem e

definem, assim, o campo de possíveis. Afetos inauditos que criam e instauram novas

possibilidades.

Trata-se, então, de conhecer as modalidades de circulação de afetos.

Historicamente, a modernidade e sua filosofia política (pelo menos desde

Hobbes), o afeto que tem prevalecido e sustentado os vínculos sociais é o “medo”. A

modalidade social hegemonicamente prevalecente no Ocidente, segundo Safatle (2016),

constitui-se a partir da gestão do medo, sua produção e contínua mobilização: medo da morte

violenta, da desposseção de bens, da invasão de privacidade, etc. (SAFATLE, 2016, p. 19).

Sobre as relações pautadas no medo, Bauman (2016) afirma:

Da família à vizinhança, do local de trabalho à cidade, não há ambiente que

permaneça hospitaleiro. Instaura-se uma atmosfera sombria, em que cada um

alimenta suspeitas sobre quem está ao seu lado e é, por sua vez, vítima das suspeitas

alheias. Nesse clima de desconfiança exagerada, basta pouco para que o outro seja

percebido como um potencial inimigo: será considerado culpado até que se prove o

contrário (BAUMAN, 2016).14

Nesse contexto emerge o papel soberano do Estado, centrado da figura de um

salvador: para que o Estado garanta a segurança, ele precisa lembrar a população a todo

instante de que há insegurança, fazendo circular incessantemente o medo.

Por conseguinte, o medo é o afeto político central e é sob ele que os vínculos

sociais são constituídos. Quando se tem uma vida social pautada no medo, o “outro” é visto

como aquele que irá desconstruir, despossuir a identidade daqueles que se entendem,

narcisicamente, como “iguais a si mesmo”. A “massa” aqui torna-se o coletivo padronizado e 14 Entrevista disponível em: <http://www.carosamigos.com.br/index.php/cotidiano/7554-zygmunt-bauman-cuidado-com-os-

politicos-que-fazem-dos-nossos-sentimentos-um-instrumento-de-poder>. Acesso em: 10 ago, 2016.

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homogêneo que passa a funcionar com parâmetro (modelo, valores, moral) diante do qual

tudo será julgado.

O “outro” tolerado e permitido é apenas aquele que confirma a minha identidade.

O encontro com o “outro” que me despossui, que me obriga a modificar a minha maneira de

pensar sobre mim mesmo, de me reinventar nessa relação, que me empurra para fora de meus

interesses, que abre meus horizontes e perspectivas, que me enriquece com outras

possibilidades de vida e pensamento – esse “outro” deve ser destruído e eliminado.

Pela divergência política, por exemplo, muitas pessoas excluíram amigos não só

clicando em uma função da rede social, mas de sua própria vida. Mais que isso: a divergência

de opinião está resultando na impossibilidade de suportar o outro (BRUM, 2015). Com o caso

3, desta pesquisa, percebe-se bem a dimensão que isso vem tomando no Brasil. Discursos

ofensivos são produzidos e reproduzidos até que o ódio tome conta dos dois grupos

antagônicos e resulte em violência física, culminando em linchamento virtual não de uma

pessoa, mas de todos os seus semelhantes: negros, nordestinos, cristãos, homosexuais,

eleitores do partido A ou do partido B, entre outros agrupamentos.

Para Brum (2015), as redes sociais deram voz e se tornaram palco da crueldade

humana. A sensação de liberdade nesse ambiente fez com que o indivíduo expressasse o seu

pensamento e fosse capaz de dizer coisas aterrorizantes para o outro. Ao agir dessa maneira,

deixou-se transparecer, por meio de discurso, o “eu” mais profundo e, às vezes, bárbaro. A

autora ainda atribuiu o nome de “boçalidade do mal” - parafraseando “Banalidade do mal” de

Hannah Arendt15 - para esse comportamento e tantos outros semelhantes que vemos na

Internet.

Nessa direção, Safatle (2016 b) afirma que a violência acabará se tornando banal

para o espectador e com o tempo ela não dirá e não acrescentará mais nada, devido a forma

como é exposta na mídia, tanto em programas sensacionalistas como na Internet: a toda hora e

sequencialmente. Cita ainda o filme “Alphaville” (Godar, 1965), em que as execuções são um

momento feliz, espetacular e de entretenimento.

15 ARENDT, H.; EM JERUSALÉM, E. Um relato sobre a banalidade do mal. Tradução José Rubens Siqueira. São Paulo:

Companhia das Letras, 1999.

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Castilho (2016)16 também escreveu em sua coluna o quanto hiperdimensionar a

violência ao ponto de banalizá-la acaba sendo um ato mais nocivo do que a própria violência.

Se a mídia não divulga suicídios para que eles não se multipliquem, por que isso não se aplica

com as outras formas de violência? Cita o caso de um frentista sendo espancado cruelmente e

a cena sendo repetida várias vezes em um programa de TV. Fala ainda do estupro coletivo

ocorrido no Rio de Janeiro em que um rapaz divulgou nas redes sociais uma jovem sendo

estuprada por trinta homens. Resultado: vídeo visto e compartilhado por milhões de pessoas.

Se realmente se senbibilizaram com a vítima, por que não acharam chocante ter visto a cena?

E não pensaram que ao compartilharem estariam expondo ainda mais?

Veremos no decorrer deste trabalho alguns casos semelhantes que, na tentativa de

fazerem uma denúncia, compartilham a foto ou o vídeo da agressão, tornando a violência

espectacular. Para Castilho (2016), isso representa "narrativas que talvez estejam mais

alinhadas com uma certa sanha vingativa do que com a construção de um modelo alternativo,

de um mundo inclusivo, igualitário e tolerante”.

Como a função social é repetir as mesmas narrativas, os mesmos afetos, deixamos

aqui uma pergunta reflexiva, talvez ainda prematura em se ter uma resposta: qual é o futuro

desse humano e dessa sociedade que vive num estágio entre o presente e futuro (GARCIA

DOS SANTOS, 2003; SAFATLE; 2016), mas que tem a mente condicionada a repetição?

Para Safatle (2016 a) somente alterando a forma e/ou por qual afeto somos

afetados é que novas ideias e comportamentos serão produzidos.

2.3 Virtual: mudança nos modos de ser e de viver

Neste tópico será discutida a inserção do mundo virtual no cotidiano da sociedade.

Por ser uma situação contemporânea, “o homem informatizado está inaugurando práticas

sociais e culturais ainda parcialmente desconhecidas, assim como se aborda a costa de um

continente inexplorado” (Lévy, 2000, p. 135). Portanto, é preciso refletir sobre os impactos

16 Disponível em: < http://outraspalavras.net/alceucastilho/2016/05/26/esquerda-nao-esta-imune-ao-risco-de-datenizacao-do-

debate-politico/>. Acesso em: 30 jun, 2016.

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que a Internet provocou nas relações sociais. Somente há uma certeza: que a virtualidade

transformou essas relações.

Aspirando a compreensão das práticas sociais informatizadas, colocamos alguns

questionamentos que nos perturbam e ao mesmo tempo nos guiam: como é viver nesses dois

mundos (esse que conhecemos como real e mundo virtual, vivenciado na Internet)

simultaneamente? O que se altera com a inserção da virtualidade em nossas vidas? Em que

medida os casos de “linchamentos virtuais” podem ser problematizados segundo os estudos

sobre a realidade virtual?

Talvez não encontremos respostas definitivas, devido à complexidade do tema,

mas buscamos aportes teóricos na Filosofia e nas Ciências Sociais, selecionando autores

contemporâneos que estão trazendo no cerne da discussão reflexões sobre a virtualidade,

relativização do espaço-tempo e a aceleração.

Cabe aqui uma explicação sobre dois conceitos de virtual: o complexo da

Filosofia e o da linguagem cibernética, este aplicado pela mídia na expressão linchamento

virtual. O que a informática e a mídia entendem como virtual, Pierre Lévy (1996) e William

Gibson17 denominam de ciberespaço. Entretanto, foi considerado conveniente uma

aproximação com a Filosofia contemporânea acerca do que é o virtual, devido ao nosso

interesse em explorar esse conceito para mostrar seu movimento no mundo humano-técnico.

Primeiramente, traremos as considerações de Paul Virilio, filósofo que vê a era da

informática como perigosa, já que para ele há perda da noção de realidade e de percepção de

duas dimensões ontológicas: espaço e tempo. Segundo este autor, no mundo virtual já não há

uma noção de tempo e espaço definidos: pode se estar em vários lugares e ao mesmo tempo

em nenhum. Esse autor ainda cita outras perdas como a noção de grandeza e a derrota do

encontro presencial perante o virtual.

Entretanto, ao contrário da visão catastrófica de Paul Virilio, Pierre Lévy e

Laymert Garcia dos Santos apresentam-nos a tecnologia e a virtualidade como uma ampliação

da realidade e, com isso, novas possibilidades.

17 William Gibson foi o primeiro a utilizar o conceito de ciberespaço, em 1984, no romance ciberpunk “Neuromancer”. Veja-

se: CANTARINO, C. Cyberpunk: a ficção científica contemporânea in:

<http://www.comciencia.br/reportagens/2004/10/03.shtml> Acesso em: 7 de jul, 2016.

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Pierre Lévy não se limita em definir o virtual como um modo de ser particular,

nem tampouco analisar a passagem do possível ao real ou do virtual ao atual, mas sim

interessa-lhe o movimento inverso: abordar a passagem do atual e do real ao virtual. Propõe,

então, um entendimento do virtual como um processo de transformação de um modo de ser

num outro. O autor considera ainda quatro transformações no mundo: realização,

potencialização, atualização e virtualização (LÉVY, 1996).

Já Laymert Garcia dos Santos apresenta elementos para reflexões acerca do tema

tecnologia e sociedade: as novas formas de organização perante a realidade virtual, as

mudanças de percepção, do homem e do capital contemporâneo.

Talvez seja preciso redefinir a percepção de realidade que nos cerca para entender

como o sujeito atua imerso nessas novas possibilidades. Neste capítulo, abordaremos esse

conjunto de questões com os autores mencionados.

2.3.1 Crise da percepção de duas dimensões ontológicas: espaço e tempo

Todos os esforços do homem em sua evolução, estão focados em invenções para

otimizar o tempo: fazer mais rápido e com menos esforço. Para tentar entender como se

organiza a história tendo como referência a mudança de percepção do mundo e a informação

ao longo do tempo, Virilio (1998), organiza-a em cinco motores:

Motor a vapor: surgido na revolução industrial. Mudança de percepção: visão em

desfile, pois agora é possível ver a paisagem de dentro de um trem, ou seja, o homem parado e

a imagem passando;

Motor de explosão: carro e avião. Mudança de percepção: visão aérea. É possível

ver o mundo de um ângulo diferente do plano, do terrestre. Além disso, com esses meios de

transporte também foi possível ter acesso a outros lugares de maneira mais rápida;

Motor elétrico: criação da eletricidade. Mudança de percepção: visão noturna da

cidade. Com isso, foi possível oferecer ao homem atividades num período em que não é

necessária a luz solar. Dentro período também há a criação do cinema, que muda a visão do

homem sobre o mundo;

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Motor foguete: lançamento de satélites no espaço. Mudança de percepção: visão

da Terra sob outra terra: a lua. A Terra, para a concepção do homem agora, torna-se pequena

diante da imensidão do mundo;

Motor da informática: programação de softwares, que “vai modificar totalmente a

relação com o real, na medida em que permite duplicar a realidade através de uma outra

realidade, que é uma realidade imediata, funcionando em tempo real, livre” (VIRILIO, 1998,

p. 128).

Para este trabalho, interessa-nos o último motor e a mudança de percepção

relacionada a ele. Sobre o motor da Informática, Virílio (1998) é cauteloso e diz que é preciso

ser crítico ao olhar a técnica.

Os possíveis atrativos para o uso de plataformas da Internet para a comunicação

on-line são: falar com qualquer pessoa (que também esteja conectada); de qualquer lugar; em

qualquer hora. Sobre esses três pontos da comunicação virtual, que são vantajosos aos

usuários, Virilio pondera e apresenta três possíveis derrotas: da distância, do tempo e do

espaço.

Para esse autor há uma derrota da distância, visto que no virtual é possível estar

em qualquer lugar, ou seja, é possível estar aqui e lá ao mesmo tempo. Ao conversar com

alguém por vídeo, cada um em seu local, por exemplo, Brasil e França, e ambos no local do

outro (no ato da conversa). Para Virilio, trata-se de uma paradoxal “reunião à distância”.

Outro exemplo seria utilizar ferramentas para conhecer lugares, como o Google Earth18, que

possibilita ao usuário “caminhar” por ruas de qualquer lugar do mundo tendo uma visão real

de tudo que tem naquele espaço. Ou ainda estar na sala de sua casa e ao mesmo tempo se

transportar para a realidade dos games.

Com relação ao tempo, o autor cita as diferenças entre tempo local e o mundial. O

tempo local é o vivido neste instante em conversas em seu próprio país. É o tempo retratado

pela história. Já o tempo mundial é aquele vivido ao se transportar para a realidade virtual,

como por exemplo, conversar do Brasil com alguém na Inglaterra, assistir (ou ler) a notícias

em tempo real de outros países, com fusos horários diferentes. Esse tempo é o da velocidade

da luz. Para o autor, isso caracteriza o fim do “aqui e agora”.

18 Disponível em: <http://www.google.com.br/intl/pt-BR/earth>. Acesso em: 16 jul, 2015.L

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Virilio (1998) observa ainda que somos mais contemporâneos e menos cidadãos:

cidadão no sentido de um do mesmo solo, da mesma cidade, se referindo ao espaço local e

real. Contemporâneo, por sua vez, se referindo à vivência em tempo real e mundial.

Por conseguinte, para o autor, a derrota da distância somada à relatividade do

tempo causa a derrota dos fatos, pois ao se habituar com o virtual, o contato real com as

pessoas acaba sendo desqualificado. O autor também considera que as relações virtuais são

vazias de sentido e artificiais.

Acreditamos ainda ser prematuro afirmar que a Internet distancia as pessoas, bem

como afirmar que ela cria probabilidades de reencontros. Talvez não se trata de apostar em

uma alternativa, mas considerar ambas opções prováveis, a depender da singularidade das

práticas, usos e contextos.

À medida que mais e mais pessoas estão utilizando os recursos tecnológicos e,

com isso, convivendo simultaneamente em tempo local e mundial, com outras pessoas

também conectadas, propiciar-se-á uma nova forma de relacionamento. Mas será que ela

desqualifica o real ou amplia possibilidades? Hoje em dia há um choque de gerações: a que

cresceu sem tecnologias e precisou se adarptar e as que já nascem imersas em um vasto

repertório de dispositivos tecnológicos. No entanto, num futuro próximo, só restará a geração

de “nativos digitais” que já se acostumou a estar no atual e no virtual ao mesmo tempo.

Virilio (1998) também se refere à uma colonização da percepção promovida pelas

novas tecnologias. Tal colonização reduziria a percepção a um movimento de estímulo e

resposta, ação e reação - movimento semelhante ao de um jogador de vídeo-game. O autor

compara a repetição de gestos feitos por crianças enquanto jogam games eletrônicos a de uma

linha de produção: no primeiro caso há um produto final; já no segundo caso apenas um

condicionamento dos jogadores.

Nesse sentido, o ato de agir-reagir é acelerado, tornando o pensamento

automatizado. Assim, o pensamento vai perdendo espaço para o agir por reflexo, por

repetição. Isso talvez explique por que os adeptos das redes sociais que, influenciados por

uma temporalidade que gera ansiedade, acabam optando muito mais pelo julgar e

compartilhar, do que pelo ler, refletir, avaliar, argumentar. Evangelista (2016 a) diz que por as

pessoas precisarem de estímulos constantes estão sempre hiperativas. Por conseguinte, essa

alta velocidade mental produz certezas muito rápidas que conduzem a julgamentos imediatos

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Virilio (1998) afirma que os usuários da tecnologia não têm noção dos seus efeitos

e possíveis riscos. Nos casos estudados de linchamentos virtuais percebe-se a ausência de

noção de risco e das consequências que uma simples postagem pode causar tanto para quem

postou algo ofensivo quanto para os “juízes virtuais da moral”: os primeiros estão na mira da

justiça popular; já os segundos podem ser punidos pela justiça institucional.

2.3.2 A passagem para o virtual

O que é o virtual? Tentar responder a essa pergunta é o desafio para compreender

as relações sociais virtuais, sobretudo o nosso objeto de estudo. Essa frase também é o título

de um dos livros do filósofo francês Pierre Lévy, notório teórico do virtual, que se preocupou

não só em definir, mas também em analisar e demostrar as transformações de um modo de ser

num outro.

Esse autor inicia sua explicação pela etimologia da palavra virtual: virtus, do latim

medieval, que significa força, potência. A significação adotada pela filosofia escolástica diz

que “virtual” é aquilo que existe em potência e não em ato, que carrega em si as

problemáticas, os nós de tensões e os projetos que motivam e movem um ser (Lévy, 1996).

Sendo assim, Pierre Levy (1996) alerta para uma oposição fácil e enganosa entre o

real e o virtual:

O virtual não se opõe ao real, mas ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas

maneiras de ser diferentes [...] O virtual é como o complexo problemático, o nó de

tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto

ou uma entidade qualquer, e que chama um processo de resolução: a atualização

(LÉVY, 1996, p. 15-16).

Portanto, o virtual não é um substituto do real, mas um multiplicador das

possibilidades de atualização. Assim, enquanto existência potencial, a virtualidade pode ser

considerada como uma realidade, sem necessariamente concretizar-se. Portanto, o virtual não

é imaginário; ele produz efeitos (LÉVY, 1996).

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O atual, segundo Lévy, é “criação, invenção de uma forma a partir de uma

configuração dinâmica de forças e de finalidades” (LÉVY, 1996, p. 16). Ele não é pré-

determinado, mas sim uma qualidade nova. Pode-se dizer que o virtual é o problema,

enquanto o atual é a solução (aqui e agora) para esse problema.

Por outro lado, o real assemelha-se ao possível, pois ambos se referem a algo pré-

determinado. Todavia, o possível é um real latente, ou seja, um conjunto de possibilidades

esperando manifestação. A diferença entre o real e possível é a existência; o primeiro já

existe, enquanto o segundo está pronto a espera de tornar-se real (Deleuze19, 1968 apud

LÉVY, 1996).

Sendo assim, segundo Deleuze (apud LÉVY, 1996) o processo do possível está na

ordem da seleção. Uma vez realizado o possível, este seria “concebido como imagem do real

e o real como semelhança do possível”, porém “nunca os termos atuais se assemelhariam à

virtualidade que eles atualizam” (DELEUZE, 1998, p. 340).

A fim de melhor explicar os pares: possível/real e virtual/atual, Lévy (1996) usa

como exemplo um programa de computador. A programação é o possível e a execução do

programa é o real. Já a interação entre humanos e esse programa assemelha-se à dialética

virtual/atual. Nessa concepção de Lévy haveria, então, um polo da substância – no qual estaria

o par possível-real - e polo do acontecimento - no qual estaria situado o par virtual-atual.

Pelo exposto, vimos que para Lévy (1996) o possível insiste, o real subsiste, o

atual acontece e o virtual existe. Por conseguinte, há quatro processos de transformação:

realização, potencialização, atualização e virtualização. Essas quatro transformações são

complementares e se constituem pela passagem de uma para outra operando juntas.

Segundo o esquema de Lévy (1996), representado na figura 2, a potencialização

reconstitui recursos e reservas energéticas produzindo ordem e informação.

Por outro lado, a atualização está na ordem da criação: ela interpreta, improvisa e

resolve problemas. Atualizar-se seria, portanto, diferenciar-se, já que a diferenciação exprime

a atualização e a constituição das soluções (LÉVY, 1996).

19 DELEUZE, G. Différence at répétition, PUF, Paris, 1968.

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Então, a atualização é a invenção de uma solução exigida por um complexo

problemático (que pode ser virtual), enquanto a realização é a escolha de qual estado pré-

definido irá ocorrer: ela nutre a matéria selecionando entre uma cadeia de possíveis.

FIGURA 2: POSSÍVEL, REAL, ATUAL E VIRTUAL

Fonte: Lévy, 1996, p. 145.

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Sobre o processo de virtualização, Lévy (1996) define como a dinâmica da

passagem do atual ao virtual de uma dada entidade. Dito de outra maneira, é a transição do ato

(aqui e agora) ao problema:

[...] a virtualização, passagem à problemática, deslocamento do ser para a questão, é

algo que necessariamente põe em causa a identidade clássica, pensamento apoiado

em definições, determinações, exclusões, inclusões e terceiros excluídos. Por isso, a

virtualização é sempre heterogênese, devir outro, processo de acolhimento da

alteridade (LÉVY, 1996, p. 25).

Dessa maneira, contrariando Virilio que considera muitos pontos negativos, Lévy

não considera a virtualização nem boa, nem má, nem neutra. Considera-a um movimento

novo do humano – heterogênese – e propõe que antes mesmo de negá-la ou temê-la, que se

faça um esforço para compreendê-la em toda sua amplitude.

A virtualização não é uma desrealização, ou seja, transformação da realidade em

um conjunto de possíveis. Pelo contrário, a virtualização é um dos principais fatores de

criação da realidade. Nela há um deslocamento do ser, que “passa a encontrar sua consistência

essencial num campo problemático” (LÉVY, 1996, p. 16). É a virtualização que comanda as

atualizações.

Na virtualização as coordenadas de espaço tempo precisam sempre serem

repensadas, desafiando o pensamento clássico: é necessário compreendê-los como um

processo de desprendimento do aqui e agora. Ao contrário do que pensa Virilio, - que espaço

e tempo serão aniquilados, causando derrota dos fatos - Lévy (1996) afirma que, com a

virtualização, há uma extensão do espaço e da temporariedade provocando um novo ritmo,

novas velocidades e cronologia nos meios de comunicação. Assim, o pensamento e,

consequentemente, a narrativa que o materializa em linguagem ganham velocidades mais

aceleradas.

