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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC/SP
Roberta Corra Gouveia
Limites Indenizao Punitiva
DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO
SO PAULO
2012
1
PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO PUC/SP
Roberta Corra Gouveia
Limites Indenizao Punitiva
DOUTORADO EM DIREITO CIVIL COMPARADO
Tese apresentada Banca Examinadora da
Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo,
como exigncia parcial para obteno do ttulo de
Doutora em Direito Civil Comparado, sob a
orientao do Professor Doutor Cludio
Finkelstein.
SO PAULO
2012
2
Banca Examinadora:
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3
Aos meus pais
4
Agradecimentos:
Aos meus irmos, Leo e Lorena, pela amizade e torcida.
Ao meu marido, Renato, pelo amor, companheirismo e felicidade do dia-a-dia.
Ao meu orientador, Professor Cludio Finkelstein, por todos os ensinamentos desde o
mestrado, auxlio e, principalmente, por sua amizade generosa.
Ao amigo Rui por toda a ajuda durante o curso.
Ao CNPQ pela oportunidade e contnua contribuio pesquisa no Brasil.
Fordham University, na pessoa da Professora Toni Fine, por ter me recebido como
pesquisadora.
Especialmente, aos meus pais, Paulo e Graa, por tudo: amor, incentivo e apoio de sempre.
A todos, muito obrigada!
5
RESUMO
A tese aborda a possibilidade de fixao de limites que devem ser previstos em lei para que a
indenizao punitiva seja vivel no direito brasileiro. O interesse em propor parmetros surgiu
a partir da anlise da jurisprudncia nacional que vem aplicando os elementos
caracterizadores do instituto, como a gravidade da conduta e a situao financeira privilegiada
do ofensor, para justificar o valor da condenao em danos morais, respaldada na sua prpria
natureza jurdica, mas sem critrios claramente definidos. Por meio de estudo comparativo,
verificou-se que o instituto dos punitive damages aplicado nos pases que seguem o common
law como um valor pecunirio que o lesado recebe do ru alm da indenizao pelo dano
efetivo sofrido, de maneira geral por ato ilcito cometido com dolo ou culpa grave do ofensor.
A adoo de uma indenizao sancionatria civil pelo ordenamento jurdico brasileiro no
ofenderia as garantias constitucionais, bem como afastaria a alegao de enriquecimento sem
causa da vtima, equivalendo restaurao da paz interior e da justia subtradas dela e da
sociedade pela conduta danosa do agente. Ademais das sanes penais e administrativas, a
sociedade brasileira deve dispor de novo instrumento punitivo, vez que a responsabilidade
civil possui funo meramente reparatria ou compensatria, se mostrando ineficiente como
forma de represso e preveno de comportamentos ilcitos do causador do dano e da
sociedade como um todo. Entre os limites propostos indenizao punitiva, sugere-se como
critrio subjetivo que a conduta do causador do dano seja efetivamente grave, configurando
dolo ou culpa grave. Os limites objetivos constituem-se na condenao concomitante em
danos efetivos, circunstncias concretas do caso, situao financeira das partes e eventual
lucro obtido a partir do evento danoso. O valor da indenizao sancionatria deveria ser
atribudo ao lesado e a um fundo pblico, sendo que o percentual dependeria de previso
legal, de acordo com o caso concreto.
Palavras-chave: indenizao punitiva; punitive damages; limites.
6
ABSTRACT
This thesis discusses the possibility of establishing limits on punitive damages that would
make them viable if and when adopted in Brazil. Our interest in proposing boundaries comes
from an analysis of Brazilian jurisprudence, in which we observed that courts justify the
amount of pain and suffering damages awards by applying characteristic elements of punitive
damages such as the high degree of reprehensibility of the conduct and the wealth of the
defendant but based only on the nature of the injury itself and without well-defined
criteria. Through a comparative study we see that Common Law countries apply punitive
damages as a legal remedy through which injured persons receive from the defendants, in
addition to full compensation for their actual injury, pecuniary amounts based on the willful
misconduct or gross negligence of the offender. The adoption of this form of civil penalty
would not infringe Brazilian constitutional guarantees and would not constitute unjust
enrichment of the victim, because it would restore inner peace to the victim and bring back
justice to the victim and society in general after the damaging behavior of the agent. In
addition to criminal and administrative sanctions, Brazilian society needs a new punitive
instrument, because in Brazil tort law is used to compensate the plaintiff for injury he
receives, and is not an efficient means of punishment and deterrence of illicit behavior.
Among the subjective limits we propose to punitive damages is a requirement for a high
degree of reprehensibility of the wrongdoers conduct, such as intentional wrongdoing, willful
misconduct, gross negligence or some other kind of outrageous conduct. The objective limits
are the amount of compensatory damages, the concrete circumstances of the case, the
financial situation of the parties and expected profit of the defendant. The payment of punitive
damages should be made to the victim and to a public fund, but the percentage may vary
according to the case.
7
RESUMEN
La tesis aborda la posibilidad de establecimiento de lmites que deben ser previstos en ley a
fin de que la indemnizacin punitiva sea factible en lo derecho brasileo. El empeo en
proponer parmetros surgi desde el anlisis de la jurisprudencia nacional que viene
aplicando elementos caracterizadores del instituto, como la gravedad de la conducta y la
riqueza del causador del dao para justificar el valor de la condenacin en daos non
materiales embasada en la propia naturaleza jurdica del dao, mas sin criterios claramente
definidos. Travs del estudio comparativo del derecho observamos que el instituto de los
punitive damages es aplicado en los pases que siguen el common law como un valor
pecuniario que el leseado recibe del ofensor adems de la indemnizacin por el dao efectivo
en casos de acto ilcito causado por dolo o culpa grave del ofensor. La adopcin de una
indemnizacin sancionatria por el ordenamiento jurdico brasileo no violara las garantas
constitucionales, as como alejara la alegacin de enriquecimiento sin causa de la vctima,
vez que equivale a la restauracin de valores inmateriales sustrados de la misma e de la
sociedad por la conducta daosa del agente. Adems del derecho penal y administrativo, la
sociedad actual debe disponer de nuevos instrumentos punitivos, a depender de previa
determinacin legal de los presupuestos subjetivos e objetivos, diferentes del aquel
tradicionalmente seguidos por la responsabilidad civil que tiene funcin meramente
reparativa. Entre los lmites propuestos est como criterio subjetivo de la indemnizacin
punitiva que la conducta del causador del dao sea efectivamente grave, configurando dolo o
culpa grave. Los lmites objetivos sugeridos son la condenacin en daos efectivos, las
condiciones personales y financieras de las partes, el inters obtenido con el evento daoso, o
sea, situaciones en que la simple reparacin del prejuicio se muestre ineficiente para reprimir
e prevenir nuevos actos ilcitos por el causador y de toda la sociedad. El valor de la
indemnizacin sancionatoria debera ser atribuido al leseado y a un fondo pblico, pero el
montante dependera del caso concreto.
8
SUMRIO
INTRODUO ...................................................................................................................... 09
1 RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................................................... 12
1.1 CONCEITO E CLASSIFICAO .................................................................................... 12
1.2 REQUISITOS ..................................................................................................................... 15
1.2.1 Dano ................................................................................................................................ 17
1.2.2 Nexo causal ..................................................................................................................... 27
1.2.3 Culpa ............................................................................................................................... 29
2 ESTUDO COMPARATIVO DA INDENIZAO PUNITIVA ..................................... 32
2.1 ASPECTOS HISTRICOS ................................................................................................ 32
2.2 CONCEITO, NATUREZA E OBJETIVO ......................................................................... 34
2.3 A EXPERINCIA NORTE-AMERICANA ...................................................................... 36
2.4 OUTROS PASES DO COMMON LAW ........................................................................... 74
2.5 ALGUNS PASES DO SISTEMA ROMANO-GERMNICO ........................................ 79
3 LIMITES INDENIZAO PUNITIVA ....................................................................... 91
3.1 LIMITES RESPONSABILIDADE CIVIL .................................................................... 91
3.2 LIMITES INDENIZAO PUNITIVA ...................................................................... 103
CONCLUSO ....................................................................................................................... 115
REFERNCIAS ................................................................................................................... 118
9
INTRODUO
A reparao civil no Brasil uma garantia fundamental, conforme o art. 5, incisos V e
X, da Constituio Federal de 19881. Como regra, o Cdigo Civil prev que a
responsabilidade civil privada no Brasil subjetiva, ou seja, depende da comprovao de
culpa do ofensor para que seja imposta.
Por outro lado, a responsabilidade civil pblica, que inclui o Estado e as empresas que
o representarem, tambm prevista no texto constitucional em seu art. 37, 62, de carter
objetivo, isto , independe de culpa, mas assegurado o direito de regresso.
O Brasil segue o princpio da reparao integral, pelo qual se busca reparar a vtima
dos prejuzos sofridos. Entretanto, somente aqueles efetivamente comprovados e, dependendo
do caso, os lucros cessantes, ou o que a vtima deixou de ganhar em razo do incidente. No
se admite a aplicao de indenizao punitiva ou preventiva em nosso ordenamento jurdico.
Contudo, existem projetos de lei com o intuito de positivar o que a jurisprudncia vem
aplicando veladamente, em especial nos casos envolvendo danos morais, como ser
observado no Captulo I da presente tese.
De forma geral, os pases que seguem o sistema do common law aplicam os punitive
damages em contraste com os pases do sistema romano-germnico que, em sua maioria, no
aplicam tal instituto, pelo menos expressamente.
Para entender os motivos que levam pases como os Estados Unidos, Inglaterra,
Canad, entre outros, a admitirem tal instituto h tantos anos e de que forma so aplicados em
seu cotidiano, bem como a viabilidade de admiti-lo nacionalmente, que se debruou sobre o
assunto. Todavia, cumpre notar que a aplicao da indenizao punitiva apenas uma entre
muitas outras diferenas que existem entre os sistemas do common law e civil law.
De incio, as principais diferenas entre o sistema romano-germnico e o common law
so: a fonte do direito, o papel do juiz e a prpria natureza do processo civil.
