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PERSPECTIVA, Florianópolis, v. 28, n. 2, 375-400, jul./dez. 2010 http://www.perspectiva.ufsc.br doi: 10.5007/2175-795X.2010v28n2p375 Trajetórias de acesso ao mundo da escrita: relevância das práticas não escolares de letramento para o letramento escolar Angela B. Kleiman* Resumo Utilizando uma concepção sócio-histórica do letramento, que se opõe a uma concepção instrumental dos usos da escrita (STREET, 1984; KLEIMAN, 1995), este artigo discute aspectos do letramento escolar, apontando algumas implicações dessa concepção para o ensino e a pesquisa. São apresentadas duas linhas de pesquisa desenvolvidas no grupo de pesquisa Letramento do Professor: a que tem por objetivo o desenvolvimento, análise e documentação de ‘projetos de letramento’ e seus efeitos no letramento escolar e a que focaliza práticas de letramento locais e seus impactos nas identidades de líderes e agentes comunitários. Ambas visam a contribuir para o desenvolvimento de programas de ensino favoráveis aos alunos socialmente mais vulneráveis, cujo acesso ao mundo da escrita encontra múltiplos obstáculos. Palavras-chave: Projeto escolar. Cultura escrita. * Professora Titular colaboradora voluntária na Universidade Estadual de Campinas.

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Do curso Caminhos da Escrita

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    PERSPECTIVA, Florianpolis, v. 28, n. 2, 375-400, jul./dez. 2010 http://www.perspectiva.ufsc.br

    Trajetrias de acesso ao mundo da escritadoi: 10.5007/2175-795X.2010v28n2p375

    Trajetrias de acesso ao mundo da escrita: relevncia das prticas no escolares de letramento para o letramento escolar

    Angela B. Kleiman*

    ResumoUtilizando uma concepo scio-histrica do letramento, que se ope a uma concepo instrumental dos usos da escrita (STREET, 1984; KLEIMAN, 1995), este artigo discute aspectos do letramento escolar, apontando algumas implicaes dessa concepo para o ensino e a pesquisa. So apresentadas duas linhas de pesquisa desenvolvidas no grupo de pesquisa Letramento do Professor: a que tem por objetivo o desenvolvimento, anlise e documentao de projetos de letramento e seus efeitos no letramento escolar e a que focaliza prticas de letramento locais e seus impactos nas identidades de lderes e agentes comunitrios. Ambas visam a contribuir para o desenvolvimento de programas de ensino favorveis aos alunos socialmente mais vulnerveis, cujo acesso ao mundo da escrita encontra mltiplos obstculos. Palavras-chave: Projeto escolar. Cultura escrita.

    * Professora Titular colaboradora voluntria na Universidade Estadual de Campinas.

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    Introduo

    H quase uma dcada, o grupo de pesquisa Letramento do Professor desenvolve pesquisas com o objetivo de estudar e compreender os modos de insero no mundo da escrita de grupos cujo processo de acesso aos bens culturais por meio da escolarizao culmina, muitas vezes, no fracasso e na excluso. Uma premissa importante desses trabalhos a de que o processo de tornar-se letrado um processo identitrio, porque, em uma sociedade profundamente dividida por questes sociais, como a brasileira, o processo de insero na cultura da escrita equivale a um processo de aculturao, com a violncia simblica a pressuposta. Assim como o processo de incluso envolve questes identitrias para os mais pobres, que provm de famlias sem escolaridade, tambm o processo de excluso pode ter consequncias para a construo identitria de jovens e adolescentes que passaram, sem sucesso, pela escola.

    A concepo identitria do letramento se ope a uma concepo instrumental, funcional da escrita, que se centra geralmente nas capacidades individuais de uso da lngua escrita em cotejo com uma norma universal do que ser letrado. Para a perspectiva identitria, so de interesse tanto as trajetrias singulares de sujeitos que atuam como agentes de letramento em suas comunidades de origem quanto os esforos coletivos de insero na cultura letrada por parte de determinados grupos que so movidos por finalidades polticas, econmicas, sociais ou culturais, geralmente em trajetrias coletivas ou individuais de luta e resistncia.

    Parece paradoxal, mas o conhecimento dessas trajetrias o que mais pode contribuir para facilitar o acesso dos grupos tradicionalmente excludos escrita, via escola; ou seja, para proporcionar, por meio da escola, uma maior circulao pelas prticas letradas queles que provm de famlias com tradio de analfabetismo, geralmente os mais pobres, que vivem nas margens da ordem social, pouco usufruindo dos bens e servios do estado. O exame dessas trajetrias relevante para entender o papel da coletividade, da resistncia, da subverso no processo de letramento desses grupos. Neste trabalho, apresentarei resultados de pesquisas do nosso grupo sobre esses letramentos letramentos de resistncia em trs grupos: comunidades quilombolas do sul do pas (SITO, 2010); grupos de jovens ativistas negros do movimento do hip-hop na cidade de So Paulo (SOUZA, 2009) e

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    alfabetizadores populares, sem diploma, ensinando adultos a ler e escrever na periferia da cidade de So Paulo (VVIO, 2008).

    O interesse por esses grupos vai de encontro perspectiva da escola, que tende a apoiar prticas de letramento dominantes, as de outras instituies poderosas e influentes no tecido social, assim como ela prpria. Letramentos locais, de resistncia, adquiridos em trajetrias pessoais singulares, s margens da educao formal, que moldam a vida cotidiana das pessoas, so menos visveis e recebem menor apoio. Resultados da pesquisa cientfico-acadmica como os j mencionados poderiam ser interpretados como uma interpelao para o abandono dos modelos universais e autnomos de letramento, de acesso limitado e pressupostos elitistas, em favor da adoo de modelos locais. No entanto, um apelo dessa natureza no leva em considerao a histria da instituio escolar e a natureza reflexivo-analtica de suas prticas, visando a objetivos socialmente valorizados. Mais do que tentar transformar a instituio, parece necessrio sugerir prticas e atividades que de fato visem ao desenvolvimento do letramento do aluno, entendido como o conjunto de prticas sociais nas quais a escrita tem um papel relevante no processo de interpretao e compreenso dos textos orais ou escritos circulantes na vida social. O elemento-chave a escrita para a vida social.