A sincronização no virtual substitui a unidade de lugar e a interconexão a unidade

de tempo, como o exemplo citado alhures: alguém do Brasil conversando por vídeo com

alguém na Europa. O autor ressalta que o tempo-espaço de referência são mantidos, já que

para se conectar com o mundo cibernético é necessário um espaço físico (computador, celular,

tablet) com conexão à Internet e cada ser também se encontra no horário de seu local de

conexão, mas no momento da conexão, do diálogo, o tempo-espaço parece ser o mesmo.

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Os sistemas de comunicação e transporte modificam o sistema de proximidades e

contribuem para a virtualização: não estar presente; desterritorializar-se. É, portanto, um

deslocamento do ser para outra questão. Por exemplo, uma comunidade virtual está por toda

parte (onde estão seus membros, que também são móveis) ou em parte alguma (não tem uma

localidade física no virtual). Sobre comunidade virtual, o autor ainda complementa:

[...] uma comunidade virtual é construída sobre as afinidades de interesses, de

conhecimentos, sobre projetos mútuos, em um processo de cooperação ou de troca,

independentemente de proximidades geográficas ou filiações institucionais, a

menos, é claro, que o ponto comum da comunidade seja reunir habitantes da região

"x" ou de tal instituição. Os relacionamentos entre os membros de uma comunidade

estão longe de serem frios, inclusive é muito comum algum envolvimento afetivo ou

ainda discussões acaloradas que acabam transformando membros da mesma

comunidade em antagonistas mútuos (LÉVY, 1999, p. 127).

Sendo assim, em uma comunidade virtual os membros se reúnem por núcleos de

interesse, não sendo a geografia um ponto de partida e de coerção. Recreia-se uma nova

cultura nômade de interações sociais, sem que as pessoas precisem se deslocar de seus

espaços. Essa metamorfose do conceito de espaço força o humano à heterogênese.

Apesar do desprendimento, da não-presença, da desterritorialização e

virtualização desses sujeitos, não se pode negar sua existência. Na verdade, estão num

constante processo de passagem do interior do virtual ao exterior e vice-versa (“efeito

Moebius”, segundo Lévy). Isso provoca nos sujeitos, segundo esse autor, uma indistinção

entre os circuitos de exterioridade e interioridade.

No entanto, ao contrário do que pensa Virilio sobre a falta de sentimentos nas

relações virtuais, Lévy não as vê como frias e enxerga mais possibilidades no agrupamento de

cidadãos em comunidades virtuais. Por exemplo, para ele a comunicação assistida por

computador é a constituição de “novas formas de inteligência coletiva, mais flexíveis, mais

democráticas, fundadas sobre a reciprocidade e o respeito das singularidades” (LÉVY, 1996,

p. 96). O uso de técnicas de comunicação em ambiente digital seria fruto de uma coletividade

desterritorializada.

[...] o ciberespaço oferece instrumentos de construção cooperativa de um contexto

comum em grupos numerosos e geograficamente dispersos. A comunicação se

desdobra aqui em toda a sua dimensão pragmática. Não se trata mais apenas de uma

difusão ou de um transporte de mensagens, mas de uma interação no seio de uma

situação que cada um contribui para modificar ou estabilizar, de uma negociação

sobre significações, de um processo de reconhecimento mútuo dos indivíduos e dos

grupos via atividade de comunicação (LÉVY, 1996, p. 113-114).

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A interação no formato “todos com todos” no espaço cibernético propicia a

inteligência coletiva e a partilha e reinterpretação de significações no mundo virtual. Contudo,

ela também é responsável pela geração de conflitos, pois a tecnociência, as finanças e os

meios de comunicação, ao serem virtualizados, tendem a estruturar as relações sociais até com

mais violência (LÉVY, 1996). Em se tratando do objeto de estudo deste trabalho, as pessoas

se juntam em torno de um assunto, mas com o intuito de violentarem a outrem (moral,

psicológica e até fisicamente).

O próprio autor alerta para que não se crie ilusões de que o espaço cibernético é

um ambiente livre de conflitos, pois “nem a informática pessoal, nem o ciberespaço, por mais

generalizada que seja a totalidade dos seres humanos, resolvem com sua mera existência os

principais problemas de vida em sociedade” (Lévy, 1999, p. 6). O autor ainda completa: “os

rituais, as religiões, as morais, as leis, as normas econômicas ou políticas são dispositivos para

virtualizarmos relacionamentos fundados sobre as relações de forças, as pulsões, os instintos

ou os desejos imediatos” (Lévy, 1996, p. 77).

Segundo Lévy (2000) é preciso compreender essas mutações contemporâneas

para poder atuar nelas. Sobre as mudanças na sociedade devido à presença das TICs podemos

citar: a implementação de governos eletrônicos (e-gov), cidades digitais, programas de ensino

a distância (EaD), informações desterritorializadas (hipertexto), digitalização dos acervos das

bibliotecas, operações bancárias, compras on-line, artes digitais, etc. Essas mudanças sociais e

culturais afetaram intensamente as concepções que circulam em torno das relações sociais da

vida no tempo e no espaço e inclusive da própria noção de humano, provocando uma

“mutação antropológica”20 (LÉVY, 2000).

Em relação às mudanças ocorridas na economia, veremos no tópico seguinte que

Garcia dos Santos (2003) cita a migração do mercado financeiro para o virtual e que nesse

ambiente o capital passou a ser a informação e a antecipação. Exemplificaremos essas

proposições, no capítulo 3, com as estratégias de obtenção de lucro das redes sociais.

20 Retomaremos esse conceito no item 2.3.

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2.3.3 A realidade virtual como ampliação da realidade

Não há como discutir a sociedade contemporânea se não discutir seu papel e os

consequentes impactos das novas tecnologias na sociedade (GARCIA DOS SANTOS, 2003).

Estamos diante da sociologia da tecnologia: “universo das máquinas contemporâneas que

intermedeiam as relações dos homens contemporâneos entre si e com a natureza” (GARCIA

DOS SANTOS, 2003, p. 100). No entanto, como a sociologia da tecnologia pode abordar a

realidade virtual do horizonte do século XXI se tal realidade afeta a própria noção de

horizonte? E como a realidade virtual irrompe a realidade, deslocando os horizontes?

A realidade virtual é definida enquanto “...a geração de um mundo a partir de uma

relação homem-máquina, um mundo criado artificialmente, que o usuário depois pode

‘habitar’” (GARCIA DOS SANTOS, 2003, p.110).

Garcia dos Santos usa conceitos de Phillipe K. Dick sobre o que é ficção

científica, pois acredita ser muito semelhante ao processo de criação da realidade virtual, já

que em ambas há criação de uma sociedade fictícia a partir da sociedade que conhecemos, isto

é, há um deslocamento em nosso mundo para aquilo que ele não é ou que ainda não é:

[...] o deslocamento deve ser conceitual, não trivial ou estranho – essa é a essência

da ficção científica [...] que faz com que a nova sociedade seja gerada na mente do

autor, transferida para o papel, se dê como um choque convulsivo na mente do leitor,

o choque do desreconhecimento (DICK, 1995, p.99, apud GARCIA DOS SANTOS,

2003, p. 111)

O choque do desreconhecimento implica ingressar na realidade virtual sem pré-

julgamentos, para que ele possa ser explorado em sua diferença e só assim usufruir de fato do

deslocamento conceitual.

Garcia dos Santos (2003) também afirma que quando milhões de pessoas tiverem

acesso às tecnologias de transportação (sensores, visores) a realidade virtual passará a ser a

realidade para muitos. Assim, como fica a realidade de nosso espaço habitual?

Segundo Vattimo (apud GARCIA DOS SANTOS, 2003) o princípio da realidade

já havia entrado em crise com a TV, cinema, rádio e vídeo, pois essas tecnologias explodiram

a visão do mundo em múltiplas visões. Consequentemente, num segundo momento, surgiu a

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realidade virtual como uma ampliação da realidade. A realidade virtual não só amplia, mas

também desloca nossa realidade habitual abrindo novas possibilidades.

Por isso, o autor afirma que não se trata de pensar em polarização de dois mundos:

o virtual em detrimento ao atual. Na verdade, “o mundo atual e o mundo virtual são como

dois tempos diferentes que se tornam contemporâneos” (GARCIA DOS SANTOS, 2003, p.

114).

Garcia dos santos busca, nas palavras do escritor de ficção científica William

Gibson21, mostrar que há “profusão de espaços e de tempos que se sucedem e se alternam

quando a mente e corpo passam a experimentar a mudança de dimensão” (GARCIA DOS

SANTOS, 2003, p.114). A relatividade do espaço-tempo culmina em mudança de

perspectivas e se o espaço-tempo da atualidade e da virtualidade são diferentes, há um novo

prisma localizado entre o presente e o futuro. Partindo desse intervalo talvez se possa entender

o sentido do deslocamento do atual para o virtual.

Para esse autor, o virtual “é fruto da extensa tecnologização da sociedade e da

intensa digitalização de todos os setores e ramos de atividade” (GARCIA DOS SANTOS,

2003, p. 129). Como exemplo, cita a migração do setor financeiro para o ciberespaço. Nessa

nova configuração do mercado financeiro global, “quem ganha não é quem consegue prever o

que vai acontecer, mas sim antecipar as expectativas que vão prevalecer diante do desenrolar

dos acontecimentos” (GARCIA DOS SANTOS, 2003, p. 117).

A invenção tecnológica da realidade virtual obedece a um dinamismo de

antecipação: do condicionamento do futuro pelo presente e da influência do virtual sobre o

atual. Essa capacidade de antecipar o futuro parece constituir uma das maiores habilidades

exigidas para viver o mundo das realidades virtuais. E para antecipar a ação é necessário

reunir o máximo de informações possíveis, ou seja, ter conhecimento. Assim, em uma

realidade virtual, a nova riqueza passou a ser a informação.

Podemos dizer que essa é a estratégia das redes sociais, que faturam bilhões de

dólares22, e o usuário não paga em espécie, mas sim com informação – veremos com mais

detalhes no capítulo 3. Por analogia, obter informações sobre um usuário também parece ser

estratégia muito útil, não só para o marketing, mas também para igrejas, partidos políticos,

21 Ver nota de rodapé número 4. 22 Disponível em: < http://www.valor.com.br/empresas/3883288/lucro-do-facebook-cresce-com-aumento-da-receita-com-

publicidade>. Acesso em: 30 jan, 2016.

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empresas, escolas, etc. E de certa forma podem direcionar o comportamento tanto dentro

quanto fora das redes sociais on-line.

O capitalismo contemporâneo parece investir agora em toda criação, inclusive na

criação humana. Com a aceleração tecnológica e econômica e, consequentemente, com o

deslocamento do interesse pelo atual para o interesse pelo que há de vir a ser – a antecipação

do futuro – os seres biológicos (vegetais, animais, inclusive o homem) perderam o valor de

sua existência. O valor agora passou a ser o seu potencial: o que eles têm a oferecer no futuro?

Sendo assim, nota-se o crescente interesse por armazenar materiais genéticos.

A nova economia parece considerar tudo que existe passível de valorização por

meio de reprogramações e recombinações. Com isso, ela busca “assenhorar-se não apenas na

dimensão da realidade virtual, do ciberespaço, como tem sido observado, mas também e

principalmente na dimensão virtual da realidade” (GARCIA DOS SANTOS, 2003, p. 129).

CASO 4- Lynch e Dali: fantasias, tecnologias e o tempo

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2.4 Novidade e recorrência

Nota-se que muitos autores relacionam a interseção das TICs no cotidiano da

sociedade com a ideia de transformação. Mudou, segundo Lévy (2000), a concepção de

cultura, saber, ensino, ciência, história, sentido, espaço e tempo, gerando aquilo que este autor

chama de uma “mutação antropológica”. Entretanto, tudo é “novo” e transformado na

atualidade?

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Observando as relações sociais em redes de relacionamentos on-line, sobretudo os

casos aqui apresentados como linchamentos virtuais, vimos a necessária reflexão sobre o que

realmente é novo e uma potencialidade da Internet e o que aparenta ser apenas uma repetição

de conduta e conceitos construídos historicamente.

Naara Luna (2005), por exemplo, avalia que as novas tecnologias são utilizadas

para reproduzir os mesmos comportamentos e valores. Em sua pesquisa com pessoas que

buscaram a reprodução assistida, seja por meio de doadores de gametas ou por gestação

substituta, percebeu-se que a concepção do humano está ainda muito ligada à biologia e a

genética, ou seja ao parentesco de sangue - concepções oriundas do Ocidente Moderno – do

que a outros valores como amor e a partilha que se constroem em família.

Já para Lévy (1996) a escolha da humanidade não está entre “a nostalgia de um

real datado e um virtual ameaçador ou excitante, mas entre diferentes concepções do virtual”

(p. 117). Para ele, ou se investe nas potencialidades de invenção de novos modos de

existência pautados, por exemplo, em coletivos inteligentes (trocas de saber, escuta e

valorização das singularidades, participação democrática e novas formas de cooperação, etc.)

ou o ciberespaço apenas reproduzirá o que já está dado: o mediático, o espetacular e a

exclusão.

Na direção da segunda hipótese de Lévy, Evangelista (2016 b) analisa que as

informações mediadas por computador, hoje estão ao alcance de sujeitos historicamente

explorados, mas:

[...] quando submetidas aos filtros sociais, de mercado, ou dos algoritmos das redes

proprietárias, vão tendo dois destinos igualmente ruins: ou desaparecem num mar de

irrelevância e futilidades; ou são tão simplificadas, para viralizarem ou se tornarem

os populares memes, que pouco servem para produzir transformações sociais

necessárias (EVANGELISTA, 2016 b).

Para Evangelista, é difícil produzir sínteses inteligentes de comunicação perante o

desenho da rede, que foi construída para estimular o consumo de mercadorias e informações.

Então, em vez dos usuários da Internet se empenharem num processo de escrita e

comunicação inteligente, criativa e colaborativa, limitam-se à reprodução da comunicação

padronizada, conduzida pela própria arquitetura da rede. Dessa maneira, propagam-se os

“zumbis cibernéticos” nos quais o corpo e equipado tecnologicamente, mas repete ações sem

que a cabeça pense e reflita, levados pelo comportamento da tribo.

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Por outro lado, a primeira alternativa de Lévy não é descartável. Talvez as duas

concorram nas redes sociais, mas observando especificamente os casos de linchamentos

virtuais, nota-se que a inclusão de tecnologias na comunicação fez com que ficassem mais

evidentes os preconceitos, a segregação e os julgamentos. O que nos levaria à conclusão de

Luna (2015): estamos fazendo uso das novas tecnologias para a repetição dos mesmos

comportamentos.

No entanto, a intenção não é trazer aqui os casos de linchamentos virtuais

simplesmente como repetições de algo já posto, mas como um problema novo, pois a Internet

traz potencialidades que os estudos tradicionais sobre linchamentos (MARTINS, 2015) não

apresentam.

É preciso considerar especificidades do virtual, tais como: o deslocamento espaço-

tempo (LÉVY, 1996) e a possibilidade de comunicação com mensagens multimodais. Além

disso, não se está mais sozinho, mas em rede de relacionamento, onde há partilha de todos

com todos e mobilização política. Como influência dessas potencialidades nos julgamentos e

justiçamentos on-line, podemos destacar o que muda: a dimensão do evento, a dimensão do

alcance das mensagens a ele relacionadas e também a dimensão das punições.

Essas hipóteses podem ser constatadas no caso 4, retratado no início deste tópico,

quando comparamos fatos semelhantes que aconteceram com e sem o suporte das redes

sociais on-line, pois nelas encontramos ferramentas disponíveis que auxiliam a propagar

mensagens, aumentando seu poder de alcance.

Além das já apresentadas, também podem ser consideradas varíaveis importantes

que compõem o desencadeamento de um linchamento virtual: comando compartilhar e

remixing de imagens.

O dispositivo “compartilhar” do Facebook permite que o usuário divida com seus

amigos algo que ele achou interessante. Ele pode fazer isso na própria rede ou em outra (como

encaminhar para um grupo no WhatsApp). Os amigos dele veem e compartilham também

com outros amigos e assim sucessivamente. Tomando como exemplo os casos 1 e 4, percebe-

se que a mensagem pode chegar a um número incalculável de indivíduos, muito além do seu

círculo de amigos, sobretudo se a configuração da publicação estiver em domínio público, ou

seja, qualquer pessoa com conta nessa rede pode ter acesso.

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Somado a isso, também há a possibilidade de “metamorfose imediata” da

mensagem (LÉVY, 1998), ou seja, o remixing, que segundo Bordwell (2005) são retrabalhos

em mídias visuais em que o obsoleto, com uma nova roupagem, vira atual; imagens ganham

novos enquadramentos e sobreposições; vídeos recebem outros áudios ou outras legendas

(montagens). Com isso, “são criados novos caminhos de interpretação” (BORDWELL, 2005

apud ERSTAD, 2008, p. 185). Vale lembrar que o remixing é mais uma conquista da Web

2.023 e é feito em programas específicos, fora das redes sociais. Ao dar nova roupagem à

mensagem, os usuários voltam a compartilhá-la na Internet.

Dessa maneira, cada leitor pode tornar-se emissor visto que tem diante de si não

uma mensagem estática, como no jornal, mas um potencial de mensagem. O poder de inventar

é uma potência do homem comum (PELBART, 2001) e se torna ainda mais forte se

combinada às habilidades computacionais. O remixing pode ter fins muito positivos, como

estimular a criatividade de alunos em sala de aula (BORDWELL, 2005). Ou o contrário:

pode destruir a imagem de uma pessoa, distorcendo a realidade.

Na figura 3, observa-se um exemplo de remixing: a foto foi postada em três

versões diferentes e causou polêmica nas redes sociais. Qual seria a verdadeira e quais seriam

montagens? Ou seriam todas falsas? As primeiras postagens desta foto datam de 2012, na

Venezuela, porém circulou em vários países e ainda em 2015 era alvo de debate na Web.

FIGURA 3: EXEMPLO DE REMIXING DE IMAGEM

Fonte: e-farsas.com24, janeiro de 2016.

23 O termo Web 2.0 foi criado em 2004 pela empresa americana O'Reilly Media e apresentado pela primeira vez no evento

“O’Reilly Media Web 2.0 Conference in 2004” (BUZATO e SEVERO, 2010). 24 Disponível em: <http://www.e-farsas.com/foto-de-garota-apontando-arma-para-um-bebe-e-polemica-na-Web.html>

Acesso em 17 jan, 2016.

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A foto em que aparece a arma foi inúmeras vezes compartilhada. Em um dos

grupos do Facebook, onde circulou essa foto, havia vários comentários ofensivos. No entanto,

alguns internautas colocaram a foto com o passarinho pedindo cautela para as pessoas, pois a

imagem poderia ser falsa e, com isso, a mulher estaria sendo linchada injustamente.

Por outro lado, há matérias on-line25 que afirmam que das três fotos a única que se

pode garantir que é montagem é a do passarinho, pela variância na paleta de cores. Dessa

maneira, se a foto da arma for a verdadeira então, nesse caso, o remixing foi feito e

compartilhado com a intenção de minimizar os efeitos negativos que a (possível) imagem

original tenha causado.

Conforme exposto, as opções de remixing e compartilhamento podem ser usadas

tanto como estratégias de difamação on-line (por empresas concorrentes, partidos políticos

opostos, por ressentimento pessoal, etc) e assim propagar linchamentos virtuais, bem como

para promoção ou ainda tentar amenizar os efeitos negativos que a imagem real tenha rendido.

Como visto, muitas acusações e denúncias postas nas redes sociais nem sempre

elas são fundamentadas, como ocorreu com o caso do Guarujá. A falta de cuidado com o que

se escreve nas redes sociais também pode contribuir para a propagação de boatos por centenas

ou milhares de pessoas. Para definir o que é um boato, utilizaremos o conceito de Renard

(2007):

[...] um enunciado ou uma narrativa breve, de criação anônima, que apresenta

múltiplas variantes, de conteúdo surpreendente, contada como sendo verdadeira e

recente em um meio social que exprime, simbolicamente, medos e aspirações

(RENARD, 2007 apud BORGES, 2010, p. 39).

As redes sociais estão repletas de boatos, sendo que alguns são implantados

nessas redes propositalmente para difamar alguém ou algum produto. Por conseguinte, boatos

podem gerar riscos não só para as pessoas que postam, mas também para outras pessoas,

independente se possuem ou não um perfil em rede social.

Há alguns fatores prováveis para a atribuição do valor de verdade para um boato e

seu rápido espalhamento (BORGES, 2010). Primeiramente, as pessoas recebem de alguém

25 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=lukacJdTSWo>. Acesso em: 17 jan, 2016.

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conhecido, portanto de pessoa confiável. Em segundo lugar, a verossimilhança com um fato

real (provável de ser verdade).

Além dos motivos propostos por Borges também podemos acrescentar,

hipoteticamente, as seguintes variáveis para o ambiente digital: (i) devido à aceleração que o

meio impõe, falta tempo para leitura de toda a matéria e também de todos os comentários, já

que a quantidade de informação é muita. Como afirma Lévy (1996) a virtualização abre novos

espaços, novas velocidades e ligada à emergência da linguagem surge uma celeridade no

pensamento e o tempo passa a ser o tempo da própria narrativa; (ii) o fato de a tecnologia ter

chegado à população antes do letramento digital e, com isso, elas são facilmente manipuladas

com notícias falsas, pois falta-lhes competência para identificar, gerenciar, analisar os

recursos digitais disponíveis para se comunicar com outros, no contexto específico de

situações vividas, permitindo uma ação social construtiva e reflexão sobre o processo

(MARTIN e GRUDZIECKI, 2006)26.