No common law, a fonte primria de direito o precedente judicial, segundo a teoria
stare decisis3. Embora as leis tambm sejam consideradas fontes de direito, tais diplomas,
1 Art. 5: [...] V assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, alm da indenizao por dano
material, moral ou imagem; [...] X so inviolveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenizao pelo dano material ou moral decorrente de sua violao. 2 Art. 37. [...] 6 As pessoas jurdicas de direito pblico e as de direito privado prestadoras de servios
pblicos respondero pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito
de regresso contra o responsvel nos casos de dolo ou culpa.
10
diferentemente do sistema romano germnico, trazem somente os princpios e no regras
minuciosas, enquanto no civil law a fonte primria a legislao codificada4.
Um juiz do sistema romano-germnico necessariamente aplica a lei ao caso concreto,
devendo citar pelo menos uma previso legal que tenha servido como base para sua deciso e,
dependendo da jurisdio, a deciso pode se tornar obrigatria para casos futuros, como o
caso da smula vinculante prevista na Constituio Federal brasileira.
A natureza do processo civil tambm distinta, pois, ao invs do julgamento por um
jri como realizado, em regra, no common law, no civil law, em regra, os julgamentos so
feitos pelos juzes aps diversas audincias. Ademais, a prova documental tem maior peso que
a testemunhal tem para o common law.
Ainda em relao s diferenas entre os dois sistemas, cumpre notar que a
terminologia tambm uma delas. No civil law, no existe equivalente ao termo tort utilizado
no common law.
O civil law classifica o direito como pblico ou privado. O direito das obrigaes
integra o direito privado. Em sentido estrito, o termo obrigao produz certos direitos e
deveres. Entretanto, o termo era originalmente usado para denotar a completa relao entre as
partes. De acordo com o direito romano, as obrigaes consistem em contratos, quase-
contratos, delitos ou quase-delitos.
Delitos ou quase-delitos so o paralelo do civil law aos torts do common law. O
delito seria um ato ilegal ou ilcito cometido com a inteno de prejudicar, correspondendo ao
intentional tort do regime do common law. Quase-delito seria um ato ilegal e ilcito cometido
sem a inteno de prejudicar, que corresponderia a um ato de negligncia para o common law.
Se a leso for cometida por culpa (intencional ou negligente) do ofensor, ele dever reparar o
prejuzo.
Alm disso, a terminologia punitive damages, muitas vezes traduzida para o portugus
como danos punitivos, no reflete exatamente o seu significado. Isso porque o termo em
ingls damages5 quer dizer indenizao ou a reparao efetivamente concedida e no danos,
como se costuma livremente traduzir para o portugus.
3 Policy of courts to stand by precedent and not to disturb settled point. Doctrine that when court has once laid
down a principle of law as applicable to a certain state of facts, it will adhere to that principle, and apply it to all
future cases, where facts are substantially the same; regardless of whether the parties and property are the same. (BLACK, H. C. et al. Blacks law dictionary: definitions of the terms and phrases of American and English jurisprudence, ancient and modern. 6
th ed. West, 1991, p. 978).
4 SCHLUETER, L. L. Punitive damages. 6th ed. 2010, p. 949-950.
5 BLACK, H. C. et al. Blacks law dictionary: definitions of the terms and phrases of American and English
jurisprudence, ancient and modern. 6th
ed. West, 1991, p. 270.
11
Assim, na presente tese prefere-se utilizar o termo indenizao punitiva, em vez de
danos punitivos. Embora, para evitar tantas repeties, a ltima expresso tambm poder
ser utilizada, com a referida ressalva.
O objetivo aqui contribuir para a reflexo do tema, a partir de um estudo da atual
aplicao da indenizao punitiva nos pases em que ela admitida. preciso rever nossos
conceitos, mas sem romp-los totalmente, buscando aprender com erros daqueles que
possuem experincia na matria, a fim de impedir os efeitos nocivos do instituto, como a
securitizao excessiva, como ocorre nos EUA, por exemplo, bem como o aumento dos
custos para o consumidor, que no caso do Brasil j sobrecarregado pelos impostos aqui
cobrados.
Entende-se que a dificuldade em comprovar a culpa e o dolo muitas vezes impede que
as vtimas de um dano sejam verdadeiramente satisfeitas. Por essa razo, acredita-se que, para
o clculo do valor indenizatrio, mais do que a inteno deve ser considerada a conduta do
ofensor em relao ao dano, o seu patrimnio e o lucro obtido com a ofensa.
O argumento do enriquecimento ilcito para vedar a indenizao punitiva no deve
prosperar, pois, segundo o princpio da equidade, deve-se buscar a justia e o equilbrio entre
as partes. Defende-se que a responsabilidade civil, alm das funes reparatria ou
compensatria como prev a legislao ptria, deveria ter um escopo preventivo e punitivo6,
uma vez que a sano civil punitiva, ao lado da penal e administrativa, no ofende as
garantias constitucionais. Pelo contrrio, seria mais um instrumento eficaz de satisfazer o
lesado e, ao mesmo tempo, impedir que o ofensor volte a cometer o mesmo dano.
No se pretende simplesmente importar a indenizao punitiva do sistema anglo-
saxnico para o nosso ordenamento jurdico, porm desenvolver um modelo de
responsabilidade civil punitiva e preventiva que funcione para a nossa realidade, a partir do
estudo comparativo.
Nesse sentido, acredita-se que, para que a indenizao punitiva seja vivel no contexto
brasileiro, deveria haver limites. No se trata de tarifao do dano, mas de critrios objetivos e
subjetivos para a sua avaliao e fixao de uma indenizao justa e motivada.
Limites utilizados pela teoria geral da responsabilidade civil, bem como a
possibilidade de dividir a indenizao entre o lesado e um fundo criado com o fim especfico
de prevenir futuras condutas lesivas da mesma natureza, seriam alguns instrumentos que
poderiam auxiliar no desenvolvimento do instituto em nosso pas.
6 Nesse sentido, o Projeto de Lei do Senado n 413/2007 acrescenta pargrafo ao art. 944 do Cdigo Civil, para
incluir a previso das funes compensatria, preventiva e punitiva da indenizao por responsabilidade civil.
12
1 RESPONSABILIDADE CIVIL
1.1 CONCEITO E CLASSIFICAO
Responsabilidade a obrigao de responder pelas aes prprias ou de terceiros7.
Afeta a quase todos os domnios da vida social, no sendo qualidade exclusiva da vida
jurdica, pois toda atividade humana traz em si a questo da responsabilidade.
No universo jurdico, a responsabilidade tem origem no latim spondeo, obrigao de
natureza contratual pela qual se vinculava o devedor ao credor nos contratos verbais desde o
direito romano8.
A responsabilidade possui grande relevncia, especialmente para aspectos jurdicos, j
que o desejo de justia da natureza humana e desde a antiguidade h registros da tentativa de
se determinar uma vingana privada9.
De maneira geral, a responsabilidade jurdica pode ser classificada como
responsabilidade criminal, tributria, administrativa, trabalhista e civil.
A responsabilidade civil definida como um conjunto de regras que obrigam o autor
de um dano causado a outrem a reparar o prejuzo oferecendo vtima uma compensao10
.
Em outras palavras, responsabilidade civil a obrigao de indenizar pelo fato danoso11
.
Quanto sua origem, desde o Direito Romano classifica-se a responsabilidade civil
como contratual e extracontratual12
.
Para parte da doutrina, a responsabilidade contratual seria o dever de indenizar o dano
causado decorrente do inadimplemento de obrigao negocial, enquanto que a
responsabilidade extracontratual corresponde obrigao de indenizar o dano causado
surgido da leso a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vtima preexista qualquer
7 HOUAISS, A.; VILLAR, M. de S. Dicionrio Houaiss da lngua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001,
p. 2.440. 8 DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 2.
9 LIMONGI FRANA, R. Enciclopdia Saraiva de direito. So Paulo: Saraiva, 1977, v. 72, p. 39.
10 VINEY, G. Trait de droit civil: introduction la responsabilit. 3. ed. Paris: LGDJ, 2007, p. 1.
11 A obrigao de indenizar decorre da lei e o fato danoso que gera essa obrigao se configura como ato ilcito.
(GOMES, O. Obrigaes. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 255). 12
AZEVEDO, . V. Teoria geral das obrigaes e responsabilidade civil. 11. ed. So Paulo: Atlas, 2008, p.
244.
13
relao jurdica13
. Referido posicionamento ser chamado na presente tese de classificao
ampla da responsabilidade civil.
Para essa classificao, embora nas duas espcies de responsabilidade a lei imponha
ao autor do dano a obrigao de indenizar, diferem-se quanto ao fundamento, razo de ser,
ao nus da prova, entre outros14
.
Por outro lado, h entendimento que a responsabilidade civil seria o dever de indenizar
no decorrente de inadimplemento contratual, dividindo-a como contratual ou extracontratual
apenas por existir ou no uma relao contratual prvia entre as partes15
. Ilustrativamente, o
erro profissional se enquadraria na responsabilidade civil contratual e o acidente de trnsito na
responsabilidade civil extracontratual. Tal entendimento ser tratado como classificao
restrita da responsabilidade civil.
H, ainda, quem defenda que a responsabilidade contratual em paralelo com a
responsabilidade extracontratual est sujeita aos mesmos extremos desta: a contrariedade
norma, o dano, a relao de causalidade entre uma e outra. Ontologicamente, portanto, as duas
modalidades confundem-se e se identificam nos seus efeitos16.
Para referida corrente monista existe uma simbiose entre os dois tipos de
responsabilidade, pois as regras legais aplicveis responsabilidade contratual tambm seriam
aplicveis responsabilidade extracontratual17
.
A teoria monista igualmente pode ser encontrada em parte da jurisprudncia, como o
caso do Superior Tribunal de Justia que considerou em alguns acrdos isolados que o prazo
prescricional para a indenizao contratual seria de trs anos, equiparando o descumprimento
contratual a um ato ilcito, denominando-o ilcito contratual18
.