    A descrio de prticas que propiciem o letramento na escola pode ser objeto relevante da pesquisa sobre o letramento, tambm com fins aplicados, relacionados ao favorecimento da insero, na cultura letrada, dos grupos mais frgeis de nossa sociedade. Nessa linha, nosso grupo de pesquisa tem desenvolvido projetos de pesquisa-ao visando ao desenvolvimento de projetos de letramento (KLEIMAN, 2000; TINOCO, 2008; CUNHA, 2010), projetos de trabalho escolar que destacam a centralidade das prticas sociais de letramento no processo educacional e por isso tornam-no o eixo estruturante das atividades escolares, da apresentao dos contedos curriculares e do desenvolvimento de temas valorizados.

    Neste trabalho, apresento, na primeira parte, consideraes sobre o letramento escolar e suas implicaes para o ensino e a pesquisa; nas segunda e terceira partes do trabalho, exponho os dois tipos de pesquisa brevemente apresentados anteriormente, os quais considero relevantes para desenvolver programas de ensino favorveis aos alunos socialmente mais vulnerveis, ou seja, programas que intentem remover alguns dos obstculos para o acesso ao mundo da escrita: primeiramente, as pesquisas sobre os projetos

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    de letramento desenvolvidos pelo grupo e, em seguida, as pesquisas sobre letramentos locais, desenvolvidos fora da escola.

    Em trabalho recente, Pardue (2010) destaca a importncia das prticas culturais marginais, da margem em relao ao centro, para que antroplogos, arquitetos e gegrafos possam melhor discutir o sentido da cidade como um fenmeno revelador da humanidade. Eu adiciono educadores a esse grupo e apresento a contribuio a seguir para tal discusso.

    O letramento escolar

    O conceito de letramento est tendo um certo impacto no ensino da lngua escrita na escola, da que uma questo de destaque nesse contexto seja a das implicaes curriculares do letramento, tal qual inferidas por aqueles que atuam na esfera acadmica, por um lado, e por aqueles que atuam nos anos iniciais do ensino fundamental o primeiro ciclo visando alfabetizao do aluno, por outro.

    No contexto escolar incumbido da alfabetizao dos alunos, no qual, alis, o conceito do letramento parece ter tido maior influncia, houve uma ressignificao bastante significativa em relao ao conceito que se originou no contexto acadmico. A ressignificao qual nos referimos a que interpreta o letramento como uma nova metodologia de ensino da escrita, o que ocasionou o surgimento de uma falsa dicotomia: ou a criana alfabetizada pelo mtodo tradicional de alfabetizao ou ela letrada pelo novo mtodo do letramento. Pode-se afirmar, utilizando o conceito de apreciao valorativa de Voloshinov/Bakhtin (1979), que houve um revozeamento do conceito no contexto educativo escolar, envolvendo a ressignificao do conceito de mtodo, adquirindo assim sentidos valorados nessa esfera de atividades, que se preocupa intensivamente com a renovao metodolgica a fim de atualizar de forma constante a sua ao didtico-pedaggica. Essa valorao parece-nos uma resposta de resistncia aos modos autoritrios em que os discursos sobre como ensinar vm sendo impostos aos que trabalham as escolas (por exemplo, via PCN).

    Ora, reitero (cf. KLEIMAN, 2005) que no existe mtodo de letramento, como conjunto de estratgias didticas para o ensino inicial da leitura e da escritura. H muitos modos mtodos, se forem sistemticos de alfabetizar, e todos eles, simples ou complicados, modernos ou antigos,

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    penosos ou prazerosos, fazem parte do conjunto de prticas escolares de letramento e so scio-histrica e culturalmente situados. A alfabetizao uma prtica de letramento que pode envolver diferentes estratgias (reconhecimento global da palavra, reconhecimento de slabas, leitura em voz alta, leitura silenciosa), diversos gneros (cartilhas, exerccios, imagens, notcias, relatos, contos, verbetes, famlias de palavras), diferentes tecnologias (lpis, caneta, papel, quadro negro, giz, lousa branca, pincel atmico, livro, tela e teclado).

    As prticas que sustentam e mobilizam as diversas atividades, gneros e suportes textuais na sala de aula so prticas discursivas1, que atualizam modos de falar, silenciar, perguntar, responder, refletir sobre o alfabeto, o texto, a lngua escrita, a lngua falada; sobre os motivos pelos quais se l e se escreve; sobre as normas relativas aos objetos e modos de ler e escrever; sobre o que a escrita representa para diversos segmentos sociais e as caractersticas das representaes da emergentes, situadas em tempos e espaos especficos. Enfim, tudo isso (e muito mais) mobilizado e, de alguma forma atualizado, no trabalho de ensinar e aprender a ler e escrever, ou seja, nas prticas de letramento visando alfabetizao inicial do aluno.

    Na esfera acadmica, mantm-se que a adoo de uma concepo de letramento para ensinar acarreta uma compreenso ampla da lngua escrita, de modo a incluir as prticas de ler e escrever da vida social. Isso teria, naturalmente, implicaes metodolgicas e curriculares para a alfabetizao e o ensino da lngua escrita em geral. Entretanto, refuta-se a dicotomia alfabetizar versus letrar que est pressuposta em afirmaes como deve-se letrar, no alfabetizar ou eu no estou alfabetizando, estou letrando.

    Bunzen (2009) ataca uma perspectiva curricular do letramento que se limite a especificaes didtico-metodolgicas, por mais importantes que elas sejam. Isto porque, nessa perspectiva, entre outras coisas, as prticas letradas so secundrias, uma vez que os esforos todos se concentram nos modos de ensinar; a perspectiva curricular, segundo Bunzen (op. cit., p. 127), quase no leva em considerao como so ensinadas e construdas as relaes de poder, identidade, crenas e valores sobre a cultura escrita na escola.

    Uma perspectiva escolar do ensino da lngua escrita pode, no entanto, estar filiada a uma perspectiva sociocultural de letramento. Nesse caso, a abordagem antropolgica, com observao etnogrfica, prpria dos estudos de letramento, posta a servio da observao, por parte do professor, das

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    falas da turma, como se fosse uma pequena comunidade cujas prticas discursivas constituem o alvo do trabalho etnogrfico do professor (HEATH, 1983). Tambm, nesse caso, o sistema da escrita, sob escrutnio e anlise da turma para fins de apropriao, continua sendo objeto do trabalho escolar, porm sem necessariamente constituir-se em eixo estruturante do programa.