Para Evangelista (2016 b) há uma avalanche de informações na Internet e, assim,

“a alta oferta acaba sendo a da informação mais irrelevante, básica ou mesmo mentirosa,

muitas vezes compartilhada por pessoas que nem se deram ao trabalho de clicar no link”.

Nesse grupo (de compra e venda criado no interior de São Paulo) que

acompanhamos a discussão sobre a imagem da figura 3, percebe-se uma diversidade sócio-

econômica-cultural. A princípio, observando os comentários, parece-nos que essa falta de

cuidado com a veracidade da informação não está ligada à classificação de gerações (Baby

Boomers, X, Y e Z), mas sim ao nível de letramento digital. No entanto, seria necessário um

mapeamento mais detalhado com as possíveis variáveis para responder a essa pergunta, porém

foge do objetivo deste trabalho.

26 Trecho da definição de Letramento Digital do Projeto DigEuLit de MARTIN e GRUDZIECKI, 2006 (tradução livre):

“Digital Literacy is the awareness, attitude and ability of individuals to appropriately use digital tools and facilities to

identify, access, manage, integrate, evaluate, analyse and synthesize digital resources, construct new knowledge, create media

expressions, and communicate with others, in the context of specific life situations, in order to enable constructive social

action; and to reflect upon this process.”

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3 A INTENSA PRESENÇA DAS TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E

COMUNICAÇÃO NA CONTEMPORANEIDADE: (RE)CONFIGURAÇÕES DA

PRIVACIDADE, DO PODER E DO CONTROLE

A comunicação on-line só ganhou novas propriedades e outros propósitos com o

advento da Web 2.0. Os conteúdos estáticos da versão original (Web 1.0) que serviam apenas

para consulta ganharam, na nova versão, uma interação entre usuários e aplicativos. Um site

baseado na concepção Web 2.0 permite compartilhamento de informações, ressignificação de

mensagens e colaboração. Muitas dessas propriedades são encontradas nas redes sociais on-

line (Orkut, Facebook, Twitter, etc).

As inúmeras possibilidades multimodais para se expressar na Web - palavras,

imagens, sons, vídeos, emotions, etc. – aliado ao fato de que a maioria dessas redes sociais

on-line está disponível de forma gratuita, talvez, esses sejam fatores que explicam a adesão de

milhares de usuários em todo o mundo. Além disso, há também uma sensação de certos

valores democráticos, como a “liberdade de expressão, o ‘empoderamento’ do cidadão

comum e a horizotalização das relações entre produtores e consumidores midiáticos”

(BUZATO e SEVERO, 2010, p. 2-3).

É inegável que o crescimento do uso das redes sociais mediadas pelo computador

e dispositivos móveis conectados à internet trouxeram novas possibilidades para a

comunicação. Por exemplo, a Internet ampliou a denúncia de situações de violência,

promoveu o embate político e quebrou certos tabus. Entretanto, esse contexto novo para a

formação de discursos permitiu também que antigas práticas sociais aflorassem e se

popularizassem nas redes sociais on-line, como preconceito, julgamento, acusação, denúncia,

monitoramento sobre o comportamento do “outro” e até uma vigilância contínua sobre si

mesmo.

Neste capítulo, pretende-se problematizar os casos de linchamentos virtuais em

relação ao exercício do poder contemporâneo e ao controle. Pretendemos demostrar que há

dois poderes que controlam os usuários nas redes sociais: um que opera por meio de normas,

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leis, que serve para estabelecer a ordem onde esta foi rompida: o poder jurídico; o outro,

opera de maneira mais fluida, sútil, pela incitação e pelo prazer: o poder estratégico.

Nossa hipótese é que tanto um como o outro são ignorados pelos internautas haja

vista os casos de linchamentos virtuais: as pessoas são envolvidas pelo poder-prazer e com

isso julgam escapar do poder jurídico. Para compreendê-los consideramos necessário,

primeiramente, refletir sobre os deslocamentos da noção de público e privado, bastante

enfatizada por autores que estudam as relações sociais na Internet e, consequentemente, a

configuração da subjetividade contemporânea.

Dito de outra forma, para os usuários se tornarem visíveis precisam se submeter à

vigilância. Na mesma direção, para se sentirem livres são subordinadas ao poder e ao

controle.

CASO 5: Fabíola: desavenças conjugais no tribunal da Internet

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3.1 Público e Privado: redes sociais como palco público para a exposição do

íntimo

“na virtualização são as próprias noções

de público e privado que são

questionadas” (Lévy, 1996).

Neste tópico pretende-se mostrar como as tecnologias e, neste trabalho, mais

precisamente, as redes sociais, despertaram o ensejo pelo olhar do outro que culminou na

exposição demasiada da privacidade ao que é de domínio público (BRUNO, 2006). Essa

exposição leva-nos a reflexões acerca do deslocamento entre público e privado, sobre o

sentido de intimidade, da constituição da subjetividade contemporânea e da construção de

identidades (THEBALDI, 2014).

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Com o advento da Web 2.0, o indivíduo e sua vida comum passam da tentativa de

estar na mídia para o ato concreto de criar o seu espaço midiático e ter o seu público.

Ampliaram-se as possibilidades de visibilidade com as redes sociais, cuja estrutura favorece a

exposição pública e a interação de seus usuários na rede mundial de computadores.

A intermediação das TICs nos modos de ver e ser visto do mundo contemporâneo,

segundo Bruno (2006), reconfiguraram os limites entre o que é público e o que é privado e a

topologia da subjetividade ganhou novos contornos. Entretanto, isso é uma marca da

atualidade, pois na modernidade espaços públicos e privados eram bem demarcados.

Na modernidade, o olho público era associado à interdição e à norma. Já a esfera

privada era morada da intimidade e local de liberdade perante a ordem pública. O olhar do

outro servia para ativar o superego, uma espécie de juiz da moral que “impõe renúncia à

natureza, aos instintos, pulsões e desejos” (BRUNO, 2013, p. 78).

Para a subjetividade moderna, a intimidade deveria ser resguardada ao máximo,

pois era o lugar de segredo e da verdade, dotado de certa opacidade: “o espaço íntimo, interior

e privado, é tido como uma realidade autêntica, em que o engodo só se é possível malgrado o

próprio sujeito” (BRUNO, 2013, p. 64). A vida em segredos gerava uma sensação de

sufocamento aos indivíduos, pois havia uma certa “tirania da intimidade” (SENNETT27, 1995

apud THEBALDI, 2014, p. 117).

No século XIX, por exemplo, o uso de diário era uma prática constante. Faz-se

necessário explicar o que é diário porque a geração “Z” pode não conhecer: um caderno de

anotações para relatar, objetiva e subjetivamente, os acontecimentos diários contando para si

mesmo o que tinha de mais secreto. Para evitar que suas particularidades pudessem ser

reveladas, o diário era fechado com um cadeado e a chave ficava em posse do autor e dono do

caderno, em local seguro. Seus principais temas eram: o amor, a sexualidade, a saúde e o

corpo (BRUNO, 2013).

No século XX ainda era visto o diário em papel até que a passagem para o século

XXI trouxe o então diário virtual: o blog. Ele tinha, a princípio, o mesmo objetivo de um

diário, mas era compartilhado com qualquer internauta que tivesse afinidade com o assunto.

Além disso, ainda contava com recursos multimodais - como foto e vídeo - e a possibilidade

27 SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

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de receber comentários (interatividade), ou seja, não era só o olhar do outro, mas o palpite do

outro.

Posteriormente, também na Internet, surgiram as redes sociais e a exposição de si

ficou ainda mais frequente. Em 2013, proliferam nas redes as selfies28, fotos tiradas de si

próprio. Elas encurtaram a descrição escrita e, ao mesmo tempo, serviram como prova

incontestável de algo que tenha ocorrido. O espelho era o grande aliado das selfies, até que o

celular foi equipado com câmera frontal, na qual o retratista podia se ver e, recentemente,

surgiu no mercado o “pau de selfie”, que é um bastão para encaixar o celular com o objetivo

de ampliar o horizonte da fotografia.

Isso contribuiu para tornar-se hábito postar relatos íntimos e cotidianos nas redes

sociais: onde está, o que está comendo, o que está assistindo, com quem está e o que está

sentindo (incluindo opiniões em momentos de raiva). O advento da sociedade-confissionário

(BAUMAN, 2011) alterou o conceito de privacidade:

[...] a privacidade invadiu, conquistou e colonizou a esfera pública, mas ao preço de

perder o seu direito ao segredo, seu traço distintivo e privilégio mais caro e mais

ciumentamente defendido [...]. Em uma surpreendente inversão com relação aos

hábitos dos nossos antepassados, porém, perdemos a coragem, a energia e

principalmente a vontade de persistir na defesa desses direitos, daqueles

insubstituíveis elementos constitutivos da autonomia individual. Aquilo que nos

assusta hoje não é tanto a possibilidade da traição ou da violação da privacidade,

mas sim o seu oposto, isto é, a perspectiva de que todas as vias de saída possam ser

bloqueadas (BAUMAN, 2011).

Portanto, o que era da vida privada, a intimidade, contida em páginas trancadas de

um diário, tornou-se deliberadamente pública, mesmo sem ter ideia de quem possa ser o seu

público, já que mesmo compartilhando só com amigos, estes podem salvar a postagem e/ou

compartilhá-la em outras redes. O próprio autor da postagem pode permitir que estranhos

vejam, dependendo de como a rede social foi configurada.

Buzato e Severo (2010) relatam que uma pesquisa feita em 2005 com cerca de

quatro mil estudantes de uma universidade dos Estados Unidos, demonstrou que a maioria dos

usuários expõe sua privacidade nas redes sem se preocupar com as configurações de

segurança sugeridas pelo próprio Facebook. Já Bruno (2013) apontou em seu livro que os

28 Selfie — junção do substantivo self (em inglês "eu", "a própria pessoa") e o sufixo ie — ou selfyé um tipo de fotografia de

autorretrato, normalmente tomada com uma câmera fotográfica de mão ou celular com câmera. Foi considerada a palavra

internacional do ano de 2013 pelo Oxford EnglishDictionary. Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Selfie>. Acesso em 04

jan, 2016.

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jovens tendem a continuar expondo dados pessoais em redes e tecnologias sociais digitais,

porém agora parece haver uma preocupação maior em manter seus perfis de redes sociais de

modo privado, ou seja, compartilhado apenas com amigos: 62% desses usuários têm essa

procupação.

Na atualidade, a vida privada, cotidiana, do cidadão comum é exposta nas mídias

digitais (mas não só nelas) para ganhar visibilidade, como “uma espécie de direito ou

condição almejada de legitimação e reconhecimento” (BRUNO, 2006, p. 55). As TICs –

incluindo-se também os reality shows televisivos - oferecem às experiências privadas uma

cena pública, como afirmação de legitimação social.

Para Thebaldi (2014) a relação do “eu” com o “outro”, mediada pela Internet,

constitui-se por dependência e indiferença.

Dependência, na medida em que para confirmar a existência do “eu” é necessário

o olhar do “outro”. Nas próprias redes sociais encontra-se uma reflexão dessa necessidade do

homem exibir-se para existir no mundo, explícita na frase: “Posto, logo existo”; uma paráfrase

a célebre frase de Descartes: “Penso, logo existo”, que legitima a existência do sujeito por ser

pensante.

Já a indiferença é posta no sentido em que o outro é reduzido apenas em um certo

“padrão” para que o “eu” verifique seu próprio desempenho e performance.

Pensamos primeiramente na dependência. Para ser reconhecido, há uma

incansável procura pelo olhar do outro. Bruno (2006) busca em algumas teorias29 já

conhecidas possíveis explicações para o fenômeno. Por exemplo, Freud (1980) e Lacan

(1987) atribuem a importância do olhar do outro para a constituição do “eu”. Um exemplo

dado por Lacan é o estágio do espelho: o “eu” ao ser visto, legitima a sua existência. Já para

Elias (1994) e Vigarello (1996) o olhar do outro é determinante para o comportamento social,

a conduta e a interiorização de certas regras, como comer com talheres e se preocupar com a

limpeza do corpo, principalmente das partes que ficam a mostra. Para Foucault (1975) o olhar

29 FREUD, S. Sobre o narcisismo: uma introdução. Obras completas. Rio de Janeiro, 1984.

LACAN, J. O Seminário – Livro 2, Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

ELIAS, N. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.

VIGARELLO, G. O limpo e o sujo: uma história da higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

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do outro promovido pelo panóptico30 é responsável por estabelecer disciplina, pois ao olhar

para a torre e pensar que há alguém observando, o interno se autorregula.

A hipótese histórica é a de que a atenção e o cuidado com o olhar do outro vão

sendo progressivamente interiorizados e constituindo todo um campo de cuidados consigo, de

autocontrole, autorregulamento e autovigilância que passam a reger a esfera íntima e privada

(BRUNO, 2006, p. 57).

Embora a subjetividade contemporânea tenha herdado também a cultura

disciplinar e normalizadora do panóptico, há consigo princípios sinópticos da cultura do

espetáculo e da mídia de massa (BRUNO, 2013). Com isso, a exposição nas redes sociais está

sujeita não só ao controle, como será visto adiante, mas também ao prazer, à sociabilidade, ao

entretenimento, a uma cultura confessional e terapêutica, “multiplicando as nuances de uma

subjetividade cada vez mais alterdirigida” (RIESMAN31, 1995 apud BRUNO, 2013, p. 67)

Se na modernidade a subjetividade era resguardada como forma de resistir ao

olhar normalizador do outro e circunscrevia em ambientes privados (casa, psiquismo,

confessionário), na contemporaneidade ocorre exatamente o inverso: expõe-se a intimidade ao

exterior, ao olhar do outro, de tal sorte que a subjetividade é construída em espaço aberto e

principalmente mediada por tecnologias, proporcionando visibilidade e a audiência.

A passagem do público para o privado e a transformação recíproca do interior em

exterior são atributos da virtualização [...]. Uma emoção posta em palavras ou em

desenhos pode ser facilmente compartilhada. O que era interno e privado, torna-se

externo e público. A partir do momento que falamos, as entidades eminentemente

subjetivas que são as emoções complexas [...] são externalizadas, objetivadas,

intercambiadas, podem viajar de um lugar a outro, de um espírito a outro. (LÉVY,

1996, p. 73).

De lugar de recolhimento, a intimidade constitui-se em matéria assistida e

produzida na presença explícita do olhar do outro. Tomando de empréstimo o termo

“extimidade” proposto por Lacan, Tisseron (2011)32 designou-a como o desejo de o indivíduo

comunicar ou expor o seu mundo interior ao outro (TISSERON, 2011 apud BRUNO, 2013, p.

69).

30 Será conceituado e explicado no tópico 3.2. 31 RIESMAN, D. A Multidão Solitária. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1995. 32 TISSERON, S. Intimité et extimité. Communications, n. 1, p. 83-91, 2011.

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O conceito de extemidade aqui sugerido por Tisseron (2011) não pode ser

reduzido ao conceito de exibicionismo. A personalidade íntima, ao ser apresentada ao olhar

do outro, busca validar-se. Tampouco pode ser interpretada como o oposto da intimidade, já

que ela é a própria intimidade exteriorizada. Ressalta-se ainda que a extimidade configura-se

“em um bem existencial que atua, ao menos, sobre o sentimento de existência, sobre o

sentimento de devir e sobre a identidade pessoal” (BOLESINA, 2015, p. 5).

Nas mídias sociais on-line, por exemplo, o espectador participa ativamente da

construção do “eu”, ao curtir uma postagem, comentar positiva ou negativamente,

compartilhar fotos ou vídeos. A subjetividade, então, reside no imediatamente visível: “ a sua

face visível não é apenas o reino do outro, onde sempre é possível mascarar ou mentir, mas

também e conjuntamente o reino do próprio “eu” (BRUNO, 2013, p. 70). Assim, há um

embaralhamento entre “a aparência e a essência, a ficção e a realidade, o público e o privado”

(BRUNO, 2006, p. 63), bem típico da inserção da virtualidade no cotidiano dos indivíduos.

O caso 5 retratado na abertura deste tópico mostra a evidência desses

embaralhamentos na vida coditiana contemporânea. Além disso, ao usar uma cena pública

para discutir assuntos íntimos, da vida privada, que deveriam estar dentro do lar do casal,

ampliou-se a possibilidade de julgamentos e a exposição demasiada resultou em linchamento

virtual.

Falemos agora sobre a relação de indiferença constituída com o “outro” na

contemporaneidade. Como afirma Thebaldi (2014) “mostramo-nos, ainda, em geral, pouco

sensíveis e/ou envolvidos com as necessidades alheias” (p. 124). Além disso, percebe-se nas

redes sociais que a preocupação com o olhar do outro está mais ligada à superação de limites

e sucesso pessoal do que a imposição de normas, como era na modernidade. Passamos do

fator regulador superego, para o ego; da culpa à angústia de não estar à altura de si mesmo; de

Édipo a Narciso (com as selfies).

A realização tanto pessoal quanto social depende da aparência perante o olhar do

outro: precisa-se estar no patamar do considerado ideal. Segundo Bruno (2013), na atualidade

se o “eu” é um ideal, então ele está sempre adiante.

Além disso, a natureza não é mais o limite. A reconfiguração entre as fronteiras

do que é público e privado também entrelaça com a redefinição dos limites entre natureza e

cultura (artifício). A aceleração tecnológica tem produzido cada vez mais seres híbridos, ou

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seja, em que o natural pode ser complementado com o artificial: tratamento de belezas –

plásticas, regimes, estética, etc; e de temperamento – terapia e drogas psiquiátricas para

depressão, por exemplo. Então, afirmar que o ideal não depende só da natureza é afirmar

também que quase tudo é possível. Portanto, o ego ideal é regido por uma ordem pública, que

dita padrões; já o limite é privatizado, caracterizado como insuficiência do indivíduo que não

alcança esses padrões (BRUNO, 2013).

Temos, assim, mais um paradoxo: com as TICs as possibilidades de ser aumentam

– seres híbridos, realidade virtual, fakes -, mas observa-se a busca por identidades “padrões”,

pois recorre-se a amostra ou modelos subjetivos socialmente aceitos e reconhecidos.

Entretanto, esses perfis não são estáticos, mas sim “ de mudança contínua e a todo instante”

(DELEUZE, 1992).

Sendo assim, em um mundo contemporâneo líquido (BAUMAN, 2001) as

identidades são igualmente líquidas (THEBALDI, 2014), pois além de estarem sempre

mudando para alcançarem padrões momentâneos, também se revelam e se omitem nesse jogo

de dentro e fora em que os limites do público e privado, da natureza e cultura, do virtual e

atual, ofuscam-se.

Então, esse “eu” visível na Internet é autêntico ou artificial? Segundo Bruno

(2006), pode haver plasticidade da imagem, mas a autenticidade também está naquilo que se

aparece ser, no que se consegue ver. A verdade, então é o que se mostra. Um regime de

visibilidade “consiste, antes, não tanto no que é visto, mas no que torna possível o que se vê”

(BRUNO, 2013, p.15).

Como visto alhures (figura 1), algumas pessoas fazem perfis fakes para

esconderem sua identidade civil, numa tentativa de anonimato, a fim de disseminarem ódio,

discriminação, preconceito, manipularem números ou declarações e incitar à violência. No

entanto, há outras que utilizam o próprio nome e sobrenome na Internet para expressar seus

sentimentos, mesmo que esse ato seja revelador de uma personalidade cruel. Pessoas que

outrora, fora da Internet, eram consideradas éticas, mas que na massa (de usuários e nas redes

sociais) deixaram vir à tona uma personalidade oculta, como acontece em crimes de

linchamentos (MARTINS, 2014).

Para Saflate (2016) o jogo do proibido/permitido passa a ser agora do

possível/impossível. E se quase tudo é possível e o “eu” não alcança esse ideal, fica submerso

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em um sentimento de culpa por não ter realizado seus desejos. Isso pode levar a uma implosão

depressiva e o desconforto gerado pode resultar em violência. Isso, talvez, seria uma outra

forma de compreender o comportamento nas redes sociais: o indíviduo descontente consigo

mesmo ataca o outro, por meio de discursos de ódio.

De qualquer maneira, pensamentos que ficavam dentro de casa ou dentro de si

mesmo, perderam o pudor e foram externalizados nas redes sociais. Por exemplo, a ira e o

preconceito ao serem divulgados em espaço público e de grande alcance – a Internet -

deixaram de ser algo reprimido e internalizado, para ser algo ostentado (BRUM, 2015).

Ao tornar esses pensamentos públicos, procura-se buscar pessoas com ideias

semelhantes para conquistar aplausos (curtidas) e adoradores (seguidores). À medida que essa

prática de exteriorizar a subjetividade ganha cada vez mais adeptos ao redor do mundo,

converte-se em um entretenimento e anônimos ganham audiência.

Com essa incitação por falar sobre qualquer assunto nas redes sociais, inclusive

expor sua intimidade, o indivíduo acaba se mostrando demais e revelando sua identidade, às

vezes, mais do que ele próprio desejaria se não tivesse engajado nessa dinâmica acelerada da

comunicação virtual. Com isso, são fornecidos elementos suficientes para inimigos,

criminosos, ou qualquer cidadão contra-atacar.

A subjetividade contemporânea constitui-se, então, na própria exterioridade

(extimidade) ao se fazer visível a outros. Logo, essa visibilidade, é dada (ao receptor) e

proporcionada (ao emissor), sobretudo pelos meios digitais de comunicação de longo alcance,

principalmente pela Internet. Conclui-se, portanto, que as TICs são, ao mesmo tempo,

testemunhas e produtoras de subjetividade (BRUNO, 2006).

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CASO 6: Denúncia de agressão em blog feminista

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3.2 Prazer e poder: intervenções de um poder estratégico

“O poder estratégico é justamente a

engrenagem que a faz funcionar a rede

social, potencializando as circulações e

as relações entre conteúdos e sujeitos”

(BUZATO e SEVERO, 2010).

Como conectar o exercício do poder, da perspectiva foucaultiana com o

funcionamento das redes sociais?