Em contraste, a teoria dualista at hoje vem sendo acolhida pelo sistema legal dos
pases em geral, inclusive o Brasil, que prev no Cdigo Civil captulos separados para
inadimplemento das obrigaes (art. 389 a 420) e a responsabilidade civil (art. 927 a 954).
O Cdigo Civil francs prev em seus arts. 1.146 a 1.155 a responsabilidade civil
contratual, chamada Des dommages et intrts rsultant de l'inexcution de l'obligation (dos
danos e interesses resultantes da inexecuo da obrigao), ao passo que nos arts. 1.382 a
13
GOMES, O. Obrigaes. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 278. 14
Quem, voluntariamente, no cumpre obrigao oriunda de contrato, infringe, de modo evidente, a norma que impe o adimplemento sob certas penas, inclusive a de indenizar o credor pelo dano causado, mas essa infrao
no ato ilcito stricto sensu. (GOMES, O. Obrigaes. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 257). 15
COELHO, F.U. Curso de Direito Civil: obrigaes; responsabilidade civil, volume 2. 3.ed. So Paulo: Saraiva,
2009, p.253. 16
PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 247. 17
CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9.ed. So Paulo: Atlas, 2010, p.16. 18
Por exemplo: Resp 822.914-RS e AgRg no AI 1.085.156-RJ.
14
1.386, traz a responsabilidade civil extracontratual, no captulo chamado Des dlits et des
quasi-dlits (dos delitos ou quase-delitos)19
.
Da mesma forma, o Cdigo Civil italiano tambm adota o modelo dualista, pois
dispe em seus arts. 1.218 a 1.229 o dever de indenizar decorrente de obrigao contratual e
nos arts. 2.043 e 2.059 a obrigao de indenizar por ato ilcito20
.
O Cdigo Civil portugus igualmente apresenta a referida diviso. Os arts. 483 a 510
dispem sobre a responsabilidade por fatos ilcitos. Porm, o no cumprimento das obrigaes
est prevista nos arts. 790 a 836.
Para confirmar tal posicionamento dualista no contexto brasileiro, destaca-se a questo
da responsabilidade solidria. Como regra geral, existe solidariedade na responsabilidade
civil, conforme se extrai do art. 942, caput e pargrafo nico do Cdigo Civil. Por outro lado,
na relao contratual a solidariedade no se presume, pois decorre da lei ou da vontade das
partes, como disposto no art. 265 da mesma lei.
A contagem dos juros de mora tambm tem tratamento diferenciado no Cdigo Civil,
pois em relao responsabilidade contratual o incio a partir da citao do incio
processual, nos termos do art. 405, porm, quanto responsabilidade civil, a contagem se
inicia a partir da prtica do ato danoso, como previsto no art. 398.
Ademais, o Cdigo Civil distingue o prazo prescricional do pedido de indenizao
contratual (dez anos), conforme a regra geral do art. 205, em relao ao da reparao civil
(trs anos), nos termos do art. 206, 3, V.
Por sua vez, a quebra de contrato d origem ao pedido de perdas e danos, juros e
atualizao monetria21
, a fim de que seja reestabelecido o equilbrio entre as partes.
Nos contratos deve prevalecer a autonomia da vontade tanto na contratao quanto no
seu cumprimento, existindo uma relao de confiana e visando ao equilbrio entre as partes,
sendo esses seus princpios basilares.
A natureza da obrigao tambm distinta porque, na responsabilidade civil, existe
um dever legalmente imposto a toda a sociedade, enquanto nos contratos a obrigao
existente vincula somente as partes especficas. Portanto, em caso de descumprimento o grau
de repreenso menor, porque no precisa servir de exemplo para todos.
Alm disso, o clculo da indenizao por quebra contratual considera os prprios
termos do contrato, no incluindo matrias intangveis, enquanto na responsabilidade civil,
19
www.legifrance.gouv.fr (ltimo acesso em: 25 maio 2011). 20
http://www.jus.unitn.it/cardozo/obiter_dictum/codciv/Lib4.htm (ltimo acesso em: 25 maio 2011). 21
Art. 389, CC.
15
alm do dano efetivo, tem que ser observada a dor, a angstia ou o sofrimento da vtima para
se chegar a um valor justo.
Com todo respeito ao entendimento contrrio, at porque no h classificao certa ou
errada, acredita-se que atualmente a diviso da responsabilidade civil em contratual ou
extracontratual (classificao ampla ou restrita) tem pouca importncia prtica, vez que no
sistema legal brasileiro o inadimplemento contratual e a responsabilidade civil possuem regras
prprias e distintas.
1.2 REQUISITOS
Tradicionalmente, os pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil so a culpa,
o dano e o nexo de causalidade entre eles22
.
Entretanto, dos requisitos necessrios para a caracterizao da responsabilidade civil,
sem dvida, o dano exerce papel mais importante, sendo considerado um pressuposto
essencial23
. Por outro lado, a conduta culposa, que j ocupou um papel fundamental para a
responsabilidade civil, mostra-se cada vez mais dispensvel diante das mudanas de ponto de
vista quanto responsabilizao.
Assim, pode-se afirmar que os requisitos essenciais so o dano e o nexo de
causalidade. A culpa requisito acidental, ou seja, somente necessrio nos casos de
responsabilidade subjetiva.
O Cdigo Civil de 2002 apontou importante diferena em relao ao seu antecessor,
isso porque o Cdigo de 1916 previa em seu art. 159 que aquele que, por ao ou omisso
voluntria, negligncia, ou imprudncia, violar direito, ou causar prejuzo a outrem fica
obrigado a reparar o dano.
Pela literalidade de tal previso poder-se-ia interpretar que havia a possibilidade de
reparao do dano pela simples violao de direito, nos termos do art. 159, ou seja, bastando a
conduta.
22
ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 178. 23
Como j ensinava Agostinho Alvim, o primeiro requisito ou pressuposto do dever de indenizar o dano (ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 180).
16
Por outro lado, o Cdigo de 2002 alterou a estrutura do ato ilcito, que passou a ser a
soma da leso a um direito e o cometimento de um dano24
, dispondo em seu art. 186 que
aquele que, por ao ou omisso voluntria, negligncia ou imprudncia violar direito e
causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilcito.
O art. 187 do mesmo Cdigo traz ainda a figura do abuso de direito como hiptese de
ato ilcito equiparado, pois prev que tambm comete ato ilcito o titular de um direito que ao
exerc-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econmico ou social, pela
boa-f ou pelos bons costumes.
Ato ilcito a ao, ou a omisso culposa, pela qual, lesando algum direito absoluto
de outrem ou determinados interesses especialmente protegidos, fica obrigado a reparar o
dano causado. (...) um comportamento antijurdico de efeitos previstos em lei, uma reao da
ordem jurdica contra os que violam normas de tutela de direitos existentes
independentemente de qualquer relao jurdica anteriormente existente entre o agente e a
vtima.25
De acordo com Caio Mario Pereira da Silva, ato ilcito importa na violao do
ordenamento jurdico26, e no mesmo sentido entende Sergio Cavalieri Filho que ato ilcito
o ato voluntrio e consciente do ser humano que transgride um dever jurdico27.
Embora o conceito doutrinrio de ato ilcito no tenha mudado28
, para efeito de
responsabilidade civil a nova codificao deixa claro que a obrigao de indenizar somente
ocorrer se houver ato ilcito ou fato jurdico mais dano, como se observa do art. 927 (caput e
pargrafo nico), que remete aos arts. 186 e 187 do Cdigo Civil de 2002.
Logo, o dano um dos elementos essenciais da responsabilidade civil, sem o qual no
h obrigao de reparao, porque nem sempre que se viola ou excede um direito existe um
dano efetivo.
Nesse aspecto, a responsabilidade civil distingue-se da responsabilidade penal, pois
possvel a caracterizao de um crime sem prejuzo efetivo, pelo simples ato ilcito, como o
caso dos crimes de mera conduta, porm a responsabilidade civil depende de um prejuzo
material ou imaterial.
24
TARTUCE, F. Direito civil. v. 2. Direito das obrigaes e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense/So Paulo: Mtodo, 2010, p. 320-323. 25
GOMES, O. Obrigaes. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 257. 26
PEREIRA, C. M. da S. Instituies de direito civil. 19. ed. So Paulo: Saraiva, 2001, v. 1, p. 416. 27
CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 22. 28
Fernando de Sandy Lopes Pessoa Jorge entende que ato ilcito algo de contrrio ao direito e antijuridicidade
tudo aquilo que no deve ser (JORGE, F. de S. L. P. Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil.
Coimbra: Almedina, 1995, p. 61-128).
17
1.2.1 Dano
Dano a leso a um bem jurdico de natureza patrimonial ou no. Dano material
aquele praticado contra bens fsicos, tangveis, sendo por essa razo mais fcil a sua
avaliao. Por outro lado, dano no patrimonial aquele que atinge bens intangveis, como no
caso das leses personalidade ou liberdade, sendo, por essa razo, chamado de dano moral
ou imaterial, conforme sua natureza29
.
Jos Aguiar Dias entende que a distino entre dano patrimonial e dano moral no
decorre da natureza do direito, mas do efeito da leso, ou seja, da sua repercusso sobre o
lesado30
.
Destaca-se que o Cdigo Civil de 2002 consagrou a possibilidade do dano moral puro,
em seu art. 186. Tal disposio no representou novidade em nosso ordenamento jurdico,
pois j havia previso expressa na Constituio Federal de 1988, no art. 5, V e X, mas de
qualquer maneira foi importante a meno expressa, pois manteve coerncia com o texto
constitucional no sentido de valorizar a dignidade humana e os direitos personalssimos, ao
passo que o Cdigo de 1916 era essencialmente patrimonialista.
O dano um pressuposto objetivo do dever de indenizar, isto , no se pode reparar o
dano eventual ou hipottico31
. Dessa forma, necessrio prov-lo, principalmente o dano
material.
Em alguns casos, o dano pode ser presumido ou in re ipsa como, por exemplo, o dano
moral pela morte de um ascendente32
ou descendente ou ainda pela inscrio de pessoa idnea
em cadastro de inadimplente33
.