    Uma perspectiva escolar de letramento que, afirmo, no contraditria a uma perspectiva social da escrita na esfera de atividades escolares tem por foco atividades vinculadas a prticas em que a leitura e a escrita so ferramentas para agir socialmente. Alis, as prticas escolares de aprendizagem e uso da lngua escrita, ainda que estritamente escolares, so tambm prticas sociais, sendo que muitas delas, como algumas que sero mencionadas na prxima seo, tomam por base prticas sociais e, portanto, recontextualizam as prticas com as quais os alunos convivem fora da escola, tornando-as mais significativas para eles.

    A dificuldade de implementar, em atividades didticas, uma concepo da escrita para a vida social reside no fato de ela ir de encontro concepo tradicional de ensino da escrita, que, afinal de contas, reflete a histria social e cultural da instituio escolar. Uma instituio que, nas palavras de Lahire (2001, p. 134), visa a transformar a relao da criana com sua prpria linguagem, pois suas prticas permitem tratar a linguagem como um objeto, dissec-la, analis-la, manipul-la e fazer descobrir suas regras de estruturao interna em todos os sentidos possveis. Tal finalidade ope-se frontalmente relao que a criana estabeleceu com a linguagem nas prticas sociais de que j participou, e que tornavam a lngua um conhecido ntimo, a roupa familiar, na metfora de Voloshinov/Bakhtin (1979, p. 85), fazendo com que a criana pudesse, novamente segundo Lahire, quase ignorar a sua [da linguagem] existncia, de tal maneira que a sua presena era indissocivel das situaes, dos objetos designados, dos outros, das intenes, das emoes, dos atos (2001, p. 134).

    A relao reflexivo-analtica com a lngua comea com a alfabetizao, prtica durante a qual a criana submetida a exerccios fonolgicos e ortogrficos que so produto de um trabalho de anlise milenar, realizado pelos gramticos do passado (v. LAHIRE, op. cit.). Estaria, ento, sendo solicitado aos professores, na perspectiva escolar do letramento para a vida social, que transformassem a prpria instituio, abandonando as atividades de anlise da lngua, que constituem, de fato, os primeiros passos na trajetria

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    que leva para um distanciamento cada vez maior da prtica linguageira cotidiana, tal qual exigido na produo de um ensaio ou uma dissertao? (GEE, 1996; LAHIRE, 2001; HEATH, 1983). Obviamente que no: no se pretende que a transformao de uma instituio originada h sculos, com a revoluo industrial, e que tem resistido a muitas tentativas de reformas, faa parte do programa do alfabetizador.

    Em contrapartida, como j vrios autores vm afirmando (BUNZEN, 2009; TINOCO, 2008; KLEIMAN, 2009), h desdobramentos da concepo social da escrita que no envolvem mudanas estruturais, que poderiam ser incorporados em um currculo escolar que visasse ao ensino da escrita relacionado a diversas esferas de atividade na vida social. Em outras palavras, vivel trazer os contedos considerados relevantes e analis-los junto com os alunos, na linha da atividade analtica que sustenta a construo do conhecimento sobre a lngua e linguagem, a partir da prtica social. Segundo Kleiman (2007, p. 5), a prtica social como ponto de partida e de chegada implica, tambm, uma pergunta estruturante do planejamento das aulas diferente da tradicional, que est centrada nos contedos curriculares: qual a seqncia mais adequada de apresentao dos contedos?. Se a prtica social estruturante, continua a autora, a pergunta que orientaria o planejamento das atividades didticas seria de ordem scio-histrica e cultural: quais os textos significativos para o aluno e sua comunidade? com base nessa pergunta que o currculo, visando apropriao dos gneros2, por exemplo, ou das combinaes ortogrficas da lngua, seria cumprido a contento.

    Se aceitarmos que o letramento do aluno a funo primeira da escola, ento o letramento o princpio estruturador do currculo. O letramento um conjunto de prticas discursivas que envolvem os usos da escrita (KLEIMAN, 1995); fato que os discursos circulam em esferas da atividade humana e a escola uma dessas esferas; segue-se, ento, que, na esfera escolar, circulam prticas scio-histricas e culturais prprias dessa esfera de atividade, que carregam em si, tal como outras prticas, a potencialidade de transformao e mudana, medida que a interao sofre transformaes decorrentes de novas dinmicas, novos atributos dos papis sociais, novas tecnologias e ferramentas semiticas. Como bem aponta Bunzen (2009; p. 115-116), ao referir-se dinmica scio-histrica das prticas discursivas na escola, as linguagens e instrumentos semiticos usados nas interaes na aula

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    apontam para facetas da dinmica discursiva de sala de aula e da relao com a produo de sentido e de sistemas de referncias, compreendidas como interpretaes possveis que os grupos humanos organizam do mundo.

    Note-se que so interpretaes possveis, no nicas, e sujeitas a mudanas em funo da natureza das relaes sociais que se estabelecem em uma escola especfica, em um tempo determinado. E, como em toda interao na aula, as transformaes podem transcender as paredes da sala de aula.

    Podemos afirmar, em resumo, que na interpretao no dicotmica do conceito de letramento est reafirmada a essncia da atividade de ensinar a ler e escrever: no se trata de aprender o alfabeto, mas o funcionamento da lngua escrita, levando em conta a situao scio-histrica e cultural do aluno, sua poca, suas necessidades, as exigncias da sociedade, os papis que se espera possa desempenhar, os novos instrumentos e tecnologias que se deseja que saiba usar. A primeira e mais importante implicao curricular3 dessa posio, em minha opinio, envolve a adoo de uma concepo social da escrita voltada para a prtica de ler e escrever, que, nossos estudos e experincias mostram, ajuda a contextualizar os objetos de ensino, proporcionando um marco para atribuio de sentidos pelos alunos.

    Projetos de letramento: prticas sociais na escola

    A dificuldade inerente a uma abordagem social, em uma instituio cuja vocao a atividade reflexivo-analtica, pode ser amenizada por meio dos projetos de letramento, que o nosso grupo de pesquisa tem estudado sistematicamente, inclusive por meio da pesquisa-ao no campo da formao de professores. (KLEIMAN, 2000; TINOCO, 2008; OLIVEIRA; 2008; CUNHA, 2010).