Dentre as muitas redes, analisaremos o Facebook, por ser o mais popular entre os

brasileiros (quadro 1). Essa rede social foi baseada no Facemash, idealizado por Mark

Zuckerberg, em outubro de 2003, para que os estudantes de Harvard – onde ele cursava o

segundo ano – pudessem escolher os amigos mais atraentes. Entrou no ar como rede social

aberta a toda comunidade em 2004. Onze anos depois, em 2015, foi registrado 1,5 bilhões de

acessos em um mesmo dia.

No Brasil, os números também não param de crescer. Os dados do quadro 1

demostram como os brasileiros passam cada vez mais horas conectados às redes sociais:

QUADRO 1: DADOS DO BRASIL SOBRE O ACESSO ÀS REDES SOCIAIS

Tempo gasto nas redes sociais 650h por mês

Porcentagem de brasileiros em redes sociais 78% dos internautas

Número de visitantes mensais no Facebook 92 milhões

Números de visitantes mensais que acessam ao Facebook por meio de

dispositivos móveis

77 milhões

Fontes: Pesquisa “2015 Brazil Digital Future in Focus” da comScore e dados internos do Facebook (Q4-2014), janeiro de

2016.

Embora Foucault tenha pensado e descrito o poder em situações bem específicas – por

exemplo o sexo na sociedade ocidental do século XVI; ou ainda em instituições fechadas,

como hospício e prisão - muitos desses mecanismos do poder estratégico, mesmo que não em

sua totalidade, podem abrir um caminho para reflexões sobre a configuração de

relacionamento da sociedade contemporânea em redes sociais on-line como a que nos

referimos logo acima. Para isso, descreveremos o que avaliamos ser o funcionamento do

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poder a partir de questões suscitadas pelo Facebook, na conexão com alguns conceitos de

Foucault (1976) sobre o exercício do poder.

Foucault descreveu um modelo estratégico de um poder mais sutil, disperso e móvel

que opera pela incitação, pela intensificação e pelo prazer. O poder estratégico, ou poder-

prazer, definido por esse filósofo, tem as seguintes características descritas, esquematicamente

(BUZATO e SEVERO, 2010):

(i) não pertence a alguém, ou seja, não é um objeto que um dono possa deter; ele

se constitui nas relações sociais, portanto “nunca está localizado aqui ou ali, nunca está nas

mãos de alguns, nunca é apropriado como uma riqueza ou bem [...] o poder não se aplica aos

indivíduos, passa por eles” (FOUCAULT, 1976, p. 183). Por isso, esse autor ressalta a

importância não de se buscar uma origem ou um dono, mas sim de averiguar de que maneira

o poder opera tanto submetendo, dominando e assujeitando como produzindo, incitando e

promovendo circulação e recepção dos discursos.

(ii) não pertence exclusivamente ao soberano: Estado ou à Lei. As relações de

poder não se dão apenas de cima para baixo: operam nas extremidades, nas ramificações, em

instituições e em níveis cotidiano, num processo de inclusão ou exclusão e são absorvidas por

vários fenômenos, incluindo o econômico. Isso não quer dizer que o poder jurídico não exista

e que o Estado não tenta controlar a população; apenas ressalta que estes não são os únicos.

(iii) não é dicotômico e nem estático; ao contrário, é múltiplo e difuso. Funciona e

se exerce em rede. Considera ainda que as relações de poder são fluidas e dinâmicas e

vinculadas, diretamente, à produção de discursos. Por isso, é preciso estudar a dinâmica do

poder de maneira ascendente, visando rastrear seus efeitos e percursos para entender a

maneira pela qual os novos procedimentos de poder, que funcionam pela técnica, pela

normalização e pelo controle, são apropriados, transformados e utilizados por processos mais

amplos e globais (FOUCAULT, 1976).

(iv) não opera produzindo ideologias; visa a formação de saberes pelas práticas de

observação, exame, registro, sistematização, entre outros: “[...] o poder, para se exercer nesses

mecanismos sutis, é obrigado a formar, organizar e por em circulação um saber, ou melhor,

aparelhos de saber que não são construções ideológicas” (FOUCAULT, 1999, p.104);

(v) todo ponto de aplicação do poder abre a possibilidade de resistências, pois

estas estão no interior da dinâmica do poder e não exterior a ela. Foucault frisa o termo

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resistências no plural. Além disso, o filósofo defende que é impossível viver fora das malhas

do poder e que deixar espaço para possíveis resistências faz parte da estratégia do poder.

Vale ressaltar que Foucault ainda propõe que, ao invés da censura, o poder seja

pensado na relação com a permissão, pois para este filósofo é na sensação de liberdade que os

mecanismos do poder ganham força. Essa teoria parece descrever bem as estratégias das redes

sociais: o usuário tem essa sensação de liberdade, de ter ganhado voz, enfim, sentem

satisfação em pertencer à rede, mas nem se dão conta de que o acesso à rede está diretamente

relacionado ao acesso e controle do site aos seus dados (GARCIA DOS SANTOS, 2003).

Além disso, a interação frenética entre os usuários na rede assemelha-se ao

“deixar falar” proposto por Foucault (1976), que ao pensar as sociedades modernas a partir do

século XVII, coloca em dúvida a hipótese repressiva: “a mecânica do poder e, em particular, a

que é posta em jogo numa sociedade como a nossa, seria mesmo, essencialmente, de ordem

repressiva? ” (p. 16). Dito de outra forma, não era proibindo as pessoas de falaram sobre sexo

que se exercia o poder sobre elas, mas sim incitando-as a falarem:

[...] o domínio do poder sobre o sexo seria efetuado através da linguagem, ou

melhor, por um ato de discurso que criaria, pelo próprio fato de enunciar-se, um

estado de direito. Ele fala e faz a regra. [...] não se fala menos do sexo, pelo

contrário. Fala-se dele de outra maneira; são outras pessoas que falam, a partir de

outros pontos de vista e para obter outros efeitos” (FOUCAULT,1976, p. 33 e 93).

A proliferação de discursos sobre o sexo se deu através de instituições – família,

escola e igreja – e de saberes – psiquiatria, psicologia, pedagogia. Assim, eram essas

instituições, que ouviam as confissões do assunto proibido e, assim, podiam exercer o poder

sobre as pessoas, pois sabiam tudo a respeito delas, inclusive a intimidade.

É justamente assim que acontece nas redes sociais: eles captam tudo a respeito do

usuário, tanto dados oferecidos conscientemente, quando se faz um cadastro de ingresso à

rede, como outros, de maneira não espontânea33. A lógica então é esta: comunique-se

bastante, mas faça isso dentro da rede social.

A prática da “extimidade”, como vimos no tópico anterior, nas redes sociais on-

line irrompe a barreira do segredo e, diferentemente da Modernidade em que se tinha um

interlocutor definido, atualmente o público é amplo e nem sempre conhecido. Ao revelar-se

objetiva e subjetivamente, o usuário abre a possibilidade para julgamentos. Como acontece

33 Embora o usuário tenha consentido no contrato quando clicou em “li e concordo”. Ver anexo I.

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com as figuras públicas que sempre viram notícias, os anônimos ao ganharem o palco do

ciberespaço, passam para cena pública. Além disso, as próprias ferramentas das redes sociais

permitem o palpite sobre a vida alheia: comentar, curtir e recentemente no Facebook: amar,

odiar, ficar triste e se espantar.

Como dito alhures há uma sensação aparente de liberdade ao poder se

expressar para um grande público, mas é justamente incitando circulação e recepção dos

discursos, que o poder opera dominando e assujeitando, passando pelos sujeitos de modo

dinâmico e fluido. Isso faz com que as estratégias da rede ligadas à negação da hipótese

repressiva também se aproximam da primeira e da terceira características do poder

estratégico, descritas por Foucault.

Entre usuários, os mecanismos de poder servem de controle do aceitável e do não

aceitável, sendo que este é passível de linchamento virtual. Para Safatle (2016 b), a gestão de

afetos também é uma forma de sujeição. Mesmo que o bullying e o ódio não se manifestem

on-line, por terem as informações acessíveis podem exercer sua discriminação fora da

Internet. Por exemplo, muitas empresas admitem ou demitem seus funcionários com base em

suas publicações no Facebook34. Fato que comprova que as eferas público-privado, liberdade

de expressão-controle estão sempre postas em um jogo duplo, de um poder que não é só

coercitivo, mas também intensificador (SAFATLE, 2016 b).

Além disso, ressalta-se que essa estratégia de incitação ao discurso e sua

circulação é muito lucrativa ao Facebook, principalmente quando ele fornece dados coletados

sobre os usuários a empresas. Basta ver que em 2014, a receita dessa rede obtida com

publicidade chegou a US$ 3,59 bilhões, segundo o jornal on-line “Valor Econômico”35.

Assim, a concepção de gratuidade vai esmaecendo, pois em vez de pagar pelo

acesso, o usuário paga com a própria vida no sentido de que suas informações podem valer

milhões tanto ao Facebook quanto para as empresas parceiras. Em 2003, Garcia dos Santos já

refletia acerca desse fenômeno, como estratégia da economia contemporânea: “controlar os

consumidores e, principalmente, monitorar as potencialidades de cada uma das dimensões de

34 Disponível em: <http://riodejaneiro.ig.com.br/?url_layer=http://blogs.odia.ig.com.br/leodias/2014/06/27/fifa-demite-

funcionaria-por-ter-tirado-foto-com-claudia-leitte/> e Disponível em: http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/

2012/04/18/cerca-de-37-das-empresas-olham-redes-sociais-de-candidatos-antes-de-contrata-los.htm>. Acesso em: 27 jun,

2014. 35 Disponível em: < http://www.valor.com.br/empresas/3883288/lucro-do-facebook-cresce-com-aumento-da-receita-com-

publicidade>. Acesso em: 03 mar, 2015.

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suas vidas tornam-se uma exigência do próprio processo, impondo a coleta e o tratamento de

informações” (GARCIA DOS SANTOS, 2003, p. 144).

Além disso, a instigante frase “o que você está pensando”, na tela inicial do

Facebook, faz com que os usuários forneçam também sua subjetividade. Segundo Pelbart

(2001) os impérios atuais precisam entender o subjetivo e captar os sonhos da multidão para

se manterem em pé. Ou seja, há uma capitalização da vida já que “agora sua inteligência, sua

ciência, sua imaginação – isto é, sua própria vida – passaram a ser fonte de valor”

(PELBART, 2001, p. 34).

Desse modo, as formas de interação na rede social - adicionar amigos, curtir,

comentar e compartilhar (itens 2 e 3 do anexo) também contribuem com a formação de perfis,

muito semelhante ao descrito na quarta característica do poder estratégico de Foucault (1999):

os saberes são construídos pelas práticas de observação, exame, registro, sistematização, entre

outros. Antes de prosseguirmos, é necessário descrever o que se entende como perfil:

[...] um conjunto de traços que não concerne a um indivíduo particular, mas sim

expressa relações entre indivíduos, sendo mais interpessoal do que intrapessoal. O

seu principal objetivo não é produzir um saber sobre um indivíduo identificável, mas

usar um conjunto de informações pessoais para agir sobre similares. O perfil atua,

ainda, como categorização da conduta visando a simulação de comportamentos

futuros (BRUNO, 2008, p. 4-5).

O perfil desenha microrregularidades que expressam tendências e potencialidades.

Assim, quanto mais os usuários se conectam e se comunicam pelas redes sociais, melhor para

o modelo de negócios da rede social, pois estão também auxiliando os anunciantes

fornecendo-lhes contatos de consumidores que estejam o mais proximamente possível de seus

objetivos de marketing (BUZATO e SEVERO, 2010).

Mas não é somente isso. Essa estratégia de reunir perfis semelhantes planejada

pelos criadores do Facebook para um determinado fim, também é encontrada em outros tipos

de páginas e grupos da própria rede (políticas, feministas, religiosas, ambientalistas, etc.),

podendo “legitimar modos de ser, comportamentos, tipos de relacionamentos” (BUZATO E

SEVERO, 2010, p. 9).

Por exemplo, o caso 6 retratado no início desse tópico e o caso 8 que será descrito

mais adiante, ao tentar agrupar usuários em torno de um objeto de interesse comum, cria-se

uma massa que ganha força, pois os indivíduos não estão mais sozinhos para expor certas

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ideologias. Muitos internautas, não só feministas, sensibilizados com a violência contra a

mulher, provavelmente compartilharam a notícia em várias redes sociais on-line. Ao impor

uma verdade, esse movimento feminista induziu o comportamento de vários indivíduos que,

muitas vezes sem muita reflexão, veem a palavra “compartilhem” e, no ímpeto de fazer

justiça, reproduzem.

Tomemos agora o poder estratégico como engrenagem de um processo baseado

em comportamento do usuário na rede. Na reportagem comemorativa aos dez anos de

Facebook, feita recente pelo UOL36, traz alguns dos princípios do algotitmo "Edgerank" para

escolha do que será exibido no feed de notícias do usuário: a afinidade do usuário que

visualiza com o conteúdo postado, a importância aferida a esse post (curtidas, clicadas,

comentários, tags, compartilhamentos) e a queda com base no tempo (se é novo ou velho). E

outros padrões de comportamento “não contáveis” como: quanto tempo o usuário passa

olhando para um post, isto é, sem rolar a página; quanto tempo ele passa lendo uma notícia

que abriu no seu feed; ou se ele clicou em "curtir" antes ou depois de ter lido o post.

Também em 2016 surgiu uma denúncia de que não só algoritmos selecionavam e

priorizavam as exibições no feed de notícias, mas também humanos e com a intenção de

beneficiar os conservadores americanos37. Representantes do Facebook negam uma possível

manipulação. Segundo eles, um algoritmo da rede social calcula quais são as palavras, ou

assuntos, que tiveram um aumento significativamente maior que a média em um período de

vinte e quatro horas. A equipe de humanos apenas estaria ali para supervisionar o resultado

dos robôs.

Assim, juntando o fato de que grupos e posts podem influenciar comportamentos

e que o Facebook seleciona o que será exibido para cada usuário, dependendo de seu perfil,

pode-se supor que quanto mais as pessoas se envolvam em algum tipo de linchamento virtual

(curtindo/desaprovando; comentando a favor ou contra; compartilhando), mais assuntos desse

tipo aparecerão em seu feed de notícias e mais chances elas têm de interagir novamente,

reativando o ciclo.

Então, no caso 6 mesmo as pessoas não sendo engajadas no movimento feminista,

ao interagirem com esse tema, certamente receberão outras postagens com conteúdos

36 Disponível em: < http://tecnologia.uol.com.br/noticias/redacao/2016/06/20/por-mais-anuncios-e-posts-redes-sociais-

trocam-tempo-real-pela-relevancia.htm>. Acesso em: 20 jun, 2016.

37 Disponível em: < http://super.abril.com.br/tecnologia/um-grupo-de-humanos-decide-o-que-voce-le-no-facebook>. Acesso

em: 13 mai, 2016.

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semelhantes, podendo repetir a ação, mesmo sem averiguar a veracidade, além de estar

atacando a dignidade de outrem38.

Ainda sobre a quarta característica do poder estratégico de Foucault, podemos

falar de o quanto a tecnologia favoreceu o registro e a recuperação de dados. As postagens no

Facebook ficam registradas e podem ser facilmente recuperados nesta própria rede ou em sites

de busca. Esses registros propiciam a investigação de certo usuário ou de um grupo de usuário

por empresas, por escolas, pela polícia ou por qualquer interessado. Até mesmo para fins

científicos: alguns casos de linchamentos virtuais que ocorreram antes do início desta

pesquisa foram facilmente encontrados com uma busca no Google (Web e imagens) e

recuperados para análise.

Como exemplo também, citamos um episódio, ocorrido em outubro de 2014: uma

quadrilha foi presa em Ipatinga, após a polícia acompanhar as postagens dos envolvidos no

Facebook39. Eles utilizavam-se das redes sociais para postar fotos com armas e drogas e assim

amedrontar e ameaçar a sociedade e os membros das gangues rivais. No caso do linchamento

do Guarujá, postagens no Facebook também foram averiguadas. Portanto, o registro digital

usado como exposição (popularmente denominado de ostentação) do usuário tem servido

como prova para o poder jurídico.

Com isso, também encontramos uma semelhança com a segunda característica do

poder estratégico, que relembramos: “o poder não pertence exclusivamente ao Estado ou a

Lei; ele opera em níveis cotidianos”. Nos exemplos citados anteriormente, observa-se que o

Estado (em busca de terreoristas) a Lei (como o caso de Ipatinga) e até pessoas comuns (como

o blog feminista) exercem o seu poder em relações cotidianas, como o simples fato de

interagir nas redes sociais.

Diante do exposto, haveria alguma escapatória das malhas do poder? Segundo a

quinta característica do poder-prazer: toda aplicação de poder abre possibilidade de

resistências. Todavia, ao conectar-se, já torna o indivíduo um componente das malhas do

poder.

Nesse caso, seria simplista dizer que basta não ter conta no Facebook ou exclui-la,

pois “não há fora desse modo de prospecção de informações, não é possível nos ausentarmos

dos sistemas de comunicação e todos estamos incluídos, ainda que não utilizemos de 38 Mais detalhes no tópico 3.4.2. 39 Disponível em: < http://aconteceunovale.com.br/portal/?p=44082>. Acesso em 02 nov, 2014.

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determinado serviço” (KANASHIRO, 2016, p. 22). Por exemplo, se o usuário não tem

Facebook, mas recebe e envia mensagens pelo WhatsApp, também é rastreado. E quem nunca

precisou fazer uma busca pelo Google? Assim, não há necessidade de ser usuário: basta ter

contato com quem é.

Resistir, então, não se trata de negar as TICs, mas propor alternativas a partir da

reapropriação da tecnologia e da construção de saberes. Atualmente, há grupos que debatem a

questão da privacidade, tendo como alternativas a navegação anônima e mensagens

criptografadas. Há outros que, pela proposta de contravigilância, problematizam sistemas de

busca a partir de sua reapropriação, como a utilização de software livre e laboratórios

experimentais em rede (KANASHIRO, 2016).

Outra forma de resistência seria conectar-se à rede criando um cadastro fake, ou

seja, um usuário fictício, como se fosse uma personagem. Muitos usuários utilizam-se desse

recurso para participarem de linchamentos virtuais, a fim de não serem identificados, como

visto no caso de comentários racistas à jornalista Maria Júlia Continho, a Maju, na página do

Jornal Nacional da Rede Globo no Facebook. No entanto, isso também é ilusório, porque

todos os conectados possuem um endereço de IP (Internet Protocol), possibilitando o

rastreamento e localização do indivíduo. Em muitos lugares, para utilizar computador público

é preciso fazer um cadastro para, se preciso, facilitar a identificação pessoal, já que o IP não

levaria a uma única pessoa.

Faz parte da estratégia manter as pessoas o maior tempo possível conectadas, de

modo que elas já não saibam mais o que é dentro é fora da rede, vivendo em um constante

efeito Mobius (LEVY, 1996). Sendo assim, vários acontecimentos cotidianos também se

confundem entre esses dois cenários e é inevitável que a arena para julgamentos e

justiçamentos também migre para o ambiente digital. Vejamos o caso 7:

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CASO 7: Do hospital para as redes sociais

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3.3 Na rede e para além dela: o controle ao ar livre e o disciplinamento da

massa

O poder exercido em confinamentos foi analisado por Foucault (1975) ao

descrever a sociedade disciplinar dos séculos XVII e XIX. Esse tipo de sociedade foi sendo

criada de maneira progressiva e disputando espaço com a sociedade de soberania, em que o

poder era totalmente visível, sua força dependia dessa visibilidade e era centrado na figura do

rei.

O poder disciplinar não objetivava castigar corpos, como era típico na soberania,

mas de adestrá-los por meio de instituições disciplinares (confinamentos), tais como fábrica,

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prisão, hospital, escola e família. O objetivo, então, passou a ser a sanção normalizadora, para

reduzir desvios em direção a uma normalização. Para isso existia uma vigilância hierárquica

(como o caso do panóptico) registros e exames que constituíam “o indivíduo como efeito e

objeto do poder e do saber” (FOUCAULT, 1987 apud KANASHIRO, 2006, p. 76)

Embora ainda existam confinamentos atualmente, entraram em crise devido aos

novos modos de controle: em meio aberto, móvel e dinâmico. O funcionamento do poder

migrou de uma certa disciplina: infinita, longa e descontínua para um controle: ilimitado,

curto e contínuo (BUZATO e SEVERO, 2010). Para entender essas e outras transformações

da sociedade disciplinar de Foucault (1975) para a sociedade de controle, observemos a

quadro 2, inspirada no texto de Deleuze (1992).

Na sociedade de controle a vigilância passou a ser descentralizada e propagada em

espaços públicos. No controle ao ar-livre, executado com a ajuda das tecnologias digitais e

informacionais, as fronteiras dos espaços foram ultrapassadas e tornaram-se permeáveis e não

há mais distinção de dentro e fora.

Para o exercício desse controle, a palavra de ordem é modulação, que pode ser: (i)

do salário que agora é por mérito competitivo; (ii) do capitalismo que opera com trocas

flutuantes e com moedas distintas e; (iii) do controle que é universal e por meio

computacional. Reflitamos melhor sobre este último.

O controle é operado com computadores e com a informação. Segundo Deleuze

(1992), Felix Guattari já imaginava uma sociedade controlada por cartão e sendo operada por

uma “modulação universal”. Nessa sociedade, o essencial é a cifra (senha) que marca o acesso

ou à rejeição à informação.

Por exemplo, há situações em que o usuário esquece a senha ou por algum outro

problema, mesmo o usuário sendo ele o sistema entende que não é. Assim, temos indivíduos

“dividuais”, segundo Deleuze, pois mesmo sendo um só, o indivíduo se torna múltiplo,

porque dependendo de uma senha, ora tem acesso, ora não tem. Isso seria uma consequência

da modulação universal que nesse caso opera por um conjunto de códigos para verificar qual

grupo de usuários está apto a adentrar no sistema.