29
CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 73. 30
DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 729. 31
Para ilustrar o assunto veja-se, por exemplo, a ementa do julgado do TJMG, a seguir: AC 18015 MS
2005.018015, Relator Des. Rubens Bergonzi Bossay, 3 Turma Cvel, julgado em 30/01/06 - Embora tenha restado comprovada a culpa dos advogados na produo do evento danoso, visto que agiram negligentemente na
prestao do servio, no podem ser condenados ao pagamento de indenizao por danos materiais, uma vez
que, por no ter a ao sido julgada pelo Poder Judicirio, fica impossibilitada a aferio da extenso do dano. A
indenizao por danos materiais decorre do efetivo prejuzo, e no do dano hipottico, sendo indispensvel
a demonstrao do quantitativo do dano para que ocorra o dever de ressarcimento (grifo nosso). 32
Da jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia veja-se julgado que enfrentou a questo do dano moral
presumido pela morte de ascendente: presumvel a ocorrncia de dano moral aos filhos pelo falecimento de seus pais (REsp n. 330.288/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Jnior, DJU de 26/08/2002). 33
STJ AgRg no REsp 992422 DF 2006/0258768-2, Rel Min. Vasco Della Giustina (desembargador convidado
do TJRS), 3 Turma, julgado em 05/04/2011, DJe 14/04/2011.
18
A prova do dano inclui a existncia e a sua extenso para efeito do clculo do valor
indenizatrio, nos termos do art. 944 do Cdigo Civil.
Nosso ordenamento jurdico segue o princpio da reparao integral dos danos, que
tem a sua origem no restitutio in integrum do Direito Romano, pelo qual a vtima do evento
danoso tem direito a uma indenizao por todos os prejuzos sofridos.
Considera-se dano indenizvel aquele positivado, ou seja, o dano efetivo e o lucro
cessante34
. Interessante notar que, em relao ao lucro cessante, no basta a mera
possibilidade, mas tambm no necessria a certeza absoluta35
, diferentemente do que
ocorre em relao ao dano emergente, que no pode ser futuro, eventual ou hipottico como
acima mencionado.
Em relao aos critrios para se aferir os lucros cessantes, o legislador brasileiro no
trouxe grande alterao ao que j existia no Cdigo de 1916 e manteve que as perdas e danos
incluem o que razoavelmente se deixou de lucrar, de acordo com o art. 402 do Cdigo de
2002.
A ttulo de comparao, como observado por Agostinho Alvim, o Cdigo Civil alemo
mais detalhista que a nossa lei, pois define lucros cessantes como aqueles que poderiam ser
esperados no curso normal dos acontecimentos ou em razo de circunstncias especficas do
caso concreto, particularmente devidas a medidas e precaues tomadas36.
Conforme demonstrado anteriormente, os dispositivos legais no trazem requisitos
objetivos. Assim, o magistrado precisa tomar especial cuidado quando da avaliao dos lucros
cessantes, pois pode dar margem a mais indagaes que o prejuzo efetivo. Para evitar
maiores transtornos, os lucros cessantes devem ser considerados a partir de uma probabilidade
objetiva observando o caso concreto37
.
Ao mesmo tempo em que nosso ordenamento obedece ao princpio da reparao
integral visando a restituir o lesado ao status quo ante, geralmente por meio de pagamento em
espcie, veda-se o enriquecimento sem causa, devendo, portanto, ser observado o princpio da
equidade, ou seja, do justo equilbrio entre a leso e a reparao38
.
34
Nos termos do art. 403 do Cdigo Civil, o clculo da indenizao deve levar em conta os danos diretos e
imediatos. 35
DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 720. 36
Traduzido livremente com base no texto original do Brgerliches Gesetzbuch (BGB): 252 Entgangener
Gewinn. Der zu ersetzende Schaden umfasst auch den entgangenen Gewinn. Als entgangen gilt der Gewinn,
welcher nach dem gewhnlichen Lauf der Dinge oder nach den besonderen Umstnden, insbesondere nach den
getroffenen Anstalten und Vorkehrungen, mit Wahrscheinlichkeit erwartet werden konnte (Disponvel em:
, ltimo acesso em: 5 jul. 2011). 37
ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 189. 38
Neste sentido, DIAS, J. de A. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 725; DINIZ, M. H.
Manual de direito civil. So Paulo: Saraiva, 2011, p. 293; entre outros.
19
O Cdigo Civil traz em seus arts. 948 a 954 os parmetros a serem considerados para
o clculo da indenizao em caso de homicdio, leso sade, que resulte em inabilitao
para o trabalho, entre outros casos.
Alm disso, referida lei prev a possibilidade de reduo equitativa da indenizao se
houver excessiva desproporo entre a gravidade da culpa e o dano ou, ainda, se a parte que
sofreu o dano concorreu para o resultado.
A. Dano moral
Ainda sobre o desenvolvimento da noo de dano, pode-se dizer que a primeira etapa
ocorreu com a proteo dos danos morais, alm dos patrimoniais39
. Isso se deve valorizao
da dignidade humana e dos direitos personalssimos pela sociedade, movimento que no Brasil
ganhou fora com a Constituio de 1988. Passou-se a entender que, embora no fosse
possvel atribuir um preo para a leso moral, tambm no seria justo deix-la sem amparo
legal.
Entretanto, diferentemente do dano patrimonial, que segue o princpio da reparao
integral do prejuzo por meio de pagamento dos danos emergentes e do lucro cessante, quanto
ao dano moral no seria possvel reparar a leso, mas apenas compensar, seguindo, assim, o
princpio da satisfao ou da compensao que visa atenuar o sofrimento da vtima, j que no
existe preo para a dor40.
Outra dificuldade existiu sobre a possibilidade de haver dano moral para pessoa
jurdica porque, em princpio, entendia-se que dano moral seria dor, humilhao ou vexame,
isto , leso dignidade humana.
Todavia, possvel considerar o dano moral em dois sentidos, um amplo e o estrito.
Em sentido amplo, dano moral a violao dos direitos da personalidade, que pode ser
individual ou social e, em sentido estrito, a violao do direito dignidade.
Alm disso, atualmente entende-se que a honra tambm dividida em honra objetiva
e subjetiva, pela qual a objetiva seria a reputao ou externa, para terceiros, que pode existir
tanto para a pessoa natural como para a pessoa jurdica41
. Por outro lado, a honra subjetiva
39
Segundo Agostinho Alvim, o conceito clssico de dano era simplesmente a diminuio do patrimnio
(ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 170). 40
Inicialmente a indenizao do dano moral era considerada como pena ou espcie de pena privada e poderia
gerar um enriquecimento injustificado (Ver: ALVIM, 1965, p. 181; CAVALIERI FILHO, 2010, p. 85). 41
EMENTA: CIVIL. INDENIZAO. DANO MORAL. PESSOA JURDICA. CALNIA E INJRIA.
HONRA OBJETIVA. OFENSA NO DEMONSTRADA. RECURSO DESACOLHIDO. I A evoluo
20
seria interna, aquilo que pensamos sobre ns mesmos, chamada de autoestima, sendo apenas
possvel para as pessoas naturais.
Como visto, o dano moral encontrou diversos obstculos em seu caminho. Em uma
primeira fase era considerado irreparvel, depois foi tido como incalculvel, num terceiro
momento, somente era aplicvel s pessoas fsicas e hoje em dia, teme-se pela sua
industrializao.
Felizmente, observa-se dos julgados realizados pelo nosso Poder Judicirio de maneira
geral o critrio da razoabilidade, pois existem muitas decises em que o dano moral s
concedido para casos em que a leso evidente e no para meros aborrecimentos do dia a dia,
em que muitos pleiteiam ofensa moral42
, evitando assim a indstria do dano moral.
Acredita-se que a maior dificuldade existente ainda sobre o assunto no seja a sua
caracterizao nem mesmo sua prova, pois nesse sentido entende-se que o dano moral est
inserido na prpria ofensa, ou seja, provada a ofensa caracterizado est o dano e em alguns
casos, como acima exposto, se aceita at o dano presumido.
Todavia, a questo do quantum se apresenta como um desafio para os magistrados.
Por no haver previso legal expressa de critrios ou valores a serem atribudos a ttulo de
danos morais, at porque expressamente proibido o tabelamento ou sua tarifao, conforme
Smula 281 do Superior Tribunal de Justia43
, a liquidao do dano moral faz-se por meio de
arbitramento e, para tanto, so utilizados critrios subjetivos, sendo alguns parmetros
encontrados na jurisprudncia, conforme entendimento do prprio STJ.
Os principais critrios avaliados so o grau de culpa, as condies pessoais e
econmicas das partes e as peculiaridades do caso concreto44
. Alm disso, as decises devem
seguir os princpios da razoabilidade e proporcionalidade para chegar ao valor da indenizao.
Outro ponto que merece destaque, especialmente por ser objeto do presente estudo, a
questo da funo punitiva dos danos morais.
do pensamento jurdico, no qual convergiram jurisprudncia e doutrina, veio a afirmar, inclusive nesta Corte,
onde o entendimento tem sido unnime, que a pessoa jurdica pode ser vtima tambm de danos morais,
considerados estes como violadores da sua honra objetiva, isto , sua reputao junto a terceiros. II No caso, no entanto, inocorreu ofensa honra objetiva da empresa. III A aferio da ofensa honra da scia recorrente importaria em reexame de matria ftica, o que vedado pela smula da Corte, verbete n 7 (grifo nosso STJ REsp 223404 4 Turma Rel. Min. SLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA Julgamento: 14/09/1999). 42
"O mero dissabor no pode ser alado ao patamar do dano moral, mas somente aquela agresso que exacerba a
naturalidade dos fatos da vida, causando fundadas aflies ou angstias no esprito de quem ela se dirige"
(AgRgREsp n 403.919/RO, Quarta Turma, Relator o Ministro Slvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 23/6/03).