    Diferentemente das progresses curriculares voltadas para o ensino e desenvolvimento de um contedo, em um projeto de letramento h uma dinmica ditada pela prtica social, que faz com que determinado contedo do programa para o ciclo, ou o ano, seja ensinado em meio a um conjunto de diversos outros, em discursos que se organizam como em uma corrente enunciativa sem limites, exceto aqueles dados pela finalizao do projeto e que contribuem para sua aprendizagem e concretizao. Estabelece-se uma dinmica diferente daquela em que o contedo-alvo do ensino constitui o

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    elemento em torno do qual so estruturadas as unidades de ensino, sejam elas aulas, sequncias, ou unidades do livro didtico, entre outras possibilidades. Os projetos de letramento requerem um movimento pedaggico que vai da prtica social para o contedo (seja ele uma informao sobre um tema, uma regra, uma estratgia ou procedimento), nunca o contrrio (KLEIMAN, 2000; 2006). O projeto de letramento no substitui os eixos temticos nem os eixos conteudsticos relevantes no trabalho escolar. Ele um eixo estruturador das atividades em sala de aula, que permite ressignificar temas e contedos no contexto, em consequncia de sua valorao pela turma.

    Vejamos um exemplo, entre muitos outros observados ou relatados por professores (v. KLEIMAN, 2009). Relatando como comeou um projeto que interessou e encantou uma turma de Educao Infantil durante quase um ano, a educadora da turma conta que o projeto do milho surgiu do interesse das crianas por um conto infantil que insistentemente pediam que fosse relido. No desenvolvimento do projeto, em que o milho foi plantado, colhido, modo, cozido, foi construda uma espessa rede de eventos de letramento em que circulavam textos e gneros da escrita, como diagramas, fitas mtricas, livrinhos, pastas, transparncias, desenhos, sem que houvesse uma pr-definio dos contedos a serem abordados, como a professora da turma relata: Enquanto o milho crescia, o projeto ia tomando forma. Alis, alguns dos gneros introduzidos, como uma cronologia sobre a histria das atividades empreendidas no projeto, diagramada na forma de uma linha do tempo, espontaneamente iniciado pelas crianas enquanto monitoravam o crescimento dos ps de milho, certamente no podem ser considerados contedos normalmente includos num programa para crianas da pr-escola.

    Temos, ento, que em um projeto de letramento, o tema surge da observao por parte da professora do que interessava turma (comparvel, diramos, observao de cunho etnogrfico, na grande maioria das pesquisas sobre o letramento); os objetivos e contedos so aqueles do currculo escolar; os planos de atividades visam ao letramento do aluno e, finalmente; a dinmica de atividades inclusive as analticas de objetificao da lngua para fins de reflexo so determinadas pelo desenvolvimento do projeto, que pode assumir novos ritmos e caminhos em todo momento, segundo os interesses do aluno e da comunidade escolar. importante ressaltar, no entanto, que a flexibilidade no sinnimo de ausncia de planejamento.

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    Alm do planejamento inicial, o ritmo do projeto exige um planejamento constante de atividades de aprendizagem. O professor que orienta um projeto de letramento no vai para a sala de aula observar e, acidentalmente, trabalhar as prticas cuja oportunidade aparece. Pelo contrrio. Na turma de Educao Infantil, por exemplo, quando as crianas se interessavam, mesmo que fugidiamente, por algum aspecto do tema, a professora o retomava, nessa aula ou na aula seguinte, quando o considerava relevante para os objetivos educacionais. Tal retomada exigia pesquisa, elaborao de materiais, preparo de aulas de modo intensivo e constante.

    Aparentemente mais complexa a ressignificao do ensino da lngua portuguesa no Ensino Fundamental e no Ensino Mdio por meio de projetos de letramento (ver TINOCO, 2008; BALTAR, 2006; CUNHA, 2010), tanto pela organizao desses segmentos do ensino, que desestimula a integrao de conhecimentos e atividades, quanto pelo aumento de exigncias e demandas programticas e curriculares. Alis, um incidente observado em uma reunio de formao de professores em servio parece indicar que tal dificuldade a norma na maioria das disciplinas. Nessa reunio, com professores de todas as disciplinas do Ensino Mdio e Fundamental, visvamos adeso dos professores aos projetos de letramento no coletivo escolar. Os professores pareciam ter algumas dificuldades em aceitar que a existncia de algum objetivo significativo para ler e escrever poderia tornar at o ensino de contedos mais acessvel ao aluno, quando uma professora de Geografia disse que ela entendia o que queramos dizer. Todo ano ela continuou , odiava chegar s unidades sobre formao rochosa e geologia porque eram entediantes para os alunos e para ela tambm, mas recentemente fora convidada para participar de um grande projeto de elaborao de mapas utilizando o Sistema de Informaes Geogrficas e, no contexto desse projeto, um dos coordenadores, professor de Geologia, tinha dado uma aula maravilhosa sobre o uso das informaes geolgicas na elaborao de cartas cartogrficas. Isso, continuou a professora, tinha mudado absolutamente sua perspectiva sobre a matria e, por esse motivo, no via a hora de chegar anteriormente odiada unidade para poder ensinar a seus alunos as questes de geologia agora sob o novo olhar. O exemplo ilustra como difcil pensar na escola tradicional como um espao em que a relevncia seja definida pelo aluno e no pelo professor, um pr-requisito de todo projeto de ensino4, inclusive dos projetos de letramento.

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    No obstante as dificuldades, como em todo projeto com finalidades didtico-pedaggicas, a integrao disciplinar altamente desejvel e, nos contextos dos projetos de letramento, no s possvel como inevitvel. Em uma descrio de uma experincia de elaborao de Jornal Escolar por turmas de 1o e 2o anos do Ensino Mdio, Cunha (2010) relata ter havido uma dinamizao do ensino de gneros o alvo era o artigo de opinio objetivo que, inserido na corrente enunciativo-discursiva do projeto, adquiriu uma vitalidade e um dinamismo que so pouco comuns quando o eixo orientador do ensino o gnero em si mesmo. Por se tratar de um projeto visando elaborao e publicao de um jornal escolar, que empresta recursos das esferas de atividades jornalstica5 e escolar, o gnero artigo de opinio, nesse projeto, passou por um processo de ensino sistematizado, prprio da esfera de atividades escolar (como nas sequncias didticas da abordagem de Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004)), mas sua produo se deu concomitantemente a outros textos de outros gneros, em decorrncia da multiplicao de situaes em que a escrita era necessria para posicionar-se em relao a uma questo real da vida escolar dos alunos. Multiplicaram-se, assim, os gneros potencializadores da escrita, que foram mobilizados de modo autntico e contextualizado, em tempos e espaos especficos dessa esfera de atividades.