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QUADRO 2: SOCIEDADE DISCIPLINAR E SOCIEDADE DE CONTROLE

DISCIPLINAR CONTROLE

TEMPO HISTÓRICO Séculos XVIII, XIX e início XX Depois da Segunda Guerra Mundial

CONTROLE Em confinamentos.

Instrumento: Panóptico

Ao ar livre.

Instrumento: marketing, coleira eletrônica.

EXEMPLOS Família, escola, caserna, fábrica,

eventualmente hospital e prisão

Empresa, Internet.

LINGUAGEM Analógica – comum a todos Numérica – geometria variável

ORGANIZAÇÃO DA

SOCIEDADE

Moldes – moldagens distintas. Modulação – moldagem auto deformante.

Mudança continua e a todo instante

TRABALHO Fábrica: alta produção e baixo salário.

Concentrar, distribuir no espaço;

ordenar no tempo; compor no espaço-

tempo uma força produtiva cujo efeito

deveria ser superior à soma das forças

elementares.

Empresa: é uma alma, um gás. Salário por

mérito. Estado de metaestabilidade,

concursos, desafios.

EMPREGADO Da fábrica: visto e controlado como

massa (pelo patronato e pelo sindicato).

Da empresa: motivado por competições,

gerando rivalidades e divisões entre si.

SUBSTITUIÇÕES

De: Fábrica Para: Empresa: nova forma de tratar o

dinheiro, os produtos e os homens.

De: Escola Para: Formação permanente e avaliação

contínua.

De: Exame Para: Controle contínuo

De: Hospitais Para: Resgate de doentes potenciais e

sujeitos a riscos: “dividual” a ser controlado.

De: Prisões Para: Penas substitutivas; coleiras

eletrônicas.

ESTADO Recomeçar sempre Nunca terminar nada

IDENTIFICAÇÃO DO

INDIVÍDUO

Documento pessoal e matrícula.

Par massa-indivíduo

Cifra/ Senha

Indivíduos dividuais.

Massa: banco de dados, de amostras.

DINHEIRO Moedas cunhadas em ouro Trocas flutuantes.

Diferentes amostras de moeda.

O HOMEM Produtor descontínuo de energia Ondulatório, funcionando em órbita, num

feixe contínuo

MÁQUINAS Energéticas

Perigo passivo: entropia

Perigo ativo: sabotagem

Computacionais

Perigo passivo: interferência

Perigo ativo: pirataria, vírus.

CAPITALISMO De concentração (produção) e de

propriedade.

Foco: produção

Sobre-produção. Compra serviços e vende

ações.

Foco: produto

CONQUISTA DE

MERCADO

Ora por especialização, ora por

colonização, ora por redução dos custos

de produção.

Tomada de controle, por fixação de

cotações, por transformação do produto.

FUNCIONAMENTO

DO PODER

Longa duração, infinito e descontínuo. De curto prazo, de rotação rápida, contínuo e

ilimitado.

LIMITES Fronteiras, muros. Cartão eletrônico que abre ou barra o acesso

além de detectar a posição do indivíduo.

Modulação universal.

Fonte: Deleuze (1992). Adaptada pela autora.

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O homem passa ser controlado por uma coleira eletrônica implícita que, num

processo análogo ao da prisão, obriga o usuário de Internet a ficar lá por certas (ou muitas)

horas, conforme visto no quadro 1.

No final do século passado, muito se especulava a respeito da implantação chip

eletrônico nas pessoas. A princípio parecia uma ideia de ficção científica, mas se analisarmos

a díade humano-tecnologia, poderemos notar que ninguém mais consegue ser imperceptível.

Cada computador possui um número de IP pelo qual é possível saber exatamente qual a

localização daquele usuário. Uma pessoa com celular é facilmente rastreada e localizada. O

mesmo acontece para quem utiliza aplicativos baseados em Global Positioning System (GPS),

que podem ser utilizados no carro para encontrar endereços ou simplesmente para permitir aos

usuários divulgarem sua localização nas redes sociais. Também podemos citar as câmeras de

monitoramento espalhadas por toda a parte, que não filmam só os suspeitos, embora seja essa

finalidade. Como se pode notar, o chip só não foi implantado...

Entretanto, hoje em dia mesmo sabendo que podem ser rastreadas e controladas,

as pessoas não conseguem se desconectar. A vigilância eletrônica faz com que os indivíduos

interiorizem os dispositivos sociotécnicos de controle do espaço e do tempo, pois eles fazem

parte de um desejo exteriorizado (DE ALVES & SABARÁ, 2015).

Hoje em dia os meros usuários de redes sociais ganham papel de vigilantes no

virtual. Com uma participação ativa e voluntária no sistema de vigilância, os bilhões de

usuários no Facebook exercem o controle contínuo: “trata-se de uma vigilância mais

generalizada, horizontal e mútua, a qual implica que o olho que tudo vê também por todos é

visto” (BUZATO e SEVERO, 2010, p. 10). Por isso, é extremamente difícil uma gafe ou um

pensamento mal interpretado passar despercebido.

Nessa direção, o caso 7 vem nos mostrar que o controle não é só exercido pelos

seus discursos dentro da Internet- como aconteceu com Alícia e Justine (casos 4 e 1) -, mas

por qualquer atitude, em qualquer lugar e em qualquer situação, já que as fronteiras in-off line

são borradas. Nesse caso específico, mostramos que os recursos tecnológicos portáteis são

grandes aliados para o registro de flagrantes, em que se é possível gravar a cena e publicar nas

redes sociais (mesmo que impulsivamente). Ao exporem o caso, já com uma acusação,

burlam a justiça institucional e buscam um poder de alcance maior, que endosse o julgamento.

Assim, acreditam que ao tornarem a cena pública, os superiores tomarão as devidas

providências.

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No entanto, os algozes de hoje poderão se tornar vítimas amanhã se algum de seus

discursos desagradar a alguém ou a algum grupo. Ao sentirem esse receio de trocar de

posição, pode ser que alguns já estejam interiorizando o “sentir-se vigiado, que para Bruno

(2006) há o mesmo princípio do panóptico: o olhar autovigilante, que ao sentir-se vigiado,

regula-se. Isso provocaria uma autovigilância e um controle em seu próprio discurso, caindo

por terra a sensação de liberdade proporcionada pelas redes sociais.

Essa seria uma outra forma de vigilância nas redes sociais, que é exercida pelos

próprios usuários: a autovigilância. Para escapar de um linchamento virtual, o usuário precisa

controlar o que posta para não se tornar vítima de retaliações on-line, com consequências,

como vimos, além das redes.

No entanto, será que se todos exercessem o autocontrole seria suficiente para

romper as ações sucessivas de linchamentos virtuais? Primeiramente, devemos refletir se é

possível exercer essa autovigilância o tempo todo. O prazer em usar as redes sociais está,

principalmente, na capacidade de comunicação a qualquer hora e com pessoas de qualquer

lugar do planeta. Então, calar-se é incoerente com o objetivo da rede.

E se em vez de silenciar, ter apenas cautela com as palavras e pensar se o

comentário ofenderá os grupos x, y ou z, por questões políticas, religiosas, ideológicas,

culturais, etc? Isso parece-nos improvável por dois motivos: aceleração e extensão.

O primeiro seria a aceleração imposta pela Internet. Atualmente, ninguém para

tudo que está fazendo para acessar da Internet, como se desconectasse do mundo atual para se

conectar no virtual. As pessoas estão nos dois mundos ao mesmo tempo e para fazer ações

simultâneas é preciso agilidade, que está mais relacionada ao impulso do que à reflexão. O

impulso está relacionado ao automatismo do pensamento, com a percepção reduzida ao

estímulo e resposta, conforme vimos no capítulo 2 (VIRILIO,1998).

O segundo, a extensão, seria a ausência de fronteiras geográficas na Internet. Com

isso, é impossível conhecer todas as culturas e ideologias e ter a certeza de que seu post não

ofenderá ninguém.

Pode ser que, futuramente, quanto mais usuários de redes sociais tiverem certeza de

que esse tipo de atitude é passível de punição40, seja por meio do poder judiciário ou pela

justiça popular, a autovigilância se torne cada vez mais frequente no cotidiano da sociedade

40 Veremos sobre leis no próximo tópico.

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tecnificada. Nessa lógica da autovigilância não está em jogo “tanto o que somos ou fazemos,

mas o poderemos nos tornar ou fazer” (ALBUQUERQUE e PEDRO, 2013, p. 12) tendendo a

uma modulação (DELEUZE, 1992).

Por enquanto, pelos casos estudados, parece-nos que as pessoas no exercício da

liberdade de expressão, tão almejada na época da Ditadura, utilizam a rede social como uma

forte ferramenta para denúncias. Diante dos inúmeros casos presenciados diariamente nas

redes sociais, com intuito de denunciar e agilizar a justiça, trouxemos para este trabalho os

casos: 6, 7 e 8.

No caso 7, por exemplo, os dizeres que acompanham o vídeo já trazem um pré-

julgamento e foi constatado nos comentários poucas opiniões na direção oposta. Não cabe

aqui julgar a ação da enfermeira, mas demonstrar que as redes sociais tanto servem empoderar

quanto para denegrir o cidadão comum.

Pelo exposto, Buzato e Severo (2010) acreditam que as relações na Internet não

devam ser pensadas sob a lógica da sociedade disciplinar analisada por Foucault, mas pela

sobreposição e interconexão de espaços (redes), pois há uma forma de poder que foge às

características de confinamento e ao poder institucional, por ser móvel, dinâmica e contínua,

ou seja, conforme descrita na sociedade de controle, pensada por Deleuze (1992).

Na mesma direção, Kanashiro (2006) considera que as análises sobre vigilância

contemporânea se aproximem mais da sociedade de controle descrita por Deleuze (1992) do

que do panóptico de Benthan, por funcionarem em meios abertos, sob um controle não sobre

os indivíduos (sociedade disciplinar), mas sobre o fluxo. Entretanto, alerta que o poder

disciplinar não aboliu o poder soberano, que continuou sendo exercido nos códigos jurídicos.

Da mesma maneira, o controle descrito por Deleuze não exclui as técnicas de poder

disciplinar descritas por Foucault; elas coexistem sobrepostas.

Esses pontos de convergência parecem descrever melhor a sociedade do século

XXI. Nas redes sociais, os usuários ao serem movidos por um poder-prazer, são rastreados

por sistemas inteligentes e isso gera perfis (um padrão de referência e classificação de

indivíduos), que são invisíveis e fluidos. Esses perfis estabelecem padrões, que mudam

constantemente de acordo não só com interesses econômicos, mas também políticos.

No entanto, ao estabelecer perfis - padrões como descrito por Deleuze - percebe-

se também uma intensificação e generalização da disciplina, como a descrita por Foucault,

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pois ao registrar cada movimento, informação e conexão, armazenando dados dos usuários,

está implícito o exercício de um poder disciplinador (FOUCAULT, 1975).

Além disso, atualmente a capacidade de armazenamento, processamento e

recuperação de dados é muito maior e muito mais rápida em relação a sociedade estudada no

século XVII.

3.4 Liberdade e controle: intervenções do poder jurídico

“O internauta tem direito a liberdade de

expressão, mas deve respeitar o princípio

da dignidade da pessoa humana, haja

vista que inexiste hierarquia entre os

direitos fundamentais” (SANTOS E

CUNHA, 2014).

Além do poder estratégico, muitas vezes imperceptível, há um outro poder: o

jurídico, muitas vezes ignorado pelos internautas. A maioria dos usuários das redes sociais

acreditam se eximir da culpa por considerarem: (i) a Internet como um território sem lei; (ii) a

liberdade de expressão como direito maior; (iii) protegidos para dizerem o que pensam atrás

de uma tela de computador, o que não teriam coragem de fazer pessoalmente e; (iv) não ser

possível uma identificação no meio da massa que acusa, julga e humilha.

No entanto, há diversos crimes cometidos em um caso de linchamento virtual que

são passíveis de punição: injúria, racismo, incitação à violência, violação da intimidade e

desrespeito à dignidade humana. Se for contra criança e adolescente a pena é ainda mais dura.

No Brasil, os deputados têm proposto emendas constitucionais para frisar a

Internet em diversos delitos, a fim de que se esclareça que nesse ambiente a lei também é

aplicada.

Veremos primeiramente, a proteção que o Marco Civil da Internet garantiu ao

usuário em termos de privacidade e de utilização de dados. Assim, procura-se evitar que fotos

e vídeos caiam em mãos erradas e sejam utilizadas para exposição e humilhação pública,

dentre outros fatores.

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No outro tópico descreveremos dois direitos fundamentais da Constituição

Brasileira que são separados por uma linha muito tênue, sobretudo nas redes sociais on-line:

liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana.

3.4.1 Criação de leis específicas para uso da Internet no Brasil

O uso da Internet para os mais variados fins, acaba nos deixando vulneráveis a

invasões, colocando em risco nossa privacidade e liberdade. Vimos no capítulo 3 que as redes

sociais, mas não só elas, rastreiam nossa conduta on-line a fim de gerar perfis e vendê-los às

empresas de marketing. Ratificando:

A expansão da internet fez emergir uma microeconomia da vigilância ou da

interceptação de dados pessoais. Empresas como Google, Yahoo e Facebook, e

tantas outras, guardam os dados de navegação de seus usuários para analisá-los e

descobrir quais os seus perfis de comportamento, perfis de consumo e perfis

ideológicos para vender possibilidades de modulação de práticas, gostos e vontades

para empresas ávidas por ampliar seus mercados. A economia informacional é cada

vez mais dependente da microeconomia da vigilância, praticada pelos grandes e

médios provedores de aplicações da rede (SILVEIRA, 2014).

Além disso, também estamos expostos a ataques de hackers que podem invandir

computadores, furtar dados e fazer usos indevidos, tais como movimentar conta bancária ou

disponibilizar fotos/vídeos na Internet. Como aconteceu com a atriz Carolina Dieckman41, que

por ser uma pessoa pública, deu maior visibilidade a este antigo problema. Cerca de trinta e

seis fotos íntimas foram furtadas do computador da atriz e divulgadas na Internet, após ela

não aceitar pagar a quantia de dez mil reais ao chantagista. Por causa da repercussão desse

fato, a presidente Dilma Rousseff sancionou, em 2012, a Lei 12.737/201242, conhecida por

“Lei Carolina Dieckman”, que alterou alguns artigos do Código Penal Brasileiro tipificando

os chamados crimes informáticos. Dentre os quais destacamos:

Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de

computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim

de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou

tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem

ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa (BRASIL. Lei n°

12.737, 2012, art. 154-A).

41 Disponível em: <http://www.purepeople.com.br/noticia/carolina-dieckmann-se-pronuncia-sobre-vazamento-de-fotos-

intimas_a37/1>. Acesso em: 10 mai, 2016. 42 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12737.htm>. Acesso em: 10 mai, 2016.

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A invasão em si, independente do que aconteça depois, já representa uma violação

à privacidade e ao segredo juridicamente protegido. No entanto, esse foi o primeiro passo para

tratar de crimes em ambiente digital, algo inédito no Brasil até então.

Um outro passo nessa direção foi Marco Civil da Internet43, Lei 12.965/2014, que

estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Foi

sancionado em 2014, durante o Encontro Global Multissetorial sobre o Futuro da Governança

da Internet - NET Mundial, em São Paulo.

Antes disso, já havia um Projeto de Lei (PL) na Câmara desde 2009, o PL 84/99,

mas, a princípio, ele criou muita polêmica, pois “previa censura, detenção e um sistema de

vigilância na rede em nome de uma suposta segurança” (ANDRADE, 2014). Foi apelidado de

“AI-5 digital”, em alusão as normas de censura da época da Ditadura Militar. Após isso, foi

criada uma plataforma digital44 para construção colaborativa de uma lei que definisse

claramente as regras e responsabilidades com relação a usuários e empresas. O texto

resultante desse debate compôs o Projeto de Lei 2126/2011, mas teve a votação adiada seis

vezes, por pressão de grupos contrários.

Basicamente, foram três pontos de discórdia que emperraram as discussões. O

primeiro diz respeito à questão da chamada neutralidade da rede, que proibe a venda de

pacotes que limitem o acesso à Internet. O segundo assegura o armazenamento de dados dos

usuários em data centers no Brasil, ainda que a empresa seja estrangeira. O terceiro refere-se

à questão da responsabilidade dos provedores sobre conteúdos produzidos por terceiros, pois

ao decidirem sobre o que fica ou não on-line estariam exercendo uma certa censura.

Um fato que acelerou a aprovação desse PL e fez com que Brasil tivesse

definitivamente um marco regulatório da Internet foi a confissão de Edward Snowden, ex-

funcionário da agência americana de inteligência, CIA (Central Intelligence Agency). Ele

confessou um esquema de espionagem dos Estados Unidos que incluia invasão de

computadores da presidência do Brasil e da Petrobrás.

43 BRASIL. Lei Nº 12.965, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet

no Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 10 mai,

2016. 44 Disponível em: <www.culturadigital.br>.

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Diante disso, ficou iminente a regulamentação de operações feitas via rede, tanto

para governos, empresas provedoras e usuários. O Marco Civil brasileiro é precursor e pode,

inclusive, promover discussões mundiais a esse respeito. O relator procurou ouvir as partes,

mas sem comprometer os três pilares centrais do texto (figura 4): a neutralidade de rede, a

liberdade de expressão e a privacidade dos usuários.

FIGURA 4: PRINCÍPIOS DO MARCO CIVIL NA INTERNET

Fonte: Agência Brasil45, abril de 2014.

Dentre os artigos do Marco Civil, o que ainda vem gerando críticas é o de número

15:

Art. 15. O provedor de aplicações de internet constituído na forma de pessoa jurídica

e que exerça essa atividade de forma organizada, profissionalmente e com fins

econômicos deverá manter os respectivos registros de acesso a aplicações de

Internet, sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança, pelo prazo de 6 (seis)

meses, nos termos do regulamento (BRASIL. Lei n° 12.965, 2014, art. 15).

45 Disponível em: < http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2014-04/dilma-sanciona-marco-civil-da-internet>. Acesso

em: 25 abr, 2014.

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Temos, com esse artigo, o poder estratégico operando a favor do Estado e do

poder jurídico. Enquanto o internauta usufrui de todas as possibilidades de estar on-line, por

exemplo, acessar bancos, fazer compras, conversar com amigos, ler notícias, suas ações são

armazenadas para, se preciso e requesitado pela justiça, possa fazer parte de um processo

investigativo. Se por um lado garante a segurança, por outro invade a privacidade de todos os

usuários, incluindo os não suspeitos.

Apesar de o Marco Civil ser a lei mais avançada do mundo na garantia dos direitos

individuais na rede, de assegurar a neutralidade como princípio central da internet

livre, de ter sido formulada de modo colaborativo — contando com mais de duas mil

contribuições da sociedade civil, a partir de uma plataforma online — , para que

fosse aprovada na Câmara dos Deputados, o relator Alessandro Molon teve que

incorporar no projeto alguns dispositivos nocivos à defesa da privacidade

(SILVEIRA, 2014).

Silveira (2014) ainda alerta para um outro problema em relação ao artigo 15 do

Marco Civil: após transcorridos os seis meses em que os dados devem estar “guardados sob

sigilo, em ambiente controlado e de segurança”, é permitido repassá-los às empresas

especializadas em processar e analizar informações de navegação, cruzando os dados. O que

coloca em risco, mais uma vez, a intimidade do usuário.

Já o diretor da Abranet, Eduardo Neger46 (PASSOS, 2014), destaca que essa lei é

importante para o usuário, pois regulamenta o que cada operadora pode guardar e por quanto

tempo. Antes corria-se o risco da operadora guardar tudo que o internauta fazia e por tempo

até superior aos seis meses descritos no artigo 15; agora somente o log de navegação

(endereço de IP e horário) pode ser guardado. Nesse sentido, o Marco Civil é benéfico ao

usuário porque proíbe o acesso de terceiros a dados e correspondências ou de sua

comunicação pela rede (exceto por ordem judicial), além de garantir a privacidade e proteção

dos dados pessoais.

Em relação ao direito à liberdade de expressão, que veremos com mais detalhe no

próximo tópico, a Lei 12.965/2014 traz em seu artigo 19:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o

provedor de aplicações de Internet somente poderá ser responsabilizado civilmente

por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial

específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu

serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como

46 Disponível em: <http://www.comciencia.br/comciencia/handler.php?section=8&edicao=99&id=1213>. Acesso em: 10

mai, 2016.

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infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário (BRASIL. Lei n° 12.965,

2014, art. 15).

Sendo assim, o usuário é livre para colocar qualquer conteúdo na Internet, não

sendo de responsabilidade do provedor moderar tais publicações. No entanto, se a publicação

se enquadrar em algum tipo de crime, a justiça pode determinar que o conteúdo seja removido

e o usuário que postou é quem vai reponder criminalmente.

Entretanto, uma ferramenta do Facebook tem causado polêmica entre os

internautas: “denunciar conteúdo impróprio”. Algumas páginas ficam horas fora do ar ou são

removidas definitivamente por terem sido denunciadas por outros usuários e julgadas

impróprias pelo próprio Facebook. Em novembro de 2015, a página “Orgulho de ser hetero”

foi retirada do ar pelo Facebook após receber inúmeras denúncias, alegando discurso de ódio.

Da mesma maneira, apoiadores dessa página se organizaram para deununciar e derrubar

páginas feministas e LGBT. No mesmo dia, páginas como "Feminismo sem demagogia",

"Cartazes e tirinhas LGBT" e "Moça, você é machista" também saíram do ar, assim como a da

vlogueira Júlia Tolezano, a Jout Jout, que tem muitos seguidores por denunciar em seus

vídeos assédios contra mulheres47. Isso contraria a garantia conquistada pelo Marco Civil,

descrita no artigo 19, de defender as publicações de ataques arbitrários e autoritários.