No mesmo sentido: STJ REsp 628.854/ES, Rel. Ministro Castro Filho; REsp n 747.396/DF, Quarta Turma,
Relator Min. Fernando Gonalves, DJ 09/03/10. 43
A indenizao por dano moral no est sujeita tarifao prevista na Lei de Imprensa. 44
STJ REsp 210.101/PR; REsp 389.879/MG, Rel. Min. Slvio de Figueiredo Teixeira; REsp 913.131/BA.
21
Alguns autores, como Sergio Cavalieri Filho45
e Andr Gustavo Corra de Andrade46
,
e parte da jurisprudncia47
, entendem que, alm da funo compensatria, a indenizao por
danos morais teria tambm o objetivo de punir o ofensor para que ele no volte mais a praticar
o dano.
Entretanto, analisando as decises do nosso Superior Tribunal de Justia possvel
encontrar decises afirmando que os punitive damages no so aplicveis no Brasil com o
fundamento de que nosso ordenamento jurdico probe o enriquecimento sem causa, conforme
o art. 884 do Cdigo Civil48
.
Em outras palavras, se o juiz proferir uma deciso cujo valor da indenizao esteja
acima do que seria suficiente para compensar o dano moral, tal valor a maior serviria como
punio ao ofensor e enriquecimento ilcito vtima, o que seria proibido pelo nosso
ordenamento ptrio.
Por outro lado, possvel encontrar decises da mesma Corte em que se admite o
carter punitivo dos danos morais, especialmente quando o lesado pede reviso do quantum
indenizatrio49
.
Logo, no h unanimidade acerca da natureza jurdica da indenizao por danos
morais no pas, sendo possvel encontrar trs correntes doutrinrias e jurisprudenciais: (i) a
primeira delas defende que a indenizao por danos morais possui carter meramente
compensatrio; (ii) a segunda tese, desenvolvida por Carlos Alberto Bittar50, trata da teoria
do desestmulo e tem forte influncia do conceito de punitive damages, entendendo que a
45
CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 85, 99 e 102. 46
Danos Morais e Funo Punitiva. Dissertao de Mestrado apresentada perante a Universidade Estcio de S
em 2003 (Disponvel em:
22
indenizao tem intuito punitivo ou disciplinador51
; (iii) por fim, a ltima tese, que prevalece
na jurisprudncia nacional52
, considera que a indenizao por dano moral possui como funo
principal a compensatria e acessoriamente a pedaggica53
.
Nesse sentido, cumpre observar que tramita perante o Congresso Nacional desde 2007
um projeto de lei apresentado pelo Senador Renato Casagrande (Projeto de Lei do Senado n
413/2007), em que se pretende acrescentar ao art. 944 do Cdigo Civil um pargrafo
prevendo expressamente as funes da indenizao, quais sejam, compensatria, educativa e
punitiva54
.
Referido projeto, caso seja aprovado, vem esclarecer a contradio existente nas
decises proferidas pelo nosso Superior Tribunal de Justia que, embora afirme em suas
manifestaes que os punitive damages no so um instituto legalmente aceito no Brasil, ao
mesmo tempo, profere acrdos alegando o carter punitivo dos danos morais quando da
determinao do quantum ressarcitrio.
Tais contradies demonstram o quanto difcil estabelecer parmetros para se chegar
a um valor a ttulo de danos morais, at porque o magistrado pode chegar ao mesmo resultado
sob o fundamento de compensar o sofrimento da vtima, quando, na verdade, considerou em
sua deciso uma punio ao ofensor, sem que isso fique claro.
Portanto, seria mais honesto por parte da sociedade admitir que o carter punitivo das
indenizaes por danos morais existe e deveria ser destacado do valor da indenizao, como
ocorre em pases que admitem a indenizao sancionatria. At porque uma indenizao por
dano moral em que o valor indenizatrio no represente efetivamente uma condenao ao
ofensor, levando em considerao o caso concreto, serviria de estmulo irresponsabilidade e
impunidade.
Recentemente, outro projeto de lei foi apresentado perante a Cmara dos Deputados,
pelo deputado Federal Walter Tosta, Projeto de Lei n 523/2011, pelo qual conceitua o dano
51
STF, AI 455. 846, Rel. Min. Celso Mello, Informativo 364; STJ, REsp 604.801/RS, Min. Eliana Calmon,
Segunda Turma, DJ 07/03/2005; TJ/SP, 5 Cmara Cvel, Apelao Cvel n 2012.003545-7. Na mesma direo
o entendimento doutrinrio apontado pelo Conselho Federal de Justia, na IV Jornada de Direito Civil,
Enunciado 379: O art. 944, caput, do Cdigo Civil no afasta a possibilidade de se reconhecer a funo punitiva ou pedaggica da responsabilidade civil. Alm de autores como Caio Mario (Responsabilidade civil, p. 315-316); Andr Gustavo Corra de Andrade (Dano moral e a indenizao punitiva); Srgio Cavalieri Filho
(Programa de responsabilidade civil, p. 98-100); Maria Helena Diniz (O problema da liquidao do dano moral
e o dos critrios para a fixao do quantum indenizatrio. Atualidades Jurdicas 2. So Paulo: Saraiva, 2000, p. 237-272). 52
STJ, REsp 665.425/AM, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 06/05/2005, p. 348. 53
TARTUCE, F. Direito civil. v. 2. Direito das obrigaes e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense/So Paulo: Mtodo, 2010, p. 410. 54
PLS 413/2007: Acrescenta pargrafo ao art. 944 da Lei n 10.406, de 2002 Cdigo Civil, para incluir a previso das funes compensatria, educativa e punitiva da indenizao por danos morais.
23
moral, enumera as hipteses suscetveis indenizao, esclarece os critrios para o
arbitramento do seu valor e, por fim, estabelece um limite para a indenizao, que seria de 10
a 500 salrios mnimos, exceto para aes coletivas ou com efeitos erga omnes, em que no
haveria limite55
.
Entre as justificativas do projeto esto: a lacuna existente em nosso ordenamento
jurdico sobre o assunto e a previso de forma genrica trazida pelos arts. 186 a 187 do
Cdigo Civil.
Ressalte-se que referido Projeto de Lei admite que o valor buscado da indenizao
deva atender s finalidades compensatrias, punitiva e preventiva ou pedaggica, alegando
que tais finalidades so h muito reivindicadas pelos juristas brasileiros.
Embora o Projeto tenha um aspecto positivo, como a meno expressa honra
subjetiva da pessoa jurdica, necessrio se faz apontar algumas crticas, por exemplo, o fato de
as hipteses que caracterizariam o dano moral serem aparentemente exaustivas e o limite
estabelecido para as indenizaes.
Vale lembrar que as previses trazidas de forma genrica pelo Cdigo Civil so a
essncia do sistema aberto adotado pelo nosso diploma legal, conforme idealizado por Miguel
Reale, o que torna nossa lei cvel sempre atual e de acordo com os anseios da sociedade.
Assim, disposies trazidas de maneira restritiva no permitiriam encaixar novos prejuzos
que surgirem pela natural evoluo do ser humano diante do meio social.
Alm disso, estabelecer um teto para a indenizao tambm perigoso, pois como
bem ressaltou o Deputado, dependendo do poder econmico da pessoa fsica ou jurdica
ofensora, seria ainda mais lucrativa a prtica ilegal do que arcar com o teto de 500
(quinhentos) salrios mnimos, previsto pelo Projeto de Lei acima mencionado.
B. Novos danos
Na sociedade atual verifica-se a possibilidade de ressarcimento de novos prejuzos. Na
verdade, os danos no so novos, mas simplesmente a sua classificao ou maneira de ver os
novos meios lesivos56
. Se antes o dano era dividido apenas em patrimonial ou moral, hoje se
verifica a possibilidade de um novo enquadramento dos danos em estticos, sociais, morais
coletivos e pela perda de uma chance.
55
PL 523/2011. 56
SCHREIBER, A. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da eroso dos filtros da reparao diluio
dos danos. 3. ed. So Paulo: Atlas, 2011, p. 99.
24
Mesmo no tendo recebido tratamento diferenciado pelo nosso Cdigo Civil, a
doutrina e a jurisprudncia vm admitindo novas modalidades de danos ressarcveis, at
porque seria impossvel exaurir todas as situaes de risco diante da constante evoluo da
sociedade.
Em relao ao dano esttico, a discusso sobre o assunto na doutrina anterior
Constituio Federal de 1988, como se observa do trabalho de Tereza Ancona Lopez, que
ensina que quando falamos em dano esttico, estamos querendo significar a leso beleza
fsica, ou seja, a harmonia das formas externas de algum. [...] Ao apreciar-se um prejuzo
esttico, deve se ter em mira a modificao sofrida pela pessoa em relao ao que ela era57.
No passado, entendia-se que o dano esttico era uma categoria do dano moral58
, porm
tal entendimento no prevaleceu na jurisprudncia. Desde 2004 possvel encontrar julgados
da Corte Superior de Justia no sentido de aceitar serem cumulados os danos morais e os
danos estticos59
. Tal entendimento restou consolidado a partir da edio da Smula 38760
em
2009, deixando claro que em ltima instncia o dano esttico algo distinto do dano moral,
tanto que possvel a sua cumulao.
Danos sociais, por sua vez, so aqueles que trazem um prejuzo na qualidade de vida
da coletividade, conforme afirma Antnio Junqueira de Azevedo61
, por serem socialmente
reprovveis. O dano causado atinge direitos difusos, ou seja, os prejudicados so pessoas
indeterminadas, razo pela qual a indenizao deve ser destinada a um fundo de amparo ou
instituio filantrpica62
, como ocorre, por exemplo, nos dissdios coletivos da esfera
trabalhista em caso de greve considerada abusiva63
, nas relaes de consumo e at mesmo na
esfera ambiental, em que os prejuzos geralmente atingem toda a sociedade.
Por outro lado, os danos morais coletivos seriam aqueles em que ocorre uma soma de
leses a vrios direitos da personalidade, atingem direitos individuais homogneos e os
lesados so pessoas determinadas ou determinveis.