    Na elaborao do jornal, segundo relata Cunha (op.cit.), os estudantes fizeram uso de instrumentos mediadores (VIGOTSKY, 2003; RUSSELL, 1997), prprios dos sistemas de atividades envolvidos nas esferas jornalstica e escolar: cadernos, livros (didticos), quadro-negro, provas, aulas, gravadores, cmeras, transcries, reportagens, softwares de impresso, computadores, Internet, dicionrios. Para elaborar uma das reportagens sobre a proibio do namoro dentro do prdio escolar, realizaram debate da questo em sala de aula; gravaram entrevistas com a Diretora e com outros estudantes e professores, a fim de obter diversas verses da polmica em questo; transcreveram as entrevistas; pesquisaram outros casos que apontassem precedentes; compuseram um texto de reportagem; criaram manchetes; fotografaram e escreveram legenda; editaram os textos produzidos, fazendo algumas dessas etapas sucessivas vezes, at chegar verso final da reportagem.

    A produo dessas redes genricas no incomum em projetos de letramento. Voltando ao mbito da Educao Infantil, em um projeto desenvolvido em uma turma de bebs de sete meses at um ano e meio de

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    idade, a educadora responsvel convidou as famlias dos nens a registrar em um caderno um momento da vida do filho. Um dos objetivos era a elaborao de um livrinho como registro e futuro material de leitura da criana, uma finalidade prpria de uma instituio sustentada pelo mundo da escrita, procurando promover os primeiros contatos da criana com a cultura escrita. Outro objetivo, que pretendia conhecer melhor a criana e sua famlia, estava ligado esfera de atividades do trabalho da educadora. E, ademais, o projeto contribuiu para o letramento da criana na esfera ntima, familiar, na medida em que os pais desses bebs se familiarizaram com funes arquivais em contextos ntimos e, ainda, com funes prazerosas, quase ldicas da escrita, at ento desconhecidas por eles, envolvidas, por exemplo, na observao e registro de um momento da vida do filho, na customizao do caderno do filho para diferenci-lo dos demais, na exposio dos cadernos. As esferas de atividades do cotidiano familiar e as da escola se integraram numa rede constituda de atividades e gneros hbridos (CUNHA, 2010), como acontece caracteristicamente na experimentao com gneros na situao escolar.

    Tinoco (2008) descreve uma reticulao semelhante nos projetos de letramento que desenvolveu na disciplina Estgio com seus alunos, professores atuantes na rede estadual de ensino no agreste do Rio Grande do Norte, em curso de Letras para a formao inicial de professores e sem formao especfica6 e nos projetos que, por sua vez, esses professores atuantes e em processo de formao desenvolveram nas suas turmas de Ensino Fundamental e Mdio. As turmas participaram do Concurso Nacional Tesouros do Brasil, que se destina valorizao de patrimnios brasileiros, e foi esse concurso que se transformou em projeto de letramento desses estagirios.

    As prticas de letramento, segundo relata Tinoco (op. cit.) esteada na sua anlise em uma concepo bakhtiniana da linguagem, comearam pela leitura do regulamento e da ficha de inscrio, seguida de um debate, com perguntas, releituras e respostas, e, em alguns casos, encaminhamento por escrito de algumas perguntas para o site do concurso. As respostas da coordenao do concurso, pelo correio eletrnico, constituram mais uma atividade de leitura e debate. A necessidade de preenchimento eletrnico das fichas de inscrio desencadeou outras atividades, para se familiarizar com a tecnologia e o gnero. Aps o envio eletrnico das inscries, a coordenao

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    Trajetrias de acesso ao mundo da escrita

    do concurso enviou material didtico com sugestes de procedimentos, tais como, estratgias de identificao do patrimnio e de levantamento de dados em documentos dos mais variados gneros: livros, jornais, cartas pessoais, entrevistas.

    Ademais, desse conjunto de atividades e gneros da esfera jornalstica e de atividades prprias de competies e enfrentamentos, viabilizados por meio de gneros das novas tecnologias da informao e comunicao, a corrente de gneros e discursos propiciada pelo concurso foi enriquecida com gneros da esfera de atividade escolar. E, nesse contexto, em se tratando de um conjunto de novas atividades visando a concretizar os objetivos de um projeto, ocorreram experimentaes que nunca antes haviam sido realizadas pelos professores, segundo nos conta Tinoco. Aps a elaborao do anteprojeto e do projeto para o concurso, os professores organizaram suas turmas para a realizao das atividades planejadas.

    Apresento um exemplo dentre os vrios descritos por Tinoco (op.cit.): com a turma que escolheu o rio que atravessava a cidade como patrimnio a ser tematizado, surgiu a aula-passeio, que requeria que os alunos solicitassem autorizao da direo para sair da escola e requisio de nibus Prefeitura, que elaborassem os objetivos da aula-passeio e dividissem as tarefas a serem realizadas, tais como registros fotogrficos e descries das atividades observadas. O passeio instigou outras atividades de carter poltico-ambiental, como debates sobre a importncia de uma campanha de preservao do rio; elaborao de placas de advertncia, folhetos informativos e panfletos sobre a necessidade de preservar o rio; produo coletiva de um relatrio sobre o passeio, tudo isso antes da produo da verso final do relatrio, a ser enviado ao Concurso Nacional.

    O projeto de letramento parece constituir um meio de dinamizao da aula, pois a reflexividade e abstrao passam a formar parte do arsenal de instrumentos do aluno para dar conta das tarefas nessa rede de atividades, que integra tanto as prticas de letramento da esfera escolar quanto as prticas de outras esferas que o desenvolvimento do projeto demanda. Nesse percurso, as prticas sociais no escolares passam a ter existncia no processo de ensino-aprendizagem. Da a relevncia atribuda a essa linha de pesquisa e ao no grupo Letramento do Professor.