Em setembro de 2015, a Página “Marco Civil Já”48 no Facebook, alertou e

mobilizou os internautas, inclusive com uma petição on-line, sobre o Projeto de Lei 215/2015,

o “PL Espião” - e seus apensos. Este PL propunha, dentre outras coisas, uma punição mais

dura para os crimes praticados nas redes sociais. Além disso, impõe aos provedores de

Internet a obrigação de reterem dados dos usuários e que estes sejam fornecidos a autoridades

públicas independentemente de ordem judicial, incluindo, por exemplo, dados pessoais (nome

completo, CPF, endereço, etc.) além da própria comunicação na rede: teor de e-mails,

mensagens e conversas em aplicações como Skype e Whatsapp.

Em outubro de 2015, foi aprovado um texto substitutivo em que constava ainda

ser necessária autorização judicial para o acesso a dados de conexão e conteúdos privados de

aplicativos. Entretanto, esse texto altera o artigo 19º do Marco Civil da Internet, incluindo o

parágrafo 3º-A, que permite requerer, judicialmente, a remoção de conteúdo que associe o

47 Disponível em: <http://zh.clicrbs. com.br/rs/noticias/tecnologia/noticia/2015/11/guerra-de-paginas-reacende-debate-sobre-

como-facebook-escolhe-o-que-sai-do-ar-entenda-4896168.html>. Acesso em: 17 mai, 2016. 48 Disponível em: <https://www.facebook.com/MarcoCivilJa/?fref=ts>. Acesso em: 19 mai, 2016.

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nome ou imagem a crime do qual a pessoa tenha sido absolvida, com trânsito em julgado, ou a

fato calunioso, difamatório ou injurioso. Segundo, o deputado Molon, relator do Marco Civil,

em entrevista ao IDGNOW49, essa medida visa beneficiar políticos ao uso do “direito ao

esquecimento”.

Nota-se que não é tão simples julgar atos praticados na Internet - ambiente em que

se enquadra nosso objeto de estudo: o linchamento virtual - por envolverem questões

delicadas como a liberdade de expressão e censura, bem como por normatizar empresas

estrangeiras, acostumadas com as leis do país de origem, operando para os residentes em

território brasileiro.

Além disso, há uma outra questão levantada recentemente pelo Direito (WENDT,

2015; BOLESINA, 2015): como entender o direito à privacidade se estamos diante de práticas

de “extimidades” na Internet?

Vimos no capítulo 3 que com a Internet a subjetividade que era tida como algo

íntimo, secreto, foi exteriorizada e compartilhada, sobretudo nas redes sociais on-line. A esse

fenômeno Tisseron (2011) batizou de “extimidade”.

As redes sociais são ferramentas para exposição tanto da privacidade quanto de

opiniões. No entanto, usuários recorrem ao poder jurídico quando a expectativa do que era

para ser publicizado é ultrapassada, considerando que determindados assuntos são restritos a

um grupo de pessoas e limitando, portanto, seu conhecimento a outras.

Dito de outra forma, os indivíduos querem selecionar quem tem o direito à

informação (e a qual informação). Para entender o processo, Wendt & Wendt (2015) iniciam

diferenciando os termos intimidade e privacidade:

[intimidade] tem primordialmente a ver com a subjetividade das pessoas, ao passo

que a privacidade tende a ter relação com aspectos que vão além do sentimento, do

sentir, perfazendo correspondência às situações que envolvem ‘a materialidade’

relacionadas às pessoas, ou seja, aspectos mais palpáveis, mais determináveis. Em

outras palavras, a ‘intimidade’ envolve o sujeito (pessoa física), seus dados

sensíveis, e a ‘privacidade’ o ambiente em que (con)vive (pessoal, trabalho, social

etc.), sobre o qual espera-se que não se tornem públicas (WENDT & WENDT,

2015, p. 03).

49 Disponível em: <http://idgnow.com.br/internet/2015/10/ 06/projeto-de-lei-que-altera-o-marco-civil-e-aprovado-na-ccj>.

Acesso em 19 mai, 2016.

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A Constituição Brasileira, em seu artigo 5º, garante o direito à intimidade e à vida

privada (privacidade) resguardados:

Inc. X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua

violação;

Inc. LX: a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa

da intimidade ou o interesse social o exigirem (BRASIL. Constituição da República

Federativa do Brasil, 1988, art. 5º).

No inciso X nota-se que tanto a subjetividade, a honra, quanto à objetividade, a

imagem, que constituem a vida privada e íntima do cidadão não devem ser violadas.

Há proteção legal quanto ao direito à vida privada também na Declaração

Universal dos Direitos Humanos:

Art. XII: ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, na sua família, no

seu lar ou na sua correspondência, nem a ataques à sua honra e reputação. Toda

pessoa tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques

(DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE DIREITOS HUMANOS, 1948, art. XII).

Essas interferências estão igualmente proibidas em ambientes digitais, conforme

visto no item anterior, em virtude do Marco Civil da Internet, que visa proteger a intimidade e

a privacidade dos usuários frente aos provedores de conexão e de aplicação quanto à coleta e

uso de dados.

Contudo, a luz do Direito, visto até o momento, refere-se a violação da intimidade

e da privacidade por terceiros. No entanto, quando nos referimos à “extimidade”, estamos

falando de uma autoviolação, ou seja, a exposição do “eu” pelo próprio “eu”, daquele que

outrora seria o detentor do direito a ter sua intimidade e prividade resguardada e longe do

olhar do outro.

Assim, ao exterorizar seus dados e informações pessoais, objetivas e subjetivas,

com textos, fotos e vídeos nas redes sociais (Facebook, Twitter, Youtube, Instagram,

Whatsapp, etc.) o usuário abre mão da expectativa de uma proteção legal. Dessa maneira, “o

direito à “extimidade” é fundamentalmente autoviolador dos direitos à intimidade e à

privacidade” (WENDT & WENDT, 2015, p. 09).

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A “extimidade” deve ser vista também como um direito que a pessoa tem de se

expressar, previsto na Constituição, caracterizado como Liberdade de Expressão em qualquer

meio50 e especificamente na Internet protegido pelo Marco Civil, como visto alhures.

Entretanto, se o limite da “extimidade” ou Liberdade de Espressão se constitui na figura do

outro, então quais são os reflexos dessas interações on-line do ponto de vista cível, criminal e

processual?

Sob a óptica do direito cível (WENDT & WENDT, 2015), a autoexposição

diminui as changes de se recorrer à reparação por danos à imagem, já que isso representaria

um risco avaliável e suportável por esse usuário. Nesse caso, caberia avaliar qual seria a

expectativa de alcance e de segredo da publicação em análise. Todavia, um eventual mau uso

desses dados poderia gerar direito à idenização.

Segundo Wendt & Wendt (2015), do ponto de vista penal é crime transmitir cena

de sexo com menores51, previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Entretanto,

se a cena do ato sexual for entre maiores, gravada no interior de suas residências e transmitida

por adultos não configura crime, podendo eventualmente sofrer reclamação por atentado ao

pudor.

Em 200752, Daniella Cicarelli recorreu ao poder judiciário contra a rede YouTube

para que uma cena de sexo, em que era protagonista, fosse retirada do ar, já que alguém havia

filmado e postado sem conhecimento da apresentadora. A justiça paulista negou o pedido,

pois entendeu que o ato sexual foi também praticado em cena pública – uma praia na Espanha

- e por isso, não caberia agora exigir o direito à privacidade.

Ainda segundo esses autores: “todas as informações e dados postados pelos

usuários de aplicações na Internet, no exercício do direito à “extimidade” na rede, podem ser

utilizadas nos processos cíveis, criminais, eleitorais, administrativos, trabalhistas etc.”

(WENDT & WENDT, 2015, p. 14) após averiguação de perícia técnica e/ou auditoria,

resguardando-se a proteção à informação e atribuindo fé pública aos policias e tabeliões sobre

as informações coletadas da Internet.

50 Veremos mais detalhadamente no próximo tópico. 51 Ver Lei nº 11.829/2008 no tópico 3.4.2. 52 Disponível em: <http://expresso-noticia.jusbrasil.com.br/noticias/134381/cicarelli-perde-acao-sobre-video-na-internet>.

Acesso em: 28 mai, 2016.

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3.4.2 Liberdade de expressão e dignidade da pessoa humana: embate de direitos

fundamentais

As pessoas acreditam piedosamente que o Facebook além de democrático é o

palco perfeito para se exercer o direito à “liberdade de expressão”. Por isso, postam

facilmente informações sobre sua vida pessoal e pensamentos (opiniões que muitas vezes são

ecos de outros discursos, como da Igreja, do Estado, de associações, etc.).

Além disso, o que percebemos com a coletânea de material para essa pesquisa é

que em alguns casos em que se expôs a pessoa publicamente nas redes sociais, foi no sentido

de denúncia e, assim, de se tentar fazer justiça por alguma transgressão que ela tenha

praticado. Muito semelhante aos casos de justiçamento com as próprias mãos, nos casos de

linchamentos físicos. Se as pessoas que cometeram qualquer um dos tipos de linchamento,

forem interrogadas, afirmarão que tiveram um bom motivo para fazê-lo.

Por outro prisma, grupos minoritários e excluídos da sociedade encontram nas

redes sociais, sobretudo no Facebook, o mais popular entre os brasileiros, um potente

instrumento de divulgação e denúncia, pois acreditam que assim estariam alertando possíveis

vítimas ou ainda fazendo com que a punição tenha efeito imediato (casos: 1, 6, 7 e 8).

Mesmo consideradas injustas e demoradas são as leis do Estado que prevalecem e

cabe ao poder judiciário definir vítimas e culpados. No âmbito dos casos da Internet, os juízes

de direito terão de avaliar caso a caso, pois há uma linha muito tênue entre esses dois direitos

fundamentais, que apresentaremos a seguir: liberdade de expressão e a dignidade da pessoa

humana, que se atacada, configura-se em crime.

A liberdade de expressão é um direito previsto na Constituição Federal53, artigo

5º, que assegura o indivíduo da censura:

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de

comunicação, independentemente de censura ou licença (BRASIL. Constituição da

República Federativa do Brasil, 1988, art. 5º).

Também está descrita na Declaração Universal dos Direitos Humanos:

53 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 15 mai, 2016

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Artigo 19. Todo indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que

implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e

difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de

expressão54 (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, 1948,

art. 19).

No direito à liberdade de expressão inclui-se notícias sobre fatos, propaganda de

ideias, opiniões, comentários, convicções, avaliações ou julgamentos sobre qualquer assunto,

enfim, de qualquer forma de comunicação. A liberdade de expressão engloba também o

direito da pessoa não se expressar (ou não se informar), manifestações não-verbais (como

artes plásticas) e expressões musicais. No entanto, ela não pode estar em confronto com

outros direitos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal.

O caráter de direito fundamental atribuído à liberdade de expressão tem por

finalidade impedir que as ideias e mensagens que o indivíduo queira divulgar tenham de

perpassar por uma aprovação do Estado, isto é, pela censura, o que não impede, todavia, que o

indivíduo assuma as consequências cíveis ou penais do que tenha expressado. Portanto, essa

lei é exercida contra as interferências do poder público.

Contudo, o problema em questão levantado por esta pesquisa trata-se de ataques a

pessoas comuns por pessoas comuns. Nesse caso, em relação a particulares, o direito à

liberdade de expressão, deverá ser analisado caso a caso, ponderando o interesse das partes.

Ressalta-se, contudo, que a liberdade de expressão, como qualquer outro direito

fundamental, não é ilimitada e, “ portanto, poderá sofrer recuo quando o seu conteúdo puser

em risco uma educação democrática, livre de ódios preconceituosos e fundada no superior

valor intrínseco de todo ser humano” (MENDES e BRANCO, 2014, p. 459). É preciso

considerar que há outros direitos fundamentais na Constituição brasileira, no mesmo grau de

importância, que devem ser respeitados.

Na própria Constituição, em seu artigo 220, há uma ressalva para a manifestação

livre do pensamento, criação, expressão e informação, em observância aos outros preceitos do

artigo 5º. Assim, a liberdade de expressão poderá ser limitada para: (i) impedir o anonimato;

(ii) impor direito de resposta e indenização por danos materiais, morais e à imagem; (iii)

manter a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e imagem das pessoas; (iv)

54 Disponível em: < http://www.dudh.org.br/declaracao/>. Acesso em 19 jan, 2016.

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exigir qualificação profissional daqueles que lidam com os meios de comunicação como

ofício; (v) assegurar a todos o acesso à informação (FURTADO, 2015, p. 26).

Quando se trata de criança e adolescente, Mendes e Branco (2014) afirmam ser

dever do Estado e da sociedade assegurar-lhes o direito à vida, à educação, à dignidade,

sobrepondo, portanto, a qualquer liberdade de expressão que agrida a esses direitos:

A liberdade de expressão, num contexto que estimule a violência e exponha à

juventude à exploração de toda sorte, inclusive a comercial, tende a ceder o valor

prima facie prioritário da infância e da adolescência (MENDES e BRANCO, 2014,

p. 459).

Ainda nesse contexo, o Estatuto da Criança e do Adolescente recebeu adequação

quanto à Internet, pela Lei nº 11.829, de 2008, que prevê:

Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou

divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou

telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito

ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa (BRASIL. Lei 11.829, 2008, art.

241-A).

A liberdade de expressão tem uma forte relação com a democracia, sendo um dos

alicerces do Estado Democrático de Direito55. Para Vieira (2012 apud FURTADO, 2015), a

inauguração de um modelo liberal de organização ampliou as concepções dos direitos

fundamentais do homem e a liberdade de expressão tornou-se pressuposto para exercício

desses direitos.

[...] transpondo os discursos para o campo jurídico é que as questões envolvendo

liberdade de expressão se fazem tão importantes. Elas se ligam diretamente ao quão

democrático é um Estado e qual o tamanho da noção igualitária que os cidadãos de

uma sociedade detêm (VIEIRA, 2012 apud FURTADO, 2015, p. 28).

Embora seja um princípio democrático, há casos em que a liberdade de expressão

apareça mais como um abuso do meio de comunicação sem dar as mesmas chances de

respostas aos citados. Como exemplo, Furtado (2015) cita em seu trabalho o discurso da

jornalista Rachel Sheherazade, no jornal do SBT, em fevereiro de 2014: após noticiar que um

55 Estado Democrático de Direito: organização política em que o poder emana do povo, que o exerce diretamente, ou por

meio de representantes, escolhidos em eleições livres e periódicas, mediante sufrágio universal e voto direto e secreto, para o

exercício de mandatos periódicos” FERREIRA FILHO, M G. apud VIEIRA, H. L. A liberdade de expressão e os discursos

de humor: a democracia é bem humorada? In: BRANCO, P. G. G. (Org) A liberdade de expressão na jurisprudência do STF.

1 ed. Brasília: IDP, 2012, p. 100.

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jovem fora amarrado nu a um poste, por ter cometido alguns furtos na região e sofrido

agressões de “justiceiros”, a jornalista disse ser compreensível a atitude da população56.

Após esse episódio, segundo uma matéria do jornal Folha de S. Paulo57, houve um

aumento dos casos de “justiça com as próprias mãos”, que desrespeitam princípios como o da

dignidade da pessoa humana, do contraditório e da ampla defesa.

Esse episódio retratado por Furtado (2015) cruza com os estudos desta pesquisa.

Na época em que Fabiane foi linchada pela população do Guarujá (maio de 2014), o jornal

Folha de S. Paulo publicou a notícia em sua página no Facebook. Vários usuários faziam

referência a esse comentário de Sheherazade, como sendo um dos fatores que motivou a ação

dos linchadores; outros, todavia, afirmavam que houve má interpretação de texto sobre o que

realmente a jornalista quis dizer. Retratamos abaixo alguns desses comentários, mantendo o

anonimato:

Internauta M: “Adotem um “justiceiro” agora. Bando de animal”.

Internauta N: “isso que dá bater palmas pra Rachel Sheherazade”.

Internauta O: “isso que dá não saber interpretar textos e ir na onda do oba oba né

cara. A jornalista NUNCA disse que fazer justiça com as próprias mãos é uma coisa

certa. Ela disse que é compreensível que em um país onde reina a impunidade e as

leis só protegem os bandidos, algumas pessoas acabam perdendo a cabeça e tentem

fazer esses atos, que logicamente são errados, ninguém deve fazer justiça com as

próprias mãos...”.

Internauta P: “pura falta de interpretação de texto... A grande Rachel Sheherazade

nunca defendeu a violência e, sim, a ausência do Estado nessas situações”.

(FACEBOOK, maio de 2014).

A falta de consenso entre os internautas mostra que alguns telespectadores podem

realmente ter interpretado o comentário da jornalista como incentivação aos justiçamentos

populares, já que o Estado não cumpre com a sua função corretamente, mesmo que, talvez,

não tenha sido examente essa a intenção de Rachel.

Isso requer uma certa cautela da grande mídia, já que por não estar apenas nos

jornais impressos ou na televisão, mas também na Internet, implica um alcance muito maior.

Quem não assistiu ao jornal do SBT naquele dia, poderia ver e rever quantas vezes quisesse e

de onde estivesse o vídeo com a reportagem e o comentário da jornalista. Igualmente, o vídeo

56 Disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=gTOaznW4EcE&feature=youtu.be>. Acesso em: 08 mai, 2014. 57 Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidiano/153091-com-as-proprias-maos.shtml>. Acesso em 15, mai

2016.

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sobre o linchamento no Guarujá, filmado por algum participante ou expectador, foi

disponibilizado na Internet, inclusive reproduzido pela Folha de S. Paulo no Facebook.

Pelo exposto, esse caso serve para a ilustrar que a liberdade de expressão,

principalmente das grandes mídias, por ser democrática, não deve prevalecer a interesses

individuais, mas sim, se preocupar com a coletividade e com os grupos mais vulneráveis

econômica e socialmente (FURTADO, 2015).

É inegável que a liberdade de expressão melhora as perspectivas da democracia,

bem como quanto mais democracia, mais espaço para a liberdade de expressão. No entanto,

“talvez a liberdade de expressão gere perigos para a democracia. É possível, por outro lado,

que a democracia, alguma vezes, ponha em risco a liberdade de expressão” (MICHELMAN58

apud FURTADO, 2015, p. 40).

Os perigos que a liberdade de expressão pode acarretar à democracia, referem-se à

violência simbólica (por meio de discursos) ou incitação à violência física à determinda

pessoa ou a grupo de pessoas. Seria preciso, então, impor limites a esses discursos?

As redes sociais têm sido território fértil de denúncias e acusações, o que tem

fomentado os linchamentos virtuais, que se caracterizam por publicação de uma foto, vídeo,

ou mesmo de uma publicação de outro usuário, acompanhada de acusações e, assim, ganha

status de verdade, mesmo podendo ser um remixing. O intuito desse tipo de publicação é criar

ira na massa e, consequentemente, desencadear uma onda de moralismo e prejulgamentos.

Entretanto, sem levarem em conta o grande alcance desse meio computacional, ao incitarem a

violência, também poderão ocasionar danos concretos à vítima.

Num caso de linchamento virtual, a luz do Direito, há vários crimes que podem

ser configurados, tais como: discurso de ódio, incitação à violência, injúria, violação da

intimidade. Vimos no caso 5, sob a análise jurídica, os crimes pelos quais o marido pode

responder. No caso 8 (a seguir), o professor também entrou com uma ação criminal contra

todos os blogs e postagens que citaram o nome dele remetendo ao episódio.

O discurso de ódio, já conceituado no capítulo 2, constitui-se em crime, pois fere a

dignidade da pessoa humana, direito fundamental estabelecido no artigo 1º, inciso III da

Constituição Federal brasileira, de 1988:

58 MICHELMAN, F. I. Relações entre democracia e liberdade de expressão: discussão de alguns argumentos. Tradução:

Marcelo Fensterseifer e Tiago Fensterseifer. In: SARLET, I. W. (org) Direitos fundamentais: informática e comunicação:

algumas aproximações. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2007, p.50.

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Art 1.º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos

Estados e Municípios e do Direito Federal, constitui-se como Estado Democrático

de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana (BRASIL. Constituição da República Federativa

do Brasil, 1988, art. 1º).

Além da Constituição Brasileira, está contida, primeiramente, na Declaração

Universal dos Direitos Humanos, que é um tratado internacional, firmado em 1948. Para

melhor compreensão sobre o que engloba a dignidade da pessoa humana, usaremos o conceito

de Sarlet (2007)59:

[...] a dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distinta reconhecida em

cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte

do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e

deveres fundamentais que assegurem a pessoa proteção contra todo e qualquer ato

de cunho degradante e desumano... (SARLET, 2007 apud SANTOS & CUNHA,

2014, p. 15).

Assim, o Estado existe para servir a pessoa e proteger a dignidade do ser. Para

Fiorillo (apud FURTADO, 2015) para respeitar a dignidade, primeiramente o Estado deveria

assegurar os direitos sociais, constantes na Constituição, que garantam à pessoa: saúde,

educação, segurança, trabalho, previdência social, lazer, assistência aos desamparados,

manutenção de meio ambiente, proteção à maternidade e à infância.

Além do poder público, Sarlet (2007 apud SANTOS & CUNHA, 2014) afirma

que mesmo a pessoa não se comportando de modo digno, todas são iguais em dignidade e,

portanto, é dever dos indivíduos respeitar reciprocamente a dignidade de cada um. Nessa

direção, Nunes60 (2010 apud FURTADO, 2015) é enfático ao afirmar que a dignidade é o

primeiro fundamento de todo o sistema constitucional e deve servir como primeiro comando

do intérprete.

Deve-se analisar o princípio da dignidade da pessoa humana levando-se em

consideração aspectos como social, político, religioso e outros relacionados ao acontecimento,

pois no mundo contemporâneo há cenários distintos e complexos. Pode haver ainda, casos em

59 SARLET, I. W. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2007. 60 NUNES, R. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. 3 ed. São Paulo: Saraiva,

2010.