57
LOPEZ, T. A. O dano esttico. So Paulo: RT, 1980, p. 17. 58
CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 106. 59
STJ, REsp 327210/MG, Rel. Min. Barros Monteiro, Quarta Turma, julgado em 04/11/04, DJE 1/2/2005. 60
STJ Smula 387: lcita a cumulao das indenizaes de dano esttico e dano moral. 61
AZEVEDO, A. J. Por uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social. In RTDC, vol.
19, jul/set. 2004, p. 370. 62
Conforme previsto no pargrafo nico, do art. 99 da Lei 8.078/90 (CDC). 63
TRT da 2 Regio. Dissdio coletivo de greve, Acrdo n 2007.001568, Rel. Snia Maria Prince Franzine,
data de julgamento 28/06/2007, data de publicao: 10/07/2007.
25
A princpio, a jurisprudncia no entendia cabvel a reparao por dano moral
coletivo, pois dano moral seria apenas individual64
. Todavia, mais recentemente houve
entendimento admitindo o dano moral coletivo como nova modalidade de prejuzo, de acordo
com a deciso do Superior Tribunal de Justia no notrio caso das plulas de farinha65.
Assim como os danos sociais, os danos morais coletivos podem ser admitidos no
mbito das relaes de trabalho, de consumo66
ou na seara ambiental.
Existe confuso jurisprudencial acerca da caracterizao dos danos sociais ou morais
coletivos em vista do interesse tutelado ser muito prximo. O conceito de direitos difusos,
coletivos e individuais homogneos pode ser retirado do art. 81 do Cdigo de Defesa do
Consumidor e a principal diferena existente entre tais figuras que no primeiro caso os
titulares so pessoas indeterminadas e nos demais os lesados so identificveis, motivo pelo
qual a indenizao deve ser destinada a eles prprios e no a um fundo ou instituio
filantrpica.
A teoria da perda de uma chance tem origem na Frana, na dcada de 1960, ocasio
em que a Corte de Cassao daquele pas analisou a responsabilidade civil do mdico pela
perda da chance de cura ou de sobrevivncia do paciente.
Na Itlia, a primeira deciso em que se verificou a responsabilidade civil pela perda da
chance foi em 1983, em razo do impedimento por determinada empresa da participao de
candidatos na prova de seleo para admisso de emprego, no obstante tenham se submetido
a diversos exames mdicos67
.
No Brasil, a teoria vem ganhando cada vez mais adeptos na doutrina, como se observa
dos trabalhos de Srgio Savi e Rafael Peteffi68
, alm de ser possvel encontrar algumas
64
Ementa: PROCESSUAL CIVIL. AO CIVIL PBLICA. DANO AMBIENTAL. DANO MORAL
COLETIVO. NECESSRIA VINCULAO DO DANO MORAL NOO DE DOR, DE SOFRIMENTO
PSQUICO, DE CARTER INDIVIDUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A NOO DE
TRANSINDIVIDUALIDADE (INDETERMINABILIDADE DO SUJEITO PASSIVO E INDIVISIBILIDADE
DA OFENSA E DA REPARAO). RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO (STJ REsp 598.281/MG, Rel. Min.
Luiz Fux, Primeira Turma, DJ 01/06/2006). 65
Ementa: Civil e processo civil. Recurso especial. Ao civil pblica proposta pelo PROCON e pelo Estado de
So Paulo. Anticoncepcional Microvlar. Acontecimentos que se notabilizaram como o 'caso das plulas de
farinha'. Cartelas de comprimidos sem princpio ativo, utilizadas para teste de maquinrio, que acabaram
atingindo consumidoras e no impediram a gravidez indesejada. Pedido de condenao genrica, permitindo
futura liquidao individual por parte das consumidoras lesadas. Discusso vinculada necessidade de respeito
segurana do consumidor, ao direito de informao e compensao pelos danos morais sofridos (STJ REsp
866.636/SP, REl. Min. Nanci Andrighi, Terceira Turma, DJ 06/12/2007). 66
Nesse sentido, o art. 6, inciso VI do CDC expressamente prev como direitos bsicos do consumidor a efetiva
preveno e reparao de danos coletivos e difusos. 67
SAVI, S. Responsabilidade civil por perda de uma chance. So Paulo: Atlas, 2006, p. 25. 68
PETEFFI, R. Responsabilidade civil pela perda de uma chance. So Paulo: Atlas, 2009.
26
referncias entre os clssicos Agostinho Alvim69
, Jos Dias Aguiar70
, Caio Mrio da Silva
Pereira71
e Srgio Cavalieri Filho72
.
A perda da chance a quebra da expectativa, a frustrao de uma oportunidade que
provavelmente ocorreria em situaes normais. De certa forma, aproxima-se ao lucro
cessante, pois, para a sua caracterizao, a chance deve ser real e sria, no bastando a mera
possibilidade.
O Superior Tribunal de Justia j se pronunciou em relao perda da oportunidade
quando, em sede de Recurso Especial, reduziu a indenizao em do valor anteriormente
concedido considerando a real chance de acerto na deciso envolvendo o Show do
Milho73.
Destaca-se, ainda, precedente pedindo a aplicao da tese pela perda de prazo por
advogado. Nessa ocasio, a Corte Superior negou provimento ao Agravo Regimental no por
no aceitar a teoria da perda da chance, mas por entender que no houve desdia dos
advogados74
.
Crtica a tal teoria diz respeito determinao da seriedade da oportunidade perdida,
pois no tarefa fcil diferenci-la de chances hipotticas ou eventuais. Assim, necessrio se
faz analisar o caso concreto e separar oportunidade e oportunismo, como bem ressalta Srgio
Cavalieri Filho75
.
69
O autor citando o exemplo de um advogado que por negligncia deixa de apelar comenta sobre a avaliao da
perda da chance: A possibilidade e talvez a probabilidade de ganhar a causa em segunda instncia constitua uma chance, uma oportunidade, um elemento ativo a repercutir favoravelmente, no seu patrimnio, podendo o
grau dessa probabilidade ser apreciado por peritos tcnicos (ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 191). 70
AGUIAR, J. D. Da responsabilidade civil. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1995, 2v., p. 719-721. 71
Do mesmo modo comenta o autor: claro, ento que se a ao se fundar em mero dano hipottico no cabe reparao. Mas esta ser devida se se considerar, dentro na idia de perda de uma oportunidade (perte dune chance) e puder situar-se a certeza do dano (PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 42). 72
CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 77. 73
Ementa: RECURSO ESPECIAL. INDENIZAO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA
EM PROGRAMA DE TELEVISO. PERDA DA OPORTUNIDADE (STJ, REsp 788.459/BA, Rel. Min.
Fernando Gonalves, Quarta Turma, DJ 13/03/2006). 74
Ementa: PROCESSO CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO
ESPECIAL. JUZO DE ADMISSIBILIDADE. ADVOGADO QUE PERDE PRAZO RECURSAL. PEDIDO
DE INDENIZAO FORMULADO POR SEU CLIENTE COM BASE NA PERDA DE UMA CHANCE.
ACRDO VERGASTADO RECONHECENDO QUE A AO RESCISRIA PROPOSTA POR
CLIENTES EM SITUAO IDNTICA RESULTOU EXITOSA. FUNDAMENTO NO ATACADO.
DEFICINCIA NA FUNDAMENTAO (STJ, AgRg no Agravo de Instrumento n 932.446/ RS, Rel. Min.
Nancy Andrighi, Terceira Turma, DJ 18/12/2007). 75
CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 77.
27
1.2.2 Nexo Causal
A relao entre a conduta antijurdica e o dano conhecida como nexo causal. o fato
gerador da responsabilidade76
, ou seja, o dano s pode gerar o dever de indenizar quando for
possvel estabelecer a ligao com seu autor77
, sendo a primeira questo a ser enfrentada na
soluo de qualquer caso envolvendo responsabilidade civil78.
Trata-se de elemento essencial, como se extrai do art. 186 do Cdigo Civil. Entretanto,
de difcil comprovao79
; por essa razo, basta um grau elevado de probabilidade80. Em
outras palavras, o lesado ter que demonstrar o fato sem o qual o dano no ocorreria.
A prova torna-se ainda mais difcil quando ocorrem diversas situaes que concorrem
para o evento danoso, isto , pelo surgimento da causalidade mltipla81 ou concausas82.
Para resolver a questo vrias teorias so debatidas pelos doutrinadores nacionais e
estrangeiros. Entre elas, as principais so: a teoria da equivalncia dos antecedentes ou
conditio sine qua non, a da causalidade adequada e do dano direto e imediato, que nada mais
so que frmulas para se encontrar a relao entre a causa e o efeito.
A primeira delas, tambm chamada de histrico dos antecedentes, considera que
todos os fatos relativos ao evento danoso produzem o dever de indenizar. As causas se
equivalem de maneira que, suprimida uma delas, o dano no se verificaria. Tal teoria a
menos aceita atualmente por ser extremamente ampla e no aceitar certos limites, como, por
exemplo, o estado de necessidade ou o exerccio regular de direito, previstos no art. 188 do
Cdigo Civil83
.
Pela teoria da causalidade adequada, faz-se necessria a anlise do caso concreto para
atribuir qual a causa adequada produo do resultado, atravs de um juzo de probabilidade.
Apesar de a teoria ter o mrito de conferir um tratamento mais razovel em relao
concausalidade, por no consider-las equivalentes, peca pela falta de certeza, pois busca o
76
DINIZ, M. H. Manual de direito civil. So Paulo: Saraiva, 2011. p. 295. 77
ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 324. 78
CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo: Atlas, 2010, p. 46. 79
PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 76. 80
ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 325. 81
PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 76. 82
Sobre o assunto Agostinho Alvim diz que: O dano um s, mas deriva de um concurso de causas (ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 327). 83
CRUZ, G. S. da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 48.
28
motivo provvel para a configurao do dano. Por essa teoria, o juiz pode excluir situaes
remotas e considerar apenas os fatos relevantes para o efetivo prejuzo84
.
Tem-se tambm a tese do dano direto e imediato, que defende que o lesante s
responde pelo prejuzo que efetivamente causar, excluindo dessa forma o dano provocado por
terceiros, pelo lesado ou por fatos naturais85
.