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    O contraponto dos letramentos locais

    Por letramentos locais entendo as prticas de letramento vernculas, no institucionalizadas, menos prestigiosas e menos visveis que as prticas de letramento da escola, da universidade, da imprensa, entre outras instituies, que so prticas legitimadas globalmente (cf. BARTON; HAMILTON, 2000).

    Assim como as prticas no escolares de letramento so relevantes para o ensino da escrita no contexto dos projetos de letramento, tambm a investigao de prticas locais, igualmente no escolares, relevante para melhor entender a problemtica de ensino da lngua escrita a grandes parcelas da populao brasileira, particularmente queles alunos que provm de famlias com pouca ou nenhuma escolaridade e de classe social mais pobre.

    No Brasil, o acesso a prticas legitimadas de uso da escrita aquelas que a escola visa a ensinar no garantido pela escolarizao, constituindo-se em mais uma barreira para acesso e mobilidade social de muitos. Assim, o letramento, geralmente o escolar, contribui para que as relaes de poder j institudas sejam preservadas, para que os letramentos dos grupos poderosos (os letramentos dominantes, na terminologia de Barton e Hamilton (2000)) sejam legitimados. Nesse contexto social, o letramento dos destitudos do poder, dos mais pobres, dos que vm de famlias sem escolaridade, equivale a um processo de aculturao via escrita e configura-se como um processo identitrio, de dificuldade e complexidade extremas (KLEIMAN, 1998).

    Na Antropologia e nos Estudos Culturais, a identidade mutvel, flexvel, fluida, instvel e fragmentada (HALL, 2000). Tambm situada, pois, na interao com o outro, ocorrem processos de identificao e diferenciao, que a transformam constantemente. O processo de construo identitria na interao no um processo tranquilo, de coexistncia multicultural, mas de conflito e contradio, no qual as identidades esto em constante construo e mudana.

    Os processos que contribuem para as construes identitrias so discursivos. Para alm das identidades nacionais, tnicas, de gnero, so construdas discursivamente identidades profissionais, como as de professor, mdico, advogado; identidades reguladoras e avaliativas, como as que classificam e dividem uma turma em alunos bons ou ruins; com ou sem futuro; bons meninos e delinquentes. O processo acontece diuturnamente

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    em instituies formadoras, como a escola, as faculdades, enfim, nos espaos onde se ensina aos alunos a falar e pensar como os membros do grupo social, ou profissional, a que aspiram pertencer. Nesse processo, a interao determinante, pois permite que os participantes se posicionem e sejam posicionados pelo outro segundo relaes de poder, status, hierarquia, gnero, etnia. Esses posicionamentos discursivos, por trs das mutveis construes identitrias, fornecem orientaes momentneas, locais, circunstanciais, passo a passo, sobre o status, poder e legitimidade dos participantes da interao, dentro dos parmetros que a instituio permite (HOLLAND et al., 1998; KLEIMAN, 2006).

    Analisando prticas de lderes de movimentos populares, Kleiman (1998) aponta os conflitos daqueles que presenciam constantemente os abusos de poder infringidos por meio da escrita, mas que devem, ao mesmo tempo, aderir a essas prticas, na interao, em funo das posies sociais que ocupam como lderes e representantes de seus grupos. A manuteno dos valores do prprio grupo uma estratgia comumente usada para garantir sua legitimidade nos dois grupos, sem identificar-se ou ser identificado com grupos alheios aos interesses de suas comunidades de origem.

    A investigao de lideranas de movimentos sociais e de suas prticas de letramento, envolvendo a anlise crtica de situaes locais, nas quais o uso da escrita contextualizado em funo das identidades e objetivos dos usurios da escrita e seus contextos especficos, tem sido frequente nas pesquisas de nosso grupo Letramento do professor com o objetivo de conhecer e tornar visveis as trajetrias de letramento desses sujeitos, os modos pelos quais eles construram suas identidades de leitores, escritores, educadores em contextos no escolares. So constataes desses estudos a complexidade e pluralidade das prticas de letramento desses grupos e a variedade de interaes e eventos de letramento nos seus processos de apropriao dos usos da escrita.

    Nessa linha de investigao, Sito (2010) pesquisou as prticas de letramento de uma comunidade quilombola denominada Casca, no estado do Rio Grande do Sul, em processo de legitimao da posse de terras, no marco das atuais polticas afirmativas e multiculturais governamentais. Nesse processo regulatrio, estavam em confronto as prticas tradicionais da comunidade quilombola e aquelas impostas pelo Estado para as negociaes entre seus representantes e as lideranas quilombolas. Sito mostra como as

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    prticas de letramento tradicionais do grupo esto vinculadas a formas de pensar, agir e valorizar (inclusive a autovalorizao) e como os membros da comunidade apropriam-se de prticas legitimadas, ressignificando suas identidades no processo.

    O estudo de Sito (2010) mostra que o contato com as instituies pblicas desencadeou, no seio da comunidade, um processo de construo de identidade quilombola, imbricada nas prticas tradicionais de letramento do grupo, em concorrncia com as prticas dominantes, e que as prticas de letramento das lideranas quilombolas se mostraram em valor desigual, com menos prestgio, do que as prticas de grupos hegemnicos e legitimadas pelo Estado (op. cit., p. 50). Nas descries realizadas pela pesquisadora, fica evidente que a desigualdade tende a acentuar os conflitos entre a instituio de maior poder o INCRA, no caso, mas poderia muito bem ser a escola quando nada feito para diminuir ou atenuar as diferenas e a dominncia e visibilidade das prticas legitimadas das instituies pblicas vis a vis as prticas tradicionais. A pesquisa tambm mostra de modo muito claro os empecilhos criados pelo prprio Estado, que exige a existncia de entidades e o uso de gneros que circulam em instituies letradas por esses grupos desconhecedores das prticas letradas de prestgio, para o acesso ao processo de regularizao do territrio. No obstante essa tenso, decorrente de exigncias como a constituio de uma Associao Comunitria na comunidade, o registro das atividades comunitrias em atas, a elaborao de projetos, a prestao de contas; o processo constituiu-se em ambiente para a emergncia de novos gneros e eventos de letramento, ao mesmo tempo em que se consolidava a pertinncia dos eventos locais de uso da escrita, em outras palavras, das prticas tradicionais, como a guarda do testamento que lhes concedera posse das terras um sculo antes, ou as anotaes que registravam transaes comerciais em caderninhos pessoais. Em resumo, Sito constata a necessidade de examinar as questes identitrias por causa da relao imbricada entre o letramento do grupo e o processo de constituio de identidade quilombola, no contato com o poder pblico: as histrias inscritas e escritas em Casca constituram usos sociais da escrita utilizados pela comunidade no processo de apropriao do tornar-se quilombola e mostra ainda como os constantes movimentos para posicionar subalternamente as lideranas quilombolas por parte dos representantes do poder pblico produzem uma situao que culmina em

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    um conflito entre os valores dos diferentes atores que se chocam nessa arena (SITO, 2010, p. 92-93).