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que duas ou mais dignidades entram em rota conflitiva e ao final do julgamento, uma delas irá

prevalecer.

O ataque à dignidade pode ocorrer não somente com um indivíduo, mas de todo

um grupo social, como visto no caso 3 (ataque aos nordestinos e a todos os eleitores de

Dilma) e na figura 1 (ataque aos negros na pessoa da Maju). Assim, há vitimização difusa,

pois o vitimado teve sua dignidade violada ao pertencer ao grupo discriminado. Ressalta-se

ainda que todos aqueles que compartilharam do discurso do ódio podem ser enquadrados na

violação da dignidade da pessoa humana.

Santos e Cunha (2014) citam como possíveis estímulos ao discurso de ódio,

considerando o ambiente virtual: o individualismo como responsável pela intolerância, uma

sociabilidade peculiar desse ambiente e a aparente possibilidade de anonimato. A intolerância

tem gerado um sentimento de banir o outro diferente da sociedade. No entanto, é um tipo de

atitude, que talvez jamais fariam sozinhas e, por isso, compartilham em redes para formarem

grupos. A ideologia do grupo fortalece a coragem da pessoa em expor seu discurso de ódio,

na esperança da não identificação dos autores. No contexto virtual, os usuários podem até se

esconderem na massa eufórica ou criarem fakes, mas isso não impede a identificação pela

polícia e a devida aplicação da lei.

Atualmente, a justiça pode ser acionada por alguém que se sentiu lesado com as

publicações, como em situações de injúria, preconceito, difamação. Engana-se quem pensa

em despistar a polícia, excluindo a mensagem, pois alguém já pode ter: compartilhado;

utilizado o comando printscreen - que serve para capturar a tela; ou mesmo localizado pelos

sites de busca. Além disso, todo dispositivo ligado a Internet possui um endereço, o IP, que

também pode ser rastreado.

Não só o discurso de ódio se constitui em crime como a maneira como isso é

posto em rede pode-se caracterizar em incitação à violência e culminar em outros crimes.

Então, faz-se necessário também analisarmos aqui a incitação à violência no âmbito legal.

Como violência define-se:

do latim violentia e é conceituada como constrangimento físico ou moral, qualquer

força material ou moral empregada contra a vontade ou a liberdade de uma pessoa

[...] um produto das relações históricas de dominação nos espaços sociais, que passa

a residir também nos espaços online (SANTOS & CUNHA, 2014, p. 12).

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Conforme esses autores, incitar violência constitui crime e tal é previsto no artigo

nº 286 do Código Penal, classificado como crime contra a paz pública. Há, ainda, na Lei nº

7.716, art. 20, 1989, a definição dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de

raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional e cria uma qualificação para os crimes

cometidos por intermédio de meios de comunicação social. Como não há uma regulamentação

específica, pode-se incluir nesses meios não só as redes sociais como toda a Internet.

As redes sociais on-line possibilitam e pontencializam os linchamentos morais,

que são geradores de uma ideologia de destruição a grupos e formadores de estereótipos e

estigmas que incitam à violência. Sendo assim, as redes sociais são ao mesmo tempo

formadora, propagadora e objeto final da violência. Lembrando que essa violência pode se

tornar física, pois os comportamentos das pessoas se misturam entre o mundo virtual e o

mundo atual.

Sendo assim, “a partir do momento em que o indivíduo inicia um agrupamento de

pessoas objetivando atos de violência virtual, não se trata do exercício de liberdade de

expressão e sim em conduta ilícita” (SANTOS & CUNHA, 2014, p. 18). Mendes e Branco

(2014), contrabalanceando discurso de ódio e liberdade de expressão também afirmam: “a

contumaz desqualificação que o discurso de ódio provoca tende a reduzir a autoridade dessas

vítimas nas discussões de que participam, ferindo a finalidade democrática que inspira a

liberdade de expressão” (p. 462). Furtado (2015), em sua pesquisa afirma que liberdade de

expressão, não pode ser exercida se ferir a dignidade humana de outrem. Para esses autores,

portanto, os linchamentos virtuais, por conterem discurso de ódio e incitação à violência física

ou moral, não são respaldados pela liberdade de expressão.

Entretanto, Santos e Cunha (2014) afirmam ainda que é preciso analisar os casos

com cautela e ponderação para evitar quaisquer atos que se aproximem mais de uma simples

censura, abolida nos Estados Democráticos, do que realmente a violação de qualquer

princípio.

Conclui-se, portanto, que há um paradoxo perturbador ao discursar em redes on-

line de relacionamento, pois “o internauta tem direito a liberdade de expressão, mas deve

respeitar o princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista que inexiste hierarquia entre

os direitos fundamentais” (SANTOS E CUNHA, 2014, p. 16).

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Para reforçar esse caráter paradoxal, trouxemos o caso 8, elecando os argumentos

dos dois lados: (i) a liberdade de expressão requerida pelas mulheres, que veem na Internet

um instrumento de autodefesa e um meio de reunir pessoas que tiveram experiências

semelhantes ou que simplesmente estão lá para apoiá-las, dando um basta a certos tipos de

abusos; (ii) o desrespeito à dignidade do professor, como ser humano, ao expor suas

conversas privadas na rede mundial de computadores, já o sentenciando como culpado.

CASO 8: Assédio e linchamento virtual em debate na rede

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4 DO COTIDIANO PARA A CIÊNCIA: TRAJETÓRIAS PARA TORNAR O

LINCHAMENTO VIRTUAL UM PROBLEMA DE PESQUISA CIENTÍFICA

4.1 Coletânea de material para a pesquisa

Mesmo antes de definir o objeto desta pesquisa, estava sempre atenta às práticas

dos internautas nas redes sociais. Percebendo que as pessoas passavam muitas horas

conectadas, sobretudo pelo uso constante de aparelho celular, resolvi buscar nas estatísticas

(quadro 1) uma compravação. Obtendo resposta positiva, decidi que era sobre aquele meio

que queria investigar.

A opção pelo “lichamento virtual” surgiu com um fato que causou comoção

nacional: uma mulher morrera vítima de linchamento que teria sido incitado nas redes sociais.

Isso nos levou a alguns questionamentos sobre a tecnologia e a virtualidade nas relações

socias contemporâneas.

Trouxemos este caso pelo fato de ele ter virado referência quando se fala em

“linchamento virtual” no Brasil. Talvez pelo fato desse episódio retratar um lichamento físico,

mas com estopim na Internet. Tornou-se popularmente conhecido por sua ampla divulgação

nas mídias, tais como: telejornais, jornais impressos ou on-lines e em redes sociais (destas

destacamos alguns trechos que estão presentes neste trabalho).

Além disso, na academia diversas áreas – Publicidade e Propaganda61;

Linguística62; Direito63 - trouxeram esse caso à tona para discussões importantes, das quais

também nos apropriamos a leitura para compor esta pesquisa.

61 DE SOUSA, L. N.; DOURADO, P. H. C. Br.; MARTINS FILHO, T. B.. Guarujá Alerta: A influência das redes sociais na

Formação de Multidões. 62 DE BARROS, D. L. P. O Discurso Intolerante na Internet: Enunciação e Interação. Disponível em: < http://www.mundoalfal.org/>. Acesso em: 04 out, 2015. 63 DE SOUZA FURTADO, L.; JUNIOR, W. F.. O Linchamento de Guarujá e a Violência Mimética De René Girard.

Disponível em: < http://www.revistaiurisprudentia.com.br/>. Acesso em: 04 out, 2015 e; CUNHA, R. S.; DOS SANTOS, M.

A. M.. Violência Simbólica nas Redes Sociais: Incitação à Violência Coletiva (Linchamento). In: Anais do VII Congresso

Brasileiro de Direito da Sociedade da Informação, p. 10-22, 2014.

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Isso fortificou nosso embasamento por uma abordagem interdisciplinar, já que se

tratava de um problema complexo e que não seria totalmente esclarecido por apenas um

campo do conhecimento.

Definido o objeto, passou-se a procurar por episódios semelhantes tanto na mídia

eletrônica como em artigos científicos. Fazendo uma busca pela Internet usando a palavra-

chave “linchamento virtual” chegamos a algumas matérias on-line, tais como: “ Linchamentos

Virtuais”64; “A vida por um tuíte”65; “Vai um linchamento aí, freguesa?”66, “Justiça pelas

próprias mãos: o chocante linchamento virtual num site feminista”67. Dessas matérias,

retiramos os casos 1, 4 e 6 (na ordem: Justine Sacco, Alícia Lynch e denúnica de agressão em

blog feminista).

Pela maioria delas retratar, dentre outras histórias, a de Justine Sacco, entendemos

a popularidade do caso e sua forte ligação com o termo estudado: a partir desse conjunto de

materiais, a história de Justine tornou-se uma referência relevante quando o assunto é o

“linchamento virtual”, por isso o trouxemos para esta Dissertação.

Esse caso relatado é um dos muitos casos de humilhação pública nas redes sociais

descritos por Ronson em seu livro, que teve uma versão em Português lançada no Brasil em

201568, o que facilitou o acesso aos dados (entrevista, tuítes) e, consequentemente, um

entendimento melhor sobre o fenômeno em si. A escolha desse epiódio perante os outros do

livro é devido a sua popularidade no Brasil e nos Estados Unidos, provavelmente pela

dimensão que tomou a publicação.

Outros casos foram aparecendo no decorrer da pesquisa e foram armazenados em

um arquivo texto.

A escolha de quais casos trazer para esta pesquisa, aconteceu durante a escrita em

que cada parte da teoria remetia a lembrança de um caso específico. Por exemplo, o caso 7

(enfermeira) é de publicação mais localizadas, porém é representativo de um tipo de episódio

recorrente nas redes sociais.

64 Disponível em: <http://brasil.elpais.com/brasil/2015/03/27/tecnologia/1427463790_681602.html>. Acesso em: 01 abr,

2015. 65 Disponível em: <http://www.com.ufv.br/cibercultura/a-vida-por-um-tuite/>. Acesso em: 01 abr, 2015. 66 Disponível em: <http://entretenimento.r7.com/blogs/andre-barcinski/vai-um-linchamento-ai-freguesa-20150323/>. Acesso

em: 01 abr, 2015. 67 Disponível em: < http://www.diariodocentrodomundo.com.br/justica-pelas-proprias-maos-o-chocante-linchamento-virtual-

num-site/>. Acesso em: 26 mar 2105. 68 Ronson, J. Humilhado: como a era da internet mudou o julgamento público. Editora BestSeller, 2015.

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Quando tínhamos de fazer escolha, por termos mais de um que se enquadrava no

perfil desejado, optávamos pelo caso que teve maior repercursão, que “viralizou” nas redes

sociais e/ou trouxe mais discussão nas mídias eletrônicas, como os casos 5 e 8 (Fabíola e

Idelber Avelar, respectivamente), sendo que este foi sugestão da banca examinadora da

Qualificação. Assim, buscando em várias notícias, pudemos ter acesso às republicações das

postagens originais, além de ter contato com diversas opiniões, o que enriqueceu o debate de

ideias e as reflexões inerentes a esta pesquisa.

No entanto, surgiram algumas dificuldades no caminho. Primeiramente, as

postagens no Facebook podem ser excluídas. Por exemplo, dois meses após o linchamento no

Guarujá, em julho de 2014, foi procurada, porém não foi encontrada a suposta notícia inicial

na página “Guarujá Alerta”, a qual exibia um retrato falado, que teria dado início ao boato.

Posteriormente, conseguimos recuperar a imagem pelo Google.

Também foi buscado no Facebook pela chave “#sequestradora”, porém nenhuma

ocorrência foi exibida, sendo que a época da notícia do linchamento (maio de 2014) ainda era

possível localizar postagens que mencionavam o caso com essa hastag. Como esse caso

passou a ser investigado pela polícia, leva-nos a crer que muitos usuários tenham excluído

essas postagens com receio de serem interrogados. A ferramenta de busca pela hashtag

também se mostrou muito eficiente para encontrarmos outros casos.

Surgiu então um novo entrave: depois de algum tempo os jornais on-line

disponibilizam a notícia apenas para assinantes. Dessa maneira, guardar somente o link da

notícia não nos propiciaria uma recuperação futura. A solução encontrada foi gerar um

arquivo em formato texto (PDF) da página da notícia, para que fosse recuperada

posteriormente.

Para os casos em que já não era possível localizar as postagens nas redes sociais,

recorreu-se ao site de busca Google a fim de recuperar principalmente as imagens para

ilustrarmos este trabalho.

Sobre os artigos científicos, a maior dificuldade foi as inúmeras denominações

para o fenômeno, conforme descrito no capítulo dois. A busca pelo termo “linchamento

virtual” não foi muito eficaz no Google Acadêmico, visto que esta é uma denominação da

mídia. Então, fizemos busca com outros termos, como “Facebook”, “redes sociais”,

“humilhação on-line”, “discurso de ódio” e em inglês: cyberbullying, flaming, publicly

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shamed, social networks, virtual lynching. Após uma leitura prévia, separamos os artigos que

mais se relacionavam com os casos desta pesquisa.

No entanto, episódios de linchamentos virtuais ainda são uma constante nas redes

sociais e é impossível mapearmos todos, principalmente se: (i) não aparecerem na linha do

tempo da rede social da autora e; (ii) não forem divulgados na mídia.

Posteriormente, criamos um blog: Linchamentos Virtuais

(https://linchamentosvirtuais.wordpress.com) com a plataforma Wordpress (disponível

gratuitamente on-line). O intuito do blog foi reunir os casos de linchamentos virtuais

coletados para esta pesquisa tanto os que utilizamos neste trabalho, como os outros que não

estão presentes aqui.

Com o conjunto de casos no blog, teremos uma base de dados on-line, mesmo que

singela, e isso permitirá interagir com estudiosos de diversas áreas, bem como internautas que

se identifiquem com os casos. Além disso, ela poderá ser muito útil em trabalhos futuros,

como artigos científicos e pesquisa de Doutorado.

A inspiração em usar a imagem da postagem do blog para ilustrar os casos nesta

Dissertação veio do livro “Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e

subjetividade” (BRUNO, 2013).

As imagens QR-Code que ligam os casos desta Dissertação à publicação do blog

foram criadas com o aplicativo QR-Code Genarator69, disponível gratuitamente on-line.

4.2 Intervenção interdisciplinar para tratar o objeto de estudo

Há uma corrente, fetichista, que acha que para entender um texto basta lê-lo, seja

ele filosófico, literário ou jurídico. Nasceu na França com a semiologia e perpetuou com o

pós-modernismo. Outra corrente, mais ligada ao marxismo, tenta ligar o texto ao contexto,

colocando-o em relação com o mundo social ou econômico.

Para Bourdieu (1997) há um intermediário entre esses dois polos que ele chamou

de campo: “o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem,

reproduzem ou difundem a arte, a literatura ou a ciência”. Em um campo, há leis mais ou 69 Disponível em: <http://br.qr-code-generator.com>.

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menos específicas, que são difíceis ou impossíveis de se manipular. No entanto, são leis de

um microcosmo dentro de leis sociais de um macrocosmo. Para escapar das leis sociais

externas, o campo procura ser mais autônomo e mais próximo a uma concorrência pura e

perfeita, limitando a uma censura puramente científica.

Todo campo tem sua estrutura definida (teoria, coleta, métodos de análise) e os

agentes sociais tendem a segui-la, ou seja, já tem disposições adquiridas, que Bourdieu (1997)

chamou de Habitus. Assim, sendo o Habitus algo permanente e durável, conservado por

agentes em posição favorecida dentro do campo (com maior capital científico), então para

pertencer ao campo precisa obedecer às regras do jogo.

Entretanto, o que fazer quando as teorias e métodos daquele campo não são

suficientes para a pesquisa? Seria um principiante ou um agente de outro campo capaz de

impor uma outra estrutura, diferente do Habitus e com isso quebrar as regras do jogo? No

campo, provavelmente não. Por isso, propomo-nos a fazer um trabalho interdisciplinar e,

assim, precisamos mudar o ângulo de visão, ou melhor, olhar de vários ângulos, já que a

estrutura de um único campo não é suficiente para abranger todas as particularidades

envolvidas na discussão do objeto.

Para melhor entender a resolução de um problema para além das fronteiras do

campo, utilizaremos as definições de Meeth70 (1978 apud NORDAHL & SERAFIN, 2008)

sobre tipos de estudos:

- Disciplinares: compostos por uma única disciplina (campo);

- Multidisciplinares: justaposição de disciplinas, cada um oferecendo o seu

próprio ponto de vista, mas sem qualquer tentativa de integração;

- Interdisciplinares: tentam integrar de maneira coerente e harmoniosa várias

disciplinas que permitem resolver um problema particular.

Para D’Ambrósio (1997) saberes não são só advindos de disciplinas, mas também

de distintas fontes, sejam elas provenientes dos cientistas ou de povos e comunidades das

mais diversas culturas. Assim, para esses modos de conhecimentos transculturais e formas de

relacionamentos entre essas diversas ciências, ele denominou de transdiciplinaridade:

70 Meeth, L. Interdisciplinary studies: A matter of definition. Change, 7:10, 1978.

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[…] o essencial da transdisciplinaridade reside na postura de reconhecimento de que

não há espaço nem tempo culturais privilegiados que permitam julgar e hierarquizar

como mais corretos – ou mais certos ou mais verdadeiros – os diversos complexos

de explicações e de convivência com a realidade. A transdisciplinaridade repousa

sobre uma atitude aberta, de respeito mútuo e mesmo de humildade com relação a

mitos, religiões e sistemas de explicações e de conhecimentos, rejeitando qualquer

tipo de arrogância ou prepotência (D’AMBRÓSIO, 1997, p. 79-80).

D’Ambrosio (1997) propõe uma educação transdisciplinar, pois entende que o

ensino fragmentado em disciplinas dificilmente possibilitará a seus aprendizes o

reconhecimento e a resolução dos problemas e situações que advém das transformações

sociais, naturais e científicas dos últimos anos. Realmente, nas últimas décadas, tem sido

crescente o número de pesquisas na área de Educação que apontam para estudos

interdisciplinares e para aprendizado baseado em problemas, embora na prática esse modelo

ainda não seja concebido pela maioria das instituições. Além do ensino, como isso é proposto

para a área da pesquisa?

Pensando em nosso o objeto, o estudo disciplinar seria muito limitado por se tratar

de um problema muito complexo. No caso de linchamento, por exemplo, Martins (2014) diz

que esse objeto pede claramente uma intervenção interdisciplinar, como a Psicologia,

Antropologia, Sociologia, História, Geografia Humana e o Direito. Da mesma maneira, a

virtualidade também é investigada por várias áreas do conhecimento.

Por analogia, os casos que entendemos como linchamentos virtuais, também são

investigados por diversas ciências. Pesquisando trabalhos semelhantes, mesmo com

denominações diferentes, encontramos tratamento por diversas áreas, cada um com um

recorte que fosse mais facilmente explicado e reconhecido pelo campo e por seus pares.

Vejamos alguns exemplos. A violência por meio de discursos é investigada pela Linguística e

pela Comunicação (FAUSTINO & DE OLIVEIRA, 2008; RECUERO & SOARES, 2013;

ARANHA, 2014). Aspectos como a visibilidade e a relação com o olhar do outro e as formas

de espetáculo são estudadas pela Psicologia (BRUNO & PEDRO, 2004). Ponderações entre

liberdade de expressão, garantida pela Constituição, e crime contra a dignidade da pessoa

humana são observadas pelo Direito (NALINI, 2015; FURTADO, 2015; SANTOS &

CUNHA, 2014). O impacto das TICs na sociedade é investigado pela Sociologia e pela

Filosofia (VIRILIO, 1998; PELBART, 2001; GARCIA DOS SANTOS, 2003). A Sociologia

também faz reflexões sobre os processos de vigilância contemporâneos (KANASHIRO, 2006;

BRUNO, 2013).

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Assim, se fosse restringido o estudo do linchamento virtual a um único campo

teríamos uma pesquisa menos robusta. Tampouco se resolveria com estudos

multidisciplinares, em que não há ponto de integração entre as áreas do conhecimento. O

desafio do trabalho interdisciplinar é justamente este: integrar conceitos e métodos que

melhor problematizem, descrevam e expliquem o fenômeno escolhido para investigação,

considerando que “nenhuma teoria é final, assim como nenhuma prática é definitiva”

(D’AMBRÓSIO, 1997, p. 81). Portanto, para alguns problemas de pesquisa, as ciências

tornam-se vazias se não estiverem integradas e dialogadas.

Embora todos os aspectos envolvendo conhecimento citados por D’Ambrósio

devam ser levados em consideração em nosso estudo, optamos pelo termo Interdisciplinar em

vez de Transdisciplinar, por ser essa designação adotada pela CAPES para classificar a área

do nosso curso de Pós-graduação.

Como a intenção aqui é ressaltar o linchamento virtual como um problema

contemporâneo a ser melhor explorado e discutido ao mesmo tempo que tentamos

compreender todos os elementos que o compõe, procurou-se a buscar respostas em vários

campos de conhecimento, estabelecendo elos entre as teorias.

4.3 Questões Metodológicas

Uma das características do conhecimento científico que o diferencia de outros

conhecimentos como, por exemplo, do religioso, do filosófico, do senso comum, é a

utilização de métodos para explicar fenômenos.

Ao pensar em métodos de pesquisa, instantaneamente dois se sobressaltam:

Quantitativo e Qualitativo. Por conseguinte, também é comum se fazer a analogia:

Quantitativo para ciências duras e Qualitativo para Ciências Humanas e Sociais. Será que é

assim mesmo? Vejamos.