A importncia do estudo da referida teoria deve-se ao fato de ser adotada pelo Cdigo
Civil, de acordo com o art. 40386
, que reproduz quase integralmente o art. 1.060 do Cdigo de
1916, bem como por outros pases como Itlia87
e Frana88
.
Por outro lado, o Cdigo Civil de 2002 no rejeitou a aplicao da teoria da
causalidade adequada, sendo esse o entendimento doutrinrio reconhecido pelo Conselho da
Justia Federal89
.
Como se pode notar, as teorias da causalidade adequada e do dano direto e imediato
no se excluem, mas se complementam, uma vez que a primeira se preocupa com a soluo
para a causalidade mltipla, enquanto a outra cuida das hipteses de excluso de
responsabilidade. Na jurisprudncia nacional, possvel encontrar decises aplicando uma ou
outra teoria90
ou, ainda, tratando-as como sinnimas91
.
O papel do nexo de causalidade para a responsabilidade civil indispensvel, contudo
ganha ainda mais importncia nos casos de responsabilidade objetiva, cuja defesa s pode ser
baseada na falta de causalidade entre a conduta e o evento danoso92
. Enquanto na
84
PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 79; ALVIM, A. Da
inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 304. 85
TEPEDINO, G. Notas sobre o nexo de causalidade. Temas de Direito Civil, Tomo I. Rio de Janeiro: Renovar,
2006, p. 63-82; ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva,
1965, p. 330. 86
Ainda que a inexecuo resulte de dolo do devedor, as perdas e dano s incluem os prejuzos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuzo do disposto na lei processual. 87
Art. 1.223. A indenizao do dano por inadimplemento ou por atraso deve compreender tambm a perda
sofrida pelo credor pela falta de ganho, desde que seja ela sua consequncia imediata e direta (traduo livre).
Texto original: Art. 1.223 Risarcimento del danno Il risarcimento del danno per l'inadempimento o per il ritardo deve comprendere cos la perdita subita dal creditore come il mancato guadagno, in quanto ne siano
conseguenza immediata e diretta. 88
Art. 1.151. Ainda que pela inexecuo do contrato de forma intencional pelo devedor, as perdas e danos no
devem compreender mais do que for consequncia imediata e direta da execuo (traduo livre). Texto original:
Dans le cas mme o l'inexcution de la convention rsulte du dol du dbiteur, les dommages et intrts ne doivent comprendre l'gard de la perte prouve par le crancier et du gain dont il a t priv, que ce qui est
une suite immdiate et directe de l'inexcution de la convention. 89
Enunciado 47 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito Civil. 90
STF RE 130.764, Primeira Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 07/08/92; STF RE-Agr 481.110/PE, Segunda
Turma, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 09/03/2007. 91
STJ REsp 325.622/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. Carlos Fernando Mathias, DJE 10/11/2008. 92
Em suas palavras, Agostinho Alvim menciona que: A importncia do estudo do nexo causal em avultado, nestes ltimos tempos, uma vez que a teoria do risco prescinde da culpa, para fundamento da responsabilidade, e
s lhes bastam o dano e o nexo causal (ALVIM, A. Da inexecuo das obrigaes e suas consequncias. 3. ed. So Paulo: Saraiva, 1965, p. 326).
29
responsabilidade subjetiva o elemento entre a conduta e o prejuzo a culpa lato sensu, na
objetiva o nexo determinado pela lei ou pela atividade de risco, nos termos do art. 927,
pargrafo nico, do Cdigo Civil.
Algumas situaes rompem o nexo de causalidade, como defendido pela teoria do
dano direto e imediato. So elas: o caso fortuito, a fora maior, a culpa exclusiva da vtima ou
de terceiro. Todas essas situaes so consideradas excludentes do dever de indenizar, ainda
que a responsabilidade seja objetiva.
Em concluso, observa-se hoje maior preocupao com o dano efetivo do lesado do
que com as causas. Logicamente, deve haver uma relao entre a conduta do ofensor e o
prejuzo da vtima, mas em razo da humanizao do direito civil, a tendncia flexibilizar a
discusso tcnica do nexo de causalidade visando reparao da vtima, ampliando-se a
noo de responsabilidade solidria ou, ainda, a possibilidade de responsabilizao pela
exposio ao perigo de dano93
.
1.2.3 Culpa
Por fim, o ltimo elemento da responsabilidade civil a culpa. A essencialidade da
culpa ir depender do tipo da responsabilidade civil. Como acima exposto, se for subjetiva
faz-se necessria a comprovao da culpa, porm, se do tipo objetiva, ento basta a prova do
nexo e do dano.
A noo de culpa na estrutura da responsabilidade civil trazida historicamente pelo
Cdigo Civil francs de 180494
, embora sua origem seja do Direito Romano, por meio da Lex
Aquilia.
O conceito de culpa foi muito debatido na doutrina por ser um ente abstrato que
comporta aspectos psicolgicos, filosficos, religiosos e jurdicos. No sentido legal, tem-se
que a culpa a violao de um dever jurdico preexistente95
. Ren Savatier conceitua a culpa
93
SCHREIBER, A. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da eroso dos filtros da reparao diluio
dos danos. 3. ed. So Paulo: Atlas, 2011, p. 61-63; HIRONAKA, G. M. F. N. Responsabilidade pressuposta.
Belo Horizonte: Del Rey, 2005. 94
PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 64. 95
PLANIOL, M. Trait elementaire de droit civil. v. II. 4 d. Paris, 1952, p. 863.
30
como a no execuo de um dever que o agente poderia conhecer ou observar. Assim, a
origem da culpa estaria em um dever geral de no causar dano a outrem96
.
Alvino Lima diz que a culpa um erro de conduta, moralmente imputvel ao agente e
que no seria cometido por uma pessoa avisada em iguais circunstncias.
Caio Mario da Silva Pereira sintetiza que a violao de uma norma de conduta que
pode ser legal ou contratual, cuja observncia um fator de harmonia social e que quando
algum deixa de obedecer desequilibra a convivncia coletiva. Porm, para que se caracterize
a responsabilidade civil, necessrio que desse confronto resulte um dano a outrem97
.
A culpa em sentido amplo inclui o dolo (a vontade livre e consciente de cometer o ato
ilcito) e a culpa estrita, que se refere apenas negligncia, impudncia ou impercia ou a
voluntria omisso de um dever de diligncia98.
Adicionalmente, a culpa envolve elemento objetivo, isto , a violao de dever e um
elemento subjetivo, qual seja, a imputabilidade, ou seja, a previsibilidade da impossibilidade
de praticar o ato.
Nesse sentido, a tendncia de objetivao da culpa, ou seja, a possibilidade de sua
configurao pela mera violao de um dever seria o primeiro salto evolutivo para a
responsabilidade subjetiva, em razo da dificuldade da prova de elementos subjetivos, isso
porque demonstrar se a violao ocorreu de forma consciente ou no tornaria a comprovao
da culpa ainda mais difcil99
.
Alvino Lima comenta que a mudana da culpa provocada para a culpa presumida
tambm representou um grande passo, pois trouxe a inverso do nus da prova100
. Assim, nos
casos de responsabilidade indireta, aquela por ato de outrem, fato ou guarda de animal, a
culpa presumida passou a ser a regra, tambm conhecida pelas modalidades de culpa in
vigilando, culpa in eligendo e a culpa in custodiendo.
Contudo, apesar da importncia da culpa presumida para a responsabilidade civil, nada
se compara responsabilizao objetiva, ainda que nos casos de responsabilidade indireta seja
necessrio provar a culpa dos agentes diretos. Por exemplo, se um empregado provoca um
96
SAVATIER, R. Trait de la responsabilit civile en droit franais. Paris: Libraire Generale de Droit et de
Jurisprudence, 1951, p. 8-9. 97
PEREIRA, C. M. da S. Responsabilidade civil. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p.70. 98
TARTUCE, F. Direito civil. v. 2. Direito das obrigaes e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense/So Paulo: Mtodo, 2010, p. 356-357. Como acrescenta o autor, a culpa grave ou gravssima (lata)
equivale ao dolo. 99
Sobre a dificuldade da prova e a tendncia da responsabilidade objetiva, ver: LORENZETTI, R. L. Teoria da
deciso judicial: fundamentos de direito. 2. ed. So Paulo: RT, 2009, p. 239. 100
LIMA, A. Culpa e risco. 2. ed. So Paulo: RT, 1998.
31
acidente, o empregador s tem o dever de indenizar o lesado se ficar demonstrada a culpa
daquele101
.
Com a superao da culpa presumida pela responsabilidade objetiva, houve uma
facilitao da prova da culpa, que deixou de ser diablica102
.
Observa-se atualmente um declnio da culpa103
, com tendncia responsabilizao
objetiva das relaes, como o que ocorre nas relaes de consumo, visto que no Cdigo de
Defesa do Consumidor a objetividade a regra e a subjetividade a exceo104
.
Todavia, a responsabilidade civil no Cdigo Civil brasileiro ainda se baseia
principalmente na noo de culpa, seguindo a teoria da responsabilidade subjetiva, mas sem
descartar a teoria do risco ou a responsabilidade objetiva105
.
Assim, considerando que vivemos em uma sociedade de consumo de massa106
, no
incorreto afirmar que a culpa deixou de ocupar posio de destaque na responsabilidade civil,
passando o dano a ser realmente o centro das atenes.
101
Esse o entendimento majoritrio da doutrina: AZEVEDO, . V. Teoria geral das obrigaes e
responsabilidade civil. 11 ed. So Paulo: Atlas, 2008, p. 284; DINIZ, M. H. Curso de direito civil. 21. ed. So
Paulo: Saraiva, 2007, p. 519; CAVALIERI FILHO, S. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. So Paulo:
Atlas, 2010, p. 175, e do Enunciado CJF/STJ 191. 102
SCHREIBER, A. Novos paradigmas da responsabilidade civil: da eroso dos filtros da reparao diluio
dos danos. 3. ed. So Paulo: Atlas, 2011, p. 48. 103
HIRONAKA, G. M. F. N. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 131. 104
Interessante observar que at mesmo nas relaes com o Estado ocorre a objetividade da responsabilidade,
conforme se observa da leitura do art. 37, 6, da Constituio Federal de 1988, a seguir: [...] as pessoas jurdicas de direito pblico e as de direito privado prestadoras de servios pblicos respondero pelos danos que
seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsvel nos
casos de dolo e culpa. 105
TARTUCE, F. Direito civil. v. 2. Direito das obrigaes e responsabilidade civil. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense/So Paulo: Mtodo, 2010, p. 354. 106
ROPPO, E. O contrato. Coimbra: Almedina, 1988, p. 311-318.