    Outro objeto de investigao relativo no campo das prticas no escolares de letramento consiste no estudo das trajetrias singulares de agentes de letramento formados em espaos outros que os das instituies tradicionais de ensino superior ou do magistrio, como as alfabetizadoras populares (VVIO, 2008) e os jovens ativistas no movimento hip-hop (SOUZA, 2009). Os sentidos que esses sujeitos atribuem a suas trajetrias e prticas de letramento e o impacto destas nas suas identidades de agentes de letramento, segundo mostram essas pesquisas, no deixam dvidas sobre sua pertinncia para as instituies com finalidades educacionais e formativas.

    O estudo de Souza (2009) argumenta que foi a apropriao da escrita o que permitiu aos participantes da pesquisa, jovens ativistas no movimento do hip-hop, redimensionar suas identidades como negros, moradores de periferia e ativistas, ressignificando seus papis sociais. Os jovens participantes da pesquisa foram aos poucos ampliando seu raio de aes, passando da contestao por meio de msica e fala engajada, ao trabalho de educao e de formao em contextos educativos. Nesse processo, eles resistiam a modelos que os tinham excludo do espao escolar e usaram a fluidez da expressividade cultural do hip-hop para se tornarem agentes de letramento que falam a lngua de alunos vindos das margens da cidade sem empregos, sem espaos de lazer, sem cuidados por parte do Estado- e continuam nas margens do sistema escolar.

    Foi no seio das prticas culturais do movimento hip-hop e no decorrer dos densos debates, que a pesquisa de Souza propiciou o espao em que os jovens do grupo Hip-hop Educando encontraram os modos de falar e escrever e os acervos de leitura que usaram nas suas atividades com fins educativos, de relevncia para membros de suas comunidades de origem. Fizeram parte desse acervo de materiais com fins educativos, capa de CD, fanzine, rap, grafite, assim como produes coletivas de organizao de eventos. Ao mesmo tempo, eles iniciavam, cautelosamente a princpio e com plena autoridade mais tarde, a participao em seminrios e palestras sobre relaes raciais e discriminao, baseados na leitura de textos sobre a histria da populao negra no Brasil, em contextos escolares e universitrios. A composio de rap, a elaborao dos fanzines, os eventos coletivos no apenas causavam7 davam-lhes notoriedade e protagonismo

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    como tambm tornavam o manejo da lngua oral e escrita um poderoso instrumento formador nas escolas e faculdades que os jovens visitavam (ainda s margens dos esforos educacionais do centro, claro), pois eles imprimiam a resistncia do movimento a prticas letradas escolares que por um lado valorizavam, e por outro refutavam, reformulando-as nesse processo. Souza caracteriza as prticas dos jovens ativistas como prticas de reexistncia, pois elas no apenas resistiam ao modelo cultural legitimado, como tambm permitiam integrar e ressignificar as prticas relacionadas a outras esferas de atividades do cotidiano, de durao provisria, nos espaos moventes da rua, em que geralmente atuavam.

    Assumindo tambm um conceito de identidade, produzido no contnuo intercmbio de significaes atribudas aos eventos e s posies de sujeito negociadas na interao, Vvio (2008) investiga as identidades leitoras e as trajetrias singulares de formao de educadores cujas experincias de escolarizao formal so poucas e aparentemente de pouca pertinncia nos seus processos de formao de leitores e alfabetizadores de jovens e adultos. Segundo Vvio (op. cit. p. 2; p. 9), os sujeitos so educadores sem formao especfica, que participam de um complexo processo de profissionalizao de educadores de jovens e adultos, um territrio no formalmente reconhecido, no qual atuam profissionais diversos, com diversos nveis de escolaridade e formao. A modalidade em que atuam (EJA), destinada queles que no cursaram ou completaram a Educao Bsica, abrange, ainda, segundo Vvio, um enorme e heterogneo grupo de pessoas afetadas pela sua condio de analfabetos, que os limita social e economicamente.

    A anlise de Vvio mostra novamente o papel do letramento na construo identitria, na interao entre alfabetizadores e pesquisadora tambm formadora deles nas rodas de leitura promovidas durante a pesquisa. Os educadores mostram um grau de reflexividade incomum em relao tanto natureza de suas identidades leitoras, como aos lugares que ocupam nas interaes e s relaes que estabelecem entre esses lugares, configuraes locais, relacionadas aos status e lugares que ocupam na situao, como outras mais amplas relacionadas a configuraes culturais, profissionais e societrias (op. cit., p. 245).

    Na reconstituio das histrias pessoais desses alfabetizadores e nas situaes de interao, destaca-se o fato de esses educadores se apresentarem como leitores competentes, capazes de ensinar a ler e escrever, de formar

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    outros leitores e de interess-los na leitura. No so os cursos formais profissionalizantes os que propiciam essas construes, pois eles no tm diplomas nem certificaes, mas os prprios espaos de atuao comunitria que os autorizam a atuar como educadores e no qual constituem suas bem sucedidas relaes com a leitura.

    Diferentes so as construes de alfabetizadoras atuantes na rede oficial do ensino, que hesitam em admitir seus gostos e objetos de leitura ou em validar suas prticas letradas fora do mbito escolar, como mostra Kleiman (2006) ao cotejar os discursos identitrios (que leitora sou eu?) de participantes da pesquisa de Vvio e de alfabetizadores atuantes na rede estadual de ensino no interior de So Paulo, em programa de formao inicial do curso de Pedagogia, em uma universidade pblica do estado de So Paulo. Essas alfabetizadoras, tambm experientes, desta vez na alfabetizao escolar, parecem assumir as crticas da mdia e dos acadmicos, quando questionam sua pertena plena nos grupos letrados. Enquanto os educadores populares se posicionam como leitores legtimos e constroem elos discursivos de solidariedade entre eles, as professoras assumem, nas interaes, as posies subalternas que experienciam cotidianamente em relao aos seus professores universitrios, mdia, administrao escolar, no se apresentando como leitoras ou como membros legtimos dos grupos letrados que representam na escola.