Segundo Johnson & Onwuegbuzie (2004) os puristas quantitativos, chamados

também de positivistas, sustentam o argumento de que a pesquisa em ciências sociais deva ser

objetiva e livre de contexto e generalizações para, assim, ser confiável e validada. Já os

puristas qualitativos, os construtivistas, argumentam que há múltiplas realidades construídas;

que as generalizações livres de tempo e de contexto não são desejáveis e nem possíveis; que é

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impossível de diferenciar causa e efeito totalmente; que a lógica flui do específico para o

geral; e que pesquisador e pesquisado não podem ser separados. Estes preferem uma

descrição rica e densa por meio de uma escrita direta e informal. Aqueles são mais retóricos,

preferindo um estilo formal, escrito em voz passiva impessoal e com termos técnicos.

Como alternativa ao purismo, Johnson & Onwuegbuzie (2004) propõem os

Métodos Mistos de pesquisa que são, segundo eles, uma mistura ou combinação de técnicas

quantitativas e qualitativas de pesquisa, métodos, abordagens, conceitos ou linguagens em um

único estudo. Como tanto a pesquisa qualitativa como a quantitativa possuem pontos fracos,

deve-se ter uma atenção maior ao escolher os métodos a serem misturados a fim de ressaltar o

que ambos têm de melhor e que possam contribuir para uma pesquisa mais rica.

A escolha do método vai depender da pergunta de pesquisa. Muitas perguntas de

pesquisa são melhores e mais plenamente respondidas por meio de soluções oriundas de

investigação mista. Por exemplo, uma pergunta de pesquisa interdisciplinar necessita-se (na

maioria das vezes, mas não necessariamente) de teorias de vários campos e métodos mistos:

Today's research world is becoming increasingly interdisciplinary, complex, and

dynamic; therefore, many researchers need to complement one method with another,

and all researchers need a solid understanding of multiple methods used by other

scholars to facilitate communication, to promote collaboration, and to provide

superior research (JOHNSON & ONWUEGBUZIE, 2004, p. 15).

Por ser nosso objeto de estudo interdisciplinar, conforme visto no item anterior, o

método misto seria, então, o mais apropriado? Além de se pensar quais os caminhos para se

chegar a resposta da pergunta de pesquisa, quais os outros fatores a serem considerados na

escolha de um método?

Diante das três possibilidades de métodos de pesquisa – Quantitativo, Qualitativo

e Misto – optamos pela pesquisa Qualitativa, pelos seguintes aspectos: (i) ser útil para

descrever fenômenos complexos; (ii) possibilidade de comparações entre casos e análises; (iii)

possibilidades de descrever, com detalhes, fenômenos e seus contextos e verificar como eles

se relacionam; (iv) por ser uma abordagem mais sensível às circunstâncias, às partes

interessadas e às mudanças que ocorrem durante a realização de um estudo; (v) objetiva a

exploração de como e por que os fenômenos ocorrem (JOHNSON & ONWUEGBUZIE,

2004).

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Entretanto, os seres humanos nunca são completamente livres de valores e estes

afetam o que se escolhe para pesquisar: o que se vê e como se interpreta o que se vê. Além

disso, baseados nos pontos fracos da pesquisa Qualitativa apontados por Johnson &

Onwuegbuzie (2004), destacamos alguns que se aplicam ao objeto de estudo: (i) dificuldade

de fazer previsões quantitativas, pois é impossível rastrear todos os casos de linchamentos

virtuais ocorridos ou que estão ocorrendo no Brasil. É evidente que a mídia faz uma escolha

do que publicar e, portanto, não se contempla uma totalidade; (ii) demora na análise dos

dados, já que há questões complexas nos casos a serem identificadas; (iii) necessidade de se

despir de preconceitos e idiossincrasias para não influenciar os resultados. Além disso, ao

buscar casos na mídia não temos mais um dado puro, mas sim já interpretado.

Por outro lado, o método Quantitativo não é totalmente descartado na pesquisa

sobre linchamento virtual. Ele poderia ser acrescentado à pesquisa para testar hipóteses, por

exempo, em entrevistas on-line questionando: com que frequência o usuário compartilha sem

ler todo o conteúdo da postagem? Com que frequência checa a veracidade da informação?

Qual (ou quais) assunto(s) levam o entrevistado a participar de uma discussão on-line? Qual a

faixa etária que mais participa de linchamentos virtuais. Entre outros.

No entanto, há uma certa ponderação em relação ao uso de entrevistas

direcionadas para pessoas que se tornaram vítimas ou algozes de linchamento. No livro: “So

You’ve Been Publicly Shamed”, de Jon Ronson (2015), há transcrição de entrevistas feitas

pelo autor de pessoas que sofreram humilhação pública na rede. Justine Sacco, por exemplo,

nega que sua postagem tenha sido com tom racista e relata somente o sofrimento dela. Com

isso, mesmo sem generalizar, percebe-se que fora do contexto da Internet, longe da multidão,

as pessoas tendem a serem mais contidas e tendem também a negarem o fato (mesmo este

estando explícito na Internet). Todavia isso não deixa de ser um dado muito importante para a

reflexão do que acontece além da Internet.

Utilizamos um quadro de dados e porcentagem (quadro 1) para ilustrar a

expressividade do problema no contexto atual, mas não a consideramos como parte de um

método Quantitativo, já que os dados não são resultantes de coleta ou análise; apenas

contemplam a justificativa da pesquisa.

Por que, então, não foi escolhido o Método Misto em vez do Qualitativo para a

pesquisa sobre linchamentos virtuais? O principal fator que influenciou na escolha foi o

tempo. Por se tratar de uma pesquisa de Mestrado, cujo tempo de conclusão está em torno de

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vinte e quatro meses, um único pesquisador teria de aprender outras abordagens e saber

misturar adequadamente os métodos e isso demoraria muito tempo. Além de não conseguir

aplicá-los simultaneamente.

Provavelmente em uma pesquisa de Doutorado seja possível complementar as

análises qualitativas, já realizadas, com análises ou dados quantitativos (quantificação das

respostas das entrevistas, gráficos de resultados, etc.). Além disso, com mais tempo seria

possível observar outras variáveis: os episódios aumentaram ou diminuíram com o tempo? As

motivações continuam as mesmas ou mudaram?

Dessa forma, considerando as variáveis apresentadas, acreditamos ser a pesquisa

Qualitativa a melhor opção. Por isso, procuramos descrever os casos imergindo-os nas

problemáticas e discussões contidas nas teorias das Ciências Humanas e Sociais, sobretudo as

mais contemporâneas.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Vimos que as notícias sobre linchamentos virtuais são recentes: começaram a

aparecer há dois ou três anos. No entanto, já havia estudos71 preocupados com o tom

agressivo nas redes sociais, desde a época do Orkut.

No decorrer de nossa pesquisa, encontramos artigos sobre cyberbullying, flaming,

violência simbólica e discurso de ódio. Ao analisar as conceitualizações neles descritas, foi

notado que o problema de pesquisa desta Dissertação não se enquadrava em nenhuma delas.

O cyberbullying é fruto de atos repetitivos e nos casos de linchamentos virtuais o alvo muda

constantemente, além de estar envolvidas questões de justiçamento e denúncia, que não são

fatores considerados desencadeantes de cyberbullying; o flaming também envolve

xingamentos, mas estão mais relacionados à dicussão acalorada de ideias opostas; a violência

simbólica abrange apenas o ataque verbal, já a nossa análise ultrapassa a fronteira do

cyberespaço e, por isso, também pode culminar em violência física; e o discurso de ódio que é

apenas uma parte de nosso objeto de estudo (a parte que cabe ao cyberespaço).

Por isso, adotamos o termo linchamento virtual, acompanhando a tendência da

mídia em apresentar os casos que consideramos relevantes para esta pesquisa.

A dificuldade em encontrar uma categorização também nos levou a uma reflexão

sobre as teorias existentes perante a complexidade que o mundo se tornou com a inserção das

TICs em nossas vidas.

Analisando a virtualidade, percebemos que há mudanças nos modos de ser, agir e

pensar e sentir. Então, como isso se configura nos casos de linchamentos virtuais?

Nas redes sociais, percebe-se que as mudanças de percepção (tempo-espaço) e o

pensamento automatizado ganham expressão na ação do usuário na rede. Por exemplo, assim

que alguém sabe de algum ocorrido e posta nas redes sociais, sempre haverá alguém

conectado, em qualquer lugar do mundo, para ler, curtir, comentar, compartilhar e nem

precisa ser da mesma rede social, visto que é possível o compartilhamento entre redes de

71 Por exemplo: FAUSTINO e DE OLIVEIRA, 2008.

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relacionamento on-line. Como isso não se tem ideia de seus interlecutores: nem da identidade

deles e nem de quanto eles são.

Outra mudança de percepção refere-se à dimensão do alcance de uma publicação,

proporcionada pela Internet. Antes dessa conexão global os fatos aconteciam e ficavam

restritos a um grupo de amigos ou poderia ter um alcance um pouco maior se fossem

noticiados pela imprensa.

Vimos no caso 1, que Justine Sacco pensou que sua mensagem iria apenas para

seus 170 seguidores, porém foi a mais vista no mundo pelo Twitter. O mesmo aconteceu com

o caso 4: Alicia não imagiva que sua foto chegaria inclusive para as próprias vítimas do

atentado de Boston. Consequentemente, as punições são mais duras e mais rápidas, pelo fato

do caso em si ter ganhado grandes proporções.

Em muitas vezes não há tempo para se arrepender. O tempo local deveria ser

utilizado para a reflexão da postagem, mas com a rapidez da velocidade da comunicação on-

line, isso acaba não acontecendo. Esse automatismo (do pensamento, de ações) seria mais um

fruto da alternância continua entre o on-line e off-line (efeito Moebius).

Nos casos de linchamentos virtuais, percebe-se que a fronteira entre o atual e o

virtual é borrada e um implica o outro. Há uma ampliação da realidade e um deslocamento de

horizontes. Um fato cotidiano pode ser remetido ao debate nas redes sociais on-line. Em

consequência disso, a audiência é aumentada e o episódio ganha novas proporções. Por outro

lado, acusações e julgamentos ocorridos, em redes sociais são deslocados para a vida das

vítimas, trazendo consequências nas relações sociais fora da Internet (família, trabalho,

comunidade), podendo até serem trágicas, como um linchamento físico, retratado no caso 2 (o

do Guarujá).

Há ainda uma força maior que faz com que pessoas e negócios migrem para o

virtual: o capitalismo informacional. Para obterem as informações necessárias para o modelo

de negócio das redes, a estratégia é oferecer um ambiente gratuito em que o usuário pode se

conectar a amigos distantes ou a novos amigos. E a comunicação não se restringe à escrita,

como em uma carta, mas sim há possibilidades multimodais: imagem, som, vídeo e

interatividade imediata: comentar, curtir, compartilhar.

Diante de tantos atrativos, as pessoas, sobretudo os brasileiros, passam cada vez

mais horas conectados às redes, interagindo e fazendo delas um diário digital on-line.

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Entretanto, será que há essa percepção de quais assuntos podem ser falados publicamente em

oposição a outros, mais íntimos, que só se revelariam em um diário secreto ou em uma roda

de amigos bem próximos?

Com isso, nota-se, também, o desvanecimento da concepção de público e privado.

A privacidade que era tida como algo tão resguardado na Modernidade, passou a ser

exteriorizada, principalmente nas redes sociais. O medo agora não é que o segredo possa ser

revelado, mas sim que o outro não veja ou não curta suas publicações.

Ao se expor ao outro para se recohecido, busca-se seguir padrões sociais que

mudam constantemente (identidades fluidas). Além disso, o “eu” visísivel nas redes sociais

ora é representado por sua identidade civil (ao aceitar os termos de uso, ao responder por atos

ilícitos) ora é moldado em perfis, de acordo com seu comportamento na rede.

Ao perseguirem esses padrões ideiais, muitos transformam não só o físico, mas

também o comportamento para compor a homogeineidade da massa. Assim, tomando como

exemplo o comportamento de usar as redes sociais para denunciar, xingar e julgar, muitos

usuários acabam aderindo a esse padrão e, consequentemente, contribuindo para alastrar os

casos de linchamentos virtuais.

Além disso, ao usarem as redes sociais como palco público para exposição do

íntimo, possibilitam que o “outro” além de validar-lhe também dê palpite ou julgue sua vida.

O caso 5, da Fabíola, mostra o lichamento virtual de uma mulher por assunto de esfera

particular. Se não fosse a presença da Internet, esse fato talvez ficaria somente entre

familiares e amigos. Ao ser externalizado nas redes sociais, como uma espécie de vingança,

abriu-se a possibilidade para comentários e julgamentos de milhares de desconhecidos.

A prática de “extimidade” na Internet assemelha-se ao “deixar falar” sobre sexo

na sociedade do século XVII. A incitação ao discurso faz parte da estratégia do poder, pois ao

se ter informações confidencias dos indívíduos, mantém-se o controle sobre eles. Essa

estratégia faz parte do funcionamento das redes sociais e da geração de lucro, pois quanto

mais o usuário interage, melhor para o rastreamento e criação de perfil. De posse do perfil, o

aplicativo seleciona o que será exibido na linha do tempo do usuário, podendo inicializar um

ciclo de linchamento virtual: o usuário que interage com postagens que tragam como temática

julgamento, exposição, humulhação, denúncia, etc., tem mais chances de receber postagens

semelhantes e interagir novamente.

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Além disso, a exposição demasiada de si favorece a vigilância e o controle por

outros grupos: Estado, justiça, empresas, escolas, igrejas, etc. Como vimos nos casos 6 e 8, no

intuito de denunciarem possíveis abusos machistas, mulheres contaram com o apoio de outras

mulheres para a divulgação desses casos, com nome e foto dos acusados. Ao se posicionar

contra ou a favor, o usuário permite que tais grupos o conheçam mais intimamente.

Somado a isso, ao cair na rede, um assunto passa por uma inspeção dos próprios

usuários do que é aceitável ou não, numa espécie de controle horizontal. No caso 1, a

postagem de Justine foi considerada inapropriada e foi compartilhada com dizeres que já a

condenavam. Já no caso 3, embora houvesse notícias e postagens contrárias à difamação dos

nordestinos, também houve vários apoiadores nos comentários ou com postagens no mesmo

tom. Esse tipo de controle pode contribuir para a padronização de identidades, além de

florescer o sentimento de banir o diferente.

Nota-se, ainda, que ao recorrer as redes sociais para externalizar alguma

indignação procura-se não só um processo de legitimação, mas por semelhantes que

engrossem o coro e se juntem à massa, para que nela deixem vir à tona todas as suas raivas.

Nem sempre há um vínculo de amizade entre os integrantes da massa, que se

unem especificamente em torno de um assunto ou de um alvo. Como há uma avalhanche de

informações diária na Internet, então também há mudança constante de agrupamentos.

A possibilidade de se ocultar nos multicomentários da massa e a sensação de

liberdade que se tem ao enunciar-se nas redes sociais podem ser fatores que contribuam para a

noção de que os usuários têm de um ambiente livre da lei, onde reina a justiça com as próprias

mãos. No entanto, o que acontece na Internet não ameniza e muito menos isenta qualquer

cidadão da aplicação da lei.

Contudo, a liberdade de expressão existe e é um direito fundamental garantido

pela Constituição brasileira. Talvez pela forte censura sofrida à época da Ditadura Militar,

pela insegurança em relação à proteção do Estado e pelo descontentamento com as

instituições punitivas (polícia e justiça) o ensejo de fazer valer esse direito a qualquer custo

seja forte.

A Internet, sobretudo as redes sociais, tem se tornado local propício para

denúncias, sejam elas: de agressões contra as mulheres (casos 5, 6 e 8), maus tratos a

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pacientes (caso 7), sequestro (caso 2), entre outras. Nesse ambiente qualquer cidadão tem voz,

incluive setores minoritários ou excluídos, o que poderia ser um fator relevante positivamente.

No entanto, ao recorrerem à Internet em vez de procurarem a justiça institucional,

os denunciantes acreditam estar agilizando o que eles consideram como justiça, ou seja, o

castigo. Não raro, acabam alcançando esse objetivo: Justine e Alicia foram demitidas; Fabiane

foi morta; a enfermeira passou por sindicância do hospital; Fabíola e Idelber sofreram

humilhação pública. O argumento dos “justiceiros virtuais” para exposição pública do caso é

de que dessa forma estariam alertando ou precavendo outras pessoas a passarem por situações

perigosas.

Entretanto, a exposição de alguém na Internet para ser julgado e humilhado pode

ferir outro direito fundamental: o da dignidade da pessoa humana. Normalmente, os usuários

ignoram essa possibilidade de também estarem infringindo a lei.

O poder público vem se empenhando para mudar essa concepção, por meio de

alterações na redação de várias leis já existentes para incluir termos, tais como “Internet” ou

“ambiente digital”, a fim de reforçar que esse ambiente não está livre da aplicação da lei.

Além disso, também houve criação de uma lei específica para proteção de dados e

privacidade: o Marco Civil da Internet.

No cenário digital o direito à privacidade é relativizado pelo próprio indivíduo.

Vimos no caso da Fabíola e no caso do professor Idelber que o próprio vitimidado se expõe,

revelando algo sigiloso, no intuito de fazer justiça. Isso tem levado a Ciência Jurídica a

repensar interpretações de leis, elaboradas muito antes da era da Internet.

A latência dessas práticas sociais on-line faz com que vários campos do saber se

mobilizem para repensar muitas questões, sobretudo a maneira paradoxal que elas se colocam.

O que nós propomos com este trabalho é que essas questões não sejam tratadas isoladamente

dentro de um campo, mas de modo interdisciplinar.

Por fim, se não há como resistir, pois as TICs já são presença constante em nossas

vidas, cabe-nos expor a sociedade que existem sempre – e no mínimo - dois lados a serem

considerados nos pronunciamentos e comportamentos on-line.

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ANEXO

Política de Dados do Facebook.

O que você faz e as informações que fornece.

Coletamos o conteúdo e outras informações

transmitidas por você quando usa nossos Serviços,

incluindo quando se cadastra em uma conta, cria ou

compartilha conteúdos, envia mensagens ou se

comunica com os outros. Isso pode incluir

informações presentes no conteúdo ou a respeito

dele, como a localização de uma foto ou a data que

um arquivo foi criado. Também coletamos

informações sobre como você usa nossos Serviços,

por exemplo, os tipos de conteúdo que você vê ou

com que se envolve e a frequência ou duração de

suas atividades.

O que os outros fazem e as informações que

fornecem.

Também coletamos conteúdos e informações

transmitidas por outras pessoas durante o uso dos

nossos Serviços, incluindo informações sobre você,

por exemplo, quando elas compartilham fotos suas,

enviam mensagens a você, ou carregam, sincronizam

ou importam suas informações de contato.

Suas redes e conexões. Coletamos informações sobre as pessoas e grupos

com que você se conecta e sobre como interage com

eles, por exemplo, as pessoas com quem você mais se

comunica ou os grupos com que gosta de

compartilhar informações. Também coletamos

informações que você fornece quando carrega,

sincroniza ou importa estas informações (como uma

agenda de contatos) de um dispositivo.

Informações sobre pagamentos. Se você usar nossos Serviços para compras ou

transações financeiras (por exemplo, para comprar

algo no Facebook, em um jogo ou fazer uma

doação), nós coletaremos informações sobre a

compra ou transação. Isso abrange suas informações

de pagamento, como o número do seu cartão de

crédito ou débito e outras informações do cartão,

informações de conta e autenticação, além dos dados

de faturamento, envio e contato.

Informações do dispositivo Coletamos informações de ou sobre computadores,

telefones e outros dispositivos em que você instala ou

acessa nossos Serviços, dependendo das permissões

concedidas. Podemos associar as informações

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coletadas dos seus diferentes dispositivos, o que nos

ajuda a fornecer Serviços consistentes entre

dispositivos. Veja alguns exemplos das informações

que coletamos sobre os dispositivos:

Atributos, como sistema operacional, versão de

hardware, configurações do dispositivo, nomes e

tipos de arquivos e softwares, bateria e intensidade de

sinal, e identificadores de dispositivo.

Localizações do dispositivo, incluindo localizações

geográficas específicas, por meio de GPS, Bluetooth

ou sinal Wi-Fi.

Informações de conexão, como o nome da sua

operadora de celular ou ISP (Internet Service

Provider), tipo de navegador, idioma, fuso horário,

número de celular e endereço IP.

Informações de sites e aplicativos que usam

nossos Serviços

Coletamos informações quando você acessa ou usa

sites e aplicativos de terceiros que utilizam nossos

Serviços (por exemplo, oferecem nosso botão Curtir,

Login do Facebook ou usam nossos serviços de

medição e publicidade). Isso inclui informações

sobre sites e aplicativos que você visita, seu uso dos

nossos Serviços nestes sites e aplicativos, bem como

informações que os desenvolvedores ou editores de

publicações do aplicativo ou site fornecem para você

ou para nós.

Informações de parceiros externos Recebemos informações de parceiros externos sobre

você e suas atividades dentro e fora do Facebook, por

exemplo, informações de um parceiro quando

oferecemos serviços em conjunto ou de um

anunciante sobre suas experiências e interações com

ele.

Empresas do Facebook. Recebemos informações sobre você de empresas que

pertencem ao Facebook ou que são operadas por ele,

de acordo com os termos e políticas delas.

Fonte: <https://www.Facebook.com/privacy/explanation>. Acesso em: 05 mai, 2015.

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ÍNDICE POR CASOS

CASO 1: Justine: uma viagem inesquecível............................................................................. 17

CASO 2: Guarujá: boato e tragédia .......................................................................................... 21

CASO 3: Na mira da intolerância política ................................................................................ 30

CASO 4- Lynch e Dali: fantasias, tecnologias e o tempo ........................................................ 54

CASO 5: Fabíola: desavenças conjugais no tribunal da Internet ............................................. 62

CASO 6: Denúncia de agressão em blog feminista .................................................................. 71

CASO 7: Do hospital para as redes sociais .............................................................................. 80

CASO 8: Assédio e linchamento virtual em debate na rede................................................... 104