32
2 ESTUDO COMPARATIVO DA INDENIZAO PUNITIVA
2.1 ASPECTOS HISTRICOS
A origem da indenizao punitiva remonta ao Cdigo de Hamurabi, em 2000 a.C.,
como assinala a doutrina107
. Na verdade, o que existia era um instituto que previa um
excedente ao prejuzo real em casos cveis, que consistia em multiplicar o valor indenizatrio,
que pode ser considerado a base dos punitive damages. Essa espcie de indenizao era
adotada desde as antigas civilizaes babilnica, hindu, egpcia e grega.
No Direito Romano, a Lei das XII Tbuas tambm previa a possibilidade de
multiplicar a indenizao em casos de quebra de promessa, usura, depsito infiel, tutela
desonesta, entre outros. Com o desenvolvimento do Direito Romano, passou-se a tratar de
forma distinta os crimes dos delitos, sendo os ltimos regulados para substituir a vingana
privada108
.
Contudo, os punitive damages como conhecemos hoje foi desenvolvido pelo sistema
do common law, basicamente para compensar prejuzos intangveis, mas sempre com intuito
de punir e dissuadir os malfeitores em substituio vingana.
Na Inglaterra, a indenizao mltipla foi uma caracterstica do common law desde o
sculo XIII109
. Entretanto, os punitive damages foram primeiramente aplicados de forma
expressa no caso Wilkes v. Wood, em 1763110
.
Ainda naquela dcada ficou estabelecido que a indenizao punitiva deveria ser
invocada para punir os acusados por dolo, abuso de autoridade ou fraude grave. Portanto,
107
SCHLUETER, L. L. Punitive damages. 6th ed., 2010. O presente captulo baseou-se principalmente no
referido tratado que a maior referncia sobre o assunto nos Estados Unidos, sendo utilizado inclusive pela
Suprema Corte daquele pas. 108
Ver, por exemplo, a pena para o furto, que no Direito Romano era considerado um delito: Book IV. Obligationes Arising From Delicta. 5. The penalty for manifest theft is quadruple the value of the thing stolen,
whether the thief be a slave or a freeman; that for theft not manifest is double (grifos nossos) (Disponvel em: . ltimo acesso em: 17 ago. 2011). 109
SCHLUETER, L. L. Punitive damages. 6th ed., 2010, p. 5. 110
Na ocasio, John Wilkes, membro do parlamento, anonimamente publicou o North Briton, um panfleto
criticando as polticas do governo britnico. O Rei, por meio de um mandado geral de busca e apreenso, invadiu
a propriedade de Wilkes pelo que ajuizou uma ao alegando violao de propriedade e a invaso dos seus
direitos civis. A Corte concordou com as alegaes de Wilkes e concedeu uma indenizao punitiva com o
objetivo de punir e dissuadir futuras violaes.
33
situaes em que de alguma maneira a execuo do ato tenha sido absurda, extraordinria,
ultrajante ou extremamente lesiva111
.
Alm disso, o jri possua ampla discricionariedade para decidir sobre a reparao de
danos, podendo inclusive atribuir um carter punitivo. Assim, uma das teorias sugere que a
indenizao punitiva foi criada para justificar os valores excessivos atribudos pelo jri em
relao ao dano efetivo no sculo XIII112
.
Para corrigir os excessos das decises o remdio era um novo julgamento pela Corte
de equidade. Para evitar novos julgamentos, a partir do sculo XVI foram criadas regras para
a liquidao da reparao dos danos e, no fim do sculo XVIII, tais regras serviam tanto para
quebra de contrato, como em casos de responsabilidade civil por violao de propriedade, j
que os tribunais relutavam em anular uma deciso tomada pelo jri.
Nos sculos XVIII e XIX as decises inglesas permitiam reparao apenas daqueles
danos em que era passvel a exata liquidao do valor113
. Regra geral, danos morais no eram
passveis de proteo pelo sistema do common law, com exceo daqueles casos em que o
sofrimento era o principal componente da leso, como na calnia, no adultrio, na priso
ilegal etc.
Nesse sentido, a indenizao punitiva surgiu no regime de common law como um meio
de compensar o lesado pelo sofrimento experimentado por uma conduta ultrajante do acusado,
geralmente envolvendo aspectos morais114
. As cortes inglesas enfatizavam que, alm de meio
de compensao, a indenizao punitiva servia de exemplo para impedir reiteradas condutas
de malfeitores115
.
Por fim, outras teorias em relao aos punitive damages indicam que o instituto foi
criado como meio de descriminalizar condutas menos ofensivas, para impedir vinganas
privadas ou ainda como uma forma de vingana pblica, uma vez que a deciso simbolizava a
repulsa da sociedade ao comportamento do acusado.
Nos Estados Unidos, os primeiros casos envolvendo a funo punitiva da indenizao
por responsabilidade civil refletiam a confuso existente no common law acerca da natureza
compensatria ou penal do instituto. Os primeiros casos abraavam as duas ideias, como se
111
Cumpre destacar que os termos foram livremente traduzidos do ingls: malice, opression or gross fraud. 112
KIRCHER, J. J.; WISEMAN, C. M. Punitive damages: law and practice. 2nd
ed. West Group, 2010. 113
A partir do precedente Rookes v. Barnard (1964) que a indenizao punitiva foi efetivamente imposta
(WILCOX, V. Punitive damages in England. In: Punitive damages: common law and civil law perspective. Tort
Insurance Law. v. 25. Springer Wien New York. p. 7). 114
Tais aspectos podem ser observados nas decises: Huckle v. Money e Breadmore v. Carrington. 115
Sobre a funo dissuasria da indenizao punitiva ver: Tullidge v. Wade e Merest v. Harvey.
34
observa da anlise do caso Coryell v. Colbough, o pioneiro a anunciar a indenizao punitiva
nos EUA116
.
Desde 1850, a Suprema Corte norte-americana afirmou no caso Day v. Woodworth
que, nos casos envolvendo responsabilidade civil, o jri pode impor os chamados exemplary,
punitive or vindictive damages, considerando no apenas a reparao do ofendido, mas
tambm a gravidade da conduta do ofensor.
2.2 CONCEITO, NATUREZA E OBJETIVO
Diversos termos so utilizados para descrever a indenizao punitiva em ingls no
sistema anglo-saxnico. Os mais comuns so punitive ou exemplary damages, sendo que na
maioria dos pases em que instituto aplicado os termos so utilizados como sinnimos.
Punitive damages uma espcie de indenizao com o objetivo de punir e dissuadir o
ofensor e outros de agir de maneira semelhante. Embora o propsito da indenizao punitiva
no seja compensar o ofendido, o prprio lesado efetivamente receber a indenizao
adicional no todo ou em parte.
Geralmente, so concedidos quando a mera reparao no o remdio adequado,
tendo em vista a conduta extremamente grave do ofensor. Assim, nos pases em que o
instituto aplicado, a corte impe uma indenizao adicional para assegurar que o dano
causado ser suficientemente reparado, em vista da conduta reprovvel.
A ttulo de curiosidade, nos EUA, alm dos punitive damages existem os chamados
treble damages (indenizao mltipla), que so punitive damages por natureza, mas
diferenciam-se por serem determinados por lei e importam duas ou trs vezes o valor do dano
efetivo, tratando-se de uma pena, como o que ocorre em casos de violao da lei americana
antitruste (Sherman Antitrust Act), em que o treble damages o nico remdio117
.
116
Referido caso tratava da reparao dos prejuzos pela quebra da promessa de casamento. A deciso
mencionava que a condenao no estimava a indenizao por meio de nenhuma prova em particular, sofrimento
ou prejuzo efetivo, mas com o objetivo de prevenir que tais ofensas sejam repetidas no futuro, ou seja,
demonstrando o carter dissuasrio da deciso. 117
SCHLUETER, L. L. Punitive damages. 6th ed., 2010, p. 28.
35
Alm das funes de punio e dissuaso do ofensor, entende-se que a indenizao
punitiva tem ainda o intuito de pagar as despesas processuais e serve como forma de
reparao dos crimes com carter menos ofensivo ou contrafaes118
.
A menos que a conduta seja extremamente grave, a indenizao punitiva inadequada.
Como exemplo, se o dano causado por erro, ignorncia ou negligncia (culpa), no h que
se falar em indenizao a ttulo de punio, mas to somente pelo dano efetivo.
Discute-se a natureza da indenizao punitiva desde sua origem, tendo em vista ter um
aspecto penal e civil, sendo considerada uma espcie de pena privada119
.
Nos EUA, considerado um instituto distinto da sano, razo pela qual no podem
ser combinados. A sano devida por uma ofensa ao tribunal, com carter compensatrio,
diferente dos punitive damages, que decorrem de uma ofensa parte, tendo carter no
compensatrio.
Vale destacar que a poltica pblica norte-americana em relao aos punitive damages
a seguinte: o instituto possui limites estreitos, a condenao deve ser estabelecida com muita
cautela, a deciso deve ser justa e no indevidamente pesada ou dura com o ofensor.
Alm disso, no um direito automtico. O juiz decide se, no caso concreto, aplica-se
punitive damages e a partir da o jri, que o juiz do caso concreto, tem o poder
discricionrio em relao condenao. A deciso no pode ser revertida em sede de apelao
a menos que exista claro abuso discricionrio, como, por exemplo, se a deciso excede os
limites da razo, por cometimento de erro legal, pela desconsiderao de regras ou princpios
de direito ou costumes legais em detrimento da parte.