    Consideraes finais

    Duas prticas de pesquisa tm se mostrado relevantes nos nossos estudos sobre o letramento: em primeiro lugar, o exame de contextos educativos que reproduzem situaes de uso da escrita na vida social, os projetos de letramento; em segundo lugar, a identificao de prticas de letramento locais e das trajetrias singulares de lideranas e agentes de letramento atuando em situaes locais, s margens das prticas globais promovidas pelas instituies educativas legitimadas, como a escola e a universidade.

    A grande diversidade de significaes subjacentes aos letramentos dos grupos estudados, nas pesquisas aqui resenhadas, ajuda a compreender o dinamismo e a riqueza cultural dos eventos de letramento que promovem

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    o sucesso que esses sujeitos atingem em sua insero na cultura letrada, seja como novos usurios, no caso da comunidade quilombola de Casca, ou como agentes comunitrios de letramento, como no caso dos jovens ativistas do movimento hip-hop e dos alfabetizadores populares, cujos letramentos constituem prticas efetivas de resistncia.

    Essas pesquisas nos mostram a necessidade de ruptura com os pressupostos do currculo tradicional a fim de promover, tambm na escola, experincias de acesso, circulao e dinamizao das prticas de letramento para a vida social, experincias hbridas quanto aos valores locais e aqueles universais valorizados e legitimados pela escola.

    A ausncia de recursos econmicos que ainda perpassa o ensino pblico cria condies de desigualdade de acesso cultura letrada. H outros obstculos a esse acesso, decorrentes de enfoques que no levam em conta a heterogeneidade de experincias dos alunos. Os estudos do letramento nos permitem observar outros modos de acesso e distribuio dos bens culturais, de trajetrias de formao, de insero nas prticas culturais hegemnicas, que culminam na apropriao das prticas de letramento que interessam ao grupo, na equalizao das oportunidades de acesso a essa cultura, na autoafirmao e autorizao dos sujeitos que seguem essas trajetrias singulares de letramento. Os projetos de letramento foram apresentados, nesse contexto, como ponto de partida para formular experincias de letramento escolar que favoream os alunos mais frgeis, do ponto de vista social e econmico, e diminuam as dificuldades e tenses no processo de acesso aos universos da escrita.

    Notas

    1 Ou seja, elas produzem discursos sobre a escrita, filiados a algum conjunto de crenas, saberes, atitudes sobre determinado assunto (CHARAUDEAU; MAINGUENEAU, 2004. p. 168-176).

    2 Em Kleiman (2006), apresento dados que mostram que a escolha do gnero como contedo relevante para o ensino no significa que o gnero deva constituir-se no elemento estruturante das prticas sociais mobilizadas no projeto, sob o risco de reduzir o objeto de ensino e o trabalho escolar aos seus aspectos formais e analticos.

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    3 Algumas delas tm sido discutidas e at incorporadas em programas de trabalho oficial (KLEIMAN, 2007; SECRETARIA MUNICIPAL DE CAMPINAS, 2008).

    4 Os projetos pedaggicos, tais como os projetos de letramento de que vimos falando, ou os projetos de trabalho de Hernandez e Ventura (1998), entre outros, remontam aos projetos desenvolvidos no incio de sculo por Dewey (1998) e seus seguidores.

    5 A autora se apoia em Russell (1997), que prope uma teoria de Atividades que se sustenta na Teoria de Sistemas de Gneros, de Bazerman (1994), e na Teoria de Atividades, de Leontiev (1981).

    6 O curso fazia parte do Programa para a Qualificao Profissional para a Educao Bsica, vinculado Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). No trabalho, que descreve o conjunto de atividades desenvolvido pelos professores e seus alunos, Tinoco (2008) teoriza sobre os projetos de letramento.

    7 Segundo Souza (2009), no contexto do ativismo dos jovens do hip-hop, causar significa se fazer notar, dar destaque a fato, evento ou pessoa.

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    Access paths to the world of writing: importance of non-school literacy practices to scholar literacy

    AbstractBased on social and historical conception of literacy rather than an instrumental one (STREET, 1984, KLEIMAN, 1995), this paper discusses aspects of school literacy, pointing out some of its implications for teaching and research. We present two lines of studies developed by the research group Teacher Literacy: one focusing on the development, analysis and documentation of literacy projects and its effects on school literacy; the other focusing local, vernacular literacies and on their effect on the identities of community leaders and agents. Both lines of research aim to contribute towards the development of teaching programs favoring students who are more vulnerable, from a social point of view, and whose access to the world of writing encounters many obstacles. Keywords: Teaching project. Literacy culture.

    Trayectorias de acceso al mundo de la escrita: la importancia de las prcticas no escolares de literacidad para la literacidad escolar

    ResumenUtilizando como referencial terico una concepcin social y histrica de los usos de la lengua escrita, opuesta a una concepcin instrumental (STREET, 1984, KLEIMAN, 1995), este trabajo discute aspectos de la literacidad escolar y apunta algunas de las implicaciones de esa concepcin para la enseanza y la investigacin. Son presentadas dos lneas de investigacin desarrolladas por el Grupo de pesquisa Literacidad del Profesor una que focaliza el desarrollo, anlisis y documentacin de proyectos de literacidad y sus efectos en el aprendizaje de la lengua escrita, y otra que investiga los usos locales, vernculos, de la lengua escrita y su impacto en la identidad de lderes y agentes comunitarios. Ambas lneas objetivan contribuir para el desarrollo de programas de enseanza favorables a los estudiantes ms vulnerables del punto de vista social, cuyo acceso a la cultura escrita encuentra mltiples obstculos.Palabras clave: Proyecto escolar. Cultura escrita.

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    Angela B. Kleiman

    Angela B. KleimanDepartamento de Lingustica Aplicada. Caixa Postal 6041. Instituto de Estudos da Linguagem, Unicamp. www.iel/unicamp.br/letramentodoprofessorE-mail: [email protected]

    Recebido em: 1/7/2010Aprovado em: 10/11/2010